racionamento de crÉdito, polÍticas financeiras e...

22
RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E CRESCIMENTO ECONÔMICO Rogério Studart e Rogério Sobreira 1 1. I NTRODUÇÃO Na discussão sobre os fundamentos da Teoria Monetária em modelos de equilíbrio geral Walrasiano, em especial do modelo Arrow-Debreu-McKenzie, Frank Hahn (1981: 160) nos lembra que: The main content of the monetary theory of an essential economy is implicit in its construction: there is nothing we can say about the equilibrium of an economy with money which cannot be said about the equilibrium of a non-monetary economy . O tom pessimista de Hahn procede: se a Moeda não é fundamental na macrodinâmica das economias de mercado, os rumos da política monetária, o papel dos Banco Central e das instituições financeiras de uma forma geral, para citar somente alguns, são objetos pouco relevantes em Teoria, mesmo que na prática se mostrem fundamentais. Por sua vez, se os fenômenos monetários são irrelevantes no longo prazo e a teoria 1 Respectivamente, Professor Adjunto do Instituto de Economia da UFRJ (IE-UFRJ), e Doutorando em Economia do IE-UFRJ e Professor das Faculdades Integradas Candido Mendes - Ipanema. Os autores gostariam de agradecer a Antônio José Alves Jr. e José Luiz Oureiro, pelos úteis comentários a uma versão preliminar a este artigo, e ao CNPq, pelo apoio financeiro. A responsabilidade pelos erros remanescentes, como usual, é dos autores.

Upload: vuongthuan

Post on 09-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS

E CRESCIMENTO ECONÔMICO

Rogério Studart e Rogério Sobreira1

1. INTRODUÇÃO

Na discussão sobre os fundamentos da Teoria Monetária em modelos de equilíbrio

geral Walrasiano, em especial do modelo Arrow-Debreu-McKenzie, Frank Hahn (1981:

160) nos lembra que:

The main content of the monetary theory of an essential economy is implicit in its construction: there is nothing we can say about the equilibrium of an economy with money which cannot be said about the equilibrium of a non-monetary economy .

O tom pessimista de Hahn procede: se a Moeda não é fundamental na

macrodinâmica das economias de mercado, os rumos da política monetária, o papel dos

Banco Central e das instituições financeiras de uma forma geral, para citar somente alguns,

são objetos pouco relevantes em Teoria, mesmo que na prática se mostrem fundamentais.

Por sua vez, se os fenômenos monetários são irrelevantes no longo prazo e a teoria

1 Respectivamente, Professor Adjunto do Instituto de Economia da UFRJ (IE-UFRJ), e

Doutorando em Economia do IE-UFRJ e Professor das Faculdades Integradas Candido Mendes - Ipanema. Os autores gostariam de agradecer a Antônio José Alves Jr. e José Luiz Oureiro, pelos úteis comentários a uma versão preliminar a este artigo, e ao CNPq, pelo apoio financeiro. A responsabilidade pelos erros remanescentes, como usual, é dos autores.

Page 2: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1

econômica deve concentrar seus esforços na análise dos determinantes de “fenômenos

reais”.2

A não-neutralidade da moeda, obviamente, tem implicações para a teoria financeira

contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes no longo

prazo, o financiamento do investimento se resume a um problema de alocação intertemporal

de recursos dados de acordo com as preferências dos poupadores e o conjunto de

tecnologias de produção existente. E se os poupadores são racionais e maximizadores de

utilidade, as duas únicas possibilidades desta alocação ser sub-ótima ocorrem quando os

preços de ativos financeiros não desempenham o papel informacional eficiente na

intermediação.

Não surpreendentemente, um importante sustentáculo teórico dos modelos

financeiros contemporâneos é a chamada hipótese dos mercados competitivos (Lewis,

1992). Esta hipótese implica que, apesar da possível volatilidade (de curto prazo) do preço

de ativos financeiros, variam no longo período de acordo com os fundamentos econômicos

dos agentes que os emitem. 3 Em última instância, portanto, o que torna os mercados de

capital competitivos e funcionais ao crescimento é a eficiência dos mecanismos de

distribuição de informações.

Uma conseqüência para a análise dos problemas do crescimento é que a atividade

financeira por si só não pode alterar o caminho do crescimento: qualquer restrição ao

financiamento do investimento só pode advir de escassez de poupança. Um corolário é que

2 É o que nos lembra Gale, no seu seminal livro Money in Equilibrium: “The final

omission that must be explained is the almost total neglect of banks and banking. This is partly explained by the fact that many of the functions of the banking world do not make sense in general equilibrium models of the sort studied in this book [EGW]. For example, borrowing and lending scarcely requires intermediation in a world in which markets are perfect, expectations are rational, and uncertainty is represented by states of nature (Gale, 1994: 6)

3 Para uma análise da hipótese de mercados eficientes e suas consequências analíticas, ver Andersen (1983-84).

Page 3: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

2

somente duas razões justificam uma intervenção nos mecanismos privados de alocação de

poupança: (i) se os mercados são incompletos (subdesenvolvidos) e portanto não podem

fazer intermediação entre poupadores e investidores de forma eficiente; (ii) se há falhas

informacionais significativas que impeça os mercados de alocar de forma eficiente a

poupança.

