radicalizando por diagramas

16
 Radicalizando por diagramas Por favor, devagar no mar agitado das novidades Rovenir Bertola Duarte como citar DUARTE, Rovenir Bertola. Radicalizando por diagramas. Por favor, devagar no mar agitado das novidades. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 143.06, Vitruvius, abr. 2012 <http://www.vitr uvius.com.br/revi stas/read/arquite xtos/12.143/4275 >. A época atual parece sempre ansiosa para estar diante de algo fantástico com o poder de revolucionar todas as coisas. Guiada pelo aroma inebriante do novo, do devir, resta apenas a constante sensação, dificultando discernir o que pode, ou não, realmente ser revolucionário. Nesse mar turbulento da novidade, como alguém pode se orientar quando os pontos de referência, ao qual um possível mapa se apoiaria, aparentam estar mudando o tempo todo? Com o mar tão revolto, muito se leva a crer que a arquitetura contemporânea tem elegido um personagem para protagonizar este enredo: o diagrama. Protagonista? Definitivamente o diagrama não é um assunto novo na história da arquitetura (1) (2) (3), mas parece estar assumindo um papel protagonista no cenário da representação e geração do conhecimento arquitetônico, superando o desenho tradicional (4) (5). Este parece estar infestado pelo tal aroma da novidade: uma verdadeira ‘diagramania’ (6). Afinal, desde 1996, quando Toyo Ito sugere a existência de uma arquitetura-diagrama (7), têm surgido diversas publicações no campo da arquitetura que vêm corroborando esta suposição. Publicações que abordam diagrama diretamente ou indiretamente desde 1996 [Rovenir Duarte] Este foi o assunto editorial de quatro importantes revistas de arquitetura entre 1998 e 2002 (8). O maior destaque ocorreu no final do século XX (9), mas o ano de 2006 reforçou a pertinência da discussão, sendo novamente o tema editorial de duas importantes revistas (10). Atualmente, o livro editado por Mark Garcia, em 2010, The Diagrams of Architecture , mostra que muito longe de querer encerrar o assunto, prossegue um caminho que não parece ter, tão facilmente, um fim a vista (11). Então por que o diagrama que, não sendo exatamente uma novidade na arquitetura, tem recebido tanto destaque? A partir de uma leitura teórica, este artigo pretende refletir sobre tal questão, este novo aroma desde 1996 (12), suas possíveis transformações e papel no processo projetivo. Mas, antes se buscará tatear uma definição ou diferenciá-lo temporalmente. Quem é realmente este protagonista? ‘Afinal, o que é um diagrama?’ (13). O problema parece começar neste ponto (14): buscar precisão em sua definição, pelo menos no momento, tem parecido distanciar-se desta definição. Como observa Ednie-Brown (15) está se testemunhando a transformação da noção de diagrama, como também descobrindo a transformação da prática arquitetônica pela diagramação.

Upload: scpanta

Post on 02-Nov-2015

219 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Textos Vitruvius

TRANSCRIPT

  • Radicalizando por diagramas Por favor, devagar no mar agitado das novidades Rovenir Bertola Duarte

    como citar

    DUARTE, Rovenir Bertola. Radicalizando por diagramas. Por favor, devagar no mar agitado das novidades. Arquitextos, So Paulo, ano 12, n. 143.06, Vitruvius, abr. 2012 . A poca atual parece sempre ansiosa para estar diante de algo fantstico com o poder de revolucionar todas as coisas. Guiada pelo aroma inebriante do novo, do devir, resta apenas a constante sensao, dificultando discernir o que pode, ou no, realmente ser revolucionrio. Nesse mar turbulento da novidade, como algum pode se orientar quando os pontos de referncia, ao qual um possvel mapa se apoiaria, aparentam estar mudando o tempo todo? Com o mar to revolto, muito se leva a crer que a arquitetura contempornea tem elegido um personagem para protagonizar este enredo: o diagrama.

    Protagonista? Definitivamente o diagrama no um assunto novo na histria da arquitetura (1) (2) (3), mas parece estar assumindo um papel protagonista no cenrio da representao e gerao do conhecimento arquitetnico, superando o desenho tradicional (4) (5). Este parece estar infestado pelo tal aroma da novidade: uma verdadeira diagramania (6). Afinal, desde 1996, quando Toyo Ito sugere a existncia de uma arquitetura-diagrama (7), tm surgido diversas publicaes no campo da arquitetura que vm corroborando esta suposio.

    Publicaes que abordam diagrama diretamente ou indiretamente desde 1996 [Rovenir Duarte] Este foi o assunto editorial de quatro importantes revistas de arquitetura entre 1998 e 2002 (8). O maior destaque ocorreu no final do sculo XX (9), mas o ano de 2006 reforou a pertinncia da discusso, sendo novamente o tema editorial de duas importantes revistas (10). Atualmente, o livro editado por Mark Garcia, em 2010, The Diagrams of Architecture, mostra que muito longe de querer encerrar o assunto, prossegue um caminho que no parece ter, to facilmente, um fim a vista (11). Ento por que o diagrama que, no sendo exatamente uma novidade na arquitetura, tem recebido tanto destaque? A partir de uma leitura terica, este artigo pretende refletir sobre tal questo, este novo aroma desde 1996 (12), suas possveis transformaes e papel no processo projetivo. Mas, antes se buscar tatear uma definio ou diferenci-lo temporalmente.

    Quem realmente este protagonista? Afinal, o que um diagrama? (13). O problema parece comear neste ponto (14): buscar preciso em sua definio, pelo menos no momento, tem parecido distanciar-se desta definio. Como observa Ednie-Brown (15) est se testemunhando a transformao da noo de diagrama, como tambm descobrindo a transformao da prtica arquitetnica pela diagramao.

  • Afinal, quando se iniciou este processo de transformao? Pode-se dizer que o discurso do diagrama do sculo XX foi forjado na ideologia moderna, uma concepo racionalista cujo principal critrio seria a instrumentalidade. Um cdigo discursivo que organiza a realidade para sua utilizao, seu entendimento mais bsico para o controle, do layout da planta para o controle do usurio, cujo princpio operacional foi funcionalizar o espao e espacializar a funo (16). Assim, a crtica ps-moderna ideologia controladora moderna tambm atingiu esse discurso do diagrama. Um nome chave para entender esta transformao Peter Eisenman, que desde 1963 com sua tese The formal basis of modern architecture (17), utiliza o diagrama para tratar de forma e linguagem, construindo um caminho para a superao do dilema da arquitetura moderna atravs de um novo tipo de diagrama no mais determinstico e nem linear, em oposio leitura funcionalista. Aureli e Mastrigli (18) comentam que esta mudana do diagrama foi quando os precursores digitais abandonaram o papel tradicional do diagrama por uma forma de Deus ex machina do devir. Kwinter (19) tambm observa que agora este no funcionaria mais simplesmente como um blueprint, para depois traduzi-lo e reproduzi-lo, o diagrama seria o mecanismo da novidade, para o bem e para o mal. Contudo foi Vidler, em seu ensaio What is a Diagram anyway? (20), quem buscou de modo mais claro, as diferenas entre o diagrama geral e o novo. Comenta que seria Foucault quem introduziu esta distino, pois em Vigiar e Punir, em 1975, com o emblemtico exemplo (21) do Panptico de Bentham, o diagrama teria demonstrado uma nova forma de instituio (22).

    Desenho de Jeremy Bentham de 1791, Panoptico [Wikicommons] Esta mudana tambm encontra explicao na referncia terica do filsofo G. Deleuze, em seu entendimento sobre diagrama, citao quase onipresente nos textos de arquitetura (23). Este pensamento foi construdo basicamente em trs livros entre 1980 e 1986, sendo que o primeiro junto com F. Guattari (24). Seu conceito de mquina abstrata, dentro da disciplina arquitetnica, tornou-se constante quando se trata de diagramas. A maneira como Deleuze se expressa torna mais instigante a discusso, mas no mais fcil, um conceito hermtico, que poucos parecem entend-lo claramente e, como uma bomba de timer, vem explodindo pouco a pouco, assim na poeira do j demolido no fcil perceber o que realmente importante se resgatar.

    Se no momento no parece fcil dizer o que um diagrama, no d para esboar algumas de suas caractersticas? Mesmo que dentro da disciplina arquitetnica o conceito deste diagrama contemporneo esteja em construo, pode-se aproveitar de algumas definies para reflexo. Entretanto as divergncias em sua definio so mais presentes do que as aproximaes, mas, ainda que no parea interessante precisar seu conceito, deve-se pensar sobre seu papel e significado.

