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Revista Eletrônica CJA, Ano 01, Edição 01 (2017)

“Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê. ”

Monteiro Lobato

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Revista Eletrônica CJA, Ano 01, Edição 01 (2017)

ÍNDICE

✓ PREFÁCIO 5

✓ A DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS EM JUÍZO: procedimento para

liquidação individual de sentença coletiva – caso “TELEXFREE”

Charles Augusto Pires Gonçalves

Cícero de Oliveira Sabino

6

✓ A IMPOSSIBILIDADE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ –

PRATICAR CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO

Francisco Thiego Pereira de Sousa

32

✓ AMIANTO: A FIBRA QUE PETRIFICA PULMÕES

Matheus Costa Sarkis

Danilo Scramin Alves

44

✓ AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: A Aplicabilidade e Eficácia da Audiência de

Custódia no Poder Judiciário Acreano

Marcos Paulo Pereira Gomes

Maviane Oliveira Andrade

61

✓ DA APLICAÇÃO DA CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS PREVISTA NO ARTIGO

219 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO PROCEDIMEN-TO DOS

JUIZADOS ESPECIAIS

Paulo Jorge Silva Santos

79

✓ FISCALIZAÇÃO E GESTÃO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS: UMA

PERSPECTIVA À LUZ DO DIREITO DA SOCIEDADE DE EFICIÊNCIA E

BOA GESTÃO

Nick Andrew Pereira Ugalde

93

✓ HISTÓRIA DA PENA E TEORIAS SOBRE SUA FINALIDADE

Wellen Candido Lopes

Renato Oliveira Santana

102

✓ O PRINCÍPIO DA LAICIDADE E AS IMPLICAÇÕES DA INFLUÊNCIA

RELIGIOSA NO PROCESSO LEGISLATIVO FEDERAL: uma análise

jurídico-sociológica

Nick Smaylle da Luz Moreira

111

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✓ O USO DE CONTEÚDOS DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE PROVA

NO PROCESSO CIVIL

Weima Kedila de Souza Barbosa

125

✓ TELEOLOGIA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Celso Cosme Salgado 134

✓ TRÁFICO DE PESSOAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: uma análise à luz

da obra “alucinado som de tuba”

Alzirene Diógenes Saldanha

Fábio Fabrício Pereira da Silva

Glenda Pinto da Silva

144

✓ UM PARALELO ENTRE DIREITO E JUSTIÇA

Antonio Átila Silva da Cruz 159

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Revista Eletrônica CJA, Ano 01, Edição 01 (2017)

PREFÁCIO

A Advocacia Acreana conta com mais um espaço de letras – a Primeira Revista

Eletrônica da Comissão da Jovem Advocacia em conjunto com a Subcomissão do

Estudante de Direito e apoio da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Acre

– OAB/AC, que estreia com textos de estudantes, professores, Advogados e outros

operadores do Direito, os quais nos emprestarão a sua visão a respeito dos

panoramas políticos e sociais do nosso país e todo o ordenamento jurídico e suas

vicissitudes.

Esperamos apresentar artigos relevantes aos discentes e profissionais do Direito,

contribuir com a disseminação de conhecimento, com o despertar e

desenvolvimento do senso crítico e, sobretudo, gerar inconformismo diante das

injustiças e ilegalidades – sintomas de uma moral claudicante que, infelizmente,

contamina historicamente o Brasil.

A Primeira Revista Eletrônica da Ordem dos Advogados do Brasil– OAB/AC

resulta do voluntário empenho, zeloso e dedicado dos pares da Comissão da

Jovem Advocacia da OAB/AC, da Subcomissão do Estudante de Direito e do

Conselho Editorial e Científico, o qual contribuiu de forma significativa para seu

desenvolvimento.

Carpe legere.

Marília Gabriela Medeiros de Oliveira é advogada, inscrita na OAB/AC sob o n.

3.615 e atual presidente da Comissão da Jovem Advocacia da OAB/AC.

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A DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS EM JUÍZO: procedimento para liquidação individual de sentença coletiva – caso “TELEXFREE”

Charles Augusto Pires Gonçalves1

Cícero de Oliveira Sabino2

RESUMO Este estudo versa sobre a defesa dos interesses dos indivíduos por meio da propositura da ação coletiva ou ação civil pública. O objetivo é demonstrar quais os procedimentos para liquidação individual de sentença coletiva no “caso Telexfree”, objeto de estudo de caso deste trabalho, no qual se discute a legitimidade ativa e a competência jurisdicional que envolve essa sentença coletiva. Inicialmente fez-se um relato de fatos históricos pontuando o exato momento em que surgiu a necessidade de regularizar normas que garantissem aos consumidores lesados ter seus direitos reconhecidos, ressaltando os efeitos causados pela exploração da evolução industrial e tecnológica. Na sequência, abordou-se o início da aplicação dos direitos do consumidor no Brasil com o antigo Código Civil de 1916 e o surgimento de novas leis hoje em vigor. Para dar ênfase e maior compreensão ao estudo, alguns conceitos importantes foram pontuados, a fim de mostrar com exatidão os passos necessários à elucidação do caso concreto de uma ação civil pública que envolve a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos em ampla escala, o “caso Telexfree”.

Palavras-chaves: Interesses difusos. Revolução Industrial e tecnológica. Ação civil pública. Telexfree.

1 Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Acre – UFAC; Graduado em Serviço Social pela Fundação Universidade do Tocantins – UNITINS; Especialista em Gestão Pública com ênfase em Controle Externo,

pela Faculdade Internacional de Curitiba – UNINTER; Especialista em Direito Processual pela Universidade Paulista – UNIP; Graduando em Direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental – FAAO; E-mail: [email protected] 2

Graduado em Matemática Pela Universidade Federal do Acre – UFAC; Graduado em Direito Pela Universidade

Federal do Acre - UFAC; Especialista em Administração Pública pelas Faculdades Integradas Rio Branco (FIRB); Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Cândido Mendes (UCAM); Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Especialista em Criptografia de Segurança em Redes pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Analista do Ministério Público Federal no Estado do Acre; Professor Titular e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade da Amazônia Ocidental – FAAO; Professor Adjunto do Curso de Direito da UFAC; E-mail: [email protected]

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ABSTRACT This study deals with the defense of the interests of individuals through the filing of collective action or public civil action. The objective is to demonstrate the procedures for individual settlement of collective judgment in the "Telexfree case", the object of a case study of this work, in which the active legitimacy and the jurisdictional jurisdiction involved in this collective judgment are discussed. Initially, an account was made of historical facts, pointing out the exact moment when the need arose to regulate norms that would guarantee the injured consumers to have their rights recognized, highlighting the effects caused by the exploitation of industrial and technological evolution. Following, the beginning of the application of consumer rights in Brazil with the old Civil Code of 1916 and the emergence of new laws in force. In order to give emphasis and greater understanding to the study, some important concepts were punctuated in order to accurately show the steps necessary to elucidate the concrete case of a public civil action involving the defense of diffuse, collective and homogeneous individual interests on a large scale, The "Telexfree" case.

Key-words: Fuzzy interests. Industrial and technological revolution. Public civil action. Telexfree.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho se configurará em realizar um estudo capaz de dirimir as

dúvidas existentes no tocante aos interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos, a fim de possibilitar a correta aplicação do processo que abrange o

direito coletivo, de forma clara e eficiente.

Dada a importância do tema, a intenção será enriquecer a pesquisa acadêmica,

bem como fornecer subsídios aos interessados na Ação Civil Pública nº

0800224-44.2013.8.01.0001, objeto do estudo de caso em questão, como

advogados, comunidade acadêmica do Curso de Direito e a população em geral, tendo

em vista a observância do desconhecimento de grande parte de advogados de todo

o país no tocante aos procedimentos da legislação pertinente.

Para isso, faremos um breve relato histórico da evolução da tutela dos

interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos apresentando sua evolução

histórica e destacando os fatos mais relevantes ocorridos após a Revolução Industrial,

e no advento da Revolução Tecnológica do Pós-Segunda Guerra Mundial que

contribuíram com essas mudanças.

Também evidenciará a legitimidade para a propositura da ação específica na

operacionalidade do direito difuso, coletivo e individual homogêneo em juízo, com

ênfase a quem possui legalmente a legitimidade de postular em juízo em prol da

coletividade e quando isso é possível, qual o juízo competente para processar e

julgar a tutela de tal direito, entre outros fatos de igual relevância para a

compreensão deste estudo.

Convém mencionar, que este trabalho, visa contribuir no entendimento dos

procedimentos que serão adotados na fase de liquidação individual da sentença do

caso “Telexfree”, objeto do estudo de caso desta pesquisa.

Encerra-se com uma análise da temática em foco, em que serão

apresentadas as proposições capazes de direcionar estudos futuros sobre o tema.

1 INTERESSES COLETIVOS, DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Neste item far-se-á um breve histórico da evolução da tutela dos interesses

coletivos, difusos e individuais homogêneos, apresentando conceitos básicos, além de

sua caracterização, a fim de facilitar a identificação quando se tratar de tutelar um

direito difuso, coletivo, stricto sensu ou individual homogêneo.

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1.1 HISTÓRICO DA DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS NO BRASIL

Com a mudança no modo de produção ocorrido com a Revolução Industrial,

na Europa, no século XVIII, a população, que antes habitava a zona rural, passa a

migrar para os grandes centros urbanos, provocando grande concentração

populacional, gerando, assim uma alta demanda por produtos, bens e serviços, e, com

isso, modifica a relação comercial entre consumidor e fornecer.

Essa relação comercial entre os consumidores, antes caracterizada pela

bilateralidade, na qual um fornecia a matéria prima e a outro fabricava o produto, passa

a ser unilateral, em que o detentor dos meios de produção passa a ditar as regras

dessa nova relação de consumo. Destaca Nunes (2012, p. 43):

[...] Com o crescimento populacional nas metrópoles, que gerava aumento de demanda e, portanto, uma possibilidade de aumento da oferta, a indústria em geral passou a querer produzir mais, para vender para mais pessoas (o que era e é legítimo). Passou-se então a pensar num modelo capaz de entregar, para um maior número de pessoas, mais produtos e mais serviços. Para isso, criou-se a chamada produção em série, a “standartização” da produção, a homogeneização da produção.

Outro fato marcante foi o surgimento dos avanços tecnológicos advindos da

Revolução Tecnológica do Pós-Segunda Guerra Mundial, que modernizou com

maquinário o sistema de produção industrial a fim de produzir em grande escala e

atender as novas e crescentes demandas desse novo modelo de sociedade.

Os vícios e defeitos dos produtos e serviços oriundos da fervente produção

em escala da época passa a incentivar essa nova sociedade de consumo a se

mobilizar e a reclamar sobre os produtos e serviços viciados ou defeituosos, dando

origem aos vários movimentos sociais que passaram a pressionar os legisladores

exigindo novos direitos sociais nos diversos setores.

A esse respeito destaca Bolzan (2014, p. 27):

Se vícios e defeitos começaram a se tornar recorrentes no novo modelo de sociedade apresentado, cumpre destacar inicialmente que o direito da época não estava “apto” a proteger a parte mais fraca da relação jurídica de consumo, pois, no Brasil, por exemplo, a legislação aplicável na ocasião era o Código Civil de 1916, que foi elaborado para disciplinar relações individualizadas, e não para tutelar aquelas oriundas da demanda coletiva, como ocorre nas relações consumeristas.

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A configuração processual existente à época não era mais capaz de dar

resposta satisfatória a esse novo tipo de litígio, uma vez que inexistia a identificação

dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, além da necessidade de se

definir quem seria o detentor desses direitos com poderes para regulamentá-los, a

fim de garantir a possibilidade de sua defesa judicialmente.

A preocupação com a defesa dos direitos coletivos, latu sensu, faz surgir em

1965 a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), permitindo ao cidadão do direito

coletivo uma tutela em juízo para obter especificamente a invalidação de atos ou

contratos administrativos ilegais que causassem prejuízos ao patrimônio púbico.

Alguns anos depois, em 1973, surge o Código de Processo Civil, no entanto

não trouxe em seu bojo nenhum artigo que fizesse referência em prol dos direitos

coletivos, centrado tão somente para tutelar lides intersubjetivas.

O interesse em defender direitos coletivos ganhou maiores proporções

quando na década de 1980, precisamente em 1985, foi criada a Lei nº 7.347 (Lei da

Ação Civil Pública) cuja competência foi ampliada com a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, que então passou a cuidar da proteção dos interesses

difusos e coletivos. Nesse mesmo viés, já na década de 90, surge o Código de Defesa

do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), apresentando, de forma cristalina, conceitos

diferenciativos sobre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, que trouxe,

sobretudo, o esclarecimento sobre as tutelas específicas para solucionar problemas

antes sem amparo legal.

1.2 CATEGORIAS NORTEADORAS DE INTERESSES

Os interesses são categorizados como interesse público e, embora não tenha

um consenso na doutrina sobre sua definição, se subdivide em interesse público

primário e interesse público secundário, e interesse privado.

1.2.1 Interesse público e interesse privado

A denominação interesse púbico é utilizada atualmente para atingir o

interesse da coletividade em seu todo, sendo basilar em todas as funções do estado,

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cabendo-lhe promover os interesses da sociedade; por essa razão é fundamental

nos demais ramos do direito público.

No âmbito do direito público o estado é o titular do interesse, enquanto no direito

privado o titular do direito é o indivíduo.

1.2.2 Considerações sobre os direitos transindividuais e metaindividuais

A transindividualidade é um direito que transcende o indivíduo, mas importa à

coletividade; é um interesse situado numa posição intermediária entre o interesse

público e o privado.

Conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor, os direitos

metaindividuais ou coletivos são gêneros, e as espécies são os direitos difusos, os

coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos.

1.3 DELINEAMENTOS CONCEITUAIS ACERCA DOS INTERESSES DIFUSOS,

COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.

Segundo a doutrina tradicional, os interesses são público e privado. Público,

quando o relacionamento é entre o indivíduo e o Estado; privado é quando o

relacionamento ocorre entre os próprios indivíduos. O interesse público subdivide-se

em público primário, bem geral coletivo o interesse social como um todo; e público

secundário é a forma como os órgãos da administração veem o interesse público, mas

nem sempre fazem o que é o melhor para a sociedade ou coletividade.

Assim, nesse sentido, a diferenciação entre esses direitos se dá pela

transindividualidade, obedecendo alguns aspectos peculiares, cuja finalidade precípua

é a busca do bem comum, quando os direitos individual ou coletivo verem- se

ameaçados ou lesionados.

1.3.1 Direitos difusos

Os direitos são difusos, necessariamente, por serem usufruídos por pessoas

indeterminadas, por essa razão é que são considerados materialmente coletivos.

Ressalte-se que embora beneficiem um número indeterminado de pessoas, não

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quer dizer que se trata da união de várias pretensões individuais num único

processo.

Estabelece o artigo 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do

Consumidor, que os direitos difusos estão baseados na indivisibilidade, cujos

titulares são pessoas indeterminadas, contudo ligadas por uma mesma circunstância

de fato.

1.3.2 Direitos coletivos

São aqueles cujos titulares, também são pessoas indeterminadas, mas

podendo ser determináveis.

A definição legal está consagrada no artigo 81, inciso II, do Código de Defesa

do Consumidor e destaca-se por apresentar as mesmas características dos direitos

difusos, ou seja, os direitos coletivos são transindividuais e indivisível, contudo, quanto

aos sujeitos nos direitos coletivos são determinados ou determináveis e, ainda, ligam-

se entre si por uma relação jurídica base, ou seja, preexistente à lesão do direito do

grupo, categoria ou classe de pessoas.

Em que pese à semelhança existente entre os dois direitos, destacam-se a

determinação dos sujeitos e da relação jurídica que os une, as duas categorias de

direitos transindividuais têm um paralelo que as diferencia; nos direitos coletivos existe

a determinabilidade dos sujeitos titulares, seja na existência de relação jurídica

básica que os une ou por meio de vínculo jurídico estabelecido com a outra parte.

1.3.3 Direitos individuais homogêneos

É uma espécie de direitos coletivos latu sensu que apresenta como principal

característica, como o próprio nome diz, a individualidade. O Código de Defesa do

Consumidor, artigo 81, inciso III, o define legalmente como aqueles decorrentes de

origem comum. Diverso dos outros direitos já citados, o direito individual homogêneo

se estabelece na esfera individual e é nesse sentido que nas ações coletivas

compreendendo direito individual homogêneo os sujeitos são determináveis e também

representados pelos legitimados ativos de que trata o artigo 82, do Código de Defesa

do Consumidor.

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O que o torna ser de interesse público é a abrangência generalizada

alcançada pelo dano, sendo fundamentado com isso a sua homogeneidade.

Os direitos individuais homogêneos tal como os direitos difusos originam-se

de circunstâncias de fato comum, entretanto no segundo os titulares são

indetermináveis e o objeto do direito é indivisível; já os titulares dos direitos

individuais homogêneos são determinados ou determináveis, cujo objeto do

interesse é divisível.

2 LEGITIMIDADE ATIVA E COMPETÊNCIA JURISDICIONAL PARA DEFESA EM

JUÍZO DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS

Neste tópico será discorrido sobre quem possui a legitimidade para a

propositura de ação coletiva visando tutelar a defesa dos interesses difusos,

coletivos e individual homogêneo e qual órgão detém competência para processar e

julgar essa ação.

2.1 CONCEITOS DE LEGITIMIDADE ATIVA E COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

DOS DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Buscar direitos é uma missão inerente a qualquer pessoa ou cidadão, porém

essa busca exige uma característica peculiar importante, a legalidade que consiste em

saber quem é esse sujeito ativo que pode ir a juízo em nome de outrem buscar um

direito beneficiário em um grupo de pessoas que podem ser determinável ou

indeterminável.

A tutela jurisdicional consiste na proteção prestada pelo estado, quando

provocado através de um processo judicial para promover a aplicação da norma a

um direito lesado ou ameaçado de lesão.

2.1.1 Legitimidade ativa

O diploma preliminar que buscou defender direitos coletivos em sentido lato

foi a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), seguida da Ação Civil Pública (Lei nº

7.347/1985) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Para

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ingressar com ação na justiça é preciso, além do interesse, ser parte legítima para

postular o direito. Dessa forma, para facilitar e possibilitar a aproximação com a justiça

foi que os legisladores, visando à proteção dos interesses transindividuais, imputaram

legitimidade a algumas pessoas ou entes para propor ação coletiva.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe em seu

conteúdo inovações na tutela de direitos transindividuais, com a evidência do mandado

de segurança coletivo, previsto no artigo 5º, inciso LXX; mandado de injunção, artigo

5º, inciso LXXI. Outro destaque constitucional foi a ampliação do alcance da ação

popular, como consta no artigo 5º, inciso LXXIII e, ainda, a concretização

constitucional da ação civil pública contida no artigo 129, inciso III.

O Código de Defesa do Consumidor merece notoriedade quando inclui

literalmente os denominados direitos individuais homogêneos, que na verdade

apesar de carregarem a denominação “individual” trazem a complementação

“homogêneo” que importa na defesa do coletivo por traduzir interesse social.

2.2 COMPETÊNCIA JURISDICIONAL NA TUTELA COLETIVA

Para propor uma ação coletiva, cuja finalidade é a defesa dos direitos

individuais homogêneos, de forma a proteger o consumidor, a lei estabeleceu regras

especiais de competência ao ingresso de ações civis públicas e coletivas, por isso é

importante a definição do juízo competente para presidir o julgamento, cujo escopo é

trazer facilidade à defesa dos interesses transindividuais em juízo.

De acordo com o que prevê o artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor

(Brasil, 2016), eis a definição legal:

Art. 93 - Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Ao definir a competência na hipótese de ação coletiva para a defesa de

interesses individuais homogêneos, aplica-se, por extensão analógica, a tutela dos

interesses que envolvem direitos coletivos e difusos. Ao se referir a direito do

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consumidor deve-se levar em consideração a natureza jurídica do fornecedor, bem

como a extensão do dano.

Quando versa sobre direito pessoal, de acordo com o artigo 46 do Código de

Processo Civil de 2015, a regra é ajuizar ação no domicílio do réu; trata-se, portanto,

de competência relativa. Em contrapartida, quando se referir a ações coletivas, a regra

de competência do foro é do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano; nesse

caso a competência é absoluta, entretanto, ambas adotam o critério territorial.

2.2.1 Competência absoluta

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência afirmam que a competência no

âmbito da tutela coletiva é absoluta. É certo que, em se tratando de competência da

Justiça e de juízo no caso concreto, a natureza sempre será absoluta, pois a

competência é improrrogável e inderrogável. Assim como a competência do foro

(Justiça Estadual ou seção judiciária na Justiça Federal) é absoluta quando se tratar

de tutela coletiva, essas competências estão reguladas no artigo 93, do Código de

Defesa do Consumidor e no artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública, diferentemente do

que ocorre nas ações de tutela individual.

A respeito do tema Mazzilli (2015, p. 307-308), tem o seguinte entendimento:

Na defesa dos interesses transindividuais indivisíveis (difusos ou coletivos), a competência é estabelecida, de forma absoluta, em razão do local do dano. Por força de opção expressa da lei, no caso a competência será funcional e, por isso, absoluta.

A competência de natureza absoluta não admite a eleição de foro ou

derrogação quando não apresentada exceção declinatória.

2.2.2 Competência funcional ou territorial?

Quando se trata de defender interesses transindividuais indivisíveis (direitos

difusos ou coletivos), conforme expresso no artigo 2º, da Lei da Ação Civil Pública a

competência é absoluta funcional em razão do lugar do dano. Contudo, é possível

observar que a opção em favor do local do dano é uma exceção ao princípio geral

da competência de propositura da ação no foro do domicílio do réu ou do local do

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ato ou fato, de acordo, respectivamente, com os artigos 46 e 53, inciso IV, ambos,

do Código de Processo Civil de 2015.

Assevera Mazzilli (2015, p. 308):

Na defesa de interesses transindividuais divisíveis de âmbito local (interesses individuais homogêneos), a competência será determinada em razão do foro do local do dano, ressalvada expressamente a competência da Justiça Federal. [...]

Na defesa dos direitos individuais homogêneos, no caso de danos regionais

ou nacionais, deve-se propor a ação na capital do estado ou, alternativamente, no

Distrito Federal, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil, nos casos de

competência concorrente, respeitando a competência especializada das Justiças

Eleitoral, do Trabalho e Federal, ressalvada melhor interpretação.

A competência territorial é o critério que define a competência, em razão do

lugar adotado pela doutrina dominante, pois fixa como uma determinada demanda e

deve ser conduzida até o julgamento final. Em regra, é relativa e derrogável pela

vontade das partes.

2.2.3 Competência absoluta do foro

O artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública capitula que a competência é

absoluta, e não relativa; as ações civis públicas são de natureza funcional e não

territorial; a competência para a propositura da ação é do foro do local do dano. A

competência de foro em matéria de interesses transindividuais de direitos difusos e

coletivos é do local onde ocorreu o dano.

A Competência em matéria de interesses transindividuais de direitos

individuais homogêneos está capitulada no artigo 93, do Código de Defesa do

Consumidor, que estabelece regras especiais como o foro da capital do estado do

País, nos casos de ocorrência de danos regionais ou nacionais. A competência do foro

é informada por um critério geral ou comum que é o domicílio do réu, assim, temos

que a competência em razão do território é relativa.

O dispositivo consumerista prevê a competência para ações que buscam a

tutela preventiva, porém para fixar a competência, toma como base o dano já que

sua disciplina aplica-se também à tutela jurisdicional de direito coletivos e difusos.

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Contudo, o referido dispositivo legal deve ser interpretado em conjunto com o artigo

2º da Lei da Ação Civil Pública para se concluir pela abrangência da competência de

todos os direitos coletivos.

Por fim, importante destacar que o dispositivo consumerista vigente, artigo 93,

do Código de Defesa do Consumidor, é omisso quando deixa de conceituar as

diferentes abrangências de dano mencionadas em seu bojo, de forma a dificultar a

distinção entre danos de maior ou menor abrangência. Por essa razão que o referido

dispositivo deve ser interpretado em consonância com o artigo 2º da Lei da Ação

Civil Pública.

3 PROCEDIMENTO PARA LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA

- CASO “TELEXFREE”

Neste item serão apresentados o conceito e as espécies de liquidação de

sentença, quem são os legitimados a ingressar com os pedidos em juízo e quem

detém a competência jurisdicional para processar e julgar tais pedidos.

3.1 LEGITIMIDADE ATIVA

As regras acerca da legitimidade para a liquidação e cumprimento individual

de sentença proferida em ação coletiva, estão estabelecidas no artigo 97, caput, do

Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) (Brasil 2016), bem como no

artigo 509, do CPC, que assim prescrevem:

Art. 97 - A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

Art. 509 - Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor.

3.2 LEGITIMIDADE JURISDICIONAL

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Nos termos do que assevera o disposto no artigo 98, § 2º, inciso I, do Código

de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) (Brasil, 2016), quando versar sobre

direitos difusos e coletivos, será competente para o processamento e julgamento de

pedido de liquidação de sentença o juízo da ação condenatória.

Atualmente não há nenhum dispositivo legal na legislação processual coletiva

que discipline a competência para a liquidação individual de sentença decorrente de

julgamento de ação coletiva. A doutrina tem entendido que a liquidação individual de

sentença coletiva será ajuizada no foro do domicílio do interessado. A esse respeito

Mazzilli (2015, p. 632), destaca que “a liquidação da sentença, se promovida em

processo individual, será ajuizada no foro do domicílio do liquidante”.

Sobre essa questão o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o

entendimento de que o mesmo raciocínio que norteia a interpretação da regra de

competência para o cumprimento individual de sentença coletiva deve ser adotado,

para as liquidações individuais desse título judicial.

3.3 LIQUIDAÇÃO

Procedimento incidental que sucede ao processo de conhecimento cabível

quando a sentença proferida na ação civil pública ou coletiva não determina o valor

devido, ou quando houver a necessidade do lesado/vítima alegar e provar fato novo.

A liquidação é aplicada nas ações civis públicas ou coletivas sob a égide das regras

expressas no Código de Defesa do Consumidor e, supletivamente, as regras do

Código de Processo Civil.

A propositura da liquidação dar-se-á por requerimento da vítima e seus

sucessores, bem como pelos legitimados previstos no artigo 82, do Código de

Defesa do Consumidor e, ainda, pelo próprio devedor, conforme previsão do artigo

509, caput, do Código de Processo Civil de 2015.

3.3.1 Conceito de liquidação

Quando uma sentença é ilíquida é preciso definir o objeto da condenação

para permitir que a demanda seja executada, então surge a necessidade de aplicar

o procedimento de liquidação da sentença para determinar com exatidão o valor a

ser executado para a satisfação do direito.

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A liquidação de sentença é uma ação de conhecimento cuja proposição é

cabível para apurar o quantum debeatur a obrigação, portanto, toda vez que uma

sentença for ilíquida é cabível a proposição de uma ação de liquidação de sentença.

3.3.2 Espécies de liquidação

Para toda e qualquer sentença que condenar ao pagamento de quantia ilíquida,

caberá ao credor ou devedor propor a liquidação. Os incisos I e II do artigo

509 do Código de Processo Civil de 2015 preveem apenas dois tipos de liquidação:

por arbitramento e pelo procedimento comum.

3.3.2.1 Liquidação por arbitramento

O artigo 509, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015 conservou a

modalidade de liquidação por arbitramento prevista no artigo 475-C, do Código de

Processo Civil de 1973 a qual se dá nos casos convencionado pelas partes ou quando

a natureza do objeto exigir. É utilizada para definir a apuração do quantum da

condenação.

Por ser uma modalidade que determina na sentença o convencionado pelas

partes, não é muito comum ser usada, mas ocorrendo, carece de sujeição do

controle pelo juiz, pois só é permitida se houver o convencimento conjunto das

partes e se ficar claro que será adequado para o fiel cumprimento da obrigação judicial

pendente de finalizar.

3.3.2.2 Liquidação pelo procedimento comum

De acordo com o inciso II, do artigo 509, do Código de Processo Civil de

2015, outra modalidade de liquidação de sentença é pelo procedimento comum,

quando houver necessidade de alegar e provar fato novo.

Como na liquidação não se discute novamente a lide, a sentença que a julgou

não sofre mudança. À vista disso, vale ressaltar que de acordo com o parágrafo

único do artigo 1.015, do Código de Processo Civil de 2015, da decisão que julgar a

liquidação de sentença caberá agravo de instrumento.

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3.4 ESTUDO DE CASO – CASO “TELEXFREE”

O caso, objeto deste estudo, denominado CASO “TELEXFREE”, trata-se da

Ação Civil Pública nº 0800224-44.2013.8.01.0001, perante a Segunda Vara Cível da

Comarca de Rio Branco, Estado do Acre, cujo processo é digital e atualmente

contém mais de vinte e cinco mil páginas, além de diversas mídias digitais com

dezenas de gigabits de documentos que a integram, denominado CASO

“TELEXFREE”.

Trata-se de um processo que tramita em segredo de justiça, face alguns

documentos dos autos estarem acobertados pelo sigilo judicial, não sendo permitido

seu acesso durante a realização deste estudo de caso.

Esta ação foi proposta pelo Ministério Público do Estado do Acre, em desfavor

da empresa Ympactus Comercial Ltda. e seus sócios Carlos Roberto Costa, Carlos

Nataniel Wanzeler e James Mathew Merril, distribuída à Segunda Vara Cível da

Comarca de Rio Branco, Estado do Acre, em 28 de junho de 2013, com o objetivo

de tutelar interesses de divulgadores/consumidores/investidores da Telexfree, sob a

alegação de que a atividade desenvolvida por essa empresa era uma gigantesca

pirâmide financeira disfarçada de “marketing multinível”, atividade que é proibida

pela legislação brasileira e pode ter afetado mais de um milhão de pessoas em todo

o país.

O processo iniciou sua tramitação com base nas regras do Código de Processo

Civil de 1973; sob essa sistemática as partes foram citadas e apresentaram

contestação, juntaram documentos e requereram a produção de provas periciais,

as quais foram produzidas e, após as alegações finais, foi prolatada sentença que

julgou parcialmente procedente os pedidos formulados pelo Ministério Público do

Estado do Acre.

3.4.1 Título a ser liquidado

O título judicial a ser liquidado individualmente consiste na sentença genérica

coletiva que confirmou integralmente as medidas acautelatórias determinadas na

sentença proferida nos autos da Ação Cautelar Inominada nº 0005669-

76.2013.8.01.0001 e julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo

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Ministério Público do Estado do Acre, na Ação Civil Pública nº 0800224-

44.2013.8.01.0001.

Além de outras condenações a empresa ré e seus sócios foram condenados

a devolver a todos o Partners e aos divulgadores AdCentral e AdCentral Family os

valores recebidos a título de fundo de caução e retornável.

Contra a sentença foram interpostos recursos de apelação por ambas as partes,

os quais foram recebidos apenas em seu efeito devolutivo. Atualmente a Ação

Civil Pública encontra-se no Egrégio Tribunal de Justiça do Estado Acre aguardando

julgamento.

3.4.2 Da liquidação individual da sentença coletiva do caso “Telexfree”

Em que pese a sentença ter sido prolatada em 16 de setembro de 2015, quando

ainda estava em vigência o Código de Processo Civil de 1973, sua liquidação

dar-se à luz do que estabelece o Código de Processo Civil de 2015, que entrou em

vigor a partir do dia 18 de março de 2016.

Como a sentença condenou ao pagamento de quantia ilíquida, há

necessidade de proceder a sua liquidação individual para conhecer o quantum

debeatur, o que se dará por meio de autos autônomos, em que os

interessados/lesados, terão que alegar e provar o seu vínculo com a empresa ré e

qual o crédito a ser restituído.

A esse respeito estabelece o artigo 509, do Código de Processo Civil de 2015

(Brasil, 2016), que:

Art. 509 - Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor: [...] II - pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo. [...].

Por outro lado, a própria sentença, mais especificamente no item “B.8”, da parte

dispositiva, estabeleceu como deverão ser apurados os valores ilíquidos determinados

nos itens B1, B2, B3, B4, B5, B6 e B7, a serem restituídos aos investidores.

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Dessa forma, os credores/inves-tidores terão que requerer e provar fato novo,

ou seja, deverão demonstrar a existência da sua relação jurídica com a empresa ré,

apresentar o montante a ser restituído e a que título. Esses fatos só podem dizer

respeito ao quantum e a nada mais. Dessa forma a liquidação individual se dará pelo

procedimento comum conforme previsto no inciso II, 509, do Código de Processo

Civil de 2015.

No que se refere ao processamento da liquidação individual, este se dará em

observância ao que prescreve o artigo 511, do Código de Processo Civil de 2015

(Brasil, 2016), a seguir destacado:

Art. 511 - Na liquidação pelo procedimento comum, o juiz determinará a intimação do requerido, na pessoa de seu advogado ou da sociedade de advogados a que estiver vinculado, para, querendo, apresentar contestação no prazo de 15 (quinze) dias, observando-se, a seguir, no que couber, o disposto no Livro I da Parte Especial deste Código.

Esse dispositivo legal estabelece os procedimentos de como se

desenvolverão os pedidos individuais de liquidação, ou seja, obedecendo ao rito do

procedimento comum do Código de Processo Civil de 2015.

Tendo em vista tratar-se de sentença genérica em ação coletiva, sobre a qual

pende recurso, a liquidação individual poderá ser proposta de forma provisória por

cada interessado, em autos apartados, conforme preceitua o artigo 512, do Código

de Processo Civil de 2015.

3.4.3 Legitimidade ativa para propor liquidação de sentença individual

Em se tratando de liquidação individual de sentença genérica coletiva em

ação civil pública, a legitimidade ativa para ingressar com os pedidos de liquidação

está prevista no artigo 97, do Código de Defesa do Consumidor, conforme já

mencionado no item 3.1.

Por sua vez, o Código de Processo Civil de 2015 (Brasil, 2016), em seu artigo

509, caput, estabelece que:

Art. 509 - Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor.

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3.4.4 Competência jurisdicional para processar e julgar liquidação individual

Atualmente não há nenhum dispositivo legal na legislação processual coletiva

que discipline a competência para a liquidação individual de sentença decorrente de

julgamento de ação coletiva. A doutrina tem entendido que a liquidação individual de

sentença coletiva será ajuizada no foro do domicílio do interessado. A esse respeito

Mazzilli (2015, p. 632), destaca que “a liquidação da sentença, se promovida em

processo individual, será ajuizada no foro do domicílio do liquidante”.

Por se tratar de sentença genérica proferida em ação coletiva, a competência

jurisdicional é estabelecida pelo artigo 98, do Código de Defesa do Consumidor,

aplicável genericamente a todas as ações coletivas.

Entretanto, essa redação, por ser demais aberta, deu margem para uma

dupla interpretação a respeito de qual Unidade Judiciária seria competente para

processar e julgar os pedidos de liquidação individual de sentença coletiva.

Com o objetivo de pacificar a grande controvérsia, o Superior Tribunal de

Justiça proferiu inúmeros julgados, delimitando que inexiste prevenção ou

competência funcional do juízo prolator da sentença coletiva para o processamento

das liquidações e execuções individuais.

Na parte dispositiva, em seu item “B 8”, da sentença da Ação Civil Pública nº

0800224-44.2013.801.0001, a Juíza definiu que a liquidação poderia ser requerida

individualmente pelos interessados, no próprio foro do seu domicílio.

Ao apreciar os pedidos de liquidação individual de sentença distribuídos por

dependência à Ação Civil Pública, o juízo de direito da Segunda Vara Cível da

Comarca de Rio Branco - Acre, reconheceu, ex officio, a sua incompetência para

apreciar as demandas, alegando não haver prevenção e determinou a devolução de

tais pedidos ao distribuidor, para que fossem redistribuídos por sorteio entre as cinco

vara cíveis genéricas da comarca de Rio Branco.

No entanto, ao receber essas liquidações individuais de sentença, redistribuídas

livremente por sorteio, o magistrado da Terceira Vara Cível genérica desta cidade se

insurgiu, suscitando conflito negativo de competência, alegando, em síntese, que o

juízo da Segunda Vara Cível estava prevento em relação aos juízos do mesmo foro

e comarca de Rio Branco, Acre.

Chamado a dirimir essa controvérsia, o Tribunal de Justiça do Estado do

Acre, por meio de suas duas Câmaras Cíveis, proferiu inúmeras decisões, e em

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todos os casos decidiu, por unanimidade, que é competente para processar e julgar

as liquidações individuais de sentença decorrentes da ação civil pública coletiva nº

0800224.44.2013.8.01.0001, o juízo a quem o pedido de liquidação for livremente

distribuído por sorteio.

Assim, por todo o exposto, chega-se à compreensão de que o foro

competente para processar e julgar a liquidação individual da sentença genérica

coletiva do caso “TELEXFREE” é o foro do domicílio do interessado ou o foro do

juízo prolator da sentença, sendo que, neste último caso, os pedidos serão distribuídos

por sorteio entre as cinco varas cíveis genéricas da comarca de Rio Branco - Acre.

3.4.5 Documentos necessários para instruir pedido de liquidação individual

Por se tratar de uma demanda autônoma, a petição inicial deverá atender,

inicialmente, as exigências previstas nos artigos 287, 319 e 512, todos do Código de

Processo Civil de 2015.

Os interessados terão que alegar e provar fato novo e, para tanto, será

necessário instruir seus pedidos de liquidação individual com os relatos,

demonstrações e documentos relacionados no título a ser liquidado. Ressalta-se que

a revelia não exime o requerente de demonstrar que se enquadra no título judicial.

Uma vez que todas as atividades da empresa Telexfree estão bloqueadas por

força de decisão judicial, é cabível a solicitação de exibição de documentos a fim de

obter os registros das movimentações de suas respectivas contas junto à empresa

ré.

3.5 PROBLEMAS DETECTADOS DURANTE O ESTUDO DE CASO

Durante o estudo de caso, foi possível observar a existência de inúmeros

pedidos de restituição de valores, formulados e apresentados de forma equivocada

pelos interessados, por meio de petições intermediárias direcionadas à Ação Civil

Pública, os quais sequer observaram o dispositivo da sentença que em seu item “B”,

estabelece, de forma clara, como se deve proceder para requerer a restituição dos

valores investidos.

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Outro fato que também chamou a atenção foi a considerável quantidade de

pedidos de habilitação de crédito e de liquidação de sentença apresentados por

petição intermediária nos próprios autos da Ação Civil Pública, desprovidos das

formalidades legais previstas no ordenamento jurídico pertinente e

desacompanhados dos documentos necessários para tanto, resultando em tumulto

processual e em prejuízos aos interessados.

Observou-se ainda a existência de inúmeros pedidos de cumprimento de

sentença que foram e continuam sendo ajuizados, de forma equivocada, sem o

atendimento do que ficou determinado na sentença, bem como pela inobservância dos

procedimentos previstos no ordenamento jurídico pertinente, principalmente quando

se trata de sentença coletiva ilíquida em ação civil pública.

Outro problema detectado foi em relação aos pedidos de liquidação individual

de sentença que estavam sendo distribuídos por dependência à Ação Civil Pública

nº 0800224-44.2013.8.01.0001.

A decisão da Segunda Vara Cível de Rio Branco - Acre, que determinou a

redistribuição dos pedidos de liquidação individual de sentença por sorteio entre as

cinco varas cíveis de Rio Branco - Acre, deu origem a um novo problema, a insurgência

por parte do juízo de direito da Terceira Vara Cível de Rio Branco - Acre que, ao

receber esses pedidos de liquidação, suscitou conflitos negativos de competência ao

Tribunal de Justiça do Acre, alegando, em síntese, que o Juízo da Segunda Vara Cível

de Rio Branco - Acre estava prevento em relação aos juízos do mesmo foro e comarca

de Rio Branco - Acre.

Situação semelhante, mas em menor número, tem se repetido em relação a

juízos de direito de outras comarcas, que declinaram da competência em favor da

Segunda Vara Cível da Comarca de Rio Branco - Acre.

Também se registrou a questão dos pedidos de liquidação individual de

sentença do caso “Telexfree”, de interessados domiciliados em outras comarcas,

distribuídos por sorteio ao Juízo da Primeira Vara Cível genérica da Comarca de Rio

Branco-Acre que, ao recebê-los, vem declinando da competência em favor do juízo do

domicilio do requerente, por entender que, nesse caso, a competência para processar

e julgar a liquidação da sentença é do juízo de direito do domicílio do liquidante, dos

requeridos, ou do juízo prolator da sentença, a exemplo da decisão proferida nos

autos do Pedido de Liquidação Provisória nº 0706068-

59.2016.8.01.0001, em que figuram como Liquidante Sinderley de Lima Silva e

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Liquidado Ympactus Comercial Ltda. (Tribunal de justiça do Estado do Acre.

Liquidação Provisória Por Artigo nº 0706068-59.2016.8.01.0001. Primeira Vara Cível

da Comarca de Rio Branco-Acre, 2016).

3.6 COMO ESTÃO SENDO ENFRENTADOS ESSES PROBLEMAS

Os pedidos de restituição de valores, habilitação de crédito e liquidação

realizados dentro da Ação Civil Pública, por meio de petições intermediárias, sem a

observância das formalidades previstas no ordenamento jurídico pertinente, foram

indeferidos pelo juízo da causa, por não atenderem os requisitos legais.

Quanto aos pedidos de cumprimento individual de sentença ajuizados de

forma equivocada, sem o atendimento do determinado na sentença, bem como pela

inobservância dos procedimentos previstos no ordenamento jurídico pertinente,

principalmente quando se trata de sentença coletiva ilíquida em ação civil pública,

têm resultado na determinação para que a parte emende a petição inicial, a fim de

adequar o seu pedido instruindo-o com a documentação necessária, sendo que na

maioria dos casos analisados, observou-se a ocorrência do indeferimento prematuro

da petição inicial por inépcia.

No referente aos pedidos de liquidação individual de sentença distribuídos por

dependência à Ação Civil Pública nº 0800224-44.2013.8.01.0001, o juízo da

Segunda Vara Cível de Rio Branco - Acre, reconheceu, ex officio, a sua incompetência

para apreciar a demanda, por não haver prevenção, e determinou a sua devolução ao

distribuidor para que fossem redistribuídos livremente por sorteio entre as cinco varas

cíveis genéricas de Rio Branco - Acre.