A incompletude de mercados é explorada há muitos anos na Teoria Econômica.4

Recentemente, entretanto, a macroeconomia novo-Keynesiana renovou o interesse pelas

restrições financeiras ao crescimento, através dos efeitos de mal distribuição de informações

no processo de intermediação. As consequências políticas de tais análise são importantes:

os problemas de assimetria de informação podem gerar simultaneamente distorções

alocativas e racionamento de crédito. Para garantir a eficiência do processo de

intermediação financeira, mecanismos “extra-mercados” devem ser criados (Stiglitz 1996 e

Stiglitz e Uy 1997).

Como bem o coloca Mankiw (1992), este tipo de análise uma reincarnação do

Keynesianismo hidráulico: são velhas bandeiras intervencionistas Keynesianas em um corpo

essencialmente não-Keynesiano (um corpo neo-Walrasiano). E aí está, a nosso ver, a

fragilidade política da própria análise: se o problema informacional é o único problema que

impede a alocação ótima de poupança, uma política voltada para o pleno desenvolvimento

do mercado financeiro, inclusive com a introdução de regras de disclosure mais

4 Um exemplo, extremamente importante dada sua influência sobre políticas financeiras

em países em desenvolvimento (e mesmo alguns desenvolvidos), são os chamados modelos de liberalização financeira - que misturam uma análise Wickselliana de intermediação com os resultados de longo prazo neo-Walrasianos. Tais modelos têm como origem os livros seminais de Shaw e McKninnon de 1973. Estes modelos dividem a visão de Gurley e Shaw (e.g. 1960) de que o subdesenvolvimento financeiro representava um sério empecilho ao desenvolvimento, porém associando o subdesenvolvimento financeiro (incompletude de mercados) à “repressão financeira” prolongada nestas economias. A partir de Shaw-McKinnon, portanto, a teoria do desenvolvimento econômico passava a tratar os problemas de subdesenvolvimento financeiro e suas conseqüências negativas para o desenvolvimento como questões secundárias, de solução relativamente fácil: liberalização financeira (veja-se por

Page 4: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

3

apropriadas, deveria por si só resolver. As políticas intervencionistas Novo-Keynesianas

estariam, portanto, tratando um problema estrutural com um remédio equivocado. 5

Este artigo propõe que (1) o racionamento de crédito pode advir também do

funcionamento de bancos e intermediários financeiros em economias onde predomina a

incerteza Keynes-Knightiana e (2) o “modelo Novo-Keynesiano” é um caso específico de

racionamento de crédito, por exemplo, em economias estacionárias, que pode ser

generalizado uma vez que tomemos em conta os problemas informacionais quando

prevalece a incerteza Keynes-Knightiana6, em economias não-estacionárias. Como

procuraremos mostrar, tratar a análise Novo-Keynesiana como um caso especial dos

problemas de financiamento em economias inerentemente incertas retira as ambiguidades

das recomendações desta última análise e permite ampliar significativamente o papel das

políticas, especialmente às políticas de fomento e aquelas voltadas à construção de

mecanismos de financiamento do investimento.

O artigo se organiza em quatro sessões, incluindo esta introdução. Na próxima

seção discutiremos a abordagem convencional (neoclássica e Novo-Keynesiana) com

ênfase especial nos problemas gerados por assimetria de informação no financiamento do

crescimento. Na terceira seção, um modelo de racionamento de crédito com base em

incerteza Keynes-Knightiana é apresentado. Na quarta seção concluímos este artigo

sumariando nossos achados e apresentando algumas das consequências, em termos de

políticas, de nossa análise.

exemplo Gertler 1988 e Gersovitz, 1988-9). Para uma análise crítica deste modelos, veja -se Studart (1995).

5 Este é, por exemplo, o tom do comentário de Jamarillo -Vallejo (1994: 53), subsequente ao texto de Stiglitz (1994) nos Proceedings da Reunião Anual do Banco Mundial, permeia muitas das críticas correntes às conclusões de política das abordagens Novo -Keynesianas: ´In his paper Stiglitz is asking us to assume that governments all over the world - especially developing countries - are wise, fair and efficient enough to carry out the kind of "perfect" intrusive intervention suggested by him. It is as if the world of the second best had just been discovered and we had not learned from the experience with the different forms of government intervention that we have seen in this century´.

6 O conceito é apresentado ao longo do artigo.

Page 5: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

4

2. INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA E RACIONAMENTO DE CRÉDITO EM MODELOS

WALRASIANOS COM ASSIMETRIA DE INFORMAÇÕES

Grande parte da literatura especializada visualiza os bancos como meros

intermediários entre poupadores e investidores.7 Sua existência, dentro deste arcabouço

teórico, é derivada ora de uma especificação particular a respeito da “mecânica” do

equilíbrio geral competitivo (EGC), ora de falhas de mercado ad hoc que teriam nos

bancos importantes agentes para obtenção de uma solução pareto-superior àquela aonde

tais instituições não existissem.

Como representante do primeiro grupo temos o modelo desenvolvido por Fama

(1980), aonde o sistema bancário funciona na qualidade de uma grande “agência de

contabilidade” através da qual as trocas seriam processadas. A conseqüência natural do

desempenho deste papel seria o desenvolvimento de uma outra função por parte das

instituições componentes neste sistema, qual seja, a administração de portfólio.

