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QUITOSANA SULFATADA: CARACTERIZAÇÃO E ESTUDO DA PROPRIEDADE ANTITROMBOGÊNICA A.F.Moraes 1 , R.N.F.M. Filho 1 , A.P. Cunha 1 , C.C. 2 Oliveira, L.K.A.M. Leal 2 , R.S.Vieira 1 . 1 Grupo de Pesquisa em Separação por Adsorção-UFC 2 Centro de Estudos Farmacêuticos e Cosméticos - UFC Universidade Federal do Ceará, Departamento de Engenharia Química, Campus do Pici-Bloco 709, CEP 60455-760, Fortaleza Ceará, Brasil. [email protected] RESUMO Dispositivos médicos de contato com o sangue muitas vezes induzem a formação de trombos ao longo do tempo de implante levando pacientes ao óbito. Com isso, este estudo objetivou desenvolver filmes de quitosana sulfatada com propriedade antitrombogênica para aplicações biomédicas. As caracterizações da quitosana sulfatada através da análise elementar, FTIR-ATR, RMN 13 C e viscosimetria evidenciaram a introdução de grupos sulfatos na cadeia de quitosana, apresentando GS de 1.37 e uma quitosana parcialmente 2,N-3,6,O-sulfatada com massa molar de 5.050 g/mol. Para estudar a hemocompatibilidade dos filmes realizou-se o ensaio de adsorção de proteínas, adesão plaquetária e atividade anticoagulante. Os resultados mostraram que a quitosana sulfatada foi capaz de reduzir a adsorção de BSA (36,84%) e fibrinogênio (20%) e principalmente a adesão plaquetária (93.7%), mostrando ainda atividade anticoagulante na fase intrínseca (72.15s, 200μg/mL) em relação a QN (26.57s, 200μg/mL). Estes resultados indicaram características antitrombogênica promissoras para dispositivos de contato com o sangue. Palavra chave: Quitosana sulfatada, adsorção de proteínas, adesão plaquetária, atividade anticoagulante. 1. INTRODUÇÃO Estudos em diversas áreas buscam estratégias para melhorar a biocompatibilidade de dispositivos médicos de contato com o sangue, uma vez que ao longo do tempo de uso do implante, podem ocasionar falhas clínicas, como é o caso de reestenose e formação de trombos. Uma das estratégias para melhorar a hemocompatibilidade da superfície desses materiais é o revestimento da superfície com polímeros que apresentem propriedades hemocompatíveis (1) . 9º Congresso Latino-Americano de Orgãos Artificiais e Biomateriais 13º Congresso da Sociedade Latino Americana de Biomateriais, Orgãos Artificiais e Engenharia de Tecidos - SLABO 24 a 27 de Agosto de 2016, Foz do Iguaçu, PR 1015

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QUITOSANA SULFATADA: CARACTERIZAÇÃO E ESTUDO DA PROPRIEDADE ANTITROMBOGÊNICA

A.F.Moraes1, R.N.F.M. Filho1, A.P. Cunha 1, C.C.2Oliveira, L.K.A.M. Leal 2, R.S.Vieira1.

1Grupo de Pesquisa em Separação por Adsorção-UFC 2Centro de Estudos Farmacêuticos e Cosméticos - UFC Universidade Federal do Ceará, Departamento de Engenharia Química, Campus do Pici-Bloco 709, CEP – 60455-760, Fortaleza – Ceará, Brasil. [email protected] RESUMO Dispositivos médicos de contato com o sangue muitas vezes induzem a formação de trombos ao longo do tempo de implante levando pacientes ao óbito. Com isso, este estudo objetivou desenvolver filmes de quitosana sulfatada com propriedade antitrombogênica para aplicações biomédicas. As caracterizações da quitosana sulfatada através da análise elementar, FTIR-ATR, RMN13C e viscosimetria evidenciaram a introdução de grupos sulfatos na cadeia de quitosana, apresentando GS de 1.37 e uma quitosana parcialmente 2,N-3,6,O-sulfatada com massa molar de 5.050 g/mol. Para estudar a hemocompatibilidade dos filmes realizou-se o ensaio de adsorção de proteínas, adesão plaquetária e atividade anticoagulante. Os resultados mostraram que a quitosana sulfatada foi capaz de reduzir a adsorção de BSA (36,84%) e fibrinogênio (20%) e principalmente a adesão plaquetária (93.7%), mostrando ainda atividade anticoagulante na fase intrínseca (72.15s, 200μg/mL) em relação a QN (26.57s, 200μg/mL). Estes resultados indicaram características antitrombogênica promissoras para dispositivos de contato com o sangue. Palavra chave: Quitosana sulfatada, adsorção de proteínas, adesão plaquetária, atividade anticoagulante. 1. INTRODUÇÃO

