questão agrária, industrialização e crise urbana no brasil

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!!' '. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Reitora Wrana Maria Panizzi Vice-Reitor Nilton Rodrigues Paim Pró-Reitor de Extensão Luiz Fernando Coelho de Souza Vice-P,ó-Reitora de Extensão Malvina do Amaral Domeles EDITORA DA UNIVERSIDADE Diretor Geraldo f. Huff CONSELHO EDITORIAL Anna Carolina K. P. Regner Christa Berger Hoir Paulo Schenkel Geo,~ina Bond-Buckup Jose Antonio Costa Livio Amaral luiza Helena Malta MolI Maria da Graça I<,icger Maria Heloísa Lenz Paulo G. Fagundes Vizentini Geraldo F. Huff, presidente Questão Agrária, Industrializacao _J e Crise Urbana no Brasil Ignácio Rangel PREFÁCIO E ORGANIZAÇÃO José Graziano da Silva Editora da Universidade/UFR.GS • Av. João Pessoa, 415 - 90040-000 - Porto Alegre, RS - Fone/fax (51) 224-8821,316-4082 e 316-4090 -E-mail: [email protected] http://www.ufrgs.br/cdiwra Dire- ção: Geraldo Francisco Huff • Editoração: Paulo Antonio da Silveira (coordenador), Cada M. Luzzatto, Cláudia Bittencourt, Maria da Glória Almeida dos Santos, Najára Machado· Administração: Julio Cesar de Souza Dias (coordenador).José Pereira Brito Filho, Laerte Balbinot Dias, Norival Hermeto Nunes Sau- cedo. Apoio:lara Lombardo, Idalina Louzada, Laércio Fontoura. ~~ ~-,' UNICA •...• P INSTITUTO DE ECONOMIA

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Ignácio Rangel

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Page 1: Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil

!!'