Na qualidade de administradores de portfólio, estas instituições têm suas decisões

submetidas ao Teorema Modigliani-Miller (TMM), de modo que as mesmas não possam

alterar os resultados da intermediação. Em outras palavras, a “escolha” dos bancos

obedeceria fidedignamente as preferências por retorno e risco dos poupadores e,

como tal, seriam integralmente neutras.

2.1 Racionamento de Crédito por Assimetria de Informações (RCAI)

Ainda que o modelo de Fama procure dar uma resposta à existência dos bancos

mantendo as características essenciais do esquema de EGC, não foi esta a solução utilizada

pelos modelos Novo Keynesianos. Segundo os mesmos, a existência de bancos - e,

7 Para uma resenha, veja -se Gertler, 1988.

Page 6: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

5

conseqüentemente, o esquema de intermediação financeira proposto - estaria diretamente

atrelada à insuficiência informacional característica dos mercados em geral. Nestas

circunstâncias, os bancos seriam uma solução gestada endogenamente pelo sistema

econômico de modo a permitir um melhor atendimento das preferências de poupadores e

investidores.8

Por sua vez, o racionamento de crédito seria, nestes modelos, um resultado

“natural” em um quadro aonde a informação é incompleta e, sobretudo, assimétrica. Assim,

ainda que a existência dos bancos seja explicada pela “gestação endógena” de um

mecanismo de screening capaz de alocar com mais eficiência as poupanças das famílias,

em um mundo de informação assimétrica e mercados de capitais incompletos estas

instituições são incapazes de reproduzir o resultado do modelo de Fama, ou seja, garantir a

intermediação perfeita entre poupança e investimento a la um modelo “puro” de EGC.

O racionamento de crédito tem como base a perspectiva de default associada à

evolução da taxa de juros. Em outras palavras, a taxa de juros funcionaria como um

esquema eficiente de seleção entre tomadores até um determinado nível. A partir deste

ponto, o banco passa a racionar o crédito pois maiores taxas de juros levariam a um

crescimento do moral hazard e, conseqüentemente, da seleção adversa, fazendo com que

a perda associada ao default superasse a receita do crédito.

O argumento acima pode ser formalizado da seguinte maneira9. Considere um

banco que faz um empréstimo de um período para uma firma. Por hipótese, o retorno

médio deste projeto é igual para qualquer outra firma que venha a demandar crédito, sendo

a única diferença a probabilidade de sucesso de cada um. O projeto de investimento que a

firma deseja financiar fornece um retorno esperado X cujos limites inferior (receita de

8 Deve-se notar, contudo, que nestes modelos o esquema convencional de intermediação está presente, a única distinção sendo a capacidade do banco de fazer escolhas próprias - o que, conforme salientamos, não era possível no modelo de Fama. Para uma discussão deste ponto, veja-se Sobreira (1996).

Page 7: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

6

falência) e superior (receita do empreendimento bem sucedido) são, respectivamente, k e

K. Logo,

(1) k < X < K

Além disso, K tem probabilidade de ocorrência igual a pK, de modo que o retorno

médio (esperado) pode ser descrito da seguinte forma:

(2) X = pK.K + (1 - pKk)

Sendo r a taxa de contratação do empréstimo e B o tamanho do empréstimo, o

pagamento re-contratado vai ser igual a (1 + r)B e o seu recebimento vai depender

essencialmente do resultado efetivo do projeto. O default vai ocorrer sempre que os

resultados do projeto forem inferiores ao repagamento contratado. Neste caso o banco

receberá as receitas de falência k10, já que

(3) K > (1 + r)B > k

Assumindo que o banco e a firma são neutros em relação ao risco, podemos

escrever o retorno esperado de um projeto por parte da firma de acordo com a seguinte

equação:

(4) E(Π) = pK[K - (1 + r)B]

ou, alternativamente, substituindo (2) em (4), teremos:

9Esta argumentação está baseada em Blanchard & Fischer(1989), cap. 9, seção 9.6. 10Jaffee e Stiglitz (1990: 841) chamam esta característica dos contratos de empréstimo

de garantia limitada . Ela seria um dos determinantes do pagamento recebido pelo emprestador.

Page 8: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

7

(5) E(Π) = X - k - pK. [(1 + r).B - k]

De (5), percebe-se que, à medida que a taxa de juros cresce, os investidores mais

avessos ao risco saem do mercado, de modo que cresce também a probabilidade de

default. Neste caso, o lucro esperado do banco diminui, como pode ser inferido da

equação de determinação do lucro de um banco que obtém seus fundos em um mercado de

depósitos perfeito, pagando pelos mesmos a taxa competitiva Φ:

1 - pK 1

(6) Φ = (1 + r).B. ∫ pK. g(pK). dpK + k. ∫ (1 - pK).g(pK).dpK - (1 + δ).B

0 1 - pK

____________________ ___________________ _______ 1 2 3 O primeiro termo à direita de (6) refere -se ao pagamento que o banco vai receber

no caso do default ocorrer [X< (1 + r).B], enquanto o segundo mostra que o banco obtém

o repagamento contratado quando o retorno do projeto se situa no intervalo entre (1 + r).B

e K e o terceiro refere-se ao custo do funding para o banco.

A partir desta função lucro esperado fica evidente que a taxa de juros que maximiza

o lucro do banco não é aquela que vai equilibrar oferta e demanda por crédito, isto é, a taxa

de juros cobrada pelo banco será inferior à taxa de equilíbrio walrasiano.

