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114 Quando o espectador vira espetáculo: o futebol como campo de lutas simbólicas Camilo Aguilera Toro ([email protected]). RESUMEN A formação do público do futebol no Brasil não é uma decorrência natural da assimilação deste esporte no país. Ela depende da consolidação dos processos que levaram à transformação do futebol em espetáculo de massas e em paixão nacional, ou seja, do surgimento do futebol como fenômeno econômico e cultural de ‘grande escala’ - momento a partir do qual este esporte deixa de ser uma atividade ociosa exclusiva de uma porção das elites urbanas. Agentes dessa transformação foram o Estado, os clubes, os atletas e de modo muito especial a imprensa, promotora da constituição de um público do futebol específico: robusto e ‘militante’. O surgimento, no final dos anos 60, das torcidas organizadas 1 corresponde à versão exacerbada do que o jornalismo esportivo sempre destacou e, quando ausente, demandou com veemência: festa, colorido, alegria, compromisso, paixão. No entanto, também corresponde, não raras vezes, àquilo que a imprensa sempre condenou, mas nem por isso deixou de noticiar: a violência. As torcidas organizadas consolidam um processo em que a relação espetáculo-espetador redefine-se. Daí que pensarmos o espectador de futebol exclusivamente através da categoria público e/ou da categoria consumidor é insuficiente. A primeira, ao restringir o fato de torcer a um ato de contemplação, não dá conta da mudança efetuada na relação espetáculo-espectador. A segunda categoria, ao reduzir o espectador a mero consumidor e a relação espectador-espetáculo a uma troca econômica, tampouco consegue dar conta da referida mudança. Partindo deste conjunto de teses procura-se identificar o modo como um meio de comunicação deu visibilidade ao fenômeno, ou, em outras palavras, o modo como o tornou público ao lhe conferir o status de notícia, isto é, de mercadoria informativa. Dentro desta tentativa aparece uma outra: a de reconhecer a construção simbólica das torcidas organizadas feita pela mídia, rastreando as representações e significados que lhe são atribuídas. Presas a posturas populistas e/ou espetacularizadoras, descobre-se que as representações variam toda vez que vem à tona assuntos que põem em risco a manutenção do futebol como espetáculo de massas ao vivo e como expressão e fonte de identidade nacional: a própria violência nos estádios, mas também temas a adoção do modelo do futebol-empresa.

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Quando oespectador vira

espetáculo:o futebol comocampo de lutas

simbólicasCamilo Aguilera Toro ([email protected]).

RESUMEN

A formação do público do futebol no Brasil não éuma decorrência natural da assimilação desteesporte no país. Ela depende da consolidação dosprocessos que levaram à transformação do futebolem espetáculo de massas e em paixão nacional, ouseja, do surgimento do futebol como fenômenoeconômico e cultural de ‘grande escala’ - momentoa partir do qual este esporte deixa de ser umaatividade ociosa exclusiva de uma porção das elitesurbanas. Agentes dessa transformação foram oEstado, os clubes, os atletas e de modo muitoespecial a imprensa, promotora da constituição deum público do futebol específico: robusto e‘militante’. O surgimento, no final dos anos 60, dastorcidas organizadas1 corresponde à versãoexacerbada do que o jornalismo esportivo sempredestacou e, quando ausente, demandou comveemência: festa, colorido, alegria, compromisso,paixão. No entanto, também corresponde, não rarasvezes, àquilo que a imprensa sempre condenou, masnem por isso deixou de noticiar: a violência. Astorcidas organizadas consolidam um processo emque a relação espetáculo-espetador redefine-se. Daíque pensarmos o espectador de futebolexclusivamente através da categoria público e/ou

da categoria consumidor é insuficiente. A primeira,ao restringir o fato de torcer a um ato decontemplação, não dá conta da mudança efetuadana relação espetáculo-espectador. A segundacategoria, ao reduzir o espectador a meroconsumidor e a relação espectador-espetáculo auma troca econômica, tampouco consegue dar contada referida mudança. Partindo deste conjunto deteses procura-se identificar o modo como um meiode comunicação deu visibilidade ao fenômeno, ou,em outras palavras, o modo como o tornou públicoao lhe conferir o status de notícia, isto é, demercadoria informativa. Dentro desta tentativaaparece uma outra: a de reconhecer a construçãosimbólica das torcidas organizadas feita pela mídia,rastreando as representações e significados que lhesão atribuídas. Presas a posturas populistas e/ouespetacularizadoras, descobre-se que asrepresentações variam toda vez que vem à tonaassuntos que põem em risco a manutenção dofutebol como espetáculo de massas ao vivo e comoexpressão e fonte de identidade nacional: a própriaviolência nos estádios, mas também temas a adoçãodo modelo do futebol-empresa.

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115ompletamse 40 anos do surgimento da primeira torcidaorganizada de futebol na cidade de São Paulo: a Gaviões daFiel. Entre 1969 e meados dos anos 80 surgem muitasoutras. Deste período em diante, as torcidas organizadascomportam um crescimento expressivo, só proporcional asua progressiva visibilidade dentro do espetáculo

futebolístico, consolidando, assim, um fenômeno social que perdura até hoje. Desde suaaparição, novos ingredientes vieram fazer parte do futebol profissional. Com elas, aarquibancada ganha aparência de palco. Também com elas, o estádio e os arredores viram‘campo de batalha’, lugar das agressões entre grandes agrupamentos juvenis. Estes são osingredientes mais visíveis, mas há outros: reunidas numa nova forma de organizaçãopopular, as torcidas organizadas passam a ser um novo ator do universo no futebolprofissional; com elas, além dos clubes, das federações e das ligas, moldes de organizaçãotradicionais, outra forma de organização no futebol vem a ser possível. Também com elasconstitui-se um novo poder no futebol, ora em disputa, ora em aliança, com os poderes jáestabelecidos.

Identidades emergentes e os novos corpos da cidade

É nessa perspectiva que neste artigo estuda-se o fenômeno das torcidas organizadas no Brasile a sua relação com os outros atores do futebol profissional: clubes, federações, atletas,polícia, Estado e, fundamentalmente, a mídia, ator decisivo no desenvolvimento do futebolbrasileiro como espetáculo de massas e na transformação desse esporte em referente deidentidade nacional. Tanto quanto o Estado, os atletas e os organizadores dos campeonatos, amídia e a torcida foram atores essenciais para a consolidação de tais processos. A mídiacumpriu o papel de tirar o futebol do estádio, de socializá-lo em outros espaços de consumo(a rua, a casa, a fábrica), multiplicando, assim, as possibilidades de aumentar o volume depúblico do futebol e, de igual modo, de incorporar o futebol no cotidiano urbano. Éprecisamente em torno desta relação entre mídia e torcida que a totalidade desta pesquisa

PALABRAS CLAVEFutebol, mídia, identidade, espetáculo, torcida,Brasil, lutas de representação/significação.

Brasileiro é assim: basta alguém entrar em campo que ele já vailogo torcendo. Torcida organizada fanática por você. Torce paravocê crescer, para ficar forte. Você vale ouro, é o troféu da vida

deles. Continue torcendo. Continue sendo assim: brasileiro. Torcerpelo Brasil faz bem (Texto de publicidade televisiva de Ninho -marca

de leite da companhia Nestlé- emitida pela Rede Globo no Brasildurante os meses de junho, julho e agosto de 2004. Acompanhava o

texto una série de imagens que mostravam a uma criança sendoanimada pela sua mae -a «torcida organizada»- numa competição de

natação).

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se desenvolve e, mais especificamente, em tornodo papel da mídia na formação daquilo queparece ter sido crucial para a constituição dopúblico de futebol: as identidades torcedoras.

No seu livro O futebol em dois tempos HélioSussekind faz interessantes elaborações sobre osprocessos de construção das identidades ligadasaos clubes de futebol e do modo como estasidentidades reproduzem-se de gerarão emgeração. «Estar presente nas grandes conquistasde um clube, acompanhar o time de coração aolongo dos cinco ou seis meses de um campeonatofaz do torcedor o anônimo construtor de umahistória. (...) O torcedor quer lembrar, querarquivar na memória os momentos do futebol.(...). É como se sente parte da história. O futebolé jogado e acompanhado para fazer parte dopassado, para assumir um sentido. Para adquirir oestatuto de uma narrativa que será transmitidaadiante pelos que experimentaram, comoespectadores, as grandes conquistas» (1996:10).Para Sussekind haveria uma transmissão denarrativas entre espectadores. A reprodução derelatos do passado - conquistas, mas tambémderrotas – seria efetuada pelo espectador, isto é otorcedor que, tendo acumulado experiências, ascompartilha no ato de narrar. Avançando nas suasreflexões, Sussekind vai falar de uma «narrativaépica», a partir da qual se efetuaria uma «trocade experiência entre torcedores» (Idem: 70). Taltroca seria verbal e realizada num espaço físicoconcreto: «Comparecer aos campos de futebol foisempre o veículo de transmissão das experiênciasacumuladas» (Idem: 84). A filiação entre ostorcedores que trocam experiências seria tambémlocalizada: «O torcedor consumia uma históriapresente e sem compromisso com o passado. Como acúmulo dos anos e das décadas, os torcedoressabiam que não estavam mais lidando apenas comum presente imediato. Sabiam que tinham umpassado mitológico atrás de si. Recebiamnarrativas de pais, avôs, amigos» (Idem: 72). Osamigos e os homens mais velhos da famíliaseriam, assim, os agentes centrais deste processode «transmissão». Além do bairro, do local detrabalho, da escola, etc., lugares onde seconstroem amizades, a família seria umainstância central na reprodução desse «passadomitológico» dos clubes de futebol e na construçãode identidades ao redor deles: «Quando alguémse dirige hoje ao campo de futebol, quando umtorcedor veste a camisa de um clube, sabe queestá portando um passado mitológico e repetindoo que fizeram milhares de outros em temporemotos (...) O torcedor vive um momentopresente, romanesco, único, mas experimenta

num estádio a sensação de tomar parte em algomuito precioso que se converterá mais tarde emmitologia» (Idem: 73).

De fato, as identidades torcedoras constroem-seatravés da socialização permanente de relatos,acontecimentos memoráveis, ídolosinesquecíveis, entre familiares, amigos ousimplesmente vizinhos acidentais no estádio. Deigual modo, é indiscutível que a construção dasidentidades torcedoras passa por âmbitos como afamília, o bairro, a rua, etc. No entanto,acreditamos que dela participaram outros agentes(o jornalismo esportivo, por exemplo) e que suareprodução efetuou-se também em outrosâmbitos (a mídia, por exemplo).

