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“Terças à Noite” Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César 11 de fevereiro 2014 RA É hoje nosso convidado Carlos César, 16 anos presidente dos Açores, um socialista da 3ª via que teve sucesso, pode dizer-se que uma das raras exceções, não só em Portugal, mas em toda a Europa. Agora Carlos César está na reserva, mas ninguém acredita que seja por muito tempo. Há quem o aponte para liderar a lista do PS às eleições europeias, como um hipotético sucessor de António José Seguro ou mesmo como candidato a Belém. Para já Carlos César é um atento observador da política nacional, e a sua leitura é seguramente interessante no mundo político. Está na Renascença, no TERÇA À NOITE, entrevistamos Carlos César. É verdade que foi convidado para encabeçar a lista às eleições europeias, e que recusou este convite? Carlos César (CC) - Eu tive uma conversa com o Secretário-Geral do PS, ainda antes da realização das eleições autárquicas, em que falámos do meu eventual comprometimento nestas eleições europeias e ficou, desde então, claro que eu não tinha disponibilidade para participar nesta lista e não pretendia integrar a lista para o Parlamento Europeu (PE). Portanto, é uma questão que desde então não se coloca. Eu tenho, ao longo deste ano que transitou, tenho passado o meu período, digamos, sabático, depois de 32 anos de vida institucional, 16 dos quais como presidente do governo, também na Assembleia da República e no parlamento regional. O meu dever de colaboração, que também está associado a um dever de reserva sequencial dos cargos que exerci, tem também uma disponibilidade cívica, mas essa disponibilidade para colaborar com o meu partido, aproveitando, digamos, as vantagens da minha experiência, é também determinada por aquilo que eu acho útil fazer e, naturalmente, por aquilo que os outros também acham. Nestas circunstâncias, o desafio para o PE nunca esteve nos meus horizontes de participação cívica imediata. Portanto, esse assunto ficou desde essa altura absolutamente esclarecido e, portanto, as noticias que têm saído sobre esta matéria não tem qualquer fundamento. RA Não têm fundamento, é uma questão completamente posta de parte, portanto? CC Sim, completamente posta de parte. RA O que é que vão representar as eleições europeias para o partido socialista, sendo certo que se realizam pouco depois da troika ter saído do País, e de serem as últimas eleições antes das legislativas. O que é que isto pode representar para o PS? Gostava de lhe dizer o seguinte sobre estas eleições europeias. Em primeiro lugar, desfazer um pouco a ideia de que a circunstância de o PS ainda não ter indicado o seu cabeça de lista para

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“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

11 de fevereiro 2014

RA – É hoje nosso convidado Carlos César, 16 anos presidente dos Açores, um socialista da 3ª

via que teve sucesso, pode dizer-se que uma das raras exceções, não só em Portugal, mas em

toda a Europa. Agora Carlos César está na reserva, mas ninguém acredita que seja por muito

tempo. Há quem o aponte para liderar a lista do PS às eleições europeias, como um

hipotético sucessor de António José Seguro ou mesmo como candidato a Belém.

Para já Carlos César é um atento observador da política nacional, e a sua leitura é

seguramente interessante no mundo político. Está na Renascença, no TERÇA À NOITE,

entrevistamos Carlos César. É verdade que foi convidado para encabeçar a lista às eleições

europeias, e que recusou este convite?

Carlos César (CC) - Eu tive uma conversa com o Secretário-Geral do PS, ainda antes da

realização das eleições autárquicas, em que falámos do meu eventual comprometimento

nestas eleições europeias e ficou, desde então, claro que eu não tinha disponibilidade para

participar nesta lista e não pretendia integrar a lista para o Parlamento Europeu (PE). Portanto,

é uma questão que desde então não se coloca.

Eu tenho, ao longo deste ano que transitou, tenho passado o meu período, digamos, sabático,

depois de 32 anos de vida institucional, 16 dos quais como presidente do governo, também na

Assembleia da República e no parlamento regional. O meu dever de colaboração, que também

está associado a um dever de reserva sequencial dos cargos que exerci, tem também uma

disponibilidade cívica, mas essa disponibilidade para colaborar com o meu partido,

aproveitando, digamos, as vantagens da minha experiência, é também determinada por aquilo

que eu acho útil fazer e, naturalmente, por aquilo que os outros também acham. Nestas

circunstâncias, o desafio para o PE nunca esteve nos meus horizontes de participação cívica

imediata. Portanto, esse assunto ficou desde essa altura absolutamente esclarecido e,

portanto, as noticias que têm saído sobre esta matéria não tem qualquer fundamento.

RA – Não têm fundamento, é uma questão completamente posta de parte, portanto?

CC – Sim, completamente posta de parte.

RA – O que é que vão representar as eleições europeias para o partido socialista, sendo certo

que se realizam pouco depois da troika ter saído do País, e de serem as últimas eleições

antes das legislativas. O que é que isto pode representar para o PS?