Os conflitos negativos de competência decorrentes da redistribuição por

sorteio dos pedidos de liquidação individual de sentença foram solucionados pelo

Tribunal de Justiça do Estado do Acre, que por meio de suas duas Câmaras Cíveis,

e por diversas decisões unânimes, seguiram o mesmo entendimento do Superior

Tribunal de Justiça e julgaram improcedentes os conflitos negativos suscitados, e

confirmaram inexistir prevenção ou competência funcional do juízo prolator da

sentença coletiva para processamento e julgamento das liquidações individuais de

sentença do caso “TELEXFREE”.

Quanto aos pedidos de liquidação individual de sentença, oriundos de juízos de

outras comarcas, que declinaram da competência em favor da Segunda Vara

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Cível de Rio Branco - Acre, a magistrada daquela Unidade Judiciária suscitou

conflito negativo de competência ao Superior Tribunal de Justiça, alegando que a

Segunda Vara Cível de Rio Branco - Acre, não estava preventa. Tais pedidos

encontram-se aguardando o julgamento dos respectivos conflitos de competência.

No referente aos pedidos de liquidação individual de sentença do caso “Telexfree”,

de interessados domiciliados em outras comarcas, distribuídos por sorteio ao Juízo da

Primeira Vara Cível genérica da Comarca de Rio Branco - Acre, que ao recebê- los

vem declinando da competência em favor do Juízo do domicilio do requerente, por

entender que, nesse caso, a competência para processar e julgar a liquidação da

sentença é do Juízo de Direito do domicílio do liquidante, dos requeridos, ou do Juízo

prolator da sentença, os respectivos processos foram remetidos aos juízos do

domicílio dos interessados, entretanto ainda não houve manifestação daqueles

juízos a esse respeito.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo principal desenvolver um estudo sobre a

defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, visando aprofundar

os conhecimentos que esclareçam, da melhor forma possível, os procedimentos

necessários para a liquidação individual de sentença coletiva, no caso específico da

“Telexfree”.

No decorrer desse estudo formulou-se conceitos básicos, conforme a

necessidade de cada abordagem, a fim de embasar os argumentos apresentados.

Apresentou-se um histórico mostrando as categorias norteadoras de

interesses e as considerações sobre os direitos transindividuais e metaindividuais,

além de ressaltar os delineamentos conceituais acerca dos interesses difusos,

coletivos e individuais homogêneos e suas devidas denominações.

Levando-se em conta esses aspectos, fez-se mister apresentar as principais

causas que geraram uma elevada demanda por produtos, bens e serviços que

acarretaram no surgimento de vários problemas de massa gerando a necessidade

de se criar mecanismos voltados para os direitos de uma coletividade que eclodiu de

uma nova ordem social.

Uma das principais causas para o distanciamento dos operadores do direito das

ações coletivas é a atual fragmentação das normas do direito processual coletivo,

que não tem uma codificação específica e precisa que norteei a defesa dos direitos

coletivos em juízo.

Para a liquidação individual da sentença do caso “TELEXFREE”, os

interessados poderão ajuizar os pedidos perante o juízo do seu domicílio ou do juízo

prolator da sentença, sendo que, neste último caso, os pedidos serão distribuídos

por sorteio entre as cinco varas cíveis genéricas da comarca de Rio Branco – Acre,

observando-se o disposto nos artigos 287, 319 e 512, do Código de Processo Civil,

instruindo-os com os documentos mencionados na própria sentença, ressaltando

que a liquidação é provisória e segue por conta e risco do autor, já que ainda não

houve trânsito em julgado.

Espera-se ter atingido as respostas capazes de elucidar questões mais

abrangentes causadoras de tantas dúvidas para os envolvidos nessa ação, os quais

buscam encontrar a melhor solução, dada a complexidade do tema verificada

durante todo o estudo.

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Vale lembrar que o compromisso foi de abrir caminho para outras pesquisas e

estudos sobre o tema, haja vista não se tratar de um assunto encerrado, concluído,

pois ainda há muito a acrescentar quanto ao que foi abordado.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Cons-tituicao.htm>. Acesso em: 21 abr. 2016.

BRASIL. Lei nº 4.717/1965 – Lei da Ação Popular. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4717.htm>. Acesso em: 21 abr. 2016.

BRASIL. Lei nº 7.347/1985 – Lei da Ação Civil Pública . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347orig.htm>. Acesso em: 21 abr. 2016.

BRASIL. Lei nº 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 25 abr. 2016.

BRASIL. Lei nº 13.105/2015 - Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.> Acesso em: 25 abr. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL: REsp 1.098.242/GO/0224499-1. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julgamento: 21/10/2010. Órgão Julgador: Terceira Turma. Publicação: DJe 28/10/2010. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com. br/jurisprudencia/17360289/recursoespecial- resp-1098242-go-2008-0224-499-1/in-teiro-teor-17360290>. Acesso em: 08 set. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL: REsp 1243887 PR 2011/0053415-5. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. Julgamento: 19/10/2011. Órgão Julgador: CE-Corte Especial. Publicação: DJe 12/12/2011. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurispruden-cia/21027970/recurso-especial-resp-1243-887- pr-2011-0053415-5-stj.>. Acesso em: 08 set. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 344. A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumu-las/enunciados.jsp? &b=SUMU&p=true&l=10&i=231>. Acesso em: 08 set 2016.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. – São Paulo: Atlas, 2016.

ESTADO DO ACRE. Tribunal de Justiça. Segunda Vara Cível da Comarca de Rio Branco. Ação Civil Pública nº 0800224-44.2013.8.01.0001. Autor: Ministério Público do Estado do Acre. Réus: Ympactus Comercial Ltda. E seus sócios Carlos

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Roberto Costa, Carlos Nataniel Wanzeler e James Mattew Merril. Distribuído em: 28 de junho de 2013.

ESTADO DO ACRE. Tribunal de Justiça. Segunda Vara Cível da Comarca de Rio Branco. Ação Civil Pública nº 0800224-44.2013.8.01.0001. Autor: Ministério Público do Estado do Acre. Réus: Ympactus Comercial Ltda. E seus sócios Carlos Roberto Costa, Carlos Nataniel Wanzeler e James Mattew Merril. Distribuído em: 28 de junho de 2013.

ESTADO DO ACRE. Tribunal de Justiça. Segunda Vara Cível da Comarca de Rio Branco. Processo nº 0705008-51.2016.8.01.0001 - Liquidação por Artigos - Liquidação / Cumprimento / Execução - LIQUIDANTE: Anna Sueli Montibeller. LIQUIDADO: Ympactus Comercial Ltda. Juíza prolatora: Thais Queiroz Borges de Oliveira Abou Khalil. Disponível em: <http://diario.tjac. jus.br/ edicoes.php? Ano=2016&Mes=6.> Acesso em: 08 set. 2016.

ESTADO DO ACRE. Tribunal de Justiça. Primeira Vara Cível da Comarca de Rio Branco. Processo nº 0706068-59.2016.8.01.0001 - Liquidação Provi-sória por Artigos – Liquidação / Cumprimento / Execução - LIQUIDANTE: Sinderley de Lima Silva. LIQUIDADO: Ympactus Comercial Ltda. Juíza prolatora: Zenice Mota Cardozo. Disponível em: <http://diario.tjac.jus.br/edi-coes.php?Ano=2016&Mes=7> Acesso em: 08 set. 2016.

ESTADO DO ACRE. Tribunal de Justiça. Acórdão n.º: 16.309. Classe: Conflito de Competência n.º 0101905-25.2015.8.01.0000. Foro de Origem: Rio Branco Órgão: Primeira Câmara Cível Relator: Des. Laudivon Nogueira. Suscitante: Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco Acre. Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco. Assunto: Competência. Disponível em: <http://diario.tjac.jus.br/edicoes.php?Ano=2015&Mes=12.>. Acesso em: 08 set. 2016.

ESTADO DO ACRE. Tribunal de Justiça. Acórdão n.º: 2.792. Classe: Conflito de Competência n.º 0102315-83.2015.8.01.0000. Foro de Origem: Rio Branco Órgão: Segunda Câmara Cível Relator: Des. Roberto Barros. Suscitante: Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco Acre Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco. Assunto: Competência. Disponível em: <http://dia- rio.tjac.jus.br/edicoes.php?Ano=2016&Mes=2.>. Acesso em: 08 set. 2016.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 28 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. Livro digital. 7ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

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A IMPOSSIBILIDADE DO CONSELHO NACIONAL DE

JUSTIÇA – CNJ – PRATICAR CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO

Francisco Thiego Pereira de Sousa1

RESUMO: O presente trabalho consiste no estudo da temática relativa à impossibilidade

do Conselho Nacional de Justiça – CNJ praticar, durante o exercício de suas atribuições, controle

de constitucionalidade difuso. Na ocasião, além do ponto central da temática serão abordadas a

natureza jurídica, competência e composição da mencionada instituição, analisando-se, ainda,

os aspectos do controle de constitucionalidade em via de exceção, utilizando-se, para tanto, do

desenvolvimento de pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais quanto ao tema.

Palavras-chave: Conselho Nacional de Justiça. Composição. Competência. Controle de

constitucionalidade. Impossibilidade.

ABSTRACT: The present work consists in the study of the thematic about the

impossibility of the National Council of Justice - CNJ practicing, during the exercise of

its attributions, control of diffuse constitutionality. At the time, besides the central point of

the thematic will be approached the juridical nature, competence and composition of the

mentioned institution, analyzing, also, the aspects of the control of constitutionality by

way of exception, being used, therefore, of the research development Bibliographical and

jurisprudential on the subject.

Keywords: National Council of Justice. Composition. Competence. Control of constitutionality.

Impossibility.

1

Pós-graduando no Curso de Pós-Graduação e Extensão em Direito Público da rede de ensino

Anhanguera UNIDERP. Advogado, graduado na Faculdade Barão do Rio Branco/AC – UNINORTE.

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INTRODUÇÃO

O tema abordado neste estudo consiste na análise da impossibilidade do Conselho

Nacional de Justiça – CNJ (órgão administrativo máximo do poder judiciário criado pela EC

nº45/04) exercer, durante análise de um caso concreto – no uso de suas atribuições – controle

de constitucionalidade difuso.

A regra no ordenamento jurídico brasileiro é que somente órgãos jurisdicionais

podem exercer o controle de constitucionalidade tendo em vista a Teoria da Revisão Judicial

dos Atos Legislativos, ressalvado, notadamente, o controle de constitucionalidade preventivo

realizado pelo próprio legislativo antes de aprovar um texto normativo.

A matéria é constantemente debatida no âmbito acadêmico, notadamente, diante da

atuação do CNJ bem como da possibilidade do Tribunal de Contas – órgão não pertencente ao

Poder Judiciário – poder exercer o controle de constitucionalidade durante o exercício de suas

atribuições, consoante a Súmula n° 347do Supremo Tribunal Federal que estabelece: “O

Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade

das leis e dos atos do poder público”.

Neste aspecto será realizada abordagem simples e objetiva da temática ora proposta.

1. COMPOSIÇÃO, NATUREZA JURÍDICA E COMPETÊNCIA DO

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

O art. 92, I-A da Constituição Federal de 1988 estabelece, expressamente, o seguinte:

Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

I - o Supremo Tribunal Federal;

I-A o Conselho Nacional de Justiça; II - o Superior Tribunal de Justiça; II-A - o Tribunal Superior do Trabalho; III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;

IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;

V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;

VI - os Tribunais e Juízes Militares; VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios

O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, instituído pela EC 45/04 (órgão

administrativo máximo do Poder Judiciário) é uma instituição pública que visa aperfeiçoar o

trabalho do Poder judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à

transparência administrativa e processual, de modo a aprimorar a prestação jurisdicional

observando a moralidade, eficiência e efetividade em benefício da sociedade.

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A composição do CNJ é estabelecida pelo art. 103–B da Constituição Federal,

segundo o qual:

O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato

de dois (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: I - o Presidente do Supremo Tribunal Federal; ·. II - um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;

III - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;

IV - um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;

VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de

Justiça;

VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;

VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;

X - um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da

República;

XI um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da

República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição

estadual;

XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do

Brasil;

XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela

Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

A missão do Conselho Nacional de Justiça é fiscalizar e controlar, administrativamente,

a prestação jurisdicional de modo a garantir que tal atividade seja realizada com moralidade,

eficiência e efetividade, em benefício da sociedade.

O CNJ consiste em um órgão imprescindível para o efetivo desenvolvimento do

Poder Judiciário, tendo como principais tarefas o planejamento estratégico e a elaboração de

políticas judiciárias bem como a modernização do Poder Judiciário e, ainda, a ampliação do

acesso à Justiça, além da pacificação e responsabilidade social.

A competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça está prevista no artigo

103-B, § 4º da Constituição Federal, segundo o qual:

Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder

Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além

de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da

Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência,

ou recomendar providências;

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a

legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder

Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as

providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência

do Tribunal de Contas da União;

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III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder

Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores

de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou

oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais,

podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a

disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao

tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração

pública ou de abuso de autoridade;

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve

integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao

Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

Ainda quanto ao tópico – competência do Conselho Nacional de Justiça –, vale lembrar

que, embora o mencionado dispositivo legal tenha sido claro no que tange as atribuições do

CNJ, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) questionou a Emenda Constitucional nº

45 por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº3367, ajuizada em dezembro de 2004,

tendo em vista aduzida ofensa ao Princípio da Separação e Independência dos Poderes.

Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal, decidiu que a criação do Conselho

Nacional de Justiça não viola a independência do Poder Judiciário muito menos a Separação

dos Poderes. Neste aspecto, veja-se, parte da ementa do mencionado julgado:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda Constitucional nº 45/2004.

Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza

meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e

disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e

independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio.

Ofensa à cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência.

Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função

jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial

e independente.

De igual modo, importa colacionar, ainda, os comentários do ilustre Desembargador

Federal Vladimir Passos de Freitas, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,

in verbis:

O CNJ do Brasil foi incluído como órgão do Poder Judiciário (art. 92, I-A). Sob seu

controle estarão todos os ramos do Poder Judiciário. Ele terá tamanho e composição

diferentes do mexicano e do argentino (art. 103-B). Serão 15 Conselheiros, dos

quais 9 juízes de instâncias e ramos diversos do Judiciário e 6 de origem externa (2

do Ministério Público, 2 advogados e 2 cidadãos indicados pelo Congresso). O

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número de 15 Conselheiros não será pequeno a ponto de tornar o CNJ inoperante,

nem grande demais de modo a deixá-lo lento e burocrático.

Caberá ao CNJ conduzir a política nacional do Judiciário, tocando-lhe o controle da

atuação administrativa e financeira do referido Poder (art. 103, § 4º, caput e inc.

VII). Até a reforma, o Judiciário se manifestava através de 95 Tribunais, sendo 5 Superiores, 5 Federais, 24 do Trabalho, 27 Eleitorais e 34 Estaduais (27 TJs, 4 Alçadas e 3 Militares). Alie-se a isso várias associações de magistrados, nacionais e

locais. O discurso e os objetivos muitas vezes eram conflitantes. Parece, assim,

oportuno definir uma linha de política uniforme.

Compete ao CNJ, originariamente ou de forma supletiva, o controle disciplinar dos

magistrados (art. 103, § 4º, incs. III e VI). De todas as atribuições do novo órgão

esta, certamente, é a mais complexa. O Conselho Nacional terá competência para

receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário,

inclusive contra os prestadores de serviços notariais e de registro (art. 103, b, § 4º,

inc. III). O dispositivo é preocupante. Atuam no Brasil cerca de 12.000 juízes e um

número enorme – e desconhecido – de funcionários do foro judicial e do extrajudicial.

O gigantismo do Judiciário brasileiro vai gerar um grande número de representações.

Se não for criada uma estrutura moderna e eficiente, o CNJ corre o risco de cair no

descrédito.

Ao CNJ atribui-se a função incomum de rever, de ofício ou mediante provocação, os

processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um

ano (art. 103, b, § 4º, inc. V). Absolutória ou condenatória, a decisão administrativa

poderá ser revista. O dispositivo revela desconfiança com o atual sistema de

apuração de faltas administrativas pelos Tribunais.

Pois bem, após a análise quanto à composição, natureza jurídica e competência do CNJ

será abordado alguns dos aspectos do controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro,

notadamente o difuso.

2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO

O Brasil adotou o sistema de controle de constitucionalidade repressivo

predominantemente judicial – em regra somente os órgãos judiciais são competentes para

analisar a constitucionalidade das leis e atos normativos após a sua vigência.

O controle jurisdicional de constitucionalidade no que tange a forma é misto,

contemplando o controle abstrato (via de ação) e o difuso (incidental via de exceção).

Neste ponto, vale mencionar que o controle difuso, tem origem histórica no famoso

caso Madison versus Marbury (1803) julgado pelo juiz Marshall da Suprema Corte norte-

americana, veja-se o breve relato retirado do site: www.wikipedia.org. O link é:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Marbury_contra_Madison.

O Caso "Marbury contra Madison" foi decidido em 1803 pela Suprema Corte dos

Estados Unidos, sendo considerado a principal referência para o controle de

constitucionalidade difuso exercido pelo Poder Judiciário.

Nesse julgado firmou-se a regra da supremacia da Constituição, cabendo ao Judiciário

afastar como nulas (void) leis que contrariam a Constituição. Isso permitiu a chamada

"Judicial Review", a possibilidade de o Judiciário rever mesmo leis

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federais que contrariam a Constituição. Com isso a separação de poderes foi

redefinida, aumentando a importância do Judiciário.

Histórico

Na eleição presidencial dos EUA de 1800, Thomas Jefferson derrotou John Adams.

Após a derrota, John Adams resolveu nomear vários juízes em cargos federais, para

manter certo controle sobre o Estado. Entre eles se encontrava William Marbury,

nomeado Juiz de Paz. O secretário de justiça de John Adams, John Marshall, devido

ao curto espaço de tempo, não entregou o diploma de nomeação a Marbury. Note-se

que Adams nomeou seu secretário de Justiça como futuro Presidente da Suprema

Corte. Já com Jefferson presidente, o novo secretário de justiça - James Madison- se negou, a pedido de Jefferson, a intitular Marbury. Marbury apresentou um writ of mandamus perante a Suprema Corte Norte- Americana exigindo a entrega do diploma. O processo foi relatado pelo Presidente da Suprema Corte, Juiz John Marshall, em 1803 e concluiu que a lei federal que dava competência originária à Suprema Corte para emitir mandamus em tais casos contrariava a Constituição Federal que só lhe reconhecia competência de apelação nos casos não indicados por ela mesma como de competência originária. Como a lei

que dava competência a Suprema Corte era inconstitucional, não cabia à Suprema

Corte decidir o pedido do mandamus.

A decisão tem muitas falhas, por exemplo:

O Juiz John Marshall, que decidiu o julgado, tinha atuado como Secretário de John Adams e assinou a nomeação de Marbury. Marshall podia adotar várias soluções mais plausíveis, mas fez um raciocínio

complexo no intuito de contrariar o Poder Executivo e confirmar o poder dos

Tribunais em deixarem de aplicar leis federais inconstitucionais.

Por ser a primeira decisão de um Tribunal a proclamar a competência de afastar leis

inconstitucionais mesmo sem previsão constitucional nesse sentido, o caso é

mundialmente célebre e sempre estudado nos cursos de direito constitucional.

No presente trabalho será abordado especificamente o controle de

constitucionalidade difuso tendo em vista que a temática proposta aborda a impossibilidade

do Conselho Nacional de Justiça – CNJ praticar controle de constitucionalidade no caso

concreto, durante o exercício de suas atribuições.

Neste ponto, importa registrar que o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 347

estabelecendo que: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a

constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”, Ou seja, um órgão que sequer

pertencente ao poder judiciário é autorizado, pela Suprema Corte, a exercer controle

constitucionalidade no caso concreto.

Pois bem, ao se estudar controle de constitucionalidade ainda que de forma

específica como no presente trabalho, não se pode deixar de mencionar a cláusula de reserva

de plenário, prevista no art. 97 da Constituição Federal de 1988, segundo o qual: “Somente

pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão

especial, poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do

Poder Público”.

Decerto que da interpretação literal do mencionado dispositivo ressai a conclusão

que somente os tribunais, por meio de decisão colegiada, podem reconhecer a

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inconstitucionalidade de determinada norma, porém essa não é a interpretação correta tendo

em vista que referido dispositivo não impede que qualquer Juiz singular aprecie de forma

incidental a constitucionalidade de uma norma, suscitada em um caso concreto como questão

prejudicial.

Tocante ao controle de constitucionalidade difuso, Siqueira Jr. (2011, p. 146) destaca

que:

O controle de constitucionalidade difuso caracteriza-se pela possibilidade de

qualquer juiz ou Tribunal, ao analisar um caso concreto, verificar a

inconstitucionalidade da norma, arguida pela parte como meio de defesa. Nesse

caso, o objeto principal da ação não é a inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo, sendo a mesma analisada incidentalmente ao julgamento de mérito. A

declaração de inconstitucionalidade torna-se necessária para a solução do caso

concreto em questão, ou seja, a apreciação de inconstitucionalidade tem o condão de

decidir determinada relação jurídica, objeto principal da ação.

Destarte, controle de constitucionalidade difuso ocorre durante a análise de um caso

concreto, quando, por exemplo, determinado órgão, em regra um órgão jurisdicional singular

ou não, está analisando determinada situação e incidentalmente é suscitada a

inconstitucionalidade de determinada espécie normativa relacionada à espécie em exame.

No sistema difuso a inconstitucionalidade é analisada, em casos concretos, como

questão prejudicial ao julgamento do mérito, possibilitando a qualquer órgão jurisdicional

decidir quanto ao tema, podendo reconhecer a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo.

Os efeitos da decisão em sede de controle difuso são ex tunc, ou seja, retroativos, e

inter partes – somente atinge as partes envolvidas no caso concreto, não alcançando terceiros

alheios ao caso, para os quais a espécie normativa declarada inconstitucional continua válida e

obrigatória.

Como dito acima as decisões no âmbito do controle de constitucionalidade difuso são

retroativas, logo invalidam a espécie normativa desde o seu início.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal admite a modulação temporal dos efeitos,

ou seja, a norma é declarada inconstitucional, todavia sem a atribuição de efeitos retroativos.

Nesta hipótese, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social a Suprema

Corte, pelo voto de (2/3) dos seus membros, poderá atribuir efeitos pro futuro à decisão, na

ocasião é aplicado, por analogia, o art. 27 da Lei 9.868/1999, que disciplina a modulação dos

efeitos na Ação Direta de Inconstitucionalidade.

O controle de constitucionalidade difuso também é chamado de concreto, considerando

que é realizado durante o julgamento de um caso concreto, por via de exceção, pois a declaração

de inconstitucionalidade é uma exceção processual que deve ser enfrentada

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pelo juiz antes do julgamento de mérito e, ainda, era conhecido pelo termo por via de defesa

tendo em vista que era geralmente utilizado em sede de matéria de defesa, no entanto,

atualmente tanto a defesa quanto a acusação o utilizam indistintamente.

Na sequência, após abordagem objetiva quanto à composição, natureza jurídica e

competência do Conselho Nacional de Justiça bem como os aspectos do controle de

constitucionalidade em via difusa, estudar-se-á o ponto central da temática proposta.

3. A IMPOSSIBILIDADE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

(CNJ) EXERCER CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO

NO USO DE SUAS ATRIBUIÇÕES

Conforme anteriormente delineado, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ foi

inserido na estrutura do Poder Judiciário pela Emenda Constitucional nº 45/2004, como órgão

administrativo atribuído de gerir e aperfeiçoar o funcionamento daquele Poder, detendo,

inclusive, poderes disciplinares em relação aos órgãos judiciais.

O Conselho Nacional de Justiça pode ser provocado por qualquer cidadão

legitimamente interessado para apurar e sanar eventuais violações disciplinares e

administrativas praticadas pelos membros do Poder Judiciário.

Pois bem, como já demonstrado anteriormente, uma das funções do CNJ é zelar pela

observância do art. 37 da Constituição Federal. Neste sentido, não se poderia olvidar que

Conselho Nacional de Justiça está atribuído de verificar afrontas ao mencionado dispositivo

constitucional o que revela em ultima análise o exercício de controle difuso de

constitucionalidade.

Quanto ao tópico, (ALEXANDRE FREIRE PIMENTEL e BRUNO FREIRE

PIMENTEL, 2012, p. 48) asseveram o seguinte:

A leitura do dispositivo constitucional acima extirpa qualquer dúvida quanto ao

sujeito destinatário da norma sobre o qual recai o dever de “zelo” pelo art.37 da

Constituição Federal. Via de consequência, não se lhe pode negar que, para tal

mister, possa e deva fazer o controle da constitucionalidade de atos administrativos

editados por órgãos do poder judiciário e, inclusive, de práticas inconstitucionais,

independendo até mesmo de provocação dos interessados, como se deu com a

histórica extirpação do nepotismo pela resolução 07/05CNJ que, aliás, foi referendada

pelo STF, (...). Noutras palavras, não se pode deixar de reconhecer que, além do

controle da legalidade dos atos administrativos, o CNJ também está autorizado pela

Constituição Federal a exercer o controle de constitucionalidade de atos

administrativos que afrontem art. 37 da Carta republicana, anulando-os ou revogando-

os conforme o caso concreto o requeira.

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Todavia, na prática, durante o exercício de suas atribuições o Conselho Nacional de

Justiça tem esbarrado no entendimento predominante do Supremo Tribunal Federal, segundo

o qual o CNJ é um órgão estritamente administrativo, despido de qualquer poder para o exercício

de controle de constitucionalidade.

Neste sentido, pode-se citar como exemplo o caso do Tribunal de Justiça do

Amazonas, qual seja:

No dia 5 de novembro, o pleno do Tribunal de Justiça do Amazonas aprovou, por

maioria de votos, o envio à Assembleia Legislativa do Amazonas do projeto de lei que

aumentava o número de desembargadores do TJ-AM de 19 (dezenove) para 26 (vinte e seis),

objetivando, segundo aquela Corte, melhorar a prestação jurisdicional.

No entanto, no mesmo dia em que o projeto fora sancionado – Lei Complementar

126/2013, criando sete novas vagas para desembargador – o Conselho Nacional de Justiça

suspendeu, em decisão liminar, os efeitos da decisão do TJ-AM que aprovou o projeto.

O pedido foi formulado pela desembargadora Graça Figueiredo, que teve rejeitado,

durante a sessão, pedido de vista, sob o argumento, do desembargador presidente, que tal pedido

não é possível em processos administrativos.

No mencionado caso, o CNJ ao conceder a liminar entendeu que a decisão do

presidente do TJ-AM de negar o pedido de vista impediu o debate sobre a necessidade ou não

do aumento do número de desembargadores. Segundo o conselheiro, o pedido de vista é

prerrogativa do magistrado e inerente a todo e qualquer julgamento colegiado, em processos

judiciais ou administrativos, porquanto essencial à formação do convencimento nas hipóteses

em que ainda não se sinta apto a votar.

Na oportunidade, por maioria, a liminar foi ratificada pelo plenário do CNJ em 12 de

novembro, razão porque o Tribunal de Justiça do Amazonas ingressou com Mandado de

Segurança com pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal objetivando anular a

mencionada decisão do Conselho Nacional de Justiça.

O pedido foi analisado pelo ministro Celso de Mello, que concedeu liminar

suspendendo cautelarmente os efeitos da decisão do Conselho Nacional de Justiça, até o

julgamento final do Mandado de Segurança.

Em sua decisão, o referido ministro, sobrelevando que a competência constitucional

do Conselho Nacional de Justiça é estrita e exclusivamente administrativa, consignou o

seguinte:

Esta Suprema Corte já proferiu decisões em igual sentido, advertindo, ainda, de

outro lado, a despeito da controvérsia doutrinária existente, que o Conselho

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Nacional de Justiça – quer colegialmente, quer mediante atuação monocrática de

seus Conselheiros ou do Senhor Corregedor Nacional de Justiça – não dispõe de

competência para exercer o controle incidental ou concreto de constitucionalidade

(muito menos o controle preventivo abstrato de constitucionalidade) de atos do

Poder Legislativo ou, como sucede na espécie, de meros projetos de lei submetidos à

instância parlamenta.

Na oportunidade, o emérito julgador, ainda, mencionou precedentes do próprio CNJ

reconhecendo a incompetência para o exercício de controle de constitucionalidade, veja-se:

Procedimento de Controle Administrativo. Desconstituição de ato Administrativo.

Estado do Acre. LC 161/06. Autorização dada ao Tribunal de Justiça para, por

resolução, fixar a competência de varas e juizados especiais. Alegação de

inconstitucionalidade. – „Não cabe ao Conselho Nacional de justiça, órgão de

natureza administrativa, fazer análise da constitucionalidade de leis estaduais. Não

conhecimento do pedido‟.” (PAC 199, Rel. Cons. MARCUS FAVER).

“Pedido de Providências. Lei Estadual de iniciativa de Tribunal de Justiça. Criação

de Cargos em Comissão sem exigência de concurso público. Não compete ao

Conselho Nacional de Justiça, dentro das atribuições conferidas pelo artigo 103-B da

Constituição Federal, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro

de 2004, exercer controle de legalidade ou de constitucionalidade sobre lei estadual.

Pedido de Providências de que se conhece e a que se nega provimento. (PP 7000, Rel.

Cons. ALTINO PEDROZO).

De igual modo, quando do julgamento do MS 28174 AgR, de relatoria do ministro

Ricardo Lewandowski, o Supremo Tribunal Federal assertoou o seguinte: “o CNJ seja órgão

do Poder Judiciário, possui tão somente atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido,

não lhe é permitido decidir de forma contrária ao estabelecido em processo jurisdicional”.

Na mesma linha, a Suprema Corte brasileira, no MS 28.872 AgR/DF, anotou que:

O Conselho Nacional de Justiça, embora seja órgão do Poder Judiciário, nos termos

do art. 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal, possui, tão somente, atribuições de

natureza administrativa e, nesse sentido, não lhe é permitido apreciar a

constitucionalidade dos atos administrativos, mas somente sua legalidade.

Em outra ocasião, novamente, o Conselho Nacional de Justiça fora repreendido pelo

STF, durante o exercício de suas atribuições, quando o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

submeteu a análise daquele Conselho consulta relativa às regras a serem adotadas para a

composição de órgão especial daquele Tribunal (quinto constitucional).

No episódio, o CNJ reconheceu a inconstitucionalidade do art. 99 da Lei

Complementar nº 35/79 (Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN). Na sequência,

diante do inequívoco controle de constitucionalidade exercido pelo CNJ, o Tribunal

fluminense impetrou o MS nº 32.865 perante o Supremo Tribunal Federal, oportunidade em

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que, novamente, o Pretório Excelso, por meio de decisão monocrática do Ministro Celso de

Melo, divulgada no DJE nº 108 de 04/06/2014, consignou a impossibilidade do Conselho

Nacional de Justiça exercer qualquer controle de constitucionalidade, notadamente o difuso.

Quanto à temática, por outro lado, importa anotar, novamente as lições de

PIMENTEL (2012, p. 50/51), que assertoam o seguinte:

Reconhecer que o CNJ possui poder normativo para editar atos de ofício baseado

diretamente na Constituição Federal e, ao mesmo tempo, não reconhecer que pode

controlar a constitucionalidade de atos administrativos perpetrados pelos tribunais

quando eivados de inconstitucionalidade, é admitir o mais e negar o menos,

sobretudo quando o controle administrativo da constitucionalidade não retira do STF

a competência para “controlar tal controle”. Quando o Supremo nega ao CNJ essa

prerrogativa está obrigando-o a conviver com a existência de atos administrativos

inconstitucionais, o que designa, uma verdadeira entropia no sistema jurídico

instituído pela EC 45/04 e gerando grave risco de deslegitimação do CN.

Na ocasião, novamente os autores se referem à resolução nº 07/05 do CNJ – proíbe a

prática de nepotismo no âmbito do Judiciário –, editada quando sequer existia lei

regulamentando a matéria, o que fora confirmada pelo STF, o que revelaria a atipicidade dos

poderes do Conselho Nacional de Justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Denota-se que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, composto por ministros de

tribunais superiores, desembargadores, juízes de primeiro grau, membros da Advocacia e do

Ministério Público, e, ainda, por cidadãos, todos dotados de incontroverso conhecimento

jurídico, atribuído da missão de aperfeiçoar e gerir, administrativa e até disciplinarmente, a

atividade do Poder Judiciário bem como reprimir práticas que afrontem o art. 37 da Constituição

Federal, tem exercido por vezes o controle de constitucionalidade difuso durante o exercício de

suas atribuições.

No entanto, tal conduta já fora e é, constantemente, repreendida pelo Supremo Tribunal

Federal que ao mesmo tempo, e a contra censos, permite a um órgão não pertencente ao

Judiciário como o Tribunal de Contas, exercer controle de constitucionalidade difuso, no uso de

suas atribuições.

No entanto, certo é que, atualmente, em razão do entendimento da Suprema Corte

brasileira, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ não pode exercer controle de

constitucionalidade difuso no uso de suas atribuições, o que lhe obriga a conviver com a

impossibilidade de coibir práticas que afrontem o art. 37 da Constituição Federal, pois em

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eventual provocação, o Pretório Excelso modificaria a decisão daquele conselho quando

fundada em violação constitucional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Disponível em: www.planalto.gov.br

FREITAS, Vladimir passos de. Conselho Nacional de Justiça. Jornal gazeta do povo, ed.

18.01.05.

SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. Direito processual constitucional. 5. ed. São Paulo:

Saraiva, 2011.

BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: www.planalto.gov.br

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, MS 28872 AgR/DF, Rel. Min.

Ricardo Lewandowski, j.24/02/2011, DJe 18/03/2011. Disponível em: www.stf.jus.br.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 28174 AgR/DF, Rel. Min. Ricardo

Lewandowski, j.14/10/2010, DJe 18/11/2010. Disponível em: www.stf.jus.br.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 28141 /MT, Tribunal Pleno Rel. Min. Ricardo

Lewandowski, j.10/02/2011, DJe 01/07/2011. Disponível em: www.stf.jus.br.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 32865 MC/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j.

02/06/2014, p. DJe 05/06/2014. Disponível em: www.stf.jus.br.

ALEXANDRE FREIRE PIMENTEL e BRUNO FREIRE PIMENTEL, Direito

Constitucional: Os Desafios Contemporâneos, p. 43/54, 2012, Juruá Editora.

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AMIANTO: A FIBRA QUE PETRIFICA PULMÕES

Matheus Costa Sarkis1

Danilo Scramin Alves2

RESUMO: O amianto é uma fibra mineral comumente utilizada e presente em nosso dia a dia,

presente em caixas d’água e telhas, por exemplo. Porém, existem grandes malefícios causados

pelo uso desta fibra que, para muitos, é desconhecida. O amianto é o principal agente causador da

Asbestose e do Mesotelioma de pleura, dois tipos de câncer que não possuem tratamento efetivo e que, literalmente, condenam a pessoa contaminada à morte. Este artigo visa expor um breve histórico do uso desta substância, dos malefícios causados, o posicionamento dos principais órgãos de defesa à saúde e aos direitos trabalhistas (OMS, OIT e MPT), assim como meios de substituição que possam vir a extinguir o uso desta fibra assassina no país e no mundo.

Palavras-Chave: Amianto. Fibra mineral. Asbestose. Mesotelioma. OMS. OIT. MPT. Fibra

Assassina.

ABSTRACT: Asbestos is a mineral fiber commonly used and present in our everyday life,

present in water tanks and tiles, for example. However, there are great harms caused by the use of

this fiber, which for many is unknown. Asbestosis is the main causative agent of asbestosis and

mesothelioma of pleura, two types of cancer that do not have effective treatment and which literally

condemn the infected person to death. This article aims to present a brief history of the use of this

substance, the harm caused, the position of the main defense organs for health and labor rights

(WHO, ILO and MPT), as well as means of substitution that may extinguish the use of this

substance Killer fiber in the country and in the world.

Keywords: Asbestos. Mineral fiber. Asbestosis. Mesothelioma. WHO. ILO. MPT. Assassin Fiber.

1 Acadêmico de Direito. Email: [email protected] / [email protected]. Telefone: (68) 99956-

5354.

2 Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera. Analista Processual do Ministério

Público do Estado do Acre. Professor de Direito Processual do Trabalho da Faculdade Barão do Rio Branco -

UNINORTE. Email: [email protected].

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INTRODUÇÃO

Uma das razões de existir do Direito do Trabalho é a necessidade de se zelar pela proteção

do trabalhador, em especial contra os agentes nocivos presentes no Meio Ambiente do Trabalho

ao qual o empregado está exposto durante a prestação de serviços.

Assim sendo, torna-se imperioso um estudo aprofundado não só do sistema laborativo e

da higidez e da segurança do local de trabalho, mas também dos eventuais perigos aos quais estão

expostos os trabalhadores quando em exercício de suas funções.

O amianto parece ser reconhecido como um agente extremamente nocivo que está

inserido em algumas funções laborais, em especial aquelas que têm relação com a produção de

materiais de construção. Desta forma, o presente estudo destina-se a verificar, com base no

direito brasileiro e nas características próprias do material amianto, em todas as suas formas, a

periculosidade do amianto e a real possibilidade de tratamento, manuseamento e exploração do

elemento.

Não só será feita, no início, uma avaliação dos meios de proteção dos trabalhadores nos

seus locais de serviço como também será feita uma análise detalhada do amianto, além das

tendências quanto a sua utilização.

1 O DIREITO DO TRABALHO E O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO

O surgimento do direito do trabalho foi uma consequência da vontade de defender o

trabalhador em seu meio ambiente de trabalho, vontade esta que adveio da questão social gerada

pela Revolução industrial do século XVIII e da vontade de preservar o direito à dignidade do ser

humano. (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2014).

A partir da assinatura do tratado de Versailles, surge o principal órgão defensor dos

direitos dos trabalhadores, a OIT. A OIT faz parte da ONU e é responsável pela tutela dos mais

diversos tipos de trabalho no mundo, visando sempre à promoção do trabalho de forma saudável,

buscando condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana. A OIT é descrita

como a “consciência social da humanidade”, desempenhando papéis importantes desde a sua

criação até os dias atuais, promovendo a proteção aos trabalhadores no seu meio ambiente de

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trabalho por meio de suas convenções e normas ou influenciando na criação de constituições

trabalhistas (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, [s.d]).

O já citado “meio ambiente de trabalho” é incontestavelmente um dos principais objetos

de estudo do direito do trabalho, podendo ser estudado tanto por este quanto pelo direito ambiental.

Em resumo, corresponde a todo e qualquer ambiente em que o trabalhador desempenha suas

atividades laborativas, estando diretamente relacionado com a segurança do trabalhador no

cotidiano. Consequentemente, é neste espaço que o empregado fica exposto a condições e agentes

nocivos à sua saúde, demonstrando assim a necessidade de tutela dos mais diversos órgãos da seara

trabalhista, com o intuito de garantir a proteção do trabalhador durante o desempenho de suas

atividades (SIRVINSKAS, 2016).

1.1 A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO NO BRASIL

Tendo em vista os riscos presentes no dia a dia laborativo, foram criados meios legais

específicos de proteção, como dispositivos da CLT que abordam exclusivamente normas de

Segurança e Medicina do Trabalho. Além da CLT, existem outros meios que defendem os direitos

trabalhistas contra abusos que possam vir a ser praticados, como as normas regulamentadoras

aprovadas pela Portaria n° 3.214 do Ministério do trabalho, que regulamentam atividades

especificas. Sendo obrigatória a sua observância durante a confecção dos contratos de trabalho

(JÚNIOR, 2014).

Todas essas normas visam reduzir o número de acidentes e doenças ocasionados no

ambiente de trabalho, sendo estes ocasionados pela não observância dos direitos trabalhistas. O

trabalho insalubre encontra previsão de “compensação”, pelo risco a qual certos trabalhadores são

expostos, permitindo a exposição segura com o auxílio de equipamentos de segurança. Em

contrapartida a esta realidade, há dúvidas se tal compensação é suficiente para o risco ao qual o

empregado é exposto, já que, mesmo obedecendo às NRs do MTE e tendo à disposição o devido

aparato de proteção, o agente laboral pode comprometer a sua saúde com doenças contraídas em

razão da manipulação de certas substâncias. (BARROS, 2016).

Existem diversos meios administrativos ou processuais que, se utilizados de forma

correta, podem vir a ser de grande valia na luta contra meios ambientes de trabalho irregulares e

em estado de degradação, como os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em

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Medicina do Trabalho – SESMT, as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes – CIPA, os

Equipamentos de Proteção Individual – EPI, e os Programas de Prevenção de Riscos Ambientais

– PPRA.

No Brasil, existem ainda órgãos que atuam em diversas etapas de fiscalização, cumprimento

de normas, averiguação de irregularidades e punição de infratores. Estes órgãos podem utilizar

medidas administrativas ou judiciais para dar o cumprimento do projeto de manutenção de um meio

ambiente ideal, ou algo próximo disso, conforme estabelecido pelo legislador. São exemplos o

Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e o Ministério Público do Trabalho – MPT, em especial

por meio da CODEMAT.

Após este breve relato da história do direito de trabalho, dos meios legais de proteção à

saúde do trabalhador em seu meio ambiente de trabalho e da atual realidade dos mais diversos tipos

de trabalhadores, se faz necessário atentar para aquele que é o tema principal deste projeto

cientifico. O risco causado pelo uso do Amianto - como matéria prima na fabricação de bens –

tem movimentado a justiça trabalhista brasileira, fato este que pode ser atribuído às inúmeras

vítimas fatais espalhadas por todo o mundo. O asbesto é o agente causador da Asbestose e do

Mesotelioma de Pleura (cânceres pulmonares), doenças estas contraídas através da inalação do pó

do amianto. A contínua utilização de tal substância constitui uma afronta direta à dignidade da

pessoa humana e até mesmo ao direito à vida, visto que os tipos de cânceres supracitados são

incuráveis, podendo demorar de 20 a 40 anos para começar a se manifestar (GIANNASI, [s.d]).

