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Quarta Turma

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Quarta Turma

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RECURSO ESPECIAL N. 611.872-RJ (2003/0197368-1)

Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira

Recorrente: Ford Motor Company Brasil Ltda.

Advogados: Luciana Maria Gualter Bastos e outro(s)

Fernanda Mendonça S. Figueiredo

Gustavo Nunes de Pinho e outro(s)

Recorrido: Maria Alice Bueno Neves e cônjuge

Advogado: Atila da Cunha Lobo Souto Maior e outro

Interessado: Realce Distribuidora de Veículos

Interessado: Banco Ford S/A

Advogado: Nelson Paschoalotto e outro(s)

Interessado: Companhia Santo Amaro de Automóveis

EMENTA

Direito Civil. Código de Defesa do Consumidor. Aquisição de

veículo zero-quilômetro para utilização profi ssional como táxi. Defeito

do produto. Inércia na solução do defeito. Ajuizamento de ação cautelar

de busca e apreensão para retomada do veículo, mesmo diante dos

defeitos. Situação vexatória e humilhante. Devolução do veículo por

ordem judicial com reconhecimento de má-fé da instituição fi nanceira

da montadora. Reposição da peça defeituosa, após diagnóstico pela

montadora. Lucros cessantes. Impossibilidade de utilização do veículo

para o desempenho da atividade profi ssional de taxista. Acúmulo de

dívidas. Negativação no SPC. Valor da indenização.

1. A aquisição de veículo para utilização como táxi, por si só, não

afasta a possibilidade de aplicação das normas protetivas do CDC.

2. A constatação de defeito em veículo zero-quilômetro revela

hipótese de vício do produto e impõe a responsabilização solidária da

concessionária (fornecedor) e do fabricante, conforme preceitua o art.

18, caput, do CDC.

3. Indenização por dano moral devida, com redução do valor.

4. Recurso especial parcialmente provido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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ACÓRDÃO

A Quarta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso

especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros

Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). Gustavo Nunes de Pinho, pela parte recorrente: Ford Motor

Company Brasil Ltda.

Brasília (DF), 2 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator

DJe 23.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Trata-se de recurso especial

interposto com fundamento no art. 105, III, alíneas a e c, da CF, contra acórdão

do TJRJ, assim ementado:

Relação de consumo. Aquisição de veículo 0 km para utilização profi ssional

como táxi. Defeito do produto. Demanda preexistente intentada pelos

consumidores no Juizado Especial Cível. Rotineiros e infrutíferos ajustes no

automóvel em ofi cina autorizada. Inercia da montadora e da autorizada para

debelar o defeito. Contrato de fi nanciamento com alienação fi duciária fi rmado

com o banco da montadora. Ciência em ação judicial do defeito de montagem.

Imediato ajuizamento de ação cautelar de busca e apreensão. Retomada do

veículo. Situação vexatória e humilhante imposta aos consumidores perante

vizinhos. Devolução do veículo por ordem judicial com reconhecimento de má-fé

da fi nanceira. Montadora. Descaso comprovado. Reposição da peça defeituosa,

após diagnóstico de engenheiro, empregado da montadora vindo do Estado de

São Paulo. Lucros cessantes. Paralisações alternadas e demoradas do veículo para

reparos. Impossibilidade dos consumidores de exercerem a função de taxistas.

Acúmulo de dívidas. Negativação no SPC. Danos morais evidentes.

Tendo o Banco Ford S/A, fi nanciado aos autores veículo, através de contrato

com alienação fiduciária, sendo, ainda, réu perante o Juizado Especial, em

ação movida por aqueles, teve a ousadia de intentar Ação Cautelar de Busca e

Apreensão do mesmo veículo, cuja liminar foi deferida e posteriormente revogada

com a aplicação das cominações pela litigância de má-fé, deverá ser o Banco,

incluído na condenação, tendo em vista sua participação como coadjuvante, nos

prejuízos experimentados pelos autores.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 465

A ofi cina autorizada pelo fabricante do veículo, esteve de posse do mesmo

para conserto, por 14 (quatorze) meses, promovendo os reparos que julgava

adequados, sem realmente detectar o defeito apresentado no veículo, que só

teve a solução vindicada, após a vinda de um engenheiro enviado pelo fabricante,

de São Paulo. Desta forma, deverá a ofi cina autorizada, responder solidariamente

pelos danos sofridos pelos autores.

Por outro lado, o fabricante do veículo, desdenhou, até judicialmente, do que

lhe competia, deixando o caso chegar aos seus limites, ou seja, após mais de um

ano com idas e vindas à ofi cina autorizada, procedeu a correção do seu próprio

erro, muito embora ciente do problema desde o inicio.

Por isso, também, arcará com os danos experimentados pelos autores. Assim,

depreende-se que os proprietários de automóveis de passeio, ou dos destinados

ao uso profi ssional, possuem seus direitos resguardados pela Lei Consumerista,

enquadrando-se perfeitamente aos conceitos descritos nos artigos 2º e 3º do

Código de Defesa do Consumidor.

Considerando que “in casu”, o veículo foi adquirido para ser utilizado como

táxi e, demonstrada a culpa por parte dos réus, pela longa espera da solução do

defeito apresentado no automóvel, as verbas referentes aos lucros cessantes e

danos morais são devidos a primeira, pela inutilização do bem por mais de 30

(trinta) dias e a segunda, decorrente das dívidas contraídas pelos adquirentes do

bem, que, ainda, originaram a inclusão de seus nomes nos cadastros restritivos

de crédito; pela vergonha e humilhação suportadas ante a apreensão do veículo

diante de seus vizinhos, e pelo trauma psíquico comprovadamente adquirido

pela menor, fi lha dos autores, advindo da retomada do veículo.

Desta forma, deve o dano moral, ser indenizado pelos réus, que responderão

solidariamente, em valor equivalente a 200 (duzentos) salários mínimos para cada

autor.

Recursos conhecidos, provido o dos primeiros apelantes e improvidos os dos

segundo e terceiro. (fl s. 502-505).

Na origem, Maria Alice Bueno Neves e Adilson Neves ajuizaram ação de

indenização contra Ford Motor Company Brasil Ltda., Companhia Santo Amaro

de Automóvel, Realce Distribuidora de Veículos e Banco Ford S.A., objetivando

a condenação das demandadas ao pagamento de indenização por danos

morais e materiais, decorrentes da impossibilidade de utilização econômica do

automóvel Ford Modelo Verona, GL 1.8, adquirido pelos autores para utilização

profi ssional como táxi, em razão de inúmeros problemas mecânicos apresentados

pelo referido bem, fato que ensejou a inadimplência do fi nanciamento relativo à

aquisição do mencionado veículo, ocasionando, ainda, a busca e apreensão deste,

além de inscrição dos autores nos órgãos de proteção ao crédito.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

466

O Juízo de Direito da 14ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro-RJ,

em sentença proferida em 6.12.2000 (fl s. 360-365), extinguiu o processo em

relação ao Banco Ford S.A. (art. 267, VI, CPC) e julgou procedente o pedido para

condenar, solidariamente, as três demandadas ao pagamento de 200 (duzentos)

salários mínimos para cada um dos autores a título de danos morais, além de

lucros cessantes a serem apurados em liquidação de sentença, bem como ao

pagamento de honorários no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da

condenação (fl . 365).

O TJRJ deu provimento a um dos recursos para incluir o Banco Ford

S.A. na condenação fi xada pelo Juízo Singular, isentando os autores dos ônus

sucumbenciais (fl s. 502-519).

Os embargos de declaração, opostos por Banco Ford S.A., foram rejeitados

(fl s. 529-531).

A recorrente, Ford Motor Company Brasil Ltda., nas razões de recurso

especial, aduz violação dos seguintes dispositivos legais: (a) art. 2º do CDC,

em razão da inaplicabilidade do CDC no caso concreto, porque o veículo

foi adquirido para fins comerciais, qual seja, utilização profissional como

táxi, (b) art. 159 do CC/2002, em virtude da ausência de prática de ilícito

pela recorrente apta a ensejar a condenação ao pagamento de danos morais

e lucros cessantes, sendo certo, ademais, que, na hipótese de eventual dano

moral, a falta de participação da recorrente no evento conduz à ilegalidade da

condenação solidária pelo ressarcimento, (c) art. 18 do CDC, em decorrência

da equivocada aplicação do art. 12 do CDC no caso concreto, posto não se

tratar de fato do produto, mas de vício do produto (art. 18 do CDC), que o

tornou temporariamente inadequado à utilização, e (d) art. 7º, IV, da CF, diante

da impossibilidade de fi xação de indenização com base em salário mínimo.

Assevera, ainda, divergência jurisprudencial quanto ao valor fi xado a título de

danos morais, qual seja, 200 (duzentos) salários mínimos para cada um dos dois

autores (fl s. 547-554).

Os recorridos, em contrarrazões, pugnam pelo desprovimento do recurso

especial (fl s. 687-686).

O recurso especial não foi admitido no Tribunal de origem (fl s. 699-702),

subindo a esta Corte em razão de provimento ao Agravo de Instrumento n.

481.012-RJ (fl . 785).

É o relatório.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 467

VOTO

O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): Trata-se de recurso

especial interposto contra acórdão do TJRJ que, em sede de ação de indenização

por danos morais e materiais, decorrentes da impossibilidade de utilização

econômica do automóvel adquirido pelos autores para utilização profi ssional

como táxi, manteve a decisão do Juiz singular e condenou solidariamente

a instituição financeira, a montadora e a distribuidora de automóveis ao

pagamento de 200 (duzentos) salários mínimos para cada um dos dois autores a

título de danos morais, além de lucros cessantes a serem apurados em liquidação

de sentença.

Feitas essas breves considerações, passo ao exame do recurso especial em

cada um de seus tópicos.

Art. 2º do CDC.

Conheço do recurso pela alínea a do permissivo constitucional, quanto

à violação do art. 2º do CDC, em razão do prequestionamento do referido

dispositivo legal.

O art. 2º da Lei n. 8.078/1990, ao conceituar a pessoa do consumidor,

dispõe:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza

produto ou serviço como destinatário fi nal.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda

que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

A jurisprudência desta Corte, em hipóteses análogas, vem decidindo

que a aquisição de veículo para utilização como táxi, por si só, não afasta a

possibilidade de aplicação das normas protetivas do CDC.

Nesse sentido, confi ra-se o seguinte precedente:

Civil. Processual Civil. Recurso especial. Direito do Consumidor. Veículo com

defeito. Responsabilidade do fornecedor. Indenização. Danos morais. Valor

indenizatório. Redução do quantum. Precedentes desta Corte.

1. Aplicável à hipótese a legislação consumerista. O fato de o recorrido adquirir

o veículo para uso comercial - táxi - não afasta a sua condição de hipossufi ciente na

relação com a empresa-recorrente, ensejando a aplicação das normas protetivas do

CDC.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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2. Verifi ca-se, in casu, que se trata de defeito relativo à falha na segurança, de

caso em que o produto traz um vício intrínseco que potencializa um acidente

de consumo, sujeitando-se o consumidor a um perigo iminente (defeito na

mangueira de alimentação de combustível do veículo, propiciando vazamento

causador do incêndio). Aplicação da regra do artigo 27 do CDC.

3. O Tribunal a quo, com base no conjunto fático-probatório trazido aos autos,

entendeu que o defeito fora publicamente reconhecido pela recorrente, ao

proceder ao “recall” com vistas à substituição da mangueira de alimentação do

combustível. A pretendida reversão do decisum recorrido demanda reexame de

provas analisadas nas instâncias ordinárias. Óbice da Súmula n. 7-STJ.

4. Esta Corte tem entendimento fi rmado no sentido de que “quanto ao dano

moral, não há que se falar em prova, deve-se, sim, comprovar o fato que gerou a

dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado o fato, impõe-se a

condenação” (Cf. AGA n. 356.447-RJ, DJ 11.6.2001).

(...)

6. Recurso conhecido parcialmente e, nesta parte, provido.

(REsp n. 575.469-RJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado

em 18.11.2004, DJ 6.12.2004, p. 325 - grifei).

No mesmo viés, a seguinte decisão monocrática: REsp n. 1.159.052-MG,

Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJ 27.3.2012.

Art. 159 do CC/1916.

No que se refere à apontada afronta ao art. 159 do CC/1916, o recurso não

reúne condições de admissibilidade, diante da incidência da Súmula n. 7-STJ.

O Tribunal local, com respaldo em ampla cognição fático-probatória,

cuja análise é interditada em sede de recurso especial, assentou, de modo

incontroverso, a responsabilidade da empresa recorrente, Ford Motor Company

Brasil Ltda., pelos danos suportados pelos autores:

O 3º apelante, na condição de fabricante do veículo, desdenhou até

judicialmente, do que lhe competia, deixando o caso chegar aos seus limites, para

somente em abril de 1997, ou seja, após mais de um ano de idas e vindas à ofi cina

autorizada, proceder à correção do seu próprio erro, muito embora ciente do

problema desde o início, e solicitando o comparecimento de um engenheiro da

montadora, em novembro de 1996. (fl . 9).

Nesse contexto, o exame da pretensão recursal demandaria a incursão

em aspectos fático-probatórios, especialmente no que se refere ao nexo de

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 469

causalidade entre a ação da demandada e o evento danoso, portanto, inviável em

recurso especial, tendo em vista o óbice da Súmula n. 7-STJ.

Arts. 12 e 18 do CDC.

Conheço do recurso quanto à suposta violação dos arts. 12 e 18 do CDC,

porquanto efetivamente prequestionados.

O art. 12 do CDC, ao tratar da responsabilidade pelo fato do produto e do

serviço, dispõe:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e

o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela

reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de

projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação

ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insufi cientes

ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

O fato do produto ou do serviço, também denominado defeito de segurança,

disciplinado no art. 12 do CDC, diversamente do vício do produto, ostenta

natureza grave em razão da potencialidade de risco à incolumidade do

consumidor e de terceiros.

O fato do produto constitui um acontecimento externo que causa dano

material ou moral ao consumidor ou a ambos, mas que decorre de um defeito

do produto.

A confi guração de fato do produto infl ui sobremodo na legitimidade

dos responsáveis, porquanto impõe ao fabricante, ao produtor, ao construtor,

nacional ou estrangeiro, e ao importador, independentemente da existência de

culpa, o dever de reparação dos danos causados aos consumidores, excluindo

apenas o comerciante, mercê da ausência de ingerência sobre o controle das

técnicas de fabricação e produção.

Ainda sob o aspecto da responsabilização, é importante destacar, o

comerciante, conquanto tenha sua responsabilidade excluída em via principal,

poderá ser responsável subsidiário, com fundamento no art. 13 do CDC.

O art. 18 do CDC, ao dispor sobre o vício do produto e do serviço e

responsabilidade dos fornecedores, preconiza:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis

respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem

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impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o

valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações

constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária,

respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor

exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor

exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas

condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem

prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 2º Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo

previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a

cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser

convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

§ 3º O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º deste

artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes

viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-

lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

§ 4º Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1º deste

artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição

por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou

restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II

e III do § 1º deste artigo.

§ 5º No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante

o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identifi cado claramente seu

produtor. (grifei).

O vício do produto ou serviço, também denominado vício de adequação,

porquanto inerente ou intrínseco, infl ui no funcionamento, utilização ou fruição

do produto ou serviço, comprometendo sua prestabilidade.

Ao contrário do que ocorre na responsabilidade pelo fato do produto, no

vício do produto a responsabilidade é solidária entre todos os fornecedores,

inclusive o comerciante, a teor do que dispõe o art. 18, caput, do CDC.

Sob esse enfoque, esta Corte já decidiu que “a melhor exegese dos arts. 14 e

18 do CDC indica que todos aqueles que participam da introdução do produto

ou serviço no mercado devem responder solidariamente por eventual defeito ou

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 471

vício, isto é, imputa-se a toda a cadeia de fornecimento a responsabilidade pela

garantia de qualidade e adequação (REsp n. 1.077.911-SP, Relatora Ministra

Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4.10.2011, DJe 14.10.2011).

No âmbito do vício do produto, é importante distinguir o dano circa rem

(inerente ao vício do produto ou serviço e diretamente ligado a ele) do dano

extra rem (dano indiretamente ligado ao vício do produto ou do serviço porque,

na realidade, decorre de causa superveniente, relativamente independente, e que

por si só produz o resultado).

Essa distinção assume relevo, mormente no que se refere à possibilidade de

ressarcimento de danos morais e materiais, além da reparação do vício.

SÉRGIO CAVALIERI FILHO, ao tratar do dano circa rem e extra rem,

adverte:

Tomemos como exemplo o caso do veículo zero-quilômetro, que apresenta

defeitos. A concessionária, instada várias vezes para corrigir os defeitos, leva

meses para atender as solicitações do consumidor, causando-lhe inúmeros

aborrecimentos. Pode esse consumidor pleitear também danos morais?

(...)

Para o correto enfrentamento da questão há que se proceder à distinção entre

o dano circa rem e dano extra rem. A expressão latina circa rem signifi ca próximo,

ao redor, ligado diretamente à coisa, de modo que não se pode dela desgarrar-se.

Assim, dano circa rem é aquele que é inerente ao vício do produto ou serviço, que

está diretamente ligado a ele, não podendo dele desgarrar-se.

A expressão latina extra rem indica vínculo indireto, distante, remoto, tem

sentido de fora de, além de, à exceção de. Consequentemente, o dano extra

rem é aquele que apenas indiretamente está ligado ao vício do produto ou do

serviço porque, na realidade, decorre de causa superveniente, relativamente

independente, e que por si só produz o resultado. A rigor, não é o vício do

produto ou do serviço que causa o dano extra rem - dano material e moral -, mas

sim a conduta do fornecedor, posterior ao vício, por não dar ao caso a atenção

e solução devidas. O dano moral, o desgosto íntimo, está dissociado do defeito,

a ele jungido apenas pela origem. Na realidade, repita-se, decorre de causa

superveniente (o não atendimento pronto e efi ciente ao consumidor, a demora

injustifi cável na reparação do vício), Tem caráter autônomo. (Sérgio Cavalieri Filho.

Programa de Responsabilidade Civil. Atlas: São Paulo, 2010. p. 512).

Desse modo, a constatação de defeito em veículo zero-quilômetro

revela hipótese de vício do produto e impõe a responsabilização solidária da

concessionária (fornecedor) e do fabricante, conforme preceitua o art. 18, caput,

do CDC.

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Nesse aspecto, a jurisprudência desta Corte:

Recurso especial. Código de Defesa do Consumidor. Veículo novo. Aquisição.

Defeitos não solucionados durante o período de garantia. Prestação jurisdicional

defi ciente. Responsabilidade solidária do fabricante e do fornecedor. Incidência

do art. 18 do CDC. Decadência. Afastamento. Fluência do prazo a partir do

término da garantia contratual.

1. Diversos precedentes desta Corte, diante de questões relativas a defeitos

apresentados em veículos automotores novos, fi rmaram a incidência do art. 18 do

Código de Defesa do Consumidor para reconhecer a responsabilidade solidária entre

o fabricante e o fornecedor.

2. O prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto (art. 26

do CDC) não corre durante o período de garantia contratual, em cujo curso o

veículo foi, desde o primeiro mês da compra, reiteradamente apresentado à

concessionária com defeitos. Precedentes.

3. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido.

(REsp n. 547.794-PR, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma,

julgado em 15.2.2011, DJe 22.2.2011 - grifei).

Processual Civil. Direito do Consumidor. Aquisição de veículo que apresentou

defeito no ar condicionado. Concessionária. Ilegitimidade afastada. Art. 18 do

CDC. Responsabilidade solidária do fabricante e do fornecedor.

I. “Comprado veículo novo com defeito, aplica-se o art. 18 do Código de Defesa do

Consumidor e não os artigos 12 e 13 do mesmo Código, na linha de precedentes da

Corte. Em tal cenário, não há falar em ilegitimidade passiva do fornecedor” (REsp n.

554.876-RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes, DJU de 17.2.2004).

II. Recurso especial parcialmente provido para afastar a ilegitimidade passiva

da empresa ré.

(REsp n. 821.624-RJ, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,

julgado em 19.10.2010, DJe 4.11.2010 - grifei).

Art. 7º, IV, da CF.

O recurso não reúne condições de admissibilidade quanto à suposta

violação do art. 7º, IV, da CF, em razão da impossibilidade de exame de questões

de natureza constitucional em sede de recurso especial, cuja análise se insere na

competência do e. Supremo Tribunal Federal.

Assim, o recurso especial não constitui via adequada para o exame de

questões de natureza constitucional, cuja análise se insere na competência do e.

Supremo Tribunal Federal.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 473

Valor da indenização por danos morais.

No caso concreto, o Juízo singular julgou procedente o pedido para

condenar, solidariamente, as três demandadas, Ford Motor Company Brasil

Ltda., Companhia Santo Amaro de Automóvel e Realce Distribuidora de Veículos,

ao pagamento de 200 (duzentos) salários mínimos para cada um dos autores a

título de danos morais, além de lucros cessantes a serem apurados em liquidação

de sentença, bem como ao pagamento de honorários no percentual de 10% (dez

por cento) sobre o valor da condenação (fl . 365).

O TJRJ manteve a condenação solidária dos réus, incluindo a instituição

fi nanceira da montadora.

Nos termos da fi rme jurisprudência do STJ, somente se justifi ca a alteração

do valor fi xado a título de danos morais quando este se revelar irrisório ou

exorbitante. Nesse sentido:

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Cheque. Negócio realizado

por meio de fraude. Requisitos configuradores. Pretensão de afastamento.

Impossibilidade. Necessidade de reexame de provas. Súmula n. 7-STJ. Quantum

indenizatório. Valor razoável. Agravo improvido.

1. Em relação à responsabilização do agravante pelos danos sofridos pelo

agravado, o Tribunal de origem, apreciando o conjunto probatório dos autos,

concluiu pela presença dos requisitos ensejadores da responsabilidade civil.

A alteração de tal entendimento, como pretendida, demandaria a análise do

acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ, que

dispõe: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

2. O entendimento pacifi cado no Superior Tribunal de Justiça é de que o valor

estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais

pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar

irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não

se evidencia no presente caso. Desse modo, não se mostra desproporcional a

fi xação em R$ 8.000,00 (oito mil reais) a título de reparação moral, decorrente das

circunstâncias específi cas do caso concreto, motivo pelo qual não se justifi ca a

excepcional intervenção desta Corte no presente feito, como bem consignado na

decisão agravada.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp n. 202.921-SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma,

julgado em 28.8.2012, DJe 17.9.2012).

Responsabilidade civil e Processual Civil. Embargos de declaração recebidos

como agravo regimental. Omissão. Inexistência. Reexame de provas, em sede de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

474

recurso especial. Inviabilidade. Quantum indenizatório arbitrado com razoabilidade.

Revisão. Descabimento. 1. Orienta a Súmula n. 7 desta Corte ser vedado, em

recurso especial, o reexame de provas. No caso, a fi xação do valor indenizatório

operou-se com moderação, na medida em que não concorreu para a geração de

enriquecimento indevido do ofendido e, também, manteve a proporcionalidade

da gravidade da ofensa ao grau de culpa e ao porte sócio-econômico dos

causadores do dano.

2. Nos termos da jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal de Justiça,

a revisão de indenização por danos morais só é possível, em sede de recurso

especial, quando o quantum indenizatório arbitrado pelas instâncias ordinárias

for exorbitante ou ínfi mo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da

proporcionalidade.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(EDcl no REsp n. 945.551-SC, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta

Turma, julgado em 21.8.2012, DJe 3.9.2012).

A meu ver, é a hipótese dos autos. Com efeito, o valor de 200 (duzentos)

salários para cada um dos autores, destoa dos precedentes desta Corte em

relação a valores correspondentes a indenizações por danos morais.

Todavia, o caso em apreço apresenta uma série de particularidades, bem

expostas na ementa da decisão recorrida:

Considerando que “in casu”, o veículo foi adquirido para ser utilizado como

táxi e, demonstrada a culpa por parte dos réus, pela longa espera da solução do

defeito apresentado no automóvel, as verbas referentes aos lucros cessantes e

danos morais são devidos a primeira, pela inutilização do bem por mais de 30

(trinta) dias e a segunda, decorrente das dívidas contraídas pelos adquirentes do

bem, que, ainda, originaram a inclusão de seus nomes nos cadastros restritivos

de crédito; pela vergonha e humilhação suportadas ante a apreensão do veículo

diante de seus vizinhos, e pelo trauma psíquico comprovadamente adquirido

pela menor, fi lha dos autores, advindo da retomada do veículo.

Em tais circunstâncias, consideradas as peculiaridades do caso em questão

e os princípios da razoabilidade e da moderação, entendo cabível a redução do

valor indenizatório para a quantia correspondente a 100 (cem) salários mínimos

para cada um dos autores, valor capaz, a meu ver, de adequadamente recompor

o dano sofrido.

Em face do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para reduzir

a indenização para R$ 62.200,00 (sessenta e dois mil e duzentos reais) para

cada autor - com juros desde o evento danoso (a primeira apresentação do

carro na concessionária), na ordem 0,5% (cinco décimos percentuais) até a

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 475

entrada em vigor do CC/2002, momento a partir do qual incidirá a Taxa Selic.

Sucumbência mantida como no acórdão.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 819.008-PR (2006/0029864-0)

Relator: Ministro Raul Araújo

Recorrente: Waldir Augusto de Carvalho Braga

Advogado: Hildegard Taggesell Giostri

Recorrido: Ilda Rodrigues de Andrade

Advogado: Ricardo de Lucca Macking

EMENTA

Civil. Responsabilidade civil. Erro médico. Cirurgia plástica

estética e reparadora. Natureza obrigacional mista. Responsabilidade

subjetiva dos profi ssionais liberais (CDC, art. 14, § 4º). Improcedência

do pedido reparatório. Recurso especial provido.