Estudos em diversas áreas buscam estratégias para melhorar a

biocompatibilidade de dispositivos médicos de contato com o sangue, uma vez que

ao longo do tempo de uso do implante, podem ocasionar falhas clínicas, como é o

caso de reestenose e formação de trombos. Uma das estratégias para melhorar a

hemocompatibilidade da superfície desses materiais é o revestimento da superfície

com polímeros que apresentem propriedades hemocompatíveis (1).

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Estudos na área biomédica tem-se voltado para a quitosana devido apresentar

propriedades favoráveis para biomateriais, como biocompatibilidade,

biodegradabilidade, atoxicidade e atividade antimicrobiana (3, 4, 5). A quitosana é um

derivado N-desacetilado parcial ou total da quitina, um polímero natural encontrado

principalmente na carapaça de crustáceos. Este polímero é linear e composto de

unidades N-acetil-2-amino-2-desoxi-D-glicopiranose e 2-amino-2-desoxi-D-

glicopiranose ligados por uma ligação (1,4)-β-glicosídica (6).

Embora esse polímero apresente propriedade trombogênica quando em

contato com o sangue (7), possui em sua cadeia grupos amino (NH2) e hidroxilas

(OH) altamente reativos, o que facilita sua modificação química para as mais

diversas aplicações, sem alterar o seu esqueleto fundamental. A introdução de

grupos sulfato (SO42-) na cadeia de quitosana pode reduzir a sua propriedade

trombogênica(8), uma vez que essa modificação a torna com carga superficial

negativa, o que causa a repulsão eletrostática de proteínas do sangue carregadas

negativamente, possuindo ainda estrutura muito similar a um anticoagulante natural

do sangue, a heparina, demonstrando mecanismo biomolecular de atividade

anticoagulante, antiviral e com baixa toxicidade(4, 9).

Com isso, este trabalho objetivou desenvolver filmes de quitosana sulfatada

com propriedade antitrombogênica e com potencial para aplicações biomédicas.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Foram utilizados quitosana, Fibrinogen from bovine plasma, Bovine serum

albumin e phosphate buffered saline (PBS) obtidos da Sigma-Aldrich (EUA). Ácido

clorossulfônico (HClSO3) foi obtido da Merck. Hidróxido de sódio e metanol foram

obtidos da Labsynth. N.N-Dimetilformamida (DMF) e Glutaraldeído foram obtidos da

VETEC Química Fina (Brasil). Todos os outros reagentes utilizados foram de grau

analítico. A membrana de diálise foi obtida da INLAB possuindo Cut-off de peso

molar de 12.000-16.000 g/mol e porosidade de 25 Angstrons.

2.1 Preparação dos filmes de quitosana natural (QN)

Uma solução 2% (p/v) de quitosana natural em 10% (v/v) de ácido acético foi

preparada e conduzida à agitação mecânica por 24 h. Com a solução pronta,

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dispersou-se 18 g em placa de Petri de 10 cm de diâmetro e em seguida conduziu-

se à estufa a 60ºC/5 horas ou até que a massa permanecesse constante. Em

seguida, o filme foi imerso em solução de NaOH 2M por 24h. Após isso, o filme foi

lavado exaustivamente até que a água de lavagem atingisse pH neutro e conduzido

ao dessecador a vácuo para secagem.

2.2 Preparação dos filmes de quitosana sulfatada (QS6) O procedimento para sulfatação da quitosana foi realizado segundo

metodologia proposta por Carreónet al.(10), com algumas modificações. Uma solução

de quitosana natural foi preparada de acordo como descrito anteriormente e

precipitada com NaOH 2M. Em seguida, o gel foi lavado com água MiliQ até atingir

pH neutro. Após, iniciou-se uma série de trocas de solventes (metanol e DMF) em

concentrações de: 20, 40, 60, 80 e 100% em intervalos de 30 minutos cada. Um

complexo sulfatante foi preparado utilizando ácido clorossulfônico e DMF (6:60).