2 AMIANTO, UM MAL DESCONHECIDO E FATAL

O tema amianto gera grande movimentação na esfera judicial brasileira e mundial, no que

tange a dúvida se este deve ou não ser banido e no que condiz com indenizações a serem pagas,

caso banido, seria excluído da composição de materiais para o domicílio, como caixas d’água e

telhas (alguns dos principais produtos que possuem amianto em sua composição). Agora, qual

seria a motivação para uma medida tão drástica, como o banimento? A resposta é o estado

alarmante de perigo que esta substância representa. A inalação deste elemento é uma das

principais causas do desenvolvimento de dois tipos de câncer com alta taxa de mortalidade, o

mesotelioma e asbestose (ABREA, 2016).

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O seu uso é tema de debate internacional e já é banido em mais de 66 países, no Brasil, 8

estados já adotam o seu banimento. Os subcapítulos a seguir irão explicar o que é o amianto,

onde é utilizado e o rol de males que ele provoca a quem tem contato direto com este componente

(MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2017).

2.1 CONHECENDO O AMIANTO

Existem registros do uso do amianto desde os anos 70 a.C., entretanto a sua utilização da

forma que conhecemos nos dias de hoje, iniciou-se na revolução industrial com o revestimento

das máquinas a vapor. Este era utilizado com frequência por ser de baixo custo de produção,

facilmente encontrado, por sua incombustibilidade e isolamento térmico. O amianto era

conhecido como o material mágico, mas após o diagnóstico de doenças com vítimas fatais, o

amianto passou a ser denominado como o “mineral maldito” ou “fibra assassina”, pois além de

seu alto índice de fatalidade, é traiçoeira, pois os efeitos nocivos aparecem mesmo após 40 anos à

exposição. A primeira pesquisa que efetivamente estabeleceu a associação entre as doenças

cancerígenas à exposição do amianto adveio de Richard Doll, em 1955. Em 1996, após um longo

período acreditando que o amianto poderia ser utilizado em sua forma branca, onde a azul e marrom

que seriam as cancerígenas, um relatório do INSERM – Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa

Médica da França estabeleceu: “todas as fibras de amianto são cancerígenas, qualquer que seja

seu tipo ou origem geológica”. Mas, mesmo diante de tais exposições fáticas e tantos avisos da

nocividade da substância, o amianto continua até os dias atuais sendo utilizado em larga escala

(GIANNASI, [s.d]).

O amianto está banido em mais de 58 países e em parte do Brasil. Organizações como

rede BAN ASBESTOS (constituída por cidadãos de todos os continentes em prol do banimento

do amianto) e, no Brasil, a ABREA – Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto têm o

objetivo de banir o amianto do mundo, devido os diversos colegas de trabalho ou amigos dos

membros destas organizações que morreram ou que ainda sofrem devido a contaminação da

“doença do Amianto”3. O Brasil é um dos maiores produtores, consumidores e exportadores do

amianto no mundo, quase em sua totalidade do tipo branco. Alguns países com o capitalismo

3 O termo entre aspas faz referência à Asbestose, ao Mesotelioma e ao Câncer de Pulmão, doenças fatais que podem

ser contraídas pela inalação do pó do amianto. (ABREA, 2016).

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avançado, em especial da união europeia, baniram o amianto e adotam políticas de

descontaminação de ambientes, pagamento de indenização e atendimento médico às vítimas

(ABREA, 2016).

No Brasil já existem políticas a favor do banimento do amianto, mas apenas alguns

estados acataram estas políticas. O grande debate é o impasse da melhor atitude a ser tomada, afinal

é melhor banir o amianto ou basta utilizá-lo de forma controlada? O uso controlado do amianto

parece ser uma realidade distante, já que, se houvesse o devido respeito às normas

regulamentadoras e até mesmo às indenizações que devem ser pagas aos trabalhadores por danos

morais, casos como esses não seriam problemas. Por isso, o final mais provável para esse embate

seria o banimento do amianto, porém empresas e blocos econômicos ainda oferecem resistência

significativa, o que impede a celeridade quanto à aplicação do banimento total do amianto no Brasil.

Há quem diga o contrário, mas tudo aponta para o fato de que enquanto o banimento não acontecer,

continuará a ser observado às consequências serem empurradas para “debaixo do tapete”,

juntamente com o direito à vida que aqueles que são contaminados são privados (ABREA,

2016).

Após este breve relato acerca do panorama geral, é importante que, antes de adentrarmos

no panorama jurídico de debates e brigas judiciais, seja feito um detalhamento acerca do amianto,

juntamente dos perigos provocados pela sua manipulação. Através desta breve introdução,

pretende-se a formulação de uma base de conhecimento, de forma a gerar melhor entendimento e

simplificar a leitura.

2.1.1. Conceito e desenvolvimento do amianto

Largamente utilizado na produção de telhas, caixa d’água, pastilhas de freio, vestimentas

especiais contra fogo, pisos vinilicos etc. O termo amianto (ou asbesto) possui duas origens, uma

de origem grega que significa incombustível e outra de origem latina (amianthus), significando

sem mácula ou incorruptível. Sua história se inicia no século XIX, quando o amianto passou a

ganhar popularidade por seu uso em máquinas e equipamentos, tendo como o seu ponto alto as

épocas da primeira e segunda guerra mundial, tendo assim sido denominada como o “mineral

milagroso”, devido as suas incríveis capacidades e formas de uso. Resumidamente, o amianto

pode ser conceituado como uma fibra mineral natural utilizada em larga escala na indústria, que é

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reconhecida por suas propriedades físico-químicas, como: alta resistência mecânica e às elevadas

temperaturas, isolabilidade térmica, durabilidade e por ser de fácil manuseio. Muito utilizado,

pois possui baixo custo de manutenção e abundância na natureza (ABREA, 2016).

Existem diversas conceituações do vocábulo, mas nenhuma é tão precisa quanto o Artigo

2° da Convenção n. 162 da OIT (1986), que versa sobre a utilização do Amianto com Segurança,

dispondo em seu texto o conceito de amianto e variações da seguinte forma:

Para fins da presente Convenção:

a) o termo “amianto” refere-se à forma fibrosa dos silicatos minerais que pertencem às

rochas metamórficas do grupo das serpentinas, ou seja a crisotila (amianto branco), e do

grupo das anfíbolas, isto é, a actinolita, a amosita (amianto azul), a tremolita, ou todo

composto que contenha um ou mais desses elementos minerais;

b) a expressão “pó de amianto” refere-se às partículas de amianto em suspensão no ar ou

as partículas de amianto em repouso, suscetíveis de ficarem em suspensão no ar nos locais

de trabalho;

c) A expressão “pó de amianto no ar” refere-se, para fins de medição, às partículas de

poeira medidas por meio de uma avaliação gravimétrica ou outro método equivalente; d) A expressão “partículas respiráveis de amianto” refere-se à fibras de amianto cujo diâmetro seja inferior a 3 nanômetros e cuja relação comprimento/diâmetro seja superior a 3:1. Somente as fibras de comprimento superior a 5 nanômetros serão levadas em conta para fins de mensuração; e) A expressão “exposição de amianto” refere-se ao fato de ser exposto, durante o trabalho, às fibras respiráveis de amianto ou ao pó de amianto em suspensão no ar, independentemente de essas fibras ou esse pó provirem do amianto ou de minérios, materiais ou produtos que contenham amianto;

(...)

2.2. DE “MINERAL MÁGICO” À “POEIRA ASSASSINA”

Conhecido por seu alto índice lucrativo e perfeito encaixe à demanda industrial, o amianto

era o material perfeito, utilizado na antiguidade tanto para manter lamparinas acessas quanto para

o exibicionismo explorado por aquele que conhecia de sua incombustibilidade. Na época da

Revolução Industrial, era utilizado no revestimento das máquinas a vapor, devido a sua qualidade

e baixo custo. Todas estas qualidades o tornaram a sensação do século, sendo utilizado e

aproveitado em praticamente todas as atividades industriais (GIANNASI, 2004).

Há dois mil anos, já era retratada a morte de escravos que mexiam com amianto. Entretanto,

apenas em 1907, na Inglaterra, que adveio a primeira comprovação médica de que o amianto era

responsável pela asbestose. A partir deste primeiro estudo, foram comprovados diversos casos

de asbestose ocasionada pelo amianto, mas não só esta enfermidade, constataram-

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se também casos em que trabalhadores estavam com câncer de pulmão, mesotelioma, dentre

outras neoplasias. A constatação de tantos tipos de doenças, muitas das vezes sem tratamento4,

fez com que a atenção fosse chamada para este mineral. Diversas empresas buscaram se utilizar

de manobras para esconder o quão prejudicial era o contato com a matéria e, com isso, manter o

seu negócio lucrativo (ABREA, 2016).

O contágio por amianto acaba por ser muito perigoso devido ao seu elevado período de

latência, ou seja, os efeitos nocivos do amianto podem se manifestar depois de 40 anos em que o

indivíduo foi contaminado. Pelo que se pode observar, não só aqueles que trabalham direto com

amianto são contaminados, mas aqueles que moram ao entorno da fábrica, os familiares de

operários, também correm o risco de contrair a doença (GIANNASI, 2004).

2.2.1. Doenças provocadas pelo Asbesto

Para que se possa dar continuidade ao tema, é necessário explanar algumas classificações

nas quais a “doença do amianto” se encaixa, para isso, é necessário que se tenha uma explicação

mais especifica do assunto abordado. Nesta parte, haverá um aprofundamento do tema “doenças

ocupacionais respiratórias”, juntamente com a exposição dos tipos de doenças ocasionados pela

inalação do amianto.

Existem fatores de riscos ambientais que são qualificados por categoria, atendendo o tipo

de exposição ao perigo ao qual o empregado é submetido, desta forma, expõe a Norma

Regulamentadora n° 9 (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 1994):

9.1.5 Para efeito desta NR, consideram-se riscos ambientais os agentes físicos, químicos

e biológicos existentes nos ambientes de trabalho que, em função de sua natureza,

concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde

do trabalhador.

9.1.5.1 Consideram-se agentes físicos as diversas formas de energia a que possam estar

expostos os trabalhadores, tais como: ruído, vibrações, pressões anormais, temperaturas

extremas, radiações ionizantes, radiações não ionizantes, bem como o infra-som e o

ultra-som.

9.1.5.2 Consideram-se agentes químicos as substâncias, compostos ou produtos que

possam penetrar no organismo pela via respiratória, nas formas de poeiras, fumos,

névoas, neblinas, gases ou vapores, ou que, pela natureza da atividade de exposição,

possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou por ingestão.

4 As espécies de câncer provocados pelo contato com o amianto são, em sua grande maioria, incuráveis. Devendo o

infectado conviver com a doença até chegada a hora de sua morte.

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9.1.5.3 Consideram-se agentes biológicos as bactérias, fungos, bacilos, parasitas,

protozoários, vírus, entre outros. (grifo nosso).

Diante do exposto, pode ser observado que a qualificação a qual as doenças provocadas pelo

amianto atendem são as consideradas fatores de risco químico, já que o contágio causado pela

substância se dá pela inalação do pó mineral pelas vias respiratórias, como bem descreve o artigo

9.1.5.2.

No entanto, apesar de ser qualificado como agente químico, nas NRs, dada a sua

importância, as poeiras minerais têm um anexo próprio que visam regular o uso de substâncias

como o amianto, de forma a tornar o menos prejudicial possível ao trabalhador. A NR 15, anexo

12, dispõe de formas de proteção, proibição de formas de uso e de variações de asbesto, como os

do grupo anfibólio (amiantos marrom, azul e outros) (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 1991).

Desta forma, já qualificadas como fator de risco químico, se faz necessário qualificar as

doenças que são provocadas pela inalação da substância mineral, estas podem ser qualificadas como

“doença profissional ou do trabalho5”, “câncer relacionado ao trabalho

6” e

“Pneumoconiose7” (SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE, 2016).

O termo pneumoconiose é amplo, mas pode ser resumido no conjunto de reações

pulmonares advindos da inalação de substâncias que provocam irritações nos pulmões. A

irritabilidade, para ser caracterizada como uma pneucomoniose, depende da quantidade de poeira

retida no pulmão, da solubilidade da partícula e da reatividade física/química. Não se pode ser

dito com exatidão uma medida que com certeza acarretará na patologia, visto que a quantidade

que adoece um trabalhador, pode não provocar o mesmo efeito em outro. A silicose (inalação de

dióxido de sílica) e a antracose (inalação da poeira do carvão) são um dos tipos de doenças

ocupacionais mais comuns do mundo, também se qualificam como uma pneumoconiose

(LECHNER, MATUSCHAK e BRINK, 2013).

No que diz respeito a uma das principais patologias ocasionadas pelo simples manuseio e

contato com o amianto, a ASBESTOSE se inicia com a inalação de fibras de asbesto que, ao

adentrar no sistema respiratório, penetram no tecido pulmonar na região onde ficam localizadas

5 Doença ocasionada pela prática de determinada atividade laboral, contraída durante o desenvolvimento do labor.

6 Todo e qualquer tipo de câncer que surge em razão de exposição a agentes nocivos à saúde, presentes no meio

ambiente de trabalho. No caso do amianto, o câncer decorre da inalação do pó do amianto.

7 Trata-se do conjunto de doenças pulmonares causadas pelo acúmulo de poeiras orgânicas ou inorgânicas (minerais)

e gases nocivos nos pulmões. Para este exemplo, além do amianto, pode ser citado a situação dos frentistas que ficam

expostos a altas taxas de benzeno.

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pequenas vias aéreas ou ductos. Células de defesa do organismo, na tentativa de eliminar a fibra,

liberam mediadores de forma persistente, ocasionando em fibrose e inflamação intersticiais,

prejudicando a troca gasosa e sustentação das vias aéreas. Após este estágio inicial, a doença se

estende, gerando um aspecto em faveolamento, típico de doenças em estágio terminal, e

colocando o pulmão grudado com a parede torácica. O tempo para o aparecimento dos primeiros

sintomas, no geral, é 10 a 20 anos após a exposição, identificada por dispneia (dificuldade em

respirar, respiração rápida e curta) e tosse produtiva (quando há a presença de muco). A patologia

pode passar por longos períodos de incubação sem qualquer tipo de agressão, mas também pode

avançar e levar ao contaminado à morte ocasionada por diversos tipos de insuficiência cardíaca,

como a congestiva e a cor pulmonale8

(LECHNER, MATUSCHAK e BRINK, 2013).

A segunda doença a ser abordada é o MESOTELIOMA, sendo este de pleura e/ou

peritônio. A patologia de caráter ocupacional, de rara ocorrência, é conhecida pela provocação de

uma veloz degradação da saúde. O mesotelioma maligno (MM) é tumor que tem origem nas células

mesoteliais da pleura ou perotônio, é de rápida extensão e danificação, havendo com isso o risco

de metástases para demais órgãos. Também possui um largo período de latência, com uma média

de 20 a 30 anos para aparecimento dos primeiros sintomas (CAPITANI et al, 1997).

Como exposto, há a comprovação de que o Amianto é uma substância cancerígena, sendo

os seus dois principais tipos aqueles causados pela manipulação direta ou indireta do mineral. É

comprovado que a contínua utilização do asbesto significa a existência de iminente perigo aos

trabalhadores na indústria e, consequentemente, às suas famílias, tendo em vista a aparição de casos

em que a mulher ou o filho do indivíduo são contaminados em razão do traje utilizado pelo

empregado e levado para casa para lavar, dentre outros casos. Portanto, diante de tantos casos de

“morte por asfixia”, a solução que se encontra mais viável ao momento é a do banimento, tendo

em vista o atual panorama nacional e internacional acerca do tema (LABOR, 2013).

2.3. BANIR OU NÃO BANIR, EIS A QUESTÃO.

A grande pergunta que ronda no cenário atual é: existe uso seguro para o amianto? Sob

diversos argumentos de que apenas o amianto dos gêneros azul e marrom são mortais, as gigantes

8 Insuficiência cardíaca ocasionada pela alteração da estrutura e/ou função do ventrículo direito, ocasionado por uma

doença pulmonar (OTA e PEREIRA, 1998).

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do setor industrial buscam fundamentar a tese de que é possível o uso seguro do amianto, utilizando

apenas a crisotila (amianto branco) na sua cadeia de produção, mas será que isso de fato é

comprovado na prática? Diversos órgãos internacionais e nacionais se posicionam pelo banimento

do amianto, baseando-se em provas fáticas-documentais para comprovar a incidência dos

malefícios provocados pelo contágio da poeira. Conforme disposto a seguir.

2.3.1. Organização Mundial da Saúde – OMS

A Organização Mundial de Saúde se posiciona relatando que todos os tipos de amianto

são cancerígenos e que não há forma segura de uso para a substância, pois o contato, mesmo que

mínimo, provoca variedade de cânceres de pulmão, laringe e ovários. Estima-se que mais de 125

milhões de pessoas estejam expostas ao minério, sendo cada vez mais rotineiros casos de doenças

ocupacionais causadas pela exposição ao amianto, onde o contágio ocorre no ambiente de

trabalho e, em certas situações, em casa (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016).

Existe um “Plano de ação global para a prevenção e controle de doenças não

comunicáveis”, este visa expor diversos objetivos organizados pela OMS que devem ser

aplicados no lapso temporal compreendido entre 2013-2020, com o fim de alertar e precaver

diversos tipos de doenças. O amianto é expressamente categorizado como uma substância

cancerígena que, junto com outros elementos do mesmo gênero, podem ser contraídos tanto no

meio ambiente laboral como no meio em que você convive, como disposto no fragmento “a

exposição à cancerígenos como o asbesto, gases de escape de motores diesel, ionizantes e

radiação ultravioleta no meio ambiente de trabalho e convivência, podem aumentar os riscos de

câncer” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016).

2.3.2. Organização Internacional do Trabalho – OIT

Muito se fala sobre a Convenção n. 162 da OIT, esta que aborda a Utilização do Amianto

com Segurança. As gigantes industriais se utilizam de uma fonte desatualizada, de 1986, para

embasar o seu ponto de vista, que é manter a legalidade do uso do asbesto. A convenção aborda

meios e diretrizes para o uso “seguro” do amianto, permitindo o uso do amianto branco e

estabelecendo os equipamentos de proteção que devem ser utilizados, assim como as

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fiscalizações a serem feitas pelo próprio empregador. Realidade esta que claramente está fora da

realidade brasileira, fato é que as leis trabalhistas são constantemente violadas, sempre em prol

do poder econômico e lucratividade. Portanto, era assim que a OIT se posicionava em 1986, pela

possibilidade do uso do amianto de forma segura e controlada (OIT, 1986).

Dados comprovam que o uso de forma controlada e sem riscos não passa de uma utopia,

seguindo este posicionamento se encontra a própria OIT que concordava com a existência de um

uso seguro do minério, porém, no momento, segundo seu representante, é de que não existe uma

tolerância que garanta a segurança ao expor trabalhadores à substâncias cancerígenas. Logo, o

melhor meio de frear a crescente onda de cânceres causados pelo contato com o asbesto, é o

banimento de tais substâncias (STF, 2012).

Com o exposto, é permitido concluir que a OIT põe em prática a sua Convenção n° 139,

que trata sobre a Prevenção e Controle de Riscos Profissionais causados por Substâncias ou Agentes

Cancerígenos, onde bem se posiciona em seu Artigo 2°, primeira parte (ORGANIZAÇÃO

INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1974):

ARTIGO 2° 1. Todo Membro que ratifique a presente Convenção deverá procurar de todas as

formas substituir as substâncias e agentes cancerígenos a que possam estar expostos

os trabalhadores durante seu trabalho por substâncias ou agentes não cancerígenos

ou por substâncias ou agentes menos nocivos. Na escolha das substâncias ou agentes

de substituição deve-se levar em conta suas propriedades cancerígenas, tóxicas e outras

(grifo nosso).

Vale salientar que o Brasil ratificou esta convenção em 1990, devendo então prezar pelo

cumprimento da convenção, incluindo o determinado pela substituição de substância

cancerígenas por aquelas que não são nocivas à saúde do trabalhador.

2.3.3. Ministério Público da União e ramificações

O Ministério Público do Trabalho, principal ramificação do MPU no combate ao asbesto,

por intermédio e atuação em diversas ações, busca promover a conscientização e divulgação dos

malefícios do uso do amianto, buscando dar cumprimento às leis de cunho federal, estadual ou

municipal que versem sobre a proibição em questão. O órgão atua na punibilidade e fiscalização

do que já se encontra em prática e, ao mesmo tempo, promove alterações na legislação no âmbito

nacional. O movimento promovido pelo parquet trabalhista visa amparar não só aqueles que

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podem vir a ser expostos, mas também aqueles que já foram contaminados e sofrem com as sequelas

proporcionadas pelo contato com a fibra ou com produtos que a contenham em sua composição.

Por essas e outras atitudes, de forma inédita à uma entidade governamental, (MPT,

2015).

Como dito por Gandhi: “você deve ser a mudança que quer para o mundo”, esta frase é

perfeitamente encaixável à atitude do MPT e pela COODEMAT9, instituída através da Portaria

281, que baniu o amianto do órgão ministerial, por meio da proibição de aquisição de todo e

qualquer produto que contenha a substância em sua composição (MPT, 2013).

2.4. SUBSTITUTOS PARA O AMIANTO

O banimento do amianto, em sua integralidade, já é consagrado em mais de 60 países, tendo

a Islândia como pioneira em 1983. O Brasil, que está entre os três maiores produtores mundiais da

substância mineral, baniu o uso e exportação do amianto em apenas 7 estados (ABREA, [s.d]).

Tendo em vista a necessidade de banir a substância do quadro, novas fibras são

pesquisadas de forma a substituir efetivamente o asbesto do mercado brasileiro, dentre estas

novas tentativas, encontra-se a fibra de eucalipto. Fibras com menor custo se comparado com outros

substitutos do amianto, possuem mais qualidades como o fato de ser biodegradável e poder ser

renovado, os resultados positivos foram descobertos pelo engenheiro Gustavo Tonolo, em seu

doutorado intitulado: “Fibras Curtas Eucalipto para novas tecnologias em fibrocimento”. A fibra

de eucalipto, como já citado, é mais barata se comparada ao Pinus, o que é muito importante já

que o grande argumento utilizado por que é a favor do amianto, principalmente os grandes

empresários e representantes de indústrias, é que o amianto é uma substância de baixíssimos custos,

devido a sua abundância na natureza. É comprovado que a estrutura da fibra de eucalipto faz com

que a produção de fibrocimento tenha mais benefícios ao meio ambiente, visto que as máquinas

reagem e possuem um desempenho melhor, economizando energia em razão disto

(EXAME, 2012).

9 Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho

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Mesmo diante de tantos benefícios, a alternativa mais utilizada é a fibra de Pinus10

, esta traz

características parecidas com a aquisição do amianto, quais sejam a facilidade de aquisição e

acessibilidade financeira. Devida a vasta extensão de recursos florestais no Brasil, esta também

seria uma boa alternativa, pois também mantém a facilidade de acesso e o baixo custo de

aquisição da matéria (SANTOS e TEIXEIRA, 2006).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, conclui-se o presente artigo com a certeza de que é infundada a elevada resistência

ao banimento do amianto, evidente que há a interferência do fato econômico, tendo em vista o

elevado capital de giro que é movimentado por esta matéria prima.

No entanto, é importante trazer à baila os mais de 66 países que já baniram o amianto em

todos os seus estados, um número tão expressivo como este não é atingido por causa de uma

infração simples aos direitos trabalhistas. O assunto em debate são as vidas dos trabalhadores e

de seus familiares, assim como aqueles que moram nos arredores de fábricas que utilizam o

amianto, todos estes estão expostos a um componente altamente nocivo à saúde.

Ademais, constata-se a existência de substitutos efetivos ao amianto, que possuem baixo

custo, encontrados em abundância e, o mais importante, não são lesivos à saúde humana.

Portanto, em respeito à dignidade da pessoa humana e ao direito à vida, a solução ideal para

tal impasse é o banimento desta substância maligna.

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10 Espécie de pinheiro

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AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: A Aplicabilidade e Eficácia da Audiência de

Custódia no Poder Judiciário Acreano

Marcos Paulo Pereira Gomes1

Maviane Oliveira Andrade2

RESUMO: Na contemporaneidade, ganha cada vez mais destaque as normas internacionais

sobre Direitos Humanos, em especial, os tratados, que objetivam evitar violações à dignidade

da pessoa humana. Assim, em razão desse novo panorama, surge a audiência de custódia,

medida garantista, com previsão na Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ambos ratificados pelo Brasil. Nesse diapasão, a

audiência de custódia tem por finalidade garantir que o indivíduo preso seja imediatamente

levado, dentro de um prazo razoável, perante o magistrado competente que analisará a

necessidade ou não da segregação cautelar, bem como se houve tortura ou outra forma de abuso

por parte das autoridades públicas. Ademais, tendo em vista não existir na legislação ordinária

regulamentação sobre a audiência de apresentação, apenas em atos administrativos como o

Provimento Conjunto n° 03/2015 da Presidência do Tribunal de Justiça e da Corregedoria Geral

de Justiça de São Paulo e a Resolução n° 213 de 15 de dezembro de 2015 do Conselho Nacional

de Justiça, a temática ainda é polêmica, gerando muito debate entre os juristas, em especial, pelo

reconhecimento ou não da hierarquia das normas internacionais de direitos humanos ratificadas

pelo Brasil, sem o quorum do Congresso Nacional, ou seja, sem ter força de emenda

constitucional, conforme precisão constitucional, o que no último ano culminou em várias

decisões divergentes nos tribunais do país gerando certa instabilidade. Portanto, pretende-se

com o presente trabalho compreender a importância da implantação da audiência de custódia

como exteriorização do processo penal democrático através de uma pesquisa aplicada sobre o

tema.

Palavras-chave: Audiência de custódia. Judiciário Acreano. Direitos Humanos.

ABSTRACT: In contemporary times, the international norms on Human Rights, in particular,

the treaties, which aim at avoiding violations of the dignity of the human person, are

becoming increasingly prominent. Thus, due to this new outlook, the custody hearing, a

guarantor measure, is provided for under the American Convention on Human Rights and the

International Covenant on Civil and Political Rights, both ratified by Brazil. In this context,

the custody hearing is intended to ensure that the arrested individual is promptly brought

before the competent magistrate who will analyze the need for preventive segregation, and if

1

Advogado, bacharel em direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental, Membro Titular da Escola Superior da

Advocacia da OAB Seccional Acre. Pós-Graduado em Direito Constitucional e Docência no Ensino Superior

pela Faculdade da Amazônia Ocidental. Professor de Direito Constitucional, Direito Processual Civil, Teoria Geral

do Processo e Direito Penal na Faculdade da Amazônia Ocidental – FAAO.

2

Advogada, bacharel em direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental, Pós-Graduanda em Direito Penal pela

Faculdade Damásio de Jesus, associada do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

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there has been torture or other Public authorities. In addition, in view of the fact that there is

no regulation in the ordinary legislation on the presentation hearing, only in administrative

acts such as Joint Appointment 03/2015 of the Presidency of the Court of Justice and of the

General Office of Justice of São Paulo and Resolution no. 213 of December 15, 2015 of the

National Council of Justice, the issue is still controversial, generating much debate among

jurists, especially the recognition or not of the hierarchy of international human rights standards

ratified by Brazil, without the quorum of the Congress National, that is, without having the

force of constitutional amendment, according to constitutional precision, which in the last year

culminated in several divergent decisions in the courts of the country generating some

instability. Therefore, it is intended with the present work to understand the importance of the

implementation of the custody hearing as externalization of the democratic criminal

process through an applied research on the subject.

Keywords: Custody hearing. Acreano Judiciary. Human rights.

INTRODUÇÃO

O cenário jurídico contemporâneo é marcado por normas de Direito Internacional

dos Direitos Humanos que objetivam tutelar garantias aos cidadãos na sociedade, bem como

evitar que violações à dignidade da pessoa humana sejam permitidas. Nessa esteira, no plano

garantista podemos destacar a audiência de custódia, tema da presente pesquisa, com previsão

na Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992.

Portanto, a audiência de custódia visa a garantir que o indivíduo preso seja

imediatamente levado, dentro de um prazo razoável, perante a autoridade judiciária

competente que analisará a necessidade da segregação. Nesse vagar, o atual código de

processo penal estabelece que, via de regra, somente no momento da audiência de instrução e

julgamento, através do interrogatório, será a ocasião em que o réu será apresentado a uma

autoridade judiciária, sendo este o último ato do processo de conhecimento.

Assim, a medida analisada representa um aspecto importante na busca por um processo

penal democrático que se pauta na efetividade das garantias dos direitos fundamentais e

normas de direitos humanos. Quanto à problemática desenvolvida deverá ser analisada como

garantir a implantação da audiência de custódia no Brasil, por tratar-se de matéria com previsão

internacional e regulamentada internamente em poucos países, as barreiras que dificultam a

adoção de tal medida e, consequentemente, as vantagens dela decorrentes.

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Dessa forma, a audiência de custódia por ser ato praticado logo após a prisão do

indivíduo e não no final na instrução processual penal como previsto, possibilitará a redução

da quantidade de presos provisórios, ou seja, aqueles sem uma sentença condenatória.

Nesse diapasão, para que tal medida seja solidificada no país, devem ser levadas em

consideração as seguintes hipóteses: aprovação do Projeto de Lei do Senado 554/2011 que altera

o art. 306, §1° do CPP, estabelecendo o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação

do preso ao juiz, o reconhecimento do bloco de constitucionalidade, demonstrando a hierarquia

entre as normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos e a legislação interna brasileira,

além da necessidade da criação de varas especializadas para a fiel realização da audiência

preliminar.

Dessa forma, o objetivo geral da presente pesquisa visa a compreender a importância

da implantação da audiência de custódia como exteriorização do processo penal democrático.

Partindo dessa diretriz, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: demonstrar

qual a relação entre a matéria e o processo penal democrático e humanizado, assim como a

necessidade da adequação das normas processuais penais brasileiras aos tratados

internacionais sobre direitos humanos, além de estudar os aspectos jurídicos que demonstrem

a eficácia ou não das audiências de custódias, analisar as várias divergências com relação ao

tema e a importância de buscar formas efetivas para garantir a dignidade da pessoa humana e

o desencarceramento.

1. CONCEITO E CONTEXTUALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

1.1 CONCEITO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

O termo audiência, origina-se do “latim audientia, de audire, (escutar, atender),

exprime ou possuiu sentido de escuta, atenção, audição” ao passo que a palavra custódia

derivada do “latim custodia, de custos (guardião, conservador, defensor, protetor) significa o

estado da pessoa, que está sob a guarda, proteção ou defesa de outrem”. Neste viés, a partir de

tais premissas podemos concluir que a audiência de custódia trata-se de procedimento

garantista, vez que permite que o indivíduo preso seja imediatamente levado à presença de

uma autoridade judiciária competente, que terá como encargo avaliar a legalidade ou não da

segregação (SILVA, 2008, p. 169 e 408).

Assim, consoante ensinamentos de Lopes Jr. e Paiva (2014), a denominada audiência

de custódia consiste, basicamente, no direito de todo cidadão preso ser conduzido, sem

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demora, à presença de um juiz para que, nesta ocasião, (i) se faça cessar eventuais atos de

maus tratos ou de tortura e, também, (ii) para que se promova um espaço democrático de

discussão acerca da legalidade e da necessidade da prisão.

Portanto, trata-se de mecanismo que possui como sustentáculo a busca por um

efetivo acesso à justiça penal, haja vista que se pauta no combate às ilegalidades decorrentes

da prisão. Para ratificar o conceito, a doutrina leciona que a medida consiste “na condução do

preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir de prévio

contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato

de legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do

cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura”, sendo uma

demonstração de um processo penal democrático e humanizado (2015, p. 31).

2. A ANÁLISE DAS PRISÕES À LUZ DA RESOLUÇÃO N° 213 DE 2015 DO

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E O PROJETO DE LEI DO SENADO N° 554

DE 2011

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou em fevereiro de 2015 a Resolução

nº 213, a qual fez a implantação de Audiência de Custódia, (também conhecida como

audiência de apresentação) no Ordenamento Jurídico Brasileiro, consistente na garantia da

ligeira apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante.

O escopo é que o acusado seja apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma

audiência em que será ouvido. Além disso, será realizada uma análise cuidadosa em relação

as prisões, como forma de garantir efetividade aos tratados internacionais de direitos

humanos, quais sejam, o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos que o Brasil é signatário e ao mesmo tempo, buscando solucionar o problema

da banalização no uso das prisões cautelares no País, que leva desde a antiguidade à superlotação

carcerária e diversas violações dos direitos fundamentais daqueles que são investigados. O

artigo 7º, item 5, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos proclama:

Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz

ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser

julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de

que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que

assegurem o seu comparecimento em juízo.

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Também no mesmo sentido, o artigo 9º, item 3 do Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos, afirma:

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser

conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei

a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser

posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não

deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias

que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos

do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

Desse modo, entendem alguns defensores da audiência de custódia como o Autor Aury

Lopes Júnior (2015), que tal instituto é de grande importância e possui bastante relevância no

campo prático, vez que, o índice de encarceramento de crimes que, em tese, não são punidos

com pena de reclusão é muito menor. Ainda para o autor, o juiz tem a oportunidade de analisar

o caso concreto de forma prática, tendo contato direto com o flagranteado. Desta forma,

supostamente, sua análise seria individualizada.

3. APLICAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO PODER JUDICIÁRIO

ACREANO

Como visto, as audiências de custódia passaram a ser realizadas no Brasil após a

implantação do “Projeto Audiência de Custódia” lançado em fevereiro de 2015, através de

uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), O Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo (TJSP) e o Ministério da Justiça.

No Estado do Acre, décima oitava unidade da federação a aderir ao projeto, a

implantação ocorreu, oficialmente, em 14 de setembro de 2015. No lançamento do projeto,

realizado pelo presidente do CNJ e do STF, à época, Ricardo Lewandowski, foi realizada a

assinatura do termo de adesão do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, representado pela então

Presidente Cezarinete Angelim, e do Governo do Estado do Acre, representado pelo Governador

Sebastião Viana Macedo Neves, ao Termo de Cooperação Técnica n.º

007/201523, celebrado entre o CNJ, o Ministério da Justiça e o Instituto de Defesa do Direito

de Defesa.

Na mesma oportunidade, foi celebrado o Termo de Compromisso n.º 005/2015 entre

o CNJ, o Ministério da Justiça, o Governo do Estado do Acre, TJAC, a Corregedoria-Geral do

Estado do Acre (CGJ/AC), a Defensoria Pública do Estado do Acre (DPAC) e a Ordem dos

Advogados do Brasil – Seccional Acre (OAB/AC), onde os partícipes se comprometeram a

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engendrar todos os esforços para implementação das medidas administrativas necessárias para

adequar o sistema de justiça criminal do Estado do Acre às rotinas de apresentação da pessoa

presa em flagrante à presença do juiz.

No presente capítulo, será abordado o início da implantação do projeto audiência de

custódia na Comarca de Rio Branco-AC, frisando-se as principais mudanças em relação aos

outros estados da federação. A seguir, serão apresentados os principais números das

audiências de custódia desde sua implantação. Ato contínuo, analisar-se-á o impacto da

implantação das audiências de custódia nos números de presos provisórios e de casos de

tortura e maus tratos quando das prisões em flagrante. Por fim, serão estudados alguns casos

específicos de decisões do judiciário acreano quando das custódias.

3.1 O INÍCIO DA EXPERIÊNCIA EM RIO BRANCO-AC

Tal decisão busca resolver, ou ao menos minimizar, a crise prisional do país. Após essa

determinação, muitos dos tribunais que ainda não haviam se mobilizado para implantar tal

instituto, passaram a engendrar esforços nesse sentido.

A Corregedoria-Geral de Justiça do Acre, em parceria com a Presidência do Tribunal

de Justiça, já estava, bem antes dessa decisão, estudando e se articulando para implantar o

projeto audiência de custódia no estado. Tanto é que em 12 de maio de 2015, a 1ª Vara Criminal

da Comarca de Rio Branco, realizou nos autos 0004573-55.2015.8.01.0001, após sugestão da

Corregedora-Geral de Justiça do Estado do Acre, Desembargadora Regina Ferrari, audiência

de custódia em caráter experimental, evento que contou com a presença de diversas autoridades

do estado.

Contudo, é inegável que a decisão do STF agilizou o processo de implementação do

projeto que, como visto, foi oficialmente lançado em 14 de setembro de 2015 com as assinaturas

dos termos de adesão e compromisso e a realização da primeira audiência de custódia do estado

do Acre.

3.1.1 A primeira Audiência de Custódia realizada no Estado do Acre

A primeira audiência de custódia realizada, quando do lançamento do projeto do

CNJ, no estado do Acre, foi emblemática, não apenas por ter sido a primeira, mas

principalmente pelas reações dos juristas e da população à decisão tomada pelo magistrado.

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E. de S. A e J. P. C. de S. foram presos na madrugada do dia 14/09/2016 após tentaram

subtrair mediante grave ameaça e violência exercidas com emprego de arma imprópria (chave

de roda), um aparelho de celular. A vítima encontrava-se em frente a sua residência, quando os

flagranteados a abordaram, anunciaram o assalto e ante a sua reação, E. a segurou e J. desferiu-

lhe aproximadamente cinco golpes com a chave de roda. Uma guarnição da polícia que

passava no momento do crime prendeu os indivíduos em flagrante e prestou auxilio a vítima.

Em sua decisão, o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco,

Danniel Gustavo Bomfim A. da Silva, entendeu, ante a análise da conduta de cada um dos

acusados e suas vidas pregressas, por decretar a prisão preventiva de J. P. C. de S., uma vez

que foi quem de fato praticou a ação de desferir os golpes contra a vítima, além de não ser

um estreante na prática de crimes com violência e grave ameaça à pessoa, pois contava

com uma condenação por homicídio qualificado perante a 1ª Vara do Tribunal do Júri,

estando a época cumprindo pena no regime aberto. Quanto a E. de S. A., o magistrado entendeu

que o flagranteado não empregou violência real contra a vítima e que sua intenção era tão

somente de violar o patrimônio e não sua integridade física, considerou, ainda, que o

flagranteado, com 38 anos de idade, era usuário de drogas desde os 14, nunca tendo recebido

qualquer oportunidade de tratamento, cometendo crimes para sustentar seu vício. Ademais, o

flagranteado possuía uma única condenação, esta pelo crime de furto, crime esse cometido,

notadamente, por viciados em drogas na tentativa de sustentar seu vício, assim, foi-lhe

concedida liberdade provisória combinada com as medidas cautelares do art. 319 do CPP, dentre

elas o monitoramento eletrônico, bem como o encaminhamento a um centro de tratamento para

usuários de droga.

A decisão do magistrado em relação a E. de S. A. dividiu opiniões. Por um lado, foi

duramente criticado por manter em liberdade uma pessoa com processos em andamento e com

tendências ao crime, essas críticas passaram a ser direcionadas não apenas à decisão do

magistrado, mas ao instituto da audiência de custódia, afirmavam que se tratava de um projeto

que visava tão somente retirar “bandido” da cadeia e colocá-lo na rua, ante os problemas de

superlotação carcerária. Por outro lado, a decisão do magistrado foi fortemente aplaudida por

parcela dos juristas, ante o caráter eminentemente humanitário, uma vez que pela primeira vez

foi dada a oportunidade de um indivíduo viciado em drogas ser tratado de sua doença.

Contra a decisão, o Ministério Público impetrou recurso em sentido estrito, contudo

o recurso foi julgado prejudicado, ante a perda superveniente do objeto, pois o Juízo Singular

da 3ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco decretou a prisão preventiva de E. de S. A.,

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em razão do descumprimento das medidas cautelares fixadas, o flagranteado rompeu a

tornozeleira e saiu da instituição de tratamento de drogas. Em 26 de julho de 2016 ambos

acusados foram condenados a 06 (seis) anos 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias, no regime

fechado, pelo crime do art. 157, § 2º, I e II, c/c art. 14, II, ambos do CP.

Após essa audiência inaugural, as audiências de custódia passaram a ser rotina na

Comarca de Rio Branco-AC, tão somente a partir de 03 de novembro de 2015. A seguir, serão

analisadas algumas particularidades do modelo adotado na Comarca de Rio Branco-AC.

3.1 PRAZO E PROCEDIMENTO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Para que a audiência de custódia atinja sua finalidade é necessário que o preso seja

apresentado dentro de um prazo razoável, para evitar agressões ou que os sinais delas

apagassem, bem como que pessoas fiquem detidas ilegalmente. Dessa forma, a Convenção

Americana de Direitos Humanos no seu art. 7º item 5, estabelece que:

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença

de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o

direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo

de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que

assegurem o seu comparecimento em juízo. – Grifos nossos (www.cidh.oas.org).

Em razão disso, cada país estabeleceu um prazo para a referida apresentação, assim, na

lições de Andrade e Alflen (2016, p. 126):

A título de exemplo, a Constituição da Guatemala (artigo 6º) prevê essa

apresentação em prazo não superior a 06 horas, ao passo que o CPP do Chile

(artigos 131 a 132) prevê o prazo de 24h. Por sua vez, a Constituição do Haiti (artigo

26), a Constituição da Nicarágua (artigo 33.2), a Constituição do México (artigo 16),

a Constituição da África do Sul (artigo 35.1, letra d) e a Constituição de Portugal

(artigo 28.1) estabelecem o prazo máximo de 48 horas, mesmo lapso presente no

CPP do Equador (artigo 173). Estabelecendo um prazo mais dilatado, a Constituição

da Espanha fixa um prazo de 72 horas para essa apresentação, mesmo prazo fixado

pelo CPP da Suécia (Capítulo 24, Seção 12, 1º parágrafo).

Diante disso, Paiva (2016, p. 56) defende que:

Considerando que o CPP brasileiro já prevê o prazo de vinte e quatro horas para que

seja encaminhado o auto de prisão em flagrante ao juiz competente (art. 306, §1°),

me parece razoável adotar-se o mesmo lapso temporal para a apresentação do preso

à autoridade judicial.

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Com isso, o referido prazo é o indicado no PLS 554/2011 acima estudado, bem como

foi o fixado na Resolução n° 213 de 15 de dezembro de 2015 do CNJ, em seu artigo 1º, vejamos:

Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da

motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas

da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre

as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão. – Grifo nosso (CNJ,

2015).

