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Quem quer ser minimalista? Não precisa de ter todos os seus bens numa mochila para acrescentar valor à sua vida Mas se aquilo que possui limita a sua liberdade, está na hora de simplificar ÍÍB CLARA SOARES Tudo começa com a perceção do espaço, interno c cxlcr- no: um reflete geralmente o outro. Dois amigos de in- fância deram-se conta disso em fases críticas e tomaram uma decisão que mudou as suas vidas, e as de mais de 20 milhões de pessoas. Joshua Ficlds Millburn c Rvan Nico- demus, os The Minimalists, tinham 28 anos quando conheceram o avesso do sonho norlc-americano c se questio- naram sobre o que realmente impor lava para eles. Joshua perdeu a mãe c viu o seu casamento ruir, na altura em que conquistou um lugar de topo no mundo da alia finança. Ryan, execu- tivo exemplar em novas tecnologias, enfrentou um despedimento. Onde es- tava a satisfação sonhada, se não tinha vindo com o emprego milionário, carro a condizer e outros sinais exteriores de riqueza? A crescente sensação de vazio, a que somaram o stresse, o desgaste e a depressão, levaram-nos a escolher Missoula, no estado de Montana, para criar um novo estilo de vida desape- gado. Foi a génese de um movimento imparável que passou do virtual para o terreno, com livros, várias digressões e um documentário (da Netflix) Viver melhor com menos é um prin cípio aplicável a lodas as áreas da vida. Desde que experimentou passar dois meses sem os média sociais, no início do ano, Joshua - que não linha internet em casa removeu as redes sociais ea caixa eletrónica do equipamento e usa o telefone para falar e enviar men- sagens de texto. A ideia é "acrescentar valor", ec por isso que esta c a pergunta a fazer antes de adicionar seja o que for à bagagem: relacionamentos, amizades. finanças, tecnologia, decoração, carro, casa, vestuário. Entre as afirmações seminais da dupla, duas que são icónicas: "Scrolling is the new smoking" (digitar o ecrã til c o novo tabagismo) e "ama as pessoas e usa as coisas o contrário nunca funciona". DIZER NÃO À COMPULSÃO Menos é mais. Há meio século era uma tendência artística visível nos espaços públicos e nas galerias de Nova lor- que c de São Francisco. A sua influen- cia estendeu se ao design, à música, à literatura, ao vestuário e á indústria automóvel A crise do sistema finan- ceiro da última década refreou o boom consumisla c alacou-o na sua base: a promessa de felicidade. algo de doentio em perseguir a última versão de qualquer coisa, descartando aque- la que, pouco antes, era tão essencial. O consumo compulsivo e a propensão para acumular não trazem a desejada e duradoura satisfação. No nosso país, as políticas de aus- teridade foram uma oportunidade para mudar hábitos. "A crise permitiu repensar o ato de consumir e hoje "AMA AS PESSOAS E USA AS COISAS, 0 CONTRÁRIO NUNCA FUNCIONA", 0 LEMA DA DUPLA JOSHUA E RYAN, THE MINIMALISTS um novo grupo minoritário, jovem e escolarizado, que opta pela qualidade em detrimento da quantidade", destaca a socióloga Luísa Schmidt, primeira autora do estudo SuslenlahUUUule: Primeiro Cjrande Inquérito em Portu gul, lançado, esle mês, pelo Instituto de Ciências Sociais Os novos perfis de consumidor coexistem com outros, em que as limitações orçamentais convivem com o ethos consumista. Fazer mais com menos c uma escolha que vai ganhando lugar na cabeça das pessoas, ainda que devagar. Sugerem no os resultados do esludo europeu apre- sentado no ano passado pela consultora Intrum Justitia: entre os inquiridos por lugueses, 58% tinham cartão de credito e um em cada quatro disse fazer mais compras online do que pretendia, sobre- tudo em faixas etárias jovens, situados 7% acima da média europeia. A boa notícia é que, a qualquer mo- mento, é possível mudar e fazer a di ferença. "Por cada objeto que entra cm casa, oferecido ou comprado, saem dois", afirma Catarina Antunes, 50 anos, que desta forma evita tomar decisões por impulso na hora de comprar um bem não perecível. Tudo começou após ter herdado recheios de casas. Sem saber o que fazer a tanto objeto, optou por uma venda de garagem. Com o va lor simbólico que recebeu, adquiriu um colchão ortopédico, que mantém, duas décadas depois. incrível a quantida- de de artigos que uma pessoa tem em casa", esclarece, admitindo que ainda tem muita coisa que pode doar, reciclar ou deitar fora. A libertação de tudo o que sentia estar a mais converteu-se num hábito bom, extensível ao digital. A caixa de correio reflete isso: "No final do dia.