    O diagrama geralmente entendido como um cone grfico para representar um conceito, ou seja, um ideograma (25). Uma de suas caractersticas mais observadas est na sua capacidade de cumprir um papel duplo. De um lado meio analtico e de notao, do outro sntese e gerador (26). Mapa e trajetria (27). Ele opera como um veculo de transmisso e produo de raciocnios (28).

    O diagrama no um modelo e sim um fluxo, no deve ser visto como uma simples reduo da pluralidade, mas ao contrrio, uma complicao da realidade dentro da prpria capacidade de explic-la e de desdobr-la constantemente, uma ferramenta conceitual de natureza algortmica (29). Spuybroek comenta que ele basicamente um motor, uma mquina que no quer impor-se sobre a matria, mas se ocupa com um processo de formao contnua (30). Segundo Kwinter, um diagrama busca estruturas de organizao: comunicao, controle e formao de padres. Esta entidade corresponde a um micro-regime de foras, todo objeto uma composio de foras, e o evento composicional o trabalho ou expresso de uma mquina abstrata (31).

  • Yokohama Masterplan, Japan, 1992 [OMA] O diagrama representa e entende um conceito, em uma rede complexa de relaes e possibilidades. Eisenman recorre imagem do Mystic Writing Pad (32) de Freud, para explicar que o diagrama arquitetnico pode ser concebido por uma srie de camadas que so constantemente regeneradas e, ao mesmo tempo, capazes de reter mltiplos vestgios: multiplicidade e sobreposio (33). Havendo infinitas possibilidades para escrever e reescrever (na folha superior) e de recordar os traos j escritos (na folha inferior), uma dimenso temporal. Esta riqueza de possibilidades resulta em sua impreciso formal, como afirma Spuybroek, suas relaes so claras, mas completamente vagas em sua expresso formal. Assim, duas caractersticas ajudam a explicar o protagonismo do diagrama: multiplicidade e impreciso formal. Contudo o que torna este diferente do entendimento tipolgico arquitetnico?

    A radicalizao de uma cultura? A diferenciao entre tipo e diagrama uma questo bastante importante, pois se partisse das consideraes de Argan sobre o tipo, derivadas da definio de Quatremre de Quincy, as semelhanas com os termos multiplicidade e impreciso formal so evidentes (34), o prprio Argan comenta que este tipo no teria uma determinao formal em si, surge como uma imagem vazia (35), imagens de vrios sem ser algum. Esta procurar ser preenchida por uma hiptese, mas como muitas hipteses so possveis, busca-se a mais realizvel, somente assim torna-se algo.

    Para entender melhor essa idia de tipo e suas possveis diferenas para o diagrama ser necessrio recorrer a dois conceitos definidos por Argan: a cultura do modelo e do projeto (36).

    Na primeira cultura, a concepo parte de um modelo que apenas pode ser imitado, arte como mmesis, onde a reflexo acontece em uma atividade de reproduo. Mas na cultura do projeto, o incio da cultura moderna, a concepo se reinventa, a transgresso de si mesma. O projeto partiria da anlise e da crtica do existente, de um tipo que existe, para Argan a crtica realizar-se-ia atravs da anlise das caractersticas anlogas, assim este v o embrio do problema da tipologia: tipos com caractersticas estruturais semelhantes e que admitem variantes dentro de certos limites. Uma reduo s caractersticas comuns e constantes, destruindo a caracterstica especfica de cada um. Pelas explicaes de Argan pode-se dizer que o diagrama, aos moldes do tipo, corresponde chamada Cultura do Projeto, afinal como lembra Braham, o debate sobre o diagrama trouxe tona a velha discusso da tipologia, mas em condies novas, mais fashion, apoiando-se nas noes Deleuzianas, nos modelos paramtricos e nas novas formas dos meios digitais (37). Poder-se-ia dizer que o diagrama faz parte de uma radicalizao desta Cultura do Projeto, pautado no s na inveno, mas principalmente na transgresso do anterior. Radicalizao no sentido que esta transgresso procura ir alm dos correlatos proporcionados pela histria, apoiando-se em instrumentos abstratos: uma importante diferena entre o diagrama e o tipo sugerido por Argan. Como observa Braham, Argan determina uma forte relao do projeto com a histria, o projeto sempre um procedimento de reutilizao (38), assim, seu foco histrico o limita ao exame de tipos estveis e bem definidos em contextos histricos especficos, excluindo algo mais neutro ou abstrato como, por exemplo, um malha estrutural (39). O princpio dessa radicalizao da cultura do projeto encontrou na abstrao diagramtica um caminho para o controle, o domnio, como diz Hyungmin Pai (40), uma perseguio utpica da arquitetura buscando controlar o comportamento humano, tais como movimentos, rotas e atividades: desta idia nasce este discurso do diagrama arquitetnico. Um modo essencialmente moderno de representao que no trata do objeto em si, mas do mecanismo que o concebe, bastante distante da cultura do modelo. Para Pai, o diagrama arquitetnico proveu o arquiteto com um meio para representar espao sem desenhar paredes ou colunas, assim, o grfico funcional torna-se uma parte codificada deste discurso arquitetnico, provendo maior informao atravs de forma e espao.

  • Justamente essa herana moderna, revelada no diagrama funcionalista e baseada em necessidades fixas, que parece estar sendo repensada. Essa compreenso mecanicista (41) do ato do projeto, e idealista, que est se tentando transformar com um diagrama dinmico, e em algumas vezes pragmtico, que no mais acredita em uma relao determinista entre o espao arquitetnico e o comportamento do usurio, ao contrrio, como lembra Braham, busca adaptar-se s velozes condies de mudanas da cidade contempornea. Tudo isso ajuda a explicar a alta repercusso do diagrama atualmente. O prprio Argan alertava sobre o perigo da deciso mecnica de uma cultura estabelecida (42), mas seria neste sentido? Por trs desta idia de inveno, to presente no tal mar revolto da novidade, que no se regula ou controla, est uma sensao especfica: a de liberdade.

    Do controle para liberdade? (atualmente facilidades podem gerar dificuldades) Ento, ao contrrio do que o diagrama de Foucault ofereceu, o diagrama contemporneo parece soar um tipo de sensao de liberdade. Contudo o que poderia significar esta liberdade? Como criticam Aureli e Mastrigli, o diagrama parece um instrumento que pode reduzir e aumentar todas as complexidades e contradies do mundo em nome de uma liberdade (43). Para Loostma essa liberdade pode ser apenas fictcia, porque os espaos arquitetnicos so por definio uma parte do sistema social, comenta: estamos enlouquecendo se imaginamos que um certo tipo de arquitetura cujas formas estejam em movimento possa oferecer maior liberdade (44). Aureli e Mastrigli engrossam a crtica, diagrama em arquitetura tornou-se pura representao da idia do prprio movimento, dando aos arquitetos a iluso que possvel liberar eles prprios da firmeza (fixity) e da finitude (finiteness) da forma arquitetnica. Esse registro do movimento pode trazer outra direo para ajudar a imaginar o porqu do protagonismo presente. A aproximao s tecnologias digitais, a linguagem por dgitos sempre em atualizao (45), permite sonhar com o registro das efemeridades do mundo dirio percebido. Este registro tem ocorrido por um processo de mapeamento, cartografia (46), que os arquitetos contemporneos tm aplicado de forma literal, como descreve Vidler, rastreiam o movimento e os eventos no espao como coregrafos (47). O que anteriormente era considerado influncia, para os projetistas gerarem uma soluo para um problema, agora so mapeados sinteticamente como informao topogrfica direta (48). Na tentativa de captar este movimento, elegem parmetros e registram suas alteraes, sejam estes mudanas do vento, do rudo local, do trfego de carros ou tendncias demogrficas. A formao de modelos parametrizveis tem sido o passo seguinte, um objeto que se transforma segundo os valores dos parmetros. Mas a tal liberdade presente na possibilidade de ter todas as variaes programadas torna-se ao final o desenho e seu controle, em algum momento o diagramtico se atualiza e deixa de ser o diagrama potencial. O que no pode ser um problema. Como Vidler no permite esquecer, os desenhos de arquitetura produzem a arquitetura (49), seguindo servilmente as convenes de sua representao. O problema ento est na traduo fcil, da abstrao da abstrao para o diagrama do diagrama (50), assim o grande perigo a forma arquitetnica tornar-se a imagem construda do diagrama (51), pois o segundo traz a matriz para gerao de muitas outras. Assim, a facilidade atual de gerar e representar formas que acompanha o problema.

    necessrio buscar o lado cego da imagem (52), onde o diagrama no seja meramente uma ilustrao, a ordem invisvel que torna outras visveis, pois este diagrama uma mquina, que somente capaz gerar algo porque tem engendrado em si uma ordem. No se pode tomar o efeito pela causa. O diagrama no pode ser confundido com os fatos concretos que diagramatiza, como tambm a arquitetura no pode ser confundida com os movimentos que ocorre junto a ela, a representao do progresso destes movimentos o rastro de uma fora, mas no suficiente para controlar sua realidade mesmo considerando que o mundo real sempre um mundo dos efeitos (53). Procurar entender estes mecanismos provavelmente seja um desafio para uma arquitetura futura, que encontrar menos dificuldade para gerar e executar suas formas, e mais para justific-las e atribu-las valor.

