quando a rua vira praia
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DEDICATRIA
Dedico este trabalho a todos que acreditam em uma utopia.
A meus filhos Guilherme e Gabriel.
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Cndido Malta Campos Filho pelo incentivo, pela orientao e
oportunidade de estudo na FAU USP, a qual me propiciou aprender sobre a cidade e
nas ruas.
Professora Dra. Regina Maria Prosperi Meyer e Professora. Dra. Vera Maria Pallamin
pelas sugestes para correo de rota do presente trabalho durante o Exame de
Qualificao.
Ao Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres pela dinmica de aprendizado com os colegas da FAU
USP e pelas palavras de incentivo incondicionais presente pesquisa.
Ao Prof. Marcel Mendes, Vice - Reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie pelo
interessado incentivo e amizade sincera ao longo dos vrios anos de convivncia.
arquiteta Gabriela Cesarino por me colocar em contato com as pessoas da Vila
Madalena.
Ao Tom e Norma, ativistas da Vila Madalena que muito me apoiaram na logstica e
agendamento das entrevistas.
A todos os entrevistados que me propiciaram aprendizado e que me franquearam seu
precioso tempo para a elaborao deste singelo trabalho.
Aos funcionrios da FAU USP Maranho, pelo suporte e presteza durante os perodos
letivos.
A meus pais, que me deram um nome e que me ensinaram o otimismo e a
perseverana.
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Quando a rua vira praiamesas de rua
RESUMO
Esta dissertao tem por objeto as mesas de rua nas caladas em bairro da zona oeste
da cidade de So Paulo e as relaes de convvio e conflito no processo de apropriao
do espao presente na experincia urbana, compondo a dimenso do vivido e das
mudanas em curso no local.
Parte-se da premissa que s existe a rua enquanto processos diversos de socializaoso protagonizados, do contrrio a rua torna-se nica e somente uma via de
transporte urbano, ou ento um simples local de passagem.
Estudar as condicionantes de transformao presentes em ruas do bairro e seu
impacto no cotidiano dos citadinos e nos seus modos de vida e moradia atravs de
entrevistas, abordando as condies adversas locais , que revelam-se no mnimo
incmodas devido poluio sonora, ao trfego e a grande afluncia de pessoas ao
local em busca de lazer, em nome da cultura e do turismo.
Elenca questes atuais nos conflitos existentes na configurao dos espaos pblicos
na cidade contempornea e na vida cotidiana.
Palavras-chave: Espao pblico, mesas de rua.
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ABSTRACT
SAES, F.G.C. When the streets turns beach Tables` Street. 2014. Dissertao
(Mestrado)Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de So Paulo.
This work has as object the tables on the sidewalks in the streets of the neighborhood
located at West of the city of So Paulo and the relations of coexistence and conflict in
the space appropriation, inherent in the urban experience process, making the
dimension of living experience and the ongoing changes in the location.
Part on the assumption that there is only a street while various socialization process
are promoted, otherwise the street becomes one and only one route of urban
transport, or a simple place of passage.
It investigates the transformation constrains present in the neighborhood streets and
its impacts on the daily lives of city dwellers and theirs living experiences, addressing
the adverse local conditions, which are revealed at least uncomfortable due to noise,
traffic and the large influx of people to the site, in search of pleasure in the name of
culture and tourism.
It lists current issues in conflicts in the setting of public spaces in the contemporary city
and everyday life in times of local change in face of real estate speculation.
KEYWORDS
Public space, tables` street.