'.UNIVERSIDADEFEDERAL DO RIOGRANDE DO SUL

ReitoraWrana Maria Panizzi

Vice-ReitorNilton Rodrigues Paim

Pró-Reitor de ExtensãoLuiz Fernando Coelho de Souza

Vice-P,ó-Reitora de ExtensãoMalvina do Amaral Domeles

EDITORA DA UNIVERSIDADE

DiretorGeraldo f. Huff

CONSELHO EDITORIALAnna Carolina K. P. Regner

Christa BergerHoir Paulo Schenkel

Geo,~ina Bond-BuckupJose Antonio Costa

Livio Amaralluiza Helena Malta MolIMaria da Graça I<,icger

Maria Heloísa LenzPaulo G. Fagundes VizentiniGeraldo F. Huff, presidente

Questão Agrária,Industrializacao

_J

e Crise Urbanano BrasilIgnácio Rangel

PREFÁCIO E ORGANIZAÇÃO

José Graziano da Silva

Editora da Universidade/UFR.GS • Av. João Pessoa, 415 - 90040-000 - Porto Alegre, RS - Fone/fax (51)224-8821,316-4082 e 316-4090 -E-mail: [email protected] http://www.ufrgs.br/cdiwra • Dire-ção: Geraldo Francisco Huff • Editoração: Paulo Antonio da Silveira (coordenador), Cada M. Luzzatto,Cláudia Bittencourt, Maria da Glória Almeida dos Santos, Najára Machado· Administração: Julio Cesarde Souza Dias (coordenador).José Pereira Brito Filho, Laerte Balbinot Dias, Norival Hermeto Nunes Sau-cedo. Apoio:lara Lombardo, Idalina Louzada, Laércio Fontoura.

~~~-,'UNICA •...•P

INSTITUTO DE ECONOMIA

Page 2: Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil

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Ia edição: 2000

Direitos reservados desta edição:Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Capa: Cada M. LuzzattoRevisão: Eduardo FelippiEditoração eletrônica: Jair Otharan Nunes

Sumário

Ignácio Rangel.(l914 - 1994) Economista, foi presidente do Conselho Regionalde Economia (RJ) em 1983 e integrante do quadro téCIÚCOdo BNDES.

José Graziano da Silva. Doutor em Economia pela Universidade de Campinas(Unicamp). Professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.

Prefácio - Questão agrária, industrialização e criseurbana no Brasil: uma introdução à obra de Ignácio Rangel 7

José Graziano da Silva

A publicação deste livro tem o apoio do Programa de Apoio a Núcleos de Exce-lência - Pronex 97.

Industrialização e agricultura 39Industrialização e economia natural 43A questão agrária brasileira 49Recapitulando a questão agrária brasileira 121Estrutura agrária, sociedade e Estado 131Questão agrária e agricultura. ................ .. .... ....... .... ... ... 143

" 'III PND e agricultura 169R .: do a " - . I" 175evisitan o a questao naciona .Problemas da reforma agrária 189

.. A questão agrária e o ciclo longo 195A questão da terra 211Crise agrária e metrópole 221Fim de linha 23 1A queimada e a ecologia 235

Apêndice - Expansão e crise no Brasil:as idéias pioneiras de Ignácio Rangel 241

Paulo Roberto DavidoffC. Cruz

RI%q Rangel, IgnácioQuestão agrária, industrialização e crise urbana

no Brasil 1Ignácio Rangel. - Porto Alegre: Ed. UniversidadelUFRGS,2000.

Prefácio e organização José Graziano da Silva.

1.Agricultura - Industrialização - Brasil. I. Título.

CDU631.l/.17:338.924(81)

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto. CRB 10/1023

ISBN 85-7025-561-6

Page 3: Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil

A questão agrária e o ciclo longo

Introdução

A estrutura agrária brasileira, caracterizada pelo latifiíndiofeudal emprocesso de desagregação, por efeito da penetração do capitalismo nocampo, é peça essencial do presente "modelo" brasileiro - ou, como meparece mais preciso dizer, da 3" DualidadeBrasileira. Ora, como as ante-riores dualidades surgiram e chegaram ao fim nas condições criadas pelapassagem dos ciclos a suas respectivas "fases b", ou recessivas, vem, apelo, indagar se o presente "modelo" não terá a mesma sorte, agora que,segundo todas as aparências, entramos, (desde 1973) na "fase b" do 4°Ciclo de Kondratiev (1) (2).

O ciclo longo é algo de externo, de exógeno, à economia brasilei-ra, visto como reflete o processo de inovação tecnológica sobre a for-mação do capital fixo e é (ou tem sido) virtual prerrogativa do centroDinâmico da economia mundial à síntese de nova tecnologia no sentidoda deflagração das sucessivas "revoluções industriais" ou, p'arausarmosa moderna expressão, as sucessivas "revoluções científico-técnicas". Nãoobstante, ao passarem de uma "fase" a outra dos ciclos longos, os paísesintegrantes do centro Dinâmico, através do volume e dos termos do seuintercâmbio com a vasta periferia do sistema capitalista - da qual faze-mos parte conspícua lançam aos países componentes dessa periferiadesafios que os obrigam, em maior ou menos medida, a introduzir mu-danças em suas instituições, isto é, em seu "modelo" ou "dualidade".

Com efeito, nas "fases a" ou ascendentes, os países periféricossão atraídos para maior medida de participação na divisão internacio-nal do trabalho e, reciprocamente, nas "fases b'', são compelidos a

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Page 4: Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil

A estrutura do Estado da 3a Dualidade