Gostava de lhe dizer o seguinte sobre estas eleições europeias. Em primeiro lugar, desfazer um

pouco a ideia de que a circunstância de o PS ainda não ter indicado o seu cabeça de lista para

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11 de fevereiro 2014

as eleições europeias e o facto de terem saído várias notícias sobre isso não é motivo de

alarme no que diz respeito ao PS.

RA – Não acha que é tarde?

CC – Não, creio que não. Não sei se a direção do Partido está preocupada ou não com isto,

conforme ela própria mencionou, mas essa temporalidade não é decisiva do ponto de vista da

qualificação do PS. Mas uma vez escolhido, o perfil desse candidato estará profundamente

ligado à observação e inteligibilidade que os eleitores farão do momento e do potencial do PS.

RA – Traduza isto por miúdos…

CC – Portanto, aconselho a direção do PS a ter a maior preocupação possível nessa escolha.

Não é tarde para o fazer, não há nenhuma urgência em fazê-lo, mas há absoluta necessidade

de o PS fazer essa escolha bem-feita.

RA – Como deveria ser este candidato?

CC – O perfil desse candidato tem que significar, perante os portugueses, a confirmação ou um

indício muito forte da capacidade de expansão e de renovação do PS, da reestruturação do seu

apoio eleitoral. Um partido que pretende ser governo, que pretende vencer as eleições

legislativas, tem a obrigação de fazer demonstrações muito claras dessa sua capacidade de

atração junto dos melhores, e as eleições europeias não podem, nem dispensam, no que toca

ao PS, essa demonstração. O Partido Comunista pode apresentar um militante de sempre; o

Bloco de Esquerda pode procurar um acordo precário no seu interior; o PSD pode repetir a

mesma candidatura. Todos os partidos podem fazer demonstrações nestas eleições europeias

que não terão o peso que uma candidatura do PS, nesta fase necessariamente afirmativa do

PS, para uma vitória nas legislativas. O PS tem a obrigação e tem a absoluta necessidade de

apresentar nesta eleição europeia o retrato ou, o ante retrato, daquilo que será em eleições

legislativas.

RA – Ou seja, procurar um nome reconhecido na sociedade portuguesa, que eventualmente

até seja um independente, e não um militante de sempre do PS?

CC – Pode sê-lo. É fundamental nesta eleição não usar o jogo político, o truque, a habilidade

para depois justificar resultados. Eu não defendo, por exemplo, um independente para no caso

de correr bem ser o PS que ganhou, no caso de correr mal ser o independente.

RA – É sempre o que acontece com os independentes…

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11 de fevereiro 2014

CC – E já aconteceu, de resto, no passado e com o próprio PS e até nesta eleição. Mas o que é

importante é que o PS, com a capacidade de atração que revelar na organização desta lista, dê

um sinal muito claro e muito eloquente daquilo que é capaz de fazer e das pessoas que são

capazes de serem mobilizadas para um projeto governativo do partido socialista, numa fase da

vida nacional onde a competência, onde a capacidade de interagir, onde a necessidade de

abrangência na sociedade portuguesa são atributos indispensáveis numa alternativa sólida de

governo.

RA – O que é o Dr. Carlos César acha que é um bom resultado nestas eleições?

CC – Peço-lhe que me dispense do "Dr." que não é muito aplicável... (risos)

Eu penso que é uma vitória. É indispensável que o PS ganhe estas eleições porque esta eleição

não deixará de decorrer num ambiente predominantemente reportado à situação política e

governativa do país mais do que aos próprios desafios com que nos confrontamos e são

muitos e de grande gravidade no plano europeu. E, portanto, a vitória do PS é absolutamente

indispensável do ponto de vista da sua projeção vitoriosa nas eleições legislativas.

RA – Basta ganhar por um? Por um voto se ganha, por um voto se perde? É o desafio ou acha

que se pedia nesta altura uma vitória mais expressiva do PS?

CC - Acho muito improvável que se ganhe por um voto (risos).

RA – Mas um voto por força de expressão. Há sempre essa contabilidade. Sabemos que os

partidos que estão no governo normalmente saem sempre derrotados em eleições

europeias e portanto nesta altura que o país vive, até pela descrição que faz daquilo que

deve ser o cabeça de lista e a lista do PS a estas eleições, vê estas eleições no fundo como

uma antecâmara das eleições legislativas?

CC – Sim, eu creio que um resultado de uma vitória clara... - quer dizer que o PS terá que ter

mais do que teve no passado e o PSD e CDS menos do que à soma dos votos obtidos nas

últimas eleições legislativas. Ou seja, das eleições europeias nós temos que concluir que por

um lado há uma deterioração da base eleitoral que está subjacente à formação do atual

governo, e por outro lado há um claro sentido ascendente na opinião pública e eleitoral

portuguesa em relação ao PS.