1. Pela valoração do contexto fático extraído do v. aresto recorrido,

constata-se que na cirurgia plástica a que se submeteu a autora havia

fi nalidade não apenas estética, mas também reparadora, de natureza

terapêutica, sobressaindo, assim, a natureza mista da intervenção.

2. A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de

modo geral, obrigação de meio, salvo em casos de cirurgias plásticas

de natureza exclusivamente estética.

3. “Nas cirurgias de natureza mista - estética e reparadora -, a

responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada

de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e

de meio em relação à sua parcela reparadora” (REsp n. 1.097.955-MG,

Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27.9.2011,

DJe de 3.10.2011).

4. Recurso especial provido.

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ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Marco

Buzzi dando provimento ao recurso, acompanhando o Relator, e os votos da

Ministra Maria Isabel Gallotti e dos Ministros Antonio Carlos Ferreira e Luis

Felipe Salomão, no mesmo sentido, decide a Quarta Turma, por unanimidade,

conhecer e dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Relator.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi

(voto-vista) e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 4 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Relator

DJe 29.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Raul Araújo: Ilda Rodrigues Andrade ajuizou ação de

indenização por danos estético, material e moral contra CPO Day Hospital

(Centro Paranaense de Oftalmologia Ltda.) e Waldir Augusto de Carvalho

Braga, decorrentes de suposto erro médico por ocasião de ato cirúrgico a que foi

submetida, em 12.12.1998.

Narra a inicial que a promovente era portadora de mama volumosa, o

que lhe causava desconforto tanto físico como psicológico. Dirigindo-

se ao consultório do segundo requerido, foi marcada a cirurgia, efetuado o

procedimento e, já no dia seguinte, a promovente sentiu dores no braço e na

mama direita.

Encerrado o período de recuperação, as dores foram se agravando,

impossibilitando a autora de exercer sua atividade profi ssional (empregada

doméstica). Foi realizado, então, pelo mesmo médico, sete meses após, outro

procedimento cirúrgico, porém, sem sucesso em relação à solução do problema

da dor e inchaço na mama direita, que apareciam ao realizar a paciente atividade

laboral.

Alega a autora que, além das dores, passou a ter que conviver com cicatrizes

grandes e excesso de pele na mama direita, o que trouxe abalo emocional e

problemas no relacionamento afetivo.

Contestada a ação, o médico promovido deu nova versão aos fatos,

afi rmando que as queixas da autora começaram somente um mês após a cirurgia,

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 477

ressaltando ter encaminhado a paciente, gratuitamente, a um ortopedista, a um

mastologista e a um neurologista, após o que se decidiu pela realização do

segundo procedimento cirúrgico (em 17.7.1999) para averiguação da razão da

dor, bem como de um retoque de sobra tecidual na cicatriz.

Informa a contestação que o médico mastologista constatou a existência de

“patologia mamária benigna”, não relacionada com o processo cirúrgico sofrido

pela autora, e informa, ainda, que sete meses depois do último procedimento

cirúrgico, com retirada de glândula mamária displásica, houve mais uma

consulta, intermediada, inclusive, por advogados, e que, após esta data, a paciente

não mais retornou ao consultório do réu.

Ressalta que em abril de 2000 a autora foi encaminhada pelo réu,

gratuitamente, a novo exame médico realizado pelo Dr. Arnaldo Miró,

conceituado cirurgião plástico, que se dispôs a operá-la para retirada do nódulo

doloroso, mas a autora se recusou a assinar o termo de consentimento, motivo

pelo qual não ocorreu a intervenção cirúrgica.

Foi deferida a realização de prova pericial, bem como a oitiva de

testemunhas.

Às fl s. 284-285, o Centro Paranaense de Oftalmologia Ltda. noticia decisão,

com trânsito em julgado, proferida pelo eg. Tribunal de Alçada do Paraná, que

reconheceu sua ilegitimidade passiva e o excluiu da lide.

A r. sentença julgou improcedente o pedido, fundamentalmente sob o

entendimento de que “não restou comprovado nos presentes autos o nexo causal

existente entre a atuação médica e o dano que ensejou o pedido indenizatório

e, consequentemente, não fi cou comprovado que o médico-réu Waldir foi o

culpado pelos danos que a autora alegou na inicial” (fl . 392).

Interposta apelação pela autora, a eg. Sexta Câmara Cível do Tribunal de

Alçada do Paraná, por maioria, deu provimento ao recurso, em aresto assim

ementado:

Responsabilidade civil. Cirurgia plástica. Estética. Obrigação de resultado.

Cirurgia de redução das mamas. Resultado insatisfatório. Danos estéticos

e psicológicos presentes face ao resultado estético negativo. Precedentes

doutrinário e jurisprudencial. Indenização devida. Sentença reformada. Apelação

provida.

A cirurgia sub examine, por se tratar de uma intervenção estética, por meio da

qual a paciente buscava obter um resultado que lhe fosse satisfatório, remediando

uma situação que lhe era desagradável, torna o médico responsável pelo

resultado frustrado da intervenção cirúrgica realizada, uma vez que a paciente

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espera que o cirurgião obtenha um resultado em si (obrigação de resultado), e

não que ele se empenhe para atingir tal resultado (obrigação de meio). (fl . 502).

Visando à prevalência do d. voto vencido, o réu opôs embargos infringentes

que, entretanto, foram rejeitados, também por maioria de votos, guardando o

acórdão a seguinte ementa:

Embargos infringentes. Responsabilidade civil. Erro médico. Cirurgia plástica.

Obrigação de resultado. Presunção de culpa não afastada. Inocorrência do

abandono do tratamento confi gurado. Embargos infringentes rejeitados. (fl . 559).

Os votos vencidos, que davam provimento aos embargos infringentes,

foram assim resumidos:

Responsabilidade civil. Erro médico. Cirurgia plástica. Obrigação de meio.

Ausência de prova de imperícia do cirurgião. Reação anômala do organismo. Fato

que não pode ser imputado ao profi ssional. Paciente que deixa de fazer retoque

às expensas do médico requerido. Abandono do tratamento confi gurado. Perícia

que conclui por resultado estético bom. Embargos infringentes acolhidos. (fl . 565).

Opostos embargos de declaração pelo médico réu, foram rejeitados (fl s.

598-599).

Inconformado, Waldir Augusto de Carvalho Braga interpôs recurso especial,

com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, defendendo, em

suma, que a cirurgia a que se submeteu a autora era de cunho reparador,

pois visava à correção de um defeito congênito, não podendo, por isso, ser

considerada como obrigação de resultado. Por isso, entende que houve violação

ao art. 14, § 4º, do CDC, em relação à presunção de culpa do médico.

Requer, portanto, seja julgado improcedente o pedido indenizatório ou,

alternativamente, haja a redução do valor dos danos morais para dez salários

mínimos.

Com contrarrazões (fl s. 617-623), o recurso foi admitido (fl s. 625-627) e

encaminhado a esta Corte, tendo sido atribuído a esta relatoria.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): Pela leitura da íntegra dos

acórdãos proferidos pela eg. Corte de origem, tanto no julgamento da apelação

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 479

quanto no dos embargos infringentes, constata-se que a divergência ocorreu,

fundamentalmente, em relação à finalidade da cirurgia plástica a que foi

submetida a autora, se reparadora ou puramente estética e, consequentemente,

sua natureza obrigacional.

Como é cediço, o julgamento do recurso nesta instância especial deve

ater-se ao panorama fático delineado pelas instâncias ordinárias, sendo defeso

reexaminá-lo, a teor do que dispõe o enunciado da Súmula n. 7-STJ.

Porém, no caso, torna-se necessária uma valoração do conjunto fático-

probatório dos autos que se extrai do v. acórdão recorrido, notadamente em

relação à caracterização da natureza da cirurgia plástica em comento, na medida

em que é indispensável ao correto desate da controvérsia.

Nesse sentido, a em. Ministra Maria Isabel Gallotti, quando do julgamento

do AgRg no REsp n. 1.110.839-PE, DJe de 10.4.2012, afi rmou com maestria

que “o equívoco na valoração da prova passível de correção por esta Corte

Superior é o de direito, quando se trata, portanto, de norma ou princípio

atinente ao campo probatório”, como ocorre na hipótese destes autos, em que o

recorrente aponta violação ao art. 14, § 4º, do CDC, em relação à presunção de

culpa do médico.

Da leitura atenta dos autos, extrai-se que a intervenção cirúrgica realizada

na autora, além de ter-se destinado a resolver um problema físico (mamas

gigantes), com fi nalidade terapêutica, agregava também objetivos estéticos,

revelando a natureza mista do procedimento.

Com efeito, a inicial afi rma que “a requerente era portadora de mama

volumosa, fato este que lhe causava desconforto, tanto físico como psicológico” e

que seu objetivo era “corrigir tal desconforto” (fl . 6).

Já no laudo pericial, à fl . 242, no quesito de número 18, observa-se o

seguinte:

18. Sendo a paciente portadora de mamas de tamanho avantajado (razão da

sua cirurgia) e sabendo-se ser este um fator causativo de problemas na coluna

vertebral, devido ao peso excessivo daquelas, pergunta-se: o fato de ocorrer uma

diminuição expressiva daquele peso poderia levar a uma mudança de postura da

própria coluna?

resposta: Sim, a retirada do peso excessivo através da mamoplastia redutora,

poderia levar a uma nova postura da coluna vertebral, ao nível torácico e cervical.

No voto vencido da apelação, lê-se o seguinte:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

480

A cirurgia a que se submeteu a apelante não pode ser caracterizada como

meramente estética, pois objetivava correção de hipertrofi a mamária, também

denominada gigantismo mamário, causador de problema postural da apelante,

corrigido com a redução das mamas. (fl . 514).

No julgamento dos embargos infringentes, no próprio voto vencedor é

afi rmada a natureza mista, estética e reparadora da cirurgia. Confi ram-se as

seguintes passagens:

Ao adotar os fundamentos do voto majoritário do acórdão original, esta

relatoria reconheceu que trata-se de cirurgia plástica estética reparadora (...)

(...)

O caso sob exame é cirurgia de mamas volumosas, que além de causar

desconforto físico causava desconforto psicológico.

(...)

A paciente pretendia também resolver o seu problema psíquico de estar bem

consigo mesma e desfrutar sua vida normal (...)

(...)

Com natureza mista, estética reparadora, indiscutivelmente é obrigação de

resultado. (fl s. 562-564).

E, nos d. votos vencidos:

Voltando os olhos ao caso descrito nestes autos, é de se reconhecer razão

ao julgador vencido, na medida em que não está sobejamente comprovado

que a cirurgia contratada pela embargada fosse meramente estética, como

afi rmado no voto vencedor, havendo grande possibilidade de que a mamoplastia

redutora tivesse finalidade de corrigir a postura ou evitar danos à coluna da

paciente, como é de regra. Porém, ausentes elementos probatórios capazes de

assegurar o motivo real da opção pela intervenção cirúrgica, inadmissível que

levianamente se conclua tratar-se de procedimento meramente embelezador,

consequentemente, obrigação de resultado, acarretando a responsabilidade

objetiva do profi ssional e a inversão do ônus da prova. (fl s. 570).

(...)

No caso em exame, isso não ocorre. Além da desarmonia causada pelos seios

volumosos, também sua saúde física e psicológica era afetada pelo grande

volume de seus seios. (fl . 575).

Portanto, valorando-se o contexto fático que emana dos autos, não há

dúvidas de que houve correção não apenas da beleza plástica, mas também

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 481

reparação de natureza terapêutica, sobressaindo a natureza mista da cirurgia a

que se submeteu a autora.

Passa-se, então, a se perquirir a responsabilidade do médico neste contexto,

tendo como balizamento o disposto no mencionado art. 14, § 4º, do CDC,

dispositivo tido por violado nas razões do recurso especial.

Esta Corte já se pronunciou no sentido de que “a relação entre médico

e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas

embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a responsabilização

do referido profi ssional a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entre

a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade subjetiva” (cf.

REsp n. 1.104.665-RS, Relator em. Min. Massami Uyeda, DJe de 9.6.2009).

Por outro lado, a obrigação do médico na cirurgia plástica estética é de

resultado, pois o contratado deve alcançar um resultado específi co, que é a

própria obrigação. Por tal razão, inverte-se o ônus da prova, fi cando a cargo do

médico a prova liberatória de que não laborou com imprudência, negligência ou

imperícia, para não ser responsabilizado pelo dano ou prejuízo que causar.

Quanto à hipótese dos autos, de natureza mista da cirurgia, esta Corte teve

oportunidade de recentemente apreciar situação análoga, quando do julgamento

do REsp n. 1.097.955-MG, da relatoria da em. Ministra Nancy Andrighi, DJe

de 3.10.2011, acórdão que está assim ementado:

Processo Civil e Civil. Responsabilidade civil. Médico. Cirurgia de natureza mista

- estética e reparadora. Limites. Petição inicial. Pedido. Interpretação. Limites.

1. A relação médico-paciente encerra obrigação de meio, e não de resultado,

salvo na hipótese de cirurgias estéticas. Precedentes.

2. Nas cirurgias de natureza mista - estética e reparadora -, a responsabilidade

do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada,

sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua

parcela reparadora.

3. O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição

inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo. Precedentes.

4. A decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes

não viola os arts. 128 e 460 do CPC, pois o pedido é o que se pretende com a

instauração da ação. Precedentes.

5. O valor fi xado a título de danos morais somente comporta revisão nesta

sede nas hipóteses em que se mostrar ínfi mo ou exagerado. Precedentes.

6. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.097.955-MG, Rel. Ministra Nancy

Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27.9.2011, DJe de 3.10.2011).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

482

Nessa linha de raciocínio, é necessária, inicialmente, a averiguação acerca da

parte estética da cirurgia, ressaltando-se, mais uma vez, que a inconformidade da

autora e seu pedido indenizatório circunscrevem-se, basicamente, ao surgimento

do nódulo e à cicatriz na mama direita.

A responsabilidade do médico é, sem dúvida, contratual, mas baseada,

fundamentalmente, na culpa. É necessário ter coerência com o exame das

provas dos autos, responsabilizando o profi ssional porque ele realmente errou

grosseiramente ou foi omisso, e não simplesmente com a argumentação simplista

de que sua obrigação seria de resultado, presumindo-se a culpa.

Para se eximir do dever de indenizar, o cirurgião deve demonstrar qualquer

causa excludente de sua responsabilidade, como, por exemplo, o surgimento de

fatores corporais imprevisíveis e inesperados, o que levaria ao rompimento do

nexo causal.

No REsp n. 1.180.815-MG, DJe de 26.8.2010, da relatoria da em. Min.

Nancy Andrighi, a eg. Terceira Turma pronunciou-se sobre o tema, nestes termos:

Recurso especial. Responsabilidade civil. Erro médico. Art. 14 do CDC. Cirurgia

plástica. Obrigação de resultado. Caso fortuito. Excludente de responsabilidade.

1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam

verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro

compromisso pelo efeito embelezador prometido.

2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profi ssional da medicina

permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos

danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia.

3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a eximente de caso fortuito

possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe

o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo

profi ssional.

4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que

colhe a assinatura do paciente em “termo de consentimento informado”, de

maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o

pós-operatório.

Recurso especial a que se nega provimento. (REsp n. 1.180.815-MG, Rel. Ministra

Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.8.2010, DJe de 26.8.2010).

Na doutrina:

Se o insucesso parcial ou total da intervenção ocorrer em razão de peculiar

característica inerente ao próprio paciente e se essa circunstância não for

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 483

possível de ser detectada antes da operação, estar-se-á diante de verdadeira

escusa absolutória ou causa excludente de responsabilidade. (STOCO, Rui.

Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 1ª ed. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais, 1994, p. 162).

Compulsando os autos, constata-se que foi exatamente isso o que

aconteceu.

O laudo pericial (fl . 236) é categórico em afi rmar que nas duas cirurgias

realizadas pelo réu foram observadas todas as técnicas necessárias e adequadas

e que a conduta em encaminhar a paciente aos três médicos especialistas foi

de muito bom alvitre, demonstrando comprometimento com a elucidação do

quadro clínico apresentado (fl . 237).

Não se constatou imprudência na conduta do cirurgião, que usou regras

e técnicas atualizadas da ciência médica e, em particular, de sua especialidade,

adotando todas as cautelas indicadas para o ato cirúrgico. Não houve, outrossim,

diagnóstico errado.

Afi rmou, ainda, que a causa da dor dentro da mama estava relacionada,

muito provavelmente, com anterior patologia mamária benigna, não relacionada

com o processo cirúrgico prévio, e que este diagnóstico só estaria defi nitivamente

esclarecido através de estudo anátomo-patológico do nódulo mamário, o que

não ocorreu, não se podendo, por isso, creditar a dor à imperícia do cirurgião (fl s.

237 a 239).

Ademais, afi rmou o laudo que a exploração cirúrgica da mama, em julho

de 1999, foi correta, pois tentava diagnosticar a causa da dor. É de se ressaltar que

a autora não reclamou do resultado estético da primeira cirurgia, mas sim da cicatriz

após o segundo procedimento. Porém, com a “infi ltração de corticóide e anestésico

no nervo intercostal” e “retirada de glândula mamária displásica” (fl . 238), era

natural que a cicatriz tivesse fi cado um pouco maior que a da outra mama,

pois houve necessidade de busca sobre a origem da dor, com maior exploração

cirúrgica.

O médico réu, inclusive, ofereceu à autora uma terceira intervenção para

extirpação do nódulo e correção cicatricial (retoque), que seria efetuada por

renomado cirurgião, mas que a autora recusou, negando-se a assinar o termo de

consentimento (fl . 241) e abandonando o tratamento com mastologista.

Portanto, o aparecimento do nódulo não poderia ter sido previsto ou controlado

pelo cirurgião, pois resultou de uma resposta do organismo da paciente, que, na

cicatrização, produziu uma trama fi brosa mais intensa na mama direita.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

484

Finaliza o laudo pericial afi rmando que “nestes autos não há evidências

de relação direta entre a dor na mama no pós operatório de mamoplastia

redutora com erro médico” e que “a real causa do nódulo só pode ser afi rmada

através de estudo anátomo-patológico, não se podendo afi rmar que o cirurgião

é responsável pelo nódulo” (fl . 242). Acrescenta, ainda, que “não há fatos ou

evidências que estabeleçam uma relação causal entre a dor mamária e imperícia

do cirurgião nestes autos” (fl . 243).

É evidente, portanto, que o aparecimento do nódulo é causa excludente

da responsabilidade do médico, pois é incontroverso ser fator imprevisível

e inesperado, o que rompe o nexo causal entre a conduta do profi ssional e o

suposto dano.

Ainda, quanto ao resultado estético da cirurgia, o laudo afi rmou, à fl . 238,

que, “embora o resultado estético da mamoplastia ter sido considerado como

bom, a Sra. Ilda Rodrigues de Andrade não está satisfeita. Esta paciente está

disposta a submeter-se à nova reparação cirúrgica (retoque), objetivando um

resultado fi nal muito bom ou excelente”.

À fl . 240, consta do laudo pericial que “na opinião deste perito o resultado

estético é bom. Todavia, segundo informações obtidas com a Sra. Ilda Rodrigues

de Andrade, o resultado estético buscado por esta paciente não era o bom ou

satisfatório, e sim, o muito bom ou excelente”.

Percebe-se a tênue fronteira entre o erro médico e a mera insatisfação do

lesado. Porém, se o resultado fi cou aquém das expectativas da paciente, isso não

quer dizer que houve falhas durante a intervenção.

Analisa-se, agora, a hipótese sob o ponto de vista reparador.

Na doutrina, em Responsabilidade civil do médicos ( Jerônimo Romanello

Neto, ed. Jurídica Brasileira, 1998, p. 134), o autor afi rma que “na cirurgia plástica

reparadora, ou seja, aquela que tem uma fi nalidade terapêutica, entendemos ser

de meio e não de resultado, a obrigação do profi ssional, respondendo este,

todavia, pelos danos morais e patrimoniais causados em razão de imprudência,

negligência ou imperícia”.

In casu, atingiu-se, sem dúvida, a solução do problema físico de gigantismo

das mamas, tanto que as queixas da autora (cf. fl . 11) são relacionadas a dores e

inchaço no braço direito e na mama direita, ao realizar atividade laboral; cicatriz

e excesso de pele na mama direita; surgimento de nódulo; além de estar a autora,

por essas razões, emocionalmente abalada. A inicial nada se refere à conduta

médica quanto à redução das mamas.

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 485

Acrescente-se que o perito afi rma, à fl . 240, que “o resultado da mastoplastia

redutora foi atingido em relação à redução do volume da mama”.

Portanto, quanto à obrigação de meio, igualmente não há nos autos

comprovação alguma de falha técnica do médico ou de que este não cumpriu o

seu mister.

Por todo o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento

para julgar improcedente o pedido de indenização posto na inicial, invertidos os

ônus da sucumbência, com observância, porém, do disposto no art. 12 da Lei n.

1.060/1950, uma vez que a autora é benefi ciária da justiça gratuita.

É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Marco Buzzi: Cuida-se de recurso especial, interposto por

Waldir Augusto de Carvalho Braga contra acórdão do Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná, nos autos da ação indenizatória que lhe é movida por Ilda

Rodrigues de Andrade.

No caso concreto, a demandante afi rma que se submeteu a uma primeira

intervenção cirúrgica plástica realizada pelo ora recorrente, visando à redução

de suas mamas, cujas dimensões causavam-lhe desconforto físico e psicológico.

Todavia, logo após à intervenção, surgiu em uma das mamas nódulo de

aproximadamente 2,5 cm, o que determinou a realização de um segundo

procedimento, o qual também se destinaria a retoques estéticos.

A segunda intervenção, entretanto, resultou cicatriz em uma das mamas,

além de desproporção entre elas, levando à necessidade de uma terceira cirurgia.

Esta, seria em princípio realizada perante o próprio demandado, mas isso deixou

de ocorrer pois a autora negou a se submeter ao novo procedimento, dada a

exigência da assinatura de um termo previamente ao ato cirúrgico. A derradeira

operação foi então consumada perante outro profi ssional, agora com resultados

satisfatórios.

Busca, assim, perante o médico originalmente contratado, indenização por

danos materiais e morais, face o resultado insatisfatório das duas cirurgias a que

se submeteu.

O pedido em primeiro grau quedou rejeitado.

A Corte Paranaense, em sede de apelação cível, reformou a sentença e

reconheceu a responsabilidade civil do réu, médico cirurgião, face aos danos

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486

materiais e estéticos postulados na petição inicial. Assim o fez, salientando

que, na espécie, a obrigação assumida pelo demandado é daquelas de resultado,

presumindo-se sua culpa pelos eventos lesivos. Houve embargos infringentes,

aos quais o Tribunal negou provimento.

Daí o recurso especial, buscando o profi ssional eximir-se de qualquer

responsabilidade, à alegação de inexistir prova de culpa quanto aos procedimentos

por ele realizados.

O eminente relator, Ministro Raul Araújo, votou no sentido de prover o

recurso especial e isentar o médico da condenação imposta perante a Corte local.

Baseou seu posicionamento, asseverando entender equivocado o entendimento

que fi xou natureza jurídica de obrigação de resultado à assumida pelo cirurgião

no caso concreto. Ponderou que a natureza dos procedimentos cirúrgicos,

visando à redução das mamas, bem como a superveniência de um nódulo após

a primeira intervenção impuseram ao médico uma obrigação mista, de meio e

resultado, por englobar fi ns de reparação e estéticos. Nesse contexto, cuidando-se

de responsabilidade civil subjetiva e à míngua de prova de culpa do profi ssional

na realização de ambas as cirurgias, fez pesar em desfavor da demandante o ônus

da prova, rechaçando a pretensão exordial.

Pedi vista dos autos para melhor exame do tema.

É a síntese.

Acompanho o relator.

De início, reputo prudente apenas deixar assentado meu posicionamento

pessoal quanto à natureza da primeira cirurgia plástica a que se submeteu a

demandante, pois em relação a este ponto entendo estar confi gurada obrigação

exclusivamente de resultado. De qualquer sorte, adianto que essa pequena

ressalva não levará este subscritor a julgamento diverso daquele proposto pelo

Excelentíssimo Ministro Relator.

Com efeito. No caso, a primeira cirurgia plástica (mamoplastia) a que

se submeteu a demandante, buscando a redução de suas mamas, atribuiu ao

médico cirurgião obrigação nitidamente de resultado. Não há, ao menos neste

ponto, falar em obrigação mista. Irrelevante o fato de a autora buscar com uma

operação de cunho estético livrar-se, como consequência dela, de eventuais

desconfortos psicológicos, dores nas costas ou outros problemas derivados do

grande porte de suas mamas. É que a intervenção realizada pelo médico, sobre

a qual se responsabilizou tecnicamente, estava concentrada preponderantemente

na alteração plástica pretendida pela acionante, despontando um caráter

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 487

exclusivamente estético, fi cando em segundo plano os objetivos terapêuticos

ou ortopédicos. Basta ver que ao médico não competia proceder qualquer

intervenção ortopédica, na coluna vertebral da demandante, por exemplo.

A tarefa que foi designada ao médico visava fi ns plásticos decorrentes da

redução, sendo meramente consequências desta operação a posterior atenuação

dos demais problemas narrados pela demandante.

O profissional que consente em realizar procedimento deste caráter,

plástico/estético, intervindo pela primeira vez no organismo da paciente, está

assumindo, à ótica deste signatário, indubitável obrigação de atingir a um

resultado determinado. Caso o médico cirurgião vislumbre a impossibilidade

de alcança-lo, deve prevenir o paciente ou então recusar-se à realização do

procedimento.

De todo modo, como já adiantado, este primeiro aspecto não exerce maior

infl uência para o deslinde do caso, já que o pedido inicial não ataca apenas e

propriamente eventual resultado insatisfatório do primeiro procedimento. Ao

que se depreende, o dano estético de maior repercussão causado à demandante

derivou da segunda intervenção cirúrgica, na qual, todavia, não eram almejados

apenas fi ns de ordem plástica como se dera quando da primeira. Na segunda

operação, existia fi nalidade também reparadora/terapêutica, dada a necessidade

de solucionar patologia, com a retirada de nódulo que surgiu na mama direita da

demandante somente após o primeiro ato cirúrgico.

