questão de pele - a terra como organismo vivo

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Faz parte do viver lidar com encontros especiais. Pessoas que aparecem na sua vida, de repente, sem roteiro e sem qualquer indicação, e exercem plenamente o sentido da permanência. Uma questão de pele, como diria minha avó Clarice. É assim que posso tentar traduzir meu encontro com Rosana Jatobá, a jornalista que fez o brasileiro querer saber do tempo, do clima, como dizem os cariocas. Num desses encontros, fui surpreendida com o pedido para que eu fizesse o prefácio deste seu livro. Confesso que olhei para os lados e disse-lhe: “– Pirou?”. Mais um desses lances da vida, que revela, nos momentos mais inusitados, o sentimento do bem querer. Li de uma “tacada só”. São estórias e histórias únicas, que enunciam os vários olhares da Jatobá sobre os vários Brasis de um mesmo Brasil. Seu olhar é permeado pela convicção de que temos de buscar novos caminhos para que a espécie humana possa permanecer nesse planeta.

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Questão de pele

A terrA como orgAnismo vivo

Rosana Ratobá

RotosRvandro Reixeira

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A terrA como orgAnismo vivo

S ã o Pa u l o 2 0 1 3

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Índices para catálogo sistemático:1. Sustentabilidade ambiental : Ecologia :Crônicas jornalísticas : Literatura brasileira869.93

Dados internacionais de catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Copyright © 2013 by Rosana Jatobá

Edição Pedro Paulo de Sena Madureira

Coordenação Marco Pace

Produção Guilherme Xavier

Revisão Marcia Nunes

Fotos Evandro Teixeira

TEXTOS ORIGINALMENTE PUBLICADO EM: www.g1.com.br

Impresso no BrasIl

prInted In BrazIl

Jatobá, RosanaQuestão de pele / Rosana Jatobá ; fotos Evandro

Teixeira. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013.

1. Crônicas brasileiras 2. Ecologia 3. Meioambiente 4. Sustentabilidade I. Teixeira, Evandro.

II. Título.

13-02125 CDD-869.93

2013Impresso no BrasIl

prInted In BrazIl

dIreItos cedIdos para esta edIção à

novo século edItora

CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11o andarBloco A – Conjunto 1111 – CEP 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – SPTel. (11) 3699-7107 – Fax (11) [email protected]

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Dedico este livro a Lara, Benjamin e Frederico, o tripé que sustenta os meus mais profundos sonhos de felicidade.

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Sou grata ao amigo jornalista Milton Jung, que, por intermédio da minha querida amiga e jornalista Abigail Costa, plantou a semente deste livro, quando me incentivou a escrever sobre sustentabilida-de em seu blog. Agradeço também ao meu sogro, Armando, pelas horas dedicadas ao debate de ideias e pelas inúmeras sugestões de temas. Curvo-me também diante da sapiência e generosidade do dr. Jatobá, meu amado pai, presença marcante e decisiva no pro-cesso de elaboração das crônicas. Por fim, minha gratidão aos amigos editores que me ajudaram a transformar os meus textos em livros e me proporcionaram mo-mentos inesquecíveis de boa conversa e de aprendizado editorial: Guilherme Xavier, Marco Pace e Pedro Paulo de Sena Madureira.

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Nota da autora 11 Prefácio 13 O insustentável preconceito do ser 17 A carne é forte! 25 O CO2 visceral 31 A Jatobá e a sustentabilidade 37 Por água abaixo! 43 Condenados ao consumo! 49 Questão de pele 63 Animal de extirpação 69 Pirataria 75 Piratas e picaretas modernos 81 Herança de família 89 Um bem-te-vi só faz verão! 95 À moda antiga 101 No núcleo da questão ambiental 107 “Diga aí, negão!” 113 Espelho, espelho meu, existe alguém mais plastificada do que eu? 119 Índigo blue! 125 A chuva e a canção 131

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Dá licença? 137

Nosso pequeno grande mundo! 143

Um sonho de Natal! 149

O mea culpa divino! 155

Enquanto não ligo meu carro na tomada! 161

O futuro do meio ambiente 167

A batalha vencida 173

O luxo do lixo 179

Devagar, quase parando… 185

Por trás das lonas 191

Atire a primeira pedra! 197

O músculo 203

Izabella, a fera do meio ambiente 209

O espírito do terror 215

Carta para Lara e Benjamin 299

O trabalho que edifica 303

Indice remissivo 307

sumário

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nota da autora

– “Não importa o que se diz, mas, sim, como se diz”. A má-xima retrata bem o objetivo deste livro: tornar mais atraente a dis-cussão sobre tema tão antipatizado quanto urgente. Embora reine a certeza de que necessitamos de um mundo melhor e mais justo, falar sobre sustentabilidade ainda é tarefa para os românticos, elitis-tas e corporativistas. O assunto não desfruta de popularidade, seja porque é abordado de forma técnica, seja porque carrega a mensa-gem cabal e moralizadora de uma mudança radical de valores e ati-tudes no sentido de frear a escalada da depredação dos recursos fundamentais à vida no planeta.