RA – Ou seja, que se possa olhar para os resultados e perceber que o PS pode ser uma

alternativa clara a eleições próximas?

CC – Sem dúvida. Penso que é essa a função interna destas eleições europeias.

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11 de fevereiro 2014

RA – Vê alguma hipótese, na sequência destas eleições, haver a necessidade de se convocar

eleições legislativas antecipadas?

CC – Tudo depende da intensidade destes resultados. Repare, se os partidos do governo

sofrerem uma derrota fulgurante parece-me evidente que a base eleitoral do governo estará

muito deteriorada e que há toda a vantagem em antecipar o calendário eleitoral de modo a

garantir uma proposta de estabilidade o mais rapidamente possível, depois desse evento

eleitoral.

RA – Por essa altura, em princípio terminou o programa de ajustamento, se tudo correr

como, aparentemente, neste momento se pode prever. Ainda hoje fomos aos mercados, e as

coisas correram relativamente bem para Portugal, tendo em conta que estamos ainda a

alguns meses do fim do programa de ajustamento…

CC – Correram durante o momento da contração do empréstimo. Agora se me perguntar se as

condições de contratação deste empréstimo, por um juro de 5,1 %, creio, são sustentáveis

face ao crescimento da economia portuguesa e às nossas contas públicas, evidentemente que

não são sustentáveis. Portanto, é preciso fazer algo mais no futuro. E esse algo mais passa por

ter um acesso aos mercados em condições de juros melhores, e também por outro lado,

enfim, o que é aliás provável, beneficiar, por um lado, do processo transitado irlandês e, por

outro lado das dificuldades gregas, para podermos pagar as nossas dívidas durante um período

maior e com o menor esforço do orçamento português. Se não ocorrer uma alteração nas

taxas de juros, se a economia portuguesa não crescer a um ritmo maior do que o atual e, por

outro lado ainda, se a situação conjugada, por intervenção do Banco Central Europeu, por via

da situação grega e por via do sucesso doutros países e dos interesses gerais da União

Europeia, se não ocorrer uma situação de proteção da posição portuguesa no mercado, nós

vamos ter grandes dificuldades em prosseguir a consolidação orçamental em Portugal e, ainda

mais, em pagar as nossas dívidas.

RA – Neste sentido o que é que a esta distância aconselharia no final deste programa de

ajustamento? Que se optasse por um programa cautelar ou que fossemos para um caminho

à Irlandesa, aquilo que se chama uma saída limpa, mas que tem também, ela própria, alguns

condicionalismos.

CC – Estou convencido que com a situação que neste momento se vive na zona euro, com o

debate que ocorre à volta da instabilidade monetária, orçamental e toda a complexidade que

hoje envolve os riscos de desagregação da União, estou convencido que, quer queiramos quer

não, na fase de saída do resgate, a situação portuguesa terá de correr bem. É do interesse da

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11 de fevereiro 2014

União Europeia que esta reentrada de Portugal nos mercados, sem programa de assistência,

seja feita sem grandes perturbações.

RA – O mérito não será do Governo, e da política do governo, mas daquilo que é vontade

europeia?

Basicamente. O crescimento que nós temos tido e a maioria dos fatores positivos que têm

ocorrido na economia portuguesa são claramente induzidos pela situação externa.

O que bem se pode dizer é que se não houvesse a política que está em vigor, se não houvesse

este excesso de intensidade na austeridade que é praticada, nós teríamos outro crescimento e

teríamos outros indicadores positivos bem mais afirmativos. Portanto, nós estamos a

beneficiar de uma situação como no passado já beneficiámos de uma situação inversa.

É muito comum atribuir à governação do PS e a fatores internos a crise orçamental e da dívida

e a crise económica que Portugal vive. Mas, em boa verdade, é sempre bom lembrar que a

maior parte dos fatores influentes na crise que nós vivemos, particularmente a partir de 2011

no plano orçamental, têm a ver com uma crise externa, do subprime, tem a ver com a posição

de desregulação europeia ( há aquela célebre frase, na gíria irlandesa, que o regulador

adormeceu ao volante). Isso também penalizou, evidentemente, a nossa situação nacional.

Toda a orientação errática da União Europeia, ora no sentido do investimento e da dívida ora

no sentido da austeridade e da poupança; a conduta restricionista da Alemanha; as condições

de construção da Zona Euro; o alargamento, nem sempre ponderado, da própria União

Europeia; a situação da Banca, o seu impacto na Zona Euro em geral; a incapacidade das

lideranças políticas e europeias; a situação de falta de solidariedade; e até outra que nós

temos que reconhecer, apesar da adesão que é indispensável ter, e que eu tenho como

socialista, ao Estado Social europeu. Quer dizer, em boa verdade, a União Europeia, com 7% da

população mundial e com 20 a 25% da produção, mantém um estado social com mais de

metade dos benefícios sociais que são concedidos à escala do planeta. Há aqui uma situação

de grande densidade e de grande dificuldade que contaminou negativamente a situação

portuguesa. É claro que (inaudível)... e eu nunca excluí a ideia de que o PS deve ter consciência

dos erros que cometeu e dos erros que comete. É fundamental que assim seja. Por que

cometeu erros, não é?