    Reflexes sobre os porqus de seu protagonismo Evidentemente que para uma cultura baseada na tradio, e assim na repetio, uma representao figurativa parecia uma boa resposta. Da mesma maneira, no momento em que se aproximava de uma cultura do projeto, onde se parte da anlise do existente, um desenho instrumental, que pudesse separar partes, fazer projees e rebatimentos, tambm se mostrou muito valioso. Mas esse caminho por representaes to abstratas ajudou na busca de uma racionalizao cada vez maior do processo projetual, chegando at na busca do controle dos fenmenos que o rodeiam ou que, pretensamente, determinam. O diagrama foi empregado com esse objetivo, uma representao sinttica que permitisse entender o fenmeno para control-lo.

  • Mesmo que o projeto nunca decrete o futuro, como diz Argan (54), pois as coisas podem acontecer de modo totalmente diferente. A cultura do projeto se v em um processo de radicalizao, porque precisa entender como pode acontecer em mundo que cultua as multiplicidades, transformaes e relatividades. Seus procedimentos precisam se adaptar a este novo cenrio, at uma nova cultura se instaurar. Os projetistas atualmente parecem aceitar a impossibilidade do controle total, tentam agora mtodos mais flexveis e sensveis, que permitam lidar com as diversas transformaes, o que Braham chama de situaes no-lineares. Esta no-linearidade se encontra em situaes que no podem ser previstas ou caracterizadas, mas somente experimentadas, porque a situao suficientemente dinmica ou as influencias so to numerosas e complexas (55).

    Seria o fim da concepo mecnica? O emprego das tecnologias digitais coloca essa questo em mais destaque, pois com o caminho da parametrizao digital e de sistemas generativos, incorporou-se o movimento e as mltiplas possibilidades em uma s representao, tal como o tipo pretendera. Constri-se um objeto que permite muitas solues, onde se elabora o problema e uma resposta mltipla, que aceita transformaes a partir de mudanas de valores, entendendo a situao especfica do momento como cambiante. Mas ainda no suficiente para saber se so mtodos no mecnicos. Braham parece tocar no ponto fundamental quando diz que a real contribuio dos modelos computacionais no a mecanizao de procedimentos j bem estabelecidos, mas mostrar os resultados sob influncias dinmicas no-lineares (56). Para o arquiteto lidar com o no determinado, no programado, depender fundamentalmente da programao, que poder determinar suas variaes, ou seja, de sua abertura. Um desafio para o caminho escolhido pela Cultura do Projeto.

    Assim a questo est a, diagramar o problema dentro de suas possibilidades, mesmo que para isso se precise transformar a idia de diagrama. Entender os possveis mecanismos internos, ordens, e construir uma mquina abstrata, um algoritmo, um diagrama que seja sensvel a mltiplas foras, as variveis, que conformam uma possvel resposta. Definitivamente a empreitada no fcil considerando o excesso de informaes com que esta Cultura est, aparentemente, desejando enfrentar.

    Concluses e alertas O processo de projeto nunca foi um mar muito calmo, pois transita entre a idia e o edifcio, ou como disse Argan, uma atividade puramente intelectual e outra manual (57). Quanto mais prxima da idia, mais manifesta toda a incerteza e impreciso do momento inicial de qualquer criao e descoberta, pois o processo de projeto a reduo de possibilidades infindveis a uma eleita, processo que caminha junto com angstia e prazer. Os anteparos grficos nos momentos iniciais, muitas vezes so um acalanto diante desta angstia do desconhecimento. Isso porque em algum momento do processo da criao artstica, o arquiteto manipula a matria prima do sonho, o inefvel, aquilo que no se acaba (58), pois por mais que o fim seja desejado no processo que mora a origem do prazer, na incubao (59): em uma sensao.

    O protagonismo do diagrama atualmente parece estar exatamente nessa necessidade de lidar com o caminho das mltiplas possibilidades e da impreciso (60), um q da sensao inefvel da criao, mas com um ferramental marcado pelo processamento de dados precisos. Essa necessidade fruto do desafio que o dinamismo social atual sugere e que a radicalizao da Cultura do Projeto quer responder. Como lembram Aureli e Mastrigli, menos valioso tentar expor todas as ordens, deixar tudo claro, representar aquilo que inexprimvel. A manuteno dessa sensao imprecisa um importante ponto para o mundo digital (61), onde estar consciente das incertezas parece ser um caminho bem mais seguro. O emprego de modelos de simulao virtual e as tecnologias referenciadas com modelos informacionados, direcionam para a segurana do controle dos equvocos, mas e quando os equvocos podem ser surpresas interessantes? No excesso informacional tudo se registra nas densas camadas magnticas, mas pouco se apreende, a insegurana faz procurar o porto seguro da preciso, mas o perigo no cessa, pois a essncia de alguns momentos projetuais da arquitetura est na impreciso.

    Claro que o projeto envolve tomada de deciso, diretamente relacionada com a capacidade crtica e valores, sendo que este valor vai muito alm do value de atributos em objetos paramtricos. O diagrama parece cumprir na disciplina e na prtica arquitetnica um papel mais amplo, talvez o que Vidler chamou de reavaliao do papel da representao abstrata (62), onde este busca uma ordem engendrada e no a simples forma resultante, at mesmo porque a gerao de formar parece fcil demais na poca atual. Faz-se necessrio entender as ordens que permitam tatear a parte da vida invisvel, mas como alerta Braham, o mtodo diagramtico no pode ignorar o sujeito, com seus desejos e sofrimentos, este no deve colocar o arquiteto como apenas mais uma varivel

  • desta diagramao (63), e ainda como diz Montaner (63), considerar a vitalidade da experincia das atividades humanas. O diagrama parece revelar a radicalizao da cultura do projeto, reconstruindo suas bases de tal forma que as formas anlogas e estruturas semelhantes tipolgicas no so suficientes. Nesse mar revolto da novidade, a orientao pode demandar novos instrumentos de leitura, e tambm, novas leituras dos limites de sua percepo, afinal quando o homem amplia estes limites se reinventa. O mar parece animado, e parafraseando um quase antigo samba, eu aceito o argumento, mas no me altere a arquitetura tanto assim, faa como um velho marinheiro que durante um nevoeiro leva o seu barco devagar.

    Notas 1 Garcia, M. (ed.). The Diagrams of Architecture. Chichester: AD Reader, 2010. 2 Vidler, A. Diagrams of Diagrams. In Representations (Berkeley), No. 72, Autumn, 2000, p. 1-20. 3 Pai, H. The portfolio and the Diagram. London, Cambridge. The MIT Press, 2002. 4 Somol, R. "Dummy Text, or The Diagammatic Basis of Contemporary Architecture". In EISENMAN , P. Peter Eisenman: Diagram Diaries. Londres: Thames and Hudson, 1999. 5 Pai, H. op. Cit.

    6 Meno ao nome da edio n.74 da revista Daidalos, editorial de G. Confurius.

    7 Na revista El Croquis N.77 de 1996 sobre Kazuo Sejima, Toyo Ito escreve um texto intitulado Arquitectura Diagrama, onde apresenta a arquitetura de Sejima unida ao diagrama, um edifcio seria no fundo o equivalente ao diagrama do espao que se usa para descrever de forma abstrata das atividades cotidianas deste.

    8 ANY: Diagram Work (New York), n.23, 1998; OASE: Diagrams (Rotterdam), n.48, 1998/1999; Daidalos: Diagrammania (Berlim), n.74, 1999; e Fissuras: Diagramas (Madri), vol.12.5, 2002.

    9 Podendo acrescentar os livros Peter Eisenman: Diagram Diaries (1999) de Eisenman, Move: imagination, techniques and effects (1998/1999) de Van Berkel e Bos, Folds, Bodies and Blobs (1998) de G. Lynn e Metacity/Datatown (1999) do MVRDV, alm do artigo de B. Lootsma na revista A+U, N.342 em 1999, Diagrams in costumes. No ano de 2002, o livro de Pai, The portfolio and the Diagram.