Dessa maneira, conforme vem sendo defendido, o prazo razoável para que ocorra a audiência

de custódia deve ser de até vinte e quatro horas após a prisão. Quanto ao procedimento da audiência de

custódia, necessário salientar que não pode ser entendida como interrogatório ou instrução processual,

dessa forma, Paiva ensina que “atividade judicial praticada pela audiência de custódia, com a

participação do Ministério Público e da Defesa deve se limitar a circunstâncias objetivas da prisão e

subjetivas sobre o cidadão conduzido”. Em razão disso, não pode ser vista como interrogatório,

devendo ser obrigatória a presença do cidadão conduzido, seu advogado/defensor público, o membro

do Ministério Público e o magistrado.

Quanto à temática Lopes Jr. e Rosa (2015, p. 24.) destacam que:

Na audiência de custódia deve-se seguir os seguintes passos: A prisão é ilegal, isto é, era hipótese de flagrante (CPP, art. 302,303)? Se não, relaxa-se; 2.1.) Relaxada a prisão o Ministério Público poderá requerer a prisão preventiva ou a aplicação de medidas cautelares; sustentando-se as razões do flagrante; 3.1.) O Ministério Público se manifesta pelo requerimento da prisão preventiva ou aplicação de cautelares ou acolhe as razões formuladas eventualmente pela autoridade policial; 3.2.) A defesa se manifesta sobre os pedidos formulados pelo Ministério Público, o

juiz não pode decretá-lo de ofício, já que não existe processo (CPP, art. 311, vale

conferir a redação). O magistrado decide – fundamentadamente – sobre a aplicação

das medidas cautelares diversas ou, sendo elas insuficientes e inadequadas, pela

excepcional decretação da prisão preventiva.

Assim, deve ser observados os passos acima citados, para a fiel realização do procedimento.

3.2 ASPECTOS POLÊMICOS SOBRE A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Importante destacar, que a resolução aqui discutida não criou o instituto e muito menos

conferiu a sua aplicabilidade. Em verdade, a chamada “audiência de garantias” foi introduzida

no ordenamento jurídico brasileiro no dia 6 de novembro de 1992, através do Decreto 678, que

tornou o Brasil signatário da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de

São José da Costa Rica), desta forma, uma vez que a inserção do referido tratado não se deu

conforme o disposto no artigo 60, § 2º da Constituição Federal, seu caráter será de

suprelegalidade, ou seja, acima da lei e abaixo da Carta Magna.

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Destarte, já havia a previsão legal da audiência de apresentação, sendo certo que, a

resolução n° 213 do CNJ foi criada com o escopo de regulamentar a aplicação do referido

instituto de forma a organizar administrativamente o poder judiciário. Sendo assim, com a

decisão citada acima, a resolução continuou vigente, bem como o prazo estabelecido para

implantação da audiência de custódia nos tribunais do país. Superados os questionamentos sobre

a competência para regulamentar a medida objeto de estudo, outro fator observado por muitos

foi a falta de estrutura física e de pessoal para a devida realização da audiência de apresentação

em todo o país, o que para muitos estudiosos contrários à implantação geraria impossibilidade

ou ineficácia na medida.

Na mesma senda, a quantidade de presos em flagrantes que são colocados em liberdade

após a realização da audiência de apresentação, ainda não é bem vista ante a falsa ilusão de

impunidade, dessa forma, de acordo com artigo do professor Carone no site Metrópoles

“normatizada em 15 de dezembro do ano passado, as audiências de custódia se tornaram um

pesadelo, segundo policiais militares e civis que trabalham na ponta do sistema, retirando os

criminosos das ruas” (2015).

Assim, a medida é vista como burocrática, sendo colocada como verdadeira

exteriorização da impunidade. Em contrapartida aos argumentos acima expostos, Andrade e

Alflen (2016) destacam que:

No que diz respeito a absolutamente todos os impeditivos que vêm sendo

apresentados em âmbito nacional, é mais pacificado o entendimento junto à CIDH,

de que a comunicação da prisão ao juiz, a lavratura do auto de prisão em flagrante

pelo Delegado de Polícia e o exame deste auto por um integrante do Poder

Judiciária, sem a presença do sujeito preso ou detido, não se prestam a servir de

argumento para obstaculizar a aprovação daquele projeto de lei, muito menos, para

indeferir os pedidos encaminhados ao Poder Judiciário para a realização da

audiência de custódia (2016, pag. 143).

A resposta que vem sendo dada a esse argumento é de que a falta de estrutura é uma

justificativa costumeiramente apresentada para toda e qualquer inovação legislativa que importe

na mudança de práticas e rotinas de atuação. Dessa forma, é certo que a medida estudada altera

drasticamente a rotina de atuação de todos os envolvidos, em especial, da polícia judiciária que

deverá encaminhar o indivíduo preso ao Poder Judiciário para que seja realizada a audiência de

apresentação, no entanto, esse argumento, por si só, não é suficiente para negar uma garantia.

Andrade e Alflen (2016) mencionam que “o primeiro impacto a se verificar seria na atuação

da polícia judiciária, pois, com a realização da audiência de custódia, seu serviço já não

seria predominantemente cartorial” (2016, p. 126).

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3.3 ANÁLISE DOUTRINÁRIA

3.3.1 Argumentos Contrários ao Instituto

Posicionamentos contrários à audiência de custódia estão cada vez mais frequentes

em nosso arcabouço jurídico. Um dos mais recorrentes argumentos contrários diz respeito à

problemas relativos à estrutura em que as audiências são conduzidas, como a falta de tradução

ou intérprete para presos estrangeiros e a inadequação do espaço onde ocorre o contato prévio

entre a pessoa detida e sua defesa. Dessa forma, conforme o Mestrando Thiago Nascimento

dos Reis, “a estrutura da custódia precisa melhorar porque atualmente esse déficit está

violando o direito ao devido processo legal dos detidos. Dessa forma, fornecer tradução ou

intérprete é uma garantia prevista em tratados internacionais de direitos humanos e essa

prática não tem sido notada nas audiências de custódia observadas” (2015). Nesse mesmo

sentido, continua:

A pessoa não entende do que está sendo acusada, não consegue fazer sua defesa e está

tendo seus direitos restringidos, apesar de não estar entendendo nada. Um defensor

público (entrevistado na pesquisa) relatou que a audiência de custódia de um acusado

surdo-mudo foi feita sem tradução e a pessoa acabou em prisão preventiva. É um

problema grave. Eu mesmo atuei como intérprete para o inglês em uma audiência de

um nigeriano acusado de tráfico de drogas durante a pesquisa” (REIS, 2015).

O respeitável doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2015), afirma que em nosso país,

o delegado é a autoridade que tem o primeiro diálogo com o preso, sendo seu exercício

devidamente fiscalizado por um juiz em, no máximo, 24 horas. Ilegalidades podem ser

sanadas pela simples leitura do auto, da mesma forma que liberdades provisórias podem ser

concedidas do mesmo modo. Além disso, os juízes responsáveis e cuidadosos concedem

fiança ou outras medidas cautelares, afastando o detido da prisão, pela simples leitura do auto.

Dessa forma, não vê a necessidade de ter o contato direto e urgente com o preso, haja vista

que, quando há requisitos suficientes para a soltura, isso ocorre.

Dessa forma, é seu entendimento contrário:

A audiência de custódia, com a devida vênia, é um modismo, trazendo vários mitos

para serem explorados. Alguns argumentam que ela é a concretização do próprio

instrumento do habeas corpus (toma o corpo). Além disso, o instituto retira policiais

das ruas e delegacias, causando problemas para a segurança pública, além de aumentar

as atribuições administrativas dos juízes. Além disso, a validade dos flagrantes

já é analisada por todos os órgãos nos gabinetes, sem a obrigação do encontro pessoal

(NUCCI, 2015, p. 239).

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Com isso e em outros termos, a autoridade judiciária que quer soltar, assim o faz,

sem necessidade alguma de estar em uma mesma sala que o detento, de forma que quem não

solta, mantendo quase sempre a prisão cautelar, não vai mudar porque teve contato, olhou nos

olhos e conversou alguns minutos com o preso.

Com tais argumentos, chegamos à conclusão de queas críticas são válidas e repercutem

significativamente no dia a dia do poder judiciário, pois não há estrutura suficiente neste

imenso Brasil para aparelharmos todas as Comarcas para esse contato. Porém, se é um direito

humano fundamental que, segundo alguns, está sendo descumprido desde

1992 (argumento mais trazido pelos defensores da audiência de garantias), não pode ser

implantado aos poucos. Ou é direito fundamental ou não é. Ou se tem ampla defesa ou não se

tem. É preciso, adotada a audiência de custódia, como forma procedimental legal, para o

controle da prisão cautelar, que seja efetivamente implantada em todo o Brasil de imediato.

3.3.2 Argumentos Favoráveis ao Instituto

Como já mencionado anteriormente, este tema revela nítida discussão doutrinária. O

autor Renato Brasileiro (2015), a favor do instituto, argumenta sua posição no sentido de que,

quando ocorre a convalidação judicial da prisão em flagrante é realizada sem a apresentação

do preso em flagrante, ou seja, tão somente com a remessa dos autos do Inquérito Policial à

autoridade judiciária. Dessa forma, a decisão judicial certamente termina sendo fortemente

influenciada pela opinião da autoridade policial e do órgão ministerial, que na grande maioria

das vezes se manifestam a favor da conversão em prisão preventiva (ou temporária).

A perspectiva de uma dimensão multifocal sobre a (des) necessidade de manutenção

da custódia cautelar proporcionada por essa dialética inicial decorrente do contato imediato

entre o juiz e o flagranteado abre os horizontes da cognição judicial, enriquecendo o próprio

juízo de convalidação judicial da prisão em flagrante. Dessa forma, o autor ainda relata o

seguinte:

Só para que se tenha uma ideia da importância desse contato entre o juiz e o preso

em flagrante, no primeiro dia de atividades do projeto responsável pela implantação

da audiência de custódia na comarca de São Paulo, dos 25 (vinte e cinco) indivíduos

presos em flagrante apresentados, 17 (dezessete) foram beneficiados com liberdade

provisória, ao passo que somente 8 (oito) tiveram o flagrante convertido em prisão

cautelar. Fosse a convalidação judicial realizada sem a audiência de custódia, não

temos dúvida em afirmar que a proporção seria inversa. A realização desta audiência

de custódia também visa à diminuição da superpopulação carcerária. Afinal, em

contraposição à simples leitura de um auto de prisão em flagrante, o contato mais

próximo com o preso proporcionado pela realização da audiência de custódia

permite elevar o nível de cientificidade da autoridade judiciária, que terá melhores

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condições para fazer a triagem daqueles flagranteados que efetivamente devem ser

mantidos presos (BRASILEIRO, 2015, p. 134).

Caio Paiva (2015), também defensor da realização da Audiência de Custódia,

argumenta que garantindo-se a apresentação imediata, ou, ainda, “sem demora” a audiência de

custódia pode minimizar ou até mesmo eliminar a violência policial exercida muitas vezes no

momento da abordagem no flagrante e nas horas seguintes, haja vista que os responsáveis pela

apreensão/condução do preso terão prévia ciência de que qualquer alegação de tortura poderá

ser levada imediatamente ao conhecimento da autoridade judicial, da Defesa, seja ela pública

ou privada e do Ministério Público, na realização da audiência de custódia.

Vejamos:

Não se trata de uma crítica generalizada ao trabalho desempenhado pela Polícia. Os

bons policiais, que respeitam a integridade física e psíquica dos cidadãos presos, não

têm porque temer a apresentação do preso à autoridade judicial. Os maus, porém, que,

espera-se sejam a minoria, se autodenunciarão ao se manifestarem contra a medida

(PAIVA, 2015).

Em uma entrevista com o Autor Caio Paiva, publicada em diversos sites jurídicos,

indagado se a audiência de custódia seria uma pratica sem volta, o autor afirma que a

implementação da audiência de custódia no Brasil, embora tardia, é uma vitória dos Direitos

Humanos, um raro momento de sensatez político-criminal do nosso país e que deseja que seja

uma pratica sem volta, pois, isso significaria retrocesso.

No mesmo sentido, ainda com relação a argumentos favoráveis ao instituto da

Audiência de Custódia, ela deverá ser identificada no seu propósito de evitar prisões ilegais,

arbitrárias ou, por algum motivo, desnecessárias. Tal escopo demonstra que o processo penal

pode ajudar na diminuição do poder punitivo. Esta, aliás, conforme adverte Casara (2014),

deveria ser uma noção fundamental: o Direito Penal se afasta do arbítrio na medida em que

serve como limite ao exercício do poder punitivo. Da mesma forma, adverte ainda o autor

que:

Não se pode esquecer que, ao menos no Estado Democrático de Direito, a função

das ciências penais, e do processo penal em particular, é a de contenção do poder. O

processo penal só se justifica como óbice e à opressão. O desafio é fazer com que

sempre, e sempre, as ciências penais atuem como instrumento de democratização do

sistema de justiça criminal (CASARA, 2014).

As justificativas baseadas em evitar prisões ilegais e arbitrárias, poder punitivo

excessivo do Estado, dentre outras, tomam corpo e maior incidência com o passar do tempo,

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de forma a estabelecer um novo paradigma que servirá de sustentáculo a um novo sistema

penal e processual penal.

Dessa forma, já decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos que:

O controle judicial imediato é uma medida tendente a evitar a arbitrariedade ou

ilegalidade das detenções, tomando em conta que num Estado de Direito corresponde

ao julgador garantir os direitos do detido, autorizar a adoção de medidas cautelares ou

de coerção, quando seja estritamente necessário, e procurar, em geral, que se trate o

investigado de maneira coerente com a presunção de inocência (IDH, 2005).

Ainda, favoravelmente ao instituto, o Doutrinador Luiz Flávio Gomes menciona:

Com a audiência de custódia se evitará o encarceramento de muitos inocentes e de

pessoas que cometeram crimes, mas que não devem permanecer presas durante o

processo. Portanto, com a diminuição do número de prisões provisórias, além de

assegurar a garantia da presunção de inocência, acarretará redução significativa de

gastos públicos, isso porque reduzirá o déficit de vagas no sistema carcerário e os

custos decorrentes da custódia do preso. Permitirá também uma análise mais

cuidadosa das circunstâncias em que se deu a prisão, possibilitando ao juiz verificar

a ocorrência de eventual nulidade, evitando a desnecessária movimentação da

máquina judiciária com investigações e ações penais que padecem de justa causa.

Ainda, assegurará o reconhecimento de uma garantia constitucional dos acusados e

mitigará os custos colaterais impostos às suas famílias e à própria comunidade

(GOMES, 2015).

Da mesma forma, após ressaltar a especial vulnerabilidade do preso, a Corte IDH já

ressaltou que “o juiz é garante dos direitos de toda pessoa que esteja na custódia do Estado, pelo

que lhe corresponde a tarefa de prevenir ou fazer cessar as detenções ilegais ou arbitrárias

e garantir um tratamento conforme o princípio da presunção de inocência” (Corte IDH, sentença

proferida em junho de 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A audiência de custódia, conforme amplamente discutido, trata-se de uma medida

garantista, alicerçada em tratados internacionais, em especial, na Convenção Americana de

Direitos Humanos e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ambos ratificados

pelo Brasil, que garante ao indivíduo preso o seu encaminhamento a uma autoridade judiciária

competente, dentre de um prazo razoável, que avaliará a legalidade ou não da segregação.

Dessa forma, a medida internamente regulamentada pelo Provimento Conjunto n°

03/2015 da Presidência do Tribunal de Justiça e da Corregedoria Geral de Justiça de São

Paulo, sendo imediatamente questionada perante o Supremo Tribunal Federal, quanto à

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competência para legislar tal matéria, vez que afeta ao processo penal, restando à ação julgada

improcedente.

Nesse contexto, os questionamentos sobre a constitucionalidade ou não de vários

provimentos e resoluções dos Tribunais Estaduais e Federais que tratavam da matéria gerou

no início certa instabilidade, em especial, no tocante ao prazo razoável, todavia, conforme

Resolução n° 213 de 15 de dezembro de 2015 do CNJ, passou a ser adotado o prazo de até vinte

e quatro horas para a apresentação, sendo previsto também no PLS 554/2011, sem dúvida

razoável, para evitar a ocorrência de agressões ou que os sinais delas se apaguem ao longo do

tempo.

Além disso, a audiência de custódia não afronta a Constituição ou demais leis, os

críticos apenas tentam, de forma desesperada e com pouco fundamento, permitir a

internacionalização de uma medida que o próprio país já mostrou interesse em acatar, a partir

das ratificações supracitadas.

Assim sendo, o ponto nevrálgico da discussão, a linha de argumentação dos

contrários à implantação da audiência de custódia, é o sentimento de impunidade - nada jurídico

- ou seja, o trabalho incansável da polícia judiciária e a imediata liberdade do preso por parte

do Judiciário, no entanto, esquecem que a audiência de apresentação é realizada na presença do

advogado/defensor público, representante do Ministério Público e o magistrado. O que a

audiência de custódia demonstrou com a grande quantidade de concessão de liberdade,

são os reflexos da realidade brasileira, a prisão como primeira ratio, muitas vezes ilegais e com

tortura que antes ficavam no limbo, com a apresentação de meros papéis – auto de prisão em

flagrante - ao magistrado, dessa forma, a medida incômoda atingiu a sua finalidade ao

evitar tais situações.

A implantação da audiência de custódia foi defendida por muitos pelo alto nível de

presos provisórios no país, situação esta que mobilizou o Conselho Nacional de Justiça a

defender com veemência a medida, inclusive, através de edição de resolução, no entanto, o

que a audiência de custódia propõe é impedir ilegalidades ou abusos decorrentes da prisão

que, consequentemente, poderão acarretar na concessão de liberdade, mas não como única

medida que irá resolver a superlotação no sistema carcerário.

No tocante a competência para legislar sobre a temática, ideal seria a edição de lei

objetivando proporcionar maior estabilidade, vez que até o presente momento, apenas atos

administrativos dispõe sobre a matéria no âmbito interno, no entanto, a audiência de

apresentação está prevista em dois tratados internacionais sobre direitos humanos

ratificados pelo Brasil e, de acordo com o entendimento pacífico do Supremo Tribunal

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Federal, tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo país, possuem

status supralegal e infraconstitucional, sendo assim, por não afrontarem a Constituição, as

resoluções e provimentos apenas estabeleceram mecanismos específicos de uma medida

prevista em norma superior ao próprio Código de Processo Penal, por isso, não há que se falar

em inconstitucionalidade ou ilegalidade.

Por ser um mecanismo novo no ordenamento jurídico brasileiro, a medida gerou e

continua gerando profundas discussões entre os estudiosos, ante a falta de estrutura e de

pessoal, dessa forma, é necessário um período de adaptação e estruturação dos órgãos

envolvidos com a criação de varas especializas, conforme fez o Tribunal de Justiça do

Ceará, para garantir maior eficácia da audiência de custódia em todo o país. Por fim, diante

da atualidade do tema, não há como esgotá-lo nesse trabalho, haja vista as decisões judiciais

e proposituras de ações pleiteando sua devida implantação ou não serem constantes.

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DA APLICAÇÃO DA CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS PREVISTA NO

ARTIGO 219 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO PROCEDIMEN-

TO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Paulo Jorge Silva Santos1

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo abordar a discussão a respeito da aplicação

da contagem em dias úteis ao procedimento processual dos Juizados Especiais e, notadamen-

te, trazer à baila fatos e argumentos que demonstram que deve incidir a regra do artigo 219 do

CPC de 2015. Será feita uma abordagem de acordo com as normas previstas na Lei de Intro-

dução ao Direito Brasileiro, as quais dispõem sobre a aplicação e resolução de conflitos de

normas jurídicas no Direito pátrio. Por fim, apresenta uma crítica a respeito do decisionismo e

a falta de coerência jurídica da não observância do artigo 219 do CPC ao procedimento dos

Juizados Especiais.

Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil. Juizado Especial. Prazo processual. Dias

úteis. Dias corridos.

ABSTRACT: The purpose of this article is to discuss the application of counting on working

days to the procedural procedure of the Special Courts and, in particular, to bring to light facts

and arguments that demonstrate that the rule of article 219 of the CPC of 2015 should apply

An approach will be taken according to the norms foreseen in the Law of Introduction to Bra-

zilian Law, which provide for the application and resolution of conflicts of legal norms in the

country's law. Finally, it presents a critique of decisionism and the lack of legal coherence of

non-compliance with Article 219 of the CPC to the procedure of the Special Courts.

Keywords: New Code of Civil Procedure. Special Court. Procedural time limit. Working

days. Days running.

1 Procurador do Estado do Acre, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Acre. Pós-

Graduado em Direito Urbanístico pela Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduando em Direito Notarial e

Registral pela Universidade Anhanguera-Uniderp, em Direito Tributário pela Universidade Estácio de Sá.

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1. INTRODUÇÃO

A questão ora posta em discussão no presente artigo é nova no Direito brasileiro. O

motivo é porque ela foi inaugurada com a edição do Novo Código de Processo Civil - CPC, o

qual aportou no mundo jurídico pátrio através da Lei n. 13.105 no dia 16 de março de 2015.

Dessa forma, há pouca doutrina e discussões práticas consubstanciadas em arestos

jurisprudenciais a respeito da matéria.

Antes de abordar a temática em tela, veja-se a literalidade do artigo 219 do CPC:

“Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão

somente os dias úteis”.

A princípio, este autor sempre viu com clareza solar a aplicação da contagem em dias

úteis ao procedimento processual dos juizados especiais. Conforme chegava o dia em que o

CPC de 2015 viria a emanar seus efeitos, uma discussão surgiu no ordenamento jurídico bra-

sileiro: devem os procedimentos dos juizados especiais observar o art. 219 do CPC de 2015?

Com isso, logo se vê a capacidade dos operadores do direito em complicar a interpre-

tação das leis.

Muitos argumentos começaram a surgir no intuito de defender a contagem em dias

corridos para os procedimentos que tramitam nos juizados especiais. Na defesa dessa ideia, tem-

se como precursora e maior expoente a eminente Ministra Nancy Andrighi, atual Corre- gedoria

do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que se posiciona no sentido de que a adoção da nova

regra – art. 219 do CPC - atentaria contra os princípios fundamentais dos processos ana- lisados

pelos juizados, como a economia processual e a celeridade.

A corregedora afirmou que:

(...) jamais poderíamos aplicar o Código de Processo Civil, nem em caráter subsidiá-

rio e tampouco nas eventuais omissões da Lei 9.090, porque, enquanto o processo nos juizados é regido pela simplicidade, informalidade e oralidade, na Justiça tradi- cional, o processo é orientado pelo rigorismo das formas e pelo tecnicismo previsto no CPC. Essa é uma das leis [9.099] das mais avançadas e democráticas existentes no sistema legal. Então, vou ser repetitiva: é vedada, é proibida a aplicação do Códi-

go de Processo Civil, o novo ou o velho, no âmbito dos juizados especiais, sob pena de cometermos um pecado capital, que é igualar os juizados especiais à Justiça tra-

dicional (...)2.

Para encorpar essa linha de defesa, há quem argumente que assim dever ser porque o

novo CPC, quando quis alterar regras no procedimento dos juizados especiais, o fez expres-

2

CONJUR. Regras do novo CPC não se aplicam aos juizados, defende Nancy Andrighi. Disponível em:

http://www.conjur.com.br/2016-mai-20/regras-cpc-nao-aplicam-aos-juizados-defende-nancy-andrighi. Acesso

em: 25 de outubro de 2016.

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samente, a exemplo dos embargos de declaração, fato este que não se repetiu quanto à regra

de contagem dos prazos3.

Entretanto, na opinião deste autor, tais argumentos não sobrevivem à aplicação da

técnica jurídica, das bases de interpretação que todo aspirante a bacharel do Direito enfrenta nos

primeiros anos de sua jornada no curso de Direito, quando se depara com a famosa disci- plina

“Introdução ao Estudo do Direito”, ou mesmo quando estuda as bases do Código Civil, ao ver

a Lei de Interpretação das Normas do Direito Brasileiro.

2. DAS PREMISSAS PARA A DEFESA DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 219 DO

CPC AO PROCEDIMENTO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Antes de tudo, é preciso traçar algumas premissas básicas para entender a celeuma

em questão. A principal delas e ponto central deste artigo é que na Lei n. 9.099/95 não há re-

gramento expresso a respeito da contagem de prazos processuais.

Do mesmo modo, na referida lei não há previsão de muitos institutos processuais

previstos no CPC e usados no juizado especial – e, consequentemente, os respectivos prazos -

tais como a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, o agravo de instrumento, recurso ex-

traordinário, agravo de instrumento em recurso extraordinário, juízo de admissibilidade do

recurso inominado e recurso extraordinário, forma de julgamento dos recursos etc.

São basicamente três prazos na fase cognitiva e recursal que são expressos na Lei n.

9.099/95. Fala-se apenas em prazo de (i) 10 (dez) dias para recorrer e contrarrazoar recurso

(Lei n. 9.099/95, art. 42, caput e § 2º), (ii) 5 (cinco) dias para embargos de declaração (Lei n.

9.099/95, art. 49); e (iii) 30 (trinta) dias para habilitação do sucessor do falecido (Lei n.

9.099/95, art. 51, V e VI).

Diante dessas premissas, o interlocutor – notadamente o experiente operador do Di-

reito, sempre presente nessa justiça especial - que lê este artigo já se pergunta: então, se não

há regra específica a respeito da contagem dos prazos, assim como também não há regramen-

to expresso a respeito de muitos institutos processuais previsto no CPC, como eles são aplica-

dos nos procedimentos dos juizados especiais?

A resposta para a pergunta acima é a aplicação subsidiária do CPC ao procedimento

dos juizados especiais. A respeito da aplicação subsidiária, muitos são os arestos jurispruden-

ciais dos tribunais pátrios que, ao resolver problemas jurídicos processuais surgidos nos casos

3 http://www.amb.com.br/fonaje/?p=610

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concretos em tais procedimentos, afirmam que o CPC é aplicado subsidiariamente ao juizado

especial.

fendeu

4:

Pela doutrina, é válido citar Gajardoni, que, ao escrever na coluna do site Jota, de-

O ano de 2016, todavia, é crucial para a preservação do sucesso dos Juizados. Em

março/2016, entra em vigor o Novo Código de Processo Civil, que tem importantís-

sima aplicação subsidiária aos Juizados Especiais Cíveis, Federais e da Fazenda Pú-

blica.

Este autor endossa, ainda, o posicionamento acima, defendendo que o CPC, por ser

uma lei geral, aplica-se ao procedimento do juizado especial naquilo que não for contraditó- rio.

É isso que determina o artigo 2º, §2º do Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei

de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – ao dispor que “A lei nova que estabeleça

disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anteri-

or.”.

Veja-se, ainda, o que determina a regra de transição prevista no art. 1.046, § 2º do

Novo CPC: “Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em

outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código”.

Para pôr uma pá de cal na discussão, há a previsão do artigo 27 da Lei n. 12.153/09,

in verbis:

Art. 27. Aplica-se subsidiariamente o disposto nas Leis nos 5.869, de 11 de janeiro

de 1973 – Código de Processo Civil, 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001.

Poder-se-ia falar que o regramento acima faz referência ao Código de Processo Civil

revogado. Entretanto, entra em cena o artigo no art. 1.046, § 4º do Novo CPC para resolver a

situação: “As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em

outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código”.

Não obstante o artigo 27 da Lei n. 12.153/09 não fazer referência de sua aplicação ao

procedimento da Lei n. 9.099/95, é cediço que as regras dos Juizados Especiais formam um

sistema de regras que dialogam entre si, conforme determina o artigo 1º, Parágrafo único da Lei

n. 12.153/2009:

4 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A problemática compatibilização do novo CPC com os juizados espe-

ciais. Disponível em: http://jota.info/a-problematica-compatibilizacao-do-novo-cpc-com-os-juizados-

especiais#_ftn5. Acesso em: 20 de outubro de 2016.

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O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos

Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fa-

zenda Pública.

Nesse diapasão, o fato é que muitas regras CPC são aplicadas ao juizado especial. Já

era assim antes da vigência do novo CPC, mais precisamente, desde a entrada em vigor da Lei

n. 9.099/95.

Tendo-se como premissa que o CPC já era aplicado subsidiariamente ao procedimen-

to do juizado especial, a contagem dos prazos se dava na forma do antigo artigo 184 do CPC

de Alfredo Buzaid, ora já revogado, que previa:

Art. 184. Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) § 1o Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair

em feriado ou em dia em que: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

I - for determinado o fechamento do fórum;

II - o expediente forense for encerrado antes da hora normal. § 2o Os prazos somente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação (art. 240 e parágrafo único). (Redação dada pela Lei nº 8.079, de 13.9.1990).

No entanto, como cediço, o CPC passou por uma profunda mudança, no intuito de se

adequar às mudanças vividas na sociedade do Século XXI, notadamente ao constante aumento

de demandas, resolução das demandas de massa, aumento expressivo dos recursos nos tribu-

nais e Tribunais Superiores, transformações tecnológicas no âmbito do sistema de informação

etc.

Houve por bem, outrossim, o novo CPC trazer uma regra visando igualar, substanci-

almente, o advogado e os postulantes de um modo geral à magistratura, no que tange à labuta

diária e o descanso semanal. Essa regra é a contagem dos prazos em dias úteis.

Tal regramento foi uma reivindicação da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB e

tem como ratio essendi justamente permitir que o advogado desfrute do descanso semanal e

em feriados como todo outro trabalhador. Isso porque, na forma como era no CPC revogado,

dentro da contagem de prazos incluíam-se os fins de semana e os feriados pelo prazo abrangi-

do. Assim, tendo o advogado o prazo de quinze dias, na hipótese desse prazo começar a fluir

em uma segunda-feira, teria ele 11 dias úteis para confeccionar a peça acaso quisesse usufruir

do fim de semana com família e amigos. Dentro desse prazo de quinze dias começando em uma

segunda-feira haveriam dois fins de semana.

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E o que falar daqueles embargos de declaração cujo prazo começava a contar na quinta-

feira? Teria o advogado o prazo de 3 dias para confeccionar sua peça, acaso pretendes- se

usufruir o fim de semana como qualquer trabalhador.

Pois bem. Consoante obtemperado alhures, na forma de contagem dos prazos no pro-

cedimento dos juizados especiais, socorriam-se todos os operadores do Direito ao revogado

CPC, tendo vista, como já dito, inexistir regramento expresso na Lei n. 9.099/95.

Sendo assim, diante da mudança no Código de Processo Civil a respeito da contagem

do prazo processual, tal mudança deveria também ser seguida no procedimento do juizado

especial.

Trata-se, pois, como se vê, de um silogismo bem simples.

Entretanto, há quem vá de encontro ao silogismo acima. Não obstante, quem é con-

trário à aplicação da contagem em dias úteis ao procedimento dos juizados especiais não con-

segue responder a uma questão: da onde se extrairá uma regra editada pelo legislador ordiná-

rio, obedecendo as regras de resolução de conflitos e aplicação de normas, prevendo a conta-

gem em dias corridos para os prazos do procedimento do juizado especial?

Além do mais, entendido o motivo pelo qual o legislador decidiu abraçar a contagem

dos prazos em dias úteis – usufruto pelo advogado de descanso semanal e em feriados -, não

há porque entender que no procedimento dos Juizados Especiais seja diferente.

Frise-se: o legislador que editou a Lei n. 9.099/95, criando todo um arcabouço nor-

mativo para fazer valer o artigo 98, inciso I da Constituição Federal - ocasião em que não dis-

pôs, expressamente, sobre a forma de contagem do prazo processual – é o mesmo legislador que

entendeu por bem, agora, abraçar a forma de contagem dos prazos processuais em dias

úteis.

Veja, no momento em que editou a Lei n. 9.099/95, o legislador ordinário não enten-

deu relevante inovar um novo regramento para os prazos desta lei. Ele já efetivou os coman-

dos da celeridade, informalidade e oralidade através do próprio procedimento, sem precisar

impor uma contagem de prazo diferenciada.

Ainda, no momento em que editou a Lei n. 13.105/15 – Novo Código de Processo Civil

– o mesmo legislador ordinário entendeu, novamente, não ser relevante impor uma con- tagem

de prazos diferenciada para os procedimentos do juizado especial. Quando este legisla- dor quis

mudar alguma regra do procedimento do juizado especial, ele o fez expressamente, como, por

exemplo, com a atribuição de efeito interruptivo aos embargos de declaração pre-

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vistos no artigo 50 e § 2º do art. 83 da Lei n. 9.099/95. Veja-se abaixo o teor do artigo 1.065

do novel CPC:

Art. 1.065. O art. 50 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar

com a seguinte redação: (Vigência)

“Art. 50. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de

recurso.” (NR)

Art. 1.066. O art. 83 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com a seguinte redação: (Vigência) “Art. 83. Cabem embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição ou omissão.

.............................................................................................

§ 2º Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso. ...................................................................................” (NR)

Sendo assim, é de clareza solar a opção do legislador para que tudo continuasse co- mo

era antes, ou seja, se o juizado especial se socorria do CPC para contar seus prazos – an- tes, de

forma contínua -, deveria ele continuar a socorrer-se do CPC para contar os seus pra- zos

processuais, sendo agora na forma de dias úteis, e não de forma contínua.

É o que acontece hoje em relação a muitos institutos processuais regrados pelo CPC

e que não estão previstos na Lei do Juizado Especial, não obstante nele usados, tais como a

antecipação dos efeitos da tutela de mérito, o agravo de instrumento, recurso extraordinário,

agravo de instrumento em recurso extraordinário, juízo de admissibilidade do recurso inomi-

nado e recurso extraordinário, forma de julgamento dos recursos etc.

Escolher qual instituto do CPC irá aplicar ou não é agir de forma temerária, ao alve-

drio da escolha popular, que através de seus representantes decidiram quais regras seriam

aplicadas. Deixar de aplicar a contagem de prazo em dias úteis prevista no CPC, mas, parale-

lamente, aplicar outros institutos processuais que estão da mesma forma prevista no mesmo

diploma processual geral é agir de forma contraditória, incoerente. Dar-se-á origem, com vê-

nia à expressão usada, a uma tirania jurídica. Tirania, pois estar-se-ia subtraindo da vontade

popular, sem permissão e sem legitimidade, uma decisão por ela escolhida.

Querer aplicar a contagem contínua, prevista no antigo artigo 184 do revogado CPC

Buzaidiano gerará, ainda, uma situação esdrúxula: qual regramento será aplicado acaso o ven-

cimento do prazo se dê em fim de semana, feriado ou que, de qualquer modo, não houver ex-

pediente forense? Também não existe essa regra no novel CPC, que deveria ser a lei a ser

observada subsidiariamente no procedimento do juizado especial.

Pretender aplicar à força a forma contínua de contagem do prazo processual no âmbi-

to do Juizado Especial sob o único fundamento de que assim estará obedecendo aos princípios

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da celeridade, informalidade e oralidade que são observados nessa justiça especial é abusar

dos mecanismos de interpretação fornecidos pela atual concepção filosófica jurídica do pós-

positivismo.

Para se afastar um regramento ditado pelo legislador ordinário, em vigor e aplicável,

deve-se, no mínimo, declarar sua inconstitucionalidade. Mas nem mesmo declarando a in-

constitucionalidade da contagem de prazos em dias úteis especificamente para o juizado espe-

cial faria com que fossem contados tais prazos de forma contínua. Primeiramente porque não há

fundamento para a declaração de inconstitucionalidade, tendo em vista que o legislador

constituindo originário apenas determinou, no artigo 98, I da Constituição Federal, que o pro-

cedimento do juizado deve ser “oral” e “sumaríssimo”.

Seria um esforço hercúleo tirar do vocábulo “sumaríssimo”, previsto na Constituição,

uma interpretação apta a alicerçar a preterição do artigo 219 do CPC em prol da contagem

contínua do prazo processual no âmbito do juizado especial, a qual, reitere-se, não tem mais

arcabouço no mundo jurídico, pois o diploma em que estava prevista foi revogado – vetusto

CPC Buzaidiano.

Os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e cele-

ridade estão previstos no artigo 2º da Lei n. 9.099/95. Portanto, incabível a invocação de in-

constitucionalidade, pois tais princípios não estão previstos na Constituição, mas sim na lei.

Ainda que se declarasse a inconstitucionalidade, da onde viria o fundamento legal para

a aplicação da forma contínua do prazo processual no juizado? De nenhum lugar, pois a lei que

previa tal regra foi revogada.

Em suma, querer aplicar a contagem de prazo em dias corridos ocasionará uma ultra-

tividade de norma processual já revogada, sem autorização legal. Não se estar a tratar nem de

repristinação e nem de efeito repristinatório. Isso porque não há lei dispondo sobre o retorno

da vigência do artigo 184 do antigo CPC – repristinação – em obediência ao § 3º do artigo 2º

da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, nem há declaração de inconstitucionalidade sem

redução de texto do artigo 219 do atual CPC.

Qualquer tentativa de aplicar a contagem contínua do prazo processual no juizado

especial caracterizará, a toda evidência, em uma inclusão de palavras, ou seja, de normas, na

própria lei, fato jurídico vedado ao interprete. Será, portanto, uma inovação legislativa ilegí-

tima, pois somente as instituições previstas na Constituição é que detêm a atribuição para ino-

var o Direito brasileiro.

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Como último argumento, e para afastar a defesa de que a forma contínua de conta- gem

traria celeridade ao procedimento, deve-se ter em vista que a tão buscada celeridade no

procedimento dos juizados especiais virá com investimentos em recursos humanos e materiais

nessa justiça especial.

A adoção desta forma de contagem, em detrimento da contagem em dias úteis, trará

ao processo a diminuição de 2 a 4 dias em cada prazo processual. Conforme já dito acima, são

basicamente três prazos na fase cognitiva e recursal que são expressos na Lei n. 9.099/95: (i)

10 (dez) dias para recorrer e contrarrazoar recurso (Lei n. 9.099/95, art. 42, caput e § 2º), (ii) 5

(cinco) dias para embargos de declaração (Lei n. 9.099/95, art. 49); e (iii) 30 (trinta) dias para

habilitação do sucessor do falecido (Lei n. 9.099/95, art. 51, V e VI); e três prazos na fase

recursal que são utilizados aplicando-se subsidiariamente o CPC, (i) 15 (quinze) dias para o

agravo de instrumento; (ii) 15 (quinze) dias para o recurso extraordinário e (iii) 15 (quinze) dias

para o agravo de instrumento em recurso extraordinário.

Nessa linha de pensamento, a adoção da contagem contínua traria em média de 6 a

12 dias de economia para o procedimento como um todo.

Não obstante, é fato notório e público que há processos esperando movimentação

processual e demais julgamentos (sentenças e acórdãos) por muitos mais que 100 dias5.

Conclui-se, desta forma, pela pouca densidade do argumento fundado na celeridade

que a contagem contínua pode trazer.

É de se registrar que a discussão aqui abordada está gerando uma desnecessária inse-

gurança jurídica, pois muitos juizados especiais do país aplicam a regra prevista no 219 do CPC,

a exemplo dos Estados do Amapá, Amazonas, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro,

Rio Grande do Norte, Roraima, Distrito Federal e Tocantins6.

A respeito do assunto aqui tratado, alguns doutrinadores processualista já manifesta-

ram seus entendimentos.

Pondera o professor Rogério Licastro Torres de Mello que7:

De fato, não é razoável ponderar que contar apenas dias úteis para fins de cumpri-

mento de prazos no âmbito da Lei 9.099/95 tornaria o rito desta moroso, ou ainda

mais moroso (pragmaticamente falando). É de domínio público que as ações judici-

ais que tramitam nos juizados especiais cíveis Brasil afora exigem meses e anos para

que atinjam sua conclusão, meses e anos estes que não deixarão de ser, com o per-

5 No site do CNJ é possível verificar tais dados. Ex.:

http://www.cnj.jus.br/corregedoria/justica_aberta/bibliotecas/mpdf/includes/out.php 6

MIGALHAS. A inserção do Novo CPC ao procedimento dos Juizados Especiais. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI240823,11049A+insercao+do+Novo+CPC+ao+procedimento+dos+J uizados+Especiais. Acesso em: 21 de outubro de 2016. 7 http://www.conjur.com.br/2016-mar-31/contagem-prazos-juizados-especiais-obedecer-cpc

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dão pela repetição, meses e anos porque alguns poucos dias não úteis foram excluí-

dos do cômputo de prazos!

Em idêntico sentido, colaciona-se posicionamento do renomado professor Leonardo

Carneiro da Cunha8:

Como já se viu no item 3.4.1 supra, na contagem do prazo em dias, computam-se

apenas os dias úteis (CPC, art. 219). Tal regra, que se aplica apenas aos prazos pro-

cessuais, incide no procedimento dos Juizados Especiais. Neste sentido, o enunciado

415 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Os prazos processuais no sis-

tema dos Juizados Especiais são contados em dias úteis”. De igual modo, o enuncia-

do 416 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A contagem do prazo pro-

cessual em dias úteis previstas no art. 219 aplica-se aos Juizados Especiais Cíveis,

Federais e da Fazenda Pública”.

Por fim, na mesma posição aqui defendida, o processualista Daniel Amorim As-

sumpção Neves concordou com os Enunciados 415 e 416 do Fórum Permanente de Processu-

alistas Civis ao comentar a inovação trazida pelo artigo 219 do CPC em seu livro sobre o No-

vo Código de Processo Civil9.

2.1 SITUAÇÃO ATUAL DA CELEUMA JURÍDICA

Como já dito em linhas pretéritas, a questão debatida neste artigo ainda gera contro-

vérsias e, mormente, insegurança jurídica.

Em agosto de 2015, sessenta e dois enunciados sobre o novo Código de Processo Ci-

vil foram aprovados por cerca de 500 magistrados de todo o País reunidos, durante o seminá-

rio O Poder Judiciário e o novo CPC, realizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfei-

çoamento de Magistrados (Enfam).

Nesse encontro, foi aprovado o enunciado 45, o qual está assim redigido: “A conta-

gem dos prazos em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema de juizados especi-

ais”10

O Fórum Permanente de Processualistas Civis, durante encontro realizado em maio

de 2015, em Vitória no Estado de Espírito Santo, editou o Enunciado 415, segundo o qual “os

prazos processuais no sistema dos Juizados Especiais são contados em dias úteis”. E ainda o

8 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 779 9

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Leis 13.105/2015 e 13.256/2016. 3ª

ed. São Paulo: Método, 2016. p. 181 10

http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf

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enunciado 416: “A contagem do prazo processual em dias úteis prevista no art. 219 aplica-se

aos Juizados Especiais Cíveis, Federais e da Fazenda Pública”.11

O FONAJE (Fórum Nacional de Juizados Especiais) havia publicado, em março de

2016, a nota técnica 01/2016, afirmando que considerava esse dispositivo incompatível com a

simplicidade, economia processual e celeridade dos Juizados12

.