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Page 1: Quem quer ser minimalista?Quem quer ser minimalista? Não precisa de ter todos os seus bens numa mochila para acrescentar valor à sua vida Mas se aquilo que possui limita a sua liberdade,

Quem quer ser minimalista?Não precisa de ter todos os seus bens numa mochila para acrescentar valor à sua vida

Mas se aquilo que possui limita a sua liberdade, está na hora de simplificar

ÍÍB CLARA SOARES

Tudo

começa com a perceçãodo espaço, interno c cxlcr-no: um reflete geralmente ooutro. Dois amigos de in-fância deram-se conta dissoem fases críticas e tomaramuma decisão que mudou as

suas vidas, e as de mais de20 milhões de pessoas. JoshuaFiclds Millburn c Rvan Nico-

demus, os The Minimalists, tinham 28anos quando conheceram o avesso dosonho norlc-americano c se questio-naram sobre o que realmente imporlava para eles. Joshua perdeu a mãe c

viu o seu casamento ruir, na altura em

que conquistou um lugar de topo nomundo da alia finança. Ryan, execu-tivo exemplar em novas tecnologias,enfrentou um despedimento. Onde es-tava a satisfação sonhada, se não tinhavindo com o emprego milionário, carroa condizer e outros sinais exteriores de

riqueza? A crescente sensação de vazio,a que somaram o stresse, o desgaste e

a depressão, levaram-nos a escolherMissoula, no estado de Montana, paracriar um novo estilo de vida desape-gado. Foi a génese de um movimentoimparável que passou do virtual parao terreno, com livros, várias digressõese um documentário (da Netflix)

Viver melhor com menos é um princípio aplicável a lodas as áreas da vida.Desde que experimentou passar doismeses sem os média sociais, no início do

ano, Joshua - que já não linha internetem casa removeu as redes sociais eacaixa eletrónica do equipamento e só

usa o telefone para falar e enviar men-sagens de texto. A ideia é "acrescentarvalor", e c por isso que esta c a perguntaa fazer antes de adicionar seja o que forà bagagem: relacionamentos, amizades.

finanças, tecnologia, decoração, carro,casa, vestuário. Entre as afirmaçõesseminais da dupla, há duas que sãoicónicas: "Scrolling is the new smoking"(digitar o ecrã lá til c o novo tabagismo)e "ama as pessoas e usa as coisas o

contrário nunca funciona".

DIZER NÃO À COMPULSÃOMenos é mais. Há meio século era umatendência artística visível nos espaçospúblicos e nas galerias de Nova lor-que c de São Francisco. A sua influen-cia estendeu se ao design, à música,à literatura, ao vestuário e á indústriaautomóvel A crise do sistema finan-ceiro da última década refreou o boomconsumisla c alacou-o na sua base:

a promessa de felicidade. Há algo dedoentio em perseguir a última versãode qualquer coisa, descartando aque-la que, pouco antes, era tão essencial.O consumo compulsivo e a propensãopara acumular não trazem a desejada e

duradoura satisfação.No nosso país, as políticas de aus-

teridade foram uma oportunidadepara mudar hábitos. "A crise permitiurepensar o ato de consumir e há hoje

"AMA AS PESSOAS

E USA AS COISAS,

0 CONTRÁRIO NUNCA

FUNCIONA", 0 LEMA DA

DUPLA JOSHUA E RYAN,

THE MINIMALISTS

um novo grupo minoritário, jovem e

escolarizado, que opta pela qualidadeem detrimento da quantidade", destacaa socióloga Luísa Schmidt, primeiraautora do estudo SuslenlahUUUule:Primeiro Cjrande Inquérito em Portu

gul, lançado, esle mês, pelo Institutode Ciências Sociais Os novos perfis de

consumidor coexistem com outros, emque as limitações orçamentais convivemcom o ethos consumista.

Fazer mais com menos c uma escolha

que vai ganhando lugar na cabeça das

pessoas, ainda que devagar. Sugerem noos resultados do esludo europeu apre-sentado no ano passado pela consultoraIntrum Justitia: entre os inquiridos porlugueses, 58% tinham cartão de creditoe um em cada quatro disse fazer mais

compras online do que pretendia, sobre-tudo em faixas etárias jovens, situados7% acima da média europeia.