RA – É porque antes desses fatores todos que falou, lembro-me, e toda a gente se recorda

daquela frase que Durão Barroso, então primeiro-ministro, disse no Parlamento depois de

ganhar as eleições, depois do Engenheiro Guterres se ter demitido, dizendo que “o país

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estava de tanga”. Isso foi muito antes de 2011 e aparentemente já o país estava com

grandes dificuldades económicas.

CC – Sim, mas repare, a gestão de Durão Barroso e de Santana Lopes geraram um défice que,

aliás, foi corrigido no primeiro mandato de José Sócrates. De governo em governo há a

tendência para atribuir ao Governo anterior os piores efeitos e as piores causas mas, em boa

verdade, evidentemente alguns governos do PS também geraram alguns problemas com que

ainda hoje nos confrontamos.

Mas é preciso ter em consideração, por exemplo, no que diz respeito ao défice: Nós temos

défices há décadas. Esses défices têm sido apenas mascarados ou ultrapassados ou pelas

remessas dos emigrantes, ou pelos fundos comunitários, ou pelo recurso à dívida, ou por

receitas extraordinárias. Tem sido assim ao longo das últimas décadas. É evidente que,

acumulado isso, com uma situação comprovada de escassa reprodutividade de alguns

investimentos feitos, dos efeitos precoces da elevada dívida, com que não se contava, nós

ficámos numa situação de dificuldade, que foi especialmente danosa quando tivemos que,

depois do chumbo do PEC 4, negociar o memorando em condições especiais muito difíceis.

RA – Está convencido que o PEC 4 nos tinha salvo do programa de ajustamento?

CC – O PEC 4 era uma solução que também continha, evidentemente, medidas de austeridade

e necessidade de uma alteração de rumo, mas era uma solução que tinha o assentimento e a

concordância das instâncias reguladoras europeias e da própria administração alemã. Era

sancionada pela própria Comissão Europeia, portanto era uma solução na qual nos podíamos

ter incluído se tivesse havido capacidade da oposição de então confluir com o PS.

RA – Está convencido que a história tinha sido outra? Podíamos ter tido uma solução à

espanhola ou à italiana?

CC – Sim, eu penso que sim. Acabámos por ter uma negociação de memorando que foi, aliás,

uma negociação claramente influenciada pelo PSD, a crer pelas suas próprias palavras. Eu

recordo-me bem da delegação do PSD, liderada por Eduardo Catroga, afirmar que, no

essencial, essa negociação tinha sido influenciada por ele próprio e até de ter deixado a ideia

que, se ele próprio tivesse sido absolutamente dominante nos termos desse memorando, ele

teria sido mais radical. Aliás, isso não me admira, visto que o próprio PSD, conduzindo o atual

governo, teve uma interpretação radical e mais acentuada das restrições que emanavam deste

próprio memorando.

“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

11 de fevereiro 2014

RA – Não acha agora, olhando para trás, que foi o facto de o governo ter adotado esta

atitude que nos levou agora a termos uma atitude mais benevolente por parte das instâncias

europeias e que haja essa vontade de que Portugal corra bem?

CC – Eu não advogo o incumprimento dos compromissos, nem no passado, nem no presente,

nem no futuro. O que eu entendo é que nós, no âmbito de um programa assistencial, fomos

para além do que era necessário. Deixamos o país numa situação, à saída desse resgate, para

além do que era admissível do ponto de vista da sua degradação económica, da sua

incapacitação económica, do ponto de vista das desigualdades sociais, do ponto de vista do

seu empobrecimento geral, do ponto de vista do desmantelamento de serviços públicos e de

áreas de proteção que são indissociáveis de um estado europeu moderno.

Ou seja, nós destruímos o país em vários sectores voltando ao estado de décadas atrás. Para

nós crescermos, por exemplo, ao nível que estamos do BIP, precisávamos de ter mais de uma

dúzia de anos para recuperar o que tínhamos há três anos atrás. Portanto, são estas as

condições de saída do resgate. Circunstancialmente, nós temos um enquadramento europeu,

quer do ponto de vista económico quer do ponto de vista da própria intervenção do Banco

Central Europeu (BCE), quer do ponto de vista do clima em geral que é completamente

diferente daquele que enquadrou a negociação do memorando em geral. Eu não excluo nunca

que os governos, por pior que eles sejam, tenham virtudes e tenham bom desempenho neste

ou naquele setor mas, em boa verdade, a impressão que fica, que vai para além de uma mera

intuição e que se reporta estatisticamente à realidade, é que se fez mais de mau do que era

necessário em vários sectores, não só do ponto de vista social e das prestações sociais em

geral, mas, também, da destruição do nosso tecido económico.