Como uma Jatoba que se preza, lanço mão de um gênero li-terário tipicamente brasileiro para oferecer uma embalagem seduto-ra ao assunto. Poucos resistem ao olhar diferenciado, ao humor dis-creto e à linguagem leve e despretensiosa da crônica. Esta é minha forma de promover o engajamento: pela emoção.

Os textos foram escritos nos últimos dois anos e grande parte deles publicada no meu blog “Um olhar sobre Gaia, a Terra como organismo vivo”, em um portal de notícias. Fiz questão de registrar

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Rosana Jatobá

também alguns comentários escritos pelos internautas que me acom-panhavam, a fim de enriquecer o debate.

Como dizia o escritor irlandês Oscar Wilde, “só os tolos não julgam pela aparência”.

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prefácio

Faz parte do viver lidar com encontros especiais. Pessoas que apare-cem na sua vida, de repente, sem roteiro e sem qualquer indicação, e exercem plenamente o sentido da permanência. Uma questão de pele, como diria minha avó Clarice. É assim que posso tentar tradu-zir meu encontro com Rosana Jatobá, a jornalista que fez o brasileiro querer saber do tempo, do clima, como dizem os cariocas.

Competente e envolvente, eu a encontrei pela primeira vez num evento profissional em São Paulo, onde ela me entrevistaria. “– Como assim? Ela entende de meio ambiente?” – perguntei à minha assessoria. Enfim, fui para o encontro com o espírito para um papo profissional, sério, com conteúdo e objetivo. Quando a encontrei, deparei-me com uma mulher linda, com sorriso “escandalosamente” generoso e acolhe-dor e muito curiosa. Enfim, lá estava eu frente à frente com a jornalista e com uma plateia ansiosa, que esperava que a entrevista fosse “disse-cante”. Rosana Jatobá, grávida de Lara e Benjamin, pronta para explo-rar e revelar os desafios da nova política de resíduos sólidos no Brasil. Tudo ficou muito bem durante o evento. Ao final, ela permaneceu conversando, querendo saber mais.

De lá para cá, mais do que estar com a jornalista, os encontros se sucedem no tempo com a amiga Rosana Jatobá. As crianças nasce-ram, as fotos foram compartilhadas e, finalmente, conheci Frederico Mesnik. A partir de então, é sempre uma alegria estar com ela, ouvi-

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-la, conversar, falar do futuro e pedir conselhos. Assim, a vida vai nos levando, cada uma no seu mundo, mas ligadas por uma “questão de pele”, pela sustentabilidade e pela ambição de um mundo mais justo, com a mulher* conquistando seus espaços e sendo feliz.

Num desses encontros, fui surpreendida com o pedido para que eu fizesse o prefácio do seu livro Questão de pele. Confesso que olhei para os lados e disse-lhe: “– Pirou?”. Ela me deu o rascunho do livro e disse: “– Leia e veja se você pode escrever o prefácio. Sei o quanto você é ocupada, mas ficaria bem feliz se você pudesse escrever algo”. Mais um desses lances da vida, que revela, nos momentos mais inusitados, o sentimento do bem querer.

Lembro-me de que saí do evento e fui para o aeroporto em São Paulo. Voo atrasado, tempo fechado. Olhei para a bolsa e peguei “as provas do livro”. Li de uma “tacada só”. São estórias e histórias únicas, que denunciam os vários olhares da Jatobá sobre os vários Brasis de um mesmo Brasil. Seu olhar é permeado pela convicção de que temos de buscar novos caminhos para que a espécie humana possa permanecer nesse planeta. Explicita suas convicções pela sustentabilidade não como opção, mas como crença, verdade, jeito de ser, sem o preconceito do ser (que ela já denuncia como insustentável nas primeiras páginas do livro).