    10 As duas revistas foram: Lotus Internacional: Diagrams (Milan), n. 127, 2006; e a Architectural Review: The Diagram, January, 2006. Podendo acrescer, entre outros, os livros Peter Eisenman Feints (2006) de S. Cassar (ed.); Atlas of Novel Tectonics (2006) de REISER + UMEMOTO e Sistemas Arquitectnicos Contemporneos (2008) de Montaner. Alm dos diversos artigos e trabalhos de ps-graduao.

    11 Outros livros tm surgido, tais como: Program Diagrams (2011); Conceptual Diagrams (2011) (dois volumes) e 'Architectural Diagrams: construction and design manual' (2011) (dois volumes).

    12 Apesar do texto de Toyo Ito no ter uma reflexo terica profunda, o termo teve uma grande repercusso que justifica sua relevncia.

    13 O ttulo de Vidler, A. "What is a Diagram anyway?" In CASSAR, S. (ed.). Peter Eisenman Feints. Milano: Skira, 2006, p. 19-27. 14 Um problema sobre diagrama sua prpria definio, o seu conceito e palavra envolvem uma variedade de diferentes disciplinas (...) O problema desta ampla definio que dilui o significado do termo, pois comea a decompor e dar colapso em conceitos mais gerais e vagos Garcia, op.cit., p.22-23.

  • 15 Ednie-Brown, P. "The texture of Diagrams". In Daidalos: Diagrammania (Berlim), n. 74, January 2000, p.72-79. 16 Pai,H. op.cit.

    17 Somol, R. op.cit.

    18 Aureli, P. e Mastrigli, G. "Architecture after the diagram". In Lotus Internacional: Diagrams (Milan), n. 127, 2006, p. 101-104. 19 Kwinter, S. "The Hammer and the Song". In Oase: diagrams (Rotterdam), n.48, 1998, p.34. 20 Vidler, op.cit.

    21 Montaner, J. M. "Arqueologa de los Diagramas". In CPA (Madri), n. 1, 2010, p. 16-22 22 A prpria presena do diagrama demonstra a existncia de uma nova ordem dos poderes, uma nova forma de instituio, uma figura da tecnologia poltica (Vidler, 2006).

    23 Porm parece mais importante em arquitetura do que outras reas, por exemplo, em 2000, na primeira conferencia internacional sobre Teoria e Aplicao de Diagramas em Edimburgo, um evento interdisciplinar, em 38 artigos publicados no houve nenhuma referncia aos livros de Deleuze.

    24 Deleuze constri seu entendimento do conceito de diagrama em Mil Plats (1980),Francis Bacon: Lgica da sensao (1981) e Foucault (1986). Outro livro,Pintura: El concepto de diagrama, que apesar de ter sido publicado em 2007, trata-se de uma transcrio de um curso de 1981. 25 Como diz a definio de Tschumi: ...o diagrama para mim uma representao grfica de um conceito e a Arquitetura a materializao de um conceito (Entrevista com Tschumi por Garcia, 2010, p.196), uma definio de um ideograma, o que corroborado por Eisenman (1999), contudo Martinez Lpez (2009) em sua tese de doutorado El diagrama en arquitectura na UPC, discorda. 26 Eisenman, P. "Diagram: an Original Scene of Writing".In Any: Diagram Work (New York), n.23, 1999, p. 27-29. 27 Gausa, M. (et. al.). Diccionario Metpolis Arquitectura Avanzada. Barcelona: Actar, 2001. 28 A compreenso de Pierce sobre diagrama segundo Viedler (2006).

    29 Kwinter, op.cit.

    30 Spuybroek, L. op. cit.

    31 Kwinter, op.cit., p. 124.

    32 No artigo A note upon the mystic writing-pad (1925), Freud fala de um bloco mgico, brinquedo formado por uma prancha coberta com resina e uma folha transparente. Sendo que uma das laterais da folha presa a prancha. Quando se risca sobre a folha o papel marcado pela cera, mas ao levant-la o desenho desaparece desta folha. 33 Eisenman (1999) diz que o diagrama como mapas sobrepostos, mas h uma distino entre a idia de sobreposio de Deleuze e Eisenman. Para Deleuze refere-se a uma camada vertical diferenciando entre o fundo e a figura, j para Eisenman se refere a uma coexistncia, camadas horizontais onde no h solo estvel ou origem, onde figura e fundo oscilam.

  • 34 ...um modelo uma forma que devemos reproduzir tal qual ela . Um tipo uma estrutura que d a possibilidade, no apenas a possibilidade, mas a necessidade de variantes, pois o tipo no tem uma determinao formal Quincy Apud ARGAN, G. "A Histria na Metodologia do Projeto". In Caramelo, n.6, SP, FAU/USP, 1992 (1983), pp.157-170, p. 158. 35 Argan observa que no momento da formao tipolgica, ou seja, no momento em que muitos correlatos transformam-se nesta imagem vazia, a experincia histrica termina, pois se constri uma forma. Exemplifica com o templo circular, existem vrios templos em forma de crculo na histria, mas pode-se gerar uma imagem tipolgica de um templo circular, ningum sabe a forma final desse templo, mas sabe que circular, uma imagem vazia (Argan, 1983).

    36 Ibidem

    37 Braham, W. "After Typology: The Suffering of Diagrams". In Architectural Design, 70.3 (2000): 9-11. 38 Argan, op.cit. p.163.

    39 Quando um tipo determinado j tem uma existncia como resposta a uma demanda de uma dada condio histrica (Braham, 2000).

    40 Pai (op.cit.) investigou o discurso do diagrama na Amrica, sob a influncia da administrao cientfica. O diagrama muda o seu foco, da mquina para o corpo humano. A fbrica tinha que ser regulada com um conjunto de padres repetitivos e previsveis.

    41 O termo mecanicista no sentido filosfico e administrativo cientfico, no primeiro explica os fenmenos atravs de uma causalidade linear, determinista, o segundo procura mxima eficincia atravs de uma avaliao pormenorizada do seu funcionamento, ignorando emoes humanas (fonte Wikipdia).

    42 Argan, op.cit.

    43 Aureli e Mastrigli, op. cit.

    44 Lootsma, B. "El debate sobre el diagrama o el arquitecto esquizofrnico". InRevista Fissuras: Diagramas (Madri), vol.12.5, 2002, p.146-179. (p.156) 45 Os arquivos binrios do dia-a-dia, carregam bits para se transformar concretamente em documentos, filmes, fotos, e tambm, emoes, decises, e dinheiro: o movimento est evidente.

    46 Deleuze agradece a Foucault o emprego da expresso cartografar para seu entendimento de diagramas (Vidler, 2006).

    47 Vidler 2000, op.cit., p. 54

    48 Ibidem.

    49 Vidler (2000) comenta que os desenhos arquitetnicos precedem a construo do que , sem referncia ao objeto j constitudo no mundo.

    50 Ibidem.

  • 51 Aureli e Mastrigli, op. cit.

    52 Lootsma, op. cit.

    53 Kwinter, op. cit. p.126

    54 Argan comenta que h a necessidade de dar a existncia de hoje uma dimenso a respeito do futuro, atravs de um projetar contnuo, uma contnua crtica sobre a existncia. Argan, op. cit.

    55 Braham, op. cit.

    56 Ibidem

    57 Argan, op. cit.

    58 Esta frase refere-se sensao presente nos sonhos de manipulao do tempo, onde um pesadelo pode parecer eterno.

    59 G. Broadbent, em Diseo arquitectnico (1976), cita as cinco fases do processo de descoberta de Wallas (1926): informao, incubao, iluminao, verificao e formulao.

    60 Os objetos paramtricos geram objetos mltiplos, mas no necessariamente imprecisos, pois no fcil desgarrar-se da origem de desenhos de traos orientados numericamente por coordenadas. Os croquis digitais precisam evoluir para guiar os processos de concepo dentro de uma poca de tanto controle informacional.

    61 Com a evoluo das tecnologias BIM, o edifcio , digamos, construdo em mundo virtual. Este talvez seja um grande problema, no excesso informacional de modelos, tudo parece registrado.

    62 Vidler, 2000, op.cit.

    63 Braham, op.cit.

    64 Montaner, op.cit.

    sobre o autor Rovenir Bertola Duarte mestre pela FAU-USP (2000) e professor do curso de arquitetura da Universidade Estadual de Londrina desde 1996, foi coordenador do grupo de estudos Contemporar e diretor do Ncleo de Estudos e Pesquisas de Engenharia e Arquitetura. Atualmente se encontra em licena cursando doutorado na Univesitat Politcnica de Catalunya (UPC-Barcelona).