Agregaram-se, pois, no segundo procedimento, fi nalidades estéticas e

reparatórias, o que traduz uma obrigação mista, de meio e de resultado, com

importante refl exo no que tange à defi nição da natureza da responsabilidade

civil a reger a conduta do demandado.

Com efeito, a defi nição pertinente à fi nalidade da obrigação é relevantíssima

e decisiva para a resolução do caso concreto. Em se cuidando de obrigação de

resultado, o entendimento jurisprudencial dominante, ao qual adere o subscritor,

é no sentido de reputar a responsabilidade civil do médico cirurgião ainda

como sendo subjetiva, nos termos do art. 14, § 4º, do CDC, mas com inversão do

ônus probatório. Por isso, desloca-se, em regra, o ônus probandi, incumbindo ao

profi ssional demonstrar que não laborou com imperícia, para, assim, livrar-se do

dever indenizatório, mormente quando verifi cada a hipossufi ciência técnica do

consumidor dos serviços médicos (art. 6º, VIII, do CDC).

Do contrário, antevendo-se um caráter reparatório, terapêutico na

intervenção cirúrgica, o dever contratual assumido pelo profi ssional da medicina

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consiste em obrigação de meio, cabendo-lhe proceder da melhor e mais diligente

forma possível, dentro do atual estado da técnica da medicina. Nesta segunda

hipótese, o regime da responsabilidade civil subjetiva consagrado no art. 14, §

4º, do CDC, não permite a inversão do ônus probatório, cabendo, nessa medida,

ao próprio autor fazer a prova da imperícia com que empreendeu o cirurgião.

No caso dos autos, como visto, a segunda cirurgia teve também como

fi nalidade a extração de nódulo surgido no organismo da demandante após a

realização da primeira intervenção. Poder-se-ia até cogitar em atribuir ao médico

a responsabilidade com inversão do ônus probatório, caso fi casse demonstrado

ter este nódulo surgido como resultado de eventual negligência quando da

primeira operação. Haveria, assim, nexo de causalidade entre a necessidade da

segunda intervenção, da qual resultaram os danos estéticos e o agir culposo do

demandado.

Entretanto, as provas produzidas durante o trâmite do feito não lograram

alcançar defi nição acerca do que causou a aparição do aludido nódulo, tornando-

se impossível afi rmar tenha sido uma decorrência da primeira cirurgia a que

se submeteu a demandante. Nesse quadro, somente se pode presumir que se

tratou de algo natural e espontâneo, uma patologia congênita ao organismo da

acionante.

Nesse sentido, retira-se do acórdão proferido ao julgamento da apelação

cível:

O laudo pericial acostado às fl s. 214-224, indica que a paciente possuía um

nódulo medindo aproximadamente 2,5 cm no maior diâmetro no quadrante inferior

externo da mama direita (fl . 216), dizendo o expert que ‘’Há grande propoabilidade

de o nódulo da mama direita da Sra. Ilda Rodigues de Andrade estar relacionada

à Patologia Mamária Benigna, não relacionada com o processo cirúrgico prévio.

Contudo o diagnóstico etiológico só estaria defi nitivamente esclarecido através

de estudo anatômico patológico do nódulo mamário (...)”

Ora, se houve a necessidade de extração de “patologia mamária benigna”,

por óbvio que a obrigação atribuída ao médico não pode ser de resultado, já que

inexigível, em tal contexto, atingir perfeição estética após a retirada de nódulo

de aproximadamente 2,5 cm de uma das mamas. A obrigação aqui é de meio,

cabendo ao cirurgião agir mediante aposição de toda sua diligência para a

cura da patologia e também obviamente para proporcionar o melhor resultado

estético possível à demandante, mas não como um fi m em si mesmo, e sim de

modo a contornar eventual deformidade decorrente da extração de parte do

organismo da paciente.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 489

Nesse contexto, confi gurando-se a obrigação de meio, somente se poderia

responsabilizar civilmente o profi ssional da medicina mediante prova de culpa,

na modalidade de negligência ou imperícia quanto à intervenção cirúrgica.

Entretanto, essa demonstração não ocorreu no caso dos autos. Como bem

ponderou o eminente relator, a condenação fi xada pela Corte de origem baseou-

se exclusivamente na equivocada aplicação da presunção de culpa face ao não

atingimento de perfeição na segunda operação realizada pelo demandado.

Tem-se por confi gurada, assim, violação ao art. 14, § 4º, do CDC, motivo

pelo qual acompanho o relator, votando no sentido de dar provimento ao

recurso especial.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.053.473-RS (2008/0094654-9)

Relator: Ministro Marco Buzzi

Recorrente: Marisa Maria Caumo Bof

Advogado: Frank Max Simon Hermann

Recorrido: Fabiana Lourega Guatymozin Lorenzetti e outros

Advogado: Rogério Viegas Viana

Interessado: Paola Rita Caumo Bof

Advogado: Frank Max Simon Hermann

EMENTA

Recurso especial (art. 105, III, a, da CF). Procedimento de

inventário. Primeiras declarações. Aplicação financeira mantida

por esposa do de cujus na vigência da sociedade conjugal. Depósito

de proventos de aposentadoria. Possibilidade de inclusão dentre o

patrimônio a ser partilhado. Perda do caráter alimentar. Regime de

comunhão universal. Bem que integra o patrimônio comum e se

comunica ao patrimônio do casal. Exegese dos arts. 1.668, V e 1.659,

VI, ambos do Código Civil. Recurso desprovido.

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1. Não se conhece da tese de afronta ao art. 535, I e II do

CPC formulada genericamente, sem indicação do ponto relevante

ao julgamento da causa supostamente omitido no acórdão recorrido.

Aplicação da Súmula n. 284-STF, ante a deficiência nas razões

recursais.

2. Os proventos de aposentadoria, percebidos por cônjuge casado

em regime de comunhão universal e durante a vigência da sociedade

conjugal, constituem patrimônio particular do consorte ao máximo

enquanto mantenham caráter alimentar.

Perdida essa natureza, como na hipótese de acúmulo do capital

mediante depósito das verbas em aplicação fi nanceira, o valor originado

dos proventos de um dos consortes passa a integrar o patrimônio

comum do casal, devendo ser partilhado quando da extinção da

sociedade conjugal. Interpretação sistemática dos comandos contidos

nos arts. 1.659, VI e 1.668, V, 1.565, 1.566, III e 1.568, todos do

Código Civil.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas, A Quarta Turma, por unanimidade, conhecer parcialmente

do recurso e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Senhor

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria

Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 2 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Marco Buzzi, Relator

DJe 10.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Buzzi: Cuida-se de recurso especial (art. 105, III, a,

da CF), interposto por Marisa Maria Caumo Bof contra acórdão proferido pelo

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 491

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos de agravo de instrumento

tirado de procedimento de inventário, aberto em virtude da morte de Léo

Carlos Bof.

O aresto hostilizado consubstancia-se na seguinte ementa:

Inventário. Meação. Partilha de valores provenientes da aposentadoria da ex-

esposa do de cujus e de outros bens imóveis. 1. Os valores recebidos por qualquer

dos cônjuges até a separação de fato do casal comunicam-se, sendo irrelevante a

origem, pois constituíam economia do casal, mas não se comunicam os valores

recebidos depois da separação fática, sejam eles decorrentes dos proventos de

aposentadoria da ex-esposa do falecido, sejam eles recebidos a título de juros

ou correção monetária. 2. A separação de fato do casal põe termo ao regime de

bens, motivo pelo qual o imóvel adquirido depois da ruptura não se comunica. 3.

O imóvel que foi adquirido na vigência do casamento, mas de forma parcelada,

deverá ser partilhado de forma proporcional ao valor quitado até a separação do

casal. Recurso parcialmente provido.

Opostos e rechaçados embargos declaratórios.

Irresignada, a insurgente sustenta: a) violação ao art. 535, I e II do CPC,

haja vista omissão no acórdão recorrido; b) afronta aos arts. 1.668, V e 1.659, VI,

do Código Civil, correspondentes ao art. 263, XIII, do CC/1916; assevera que

os proventos percebidos por força da aposentadoria da ex-esposa do falecido,

investidos em aplicação fi nanceira, constituem patrimônio exclusivo e não se

comunicam durante a vigência da sociedade conjugal; pede, por isso, a exclusão

de tais quantias do monte partilhável nos autos do inventário.

Apresentadas contrarrazões, o recurso especial não foi admitido, decisão

revertida face ao provimento de agravo de instrumento.

Os autos ascenderam a esta Corte Superior.

O Ministério Público manifestou-se pelo não conhecimento do recurso

especial; sucessivamente, pelo desprovimento da insurgência.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator): O recurso deve ser parcialmente

conhecido e desprovido.

1. Inicialmente, não pode ser conhecida a tese de afronta ao art. 535, I e II,

do CPC.

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No particular, as razões do recurso especial revelam-se de todo genéricas,

não indicando concretamente qual ponto relevante para solução da causa deixou

de ser efetivamente examinada pelo Tribunal de segunda instância.

A defi ciência na fundamentação da insurgência obsta a esta Corte chegar

à exata compreensão da controvérsia, o que impede o conhecimento do apelo

extremo, por incidência da Súmula n. 284-STF.

2. Tocante à alegação de negativa de vigência aos arts. 1.659, IV e 1.668,

V, ambos do CC/2002 e 263, XIII, do CC/1916, verifi ca-se que apenas os

dispositivos ao novo Códex merecem ser examinados na presente insurgência.

Consoante bem apontou o representante do Ministério Público Federal,

o acórdão recorrido não se pronunciou em relação ao dispositivo contido no

Código Beviláqua, o que afasta o necessário prequestionamento a autorizar a

admissão do recurso especial.

Colhe-se do aresto hostilizado a seguinte passagem que denota a resolução

do reclamo mediante invocação apenas dos dispositivos constantes do CC/2002.

Embora o art. 1.668, inc. V, do Código Civil, que remete ao art. 1.659, inc.

VI, do mesmo Código, disponha expressamente que “excluem-se da comunhão: os

proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”, é forçoso convir que os valores,

depois de recebidos por qualquer dos cônjuges, passam a compor a renda familiar e

se comunicam, até a separação de fato do casal, sendo absolutamente irrelevante a

origem”.

Veja-se que muito embora tenha a sociedade conjugal acabado, de fato,

no ano de 2002, ou seja, ainda sob a vigência do CC/1916, houve por bem a

Corte local em deslindar a temática à luz do CC/2002, diploma cuja entrada

em vigor deu-se em janeiro de 2003. Nos embargos declaratórios, opostos

ao acórdão recorrido, a parte insurgente até alegou omissão, mas defendendo

que os artigos sob foco não autorizariam a compreensão na senda de que os

valores depositados em aplicação financeira se comunicam ao patrimônio

comum. Naquela oportunidade, assim como quando da interposição do recurso

especial, deixou de expender qualquer irresignação voltada a eventual equívoco

na aplicação do direito intertemporal.

Nesse panorama, tem-se a ausência de prequestionamento do art. 263,

IX, do CC/1916, impedindo a análise do apelo extremo em tal quadrante. Fica

delimitado o presente julgamento, assim, ao exame de eventual violação aos

dispositivos insertos no CC/2002.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 493

Faz-se essa ponderação, pouco mais alentada sobre o assunto, na medida

em que há pequena alteração na redação do texto então constante do diploma

revogado em comparação com a norma agora em vigor.

De toda sorte, qualquer digressão nesse sentido queda obstada, como visto

acima, pela ausência de prequestionamento da temática referetne ao direito

intertemporal. Analisa-se, por isso, o recurso especial apenas ao enfoque do

Novo Diploma Civil.

3. Sobre os fatos que ensejam a controvérsia, extrai-se do acórdão recorrido:

Com efeito, cuida-se da discussão acerca da inclusão no monte-mor de dois

imóveis, na sua integralidade, e, ainda, da meação sobre os rendimentos e as

aplicações fi nanceiras dos proventos de aposentadoria da recorrente, constantes na

sua conta corrente.

Ora, os autos mostram que a recorrente e o de cujus eram casados sob o regime

da comunhão universal de bens, mas estavam separados de fato desde 18 de novembro

de 2002, sendo que a recorrente Marisa é funcionária pública estadual aposentada e

percebe os seus proventos através da conta corrente que possui junto ao Banrisul, como

comprova os contracheques juntados à fl . 77 (grifou-se).

Vale esclarecer, ainda, que o casal encontrava-se separado de fato quando

da morte do autor da herança, mas o aresto Estadual ressalvou expressamente

que a partilha dos bens, para fi ns de aferição do patrimônio particular do de

cujus, teria por base apenas o período de vida comum do casal, desprezando-se

os bens adquiridos após o rompimento de fato do vínculo conjugal.

A matéria a ser decidida no presente recurso especial, portanto, consiste

em defi nir se deve ser partilhada em inventário, por integrar o patrimônio

comum do casal, unido em regime de comunhão universal de bens, a aplicação

fi nanceira mantida por um dos ex-consortes, mediante investimento de seus

proventos de aposentadoria, formando uma reserva patrimonial durante a

vigência do matrimônio.

Acerca do assunto, esta Corte Superior, tratando de situação pouco diversa,

mas similar à dos autos, possui sólida jurisprudência na esteira de que as verbas

auferidas, mesmo após a dissolução do casamento, a título de indenização

trabalhista, devem ser ulteriormente partilhadas entre o casal. Invoca-se, em tais

precedentes, o entendimento de que a diminuição salarial experimentada por

um dos cônjuges repercute na esfera patrimonial do outro, que passa a dispor de

modo mais intenso de seus vencimentos para fazer frente às despesas correntes

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

494

do lar. Por consequência, este último deve também ser benefi ciado quando da

recomposição patrimonial obtida pelo ex-consorte.

Nesse sentido:

Regime de bens. Comunhão universal. Indenização trabalhista.

Integra a comunhão a indenização trabalhista correspondente a direitos

adquiridos durante o tempo de casamento sob o regime de comunhão universal.

Recurso conhecido mas improvido.

(EREsp n. 421.801-RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ acórdão

Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Seção, julgado em 22.9.2004, DJ 17.12.2004,

p. 410).

Recurso especial. Civil. Direito de Família. Regime de bens do casamento.

Comunhão parcial. Bens adquiridos com valores oriundos do FGTS.

Comunicabilidade. Art. 271 do Código Civil de 1916.

Interpretação restritiva dos arts. 269, IV, e 263, XIII, do CC de 1916.

Incomunicabilidade apenas do direito e não dos proventos.

Possibilidade de partilha.

1. Os valores oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço confi guram

frutos civis do trabalho, integrando, nos casamentos realizados sob o regime

da comunhão parcial sob a égide do Código Civil de 1916, patrimônio comum

e, consequentemente, devendo serem considerados na partilha quando do

divórcio. Inteligência do art. 271 do CC/1916.

2. Interpretação restritiva dos enunciados dos arts. 269, IV, e 263, XIII, do

Código Civil de 1916, entendendo-se que a incomunicabilidade abrange apenas

o direito aos frutos civis do trabalho, não se estendendo aos valores recebidos

por um dos cônjuges, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da

comunhão parcial.

3. Precedentes específi cos desta Corte.

4. Recurso especial desprovido.

(REsp n. 848.660-RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma,

julgado em 3.5.2011, DJe 13.5.2011).

Conquanto não se tenha identifi cado precedentes cuidando de hipótese

fática idêntica a ora sob enfrentamento, tem-se que a mesma linha de raciocínio

empreendida para os casos de indenização trabalhista deve estender-se ao caso

de aplicação fi nanceira mantida por apenas um dos consortes.

Estabelecida a sociedade conjugal, ambos os consortes passam

imediatamente a obedecer ao dever legal de mútua assistência (art. 1.566, III,

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 495

do CC), sendo ainda “responsáveis pelos encargos da família” (art. 1.565, caput,

do CC) e, por decorrência, “obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e

dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e educação dos fi lhos,

qualquer que seja o regime patrimonial” (art. 1.568 do CC).

Os arts. aos arts. 1.668, V, e 1.659, VI e VII excluem da comunhão universal

os “proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”, bem como “as pensões,

meio-soldos, montepios e outras rendas semelhantes”. A interpretação literal

do dispositivo conduz ao entendimento de que são incomunicáveis os valores

obtidos pelo trabalho individual de cada cônjuge, impedindo a comunhão

até mesmo dos bens adquiridos com tais vencimentos. No entanto, sempre

asseverando a manifesta contradição de tal exegese com o sistema, é corrente

na doutrina brasileira que referidas disposições atinentes à incomunicabilidade

dos vencimentos, salários e outras verbas reclamam interpretação em sintonia

e de forma sistemática com os deveres instituídos por força do regime geral do

casamento.

Nesse prisma, Maria Berenice Dias formula crítica ao legislador de 2002:

Absolutamente desarrazoado excluir da universalidade dos bens comuns

os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (CC 1.659 VI), bem como

as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes (CC 1.659

VII). Injusto que o cônjuge que trabalha por contraprestação pecuniária, mas

não converte suas rendas em patrimônio, seja privilegiado e suas reservas

consideradas crédito pessoal e incomunicável. Tal lógica compromete o equilíbrio

da divisão das obrigações familiares. O casamento gera comunhão de vidas

(CC 1.511). Os cônjuges têm o dever de mútua assistência (CC 1.566 III) e são

responsáveis pelos encargos da família (CC 1.565). Assim, se um dos consortes

adquire os bens para o lar comum, enquanto o outro apenas guarda o dinheiro

que recebe de seu trabalho, os bens adquiridos por aquele serão partilhados,

enquanto os que este entesourou resta injustamente incomunicável (Manual de

Direito das Famílias, p. 237, Editora Revista dos Tribunais: 2011).

Em idêntico rumo, Carlos Roberto Gonçalves deixa assentado:

Se se interpretar que o numerário recebido não se comunica, mas somente o

que for com ele adquirido, poderá esse entendimento acarretar um desequilíbrio

no âmbito fi nanceiro das relações conjugais, premiando injustamente o cônjuge

que preferiu conservar em espécie os proventos de seu trabalho, em detrimento

do que optou por converter suas economias em patrimônio comum. Como

assevera Silvio Rodrigues, “entendimento diverso contraria a essência do regime

da comunhão parcial e levaria ao absurdo de só se comunicarem os aquestos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

496

adquiridos com o produto de bens particulares e comuns ou por fato eventual,

além dos destinados por doação ou herança do casal”. (Direito Civil Brasileiro, vol.

5, p. 458, Editora Saraiva: 2010).

De fato, já em primeira vista torna-se imperiosa a relativização do comando

de incomunicabilidade, quando examinado em conjunto com os demais deveres

do casamento. Instituída a obrigação de mútua assistência e de mantença do

lar por ambos os cônjuges, não há como considerar imunes as verbas obtidas

pelo trabalho pessoal de cada consorte ou proventos e pensões, tampouco como

hábeis a formar uma reserva particular. Conforme dispõe a lei, esses valores

devem obrigatoriamente ser utilizados para auxílio à mantença do lar, da

sociedade conjugal.

Retira-se da doutrina de Milton Paulo de Carvalho Filho, quando,

comentando os incisos em questão, assevera:

Essa exclusão da lei deve ser entendida para o caso de separação do casal: a

remuneração de cada qual não integrará a partilha. Contudo durante a vigência

do casamento, uma vez percebido o provento, este passa a integrar o patrimônio

do casal, seja em espécie, seja por meio da aquisição de outros bens (Código Civil

Comentado, organização Cezar Peluso, p. 1898, Editora Manole: 2011).

Com efeito, a natureza jurídica dos salários, pensões e proventos reveste-se

de caráter volátil, temporário, que perdura apenas enquanto tais verbas ainda

possuem função de garantir o sustento imediato daquele que as aufere. Não à

toa, referidas verbas erigem-se ao caráter de impenhoráveis consoante se infere

do art. 649 do CPC. E assim o são por uma razão de ordem muito simples. Tem

o legislador em mira possibilitar a subsistência do respectivo titular, garantindo-

lhe fonte monetária hábil a fazer frente aos gastos alimentares, de saúde,

vestuário, lazer, educação etc., tudo o que possibilita, em realidade, proporcionar

acesso do indivíduo ao mínimo vital, sob os auspícios do princípio da dignidade

da pessoa humana.

O que justifi ca conferir aos salários, proventos e outras verbas periódicas

a impenhorabilidade, prevista no CPC, ou a incomunicabilidade, estabelecida

no CC, é justamente a necessidade de se manter a garantia alimentar ao titular

dessas quantias. A observar, contudo, que, no caso da incomunicabilidade, a

proteção dá-se de modo mais tênue, pois aqui ela há de ser compatibilizada com

os já aludidos deveres recíprocos de sustento e auxílio mútuo entre os cônjuges,

mormente em regime de comunhão universal, como no caso dos autos.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 497

Nesse sentido, quando ultrapassado o lapso de tempo correspondente ao

período em que são periodicamente percebidas as verbas, havendo sobras, esse

excesso deixa de possuir natureza alimentar. Transforma-se, de tal momento em

diante, em verdadeiro patrimônio da pessoa que os recebe, até porque, em geral,

é com essas quantias que são formadas reservas de capital, ou mesmo obtidos os

bens de consumo duráveis e não duráveis a constituir aquele mesmo patrimônio.

Tratando da impenhorabilidade das verbas dotadas de caráter salarial,

alimentar, esta Corte já teve oportunidade de assentar raciocínio idêntico ao ora

empreendido:

Processual Civil. Recurso especial. Ação revisional. Impugnação ao

cumprimento de sentença. Penhora on line. Conta corrente. Valor relativo a

restituição de imposto de renda. Vencimentos. Caratér alimentar. Perda. Princípio

da efetividade. Reexame de fatos e provas. Incidência da Súmula n. 7-STJ.

- Apenas em hipóteses em que se comprove que a origem do valor relativo a

restituição de imposto de renda se referira a receitas compreendidas no art. 649,

IV, do CPC é possível discutir sobre a possibilidade ou não de penhora dos valores

restituídos.

- A devolução ao contribuinte do imposto de renda retido, referente

a restituição de parcela do salário ou vencimento, não desmerece o caráter

alimentar dos valores a serem devolvidos.

- Em princípio, é inadmissível a penhora de valores depositados em conta

corrente destinada ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte do

devedor.

- Ao entrar na esfera de disponibilidade do recorrente sem que tenha sido

consumido integralmente para o suprimento de necessidades básicas, a verba

relativa ao recebimento de salário, vencimentos ou aposentadoria perde seu

caráter alimentar, tornando-se penhorável.

- Em observância ao princípio da efetividade, não se mostra razoável, em

situações em que não haja comprometimento da manutenção digna do

executado, que o credor não possa obter a satisfação de seu crédito, sob o

argumento de que os rendimentos previstos no art. 649, IV, do CPC gozariam de

impenhorabilidade absoluta.

- É inadmissível o reexame de fatos e provas em recurso especial.

Recurso especial não provido.

(REsp n. 1.059.781-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em

1º.10.2009, DJe 14.10.2009).

Ainda:

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498

Civil e Processual Civil. Dívida de sociedade limitada. Execução frustrada.

Redirecionamento aos bens de sócio. Possibilidade.

Dissolução irregular da sociedade.

1. Em caráter excepcional, o sócio de sociedade por cotas de responsabilidade

limitada responde com seus bens particulares por dívida da sociedade, quando

esta foi dissolvida de modo irregular.

Precedentes.

2. Além do mais, a alegação de que inexistiu excesso de mandato por parte

do ora recorrente, que fi rmou, conjuntamente, o instrumento de encerramento

do contrato social, fi cando estabelecido que eventual responsabilidade deveria

recair unicamente sobre o sócio majoritário, implica o reexame do conjunto

fático-probatório.

Incidência da Súmula n. 7-STJ.

3. Em princípio, é inadmissível a penhora de valores depositados em conta

corrente destinada ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte do

devedor. No caso ora em análise, contudo, não restou comprovado o caráter

alimentar dos valores depositados em conta poupança, implicando o acolhimento

dos argumentos do recorrente em incursão do conjunto fático-probatório.

Incidência, mais uma vez, da Súmula n. 7-STJ.

4. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, desprovido.

(REsp n. 586.222-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado

em 23.11.2010, DJe 30.11.2010).

Essa ordem de raciocínio, formulada no tocante à penhorabilidade das

verbas salariais alimentares deve ser estendida aos casos de comunicabilidade

patrimonial no regime de casamento. Na sociedade brasileira, a maioria absoluta

dos casais constroem patrimônio como fruto de seu exclusivo trabalho. Raras

são as famílias que herdam vultoso patrimônio mobiliário e imobiliário,

sufi ciente a permitir o sustento por meio das rendas daí resultantes. Há casais

em que apenas um dos cônjuges se dedica ao trabalho remunerado, enquanto o

outro cuida dos afazeres domésticos. Assim, a melhor interpretação referente

à incomunicabilidade dos salários, proventos e outras verbas similares, é

justamente aquela que fi xa a separação patrimonial apenas durante o período

em que ela ainda mantém natureza alimentar, nunca desprezada a necessária

compatibilização dessa restrição com os deveres de mútua assistência, sendo

irrelevante sua origem a partir de então. Do contrário, apenas o consorte que

possui trabalho remunerado seria titular da íntegra do patrimônio construído

durante a sociedade conjugal, entendimento este em subversão a todo o sistema

normativo relativo ao regime patrimonial do casamento.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 499

Desponta daí a ratio essendi da incomunicabilidade derivada dos arts.

1.668, V, e 1.659, VI e VII, ou seja, atribuir a separação dos vencimentos

enquanto verba sufi ciente a possibilitar a subsistência do indivíduo, mas sempre

observados os deveres de mútua assistência e mantença do lar conjugal.