O formato da obra também é interessante. Ao fim de cada narra-tiva, ela traz comentários de “outros”, fazendo com que o leitor também se veja nas páginas do livro, com opiniões, críticas, com seus sentimen-tos e revelações. Rosana insiste na simplicidade do texto, que se nota à medida que se percorre os vários caminhos do livro. Sem perdão, expõe sua indignação, mesmo quando insere no texto as “verdades dos outros” que contrariam suas convicções. Diz como lida com aqueles que não compartilham suas ideias e sua militância por um mundo mais justo, inclusivo e que leva o meio ambiente a sério. Com paciência, gosta de

* Rosana Jatobá é uma parceira na iniciativa voluntária da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabilidade.

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explicar e mostrar a diversidade do pensamento ambiental, que provoca o mundo atual, e coloca sob questionamento os políticos e tomadores de decisão. Vai da carne de boi à mudança do clima. Fala da família, do passado, do presente e desafia o futuro quando se coloca como Jatobá, a árvore “que mais sequestra carbono, a faxineira do ar”.

Adoro quando fala do consumo, da busca do consumo susten-tável, lembrando que a mudança não é só do coletivo e sim de cada indivíduo. Que, além dos direitos, temos os deveres. Põe o dedo na ferida quando fala da nova classe C no Brasil e do consumo cons-ciente. Fala de moda, como mulher, mas lembra ser indizível os maus tratos aos animais e comenta os direitos de todos os seres vivos. Traz Deus ensinando a Pedro que a Gaia se encarregue da vingança contra os humanos, numa crítica ao antropocentrismo.

Enfim, em várias narrativas, Rosana Jatobá faz uso das coisas do dia a dia para dizer que não dá mais para seguir um caminho em que o bem-estar do homem pós-contemporâneo é mais importante do que o de todos os seres vivos, inclusive do próprio Homo sapiens. Um olhar sobre as cidades, nosso jeito de ir e vir, de estar na moda, de falar do fu-turo com base na experiência de nossos pais, de não entender a relação de causa e efeito da nossa maneira de viver, de ser e de ter. Segue nossa Jatobá dizendo, afirmando, explicando, desejando e sonhando que é possível fazer mais pelo planeta, pelos vários Brasis do nosso Brasil e por nós mesmos. Explicita que não valem as boas intenções. Tem de realizar, de agir, de fazer! Ela faz e está fazendo.

É a moça do tempo, do nosso Tempo, dos bons papos, da acolhida amiga e dos encontros sempre marcados pelo carinho e pelo bem querer. Vale ler os dizeres, os sonhos, as estórias/histórias, as crônicas e as confissões de uma profissional que está no dia a dia, não só pela TV, mas em nossas vidas.

Izabella TeixeiraMinistra do Meio Ambiente

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o insustentável preconceito do ser

e ra o admirável mundo novo! Recém-chegada de Salva-dor, vinha a convite de uma emissora de TV, para a qual já trabalhava como repórter. Solícitos, os colegas da reda-

ção paulistana se empenhavam em promover e indicar os melhores programas de lazer e cultura, onde eu abastecia a alma de prazer e o intelecto de novos conhecimentos.

Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto ní-vel de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:

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– Recomendo um passeio pelo nosso “Central Park”, disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!

– Então estarei em casa, repliquei ironicamente.– Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Estou

falando de um tipo de gente.– A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar

os prédios da capital paulista?– Sim, quer dizer, não! Estou me referindo às pessoas mal-

-educadas, que falam alto e fazem “farofa” no parque.– Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silencio-

samente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos. – Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baia-

nos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar… De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São

palavras ou expressões que, de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil com-bater um inimigo disfarçado.

Descobri que, no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre “os Paraí ba”, que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a “cabeça chata”, outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.

Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo in-dicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujei-to explicasse uma atitude censurável.

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Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:

– O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, compos-ta nos anos de 1930 por Lamartine Babo e pelos irmãos Valença, e cantada até hoje, que é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:

O teu cabelo não nega, mulataPorque és mulata na corMas como a cor não pega, mulataMulata, quero o teu amor.– É ofensivo – diz Miriam – como a cor de alguém poderia

contaminar outra como se fosse doença? E as pessoas nunca percebem.A expressão “pé na cozinha”, para designar a ascendência afri-

cana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor cons-trangimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.