O volume de crédito concedido, conseqüentemente, assume um valor máximo (B*)

definido pelo ponto em que o repagamento torna-se igual ao maior retorno esperado do

projeto de investimento (o equivalente ao ponto de igualdade entre receita marginal do

crédito e custo marginal do default).

2.2 Conseqüências do RCAI para a política econômica

Page 9: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

8

Relaxando a hipótese típica de modelos Walrasianos quanto à perfeita distribuição

de informações, os modelos Novo-Keynesianos podem mostrar a existência de problemas

de alocação de fundos de longo prazo, tais como racionamento de crédito (ou mesmo de

fundos acionários, equity-rationing), gerados por falhas de distribuição de informação.

Vittas e Cho resumem tal visão da seguinte forma:

In an ideal world in which economic information is complete and readily available, the financial system is passive. Investors fund the projects that yield the highest returns, and neither governments nor financial institutions need to improve the allocation of credit. In the real world, however, information is highly imperfect and costly to acquire, and the allocation of credit suffers from the unequal distribution of information, the costs of monitoring and verification, and the cost of default or contract enforcement. Under these conditions, credit is not necessarily allocated to its best use (1996: 278).

Frente a tais falhas, a taxa de investimento tenderia a ser inferior àquele de equilíbrio

dada a tecnologia existente e as preferências intertemporais dos consumidores/poupadores

- mesmo que não haja problema de escassez de poupança. Neste caso, por exemplo,

uma política de crédito seletivo poderia não mitigar o racioamento de crédito, como

também sinalizar o mercado sobre setores com boas perspectivas,11 porém onde os

problemas informacionais tenderiam a se mais graves.

A conclusão de política é entretanto ambígua, já que as externalidades positivas da

intervenção estatal se contrapõe a possíveis falhas de governo:

Ultimately, however, the advantages depend on the motivation and efficiency of the government involved . Governments do not always “do the right thing”. Government involvement in credit allocation can, and often does, result in rent seeking by borrowers, corruption by bankers and government officials, and crowding out of other worthwhile projects. An important issue in the study of policy-based lending is how governments can prevent rent-seeking behavior

11 Na análise da experiência do Sudeste Asiático, Stiglitz e Uy também apresentam dois

papéis suplementares do Estado no financiamento do desenvolvimento: o do estímulo à poupança, basicamente através de criação de instituições de poupança de longo prazo e manutenção de taxas de remuneração destas pouipanças minimamente positivas; e incentivo no desenvolvilmento de instituições financeiras privadas.

Page 10: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

9

from undermining the growth objective of government policies (Vittas e Cho, Op. cit.: 280).

O argumento de que políticas financeiras só dão resultados se forem implementadas

de forma adequada vale para qualquer abordagem. Mas no contexto da abordagem Novo-

Keynesiana, a ênfase sobre este fator como o explicativo do sucesso de algumas políticas

de crédito e juros seletivos 12 mostra, a nosso ver, a sua fragilidade. Pois, como muitos

autores mais conservadores fazem questão de lembrar, tais conclusões são ambíguas: (i) se

o problema é de falhas de distribuição informacional, uma regulamentação mais atenta, com

regras de disclosure internacionalmente aceitas, e os desenvolvimentos recentes na

produção e distribuição de informação (por exemplo, o surgimento de empresas privadas

de rating), tornam tal intervenção desnecessária; (ii) se existem falhas de mercado, o que

garante serem elas inferiores às “falhas de governo” ? Este é, por exemplo, o tom do

contra-argumento de Jamarillo-Valejo citado na nota 5 acima.

A ambigüidade da teoria econômica convencional no que tange ao papel das

estruturas financeiras e, em específico, à relação das políticas financeiras para o

crescimento, se deve às suas raízes teóricas. Ou seja, se deve, ao nosso ver, à

inessencialidade da moeda e, de uma forma geral, dos fenômenos financeiros reais em

modelos de equilíbrio geral. No que se segue, nós apresentamos uma alternativa, e,

acreditamos, mais geral, na qual a moeda e os fenômenos financeiros têm um papel

essencial na determinação de fenômenos reais, e onde o papel de políticas de crédito

seletivo na desobstrução de problemas de racionamento de crédito não é ambígua.

3. O PAPEL DOS BANCOS NA MACROECONOMIA DO FINANCIAMENTO KEYNESIANA

12 Ou de financial restraint, para usar a expressão “politicamente correta” cunhada

por Stiglitz e Uy na análise do caso do Sudeste Asiático.

Page 11: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 0

Keynes insistiu em diversas passagens na Teoria Geral, e em artigos posteriores a

ela, que o investimento seria a causa causans da determinação da renda e da poupança. A

reversão de causalidade no processo de financiamento do investimento na Teoria de

Keynes é conseqüência lógica de seu Princípio de Demanda Efetiva, que estabelece as leis

de funcionamento de uma economia monetária da produção.13

Esta reversão, por sua vez, tem duas consequências para a análise que se segue. Em

primeiro lugar, na medida em que o investimento determina o nível de produto e emprego

(no curto prazo) e capacidade produtiva (condições de oferta no longo prazo), as decisões

das empresas influem diretamente sobre o longo prazo. Colocando de uma forma simples,

as decisões dos agentes influenciam as possíveis posições de equilíbrio de longo prazo,

tornando a análise probabilística convencional inadequada como base de formação de

expectativas por parte dos agentes. Neste sentido, a análise Keynesiana faz uma distinção

entre sistemas ergódicos e inergódicos: os primeiros se referindo a situações onde

distribuições de probabilidade bem definidas existem, e onde portanto o conceito de risco

normalmente se aplicaria; enquanto nos segundos, prevalece o conceito de incerteza

Keynes-Knightiana (Carvalho, Op. cit; Pailey, 1997: 15-6).