Após, adicionou-se o gel de quitosana impregnado com DMF ao complexo sulfatante

e a mistura foi aquecida entre 35-40ºC/ 5 h. Depois disso, a solução foi reagida com

NaOH 10M até atingir pH 12. Os sólidos foram filtrados, lavados com metanol e

secos a temperatura ambiente. O sólido seco foi disperso em água destilada e

conduzido à diálise contra água destilada por 48h, com duas trocas de água por dia.

Finalmente, a solução foi concentrada e conduzida à liofilização para obter o pó de

quitosana sulfatada (QS6). Uma solução 2% (p/v) de quitosana sulfatada foi

preparada e dispersa em placas de poliestireno e conduzidas à estufa a 50ºC para

secagem, obtendo então os filmes de quitosana sulfatada.

2.2.1 Reticulação Devido à solubilidade do filme sulfatado em solução PBS nos ensaios de

adsorção de proteínas e adesão plaquetária, realizou-se uma reticulação do filme de

quitosana sulfatada com glutaraldeído a 2,5% para melhorar sua estabilidade em

solução.

2.3 Caracterização dos filmes

A análise elementar dos filmes de quitosana natural e sulfatada foi realizada

utilizando Analizador Elemental LECO CHNS 932. O grau de substituição (GS) foi

calculado de acordo com Zhang, K. et al.(11), a partir dos resultados obtidos na

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análise elementar: GS= (%S/32)/(%N/14). Para confirmação da introdução de

sulfatos na cadeia de quitosana, foi realizado espectroscopia de infravermelho com

Transformada de Fourier com modo de Reflectância Total Atenuada (FTIR/ATR) em

Equipamento espectrofotométrico de marca VERTEX 70 utilizando acessório Golden

Gate Single Reflection Diamond ATR System na região entre 500-4000 cm-1 e

resolução de 4 cm-1.

Ressonância magnética de carbono (RMN13C) e ressonância magnética de

próton (RMN1H) foram feitos utilizando-se de equipamento Agilent DD2 de 600 MHz

equipado com uma sonda OneProbe de 5 mm de diâmetro interno (1H-19F/15N-31P)

de detecção inversa e gradiente de campo no eixo “z“, a uma temperatura de 90°C.

O padrão interno utilizado foi o propionato de tetrametilsilil (TMSP-d4) em 0ppm. A

amostra de quitosana foi preparada dissolvendo 10 mg em solução 1% (p/v) de

HCl/D2O. Já a quitosana sulfatada foi dissolvida 10 mg em 1 mL de D2O. As

soluções foram agitadas durante 24 h para completa homogeneização e filtradas

para retirada de interferentes.

A massa molecular foi determinada por viscosimetria utilizando-se de

viscosímetro SCOTT CT 52 sob banho termostático a 25ºC ± 0,1 °C, capilar Cannon

Fenske (ø = 1.26 mm) e uma solução tampão de ácido acético e acetato de sódio

(pH~4.5). A viscosidade intrínseca foi obtida utilizando-se da equação de

Staudinger-Mark-Houwink: [] = K Mva, onde K e a são constantes específicas dos

solventes utilizados, e foram adotados valores proposto por Rinaudo, Milas &

Dung(12): K = 0,074 e a = 0,76.

Para verificar a morfologia das superfícies, foi utilizado um microscópio

eletrônico de varredura Quanta-FEG FEI. Já para estudar a cristalinidade das

amostras foi utilizando Difratômetro de Raio-X marca Bruker, modelo D8 Advance

Davinci em ângulo 2θ com alcance entre 5-60º, velocidade de leitura de 1º/min e

radiação CuKα, λ= 0,1542, 40 kV, 40 mA.