De modo mais amplo, este trabalho visa inserir ofenômeno das torcidas organizadas no contextohistórico do surgimento do futebol e dosurgimento do torcedor de futebol no Brasil.Ambos fazem parte de dois processos maisamplos: por um lado, a assimilação de umacultura esportiva e, por outro, a constituição deuma indústria do entretenimento na qual ofutebol como espetáculo ocupa um lugarimportante. A proliferação, durante os anos 10 e20, de toda classe de espetáculos oferecidos àsmassas urbanas diz respeito à inserção do lazerna atividade econômica das principais cidadesbrasileiras. O panorama da oferta e do consumode bens simbólicos no ano de 1919 na cidade deSão Paulo, delineado por Nicolau Sevcenko (1992:27-58), poderia ser entendido como o embrião doque na década de 40 viria a ser uma verdadeiracultura de massas no Brasil. O futebol nãoescapará a este impulso e sua inserção comobem simbólico consumível efetuar-se-á em doiscenários: no campo de futebol e na mídia. Diretoou midiatizado, rapidamente o futebol passa aser objeto dessa embrionária indústria doentretenimento. A vitória do futebol profissionalsobre o amador, resultado de uma luta que seestendeu durante as quatro primeiras décadas doséculo XX, conserva uma relação direta com aexpansão dessa indústria. Pierre Bourdieu vaichamar a luta travada entre o amadorismo e oprofissionalismo no esporte de «disputaideológica». Trata-se de uma disputa queenfrentaria, por um lado, o ideal aristocrático,que procuraria fazer do esporte uma prática dedistinção social, e, por outro, os princípiosliberais, que visariam submeter o esporte ainteresses econômicos. «O campo das práticasesportivas é o lugar de lutas que, entre outrascoisas, disputam o monopólio de imposição dadefinição legítima da prática esportiva e da

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função legítima da atividade esportiva,amadorismo contra profissionalismo, esporte-prática contra esporte-espetáculo, esportedistintivo – de elite – contra esporte popular – demassa –» (1983: 141-2).

Orfeu extático na metrópole, pesquisa dohistoriador Nicolau Sevcenko, oferece elementosinteressantes para entender as condiçõeshistóricas da assimilação do futebol na cidade deSão Paulo. O futebol aparece nessa investigaçãocomo parte de um conjunto de temas maisamplo, entre outros, o do cenário das práticas econsumos de lazer na cidade de São Paulo no finaldos anos 10. «Sob o epíteto genérico de‘diversões’, toda uma nova série de hábitosfísicos, sensoriais e mentais, são arduamenteexercitados, concentradamente nos fins desemana, mas a rigor incorporados em dosesmetódicas como práticas indispensáveis da rotinacotidiana: esportes, danças, [...], cinema,shopping, desfiles de moda [...], cervejarias,passeios, cinemas, excursões [...] viagens,corridas rasas, de fundo, de cavalos, debicicletas, de motocicletas, de carros, de avião,tiros–de-guerra [...], parques de diversões,boliches, patinação, passeios e corridas de barco,natação, saltos ornamentais, massagens, saunas,ginástica sueca, ginástica olímpica, ginásticacoordenada com centenas de figurantes nosestádios, antes dos jogos e nas principais praçasda cidade» (1992: 33, 34). A cidade de São Paulooferecia pela primeira vez um leque tão amplo de

opções de entretenimento (de práticas econsumos de lazer), assim como de atividadesfísicas que dizem respeito à incorporação de umacultura esportiva e do cuidado do corpo. Ambosos fatos ajudam a entender a assimilação e odesenvolvimento do futebol profissional no Brasil.

Vindos da Europa, tanto esporte quanto educaçãofísica tornaram-se rapidamente um assunto deinteresse da imprensa. No discurso da crônicajornalística estudada por Sevcenko, ambosaparecem como condição de prosperidade, debeleza e de progresso do povo paulistano. Osjornais promoveram a idéia do um Brasilesportivo, terra de atletas competentes ecidadãos sadios. Em dezembro de 1919 a recém-fundada Revista Sports2 publica o seguintecomentário: «Nos atuais campos de esporte está-se preparando uma geração que indiscutivelmentemodificará de modo acentuado a nossa moral e agrande atividade do povo paulista em todos osdesdobramentos do seu comércio, da sua históriae da sua agricultura» (Citado por Sevcenko, 1992:47). Praticar esporte, exercitar os corpos, era umassunto além do lazer e da saúde, envolvia aformação de uma nova moral do povo e odesenvolvimento econômico da cidade e doEstado de São Paulo. A mídia depositava noesporte responsabilidades morais, mas tambémeugenísticas. Na mesma edição a Revista Sportscomentava: «A regeneração da raça não se faráenquanto a nação não compreender anecessidade de pistas e estádios» (Idem).Haveria, assim, uma raça a regenerar e a práticado esporte seria um dos meios através do qualempreender esta reforma eugenística. Mas talempreendimento precisava de instalações físicasadequadas, dai que a mídia ter consideradoimportante promover a edificação de estádios e aadequação de campos para a prática do esporte.Nos anos 10 e 20, como documenta Sevcenko,houve uma explosão de todo tipo de associaçõese clubes esportivos na cidade e no Estado de SãoPaulo (Idem: 52). De igual modo, a imprensapromoveu a importância de incrementar o ensinoda educação física nas escolas paulistanas.Reformas educativas feitas na França, naInglaterra e nos Estados Unidos visandointensificar a prática de esportes e exercíciosfísicos entre os escolares, serviram comoargumento neste sentido (Idem: 42-46). Osresultados do fomento ao esporte por parte damídia foram aparecendo: em 1919, o governo doEstado se São Paulo assume compromissospolíticos para incentivar a educação física entre arede estadual de escolas públicas (Idem: 52). O

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governo municipal de São Paulo, presidido por Washigton Luís, também assumecompromissos políticos a favor do aumento do ensino da educação física nasescolas da rede municipal (Idem: 54-55).

O futebol constituiu-se, rapidamente, como a modalidade esportiva maisconsumida pelos habitantes das cidades. Nos anos 40 e 50, cinema e futebolsão os espetáculos populares que mais platéias congregavam. O futebol, adiferença do cinema, aglomerava majoritariamente o público masculino(Buarque, 2000: 162). Antes do Estado e da imprensa verem no futebol, e noesporte em geral, uma utilidade e um papel social, sua prática e seu consumoforam privilégios de uma porção das elites urbanas.

O futebol como espaço de lutas (simbólicas) de classe

Vindo da Inglaterra, o futebol chega ao Brasil em 1894. Em pouco tempo, esteesporte deixa de ser um espetáculo curioso, quase exótico, e passa a ser umaatividade lúdica-amadora exclusiva das classes abastadas urbanas. As elitespraticavam futebol e, ao mesmo tempo, consumiam-no. Este monopólio foipossível, entre outras razões, graças à rápida organização das elites em tornode associações de lazer: os clubes. Esses clubes sociais distinguiam-se de outrosdevido ao lugar central que neles ocupava a prática de esportes e de outrasatividades recreativas. A adoção do futebol como prática socializada entre osclubes diz respeito a suas primeiras tentativas de formalização einstitucionalização no Brasil, tentativas surgidas muito antes daprofissionalização desse esporte. As elites, através dos clubes, divertiam-secorrendo e vendo correr 22 homens atrás de uma bola. São as pessoas próximasda vida dos clubes, familiares e namoradas dos jogadores, que compõem aprimeira torcida de futebol.

O trabalho de Leonardo Pereira (1998: 35) através de uma revisão minuciosa dealguns jornais cariocas, dá conta da composição sócio-econômica e dasdinâmicas sociais presentes nas platéias durante o período 1902-1914. A platéiaé, naquele momento, um lugar de encontro das elites vinculadas aos clubessociais/esportivos e, além disso, um espaço de exibição e de distinção social:vestindo finas roupas – à moda da época – os espectadores e espectadorascariocas desfilavam e transformavam em espaço de socialização das elites, umlocal destinado, em princípio, simplesmente para a expectação de um eventoesportivo. Sendo o futebol, naquele momento, domínio dos clubes esportivosde elite, os jogos, mais do que serem um espetáculo propriamente dito, erameventos sociais, eventos de clube. Embora se tratasse de um evento privado, aimprensa dava-lhe, ao noticiá-lo, conotações públicas. Principalmente osjornais, nas suas páginas sociais, registravam o jogo de futebol como umevento social - mais do que esportivo - destacando a presença de proeminentespersonalidades das elites cariocas entre o público e as finas roupas por elasexibidas. Para os jornais, como mostra Pereira (Idem: 87), eram tãoimportantes em termos noticiosos, os eventos ‘intracampo’ (times emconfronto, resultado dos jogos, etc.), como os eventos ‘extra-campo’ (opúblico); importava o jogo, mas também quem o assistia. As elites tinhamachado no futebol mais um espetáculo a ser consumido. Espetáculo que eraparte integrante do leque disponível de eventos culturais e de lazer dasgrandes cidades brasileiras – especialmente o Rio de Janeiro e São Paulo. Nesteleque deveríamos incluir, por um lado, o que poderíamos chamar deespetáculos cultos (teatro, ópera, exposições de arte) e, por outro lado, o quepoderíamos chamar de espetáculos populares (cinema, corridas de cavalos,circo).

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Durante o final do século XIX e o início do XX o futebol no Brasil experimentauma ampla difusão entre as elites sociais. Este é o período do surgimento de umnúmero expressivo de clubes sociais/esportivos nas cidades do Rio e de SãoPaulo, nos quais a prática e o consumo de futebol ocupava um lugar dedestaque. Mas esta difusão não se restringiria às elites. Apesar da predominânciade público burguês, setores populares aproximaram-se rapidamente do novoespetáculo. Foi de cima dos morros e telhados próximos dos estádios que essessetores populares vieram a ser espectadores de futebol - o que Pereira chama de«assistência extra-muros» (Idem: 134). Posteriormente, esses novosespectadores tiveram acesso ao estádio, num primeiro momento gratuitamentee, logo, tendo que pagar pelo ingresso. Tendo-se descoberto que um eventoprivado poderia vir a ser um espetáculo público, isto é, economicamenteexplorável, abriram-se as portas dos estádios a um público mais diverso. Dito deoutro modo, os clubes identificaram que o que tinha começado como umasimples atividade lúdica praticada e consumida por poucos, podia se converternum espetáculo a exibir entre um público mais amplo. Descobria-se que ofutebol podia ser consumido e não apenas praticado.

A formação do público popular de futebol não é simultânea à chegada do futebolao Brasil. Ela depende da incorporação do futebol na vida cotidiana das cidades,mas também do processo que levou os clubes a verem no futebol um espetáculopopular. O que o futebol experimentava, grosso modo, era um segundo processode apropriação: o primeiro tinha sido efetuado pelas elites, enquanto o segundopor setores populares urbanos. Tratava-se das primeiras tentativas depopularização do futebol. Assim, um evento privado das elites virava espetáculoesportivo público.