Em segundo lugar, a reversão indica uma hierarquia de agentes dentro dos

mecanismos de financiamento da formação de capital em economias capitalista: o modelo

Keynesiano possui portanto uma “estilização” própria do processo de financiamento do

investimento, da mesma forma que nos modelos neoclássicos há uma estilização do

mecanismo de financiamento do investimento (onde o poupador individual é o centro da

análise, e o mercado de capitais competitivo é o locus estilizado do processo de

intermediação de poupança). Na estilização Keynesiana, bancos não são simples

intermediários entre poupadores e investidores: eles têm papel ativo e essencial na

13 Para uma análise dos fundamentos do pós-Keynesianismo, ver Carvalho (1992: parte

I).

Page 12: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 1

determinação do nível de investimento, do produto e do emprego, logo da dinâmica do

crescimento, com veremos a seguir.

3.1 Bancos, financiamento e crescimento

Em economias monetárias, o acesso a moeda é fundamental para aquisição de

bens e serviços, para honrar-se compromissos assumidos através de contratos

denominados em moeda corrente, e para adquirir outros ativos financeiros.14 A liquidez,

para realizar tais operações, pode ser obtida pela venda de um bem ou serviço, ou pela

venda de um título de propriedade (p.ex. ações) e/ou de dívida (p.ex. debêntures). Se a

oferta total de liquidez é exógena ao sistema e dada, um aumento da demanda por liquidez

por parte de alguns agentes - se não contrarrestada pela redução simétrica por outros -

implica na elevação da taxa de juros (ou um redução do preço dos títulos emitidos para

captar-se liquidez). A taxa de juros é portanto o prêmio pela perda da liquidez, e não pela

abstinência ao consumo - um resultado básico da Teoria da Preferência pela Liquidez

(TPL).

Para este texto, o corolário mais importante da TPL é que a oferta total do fundos

emprestáveis para realização do financiamento dos gastos autônomos (finance daqui por

diante) é principalmente determinada pela oferta e demanda por liquidez. E é a existência de

financiamento que possibilita alcançar-se determinado nível de investimento, renda e

poupança agregada . Ou seja, dado que os bancos, ao contrário de outro intermediários

financeiros, são agentes criadores ex nihilo de moeda - ou seja, eles podem criar moeda

14 Neste sentido, agentes têm preferência pela liquidez seja porque esperam realizar

pagamentos (motivo transação), seja porque querem se precaver frente a necessidades momentâneas de moeda (motivo precaução) ou seja porque esperam que, ao reter moeda, possam obter ganhos de capital adquirindo ativos com valores inferiores aos preços correntes (motivo especulação). Isto é, em economias monetárias, os agentes têm preferência pela liquidez por motivos distintos (um dos quais é o motivo finance citado acima), expresso pela seu deseja de tornar-se menos ou mais vulneráveis frente a necessidades futuras de liquidez.

Page 13: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 2

através de uma simples operação contábil - eles têm um papel fundamental “na transição

entre uma escala mais baixa e mais alta de atividade” (1937: 668). 15

Os bancos são legalmente obrigados a converter a par seus depósitos em moeda

corrente sob demanda dos depositantes, o que explica porque, mesmo voluntariamente,

eles mantenham reservas em moeda corrente (reservas). Dado o estoque de reservas dos

bancos comerciais, a criação de depósitos representa uma redução - mesmo que

temporária - da relação reservas sobre depósitos, o que amplia a vulnerabilidade financeira

dos bancos. Portanto, grande parte da oferta de finance é determinada pela disposição dos

bancos como um todo em expandir esta vulnerabilidade financeira, alargando o hiato entre

seus passivos, remunerados ou não, e seus ativos (empréstimos). A isto denominamos

preferência pela liquidez do sistema bancário .

Se os investimentos tivessem prazos curtos de maturação (um período de produção

por exemplo), talvez o financiamento da formação de capital pudesse ser resolvido

facilmente: supondo-se um perfeito casamento do volume de investimentos com as

preferências de maturidades de aplicação de poupanças, na medida em que aumentasse a

capacidade produtiva das empresas e que estas aumentassem suas receitas advindas da

expansão da oferta de seus bens, as empresas inversoras poderiam repagar suas dívidas.

Mas como os investimentos em geral têm horizontes de realização largos, a existência de

mecanismos de transformação de passivos (de curto para longo prazo) pode ser essencial

manter as condições de endividamento das empresas investidoras - e para delimitar sua

15 Schumpeter também colocava os bancos como agentes contrais do processo do

financiamento, na medida em que: “[The capitalist] can only become an entrepreneur by previously becoming a debtor” (1924: 102) e “Granting credit in this sense operates as an order on the economic system to accommodate itself to the purposes of the entrepreneur, as an order on the goods which he needs: it Means entrusting hem with productive forces. It is only thus that economic development could arise from the mere circular flow in perfect equilibrium” (Op. cit: 104). Os bancos, enquanto principal criador de moeda em economias monetárias, seriam portanto a própria expressão do capital, já que suas decisões podem frustrar projetos de investimentos.