2.4 Estudos antitrombogênicos 2.4.1 Adsorção de proteínas

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Filmes de quitosana sulfatada reticulada e quitosana natural com área de 1 cm2

foram imersos em solução PBS pH 7.4 a 37ºC/ 1h. O PBS foi subtraído e 3mL de

cada uma das soluções BSA e fibrinogênio (1,0 mg/mL) foi adicionada e incubada a

37ºC/ 2h com agitação suave. As absorbâncias das soluções de fibrinogênio e BSA

foram medidas utilizando um espectrofotômetro Biomate 3S em um comprimento de

onda de 280 nm e a quantidade de proteína adsorvida nos filmes foi estimada

através da seguinte fórmula: Q = [(C0-CF) V]/A. Onde, C0 e CF são as concentrações

das soluções de proteínas antes e depois da adsorção, respectivamente. V é o

volume total da solução (mL) e A é a área do filme utilizado (cm2).

2.4.2 Ensaio de Adesão Plaquetária

O procedimento utilizado foi conforme o utilizado por Xue et al.(13), com

algumas modificações. Sangue coletado de voluntários saudáveis em tubos

Vacutainer® de 4,5 mL, contendo como agente anticoagulante uma solução de

citrato de sódio 0,105 M/ 3,2%, foi centrifugado a 1000 rpm por 15 min a 25ºC para

obter Plasma Rico em Plaquetas (PRP). Os filmes foram equilibrados a 37ºC/ 1h.

Após, o PBS foi subtraído e adicionado 2mL de PRP para cada amostra seguido de

incubação a 37ºC/1h em banho termostático com agitação suave. O PRP foi

removido e as amostras foram lavadas com PBS a pH 7.4 pelo menos três vezes. A

fixação das plaquetas foi realizada com uma solução de glutaraldeído 2,5%

(glutaraldeído/PBS) durante 24h sob refrigeração. Ao final, as amostras foram

lavadas com PBS e submetidas a um processo de secagem com uma série de

trocas graduais de acetona/PBS (30, 50, 70, 80, 90, 95 e 100% v/v) com intervalos

de 30 minutos cada. O ponto crítico de secagem foi realizado com

Hexametildisilazano (HMDS). Os filmes secos foram cobertos por uma fina camada

de ouro (20 nm) usando um sistema de revestimento de alto vácuo marca Quorum

Q1SOT ES e observados em um microscópio eletrônico de varredura Quanta-FEG

FEI.

2.4.3 Atividade anticoagulante

As amostras foram preparadas em solução 1% NaCl/ácido acético (v/v) na

concentração de 50, 100 e 200 µg/Ml e neutralizada com NaOH 2 M. O veículo

utilizado foi o mesmo solvente das amostras. Para realização dos testes, foi utilizado

um “pool” de plasma humano citratado (0,9%) obtido a partir da centrifugação do

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TABELA 1- Análise Elementar dos filmes de QN e QS6. GS: Grau de substituição.

sangue total a 3000 rpm/ 15 min. Como controle dos testes foi utilizada a heparina a

0,5UI/mL.

Para determinação do Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), o

plasma foi incubado a 37 °C/ 10 min com QN (50, 100 e 200 µg/mL), QS (50, 100 e

200 µg/mL) ou Veículo (NaCl) . Em seguida, uma alíquota de 50 µL do reagente

cefalina ativada foi adicionada e os tubos foram incubados por mais 3 min. A reação

foi iniciada pela adição de 50 µL de cloreto de cálcio 0,25 M e o tempo de

coagulação, em segundos foi registrado em coagulômetro.

Para determinação do Tempo de Protrombina (TP), o plasma foi incubado a

37 °C /10 min com QN (50, 100 e 200 µg/mL), QS (50, 100 e 200 µg/mL) ou veículo

(NaCl). Em seguida foi adicionado o reagente (tromboplastina, 100 µL) disparando a

cascata de coagulação através do complexo protrombínico e o tempo em segundos

foi aferido em um coagulômetro.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Caracterização

3.1.1 Análise Elementar

Através dos resultados mostrados na TABELA 1, pode-se sugerir que houve a

modificação química da quitosana, uma vez que o enxofre apresentou-se em 12.9%

na amostra, indicando um grau de substituição por unidade monossacarídica de 1.4.