pelo menos situação essa que se movem modificando, pari passu com adita industrialização. Essa população era essencialmente rural, mas nãoseria correto pretender que ela aplicasse todo o seu tempo de trabalho àagricultura, menos ainda àquela agricultura que, por suprir bens agricolasao mercado (interno e externo), e não ao auto consumo da família cam-ponesa, é objeto dos registros ordinários da contabilidade social. Umaparcela importante do tempo de trabalho dessa população rural- valedizer, da família agrícola - destinava-se, primeiro a suprir bens agrícolaspara o mesmo autoconsumo, a exemplo da moradia, do vestuário, domobiliário, dos meios de transporte (como barcos e animais de carga),etc. A família camponesa, portanto, muito mais do que agora, vivia comum pé na economia de autoconsumo ou natural e outro na economia demercado, a única que a ciência econômica costumeira considera.

Esse arranjo, que permite à fanúlia distribuir seu tempo e trabalhoentre as duas economias superpostas - a natural e a de mercado - étípico da sociedade feudal. E não se trata apenas do tempo de traba-lho dos membros "ativos" da família, isto é, dos que auferem remune-ração monetária, mas do tempo total de trabalho da família, inclusivedos membros não ativos, como os adolescentes, os velhos e as mulhe-res.Assim, só parcialmente a família depende, para sua subsistência,da renda monetária auferida pelos seus membros "ativos".

Condição essencial- necessária, embora não suficiente - para queesse arranjo se possa manter consiste na ocupação pela família, em condi-ções de estabilidade suficiente para passar de pai para filho, de uma par-cela de terra que sirva de suporte fisico para a economia natural ou deautoconsumo. Note-se que não fazia falta a plena propriedade, mas sim-plesmente a estabilidade da ocupação, que justificasse a implantação demelhoramentos, inclusive a construção da casa de vivenda, o poço, o cur-ral para pequenos animais, o plantio de árvores frutíferas, etc. Ora, tal tipo

.de ocupação, separada do domínio eminente, ao preço de certas presta-ções consuetudinárias - em trabalho, em espécie e, mais recentemente,em dinheiro - é característico do direito feudal como o que, com ou semdisfarces, regia no Brasil, nas condições da 2" Dualiadade, havendo pas-sado, já em processo de desagregação, à 3", ora em via de encerrar-se.

maior medida à autarquia, através de uma forma qualquer de substitui-ção de importações, ajuda às condições criadas pela evolução anteri-or, nas forças produtivas e nas relações de produção. Entretanto, em-bora as "fases a" ou ascendentes também importem em mudanças ins-titucionais, estas não afetam a essência do "modelo" deixando intac-, .

tas as estruturas da sociedade e do Estado. Por outras palavras, po-dem mudar os estamentos pelos quais as classes dominantes adminis-tram o Estado, mas não a identidade das ditas classes dominantes.Quando essa identidade é afetada, isto é, quando mudam as classesdominantes ou a sua posição relativa na sociedade e no Estado, assim,também troca-se o "modelo" ou, como prefiro dizer, a "dualidade".Isto, entretanto, e por muito boas razões, somente tem acontecido nas"fases b" dos ciclos longos.

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As relações feudais estiveram presentes, conspicuamente, no pólointerno (lado interno), tanto na 2" Dualidade (1888-1889 a 1930),como na 3"(1930 em diante). Dito pólo interno, através de uma classebifronte - internamente feudal e extremamente comerciante - fez-serepresentar no Estado, primeiro (2" Dualidade), como sócio menor,sob a hegemonia da burguesia mercantil ( com as "casas comissárias"a frente) e, depois, (3" Dualidade), como sócio maior ou hegemônico,em aliança com o capitalismo industrial em processo de implantação.O que mudou, portanto, da 2" para a 3" Dualidade foi:

a) o pólo externo, onde a velha burguesia mercantil foi substituídapela nascente burguesia industrial;

b) a posição hegemônica na aliança de classes dominantes, pas-sando o latifúndio feudal- comerciante da posição de sócio menorpara a de sócio maior.

Ora, ao ter início a industrialização do Brasil, isto é, com adventoda presente 3" Dualidade, o pólo interno isto é, o latifúndio feudal-mer-cantil enquadrava o grosso da população do País - três quartas partes,

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A revolução democrático-burguesa costuma suprimir tal direitopela reforma agrária, stricto sensu, isto é, pela conversão da simplesocupação estável da parcela em propriedade plena, fortalecendo, as-sim, o suporte fisico da economia natural e induzindo a família a redis-tribuir seu tempo total de trabalho, em favor da produção para auto-consumo. Mas pode acontecer de outro modo, isto é, o direito fundi-ário pode "democratizar-se" pela via de mercantilização da terra, detal modo que, em vez da conversão da ocupação estável, típica daservidão de gleba, em propriedade camponesa plena, aquela ocupa-ção é simplesmente suprimida, desmantelando-se o suporte da econo-mia natural. A família camponesa é, também nesse caso, convidada aredistribuir seu tempo de trabalho, mas já agora, em detrimento daeconomia natural. Em última instância, o camponês é desarraigado,expulso da terra, à qual não poderá voltar senão na condição de assa-lariado - excluindo, já se vê, não somente os membros não ativos dafamília, como parcela importante do tempo dos membros ativos, ochamado tempo morto, correspondente ao desemprego sazonal.

Trabalho assalariado, produtividade e renda

Apenas:a) sendo inelástica a demanda de bens agrícolas, as novas explo-