Page 14: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 3

vulnerabilidade financeira a possíveis mudanças das taxas de juros de curto prazo. Ao

mecanismo de transformação nas estruturas de passivo denominamos funding.

Dentro de uma perspectiva com base no princípio da demanda efetiva de

Keynes, os problemas de finance e funding são analiticamente distinguíveis, mesmo que

ambos se liguem ao mesmo problema estrutural de economias de mercado: o de financiar

distintas atividades produtivas com prazo de maturação dispares em economias

essencialmente incertas - ou inergódicas.16 O racionamento de crédito é, portanto,

impeditivo ao crescimento porque impossibilita a economia alcançar níveis mais elevados de

crescimento da renda - e não porque impede a alocação ótima da poupança existente.17 O

problema de reacionamento de crédito está associado às restrições financeiras geradas à

inexistência de mecanismos apropriados de finance, que é um dos determinantes das

funcionalidade dos sistemas financeiros ao crescimento.18

3.2 Os problemas de racionamento de crédito de curto prazo com incerteza Keynes-

Knightiana

O número de empresas com acesso ao crédito depende do valor dos empréstimos

bancários concedidos sobre o valor médio dos investimento. Muitos modelos Keynesianos

assumem que a oferta de financiamento é elástica, notoriamente os modelos de moeda

endógena (e.g. Moore, 1988). O fato é que, como denotam outros Keynesianos (e.g.

Kahn, 1972: 146 e Carvalho, 1992: 125), o racionamento de crédito é normal em

economias monetárias, especialmente nos momentos de crescimento, dado o aumento da

sua vulnerabilidade financeira (relação entre ativos de pouca liquidez e passivos de curto

16 Do ponto-de-vista lógico, o funding éposterior a realização do finance. Isto porque

são as condições de crédito que restringem a realização de projetos de investimento. E é o investimento que dá início ao processo multiplicador que gera renda e poupança agregadas superiores, que serão alocadas no processo de funding .

17 É neste contexto que o modelo com base em Keynes se difere essencialmente dos modelos convencionais - inclusive dos modelos Novo-Keynesianos.

18 O conceito de funcionalidade utilizado aqui é aquele desenvolvido por Studart (1995-96).

Page 15: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 4

prazo) e/ou a possível deterioração da sua carteira de empréstimos. Em Keynes, bancos

têm, portanto, preferência pela liquidez, e portanto o multiplicador bancário é uma função

do estado de expectativas dos bancos.

Em economias com sistemas bancários desenvolvidos, a grande maioria da oferta

de moeda advém da criação de depósitos à vista, como subproduto da concessão de

crédito. O crescimento pressupõe, portanto, que o aumento da demanda por moeda por

motivo-finanças seja acomodada pela disponibilidade do sistema bancário em expandir

empréstimos (Keynes, 1937).

Se a demanda adicional por liquidez for saciada por aumentos líquidos de créditos

bancários, isto representa que, para o sistema bancário como um todo, a relação

reservas/depósitos (δ= R/D) vai se reduzir. O negrito sobre líquidos tem uma conotação

especial em nossa análise: em qualquer momento do tempo, empréstimos são liquidados

enquanto outros são gerados pelos banco comerciais. Por exemplo, numa situação

estacionária, é de se esperar que as receitas adicionais geradas por aumento dos

empréstimos serão utilizadas para o pagamento de dívida passado - o que implica que δ se

manterá estável em torno de uma média. No crescimento, isto é, com a expansão dos

gastos planejados, uma parte significativa das empresas estará aumentando sua demanda

por liquidez, sem que qualquer liquidez seja criada em outra parte do sistema. Para fazer

face a este crescimento da demanda transacional, os bancos devem estar preparados para

criar depósitos (ou seja, aumentos líquidos de créditos bancários) ou dispor de reservas de

ativos líquidos (reservas voluntárias).

Bancos, como quaisquer outros agentes, têm preferência pela liquidez, que nada

mais é do que a disponibilidade destes em expandir sua vulnerabilidade financeira, na forma

anteriormente descrita.19 Isto implica que, em condições normais, bancos mantêm reservas

voluntárias (Rv) - na forma de moedas ou outros ativos de alta liquidez - além de reservas

19 Esta relação Ψ é uma proxy, mesmo que imperfeita, da vulnerabilidade dos bancos.

Page 16: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 5

compulsórias (Rc). A percepção da vulnerabilidade financeira pode ser entendida como

uma função Ψ20 da expectativa de variação (i) da relação δ e (ii) da qualidade do crédito

(ou o nível esperado de inadimplência - υ), na medida em que se expande a oferta de

empréstimos:

Ψ = f (B, e, υ), ∂Ψ/∂B>0, ∂Ψ/∂e<0, ∂Ψ/∂υ>0

e = E(dδ /dB)

υ = E(dIn/dB )

onde B e In representam, respectivamente, a oferta de empréstimos e o índice de

inadimplência.

Ou seja, Ψ denomina a expectativa da firma bancária sobre a expansão de sua

vulnerabilidade financeira na decisão de expansão de empréstimos. Studart (1995)

apresenta um modelo da firma bancária em que uma expansão acelerada de B gera

problemas de racionamento de crédito de curto prazo na medida em que Ψ se aproxima de

Ψmax, o grau de vulnerabilidade máximo suportado pelo banco, supondo-se que não hajam

expectativas de aumento de inadimplência na expansão de crédito (dB/dυ = 0).