No mesmo mês, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT de-

cide que os prazos em dias úteis se aplicam aos Juizados no Distrito Federal. A decisão foi da

Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais do DF13

.

Em abril de 2016, os Juizados Especiais Federais resolvem pacificar entendimento

sobre a questão em seu âmbito, publicando em abril de 2016 a resolução CJF-RES-

2016/00393, alterando dispositivos no Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformiza-

ção dos Juizados Especiais Federais – TNU -, em especial o art. 6º-A, que agora dispõe: “Na

contagem de prazo em dias, computar-se-ão somente os dias úteis”14

.

Em junho de 2016, no XXXIX Encontro do Fórum Nacional de Juizados Especiais –

FONAJE -, ainda foram editados os enunciados n. 165, referente aos Juizados Especiais Cí-

veis, e n. 13, relativo aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, segundo os quais15

:

ENUNCIADO 165 - Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados

de forma contínua (XXXIX Encontro – Maceió - AL).

ENUNCIADO 13 - A contagem dos prazos processuais nos Juizados da Fazenda

Pública será feita de forma contínua, observando-se, inclusive, a regra especial de

que não há prazo diferenciado para a Fazenda Pública - art. 7º da Lei 12.153/09

(XXXIX Encontro – Maceió - AL).

É de se registrar que tais enunciados têm força meramente persuasiva, não obrigando

ou vinculando as autoridades judiciárias competentes para decidir as questões práticas envol-

vendo a questão jurídica aqui debatida. Isso porque tais órgãos de interpretação não têm legi-

timidade constitucional ou legal – ou seja, não há chancela popular – para dar interpretação às

leis.

Não obstante, não há dúvidas que tais orientações influem na convicção dos magis-

trados, o que acaba, na prática, exercendo um papel crucial na aplicação das normas jurídicas.

11 http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf 12 http://www.amb.com.br/fonaje/?p=610 13

TJDFT. TJDFT decide que contagem de prazos nos juizados especiais seguirá regra do novo CPC. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2016/marco/contagem-de-prazos-nos-juizados-

especiais-seguira-regra-do-novo-cpc>. Acesso em: 20 de outubro de 2016. 14

http://www10.trf2.jus.br/jef/wp-content/uploads/sites/12/2015/04/resolucao-393-2016-altera-regimentos- internos-turmas-recursais.pdf 15

http://www.amb.com.br/fonaje/?p=32

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, conforme exaustivamente defendido neste artigo, a contagem do prazo pro-

cessual no procedimento do juizado especial deve ser contado em dias úteis, por ser uma de-

corrência lógica de interpretação do Direito brasileiro.

Antes de ser visto como um mecanismo que vai de encontro à celeridade do proce-

dimento do juizado especial, a contagem em dia útil traz enormes benefícios para o procedi-

mento, pois melhora a atividade dos postulantes, não se configura como um fator que obstrui

as demandas e se mostra como opção escolhida pelo próprio legislador ordinário para ser ob-

servada no âmbito dessa justiça especial.

Não há argumentos fundados em bases técnicas jurídicas que permitam inferir que é

possível a contagem contínua do prazo processual no âmbito do procedimento do juizado es-

pecial. Sendo assim, qualquer tentativa, por parte dos juízos, de aplicar essa sistemática de

contagem do prazo processual configurará uma inovação legislativa indevida, pois feita em

desacordo com os mandamentos constitucionais, os quais preveem as instituições que podem

legislar no Direito brasileiro.

É necessário que os órgãos de interpretação da lei federal, no âmbito do juizado es-

pecial, resolvam a presente celeuma jurídica, albergando a contagem em dias úteis e afastando

a insegurança jurídica vivenciada hodiernamente.

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FISCALIZAÇÃO E GESTÃO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS:

UMA PERSPECTIVA À LUZ DO DIREITO DA SOCIEDADE DE

EFICIÊNCIA E BOA GESTÃO

Nick Andrew Pereira Ugalde1

Um bom contrato não é aquele em que uma das partes

subjuga a outra à sua vontade. Também não é o em que

as partes, felizes e risonhas, caminham em busca de um

objetivo comum. Um bom contrato é o que não só bem

celebrado, mas sobretudo bem administrado conduz as

partes a satisfazerem seus respectivos interesses, apesar

de serem estes divergentes.

Antônio Carlos Cintra do Amaral

RESUMO

O trabalho consiste em revisão de conceitos e de fontes bibliográficas e legislativas sobre a

espécie de negócio jurídico intitulada contrato administrativo, com o intuito de compreender

suas nuances, à luz de princípios constitucionais como eficiência e boa gestão, utilizando para

o mister, de forma predominante, o método dedutivo. As fontes revisadas e a teoria

empregada extraem dos princípios citados o dever de bem gerir e de fiscalizar, não como simples

imposição legal, mas sob a ótica de uma finalidade de real atendimento da satisfação dos

interesses públicos envolvidos na contratação.

Palavras-chave: Contratos administrativos. Gestão e fiscalização. Eficiência.

ABSTRACT

This work makes a review about concepts and bibliographical/legal sources that explain a

special kind of agreement, signed by Public Management. It tries to realize your Law nature

based on the constitutional principles, using deductive method. The theories and results show

that control and manage these agreements is not just a simple legal obligation but achieve

legal foundation from the main goal that is satisfy public needs which was the justify of the

contract.

Key-words: Public agreements. Control and Management. Efficiency.

1 Advogado e professor de cargo efetivo da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico ,

área Direito, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC), especialista em Gestão de

Políticas Públicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e mestrando do Programa de Mestrado

Profissional em Administração da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (EA/UFBA).

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7256731826047516. Correio-e:

[email protected]/[email protected].

Trabalho enviado em 20 fev. 2017, para publicação na Revista Eletrônica CJA OAB/Seccional Acre.

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1 INTRÓITO

A Administração Pública trata das demandas da sociedade e da concretização do fim

estatal da promoção do bem comum, a justificar o poder (os poderes-deveres) conferido à

máquina e a seus agentes, tudo atualmente bem entendido numa visão de busca por resultados

ou objetivos e não como privilégios.

No seu mister, indubitável a interação com o mercado e com agentes, produtores de

bens e prestadores de serviços, bem como estimulados pela finalidade de obtenção de lucro,

razão pela qual o legislador ordinário tomou por bom estabelecer um regramento extenso

sobre o gerenciamento de demandas e suprimentos para a atividade estatal.

Exsurge a figura do Contrato Administrativo, aqui tomado como espécie singular de

contrato, a destoar em parte e fins do que consta do Código Civil, ou mesmo do que consta da

legislação trabalhista.

É esse o objeto deste trabalho, realizado por meio de pesquisa documental e em

fontes normativas, mormente da União, bibliográficas ou doutrinárias, utilizando método

dedutivo em maior parte.

Em suas seções, tratados são a natureza jurídica dos contratos, adentrando na

singularidade do objeto analisado, assim como os fundamentos normativos (principiológicos e

as regras) atinentes à gestão e fiscalização, aqui não limitados ao que consta da legislação pátria,

mas, agora em sentido inverso, induzindo ao algo maior previsto em princípios como o da

transparência pública e da boa administração (ou da eficiência).

2 OS CONTRATOS E O CONTRATO ADMINISTRATIVO: PRINCÍPIOS E

DISTINÇÕES

Houve-se por bem definir contrato como espécie de negócio jurídico dotado de

bilateralidade, rememorando-se aulas do eminente magistrado Anastácio Lima de Menezes

Filho2, inspirado em doutrina vasta e em especial de Pontes de Miranda.

Ora, a definição traz sempre os elementos-chave de cada instituto, e não poderia ser

diferente, sob pena de fracassar em sua finalidade, de modo que perceptíveis: i) o elemento

humano, pois essencial aos negócios jurídicos, de que decorre, por lógico, o requisito de

inexistência de vícios, devendo-se dizer que deve ter partes maiores, capazes (ainda que

2

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Acre (TJ/AC) e professor da Carreira do Magistério

Superior na Universidade Federal do Acre (UFAC), jurista especializado em Direito Privado.

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representadas/assistidas), objeto lícito, bem como ser a vontade celebrante livre de quaisquer

vícios relacionados ao consentimento; e ii) a bilateralidade da relação estabelecida, com

consequências recíprocas.

Tem-se, assim, que o contrato desponta como uma das fontes geradoras de

obrigações, ao lado da lei, do ato unilateral e do ato ilícito (estes dois, juntamente com o

contrato, respondendo pelas fontes de obrigações patrimoniais privadas), e é regido, pois, por

princípios que lhe garantem a proteção pela Ordem Jurídica, dentre os quais: função social, boa-

fé e da probidade, ex vi dos artigos 421 e 422 do Código Civil brasileiro de 2002.

Este mesmo contrato tem seu berço no liberalismo econômico, que lhe conferiu

tônica de exigibilidade ou, como ouve-se nos diversos meios, o contrato produz lei entre as

partes, decorrência do que consta do brocardo “pacta sunt servanda”, significando a força

vinculante ou obrigatória dos contratos, não albergada de forma absoluta sequer pelo Código

Civil, e bastante relativizada para os casos de contratos regidos pelo Código de Defesa do

Consumidor ou pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Consoante ilustrado, o Código Civil responde por parte do ajustes contratuais, nele não

estando regidos, ao menos em suas especificidades, os laborais, consumeristas e, como será

tratado, o Contrato Administrativo, cujas regras atingem em diversos momentos sua força

vinculante, sendo excepcionados por razões de hipossuficiência, ainda que estritamente

econômica, ou mesmo por um interesse público que subjaz a essa relação.

E foi a Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, utilizando-se da espécie de

interpretação autêntica, que dispôs que:

Art. 2º. (...)

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste

entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um

acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações

recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

Verificado que a referida lei ordinária, também conhecida como Lei de Licitações e

Contratos Administrativos (LLCA), ou Estatuto das Licitações para a esfera federal e norma

geral na referida matéria para os demais entes, tratou do contrato como aquele ajuste em que a

Administração figura como parte, deve-se ressalvar que duas podem ser as espécies de contratos

envolvendo o Poder Público: i) Contratos da Administração, em que, embora seja parte órgão

ou entidade da Administração Pública, figura destituído(a) de poder exorbitante, tendo conteúdo

eminentemente patrimonial e de interesse público secundário; e ii) Contratos

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Administrativos, quando age como Administração Pública e na satisfação do interesse público

primário.

E assim, vê-se que a Administração, para bem executar as políticas públicas que lhe

incumbem, pode precisar adquirir bens, contratar serviços, realizar obras públicas e até

mesmo alienar patrimônio, para o que, em regra, deverá licitar, por força do artigo 37, inciso

XXI, da Constituição da República de 1988, dispositivo que assegura a isonomia e a moralidade

administrativa quando do uso do poder de compra da gestão pública.

A licitação, por sua vez, nada mais é que procedimento administrativo por meio do

qual, seguindo um regramento pré-estabelecido (edital ou carta-convite), a Administração

convida os agentes do mercado a com ela contratar, havendo uma sequência de atos em que os

anteriores devem necessariamente ser praticados de forma válida (dentro da legalidade) para

que se chegue aos atos finais de homologação e adjudicação de seu objeto.

Diz-se, ainda, por força da regra do artigo 37, inciso XXI, da Carta Magna que a

licitação é o antecedente necessário do consequente lógico que é o contrato, querendo-se com

isso dizer que só pode a Administração contratar (em regra) se houver realizado o procedimento

isonômico de concorrência entre interessados, bem como só licita se tem por intuito o

consequente que é a contratação.

Se a disciplina dos contratos dentro do Direito Civil aduz que os mesmos são, em regra,

livres em seus termos, podendo ser escritos ou verbais, com qualquer conteúdo lícito que as

partes convencionem, o mesmo não se pode atribuir aos contratos administrativos, pois

obedecem, no mais das vezes, à exigência da formalização escrita, por meio do instrumento

termo de contrato, cujas cláusulas necessárias são encontradas no artigo 55 da referida Lei de

Licitações, exceção feita a contratos de “pequena monta” do parágrafo único do artigo 60 e as

substituições previstas no artigo 62, todos da mesma Lei nº. 8.666/93.

Também a vigência contratual desse tipo especial de ajuste não é ilimitada, pois

disciplina o artigo 57 que terá a mesma duração dos créditos orçamentários que autorizaram a

realização do procedimento que lhe deu origem, não obstante também enumere em seus

incisos os casos de duração por mais de doze meses, podendo, excepcionalmente, atingir

duração de até setenta e dois meses, quando tiver por objeto serviços caracterizados como

contínuos e materializar-se alguma situação que exija, justificadamente, o acréscimo

temporal, desde que: i) não decorrente da desídia de agentes da Administração; e, como em todo

caso de prorrogação, qualquer que seja, ii) comprove-se a “vantajosidade”, inclusive econômica.

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Por fim, notas distintivas dos contratos administrativos são as famigeradas cláusulas

exorbitantes, consistentes na possibilidade de: i) modificação unilateral dos termos, inclusive

impondo acréscimos e/ou supressões de quantitativos ou alterações qualitativas essenciais ao

interesse público; ii) rescisão, também por ato unilateral; iii) fiscalização da execução; iv)

aplicação de penalidades quando da inexecução, ainda que parcial, do objeto pela contratada;

e v) ocupação de instalações, bens e serviços da contratada, temporariamente, e quando tratar-

se de objeto que compreenda serviços essenciais.

Ora, viu-se que as cláusulas exorbitantes parecem desnaturar o conceito de contrato,

por afetarem a liberdade e a isonomia contratual, devendo-se justificar que não são aplicáveis

ao bel-prazer do gestor, sob pena de configurar flagrante arbitrariedade, contra a qual pode o

prejudicado insurgir-se na via administrativa, arguindo o desvio de poder/finalidade, ou

mesmo invocando o inciso XXV do artigo 5º da Constituição da República, que assegura o

ingresso de causa no Poder Judiciário para a prevenir ou reparar lesão sofrida.

É que a fonte, a matriz das cláusulas exorbitantes tem sede no macro princípio da

supremacia do interesse público sobre o interesse privado, vetor que orienta todos os ramos do

Direito Público, dotando os agentes de instrumentos, poderes e recursos que viabilizem o

alcance do desiderato estatal, a promoção da satisfação das necessidades da coletividade,

indubitavelmente exigindo a presença de instrumentos até mesmo coercitivos e de aplicabilidade

imediata.

Caracterizado devidamente o contrato administrativo, resta tratar da gestão e

fiscalização contratual não apenas dentro do conjunto de requisitos formais da Lei de Licitações

e Contratos Administrativos, como desafortunadamente é tão corriqueiro no cenário

brasileiro, mas sim enquanto elemento teleológico e sua correlação com princípios decorrentes

da ordem constitucional inaugurada em 1988, a qual ainda encontra-se em intenso processo de

(re)definição.

3 O DEVER DE FISCALIZAR E BEM GERIR CONTRATOS NA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA: REGRAS E PRINCÍPIOS ENVOLVIDOS

Conforme visto, a fiscalização dos contratos administrativos está prevista no inciso

III do artigo 58 da Lei nº. 8.666/93, compondo o rol de cláusulas exorbitantes, as quais,

embora a redação pareça indicar tratarem-se de faculdades, consistem em verdadeiros deveres

dos gestores, vez que salvaguardam interesses e bens indisponíveis, bem como, se

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configurada a situação fática de sua aplicação, inegável que terá havido um algum prejuízo ou

ameaça de sua ocorrência.

Assim, consta do artigo 58, inciso III:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere

à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

(...)

III - fiscalizar-lhes a execução;

Não raro, identifica-se a fiscalização como algo vinculado às formalidades do contrato,

ou ainda dentro da ideia de responsabilização pelo que dele decorre, enquanto um encargo do

servidor público, que não se pode eximir por força do artigo 116, inciso IV, da Lei nº. 8.112/90,

pois não se trata de ordem manifestamente ilegal, e sim estrito cumprimento de dever legalmente

estabelecido.

Não se olvida, também, que a jurisprudência dos tribunais e das cortes de contas

pondera sobre o volume de contratos a serem fiscalizados, sobre a demanda por capacitação e

mesmo necessidade de auxílio técnico em razão da complexidade do objeto, o que pode

ensejar não a responsabilização do fiscal, mas sim da autoridade omissa em conferir-lhe o

mínimo de estrutura e conhecimento/suporte para a realização da atividade.

Mas a perspectiva que aqui se põe transcende as questões de responsabilização do

formalismo contratual, buscando na Constituição de 1988 princípios que lhe dão a tônica devida

enquanto execução de atividade de elevada relevância para a sociedade que recebe e/ou

paga por tais serviços, bens ou obras.

Do caput do artigo 37 da referida Carta extrai-se o princípio da eficiência,

apregoando uma gestão da coisa pública que otimiza resultados (não estritamente

econômicos), alinhando-se com o que a doutrina lusitana denomina “legalidade substantiva da

gestão dos bens públicos”, conforme Almeida discute, in verbis:

A obrigação que recai sobre a Administração Pública de administrar a coisa pública

e de prosseguir o bem-comum, o interesse geral de uma comunidade, exige dos seus

servidores a adopção em concreto das melhores soluções tanto do ponto de vista

administrativo e técnico como financeiro: é o chamado Dever de Boa

Administração. A Administração na sua actividade de satisfação das necessidades colectivas, administra os bens públicos, devendo alcançar aquele objectivo com o menor sacrifício do património dos contribuintes e no respeito pela equidade intergeracional. Trata-se da disposição de bens que pertencem a todos e a sua gestão é realizada em nome e por conta dos cidadãos.

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Por boa administração deve entender-se, assim, uma administração economicamente

eficiente, sustentável e socialmente justa, por forma a obter os melhores resultados

ao menor custo social, ou seja, garantir o bem-estar social com o menor sacrifício do

património pessoal dos contribuintes. (ALMEIDA, 2008, p. 31).

Ora, o mais legítimo interesse público de boa administração já induziria ao trato

diligente do contrato administrativo, tornando despicienda a prescrição do aludido inciso III

do art. 58 do regramento de licitações, é que não haveria outro caminho senão o da

conferência pari passu da prestação dos serviços de limpeza e conservação, por exemplo, dos

serviços de vigilância armada, de reparação de fiação e de redes de transmissão de energia

elétrica, promovendo-se o cotejamento com as especificações dos termos juntados quando da

fase licitatória, pois ali projetou-se como seria melhor atendida a demanda social, em padrão

de qualidade mínimo, que não pode ser dispensado e, menos ainda, negligenciado.

Soma-se a isso o princípio da transparência, que também decorre do artigo 37, caput,

em que prevista a publicidade dos atos administrativos, e permitindo que toda a sociedade tenha

conhecimento e acesso à informação sobre os negócios e a gestão dos mesmos dentro da

máquina pública, assegurando maior e melhor controle.

O caput do artigo 37 conjuga-se com § 3º, bem como com o inciso XXXIII do art. 5º,

todos da Carta Magna, para assegurar que a informação gerada esteja à disposição do cidadão,

podendo este avaliar, interferir e participar, nos termos da lei, dos rumos do Estado, numa

ótica em que se abandona a posição de súdito para assumir a de integrante de uma verdadeira

relação jurídica, em que assentados direitos e deveres recíprocos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A execução direta, concreta e imediata dos fins da Administração Pública exige atos

de área meio e procedimentos administrativos que definem o quê, como, quando e com quem

se contrata, bem como os valores praticados, sempre observando preços registrados no mercado,

ao menos em tese, no que se configura a licitação pública.

Em decorrência, havendo direitos e obrigações de cunho eminentemente patrimonial,

bem como possibilidade de interferência na vida de terceiros, não pode o gestor, em regra,

furtar-se da celebração de ajuste típico que é o contrato administrativo, cujo regramento também

fez o legislador ordinário constar da Lei nº. 8.666/93.

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O que se quis no presente estudo, no entanto, não foi entender sua formalidade ou

rito, mas sim os objetivos e a finalidade do instituto, bem como, em fase pós-licitação, o

acompanhamento da vida do contrato numa visão de direito da sociedade e não mera

formalidade legal, consentâneo com princípios como o da publicidade, conjugado com o

direito de acesso à informação, e da eficiência, decorrente ou mesclado com o princípio de

inspiração italiana da boa administração.

Nessa seara, a publicidade e a transparência dotam o cidadão do exato, completo e

tempestivo conhecimento dos gastos, dos contratos, dos valores, dos objetos e dos

contratados, permitindo-lhe, inclusive, colaborar com avaliações sobre a qualidade de serviços

prestados; ao que a eficiência e a boa gestão dos contratos guardam relação com um fundamento

ético de atuação administrativa, o qual também tem origem na exegese das normas

constitucionais aventadas, mormente o artigo 37, caput e § 3º, configurando verdadeiro

dever de agir nos termos do que se idealizou quando da fase prévia ou preparatória da licitação,

ou, melhor ainda, antes mesmo, quando da real identificação da necessidade

pública.

Em síntese, planos normativo e fático devem convergir na identificação e

reconhecimento das finalidades buscadas com o estabelecimento de regramentos sobre

formalidades dos atos e procedimentos, validando a atuação pública e concretizando ao máximo

a declaração de interesses constitucional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, José Luís Pinto. Fiscalização prévia, concomitante e sucessiva no quadro das

competências do Tribunal de Contas de Portugal. Revista do TCE de Santa Catarina,

Florianópolis, n. 6, p. 31-50, set. 2008.

BARRAL, Daniel de Andrade Oliveira. Gestão e fiscalização de contratos administrativos.

Brasília: Enap, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 fev.

2017.

. Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos

servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8112cons.htm>. Acesso em: 10

fev. 2017.

. Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da

Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e

dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 10 fev. 2017.

. Código Civil. Lei nº. 10. 406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em:

10 fev. 2017.

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HISTÓRIA DA PENA E TEORIAS SOBRE SUA FINALIDADE

Wellen Candido Lopes1

Renato Oliveira Santana2

RESUMO: Esta pesquisa aborda o período da evolução histórica da pena desde seu processo

inicial aos dias atuais, dialogando com as escolas penais, bem como com as teorias dos

respectivos períodos. Palavras-chave: Pena de Prisão, História da Pena, Escolas e Teorias.

ABSTRACT: This research deals with the historical evolution of the sentence from its initial

process to the present day, in dialogue with the penal schools, as well as with the theories of

the respective periods.

Keywords: Prison Penalty, History of the Penalty, Schools and Theories.eyword: Prison

Penalty, History of the Penalty, Schools and Theories.

1.INTRODUÇÃO

Os castigos sempre existiram na sociedade humana desde os primórdios do processo

histórico da pena. A história humana é um instrumento importante para dialogar com o

ordenamento coercitivo, resultando na positivação legal desta normativa. O crime acompanha

o homem desde o inicio de sua existência e sua inibição só se revela com a imposição de um

sistema penal coercitivo. Assim, para que a vida do homem fosse regularizada em sociedade,

foi necessária que as relações humanas fossem controladas. Com a evolução do sistema penal,

as transformações humanas foram modificadas temporariamente trazendo características

marcantes que influenciaram o direito penal ao longo dos anos.

1 Advogada, Pedagoga, Doutora em Ciências Sociais e Jurídicas (UMSA).

2 Historiador e Mestre em Educação (UCDB).

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2.DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO, ESCOLAS E TEORIAS DA PENA

Na era primitiva, a origem da pena se deu de forma privada e tendo como base a

vingança, alcançando-se posteriormente posição de direito. O homem era ligado a sua

comunidade e por meio de uma organização jurídica primitiva baseada em um vínculo de sangue

e tutelada entre os membros do grupo. Se um dos membros do clã fosse morto, esta morte

deveria ser vingada com o assassinado de um dos membros correspondentes (MARQUES,

2000).

Neste período, a punição era uma reação coletiva. Os instrumentos de defesa social

eram adaptados ao conceito de justiça. Para Batista (2000), a pena possuía dupla finalidade:

eliminar o transgressor da comunidade e evitar o contágio da mácula da qual o transgressor

possuía. O indivíduo expulso do grupo a qual pertencia, não teria mais proteção e passaria a

viver a mercê de sua própria sorte.

Com o aparecimento das religiões, as regras do direito penal passaram a ser aplicadas

em nome da divindade. A infração cometida era vista como uma afronta à divindade e o

transgressor deveria ser expulso ou eliminado da sociedade (GOULART, 1975). A vingança

somente passou a ser substituída com o surgimento das penas públicas.

É a pena pública que, embora impregnada pela vingança, penetra nos costumes sociais

e procura alcançar a proporcionalidade através das formas do talião e da composição.

A expulsão da comunidade é substituída pela morte, mutilação, banimento temporário

ou perdimento de bens (DOTTI, 1998, p.31).

Na Idade Média, correspondendo aos séculos de V a XV, o direito canônico tinha

grande influência, a igreja utilizava-se de tribunais civis nos julgamentos das decisões

eclesiásticas. Neste período, surge a privação de liberdade como pena. O cárcere servia como

meditação e penitência. Daí o surgimento do nome penitenciária (CORRÊA E SCHECARIA,

2002).

Nas primeiras punições, o acusado não tinha o direito de defesa, nem de constituir

um advogado. Todo o processo criminal era obscuro, pois nem o acusado, nem o público tinham

acesso ao andamento processual por ser este de cunho secreto. O poder exclusivo de punir era

do Estado soberano e somente ele seria capaz de decidir o futuro do acusado (FOUCAULT,

1987).

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O suplício e o sofrimento eram técnicas utilizadas para a recuperação do delinquente.

“O suplício faz correlacionar o tido de ferimento físico, a qualidade, a intensidade, o tempo

dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nível social de suas

vítimas” (FOUCAULT, 1987, p.31). O poder de punir através do suplício do corpo. O

objetivo da pena no período medieval era o corpo do condenado e o povo era convocado a

presenciar a tortura do condenado que ousou desafiar o poder soberano.

Assim, havia um poder político dominante sobre o corpo, assumindo as relações de

dominação no sentido de se reconstruir o corpo para se tornar uma força econômica produtiva.

A disciplina sujeita o corpo e torna o individuo mais dócil e útil. Os métodos de adestramento

dos corpos segundo Foucault (1987) são três: vigilância hierárquica, técnicas de normalização

e exame.

Na vigilância hierárquica, há um sistema de controle vertical o qual o corpo alheio é

submetido aos poderes do ente superior. As técnicas de normalização constituem os

programas e regulamentos internos e o exame é o resultado da vigilância e da sanção sob o

indivíduo como técnica de correção (Foucault). Sem caráter ressocializatório, o direito de

punir era baseado em tormentos físicos. Criada em Londres em 1550, a “House of Corretion”,

foi o marco inicial da pena com fins de ressocialização (OLIVEIRA, 2002).

Com a modernidade do século XV, a pena passa a ter traços de ressocialização,

buscando o bem estar do criminoso. A delinquência passa a ser um problema a ser resolvido,

porém de forma tímida. A partir do iluminismo a proteção do homem ganha impulso

(CORREA E SCHECARIA, 2002). As ideias liberais e a revolução francesa condicionaram

novos conceitos a respeito do mundo e do ser humano, fundamentando um novo direito de punir

(GOULART, 1975).

Grandes pensadores iluministas basearam projetos humanitários baseados na razão.

Neste período destacaram-se pensadores como Montesquieu e Voltaire na França e Beccaria

na Itália, destacando-se o surgimento da Escola Clássica. Beccaria (2004) defendia uma nova

forma de punir pelo Estado. Para o autor, as leis deveriam ser criadas pelos legisladores,

mediante o empoderamento social, estando toda a sociedade ligada ao soberano através do

contrato social. A finalidade da lei, por mais que seja odiosa e em desacordo com a justiça, deve

obstar os crimes.

No Estado absoluto, a violação da lei não atinge somente a vítima do delito. Atinge o

próprio rei, uma vez que a lei é a expressão e representação de sua própria vontade. A imposição

da pena não tinha sinônimo de justiça, mas sim de poder. O criminoso era inimigo do rei uma

vez que violou a vontade soberana expressa na lei. O modelo de Estado de direito

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proposto por Beccaria (2004), refletia parâmetros de justiça. O criminoso não é inimigo do

Estado, porém deverá ser punido e consequentemente reintegrado à sociedade.

2.1 ESCOLA CLÁSSICA

A Escola Clássica surgiu da filosofia grega antiga, do jusnaturalismo e do contratualismo

com característica do racionalismo iluminista. A filosofia do jusnaturalismo tem como conceito,

um direito natural próprio da natureza humana. Quanto ao contratualismo, resulta na concepção

de acordo entre o homem e o Estado, em busca da ordem e da segurança em comum

(TEIXEIRA, 2006).

Os maiores percussores da escola clássica foram Carrara (2002) e Beccaria (2004).

Para Carrara (2002) o crime era considerado uma contradição entre o fato humano e a lei. O

homem livre e racional previa o resultado. Assim, para esta teoria, não havia a necessidade de

comprovar a intenção do agente, visto que o agente, ao praticar o crime, optou em

desrespeitar a norma. Tudo era analisado a partir da conduta causa e efeito, conduta e resultado.

Assim, para esta teoria, a pena tinha caráter retributivo e não possuía caráter

ressocializatório, portanto, não se preocupava em trazer o delinquente de volta à sociedade. A

pena seria um fim em si mesma e não combateria a criminalidade. Esta finalidade da pena

com caráter retributivo ficou conhecida como teoria retributiva e teoria absoluta ou de justiça

(SAUER, 1956).

Acrescenta Bitencourt (1999) que segundo Kant o réu deve ser castigado

simplesmente por ter delinquido, desta forma, a aplicação da pena é aplicado pela violação da

lei. Já para Hegel, a pena é a negação da negação do direito. Dentro do pensamento clássico, foi

desenvolvida por Feuerbach a primeira teoria preventiva (BATISTA, 2000). Nesta concepção,

a pena imposta ao autor gera consequência para toda a sociedade. Com caráter preventivo, a

pena serve como punição ao homem que opta em escolher o mal. Trata-se de uma teoria

relativa e não mais absoluta como nas penas de caráter retributiva.

Tanto a teoria retributiva quanto a teoria da prevenção geral possuem falhas. Diretamente

ligadas ao pensamento iluminista, ambas se justificam pela importância do livre arbítrio. Ocorre

que o livre arbítrio não é facultado a todos os homens, uma vez que os doentes mentais

e as crianças não o possuem (MARANHÃO 2003).

Os pontos positivos destas duas teorias oriundas da Escola Clássica se referem à

fundamentação da proporcionalidade da gravidade do delito e da aplicação da pena. Nos regimes

jurídicos anteriores, a pena era baseada com a morte do autor do crime, o que o

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tornava ainda mais violento, visto que independente do resultado de sua prática criminosa, a

sua condenação seria a pena de morte (SCHECARIA E JÚNIOR, 2002).

Segundo Schecaria e Júnior (2002), também no período da Escola Clássica foi criada a

teoria do delito, dividindo o crime em duas partes (ação antijurídica e culpável). O termo de

imputabilidade também foi constituído neste período. Levando-se em consideração que o

homem é um ser livre e para tanto todos são imputáveis. As exceções que hoje temos no rol dos

inimputáveis não eram reconhecidas naquela ocasião.

2.2 ESCOLA POSITIVA

Fundamentada no empirismo do final do século XIX, a Escola Positiva baseava-se

através do método experimental como forma de adquirir o conhecimento. Utilizando-se de

pesquisas empíricas/experimentais com criminosos, esta escola teve grande influência

antropológica, tendo como maior expoente, Cesar e Lombroso (SOUZA, 2003).

Lombroso (2001) contradiz o pensamento clássico, pois nega a liberdade do homem

em relação ao delito. Para ele, o homem delinquente tem características físicas e a sua

natureza determinará se ele tornará um delinquente ou não. Assim, a partir deste estudioso,

abriu-se uma nova discussão acerca do livre arbítrio antes defendido na Escola Clássica.

Admite-se então, a existência de homens que não conseguem controlar seus instintos, o que

independe de sua própria vontade.

Para Lombroso (2001), as características físicas, mentais e a aparência de algum

parente antepassado, acabaria por influenciar no comportamento do homem. Ferri (1996),

partindo dos estudos empíricos de Lombroso, constatou que o determinismo puramente genético

para se justificar a delinquência do homem estaria incompleto. Além das questões genéticas, o

meio social em que o homem vive também influenciara o comportamento

humano.

Esta discussão acerca da finalidade da pena foi evoluindo com o passar do tempo, a

ponto do teórico Von Lizt, defender que a teoria retributiva (resultado) e a teoria de prevenção

geral (prevenir pela norma) estariam equivocadas. Contrariando as teorias anteriores, foi

criada a teoria da prevenção especial por Von Lizt. Para esta teoria não bastava punir o autor

do delito, mas também reabilitá-lo como forma de defesa da sociedade (SCHECARIA E

JÚNIOR, 2002).

A teoria da prevenção especial também foi bastante criticada, um obstáculo visível

seria a segregação do criminoso, afastando-o da sociedade e com posterior reabilitação. O

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Estado de Direito deveria proporcionar condições de tratamento e não simplesmente impor

que o delinquente se trate (ZAFFARONI, 1991).

2.3 ESCOLA NEOCLÁSSICA

Também conhecida como Escola Normativa Jurídica, a Escola Neoclássica foi

influenciada pelo Neokantismo. Contrariando as regras do empirismo, defende um direito

puro e sem influência de outras áreas do conhecimento. A base da teoria neoclássica baseava

a transposição do “ser”, para o “dever ser”. Sendo influenciados pela filosofia do valor. O

passado, não determinaria o futuro. Esta teoria era baseada em lógicas e métodos próprios.

Embora o crime continuasse sendo baseado nos pilares da ação típica, antijurídica e culpável,

foi necessária uma repaginada no conceito de ação e uma reformulação da culpabilidade.

Para Prado (2008), o neokantismo vai além da explicação causal, buscando a

compreensão dos fenômenos jurídicos. Para esta teoria, o crime passa a depender da conduta

humana e voluntária. A vontade humana passa a ser o fim, sendo ela responsável pela

mudança externa. Com o modelo neoclássico, a teoria causal do delito foi substituída pela teoria

teleológica e os elementos do crime foram reformulados.

Na teoria neoclássica, a tipicidade não é pautada apenas em fatores objetivos.

Admitem-se elementos valorativos no tipo, como características subjetivas referentes ao

autor. A antijuricidade para os neoclássicos só passa a ter relevância se aquilo que for injusto

provocar danosidade social. A culpabilidade não sofreu alterações sendo baseada na

culpabilidade da conduta.

2.4 O FINALISMO

Bitencourt (2012) relata que a teoria finalista teve como percussor Hans Welzel e

surgiu na década de 30 do século XX. O Código Penal Brasileiro atual, oriundo de 1984 é

baseado nesta teoria. Para a teoria finalista da ação de Welzel, a vontade é sempre dirigida

para uma finalidade e a ação é o exercício da vontade. Para o finalismo é indissociável e

insustentável separar a vontade do conteúdo. O finalismo tinha como objetivo superar as

falhas do positivismo que nem mesmo os neoclássicos com a teoria neokantiana conseguiram

reverter.

As atitudes humanas resultam da vontade. As atitudes provêm da vontade e do impulso

racional. O tipo é a descrição abstrata da vontade e integra o dolo. Assim, dependendo

da finalidade ocorrerá mudança na qualificação do crime. O dolo e a culpa estão relacionados à

finalidade e à conduta.

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Para a teoria finalista da ação o dolo é excluído da culpabilidade e considerado parte

subjetiva da ação. Para o finalismo o dolo não tem juízo de valor, não há que se falar em dolo

intenso. A tipicidade passa a ser um indicio da antijuridicidade. Se um fato é típico, também

será antijurídico, salvo os casos de excludente de antijuridicidade. A dosimetria da pena deve

ser aplicada conforme a culpabilidade.

2.5 PÓS FINALISMO

O Pós finalismo é o nome genérico dado para todas as teorias advindas após o

finalismo. Delimitaremos nossos estudos no funcionalismo alemão de Claus Roxin. Ele defendia

um sistema aberto e como o auxílio de outras ciências. O direito penal deveria se apropriar de

outras ciências para solucionar o problema e sem abrir mão da recuperação do delinquente

(ROXIN, 2000). Este autor defende a ideia de reprovabilidade dentro da culpabilidade,

sistemática adotada pelos causalistas e elogia o finalismo apesar de entender que o mesmo

ainda não é uma teoria suficiente.

Propõe uma reconstrução na teoria do delito, conceituando a tipicidade com as funções

sistemática e político criminal. Mantém a sistemática de que o tipo traz a identificação

do delito, porém é necessário que haja uma função garantidora do Estado de cunho político

criminal. Quanto à antijuridicidade, Roxin (2000) mantém a mesma ideologia do finalismo de

Welzel ao afirmar que uma conduta típica é sempre antijurídica quando não há uma excludente

de ilicitude. A novidade seria a categorização da antijuridicidade em dois modelos: formal e

material. A antijuridicidade formal é quando a ação leva a transgredir uma proibição. Na

antijuricidade material a ação viola um bem jurídico.

A culpabilidade não está apenas ligada ao conceito de reprovação, mas também quanto

à aplicabilidade da pena e sua responsabilização criminal. A inovação do

funcionalismo de Roxin (2000) consiste maior discussão em torno das políticas criminais, não

se aplicando a pena simplesmente pelo direito de punir e reconsiderar que fatos irrelevantes não

se recomenda a punição.

Por fim, a finalidade da pena deve ser de caráter preventivo, tanto de forma geral como

especial e que os conflitos possivelmente existentes entre a dosimetria da pena, sejam

preferencialmente aplicados uma pena que seja harmônica. Assim, a pena máxima não

configuraria um castigo ao réu e tão pouco a pena mínima cairia no descrédito da sociedade por

não ter função alguma.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde os tempos primórdios, foi necessária a criação de uma sistematização para

definir o crime e explicar seus efeitos e resultados. Neste processo de elaboração de evolução

da pena e do pensamento humano, foi necessário um período longo, o qual inicialmente

desrespeitava a personalidade humana, até se atingir um patamar condizente com os direitos

da contemporaneidade.

As concepções de correto e incorreto e das consequências que tais influências

firmariam nos períodos históricos correspondentes, fez com que a evolução das escolas,

difundisse em seu contexto a melhor posição do direito em períodos específicos. O período da

vingança relatava a situação do Brasil como país colônia, submetendo suas referências legais

á sua colonizadora. Com a independência, nossa legislação foi paulatinamente tomando rumos

diferenciados em busca de um ordenamento legal mais condicente com a necessidade atual e

com maior olhar ressocializatório.

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111

O PRINCÍPIO DA LAICIDADE E AS IMPLICAÇÕES DA INFLUÊNCIA

RELIGIOSA NO PROCESSO LEGISLATIVO FEDERAL: uma análise

jurídico-sociológica*

Nick Smaylle da Luz Moreira1

RESUMO: O artigo científico tem por objetivo analisar as implicações da influência religiosa

no Processo Legislativo Federal, seja através de parlamentares, outrossim, pela propositura de

espécies normativas sob um forte teor religioso, demonstrando a partir desse contexto, o

(des)respeito ao Princípio constitucional da Laicidade (art. 19, I, CF/88), o surgimento de

impasses sobre a garantia das liberdades laicas e democráticas, o questionamento sobre a defesa

das liberdades das minorias e no próprio desenvolvimento político do país. O atual trabalho

apresenta um resumo do Relatório de Pesquisa realizado na Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais – PUC Minas – Campus Poços de Caldas. Por conseguinte, por meio de uma

linha de raciocínio e uma abordagem jurídica, política e sociológica, foi aludido o pensamento

de intelectuais no cenário nacional e internacional acerca do tema, centralizados numa discussão

principalmente em associação a laicidade e a democracia, conforme a construção estrutural do

trabalho e metodologia evidenciada.

PALAVRAS-CHAVE: Direito; Estado; Laicidade; Pesquisa.

ABSTRACT: The objective of the scientific article is to analyze the implications of religious

influence in the Federal Legislative Process, either through parliamentarians, or through the

introduction of normative species under a strong religious tenor, demonstrating from this

context the (dis) respect for the constitutional Principle of Laicity (Article 19, I, CF / 88), the

emergence of impasses on the guarantee of secular and democratic liberties, the questioning

of the defense of the freedoms of minorities and the political development of the country

itself. The current paper presents a summary of the Research Report held at the Pontifical

Catholic University of Minas Gerais - PUC Minas - Poços de Caldas Campus. Therefore,

through a line of reasoning and a juridical, political and sociological approach, the thinking of

intellectuals on the national and international scene about the theme was centered on a

discussion mainly in association with secularism and democracy, according to the structural

construction Work and methodology.

KEYWORDS: Law; State; Laicity; Search.

1 Bacharel em Direito (Faculdade Mineira de Direito, PUC Minas, 2014) e cursa a Especialização em Docência

no Ensino Superior (Escola de Humanidades, PUCRS). É membro do Grupo de Pesquisa "Núcleo de Estudos de

Direito e Globalização" (PUC Minas/DGP-CNPq). Contato: [email protected];

* Este artigo é um resumo do “Relatório de Pesquisa” – sob o mesmo título – apresentado à PUC Minas – Campus Poços de Caldas, publicado originalmente na Revista Tropos: Comunicação, Sociedade e Cultura, ISSN

2358-212X, v. 1, p. 1-15, 2015 e Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4981, 2017, na

qual, sobre citação, devendo ser dado a devida referência. Informa-se que a obra científica principal teve seu

desenvolvimento teórico vinculado a linha de pesquisa do Grupo de Pesquisa "Filosofia, Religiosidade e suas

interfaces" (PUC Minas/DGP-CNPq) e foi utilizada pelo autor como Trabalho de Conclusão de Curso para a

obtenção do grau de Bacharel em Direito. Por fim, cumpre ainda salientar que a pesquisa teve como

orientadoras, a Prof.ª Dr.ª Volneida Costa e a Prof.ª Dr.ª Giseli do Prado Siqueira;

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112

INTRODUÇÃO

Em termos bem amplos, percebe-se que a formação da sociedade brasileira se inspira

em matrizes religiosas, que com frequência se interpenetram nas ações cotidianas por meio da

população, a partir desta afirmação, visualiza-se em alguns momentos no cenário político, o

entrelace entre os pressupostos do religioso e do laico no Estado Democrático de Direito.