rações, agora que a produtividade do trabalho se elevou, não poderi-am usar todo o tempo de trabalho disponível, mesmo que as condi-ções peculiantes ao trabalho agrícola o permitissem, de modo que o"setor agrícola" tende a liberar mão-de-obra, engendrando o chama-do "êxodo rural";

b) ora, a agricultura capitalista tende a ser uma atividade muitomais marcadamente sazonal do que a tradicional, não utilizando, mes-mo da população ativa rural, senão parte do tempo de trabalho por elaoferecia, visto como os meses de intenso labor alternam-se com ou-

. tros de total ou parcial paradeiro, o "tempo morto" acima referido;c) a nova fazenda costuma desinteressar-se por grande parte do

tempo de trabalho dos menores, dos velhos, dos parcialmente incapa-citados e mesmo das mulheres, de tal maneira que estes passam, dacondição de membros úteis da família tradicional, à de "populaçãoinativa" da sociedade capitalista.

Em resumo, nem toda a mão-de-obra "liberada" pelo desmantela-mento da economia natural tradicional- isto é, herdada das instituiçõesfeudalizantes - é utilizada pela fazenda capitalista em processo de im-plantar-se. Este fato neutraliza, do ponto de vista da sociedade comoum todo, parte das vantagens decorrentes do aumento da produtividadedo trabalho. As "sobras" de mão-de-obra poderiam ser utilizadas, comproveito, nos quadros de uma economia natural - ou voltada para omercado municipal- que viesse a ser recomposta em novas bases, nãocomo alternativa à economia capitalista, mas como seu complemento.

Taleconomia complementar de autoconsumo tem surgido um poucopor toda parte: tanto como complemento das grandes empresas capita-listas (como o "egido" mexicano), como das grandes empresas socialis-tas (como a "parcela individual", ao lado das fazendas coletivas e esta-tais soviéticas). Seria utópico, por certo tomá-Ia como alternativa dasfazendas capitalistas ou socialistas. Essas, para as parcelas do tempototal de trabalho que utilizam de fato, oferecem condições de uma pro-dutividade incomparavelmente mais elevada. Mas, como ficou dito, não

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Precisamente esta tem sido a forma dominante de superação do di-reito feudal no Brasil. Na fazenda capitalista que, progressivamente, vaitomando o lugar do domínio latifundiário semifeudal, o homem, "liberto"da terra que seus maiores ocupavam estavelmente, embora sem título depropriedade, é engajado como trabalhador assalariado, apoiado numatecnologia incomparavelmente mais avançada, incompatível, não apenascom a pequena exploração tradicional, mas com qualquer pequena explo-ração que se viesse a constituir, nas condições da propriedade plena. Se-gue-se que, por dia de trabalho, a produção por homem eleva-se vertical-mente. Assim, Ô salário, embora deixando margem para elevada taxa delucro para o novo patronato agrícola, pode ser consideravelmente maisalto do que, por dia médio de trabalho efetivo, o mesmo trabalhador po-deria obter nas condições a pequena exploração, tradicional, ou não.

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podem utilizar, por melhor que seja sua organização, a totalidade dotempo de trabalho oferecido pela família camponesa.

As "sobras" do tempo de trabalho total da população rural- tantoas devidas ao aumento da produtividade do trabalho, como as sazonais,isto é, resultantes do tempo morto - são fonte primária do defluxo demão-de-obra que, como êxodo rural, busca, todos os anos, a cidade.Importa investigar como a cidade utiliza (ou não utiliza) esse fluxo demão-de-obra, o que veremos adiante.

Nos anos 30, quando ainda não se haviam criado as precondi-ções para o aparecimento de fazendas modernas, dotadas de técnicae equipamento avançados isto é, quando a alternativa era ainda entre aexploração agrícola familiar tradicional, em terra alheia e em condi-ções semifeudais, e a exploração, também familiar, mas em terra pró-pria, livre dos encargos feudais, o conceito de reforma agrária coinci-dia com a desapropriação e divisão das terras latifundiárias. Não ago-ra, porém, quando o latifúndio é substituído pela grande fazenda capi-talista, que suscita problemas, como os acima lembrados.

pulação camponesa a renunciar ao relativo desafogo de sua situaçãono campo, onde as rendas monetárias auferidas da venda de sua pro-dução agrícola complementadas por algum salariato, sejam suplemen-tadas ainda pela produção de auto-consumo, obtida em condiçõesrelativamente favoráveis, em função da establidade da ocupação dosolo decorrente da pequena propriedade familiar pleno direito.

Ora, vimos que esse tipo de superação das relações de produçãofeudais não é característico do Brasil. Sem embargo, do surgimento dealgumas "ilhas" de pequena propriedade camponesa, notadamente nasáreas de colonização européia ejaponesa dos estados do Sul, que maisconfirmam a regra. O modal do desenvolvimento do capitalismo na agri-cultura brasileira foi e é a grande exploração capitalista, cada dia maispropensa ao uso de mão-de-obra assalariada e tendendo sempre aodesmantelamento das bases da economia natural, causando, porissomesmo, o fenômeno do êxodo rural. Esse, por sua vez, faz surgir, noquadro da economia não-agrícola - isto é, basicamente nas cidades -um superior dimensionado exército industrial de reserva, que subverteas condições do mercado de trabalho, pressionando o salário para bai-xo. Em vez de um mercado de vendedores de mão-de-obra, temos ummercado de compradores, verdadeiro fundamento do nosso "modelo"econômico, notoriamente concentrador de renda.