Assim, relativamente ao modelo apresentado na seção 2, o racionamento seria

determinado não apenas pela elevação dos risco associado ao retorno dos projetos, mas

também pelo grau de vulnerabilidade suportada pelo banco. Desta forma, a combinação

destes elementos permitiria uma redefinição da equação de lucros. Logo, (6) poderia ser

escrita como:

1 - p´K 1

(6) Φ = (1 + r).B.∫ p´K.g(p K).dp´K + k.[Ψ(B)]. ∫ (1 - p´K).g(p´K).dp´K - (1 + δ ).B

20 As reservas voluntárias dos bancos têm lógica similar à demanda precaucional por moeda de qualquer outro agente. A diferença é que no caso do banco, estas são mantidas para fazer face a aumentos líquidos inesperados de demanda por crédito/depósitos.

Page 17: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 6

0 1 - p´K

Onde p´k representa a probabilidade subjetiva de ocorrência de K e as demais

variáveis já foram definidas.

A partir da equação acima, percebe-se que o racionamento de crédito não vai ser

explicado apenas em função do crescimento do risco percebido do projeto associado à

elevação da taxa de juros, mas sim pela combinação desta condição com a vulnerabilidade

máxima suportada pelo banco.

Em outras palavras, dada a probabilidade subjetiva de fracasso do projeto, o

banco estará menos disposto a conceder crédito quanto maior for a expansão da relação δ .

Isto significa dizer que, (i) na medida em que Ψ se aproxima de Ψmax, a elasticidade da

oferta de empréstimos se reduz; (ii) B se desloca para baixo (de B1 para B2 , por exemplo)

quando as expectativas (e) dos bancos apontam para uma elevação de δ, isto é, um

crescimento dos gastos planejados que levem a uma demanda por empréstimos para além

Bmax , o que implica em racionamento do crédito (Bd3-Bmax). Isto é graficamente descrito

como se segue:

Page 18: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 7

B(e1)Ψmax

Ψ1 B(e2)

Ψ*min

B1=Bd1 Bmax=Bd

2 Bd3

racionamentode crédito

Figura 1 - Racionamento de crédito em um modelo onde bancos possuem preferência pela

liquidez

Como Ψ também embute a inadimplência esperada da carteira de empréstimos, é

natural que se espere que na medida em que Ψ se aproxima de Ψmax, o crédito bancário se

torna cada vez mais seletivo, em detrimento das empresas com maior risco de

inadimplência. Neste caso, o racionamento se deverá a uma seleção mais criteriosa dos

riscos de empréstimos, o que tende a favorecer empresas já consolidadas e com garantias

mais elevadas (ou com menor risco de perda futura de valor). Isto, por sua vez, pode

implicar a exclusão de empresas novas e/ou pequenas, e/ou projetos de investimento com

retornos excessivamente longo e/ou incertos.

Neste caso, por exemplo, as empresas inovadoras - ou seja, aquelas que

introduzem novos produtos, se inserem em novos mercados (internos e externos) e/ou

introduzem novos formas de produção - e as pequenas e médias empresas tendem a ser

descriminadas. De fato, os bancos comerciais, nestas condições, têm preferência por

empresas estabelecidas, em mercados conhecidos e com história de relações com o banco

(ou outros bancos) e com suficientes garantias (Cf. Dosi, 1990).

Page 19: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 8

4. CONCLUSÃO

Apresentamos um modelo de comportamento da firma bancária com base nesta

estilização do financiamento do investimento em Keynes, onde restrições financeiras ao

investimento não advêm unicamente de falhas de distribuição de informações, mas são

principalmente inerentes ao funcionamento da firma bancária em ambientes inergódicos.

Neste contexto (o de incerteza Keynes-Knightiana), os problemas informacionais do

financiamento do investimento são muito superiores aos descritos nos modelos Novo-

Keynesianos. De forma sintética, poderíamos classificar tais problemas como se segue:

Situação

Características

Risco Probabilístico (e.g. Estado Estacionário)

Incerteza Keynes/Knightiana (e.g. Crescimento Com Mudança

Estrutural)

Tipos de demanda por financiamentos

Tipo I: Empresas e setores estabelecidos com investimento marginais

Tipo I e adicionalmente Tipo II: Criação de novos empresas, setores; entrada em setores com barreiras a entrada determinadas por custos de aprendizado e economias de escala; ou entrada em novos mercado

Problemas informacionais

Tipo I: problemas de distribuição de informações (assimetria de informações etc.)

Tipo I e adicionalmente Tipo II: as informações do passado não são guias adequados para projeções sobre performance futuras de empresas investidoras

Falhas possíveis de intermediação

Tipo I: Problemas de monitoramento, seleção e empréstimo; incompletude ou inexistência de mercados; competição imperfeita;

Tipo I e adicionalmente Tipo II: racionamento de crédito gerado por crescimento acelerado da vulnerabilidade financeira dos bancos comerciais Tipo III: Inexistência de instituições financiadoras de empreendimentos com pouco acesso ao sistema de crédito e a mercados de títulos organizados

A conclusão advinda da tabela acima é que, se os bancos podem ser eficientes na

disseminação de informações existentes, seria demais esperar eficiência no caso de

informações incompletas ou inexistentes. Neste caso, por um lado, as expectativas dos

Page 20: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

1 9

bancos seriam uma variável fundamental na determinação não só do nível de investimento,

como da renda e da poupança agregada - como acuradamente sugeriu Keynes.