    Este artigo faz parte de uma investigao de doutorado que conta com o auxlio da CAPES atravs de bolsa Doutorado Pleno, processo BEX 0883107.

  • 6=6? Caminhos, reflexes e o tempo da arquitetura contempornea

    Rovenir Bertola Duarte

    como citar

    DUARTE, Rovenir Bertola. 6=6? Caminhos, reflexes e o tempo da arquitetura contempornea. Arquitextos, So Paulo, ano 11, n. 124.08, Vitruvius, set. 2010 .

    Broadway, Nova York Foto Victor Hugo Mori Quais seriam as direes e apontamentos na busca de caminhos transitveis para arquitetura contempornea? Pistas para a reposta desta pergunta podem estar em dois textos escritos nas dcadas de 80 e 90. Porm importante no se esquecer de alguns momentos antes de encontrar o cenrio onde/quando estes foram escritos. Lembrar que se pensou sobre o que estava acontecendo com a arquitetura moderna (1); do crescimento das inquietaes a respeito do Estilo Internacional; da reflexo pela continuidade na trincheira-revista italiana Casabella (2); como da materializao desta resistncia em forma de torre: a Velasca de 1958. Lembrar tambm do questionamento se arquitetura no seria importante demais para ser deixada para arquitetos (3); de repensar se tanta abstrao, distanciamento da vida cotidiana e elitismo intelectual seriam uma direo correta; do nervoso desmanche no ano de1966 (4); da Strada Novissima e a Presena do passado (5); como do questionamento se seria o moderno um projeto inacabado (6). Para ento, em 1981, chegar ao cenrio da publicao de um texto de Kenneth Frampton onde este declara uma resistncia em seis pontos. O outro texto exige ainda que se lembre, continuando esta despretensiosa histria saltitante, do questionamento onde estariam os outros 359 graus (7) e de uma exposio no MOMA em Nova Iorque chamada Deconstructivist Architecture em 1988, para, por fim pelo menos neste ensaio, em 1991, ser publicado um outro texto, desta vez de Bernard Tschumi, que agora declara seis conceitos para a arquitetura contempornea. Estes dois textos, e os seis apontamentos de cada um deles, manifestam defesas e aconselhamentos por um caminho para o futuro da arquitetura, um caminho no necessariamente seguro, mas transitvel e crtico. Exerccios tericos de retaguarda e vanguarda resumidos a seguir: seis igual a... Seis pontos para uma arquitetura de resistncia (8) Publicado no incio da dcada de 80, o texto do historiador ingls Frampton destaca seis pontos, que em alguns momentos servem para a ordenao do raciocnio e em outros so proposies claras, por uma de resistncia aos caminhos trilhados pela arquitetura naquele momento e por uma defesa de um Regionalismo Crtico. Esta ideia de Regionalismo Crtico advm do termo cunhado por Alex Tzonis e Liane Lefaivre, e engrossado pelas reflexes de Paul Ricoeur, no livro Universalization and National Cultures de 1961. O autor divide seu ensaio em seis pontos, que so: Cultura e civilizao, Ascenso e queda da vanguarda, Regionalismo crtico e cultura mundial, Resistncia da forma do lugar, Cultura versus natureza e Visual versus ttil. Estes procuram a construo de uma posio de retaguarda, um raciocnio cujo primeiro ponto principia no entendimento do embate entre a civilizao universal e a cultura local, onde o utilitarismo imposto pelo processo de produo, as abordagens tecnolgicas cada vez mais condicionantes para a arquitetura, as megalpoles e a ausncia de sentido das fachadas/mscaras compensatrias, marcariam a vitria em andamento da primeira, a civilizao universal, sobre a segunda, a cultura local. No segundo ponto, tratando das vanguardas, diagnostica uma queda deste esprito, onde a alma libertadora estaria se perdendo perante a direo do entretenimento e a comodidade a frente das imagens gratuitas e cenogrficas. Assim caberia assumir uma postura de retaguarda, o regionalismo crtico, que aparece no terceiro ponto, agora atravs de uma abordagem mais propositiva. Armado com uma viso crtica sobre o regionalismo sentimental, uma comunicao populista, o autor evoca uma percepo crtica da realidade, atravs dos elementos derivados das

  • especificidades de um local em particular. Estas particularidades poderiam estar na luz, na tectnica derivada do modo estrutural peculiar ou na topografia do local. Ainda alerta que no se deve desprezar as tcnicas universais, pois o tempo atual, enquanto herdeiro desta civilizao, deveria ser portador da cultura local sobre o veculo da civilizao universal. Ento, o primeiro passo seria desconstruir o espectro da cultura mundial para depois realizar uma crtica. A forma do lugar ocupa posio de destaque no quarto ponto, aproximando da conceituao de Heidegger, ou seja, relacionado com o entendimento do habitar e do limite enquanto elemento determinante, Frampton faz uma abordagem crtica da viso abstrata do espao, apoiando-se em uma concepo material e existencial. Uma posio distante da forma urbana da Megalpole, distante da fluidez do espao infinito, mas prximo de uma densidade cultural que possibilitaria mltiplas e profundas experincias, como galerias intrincadas nas quadras das cidades mais antigas. A ideia de cultivar o lugar tratada no quinto ponto, na relao entre cultura e natureza v-se uma harmonia, uma interao entre estes, uma abordagem diferente das tradies mais abstratas da arquitetura moderna. A inscrio do edifcio no local teria muitos nveis de significao, personificaria a forma construda e geraria um dilogo com o seu passado arqueolgico, como suas transformaes no decorrer do tempo. As especificidades do clima, a qualidade da luz, a fora da malha urbana existente, tudo formaria uma conscincia potica do lugar. No entanto, refora: sem cair na sentimentalidade. Diante da dominao por uma tcnica universal, uma janela que se abre de maneira especfica para uma luz especfica seria uma clara resistncia perante o universal ar-condicionado. Ainda neste quinto ponto o autor encontra no tectnico uma alta potencialidade de resistncia e de interao entre a matria, a construo e a fora da natureza da gravidade. Ressalvando que este fala da apresentao potica da estrutura e no da simples representao da fachada. (9) No ltimo ponto o autor discute a percepo ttil desta forma do lugar, ou deste lugar cultivado, uma resistncia diante da dominao da civilizao universal propalada pela velocidade da imagem. As percepes sensoriais que se complementam (10), uma capacidade de o corpo ler alm dos recursos sugeridos pela viso, teriam importncia residente no fato de que a leitura, o ato de decifrar o ambiente, somente pode ser feito a partir da sua prpria experincia. Assim, no poderia ser reduzida mera informao ou simples evocao de um simulacro substitudo por presenas ausentes. Esta abordagem do autor deixa claro seu entendimento fenomenolgico. O Regionalismo Crtico esforar-se-ia para equilibrar a prioridade consentida imagem, reendereando escala ttil, onde o ttil opor-se-ia ao cenogrfico e as mscaras compensatrias. O retorno do arquiteto potica da construo. O ttil e o tectnico juntos teriam a capacidade de transcender a mera aparncia do tcnico, do mesmo modo que a forma do lugar teria o potencial para resistir ao ataque implacvel da modernizao global. Seis conceitos para arquitetura contempornea (11) O arquiteto Bernard Tschumi apresentou outros apontamentos para um futuro da arquitetura atravs de seis conceitos. Seu texto busca construir um caminho de reviso das ideias de estrutura e funo, alm das aparncias da imagem e da superfcie da arquitetura, aparentemente provocado por um texto de Vicent Scully em defesa da arquitetura ps-moderna historicista e crtica ao deconstrutivismo (12). No incio do ensaio Tschumi prope uma recapitulao do passado arquitetnico recente para explicar as ideias que viriam, comenta a importncia do livro Complexidade e Contradio de Venturi, que teria o papel de reavaliar as prioridades e valores da arquitetura, como tambm da influncia da semiologia e lingustica na restaurao e decodificao de significados na arquitetura (13). Para ilustrar este caminho para a superficialidade e suas consequncias, Tschumi narra a construo de dois edifcios na Av. Madison em Manhattan: AT&T e o IBM. Quando em construo eram edifcios praticamente idnticos em sua estrutura de ao, funo e layout de escritrios. Suas peles, fixadas atravs da mesma tcnica, fazem surgir dois edifcios totalmente distintos, um smbolo do Ps-modernismo historicista em granito rosa e fronto, o outro representante de um modernismo tardio em um abstrato mrmore polido e pele de vidro. Seria o triunfo do superficial, para o autor depois de 1830 a conexo entre imagem, estrutura e mtodo da construo teria acabado; cabendo a necessidade de um maior entendimento das consequncias da separao entre superfcie e estrutura. A arquitetura estaria se tornando uma questo de aparncias, influenciada pela fotografia e impresso em massa, a imagem teria ganhado um poder maior do que qualquer estrutura concreta, a superficialidade teria tornado o smbolo dos tempos atuais. O enorme apetite da mdia para o consumo de imagens arquitetnicas teria, como uma das consequncias, a formao de uma histria arquitetnica baseada em imagens e palavras impressas e no no prprio edifcio. Assim como poderia a arquitetura manter um sentido e se distinguir de simples grficos e imagens? (Imagem 3) Buscando dar uma direo para esta questo, o autor descreve seus seis conceitos: Tecnologias de desfamiliarizao, O miditico choque metropolitano, Desestruturao, Sobreposio, O programa