Nesse paradigma, sustenta-se a tese que o (des) respeito à laicidade no Brasil é um fato

que se mostra através da influência religiosa em parlamentares, espécies normativas, instituições

públicas e sob os mais variados modos, demonstrando nesse contexto, à ascensão de impasses

na Democracia, seja restringindo liberdades individuais, como também afetando gradualmente

o desenvolvimento político do país.

Nessa produção, procurou-se revelar atos políticos singulares no Congresso Nacional

do Brasil instigados por concepções religiosas, por meio de Deputados Federais ou Senadores

da República, abordando também alguns aspectos políticos que se relacionam com o tema.

Inicialmente no Relatório de Pesquisa, tratou-se a definição de laicidade e suas

vertentes por meio da análise de sua presença na França, nos Estados Unidos da América e no

Brasil. No caso brasileiro, foi aludido as Constituições antigas e grau de laicização das

instituições públicas à época, destacando pontos importantes desde o império confessional.

Ademais, analisar a Democracia foi essencial para a discussão sobre questões

consideradas relevantes dentro do campo de conhecimento proposto, tanto no sistema de

representação política, quanto acerca da busca de legitimação política de parlamentares nas

religiões. Em conformidade com o que foi apresentado, citou-se o Poder legislativo, tal como

o processo legislativo federal.

Por fim, as principais hipóteses analisadas foram a de como a laicidade, enquanto

princípio constitucional poderia ser aludida com mais frequência no ordenamento jurídico

pátrio, dessa forma, a criar um sistema de escolta ao regime. De forma conclusiva, reverenciando

ainda certas polêmicas midiatizadas pela impressa nacional envolvendo direitos individuais,

sociais, atos parlamentares e a abstenção do Estado em matéria religiosa.

Informa-se que o Relatório de Pesquisa se caracterizou com uma abordagem qualitativa

e natureza aplicada. As fontes para o prosseguimento do estudo tiveram fundamento na

pesquisa bibliográfica e documental, ademais, com a utilização dos métodos científicos:

indutivo, dialético e monográfico.

Foram analisadas publicações referentes ao tema (livros, artigos, teses, etc.), a

legislação vigente, casos reais divulgados pela imprensa nacional, no período de 2008 a 2014

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que emitiram opiniões e ações vinculadas a laicidade e/ou ao ferimento do referido princípio

garantido legalmente por uma República Democrática, através de sua Constituição Federal.

Reporta-se que a investigação bibliográfica e o mapeamento da realidade por meio

da imprensa jornalística a partir de dois jornais impressos de maior tiragem e circulação

nacional, permitiu analisar e apresentar o discurso de atores sociais e políticos que tomam por

objetos principais de seus debates duas categorias, o religioso e o laico, culminando em

contínuos conflitos em torno de princípios que lhe dão origem: a confessionalidade e a

laicidade num Estado republicano.

1 LAICIDADE: COMPREENSÃO CONCEITUAL E POLÍTICA

A manifestação polissêmica do conceito de laicidade expresso no campo social,

estudado e aplicado sob diversas nomenclaturas, também se evidencia no campo político. O

tema pode ser compreendido sob uma análise em relação a origem etimológica do termo –

laicidade – e a sua aplicabilidade político-institucional dentro de ordenamentos jurídicos em

diversos tipos de Estados.

Sobre esta perspectiva, inicialmente, aponta o Grande Dicionário Etimológico-

Prosódico da Língua Portuguesa (1966) definindo laicidade como: “O mesmo que laicalidade.

De laic(o) + idade do lat. itatem.”. Consoante a nítida obscuridade da palavra, Luis Manuel

Mateus, fundador do movimento República e Laicidade (2006), informa a origem fundamentada

segundo da expressão grega «laos» (adj: «laikos»), que designa povo, nessa via, à população,

ao povo todo, a toda a gente.

Outrossim, visualiza-se o conceito etimológico da expressão em publicações

internacionais também, por exemplo, a obra CatholicismeHier - Aujourd'hui – Demain (1967,

tradução nossa) fornece alguns significados na linguagem francesa a respeito da origem do

termo: “caráter do que é laico, de uma personalidade laica, de uma educação secular; A

Laicidade é um conceito político que envolve a separação da sociedade civil e sociedade

religiosa”2.

Ainda nessa explanação, a socióloga Marília De Franceschi Neto Domingos alude:

Pode-se dizer que a origem da palavra laico ou leigo remonta à antiguidade e refere-

se ao que não é clerical, ao que pertence ao povo cristão como tal – e não à

2 Laïcité: caractère de cequi est laïque, d‟une personnelaïque; lalaïcité de l’enseignement; La Laïcité est: une

conception politique impliquantlaséparation de lasociétécivile et lasociétéreligieuse [...];

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hierarquia católica – e ao que é próprio do mundo secular, por oposição ao que é

eclesiástico. (DOMINGOS, 2008, p. 156).

Portanto, a partir dos significados de laicidade retro mencionados, visualizam-se

conceitos estritamente etimológicos por meio de pressuposições históricas relacionadas ao

vocábulo. Doravante a esse conhecimento, é possível identificar quais as fontes específicas e

valores que indagaram o surgimento da palavra, bem como, notar certa percepção do termo

associado a um conceito político no eixo do Estado Democrático de Direito. Dessa forma,

assimilar suas definições torna-se imprescindível para decifrar o relacionamento que o

contexto da expressão possui nos questionamentos que surgem oriundos da presença religiosa

dada através de parlamentares no ventre de instituições democráticas.

Em adição, o cientista social e historiador Roberto Blancarte (2008) apresenta uma

definição de laicidade enquanto “um regime social de convivência, cujas instituições políticas

estão legitimadas principalmente pela soberania popular e já não mais por elementos religiosos”.

Na linha de pensamento desse enredo, há uma estreita relação entre instituições públicas e

laicas representada por agentes políticos e no outro prisma, cidadãos com autonomia de

vontade na sociedade e poder político democraticamente exercido por meio do

voto.

Detalha a socióloga Micheline Milot (2008) que a laicidade supõe,

fundamentalmente, que a legitimidade do Estado e das normas coletivas que ele elabora não é

baseada nas doutrinas religiosas ou na aprovação de uma igreja, mas na soberania dos cidadãos,

livres e iguais.

À vista disso, os autores mencionados reafirmam como São Tomás de Aquino e outros

pensadores, a teoria da soberania popular (MALUF, 2010, p. 32), onde o poder cível se cria,

evolui e ascende pela vontade da sociedade e não por intermédio de poderes divinos

providenciados para o governante ou governo de determinado Estado.

Todavia, não há como se determinar um entendimento político-institucional acerca

de laicidade separadamente do conceito histórico-social, a trajetória traz desdobramentos bem

mais críticos e complexos para determinação do significado real do termo, desenvolvida

principalmente no interior de campos acadêmicos estrangeiros.

Na pesquisa científica principal, foi abordada a laicidade do Estado sob a perspectiva

de três países, preliminarmente, na França, apresentando as vertentes da palavra, o laicismo, a

laicidade aberta, a laicidade de combate, laicidade mediadora, tal como, os processos de

laicização e secularização, dentre outras nomenclaturas. Nos Estados Unidos da América, dando

ênfase ao surgimento do pluralismo religioso, enquanto no Brasil, sintetizando os

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115

principais pontos da laicidade na formação do Estado republicano, tal como o processo de

laicização das Instituições Públicas brasileiras.

2 DEMOCRACIA: ASPECTOS POLÍTICOS, SOCIOLÓGIOS E JURÍDICOS

Percebe-se que a temática da laicidade, possui uma relação intrínseca com democracia,

uma vez que é visualizada na maioria dos Estados modernos dos quais vivenciam um regime

democrático.

Portanto, sob o vértice deste tópico, primeiramente o trabalho acadêmico demonstra

democracia segundo um conceito clássico fornecido pelo jurista José Afonso da Silva (2013),

sendo: “um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser

exercido, direta ou indiretamente, pelo povo ou em proveito do povo.”. O autor retro

mencionado descreve-a ainda suscitando suas abrangências: “As limitações se acham

especialmente no definir da democracia como governo, quando ela é muito mais que isso: é

regime, forma de vida e, principalmente, processo” (SILVA, 2013, p. 135).

Através desta visão preliminar, partindo-se do pressuposto que a democracia é um

“regime”, “forma de vida” e “processo” conforme os apontamentos acima, é aludida a

compreensão de que essa forma de governo se preenche de diversas normativas e teorias para

ascender a tal ideia que atualmente é afirmada. Ainda se informa que em acordo com o

pensamento supra, democracia é um sistema voltado aos interesses sociais, já que são os

cidadãos que sustentam a sua estrutura base sob a ótica do princípio da vontade popular.

Nesta perspectiva, o filósofo político Noberto Bobbio faz referência a democracia:

Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala

de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo

autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias

ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e

com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões

vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria

sobrevivência, tanto interna como externamente. (BOBBIO, 1986, p. 18).

Conforme esse entendimento e historicidade do regime, o sociólogo Antônio Kevan

Brandão Pereira (2012) explica que: “Com o advento do Estado moderno, passou-se a

estabelecer previamente em constituições um conjunto de regras que tratassem da forma de

como o poder político seria disputado e exercido em um dado país.”, e ainda completa para

fins de identificação da forma de governo: “o principal requisito para se classificar um regime

„democrático‟ é, justamente, a adoção por parte desde do referido conjunto de regras que

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116

regulam, antecipadamente em Lei, quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com

quais procedimentos” (PEREIRA, 2012, p. 54).

Assim sendo, os autores reafirmam democracia enquanto um conjunto de regras que

subentendidas num determinado local, determinam objetos e decisões a serem tomadas para a

apropriada regulação da vida social, estas regras que são estabelecidas segundo o poderio

oriundo da sociedade, reafirmando o princípio da soberania popular anteriormente relatado.

Todavia, a democracia participativa traz alguns riscos no sistema representativo, por

esta via, em alguns momentos, representantes políticos usam de seu poder para satisfação de

seus interesses próprios ou mesmo, para a concessão de privilégios de certas classes, cita-se

como exemplo os parlamentares que frequentemente se apresentam em eventos políticos-

religiosos em busca de legitimidade política pelos adeptos da religião visitada. É nítido

perceber que tais condutas remetem historicamente a era teológica, assim como destaca Paulo

Bonavides:

Na idade média, essa crença-suporte da legitimidade foi Deus, a religião, o

sobrenatural, ao passo que contemporaneamente ela vem sendo o povo, a

democracia, o consentimento dos cidadãos e a adesão dos governados.

(BONAVIDES, 2000, p. 152)

Atualmente no país, é notável a visualização de atos parlamentares paradoxais a luz

da atual Carta Constitucional e ao exposto com a temática deste trabalho. Por meio da

separação entre Estado e igrejas, houve a emancipação de Instituições políticas de qualquer

subvenção religiosa, que pela vontade popular através do voto, evidenciou o caráter

transformador que a República possui consubstanciada numa Democracia.

Entretanto, na contemporaneidade dos atos públicos em Instituições democráticas, é

visualizado uma demanda contraditória não só em relação a real legitimidade política do Estado,

mas também, na efetivação de direitos fundamentais na sociedade insculpidos na Constituição

brasileira, dentre outras complexidades sobre o tema.

O cientista social Roberto Blancarte afirma que:

[...] muitos partidos e organizações políticas socorrem-se de organizações religiosas

ou do religioso em geral, buscando uma legitimidade que perderam em outra área. O

que ocorre então, é que as instituições políticas estão buscando na fonte religiosa, no

sagrado e nas instituições eclesiásticas uma legitimidade, lugares diversos àqueles

onde realmente elas obtêm sua autoridade. (BLANCARTE, 2008, p. 28).

No Brasil, ressalta-se que a legitimidade política encontra-se sua essência efetiva no

voto popular, no entanto, muitos parlamentares em períodos eleitoral, dirigem-se a líderes

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117

religiosos 3

ou mesmo, a instância de grandes igrejas, para dessa forma, conseguir uma

popularidade religiosa objetivando o alcance do mandato político. Todavia, a “verdade fonte

de autoridade dos representantes populares e dos funcionários do governo é o voto que o povo

lhes confiou; não o apoio de uma instituição religiosa.” (ibid. p. 28).

O autor supracitado destaca ainda que:

[...] quando um deputado, um presidente da República ou qualquer funcionário do

governo a nível municipal, estadual ou federal utiliza-se de um líder religioso,

pensando que vai adquirir maior legitimidade social, o único que está fazendo é uma

espécie de harakiri político, já que está socorrendo-se de uma fonte de legitimidade

que não é a sua e está minando ao mesmo tempo sua própria fonte de autoridade,

que é a vontade popular através dos cidadãos, muito além das crenças de cada um.

(ibid, p. 28).

A propósito, como já consignado, é na vontade popular que os representantes

políticos deveriam buscar poder político, ou seja, através do voto como pressuposto

ideológico e jurídico para a adquirir legitimidade social e política para o alcance do mandato e

cargo público. Por assim dizer, o erro mais grave que se pode cometer em um Estado laico

democrático é pensar que quando se trata com um líder religioso estar-se-á automaticamente

adquirindo uma legitimidade ou autoridade moral traduzíveis em votos e, portanto, a autoridade

política, ao supor equivocadamente que esse líder religioso é um representante dos crentes (ibid,

p. 28).

Nessa observação específica, o jurista Marco Huaco reproduz o entendimento de

Blancarte quando afirma:

Em relação ao fundamento secular da legitimidade e dos princípios e valores

primordiais do Estado e do Governo: trata-se de que o Estado já não se baseia em

legitimidades religiosas para exercer o poder, mas sim, se fundamenta cada vez mais

na soberania popular e no respeito a valores mínimos e comuns a toda sociedade como

fonte de tal legitimidade como, por exemplo, o respeito aos direitos humanos.

(HUACO, 2008, p. 43).

A questão versada neste tema acercada crise de legitimidade política do Estado,

representado por meio de seus atores políticos e Instituições Públicas com a busca de votos

em representantes ou organizações religiosas torna-se um perigo real para a atual democracia,

visto que por dois motivos primordiais, Roberto Blancarte (2008) afirma: “O primeiro

3

Ato de natureza religiosa ocorreu com a presença do ex-candidato à Presidência da República e atual Senador

da República, Aécio Neves da Cunha, do qual, com a efetiva participação como político no evento, buscou-se na

época eleitoral, da legitimidade política em líderes religiosos para o alcance de votos: Disponível em:

<http://noticias.gospelprime.com.br/aecio-neves-ato-evangelico-liderancas>. Acesso em 5 de novembro de 2014;

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118

consiste em buscar a legitimidade do poder político em uma fonte que não seja aquela em que

formalmente se origina a autoridade do Estado, já que a única fonte desse poder são os

cidadãos”, assim sendo, em contrapartida ao primeiro risco, temos o segundo que é “utilizar-

se de uma instancia religiosa para buscar legitimidade onde não existe, debilitando assim a

própria autoridade política, visto que ao pretender uma legitimidade religiosa se enfraquece o

poder dos cidadãos. (BLANCARTE, 2008, p. 28).

Por conseguinte, é vital delinear que a legitimidade política pelo Estado, através de

seus representantes políticos deveria ser buscada, conforme o pensamento supra aludido por

meio de locais e instituições apropriadas, dessa forma, de modo que não interfiram ou ameacem

a democracia ou a sua construção.

3 O PRINCÍPIO DA LAICIDADE E AS INTERFACES DA INFLUÊNCIA

RELIGIOSA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

No Brasil, a má separação prática entre o poder democrático, oriundo da vontade

popular e do poder eclesiástico, originado no divino, põe em cheque o respeito aos Direitos

Humanos. A laicidade emerge no Estado Democrático enquanto princípio constitucional, que

através de sua aplicabilidade, faz menção não apenas aos direitos fundamentais, todavia, a

garantia de seu justo respeito, que muitas vezes encontra-se em conflito por conta da oposição

a normas religiosas de igrejas.

O jurista Marco Huaco (2008) faz menção ao referido dispositivo quando afirma que

“o princípio da laicidade se manifesta ao se desenvolver matérias de direito de família e de

direito civil, como o princípio do matrimônio, o status jurídico das sociedades de convivência,

os direitos hereditários e sociais, etc.” e ainda completa o pensamento quando expressa que

“as quais precisam basear-se em valores e princípios o mais desprovidos possível de

condicionamentos religiosos (laico) toda vez que a norma jurídica está destinada a regular

situações cujos sujeitos são diversificados quanto a crenças e a convicções[...]” (HUACO,

2008, p. 41).Assim sendo, é posto através da citação, a compreensão que normas jurídicas

devem ser pautadas sob o vértice de princípios que atentem a sociedade em geral, com isonomia.

Nesta perspectiva, é importante mencionar o Princípio da Laicidade aludido no Art.

19, I da Constituição Federal da República de 1988:

“Artigo 19, I- Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-

lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes, relações de

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dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse

público.” (BRASIL, 1988).

Pode-se afirmar que ele é introduzido constitucionalmente como uma forma de

separação necessária, entre o Poder Temporal, nomeado como “material” (ESTADO) e do Poder

Espiritual, que é o “eterno” (RELIGIÃO) 4

, desagregando desde a proclamação da

República, as esferas públicas e privadas, por fim, desenvolvendo gradativamente o

amadurecimento democrático5

nesse quesito.

A jurista em Direito do Estado Joana Zylbersztajn entende que a laicidade deva ser

compreendida como um princípio constitucional implícito no Brasil, que nos termos do art.

5º, § 2º da Carta Republicana de 19886, decorre do próprio princípio democrático, da garantia

da igualdade e da liberdade, incluindo a liberdade religiosa (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 62).

Entretanto, é certo que o referido princípio é maculado se visualizado uma série de atos

em Instituições democráticas no âmbito nacional, principalmente, por força da influência

religiosa dada por meio de funcionários públicos. Nota-se que assentado na atuação de

parlamentares religiosos, as proposições normativas são as que mais são afetadas, nesse

sentido, é visualizável no núcleo do Congresso Nacional do Brasil alguns exemplos dessas

espécies nitidamente formuladas sob a convicção de crenças de cunho religioso.

Como exemplo, cita-se o Acordo Santa Sé-Brasil, celebrado em 2008, criando dois

dilemas: (1) fornecendo a religião católica, do ponto de vista jurídico-sociológico, uma

legislação exclusiva acerca do Estatuto Jurídico da Igreja, benefício que as demais religiões

ainda não possuem num Estado constituído laico; (2) o Art. 11, § 1ºdo Acordo versa sobre o

ensino católico nas escolas públicas, que inclusive, está sendo pauta de Ação Direita de

Inconstitucionalidade7

no Supremo Tribunal Federal.

4 LACERDA, Gustavo Biscaia. LAICIDADE NA I REPÚBLICA BRASILEIRA: OS POSITIVISTAS

ORTODOXOS.Departamento de Sociologia e Ciência Política,118f, Relatório técnico-científico de Pós-

doutorado – Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política,

Florianópolis, 2013, p. 12; 5

“Artigo 6º - A laicidade, assim concebida, constitui um elemento chave da vida democrática. Impregna, inevitavelmente, o político e o jurídico, acompanhando assim os avanços da democracia, o reconhecimento dos direitos fundamentais e a aceitação social e política do pluralismo.” (Declaração Universal da Laicidade do Século XXI). Declaração apresentada ao Senado francês, em 09 de dezembro de 2005 por ocasião das comemorações do centenário da separação Estado-Igrejas na França; cuja redação esteve a cargo de Jean Baubér (França), MichelineMilot (Canadá), e Roberto Blancarte (México). In: LOREA, Roberto Arriada (org.); ORO, Ari Predo et al. Em Defesa das Liberdades Laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008; 6 “Art. 5º, § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime

e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja

parte.” Referência: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília.

Senado Federal, 2010; 7 A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), proposta em 2 de Agosto de 2010 pela Procuradoria-Geral da

República, vai contra o trecho do acordo entre o Estado brasileiro e a Santa Sé que prevê "ensino católico e de

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Há de se ressaltar também o Projeto de Lei n.º 674/2007, que versa sobre o conceito

jurídico de família8, a instituição da união estável e do divórcio tem sido alvo de “contra

apreciação” por parlamentares religiosos9. Já o Projeto de Lei Complementar n.º 2756/11, que

proíbe o Estado de interferir em atos religiosos10

, fere o caráter coator do Estado em acordo com

laicidade no país, pois, como modelo, atos como o ritual11

realizado na Universidade Federal

Fluminense, onde houve práticas ilícitas conforme a legislação penal, não poderiam

ser interrompidas em caso de aprovação do projeto, pois caracterizaria interferência do Estado

na manifestação do sagrado dado pela mencionada liturgia, além disso, contrariando o caso na

universidade a própria ideia que se tem por laicidade mediadora.

A Proposta de Emenda Constitucional n.º 99/1112

também é questionável, onde há

alusão de que as Igrejas pudessem propor ADIn ou ADC de leis ou atos normativos presentes

na vigente Constituição Federal, feito que poderia provocar numerosos processos legislativos

a toda e qualquer legislação que não fosse ou estivesse em acordo com determinadas crenças

religiosas.

Na mesma matéria, ainda desde o ano de 2006 estava sendo discutido o Projeto de

Lei Complementar n.º 122/2006, onde aferia a criminalização da homofobia, o referido PLC

outras confissões" na rede pública de ensino do país (artigo 11, §1º, do Decreto n. 7.107/2010). A PGR pede

ainda que o Supremo interprete o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que determinada

que o ensino religioso “é parte integrante da formação básica do cidadão”, no sentido de proibir o ensino

confessional, interconfessional ou ecumênico. CONECTAS – DIREITOS HUMANOS. ADI 4439 – Ensino

Religioso nas Escolas Públicas. STF em foco. Disponível em

<http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/ADI%204439%20-%20Resumo%20do%20caso%20-

%20STF%20em%20Foco(3).pdf>. Acesso em 04 de novembro de 2014; 8 “A resistência no reconhecimento de unidades familiares constituídas por relações homoafetivas é justificada,

por muitos, com o argumento jurídico de que a legislação utilizou os termos “homem” e “mulher” para definir os

sujeitos da relação. Demos nova redação ao conceito de união estável, mantendo a exigência da publicidade,

estabilidade e objetivo de constituição familiar, mas definimos os sujeitos da relação como “pessoas capazes”,

englobando as relações entre homossexuais e heterossexuais.”. Disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C21768289B3EED4E83C8079751

105FD1.proposicoesWeb1?codteor=449928&filename=PL+674/2007>. Acesso em 6 de novembro de 2014; 9RECURSO n.º 2011 (Sr. João Campos, membro da Frente Parlamentar Evangélica e outros). Disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C21768289B3EED4E83C8079751

105FD1.proposicoesWeb1?codteor=837077&filename=Tramitacao-PL+674/2007>. Acesso em 6 de novembro de 2014; 10

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta proíbe interferência do Estado em atividades religiosas. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ADMINISTRACAO-PUBLICA/207971- PROPOSTA-PROIBE-INTERFERENCIA-DO-ESTADO-EM-ATIVIDADES-RELIGIOSAS.html>. Acesso em

6 de novembro de 2014; 11

INSTITUTO PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA. Culto satanista na UFF apoiado por professores. Disponível em <http://ipco.org.br/ipco/noticias/culto-satanista-na-uff-apoiado-por-professores#.VFrzlSLF-GQ>.

Acesso em 6 de novembro de 2014; 12

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta proíbe interferência do Estado em atividades religiosas. Disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=931483&filename=PEC+99/2011>.

Acesso em 6 de novembro de 2014;

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foi motivo de grande vulto no Congresso Nacional, principalmente pela bancada evangélica13

,

tendo sido uma importante legislação, se aprovada, aos interesses da comunidade LGBT.

Frisa-se que a influência religiosa nas espécies normativas implica na redução de

direitos aos indivíduos de certos grupos sociais, os quais sofrerão com aprovação de políticas

estatais menos abrangentes ou divergentes da função social do Estado, dessa forma, afetando de

forma negativa o desenvolvimento do país sob as mais diversas concepções.

O desenvolvimento parte do pressuposto de expansão dos direitos e liberdades na

sociedade e o papel do Estado nessa relação é de extrema importância, pois, as decisões políticas

à luz da Constituição, devem fornecer subsídios necessários para que ocorra a garantia

dos direitos aferidos. E ainda sob este apontamento, devido a hostilidade estabelecida entre os

pressupostos do religioso e do laico, para que não ocorra mais o ferimento do Princípio da

Laicidade, há a necessidade essencial da criação de um sistema de proteção no país, de forma a

proteger o Estado e assegurar políticas públicas abrangentes por meio de legislações específicas.

Uma hipótese para o problema apresentado, seria acerca da ministração de cursos

jurídicos a parlamentares do Congresso Nacional no período de ingresso no cargo público, dessa

forma, fornecendo o ensino dos princípios constitucionais desenhados nos moldes da

Constituição Federal e também, no que tange a historicidade da laicidade e suas vertentes.

Outra possibilidade poderia se fazer através de órgãos atuantes nas Comissões

Parlamentares no Congresso Nacional do Brasil, entidades que poderiam defender a laicidade

estatal, evidenciando pareceres jurídicos, opiniões sociológicas, principalmente como forma

de tutela para proposições normativas a serem elaboradas sem teor religioso, assim, não

afetando o desenvolvimento político do país.

Por fim, do ponto de vista jurídico, sociológico e político, a formalização de um sistema

de proteção da laicidade no Brasil torna-se realizável, devido a frequências de atos de (des)

respeito ao princípio mencionado elencado na Constituição Federal, ainda assim, afirma- se que

essa é uma ação que envolve questões complexas e que poderiam necessitar de

avaliações mais abrangentes de cunho político ou mesmo científico.

13 GNOTÍCIAS. Pressão da bancada evangélica e avalanche de e-mails aos senadores resultam na retirada do PLC 122 da

pauta de votação. Disponível em <http://noticias.gospelmais.com.br/pressao-bancada-evangelica-retirada-plc-122-

pauta-votacao-62692.html>. Acesso em 6 de novembro de 2014;

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessária uma aproximação entre o direito escrito nos livros e o aplicado na prática,

pois, se formalmente tem-se a garantia que o Estado terá a liberdade de elaborar normas

autônomas sem influência religiosa, não é factível que aconteça o oposto do que está positivado,

ocasionando problemas de grande vulto para a garantia de direitos constitucionalizados a todos

os indivíduos que deles fazem jus.

Dessa forma, torna-se a laicidade apropriada para estabelecer, sob a ótica do

desenvolvimento humano, um país mais tolerante, de igualdade e sem discriminação,

edificado na liberdade de escolha que todos os cidadãos possuem, para a criação de uma cultura

de paz religiosa.

É importante ressaltar que o Estado Democrático de Direito, reafirmado a partir da

Carta Republicana, deveria se posicionar neutro perante o fenômeno religioso na sociedade, não

deixando se legitimar politicamente na religião, porém, em seu próprio núcleo, seja na lei a luz

dos princípios constitucionais, como também, na vontade popular através do voto.

Ainda assim, a conscientização da sociedade, por meio de campanhas necessárias sobre

o tema e do Poder Público, em respeito aos princípios constitucionais, para que possam

compreender que a laicidade é dada como um princípio essencial para fornecer as diretrizes

básicas que fortalecem e realizam o Estado Democrático de Direito em matéria religiosa.

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O USO DE CONTEÚDOS DAS REDES SOCIAIS COMO MEIO DE

PROVA NO PROCESSO CIVIL

Weima Kedila de Souza Barbosa1

RESUMO: A sociedade atual dispõe de diversificadas maneiras de utilização dos mais variados

recursos tecnológicos. É impossível atualmente conceber o Mundo sem o uso da Internet, afinal,

ela se faz presente nas situações mais cotidianas da vida do homem moderno, seja para

simplesmente “bater um papo” com um amigo distante ou até para realizar uma atividade mais

complexa, como uma transação bancária, por exemplo. Toda essa evolução fez com que se

gerasse um falso conceito de que a Internet é um espaço livre, sem controle, sem limites

geográficos e políticos, e, portanto, insubordinado a qualquer poder punitivo. Dessa forma, é

inegável a necessidade de que o Direito, ciência que deve regular a sociedade, acompanhe toda

essa evolução tecnológica que hoje faz parte da vida dos indivíduos. Assim, justifica-se o

presente trabalho pela necessidade de discutir a legalidade do uso de conteúdos expostos em

redes sociais como prova no processo, bem como de debater sobre a aplicação do instituto da

ata notarial como meio de validade das referidas provas. Foi utilizado o método dedutivo, o qual

analisa o conteúdo abordado de uma forma genérica para então, chegar a uma dedução

específica. A pesquisa bibliográfica serviu de fonte de pesquisa, utilizando-se principalmente

de acervos recentes sobre a disciplina Direito Processual Civil e Direito Digital (livros,

revistas jurídicas, artigos da internet e legislação pertinente). Restou demonstrada a legalidade

desses meios de provas, assim como a importância e eficácia da ata notarial como instrumento

jurídico que otimiza a produção de provas no processo. Palavras-chave: Internet. Rede social. Provas. Ata notarial.

ABSTRACT: A current society of diverse forms of use of the most varied technological

resources. It is impossible to conceive the world without the use of the internet, after all, it is

present in the most everyday situations of the modern man's life, to simply "chat" with a

distant friend or to do a more complex activity, such as A bank transaction , for example. All

this evolution has generated a false concept of an Internet is a free space, without control,

without geographical and political limits, and therefore insubordinate to any punitive power.

In this way, it is undeniable the need for law, a science that should regulate a society, to

follow all this technological evolution that is now part of the life of individuals. Thus, the present

work is justified in the need to discuss the legality of the use of content expositions in social

networks as evidence not process, as well as, debater on an application of the notary institute as

a means of validity of evidence evidence. The deduction method was used, which analyzes the

content covered in a generic way and then reaches a specific deduction. The bibliographic

research served as a source of research, using mainly collections on a subject Civil Procedural

Law and Digital Law (books, legal journals, articles of the internet and relevant legislation).

The legality of the means of evidence as well as the importance and effectiveness of a legal

instrument that optimizes a production of non-process evidence has been demonstrated.

Keywords: Internet. Social network. Evidences. Notary Act.

1 Servidora da Procuradoria Geral do Município, membro da Subcomissão do Estudante de Direito, Gestão 2016,

estudante do 9º período do Curso de Direito da Faculdade União Educacional do Norte – UNINORTE.

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INTRODUÇÃO

A sociedade desde seus mais primórdios tempos tem passado por diferentes e

importantes revoluções. Assim como, a sociedade Moderna sofreu importantes modificações

através da Revolução Industrial, certamente, a Revolução Digital ou Tecnológica também tem

sido causa de grandes mudanças na sociedade pós – moderna. O que as diferencia, entretanto,

é a velocidade com que as mudanças acontecem.

Diferentemente da época da Revolução Industrial, a Revolução Digital deu um caráter

totalmente transitório e temporário às informações e descobertas, uma vez que o novo deixa

de sê-lo num curto espaço de tempo. A cada instante, a cada minuto, informações novas são

compartilhadas por usuários das redes sociais.

Veríssimo, Macias e Rodrigues (2012, p. 01 - 02), em trabalho acadêmico do curso de

Mestrado em Direito evidenciam a qualidade humana das redes sociais e as conceituam da

seguinte maneira:

Uma rede social é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações,

conectadas por um ou vários tipos de interesses e que partilham valores e objectivos.

Estas Redes tendem a estar articuladas com as Novas Tecnologias de Informação

podendo assentar numa plataforma online onde se estruturam estas relações sociais

entre utilizadores.

Como visto, não há como negar a importância do uso das redes sociais nos dias atuais,

tampouco há como os operadores do direito fecharem os olhos para essa realidade. O advento

das tecnologias tornou cada vez mais acessível o uso dessas redes pela sociedade em geral e

desencadeou também a necessidade de adequação da legislação vigente a esse mais novo cenário

tecnológico.

Ocorre que, de fato, o protagonismo da internet e das redes sociais na atualidade tem

ocasionado mudanças no processo judicial, principalmente, no que diz respeito aos meios de

provas admissíveis. Não há mais que se estranhar que publicações de textos e imagens passem

a ser utilizadas como importantes provas em processos, pois, esta tem sido uma prática cada vez

mais recorrente em nosso sistema jurídico.

De outro modo, faz-se necessário que antes mesmo de se discutir a validade ou não desse

meio de prova sejam feitas as devidas considerações a respeito desse instituto previsto no

nosso ordenamento jurídico. Ou seja, primeiramente, há de se conceituar e classificar os meios

de provas até então disciplinados pela nossa legislação e doutrina vigente para, só

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então, discutirmos se a prática do uso de conteúdos das redes sociais como prova é ou não

válida.

1 O SISTEMA PROBATÓRIO NO PROCESSO CIVIL

O estudo da prova no Direito Processual é de extrema relevância no que diz respeito à

resolução das lides, haja vista que são elas que oferecem os parâmetros necessários ao juiz da

causa, oferecendo subsidio na resolução dos conflitos.

No Brasil, embora a Constituição Federal não faça referência expressa quanto ao

direito de prova, reconhecidamente, este possui extrema relevância no nosso sistema processual,

afinal, não há como se fazer valer o princípio do contraditório e ampla defesa sem o direito

inafastável de produção probatória.

A doutrina majoritária também defende a natureza constitucional do direito à prova em

decorrência do princípio da inafastabilidade jurisdicional previsto no art. 5º, XXXV, da

Constituição Federal, o qual dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário,

lesão ou ameaça a direito”.

Há de se considerar, todavia, que o conceito de prova não é pacífico entre os

doutrinadores, uma vez que muitos podem ser os sentidos atribuídos à referida palavra. A esse

respeito, disciplina Neves (2016, p. 933) que:

O termo é utilizado no direito e fora dele, não sendo estranho aos leigos (por exemplo,

a tradicional exigência de uma namorada decepcionada: “então prove que me ama”;

ou ainda a sugestão de um garçom: “por que você não prova essa cerveja?”

etc.). E mesmo dentro do campo do direito, encontra-se muita divergência no

tratamento conceitual do tema, até porque são diversas as áreas afeitas à questão da

“prova”.

Abstraindo-se dessas questões preliminares, tem–se que, o termo prova advém do

termo latim probatio, que significa, dentre outras conceituações, razão, inspeção, verificação,

confirmação.

Wambier e Talamini (2010, p. 475) fazem uma importante e necessária distinção entre

provas, meios de provas e conteúdos das provas. Nesse sentido, os autores disciplinam que:

Meios de prova são as diversas modalidades pelas quais a constatação sobre a

ocorrência ou inocorrência dos fatos chega até o juiz. Podem ser diretos (inspeção

judicial, fatos notórios) ou indiretos (documentos, testemunhas). Conteúdo da prova

é o resultado que o meio produz, ou seja, o convencimento que o juiz passa a ter da

ocorrência ou inocorrência dos fatos, porque a ele foram levados (e relevados) por

determinado meio de prova.

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Essa distinção adquire importância, uma vez que o Código de Processo Civil

Brasileiro não admite determinados meios de provas. Além disso, frisa-se que, em regra geral,

não existe hierarquia entre os meios de provas, ou seja, o principio do livre convencimento

motivado do juiz é o que prevalece, conforme estabelece o art. 371, do CPC: “O juiz apreciará

a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará

na decisão as razões da formação de seu convencimento”.

Como meios de provas expressamente previstos temos o depoimento pessoal,

confissão, exibição de documento ou coisa, documental, testemunhal, pericial e inspeção

judicial. Entretanto, contanto que não sejam ilícitos nem moralmente inadmissíveis, existe a

possibilidade de que meios atípicos também sejam aceitos como meios de provas, conforme

dispõe o art. 369, do CPC:

As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente

legítimos, ainda que não especificadas neste Código, para provar a verdade dos fatos

em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

Dessa forma, considera-se pertinente a conceituação dada por Wambier e Talamini,

(2010, p. 475) os quais definem prova como “o instrumento processual adequado a permitir que

o juiz forme convencimento sobre os fatos que envolvem a relação jurídica objeto da atuação

jurisdicional”.

Tradicionalmente classificam-se as provas quanto ao fato (diretas e indiretas); quanto

ao sujeito (pessoais e reais); quanto ao objeto (testemunhais, documentais e materiais); e quanto

à preparação (causais ou pré – constituídas).

Há de se considerar a importância das provas utilizadas no processo jurídico, pois são

elas que possibilitarão a obtenção daquilo que Neves (2016, p. 36) chama de verdade possível,

conforme explicita:

Por verdade possível entende-se a verdade alcançável no processo, que coloque o

juiz o mais próximo possível do que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos, o

que se dará pela ampla produção de provas, com respeito às limitações legais.

Digno de análise também é o fator referente ao objeto da prova. Dadas às máximas da

mihi factum, dabo tibi jus (“dê-me o fato, que lhe dou o direito”) e jura novit curia (“o

tribunal conhece os direitos”), abstrai-se a ideia de que no processo devem-se provar os fatos

e não o direito, portanto, é necessário apenas que as partes provem a ocorrência ou não dos fatos

para que o direito seja aplicado pelo juiz.

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Todavia, alguns doutrinadores divergem dessa ideia e ensinam que não é os fatos o objeto

das provas, mas sim, as alegações de fatos. De outra quadra, Neves (2016, p. 940) leciona que

“o objeto de prova não são os fatos nem as alegações de fato, mas os pontos e/ou as questões

de fato levadas ao processo pelas partes ou de ofício pelo próprio juiz” .

Todavia, importante ressaltar que o Novo Código Civil adotou o mesmo entendimento

do Código Civil de 1973, no sentido de que o objeto da prova deve ser o fato e não as alegações

de fato, conforme dispõe o art. 374 do NCPC.

Por outro lado, nem todos os fatos são objetos de provas. O próprio Código de

Processo Civil elenca os fatos em que são admitidos como verdadeiros independente de sua

efetiva demonstração nos autos do processo. É o que dispõe o art. 374, o qual afirma que os

fatos notórios, os afirmados por parte e confessados pela parte contrária, os admitidos no

processo como incontroversos e os fatos em cujo favor milita presunção legal de existência ou

de veracidade não dependem de provas.

Convém também fazer uma diferenciação entre provas ilícitas e provas atípicas. Estas

são perfeitamente aceitáveis no processo, desde que não contrariem a norma legal. Aquelas, por

sua vez, são inadmissíveis no processo jurídico, conforme estabelece o art. 5º, LVI, da

Constituição Federal.

As provas ilícitas ofendem a norma legal e classificam-se segundo a doutrina tradicional

em: prova ilegítima (quando viola norma de direito processual) e prova ilícita (quando viola

norma de direito substancial). A primeira pode ser percebida no momento da produção da prova

no processo, enquanto que, a segunda, pode ser verificada no momento da colheita da prova.

2 TEORIA DAS PROVAS NO DIREITO DIGITAL

O direito digital surge da necessidade de criar uma nova forma de compreensão e

interpretação dos problemas que agora acontecem no meio ambiente virtual. Trata-se,

portanto, de uma nova forma de olhar o direito já tradicional, sob a nova ótica dos impactos e

reflexos tecnológicos.

Pinheiro (2010, pág. 13) ensina que o direito digital nada mais é do que a própria

evolução do direito:

Consiste na evolução do próprio Direito, abrangendo todos os princípios

fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como

introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico, em todas as

suas áreas.

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Embora amplamente discutida, por vezes, surgem novos debates a respeito da

admissibilidade ou não de provas produzidas por meio eletrônico.

Primeiramente, ressalta-se que a nossa legislação, em especial a Constituição Federal e

o Código Civil, admitem o uso do conjunto probatório obtido junto às tecnologias, sejam elas

quais forem. Assim dispõe o artigo 225 do Código Civil:

Reproduções fotográficas, cinematográficas, ou registros fonográficos e, em geral,

quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem

prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a

exatidão.

É cediço, portanto, que não há nenhum tipo de impedimento para aceitação de provas

eletrônicas em um processo, uma vez que, a própria legislação já citada faz a devida previsão

de seu uso.

Ora, tal entendimento é completamente aceitável, haja vista que, por óbvio, em lides que

envolvem o “mundo virtual”, principalmente a internet, as provas a serem produzidas muito

provavelmente serão apenas virtuais.

Pinheiro (2009, p.53) apud Lange (2013, p. 7) comenta a respeito do uso de provas

eletrônicas:

Não há nenhuma legislação brasileira que proíba ou vete a utilização de prova

eletrônica. Ao contrário, o Código Civil e o Código de Processo Civil aceitam

completamente o seu uso, desde que sejam atendidos alguns padrões técnicos de

coleta e guarda, para evitar que esta tenha sua integridade questionada ou que tenha

sido obtida por meio ilícito. Logo, o que realmente existe, novamente, é o preconceito

quanto ao tipo de prova, pois todos nós temos medo (insegurança) daquilo que não

conhecemos.

Como visto, a legislação pátria aceita o uso de provas digitais, desde que sejam

atendidos alguns padrões técnicos de coleta e guarda, para evitar que esta tenha sua

integridade questionada ou que tenha sido obtida por meio ilícito.

Frisa-se que esses meios de provas eletrônicas são considerados como documentos

digitais, com natureza de prova documental e que não há hierarquia entre elas, assim como

não há hierarquia entre nenhum tipo de prova no direito brasileiro. Todas as provas têm a mesma

força, e nenhuma delas se sobressai em relação às outras.

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2.1 A ATA NOTARIAL

É nesse cenário em que o sistema jurídico precisa entender e acompanhar as novas

necessidades da sociedade digital que emerge a figura da ata notarial. Trata-se de um tipo de

prova, a qual possui a incumbência de constatar fatos ocorridos na esfera digital.

Com previsão legal no art. 384 do CPC, qualquer pessoa pode solicitar a um tabelião

que documente de forma escrita os fatos a ele narrados.

Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou

documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

Parágrafo único: Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos

eletrônicos poderão constar da ata notarial.

Os serviços notariais instituídos através da Lei nº 8. 935, de 18 de novembro de 1994,

destinam-se a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos,

conforme disciplina seu art. 1º.