Isto nos deixa com o problema de saber como e porque, apesarde tudo, a industrialização do Brasil não apenas teve inicio, como sevem fazendo a ritmos extraordinariamente altos e sustentados, não obs-tante as crises juglarianas, que se sucedem, como é próprio às econo-mias em processo de industrialização capitalista. Com efeito, a supe-rabundância e a barateza da mão-de-obra não costumam ser bonscondicionantes do processo de industrialização, dado que desestimu-Iam a formação de capital, isto é, o investimento. Ora, numa economiacapitalista, o investimento é o motor primário do desenvolvimento,não apenas pelo efeito de criar nova capacidade produtiva, permitindoa introdução de tecnologia de vanguarda, mas também pelo dengen-drar demanda efetiva, sem a qual não se utilizaria adequadamente acapacidade produtiva antes criada.

Êxodo rural e industrialização

A revolução democrático-burguesa, nos casos em que a glebafeudal é - como aconteceu na Europa Ocidental (principalmente, naFrança), e nos Estados Unidos - substituída pela pequena proprieda-de familiar ou "hornestead", ao fortalecer as bases da economia natu-ralou de autoconsumo, resolve satisfatoriamente o problema da ab-sorção dos excedentes de mão-de-obra no seio da própria economiacamponesa, estacando ou reduzindo drasticamente o defluxo de po-pulação responsável pelo êxodo campo-cidade. A indústria e os servi-ços não-agrícolas, conseqüentemente, são forçadas a servir-se, parao recrutamento de mão-de-obra, num mercado de trabalho de vende-dores. Isto é, caracterizado por uma escassez relativa de oferta, pro-penso, por isso mesmo, à fixação de salários relativamente elevados,que sejam suficientes para persuadir as camadas mais pobres da po-

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Ora, a economia brasileira, nas condições de uma crise agráriaprofunda e crônica que, entre outras coisas, causava uma urbanizaçãomonstruosa, sem comparação possível com a demanda de mão-de-obraque a indústria e os serviços não-agrícolas estavam suscitando nas cida-des (perto de 3 milhões de novos citadinos a cada ano); a economia, iadizendo, através de condições externas nem sempre favoráveis, expan-diu sua produção industrial em mais de vinte vezes, nos quarenta anosentre o pré-guerra (1938) e os últimos lamentos da prosperidade pós-bélica (1978), enquanto a indústria de todo o mundo capitalista, nãoobstante conter esse lapso de tempo todo um quartel de século extraor-dinariamente dinâmico (1948-1973), crescia apenas 6,3 vezes. Assim,antes de indagarmos das causas da presente crise, importa conhecer aetiologia de tal crescimento, isto é, saber porque, da crise em crise, es-tivemos crescendo a ritmos tão algos e sustentados. Somente assim po-deremos penetrar na citologia verdadeira da presente crise e saber emque ela se diferencia das outras que, a períodos muito regulares, vêmsacudindo nossa economia, desde que, nas condições da "fase b" doJ o

Ciclo de Kondratiev, teve início nossa industrialização.

mitiva, isto é, também pré-industrial). Tal Departamento I dependia,para operar, do emprego massivo de mão-de-obra. Por outras pala-vras, um esforço incremental de formação de capital relativamentepequeno resultava ordinariamente no engajamento de importantescontingentes de mão-de-obra.

Na prática, isso significava que os efeitos do êxodo rural, fazen-do surgir nas cidades, potencialmente, um desmedido exército indus-trial de reserva, eram parcialmente neutralizados pelo engajamento demão-de-obra nas atividades responsáveis pelo suprimento de bens decapital nas fases ascendentes dos ciclos médios, que se sucediam bas-tante regularmente, a cada decênio. Os efeitos mais sensíveis da pre-sença de um superdimensionado exército industrial de reserva faziam-sepresentes somente durante as fases recessivas dos referidos ciclosmédios, isto é, desde os anos 20, quando teve início a "fase b" do 30

Kondratieve, com essa, a industrialização, coincidentemente, mais oumenos, com o primeiro lustro de cada decênio.

À medida que passava o tempo e que prosseguia a industriali-zação, por um lado engrossava-se o êxodo rural, imprimindo feiçãofrancamente teratológica ao exército industrial de reserva; e, por ou-tro, as atividades integrantes do Departamento Imais ganhando fei-ção mais industrial, com funções de produção sempre mais "capitalintensive" e labour saving . Por outra palavra, o desemprego urba-no perdia seu caráter ciclico - limitado, em grande parte, as fasesrecessivas dos ciclos médios e revestia aspecto crônico e grave, o.que quer dizer que já não bastava reativar os investimentos, vistocomo a estrutura do Departamento I tornara-se tal que podia asse-gurar importantes aumentos do suprimento de bens de produção atra-vés do engajamento de contingentes relativamente pequenos de mão-de-obra. Esse desemprego volumoso e crônico manifestava-se emanifesta-se, cada vez mais, inclusive por uma criminalidade queextravasa a feição de fenômeno judicial-policial, para assumir as-pecto francamente sociopolítico.

Esta a medula da presente crise, que põe em causa a própriaOrdem pública e cria uma situação tecnicamente revolucionária isto,

A evolução do Departamento I

