que de espanha sopre bom vento

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O agregador da advocacia 22 Maio de 2011 www.advocatus.pt Em termos de reparação, o quadro normativo aparenta relativa segurança. Mas o que verdadeiramente interessa é matéria de soberania alheia materializada na execução das normas de instalação e funcionamento de centrais nucleares. E, quanto a isso, esperemos que de Espanha sopre bom vento “Portugal faz parte do “clube nuclear”, não só pela vizinhança mas também por possuir, em Sacavém à guarda do ITN, um pequeno reactor de investigação” “Conseguimos a proeza de dispor de mais de uma centena de leis, regulamentos e decretos sobre uma actividade quase inexistente no país, de técnica legislativa deficiente, pejadas de derrogações implícitas e dos consequentes debates doutrinais sobre a aplicabilidade de diversas normas” José Eduardo Martins Sócio da Abreu Advogados desde 2005. Licenciado em Direito pela FDUL (93), é professor universitário e foi secretário de Estado do Ambiente no XV Governo Constitucional (02-04). Imobiliário e Direito Público & Ambiente são as suas especialidades Que de Espanha sopre bom vento A tragédia de Fukushima, sobre a qual se sabe tão pouco, relançou, naturalmente, o debate sobre a uti- lidade da produção de energia eléc- trica por via nuclear. Portugal não tem programa nucle- ar, mas instalações a poucos qui- lómetros da nossa fronteira o que, face às dimensões apocalípticas normalmente ocasionadas por este tipo de acidente, levanta questões que a Advocatus considera opor- tuno elencar, nomeadamente as atinentes às legítimas inquietações de segurança dos dias que correm. Não é tarefa fácil, contudo… Portugal faz parte do “clube nu- clear”, não só pela vizinhança mas também por possuir, em Sacavém à guarda do ITN, um pequeno reactor de investigação. Não obstante, conseguimos a proe- za de dispor de mais de uma cente- na de leis, regulamentos e decretos sobre uma actividade quase inexis- tente no país, de técnica legislativa deficiente, pejadas de derrogações implícitas e dos consequentes de- bates doutrinais sobre a aplicabili- dade de diversas normas. Somos, ainda, membros de, prati- camente, todos os acordos e con- venções internacionais sobre a ma- téria, mas relevam, para a questão da segurança, concomitantemente com a directiva relativa à respon- sabilidade ambiental, apenas três ou quatro instrumentos cuja elen- cagem e principais estatuições aqui resumimos: Portugal é, desde 1960, parte na “Convenção sobre a Responsabi- lidade Civil no domínio da Energia Nuclear”, para harmonizar a legis- lação em matéria de energia. Esta convenção estabelece o regime da responsabilidade civil por danos nu- cleares, nos termos do qual os ope- radores ficam obrigados a indem- nizar terceiros por danos causados por qualquer acidente nuclear. Na sequência da ratificação desta convenção, os governos português e espanhol assinaram, em 1980, o “Acordo Luso-Espanhol de Segu- rança de Instalações Nucleares de Fronteira” e respectivo protocolo que regulamenta a colaboração, em caso de um acidente nuclear jun- to da fronteira destes dois países, limitando-se a remeter para as con- venções sobre responsabilidade civil, no domínio da energia nuclear, a matéria de responsabilidade civil por danos nucleares. Em 1986, foi assinada a “Conven- ção de Notificação Rápida em Caso de um Acidente Nuclear ou Emer- gência Radiológica” que estabe- lece o sistema de notificação para acidentes nucleares com potencial para provocarem libertações trans- fronteiriças com significado para Estados vizinhos. A “Convenção da Comissão Eco- nómica das Nações Unidas para a Europa sobre Avaliação de Impac- te Ambiental num Contexto Trans- fronteiriço” (Convenção de Espoo), de 1991, estabelece as obrigações das partes, quanto aos requisitos exigidos pela avaliação de impacte ambiental (AIA), prévia à tomada de decisão de diversos projectos entre os quais, naturalmente, uma cen- tral nuclear. Estabelece, também, as obrigações dos Estados quanto à participação do público afectado por projectos transfronteiriços que possuam um impacto ambiental significativo. Em 1994, foi assinada a “Conven- ção sobre Segurança Nuclear” com o objectivo de estabelecer as regras aplicáveis ao licenciamento de instalações nucleares, à inspec- ção regulamentar, e à avaliação das mesmas. Mais recentemente, foi publicada a Directiva n.º 2004/35/CE, do Parla- mento e do Conselho Europeus, de 21 de Abril de 2004, que aprovou, com base no princípio do poluidor pagador, o regime relativo à res- ponsabilidade ambiental aplicável à prevenção e reparação dos da- nos ambientais, com a alteração que lhe foi introduzida pela Directi- va n.º 2006/21/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho. A Directiva prevê a obrigação de colaboração sempre que um dano ambiental afecte, ou seja susceptível de afec- tar, outro Estado-membro, e ainda o dever de reparação desse dano ambiental. Resumindo, em termos de repara- ção, embora felizmente o sistema nunca tenha sido testado, o quadro normativo aparenta relativa segu- rança. Sucede que tudo o mais, o que verdadeiramente interessa, é matéria de soberania alheia mate- rializada na execução das normas de instalação e funcionamento de centrais nucleares e actividades re- lacionadas. E, quanto a isso, espe- remos que de Espanha sopre bom vento… Fukushima

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Que de Espanha sopre bom vento