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SUMRIO
[Introduo] Quando a rua vira praia - mesas de rua................................................07
1. Apresentao..................................................................................................07
2.Referncias tericas........................................................................................08
3.Pesquisa emprica............................................................................................09
4.Estrutura da Dissertao..................................................................................10
[Captulo 1] Cidade Contemporneaa nova pgina do presente............................12
1. Consumismo...................................................................................................13
2. Consumo cultura - cultura do individualismo................................................17
3. Gente diferenciada - iguais entre iguais na paisagem murada..................... 19
4. "Occupy"e o precariado - a insatisfao pe o bloco na rua........................23
5. Mixofobia e Mixofilia.....................................................................................25
[Captulo 2]A importncia da rua............................................................................27
1. A rua no mundo.............................................................................................28
2. A rua no Brasil................................................................................................39
[Captulo 3]Legislao Urbana e conflitos na Vila Madalena....................................45
1. Zoneamento....................................................................................................45
2. Resoluo Conama..........................................................................................46
3. PSIU e "1:00 h"................................................................................................48
4. Lei Antifumo ...................................................................................................56
5. Uso das Caladas.............................................................................................57
6. Lei Sca...........................................................................................................59
7. Rudos Sonoros em Veculos...........................................................................60
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[Captulo 4] Vila Madalena - bairro foco do estudo
1. Entre tacapes e tapumes - histria da Vila Madalena.................................63
2. Caracterizao da Vila Madalena.................................................................86
. Uso do solo..........................................................................................86
. Dados demogrficos............................................................................91
. As ruas do bairro................................................................................100
. Trnsito no bairro...............................................................................107
[Captulo 5] Entrevistas e desenhos........................................................................111
[Captulo 6] Consideraes Finais...........................................................................204
Referncias Bibliogrficas.......................................................................................208
Lista de Mapas.......................................................................................................213
Lista de Tabelas......................................................................................................214
Lista de Imagens.....................................................................................................215
Anexos ..................................................................................................................217
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INTRODUO
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1. Apresentao
O presente trabalho parte da constatao do fenmeno de socializao em mesas de
caladas e nas ruas, o qual tem se expandido de maneira notria em diversos locais da
cidade de So Paulo, seja a cidade legal e ilegal, alcanando dimenses dignas de
estudos mais aprofundados.
Referncias de mesas de rua na metrpole paulistana eram palpveis e ainda o so na
famosa Prainha Paulista, cuja denominao anterior era Lanches Savanas (desde 1973)
na Avenida Paulista com a Alameda Joaquim Eugnio de Lima, onde o movimento s
fez aumentar e a calada de parte do quarteiro virou "praia" por completo desde os
idos anos 70 com vrios bares e restaurantes.
Enclaves do lazer paulistano materializaram-se nos anos 80 na mirade de bares que
ocupou a Avenida Henrique Schaumman e por l permaneceram at os anos 90,
migrando aos poucos em direo Pinheiros e Vila Madalena.
Concomitantemente a disseminao de bares em Moema nos anos 80, novos
clusters de lazer e gastronomia tomaram forma na cidade de So Paulo, tanto na Vila
Madalena, como na Vila Olmpia, entorno da Rua Joaquim Tvora na Vila Mariana, na
Zona Leste, na Rua Itapura e proximidades, destacando tambm redutos tradicionais
universitrios com seus bares, como a Rua Maria Antnia, Rua Ministro Godi (PUC), e
ao longo dos anos vrios centros universitrios na Liberdade, Brigadeiro Lus Antnio,
Francisco Matarazzo dentre outros.
Atualmente as mesas de rua espalham-se pela maioria das caladas da metrpole,
sendo na cidade legal ou na ilegal, centro ou periferia, mesas com as coloridas
combinaes das marcas dos patrocinadores, ora azuis, amarelas, brancas, vermelhas
postadas nos antolgicos bares tipo "p sujo", assim como nos atuais "ps limpos" com
ares cariocas. O fato que houve um incremento muito grande das mesas nas caladas
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e em determinadas ocasies, as ruas tambm so totalmente tomadas pelo lazer do
paulistano, quando efetivamente a rua vira praia, para o bem e para o mal.
Surge da os conflitos da apropriao do espao, o espao pblico tornado privado,
conflitos entre moradores, clientes dos bares, a poluio sonora e os usos indevidos
das ruas, das festas e dos pancades no somente nas periferias.
Porm nesta cornucpia de interesses e conflitos, a mesa de rua, do bar na rua, torna-
se um dos poucos refgios do paulistano a cu aberto e no espao pblico das caladas
e ruas, na busca de lazer, entretenimento e socializao.