A boa notícia é que, a qualquer mo-mento, é possível mudar e fazer a diferença. "Por cada objeto que entra cá

cm casa, oferecido ou comprado, saemdois", afirma Catarina Antunes, 50 anos,

que desta forma evita tomar decisões

por impulso na hora de comprar umbem não perecível. Tudo começou apóster herdado recheios de casas. Semsaber o que fazer a tanto objeto, optoupor uma venda de garagem. Com o valor simbólico que recebeu, adquiriu umcolchão ortopédico, que mantém, duasdécadas depois. "É incrível a quantida-de de artigos que uma pessoa tem emcasa", esclarece, admitindo que aindatem muita coisa que pode doar, reciclarou deitar fora.

A libertação de tudo o que sentiaestar a mais converteu-se num hábitobom, extensível ao digital. A caixa decorreio reflete isso: "No final do dia.

Page 2: Quem quer ser minimalista?Quem quer ser minimalista? Não precisa de ter todos os seus bens numa mochila para acrescentar valor à sua vida Mas se aquilo que possui limita a sua liberdade,

despacho e apago emails, e, com algu-mas cxecções, só arquivo dados duranlium ano."

A ARTE DE SIMPLIFICARMudar custa, mas basta dar o primeiropasso. Foi assim com a francesa Bea

Johnson, fundadora do movimento Des-perdício Zero, nos EUA, que se lornouvirai l ; oi assim com Fátima Teixeira, queainda não tinha 30 anos quando percebeu

que, por mais que se organizasse, nãolinha tempo c andava sempre cansada.

A professora de piano vendeu os teclados,o carro, reuniu o que era essencial numamala com 28 quilos e uma bagagem demão e rumou ao Canadá "Lá, os alimen-tos eram vendidos a granel, as pessoasdeslocavam-se de bicicleta e não haviaa febre do lelemóvel, da televisão e domicro-ondas " Pouco depois, já no Brasil,terra natal do marido, a autora do blo

que Músieu com Café conheceu pessoascom ideais similares. O asai vive agorano Algarve com a filha de dois anos, e

Fátima orgulha-se da publicação digitalbimestral que fundou, a Manter ofSim-plicity Magazine (em inglês e português),eda comunidade a página de FacebookMinimalismo e Vida Simples tem 6 114

membros.Fátima só vai a grandes superfícies

se precisar de comprar algo muito es

pceiTico. Em casa, o que não c usado,incluindo brinquedos, segue para íicaixa de doações e trocas, e adota se

a lógica do "armário-cápsula" (termocriado pela estilista Susic Faux, nos anos

1970, que reduzia ao mínimo peças devestuário e calçado). O lema é "ser ca

paz de dizer não ao que eslá a mais nanossa vida e torná-la mais consciente,intencional e com significado". Destralhar. Há até um bestseller sobre isso.Em Arrume a Sua Casa, Arrume a Sua

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( > irqiiuew'^' JSgaßgßßfiß^Winteressou piojH^^J^^^ffll^^H^^Mcom pou€oi> e -^jTJw^^fflwHde aeões", apli Í^TjL^SSBsS^S^Hpara a es.sçncí. ' '-ST^^^^^^Hgastronomia e ¦¦ *^Ç|!s?|s3J|mser asceta mas ¦ > '^P^^^^^Bdade c bom-.s \ ¦_¦_¦(^í^E3Bnum fiiton sol m Mi.mlTWgH|cama |apoiles.i i|.i lAj^J^^yidênllcas, quat li ¦ 'i J^^^^^ydesfaço da col< •i ¦I ''' :±^*SSo meu móvel, mil n ¦"¦ !^2^^^mgama. pelo mt« I li 1 " .. '^"f^Yjß^Ocomprou no ci n I' •¦^^Êj«2hÍíshMuma antiga am i ¦•;, '«^ffa^nSßßlum bonsai '' H " ~

0 bê-á-bá para viver melhor commenos e sem dependências

Identifique o que tem mesmo

significado para si e para quem o rodeiae tome decisões em função disso

Aplicável a todas as áreas da vida: bense serviços, relacionamentos, hábitos.

uso do tempo e outros recursos

VIVER INTENCIONALMENTE

Desfrute das coisas e das pessoasque escolheu ter e manter na sua vida

e aperfeiçoe essa arte