Por outro lado, uma política voltada para o crescimento deve incentivar uma melhor

distribuição de informações, através de implementação de um sistema de disclosure das

empresas mais efetivo. Porém, nos casos de crescimento com mudança estrutural, quando

impera a incerteza Keynes-Knightiana, este tipo de política não pode evitar os problemas

de racionamento de crédito e seleção adversa. Neste caso, tornam-se necessários

mecanismos de financiamento alternativos, que podem envolver o fomento de atividades

específicas e/ou sinalização por parte do Governo. De fato, não só a teoria como a prática

demonstram que o Estado e o mercado têm papéis complementares na criação de fontes

sólidas de financiamento do crescimento. Esta é uma análise que, entretanto, foge ao

escopo deste artigo.

Page 21: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

2 0

5. REFERÊNCIAS

Andersen, T.B. (1983--84) ‘Some implications of the efficient capital markets hypothesis’,

Journal of Post Keynesian Economics 6,2: 281--294. Blanchard, O. & Fischer, S. (1989). Lectures on Macroeconomics . Cambridge, Mass.

Cambridge University Press.

Carvalho, F.J.C.(1992) Mr. Keynes and the Post Keynesians: Principles of Macroeconomics for a Monetary Production Economy , Aldershot: Edward Elgar.

Dosi, G. (1990). “Finance, Innovation and Industrial Change”, Journal of Economic Behavior and Organization, 13: 299-319.

Fama, E.(1980). “Banking in the Theory of Finance”. Journal of Monetary Economics, 6,

january. Gale, D. Money: In Equilibrium, Cambridge University Press, Chs. 1,2 Gertler, M. (1988) ‘Financial structure and aggregate economic activity: an overview. Journal

of Money, Credit, and Banking. 20(3): 559--587. Gurley, J. G., e Shaw, E.S. (1960). Money in a Theory of Finance, Washington D.C.. Hahn, F.H. (1981). Money and Inflation. Cambridge, Mass.: MIT Press. Jamarillo-Vallejo, J. (1994) ‘Comment on “The role of the State in financial markets”

Proceeding of the World Bank Annual Conference on Development Economics 1993, The World Bank: Washington, D.C.: 53-58;

Jaffee, D. and Stiglitz, J.(1990). Credit Rationing. in Friedman, B. and Hahn, F.(Eds.).

Handbook of Monetary Economics, Volume 2. Amsterdam. North Holland. Keynes, J.M. Collected Writings (CWJMK). D.E. Moggridge (ed.), London: Macmillan for

the Royal Economic Society, various dates from 1971. --- (1937) ‘The “ex-ante” theory of the rate of interest’. The Economic Journal, December

1937. Reprinted in CWJMK, vol. XIV: 215--23. Lewis, M. K. (1992) ‘Modern banking in theory and practice’, Revue Economique 10, 2: 203-

-225. Mankiw, G. (1992). The Reincarnation of Keynesian Economics. European Economic

Review, vol.36, april: pp.559-65.

Page 22: RACIONAMENTO DE CRÉDITO, POLÍTICAS FINANCEIRAS E …app.ebape.fgv.br/comum/arq/studartsobreira.pdf · contemporânea: em economias onde os fenômenos financeiros são irrelevantes

2 1

McKinnon, R. I. (1973) Money and Capital in Economic Development, Washington D.C.:

Brookings Institution. Moore, B. (1988). Horizontalists and Verticalists:The Macroeconomics of Credit Money,

Cambridge: Cambridge University Press.

Schumpeter, J. (1934). The Theory of Economic Development, Cambridge, Mass.: Cambridge University Press, 1951.

Kahn, R.F. (1972). “Some Notes On Liquidity Preference Theory”, In Selected Essays On

Employment And Growth, Cambridge. Pailey, T. I. (1997). Post Keynesian Economics. New York: Macmillan Press Ltd. Sobreira, R.(1995). Preferência pela Liquidez e Comportamento dos Bancos: Para uma

Teoria Pós-Keynesiana da Firma Bancária. Niterói. UFF. Dissertação de Mestrado.

Stiglitz (1988) Banks as social accountants and screening devices for the allocation of credit.

National Bureau of Economic Research, Working paper 2710. --- (1994) ‘The role of the State in financial markets’ Proceeding of the World Bank Annual

Conference on Development Economics 1993, The World Bank: Washington, D.C.: 19-52;

Stiglitz J.E. and M. Uy (1996) “Financial Markets, Public Policy, and the East Asian Miracle”,

The World Bank Reaearch Observer , 11(2): 248-276. Studart, R. (1995) Investment Finance in Economic Development, London: Routledge. --- (1995-96) "The efficiency of the financial system, liberalization and economic

development", Journal of Post Keynesian Economics, Winter 1995-95, 18(2): 265-289. --- (1996) “Financial policies, growth and distribution : Theory and Lessons from Latin

America and some Asian economies”, no prelo, Texto para Discussão 379 IE/UFRJ. Vittas, D. e Y. J. Cho (1997). “Credit Lessons from Japan and Korea”, The World Bank

Research Observer, 11(2): 277-97.