Nesse panorama, andou bem o acórdão recorrido, pois procedeu a

interpretação melhor ajustada ao espírito das normas que regem o casamento,

na senda de considerar os proventos de aposentadoria como bem particular,

excluído da comunhão, apenas enquanto as respectivas cifras mantenham

um caráter alimentar em relação àquele consorte que as aufere. Suplantada

a necessidade de proporcionar a subsistência imediata do titular, as verbas

excedentes integram e se comunicam o patrimônio comum do casal, devendo

ser observada a meação do outro consorte, mostrando-se correta, portanto, sua

inclusão dentre os bens a serem partilhados no inventário aberto em função da

morte de um dos cônjuges.

Do exposto, o voto é no sentido de conhecer em parte e negar provimento

ao recurso especial.

RECURSO ESPECIAL N. 1.079.344-RJ (2008/0172003-1)

Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti

Recorrente: Indústrias Muller de Bebidas Ltda.

Advogados: Lanir Orlando e outro(s)

Lia Mara Orlando e outro(s)

Recorrido: Miller Brewing Company

Advogados: José Antônio Barbosa Lima Faria Corrêa e outro(s)

Leonardo Valente Gomes Bezerra e outro(s)

Interessado: Instituto Nacional de Propriedade Industrial INPI

EMENTA

Propriedade industrial. Colidência de marcas. Possibilidade de

confusão afastada. Princípio da especialidade. Marca notória. Art. 126

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500

da Lei n. 9.279/1996. Admitida a convivência das marcas em litígio.

Precedentes.

1. O dissídio jurisprudencial a ser dirimido pelo Superior

Tribunal de Justiça é aquele em que, mediante o cotejo analítico

entre os acórdãos confrontados, fi ca evidenciada a similitude da base

fática dos casos e a divergência de resultados diante da aplicação da

legislação federal regente, o que não se verifi cou na hipótese dos autos.

2. Segundo o princípio da especialidade das marcas, não há

colidência entre os signos semelhantes ou até mesmo idênticos, se os

produtos que distinguem são diferentes.

3. Reconhecida a notoriedade da marca Miller pelo Tribunal de

origem, incide o art. 126 da Lei n. 9.279/1996, que confere proteção

especial à marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade.

4. Afastada a possibilidade de erro ou confusão do público entre

as marcas Miller, da recorrida, e Mülller Franco e Miler, da recorrente,

ante a ausência de semelhança dos produtos que representam, possível

a convivência dos signos em exame. Precedentes.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos

termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos

Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra.

Ministra Relatora.

Brasília (DF), 21 de junho de 2012 (data do julgamento).

Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora

DJe 29.6.2012

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Miller Brewing Company ajuizou

ação anulatória de ato administrativo contra o Instituto Nacional da Propriedade

Industrial - INPI e Indústrias Muller de Bebidas Ltda, objetivando o registro

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 501

para as marcas de cerveja “Miller” e “America’s Quality Beer Miller High Life”,

denegado pelo primeiro réu.

O MM Juiz Federal da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro julgou

improcedente o pedido de invalidação das decisões administrativas, ao

fundamento de que há colidência entre as marcas “Miller”, da autora, e “Muller

Franco” e “Miler”, da segunda ré. Foi assinalado que tanto o produto explorado

pela autora (cerveja), quanto o produto da ré (aguardente), pertencem ao mesmo

segmento mercadológico, qual seja, o de bebidas alcóolicas, de forma que o

registro pretendido pode provocar erro, dúvida ou confusão por parte do público

consumidor. Foi observado, ainda, que o acordo de convivência entre as marcas,

entabulado entre a autora e a segunda ré, é inefi caz perante o INPI.

Inconformada, a autora interpôs apelação cível alegando diversidade de

consumidores e impossibilidade de confusão das marcas Miller, e Muller Franco.

Ressaltou que a marca Miller é notoriamente conhecida como pertencente à

segunda maior empresa cervejeira dos Estados Unidos e identifi ca a cerveja

fabricada há mais de 100 anos pela apelante, encontrando-se, assim, amparada

pelo contido no art. 6-bis da Convenção da União de Paris. Defende a

coexistência das marcas no mercado e a inexistência de confl itos entre os sinais

em tela.

A Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª

Região, por maioria, deu provimento à apelação, em acórdão espelhado na

seguinte ementa (e-STJ fl . 958):

Direito da Propriedade Industrial. Marcas. Marca notoriamente conhecida.

Teoria da diluição ou degeneração.

1. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade goza de

proteção especial, independentemente de classe, na forma do art. 6º, bis, da

Convenção Unionista de Paris.

2. Inexiste óbice à convivência entre a marca “Miller” e as marcas da recorrida

(“Muller Franco” e “Miler”), conquanto sejam da mesma classe, pois comercializam

produtos diversos.

3. O princípio da especialidade não se confunde com as divisões de classe

operadas pelas convenções de Genebra e Nice, que não servem de critério último

para a determinação das esferas de colidência de marcas, em um mesmo mercado

relevante.

4. Apelo parcialmente provido, para que os procedimentos administrativos com

vistas ao registro da marca “Miller” retomem o seu curso normal, reconhecendo-

se, contudo, a possibilidade de convivência entre a marca “Miller” e as marcas

“Muller Franco” e “Miler”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

502

Indústrias Müller de Bebidas Ltda. opôs embargos infringentes buscando

a prevalência do voto vencido que mantinha a sentença de improcedência do

pedido de registro das marcas Miller e America’s Quality Beer Miller High

Life.

Por unanimidade, a Primeira Seção Especializada do TRF da 2ª Região

negou provimento ao recurso, em acórdão assim ementado (e-STJ fl s. 1.103-

1.104):

Embargos infringentes. Colidência entre marcas. Inteligência do artigo 6º bis

da Convenção de Paris em face de marca estrangeira já registrada no Brasil e

posteriormente caduca. Recurso improvido.

I - É de se notar, no cadastro do INPI, que a marca – “Miller” – de titularidade

autoral, foi regularmente registrada em 25.2.1979 e, posteriormente, extinta por

caducidade, em 12.9.1989, conforme atestam a sentença de fl s. 451-456, do Juízo

da 11ª Vara Federal-RJ, e o acórdão de fl s. 457, do Tribunal Federal de Recursos.

II - Por outro lado, o dito fato propiciou o registro legítimo e regular da marca

denominada “Muller Franco”, de titularidade da Embargante, destinada ao mesmo

ramo de negócios - bebidas alcoólicas – até então negado, em razão do registro

da marca Miller que se encontrava em vigor.

III - De sorte, que o alto conhecimento da marca “Miller” é situação que não

encontra mais proteção no Estado Brasileiro à luz do art 6º da Convenção de Paris,

por se tratar de marca que já foi objeto de registro no Brasil, e, concretamente

extinta, por decisão transitada em julgado, fazendo com que a notoriedade em

questão não mais reúna condições de prevalência para peitar registros regular e

posteriormente inscritos no INPI.

IV - Tais considerações, contudo, não obstam o registro das marcas da empresa

Embargada à luz dos preceitos da Lei n. 9.279/1996, uma vez que suas normas

repudiam apenas contrafação suscetível de causar confusão ou associação com

marca alheia; não sendo essa a hipótese dos autos, em razão, justamente, do

grande conhecimento que a marca “Miller” desfruta junto ao público consumidor,

perfeitamente capaz de distinguir a origem e os produtos de ambas as empresas.

V - Recurso improvido.

Inconformada, a 2ª ré, Indústrias Müller de Bebidas Ltda, interpôs

recurso especial amparado no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição

Federal, apontando divergência jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o

entendimento adotado por esta Corte no REsp n. 698.855 e pelo TJSP, além de

violação aos seguintes dispositivos:

a) art. 129 da Lei n. 9.279/1996 - ao argumento de que a recorrente detém

titularidade do “registro das marcas Müller Franco e Miler para designar ‘bebidas

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 503

alcoólicas’”, sendo-lhe assegurada “a proteção dos direitos de uso exclusivo da

marca no território nacional, dentro de sua atividade”. Com isso, sendo a cerveja

e a aguardente espécies de bebidas alcoólicas, não haveria de se permitir que

empresas do mesmo ramo utilizassem “a mesma marca em ambos os produtos,

induzindo, com relativa facilidade, o consumidor a erro, dúvida e engano”;

b) art. 124, inciso XIX, da Lei n. 9.279/1996 - sob a alegação de que,

ao vedar o uso exclusivo das marcas de titularidade da recorrente, a Corte

de origem autorizou o “registro de marca idêntica para mesmos produtos e

permitiu a coexistência de signos que, efetivamente, se confundem”, benefi ciando

“concorrente do mesmo segmento de mercado, haja vista que ambas atuam na

produção de bebida alcoólicas”.

Foram apresentadas contra-razões ao recurso especial (e-STJ fl s. 1.163-

1.182).

Juízo prévio positivo de admissibilidade às fl s. e-STJ 1.185-1.186.

Às fl s. 1.205-1.208 e-STJ, o então Ministro Honildo Amaral de Mello

Castro, Desembargador convocado do TJ-AP, negou provimento ao recurso

especial.

Em razão dos fundamentos esposados nas razões do agravo regimental

interposto por Indústrias Müller de Bebidas Ltda., esta relatora reconsiderou a

decisão de fl s. 1.205-1.208 e-STJ e determinou a inclusão do recurso especial

em pauta para melhor exame da questão pelo colegiado.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Como visto do relatório,

trata-se de recurso especial em que a recorrente, Indústrias Müller de Bebidas

Ltda., sustenta impossibilidade da coexistência entre as suas marcas “Muller

Franco” e “Miler” e a marca da recorrida, “Miller”, e pretende a exclusividade de

utilização dos signos registrados pelo INPI.

Inicialmente anoto que o recurso não merece prosperar pela alínea c do

dispositivo constitucional.

Com efeito, a demonstração do dissídio jurisprudencial não obedeceu ao

disposto nos arts. 541 do Código de Processo Civil e 255 do RISTJ, uma vez que

a parte recorrente deixou de evidenciar a semelhança entre os fatos considerados

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

504

pelo acórdão recorrido e o panorama de fato do paradigma invocado, limitando-

se a afi rmar a existência de divergência na interpretação do direito. Ausente,

pois, a demonstração de que os casos confrontados tenham se assentado em

bases de fato similares e adotado conclusões opostas sobre idêntica questão

jurídica, requisito fundamental para conhecimento do recurso fundado na alínea

c do permissivo constitucional.

Passo a apreciar a alegação de afronta à legislação federal.

Apontou a recorrente ofensa às normas dos arts. 124, inciso XIX, e 129 da

Lei n. 9.279/1996, que guardam a seguinte redação:

Art. 124. Não são registráveis como marca:

(...)

XIX - reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo,

de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço

idêntico, semelhante ou afi m, suscetível de causar confusão ou associação com

marca alheia;

(...)

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente

expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso

exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e

de certifi cação o disposto nos arts. 147 e 148.

A análise da questão passa, pois, pela verificação da possibilidade de

confusão entre os signos da recorrente e da recorrida e do direito de exclusividade

de utilização das marcas pela recorrente.

Como se sabe, a marca é bem da propriedade industrial que tem como

fi nalidade principal distinguir o produto ou serviço dos seus “concorrentes” no

mercado, ou seja, é sinal destinado a individualizar produtos ou serviços e a

permitir sua diferenciação de outros do mesmo gênero.

Surgiu o direito marcário da necessidade de evitar a concorrência desleal.

Conforme acentua LUCAS ROCHA FURTADO, “a proteção que a lei

confere às marcas tem sua extensão delimitada pela aplicação de dois princípios:

o da territorialidade e o da especialidade do registro. O poder de identifi cação

e atração de determinadas marcas, porém, ditas notórias, impôs a necessidade

do alargamento de sua proteção, além dos limites fi xados por estas regras

tradicionais. Tal matéria foi tratada pelo art. 6º bis da Convenção de Paris,

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 505

que denominou de notoriamente conhecida a marca cuja proteção independe

de qualquer registro. Criou-se, portanto, importante exceção ao princípio da

territorialidade” (“Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasileiro”, 1ª

edição, 1996, p. 106).

As marcas protegem seu titular, como obstáculo à concorrência desleal, e

atendem ao importante escopo de evitar a confusão entre o público consumidor.

No caso em exame, a marca “Miller” é notoriamente conhecida no ramo

das cervejas, como acentuado pelo acórdão tomado do julgamento dos embargos

infringentes (e-STJ fls. 1.086-1.104) e também do acórdão proferido no

julgamento da apelação, do qual transcrevo (e-STJ fl . 936):

Com efeito, a marca de cervejas Miller é mundialmente conhecia em seu ramo

de atividades, sendo certo que suas atividades se iniciaram ainda no século XIX.

É para situações como essa que foi incluída a aludida proteção na Convenção

Unionista de Paris, sem sombra de dúvidas relevante marco na proteção da

propriedade intelectual. Portanto, não interessa determinar anterioridade de

registro ou caducidade, poque a marca é notoriamente conhecia. Atualmente,

vale frisar, já comercializa seu produto em território nacional.

Não se olvida que na ratio atual da propriedade intelectual, há componente

relevantíssimo, qual seja, a proteção do consumidor. Ora, a venda de cerveja

Miller que não seja “a” Miller, mundialmente conhecida e agregadora de valor ao

produto, levará outrossim o consumidor à confusão.

A circunstância de ter tido o seu registro em território nacional, deferido

em 1979, cancelado por caducidade, não coloca a recorrida em posição pior do

que se nunca o tivesse obtido.

Neste ponto, importante lembrar que o art. 126 da Lei da Propriedade

Industrial estabelece que “a marca notoriamente conhecida em seu

ramo de atividade nos termos do art. 6º, bis (I), da Convenção da União

de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial,

independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil”.

Com efeito, diversamente do tratamento legal da marca de alto renome,

que a protege em todos os segmentos do mercado, mas tem como pressuposto

o registro em território nacional (Lei n. 9.279/1996, arts. 125 e 126), “a

necessidade de proteção da marca notoriamente conhecida surge, ao contrário,

exatamente porque ela não está registrada no país. No entanto, ainda que não

esteja registrada no Brasil, será protegida exatamente em face de sua internacional

notoriedade no seu ramo de atividade. Surge, neste ponto, outra distinção entre a

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

506

marca de alto renome e a marca notoriamente conhecida. Enquanto a primeira

protege todos os seguimentos do mercado, a última protege apenas o segmento do

mercado em que se tornou notoriamente conhecida” (FURTADO, Lucas Rocha, ob

citada, p. 132, grifo não constante do original).

O legislador conferiu, pois, tutela especial à marca notoriamente conhecida,

diga-se, dentro do seu ramo de atividade.

No caso em exame, mesmo reconhecida a notoriedade, no ramo de cerveja,

da marca “Miller” da recorrida, há registro deferido em território nacional, da

marca Müller Franco”, em favor da recorrente, fabricante de aguardente.

Anoto que não está em questão, no presente recurso, a frustrada tentativa

da recorrida de invalidar o registro obtido pela recorrente após a extinção por

caducidade de seu registro, mas apenas a pretensão da cervejaria internacional

de obter o registro, no país, das marcas de cerveja “Miller” e “America’s Quality

Beer Miller High Life”, indeferido pelo INPI em face do registro em vigor das

marcas “Müller Franco” e “Miler”, que individualizam a aguardente fabricada

pela recorrente.

Assim, cumpre verifi car se ambas as marcas integram o mesmo segmento

do mercado, único âmbito de proteção às marcas notoriamente conhecidas, o

que conduz ao exame do chamado princípio da especialidade ou especifi cidade,

o qual impede o titular de uma marca de reagir contra a utilização do seu sinal

em produtos ou serviços diferentes daqueles para os quais foi registrada. Ou seja,

o âmbito da proteção concedida à marca registrada é delimitado pelo princípio

da especialidade e pela noção de afi nidade verifi cada entre produtos ou serviços.

DOUGLAS GABRIEL DOMINGUES, em seu Comentários à Lei da

Propriedade Industrial, Editora Forense, 1ª edição, fl . 439, bem esclarece:

O princípio da especialidade tem maior aplicação nos casos em que a marca

é idêntica ou semelhante a outra já usada para distinguir produtos diferentes

ou empregada em outro ramo de comércio ou de indústria, pois em referida

hipótese a regra relativa à novidade é abrandada. A marca deve ser nova, diferente

das já existentes; mas tratando-se de produtos ou indústrias, não importa que

ela seja idêntica ou semelhante a outra em uso. Todavia, como assinala Gama

Cerqueira, o princípio da especialidade da marca não é absoluto, nem neste

assunto podem fi rmar-se regras absolutas, pois se trata sempre de questões de

fato, cujas circunstâncias não podem ser desatendidas quando se tem que decidir

sobre a novidade das marcas e a possibilidade de confusão.

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 507

Distintos os produtos e diferentes as clientelas, não há competição do

mercado, nem direito do estabelecimento empresarial recorrente em manter a

exclusividade do signo.

A propósito:

Propriedade industrial e Processual Civil. Colisão de marcas. Possibilidade

de confusão afastada pelo Tribunal a quo. Convivência de marcas admitida nas

instâncias ordinárias. Matéria fática. Reexame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ.

I. Com base nos elementos fático-probatórios dos autos o Tribunal local

concluiu que “as marcas apresentam-se distintas e inconfundíveis”, de sorte

que a revisão dessa conclusão atrai a incidência da Súmula n. 7 desta Corte.

Precedentes.

II. “Segundo o princípio da especialidade ou da especifi cidade, a proteção ao

signo, objeto de registro no INPI, estende-se somente a produtos ou serviços

idênticos, semelhantes ou afi ns, desde que haja possibilidade de causar confusão

a terceiros” (REsp n. 333.105-RJ, Rel. Ministro Barros Monteiro).

III. Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 900.568-PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,

julgado em 21.10.2010, DJe 3.11.2010).

Direito Comercial. Propriedade industrial. Nulidade do registro da marca

nominativa “Paul Shark”. Colidencia com o nome comercial (“Shark Boutique

Ltda.”) e com marca mista (expressão “Shark” associada ao desenho estilizado de

um tubarão) anteriormente registrados. Principio da especifi cidade. Ausencia de

possibilidade de erro, duvida ou confusão (art. 67, 17, da Lei n. 5.772/1971).

Orientaçoes da Corte. Recurso não acolhido.

I (...)

II

III - Possível e a coexistência de duas marcas no universo mercantil, mesmo

que a mais recente contenha reprodução parcial da mais antiga e que ambas se

destinem a utilização em um mesmo ramo de atividade (no caso, classe 25.10

do Ato Normativo n. 0051/81/INPI - industria e comercio de “roupas e acessórios

do vestuário de uso comum”), se inexistente a possibilidade de erro, duvida ou

confusão a que alude o art. 67, n. 17, da Lei n. 5.772/1971.

(REsp n. 37.646-RJ, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma,

julgado em 10.5.1994, DJ 13.6.1994, p. 15.111).

Assim, não prospera a assertiva de que as marcas litigantes não podem

conviver porque os pedidos de registro foram feitos na mesma classe 35, prevista

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508

no Ato Normativo INPI n. 51, de 27.1.1981. Isso porque a proteção decorrente

do registro de um signo abrange apenas os produtos ou serviços similares ou

afi ns. Produtos ou serviços diferentes podem apresentar marcas semelhantes,

desde que não sejam passíveis de confusão.

A classe 35 compreende bebidas alcoólicas e não alcoólicas, xaropes, sucos,

gelos e substâncias para fazer bebidas e para gelar, ou seja, abrange tal variedade

e diversidade de produtos que o fato de estarem sob mesma classifi cação não

sugere, por si só, a possibilidade de confusão para o público.

Também não vislumbro impedimento de uso da marca pela recorrida, até

porque não me parece que o signo “Miller”, notoriamente conhecido, possa se

aproveitar das marcas da empresa recorrente, desprestigiando o seu sinal. Ao

contrário, creio que a marca da recorrida pode até favorecer a recorrente com sua

boa imagem no mercado.

Questão semelhante à debatida nos presente autos foi apreciada pela 3ª

Turma desta Corte, que concluiu pela possibilidade de convivência entre marca

notoriamente conhecia e outra já registrada no Brasil. Confi ra-se:

Recurso especial. Propriedade industrial. Direito Marcário. Art. 131, do

Código de Processo Civil. Inexistência de violação. Fundamentação sufi ciente.

Art. 460, do CPC. Princípio da adstrição do julgador. Observância, na espécie.

Marca notoriamente conhecida. Exceção ao princípio da territorialidade. Proteção

especial independente de registro no Brasil no seu ramo de atividade. Marca

de alto renome. Exceção ao princípio da especifi cidade. Proteção especial em

todos os ramos de atividade desde que tenha registro no Brasil e seja declarada

pelo INPI. Notoriedade da marca “skechers”. Entendimento obtido pelo exame de

provas. Incidência da Súmula n. 7-STJ. Marcas “sketch” e “skechers”. Possibilidade

de convivência. Atuação em ramos comerciais distintos, ainda que da mesma

classe. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.

I - O v. acórdão regional explicitou de forma clara e fundamentada suas razões

de decidir. Assim, a prestação jurisdicional, ainda que contrária à expectativa da

parte, foi completa, restando inatacada, portanto, a liberalidade do artigo 93,

inciso IX, da Constituição Federal, bem como do art. 131 do Código de Processo

Civil.

II - Na hipótese, a decisão do Tribunal Regional observa estritamente os limites

do pedido, ou seja, a legalidade da concessão do registro da marca “Skechers”

em favor da ora recorrida, afastando-se, por conseguinte, eventual alegação de

violação ao art. 460 do Código de Processo Civil.

III - O conceito de marca notoriamente conhecida não se confunde com marca

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de alto renome. A primeira - notoriamente conhecida - é exceção ao princípio da

territorialidade e goza de proteção especial independente de registro no Brasil

em seu respectivo ramo de atividade. A segunda - marca de alto renome - cuida

de exceção ao princípio da especifi cidade e tem proteção especial em todos os

ramos de atividade, desde que previamente registrada no Brasil e declarada pelo

INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial.

IV - A discussão acerca da notoriedade ou não da marca “Skechers” deve ser

observada tendo em conta a fi xação dada pelo Tribunal de origem, com base no

exame acurado dos elementos fáticos probatórios.

Assim, qualquer conclusão que contrarie tal entendimento, posta como está

a questão, demandaria o reexame de provas, atraindo, por consequência, a

incidência do Enunciado n. 7-STJ.

V - Nos termos do artigo 124, inciso XIX, da Lei n. 9.279/1996, observa-se que seu

objetivo é o de exclusivamente impedir a prática de atos de concorrência desleal,

mediante captação indevida de clientela, ou que provoquem confusão perante os

próprios consumidores por meio da reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de

marca alheia, para distinguir ou certifi car produto ou serviço idêntico, semelhante ou

afi m.

VI - No caso dos autos, não se observa, de plano, a possibilidade de confusão dos

consumidores pelo que viável a convivência das duas marcas registradas “Sketch”,

de propriedade da ora recorrente e, “Skechers”, da titularidade da ora recorrida,

empresa norte-americana.

VII - Enquanto a ora recorrente, Lima Roupas e Acessórios Ltda., titular da

marca “Sketch”, comercializa produtos de vestuário e acessórios, inclusive calçados,

a ora recorrida, Skechers USA Inc II”, atua, especifi camente, na comercialização de

roupas e acessórios de uso comum, para a prática de esportes, de uso profi ssional.

De maneira que, é possível observar que, embora os consumidores possam encontrar

em um ou em outro, pontos de interesse comum, não há porque não se reconhecer a

possibilidade de convivência pacífi ca entre ambos.

VIII - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.

(REsp n. 1.114.745-RJ, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em

2.9.2010, DJe 21.9.2010, grifei).

Em última análise, não havendo possibilidade de erro ou confusão do

consumidor, não há o que proteger.

Inexistindo, pois, óbice à convivência entre as marcas “Miller”, da recorrida,

e “Muller Franco” e “Miller”, da recorrente, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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510

RECURSO ESPECIAL N. 1.175.763-RS (2010/0005677-0)

Relator: Ministro Marco Buzzi

Recorrente: Lauro José Kessler

Advogado: Augustinho Gervásio Göttems Telöken e outro(s)

Recorrido: Brasil Telecom S/A

Advogado: Jorge Rojas Carro e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Ação de adimplemento contratual. Fase de

impugnação a cumprimento de sentença. Acórdão local determinando

a exclusão da multa prevista no art. 475-J do CPC.

Insurgência do exequente.

1. Não conhecimento do recurso especial no tocante à sua

interposição pela alínea c do art. 105, III, da CF. Cotejo analítico

não realizado, sendo insufi ciente para satisfazer a exigência mera

transcrição de ementas dos acórdãos apontados como paradigmas.

2. Violação ao art. 535 do CPC não confi gurada. Corte de

origem que enfrentou todos os aspectos essenciais ao julgamento da

lide, sobrevindo, contudo, conclusão diversa à almejada pela parte.

3. Afronta ao art. 475-J do CPC evidenciada.

A atitude do devedor, que promove o mero depósito judicial

do quantum exequendo, com fi nalidade de permitir a oposição de

impugnação ao cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento

voluntário da obrigação, autorizando o cômputo da sanção de 10%

sobre o saldo devedor.

A satisfação da obrigação creditícia somente ocorre quando

o valor a ela correspondente ingressa no campo de disponibilidade

do exequente; permanecendo o valor em conta judicial, ou mesmo

indisponível ao credor, por opção do devedor, por evidente, mantém-

se o inadimplemento da prestação de pagar quantia certa.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão,

provido em parte.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e,

nesta parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Senhor Ministro

Relator, com ressalva de fundamentação do Sr. Ministro Raul Araújo. Os Srs.

Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio

Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 21 de junho de 2012 (data do julgamento).

Ministro Marco Buzzi, Relator

DJe 5.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Buzzi: Trata-se de recurso especial interposto pela

Lauro Jose Kessler, com amparo nas alíneas a e c do permissivo constitucional, no

intuito de ver reformado o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado

do Rio Grande do Sul, assim ementado (fl s. 339-344):

Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Impugnação. Correção

monetária.