Os jornais, como mostra Pereira, ao fazer do futebol matéria noticiosa,intensamente socializada e recriada entre os leitores, tinham assentado as basespara fazer do futebol um tema público, corriqueiro, articulado à vida cotidianadas urbes, o que se mostrou essencial para uma real e definitiva popularizaçãodo futebol no Brasil. Mas isto não aconteceu sem resistências, todas elasbuscando conservar o futebol entre as elites e usando como argumento que, porse tratar um esporte bretão, seria incompreensível para o povo: «O povo queassiste e comenta em altas vozes um jogo quando nada dele sabem...» (dapublicação jornalística O imparcial, do 17 de abril de 1916, citado por Pereira,1998: 118). O jornalista e homem de letras Coelho Netto, como documentaMathew Shirts (1982: 55-58), combateu a participação popular no futebol, tantona prática como no seu consumo, usando argumentos classistas: para ele, aprática do futebol entre as elites evidenciava a ligação entre a Inglaterra -berço do futebol - e o Brasil de herança européia e demonstrava, maisespecificamente, a fluidez das elites brasileiras na adoção de costumesmodernos e civilizados. Com a introdução dos novos públicos não apenas cresciaa platéia em número como também mudava seu semblante, o que mortificava osconservacionistas com o mesmo perfil de Coelho Neto. O anseio de Coelho Nettocoincide com o do Barão Pierre de Coubertim, inventor dos Jogos Olímpicosmodernos, que definira o tipo de platéia que os Jogos deveriam reunir: «OsJogos são para uma elite de competidores e para uma elite de espectadores,pessoas sofisticadas, diplomatas, professores, generais» (Cobertim, P. OlympicMemories, p. 50, citado por Proni, 1999: 56).

Como no Reino Unido no final do século XIX (Elias e Dunning, 1992: 172), osjornais cariocas destacavam e celebravam na primeira platéia de futebol amadorsua elegância e decoro. Essa mesma imprensa lamentava a presença de outrostorcedores, aqueles vindos de setores populares da cidade, alguns dos quais,como mostra a crônica carioca de início do século XIX, compareciam descalços

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ao estádio (Pereira, 1998: 172). Ao corromper o airoso ambiente criado pelaselites, parte da crônica censurava a presença desses outros torcedores comataques deste teor: «casta de torcedores impertinentes e mal educados»3 ou«empobrecem esse sport de maior predileção do povo civilizado brasileiro»4.

As décadas de 20 e 30 comportam um outro tom jornalístico, dentro do qualMário Rodrigues Filho - como veremos mais adiante – é paradigmático: trata-sede um jornalismo que assimila e aplaude a chegada dos novos espectadores, osmesmos que fariam possível a transformação do futebol em espetáculo erentável, desfigurando, assim, o velho futebol, atividade ociosa de uma eliteque buscava curtir os hábitos divertidos e civilizados importados da Europa.

A emergente popularização do futebol não só se expressava na novacomposição socioeconômica do público nos estádios, como também, inclusivecomo mais força, no aumento da prática do futebol entre setores populares; ofutebol desborda o clube social e instala-se na rua. Contra a prática de futebolem espaços públicos também se ativaram resistências. Cronistas e políticos daépoca alegavam que o futebol praticado em ruas e raças afeava a cidade ecausava distúrbios. Como documenta Waldenyr Caldas, o governo municipal doRio de Janeiro proibiu, no início do século XX, a prática de futebol em ruas epraças da cidade (1990: 87).

Gradativamente, ao ritmo imposto pela popularização do futebol, a mídia foiperdendo interesse nas proeminentes personalidades que ocupavam as platéias,achando mais atrativo a presença da torcida popular. Passaram a importar, maisdo que os trajes de última moda exibidos na platéia, «as milhares de mãosbatendo, [e as] milhares de vozes gritando»5. O que o jornalismo descobre é quecom o nascimento da torcida popular também nasce o espectador comotributário de elementos vistosos e festivos. Pareceria uma observação banal -levando em conta que gritos, cânticos e coreografias fazem parte daperformance habitual do espectador de futebol contemporâneo, sobretudodaquele vinculado às grandes torcidas organizadas - não fosse o fato de que taisexpressões, executadas por multidões, eram um fenômeno inédito entre osespectadores de futebol do início do século XX.

O que a popularização do futebol como espetáculo consumido implicava era,além de uma mudança na composição socioeconômica do público do futebolbrasileiro, o surgimento de uma nova relação entre espetáculo/espectador. Como nascimento da arquibancada, local de expectação de públicos menos nobres,surgem novas manifestações da torcida; novas, no sentido que as expressõescomportadas das elites deram lugar a expressões mais apaixonadas. É nessatransformação que se registram no futebol brasileiro as primeiras agressõesentre torcedores e, raras vezes, entre grupos deles. Durante os anos 10, trêsacontecimentos são expressivos quanto às mudanças experimentadas a partir dapresença das multidões populares nos estádios: 1) a imprensa registra asprimeiras altercações entre torcedores ‘rivais’; 2) o clube do Botafogo inaugurauma prática que mais tarde vai se institucionalizar: a contratação de serviçopolicial para garantir a segurança dos espectadores e o bom-curso doespetáculo; 3) ocorrem as primeiras invasões do campo de jogo por parte detorcedores durante a disputa dos campeonatos. A presença dos novosespectadores exigiu uma reestruturação do espetáculo: além deinstitucionalizar a presencia de polícia nos jogos, toma-se uma providência denão poucas conotações, a saber, a instalação de grades entre o campo de jogo eas arquibancadas. A distância entre o espectador e o espetáculo, estabelecidaespacialmente ao localizar o torcedor na platéia e o jogador no campo de jogo,tinha sido ‘ampliada’ ao levantar entre eles um obstáculo concreto.

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121Em 1923 acorria um dos acontecimentos dahistória do futebol brasileiro que mais fez crescero volume de espectadores nos estádios: ainclusão, por parte do Vasco da Gama, de negros,mulatos e operários no seu time, fato semprecedentes que violava as regras impostas pelaversão de futebol amador inicialmente defendidopelos clubes cariocas mais tradicionais. Este gestoteve um impacto popular fortíssimo, o que levoua um enorme crescimento da torcida do Vasco.Acontecia, pela primeira vez, que um espectadornegro visse no campo um jogador da sua mesmacor e não apenas garotos brancos das famíliastradicionais e abastadas da cidade.

Quando os clássicos do domingo se‘carnavalizaram’

O setor progressista da imprensa teve umdesempenho fundamental na configuraçãopopular da torcida de futebol no Brasil. Nahistória que conecta o jornalismo esportivo e atorcida de futebol - dois fenômenos correlatos - afigura de Mário Rodrigues Filho ocupa um lugarcentral. Ele, através do seu trabalho em jornais eno rádio, vai aportar elementos essenciais para apopularização do futebol. No Brasil, o rádio vaiser determinante na expansão do consumo dosesportes como espetáculo ao vivo e comoconteúdo noticioso; no Brasil e em muitas outras

nações ocidentais. Como documenta MarceloProni, na Inglaterra do início século 20, o futebole o boxe já eram modalidades esportivasplenamente profissionalizadas e «estavamconsolidadas no cotidiano de grandes cidades»(1998: 58). Porém, «o grande salto à frente dosesportes profissionais só viria a partir dos anos20, e principalmente depois da difusão da rádio.Foram os meios de comunicação que deram oapoio fundamental ao profissionalismo e aodesenvolvimento de uma cultura esportiva demassa» (Ídem). Retornando para o papeldesempenhado por Mario Filho é ele quem, comomostra José Lopes (1994: 66) vai alterar apomposa maneira em que a imprensa denominavaos clubes de futebol; assim, por exemplo, o Clubde Regatas Vasco da Gama passa-se a chamar de,simplesmente, Vasco. Mário Filho subverte aformalidade com que a imprensa referia-se aosclubes de futebol, contribuindo na difusão deuma linguagem popular ligada ao tema do futeboljá presente na fala corriqueira da rua. Mário Filhoincentivou a constituição de uma torcida – alémde popular – participativa; para ele, eram ossetores populares urbanos, mais próximos deexpressões festivas como o samba e o carnaval,os que poderiam fazer do espectador umelemento ativo do espetáculo futebolístico. Talincentivo concretizava-se no reconhecimento ena premiação, através de programas de rádio,daquelas torcidas que demonstrassem maiororganização e criatividade no momento de torcer(Lopes, 1994: 72). Dele também é a introdução dotermo clássico no futebol, palavra que denominaas partidas entre os clubes de maior simpatiaentre os espectadores. Dos clássicos o maispromovido por Mário Filho foi o jogo entre oFlamengo e o Fluminense. Esta é a época dafundação do o mito Fla-Flu. É na década de 20que, como diz Lopes, «os clássicos do domingo secarnavalizam». (Idem: 73). Através destasiniciativas – aparentemente menores, mas, naverdade, sumamente significativas – Mário Filhofoi se tornando uma figura essencial não apenasdo processo de popularização do futebol noBrasil, como também do processo que fez comque espectador passasse a ter um papel cada vezmais participativo dentro do espetáculo dofutebol.

Como diz Lopes, «houve um trabalho realizadopor um conjunto de ‘experts’ do mundo doesporte – um mundo dentro do qual os jornalistastiveram um papel preponderante – para reformaro futebol brasileiro, ‘naturalizá-lo’,transformando-o num esporte mais próximo dosgostos e das expectativas do povo em matéria de

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espetáculo populares» (1994: 83). Mário Filho seria um dos maisdestacados experts ao prever que a prosperidade do futebol dependiada qualidade do espetáculo oferecido no campo de jogo, mas tambémda festa e do espetáculo nas arquibancadas. É importante salientarque a torcida que Mário Filho procurava constituir não se esgotava noestádio, abrangia também aquela situada fora dele, isto é, os ouvintesde rádio e os leitores de jornal. A grande virtude do jornalismoesportivo, enquanto meio de circulação e promoção do futebol, é suafacilidade para constituir uma massa espectadora além daarquibancada: na rua, na fábrica, na casa. O jornalismo entendeurapidamente que torcer é um ato que se consuma na observaçãodireta do espetáculo futebolístico, mas também através dos meios decomunicação. Ainda o cinema foi um espaço de consumo do futebol ede encontro de torcedores, quando, em 1938, foram exibidos emdiferido os jogos da Copa do Mundo realizada na Itália em algumassalas do Rio de Janeiro (Pereira, 1998: 330). Assim como Mário Filhofoi importante no processo de popularização do futebol através de seutrabalho na imprensa, também foi fundamental nos processoscorrelatos: profissionalização, proletarização, modernização edemocratização do futebol no Brasil. Ao mesmo tempo que ojornalismo esportivo se afiança como campo informativo em emissorase jornais, Mário Filho empurra a imprensa carioca para se posicionar afavor da profissionalização do futebol. Seu apoio irrestrito àprofissionalização coincidia com um outro propósito, igualmenteantielitista e modernizador: a luta contra a exclusão de negros emulatos dos times de futebol. A inclusão, em 1927, de jogadoresnegros, multados e operários, deve-lhe muito ao projeto anti-racistaque, através da imprensa, Mário Filho promoveu. Sua visão do futebolera a de um esporte profissionalizado, o que exigia deixar de ladocertos imaginários e medidas excludentes que em nada concordavamcom a continuidade e o sucesso de uma atividade econômicaprofissionalizada. Profissionalização e jornalismo são fenômenosestreitamente vinculados entre si; ou, dito de outro modo, «ainvenção do jornalismo esportivo é (...) paralela à invenção do futebolprofissional. São dois aspectos de uma mesma invenção» (Idem: 82). Apartir da profissionalização do futebol o jornalismo esportivo avançana sua especialização como ofício, passando a ocupar cada vez maisespaço na oferta noticiosa das emissoras de rádios e dos jornais.