RA – E voltando à pergunta de há pouco, a esta distância, acha que vamos precisar de um

programa cautelar?

CC – Creio que, formal ou informalmente, nós estaremos numa posição acautelada no âmbito

da União Europeia, quer esse programa assuma uma dimensão formal, quer se enquadre

numa vigilância reguladora, que emergiu, de facto, depois da dívida soberana e dos países do

Sul e que emergiu, de facto, ao nível das instituições europeias: não tanto da CE, mas em

especial do novo estilo de intervenção do BCE, que tem sido fundamental, do ponto de vista

da estabilização bancária, da estabilização monetária, da consolidação orçamental, do controlo

regulador, da própria contenção da especulação dos mercados. O BCE te que fazer mais e,

provavelmente, ser forçado ou não, mas devia fazê-lo, comprar dívida dos países do sul para

melhorar essa regulação e as suas posições no mercado. Mas eu creio que o enquadramento

“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

11 de fevereiro 2014

com que nós saímos deste resgate, permite-nos experimentar o mercado durante algum

tempo.

Há aqui algo que deve ser tido em consideração - é que o problema maior não é como saímos

do resgate, com ou sem programa cautelar, o problema maior é como nos mantemos no

mercado dentro de alguns meses, ou durante o período mais próximo. Não creio que haja uma

perceção duradoura da nossa reentrada no mercado sem que decorra um período

suficientemente alargado para se perceber com que consistência essa permanência

formalmente desprotegida de Portugal no mercado acontece...

RA – Nesse sentido, partilha das opiniões, da pessoa que não costuma partilhar muito de

opiniões, que é o Presidente da República, que tem, e nos últimos meses, alertado o

problema neste instante, em perceber como é que Portugal vai estar no pós-Troika e

preparar-se para o pós-Troika, mais ainda do que pensar na data em que o programa de

ajustamento termina.

CC – Pois, eu atrevo-me, não para contrariar o senhor Presidente da República - com o qual até

do ponto de vista pessoal tenho boa relação, mas com o qual tive grandes motivos de

oposição-, mas eu penso que o que o Presidente da República disse não é algo que possa

registar patente, é algo que é do senso comum.

RA – Mas a verdade é que ele começou a falar no pós-Troika, numa altura em que toda a

gente falava num segundo resgate.

CC – Justamente. Começou-se a falar do pós-Troika quando a hipótese do segundo resgate

deixou de ser a única hipótese ao nosso alcance. Portanto, foi uma altura apropriada para

pensar no assunto. O Presidente da República o que disse é algo que também muita gente

tem dito, e que eu próprio tenho dito: é que há necessidade de sobre matérias que são

determinantes para o próximo futuro do país, que haja um debate e, se possível, uma

concordância de posições entre os principais partidos portugueses. Isso tem sido possível em

vários domínios, não tem sido possível noutros, mas penso que este esforço deve ser feito em

permanência.

RA – Mas neste instante é um esforço praticamente impossível e era para aí que eu agora

gostava de virar a nossa conversa. Não acha que o PS se encurralou na armadilha de pedir

eleições antecipadas, já há uns meses atrás, e de não conseguir agora ter mais discurso,

sobretudo agora numa altura em que em princípio estaremos a terminar o programa de

ajustamento e, pelo menos simbolicamente, isso vai dizer alguma coisa às pessoas. E o PS no

fundo o que tem feito nos últimos meses é pedir eleições antecipadas e falar numa hipótese

“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

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de falhanço do governo, no caso de ter que haver um programa cautelar. Isto faz-lhe

sentido, este discurso político do PS? Isto não é uma armadilha em que o PS propriamente se

colocou e da qual agora não consegue sair, até, para esses entendimentos?

CC – Se me perguntar se tinha havido, e há, conveniência na antecipação do calendário

eleitoral para as legislativas, eu também concordo. Acho que se o país tivesse realizado

eleições teria poupado a ameaça de uma situação de instabilidade próxima futura. E teria feito

sentido, de resto, fazer anteceder a saída do resgate de um refrescamento da legitimidade

política do governo. E creio que, para os nossos credores, era muito mais importante a

garantia de estabilidade política do que à falta de garantia que tiveram de um acordo entre os

partidos do governo e o maior partido da oposição. Teria havido vantagem para o país, do

ponto de vista da estabilidade, e para os credores, do ponto de vista de previsibilidade, a

realização de eleições antes do termo do programa de assistência. E, consoante o resultado

das eleições europeias, volta, ou não, a haver a necessidade absoluta de que esse

refrescamento eleitoral seja feito, de forma a devolver, se for caso disso, estabilidade ao país.