No entanto um custo alto pago pelos moradores que muitas das vezes veem-se em
situaes realmente desesperadoras, e frequentemente no podendo contar com o
poder pblico institudo para coibir abusos cometidos pelos frequentadores,
arrebanhados pelos patrocinadores e promotores de festas e pelos prprios
estabelecimentos comerciais.
2. Referncias Tericas
No entendimento das condies atuais da cidade contempornea diversos autores
como David Harvey, Zygmunt Bauman, Fredric Jameson, Rem Koolhas, Marc Aug
entre outros desenharam um panorama que permite a compreenso entre as relaes
do sistema poltico-social e as condies econmicas e seus reflexos nos usos e nos
significados dos espaos pblicos na cidade.
A compresso do tempo e do espao acabam por determinar uma acelerao nas
dinmicas das cidades, com a facilidade dos fluxos de dinheiro em busca de
oportunidades de ganhos sempre maiores, impingindo aos citadinos o sentimento de
estranhamento face s modificaes fsicas presentes na geografia das cidades.
A captura dos espaos pblicos por espaos saneados e ou pblico-privados, vai
minando a diversidade que muito cara sociabilidade das pessoas nas ruas, e as ruas
ficam relegadas ao plano secundrio de vias de passagens, sem vida, nas quais a
atitude blas simmeliana se traduz pelos motoristas impvidos atrs dos vidros de seus
automveis.
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A segregao dos espaos e o surgimento dos enclaves murados nas cidades foco de
autores como Marcelo Lopes de Souza, Teresa Caldeira e Carlos Nelson dos Santos.
A importncia das ruas abordada a partir de autores que se dedicaram s questes
do uso do espao nas cidades, tecendo saberes sobre as questes que se apresentam
nos dias de hoje e em sua poca, questes que ainda se revelam bastante atuais e
presentes no cotidiano do habitante da cidade.
Estudiosos das cenas da cidade e das ruas como William Hollingsworth Whyte, Jane
Jacobs, Donald Appleyard, do direito cidade como Henri Lefebvre so abordados
destacando a contribuo de cada um s formas de expresso da vida cotidiana.
Na cena das cidades brasileiras, o pensamento de Roberto DaMatta, o trabalho pouco
conhecido de etnografia urbana desenvolvido por Joo do Rio (Joo Paulo Emlio
Cristvo dos Santos Coelho Barreto) e o trabalho seminal de Carlos Nelson dos
Santos, levado a cabo no bairro do Catumbi no Rio de Janeiro, so estudados a fim de
compreender como a rua , a partir da forma de utiliz-la.
3. Pesquisa Emprica
Os levantamentos foram efetivados a partir de trabalho no campo.
Instrumento de pesquisa qualitativa baseado em entrevistas em profundidade, semi-
abertas e semi-estruturadas foi elaborado, assim como uma coleta de registros
fotogrficos foi empreendida a partir das ruas foco do estudo, e tambm lanou-se
uso de tcnica de desenho experimental para registro das percepes dos
entrevistados sobre o local da pesquisa.
O uso de entrevistas permite identificar as diferentes maneiras de perceber e
descrever os fenmenos. Nesta seara de descobertas e investigaes as perguntas
permitem explorar um assunto, um fato, descrevendo os processos envolvidos, os
fluxos de informao, os enredos envolvidos, permitindo compreender o passado,
analisar, discutir e fazer prospectivas.
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Possibilitam ainda identificar problemas, padres e detalhes, obter juzos de valor e
interpretaes, caracterizar as riquezas de um tema e explicar fenmenos de
abrangncia limitada.
As pesquisas desenvolvidas com a tcnica de entrevistas em profundidade permitem
ao analista gerar sugestes e crticas sobre o tema de estudo. Mais do que uma tcnica
de coleta de informaes interativa baseada na consulta direta a informantes, a
entrevista em profundidade pode ser um rico processo de aprendizagem, em que a
experincia, viso de mundo e perspiccia do entrevistador afloram e colocam-se
disposio das reflexes, conhecimento e percepes do entrevistado.(DUARTE, 2001,
p.13)
As entrevistas foram devidamente gravadas, com a concordncia dos entrevistados e
posteriormente transcritas, permitindo assim fidedignidade aos depoimentos.