3.1.2 Espectroscopia no Infravermelho (FTIR-ATR)

Os resultados podem ser observados na Figura 1. Os espectros de

infravermelho obtidos para os filmes de QN e os filmes de QS podem confirmar a

introdução de grupos sulfatos na cadeia de quitosana, uma vez que houve o

aparecimento de novos picos referentes às vibrações das bandas referentes ao

grupo sulfato (R-SO42-) em 1206 cm-1 (S=O) e a vibração referente ao estiramento C-

O-S em 794 cm-1, indicando o sucesso da modificação nesse filme.

Amostras % C % H % N % S GS

QN 38,5 7,4 7,1 0,1 - QS6 21,6 4,5 4,1 12,9 1,4

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3.1.3 Ressonância Magnética Nuclear (RMN)

Os resultados da RMN13C mostraram que a reação de sulfatação realizada

neste estudo resultou em uma quitosana parcialmente 2,N-3,6,O-sulfatada (FIGURA

2). Os deslocamentos químicos do 13C em ppm estão apresentados na tabela 2. A

substituição no grupo amino se torna requerida quando se quer obter uma

propriedade anticoagulante do polímero, uma vez que o grupo amino reativo da

quitosana é bloqueado, gerando carga negativa com o novo grupo funcional, o que

aumenta a repulsão eletrostática entre proteínas do plasma reduzindo a adsorção na

superfície do material e consequente formação de trombos.

O grau de desacetilação (GD) é uma propriedade importante a ser determinada

no estudo de polímeros biomédicos, uma vez que este implica nas características

físicas, químicas e biológicas do material, o que vai diferenciar sua aplicação dentro

da área biomédica(17). O GD obtido para a QN e QS6 foi de 77% e 58%,

respectivamente.

QUITOSANA QS6

C1 99-100 105

C2 58,4 59,2-59,3

C2-S - 57,9

C3 77-77,7 76-76,4

C3-S - 83,7

C4 79,8 81,3-81,9

C5 72,7 76,7

C6 62,5-63,3 69,4

C6-S - 69,8

TABELA 2 – Deslocamentos químicos do 13C para QN e QS6 em ppm.

FIGURA 2 – RMN13C da QN (A) e QS6 (B).

A B

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3.1.4 Determinação da Massa Molecular por viscosimetria De acordo com os resultados obtidos pela viscosimetria, a quitosana natural

trabalhada neste estudo e utilizada para a sulfatação foi de baixa massa molecular

(MM), com 78.093 Da, assim como seu derivado sulfatado, com 5.050 Da. Essa MM

encontrada foi bem próxima a da heparina (5.000 a 70.000Da).

3.1.5 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) Através das micrografias obtidas por MEV (FIGURA 3), observou-se superfícies

lisas e sem porosidades para os filmes analisados. Características essas

importantes de superfícies voltadas para uso de contato com o sangue, uma vez que

evita a formação de trombos no local.

3.1.6 Difração de Raio-X (DRX)

A QN mostrou picos semicristalinos em 10° e 20° em 2Ɵ, característicos para

este polímero de acordo com a literatura(13). Já para a quitosana sulfatada, essas

reflecções desapareceram (FIGURA 4), mostrando-se como uma forma amorfa.

Essa modificação sugere uma redução na sua capacidade de formar ligações de

hidrogênio intermoleculares devido a substituição do grupo sulfato nos grupos –OH

e/ou –NH2 da quitosana.

QN QS

FIGURA 4 – Difratogramas de QN (a) e QS6 (b)

FIGURA 3 – Micrografias em MEV da QN e QS.

a

b 0 10 20 30 40 50

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

Inte

nsi

da

de

ângulo de difraçao

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Gráfico 1 – Adsorção de BSA e Fibrinogênio em QN e QS6 reticulada.

3.2 Estudos antitrombogênicos

3.2.1 Adsorção de proteínas

Observou-se uma redução de 36,84% e 20% da quantidade adsorvida de BSA

e fibrinogênio, respectivamente, para as superfícies modificadas quando

comparadas com a superfície não modificada (GRÁFICO 1). Essa redução pode ser

explicada pela repulsão eletrostática ocorrida entre essas proteínas e a superfície do

filme de QS, uma vez que em pH 7.4, ambas as proteínas assumem cargas

negativas. Além da carga negativa apresentada pela QS, a hidrofilicidade foi outra

característica importante para a redução da adsorção de BSA e Fibrinogênio,

causada também pela inserção de grupos sulfatos (hidrofílicos) à cadeia polimérica.