Eu penso que o PS fez bem em defender a realização de eleições e também não faz mal em

denunciar a situação por que o país atravessa.

RA – Mas a questão é se as pessoas percebem isso.

CC – A intervenção do PS não se pode resumir ao tacticismo político-eleitoral. O PS tem que ter

um compromisso com a verdade. E esse compromisso com a verdade passa, por um lado, pela

denúncia de aquilo que entende que está a ser mal feito, e pelos fatores negativos que

enformam a situação portuguesa, e, por outro lado, fazer o que eventualmente é feito menos (

mas que, por exemplo,a Convenção Por um Novo Rumo pode ser um bom indicador) que é de

ter uma conduta liderante e de clareza, reformista, do ponto de vista da reforma do Estado, do

ponto de vista proponente.

RA – O que temos ouvido o Secretário-Geral (SG) do PS dizer, nos últimos dias, é que quando

e se chegar ao governo, fará tudo ao contrário do que este governo tem feito e desfará

algumas coisas que este governo está a fazer. Nomeadamente, agora a questão dos

tribunais, a última headline do discurso do SG do PS é dizer que se chegar a primeiro-

ministro, reabre todos os tribunais que agora o governo decidiu encerrar. Acha que este

discurso cai bem?

CC – Posso também discutir se o SG do PS e seu candidato a primeiro-ministro deve falar sobre

tudo e durante todo o tempo, porque suscita a necessidade de, sendo assim, pronunciar-se

“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

11 de fevereiro 2014

sobre as mais exóticas matérias, que talvez não caibam a uma liderança. Mas podem caber a

colaboradores, desde que eles existam e tenham qualidade para isso.

São estes os problemas que o PS tem que resolver, e que ainda, em boa verdade, não tem

resolvido. Eu aprecio o labor com que isto é feito.

RA – Acha que o PS, neste instante, estaria preparado se houvesse eleições?

CC – Eu penso que se está a preparar para isso e que tem todas as condições para reforçar a

sua capacidade de atração junto de sectores qualificados, junto de universidades. Porque,

repare, qual é a situação que nós hoje temos no país? Nós temos um governo profundamente

divorciado do diálogo social. Nós temos um governo que se incompatibilizou com a UGT,

partindo do princípio de que não era difícil se ter antes incompatibilizado com CGTP. Temos

um governo que se incompatibilizou com as autarquias locais. Temos um governo que não fala

com os governos das regiões autónomas. Temos um governo que não consegue manter um

diálogo partidário, numa base da boa-fé ou com o mínimo de continuidade. E portanto, é

natural que, nesse contexto, o PS seja um partido demasiado oponente e pouco proponente. É

este, no fundo, o ambiente que se vive na política portuguesa.

Evidentemente que o PS não deve pensar que não se pode sentar à mesma mesa com um

partido por causa dos valores desse outro partido. Deve sentar-se à mesma mesa com base na

defesa dos seus valores. E, portanto, o diálogo interpartidário, a procura de um sentido

minimamente comum, nesta fase de emergência portuguesa, é muito importante, porque nós

não estamos a viver uma situação boa no país, nós estamos numa situação dramática.

Não são esses indicadores de circunstância que alteram uma perceção daquilo que é a

realidade portuguesa. Nós estamos num país com 129% de dívida do PIB, repare, mais do que

o dobro que a dívida da Madeira; mais do que o dobro da dívida da Madeira, sobre a qual

tanto falamos ( Bom, seis vezes mais do que a dos Açores, mas eu dispenso-me desses auto-

elogios). Aliás, também devo dizer que os Açores têm défice zero, não é? É algo que é quase

exótico na administração portuguesa.

Mas nós temos um país com essa dívida. Nós temos um país que paga mais de três mil

milhões de Euros, que pagou durante estes últimos dois anos, em juros e comissões à Troika.

Nós temos um país que tem muita austeridade, mas a despesa do estado em compra de bens

e serviços aumenta. Nós temos um país que tem o crescimento induzido do exterior mas,

como digo, esse crescimento implicará que levemos mais de uma década a recuperar dois anos

de crescimento negativo. Nós temos a nossa economia a revelar cada vez menos

competitividade, apesar de trabalharmos cada vez mais e com custos unitários do trabalho

“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

11 de fevereiro 2014

cada vez menores. Nós temos um desemprego cuja boa notícia de redução afinal é

ensombrada pela emigração que influencia mais de dois terços; essa evolução que era

supostamente é positiva! Nós temos mais de 40% das empresas portuguesas com resultados

negativos, fechando o ano de 2013. Nós reduzimos o poder de compra em Portugal, fomos o

país que mais reduziu o poder de compra, a seguir à Grécia e à Estónia.