Os levantamentos de itens pessoais e caracterizao scio-econmica contendo itens
sensveis como idade, nvel educacional, renda individual ou familiar foram coletadas
aps a realizao das entrevistas, quando havia uma maior interao entre o
investigador e o entrevistado. (GUNTHER, 2003, p.6). Anexo n 01 Dados Scio-
Econmicos.
A pesquisa como citado anteriormente, teve um cunho fundamentalmente qualitativo
contou com questes semi-estruturadas, com entrevista semi-aberta, com modelo de
roteiro e com uma abordagem em profundidade. Anexo n02 Questionrio/Roteiro.
As tcnicas de entrevistas tiveram como embasamento metodolgico literatura
especfica, principalmente William J. Goode e Paul K. Hatt, "Mtodos em PesquisaSocial" (Companhia Editora Nacional, 1979).
A tcnica de desenho usada de forma experimental buscou uma leitura das dimenses
internas dos indivduos face vida cotidiana revelando um conjunto de eventos
bastante significativos em relao ao lugar da pesquisa.
Poderamos definir como Mapas Mentais tal instrumento, utilizados por LYNCH (1997)
e TUAN (2012), os quais do embasamento para a compreenso das relaes da vida
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cotidiana e de vrios aspectos subjetivos na formao da identidade pessoal e da
imagem mental do lugar. (LIMA e KOZEL, 2009, p.207).
4. Estrutura da Dissertao
A presente dissertao est estruturada em seis captulos.
O primeiro captulo contempla uma abordagem terica sobre as transformaes
presentes na cidade contempornea a partir da lgica capitalista liberal e suas
consequncias nas condies de uso e ocupao do solo urbano.
No segundo captulo reservado importncia da rua para uma cidade perpetuar a
convivncia social e tambm espao de reivindicao e conquista do direito cidade.
O terceiro captulo da dissertao sobre a Legislao aplicada aos estabelecimentos
comerciais com mesas dispostas nas caladas em ruas da metrpole e seus conflitos.
O quarto captulo apresentado o estudo de caso do Bairro da Vila Madalena,
contemplando sua histria, dados demogrficos, caracterizao da rede viria, trnsito
e suas ruas.
O quinto captulo compreende as entrevistas com transcrio completa (verbatim) e
com o registro em desenho de cada entrevistado.
O ltimo captulo endereado s consideraes finais sobre as questes principais
observadas durante o transcorrer da pesquisa, sobre a apropriao do espao pblico,
sobre a saga dos ativistas em fazer valer o seu direito cidade, e as possibilidades que
se abrem para a oportunidade de negociaes entre os atores do local com o respaldo
das instncias pblicas desde que devidamente atuantes.
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[Captulo 1] Cidade Contemporneaa nova pgina do presente
Uma cidade um assentamento humano em que estranhos
tm chance de se encontrar.
Richard Sennett
A crescente urbanizao que presentemente testemunhamos com alcance global
resultante da lgica capitalista liberal, traduzida nas condies de uso e ocupao do
solo urbano, notadamente de maneira antropofgica, com impacto cada vez mais
permanente no cotidiano das populaes.
A leitura da cidade contempornea nos indica uma mudana das atividades cvicas
para os espaos privados de carter pblico, contribuindo e muito para uma paisagem
urbana a reboque da lgica do consumismo e dos fluxos financeiros em busca de
oportunidades de negcios.
A poltica neoliberal preconiza a ampliao de ambiente totalmente favorvel aos
negcios, e nas cidades h a busca para o incremento incessante das condies de
atratividade aos investimentos no somente aqueles ligados esfera de produo,
mas tambm na conquista de consumidores externos e para o constante aumento dos
nveis do consumo interno.