Caldas faz uma reconstrução detalhada do processo que levou ofutebol a sua profissionalização. Como veremos, nesse processo foramatores importantes as federações paulista e carioca, mas também oprojeto da Nova República empreendido pelo primeiro governo deGetúlio Vargas. Trata-se de um processo carregado de lutas ecumplicidades entre os poderes envolvidos no futebol em 1933:clubes, imprensa, federações, Estado e jogadores, etc.

No início, os clubes maistradicionais do Rio e de SãoPaulo resistiam a idéia daprofissionalização. Nos anos20, por exemplo, os cincotimes cariocas maistradicionais (Flamengo,Botafogo, Vasco da Gama,Fluminense e Bangu) unem-se para formar a AMEA,grêmio que rejeitava aprofissionalização com amesma força que abraçava aidéia de um monopólioelitista do futebol amador.Da AMEA quiseram fazerparte outros clubes defutebol (Mangueira, Carioca,Palmeiras), todosdescartados por pertencerema bairros de classe média ebaixa da cidade do RioJaneiro. «A inclusão doBangu na AMEA foi um gestopopulista dos clubes de elitepara dar a imagem de umfutebol democrático. Mas oBangu, como time pequeno,não representava nenhumrisco» (Caldas, 1990: 81).Conforme avançou a décadade 20, alguns times, como oVasco da Gama, começarama simpatizar com aprofissionalização e a burlara representatividade daAMEA.

Clubes como o Flamengo e oFluminense, queinicialmente tinhamdefendido o futebol amadore elitista, revelaram-sesumamente populistas assimque este esporte seprofissionalizou. Durante osanos 40, como documentaJanet Lever (1983: 90),ambos os clubes distribuíramentre a população de baixarenda ingressos para seusjogos. Mesmo argumentandomotivos filantrópicos, épossível supormos quetambém houve interesses deoutra ordem. O Flamengo -

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associado à idéia de ‘time do povo’- foisupremamente hábil no propósito de ganharsimpatia entre públicos populares. Foi o primeiroclube carioca que tomou iniciativas concretaspara a promoção e o apoio dos primeiroscoletivos de torcedores, formas de associaçãoconhecidas como torcidas uniformizadas6. Naprópria década de 40, como documenta Lever(1983: 133) a diretoria do clube fornece à‘Charanga do Flamengo’7 um kit de bandeiras,bateria de samba e uniformes. Tratava-se, nocitado caso, de um estímulo concreto à formaçãode organizações de espectadores8. Esse tipo deações sugere o empenho dos clubes em seaproximarem dos torcedores potenciais - osmesmos que, somados aos já conquistados,garantiriam a viabilidade econômica dos clubes. Aformação de torcidas uniformizadas nas cidadesde São Paulo e do Rio de Janeiro durante adécada de 40 expressa uma mudança qualitativana prática de torcer. Elas correspondem àsprimeiras organizações de torcedores no Brasil.Estas organizações fundam o modelo de torcidauniformizada, caracterizado pelo festivo e ocarnavalesco. Como documenta o próprio LuisHenrique Toledo, «essa forma de organizaçãoperdura entre centenas de pequenas organizaçõestorcedoras que se proliferam ao redor dos times defutebol na atualidade» (Idem: 94).

Caldas documenta um fato sumamente expressivodo processo que levou à profissionalização dofutebol brasileiro: a participação permanente daimprensa nas reuniões celebradas entre osprincipais clubes e o Estado brasileiro; a taisreuniões compareciam representantes dos jornaismais reconhecidos da época. Embora sem voto natomada de decisões (o poder de votoconcentrava-se nos clubes que integravam asfederações paulista e carioca e os representantesdo Estado) a maioria da imprensa mostrou-sesimpatizante da profissionalização e procurava,entre seus leitores, um respaldo nesse sentido(1990: 218-21). No início da década de 30 – retafinal do processo que levaria à profissionalizaçãodo futebol - a imprensa deu um apoio irrestrito aoprojeto da profissionalização: imprensas paulistae carioca, mas também a mineira e a gaúcha,fizeram um ataque frontal contra o futebolamador. A fuga de jogadores brasileiros para oexterior, especialmente para as ligas profissionaisdo Uruguai, da Argentina e da Itália foi uns dosargumentos usados pela imprensa para precipitara profissionalização (Idem: 201). O ataque aoamadorismo era dirigido contra as forças elitistasdo futebol – representada pelos clubes maistradicionais e por uma minoria da imprensa.

Proletariado, massificação e nacionalismo

Além do processo de popularização do futebol,três forças concretas convergem para aprofissionalização desse esporte: 1) a pressão daimprensa; 2) a adesão progressiva de clubessimpatizando com a idéia da profissionalização -aqueles que parecem ter demorado menos tempopara entender que o futebol exibido entrepúblicos amplos poderia vir a ser espetáculo eque para tal era preciso profissionalizar o grêmio,qualificá-lo e reestruturá-lo; 3) a apresentação doPrograma de Reconstrução Nacional lançado pelogoverno Getúlio Vargas em 1930; tal Programatratava, no item 15, da criação do Ministério deTrabalho, órgão burocrático destinado, entreoutras coisas, ao amparo e a defesa dooperariado urbano e rural. «A legislação social etrabalhista do Governo Vargas iria, de 1930 a1936, regulamentar um número razoável deprofissões, até então cogitadas nesse sentido»(Caldas, 1990: 174-5). O futebolista fazia partedeste grupo de profissões. Como diria o próprioCaldas, «a política da (...) Nova Repúblicaviabiliza o futebol profissionalizado do Brasil»(Idem: 176). O pesquisador Pablo Alabarces, quemem Fútbol y patria indaga, entre outros temas, arelação entre o peronismo e o futebol argentinooferece elementos que revelam certassemelhanças entre os governos de Getúlio Vargasno Brasil e de Juan Domingo Perón na Argentina.Ambos parecem ter visto no futebol uma nova

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fonte de identidade urbana e de inclusão dasclasses populares. «El populismo peronista […]puede considerarse como un proceso de inclusiónde las grandes masas populares en la culturaurbana […], sectores hasta ese momentoilegítimos vieron ampliado la esfera de suparticipación política en función de la ampliaciónde sus derechos y de la construcción social de surepresentación massmediática» (2002: 72).Alabarces vai insistir na idéia do peronismo terdesenvolvido o que ele chama de «mecanismosinclusivos» das classes populares (Idem.). Ofutebol como espetáculo de massas faria partedestes «mecanismos inclusivos» – do mesmo modoque todo o conjunto de bens culturais aos quaisas novas classes populares assalariadascomeçaram a ter acesso a partir dodesenvolvimento de uma indústria doentretenimento.

Visto de outro modo, o sucesso daprofissionalização também respondeu ao aumentoprogressivo do consumo do espetáculofutebolístico entre a população urbana durante asdécadas de 10 e 20. Por sua vez, tal aumento sófoi possível na medida em que se constituiu umpúblico amplo, o mesmo que, indiretamente,pagaria os salários que, por lei, os clubesdeveriam pagar a seus jogadores. A resistênciados clubes à profissionalização tinha a ver - alémdo interesse de conservar o futebol entre aselites – com o fato de estes terem que seresponsabilizar pelo pagamento de atletasprofissionais. Além de motivos elitistas, os clubesresistiam a idéia da profissionalização porquenum primeiro momento pensaram que afetariasua sobrevivência econômica. Com aprofissionalização, os clubes qualificam oespetáculo e, do mesmo modo, cobram mais altoseu consumo. Apesar de aumentarem o valor doingresso, como documentado por Caldas, ovolume de público nos estádios não diminui,comportando inclusive, um pequeno crescimentode 3%. (1990: 217). O gosto pelo futebol entre umnúmero cada vez maior da população urbanatinha sido garantido, entre outras razões, pelotrabalho promocional feito pela imprensa a favordo futebol como espetáculo de massas. Ela podiacontribuir na manutenção do futebol comoassunto de interesse geral, mas não podiagarantir a presença dos torcedores nos estádios;quer dizer, podia incentivar o interesse pelofutebol, mas não seu consumo nos estádios. Ostorcedores pagariam o novo espetáculoprofissionalizado, mas para isso precisavam tercomo pagá-lo. Como sugere Caldas, o surgimento

do futebol profissional no Brasil só seria possívelcomo o nascimento de uma nova classe no país: oproletariado (1990: 176). O crescimentoeconômico e o processo de industrialização noBrasil na década de 30 engendram o proletariadoe, com ele, uma massa de pessoas assalariadascapazes de consumir atividades de lazer. Domesmo modo que no Brasil, as décadas de 30 e 40na Argentina marcam um período importante daformação de uma massa de assalariados, o quecontribuiu para viabilizar o consumo consistentede espetáculos e bens culturais: «Como productodel aumento del poder adquisitivo [de las clasespopulares], se acentua el proceso señaladodurante a década anterior [1930], en el sentidodel sostenido aumento de los consumos culturalesde masa: es el momento en que se encuentra lasmayores tiradas de los médios gráficos. Semultiplican las grabaciones discográficas […], lassalas cinematográficas trabajan a lleno, al igualque los restaurantes, los salones de baile, losespetáculos y los bailes de carnaval, y losestádios deportivos: las cifras de venta deentradas para los partidos de fútbol baten recordsy establecen promedios hasta hoy no superados»(Alabarces, 2002: 70). Por sua vez, o surgimentodas multidões nos estádios não teria sido possívelsem um acontecimento prévio ao nascimento dachamada sociedade de massas: a industrializaçãoe, com ela, a urbanização, especialmente intensaem São Paulo e no Rio de Janeiro. Como vemos,há um estreito vínculo entre cidade e futebol, ou,melhor, entre cidade industrial e popularizaçãodo futebol, tanto praticado quanto consumido.«Um dos aspectos prodigiosos da história dofutebol (...) tem sido a rapidez extra-ordinária daexpansão da sua popularidade dentre as massaspopulares, especialmente no contexto dascidades industriais» (Sevcenko, 1994:35). Além deSevcenko e de modo mais detalhado, BeneditoTadeu César dá conta do forte vínculo entreindustrialização urbana e popularização dofutebol em «Gaviões da Fiel e o águia docapitalismo ou do duelo» (1981: Cap. 1). Tadeu,fazendo uma revisão da história do futebolpaulistano, vai apontar para dois fatoscondizentes, ambos correspondentes às primeirasdécadas do século 20: por um lado, o início daprática e do consumo do futebol entre setorespopulares urbanos e, por outro, o processo deindustrialização da cidade de São Paulo. Com isso,a cidade abria, simultaneamente, uma oferta detrabalho e outra de lazer: fábrica, campo defutebol (o lazer como prática) e arquibancada (olazer como consumo). Para Tadeu, a análisehistórica do futebol paulistano passa