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O agregador da advocacia22 Maio de 2011

www.advocatus.pt

Em termos de reparação, o quadro normativo aparenta relativa segurança. Mas o que verdadeiramente interessa é matéria de soberania alheia materializada na execução das normas de instalação e funcionamento de centrais nucleares. E, quanto a isso, esperemos que de Espanha sopre bom vento

“Portugal faz parte do “clube nuclear”, não só pela vizinhança mas também por

possuir, em Sacavém à guarda do itn, um pequeno reactor de

investigação”

“Conseguimos a proeza de dispor de

mais de uma centena de leis, regulamentos e decretos sobre uma

actividade quase inexistente no país,

de técnica legislativa deficiente, pejadas de derrogações implícitas

e dos consequentes debates doutrinais

sobre a aplicabilidade de diversas normas”

José Eduardo Martins

Sócio da Abreu Advogados desde 2005. Licenciado em Direito pela FDUL (93),

é professor universitário e foi secretário de Estado do Ambiente no XV Governo

Constitucional (02-04). Imobiliário e Direito Público & Ambiente são as suas especialidades

Que de Espanha sopre bom vento

A tragédia de Fukushima, sobre a qual se sabe tão pouco, relançou, naturalmente, o debate sobre a uti-lidade da produção de energia eléc-trica por via nuclear.Portugal não tem programa nucle-ar, mas instalações a poucos qui-lómetros da nossa fronteira o que, face às dimensões apocalípticas normalmente ocasionadas por este tipo de acidente, levanta questões que a Advocatus considera opor-tuno elencar, nomeadamente as atinentes às legítimas inquietações de segurança dos dias que correm. Não é tarefa fácil, contudo…Portugal faz parte do “clube nu-clear”, não só pela vizinhança mas também por possuir, em Sacavém à guarda do ITN, um pequeno reactor de investigação.Não obstante, conseguimos a proe-za de dispor de mais de uma cente-na de leis, regulamentos e decretos sobre uma actividade quase inexis-tente no país, de técnica legislativa deficiente, pejadas de derrogações implícitas e dos consequentes de-bates doutrinais sobre a aplicabili-dade de diversas normas.Somos, ainda, membros de, prati-camente, todos os acordos e con-venções internacionais sobre a ma-téria, mas relevam, para a questão da segurança, concomitantemente com a directiva relativa à respon-sabilidade ambiental, apenas três ou quatro instrumentos cuja elen-cagem e principais estatuições aqui resumimos:Portugal é, desde 1960, parte na “Convenção sobre a Responsabi-lidade Civil no domínio da Energia Nuclear”, para harmonizar a legis-lação em matéria de energia. Esta convenção estabelece o regime da responsabilidade civil por danos nu-cleares, nos termos do qual os ope-

radores ficam obrigados a indem-nizar terceiros por danos causados por qualquer acidente nuclear.Na sequência da ratificação desta convenção, os governos português e espanhol assinaram, em 1980, o “Acordo Luso-Espanhol de Segu-rança de Instalações Nucleares de Fronteira” e respectivo protocolo que regulamenta a colaboração, em caso de um acidente nuclear jun-to da fronteira destes dois países, limitando-se a remeter para as con-venções sobre responsabilidade civil, no domínio da energia nuclear, a matéria de responsabilidade civil por danos nucleares.Em 1986, foi assinada a “Conven-ção de Notificação Rápida em Caso de um Acidente Nuclear ou Emer-gência Radiológica” que estabe-lece o sistema de notificação para acidentes nucleares com potencial para provocarem libertações trans-fronteiriças com significado para Estados vizinhos.A “Convenção da Comissão Eco-nómica das Nações Unidas para a Europa sobre Avaliação de Impac-te Ambiental num Contexto Trans-fronteiriço” (Convenção de Espoo), de 1991, estabelece as obrigações das partes, quanto aos requisitos exigidos pela avaliação de impacte ambiental (AIA), prévia à tomada de decisão de diversos projectos entre os quais, naturalmente, uma cen-tral nuclear. Estabelece, também, as obrigações dos Estados quanto à participação do público afectado por projectos transfronteiriços que possuam um impacto ambiental significativo.Em 1994, foi assinada a “Conven-ção sobre Segurança Nuclear” com o objectivo de estabelecer as regras aplicáveis ao licenciamento de instalações nucleares, à inspec-

ção regulamentar, e à avaliação das mesmas.Mais recentemente, foi publicada a Directiva n.º 2004/35/CE, do Parla-mento e do Conselho Europeus, de 21 de Abril de 2004, que aprovou, com base no princípio do poluidor pagador, o regime relativo à res-ponsabilidade ambiental aplicável à prevenção e reparação dos da-nos ambientais, com a alteração que lhe foi introduzida pela Directi-va n.º 2006/21/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho. A Directiva prevê a obrigação de colaboração sempre que um dano ambiental afecte, ou seja susceptível de afec-tar, outro Estado-membro, e ainda o dever de reparação desse dano ambiental.Resumindo, em termos de repara-ção, embora felizmente o sistema nunca tenha sido testado, o quadro normativo aparenta relativa segu-rança. Sucede que tudo o mais, o que verdadeiramente interessa, é matéria de soberania alheia mate-rializada na execução das normas de instalação e funcionamento de centrais nucleares e actividades re-lacionadas. E, quanto a isso, espe-remos que de Espanha sopre bom vento…

Fukushima