Imperativo o refazimento dos cálculos porquanto a decisão em cumprimento

determina que o valor pago seja corrigido monetariamente desde as datas de

pagamento até a data da conversão da ação - 30.6.1991. A data de 30.12.1990

equivocadamente utilizada pelo perito e homologada pelo juízo a quo diz tão

somente com a apuração do valor patrimonial da ação.

Multa do art. 475-J, do CPC.

Tendo a parte efetuado o depósito no prazo de 15, contados da intimação ao

pagamento da quantia devida, mesmo que à título de garantia do juízo, tenho que

tal comportamento elide a incidência da multa prevista no art. 475-J, do CPC.

Honorários advocatícios.

Os honorários advocatícios se prestam a bem remunerar o trabalho

desenvolvido pelo procurador da parte. In casu, atento às diretrizes do art. 20, §§

3º e 4º, do Estatuto Processual vigente e, diante da correção do critério utilizado

pelo nobre magistrado a quo, mantenho a verba honorária conforme fi xado na

decisão combatida.

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512

Deram parcial provimento ao agravo de instrumento. Unânime. (sem grifo no

original).

O ora recorrente deflagrou embargos de declaração (fls. 350-351),

desacolhidos, nos termos do acórdão de fl s. 353-358.

Nas razões do especial, a recorrente sustenta que o acórdão Estadual

incorreu em violação ao art. 535 do CPC, ante a omissão não sanada em sede

de aclaratórios, e ao art. 475-J, do CPC, haja vista que a devedora limitou-se a

proceder ao depósito da quantia executada em juízo, conduta esta que, segundo

alega, não equivaleria ao pagamento exigido pelo dispositivo legal e, por tal

fato, ensejaria a incidência da multa de 10%. Ainda, defendeu a existência de

divergência jurisprudencial.

Contrarrazões (fl s. 376-385).

Admitido o presente recurso por força da decisão de fl s. 387-390, os autos

ascenderam a esta Corte Superior.

É o relatório. Decido.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator): O recurso merece ser conhecido

e parcialmente provido, porquanto o mero depósito para garantia do juízo não

obsta a incidência da multa prevista no art. 475-J, do CPC.

1. Inicialmente, consigne-se que não encontra amparo o inconformismo

no pertinente à alegação de ofensa ao artigo 535 do CPC, haja vista que foram

enfrentadas todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia,

sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela recorrente.

2. Não merece acolhida a insurgência no tocante ao dissenso jurisprudencial.

Com efeito, para a análise da admissibilidade do recurso especial pela

alínea c do permissivo constitucional, torna-se imprescindível a indicação das

circunstâncias que identifi quem ou assemelhem os casos confrontados, mediante

o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fi m

de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255

do RISTJ). Nesse sentido, confi ra-se o AgRg no Ag n. 1.053.014-RN, Rel.

Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 7.8.2008, DJe 15.9.2008.

A não-realização do necessário cotejo analítico, bem como a não

apresentação adequada do dissídio jurisprudencial, não obstante a transcrição

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 513

de ementas, impedem a demonstração das circunstâncias identifi cadoras da

divergência entre o caso confrontado e o aresto paradigma, como é a hipótese

dos autos.

Do exposto, não conheço do especial nesse particular.

3. No tocante à alegada violação ao art. 475-J, do CPC, que disciplina a

incidência da multa de 10% sobre o quantum exigido na fase de cumprimento

de sentença, a irresignação merece provimento.

O cerne da discussão reside em defi nir a incidência, ou não, da multa

punitiva para os casos em que o devedor comparece nos autos e deposita, a título

de garantia do juízo, o quantum exigido pelo credor.

O recorrente defende violação, pelo aresto Estadual, ao art. 475-J,

porquanto isentou a recorrida do pagamento da multa de 10%, ante o depósito

judicial efetivado, o qual, segundo alega, não consiste no efetivo pagamento

do débito, não possuindo, portanto, o condão de afastar a incidência da sanção

processual.

Com efeito, o termo pagamento, constante do art. 475-J, do CPC, deve ser

interpretado de forma restritiva, considerando-se somente naquelas situações

em que o devedor deposita a quantia devida em juízo, sem condicionar o

levantamento à discussão do débito em sede de impugnação, permitindo o

imediato levantamento por parte do credor.

Tal interpretação está em consonância com o espírito da nova sistemática

processual civil, protagonizado, especialmente, pela Lei n. 10.232/2005, que

introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o sincretismo processual,

proporcionando, em consonância com a sistemática constitucional (art. 5º,

LXXVIII), e a celeridade na entrega da prestação jurisdicional.

Ademais, um dos instrumentos criados pelo legislador, com o objetivo de

conferir maior efetividade ao processo foi, justamente, a multa prevista no art.

475-J, que possui caráter coercitivo, a fi m de ensejar o pagamento imediato

naquelas hipóteses em que inexista divergência de valores, evitando assim a

defl agração de defesas meramente protelatórias por parte do devedor.

Deste modo, nos casos em que o devedor deixar de agir nesses moldes

- de sorte a promover a disposição imediata das quantias para levantamento

pelo credor - persistirá o inadimplemento, ainda que com juízo garantido,

justifi cando a incidência da multa do art. 475-J do CPC, pois descumprido, de

qualquer sorte, o prazo de 15 dias para pagamento voluntário.

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514

Essa linha de interpretação revela-se imprescindível para preservação do

intuito do legislador, amoldando-se, conforme já dito, às novas características do

processo de execução, além de compelir o devedor a agir de boa-fé.

Sobre o tema, retira-se do ensinamento de Athos Gusmão Carneiro:

Visa a multa, evidentemente, compelir o sucumbente ao pronto adimplemento

de suas obrigações no plano do direito material, desestimulando as usuais

demoras “para ganhar tempo”. Assim sendo, o tardio cumprimento da sentença,

isto é, o pagamento após esgotados os quinze dias, ou posterior oferecimento de

cauções ou garantias, não livram o devedor da multa já incidente.

A circunstância de o executado efetuar um “depósito” em juízo, com o propósito

de “garantir” o pagamento (ou seja, para que nele incida a penhora) não afasta

a incidência da multa; mas a multa não incidirá se o depósito for feito “em

pagamento” (ou seja, como cumprimento voluntário da obrigação), hipótese em

que o exequente poderá requerer o levantamento da quantia, sem prejuízo de

prosseguir na execução pelo saldo, se não houver sido coberta a totalidade do

crédito exequendo. (Cumprimento da sentença civil e procedimentos executivos,

Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 51-52, sem grifo no original).

Leciona Cássio Scarpinella Bueno:

Alguém poderá perguntar: não seria o caso de admitir que o devedor pudesse

nomear, desde logo, bens à penhora? Esta sua atitude não signifi caria aceleração

nos atos executivos a serem praticados? Isto, se feito no prazo de quinze dias

do caput do art. 475-J, não deveria ser entendido como uma forma de isentar

o devedor da multa lá cominada? É supor, para ilustrar a hipótese, que o devedor

deposite em juízo, dentro daquele prazo, o numerário perseguido pelo credor. Não

para fi ns de pagamento (entrega do dinheiro) mas, diferentemente, para, garantido

o juízo, apresentar a impugnação a que se referem os arts. 475-L e 475-M (art. 475-J, §

1º), mero depósito, portanto.

As respostas são todas negativas. O comportamento do devedor não foi valorado

pelo legislador e não deve ser aceito como forma de isenção ou de dispensa da multa.

Nem a lembrança do art. 620 socorre, na hipótese, o devedor. A perspectiva da

lei é que o devedor tem de submeter-se à força contida no título judicial, à sua

“executividade intrínseca” (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, v. 3,

São Paulo: Saraiva, 2008, p. 181).

In casu, é ponto incontroverso o fato de que a devedora procedeu ao

depósito da quantia executada, com a observância do lapso de 15 dias previsto no

art. 475-J, do CPC, porém, ressalvando de forma expressa que o ato restringia-

se à garantia do juízo (fl . 129).

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Deste modo, considerando que o depósito deu-se a título de garantia do

juízo, não há falar em isenção da devedora ao pagamento da multa de 10%,

prevista no art. 475-J, do CPC, aferindo-se, desta conclusão, a violação, pelo

aresto Estadual, do dispositivo legal invocado.

Do exposto, conheço parcialmente do especial, e, nessa extensão, dou-lhe

provimento, a fi m de permitir a incidência da multa prevista no art. 475-J, do

CPC, nos casos em que o devedor efetua depósito judicial, tão-somente, para

fi ns de garantia do juízo.

VOTO-VOGAL

O Sr. Ministro Raul Araújo: Considero relevante o ato do depósito da

quantia executada, sendo esse depósito feito espontaneamente pelo devedor

para discutir algum aspecto, pois, muitas vezes, o título judicial ainda enseja

discussão, não quanto ao direito da parte credora, mas quanto ao valor, quanto

ao importe do direito reconhecido na decisão judicial.

Não fi co tranquilo, porque não temos precedentes e essa questão me parece

relevante, ou seja, o depósito judicial, feito pela parte devedora, em juízo. Se está

nas mãos do juiz, o credor já está absolutamente assegurado, e o devedor quer

apenas discutir algum aspecto relacionado com a execução, já não é mais com

a ação. Penso que essa situação não pode receber o mesmo tratamento dado a

quem não comparece, não vem espontaneamente dar uma satisfação ao juízo,

de que está apto a pagar, mas ainda tem algum ponto a debater. Essas situações

parecem-me diferentes: quem não paga mesmo, e espera ser objeto de alguma

constrição judicial, e quem comparece, deposita e quer discutir algum outro

ponto.

O Sr. Ministro Raul Araújo: Em relação a consequência, também tenho

dúvidas. Não me parece indiferente para o credor. O depósito é garantia.

O Sr. Ministro Raul Araújo: Sou incentivado a pagar espontaneamente o

que devo, mas não mais do que devo.

O Sr. Ministro Raul Araújo: Sr. Presidente, considero valiosas as

ponderações que fazem os eminentes Ministros Relator e Isabel Gallotti, mas

não vejo essas ressalvas colocadas na ementa. Talvez se pudesse dar alguma

abertura para elas (...) Estamos tratando de forma mais severa, mais rigorosa,

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516

esse caso, porque poderia ter havido o pagamento da parte incontroversa. São

aspectos relevantes esses que Vossas Excelências mencionaram, mas, penso, que

não se deve dar o mesmo tratamento a quem simplesmente não paga e a quem,

pelo menos, deposita judicialmente o que deve para discutir perante o juiz,

fi cando, então, totalmente submetido à jurisdição, já com a garantia do credor

feita com o depósito.

Acompanho o eminente Relator com ressalvas.

RECURSO ESPECIAL N. 1.191.262-DF (2010/0077935-6)

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Recorrente: Mozariém Gomes do Nascimento

Advogado: Eduardo Roberto Stukert Neto e outro(s)

Recorrente: Condomínio do Conjunto Nacional

Advogado: Rodrigo Freitas Rodrigues Alves

Recorrido: Os mesmos

EMENTA

Direito Processual Civil. Ação de interdição de estabelecimento

comercial localizado em shopping center. Antecipação de tutela

concedida. Sentença de improcedência. Responsabilidade objetiva

pelos danos causados pela execução da tutela antecipada. Arts.

273, § 3º, art. 475-O, incisos I e II, e art. 811, parágrafo único, do

CPC. Indagação acerca da má-fé do autor ou da complexidade da

causa. Irrelevância. Responsabilidade que independe de pedido, ação

autônoma ou reconvenção.

1. Recurso especial interposto por Condomínio do Conjunto

Nacional:

1.1. Afi gura-se dispensável que o órgão julgador venha a examinar

uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes,

bastando-lhe que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão,

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não sendo exigível que se reporte de modo específi co a determinados

preceitos legais. Inexistência de ofensa ao art. 535 do CPC.

1.2. O acórdão ostenta fundamentação robusta, explicitando as

premissas fáticas adotadas pelos julgadores e as conseqüências jurídicas

daí extraídas. O seu teor resulta de exercício lógico, revelando-se

evidente a pertinência entre os fundamentos e a conclusão, entre os

pedidos e a decisão, razão por que não se há falar em ausência de

fundamentação ou de julgamento citra petita.

1.3. As conclusões a que chegou o acórdão recorrido no que

concerne à segurança do empreendimento e à ausência de infração

a disposições condominiais decorreram da análise soberana da prova

e, por isso, não podem ser revistas por esta Corte sem o reexame do

acervo fático-probatório. Incidências das Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ.

2. Recurso especial interposto por Mozariém Gomes do

Nascimento:

2.1. Os danos causados a partir da execução de tutela antecipada

(assim também a tutela cautelar e a execução provisória) são

disciplinados pelo sistema processual vigente à revelia da indagação

acerca da culpa da parte, ou se esta agiu de má-fé ou não. Basta a

existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo para

que sejam aplicados os arts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II, e 811 do

CPC. Cuida-se de responsabilidade objetiva, conforme apregoa, de

forma remansosa, doutrina e jurisprudência.

2.2. A obrigação de indenizar o dano causado ao adversário,

pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada, é

consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege

da sentença e da inexistência do direito anteriormente acautelado,

responsabilidade que independe de reconhecimento judicial prévio, ou

de pedido do lesado na própria ação ou em ação autônoma ou, ainda,

de reconvenção, bastando a liquidação dos danos nos próprios autos,

conforme comando legal previsto nos arts. 475-O, inciso II, c.c. art.

273, § 3º, do CPC. Precedentes.

2.3. A complexidade da causa, que certamente exigia ampla

dilação probatória, não exime a responsabilidade do autor pelo

dano processual. Ao contrário, neste caso a antecipação de tutela se

evidenciava como providência ainda mais arriscada, circunstância

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

518

que aconselhava conduta de redobrada cautela por parte do autor,

com a exata ponderação entre os riscos e a comodidade da obtenção

antecipada do pedido deduzido.

3. Recurso especial do Condomínio do Shopping Conjunto

Nacional não provido e recurso de Mozariém Gomes do Nascimento

provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas a seguir, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do

Ministro Marco Buzzi, acompanhando o relator, e os votos dos Ministros Raul

Araujo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, no mesmo sentido,

a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial do

Condomínio do Shopping Conjunto Nacional e dar provimento ao recurso de

Mozariém Gomes do Nascimento. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel

Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (voto-vista) votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Brasília (DF), 25 de setembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão, Relator

DJe 16.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Condomínio do Shopping

Conjunto Nacional de Brasília (CNB) ajuizou ação inibitória com pedido

de antecipação de tutela em face de Mozariém Gomes do Nascimento,

noticiando que o réu explorava de forma ilegal e irregular um restaurante em

local impróprio para tanto, no quarto pavimento do edifício, contrariando

laudo técnico de engenharia e a convenção do condomínio. Afi rmou o autor

que, segundo informações técnicas de que dispunha, a área em questão foi

projetada para servir como terraço, mirante do terceiro andar, não havendo

condições de segurança para ali ser instalado o restaurante. Enfatizou que todo

o conjunto estrutural (lajes, vigas e pilares), com as mudanças realizadas pelos

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 519

antigos proprietários, chegara ao seu limite máximo, sendo certo que o excesso

de sobrecarga na área colocava em risco a vida daqueles que frequentam o

estabelecimento, lojistas e outros consumidores.

Em 19 de dezembro de 2007, último dia do semestre judiciário, foi

concedida a antecipação de tutela pleiteada “para determinar a interdição do

empreendimento denominado de Brasil Verde, situado na área denominada de

L-401 do Shopping Conjunto Nacional, sob pena de aplicação de multa diária de

R$ 5.000,00, até o limite de R$ 200.000,00”. Advertiu o magistrado de piso, em

contrapartida, “que o autor em caso de insucesso da demanda, deverá indenizar

o réu por todos seus danos materiais e morais, especialmente em razão da

melhor época de venda para qualquer comerciante e, sabidamente, a interdição

do empreendimento irá causar prejuízos de todas as ordens” (fl s. 100-101).

Após regular tramitação do feito, em 2 de dezembro de 2008, realizada

análise exauriente da controvérsia, o Juízo de Direito da 10ª Vara Cível da

Circunscrição Especial Judiciária de Brasília-DF julgou improcedentes os

pedidos autorais, revogou a tutela anteriormente antecipada e condenou o autor

ao pagamento dos danos materiais e morais decorrentes da interdição, a serem

apurados em liquidação de sentença (fl s. 474-484).

Em grau de apelação, a sentença foi parcialmente reformada apenas para

afastar a condenação do autor ao ressarcimento de danos. O acórdão recebeu a

seguinte ementa:

Apelação. Condomínio. Destinação do imóvel. Atividade. Restaurante.

Assembléia condominial. Proibição não verificada. Laudo pericial. Quesitos.

Capacidade de sobrecarga. Responsabilidade. Danos materiais e morais.

Documento novo.

O artigo 397 do CPC permite a juntada de documentos novos quando

destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados. Não se

enquadrando no conceito de documento novo o juntado em sede de apelação,

não é possível a sua apreciação.

Não há nulidade na perícia decorrente de ausência de manifestação sobre

quesito que não foi aventado pela parte.

Não havendo proibição para a execução da atividade de restaurante no

pavimento onde se situa o imóvel, e tratando-se de atividade lícita, pode ser

exercida pelo réu.

Não pode o juiz, de ofício, impor condenação ao autor por danos materiais

e morais decorrentes de ordem judicial exarada em antecipação de tutela que

determinou a interdição de restaurante se o autor não agiu com má-fé ou culpa,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

520

ou praticou ato ilícito, mormente quando o réu não apresentou reconvenção

nesse sentido (fl . 562).

Opostos dois embargos de declaração, foram acolhidos aqueles manejados

pelo Condomínio do Conjunto Nacional, para arbitrar honorários com base no

art. 20, § 4º, do CPC (fl s. 590-594 e 595-598).

Novos embargos de declaração foram opostos, os quais foram rejeitados

(fl s. 612-614).

Autor e réu interpuseram recurso especial.

No recurso especial de Mozariém Gomes do Nascimento, que está apoiado

nas alíneas a e c do permissivo constitucional, alega-se, além de dissídio, ofensa

aos arts. 273, § 3º, 475-O, inciso I e 811, inciso I e parágrafo único, todos do

Código de Processo Civil.

Aduz o recorrente, em síntese, ser objetiva a responsabilidade pelos danos

causados no processo diante da tutela antecipada, que deverão ser liquidados nos

próprios autos, independentemente de pedido da parte lesada.

No recurso especial do Condomínio do Shopping Conjunto Nacional, que está

apoiado na alínea a do permissivo constitucional, alega o autor ofensa aos arts.

128, 460 e 535 do CPC; arts. 3º, 9º e 19 da Lei n. 4.591/1964, e arts. 1.228 e

1.336, incisos II, III e IV, do Código Civil.

Aduz a recorrente que o acórdão foi omisso e não fundamentou suas

conclusões com base em todas as causas de pedir deduzidas na inicial. Sustenta,

ademais, que o réu violou a convenção de condomínio, pois esta não autorizava

a instalação de restaurante na área litigiosa, porquanto reservada a destinação

diversa.

Contra-arrazoados (fl s. 727-740 e 742-753), os recursos especiais foram

admitidos, o de Mozariém Gomes do Nascimento por decisão do Presidente

do TJDFT, ao passo que o do Condomínio do Shopping Conjunto Nacional

por decisão proferida no Ag n. 1.311.053-DF, de minha relatoria, para melhor

exame e julgamento conjunto.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. Analiso, primeiramente,

o recurso especial interposto por Condomínio do Shopping Conjunto Nacional, em

razão da potencial prejudicialidade.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 521

2.1. Afasto, de saída, a alegada ofensa ao art. 535 do CPC, pois o Eg.

Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se

dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos

expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as

razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte

de modo específi co a determinados preceitos legais (EDcl no RHC n. 6.570-

PR, Rel. Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 3.10.2000, DJ

27.11.2000 p. 163).

Por outro lado, do exame da petição inicial constata-se também a absoluta

congruência entre as causas de pedir e o que foi decidido nas duas instâncias

recursais. Em revista aos fundamentos do voto condutor, revela-se clara a

abordagem completa do Tribunal a quo acerca de todos os pontos relevantes ao

desate da controvérsia, seja no que concerne à segurança do empreendimento

realizado pelo réu, seja em relação à adequação às normas condominiais relativas

à destinação da área.

Quanto à segurança do empreendimento, assim se manifestou o acórdão:

Pelo que consta das informações trazidas pelo réu/apelado em sede de

contestação, este iniciou as atividades de um restaurante em meados de agosto

de 2007 (fl . 146). Em 19.12.2007, o imóvel, e consequentemente a atividade do

restaurante, foi interditado pela decisão exaradada em antecipação de tutela (fl s.

99-100), que tomou como base o laudo apresentado pelo autor/apelante (fl s. 73-

75), o qual atestou que no imóvel não haveria condições de se estabelecer um

restaurante.

Contestando os documentos trazidos com a inicial, o réu/apelado apresentou

laudo favorável à instalação de restaurante no imóvel em litígio (fl . 158).

Diante dos fatos intrincados, o MM. juiz a quo determinou a produção de prova

pericial objetivando esclarecer a situação e responder os quesitos formulados por

si e pelas partes. Sobreveio, então, o laudo pericial e os documentos (fl s. 357-392),

que concluíram:

(...) a sobrecarga de 250,00 kg/m² não pode ser ultrapassada, pois foi a

utilizada no cálculo da estrutura. Conforme ficou constatado, a carga de

utilização do restaurante, que é de 45,85 kg/m² está muito inferior a

250,00 kg/m². Portanto, não oferece nenhum risco à estrutura do

Shopping.

Com base, então, no minucioso laudo pericial, o magistrado de piso julgou

improcedente o pedido e condenou o autor/apelante ao pagamento dos danos

morais e materiais sofridos pelo réu/apelado no período em que o restaurante

fi cou interditado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

522

[...]

Com efeito, o laudo pericial foi elaborado com o objetivo de “constatar se há

excesso de cargas na área das instalações do restaurante do Réu, localizado na Loja

L-401, de modo a não provocar aumento de sobrecarga na estrutura do Shopping.”

(fl . 357).

Conforme já explicitado, a perícia foi feita para verifi car se o imóvel suportaria

a instalação das atividades de um restaurante e concluiu pela ausência de

sobrecarga provocada pela atividade, uma vez que a capacidade de carga

de utilização do restaurante é muito inferior à permitida para o imóvel. Além

disso, o laudo foi explícito ao recomendar que se evite carga dinâmica na

estrutura, e exemplifi ca que como carga dinâmica pode-se considerar “danças

carnavalescas com pessoas pulando, festas dançantes do tipo usadas em boates”.

Desse modo, o laudo não considerou a atividade cotidiana de um restaurante

como carga dinâmica capaz de comprometer a estrutura do imóvel, sendo, assim,

desnecessário novo estudo para considerar tal aspecto.

Não merece acolhimento, portanto, a alegação de nulidade da sentença (fl s.

565-566).

Alinhando-se às conclusões do Relator, a Desembargadora revisora

assentou que:

No mérito, depois de analisar detidamente os autos, em especial o laudo

pericial confeccionado pelo perito nomeado pelo juiz condutor da causa, cheguei

à mesma conclusão do eminente Relator.

Referido laudo não deixa dúvidas de que o imóvel denominado L-401,

localizado no Condomínio do Conjunto Nacional, tem capacidade para abrigar

um restaurante, sem que a atividade coloque em risco as pessoas e a estrutura do

Shopping Conjunto Nacional (fl . 570).

No que concerne à adequação do empreendimento do réu às normas

condominiais, inclusive quanto à regular destinação, o acórdão recorrido

também se manifestou explicitamente:

Da destinação do imóvel em assembléia condominial

Argui o autor/apelante que a perícia desconsiderou o documento da

Assembléia Geral do Condomínio que vedou a destinação das unidades para a

atividade de restaurante.

Entendo, todavia, não haver qualquer irregularidade do laudo pericial ao não

apreciar o documento juntado pelo autor/apelante à fl . 352, já que as disposições

ali constantes não se aplicam ao imóvel em litígio, isso porque as vedações de

realização de determinadas atividades constantes na Convenção de Condomínio

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 523

de fl. 352 referem-se a lojas do “terceiro pavimento”, contudo, o imóvel em

discussão está situado no quarto pavimento, de acordo com a sua matrícula no

Registro de Imóveis (fl . 43).

Dessa forma, sem razão o autor/apelante neste ponto.

Da área comum do condomínio

O autor/apelante alega que a sentença desconsiderou ser de propriedade

do Condomínio do Conjunto Nacional a área comum contígua à sala L-401,

devendo-se cassar a decisão para que novo laudo seja elaborado, calculando-se a

sobrecarga apenas sobre a área privativa do imóvel, de 103,00 m².

De fato, a área privativa do imóvel L-401 é de 103,023m², conforme disposto

em sua matrícula. Ocorre que o imóvel ora analisado possui uma situação

peculiar em relação ao condomínio, pois está localizado em uma parte separada

do prédio, sendo que a sua área privativa e as suas imediações são acessadas

conjuntamente e estão isoladas das demais lojas do shopping, enquanto estas

dividem corredores e elevadores, o que não ocorre no imóvel in casu. Por isso,

devido à sua especifi cidade, aliada ao uso pelo réu/apelado da área privativa

conjuntamente com as imediações, o laudo pericial calculou a sobrecarga em

relação a toda a área de 777,00 m² (fl . 370), o que não induz à invalidade de suas

avaliações, pois a perícia foi requerida em relação à área total, e não à privativa,

não podendo o autor/apelante querer modifi car em sede recursal o objeto da

perícia.

Assim, apesar de a perícia ter considerado a área total, sem avaliar

exclusivamente a área privativa de propriedade do réu/apelado, não há vício na

conclusão pericial, que se ateve aos quesitos elencados pelo juiz e pelas partes,

não tendo o autor/apelante, quando especificou os seus quesitos à fls. 321-

322, arguido pontualmente sobre a capacidade de a área privativa suportar um

restaurante, razão pela qual não pode agora, em sede recursal, alegar a nulidade

de uma perícia por não ter considerado um fato que nem mesmo ele aduziu.