O tabelião ou notário são os responsáveis pela atividade notarial e de registro. Conforme

estabelece o art. 3º da Lei 8.935/94, devem ser profissionais do direito e são dotados de

fé pública, pois atuam como delegatários do Poder Público, por meio de concurso público.

Theodoro Junior (2015, p. 933) faz ressalva ao afirmar que o notário não dá autenticidade

ao fato, tão somente o relata com autenticidade. Assim, a ata notarial produz um documento

autêntico que representa o fato. O autor segue também, fazendo importante diferenciação entre

ata notarial e escritura pública. Sendo que, esta tem por objetivo provar negócios jurídicos e

declarações de vontade, enquanto que, aquela possui a função de apenas descrever, a

requerimento do interessado, fatos constatados presencialmente pelo tabelião.

Bueno (2016, p. 389), por sua vez, faz as seguintes considerações a respeito da ata

notarial:

A ata notarial merece ser compreendida como o meio de prova em que o tabelião

atesta ou documenta a existência e/ou o modo de existir algum fato, mesmo que sejam

dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos. Neste

caso, aliás, o que fará o tabelião é ver e/ou ouvir os tais arquivos eletrônicos e

descrever, na ata, o que viu e/ou ouviu, vale dizer, descrever o conteúdo dos

arquivos eletrônicos, imprimindo em papel, até mesmo, o que é passível de impressão,

como, por exemplo, dá-se com páginas da internet, de facebook, de mensagens

eletrônicas e assim por diante.

É evidente que a ata notarial possui fundamental importância para obter-se uma

produção antecipada de provas de boa qualidade e credibilidade, sem que haja necessidade de

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que o interessado movimente o sistema judiciário que, não raramente, se mostra

extremamente moroso e formal.

Em meio a este cenário jurídico moroso, no qual muitas vezes não é possível atingir o

resultado que se propõe a alcançar pela falta de agilidade necessária, surge a instituição da ata

notarial, que pode e deve ser difundida, como um instrumento de auxílio na concretização rápida

e efetiva da tão esperada justiça.

Ressalta-se que nestes casos podem ser utilizadas tanto a ata notarial de declaração

quanto a ata notarial de presença. Esta corresponde basicamente à produção antecipada de prova

pericial, tradicionalmente conhecida como vistoria.

CONCLUSÃO

Feitas todas as considerações expostas nesse artigo, restou demonstrado que são lícitas

as provas adquiridas através de redes sociais, sendo, portanto, totalmente possível sua utilização

em processos judiciais.

Em suma, não há que se falar em ilicitude de provas, quando estas forem obtidas através

de redes sociais, afinal, nesses casos, não há desrespeito ao comando alocado no artigo

5º, inciso LVI, da Lei Fundamental da República.

Desta feita, observa-se que a ata notarial é um importante instrumento jurídico que se

presta não somente a auxiliar o solicitante, como também, ao judiciário que enfrenta cada vez

mais a demora na produção de provas por peritos e auxiliares técnicos.

É urgente, portanto, que essa importante ferramenta seja ainda mais difundida e se

faça ser conhecida, principalmente, entre os operadores do direito, haja vista sua comprovada

eficácia como meio de prova.

10 REFERÊNCIAS

Bueno, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à

luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016. 2. ed. – São Paulo: Saraiva,

2016.

Gouveia, Sandra. O direito na era digital: crimes praticados por meio da informática. 1.

ed. – Rio de Janeiro: Ed. Mauad, 1997.

Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único – 8.

ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

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Pinheiro, Patricia Peck. Direito Digital. 3. ed. – São Paulo: Ed. Saraiva, 2009.

Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito

processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I - 56. ed. rev.,

atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.

Veríssimo, Joana; Macias, Maria; Rodrigues, Sofia. Implicações jurídicas nas redes sociais

na internet: Um novo conceito de privacidade? 2011 – 2012. 26f. Trabalho da disciplina

Direito da Comunicação (Mestrado em Direito) – Universidade Nova de Lisboa, Lisboa,

2012.

Wambier, Luiz Rodrigues; Talamini, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: teoria

geral do processo e processo de conhecimento – Volume 01 - 11 ed. São Paulo: Ed. Revista

dos Tribunais, 2010.

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TELEOLOGIA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Celso Cosme Salgado1

RESUMO: A filosofia do ordenamento penal direciona no sentido de que essa disciplina exista

somente como instrumento do Estado, para fazer frente ao desequilíbrio (por meio do aspecto

preventivo) e do reequilíbrio do tônus (aspecto retributivo) do social, quando alguém descumpre

o que se acha positivado. Dessarte, há de se ter em conta que a regra no sistema é a liberdade, e

que a privação desta é medida excepcional, somente se justificando em casos extremos, em

especial quando essa limitação ocorrer na fase do exercício do denominado ius persequendi.

Palavras-chave: Encarceramento; Audiência; Custódia; Prisão em Flagrante.

ABSTRACT: The philosophy of criminal justice directs that this discipline exist only as an

instrument of the State to deal with the imbalance (through the preventive aspect) and with the

rebalancing of the tonus (retributive aspect) of the social, when someone disagrees with what

is considered positived. It should be borne in mind that the rule in the system is freedom, and

that deprivation of the latter is an exceptional measure, justified only in extreme cases,

especially when this limitation occurs during the exercise of the so-called ius persequendi.

Key-words: Incarceration; Court hearing; Custody;

INTRODUÇÃO

Durante a primeira metade da década de oitenta, por meio da Lei n. 7.209, de 11 de

julho de 1984, entrou em vigor a reforma da Parte Geral do Código Penal. Dentre as

novidades implícitas é de se destacar a preocupação do legislador com a questão das sanções.

Várias foram as alterações substanciais profundas, v.g., o desaparecimento do sistema binário

nas sanções, passando a vigorar a modalidade vicariante: ou pena ou medida de segurança,

esta aos portadores de periculosidade (assim definidos por conclusão dos peritos em laudo

próprio, ou decorrente da presunção legal) e aquela aos portadores de culpabilidade; ainda, o

1 Advogado, inscrito na Oab/ac 0418. Professor universitário.

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advento das penas restritivas, dotadas de autonomia e de caráter de substitutividade, dentre

inúmeras outras.

Em sua Exposição de Motivos da Nova parte Geral do Código Penal, Francisco

Campos, então Relator do Projeto, (2013, p. 202) alude à questão das penas sob a afirmativa

de que:

Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir

a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz

de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta filosofia importa

obviamente na busca de sanções outras para delinquentes sem periculosidade

ou crimes menos graves.

Ademais, dessas considerações há de se mencionar ainda, o surgimento na década

seguinte de institutos e procedimentos que apontam na mesma direção filosófica, como o caso

do Sursis Processual, constante da Lei N. 9.099, de 26.9.1995, conhecida como Lei dos Juizados

Especiais, em razão do qual, em determinadas infrações penais – naquelas cuja pena mínima,

abstratamente cominada não ultrapasse dois anos - ao ser ofertada a denúncia, deve o Ministério

Público formular a proposta de suspensão do processo ou justificar fundamentadamente por qual

razão não o faz. Caso assim não se verifique, caberá ao juiz adotar as providências no sentido

de retificar essa lacuna.

Ressalte-se que esse posicionamento de criação da Lei instituidora dos Juizados

Especiais Criminais encontra respaldo no art. 98, inciso I, da Carta Magna que lhe antecedeu

em sete anos.

Percebe-se, pois, já desde antes do advento da festejada Constituição de 1988, uma

preocupação do legislador brasileiro no sentido de afastar das barras dos cárceres os cidadãos,

seja ainda na fase do ius persequendi (pretensão punitiva) com os meios colocados à disposição

do operador do direito, seja, mesmo, na fase do ius puniendi (pretensão executória),

corroborado pelo advento do diploma máximo.

Seguindo a linha redacional de Francisco Campos (2013, 202), não se trata de combater

ou condenar a pena privativa de liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no

Brasil, afirma o autor, a pena se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O

que a filosofia dos sistemas busca é sua limitação aos casos de reconhecida necessidade.

Ante a consideração de que as observações acima se referem, em sua maioria, ao

quadro que se delineou no âmbito do direito penal de natureza objetiva, não traduzindo a

teleologia do presente estudo, necessária é a abordagem do fim colimado para se buscar

demonstrar, não só o mecanismo, mas, sobretudo, o funcionamento deste, seja pela análise

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das diversas reformas implantadas no mundo do direito penal adjetivo, dentre elas as medidas

assecuratórias penais criadas com a Lei n. 12.403/2011, e a nova normatização da liberdade

provisória com ou sem fiança e, finalmente, aquela que aproxima e coloca o detento perante o

juiz, com o fito de poder este avaliar aspectos da prisão a que foi aquele submetido.

Evidentemente que a linha de análise desses institutos levará ao questionamento a respeito da

novel criação da conhecida audiência de custódia a respeito da prisão em flagrante e nas demais

modalidades de restrição da liberdade, ainda no exercício da pretensão punitiva, seriam

essas modalidades submetidas completamente ao crivo desse controle? É essa busca de

respostas que fundamenta a proposta do presente trabalho.

1 AS PRISÕES CAUTELARES

O sistema processual penal estabelece em seu bojo duas hipóteses de prisões a saber:

prisão-pena, assim definida como aquela que decorre de sentença condenatória transitada em

julgado, em que é aplicada pena privativa de liberdade, e a prisão-sem-pena, denominação

que se dá àquela que não decorre de sentença condenatória transitada em julgado, não

constituindo pena no sentido técnico–jurídico, como preleciona Edilson Mougenot Bonfim

(2011, p.57).

Para o apontado autor (idem, idem) em nosso modelo repressivo a prisão-pena só existe

no âmbito do direito penal e, no que tange à prisão-sem-pena, reveste-se esta de quatro

modalidades ou espécies: prisão civil; prisão administrativa; prisão disciplinar e prisão

processual (provisória ou cautelar).

Nesse elenco, destaca-se que a prisão civil somente teria cabimento no caso de

depositário infiel e do devedor de alimentos (que se origine dos vínculos de direito de família,

conforme o inciso LXVII do art. 5º da CF). Na hipótese primeira, já está pacificado o

entendimento de sua inadmissibilidade no ordenamento brasileiro, inobstante sua previsão

constitucional. Ao editar a Súmula 25, o STF estabeleceu ser ilícita a prisão civil de depositário

infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito de que decorra a infidelidade.

De igual jaez é o conteúdo normativo da Súmula 419 do STJ, ao dispor que “descabe a prisão

civil do depositário judiciário infiel”.

A prisão rotulada de administrativa tem assento previsional no Código de Processo,

tem como objeto compelir alguém a cumprir um dever de direito público, incluindo-se, ainda

a custódia de estrangeiro que seja submetido ao procedimento de deportação ou de expulsão.

Na hipótese dos estrangeiros, por exemplo, era ela decretada pelo Ministro da Justiça. Com o

advento da Constituição de 1988 que trouxe consigo a cláusula da reserva de jurisdição, essa

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prisão praticamente desapareceu do ordenamento, muito embora ainda haja a previsão da

modalidade, em decorrência de transgressão disciplinar.

Pode-se afirmar, porém, que essa modalidade foi revogada tacitamente pela Lei nº

12.403/2011, visto que em seu lugar foi regulada a denominada “prisão domiciliar”.

Mesmo nos casos em que a Constituição Federal admite a medida, deverá ela ser

decretada pelo juiz e não pela autoridade administrativa que, até então o fazia, como destaca

Marcellus Polastri Lima (2012, p.681).

Restam as modalidades da chamada prisão processual penal, também conhecida

como prisão cautelar ou prisão provisória, compostas pela prisão preventiva, (definida nos

artigos 311 a 318 do CPP); prisão temporária (esta prevista em diploma extravagante [lei n.

7960, de 21.12.1989]); prisão domiciliar (acrescentada pela Lei n.12.403/2011); e a prisão em

flagrante (definida nos artigos 301 a 310). Até mesmo porque à exceção da última modalidade

apontada, as três primeiras são decorrentes da adoção de medida constritiva determinada pela

autoridade judiciária, no interesse de algum procedimento, e sua materialização resulta

sempre de uma manifestação no sentido de que por adoção de providência dos órgãos

encarregados da execução venha alguém a ter a liberdade suprimida cautelarmente.

Aspecto importante na conduta de executar a ordem recebida de cumprimento de algum

mandado, é que uma vez cumprido este, será o sujeito recolhido a algum lugar destinado

(por finalidade ou por adaptação ao fim), ali permanecendo à disposição da autoridade

determinadora da medida restritiva. Surge, assim, o primeiro questionamento a respeito da

prisão nessas condições. Verifica-se sempre efetivo o posicionamento da autoridade

determinadora da prisão em conhecer as condições em que o cidadão teve a sua prisão levada a

efeito, dentre outras coisas, no que tange ao respeito aos seus direitos de cidadão? Na grande

maioria das vezes somente após razoável hiato temporal esse preso se fará presente diante

do magistrado (isso quando sua oitiva não se verificar por meio da conhecida videoconferência).

Não se vislumbrava fundamento que lastreasse a distinção desse tratamento quando

cotejado (o tratamento em questão) com aquele que hoje, por força da inovação administrativa

encetada pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, dispensa-se a alguém que tenha sido preso

em flagrante.

A história recente mostra a adoção de iniciativas pontuais no mundo do direito penal

adjetivo, a exemplo do ocorrido no ano de 2008 com o advento das leis n.11.689 e n. 11.719,

que reformularam consideravelmente os procedimentos penais e, em especial ao interesse

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presente, a Lei n. 12.403, de 04 de maio de 2011. Esses diplomas alteradores do Código de

Processo Penal – CPP dão à questão aspectos bem inovadores.

1.1. A PRISÃO EM FLAGRANTE

Considerada por praticamente toda a doutrina como de natureza cautelar processual,

a prisão em flagrante tem fundamento (atualmente) na Constituição Federal, quando

determina expressamente que a autoridade deve prender quem for encontrado em flagrante

delito e, ainda, referenda a possibilidade de que qualquer do povo, também, possa fazê-lo. Se

na primeira hipótese a situação é imperativa, na segunda é ela facultativa. Esse comando

normativo é inserto no art. 5º, LXI da Carta.

Em rápidas considerações, cabe o registro da discordância do caráter cautelar

processual de tal medida. Concessa vênia dos que professam em contrário se o

posicionamento parece agressivo, mas a função da prisão em flagrante deve ser concebida como

simplesmente fazer cessar a prática de alguma infração e a permissividade de que possa a

autoridade imputar a prática do fato ao seu autor. Fora isso, parece-nos que a prisão em flagrante

passa a ser desprovida de qualquer sentido ou função. Em síntese: detectada a pratica de

um delito, faz-se com que seja esta cessada mediante o afastamento do autor do local e da

conduta. Em verdade, trata-se aqui de espécie de cautelaridade social. Procedidos os registros

de tais aspectos, desaparecem as razões para essa medida.

Pelas regras processuais que durante muito tempo estiveram (e ainda estão) em vigor,

sendo encontrado alguém em flagrante pelo agente da autoridade (ou qualquer do povo), fará

este cessar a flagrância e apresentará o infrator à autoridade que verificando a necessidade e o

cabimento lavrará o respectivo auto de flagrante, dará ao infrator a voz de prisão, fará entrega

da nota de culpa e em seguida comunicará ao juiz competente a realização da prisão em

flagrante. Assim sempre o foi.

A partir do advento da lei 12.403/2011 criou-se na esfera processual a expectativa de

que ninguém mais permanecerá preso em flagrante, ou que nessas condições responda aos

termos de uma ação penal. Isso porque o novo diploma deu nova redação aos arts. 310 e

seguintes do código de processo, abandonando a forma tradicional de tratamento da prisão em

flagrante. Pela nova normatização, ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz não pode mais

apenas limitar-se à análise da legalidade e respeito às formalidades processuais, com a adoção

de posicionamento de mantença da prisão ou relaxamento do flagrante (como se diz no jargão

processual), mas deve adotar qualquer das medidas instituídas pela nova lei, a saber: a) relaxar

a prisão ilegal. O posicionamento obedece ao comando do inciso LXV, do art. 5º da

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CF. Em face da ilegalidade do flagrante, o preso deve logo ser posto em liberdade; b)

converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do

art. 312 do CPP e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas

da prisão; c) conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança. A novidade em tudo isso é

tão somente a possibilidade de conversão (agora de cunho obrigatório) da prisão em flagrante

em preventiva, atendidos os dois pressupostos: presença dos requisitos ensejadores dessa

modalidade de prisão e a não recomendação de alguma(s) das dez medidas cautelares criadas

pela nova lei. Cabível alguma delas, deve ser insubsistida a prisão em flagrante com a

consequente aplicação daquela(s), somente superada a análise do descabimento destas se poderá

cogitar da prisão preventiva.

1.2. A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A mecânica de controle do encarceramento do indivíduo, mesmo ante a nova ordem

processual, continuava a se desenrolar de igual forma: prisão em flagrante; lavratura do auto

de flagrante; comando de voz de prisão; dação de nota de culpa; comunicação ao juiz

competente no prazo estipulado em lei; análise da regularidade da prisão; relaxamento da prisão

(se ilegal); concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança; substituição da prisão

em flagrante por alguma(s) das medidas cautelares há pouco surgidas; e, finalmente a

substituição pela prisão preventiva, nas condições já analisadas.

Tudo isso, porém, desenvolvia-se sem que o juiz obrigatoriamente mantivesse

contato com o preso (sabia da sua existência e da ocorrência situacional da prisão em

flagrante delito), mas as condições em que a custódia foi levada a efeito, na inúmera maioria

das vezes desapareciam pelos ralos dos porões da unidades policiais ou mesmo prisionais a

que eram levados (e mantidos, provisoriamente) os presos. Apresentava-se, também, de igual

modo outra situação cruciante: o modelo de encarceramento decorrente de prisões em

flagrante (como não se dizer de mesma forma daquelas decorrentes de decretos judiciais)

fazia inchar os estabelecimentos prisionais que em verdade se destinavam àqueles detentores de

prisão-pena. O que se tinha, como ainda se tem, são os Complexos Penitenciários e as Cadeias

Públicas e Delegacias de Polícia agasalhando uma população de presos provisórios que ali não

deveriam estar.

Inobstante de muito seja o Brasil signatário do Pacto de São José da Costa Rica, ou

da Convenção Americana de Direitos Humanos (assinado em 1992) e do Pacto Internacional

sobre Direitos Políticos de Nova York e em ambos os instrumentos seja consignado que:

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Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que

prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem

o seu comparecimento em juízo.” (art. 7º do Pacto de São José da Costa Rica – de igual conteúdo são as disposições do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York).

Somente em fevereiro de 2015 o CNJ lançou o Projeto Audiência de Custodia, tendo

recebido a adesão de inúmeros Tribunais de Justiça e Regionais Federais do país.

Ao instituir o Projeto, dando azo ao advento, um ano depois, da Resolução 213/2016,

na qual se estabelece, dentre outras coisas, a obrigação de os Tribunais do país, dentro em 90

dias, contados da entrada em vigor providenciarem a adequação procedimental ás novas normas,

o CNJ contradiz o espírito da ratio da prisão cautelar decretada. Disso deflui a conclusão de que

a apresentação do preso não se dá apenas pela necessidade de análise da legalidade da prisão

(quanto à decretação), mas, sobretudo, pela busca de verificar se sua efetivação deu-se de forma

coerente com a lei, afinal, se a prisão chegou a ser decretada pelo juiz, a legalidade de sua

necessidade ou conveniência já é matéria superada em juízo prévio de avaliação.

Num mundo de onze “considerando”, o CNJ traduz as razões do advento da

Resolução plurimencionada e aponta explicitamente a normatização do comportamento

daqueles encarregados da apresentação e dos que diante da superação de irregularidades, devam

adotar os procedimentos legais.

Denota-se, pois, no instrumento normativo, uma preocupação com a prevenção e a

repressão à prática de tortura por ocasião da prisão, o que traduz a assecurabilidade do direito

à integridade física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal, como previsto no

artigo 5.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no art. 2.1 da Convenção Contra a

Tortura e Contra Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes.

Aqueles, porventura presos em flagrante em momento que antecedeu a Audiência de

Custódia, e que não tenham sido apresentados em outra audiência no curso do processo de

conhecimento, não deixam de estar amparados pela apresentação à autoridade judicial, por força

do que determina o parágrafo único do art. 15 do diploma. Não há, neste caso, prazo

determinado para tal. Assim, por uso de analogia, as regras a serem aplicadas para tal devem

ser as mesmas que norteiam as prisões efetivadas após o advento da Resolução 231. Deve-se,

então, invocar o amparo dos mesmos princípios ensejadores.

O conteúdo versado pela Resolução 213 apresenta um divisor binário para sua

efetivação, divisor que se traduz por dois Protocolos que a integram, como uma forma de

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adendo. No primeiro deles são estabelecidos os procedimentos para aplicação e

acompanhamento das medidas cautelares diversas de prisão para custodiados apresentados na

audiência de custódia; no segundo deles busca orientar os tribunais e magistrados sobre

procedimento para apuração de denúncias de tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou

degradantes, e apresenta o conceito de tortura; as orientações quanto ás condições adequadas

para a oitiva do custodiado na audiência; os procedimentos relativos á apuração de indícios de

prática de tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Percebe-se nesse adendo a preocupação em buscar definir (ou redefinir) tortura,

tendo por lastro a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e Contra Penas ou

Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984, a Convenção Interamericana Para

prevenir e Punir a Tortura, de 09 de dezembro de 1985 e a Lei n. 9455/97, que define o tipo

penal da tortura no ordenamento brasileiro.

A abordagem desse aspecto define a tortura como apresentando dois elementos: I) a

finalidade do ato voltada para a obtenção de informações ou confissões, aplicação de castigo,

intimidação ou coação, ou qualquer outro motivo baseado em discriminação de qualquer

natureza; II) a aflição deliberada de dor ou sofrimentos físicos e mentais.

Essas considerações servem de base às recomendações da Resolução à autoridade

judicial no sentido de que dispense esta atenção às condições de apresentação da pessoa mantida

sob custódia a fim de averiguar a prática de tortura ou tratamento cruel, desumano ou

degradante, o que deve ser feito tendo em conta que: a) a prática de tortura constitui grave

violação a direito da pessoa custodiada; e a pessoa custodiada deve ser informada que a

tortura é ilegal e injustificada, independentemente da acusação ou da condição de culpada de

algum delito a si imputável.

Ao seu final o Protocolo II traz uma afirmação capaz de preocupar os que se dedicam

ao estudo do direito penal, posto que, num ato administrativo, estabelece o que se poderá

considerar como indício da ocorrência de práticas de tortura e outros tratamentos cruéis,

desumanos ou degradantes, num elenco de dezessete incisos, nem sempre traduzindo o

espírito da configuração da tortura.

A literatura a respeito do assunto “audiência de custódia” envereda pelo raciocínio de

conceber a novel modalidade procedimental (e analisá-la) como extensiva às prisões que

decorram de situações não só de flagrante. Destaque-se a extensão da preocupação do CNJ com

a situação das prisões efetivamente cautelares. Se assim não o fosse, seria, fechar os olhos

a uma realidade gritante ao tratamento recebido pelo cidadão por ocasião de efetivação de

medida de restrição de liberdade emanada de ordem judicial.

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CONCLUSÃO

Ao questionamento da teleologia da Audiência de Custódia é possível responder que

se a previsão normativa dessa medida de custódia ou de apresentação limitasse essa providência

à prisão em flagrante, relegando a outro plano a qualidade do tratamento ou o respeito aos

direitos humanos do encarcerado, levando à nem sempre correta conclusão de que efetivado

o encarceramento do sujeito em decorrência de uma ordem judicial estaria sacramentada a

medida, jogaria por terra a necessidade e a conveniência de tal procedimento

Por certo, quis o diploma normativo que os tratamentos se equivalessem e, assim, o

determinou expressamente que toda vez que alguém tiver executada contra si uma segregação

cautelar de liberdade, também seja incontinenti apresentado à autoridade judiciária. Em caso

de ausência de alguma irregularidade de execução, ou seja, que tudo tenha ocorrido na

regularidade, nada a retificar, mas em caso de verificação de alguma irregularidade, a

imediata adoção da medida profilática, inclusive a responsabilidade penal dos autores desse

comportamento. Ressaltando-se, mais uma vez: o que nesta última hipótese se questionará

com a imediata apresentação do preso á autoridade judiciária será a normal adequação da

efetivação da medida aos parâmetros legais, afinal, o axiologismo e a teleologia da prisão já

foram objeto de apreciação. Permanece, entretanto, no ar o questionamento ao qual só o

tempo dará a resposta convincente: se essa se audiência de custódia objetiva em sua realidade

o respeito aos direitos humanos dos custodiados e, por via de consequência, o respeito à

dignidade humana, ou seria um mero expediente para “esvaziamento” administrativo dos

locais de mantença de presos provisórios, em face do recrudescer das situações carcerárias no

país, com suas consequências? Qualquer resposta, no momento, é temerária, por ser a existência

do instituto ainda pediátrica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Paulo – Editora: Verbatim, 2014. ARAÚJO, Alberto David, e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

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TRÁFICO DE PESSOAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: uma análise

à luz da obra “alucinado som de tuba”

Alzirene Diógenes Saldanha1

Fábio Fabrício Pereira da Silva2

Glenda Pinto da Silva3

RESUMO: O presente trabalho traz uma análise do crime do Tráfico de Pessoas à luz da obra

“Alucinado Som de Tuba”, de autoria do escritor brasileiro Frei Betto. De estilo crítico, a obra

se passa numa comunidade da metrópole paulistana, em uma narrativa permeada com muitos

personagens resultantes do processo de indigência e marginalização social, mas que apresentam

laços de cooperação e amizade, na luta pela sobrevivência. O personagem Nemo, em sua

passagem pela FEBEM, faz amizade com Banana que é comprado por um casal de alemães

como filho. Letícia, filha de uma prostituta é levada para Coréia com a promessa de se tornar

dançarina. O trabalho buscou compreender como a vulnerabilidade incide sobre a prática ilícita

do tráfico de pessoas, bem como as forma legais que o Brasil dispõe visando enfrentar o tráfico

de pessoas por meio da prevenção, repressão e atenção às vitimas. Além da conscientização da

sociedade brasileira sobre tema é necessário fortalecer as redes de atendimento para ofertar

melhor proteção às vítimas.

Palavras-Chaves: Tráfico de Pessoas. Vulnerabilidade Social. Crime Organizado.

ABSTRACT: This work brings a crime analysis of Human Trafficking in the light of the

work "Alucinado Tuba Sound", by the Brazilian writer Frei Betto. Style criticize the work

takes place in a metropolis community, in a narrative permeated with many characters

resulting from destitution and social marginalization process, but that present cooperation and

friendship ties in the struggle for survival. Nemo character in its passage by FEBEM,

befriends Banana is bought by a German couple as a child. Leticia, the daughter of a

prostitute is brought to Korea with the promise of becoming a dancer. The study sought to

understand how vulnerability relates to the illegal practice of human trafficking, as well as the

legal form that Brazil has aimed at confronting human trafficking through prevention,

repression and attention to victims. In addition to the awareness of Brazilian society about

topic it is necessary to strengthen the service networks to offer better protection to victims.

Keywords : Trafficking in Persons. Social Vulnerability.Organized Crime.

1 Graduada em Serviço Social, Especialista em Política Social, Acadêmica do 1º Ano de Direito (FAAO). E-

mail: [email protected] 2

Graduado em Filosofia e Serviço Social, Especialista em Ensino da Filosofia, Pós Graduando em Segurança

Pública e Inteligência, Acadêmico do 1º Ano de Direito (FAAO). E-mail: [email protected] 3

Graduada em Serviço Social, Especialista em Política Social, Acadêmica do 1º Ano de Direito (FAAO). E- mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a obra “Alucinado Som de Tuba”, escrita pelo escritor

brasileiro Frei Betto. A obra versa sobre a história de Nemo e sua família, que após ser despejado

do barraco onde vivia, inicia uma trajetória de rua e vivência de inúmeras violências.

No transcurso do enredo, diversas situações sociais e criminais são apresentadas, como

uso de drogas, violência urbana, abandono e negligência, abuso da autoridade policial, entre

outros.

Como foco deste artigo, propõe-se a análise do tráfico de pessoas presente na obra

como solução à contingência social de dois personagens (Banana e Letícia). A luz do Direito

Penal e das Ciências Sociocriminais procurar-se-á compreender como se dá este crime e,

como seu enfrentamento tem sido assimilado pela legislação pátria.

No atual contexto de acirramento das questões sociais, diversas modalidades de

crimes se fortalecem e os grupos organizados para a prática delituosa proliferam-se nos espaços

urbanos das grandes e pequenas cidades. Outro fator relevante a ser considerado é o crescente

fenômeno da migração que geralmente vem associada ao contrabando de migrantes e ao

aliciamento para o tráfico e à migração indocumentada.

Dados da UNODC – Agência da ONU sobre Drogas e Crime, estima que 2,4 milhões

de pessoas são traficadas por ano, mundialmente. 83% das vítimas são mulheres, a maioria para

fins de exploração sexual, entre 18 e 29 anos, pobres e com baixa escolaridade. O Brasil é

considerado país de origem, destino e circulação.

Sendo que o tema se revesta de alta relevância teórica e social, o presente trabalho

pretende oferecer algumas ideias para a discussão, por meio da organização em 04 capítulos.

No primeiro se contextualizará a obra, autor, cenário, público alvo, pano de fundo do enredo e

vinculação com a temática a partir do Direito. No segundo capitulo será analisado do ponto de

vista jurídico o crime - recentemente tipificado - de tráfico de pessoas, seja no cenário do Direito

Internacional, seja nos diplomas pátrios. No terceiro capítulo buscará se fazer uma análise do(s)

caso(s) elencados na obra à luz do direito apontando algumas prováveis soluções e

encaminhamentos. Por fim, serão apresentados alguns serviços e equipamentos da rede de

atendimento ao tráfico de pessoas.

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2. CONTEXTUALIZAÇÃO DA OBRA

Frei Betto, é um religioso dominicano, conhecido por suas ideias libertárias advindas

da luta pela reabertura democrática no país. Sua literatura é muito conhecida na América Latina

e em países europeus como Itália, Franca e Portugal. Já chegou a ser chamado de “frade

do terror”, por uma emissora de televisão patrocinada pelo governo militar. Recebeu, entre

tantos títulos e prêmios, o de Intelectual do Ano (1985), conferido pela União Brasileira de

Escritores e duas edições do Prêmio Jabuti. Com mais de 50 livros publicados no Brasil e no

exterior, suas obras trazem temas como a realidade sociopolítica, organização popular,

comunidades eclesiais de base, e relações entre fé e política.

A obra “Alucinado Som de Tuba” (Frei Betto, 2005), é uma narrativa permeada com

muitos personagens resultantes do processo de indigência e marginalização social, mas que

apresentam laços de cooperação e amizade, na luta pela sobrevivência.

Nemo, um garoto negro de 11 anos, se perde da família quando todos são despejados

do barraco onde viviam. Ele sai à procura dos pais, mas se vê sozinho e discriminado no labirinto

da metrópole paulistana, onde passa por diversas dificuldades na luta pela sobrevivência.

Perdido, acaba sendo acolhido por um grupo de meninos de rua. Nemo vivencia momentos

de miséria e violência - começa a usar drogas, participa de roubos e sente a dor de perder um

grande amigo.

O personagem Nemo, em sua passagem pela FEBEM, faz amizade com banana. Esta

amizade só é interrompida quando banana é comprado por um casal de alemães como filho.

Letícia, outra amiga conhecida na rua por ser filha de uma prostituta é levada para Coréia com

a promessa de se tornar dançarina.

Mas, em meio a tantos obstáculos, ele conhece Alice, uma menina rica e de família

influente, disposta a ajudá-lo a encontrar a família e com quem ele descobre o significado do

amor e da solidariedade.

A obra insere no contexto nacional de discussão sobre os direitos infanto juvenis na

década de 90. Não é demais observar que neste período vivia-se uma efervescência de

movimentos sociais em razão da primeira década após a reabertura democrática do País,

momento ímpar de afirmação de identidades até então marginalizadas entre os vários segmentos

da população brasileira. O enredo dialoga com as transformações que seriam operadas no

campo jurídico social brasileiro com a Constituição Federal e, neste caso com o Estatuto da

Criança e do Adolescente - Lei 8.069, de 13 de junho de 1990.

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Outra discussão interessante suscitada pelo autor é sobre os estigmas sociais a partir

do local de origem. Nemo e seus outros amigos são oriundos de comunidades - à época

favelas - na metrópole de uma grande cidade. O local de origem marca, em um caráter indelével,

todo o transcurso da história.

É sabido que os aglomerados subnormais, as cidades construídas sobre os morros das

grandes metrópoles brasileiras, perpetuaram e seguem perpetuando a histórica indigência social.

Interessante que na obra, Nemo e seus colegas, ficam visíveis ao Estado por suas condutas

ilícitas. O Estado que, foi violento e ausente, reaparece no momento de disciplinar condutas em

nome da segurança da sociedade. Mas estariam estes foram da sociedade? De qual sociedade

fala-se?

Por certo é neste contexto de vulnerabilidades sociais, que emergem condições ideais

para extremas violações. Basta recordar que por anos no Brasil, o trabalho infantil, por

exemplo, era uma “solução” para os filhos dos pobres. Isto é, algumas respostas para a

pobreza era sujeitar ainda mais os mais vulneráveis como se sua condição de miserabilidade

fosse uma pecha da qual não se poderia desprender, tal qual uma casta social eivada de

violações.

Na obra “Alucinado Som de Tuba”, os personagens Banana e Letícia, são

apresentados às possibilidades de aparente solução de sua situação, como a seguir:

Numa terça-feira à noite, Banana chegou todo feliz no mocó.

- Vou embora do Brasil, morar no estrangeiro, mano.

- Embora? Vai sair voando que nem passarinho, com todo este peso? - reagi.

- Que nada, Nemo. Estou sendo comprado - falou com a voz mais natural do mundo.

- Comprado!? - exclamou Letícia. - Ficou Pirado, Banana? Que mutreta é essa?

- Um casal de alemães me cercou na semana passada em frente ao Hotel Hilton e

pediu licença para me fotografar. Como malandro não dorme de touca, cobrei uma

senhora nota e ele topou. Depois, me levou ao parque de diversões para andar de

montanha russa. Ficamos amigos, e conversa vai, conversa vem, os dois quiseram

saber como é a minha vida. (...) quando falei que vivo na rua, eles então

perguntaram se eu gostaria de virar filho deles, pois sempre tiveram vontade de adotar

um. Prometeram, que seu eu topasse, me levariam para o país deles. (BETO, 2005, p.96)

Letícia, em uma carta enviada a Nemo - que na oportunidade havia viajado ao Ceará

em busca da família materna - retrata sua situação,

Sei lá o que você vai pensar de mim, cara, mas também estou dando o pinote. Pois a

maré está mais pra jacaré do que pra colibri. Andei fazendo uns bicos numa boate da

Liberdade, onde conheci um olho puxado - nem sei se japonês ou chinês - que me

fez uma proposta para ir trabalhar de dançarina na Coréia, que fica do outro lado do

mapa. Ele promete que lá eu vou ganhar 2 mil dólares por mês, mais 200 dólares por

apresentação, fora hospedagem e alimentação. A mãe acha que devo topar. (BETO,

2005, p.103)

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O desejo de retornar ao lugar de origem, numa condição socioeconômica mais favorável,

alimentando sonhos de uma infância roubada, aparece muito claro quando Letícia escreve

que:

Assim, junto uma nota firme e retorno ao Brasil em condições de comprar uma casa

em Santos, perto da praia, onde nós duas vamos morar na maciota, sem apelar para a

viração. De modo que devo partir daqui a um mês, se meus papeis ficarem prontos.

O de olho puxado disse conhecer um policial que vai arranjar documentos de maior

para mim. (BETTO, 2005, p.103)

A obra, inteiramente, é permeada pela história de vulnerabilidades. Este termo, tão

recente nas discussões acadêmicas, e já positivado em algumas normas brasileiras, elenca uma

série de conceitos que permitem interpretar a conjuntura social e espaço do indivíduo, da

família, das organizações e da sociedade.

No contexto, ora estudado, a situação de vulnerabilidade pode ser entendida como

um dos meios de que se valem os agentes do tráfico para obter o consentimento de pessoas para

seu recrutamento, transporte, acolhimento, com vistas a exercer atividades ou permitir atos que

depois se revelem como forma de exploração. (Castilho, 2013, p.135)

3. O TRÁFICO DE PESSOAS E O DIREITO

O tráfico de pessoas é uma prática antiga e ocorre no Brasil desde a colonização.

Primeiro os povos indígenas foram aliciados, sequestrados e subemtidos ao trabalho escravo.

Depois os negros e as negras africanas. Estes eram arrancados de suas terras, transportados

em condições desumanas, comercializados em mercados brasileiros como objeto e obrigados

a trabalhar em regime de escravidão nas fazendas coloniais.

Este fenômeno sofreu modificações e atualmente abrange uma complexidade ímpar,

articulando, entre outros fatores, questão de gênero, exploração sexual, crime organizado,

migrações forçadas, violações aos direitos humanos, violência domestica, fragilização dos

vinculos familiares e comunitários e/ou a precariedade nas relações de trabalho.

O contexto global de deslocamento de pessoas e de vulnerabilidade acentuada em

vários países, bem como o número sempre crescente de migrantes pelas variadas motivações

(guerra, intolerância religiosa, desastres ambientais, etc), exigem que os países possam ter

medidas claras em relação ao tema.

O tráfico de pessoas não é uma questão que se esgota em si mesma. Não é um problema

isolado ou apenas de índole moral. Está estreitamente conectado com os mecanismos

globais derivados de uma estrutura política e economica alicerçada na injustiça,

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na violência e na exacerbada sede de lucro. É um sistema estruturado e sustentado pela lógica

do mercado neoliberal, cujo fim é o acúmulo da riqueza nas mãos de poucos, via

mercantilização de tudo, inclusive das pessoas.

3.1. DEFINIÇÃO DE TRÁFICO À LUZ DOS NORMATIVOS INTERNACIONAIS

Um dos principais documentos internacionais sobre a questão do Tráfico de Pessoas

é o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado

Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial

Mulheres e Crianças.

Este normativo internacional amplamente conhecida como Protocolo de Parlemo

(2000) define o Tráfico de Pessoas como:

Recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de

pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao

rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade

ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento

de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração

incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de

exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas

similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.

O presente conceito pressupõe a ação, meio e fim. A ação consiste no recrutamento,

transporte (inclusive facilitação de entrada no local do destino), transferência, alojamento ou

acolhimento das pessoas. O meio, conforme o Protocolo de Palermo, inclui ameaça, uso de força

ou outras formas de coação; rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou situação de

vulnerabilidade; entrega ou aceitação de pagamento ou benefícios para obter o consentimento

de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra. E o fim é sempre a exploração.

O Protocolo de Palermo tornou possível a punição das pessoas e organizações que

lucram com o tráfico de pessoas no mundo. E, também reforçou a proteção às vítimas, pois

estabeleceu medidas de apoio que devem ser cumpridas pelos países, como o fornecimento de

assistência médica e psicológica e a oportunidade de emprego.

3.2. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA RELACIONADA AO TRÁFICO DE PESSOAS

O Brasil, por meio do Decreto n.º 5.017, de 12 de março de 2004 ratificou o

Protocolo de Parlemo, o que siginifica que as recomendações do mesmo passaram a valer em

todo o território nacional.

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O Código Penal Brasileiro, até pouco tempo, apenas reconhecia a categoria de tráfico

de pessoas para fins de exploração sexual. Nos artigos 231 e 231-A do Código a conduta

ilícita é punida, seja tráfico interno ou internacional.

Em 2009, a Lei 12.015, realizou algumas modificações como, entre outras questões,

ampliou a proteção do sujeito passivo, podendo ser homem ou mulher, sendo que anteriormente

era específico para mulher. Outra questão foi a proteção á pessoa, independente de estar ou não

no exercício da prostituição.

De acordo com o Guia de Referência para a Rede de Enfrentamento ao Tráfico de

Pessoas no Brasil (Ministério da Justiça, 2012), as demais modalidades do tráfico de pessoas,

como o trabalho escravo, adoção ilegal, casamento servil, ou remoção de órgãos, eram

analisados como crimes conexos e baseados em outras legislações não específicas como o

Estatuto da Criança e Adolescente, Consolidação das Leis de Trabalho, Lei dos Crimes de

Tortura, Estatuto do Estrangeiro, entre outras.

Há que se destacar que nos anos de 2012 e 2013, foram realizadas duas importantes

CPIs da Câmara Federal e do Senado Federal, sobre Exploração Sexual de Crianças e

Adolescentes e sobre Tráfico de Pessoas. Ainda em 2014, a Igreja Católica , por meio da

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, organizou a Campanha da Fraternidade

abordando o Tráfico Humano.

Estes movimentos foram importantes pois pressionaram as casas legislativas brasileiras

para as adequações necessárias na legislação penal e na implementação do Plano Nacional de

Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

Em 07 de outubro de 2016, foi publicada a Lei n.º 13.444 que dispõe sobre

prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de

atenção às vítimas. Este normativo, transcorrida a vacatio legis, entra em vigor no dia 21 de

novembro de 2016.

A Lei n.º 13.444/16 altera dispositivos importantes como o Código de Processo

Penal, Estatuto da Criança e Adolescente, Estatuto do Estrangeiro e revoga os artigos 231 e

231-A do Decreto Lei n.º 2.848/40 (Código Penal).

O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar

acrescido do seguinte art. 149-A:

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou

acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a

finalidade de: I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II - submetê-la a

trabalho em condições análogas à de escravo; III - submetê-la a qualquer tipo de

servidão; IV - adoção ilegal; ou V - exploração sexual.

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Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

3.3. O TRÁFICO DE PESSOAS NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Os tribunais brasileiros dispõem de inúmeros julgados envolvendo o tema do tráfico

de pessoas. Fato é que anterior ao advento da atual legislação que tipifica o tráfico (ação,

meio e fim), havia maior dificuldade em proferir, com assertividade, decisões sobre o tema,

sendo que os pricípios gerais do direito e as garantias constitucionais gerais eram, comumente

evocadas, como proteção á dignidade das vítimas.