  • cruzado e o Momento de mudana (o evento). No primeiro conceito afirma que seria necessrio tirar vantagem da condio de fragmentao e superficialidade atravs da desfamiliarizao, assim se o desenho das janelas s reflete a superficialidade das decoraes da fachada, dever-se-ia procurar uma maneira de fazer sem janelas, por exemplo. Assim se a sociedade est somente voltada para a mdia, fica mais evidente que a direo tomada pela tecnologia seria menos a dominao da natureza e sim o desenvolvimento da informao e da construo do mundo atravs de uma srie de imagens. Ento, parte para o segundo conceito, influenciado por Walter Benjamin, observa que em uma era de pura informao, a nica coisa que conta o Choque. A vida na metrpole gerou uma ansiedade em achar a si mesmo em um mundo marcado pela insignificncia e gratuidade, a experincia dessa ansiedade seria a desfamiliarizao, uma viso da cidade enquanto lugar de experimento. A arquitetura na megalpole estaria mais voltada a encontrar solues no familiares, do que solues calmas e confortantes, a fragmentao e o deslocamento poderiam ser vistos como um sinal positivo da vitalidade da cultura urbana. Ento, o choque iria contra a nostalgia da permanncia, seria o que ainda se tem para comunicar em tempos de informao generalizada. O autor conclui que o crescimento da superficialidade e das transformaes tambm pode significar um enfraquecimento da arquitetura enquanto forma de dominao, poder e autoridade, como esta tem sido vista nos ltimos seis mil anos. Parte, ento, para a desestruturao, o terceiro conceito, pois no caberia ao arquiteto questionar a estrutura? Comenta que raramente o arquiteto questiona seus fundamentos, o edifcio do pensamento, questiona as imagens, mas no o aparato que geraria estas imagens. No quarto conceito, comenta como seria necessrio confrontar oposies binrias, tais como, forma versus funo e abstrao versus figurao, e tambm suas hierarquias: forma segue a funo e o ornamento subordinado estrutura. Assim a sobreposio tornar-se-ia um ponto chave, imagens complexas do simultneo: ambos e nem um nem outro, atravessando fronteiras entre filmes, literatura e arquitetura. Haveria a necessidade de questionar constantemente a disciplina e as hierarquias, tornando o conceito uma ferramenta, mas sempre alerta que se no poderia perder o que difere o arquiteto de um filsofo: a materialidade, a lgica dos materiais, onde uma palavra no um bloco de concreto (14). Ento, no quinto conceito, chega-se a alguma concluso: a funo no seguiria a forma, forma no seguiria a funo ou fico entretanto, elas certamente se interagem. Se o choque no pode mais ser produzido pela sucesso e justaposio de fachadas e salas, talvez possa ser produzido pela justaposio de acontecimentos que ocorram nestes espaos por de trs das fachadas. Se a arquitetura tanto conceito como experincia, espao como uso, estrutura como imagem; ento arquitetura para renovar-se deveria parar de separar essas categorias e, ao invs disso, uni-las em combinaes sem hierarquia: Programao Cruzada. Finalmente, conclui o sexto conceito: o momento de mudana. Assim, na procura do real prazer da arquitetura, da inesperada combinao de termos e dos estimulantes e inquietantes sentidos da vida urbana contempornea, Tschumi afirma: no h arquitetura sem evento, como sem ao, sem atividades e sem funes. As combinaes de acontecimentos e espaos estariam carregadas de capacidades subversivas, desafiando tanto a funo quanto o espao. O futuro da arquitetura encontrar-se-ia na construo de tais eventos e, principalmente, na espacializao que se relaciona com estes. O evento no seria uma origem ou um fim, no a afirmao das certezas, questionamento em terrenos mltiplos, fragmentados e deslocados. O autor insiste em uma arquitetura do evento que poderia eventualizar ou abrir aquilo que, na histria ou tradio, seria entendido para ser fixo, essencial, monumental. Associar o evento com a noo de choque, o choque para ser efetivo na cultura midiatizada, na cultura de imagens. Faz-se nesse evento o lugar de choque, ou esse lugar da inveno de si mesmos. Por definio, esse o lugar da combinao das diferenas. Assim a arquitetura seria capaz de criar condies que iriam tornar possvel essa sociedade no-hierrquica e no-tradicional. Entendendo a natureza das circunstncias contemporneas e o processo da mdia que as acompanha, seria importante organizar estrategicamente os eventos atravs da arquitetura. Intensificar a rica coliso de eventos e espaos seria o que as cidades teriam que obter e o que os arquitetos deveriam ajud-las a alcanar. Tquio e Nova Iorque s aparentariam ser caticos, mas ao contrrio marcariam o aparecimento de uma nova urbanidade. Suas confrontaes e combinaes de elementos poderiam proporcionar o evento e o choque. Comparao necessria: uma prova dos 6 No difcil encontrar diferenas entre os textos e os pensamentos destes dois autores, como estes mesmos destacam, um defende uma retaguarda e outro uma vanguarda. Isso j os colocaria em posies opostas na batalha. Poderia dizer tambm que Frampton trabalha a partir de uma abordagem mais fenomenolgica, encontrando aportes nas ideias de Heidegger (15) e na construo existencial do lugar e, pelo outro lado, que Tschumi possui inspiraes ps-estruturalistas claras, com referncias em autores como Derrida, questionando as oposies binrias da arquitetura e suas hierarquias. No entanto, uma importante diferena percebida no entendimento de Frampton quanto necessidade de resistir com fortes braadas correnteza, lutando pela