Acrescente-se que, possivelmente, tal questionamento não foi aventado em razão

de ambas as partes terem inferido que o réu/apelado usaria a totalidade da área

para a instalação de seu empreendimento, sendo certo que a discussão sobre a

propriedade e a utilização da área não privativa nas imediações da sala L-401 não

é objeto desta lide.

Não merece acolhimento o recurso neste tocante (fl s. 566-567).

Com efeito, percebe-se que o acórdão ostenta fundamentação robusta,

explicitando as premissas fáticas adotadas pelos julgadores e as conseqüências

jurídicas daí extraídas. O seu teor resulta de exercício lógico, revelando-se

evidente a pertinência entre os fundamentos e a conclusão, entre os pedidos e

a decisão, razão por que não se há falar em ausência de fundamentação ou de

julgamento citra petita.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

524

2.2. Quanto ao mais, é bem de ver que as conclusões a que chegou o acórdão

recorrido, especialmente no que concerne à segurança do empreendimento e à

ausência de infração a disposições condominiais, decorreram da análise soberana

da prova e, por isso, não podem ser revistas por esta Corte sem o reexame do

acervo fático-probatório, circunstância que atrai a incidências das Súmulas n. 5

e n. 7 do STJ.

2.3. Assim, quanto ao recurso interposto pelo Condomínio do Shopping

Conjunto Nacional, dele se conhece parcialmente e, na extensão, nega-se-lhe

provimento.

3. Quanto ao recurso especial interposto por Mozariém Gomes do Nascimento,

o ponto controvertido é a possibilidade de o autor, em razão da revogação de

tutela antecipada, responder pelos danos causados ao réu, independentemente

de pedido nesse sentido.

O restaurante de propriedade do autor permaneceu interditado por

aproximadamente 1 (um) ano, em razão da antecipação de tutela concedida

com suporte em laudo apresentado pelo Condomínio do Shopping e que

foi, posteriormente, infi rmado por outro, confeccionado por perito nomeado

pelo Juízo sentenciante. Por isso, a decisão liminar foi revogada por sentença

meritória de improcedência.

Já na decisão antecipatória, advertiu o magistrado de piso “que o autor

em caso de insucesso da demanda, dever[ia] indenizar o réu por todos seus

danos materiais e morais, especialmente em razão da melhor época de venda

para qualquer comerciante e, sabidamente, a interdição do empreendimento irá

causar prejuízos de todas as ordens” (fl s. 100-101).

Na sentença de improcedência, o Juízo condenou o autor a ressarcir o réu

pelos danos experimentados, os quais deveriam ser liquidados posteriormente.

Nesse sentido, confi ra-se o seguinte trecho da sentença:

Desta feita, deverá o autor indenizar o réu pelos prejuízos materiais e morais

pelos danos processuais causados ao réu, tais como o valor mensal da locação

do imóvel que fi cou fechado, pelo valor comercial, além dos prejuízos efetivos

acarretados, tais como a rescisão de contrato de trabalho com os pagamentos

devidos (multa rescisória, férias proporcionais, aviso prévio e outros eventuais

pagamentos que teve de suportar), e os prejuízos com a perda de estoque,

mercadorias e despesas com o consumo de energia, água, taxas de condomínio,

impostos, taxas e fornecedores, eis que o autor obstou o funcionamento do

empreendimento explorado pelo réu, como determina o artigo 611 (rectius, 811)

do CPC, que se aplica subsidiariamente ao presente feito.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 525

Deverá indenizar também pelos danos morais, como dito supra, eis que não é

crível que o autor utilizando-se de afi rmações falsas, eis que tinha conhecimento

das falsidades apresentadas, cause tamanho prejuízo para terceiro (réu), e,

certamente repercutiu em sua imagem, reputação e em sua honra, pois não é

crível que uma pessoa que explore um comércio sofra os dissabores vividos pelo

réu em razão de uma ordem judicial como a proferida e acredita que tais fatos

possam fi car sem indenização (fl s. 482).

Em grau de apelação, todavia, esse ponto foi reformado, uma vez que

entendeu o Tribunal a quo não ser cabível a condenação de ofício pelo magistrado

sentenciante, sem que houvesse pedido nesse sentido.

Afi rmou o acórdão ora hostilizado que, não havendo reconvenção, nem

demonstrada a má-fé do autor, descaberia a referida disposição de ofício.

Confi ra-se:

Observa-se que a condenação por danos materiais e morais não foi requerida

pelo réu/apelado, tendo o juiz de piso fi xado-a de ofício. A meu ver, o magistrado

decidiu além dos limites da lide, sem que houvesse pedido do réu/apelado e

sem que tenha se confi gurado qualquer situação que exigisse o pronunciamento

de ofício do magistrado, até mesmo porque não se verifi cou, pela análise dos

autos, que o autor/apelante tivesse agido com má-fé ou culpa, ou que houvesse

confi guração de ato ilícito.

O autor/apelante, ao requer a antecipação de tutela, estava apenas exercendo

o seu direito de ação, tanto que trouxe aos autos elementos capazes de convencer

o magistrado que, vislumbrando a presença dos requisitos previstos no artigo 273

do CPC, deferiu a tutela antecipada e determinou a interdição do restaurante, que

ocorreu tão somente após a ordem judicial. Repise-se que esta ordem judicial foi

fundamentada, não havendo que se falar em responsabilidade do autor/apelante

por interrupção das atividades empresariais do réu/apelado, que decorreu

exclusivamente de medida judicial.

Além da interdição do restaurante ter sido autorizada por ordem judicial, nos

autos não fi cou demonstrado que o autor/apelante tenha agido com má-fé ou

culpa, ou que tenha praticado fato ilícito, capazes de ensejar a responsabilidade

por danos. Isso porque, quando do ajuizamento da ação, o autor/apelante não

detinha condições de saber qual seria o resultado da lide, em razão de que os fatos

trazidos aos autos eram bastante complexos e controvertidos, tendo cada uma

das partes juntado laudos técnicos divergentes sobre a capacidade do imóvel,

sendo que o laudo do autor/apelante atestou que não haveria condições de

funcionamento de um restaurante no local, enquanto o réu/apelado sustentava

exatamente o contrário.

Em razão das provas controvertidas, o juiz determinou a prova pericial,

que foi devidamente acompanhada pelos assistentes técnicos indicados pelas

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

526

partes. Assim, foi necessária a produção de conjunto probatório para se verifi car

a procedência ou improcedência do pedido inicial, não se sabendo, até o

proferimento do julgamento, qual seria o resultado da lide.

Dessa forma, tendo em vista que os fatos eram intricados, que a interdição do

restaurante decorreu de ordem judicial, e que o autor/apelante não agiu com má-

fé ou culpa, entendo que não houve confi guração, pelo menos na análise relativa

aos pedidos deduzidos nesta ação, de responsabilidade do autor/apelante de

indenizar o réu/apelado, mormente porque o réu/apelado não apresentou

reconvenção nesse sentido, merecendo parcial provimento o recurso para afastar

a condenação à indenização por danos materiais e morais (fl s. 568-567).

3.1. Cumpre ressaltar que se trata de antecipação de tutela concedida com

amparo no art. 273 do CPC, cujo § 3º assim preleciona:

§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme

sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.

A referência ao art. 588, revogado pela Lei n. 11.232/2005, deve ser

atualizada para que se aplique o art. 475-O, sobretudo os incisos I e II:

Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do

mesmo modo que a defi nitiva, observadas as seguintes normas: (Incluído pela Lei

n. 11.232, de 2005)

I - corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga,

se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

II - fi ca sem efeito, sobrevindo acórdão que modifi que ou anule a sentença

objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados

eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento;

Ressalte-se também que a antecipação de tutela é espécie do gênero tutelas

de urgência previsto no direito brasileiro, assim como a tutela cautelar, razão

pela qual é tranquila, na doutrina, a aplicabilidade dos preceitos relativos a

esta última (tutela cautelar) à antecipação de tutela (cf. por todos, MEDINA,

José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2011, p. 259; BEDAQUE, José Roberto dos Santos.

Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. 5 ed. São Paulo:

Malheiros, p. 435).

Assim, no particular, em conjunto com o mencionado art. 475-O do CPC,

aplica-se o art. 811, assim redigido:

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 527

Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento

cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da

medida:

I - se a sentença no processo principal lhe for desfavorável;

II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não

promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias;

III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos

previstos no art. 808, deste Código;

IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou

de prescrição do direito do autor (art. 810).

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento

cautelar.

O mencionado “microssistema” representado pelos arts. 273, § 3º, 475-

O, incisos I e II, e art. 811 do CPC não exaure, todavia, a sistemática legal

vocacionada à compensar o chamado dano processual, que encontra suporte

também em diversos dispositivos do CPC, como nos arts. 16, 17, 18, 538,

parágrafo único, 557, § 2º, e 601.

Porém, muito embora os mencionados dispositivos visem a combater o

dano processual, a sistemática adotada para a tutela antecipada, tutela cautelar e

a execução provisória inspira-se em princípios diversos daqueles que norteiam as

demais disposições do Código, as quais buscam reprimir as condutas maliciosas

e temerárias das partes no trato com o processo - o chamado improbus litigator

(por todos, BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A responsabilidade das partes

pelo dano processual no direito brasileiro. Temas de direito processual. São Paulo:

Saraiva, 1977, p. 24).

Se a demanda é ajuizada de forma maliciosa ou temerária pelo litigante, ou

se da mesma forma se comporta o litigante no trâmite do feito, para esse vício

processual acionam-se as reprimendas previstas nos arts. 16, 17 e 18 do CPC,

além de outros congêneres, cuja justifi cação hospeda-se na existência de má-fé

processual, do que resulta responsabilidade processual fundada na culpa.

Nesse caso, nem mesmo eventual procedência do pedido é capaz de elidir a

reprovabilidade da conduta da parte no decorrer do processo.

3.2. Por sua vez, os danos causados a partir da execução de tutela antecipada

(assim também a tutela cautelar e a execução provisória) são disciplinados pelo

sistema processual vigente à revelia da indagação acerca da culpa da parte, ou se

esta agiu de má-fé ou não.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

528

Basta a existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo para

que sejam aplicados os arts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II, e art. 811. Cuida-se

de responsabilidade processual objetiva, conforme apregoa, de forma remansosa,

doutrina e jurisprudência.

É que, para efeito da responsabilidade de que tratam os mencionados

artigos, não se deve confundir o pleito ilícito com pedido injusto.

A ilicitude da demanda - cuja análise passa certamente pelo direito público

de ação - pode ser suavizada pela subjetiva convicção do autor acerca do

aparente direito deduzido. Porém, o posterior reconhecimento da inexistência

desse direito revela necessariamente a injustiça da demanda, e é essa (injustiça),

e não aquela (ilicitude), que é objeto das disposições previstas nos arts. 273, § 3º,

475-O, e 811 do CPC.

Nessa linha de raciocínio, confi ra-se o magistério do saudoso Galeno

Lacerda, criticando as sistemáticas adotadas no direito comparado, em que

prevalece a exigência de culpa:

O erro maior da teoria subjetiva consiste em não compreender que o princípio

da culpa não serve para solucionar o problema do dano produzido pelo processo,

quando movido dentro da esfera do lícito jurídico. Se o dano é produzido no

exercício da atividade lícita (como no uso da ação cautelar, ou da execução

provisória), não há que pensar em nexo de causalidade culposa, e sim em nexo

de causalidade objetiva, provinda do fato da sucumbência (LACERDA, Galeno.

Comentários ao código de processo civil. volume VIII. Forense: Rio de Janeiro, 1998,

p. 313).

Em boa verdade, como bem esclarece Galeno Lacerda, na esteira do

magistério de Chiovenda, a justiça da fórmula objetivista, adotada no direito

brasileiro, hospeda-se exatamente na circunstância de que para o interessado

experimentar, a bem de sua comodidade e interesse, a execução de tutela

antecipada, cautelar ou execução provisória, deve também suportar o incômodo

de indenizar os danos causados, se decair do pedido futuramente - ubi commoda

ibi incommoda. A responsabilidade, no caso, justifi ca-se pela livre avaliação dos

riscos que podem advir do processo (Idem. Ibidem).

Na mesma direção, confi ra-se a lição de Pontes de Miranda:

A responsabilidade do art. 811 é de direito processual, e não de direito material.

Não se trata de princípio de direito civil, que se haja colocado, heterotopicamente,

no Código de Processo Civil, mas de regra jurídica de direito processual posta no

lugar próprio.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 529

No art. 811, parágrafo único, estatui que, no caso de responsabilidade do

autor da ação cautelar, conforme os itens do art. 811, a indenização se liquida

nos autos do procedimento cautelar. Quer dizer: não se precisa da propositura

de ação de condenação, pois art. 811, que abstrai do pressuposto da má-fé (art.

16), já apontou os quatro fundamentos apresentados pelo prejudicado com a

medida cautelar, e basta a liquidação. [...] O pedido de liquidação é nos próprios

autos, com a simples invocação de qualquer dos fundamentos do art. 811. Se

houve sentença desfavorável no processo principal, basta a certidão da sentença

(Comentários do código de processo civil. Tomo XII. Forense, 1976, p. 101).

3.3. Com efeito, reputo que a obrigação de indenizar o dano causado

ao adversário, pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada,

é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da

sentença, e por isso independe de pronunciamento judicial, dispensando também,

por lógica, pedido da parte interessada. Independe, com mais razão, de pedido

reconvencional ou de ação própria para o acertamento da responsabilidade da

parte acerca do dano causado pela execução da medida.

Na verdade, se bem refl etida a questão, toda sentença é apta a produzir

seus efeitos principais (o de condenar, declarar, constituir, por exemplo), que

decorrem da demanda e da pretensão apresentada pelo autor, e também efeitos

secundários, que independem da vontade das partes ou do próprio juízo.

Em relação aos primeiros, há de se observar a congruência entre o pedido e

a sentença, sem a qual haverá julgamento extra, ultra ou citra petita.

Ao passo que em relação aos segundos se mostra imprópria a averiguação

acerca da observância dos pedidos e da causa de pedir.

São efeitos automáticos, produzidos por força de lei, como decorrência do efeito

principal ou do simples fato de ter sido prolatada sentença, dispensando até mesmo,

qualquer pedido expresso da parte ou pronunciamento do juízo acerca dos

mesmos (PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao código de processo civil. vol. 6.

Revista dos Tribunais: São Paulo, 2000, p. 137).

Apenas a título de exemplos desses efeitos secundários da sentença, vale

lembrar a sentença condenatória como título de hipoteca judiciária (art. 466,

CPC), e, no direito penal, a aptidão de a sentença penal “tornar certa a obrigação

de indenizar o dano causado pelo crime” (art. 91, inciso I, do CP).

Assim, não causa nenhum assombro o fato de a sentença de improcedência,

quando revoga tutela antecipadamente concedida, constituir, como efeito

secundário, título de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

530

eventualmente por este experimentados, cujo valor exato será posteriormente

apurado em liquidação.

Em suma, a responsabilidade objetiva pelo dano processual causado por

tutela antecipada posteriormente revogada decorre da inexistência do direito

anteriormente acautelado, responsabilidade que independe de reconhecimento

judicial prévio ou de pedido do lesado.

Reporto-me, uma vez mais, ao magistério de Galeno Lacerda:

A indenização será liquidada nos próprios autos do procedimento cautelar, reza o

parágrafo único do art. 811. Como se trata de cautela jurisdicional, litigiosa, e como

a responsabilidade objetiva do autor resulta diretamente da lei, não há necessidade

de ação própria nem de pedido reconvencional para essa liquidação. Como acentua

Dini, o pedido de ressarcimento dos danos, no caso, não se deve considerar

demanda reconvencional, porque não se trata de pedido baseado em título

anterior ou estranho ao processo, mas de demanda que encontra seu título no

próprio processo, por força de lei. Daí, carecer de razão Marcos Afonso Borges,

quando afi rma que, “para que haja indenização, é necessário que a sentença que

julgar improcedente o processo principal condene expressamente o requerente

da cautela a efetuá-la. Se isso não ocorrer não se pode falar em responsabilidade,

pois não existe título judicial que lhe sirva de suporte”.

Não. O título judicial exequendo é a sentença de liquidação, de natureza

condenatória, resultante do pedido de liquidação formulado nos próprios autos

do procedimento cautelar (Op. cit., p. 318).

Sobre o mesmo tema, e com referência ao mestre dos pampas, arremata

Ovídio A. Baptista da Silva:

Como mostra Galeno Lacerda (p. 440), diferentemente do que acontece com

o Direito alemão, entre nós a indenização não necessita de ser pedida em ação

autônoma ou através de demanda reconvencional, inserida no processo da ação

principal. Daí sua conclusão, rigorosamente correta, de ser dispensável, e até mesmo

impossível, que a sentença do processo principal contenha um capítulo condenando

aquele que executa medida cautelar a indenizar perdas e danos, o que a Marcos

Afonso Borges (Comentários, 32) parecera indispensável, como pressuposto para

a ação de liquidação (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do processo cautelar. 4 ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2009, p. 231-232).

Dispensando má-fé, ação própria ou reconvenção, cito os seguintes

precedentes:

Processual Civil. Medida cautelar. Indenização. Responsabilidade objetiva.

Interpretação do art. 811, do CPC. Sociedade de fato. Inexistencia. Sumula n. 7-STJ.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 531

I - Consoante a melhor doutrina, “o Código estabelece, expressamente, que

responda pelos prejuízos que causar a parte que, de má-fé, ou não, promove

medida cautelar. Basta o prejuízo, se ocorrente qualquer das espécies do art. 811,

I e V, do CPC e, nesse tipo de responsabilidade objetiva processual, o pedido de

liquidação é formulado nos próprios autos, com simples invocação de qualquer

dos fundamentos do art. 811 do CPC.

[...]

(REsp n. 127.498-RJ, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, julgado em

20.5.1997, DJ 22.9.1997, p. 46.462).

Processual Civil. Recurso especial. Equipamentos introduzidos no território

nacional de modo irregular. Aplicação de pena de perdimento de bens.

Procedimento cautelar. Depósito. Ação principal. Pedido julgado improcedente.

Art. 811 do CPC. Violação não-verifi cada. Recurso desprovido.

1. Da leitura do art. 811, I, do CPC, observa-se que, no procedimento cautelar,

independentemente da existência de dolo ou culpa, a requerente deverá ressarcir

os danos advindos à parte requerida em razão da execução da medida, na

hipótese de a sentença prolatada no processo principal ser-lhe desfavorável. O

parágrafo único do citado dispositivo consigna que a indenização devida será

liquidada nos autos do procedimento cautelar.

[...]

(REsp n. 744.380-MG, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em

4.11.2008, DJe 3.12.2008).

Processual Civil. Ação cautelar de sustação de protesto. Cessação dos efeitos

da liminar concedida e extinção do feito em razão da não propositura da ação

principal no prazo legal. Liquidação da indenização nos próprios autos. CPC, art.

811, parágrafo único.

Possibilidade.

1. - Em conformidade com o parágrafo único do artigo 811 do Código de

Processo Civil, pode o Requerido, mesmo após o trânsito em julgado da sentença

de extinção, formular nos próprios autos do procedimento cautelar pedido de

liquidação dos prejuízos causados pela execução da medida.

2. - Recurso Especial provido.

(REsp n. 802.735-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em

3.12.2009, DJe 11.12.2009).

Nesse último precedente, o eminente relator, Ministro Sidnei Beneti,

fundamentou a conclusão na mesma direção ora proposta:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

532

5. - Como se vê, o Acórdão recorrido não vislumbra a possibilidade de

liquidação nos próprios autos da cautelar em razão do seu trânsito em julgado e

de “ausência de carga sancionadora que pudesse realmente ser liquidada”.

[...]

8. - A interpretação emprestada ao dispositivo legal pelo Acórdão recorrido

esvazia seu conteúdo, tornando-o inócuo. E o texto legal é expresso no sentido de

que “a indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar” (CPC, art.

811, parágrafo único).

No presente feito, a cessação dos efeitos da medida deferida coincidiu com a

extinção da cautelar, desse modo, a responsabilidade da Autora somente emergiu

nesse momento. Na realidade, é o que comumente ocorre nesses casos.

Assim, limitar a possibilidade de liquidação nos próprios autos ao trânsito em

julgado e condicioná-la à existência de condenação nesse sentido inviabiliza sua

aplicação.

Na verdade, o objetivo da norma em tela é a celeridade e a economia do

processo, com a possibilidade de liquidação dos danos sofridos pela execução da

cautelar frustrada nos próprios autos.

E, como bem demonstrado pela Recorrente, a obrigação de indenizar decorre

da extinção da medida cautelar e a sentença da liquidação formulada no bojo dos

autos concederá ao Requerente o título de conteúdo condenatório.

No Supremo Tribunal Federal também há antigo precedente:

Artigo 811, I, do CPC. Sua aplicação. A responsabilidade prevista no art. 811,

I, do Código de Processo Civil e de natureza processual, funda-se no fato da

execução da medida cautelar e na cassação dela pela sentença fi nal proferida

no processo principal. Independe da prova de ma-fé e de reconvenção. Recurso

extraordinário conhecido e provido.

(RE n. 100.624, Relator(a): Min. Soares Munoz, Primeira Turma, julgado em

4.10.1983, DJ 21.10.1983 PP-16307 Ement Vol-01313-02 PP-00462 RTJ Vol-00109-

02 PP-00785).

3.4. Retomando o raciocínio para o caso concreto, há de ser reformado

o acórdão recorrido, que afastou a responsabilidade do autor, Condomínio do

Shopping Conjunto Nacional de Brasília, pelos danos experimentados pelo réu,

decorrentes da interdição açodada de seu estabelecimento comercial durante

quase 1 (um) ano.

Ressalte-se, fi nalmente, que não me impressiona a assertiva contida no

acórdão recorrido, segundo a qual o autor não responderia pelos danos porque,

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 533

por ocasião do ajuizamento da ação, ele “não detinha condições de saber qual

seria o resultado da lide, em razão de que os fatos trazidos aos autos eram

bastante complexos e controvertidos, tendo cada uma das partes juntado laudos

técnicos divergentes sobre a capacidade do imóvel”.

A prosperar essa tese, com a devida vênia, quanto mais complexa a causa,

tanto mais razão terá o autor para pleitear a antecipação de tutela de forma

leviana, com base na conhecida e odiosa “loteria judicial”.

Ora, a par da já mencionada dispensabilidade do elemento subjetivo,

a complexidade da causa, que exigia ampla dilação probatória, não exime a

responsabilidade do autor pelo dano processual. Ao contrário, nesse caso, a

antecipação de tutela se evidenciava como providência ainda mais arriscada,

circunstância que aconselhava uma conduta de redobrada cautela por parte

do autor, com a exata ponderação entre os riscos e a comodidade da obtenção

antecipada do pedido deduzido.

Ao fi nal, não se sagrando vitorioso o autor, mostra-se mesmo de rigor o

reconhecimento de sua responsabilidade objetiva pelos danos suportados pela

parte adversa, os quais poderão ser simplesmente liquidados nos presentes autos,

por arbitramento, conforme comando legal previsto nos arts. 475-O, inciso II,

c.c. art. 273, § 3º, do CPC.

3.5. Finalmente, apenas a título de esclarecimento, cumpre ressaltar que

a conclusão ora encaminhada não se aplica, de forma automática, a eventuais

questionamentos acerca da responsabilidade civil do Estado ou mesmo do

magistrado que deferiu a multicitada tutela antecipada.

Certamente, caso queira o autor voltar-se contra o Estado deverá procurar

a via própria, manejando ação autônoma que obedecerá a princípios específi cos,

como o da responsabilidade subjetiva por ato judicial.

Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal em diversas

oportunidades, “o princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica

aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente declarados em lei”

(RE n. 219.117, Relator(a): Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, julgado em

3.8.1999, DJ 29.10.1999).

No mencionado precedente, dentre vários outros citados, o eminente

relator citou a doutrina majoritária trilhada por Hely Lopes Meirelles, nos

seguintes termos:

Para os atos administrativos, já vimos que regra constitucional é a

responsabilidade objetiva da Administração. Mas, quanto aos atos legislativos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

534

e judiciais, a Fazenda Pública só responde mediante comprovação de culpa

manifesta na sua expedição, de maneira ilegítima e lesiva. Essa distinção resulta

do próprio texto constitucional que só se refere aos agentes administrativos

(servidores), sem aludir aos agentes políticos (parlamentares e magistrados), que

não são servidores da Administração Pública, mas sim membros de Poderes do

Estado.

Continua Sua Excelência a afi rmar que:

[...] a independência de que devem gozar os juízes e as garantias que precisam

ter, para julgar sem receio, estariam irremediavelmente postas em xeque se eles

houvessem de ressarcir os danos provenientes de seus erros. E mais: fi cariam

os juízes permanentemente expostos ao descontentamento da parte vencida

e o foro se transformaria no repositório de ações civis contra eles. Para corrigir

sentença errada bastam recursos; o prejuízo por ela causado é consequência

natural da falibilidade humana; essa possibilidade de erro é fato da Natureza, não

é ato do juiz.

Nesse diapasão, não há que se cogitar de total irresponsabilidade dos órgãos

judiciários, esses poderão no exercício de suas funções serem responsabilizados

por erros que vierem a realizar, entretanto, essas hipóteses autolimitadoras da

soberania desse Poder deverão ser expressas em lei. Atualmente estão regradas,

principalmente, no art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal (regulamentado

pelo artigo 630 do Código de Processo Penal), além do artigo 133 do Código de

Processo Civil, este no entanto, como frisa o recorrente, defi ne a responsabilidade

subjetiva do magistrado, exigindo deste modo do jurisdicionado a comprovação

do dolo ou culpa do órgão judiciário responsável pela ação ou omissão que

eventualmente lhe acarretou o dano [...].

Na mesma linha, confi ra-se o seguinte precedente:

Constitucional e Administrativo. Embargos de declaração em recurso

extraordinário. Conversão em agravo regimental. Responsabilidade objetiva do

Estado. Prisão em fl agrante. Absolvição por falta de provas. Art. 5º, LXXV, 2ª parte.