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necessariamente pela análise do nascimento dotrabalho operário e do processo deindustrialização paulistano do início do séculopassado. Com a profissionalização do futebol –mas também antes, com sua intensapopularização – deu início a um processo quefaria do futebol, originalmente prática e hábitocultural de uma parte das elites urbanasbrasileiras, um espetáculo de massas. O futebol,o que alguns tentaram conservar entre poucos,tinha se massificado.

O estreito vínculo entre o primeiro governo deGetúlio Vargas e a profissionalização do futebolconfirma a observação de Luiz Henrique de Toledosegundo a qual o Estado usou esse esporte comoestratégia em face da modernização do país e daconstrução de uma identidade nacional (1994:46). Com a conservação do futebol como práticaesportiva amadora tal projeto teria sido inviável.O profissionalismo era essencial nesse sentido. Aprofissionalização do futebol coincidia, pois, como impulso modernizador do projeto político doprimeiro governo de Vargas. Como vimos, grandeparte da imprensa esportiva entendeu epromoveu tal projeto. O que está em jogo nesseprocesso todo é a constituição do futebol comopaixão nacional. Não se tratou exclusivamente damontagem de um grande espetáculoeconomicamente lucrativo, mas também daformação de uma grande paixão nacional, robustafonte de identidade, depositando no futebol atarefa de ser, entre outros, um meio através doqual promover a idéia de unidade nacional. Paraisso foi necessária uma reforma profunda naestrutura amadora que o futebol brasileiro aindaconservava no início da década de 30, reformaque só foi possível «graças à passagem de umprofissionalismo ‘marrom’ (ou ‘falsoamadorismo’), patrocinado financeira emoralmente pelas empresas, para umprofissionalismo total, ou seja, um sistema deorganização do esporte implicando não somentena profissionalização do conjunto dos atores –jogadores, jornalistas, treinadores e responsáveisde clubes – mas também de certa forma dosmilitantes em tempo integral que são ostorcedores, conjunto de atores cuja ação‘unitária’ poderia contribuir para transformar umjogo de amadores num espetáculo ‘nacional’».(Lopes: 1994: 76, grifo meu).

Do mesmo modo que a imprensa foi importanteno processo de profissionalização do futebol, seudesempenho foi decisivo na formação do públicoconsumidor do espetáculo futebolístico e, mais

especificamente, na transformação desse públicoem torcida militante. Como permitem veralgumas pesquisas, a imprensa demandou dopúblico certo tipo de atitude. Para ostentar otítulo de torcida era necessário, precisamente,ter uma atitude de torcida, isto é, assumir umcompromisso com o clube preferido e demonstrá-lo. É nas primeiras décadas do século XX que -como mostra Pereira – a imprensa incorpora umdiscurso que fala de uma «atitude da torcida»(1998: 97).

Em outro período da história do futebolbrasileiro, Gisella Moura identifica que durante aCopa do Mundo de 1950 a imprensa tambémdemandou dos torcedores, na sua condição debrasileiros, uma atitude específica. Torcer veio aser a demonstração de um compromisso com apátria. Evidências desse compromisso patrióticoeram, por tanto, comparecer ao Maracanã paraver os jogos da equipe brasileira, mas sobretudotorcer pelo Brasil, isto é, comportar-se de modofestivo e apaixonado. (Moura, 2000: 115). Daíque, como mostra Moura, meses antes darealização da Copa os jornais destacaram eincentivaram sistematicamente a performancefestiva das torcidas dos clubes cariocas nas ligaslocal e nacional. O Brasil promoveu noestrangeiro não só seu futebol, mas suacapacidade para organizar eventos esportivosinternacionais, seus mega-estádios, comotambém seu povo, seu patriótico, alegre e vistosopovo. Tudo isso através de uma interessanterepresentação social: a torcida. A Copa de Mundode 1950 acontecia nos campos de jogo comotambém nas arquibancadas. Elas foram integradasao evento futebolístico e desempenharam umpapel específico.

Como mostra Moura, os jornais promoveram umarepresentação específica do torcedor brasileiro:amante da sua pátria, incondicional, alegre, mastambém respeitoso e decoroso (2000: 115-6, 119).Representação que é a mesma quando, em 1945,o governador do Rio de Janeiro dá o título deCidadão Honorário da Cidade a Jaime Rodriguesde Carvalho por seu compromisso, como torcedore membro da ‘Charanga’, sua incondicionalidadecom o Flamengo e seu comportamento exemplarnos estádios (Lever, 1983: 133): leal, festivo ebem comportado. São precisamente esseselementos, altamente valorizados e promovidospela imprensa, que caracterizam o torcedorvinculado às torcidas uniformizadas, modelo deagremiação torcedora que surge, tanto em SãoPaulo quanto no Rio de Janeiro, durante os anos40.

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¿Alienação ou novas formas de organização popular?

No final dos anos 60 surge um outro modelo de agremiação torcedora.Usualmente chamadas de torcidas organizadas, esses grupos se reconhecem,diferente das uniformizadas, como forças independentes dos clubes. A apariçãoda Gaviões da Fiel em 1969 atesta o intuito político que dá vida às torcidasorganizadas (em diante TO): cansados de sofrerem derrotas esportivas,torcedores do clube do Corinthians reúnem-se e começam a configurar uma vozexigindo triunfos e denunciando os maus manejos da diretoria do Clube. Os anos70 e 80 experimentaram a aparição de outras numerosas TO, não só no contextopaulista e carioca, como também em variadas regiões do país, sobretudo no RioGrande do Sul, na Bahia e em Minas Gerais9.

As pesquisas de Luiz Henrique de Toledo (1994, 1996, 1999 e 2000) e de AlbertoPimenta (1997, 1999 e 2003) mostram que, ao menos no contexto paulistano, sãocaracterísticas da TO um padrão de sociabilidade urbano específico,intimamente ligado à produção de um repertório iconográfico comum - roupas,faixas, cânticos, gritos de guerra10 - a comportamentos e usos verbaisparticulares e à apropriação de espaços públicos da cidade (1996). Estaapropriação de espaços públicos diz respeito a uma territorialização da cidade,na medida em que as torcidas organizadas - além de ocuparem as arquibancadasdos estádios - circulam e ‘habitam’ outra série de espaços do mobiliário urbano:bares, sedes, bairros, ‘o pedaço’, metrô e, entre outros, as rotas que ligam esteslocais aos estádios (Toledo, 1996 e 2000). O tema das representações que dosespaços urbanos fazem as torcidas organizadas é uma das questões trabalhadaspor Toledo. Haveria, assim, territórios de disputa - os trajetos para os estádios -e territórios ‘próprios’ - a sede, determinada arquibancada em dia de jogo(2000: 137). «O advento desses grupos redimensionou a relação torcedor-futebolna medida em que engendrou um determinado estilo de vivenciar e torcer pelostimes de futebol, observado no comportamento estético, verbal e nos modosespecíficos de usufruir o evento futebolístico. As torcidas organizadas são acontrapartida popular do universo do futebol profissional dimensionado emclubes, federações, justiça desportiva, confederação» (Toledo, 2000: 129). Elasrecolocam a relação torcida-futebol11 e, especialmente, a relação espectador-

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espetáculo, no sentido que, através da suamobilização coletiva nos estádios e sua apariçãopermanente na mídia como valor estético einformativo agregado, o espectador ganha aindamais centralidade dentro do espetáculofutebolístico. Por outro lado, ao mesmo tempoque elas qualificam o espetáculo dasarquibancadas - até então apresentado pelastorcidas uniformizadas na década de 40 e pelatorcida em geral -, o fenômeno da violênciaacentua-se vertiginosamente, particularmentenos anos 90. Faixas e bandeiras gigantescas,cânticos e gritos de guerra variados, jogospirotécnicos, camisetas, rostos pintados, sãoparte dos elementos que a torcida incorporacomo ingredientes institucionalizados do ato detorcer (institucionalizados no sentido de quedeixam de ser produto da ‘espontaneidade damultidão’), tornando-se um hábito de uma partesignificativa dos espectadores presentes nosestádios. Ameaças, agressões verbais,enfrentamentos físicos, ferimentos e, no limite,mortes violentas, também passam a serincidentes rotineiros no futebol brasileiro duranteos anos 9012.

É interessante das TO o alto grau de participaçãoque com elas o espectador atinge dentro doespetáculo futebolístico. Espectador que, ao virarco-autor de um espetáculo, de certo mododeixaria de ser tal. Ainda que não abandoneplenamente sua condição de espectador – todavez que não perde sua condição de observador -torna-se parte do espetáculo exibido. Destemodo, chegamos à questão central do tema sobrecomo, historicamente, tem se constituído oespectador de futebol no Brasil: pensarmos oespectador de futebol exclusivamente através dacategoria público e/ou da categoria consumidor éinsuficiente. A primeira, ao restringir o fato detorcer a um ato de contemplação, não dá contada mudança efetuada na relação espetáculo-espectador. Já a segunda categoria, ao reduzir oespectador a mero consumidor e a relaçãoespectador-espetáculo a uma troca econômica,tampouco consegue dar conta da referidamudança. O que mostra a história do espectadorde futebol no Brasil é que seu valor dentro doespetáculo foi progressivamente aumentando:primeiro, no processo de desaparecimento dofutebol amador, o espectador - como consumidor,mas também como animador do espetáculofutebolístico - constituiu-se em fator essencialpara a viabilidade econômica do futebolprofissional; depois, no processo que leva àconstituição da torcida-espetáculo o valor do

espectador incrementa-se, não tanto pelo aporteeconômico que faz quando paga o ingresso (o queatualmente, em termos financeiros, reporta bempouco em comparação à publicidade e aosdireitos da televisão) como pelo fato de qualificaresteticamente o espetáculo. Em outras palavras,a performance festiva e vistosa e o exercício daviolência experimentam, com as TO, um intensoprocesso de especialização e organização. Afinal,é com elas que se incrementam práticas quedesde o início do século XX apresentavam-se demodo irregular.