A industrialização do Brasil teve início, não pelas atividades pro-dutivas supridoras de meios de produção inclusive bens de capital-isto é, pelo chamado Departamento I, mas pelas supridoras de bensde consumo, com a indústria leve à frente, isto é, pelo DepartamentoIl. Esta ordem inversa era decorrência do caráter substituidor deimportações que, como é notório, teve o nosso processo de implan-tação do parque industrial. Não quer isso dizer, entretanto, que nos-sa economia não tivesse, antes da industrialização, um Departamen-to I, como alguns autores parecem supor. Mas simplesmente, queeste tinha feição pré- industrial (uma construção civil e uma indústriamecânica artesanais e uma agricultura ganhadora das divisas desti-nadas ao pagamento dos meios de produção importador, muito pri-

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Page 8: Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil

é: as classes dominantes já não podem governar como dantes, e asclasses populares já não querem ser governadas como dantes. Emsuma, nos quadros de uma situação cronicamente insatisfatória,mesmo nos períodos de alta conjuntura, a superveniência de baixasagudas da conjuntura interna prenuncia mudanças de fundo - mu-danças que devem implicar em modificação da estrutura de classeda sociedade e do Estado.

Ora, presentemente, nas condições da "fases b" do ciclo longo,eis que sobrevem uma fase recessiva do ciclo médio, isto é, nas con-dições da crise mundial ("fase b" do 4° Kondratiev) eis que sobre-vem a fase recessiva do ciclo médio (endógeno).

A 3a Dualidade aproxima-se, pois, do seu fim.

As mudanças da "fase b" do Kondratiev

Na intenção daqueles que não estejam familiarizados com a teo-ria dos ciclos econômicos, lembremos que a economia capitalista mun-dial desenvolve-se através de duas ordens de ciclos:

a) os ciclos longos, de aproximadamente 50 anos, engendradospor movimentos do centro dinâmico mundial, provavelmente relaci-onados com a implantação de novas tecnologias, e que, sem razão desua origem do referido centro mundial, são, do nosso ponto de vista,fenômenos exógenos;

b) os ciclos médios, aproximadamente decenais (de 7 a 11 anos)engendrados, em nosso caso, por movimentos de nossa própria eco-nomia nacional, o que lhes confere o caráter do fenômeno endógeno.

Encontramo-nos atualmente na "fase b" (recessiva) do 4° Ci-clo Longo (Ciclo de Kondratiev), a partir de 1973, que encerrou a"fase a" (ascendente) do mesmo ciclo, começada no pós-guerra(1948) e estamos há meio século da Grande Depressão mundial,relacionada com a "fase b" do 3° Kondratiev. Não por acaso,multiplicam-se as analogias entre a Grande Depressão e o pr~senteestado de coisas.

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Quanto aos ciclos médios (os "Juglarianos Brasileiros") que se su-cedem, com bastante regularidade, desde os anos 20, aparentementesituam suas fases recessivas nos anos iniciais de cada decênio, e as as-cendentes no lustro final. Entretanto, do ponto de vista que ora nos ocu-·pa, o movimento cíclico médio somente se toma importante, na medidaem que agrave ou amenize os movimentos exógenos de longo prazo,relacionados com o comportamento do Centro Dinâmico mundial. Essevem mudando (primeiro a Inglaterra; depois, a Europa Ocidental (Ingla-terra inclusive); depois os Estados Unidos; finalmente, no presente ciclo,o conjunto de países da OCDE). Mas, qualquer que seja o centro, oBrasil ocupa posição conspícua naperiferia, o que significa que somosum excelente ponto de observação do fenômeno dos ciclos longos.

Sempre que se encerra um ciclo longo - quando este penetra emsua "fase b", como esta acontecendo agora - os mercados cêntricosse fecham para nossos produtos, tanto no que toca ao quantum ouvolume físico, como aos preços relativos ou "termos do intercâmbio".A superação do estado de coisas assim criado impõe uma forma qual-quer de substituição de importações, isto é, umfechamento relativoda economia, ajustado ao nível das forças produtivas e ao estado dasrelações de produção internas, acarretando mudanças institucionaisrelativamente profundas. Assim:

a) na "fase b" do I Kondratiev (1815-1848) a economia brasilei-ra compensou o estreitamento da divisão internacional do trabalho,manifestado no estrangulamento do comércio exterior, pela expansãoda produção natural (ou de consumo) das unidades produtivas domi-nantes da época, isto é, as fazendas de escravos;

b) na fase b" do II Kóndratiev (1948-1973) o mesmo resultado foialcançado pela proliferação, basicamente no quadro urbano e sob aliderança do capitalismo mercantil, de unidades artesanais;

c) na "fase b" do IlIKondratiev (1921-1948), a forma dominan-te de substituição de importações - primeiramente nas regiões maisdesenvolvidas do País e, depois, em todo ele - passou a ser o capita-lismo industrial que, na fase ascendente do IV Ciclo de Kondratievchegaria a sua plena maturidade.

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Page 9: Questão Agrária, Industrialização e Crise Urbana no Brasil

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" A "fase b;' do IV Ciclo Longo nos encontraria, pois, numa situa-ção instável: por um lado, o capitalismo industrial surgido no ciclo an-terior chegou a sua plena maturidade e pode aspirar à passagem dacondição de sócio menor, sob a hegemonia do latifúndio semifeudal-hoje em processo de franca desagregação - para a de sócio maior ouhegemônico.