Atos jurisdicionais. Fatos e provas. Súmula STF n. 279. 1. Embargos de declaração

recebidos como agravo regimental, consoante iterativa jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal. 2. O Supremo Tribunal já assentou que, salvo os casos

expressamente previstos em lei, a responsabilidade objetiva do Estado não

se aplica aos atos de juízes. 3. Prisão em fl agrante não se confunde com erro

judiciário a ensejar reparação nos termos da 2ª parte do inciso LXXV do art. 5º da

Constituição Federal. 4. Incidência da Súmula STF n. 279 para concluir de modo

diverso da instância de origem. 5. Inexistência de argumento capaz de infi rmar o

entendimento adotado pela decisão agravada. Precedentes. 6. Agravo regimental

improvido (RE n. 553.637 ED, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado

em 4.8.2009).

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 535

4. Diante do exposto, nego provimento ao recurso do Condomínio do

Shopping Conjunto Nacional e dou provimento ao recurso de Mozariém

Gomes do Nascimento.

É como voto.

VOTO-VOGAL

O Sr. Ministro Raul Araújo: Sr. Presidente, também acompanho V. Exa. e

o Sr. Ministro Marco Buzzi, lembrando aquele precedente de que fui Relator,

quando imputamos responsabilidade à seguradora de plano de saúde pelo

pagamento das despesas hospitalares decorrentes de antecipação de tutela. Este

caso é semelhante.

Nego provimento ao recurso especial do Condomínio e dou provimento ao

recurso de Mozariém Gomes do Nascimento.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Marco Buzzi: Trata-se de recursos especiais, interpostos por

Condomínio do Shopping Conjunto Nacional de Brasília (CNB) e Mozariém Gomes

do Nascimento, no intuito de ver reformado o acórdão proferido pelo Tribunal

de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, nos autos da ação inibitória c.c.

antecipação de tutela, proposta pelo primeiro em face do segundo.

O aresto atacado restou assim ementado:

Apelação. Condomínio. Destinação do imóvel. Atividade. Restaurante.

Assembléia condominial. Proibição não verificada. Laudo pericial. Quesitos.

Capacidade de sobrecarga. Responsabilidade. Danos materiais e morais.

Documento novo.

O artigo 397 do CPC permite a juntada de documentos novos quando

destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados. Não se

enquadrando no conceito de documento novo o juntado em sede de apelação,

não é possível a sua apreciação.

Não há nulidade na perícia decorrente de ausência de manifestação sobre

quesito que não foi aventado pela parte.

Não havendo proibição para a execução da atividade de restaurante no

pavimento onde se situa o imóvel, e tratando-se de atividade lícita, pode ser

exercida pelo réu.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

536

Não pode o juiz, de ofício, impor condenação ao autor por danos materiais

e morais decorrentes de ordem judicial exarada em antecipação de tutela que

determinou a interdição de restaurante se o autor não agiu com má-fé ou culpa,

ou praticou ato ilícito, mormente quando o réu não apresentou reconvenção

nesse sentido. (fl . 562, e-STJ).

Os embargos de declaração interpostos pelo condomínio restaram

rejeitados (fl s. 595-598, e-STJ), e aqueles do réu, parcialmente acolhidos (fl s.

590-594, e-STJ).

Em suas razões (art. 105, III, a, da CF), Condomínio do Shopping Conjunto

Nacional de Brasília (CNB) defende violação aos artigos 128, 460 e 535 do CPC,

3º, 9º e 19 da Lei n. 4.591/1964, 1.228 e 1.336, do CC. Sustenta, em síntese, a

omissão do aresto Estadual, e o desrespeito à convenção do condomínio, a qual

não autoriza a instalação de restaurante na área litigiosa.

De sua vez, o réu Mozariém Gomes do Nascimento defende, em suas razões

recursais (art. 105, III, a e c, da CF), além do dissídio jurisprudencial, a afronta

aos artigos 273, § 3º, 475-O, I, e 811, I, todos do CPC. Para tanto, sustenta que

a responsabilidade pelos danos causados em decorrência do deferimento da

tutela antecipada, posteriormente revogada, é objetiva.

Após as contrarrazões e decisão de admissibilidade do recurso especial, os

autos ascenderam a esta egrégia Corte de Justiça.

É o relatório.

Acompanho o eminente Relator.

O cerne da discussão que culminou no meu pedido de vista reside na viabilidade

de o autor, em razão da revogação da tutela antecipada deferida initio litis, responder

pelos danos causados ao réu, independentemente de pedido da parte adversa.

Com efeito, a interpretação sistemática dos artigos 273, § 3º, 475-O,

I e II, e 811, todos do CPC, permite extrair do sistema processual civil a

responsabilidade objetiva daquele que postula antecipação dos efeitos da tutela

e, em decorrência de tal circunstância, causa danos ao réu que, ao fi nal, sagra-se

vencedor, por ser titular do direito material discutido na demanda.

Tal interpretação possui respaldo na doutrina processualista pátria, que,

diante da similitude existente entre os institutos da tutela cautelar (art. 811

do CPC), e da antecipada de tutela (art. 273 do CPC) - espécies do gênero

tutelas de urgência -, determina a aplicação da previsão constante do art. 811

do CPC, analogicamente, aos casos em que os prejuízos ao réu sejam oriundos

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 537

do deferimento de tutela antecipada no curso da lide, independentemente de

pedido do réu para que tal condenação seja efetivada na sentença, porquanto

cuida-se de responsabilidade processual objetiva.

Sobre o assunto:

Responsabilidade. Revogada a antecipação de tutela, o demandante fica

obrigado a responder pelos danos eventualmente causados ao demandado (arts.

273, § 3º, e 475-O, I, CPC). Trata-se de responsabilidade objetiva, independente

de dolo ou culpa. Basta o fato objetivo da revogação aliado ao dano para

responsabilização do demandante. (Marinoni, Luiz Guilherme. Código de

processo civil anotado artigo por artigo. 3ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 276).

Rejeitada a pretensão do autor, não parece possível sejam mantidos os efeitos

decorrentes da antecipação da tutela. Essa providência foi tomada com base

em cognição sumária, que apontou para a probabilidade do direito afi rmado na

inicial. Investigação mais profunda dos fatos revelou, todavia, o equívoco dessa

conclusão, o que motivou a improcedência da pretensão.

(...)

Se o benefi ciário obtiver a tutela satisfativa referente à sanção e o resultado

do processo lhe for desfavorável, surgirá, em tese, o dever de indenizar a

parte contrária, fundado na responsabilidade objetiva de quem se beneficia

indevidamente com a tutela provisória (CPC, art. 811). Esta conclusão está

fundada na premissa de que à tutela antecipada aplicam-se as regras da cautelar,

tendo em vista tratar-se de espécies do mesmo gênero. (Bedaque, José Roberto

dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: Tutelas sumárias e de urgência. 5ª

ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 431 e 434-435).

Ponto que não desperta maiores polêmicas em sede de doutrina e de

jurisprudência é o de que a responsabilidade daquele que se benefi cia da tutela

antecipada é objetiva, a exemplo do que o art. 811 reserva, expressamente, para o

benefi ciário da “tutela cautelar”. É o que, de resto, extrai-se do inciso I do art. 475-

O, que, no particular, não aceita nenhuma das ressalvas feitas pelo § 3ª do art. 273.

Por “responsabilidade objetiva” deve ser entendido que o beneficiário da

tutela antecipada, pelo simples fato de o ser, deve responder, perante a parte

contrária, pelos prejuízos que ela, de alguma forma, experimentar. Não se cogita,

na espécie, de perquirir qualquer grau de culpabilidade do benefi ciário. Basta

seu favorecimento com a tutela antecipada. Trata-se, inequivocamente, de “tutela

genérica”, com fi nalidade indenizatória, a ser exercitada, em momento oportuno

(quando a tutela antecipada deixar de ser efi caz), pela parte contrária.

(...)

Considerando que todos os elementos relativos à reparação do dano

encontram-se nos autos do processo em que a tutela foi antecipada e cumprida,

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538

nada mais coerente, visando à otimização da prestação jurisdicional, que a parte

que se sinta prejudicada possa valer-se daqueles mesmos autos para perseguir

sua indenização, aplicando-se, ao caso, o disposto no inciso II do art. 475-O. não

há nisso uma “nova ação” ou um “novo processo”. A “ação” e o “processo” são os

mesmos que já existem, alterando-se, apenas, a busca de uma diversa tutela

jurisdicional diante dos fatos derivados da concessão e do cumprimento da

tutela antecipada. (Bueno, Cássio Scarpinella. Cursos Sistematizado de Direito

Processual Civil. v.4. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85-86).

Com efeito, fi rmada a possibilidade de aplicação dos artigos 475-O e 811

do CPC ao instituto da antecipação de tutela, por força do disposto no art.

273, § 3º, do CPC, demonstra-se prescindível pedido expresso do réu - por

meio de reconvenção ou mesmo ação autônoma - visando a indenização pelos

prejuízos sofridos em decorrência de antecipação de tutela contra si deferida, e

posteriormente revogada.

Isso porque, o art. 811 do CPC permite que tais prejuízos sejam apurados

em liquidação de sentença, defl agrada pelo réu da ação, dispensando, inclusive,

condenação expressa do autor a tal pagamento quando do julgamento de

improcedência da demanda cautelar.

Nesse sentido, leciona o mestre Ovídio A. Baptista da Silva:

Como e onde, todavia, se irá averiguar e declarar a existência de tais prejuízos,

senão da fase de liquidação dos danos, prevista pelo art. 811? Como mostra

Galeno Lacerda, diferentemente do que acontece no Direito alemão, entre

nós a indenização não necessita de ser pedida em ação autônoma ou através de

demanda reconvencional, inserida no processo da ação principal. Daí sua conclusão,

rigorosamente correta, de ser dispensável, e até mesmo impossível, que a

sentença do processo principal contenha um capítulo condenando aquele que

executara a medida cautelar a indenizar perdas e danos (...)

Sendo assim, então a sentença de liquidação do art. 811, parágrafo único,

não pode ser tratada como se fora uma ordinária ação de liquidação de sentença

condenatória que, no caso, por defi nição ainda não houve. Tem-se de condeber

o art. 811 como um efeito anexo da sentença desfavorável proferida no processo

principal, que se traduz na outorga da pretensão à liquidação de danos, cuja

existência se há de provar na própria demanda de liquidação. (Do processo

Cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 233-234).

Na mesma linha, retira-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:

Processual Civil. Medida cautelar. Indenização. Responsabilidade objetiva.

Interpretação do art. 811, do CPC. Sociedade de fato. Inexistência. Sumula n. 7-STJ.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 539

I - Consoante a melhor doutrina, “o Código estabelece, expressamente, que

responda pelos prejuízos que causar a parte que, de ma-fé, ou não, promove

medida cautelar. Basta o prejuízo, se ocorrente qualquer das espécies do art. 811,

I e V, do CPC e, nesse tipo de responsabilidade objetiva processual, o pedido de

liquidação e formulado nos próprios autos, com simples invocação de qualquer

dos fundamentos do art. 811 do CPC.

II - Sociedade de fato não comprovada. (Sumula n. 7-STJ).

III - Recurso do espólio-réu provido e recurso da autora improvido. (REsp n.

127.498-RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter, 3ª Turma, J. em 20.5.1997).

Tal raciocínio, como visto acima, deve ser aplicado aos casos de revogação

de tutela antecipada, porquanto se a legislação sequer exige a condenação

expressa para que a parte adversa pleiteie a liquidação de sentença, na qual

demonstrará os prejuízos mediante a instauração do contraditório, não é crível

que se vede a condenação, ex offi cio, pelo magistrado, e a consequente apuração

do quantum em fase liquidatória.

É o caso dos autos, porquanto o magistrado singular, ao promover a

revogação da antecipação dos efeitos da tutela no bojo da sentença, condenou

o autor a ressarcir os prejuízos suportados pelo réu, resultantes de tal medida,

determinando que as quantias fossem apuradas em liquidação de sentença.

Do exposto, acompanho o judicioso voto do eminente Relator, para negar

provimento ao recurso do autor, e prover aquele interposto pelo réu.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.298.576-RJ (2011/0306174-0)

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Recorrente: Manoel Lima dos Santos Cunha

Advogado: Elenice C de Almeida e outro(s)

Recorrido: Antonio Lopes da Silva Cunha

Advogado: Octávio Augusto Brandão Gomes e outro(s)

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EMENTA

Responsabilidade civil. Recurso especial. Apreciação, em

sede de recurso especial, de matéria constitucional. Inviabilidade.

Compensação por danos morais, por abandono afetivo e alegadas

ofensas. Decisão que julga antecipadamente o feito para, sem emissão

de juízo acerca do seu cabimento, reconhecer a prescrição. Paternidade

conhecida pelo autor, que ajuizou a ação com 51 anos de idade, desde

a sua infância. Fluência do prazo prescricional a contar da maioridade,

quando cessou o poder familiar do réu.

1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição, para

que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite

apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional.

2. Os direitos subjetivos estão sujeitos à violações, e quando

verifi cadas, nasce para o titular do direito subjetivo a faculdade (poder)

de exigir de outrem uma ação ou omissão (prestação positiva ou

negativa), poder este tradicionalmente nomeado de pretensão.

3. A ação de investigação de paternidade é imprescritível,

tratando-se de direito personalíssimo, e a sentença que reconhece o

vínculo tem caráter declaratório, visando acertar a relação jurídica da

paternidade do fi lho, sem constituir para o autor nenhum direito novo,

não podendo o seu efeito retrooperante alcançar os efeitos passados

das situações de direito.

4. O autor nasceu no ano de 1957 e, como afi rma que desde

a infância tinha conhecimento de que o réu era seu pai, à luz do

disposto nos artigos 9º, 168, 177 e 392, III, do Código Civil de 1916,

o prazo prescricional vintenário, previsto no Código anterior para as

ações pessoais, fl uiu a partir de quando o autor atingiu a maioridade

e extinguiu-se assim o “pátrio poder”. Todavia, tendo a ação sido

ajuizada somente em outubro de 2008, impõe-se reconhecer operada

a prescrição, o que inviabiliza a apreciação da pretensão quanto a

compensação por danos morais.

5. Recurso especial não provido.

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 541

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial,

nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo,

Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 21 de agosto de 2012 (data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão, Relator

DJe 6.9.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Manoel Lima dos Santos Cunha

ajuizou, em outubro de 2008, ação de indenização por danos morais em face

de Antonio Lopes da Silva, por abandono afetivo. Afi rma que nasceu em

28 de fevereiro de 1957 e, em agosto de 2007, moveu ação de investigação

de paternidade em face do réu. Sustenta que sempre buscou o afeto e

reconhecimento de seu genitor, “que se trata de um pai que, covardemente,

durante todos esses anos, negligenciou a educação, profissionalização e

desenvolvimento pessoal, emocional, social e cultural de seu fi lho”. Afi rma que

a conduta do réu causou prejuízo à formação de sua personalidade, decorrente

da falta de afeto, cuidado e proteção. Acena que experimentou complexos de

inferioridade e rejeição e, diferentemente da conduta dispensada para com

os demais fi lhos, “sempre foi humilhado e e inferiorizado por seu próprio pai

durante o período em que” mantiveram convívio. (fl s. 33-58)

O Juízo da 5ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca, em decisão

interlocutória, rejeitou a arguição de prescrição suscitada pelo réu (fl s.121).

Interpôs o requerido agravo de instrumento (fl s. 5-29) para o Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro, que deu provimento ao recurso. (fl s. 187-191)

A decisão tem a seguinte ementa:

Agravo de instrumento. Civil e Processual Civil. Ação de indenização por

danos morais decorrentes de abandono. Alegação de prescrição. Ação que

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542

prescreve em três anos ao teor do art. 206, § 3º, V do CC. Inexistência de causa

obstativa da fluência do lapso prescricional. Indivíduo maior. Inexistência de

imprescritibilidade. Decisão que reconhece a prescrição nesta sede, operando

efeitos meritórios no processo. Recurso conhecido e provido para reconhecer a

prescrição, julgando extinto processo com resolução do mérito na forma do art.

269, IV, do CPC.

Inconformado com a decisão colegiada, interpõe o autor recurso especial,

com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal,

sustentando divergência jurisprudencial e violação aos artigos 197, 205, 206 e

1.596 do Código Civil; 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

e 5º e 227 da Constituição Federal.

Afi rma que, desde o seu nascimento, o recorrido sabia ser seu pai, todavia

somente após cinquenta (50) anos reconheceu a paternidade.

Argumenta que o réu tem outros dois fi lhos aos quais dedicou cuidados

integrais, “não só no sentido emocional, mas também financeiramente”,

proporcionado apenas aos demais fi lhos “formação de excelência”.

Sustenta que, enquanto conviveu com o demandado, sofreu desprezo,

discriminação e humilhações repetidas, causando-lhe dor psíquica e prejuízo à

formação de sua personalidade, decorrentes da falta de afeto, cuidado e proteção.

Sustenta que só houve o reconhecimento da paternidade em 2007, não

havendo falar em decurso do prazo prescricional.

Em contrarrazões, afi rma o recorrido que: a) o recorrente não enfrenta o

cerne da questão submetida ao recurso e agita matérias novas, não enfrentadas

pelas instâncias ordinárias; b) não há prequestionamento; c) é inviável a

apreciação em recurso especial da apontada violação aos artigos 1º, 3º, 5º e 227

da Constituição Federal; d) não houve a devida demonstração da divergência

jurisprudencial; e) o recurso pretende o reexame de provas; f ) o recorrente deixa

claro que desde a tenra infância sabe quem é seu pai, todavia só com mais de

50 anos de idade ajuizou ação de investigação de paternidade, não podendo

reivindicar os alegados danos morais, tendo em vista a prescrição, decorrente

de sua própria desídia; g) não ofereceu compensação fi nanceira para evitar o

reconhecimento de paternidade; h) o recorrente jamais buscou os benefícios

afetivos advindos de sua paternidade reconhecida, pretendendo fazer de sua

ascendência “fonte de enriquecimento, tentando, por diversos meios e modos,

alcançar em vida de seu pai, herança a que somente terá direito após seu

falecimento”; i) alega, mas não prova que era humilhado, fazendo contraprova

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 543

do afi rmado abandono ao reconhecer que durante um período houve convívio

entre as partes; j) o recorrente não reivindicou oportunamente o reconhecimento

da paternidade, eximindo-se do convívio paterno.

O recurso especial foi admitido.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. Cumpre observar que,

embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição, para que se evite

supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede

de recurso especial, de matéria constitucional, ainda que para viabilizar a

interposição de recurso extraordinário:

Processual Civil. Embargos de declaração. Art. 557 do CPC. Recurso em confronto

com súmula e jurisprudência do STJ. Ofensa ao art. 535 do CPC não confi gurada.

Rediscussão da matéria de mérito. Impossibilidade. Prequestionamento para fi ns

de interposição de recurso extraordinário. Inviabilidade. Acolhimento parcial.

[...]

3. Sob pena de invasão da competência do STF, descabe analisar questão

constitucional em Recurso Especial, ainda que para viabilizar a interposição de

Recurso Extraordinário.

4. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes.

(EDcl no AgRg no REsp n. 886.061-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda

Turma, julgado em 20.8.2009, DJe 27.8.2009).

3. A matéria em debate cinge-se à questão da ocorrência ou não da

prescrição, reconhecida pela Corte de origem, para ajuizamento de ação por

fi lho contando cinquenta e um anos de anos de idade, buscando compensação

por danos morais decorrentes de afi rmados abandono afetivo e humilhações

ocorridas quando autor ainda era menor de idade.

No caso, não é discutido no recurso o cabimento da indenização (precedente

contido no REsp n. 1.159.242-SP), pois a matéria controvertida devolvida

a esta Corte limita-se a saber se, tendo o autor desde sempre conhecimento

de quem era seu pai biológico, se ainda assim, decorridos muitos anos após

sua maioridade, pode ajuizar ação buscando compensação por danos morais

oriundos do descumprimento dos deveres relativos ao poder familiar (pátrio

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poder, na literalidade do Código Civil de 1916) e de afi rmadas humilhações

sofridas durante a primeira parte infância - quando conviveu com o recorrido.

A decisão de primeira instância consignou:

Partes legítimas e bem representadas e presentes os pressupostos processuais

e as condições da ação.

Rejeito a argüição de prescrição, tendo em vista que a paternidade do

réu foi reconhecida em 2007, não havendo que se falar em decurso do prazo

prescricional para a presente ação de indenização, que tem como causa de pedir

o abandono, até porque a situação se protraiu no tempo. (fl . 121)

O acórdão recorrido, por seu turno, dispôs:

O agravante insurge-se contra a decisão, por entender, em suma, que o

transcurso do prazo prescricional inicia-se com a contagem da maioridade e que

a inexistência de reconhecimento de paternidade não é causa suspensiva desse

prazo. Alega ainda descabimento de quebra de sigilo fi scal determinada via ofício.

[...]

Razão pela qual não pode agora manejar ação que objetiva recebimento de

indenização com espeque em danos morais decorrentes de abandono, pois tal

pretensão revela-se prescrita.

Deve incidir in casu o disposto nos arts. 197, II, e 206, § 3º, V, ambos do CC.

Pelos quais não corre a prescrição entre ascendente e descendente durante a

vigência do poder familiar, e será de três anos o prazo prescricional para pleitear-

se a reparação civil.

A imprescritibilidade do direito ao reconhecimento somente se admite quanto

ao atributo da personalidade, referente ao direito ao reconhecimento da condição

de fi lho, ou, em outras palavras, Para garantia do status fi liae, conforme o art. 27

do ECA.

Ademais, segundo o clássico escólio de Agnelo Amorim Filho, não se admite

a imprescritibilidade de ações condenatórias, onde estão em jogo direitos

subjetivos.

Com efeito, a inexistência de sentença a reconhecer a paternidade não se

revela como obstativa do transcurso do lapso prescricional, tendo em vista não

ser nenhuma das hipóteses previstas no Código.

Dessarte, reconhece-se a prescrição de ofício, nesta sede; razão pela qual a

decisão a quo merece ser reformada e, com isso, opere-se o efeito expansivo

objetivo externo. (fl s. 189-191)

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 545

4. A doutrina civilista, desde Windscheid, que trouxe para o direito material

o conceito de actio, direito processual haurido do direito romano, diferencia com

precisão os direitos subjetivo e potestativo.

O primeiro é o poder da vontade consubstanciado na faculdade de agir

e de exigir de outrem determinado comportamento para a realização de um

interesse, cujo pressuposto é a existência de uma relação jurídica.

Nessa esteira, Caio Mário afi rmava que o direito subjetivo, visto dessa

forma, sugere sempre de pronto a ideia de uma prestação ou dever contraposto

de outrem:

Quem tem um poder de ação oponível a outrem, seja este determinado,

como nas relações de crédito, seja indeterminado, como nos direitos reais,

participa obviamente de uma relação jurídica, que se constrói com um sentido de

bilateralidade, suscetível de expressão pela fórmula poder-dever: poder do titular

do direito exigível de outrem; dever de alguém para com o titular do direito.

(PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. 20ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2004, p. 36).

Encapsulados na fórmula poder-sujeição, por sua vez, estão os chamados

direitos potestativos, a cuja faculdade de exercício não se vincula propriamente

nenhuma prestação contraposta (dever), mas uma submissão à manifestação

unilateral do titular do direito, muito embora tal manifestação atinja diretamente

a esfera jurídica de outrem.

Os direitos potestativos, porque a eles não se relaciona nenhum dever,

mas uma submissão involuntária, são insuscetíveis de violação, como salienta

remansosa doutrina. Os direitos potestativos podem ser constitutivos - como o

que tem o contratante de desfazer o contrato em caso de inadimplemento -,

modifi cativos - como o direito de constituir o devedor em mora, ou o de escolher

entre as obrigações alternativas -, ou extintivos - a exemplo do direito de despedir

empregado ou de anular contratos eivados de vícios (AMARAL, Francisco.

Direito civil: introdução. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 201-202).

Somente os direitos subjetivos estão sujeitos a violações, e quando ditas

violações são verifi cadas, nasce para o titular do direito subjetivo a faculdade

(poder) de exigir de outrem uma ação ou omissão (prestação positiva ou

negativa), poder este tradicionalmente nomeado de pretensão.

Dessarte, por via de consequência, somente os direitos subjetivos possuem

pretensão, ou seja, o poder de exigência de um dever contraposto, já que este

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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dever inexiste nos direitos potestativos nem nos direitos que se exercem por

meio de ações de estado.

O sistema civil brasileiro de 1916, como é amplamente sabido, não tratou

com muito esmero os institutos da prescrição e da decadência, atribuindo prazos

ditos prescricionais a direitos potestativos, sujeitos evidentemente a decadência.

Colhem-se como exemplos dessa erronia o pedido de anulação de casamento

(art. 178, § 1º e § 4º, II, § 5º, I e II), a ação para se contestar a paternidade

de fi lho (art. 178, § 3º), a ação para revogar doação (art. 178, § 6º, I), ação do

adotado para se desligar da adoção (art. 178, § 6º, XIII), ação para anulação de

contratos em razão de vício de vontade (art. 178, § 9º, inciso V).

Quanto à prescrição, desde o diploma revogado, o legislador optou por

prever um prazo geral (art. 177) e situações discriminadas sujeitas a prazos

especiais (art. 178), sem exclusão de outros prazos conferidos por leis específi cas.

Grosso modo, esse método foi transferido para o Código Civil de 2002,

que também prevê um prazo geral (art. 205), e prazos específi cos (art. 206) de

prescrição.

Essa sistemática, por si só, possui a virtualidade de apanhar, ordinariamente,

todas as pretensões de direito subjetivo e lhes conferir um prazo de perecimento:

se a pretensão não se enquadra nos prazos prescricionais específi cos, sujeitar-

se-á, certamente, ao prazo geral.