O amadorismo no futebol brasileiro - projetodefendido por uma porção das elites urbanas noinício do século passado – priorizava interessesdistintos aos mercantis. Preocupadas emmonopolizar a prática e o consumo de futebolentre poucos, as elites procuravam fazer desteesporte uma atividade de distinção social, hábitolúdico-ocioso de uma minoria reunida em tornodos clubes. Na Inglaterra do final do século XIX -como documenta Eric Hobsbawm - a luta entreamadorismo e profissionalismo foi acirrada.Setores abastados vinculados à prática de algunsesportes combateram tenazmente oprofissionalismo: «Os esportes que se tornarammais característicos das classes médias, como otênis, o rugby [...] obstinadamente rejeitaram oprofissionalismo» (1988: 256). Marcelo Proni,pesquisador interessado em rastrear os«determinantes históricos do esporte-espetáculo» (Proni, 1998: 16), oferece pistaspara entendermos o processo que levou o futebola ser apropriado pela indústria doentretenimento. «A [...] ruptura entreprofissionais e amadores [...] deve ser entendidaa partir da ascensão dos espetáculos esportivos»(Idem). O amadorismo impedia odesenvolvimento do futebol como espetáculopopular rentável, enquanto que oprofissionalismo favorecia-o. Embora asreferências de Proni remetam-se ao contextoeuropeu da metade do século 19, suas reflexõespodem ser estendidas ao caso brasileiro – eprovavelmente também ao argentino – dasprimeiras décadas do século 20. A popularizaçãodo futebol, passo obrigatório para sua posteriorprofissionalização, mudaria radicalmente oaspecto deste esporte e seu modo deorganização. Conforme foi se popularizando, ofutebol «assumiu uma nova dimensão, cuja lógicainterna passou a se fundamentar [...] naexpansão do consumo de bens culturais e na suaapropriação pela indústria cultural» (Idem: 25). Adicotomia amadorismo-profissionalismo, em que

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boa parte da mídia brasileira tomou partido a favor da segundaalternativa, resolveu-se a favor da mercantilização do esporte.

Dois eventos foram fundamentais para fazer do futebol um espetáculorentável. Por um lado, sua qualificação através da profissionalização detodos os agentes vinculados e, por outro, a formação de um públicoamplo e permanente que garantisse o consumo do espetáculofutebolístico. A constituição desse público - como já apontávamos -demandou o agenciamento da mídia. O surgimento das torcidasuniformizadas durante os anos 40 e das torcidas organizadas no final dadécada de 60 é um fenômeno que guarda estreita relação com o empenhoda mídia a favor da formação do público de futebol. No entanto, talempenho revela um paradoxo: buscou-se cativar consumidores, mas osmecanismos de persuasão para tal foram, mais do que publicitários, deordem partidária. A mídia procurou formar consumidores, mas acabouachando torcedores, isto é, partidários, militantes, para usar o termo deJosé Lopes (1994: 76). O adjetivo expressa a especificidade do que amídia, através de posturas ideológicas definidas, promoveu em prol daconstituição do futebol-espetáculo. Esta perspectiva possibilitadesnaturalizar o fenômeno torcida de futebol, minando a idéia de que elasempre existiu ou de que corresponde a uma decorrência natural daexistência do futebol.

Acreditamos que a militância fez possível o crescimento das torcidasorganizadas13 e sua gradativa visibilidade dentro do universo futebolístico;visibilidade através do espetáculo exibido na arquibancada e dasmanifestações de violência dentro e fora do estádio. Embora espetáculo eviolência apresentem-se, pelo menos formalmente, como elementosdiferenciados, consideramos necessário pôr em causa tal distinção. Atentativa de associarmos espetáculo e violência permite vermos suasimbricações. A paixão14 é uma ferramenta através da qualidentificaremos as possíveis ‘cumplicidades’ entre espetáculo e violência.A paixão fez - e ainda faz parte - de um discurso que, entre outroselementos, configura o que poderíamos chamar de ethos do torcedor.Preocupado com o exacerbado estado de mercantilização do futebolcontemporâneo, José Benevides aponta: «Assim como nas outrasdimensões da vida social, a mercantilização transforma os fins em meios.Ou seja, o ludismo, a paixão do torcedor, o símbolo do clube, convertem-se em veículos simbólicos da valorização do capital investido» (3 -mimeo). Concordando quanto a sua preocupação em relação ao modocomo o mercado vem engolindo o futebol, porém, seria discutível pensar«a paixão do torcedor» exclusivamente como fim. Contudo, «a paixão dotorcedor» pode ter sido (e ainda continuar sendo) um meio através doqual se deu o nascimento do mercado de futebol e de uma grande fontede identidades nacionais e locais, por momentos usadas para legitimarcertos discursos. Para a mídia, torcer pressupunha - como mostram aspesquisas de José Lopes (1994), Leonardo Pereira (1998) e Gissela Moura(2000) - adotar uma atitude específica, uma paixão. Torcer nãoexpressaria uma preferência e sim uma escolha apaixonada, quaseexistencial. Sem pretendermos dizer que tal paixão não é um valorautêntico - enquanto experimentado e expressado pelos torcedores defutebol - seria equivocado desconhecermos que o papel desempenhadopela mídia, já no início do século XX, a favor da constituição de umpúblico amplo e permanente, baseou-se em um discurso segundo o quallealdade e compromisso apareciam como valores inerentes à torcida defutebol. Lealdade e compromisso não com o jogo de futebol – espetáculoofertado - mas com os times, aliás, com um único time, com suas cores e

com todos os significadoscriados ao redor delas.Mais do que gosto peloespetáculo exibido,procurava-se formar umvínculo entre espectadore clube. Torcer seria,assim, mais do que o atode consumo de umespetáculo, um ato demilitância, dedemonstração deidentidade. E, como todamilitância, pratica-secom paixão. Visto assim,até que ponto essapaixão, entre muitosoutros fatores, originouas manifestações defestividade e espetáculo,mas também deviolência? Parece-nosválido entenderespetáculo e violênciacomo expressõesdiferenciadas de umamesma matriz, de umamesma paixão. Aviolência, entretanto,diferente da festa e doespetáculo naarquibancada, parece tersido um efeito nãoprevisto a partir dapromoção da constituiçãode uma torcida defutebol participativa,comprometida, leal,apaixonada.

A história do futebolbrasileiro permite vermosque se depositou nesteesporte, como no samba,uma função social paraalém do lazer e dodesenvolvimentoeconômico das indústriasde entretenimento dasgrandes cidades. Mais doque mero uso do tempolivre, o futebol, seuconsumo, constituiu-senuma nova fonte deidentidade cultural. Aopromover o futebol como

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paixão do povo fazia-se um forte apelo à identidade. No terreno da construção deidentidades nacionais através do futebol os exemplos são fartos. Além do casobrasileiro, o argentino também demonstra como o futebol esteve historicamenteassociado com a construção de uma identidade nacional (Arquetti, 1999). Nosterrenos regional e local os clubes de futebol constituíram-se como fontes deidentidade. Os clubes e não as seleções estaduais ou municipais. Ao redor deles seconvocam milhões de pessoas – concretamente no estádio, mas tambémimaginariamente – construindo e reafirmando identidades.

Os sentidos do futebol: disputas simbólicas pela legitimidade dos significados

Através da revisão de bibliografia especializada podemos ver que a história dofutebol brasileiro é também a história da disputa pela definição dos significadoslegítimos deste esporte, isto é, a luta pela definição do lugar e do papel dofutebol na sociedade e na cultura brasileira. Ora cúmplices, ora em disputa,diversos significados foram atribuídos ao futebol desde sua chegada no final doséculo XIX. O primeiro de que temos notícia –como já comentado- diz respeito aofutebol como atividade ociosa de distinção social exclusiva de uma porção daselites urbanas. Como documentado por várias pesquisas, as primeiras organizaçõesdo futebol, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, investiram grandesesforços para repelir a participação no futebol das camadas populares em pelomenos três cenários: os campeonatos (Silva, 1999 e Caldas, 1990), os times(Caldas, 1990) e as arquibancadas (Toledo, 1999, Pereira, 1998 e Silva, 1999). Osignificado construído por uma parte das elites urbanas do futebol como espaçode afirmação e de exclusão social, porém, foi rapidamente perdendo vigor elegitimidade. Novos projetos (não necessariamente mais jovens que o futebol)viriam a disputar a luta pela definição do significado legítimo do futebol no Brasil.Todos eles, a seu modo, expressam um projeto social inclusivo, o que viria aquestionar frontalmente o significado elitista do futebol.

Os novos significados que o futebol ganha dizem respeito a processos históricosmais abrangentes, acontecendo além do campo futebolístico e, ainda, doesportivo. Por um lado, o futebol está inscrito no vasto grupo de modalidadesesportivas que o Reino Unido, principalmente, exportou para o mundo todo apartir das últimas décadas do século XIX. Em outras e poucas palavras, a práticado futebol no Brasil está inserida na formação de uma cultura esportiva no mundoocidental. Os jogos Olímpicos e a Copa Mundial de Futebol são expressõesconcretas da institucionalização e desenvolvimento dessa cultura esportiva. Assimcomo o esporte, a educação física, incorporada e amplamente difundida peloEstado brasileiro através do seu sistema escolar, também representa um outrocampo em rápido desenvolvimento desde o início do século 20. Este campo fundauma nova idéia em relação ao corpo, até então restrito ao mundo do trabalho eda produção. O corpo, além de produzir, devia ser cuidado, exercitado através derotinas conduzidas (Sevcenko, 1992).

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Atrelado aos significados do futebol comoatividade esportiva e física, este esporte ganhauma nova dimensão: já desde os anos 10, produtoda sua intensa popularização, o futebol torna-seuma referência importante como expressão deidentidade local e nacional. O esporte em geral ea educação física não escaparam a este novosentido. A preocupação manifesta de promover aformação de uma Seleção Nacionalinternacionalmente competitiva e de umainfraestrutura capaz de desenvolver o futebol noBrasil, constata o lugar estratégico designado aofutebol como espaço para a reprodução e aelaboração de discursos e valores identitáriosacerca da nação.