RA – Em suma, isso não devia levar ao dever patriótico dos principais partidos, sentarem-se

à mesa e negociarem, esquecendo para já os calendários eleitorais?

CC – Não tenho dúvidas sobre isso.

RA – Sei que defende a ideia de um bloco central, aliás ao contrário da maior parte dos seus

camaradas socialistas.

CC – Sim, acho que, na oposição, o PS não se deve sentar para comerciar valores. Mas não

deve deixar a cadeira vazia por causa dos valores dos outros, porque o valor do país é, neste

momento, mais importante.

RA – Mas deve fazer depender essa situação de eleições?

CC – Não, o PS não pode é hipotecar a sua opinião sobre matérias centrais, para a realização

de um acordo. Nós vivemos num regime democrático. O que mais pode e deve caracterizar o

regime democrático é o respeito e o valor das diferenças e o que mais pode valorizar o sentido

patriótico é a utilização daquilo que é comum para potenciar o sucesso nessas áreas. Esse

esforço tem que ser feito, e na minha opinião, devo dizer-lhe com franqueza, eu não tenho

mandato para defender a direção do PS, nem sequer tenho um alinhamento tradicional com

aqueles que hoje têm responsabilidades de direção, embora tenha votado na atual direção no

último congresso, mas aquilo que eu tenho que dizer é que tem havido, da parte do PS, em

múltiplas circunstâncias, uma boa disponibilidade para encontrar soluções.

Eu estou absolutamente convencido que o partido político em Portugal que mais tem feito

para evitar um acordo entre as forças centrais no país é o PSD. De resto, aliás, na sequência

deste apelo de que falávamos há bocado do senhor Presidente da República para o diálogo,

ficou claro que esse acordo podia ter sido mais substantivo e podia ter sido alcançado se não

fosse o PSD. E ficou claro, até, pelo testemunho que implicitamente foi dado pelo CDS/PP, que

ficou desconfortado com a intransigência do PSD em relação a posições que tinham sido

avançadas pelo PS.

Eu devo dizer que, há bocado, mencionou que sou a favor da criação de um bloco central. Sou

a favor da ideia de um governo forte. É absolutamente necessário que o próximo governo, que

“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

11 de fevereiro 2014

sair das próximas eleições, seja um governo com uma legitimidade transversal na vida política

portuguesa e que seja capaz de fomentar esse diálogo social e de retirar dele uma proposta

única e convergente. Evidentemente, as forças que estão na vida central portuguesa, que

congregam a opinião democrática mais abundante, que é a do PSD e do PS, podem e dever

fazer um esforço.

RA – Está excluído um CDS-PP propositadamente, acha que não deve fazer parte dessa

plataforma?

CC – Eu acho que a direita deve ficar no seu lugar, a extrema-esquerda deve ficar no seu lugar

e o centro-esquerda tem a responsabilidade de gerir a saída desta situação complexa em que

Portugal se encontra.

RA – Mas acha que é possível?

CC – Pois, é precisamente para aí que ia caminhar. É certo que com a atual direção do PSD, que

está profundamente divorciada da história e da tradição ideológica e de prática governativa do

PSD, é muito difícil um acordo. Este PSD é, muitas vezes, um partido à direita do próprio

CDS/PP, embora ao CDS/PP não se possa atribuir grande idoneidade, porque, como é visto e

sabido, o CSD/PP é um partido do jogo político. Não da chicana mas da gincana política. Eu já

uma vez disse, e não quis ofender o Dr. Pulo Portas com isso, mas acho que ele tem uma

conceção ludomaníaca da política e que acha que é tudo um jogo, que é tudo uma questão de

habilidades, que é tudo uma questão de gracinhas. Não, infelizmente o país não está para isso.

O país está pendente da verdade e, à esquerda ou à direita, essa é a maior responsabilidade

perante os eleitores.

Evidentemente, o que eu critico do PS, que estávamos há bocado a falar disso, é alguma

cedência à notícia do dia. É tempo de nos centrarmos no projeto, na clarificação dos seus

contornos e na mobilização de competências para a sua execução. E nessa demonstração

perante os portugueses. Porque senão vamos ficar todos em desacordo em pequenas e

grandes coisas.

RA – Ainda antes da crise de julho, houve uma crise interna dentro do PS. E houve um

congresso, onde o atual líder acabou por ser reeleito com uma pesada maioria. Mas a

verdade é que, pelo menos, para quem observa de fora, vive-se um clima de “paz podre” no

partido. A verdade é que vemos que muitos socialistas não se revêm na forma como o PS

está a conduzir.

“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

11 de fevereiro 2014

CC – Isso é parcialmente verdade. Eu próprio não tenho a certeza que este seja o caminho

adequado para afirmar aquilo que o PS necessariamente representa hoje na sociedade

portuguesa.