Somente alguns direitos subjetivos, observada sua envergadura e especial

proteção, não estão sujeitos a prazos prescricionais, como na hipótese de

ações declaratórias de nulidades absolutas, pretensões relativas a direitos da

personalidade e ao patrimônio público.

Esta é a lição de abalizada doutrina;

A pretensão é própria dos direitos subjetivos, não existindo nos direitos

potestativos nem nos direitos que se exercem por meio de ações prejudiciais ou

de estado. Nas ações para o exercício de um direito potestativo, o autor não exige

prestação alguma do réu, querendo apenas que o juiz modifi que, por sentença,

a relação jurídica que admite a modifi cação pretendida, como, por exemplo, a

ação do foreiro para resgatar a enfi teuse e converter em propriedade plena a

propriedade até então restrita. (GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 19ª ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 99).

Não estão sujeitos à prescrição nem à usucapião:

3º) As ações de estado, isto é, as que se destinam a fazer reconhecida a situação

jurídica da pessoa no Estado ou na família, por exemplo: como cidadão, pai,

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 547

cônjuge ou fi lho. O estado da pessoa é a situação jurídica a ela atribuída pela

ordem jurídica em determinadas circunstâncias; desde se demonstre a existência

dessas circunstâncias, é forçoso que o estado correspondente seja reconhecido à

pessoa, porque a determinação dele é de ordem pública. O estado das pessoas

tem, além disso, um aspecto moral, que não pode ser posto de lado, e que revela,

mais claramente, a íntima ligação, que existe entre ele e a organização jurídica

da sociedade. (BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. Campinas:

Servanda, 2007, pp. 401 e 402).

A distinção entre direitos potestativos e subjetivos, como bem assinala

Caio Mário da Silva Pereira, muito embora seja de nítida feição acadêmica,

mostrou-se fundamental para solucionar um dos mais antigos problemas de

direito civil, o da diferença entre prescrição e decadência.

Assim, a prescrição é a perda da pretensão inerente ao direito subjetivo,

em razão da passagem do tempo, ao passo que a decadência se revela como o

perecimento do próprio direito potestativo, pelo seu não exercício no prazo

predeterminado.

Este é o antigo magistério de Antônio Luís da Câmara Leal:

Posto que a inércia e o tempo sejam elementos comuns à decadência e à

prescrição, diferem, contudo, relativamente ao seu objeto e momento de atuação,

por isso que, na decadência, a ineficácia diz respeito ao exercício do direito

e o tempo opera os seus efeitos desde o nascimento deste, ao passo que, na

prescrição, a inércia diz respeito ao exercício da ação e o tempo opera os seus

efeitos desde o nascimento desta, que, em regra, é posterior ao nascimento do

direito por ela protegido. (CAMARA LEAL, A. L. da. Da prescrição e da decadência. 2ª

ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 115).

Corolário desse entendimento é o de que os deveres jurídicos que subsumem

aos direitos subjetivos são exigidos, ao passo que os direitos potestativos são

exercidos (AMARAL, Francisco. Idem, p. 565).

Nesse passo, o prazo de prescrição, em essência, começa a correr tão logo

nasça a pretensão, a qual tem origem com a violação do direito subjetivo.

Por outro lado, o prazo decadencial tem início no momento do nascimento

do próprio direito potestativo, que deverá ser exercido em determinado lapso

temporal sob pena de perecimento:

Mas, se as ações relativas à determinação do estado das pessoas são

imprescritíveis, os direitos patrimoniais, que dele decorrem estão sujeitos à

prescrição.

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548

Não importa se o estado de família possa adquirir-se por posse diuturna

(nome, fama e tratamento). (BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil.

Campinas: Servanda, 2007, ps. 401 e 402).

Em primeiro lugar, porque as prescrições e as decadências visam a punir

a inércia de um titular. Alguém tem um direito, mas não o usa; pode cobrar a

dívida, mas não a cobra; pode anular o casamento, mas não o anula; quer dizer,

a faculdade que a lei põe nas mãos do titular é, então, atingida pela prescrição

ou pela decadência, o que os antigos exprimiam num brocardo: juge silentium

diuturnum silentium, jugis taciturnitas”.

A essa razão acrescenta-se uma outra que é, talvez, a razão fundamental em

que se amparam os nossos dois institutos. Esta infl uência do tempo consumido

pelo direito pela inércia do titular serve a uma das finalidades supremas da

ordem jurídica que é estabelecer a segurança das relações sociais. Tenho eu o

direito de anular o meu matrimônio, mas não o faço. Passam-se anos e anos e a

situação jurídica contrária ao meu direito se mantém, sem que eu me abalance

a praticar os atos capazes de corrigi-la. Então, para que a insegurança não reine

na sociedade, para que nós não estejamos expostos, a cada dia, à discussão de

certas situações que o tempo já se incumbiu de consagrar, vem a prescrição

considerar desaparecidos todos os defeitos e estender sua anistia sobre os

defeitos porventura existentes nas relações entre os indivíduos.

Como se passou muito tempo sem se modifi car o atual estado de coisas, não

é justo que continuemos a expor as pessoas à insegurança que o nosso direito

de reclamar mantém sobre todos, como uma espada de Dámocles. Então, a

prescrição vem e diz: daqui em diante o inseguro é seguro, quem podia reclamar

não o pode mais. De modo que, vêem os senhores, o instituto da prescrição tem

suas raízes numa das razões de ser da ordem jurídica: distribuir a justiça - dar a

cada um o que é seu - e estabelecer a segurança nas relações sociais - fazer com

que o homem possa saber com o quê conta e com o quê não conta.

[...]

Os senhores compreenderão completa e definitivamente esta matéria se

reportarem ao que estudamos há duas aulas atrás a respeito da lesão do direito.

O que é lesão do direito? A lesão do direito é aquele momento em que o nosso

direito subjetivo vem a ser negado pelo não-cumprimento do dever jurídico

que a ele corresponde. Sabem os senhores que da lesão do direito nascem dois

efeitos: em primeiro lugar, um novo dever jurídico, que a responsabilidade, o

dever de ressarcir o dano; e, em segundo lugar, a ação, o direito de invocar a tutela

do Estado para corrigir a lesão do direito. Pois bem, a prescrição nós a devemos

conceituar em íntima ligação com a lesão do direito. No momento em que surge

a lesão do direito e, com ela, aquela sua primeira conseqüência, que é o dever de

ressarcir o dano, aí é que se coloca pela primeira vez o problema da prescrição. Se

o tempo decorrer longamente sem que o dever secundário, a responsabilidade,

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 549

seja cumprida, então não será mais possível invocar a proteção do Estado, porque

a lesão do direito estaria curada.

[...]

Nasce da lesão do direito o dever de ressarcir e, para mim, o direito de propor

uma ação para obter o ressarcimento. Se, porém, deixo que passe o tempo sem

fazer valer o meu direito de ação, o que acontece? A lesão do direito se cura,

convalesce, a situação que era antijurídica torna-se jurídica; o direito anistia a

lesão anterior e já não se pode mais pretender que eu faça valer nenhuma ação.

Esta é a conceituação da prescrição que mais nos defende das difi culdades da

matéria.

[...]

Se conceituarmos a prescrição a partir da lesão de direitos, já se está vendo

que só há prescrição dos direitos subjetivos. Quer dizer: é preciso que ao direito

do titular corresponda um dever jurídico, para que, pela violação deste dever

jurídico, surja a lesão e, por conseguinte, prescrição.

[...]

Quer dizer que a prescrição conta-se sempre da data em que se verifi cou a

lesão do direito.

[...]

Todos os autores sustentam isto e o fundamento desta contagem está na

própria defi nição de prescrição que estabelecemos.

[...]

Quer dizer que o que ela faz realmente é exonerar o dever jurídico e não

extinguir o direito subjetivo a ele correspondente. Sobre mim cais o dever; eu, por

conseguinte, é que me exonero com a prescrição.

[...]

E os direitos da personalidade? Os direitos da personalidade são com

a prescrição naturalmente incompatíveis, porque sendo indispensáveis não

poderíamos admitir que a lesão do direito a respeito deles convalescesse. Jamais

poderíamos admitir que a lesão de um direito da personalidade convalescesse

pelo decurso do tempo, porque isto importaria na disposição desse direito em

favor de quem o estivesse ofendendo.

[...]

Portanto, para os direitos da personalidade, o problema é simplíssimo: a lesão

do direito jamais convalesce. (DANTAS, San Tiago. Programa de Direito Civil. 3

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pp. 342-349).

Prescrita a pretensão, remanesce ainda um direito subjetivo desprovido de

exigibilidade, como aqueles relacionados às chamadas obrigações naturais.

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Com efeito, conclui-se facilmente que, tratando-se de pretensões de direito

subjetivo, a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade a exceção.

Destarte, fi ca evidente a máxima doutrinária, alicerçada sobretudo na teoria

trinária das ações de Chiovenda, segundo a qual as tutelas condenatórias (que

visam a recompor um direito subjetivo violado, mediante uma prestação do réu)

sujeitam-se a prazos prescricionais; as tutelas constitutivas (positivas ou negativas,

que visam à criação, modifi cação ou extinção de um estado jurídico: anulatória

ou revocatória de ato jurídico, por exemplo) sujeitam-se a prazos decadenciais;

e as tutelas declaratórias (v.g., de nulidade) não se sujeitam a prazo prescricional

ou decadencial (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científi co para distinguir

a prescrição da decadência e para identifi car as ações imprescritíveis. In. Revista de

Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961).

5. Noutro giro, buscando iniciar a solução do caso em exame, observa

Caio Mário que a ação de investigação de paternidade tem caráter declaratório,

visando acertar a relação jurídica da paternidade do fi lho, sem constituir para o

autor nenhum direito novo, não podendo o seu efeito retrooperante alcançar os

efeitos passados das situações de direito:

Como via de regra, vêm cumuladas com ações patrimoniais de alimentos

ou petição de herança, ostentam nesta hipótese duplo caráter: declaratórias e

condenatórias, porque seu objeto, além do acertamento de estado, é a pretensão

aos alimentos ou à herança, que importa condenação do réu numa prestação,

sendo, pois, providas de execução direta.

Mas a ação de investigação de paternidade considerada em si, investigação

simples, é puramente declaratória, visa acertar a relação jurídica da paternidade

do filho, afirmar a existência de uma condição ou estado, sem constituir para o

autor nenhum direito novo, nem condenar o réu a uma prestação. Nem ao mesmo

seu objeto será compelir o réu a admitir a relação jurídica da paternidade, porque,

declarada por sentença esta relação, o estado de fi lho fi ca estabelecido erga omnes,

não dependendo de execução o dever de admiti-lo o réu. Este terá reconhecido

o estado de filho apenas, independentemente de sua vontade, porque, uma vez

declarado o estado de fi lho, com a procedência da ação, a relação jurídica da fi liação

importa o modo particular da existência civil do autor, que ele adquire adversus

omnes está o réu, vencido na ação.

Por motivo de não terem admitido essa caracterização apriorística, autores de

mor peso e tribunais mais bem conceituados deixaram-se conduzir a doutrinas e

decisões que desafi am emenda.

Nunca será demais repetir que, na ação de investigação de paternidade, cumpre

dissociar o estado que se declara, da conseqüência patrimonial que se persegue.

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 551

Como acentua Antônio Cicu, não pode haver um estado patrimonial e

outro moral, e muito menos a ação de estado poderá ser de natureza variável,

apresentando-se ora como ação nitidamente patrimonial ora como puramente

moral. O estado não se confunde com o efeito patrimonial; a ação de estado

distingue-se daquela em que é pleiteada a conseqüência.

Pouco importa que a perquisição judicial da paternidade venha ou não

seguida de pedido pecuniário. Esta em nada afetará a natureza daquela, pela

razão muito óbvia de que na ação investigatória o objeto colimado é a declaração

da existência de uma relação de parentesco, e, conseguido isto, está fi nda.

[...]

Este conceito de nímia relevância, terá de ser recordado toda vez que

enfrentarmos problemas cujo equacionamento depende da distinção ora

formulada, e, por não terem observado, muitos e bons autores obscureceram as

questões atinentes aos efeitos do reconhecimento.

[...]

É certo que a ação de reconhecimento é um direito do fi lho, e, pois, não poderá

o pai compeli-lo a iniciá-la enquanto estiver vivo, para que se possa defender

pessoalmente, porque este direito do fi lho compreende a faculdade de demandar

o reconhecimento, quer em vida do pai quer contra os seus herdeiros.

Por outro lado, o alegado pai tem também, inequivocamente, o direito de

bater às portas do Judiciário, pleiteando, num Juízo de acertamento, a declaração

da inexistência da pretendida relação jurídica.

[...]

O reconhecimento, na verdade, não atribui ao fi lho natural qualquer direito,

não cria para ele uma relação jurídica. Um e outra preexistiam ao ato declaratório

da fi liação, amalgamados no fenômeno natural da paternidade.

Mas esta relação de consagüinidade era estéril, incapaz, só por si, de produzir

conseqüências jurídicas, porque, se uma realidade no domínio da Biologia, se um

fato incontestável sob o império da lei natural, pela razão de que não há geração

espontânea, inexistia no campo do direito, e desconhecida pela lei civil, jamais

permitiria ao fi lho o gozo de qualquer faculdade.

[...]

Mas é o reconhecimento que torna conhecido o vínculo da paternidade, que

transforma aquela situação de fato em relação de direito, que torna objetiva no

mundo jurídico uma tessitura até então meramente potencial.

[...]

Sem dúvida que o ato de reconhecimento, espontâneo ou judicial, é

declarativo, e como tal não atribui direitos. É o argumento fundamental dos

opositores. É preciso, porém, atentar em que, se a fonte primária dos direitos

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552

direitos subjetivos de que é titular o filho de relações extramatrimoniais é o

vínculo da paternidade, e este nasce com a concepção, é certo, também, que a

fi liação biológica, por si só, não produz efeitos civis.

[...]

Se a relação natural só produz efeitos quando ocorre o reconhecimento, este é

uma causa de sua verifi cação; se o complexo de direitos se origina da concepção,

esta é uma causa de sua existência.

[...]

Primeiro, verifica-se que do reconhecimento decorre para o filho um

estado, estabelece-se para ele uma relação de parentesco, surge o direito a

uma denominação patronímica, assegura-se-lhe proteção, e fi ca ele, se menor,

submetido ao pátrio poder.

Segundo, vê-se que o reconhecimento importa tornar exigível e civil a

obrigação natural de alimentos, e garante-lhe direitos sucessórios.

[...]

83. Se o reconhecimento por ato espontâneo ou por sentença judicial, fosse

atributivo de direitos, a paternidade teria seu início com ele.

Mas, uma vez que se trata de ato declaratório, retroage à data do nascimento

ou à época da concepção, no que, aliás, estão acordes todos os autores.

Decorre, portanto, de sua natureza declaratória, que o reconhecimento de

fi liação produz efeitos ex tunc.

A regra geral de retroação dos efeitos do reconhecimento encontra, entretanto,

um limite intransponível: o respeito às situações jurídicas definitivamente

constituídas.

Desta sorte, sempre que o efeito retrooperante do reconhecimento encontrar

de permeio esta barreira, não poderá transpor, para alcançar os efeitos passados

das situações de direito. Assim entendendo, o Supremo Tribunal Federal negou

habeas corpus impetrado contra ato de expulsão de estrangeiro num caso em que

o reconhecimento de fi lha ocorreu anos depois da expulsão. (PEREIRA, Caio Mário

da Silva. Reconhecimento de Paternidade e seus Efeitos. 5 ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2001, pp. 52-55 e 136-139)

5.1. Na vigência do Código Civil de 1916, o artigo 384 daquele Diploma

indicava diversos deveres relevantes que competiam aos pais, relativos ao então

denominado “pátrio poder” (rectius, poder familiar):

Direito moderno, dizemos, aludindo aos povos de cultura democrática, em

que o Estado compreendeu que a instituição do pátrio não pode vigorar no

sentido de serem ao pai concedidos direitos e faculdades contra o fi lho, porque

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 553

“não constitui um direito a benefi ciar que o exerce, mas visa apenas à proteção do

fi lho”, e tal preponderância do interesse deste sobre as prerrogativas do pai, que

se transformou o instituto do pátrio poder em pátrio dever.

Os direitos dos fi lhos sobrelevam de tal forma os dos pais, que não mais se

poderia conceber a existência de um poder paterno como complexo de direitos,

puramente, mas ao contrário, só se admite como conjunto de deveres dos pais

para com os fi lhos.

[...]

124. Na forma do art. 384 do Código Civil, caberá ao pai natural:

[...]

Criado e educado fora da companhia do pai, nem por isto fi ca este isento dos

deveres inerentes ao pátrio poder. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento

de Paternidade e seus Efeitos. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pp. 200, 210

e 214)

5.2. No caso em exame, a causa de pedir do pleito de compensação por

danos morais está assentado no descumprimento, pelo réu, dos deveres inerentes

aos poder familiar e em alegadas ofensas à honra subjetiva do autor - no período

em que havia convívio entre o réu e o autor, correspondente à sua primeira

infância.

O artigo 392, III, do Código Civil de 1916 dispunha que o pátrio poder

extinguia-se com a maioridade do fi lho que, na vigência daquele Diploma

(artigo 9º, caput), ocorria aos vinte e um anos completos:

O artigo 168, II, do Código Civil de 1916, por seu turno, prescrevia que

não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder:

Suspensão da prescrição é a parada, que o direito estabelece, por considerações

diversas, ao curso dela, ou o impedimento que opõe ao seu início.

Não ocorre a prescrição:

1º) Entre cônjuges, na constância do matrimônio;

2º) Entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder;

3º) Entre tutelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela e curatela.

[...]

As considerações, que determinam o impedimento do início ou curso da

prescrição, nos casos que acabam de ser apontados, entre cônjuges, entre

progenitores e fi lhos-família entre tutores ou curadores e pupilos ou curatelados,

são de ordem moral. As relações afetivas que devem existir entre essas pessoas,

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a obrigação que umas têm de proteger as outras e velar por seus interesses

jurídicos, justifi cam o preceito legal, a que as impede de liberar-se por prescrição.

(BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. Campinas: Servanda, 2007, p.

415).

5.3. Nessa linha, como o autor nasceu no ano de 1957, fi ca nítido que o

prazo prescricional fl uiu a contar do ano de 1978, ainda na vigência do Código

Civil de 1916, sendo inequívoco que o pleito exordial cuida-se de direito

subjetivo, dentro do que o Diploma revogado estabelecia como direito pessoal.

De efeito, a paternidade biológica sempre foi do conhecimento do autor

- fato incontroverso nos autos -, portanto o prazo prescricional começou a fl uir

em 1978, ano em que o autor atingiu a maioridade e cessou os deveres inerentes

ao pátrio poder e, também, terminou a causa que impedia o início da contagem

do prazo prescrional:

No direito pessoal, distinguem-se as prestações positivas das negativas.

Se a obrigação se tem de cumprir por um ato positivo do devedor (dare vel

facere), desde o momento em que ele não cumpriu violou o direito do credor, e

a prescrição se iniciou, isto é, um estado contrário ao direito particular do credor

começou a formar-se. Se a obrigação tem de cumprir-se por uma omissão (non

facere) a violação do direito se dá, quando o devedor pratica os atos contrários à

inação, a que se tinha obrigado.

[...]

Ações pessoais são as que tendem a exigir o cumprimento de uma obrigação.

Dizem-se pessoais propriamente ditas e in rem scriptae. Pertencem à primeira

classe: as que se fundam em um contrato, sejam diretas, sejam contrárias, ou em

uma declaração unilateral da vontade inter vivos; as que se originam de ato ilícito;

e as de nulidade, em geral. Pertencem à segunda classe as que, embora pessoais,

podem ser intentadas contra terceiro possuidor, tais como a pauliana, a remissória

da cláusula retro, a exibitória.

Também podem considerar-se pessoais as ordinariamente denominadas

mistas, comunni dividundo, familiae erciscundae e fi niumregundorum, porque se

originam de relações obrigacionais existentes entre os comunistas e se dirigem a

determinadas pessoa. Tal é o parecer de Maynz. (BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral

do Direito Civil. Campinas: Servanda, 2007, pp. 409 e 431).

Dessarte, embora também entenda ter operado a prescrição, data venia, no

caso, não parece possível a invocação de prazo prescricional previsto no Código

Civil em vigor.

Ocorre que, como o artigo 177 do Código Civil de 1916 estabelecia que as

ações pessoais prescreviam, ordinariamente, em vinte anos e como o recorrente

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 555

ajuizou a ação buscando compensação, por alegados danos morais, apenas em

outubro de 2008, quando contava cinquenta e um anos de idade, fi ca nítido que

operou a prescrição, ainda na vigência do Código Civil de 1916.

Assim, não há sequer a necessidade de se analisar a prescrição desse tipo de

ação no âmbito do Novo Código Civil, pois, na hipótese em exame, a prescrição

iniciou-se e encerrou-se na vigência do velho diploma.

6. Realmente, embora seja certo que o reconhecimento da paternidade

constitua decisão de cunho declaratório de efeito ex tunc, todavia “não poderá

alcançar os efeitos passados das situações de direito” (PEREIRA, Caio Mário

da Silva. Instituição de Direito Civil: Direito de Família.16 ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006, vol. v, p. 353).

E tanto é assim que a jurisprudência do STJ admite a possibilidade da

prescrição, mesmo no que tange a direitos hereditários e alimentos:

Civil. Ação de investigação de paternidade. Alimentos. Marco inicial. Citação.

I. Os alimentos, na ação de investigação de paternidade, têm como termo

inicial a data da citação do réu.

II. Jurisprudência pacifi cada no âmbito do STJ (EREsp n. 152.895-PR, rel. Min.

Carlos Alberto Menezes Direito, 2ª Seção, DJU de 22.5.2000).

III. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp n. 430.839-MG, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,

julgado em 20.8.2002, DJ 23.9.2002, p. 369).

Agravo regimental. Ação de investigação de paternidade cumulada com

petição de herança. Prescrição. Inocorrência. Aplicação da Súmula n. 83-STJ.

Improvimento.

I. A ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança,

proposta na constância do Código Civil de 1916, não extrapolou o prazo

prescricional vintenário.

II. O Tribunal de origem, ao afastar a alegada prescrição, decidiu em

consonância com o entendimento jurisprudencial desta Corte.

Aplicação da Súmula n. 83-STJ.

III. O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a

conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

IV. Agravo Regimental improvido.

(AgRg no Ag n. 1.247.622-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado

em 5.8.2010, DJe 16.8.2010).

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556

É esse também o teor da Súmula n. 149-STF, esclarecendo que é

imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de

herança.

Tem razão a doutrina quando alerta para a necessidade de estabilidade

das relações jurídicas, visto que, no presente caso, a prescrição resultou do fato

de o próprio interessado, ao reconhecer que desde a infância sabia que o réu

era seu pai, ter permanecido inerte, ante a afi rmada lesão ao seu alegado direito

subjetivo, de modo a permitir o transcurso, ainda na vigência do Código Civil

revogado, de todo o extenso lapso prescricional vintenário para o pleito de

compensação por danos morais:

A prescrição é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela

necessidade de certeza nas relações jurídicas: fi nis solicitudinis ac periculi litium,

exclamou Cícero. Tolhe o impulso intempestivo do direito negligente, para

permitir que se expandam as forças sociais, que lhe vieram a ocupar o lugar

vago. E nem se pode alegar que há nisso uma injustiça contra o titular do direito,

porque, em primeiro lugar, ele teve tempo de fazer efetivo o seu direito, e, por

outro, é natural que o seu interesse, que ele foi o primeiro a desprezar, sucumba

diante do interesse mais forte da paz social. (BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do

Direito Civil. Campinas: Servanda, 2007, pp. 401 e 402).

Desse modo, se o titular permanecer inerte, tem como pena a perda da

pretensão que teria por via judicial. Repise-se que a prescrição constitui um

benefício a favor do devedor, pela aplicação da regra de que o direito não socorre

aqueles que dormem, diante da necessidade do mínimo de segurança jurídica nas

relações negociais.

A prescrição extintiva, fato jurídico em sentido estrito, constitui nesse contexto,

uma sanção ao titular do direito violado, que extingue tanto a pretensão positiva

quanto a negativa (exceção ou defesa). Trata-se de um fato jurídico stricto sensu

justamente pela ausência de vontade humana, prevendo a lei efeitos naturais,

relacionados com a extinção da pretensão. A sua origem está no decurso do

tempo, exemplo típico de fato natural.

Na prescrição, nota-se que ocorre a extinção da pretensão; todavia o direito

em si permanece incólume, só que sem proteção jurídica para solucioná-lo.

[...]

(...) cresce na jurisprudência do Superior tribunal de Justiça a adoção da teoria

da actio nata, pela qual o prazo deve ter início a partir do conhecimento da

violação ou lesão ao direito subjetivo. Realmente, a tese é mais justa, diante

do princípio da boa-fé. (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo:

Método, 2011, pp. 244-245)

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RSTJ, a. 24, (228): 461-557, outubro/dezembro 2012 557

Nasce da lesão do direito o dever de ressarcir e, para mim, o direito de propor

uma ação para obter o ressarcimento. Se, porém, deixo que passe o tempo sem

fazer valer o meu direito de ação, o que acontece? A lesão do direito se cura,

convalesce, a situação que era antijurídica torna-se jurídica; o direito anistia a

lesão anterior e já não se pode mais pretender que eu faça valer nenhuma ação.

Esta é a conceituação da prescrição que mais nos defende das difi culdades da

matéria.

[...]

Todos os autores sustentam isto e o fundamento desta contagem está na

própria defi nição de prescrição que estabelecemos.

[...]

Quer dizer que o que ela faz realmente é exonerar o dever jurídico e não

extinguir o direito subjetivo a ele correspondente. Sobre mim cais o dever; eu, por

conseguinte, é que me exonero com a prescrição. (DANTAS, San Tiago. Programa

de Direito Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pp. 342-349).

7. Diante do exposto, ainda que por fundamento diverso, reconheço ter

operado a prescrição e, por conseguinte, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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