O desenvolvimento do futebol no Brasil,manifestado na formação de clubes, ligas ecampeonatos (municipais, regionais e nacionais),expressava a inviabilidade do projeto elitista dofutebol e, mais especificamente, do amadorismo.A profissionalização pareceu inexorável e as vozesdefensoras do amadorismo foram durante asprimeiras décadas do século 20, perdendo vigor.Com a profissionalização novos atores(historicamente marginalizados) vieram a fazerparte do universo futebolístico, notadamente nasescalações dos times e nas platéias dos estádios;o mesmo não aconteceu, pelo menos com igualintensidade, no âmbito dos clubes, aqueles queformavam o conjunto de equipes que disputavamos campeonatos mais importantes. A luta contra aparticipação de clubes de bairros operários foisistemática e, ao julgar pela composição atualdos clubes que participam das grandescompetições nacionais, de grande sucesso. Dequalquer modo, o futebol brasileiro ganhou outrorosto, tornando-se um espaço de acesso popular,tanto na prática quanto no seu consumo.

Com a popularização do futebol – e de modo maisconcreto a partir da sua profissionalização – esteesporte ganha, ainda, um outro significado: ofutebol, além de lazer enquanto práticaesportiva, constituiu-se em atividade de lazerenquanto espetáculo consumido. O futebol,extrapolando o campo esportivo, torna-se partedo conjunto de espetáculos e eventos que asmetrópoles passam a oferecer a seus habitantes apartir da sua industrialização e da formação deuma classe assalariada. Havia, pois, condiçõesmínimas para fazer do futebol um espetáculo -atividade de lazer onde a classe assalariadaconsumia parte de seu tempo de folga. O futebolganharia, assim, um novo significado (distinto,porém não dicotômico ao do futebol comoatividade lúdica, como exercício físico e, ainda,como espaço para a reprodução e fundação devalores e identidades nacionais): o futebol seriaassimilado por uma nascente indústria doentretenimento que, especialmente nas cidadesde São Paulo e do Rio de Janeiro, vinha-seformando desde o final do século 19.

O futebol, longe de ser um assunto menor,revelava-se útil: ora porque coincidia compolíticas de Estado mais abrangentes (por umlado, a promoção da prática de esportes e deatividades físicas entre a população e, por outro,o ‘nacionalismo’ como discurso legitimador daordem política), ora porque abria novos camposde desenvolvimento econômico (o futebol comoespetáculo rentável). Acreditamos que não sedeve entender o conjunto destes processos comoo decurso natural do futebol, uma espécie dedestino inexorável, segundo o qual o futebolseria, per se, fator de coesão e ordenamentosocial. Nem em todo lugar o futebol ganhou tãorapidamente os sentidos que no Brasil foram-lheconferidos. Eis, entre outras, a especificidade docaso brasileiro. Especificidade, apesar dasvariações, comum a outro conjunto de nações: aseuropéias – já desde a metade do século 19(Lever, 1983 e Dunning, 1994) -, mas tambémalgumas sul-americanas, notadamente a Argentinae o Uruguai. No resto da América Latina aapropriação do futebol foi um processo maislento, especialmente no Caribe e redondezas. Aguisa de exemplo: a formação de uma ligaprofissional de futebol na Colômbia, 1948, só sedeu após 50 anos da chegada do futebol no país.Em outras regiões do mundo os processos deapropriação, popularização e profissionalizaçãodo futebol são ainda mais recentes (Japão, Coréiado Sul, China, Médio Oriente, o Sul da África maisdo que a mediterrânea). Mas, por que a

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precocidade do futebol no Brasil? O que levou àtransformação do futebol em paixão nacional eem espetáculo para lazer das massas? Sempretendermos esgotar a questão, é plausível dizerque para tal foi decisiva a participação dosdiversos poderes e atores envolvidos no futebolprofissional brasileiro. Como vimos, o papel daimprensa foi notável tanto na transformação dofutebol em espetáculo de massas quanto emreferente de identidade nacional. Essastransformações, por sua vez, dependem daformação do público do futebol e da incorporaçãodesse esporte na vida cotidiana das cidades,processos nos quais, de igual modo, a imprensadesempenhou um papel crucial. Distinto de outrosespetáculos urbanos populares, o público dofutebol não é simplesmente uma massa deespectadores, mas antes uma massa detorcedores, isto é, uma torcida. Além decontemplar um espetáculo, o publico do futeboltorce, quer dizer, toma partido (clubes, SeleçãoNacional, seleções regionais, etc.), vinculando-sea uma espécie de comunidade torcedora (acorintiana ou a brasileira, por exemplo). Emoutras palavras, a formação do público do futebolé ao mesmo tempo a formação dessascomunidades torcedoras, sejam locais (os clubes)ou nacional (a seleção brasileira de futebol). Daíque Luiz Henrique de Toledo, refletindo em tornodo fenômeno das torcidas organizadas, pense ofutebol como «lugar da emergência deidentidades e antagonismos coletivos» (1999:158). Acreditamos que esta perspectiva ajuda aentender o surgimento do público do futebol e deagremiações torcedoras como as uniformizadasna década de 40 e as TO no final dos anos 60. Deigual modo, parece-nos que esta perspectivaajuda a pensar alguns dos novos elementos que atorcida traz para o futebol já no início do séculoXX, alguns altamente valorizados e promovidospela imprensa (alegria, festa, espetáculo) eoutros tenazmente recriminados (violência) pelamesma. A pesar das TO não serem as primeiras afazer da arquibancada um lugar para a festa e oespetáculo, assim como tampouco as primeiras ase manifestar nos estádios através da agressão eda violência, com elas, tais fenômenos seradicalizam. Daí nosso interesse em relação aodesempenho da imprensa contemporânea emtorno ao tema das torcidas organizadas.

O espectador como mercadoria informativa

A imprensa usa a torcida (e o torcedor) em váriossentidos. Um deles refere-se ao uso da torcidacomo conteúdo informativo, como parte dainformação ofertada pelo Jornal. Isso significa

que se noticia o futebol através das equipes defutebol e dos campeonatos, mas também atravésdas suas torcidas. Ambos os conteúdos, entreoutros, servem como insumo noticioso noprocesso que transforma o futebol em informaçãojornalística. Isto não significa dizer que noticiar atorcida seja, de fato, dar conta da totalidade dofenômeno torcida. A torcida torna-se notícia emvirtude de elementos que a imprensa julgadestacáveis: espetáculo, festa, alegria, paixão,emoção, violência, etc.

É através desses elementos, manifestações maisvisíveis da torcida (e particularmente das TO),que o público do futebol profissional brasileiroganha o status de notícia ou, ao menos, derecurso que nutre a informação esportivaofertada. Do mesmo modo, é através deles que aidentidade da torcida, sua imagem pública, érepresentada. Não são poucas as matériaspublicadas que, através de estratégias variadas,designam uma série de valores apresentadoscomo intrínsecos à torcida e que são altamentevalorizados: fidelidade, amor, compromisso,garra, etc. É através do processo que faz das TOuma notícia, o que implica numa determinadaforma (e não em outras) de selecionar, organizare apresentar uma informação, que a mídiacontribui na construção de uma representaçãoespecífica destes grupos de torcedores. Dai aimportância de nos perguntarmos não somentecomo as TO (e as torcidas em geral) sãonoticiadas, mas também como elas sãoarticuladas à massa de informação esportivaofertada. Por quê aspectos como paixão,espetáculo ou violência, por exemplo, sãovisivilizados a despeito de outros? Em função deque? Evidentemente não temos nem esperamoster a resposta inequívoca a estas questões. Noentanto, vale a pena aventar uma hipótese: atorcida torna-se notícia na medida em que elaaporta elementos que ajudam na manutenção e/ou na qualificação do espetáculo futebol,espetáculo que não se encena só no estádio, mastambém na mídia. Assim, propomos pensar festa,paixão, amor e valores afins como elementosque, ao serem essenciais para o fortalecimento(ou ao menos para a conservação) do vínculoclube-torcedor, contribuem na manutenção doespetáculo futebol e, com ele, na manutenção epotencial crescimento de uma grande fonte deconteúdos noticiosos, de informações passíveis deserem consumidas por um grande público. Poroutro lado, propomos pensar espetáculo, festa,alegria e valores afins como elementos doadospela torcida (e principalmente pelas TO a partirda metade dos anos 70) e legitimados na medida

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em que qualificam e dão colorido ao espetáculo futebol. A violência,finalmente, propomos pensâ-la como elemento ambíguo: nem contribui namanutenção do espetáculo nem o qualifica, porém, é noticiada, e não pouco;ela afugenta torcedores dos estádios, mas não da mídia: periódicos impressose eletrônicos, canais de TV e emissoras de rádio. A violência – dito de modomais arriscado – desentoa com o espetáculo de futebol, mas não com oespetáculo da mídia.

De outro lado, identificamos na mídia o propósito permanente de pretenderser uma espécie de porta-voz da vontade da torcida. Através do Jornal atorcida quer, deseja, decepciona-se, aflige-se; em outras palavras, a mídiaatua como intérprete da torcida, dos seus desejos e aspirações. Uma matériapublica no jornal Folha de S. Paulo parece-nos exemplar neste sentido.Publicada no dia 15 de dezembro de 1991, a matéria refere-se a Dinei, entãojogador do Corinthians:

«Suspenso pela expulsão do primeiro jogo,o centroavante Dinei vai voltar às origens.Hoje à tarde ele troca o uniformecorintiano pelo de torcedor dearquibancada. Baqueta de percussão namão, óculos escuros, camiseta regata eboné da Gaviões da Fiel, ele já prometeuver a final junto com seus ex-companheirosde torcida.

Dinei, 20, é a versão atual do sonhorealizado de um torcedor. Trocou aarquibancada pelo gramado. Dos 13 aos 18,acompanhou o Corínthians de perto. Seusamigos eram da Gaviões e o levaram atodos os jogos. Depois entrou para juniorescorintianos e hoje é titular do timeprincipal» (Folha de S. Paulo, Dinei assistefinal junto com a Gaviões nasarquibancadas, 15/12/91).

Como indica a matéria, Dinei seria «a versão atual do sonho realizado de umtorcedor». Apesar de não incluir qualquer depoimento de ao menos um deles,a matéria mostra a seus leitores o que seriam as aspirações de todo torcedor eespecialmente, segundo permite inferir o conteúdo da matéria, de todomembro da TO Gaviões da Fiel. É nesta operação que podemos localizar umoutro uso da torcida por parte da mídia e que foi identificado no decurso daanálise. Os jornais ‘traduzem’ os anseios do torcedor e, muitas vezes, vale-sedeles para dar legitimidade a posturas editoriais em relação a algum assuntodo dia-a-dia do futebol profissional brasileiro. Este fenômeno não é exclusivoda mídia. Além dela, outros atores do universo futebolístico (clubes,federações, Estado, Polícia, mercado, etc.) apelam insistentemente à torcida,ao torcedor, como recurso discursivo que auxilia e sustenta posicionamentosinstitucionais que visam defender interesses idem. Tais interesses, é claro, sãoencobertos pelos da torcida; em nome dela, todos falam, em nome da suavontade e do que a ela ‘convém’. Neste jogo retórico, a torcida é usada comomeio, mas apresentada como fim, como razão de ser e fim último do futebolprofissional brasileiro.