RA – Mas sendo um momento tão determinante, não é altura das vozes que estão mais

desconfortadas com o rumo que o PS está a seguir de fazerem ouvir a sua voz antes de umas

futuras eleições?

CC – Não. Repare, nós temos eleições europeias. As eleições europeias vão evidentemente

aferir a credibilidade do PS. É do domínio da responsabilidade, da exclusão da hipocrisia e da

idoneidade das pessoas em causa fazer um julgamento sério e adequado no dia seguinte ao

dia das eleições.

RA – Ou seja, pode-se voltar a colocar a questão da liderança?

CC – Acho que as eleições são isso mesmo, em qualquer circunstância. Será julgado o governo,

como será julgada a oposição. E teremos que ter conclusões, ora mais positivas para um lado,

ora mais negativas para o outro. E portanto, não podemos excluir que, se houvesse uma

situação, creio que de anormalidade, em que o PS não tivesse um bom resultado nas eleições

europeias, evidentemente, que esta questão se poderia colocar, ou deveria ser colocada, ou

deveria ser ponderada, no mínimo. Agora o que eu espero, e estou confiante nisso, é que a

direção do PS está a e deve afinar o seu procedimento comunicacional, deve fazer o maior

esforço no sentido do acolhimento de contribuições que representem uma renovação, de uma

expansão da influência do PS e deve também acolher, de forma que não tem acolhido,

contributos de alguns setores internos do partido que podem valorizar a alternativa que o PS

tem que representar face à situação que vivemos em Portugal.

RA – Voltando ao início da nossa conversa e sendo certo que o Carlos César está na reserva

mas não reformado, aquilo que eu lhe pergunto é se lhe vierem a ser pedidos outros voos no

interior do PS, no decorrer de um percurso que não esteja a correr muito bem, se está

disponível para eles ou se absolutamente exclui essa hipótese?

CC – Eu estou disponível para a minha participação e para a minha colaboração no partido. E

sinto-me obrigado como cidadão a ter uma participação cívica neste ou noutros domínios.

Evidentemente que posso sentir-me mais ou menos entusiasmado com o que estiver em

causa, mas eu não tenho um sentido carreirista da atividade política.

RA – Não estamos, se calhar, a falar de uma questão de carreira. Uma questão de dever na

altura de emergência no país.

“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

11 de fevereiro 2014

CC - Tenho disponibilidade para ajudar e colaborar. Para ajudar e colaborar com imensas

pessoas que acho que têm excelentes qualidades para o mais alto desempenho ao nível do PS,

como ao nível do País.

RA – Estamos a falar de António Costa?

CC – É seguramente uma destas pessoas.

RA – Em relação à questão do Presidente da República, que já aqui fizemos referência, foi

um foco de críticas permanentes de Carlos César enquanto Presidente da Região Autónoma

dos Açores. Do ponto de vista da sua atuação como presidente, nos últimos meses, acha que

ele fez bem em tentar congregar os partidos? Há pouco disse que teria sido mais útil

convocar eleições antecipadas. Mas o calendários estão a acelerar, demonstram que aquele

calendário dele de convocar eleições no pós-saída da Troika, era talvez o calendário mais

acertado.

CC – O que era mais acertado era esclarecer, desde logo, o estado de degradação eleitoral com

que nos confrontamos. É porque nós temos hoje uma situação muito peculiar e que mina o

diálogo interpartidário. Há uma convicção muito forte nos partidos do governo de que eles são

partidos minoritários e uma convicção muito forte no maior partido da oposição que hoje é

um partido maioritário.

RA – Mas as sondagens não dão essa clivagem assim tão clara.

CC – As sondagens, em geral, confirmam o PS como o maior partido português.

RA – Mas não com uma distância significativa que justifique.

CC – A verdade é que o que é de supor é que o governo por ser governo tenha maior suporte

eleitoral do que a oposição. Que é justamente oposição por causa disso, não é? E portanto

este diálogo está minado e enfraquecido por esta convicção que hoje os coloca na mesa uma

posição contranatura. O melhor teria sido a realização imediata de eleições. A proposta do

senhor Presidente da República foi uma proposta até um pouco adolescente: “se os senhores

estiverem de acordo, se acordarem aqui as matérias, eu também ponho as eleições mais

cedo”. Bem, eu acho que não era isso que o país exigia como esforço sério de todos os

protagonistas institucionais. Eu tenho pena que o senhor Presidente da República, para além

de outros aspetos em que a sua ação teve um cunho claramente partidário e desadequado,

também nesse domínio tenha falhado. E nesse domínio era justamente uma das áreas mais

nobres onde ele não poderia falhar. Reunir os portugueses e viabilizar o acordo institucional

entre as principais forças representativas.

“Terças à Noite” – Rádio Renascença Entrevista de Raquel Abecassis, com Carlos César

11 de fevereiro 2014

RA – Muito obrigado por ter vindo ao “Terças à Noite”.