O cronista Rubem Alves publicou em 16 de março de 2010 no jornal Folha de S.Paulo um artigo no qual ressalta:

Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra “niger” para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha o seguinte versinho:

“Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe”, que signi-fica “agarre um crioulo pelo dedão do pé”. Em tempo: aqui no Brasil, quando alguém quer inferiorizar um negro, usa a palavra crioulo.

Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra, os negros cunharam o slogan “Black is beautiful”. Daí surgiu a linguagem politicamente cor-

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reta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém.

Será que na era Obama vão inventar “pé na presidência”, para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?

A origem social é outro fator que gera comentários tidos como “inofensivos”, mas cruéis. A nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social é a mesma que picha o próprio presidente de tor-neiro mecânico, semianalfabeto. Com relação aos empregados do-mésticos, já cheguei a ouvir:

– A minha “criadagem” não entra pelo elevador social!E a complacência com relação aos chamamentos, insultos,

por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais? Os termos bi-cha, bichona, frutinha, biba, viado, maricona, boiola e uma infini-dade de apelidos despertam risadas. Quem se importa com o po-tencial ofensivo?

Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a enca-rar o trânsito e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:

– Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinforma-

ção ou falta de inteligência são imediatamente imputadas a certo tipo feminino:

– Só podia ser loira!Se a maneira de administrar o próprio dinheiro é poupar mui-

to e gastar pouco:– Só podia ser judeu!A mesma superficialidade em abordar as características de um

povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acu-

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mula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, “por-peta”, almôndega, baleia etc.

Gosto muito do provérbio bíblico, legado do cristianismo, “O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem”.

Invoco também a doutrina da física quântica, que confere às palavras e aos pensamentos o poder de ratificar ou transformar a reali-dade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.

A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o princípio da igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser sus-tentável.

O preconceito nas entrelinhas é perigoso porque, em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorância e alimenta o monstro da maldade.

Quando um trabalhador perde o emprego, torna-se um alcoóla-tra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado, ouvimos:

– Só podia ser mendigo!No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade,

mata 111 detentos, e nem a canção de Caetano Veloso é capaz de comover:

– Só podia ser bandido!Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civili-

dade aqui em São Paulo, no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros.

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Comentários

Caio ViníCius

Por que tanto preconceito com o preconceito?Todos nós temos preconceitos. “Pera aí! Nem todos, eu não tenho”. É claro que tem. Todos temos.O preconceito é uma das coisas que nos torna humanos, é uma expressão pessoal, uma opinião não expressa, um sentimento deliberado. Ter precon-ceito é ruim? Eu digo que não. O que é ruim é deixar que esse preconceito nos guie em nossas decisões e molde nossa visão de mundo. É preciso saber dosar o preconceito para que ele não traga sofrimento para você nem para as outras pessoas. É utópico dizer-se desprovido de preconceitos. Os seres hu-manos não são capazes de tal feito (exceto, talvez, os psicopatas), você pode tentar se convencer disso, mas estará apenas mentindo para si mesmo. A palavra preconceito vem de origem simples, pre – antes / conceito – sentido, significado, entendimento, preconceito, então, é a opinião que se tem de algo antes de conhecê-lo de fato. Agora pergunto: quem é capaz de conhecer tudo? Acho que a resposta está implícita. Logo, todos temos preconceito, nem que seja incosciente.Digo que devemos saber viver com isso e controlá-lo para que ele não traga mais sofrimentos e prejuízos para este mundo já tão cheio de desgraças. O preconceito chega a ser saudável, pois ele o faz se lembrar de seus defeitos. Ele só é prejudicial quando a mente é fraca o suficiente para ceder a seus impulsos primitivos.

Heraldo

Penso que o egoísmo é a mãe da discriminação. O achar-se melhor que o outro e o querer o melhor para si produz esse tipo de atitude.É muito comum observarmos amigos que têm um comportamento de torcer pelas conquistas dos outros, desde que eles também conquistem, afinal, por que o outro conquistaria algo que ele não conseguiu ainda? Da mesma maneira, sua nação, sua raça, sua região, seu time de futebol, sua religião, seu bairro e sua família são sempre melhores do que os dos outros.

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Tratar com desdém os que são um pouco diferentes só mostra que a pessoa ainda vive na ilusão de que ela e aqueles com os quais se identifica são melhores do que os outros. Lamentavelmente, a maioria da humanidade não possui o hábito de se observar e procurar melhorar como pessoa.“Toda a alegria contida no mundo vem do desejo de felicidade para os ou-tros. Todo sofrimento contido no mundo vem do desejo de felicidade para si mesmo”. Shantideva

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