  • preservao de aspectos da disciplina arquitetnica que no poderiam ser transformados ou perdidos, enquanto Tschumi acredita em ricas potencialidades neste cenrio atual e, tentando no perder a crtica, usa as foras desta correnteza contra ela mesma, talvez at para surfar um pouco. Muito possivelmente as palavras pessimismo e otimismo no caibam aqui, mas ajudam a dar uma tonalidade sobre as posturas de ambos diante o mundo que se apresenta. Porm sempre necessrio refletir se otimista aquele que acredita poder transformar o mundo que o desagrada ou o que percebe o mundo sempre como uma possibilidade. Seria, ento, possvel tambm encontrar aproximaes e semelhanas entre estes e quais seriam os desdobramentos das diferenas j conhecidas? Uma primeira semelhana entre estes dois trabalhos estaria no esprito de reao a alguns acontecimentos da arquitetura nos anos 80, como por exemplo, a Bienal de Veneza de 1980. Estes seriam uma reao de oposio, segundo Frampton, ao impulso reacionrio e irreal de voltar s formas arquitetnicas do passado pr-industrial, com o perigo de regressar ao historicismo nostlgico ou o abundante decorativismo, ou, segundo Tschumi, s citaes cenogrficas superficiais de uma sociedade pr-industrial, ligadas apenas a aparncia da arquitetura, um entendimento ficcional que no questiona os seus fundamentos, como por exemplo, a estrutura e o evento. Outro ponto importante que deve ser observado que estes os autores partem de diagnsticos bastante parecidos do cenrio contemporneo, ambos abordam as transformaes geradas pelos centros metropolitanos, da questo da imagem e pelo fenmeno da superficialidade das fachadas (16). verdade que se aprofundando mais, estes diagnsticos podem mostrar-se menos semelhantes. Por exemplo, um ano depois, Frampton escreve que a megalpole universal seria claramente avessa a uma densa diferenciao cultural, para ele esta visaria reduzir o ambiente a pura mercadoria, pouco mais do que uma paisagem alucinatria (17). A mesma megalpole, para Tschumi, poderia ser um caminho para solues para problemas desconfortveis e no familiares, uma rica coliso de espaos e eventos. Em relao imagem, ambos detectam sua proliferao acelerada, Tschumi observa que a fotografia aumentou o poder da imagem sobre qualquer estrutura concreta, tornando cada vez mais presentes os tratamentos de superfcie na arquitetura, Frampton, por sua vez, destaca o perigo do desaparecimento da experincia direta diante da informao e da imagem publicitria, como tambm sua relao com prticas demaggicas e populistas. Tratando deste aspecto torna-se importante refletir como o pensamento de Robert Venturi, em Complexidade e Contradio, visto pelos dois autores. Tschumi encontra no trabalho deste autor um extraordinrio princpio de reavaliao dos valores da arquitetura, enquanto Frampton aponta uma mensagem populista sobre comunicao na arquitetura (18), em outro ensaio de Frampton, este ressalta a importncia de tratar o tema da tectnica como resposta ao triunfo generalizado do galpo decorado de Venturi, uma [...] sndrome prevalente de empacotar o abrigo como uma mercadoria gigante (19). Sobre a superficialidade das fachadas na arquitetura contempornea, os dois autores abordam a aproximao da arquitetura ao cenogrfico. Nesta luta contra a tendncia de reduo da arquitetura cenografia, contra a perspectiva de degenerao cultural, Frampton v o tectnico como direo. Frampton desenvolve mais este raciocnio em outro texto posterior (20), onde defende uma base de resistncia, um fundamento material, afirmando que a arquitetura deveria necessariamente expressar-se na forma estrutural e construtiva, voltar unidade estrutural como essncia irredutvel da forma arquitetnica: manifestao de uma estrutura potencialmente potica. Pelo outro lado Tschumi acredita no fim da conexo entre estrutura, mtodo e imagem. Assim possvel encontrar aproximaes mesmo que no de forma plena. No entanto, fica mais evidenciado para um deles uma percepo de perigos que exigiriam uma resistncia para mudar direes j iniciadas, enquanto o outro enxergaria potencialidades nas transformaes, talvez estas como um caminho irrevogvel, tentando us-las como ambiente para novas direes. Os dois autores partilham abordagens crticas e buscam a transformao atravs de um olhar de estranhamento sobre a realidade presente. Ento cabe comentar um ltimo ponto de aproximao entre estes, a dimenso crtica da desfamiliarizao. No trabalho de Frampton essa relao com a desfamiliarizao no to evidente, necessrio recorrer ao trabalho de Tzonis e Lefaivre (21), os propositores do termo Regionalismo Crtico. Os autores afirmam que este regionalismo precisa se questionar e se julgar, que no enfrenta somente o mundo, mas tambm a si mesmo, e seria a desfamiliarizao o meio pelo qual se realizaria a funo autorreflexiva, aplicando o pensamento de Victor Shklovsky. Este entendimento possvel de ser encontrado em Frampton atravs de algumas palavras usadas como desconstruir e no familiar. Por outro lado, Tschumi se apia no entendimento de choque de Walter Benjamin e no conceito de uncanny freudiano, seu entendimento de desfamiliarizao deveria tomar vantagem do desmantelamento, celebrar a fragmentao enaltecendo a cultura das diferenas. Apesar dos diferentes entendimentos e embasamentos do conceito de desfamiliarizao (22) possvel ver nos pensamentos de ambos uma necessidade processual da sensao de estranheza. Para Tschumi seria uma necessidade de estimular a experimentao diante da anestesia

  • urbana, o perigo da imagem, enquanto Frampton pensa na redescoberta dos valores do lugar, em percepo atenta, cultural e sinestsica; onde h a necessidade da estranheza diante da cultura de massa.

    Seagram da Lever House, Nova York, 2008 Foto Victor Hugo Mori A noo dos tempos Uma reflexo importante quando se pensa sobre os dois caminhos sugeridos, e em seus possveis cruzamentos, surge quando se pensa no sexto conceito de Tschumi. Nesta parte do texto o autor aborda o tema evento, conceito chave em seu trabalho e definido anteriormente no livro Manhattan Transcripts, em 1978-81. Neste outro livro, atravs de uma diferente leitura de arquitetura, o evento entendido como um incidente, uma particularidade em um programa, incluindo momentos de paixo, atos de amor e o instante da morte (23). Atravs desta potica definio podem ser destacadas palavras como instante e momento (24), ambas se relacionam com o fator aqui considerado fundamental: o tempo. Para uma compreenso maior das caractersticas do evento e suas relaes com o tempo, recorre-se aos esclarecimentos de um gegrafo sobre a natureza do espao, os ensinamentos de Milton Santos (25). O evento, para este autor, trata-se de um instante do tempo dando-se em um ponto do espao, um elemento de atualidade que no se repete. Por isso, continuando o pensamento de Santos, a cada novo acontecer o preexistente transforma o seu contedo e tambm muda sua significao. Para o evento a repetio seria a exceo, o desvio, a anormalidade: um veculo das possibilidades. Estas pistas so importantes para entender as diferenas da percepo do tempo entre os dois artigos. Pode-se encontrar nas palavras de Tschumi um tempo acelerado, marcado pelas mudanas, com a persistente fragrncia do instante (26). Pelo outro lado, o tempo de Frampton, apesar de descrever momentos riqussimos de percepo ttil, parece vinculado com a continuidade, repetio, com um tempo longo e histrico. Santos tambm observa que os eventos dissolvem as identidades, propondo outras, mostrando que no so fixas, o que parece distante dos entendimentos de Frampton. Ento cabe mais uma reflexo de Santos, a ideia de durao, pois se o evento sempre presente no obrigatoriamente instantneo. Assim importante estudar a percepo desta durao do tempo. Existem muitos tempos dentro do tempo, e todos so passveis de observao: coexistem. Como Ades salienta, o tempo no uma dimenso fria, de pura constatao, trata-se de uma experimentao no decorrer de sua durao, cuja avaliao de sua estimativa depende de marcadores externos, como tambm de um grande fator de subjetividade (27). Aproximando-se mais desta pesquisa, e do entendimento da durao, possvel arriscar algumas relaes, mesmo consciente das diferenas de caractersticas entre os objetos investigados aqui e o de Ades. Este entendimento da durao pode variar com a densidade ou a quantidade de acontecimentos, como tambm com os desejos e afetos, que inflam e encolhem o tempo. Quanto mais complexa a informao, maior a durao subjetiva. O que pode gerar uma reflexo sobre a relao absorvida de Tschumi com a atualidade, com o curto momento alongado, e com a percepo da complexidade embutida no tempo do agora. Por outro lado em Frampton se v uma ritmicidade, que se cria para preencher e segmentar o tempo. Ento, o tempo do momento no corresponde na totalidade s caractersticas do tempo histrico de sculos. Por fim importante lembrar que, se verdade que a percepo da durao decorre de uma construo psicolgica, esta construo tambm no significa invento ou fantasia, a prpria maneira de se chegar a uma realidade que no vem pronta atravs dos sentidos. Inconclusivo A existncia de tempos diferentes no para ser vista como um relativismo alienante, e sim como um reconhecimento que permita colocar lado a lado ideias diferentes para tentarem um dilogo. Assim, apropriando-se das ideias de Ricoeur, contidas no trecho sempre citado por Frampton quando trata de Regionalismo Crtico, preciso pensar o que acontecer com nossa civilizao quando ela de fato se encontrar com civilizaes diferentes por outros meios que no o choque da conquista e da dominao, necessrio admitir que esse encontro ainda no se deu no plano de um dilogo autntico (28). Este dilogo exige o entendimento do outro e o reposicionamento em nova perspectiva, por exemplo, lembrar que nem tudo a multifacetada metrpole, ou seu tempo acelerado, ao mesmo tempo em que estas existem e esto em crescimento, ento reduzir tudo a estas desaparecer as diferenas que podero ser teis no futuro. Tambm no se pode negar o papel dos eventos e suas potencialidades, do momento que se vive e das razes do passado. Que a riqueza da realidade

  • multifacetada e plural da poca contempornea fascine, parece bastante compreensvel e importante, mas algo precisa ser continuado, mesmo que este algo traga em si o gene mutante da transformao. O caminho necessrio para continuar o percurso reflexo e ao, pense e dance. necessrio no esquecer que existe uma dimenso cultural da arquitetura a prevalecer sobre a deteriorao do consumo veloz e superficial. O caminho no parece formado, a ansiedade por um substituto mais ou menos homogneo como o estilo internacional tambm no parece ajudar, no entanto a reflexo necessria vai se construindo e no pode ser ignorada. Na tal cultura das diferenas, citada por Tschumi, a questo no parece estar em reconhecer as diferenas, e sim em estabelecer meios que estas convivam em verdadeiro dilogo e mantendo suas necessrias diferenas. Imperando a diferena reaparece a pergunta, ento, seis igual a seis?