A evolução sociopolítica do Brasil tem refletido, ponto por pon-to, a evolução econômica antes esquematizada. Cem a "fase b" do IKondratiev, tivemos a I Dualidade (aliança do escravismo passadodos tempos coloniais e chegado a sua maturidade, com o capitalismomercantil nascente); com a "fase b" do II Kondratiev (aliança docapitalismo mercantil já amadurecido, com o latifúndio feudal que(salvo nas regiões que virtualmente não haviam conhecido a escravi-dão) acabava de substituir o escravismo e era ainda uma classe po-liticamente inexperiente); com a "fase b" do IIIKondratiev, tivemosa IIIDualidade, caracterizada pela aliança do latifúndio feudal, che-gado a sua maturidade e que conquistara a posição hegemônica, e ocapitalismo industrial, em processo de implantação, na condição desócio menor.

Assim a "fase b" do IV Kondratiev deverá trazer a IV Dualida-,de, com a hegemonia do capitalismo industrial, em aliança com o novelcapitalismo agricola, que está surgindo do seio do velho latifúndio se-mifeudal e que deverá substituí-lo, embora, como classe em formaçãoe politivamente inexperiente, na condição de sócio menor,

o problema da terra é uma questão financeira

Há muito que a terra se tornou, no Brasil, uma mercadoria decurso franco, sem remanescências feudais que, como antes o faziam,dificultem sua distribuição e redistribuição. Conseqüentemente, não épor motivos jurídicos que os camponeses não têm acesso à proprie-dade territorial (isto é, que a reforma agrária não se efetiva), mas poroutros motivos que é mister conhecer.

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Não sei com que fundamento, mas com muita plausibilidade, sediz que Ipanema, na cidade do Rio de Janeiro, tem o metro quadradode solo urbano mais caro do mundo. Em geral, a terra tornou-se carís-sima, no Brasil, e, logo ao primeiro exame, nos convenceremos de queé o preço da terra o que bloqueia a distribuição desta, no sentido deassegurá-Ia aos que a trabalham, Qualquer estudo da questão agráriadeverá tomar este fato em consideração, para esclarecer as condiçõesque governam a formação do preço da terra no Brasil atualmente.

Ora, ao primeiro exame, o preço da terra deveria estar em declí-nio e não em ascenção. Com efeito, a oferta de terra aumenta semcessar. 'Em primeiro lugar, porque o País se está cobrindo de umavasta rede de estradas, cada vez melhores, lançando ao mercado imen-sas glebas antes fora deste; em segundo lugar, porque, graças a erradi-cação de endemias rurais, vastas áreas, antes inabitáveis deixaram -oUestão deixando de sê-Io; finalmente, a nova tecnologia agrícola, ouaumenta oferta de terra, como quando toma agricultáveis vastíssimasglebas que antes não o eram, ou reduz a demanda, como quandoaumenta a produtividade da terra. Ora, quanto a este último fato, bastalembrar que, nos anos 70 o consumo nacional de fertilizantes estevecrescendo ao ritmo de 15 % ao ano, quadruplicando, no decênio.

A resposta a este quebra-cabeças é conhecida: afora a demandade terra para fins de cultivo ou construção, intervém no mercado, paracompor a demanda total, uma demanda especulativa que, em ultimainstância, é o que determina o comportamento do preço da terra. Poroutras palavras, este é, antes de mais nada, umproblemafinanceíro,sensível ás mudanças observadas no campo financeiro e, de toma via-jem, afetando-o.

Estudos levados a cabo pelo IPEA (3) sob a direção do profes-sor Gervásio Resende, confirmaram cabalmente a hipótese levantada,com fundamentação apenas teórica, inclusive por este que vos fala, nosentido de que o preço da terra varia em sentido inverso da eficáciamarginal do capital que, coeteis paribus, determina o preço dos valo-res mobiliários. Por ouras palavras, o preço da terra tende a baixar nasfases ascendentes dos ciclos e a subir nas fases recessivas, donde se

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deve inferir que, quando a economia brasileira houver superado a pre-sente conjuntura recessiva - como estou certo de que o fará, antes quese passe muito tempo - o preço da terra deverá declinar e, por moti-vos nos quais não me posso demorar aqui, faze-lo catastroficamente.

Em resumo, quando se houverem organizado os novos camposde investimentos, situados no que venho propondo chamar de "áreados estrangulamentos - por oposição à área de ociosidade" - com osgrandes serviços de utilidade pública à frente, a demanda especulativadeverá refluir, deixando o preço da terra na dependência dos itensnormais da demanda, isto é, a demanda para fins de cultivo e constru-ção. Ora, tal demanda será obviamente insuficiente para absorver aoferta e sustentar o preço da terra, que quer dizer que uma redistridu-ição muito menos pautada pelos fatores especulativos, do que agora,haverá começado.

Por outras palavras, haverá começado a reforma agrária decisivapara a abertura de uma nova fase de desenvolvimento isto é, da IVDualidade. Nesta, o velho latifúndio será apeado do poder e substitu-ído pela única classe social ora em condições de hegernonia, no Brasil,isto é, a burguesia industrial, que esteve se desenvolvendo energica-mente ao longo do último meio século. É claro que a novel classe do-minante, surgida no processo para representar os interesses do cam- .po, estará presente na nova aliança dirigente, mas em posição de sóciomenor. Refiro-me à burguesia agrícola que se vem desenvolvendono seio do velho latifúndio, mas que com ele não se confunde.