O fenômeno descrito aparece com maior nitidez quando as questões debatidascomprometem a viabilidade do futebol como espetáculo ao vivo: baixaqualidade do espetáculo futebolístico, violência entre TO, esvaziamento dos

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estádios, Estatuto de Defesa do Torcedor, entre outras questões. Osposicionamentos e opiniões dos diferentes atores do futebol profissionalbrasileiro perante esses temas visam ser legítimos através da defesa dosinteresses da torcida. Assim, para o Ministro de Esportes do Brasil no ano2003, Agnelo Queiroz, por exemplo, o Estatuto de Defesa do Torcedor élegítimo na medida que, como seu nome indica, defende os interesses dotorcedor. Isso só seria irrefutável se ignorássemos que o Estatuto visa elevaras condições de consumo do espetáculo futebolístico, o que diretamenteincide no aumento do valor pago para ter acesso ao dito espetáculo. Vistoassim, qual é o torcedor cujos interesses o Estatuto defende? Evidentemente,aquele capaz de cobrir o aumento aplicado às entradas de futebol. Do mesmomodo, para o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, a decisão de não paralisar oCampeonato Brasileiro de 2003 (ameaça dessa entidade e da metade dosclubes que compõem a primeira divisão como forma de protesto contra oEstatuto de Defesa do Torcedor) foi tomada em nome do torcedor: «(...) ogrande prejudicado seria o torcedor. Não seria justo». Longe disso, averdadeira causa do recuo certamente foi a falta de unidade entre os clubesque num primeiro momento propuseram a paralisação do Campeonato.

Ao menos dois elementos podem ajudar na compreensão desse fenômeno. Porum lado, o fato de a torcida ser, em última instância, aquela que garante amanutenção do futebol como espetáculo ao vivo. A estrutura que sustenta eoferece o espetáculo futebol (constituída pelos clubes, federações, atletas,diretores técnicos, árbitros, empresas patrocinadoras, empresas decomunicação, companhias investidoras, Polícia, poder público, etc.) careceriade toda utilidade se não existisse um público para tal espetáculo. Portanto,quando se invocam os interesses da torcida, também estão sendo defendida aviabilidade da venda do espetáculo futebol.

Um segundo elemento que pode ajudar na compreensão do fenômeno antesdescrito diz respeito à ausência, na torcida, de um poder institucional que lhepermita, assim como à maioria de forças que compõem o universo do futebolprofissional brasileiro, defender diretamente seus interesses - o quenecessariamente implicaria em dispor de uma estrutura organizativa capaz dedefinir e defender tais interesses. Evidentemente a possibilidade de a torcidavir a se organizar ao redor de um único e grande grêmio é mínima. O elevadonúmero de torcedores, mesmo excluindo aqueles que não comparecem aosestádios, seria já uma dificuldade incontornável. O mesmo cabe dizer emrelação à ampla diversidade desses torcedores, diversidade de classe,cultural, etária, ocupacional e, ainda, da diversidade quanto às preferênciasclubísticas. Uma única e gigantesca agremiação, portanto, parece improvável;já algumas, mesmo que menores, a realidade mostra o contrário. A existênciadas TO – como seu próprio nome indica - atesta a possibilidade de organizaçãoentre espectadores de futebol e, sobretudo, atesta a capacidade efetiva deauto-representação da torcida como ator do universo do futebol profissionalbrasileiro. Isso não significa que, ao se organizar, a torcida escape plenamenteaos usos e representações de que é objeto por parte da mídia e de outrosatores do futebol, mas significa, sim, sua chance de ter voz própria, isto é, acapacidade de se pronunciar e de tomar posições em relação aos assuntos quecomprometem seus interesses como participante do mundo do futebol -assuntos que, como os anteriormente citados, põem em risco a viabilidade dofutebol como espetáculo ao vivo e sobre os quais, raramente as TO sãochamadas a opinar.

A produção de um vasto repertório iconográfico e simbólico entre as TOaponta na mesma direção que a questão tratada no parágrafo anterior. Talrepertório diz respeito à construção de uma identidade material ao redor daqual os membros das TO reconhecem-se como tais e, de igual modo, através

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da qual conseguem se projetar pela sociedadeafora, auto-construindo uma imagem que abre apossibilidade de controverter a imagem públicaconstruída pela grande mídia. No mesmo sentido,a produção de meios de comunicação entre as TOconstitui um outro campo de atuação destasagremiações, onde também é verificável suacapacidade de construir representações de sipróprias e dos grandes temas acerca do futuro dofutebol como espetáculo ao vivo e como fonte delazer popular.

Como permite ver O Gavião -publicação da TOGaviões da Fiel do clube Corinthians e que foiparte do objeto de análise desta pesquisa-,através da crítica e da fiscalização, as TOrevelam seu interesse em se posicionar comoatoras do universo do futebol profissionalbrasileiro, isto é, ter uma participação ativa epermanente nos assuntos relativos ao futebolprofissional e, em especial, aos clubes para osquais torcem. No entanto, tal interesse parecenão ser reconhecido pelos diversos atores dofutebol, especialmente a partir do ano de 1995,após os incidentes do Pacaembu no mês deagosto, quando começaram a aparecer uma sériede discursos que negam as TO enquanto atoras dofutebol. Como diz Luiz Henrique de Toledo, «(...)atualmente se observa no discurso de parte dacrônica e dos dirigentes todo um esforço emsituar os torcedores à margem do futebolprofissional, como se o advento das organizadasnão obedecesse também ao desenvolvimento docampo esportivo em questão. Tal campo,constituído pelo futebol profissional deve serconcebido como um espaço dotado de uma lógicaprópria, que progressivamente foi-se constituídopor meio de um corpo de especialistas –jogadores, dirigentes, preparadores técnicos e,inclusive, os torcedores militantes» (2000: 135).Assim, negar as TO enquanto atoras do futebolprofissional é ao mesmo tempo negar que seusurgimento está vinculado ao «desenvolvimentodo campo esportivo». Em outras palavras,significa negar que a aparição dessas agremiaçõestorcedoras está ligada à transformação do futebolem espetáculo de massas e em paixão nacional e,mais especificamente, à formação do público dofutebol, isto é, da torcida popular.

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Notas

1 Torcida organizada: una traducción literal de estos términos es hinchadaorganizada, aunque cabe, en cierto sentido, homologarlos a la designaciónargentina barra brava que ya ha hecho carrera en el resto de América Latina.

2 A Revista Sports, editada pelo jornal Estado de São Paulo, é a primeirapublicação paulistana dedicada integralmente a temas esportivos.

3 Trecho de crônica publicada no jornal esportivo Sport Ilustrado sob o título «Crônicada semana», no dia 27 de novembro de 1920 (Citado por Pereira, 1998: 123).

4 Trecho de crônica publicada no jornal Correio da Manhã intitulada «Foot-ball»,no dia 6 de setembro de 1916. (Citado por Pereira, 1998: 123).

5 Trecho de crônica publicada no jornal Correio da Manhã redigida pelo jornalistaPaulo Barreto no ano de 1915. (Citado por Pereira, 1998: 117).

6 Em 1940 nasce o que seria a primeira ‘torcida uniformizada’ no Brasil: «TorcidaUniformizada do São Paulo Futebol Clube». Dois anos mais tarde aparece no Riode Janeiro a primeira ‘torcida uniformizada’ carioca, a «Charanga de Flamengo»(Ver Toledo, 1994: 93).

7 Torcida uniformizada identificada com o clube Flamengo que nasceu durante osanos 40.

8 O apoio às torcidas uniformizadas provinha dos clubes, mas também daimprensa, como mostra Elisabeth Murilho Silva pesquisando a publicação GazetaEsportiva (Ver SILVA, 1999).

9 Na cidade de São Paulo, em 1972, nascem a Torcida Tricolor Independente - dotime São Paulo – e a Leões da Fabulosa - do time Portuguesa. Em 1983 aparece atorcida organizada Mancha Verde – do time Palmeiras.

10 As torcidas organizadas produzem um repertório iconográfico comum,alimentado de referencias de circulação mais ampla, geralmente midiáticas(Toledo, 2000: 140-1).

11 Claro exemplo desse redimensionamento é o fato de as torcidas organizadaspropiciarem uma mobilização do Estado, nos dias de jogo, dentro e fora doestádio. Os numerosos atos de agressão entre as torcidas organizadas quandoestas se dirigem aos estádios, exige do Estado – especialmente da Polícia - umtrabalho estratégico e operativo que vise evitar incidentes de violência. Empalavras de Toledo, «no papel de torcedor, o cidadão comum aciona diversosórgãos públicos que passam a agir em função desse novo ator social» (2000:133).

12 O período de 1992-1994 é o mais violento entre as torcidas organizadaspaulistanas. Nele a imprensa registrou a morte de 12 pessoas (Pimenta, 2003: 44).

13 A envergadura e o crescimento progressivo destas organizações éincontestável: em 1991 a Mancha Verde somava 4.000 filiados, a TricolorIndependente 7.000 e a Gaviões da Fiel 12.000; em 1995 o número ascendeupara 18.000, 28.000 e 46.000 filiados respectivamente (PIMENTA, 2003: 43, 44).Dados publicados no jornal Folha de S. Paulo no dia 28 de outubro de 1995oferecem informações distintas às levantadas por Pimenta. Segundo o jornal, aGaviões da Fiel contaria com 42.000 filiados, a Mancha Verde com 30.000 e a

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Tricolor Independente com 25.000. A diferença substancial entre asinformações é relativa à distribuição de integrantes por torcida, mas não aototal, o que nos parece mais expressivo. Ao todo, trata-se de quase 100.000indivíduos vinculados formalmente às distintas torcidas organizadaspaulistanas, número que poderia ser ainda maior, levando em conta que faltamdados sobre importantes torcidas organizadas como a Camisa 12 (Corinthians),a Leões da Fabulosa (Portuguesa), a Dragões da Real (São Paulo), a TorcidaJovem (Santos), entre outras.

14 Mário Rodrigues Filho será chave na promoção da idéia da paixão como umsentimento natural do torcedor brasileiro. No seu livro O negro no foot-ballbrasileiro não são poucas as referências neste sentido. Ele é fundamental naidéia do futebol como «a paixão do povo» (1947: 293).

Bibliografía

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