    Time Warner, Nova York Foto Victor Hugo Mori notas 1 O que est acontecendo com a arquitetura moderna? o nome de um debate pblico realizado no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, na noite de 11 de fevereiro de 1948. Temas como a degradao da arquitetura moderna e a forma local no modernismo, foram debatidos com a presena de Henry-Russell Hitchcock, Philip Johnson, Walter Gropius, Marcel Breuer e Lewis Munford. 2 Continuidade foi o tema da Revista Casabella aps Ernesto Rogers ter assumido a sua direo, em 1954 seu ttulo passa para Casabella-Continuit permanecendo at 1965. Sendo a revista um dos grandes veculos de difuso deste debate, uma luta por uma continuidade dinmica e no passiva. 3 Arquitetura: muito importante para ser deixada para arquitetos? o ttulo da palestra em 1969 do arquiteto italiano Giancarlo de Carlo, que deu origem ao texto Pblico da Arquitetura de 1970, manifesto pela participao do usurio no processo projetual da arquitetura. Qual seria o pblico da arquitetura? Este texto est envolvido no ambiente de frustrao e revolta das escolas de arquitetura no final dos anos 60, uma reivindicao pela renovao das estruturas organizacionais e mtodos de ensino, ou mais ainda, compreender o papel social da profisso da arquitetura. 4 Refere-se ao ttulo do artigo de Brian McHale, 1966 Nervous Breakdown: or, When Did Postmodernism Begin?, seria esta a data para o incio de ps-modernismo, diferente de 1972 e 1973 datas preferidas por Charles Jenks e Fredric Jameson. Neste ano foram publicados dois livros fundamentais para investigao do pensamento arquitetnico contemporneo: Arquitetura da Cidade, de Aldo Rossi e Complexidade e Contradio, de Robert Venturi. 5 Bienal de Veneza de 1980, cujo ttulo foi a Presena do Passado, sob a direo de Paolo Portoghesi, onde prevaleceu a comunicao e significao arquitetnica e citao histrica. 6 Refere-se ao texto Modernidade um projeto inacabado (Die Moderne ein unvollendetes projekt) de Jrgen Habermas, de 1980-1981 (confercia-publicao), em resposta a publicao de A condio ps-moderna de Lyotard em 1979. No ano de 1982 houve uma exposio no Festival de Outono de Paris com mesmo nome com a participao de Kenneth Frampton. 7 Refere-se tela de Zaha Hadid chamada The World (89 degrees), de 1983, pintura em acrlico que retrata a ao de desafiar a predominncia do ngulo reto, pois [...] se existem 360 graus, ento porque ficar com um s? Nesse mesmo ano a arquiteta faz uma exposio e escreve um ensaio com o mesmo ttulo. 8 Com o ttulo original Towards a Critical Regionalism: Six Points for an Architecture of Resistance foi inicialmente publicado na Perspecta: The Yale Architectural Journal, em 1982, e, no ano seguinte, no livro The Anti-Aesthetic: Essays on Postmodern Culture de Hal Foster, incluindo artigos de Jurgen Habermas e Fredric Jameson. No entanto importante comentar que o termo Regionalismo Crtico advm dos textos Die Frage des Regionalismus e The Grid and the Pathway, ambos de Alexander Tzonis e Liane Lefaivre de 1981. 9 Posteriormente o autor tratar deste assunto com mais ateno no artigo Rappel lordre: argumentos em favor da tectnica, publicado originalmente em Architectural Design n.60 1990; tratado mais a frente neste artigo.

  • 10 Sobre as percepes sensoriais o autor comenta da intensidade da luz, escurido, calor e frio; a sensao de umidade; o aroma do material; a presena quase palpvel da alvenaria ao mesmo tempo em que o corpo sente seu prprio confinamento; o momento da induo de um modo de andar e a inrcia relativa do corpo enquanto caminha pelo piso; a ressonncia que repercute do nosso prprio passo, pode ser verificada pelo atrito dos degraus e at a deflexo elstica do piso sob os ps. 11 Conferncia na Universidade de Columbia, em 1991, e publicado no livro TSCHUMI, Bernard. Architecture and Disjunction. Cambridge/London, MIT press, 1996. 12 Tschumi inicia seu texto citando um trecho do artigo de Scully onde este diz a moment of supreme silliness that deconstructs and self-destructs. 13 Sobre a aplicao da lingustica na arquitetura, Tschumi questiona o ps-moderno historicista e seu emprego da semiologia apenas para a superfcie e forma, que atraam constantemente para imagens de uma sociedade pr-industrial, negando a sociedade metropolitana. 14 Tschumi destaca que quando metforas e catacreses so transformadas em prdios, tudo pode transformar em evento, pois a fico e a narrativa fascinaram muitos arquitetos, e poder-se-ia dizer que estes sabem mais sobre livros do que de edifcios. O autor se refere ao grupo de arquitetos chamados de desconstrutivistas que, at aquele momento, mais escreviam textos e livros do que construam edifcios. 15 Essas diferenas por oposio podem no fazer muita justia, o prprio Heidegger fez uma leitura sobre Nietzsche muito inspiradora para os ps-estruturalistas. Derrida, seguindo Nietzsche, Heidegger e Saussure, questiona os pressupostos que governam o pensamento binrio, demonstrando que este sustenta uma hierarquia ou operao pela subordinao de um dos termos, utilizando a desconstruo para denunciar, deslindar e reverter essas hierarquias. 16 H uma interessante coincidncia, ambos os autores citam exemplos de fachadas em revestimento de tijolos que degeneram e caem, para Frampton degenerao de um populismo ineficaz na obra de Ricardo Bofill, para Tschumi trata-se de uma condio do nosso tempo na obra da Universidade de Columbia. 17 FRAMPTON, Kenneth. Perspectivas para um regionalismo crtico, In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura. So Paulo, Cosacnaify, 2007, p.519. 18 No se deve confundir regionalismo crtico com vernacular sentimental ou irnico, com tendncias demaggicas do populismo. De fato, ao contrrio, o objetivo central do populismo funcionar como um signo comunicativo que no busca evocar percepo crtica da realidade, mas a sublimao do desejo de uma experincia imediata In: FRAMPTON, Kenneth. Op. cit., p. 506. 19 FRAMPTON, Kenneth. Rappel lordre: argumentos em favor da tectnica, In: NESBITT, Kate. Op. cit., p. 557. 20 Idem. 21 TZONIS, Alexander; LEFAIVRE, Liane. Por que regionalismo crtico hoje?, In: NESBITT, Kate. Op. cit., p. 521-531. 22 Freud define o uncanny como a sensao que alguma coisa simultaneamente familiar e estranha, resultando em um sentimento de desagradvel desconforto. Enquanto para Skklovsky a sensao se divide em comum e estranho. Ver coisas familiares de forma incomum: o desconforto a meta. 23 TSCHUMI, Bernard. The Manhattan Transcripts. New York, Academy Editions, 1994, p. XXI (Postscript). 24 Milton Santos lembra que o conceito de evento tambm tratado por outros vocbulos, pelo menos em sua concepo, tais como instante, por Bachelard, e momento, por Lefebvre. Ver: SANTOS, Milton. A natureza do espao. So Paulo, Edusp, 2006. 25 Idem. 26 Santos destaca tambm que os eventos se do em conjuntos, e quando so considerados estes conjuntos de numerosos eventos, cuja ordem e durao no so as mesmas, verifica-se que eles se superpem, o que refora a viso de Tschumi. 27 ADES, Csar. A experincia psicolgica da durao, In: Cincia e Cultura (SBPC), v. 54, 2002, p. 26-28. 28 RICOEUR, Paul, 1961 Apud FRAMPTON, Kenneth. Towards a Critical Regionalism: Six Points for an Architecture of Resistance, In: FOSTER, Hal. The Anti-Aesthetic: Essays on Postmodern Culture. New York, The New Press, 1998, p.16. sobre o autor Rovenir Bertola Duarte arquiteto urbanista e mestre pela FAU-USP (2000). Professor do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Estadual de Londrina, da disciplina Teoria da Arquitetura Contempornea (Teo IVB), coordenador do grupo de estudos Contemporar e diretor do Ncleo de Estudos e Pesquisas de Engenharia e Arquitetura