3.2.2 Adesão plaquetária

Através das microimagens obtidas por MEV (FIGURA 6), pode-se observar

uma redução da quantidade de plaquetas aderidas na superfície sulfatada quando

comparada com a superfície de quitosana natural. Essa redução pode ser atribuída

a redução da adsorção de fibrinogênio na superfície, assim como a sua

hidrofilicidade.

A contagem de plaquetas aderidas foi estimada utilizando-se a área das

imagens e com a ajuda do programa ImageJ. A partir das imagens do MEV com

área 2799,81μm2, foi feito uma média do número de plaquetas em cinco áreas

diferentes de cada filme. A partir desta área, foi encontrado para a QN um número

de plaquetas de 3,49 x 10-2 ± 28,61/ μm2, enquanto que para o filme de QS6

reticulado foi encontrado 0,22 x 10-2 ± 1,48/ μm2 (GRÁFICO 2), indicando uma

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redução de 93,7% do número de plaquetas aderidas na superfície sulfatada, quando

comparado a superfície de QN.

FIGURA 6 – MEV de plaquetas aderidas nos filmes de QN (A) e QS6 reticulada (B) e contagem de plaquetas (C).

3.2.3 Atividade anticoagulante

Para o TTPa (FIGURA 7), a QN não apresentou atividade anticoagulante em

relação ao grupo controle. Já a QS apresentou atividade anticoagulante significativa

em 38.84s, 53.58s e 72.15s em relação ao controle (27.00s). No caso do TP

(FIGURA 7), observou-se que não houve diferença significativa entre as

concentrações de QS testadas (15.00s, 15.76s e 15.70s) em relação ao controle

(14.9s). Tanto a quitosana sulfatada quanto a heparina, assim como outros

polissacarídeos sulfatados, não tem forte influência nesta fase da coagulação (19).

Desta forma, a quitosana sulfatada mostrou maior efeito na fase intrínseca da

coagulação e nenhum efeito significativo na fase extrínseca nas concentrações

testadas (50,100 e 200 µg/mL). No entanto, quando comparada a quitosana natural,

a atividade anticoagulante foi melhorada.

FIGURA 7 – Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e tempo de

Protrombina (TP) da QN e QS6.

A B C

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4. CONCLUSÃO

Os resultados de caracterização e de estudos antitrombogênicos estudados

neste trabalho indicaram que o filme de quitosana sulfatada encontrou-se com

características e potencial antitrombogênico favoráveis a aplicação em dispositivos

médicos de contato com o sangue.

AGRADECIMENTOS À Central Analítica da UFC, Embrapa, CEFAC, Universidade de Málaga e CETENE. REFERÊNCIAS

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SULFATED CHITOSAN: CHARACTERIZATION AND ANTITROMBOGENIC PROPERTY STUDY

ABSTRACT Devices designed to be used in contact with blood can induce thrombus formation during a long time of implant, what can leading the patient to death. Thus, this study aimed to develop chitosan sulfated surfaces with antithrombogenic property for biomedical applications. The sulfated chitosan characterization by elemental analysis, FTIR-ATR, RMN13C and viscosimetry showed the introduction of sulfur groups into the chitosan chain, presenting GS of 1.37 and a partially sulfated 2,N-3,6,O-chitosan with molecular mass of 5.050 Da. For hemocompatibility characterization it was performed the adsorption protein, platelet adhesion and anticoagulant activity assay. The results showed that sulfated chitosan reduced the BSA (36,84%) and fibrinogen (20%) adsorption and main the platelet adhesion (93.7%), presenting an anticoagulant activity in the intrinsic pathway (72.15s, 200μg/mL) in relation to the natural chitosan (26.57s, 200μg/mL). These results indicated antitrombogenic characteristics promising to medical devices in contact with blood.

Key-words: Sulfated chitosan, protein adsorption, platelet adhesion, anticoagulant activity.

9º Congresso Latino-Americano de Orgãos Artificiais e Biomateriais13º Congresso da Sociedade Latino Americana de Biomateriais, Orgãos Artificiais e Engenharia de Tecidos - SLABO

24 a 27 de Agosto de 2016, Foz do Iguaçu, PR

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