Exemplo de decisão jurisprudencial é a proferida pelo Desembargador Tourinho

Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no ano 2013, ao julgar provável crime de

tráfico de mulheres para exploração sexual na Europa, que trancrevemos em partes:

PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE SERES

HUMANOS. EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MULHERES. ARTIGO 231, 2º, DO

CÓDIGO PENAL.

1. O crime de tráfico de pessoas - Lei 11.106, de 28.03.2005, que alterou a redação

do art. 231 do Código Penal, de tráfico de mulheres para tráfico internacional de

pessoas - consuma-se com a entrada ou a saída da pessoa, homem ou mulher, seja ou

não prostituída, do território nacional, independentemente do efetivo exercício da

prostituição - basta o ir ou vir exercer a prostituição -, e ainda que conte com o

consentimento da vítima.

3. "O tráfico pode envolver um indivíduo ou um grupo de indivíduos. O ilícito começa

com o aliciamento e termina com a pessoa que explora a vítima (compra-a e a mantém

em escravidão, ou submete a práticas similares à escravidão, ou ao trabalho

forçado ou outras formas de servidão). O tráfico internacional não se refere apenas e

tão-somente ao cruzamento das fronteiras entre países. Parte substancial do tráfico

global reside em mover uma pessoa de uma região para outra, dentro dos limites de

um único país, observando-se que o consentimento da vítima em seguir viagem não

exclui a culpabilidade do traficante ou do explorador, nem limita o direito que ela tem

à proteção oficial" (Damásio de Jesus, in Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças

- Brasil, São Paulo: Saraiva, 2003, p. XXIV). 4. O conjunto probatório denota que as acusadas incidiram no crime de tráfico de pessoas, promovendo, intermediando e facilitando a saída de mulheres do território

nacional para exercer a prostituição na Espanha.

5. A individualização das penas fixadas não merece qualquer reparo. Penas-base

aplicadas no mínimo legalmente previsto. Inexistência de circunstâncias agravantes

e atenuantes, bem como de causas de diminuição ou aumento de pena.

Em se tratando de matéria envolvendo crianças e adolescentes para adoção ilegal o STJ

em 2013, por voto da Ministra Regina Helena Costa, julgou o presente agravo que apresentamos

em partes:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO

INTERNACIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. ART. 239, DO ECA.

CRIME FORMAL. EFETIVO ENVIO DA VÍTIMA AO EXTERIOR.

EXAURIMENTO DO CRIME.

I- O crime de tráfico internacional descrito no art. 239, do ECA, não exige, para a

sua consumação, a saída da criança ou adolescente para o exterior, contentando-se

com a execução de qualquer ato de promoção ou auxílio da efetivação de ato

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destinado ao envio da vítima ao estrangeiro, sem as formalidades legais, ou com o

fito de obter lucro. II- Trata-se de crime formal, que se consuma com a simples prática de qualquer ato destinado ao envio de criança ou adolescente ao exterior, com ou sem obtenção de lucro, nas circunstâncias referidas no tipo penal. Precedentes do STJ. III- Agravo improvido.

No Estado do Acre, no ano de 2006, ficou bastante conhecida a situação de mulheres

brasileiras da cidade Rio Branco, que eram levadas para a prostituição em território boliviano.

Algumas destas eram menores de idade que tinham seus documentos falsificados.

O processo iniciou por denúncia feita no Juizado da Infância e Juventude da

Comarca de Rio Branco pela mãe de uma das meninas, à época com 16 anos, que depois de

aliciada e levada para trabalhar em uma Boate em La Paz - Bolívia, estava enferma e

hospitalizada.

Assim decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região - Apelação Criminal Nº

2006.30.00.001602-7/AC:

Restou comprovado, dessa forma, que as denunciadas Jamália e Selma convidaram

Í, menor de idade, N, G e outras mulheres para trabalhar em La Paz, na boate de seu

marido, o réu Ivan, o qual lhes ofereceu passaporte, passagem aérea, moradia de

graça, assistência médica e odontológica, afirmando que ganhariam muito dinheiro.

Também ficou provado que, em La Paz, as garotas ficaram numa casa de muros

altos, da qual não podiam sair a partir das 20h, nem dali saírem carregando malas e

bolsas, ou seja, vigiadas, bem como não poderiam sair sem pagar pelas dívidas que

possuíam, decorrentes das despesas feitas com elas para a viagem ao exterior.

Ademais, somente com o apoio do Consulado Brasileiro em La Paz as três mulheres

conseguiram fugir dessa cidade e, de ônibus, chegar à cidade de COBIJA/Bolívia,

fronteira com a cidade de Epitaciolândia/AC, e, posteriormente, a Rio Branco/AC.

Assim, está presente o engano, a coerção, a dívida e o propósito de exploração de

mulheres, independentemente de elas terem concordado em trabalhar na indústria do

sexo, pois não desejavam ficar em condições semelhantes à escravidão, e o

consentimento da vítima em seguir viagem não exclui a culpabilidade do traficante

ou do explorador.

Portanto, o acusado, apesar de negar a autoria, em conjunto com outras pessoas,

aliciava mulheres para exercer a prostituição na Bolívia, mediante a retirada de

passaportes e compra de passagens, aproveitando-se da péssima situação financeira

das aliciadas, o que as levava a exercer tal ofício. Dessa forma, restou suficientemente

comprovado que o acusado era o responsável pela conexão internacional de tráfico de

mulheres entre o Brasil e a Bolívia.

Portanto, não merece reparo o decreto condenatório.

O crime disposto no art. 239 do ECA consiste no envio ilegal ou para fins lucrativos

de criança ou adolescente para o exterior e encontra-se comprovado pela certidão de

nascimento falsa em nome da adolescente Í E (fls. 73/74) e pelos depoimentos

contidos nos autos, os quais demonstram que o réu induziu a adolescente a sair do

País para morar na Bolívia. Vejamos.

As vítimas G N de L, N da S S e M de F P de A, bem como a acusada Jamália Martins

Barboza declararam, em Juízo, que o réu sabia da menoridade da vítima Ìsis, tanto

que falsificou um documento de identidade em nome dela, como se fosse filha dele,

para legalizar sua situação na Bolívia. Ademais, a própria vítima Í declarou que

reconhece na cópia de fls. 71 a carteira de identidade falsificada em seu nome.

Nesse contexto, não há dúvidas acerca da prática dessa infração penal.

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3.4. A QUESTÃO DO CONSENTIMENTO DA VÍTIMA

Uma das questões mais discutidas neste âmbito diz respeito ao consentimento. Ainda

é bastante presente no senso comum e no imaginário social que as vítimas “colocam-se” nesta

situação de vulnerabilidade e violência. Por vezes esta análise superficial está profundamente

eivada de noções e sentimentos moralizantes frutos de preconceito e eugenia social.

O Protocolo de Palermo (2000) aduz que o consentimento dado pela vítima de tráfico

de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração considerado irrelevante se tiver sido

utilizado qualquer um dos meios referidos como coação, engano, fraude, etc.

Observa o Procurador da República em Goiânia/GO, Daniel de Resende Salgado, em

artigo intitulado “O Bem Jurídico Tutelado pela Criminalização do Tráfico Internacional de

Seres Humanos”, publicado no Boletim dos Procuradores da República, ano VII, nº 72, de

janeiro de 2007, p. 04:

Deveras, é irrelevante o consentimento da vítima, para configuração do delito, desde

que as fórmulas utilizadas pelo traficante viciem a sua vontade. Portanto, para se

atingir o bem jurídico (liberdade sexual) na forma simples do dispositivo e, destarte,

existir a tipicidade em sua vertente material, o agente, em sua conduta, deve se

aproveitar, de alguma forma, de situações de vulnerabilidade da vítima (quer

financeira, familiar, psicológica, social, cultural), uma vez que o fator viciante não

se restringe a coação, ameaça ou violência (estes, quando presentes, possibilitam a

apenação da conduta de forma mais grave - § 2º do artigo 231, do CP).

4. O TRÁFICO DE PESSOAS NA OBRA “ALUCINADO SOM DE TUBA”: CONDUTAS

POSSÍVEIS

As situações nas quais se envolveram os adolescentes Banana e Letícia podem ser

analisadas à luz da presente legislação que versa sobre o tráfico de pessoas.

No caso de Banana é nítida a situação de vulnerabilidade social e fragilidade de

vinculos familiares, exemplificada pelo texto:

- E seus pais tiveram coragem de vender você? - indagou a mana com olhos

reluzentes.

- Venderam. Como faz anos que estou fora de casa, e tenho onze irmãos, meus pais

disseram que nem vão sentir a minha falta. E que lá vai ser melhor para mim porque

vou sair da rua, ficar livre de virar bandido, ter escola e até video game.(BETTO,

2005, p.97).

O texto prossegue informando que o garoto foi vendido pela família por uma quantia

de 3 mil dolares. Ora, depreende-se desta situação total lesão ao direito de Banana no que

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concerne à convivência familiar e comunitária, entre outros direitos que lhe são garantidos

pela Constituição Federal e demais legislações.

A própria situação de venda de filho ou pupilo é conduta vetada pela Lei n.º 8.069/90

- Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:

Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga

ou recompensa: Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou

recompensa

Para o enredo, e para grande parte da sociedade a oferta do casal de alemães significa

uma oportunidade única de romper com o perverso ciclo da pobreza a que o adolescente

estava fadado. Não se contesta que esta situação seja factível, mas os meios utilizados não estão

de acordo com a legislação brasileira, que caracteriza a prática entre outras tipificações, como

adoção ilegal.

Os casos de adoção internacional são acompanhados por equipes especializadas

objetivando uma segurança social para adotante e adotado. Caso contrário tal prática reveste- se

de ilegalidade podendo esconder uma perversa violência em terra estrangeira. Não há, neste

caso, que falar-se em consentimento válido, pois está demonstrado a condição vulnerável que

se encontrava a família.

Em relação à Letícia, sua condição de mulher e adolescente, amplia sua

vulnerabilidade. O texto não fala qual o desfecho da história dos adolescentes. Mas, é

interessante notar - no discurso de Letícia - elementos do crime do tráfico de pessoas. A

possibilidade de ser dançarina na Coréia, as promessas de altas somas de dinheiro, a idealização

do retorno ao Brasil numa condição economicamente favorável fazem parte - comumente - do

aliciamento e do engano para o tráfico de pessoas com fins à exploração

sexual.

Outro fator que desperta a atenção e é marca registrada do crime organizado é a

possibilidade da corrupção de agentes públicos - na história protagonizada por um policial

amigo do “de olhos puxados” - que falsificam documentação para dar uma aparência de

legalidade à viagem.

Estes casos elencados pela obra estão ao largo de tantos outros casos de pessoas que

são colocadas à venda no grande mercado que é o trafico, independente de quais sejam os

fins. Assoma-se a estes casos os milhares de desaparecidos em todo o mundo. Pessoas que de

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repente faltam em suas famílias, suas comunidades. Segundo dados da Policia Civil do Estado

do Acre, no ano de 2015, foram registradas 380 ocorrências policiais por desaparecimento.

É bem verdade que algumas pessoas foram encontradas, e isto não pode ser fator de

relativização do delito, haja vista algumas jamais terem sido encontradas mesmo depois de

muitos anos.

A ausência da família no cumprimento de seu papel protetivo é visível em todo o texto,

por vezes a família assume a função ativa da própria violência perpetrada contra os infantes. Por

sua vez o Estado, seja no caso da obra, seja no cotidiano brasileiro, não tem conseguido fazer

frente às inúmeras violações de direito.

Ressente-se de uma rede de proteção e garantia de direitos organizada e

suficientemente forte que possa fazer sair do texto constitucional os direitos assegurados pelo

próprio ordenamento nacional. Uma efetiva política pública capaz de fortalecer fatores de

proteção no âmbito das famílias aliada á urgente necessidade de estratégias resolutivas de

planejamento família são fatores importantes a serem fortalecidos com vistas à diminuição ou

amenização das vulnerabilidades.

Num contexto de necessidades básicas a serem supridas e a consequente

pauperização das famílias faz-se necessário desenvolver uma política de oportunidades e

valorização do primeiro emprego para dar aos jovens e adolescentes outras perspectivas de vida

que não a que tiveram os personagens da obra.

5. A REDE LOCAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS

Tratar de um crime desta natureza pressupõe uma série de estratégias visando seu

enfrentamento. Em 2015 foi instituído no Acre o Comitê Estadual de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas - CEETRAP. A missão principal desta instância e favorecer a rede de

instituições e serviços que lidam com esta temática nos âmbitos da prevenção, repressão e

atenção às vítimas.

Como órgão da rede na função de prevenção, estão todas as escolas municipais e

estaduais que, a partir de projetos e iniciativas territoriais podem ser agentes de prevenção. Os

grupos organizados de jovens, cultura, esporte e lazer são pontos da rede no que diz respeito

ao reforço dos fatores de proteção e inibição de fatores de risco.

No âmbito da prevenção destaca-se ainda o trabalho feito pelos Centros de

Referência de Assistência Social - CRAS no atendimento às famílias em situação de

vulnerabilidade social e o empenho para a coesão familiar e comunitária por meio do Serviço

de Convivência e Fortalecimento de Vínculos Ofertados nos CRAS.

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No aspecto da repressão ao delito, há que destacar o sistema de segurança pública

em seus vários níveis. A Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal desempenham papel

fundamental no enfrentamento às redes e organizações criminosas. As estratégias de inteligência

desenvolvidas pela Agência Brasileira de Inteligência - ABIN e pelo Exército Brasileiro

(Operação Ágatha, por exemplo). O sistema de justiça criminal é parte importante no que diz

respeito á persecução criminal do tráfico de pessoas.

No eixo do atendimento ás vitimas, algumas instituições tem papel de atendimento

inicial como os órgãos do Sistema Único de Saúde (Maternidade, CAPS, Serviços de Saúde

Mental, HIV-AIDS) e outras, atendimento posterior como o trabalho desempenhado pelos

Centros de Referência Especializados de Assistência Social - CREAS.

Os CREAS são unidades públicas da Assistência Social, que ofertam atendimento

psicossocial às famílias e indivíduos em situação de risco social e/ou violação de direitos. O

atendimento visa construir uma relação de cuidado entre vitima e profissional de forma a

prevenir o agravamento das situações decorrentes da violação e construir estratégias de

resiliência.

Os Conselhos Tutelares, Delegacias Especializadas, Centro de Referência do

Trabalhador, Central de Transplantes e Abrigos Públicos são pontos de atenção de rede de apoio

e oferta de atendimento ás vítimas.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra “Alucinado Som de Tuba”, traz ao leitor uma retrato fiel da sociedade atual que

crescem em termos de negação de direitos, marginalização social e consequente aumento da

violência urbana.

Nemo, Banana, Letícia, e tantos outros personagens emprestaram seus nomes e suas

histórias a tantos e tantas garotos e garotas do Brasil que, por sua vulnerabilidade e baixa

capacidade de resiliência acabam sendo cooptados para o ilícito, ora como vítimas, ora como

violadores.

Mais do que uma questão de uma literatura encarnada na história, o Tráfico de Pessoas

é uma chaga aberta da sociedade de todos os tempos. Não se fará nada para redefinir a outros

aspectos civilizatórios se não partir da própria sociedade.

Como visto o Brasil tem dado passos importantes em relação à tematica. Ao menos

no aspecto normativo, o País tem inovado ao aproximar o Direito da realidade social, deixando-

o ser modificado por ela.

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O esforço das organizações governamentais e da sociedade civil organizada precisam

encontrar eco na vida das famílias, das escolas e das comunidades. Em nome da continuidade

de nossa espécie e, pela manutenção da dignidade humana é necessário resitir e assumir a

gravidade deste ameaça aos direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BETTO, Frei. Alucinado Som de Tuba. São Paulo: Ática, 2005. BRASIL. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Dispõe sobre a Prevenção, Repressão e

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20 de outubro de 2016. BRASIL. Lei n.º13.344 de 07 de outubro de 2016. Dispõe sobre prevenção e repressão ao

tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. Disponível em;

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13344.html. Acesso em 20 de outubro de 2016.

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UM PARALELO ENTRE DIREITO E JUSTIÇA

Antonio Átila Silva da Cruz1

RESUMO: O artigo objetiva apresentar alguns conceitos e definições de Direito e Justiça. Faz

um paralelo entre ambos e demonstra a sua forte interligação. Extrai-se da leitura uma ampla

concepção de Justiça, seja ela absoluta ou relativa, bem como a conceituação do Direito como

ciência, com comentários acerca do Jusnaturalismo e o Positivismo Jurídico. Posto isso, ao

considerar esse estudo aliado com a variação da realidade e dos anseios sociais, tem-se a

convicção de que o Direito não alcança a justiça em sua plenitude, porém persevera em busca

da harmonia e do bem comum, com a finalidade de manter, acima de tudo, o controle e a ordem

em meio à sociedade.

Palavras-chave: Direito. Justiça. Filosofia Jurídica.

ABSTRACT: The article presents some concepts and definitions for Law and Justice. Parallels

between them and demonstrates their strong interconnection. Extracted from reading a broad

conception of justice, whether absolute or relative, as well as the concept of law as a science,

with comments on the natural law and legal positivism. That said, when considering this study

combined with the variation of reality and social aspirations, there is the belief that the law does

not achieve justice in its fullness, but perseveres in search for harmony and the common good,

for the purpose of maintain, above all, control and order amid the society.

Keywords: Law. Justice. Legal Philosophy.

1 Graduado em Tecnologia em Gestão Pública pelo Centro Universitário Internacional UNINTER. Pós-graduando em Governança Pública e Gestão Administrativa pela FAEL. Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade da Amazônia Ocidental – FAAO – 4º ano VA. Servidor Público investido no cargo de Assistente em Administração na Universidade Federal do Acre. Estagiário de Direito inscrito na OAB/AC nº. 2649-E. Trabalha como estagiário no escritório Feitoza Advocacia. E-mail: [email protected]

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1.INTRODUÇÃO

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Não é tarefa fácil falar e expor ideias inerentes à Filosofia Jurídica, principalmente

quando temos no rol de discussão o estudo do Direito e da Justiça. É bom lembrar, que este tema

já foi muito estudado e também discutido por grandes pensadores, renomados filósofos do

Direito, que, obviamente, dedicaram parte de suas vidas para a definição de significados e

verdades.

Precisa-se, portanto, de uma reflexão quanto à finalidade da criação do Direito, ou seja,

este deve, necessariamente, ser compreendido numa ótica teleológica 2 , visto que o grande

objetivo do Direito, o seu fim maior, a sua razão de ser, é a Justiça.

Nessa perspectiva, compreende-se que o Direito sempre objetiva a Justiça na sua realização, de

modo que ambos são institutos vinculados que caminham juntos desde os primórdios, o início

da humanidade, ao passo que ao longo da história pode-se verificar que realizar o Direito não

necessariamente significa realizar a Justiça.

De outra banda, também se faz necessária a análise do Direito numa perspectiva

deontológica3, que traz uma relação entre ciência jurídica e a conduta humana. Surge, portanto,

a necessidade de compreensão dessa conduta e o papel coercitivo do Direito, enquanto instituto

de regulação.

Com o processo de evolução social e as consequentes mudanças de comportamento, a

conduta humana torna-se um importante fator para a confecção e também aplicação das normas

jurídicas. O legislador deve estar atento a essas mudanças, já que, com o avanço da realidade

social e, obviamente, suas constantes modificações, é natural que as pessoas mudem a concepção

de princípios e valores morais, na busca por liberdade e também da felicidade que, conforme

analisa-se posteriormente, trata-se de uma virtude, quando comparadas às ideias e teorias de

justiça.

Objetiva-se, neste artigo, expor alguns conceitos acerca do Direito e da Justiça, com

análise da inter-relação entre ambos e a demonstração de que o primeiro, como norteador e

controlador da ordem, surge com a falência de princípios e valores morais da sociedade, e a

segunda como um ideal utópico4, irracional e, portanto, impossível de ser alcançado.

2 Teleologia é o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou finalidade. (SIGNIFICADOS) 3 Deontologia – é uma filosofia que faz parte da filosofia moral contemporânea e sua origem significa, em grego,

ciência do dever e da obrigação. Deontologia é uma teoria sobre as escolhas dos indivíduos, quais são

moralmente necessárias e serve para nortear o que realmente deve ser feito. (SIGNIFICADOS) 4 Utopia é a ideia de civilização ideia, fantástica, imaginária. É um sistema ou plano que parece irrealizável, é

uma fantasia, um devaneio, uma ilusão, um sonho. (SIGNIFICADOS)

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2.CONCEITOS E DEFINIÇÕES

161

Muito embora os conceitos e definições sejam necessários, é fato que existe certa

dificuldade, dada a subjetividade que está relacionada com alguns termos como o Direito e a

Justiça. Partindo dessa premissa, faz-se necessário tecer algumas considerações quanto à

mutabilidade dessa conceituação, onde nem mesmo os brilhantes estudiosos e pensadores,

conseguiram, de forma eficaz, definir.

Segundo Machado (apud SILVA, 2014, p. 3) “definir é considerado algo difícil e

praticamente impossível e, por isso, tudo que falamos acerca do Direito deve ser compreendido

como enunciados provisórios e sempre sujeitos a contestações”

Destarte, compreende-se que as definições e os conceitos dados às coisas não são

imutáveis, mas sim provisórios, principalmente no Direito, onde as mudanças ocorrem com

demasiada frequência, visto que ao longo dos anos, houve modificações de muitos conceitos por

estudiosos e juristas, o que tem contribuído para uma evolução sistemática de definições.

2.1 O DIREITO

Não se pode chegar a uma definição exata do Direito, que explicite a sua essência, sem

uma tomada de consciência do problema, devendo ser fixado um ponto de vista a respeito. Nesse

sentido, Nader (2014, p. 61) afirma que “A compreensão do que seja Direito, a sua conceituação,

exige que enfrentemos, primeiramente, a questão de saber em que setor do universo das coisas,

em que faixa ontológica5, ele se localiza”. Esta mesma opinião é confirmada por Miguel Reale

(apud NADER, 2014, p. 61), quando assinalada: “À medida que situamos o Direito na esfera da

realidade que lhe é própria, determinando a estrutura do objeto que lhe corresponde, volvemos

a nós mesmos, indagando como aquela realidade se representa em nosso espírito como conceito.

”5

Segundo Guimarães (apud SILVA, 2014, p. 4) Direito define-se como:

Ciência que sistematiza as normas necessárias para o equilíbrio das relações entre o

Estado e os cidadãos e destes entre si, impostas coercitivamente pelo Poder Público.

Universalidade das normas legais que disciplinam e protegem os interesses ou regulam

as relações jurídicas. A palavra vem do latim popular directu, substituindo a expressão

do latim clássico jus, que indicava as normas formuladas pelos homens destinadas ao

ordenamento da sociedade [...]. [grifo nosso]

5 Ontologia consiste em uma parte da filosofia que estuda a natureza do ser, a existência e a realidade,

procurando determinar as categorias fundamentais e as relações do “ser enquanto ser”. (SIGNIFICADOS) 5 Miguel

Reale, Filosofia do Direito.

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Já Kelsen (1991, p. 34) resumiu em poucas palavras a conceituação de Direito: “ordens

de conduta humana”.

Nesse mesmo sentido, para Gusmão (1985, p. 71):

Daí definirmos o Direito: o sistema de normas disciplinador das condutas das

pessoas, estabelecedor do equilíbrio entre as pretensões de uns e as obrigações de

outros. Esta é a definição lógica do Direito, noção universal, aplicável a qualquer

sistema jurídico. [grifo nosso]

Da análise, compreende-se que o Direito delimita as ações da sociedade para que haja

uma harmonia e se configure uma ordem no meio social, acarretando consequentemente em um

possível equilíbrio entre o Estado e as pessoas. Para que isso ocorra, o Direito usa o seu poder

coercitivo, ou seja, pune aqueles que se negam a viver de acordo com o estabelecido nas normas.

Segundo Nader (2014, p. 88):

Coercibilidade quer dizer possibilidade de uso da coação. Esta possui dois elementos:

psicológicos e material. O primeiro exerce a intimidação, através das penalidades

previstas para a hipótese de violação das normas jurídicas. O elemento material é a

força propriamente, que é acionada quando o destinatário da regra não a cumpre

espontaneamente. [grifo do autor]

Não se pode confundir as noções de coação e de sanção. A primeira pode ser

considerada como o uso da força a serviço do Direito, enquanto a segunda considera-se como

uma medida de punição para a hipótese de violação de normas. Para exemplificar, quando um

juiz determina a penhora e posteriormente o leilão dos bens de uma pessoa executada, está a

utilizar-se da força a serviço do Direito; já quando há uma condenação em desfavor de um

acusado com pena pecuniária ou até mesmo privativa de liberdade, está a autoridade judiciária

aplicando uma sanção legal.

2.1.1 Direito e Moral

É importante ressaltar que o Direito não se configura como único instituto responsável

pela harmonia da vida social. A Moral, Religião e Regras de Trato Social são exemplos de

processo que podem também ser considerados como normativos, pois são capazes de

condicionar a vivência do homem na sociedade.

Se a razão de ser do Direito é a Justiça, os princípios e valores internalizados em uma

sociedade também tem esse objetivo, já que esses afloram a ideia do bem, daquilo que é bom e

não prejudica o outro. Esta comparação foi muito bem exposta por Nader (2014, p. 32), que

diferenciou Normas Éticas de Normas Técnicas; a primeira “determina o agir social e a sua

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6 A Moral autônoma corresponde à noção de bem particular a cada consciência. 7

Código Penal Brasileiro - Decreto Lei nº. 2848/1940.

163

vivência já constitui um fim”, enquanto a segunda “indica fórmulas do fazer e são apenas meios

que irão capacitar o homem a atingir resultados. ” Ainda, para Nader (2014, p. 37):

A Moral social constitui um conjunto predominante de princípios e de critérios

que, em cada sociedade e em cada época, orienta a conduta dos indivíduos.

Socialmente cada pessoa procura agir em conformidade com as exigências da Moral

social, na certeza de que seus atos serão julgados à luz desses princípios. Os critérios

éticos não nascem, pois, de uma determinada consciência individual. Na medida em

que a Moral autônoma 6 não coincide com a Moral social, esta assume um caráter

heterônomo e impõe aos indivíduos uma norma de agir não elaborada por sua própria

consciência. [grifo nosso]

Nesse paralelo, entre Moral social e Direito, observa-se que este último surge com a

falência da primeira, ou seja, quando um determinado membro da sociedade age de forma que

sua conduta não se coaduna com os princípios e valores internalizados no meio social, o Direito,

utilizando-se de sua coercibilidade, nasce para controlar e fazer com que a ordem e a harmonia

não se desfaçam.

O campo do Direito pode ser considerado como próprio da atividade Estatal que se

desenvolve para impor normas ao indivíduo. Por outro lado, o campo da moral é o da liberdade,

onde só o indivíduo é juiz dos seus atos. Nessa perspectiva, entende-se que a diferenciação entre

Moral e Direito está ligada à distinção entre liberdade e autoridade.

2.1.2 Direito Natural x Direito Positivo

Será utilizado como exemplo, o crime de homicídio, tipificado no art. 121 do Código

Penal Brasileiro7, criado para coibir, reprimir e antecipar uma determinada punição para o ato de

matar alguém. Ora, não é algo considerado como “moral”, em nossa sociedade, tirar a vida de

outrem, porém, o Direito ao prever a falência desse princípio criou uma norma que aplica uma

sanção aqueles que praticam o crime de homicídio, pois não há nada mais justo do que viver, e

poder gozar dos prazeres da vida sem que outro membro da sociedade a subtraia.

Para aprofundar-se, portanto, no exemplo exposto no parágrafo retro, suponha-se que

um indivíduo, brasileiro, regido, obviamente, pelas leis brasileiras, numa conduta antissocial

atenta contra a vida de outrem e a subtrai; este será preso, responderá pelo crime de homicídio

e, por derradeiro, certamente será condenado a passar alguns anos na prisão. O principal objetivo

desse trabalho é demonstrar que o Direito agiu, nasceu, cresceu, surgiu e utilizou-se de um

dispositivo jurídico, de uma norma criada pelo legislador para punir uma pessoa, porém não foi

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7 Constituinte – Que constitui, que faz parte de um organismo ou sistema. Direito relativo às assembleias

legislativas que podem fazer ou reformar a Constituição. (SIGNIFICADOS)

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possível dar de volta ou restabelecer a vida da vítima, algo natural e o mais fundamental de todos

os direitos, visto que se constitui um pré-requisito à existência e, consequentemente, ao exercício

de todos os demais direitos. Pode-se então ser realizada a seguinte pergunta: Onde está a justiça?

O Direito a alcançou?

É clarividente que o Estado, ao utilizar-se do instituto do Direito Positivo agiu e aplicou

uma punição ao transgressor da Lei, porém nada pode fazer em relação à vida da vítima, pois

não existe fórmula ou qualquer Lei positiva que garanta o direito à vida. A própria Constituição

Federal do Brasil, de 1988, no caput do seu art. 5º tratou acerca dos Direitos e Garantias

Fundamentais ao indivíduo, como pode se observar: “Todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País

a inviolabilidade do direito à vida [...]” [grifo nosso].

Ora, o constituinte7 não garantiu expressamente no texto constitucional o direito à vida

e sim afirmou que este é inviolável e o considerou como direito fundamental, ou seja, algo

necessário, que serve como alicerce, como sustentáculo. A Lei positiva não pode garantir a vida

humana, pois esta é anterior a todo e qualquer ordenamento jurídico, uma vez que é um Direito

Natural, ligado de forma inseparável ao indivíduo.

O Direito Natural, conhecido também como Jusnaturalismo, teve suas primeiras

manifestações na Grécia Antiga, com o conceito de “justo por natureza”, contrapondo-se, no

entanto, ao “justo por lei”.

O Jusnaturalismo pode ser comparado com uma lei que não muda nem com as regiões

nem com o tempo. Trata-se de uma lei universal, à qual o homem não pode infringir sem negar

a natureza humana.

Para Nader (2014, p. 375):

O raciocínio que nos conduz à ideia do Direito Natural parte do pressuposto de que

todo ser é dotado de uma natureza e de um fim. A natureza, ou seja, as propriedades

que compõem o ser, define o fim a que este tende a realizar. Para que as potências

ativas do homem se transformem em ato e com isto ele desenvolva, com inteligência,

o seu papel na ordem geral das coisas, é indispensável que a sociedade se organize com

mecanismos de proteção à natureza humana. O adjetivo natural, agregado à palavra

direito, indica que a ordem de princípios não é criada pelo homem e que expressa algo

espontâneo, revelado pela própria natureza. [grifo do autor]

De outra banda, o Positivismo Jurídico ou Direito Positivo se preocupa apenas com o

Direito existente, ou seja, despreza os juízos de valor e apega-se tão somente aos fenômenos

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observáveis. Segundo Nader (2014, p. 382), “para o positivismo jurídico só existe uma ordem

jurídica: a comandada pelo Estado e que é soberana. ” Ainda, para Nader (2014, p. 382):

[...] O positivismo reduziu o significado humano. O ente com plexo, que é o homem,

foi abordado como prodígio da Física, sujeito ao princípio da causalidade. Sua atenção

se converge apenas para o ser do Direito, para a lei, independentemente de seu

conteúdo. Identificando o Direito com a lei, o positivismo é uma porta aberta aos

regimes totalitários, seja na fórmula comunista, fascista ou nazista. [grifo do autor]

Nota-se, nessa perspectiva, que o Direito Positivo está relacionado com o Direito

escrito, como as leis, as normas impostas pelo Estado, como é o caso do Direito brasileiro. A

linha do Positivismo Jurídico afirma que o Direito é um fenômeno de caráter normativo,

diferentemente das obrigações de ordem moral. Quando um operador do Direito interpreta uma

norma, não deve levar em consideração as exigências morais, mas sim interessar-se pelas normas

com validade no eixo do sistema jurídico vigente, sempre fundamentando-se pela Constituição

e demais normas criadas pelo Estado.

A Lei não pode ser considerada como uma simples manifestação da vontade individual.

Esta traduz ambições em prol da coletividade, a produção do Direito Positivo, sendo estabelecida

pelo Poder Legislativo, consoante os interesses e anseios sociais.

Mais uma vez, voltando para o exemplo do crime de homicídio, é clarividente que para

a sociedade trata-se de um ato de extrema gravidade. Sendo assim, pode-se concluir que o

legislador atuou de forma correta quando da tipificação de crime o ato de matar alguém. No

entanto, não existe firmada e pacificada a opinião social acerca da pena a ser aplicada, se foi

adequada e se satisfaz a consciência coletiva da sociedade. Quando se noticia um homicídio

grave, algo hediondo, muitas autoridades e também os cidadãos anseiam por uma punição mais

dura por parte do Estado, inclusive com propostas de prisão perpétua e até mesmo a pena de

morte, ambas vedadas pela Carta Magna brasileira.

Nessa senda, pode-se concluir que o Direito Positivo, materializado nas leis, por mais

que sua pretensão seja de realizar a justiça, esta nem sempre é alcançada, se analisarmos o seu

sentido utópico, como um ideal. Assim, observa-se uma espécie, de competição, de maratona,

onde a justiça sempre está à frente e o Direito correndo atrás, variando no ponto de vista espacial

e cronológico e se adequando à realidade da sociedade.

Para Ihering (2012, p. 53):

A lei não é mera teoria, mas uma força viva. E é assim que a Justiça por um lado segura

a balança, em que ela pesa o direito, e pelo outro segura a espada com que ela a executa.

A espada sem a balança seria pura força, a balança sem a espada seria a impotência da

lei. A balança e a espada tem que andar juntas, e o estado da lei só é perfeito

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quando o poder em que a justiça carrega a espada está igualado pela habilidade com que ela segura a balança. [grifo nosso]

2.2 A JUSTIÇA

A justiça pode ser considerada como a virtude principal e primeira das instituições

sociais. Assim, cada indivíduo possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem o bem-

estar social pode desconsiderar. A justiça nega, portanto, que a falência da liberdade de uns se

justifique por um bem maior usufruído por outros.

É o grande tema do Direito, seu objetivo e também sua razão de existir. Ao mesmo

tempo, é um desafio aos estudiosos que possuem pretensão em conceitua-la, e também ao

legislador, que tem como missão consagrá-la nos textos das leis.

Assim a formulou o jurisconsulto Ulpiano (apud NADER 2014, p. 105): “Justitia est

constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi (Justiça é a constante e firme vontade

de dar a cada um o que é seu) ”.

A justiça pode também ser considerada como um conjunto de valores éticos, de modo

que onde se pratica justiça, existe, portanto, o respeito à vida, à liberdade e à igualdade. Assim,

para se praticar a justiça, faz-se necessária a prática do bem em meio às relações sociais.

Pode-se considerar a justiça também no seu ponto de vista absoluto e relativo. Os

positivistas seguem a linha da justiça relativa que consiste em sua subjetividade, ou seja, a

medida do justo é mutável de grupo para grupo e também de pessoa para pessoa. Já a justiça

absoluta, Kelsen (apud NADER 2014, p. 106) a definiu como “um bonito sonho da humanidade”

e a considerou como “um ideal irracional”, sendo que a história propriamente dita do

conhecimento humano revela “a inutilidade das tentativas para se encontrar, por meios racionais,

uma norma de conduta justa que tenha validade absoluta”.

A corrente jusnaturalista defende o caráter absoluto da justiça como um princípio, tendo

como medidas de justo a derivação do Direito Natural, que é eterno, imutável e universal.

Também é possível considerar a justiça em duas modalidades distintas: geral e

particular. A geral refere-se ao interesse da comunidade, ao passo que a particular está inerente

aos interesses individuais.

Nesse contexto, para Souza (1972, p. 20):

A justiça geral pretende o bem comum. Para realizá-lo prescreve que o indivíduo, como

parte de uma sociedade, contribua com algo para a sobrevivência e o desenvolvimento

dela. Fixa os deveres de cada um com relação à sociedade em que vive, e se realiza

quando exige dos indivíduos de maneira igual e equitativa. A justiça particular, embora

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sob um aspecto traduza o exercício de uma função social, é sensível às motivações e

às necessidades particulares.

Nesse paralelo, percebe-se o quanto é difícil definir e conceituar justiça, tendo em vista

o seu caráter abstrato. Vários filósofos e juristas já tentaram e arriscaram delimitar um conceito

de justiça, tendo como consequência as mais variadas críticas, pois todas as ideias possuem suas

falhas e, consequentemente, contraposições.

Nesse sentido, afirmou Gusmão (1985, p. 95):

Mais de vinte séculos de especulação sobre uma ideia nos antecedem e, apesar de tudo,

dela ainda não temos uma noção precisa, pacífica e definitiva. Jamais a

alcançaremos, pois a ideia da justiça é destas que não se deixam aprisionar em

conceitos lógicos. Por isso, cada realização da justiça é mera tentativa para incorporála

a um texto ou a uma conduta. Justiça realizada é, platonicamente, mera cópia infiel

da eterna justiça, que se mantém acima de suas realizações históricas. [grifo nosso]

Mesmo assim, apesar das diferentes ideias, grandes filósofos insistiram em defini-la.

Então, como a entendem? Para responder tal indagação, urge apresentar, para um

amadurecimento em relação à matéria, as ideias de justiça na visão de Platão e Aristóteles.

2.2.1 A Ideia de Justiça de Platão

Não é possível encontrar em Platão uma definição exata e fechada de justiça, pois ele

procurou trabalhar o conceito de justiça de modo que envolvesse todo o comportamento

humano. Podemos assim dizer que Platão assumiu um caráter antropológico para a definição de

justiça, ao analisar o comportamento do homem justo e do injusto, para assim chegar a expor

suas virtudes. Assim, Platão determina uma postura que endireita o homem à conquista da

felicidade, constituindo um estado justo e perfeito.

Para Platão, a justiça se faz presente naturalmente na alma de cada indivíduo, para

defender a existência de um Direito Natural, onde o homem consegue discernir o que é bom e o

que é ruim, por tratar-se, simplesmente, de um ser justo por natureza. Posto isso, conclui-se que

a justiça para Platão se caracteriza como uma virtude humana.

Sobre a justiça social, Platão entende que somente pode defini-la se for lembrada a razão

que leva o homem à vida social, o que para Souza (1972, p. 13) é “a existência de diversas

necessidades e a descoberta da maneira pela qual podem ser satisfeitas, mediante a divisão do

trabalho”. Desse modo, a sociedade para se tornar justa, deve situar cada indivíduo na sua função

adequada, condição para sua perfeita unidade.

Portanto, para Platão é justa uma sociedade na qual cada indivíduo faz o que lhe é

próprio.

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2.2.2 A Ideia de Justiça de Aristóteles

Aristóteles foi o primeiro filósofo a estudar e desenvolver exaustivamente o tema

abordado e pode ser considerado o verdadeiro fundador da teoria da justiça, de modo que estudos

posteriores se reportam a Aristóteles como sua fonte primária.

Ele considerou a justiça como virtude do indivíduo e também como critério de ordem

social. Diferentemente de Platão, considerou que a justiça não pode ser atuante sobre toda alma,

pois tutela apenas as relações dos indivíduos entre si. A ideia de justiça decorre, portanto, das

experiências com o mundo, caminhando junto com o Direito e variando no ponto de vista

cronológico e geográfico.

Para ele, a justiça é mais que uma virtude e decorre de um fenômeno social originário

da moral, dos costumes e da Lei.

Aristóteles considera também que o “ser justo” é formado por dois elementos

indissolúveis, quais sejam: a bilateralidade e a práxis. No primeiro caso aquilo que é justo para

a pessoa deverá ser a conduta que esta dispensará para com os outros; já no segundo caso, o que

o indivíduo entende por justo deverá ser o norte da conduta do ser humano. Deste modo,

Aristóteles relaciona a ideia de justiça com a natureza social do homem. Para que as relações

humanas sejam preservadas, o convívio social precisa seguir alguns requisitos básicos de

conduta, já que o homem é um ser político que necessita desse convívio.

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito e a Justiça são expressões que caminham juntas. Embora existam vários

conceitos e definições com características e pensamentos distintos, pode-se concluir que existe

uma busca incansável no amadurecimento dessas ideias, com a finalidade única de melhorar e

manter harmônico o convívio social.

A Justiça varia do ponto de vista cronológico e relaciona-se com a realidade social. Em

busca desses fatores o Direito positivado se atualiza para manter a ordem. Posto isso,

compreende-se que relativamente o que é justo hoje poderia não ser justo no passado, da mesma

forma o contrário, o que era justo no passado, pode não ser justo hodiernamente.

De outra banda, no sentido utópico, do ponto de vista de uma Justiça absoluta, esta não

varia, é universal e está ligada à ideia do Direito Natural, que não está estabelecido como normas

jurídicas, porém está intrínseco à condição natural da vida humana, de onde se extrai, portanto,

os princípios modelares do Direito Positivo.

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Conclui-se, por derradeiro, que o Direito como ciência persevera em busca da Justiça,

seja ela subjetiva ou objetiva, visto que a felicidade individual, bem como a harmonia e o bem-

estar da coletividade devem ser preservados e respeitados com isonomia. Para isso, entende-se

que o Direito não caminha de forma solitária, pois conta com os valores morais e éticos ao seu

favor, sejam eles individuais ou coletivos. Entre todas as definições de estudos comprovados

bibliograficamente, a que melhor pode se adequar à Justiça é a felicidade como virtude e a sua

realização no bem comum; para o Direito, o melhor é buscar essa justiça, em todos os sentidos,

e que “ela” seja sempre a sua magna razão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição. Brasília: Senado Federal, 1988.

CONSTITUINTE. Disponível em: <www.significados.com.br>. Acesso em: 14 set. 2014.

DEONTOLOGIA. Disponível em: <www.significados.com.br>. Acesso em: 14 set. 2014.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

ONTOLOGIA. Disponível em: <www.significados.com.br>. Acesso em: 14 set. 2014.

SOUZA, Daniel Coelho de. Introdução à ciência do direito. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio

Vargas; Ed. UFPA, 1972.

SILVA, Doglas A. Direito x Justiça. Disponível em

<http://doglassilva.jusbrasil.com.br/artigos/113728391/direito-x-justica>. Acesso em 12 set.

2014.

TELEOLOGIA. Disponível em: <www.significados.com.br>. Acesso em: 14 set. 2014.

UTOPIA. Disponível em: <www.significados.com.br>. Acesso em: 14 set. 2014.

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