Toma forma o capital financeiro nacional

aliança com o capital industrial, dar origem ao capital financeiro nacio-nal, no sentido lato.

Nosso capitalismo industrial, como é sabido, desenvolveu-se,neste meio século, sob a liderança e o impulso do capital financeiroestrangeiro - principalmente o norte-americano. Com a Grande De-pressão, o capital financeiro norte-americano substituiu o inglês, comocentro em torno do. qual gravita nosso economia. À primeira vista,nada havia mudado e houve quem sustentasse esse ponto de vista,mas, na verdade, uma mudança de fundamental importância tivera lu-gar, porque o capital financeiro norte-americano não era idêntico aoinglês. Com efeito na formação dual que e o capital financeiro, unindoa fábrica ao banco, no modelo inglês, tínhamos a predominância dafabrica e, no norte-americano (como, depois da Segunda Grande Guer-ra, também no europeu e japonês, tínhamos a hegemonia do banco,por isso, o capital financeiro norte-americano consentiu em dar assis-tência ao desenvolvimento no estrangeiro (inclusive no Brasil) de umcapitalismo industrial, competitivo, a longo prazo.

Ora, esse capitalismo industrial surgido no Brasil teria, inevitavel-mente, nas condições da nova fase sucessiva do ciclo longo, começadaem 1975, que buscar um arranjo que resultasse na criação de um apare-lho de intermediação financeira que se prestasse - como na Inglaterra ena Europa, de fins do século passado - a fazer sua política. A cada voltado parafuso cíclico (ciclos médios) o aparelho nacional de intermedia-ção financeiro vem passando por reformas graduais que o aprestam parao cumprimento dessa tarefa, o que quer dizer que o capitalismo financei-ro nacional- o casamento do banco com a fábrica nacionais - vai to-mando forma.

A missão precípua desse novo ente socioeconômico consiste emcriar condições para a utilização da capacidade ociosa criada no parqueindustrial brasileiro, e fazê-lo para o fim específico de romper os pontosde estrangulamento do sistema, acumulado na área dos grandes serviçosde utilidade pública, principalmente. Para isso, esses serviços - atual-mente organizados no enquadramento geral da empresa pública, em queo Estado acumula as funções de poder concedente e concessionário -

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Chegado a certo estágio do seu desenvolvimento no Brasil dosnossos dias, como antes, nos países capitalistas mais avançados, umaaliança, um casamento, entre a usina e o banco - entre o capitalismoindustrial e o aparelho de intermediação financeira - deve entrar naordem natural das coisas. Assim, o banco (no sentido lato, que cor-responde ao capital financeiro, no sentido estrito) deverá, por sua

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terá também, que ser reorganizados, no sentido geral de convertê-losem concessões de serviços públicos a empresas privadas apoiadas nomercado interno de capitais, em via de estruturação.

Não caberia aqui entrar em maior detalhe, mas, se observamos aeconomia a brasileira, veremos que tudo nos aproxima dessa meta.Ora, não haverá nenhum aspecto de nossa vida socioeconômica -menos ainda a questão agrária que, como vimos, converteu-se numproblema financeiro - que não seja afetado por esse sistema de mu-danças, aparentemente tão conservadoras. Afinal este país teve a ha-bilidade de levar o príncipe herdeiro da coroa de Portugal a proclamara sua independência do mesmo Portugal.

A.questão da terra

Nos países em que a economia de mercado é pouco desenvolvida, apopulação é quase inteiramente agrícola, o que, aliás, não quer dizer queela se ocupe apenas de agricultura; significa somente que essa popula-ção transforma ela mesma os produtos agrícolas, que a troca e a divisão

do trabalho são quase inexistentes.Lenin

Muito grato por vossa atenção.Nosso ponto de partida para a abordagem da questão agrária bra-

sileira não pode ser senão este, isto é, a percepção de que ela é algo queacontece no processo da industrialização, que coroa o processo da divi-são social do trabalho. Noutros termos, coisas que tradicionalmente aprópria família camponesa - patriarcal ou em condições de servidão degleba - fazia para o seu próprio consumo, devem ser agora compradascom a renda auferida da venda de produtos agrícolas, porque ela foiprivada das condições para cuidar de atividades agrícolas.

A divisão do trabalho traz consigo um enérgico aumento da pro-dutividade do trabalho, mas isso não quer dizer que todos os ganhosobtidos através dela e do seu coroamento, isto é, da industrialização,

. sejam líquidos. Isso somente aconteceria se todos os dias poupadospelo aumento da produtividade do trabalho fossem efetivamente em-pregados, o que nem sempre acontece.

Com efeito, se a fanúlia camponesa é privada das condições paralevar a cabo a produção para autoconsumo, o tempo de trabalho pou-pado tomará a forma de mão-de-obra sazonalmente desempregada,porque a agricultura é, por sua natureza, uma atividade que, contraria-mente ao que em geral acontece com a indústria de transformação e amaior parte das atividades não-agrícolas, só usa plenamente amão-de-obra ao seu dispor durante parte do ano; ou tomará a forma de