A conduo das cidades encontra-se merc dos choques de gesto preconizados
pelos polticos liberais travestidos de executivos empresariais, culminando com a
despolitizao da cidade e consequentemente dos citadinos, empanando a funo
poltica do espao da cidade, do exerccio da cidadania e do lugar por excelncia dos
conflitos.
A troca da poltica pela administrao tem sido sempre a ideologia conservadora das
elites econmicas da Amrica Latina. (LACLAU, 2013.)
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1. Consumismo
A cidade transformada em espao mercadoria produz o consumo do espao e o
surgimento de cidades genricas, conforme Koolhaas (MAU, KOOLHAAS, 1995)fazendo-se presente na solido envidraada dos espiges flicos estampados com
selos verdes da sustentabilidade fashion, nas ridas cascas cosmticas das usinas de
marcas do consumo efmero, nas muralhas de torres ditas habitacionais, uniformes
em seus tons areia e bege a emparedarem o horizonte, que surgem aqui e acol com
seus espaos clubes intramuros, e tambm na ltima interveno urbana direcionada
ao lazer-espetculo das arenas multiuso com seus naming rightsa estampar a outrora
identidade de clubes associativos.
Tudo muito similar na paisagem da cidade genrica, denotando a falta de
singularidade, as grandes extenses de espaos sempre parecidos e a ausncia do
domnio pblico, tal qual em um treinamento de incndio onde s resta o vazio da
evacuao.
Constatamos na contemporaneidade a captura das atividades cvicas pelos espaos
privados de carter pblico e a consequente transformao da relao
pblico/privado, deixando somente na memria a cidade como um bem pblico, o
lugar por excelncia do convvio social, do exerccio da cidadania.
Somos invadidos por uma nova ordem das coisas lastreadas por uma
supermodernidade pautada pelas figuras de excessoconforme Aug (2012,p.32), as
quais se revelam pela superabundncia factual, pela superabundncia espacial e pela
individualizao das referncias, correspondendo s transformaes do tempo, doespao e do indivduo.
Esse mundo do presente marcado pela ambivalncia do impensadoe do impensvel: impensado do consumo, imagem de um presenteintransponvel caracterizado pela superabundncia dos objetos queeles nos prope; impensvel da cincia, sempre alm das tecnologiasque so sua consequncia. O mundo do consumo basta a si mesmo;ele tem ares de cosmologia: define-se por seu manual de utilizao. A
cosmotecnologia, se entendermos por isso o conjunto dastecnologias colocadas disposio dos humanos para gerenciar sua
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vida material e o conjunto das representaes ligadas a elas, para simesma seu prprio fim; ela define a natureza e os meios das relaesque os humanos podem ter referindo-se a ela:mundo da imannciaem que a imagem remete imagem e a mensagem mensagem;mundo a ser consumido imediatamente, como os doces de creme;
mundo a ser consumido, mas no a ser pensado; mundo em que, aomesmo tempo, podem se utilizar procedimentos de assistncia, masno elaborar estratgias de mudana. (AUG, 2012, p.28).
O valor de uso presente nas cidades se v frente captura dos ditames do mercado,
provocando mutaes nas relaes de uso e consumo, aprofundando a separao do
espao pblico e espao privado.
A tendncia ps-moderna para a formao de nichos de mercado
nas escolhas de estilo de vida urbana, hbitos de consumo e normasculturais permeia a experincia urbana contempornea, com umaaura de liberdade de escolha, desde que se tenha dinheiro.
Centros comerciais, cinemas multiplex e megastores proliferam (aproduo de cada um deles tornou-se um grande negcio), assimcomo as reas de fast food e lojas de artesanato, a cultura dasbutiques, os cafs e outros. (HARVEY, 2011, p. 144).
Constatamos a supresso das ruas a partir dos centros de consumos que se proliferam
na cidade, espao dedicado s compras, talvez uma das ltimas atividades pblicas que
as pessoas realizam no dia a dia.
Segundo reportagem da Folha de So Paulo (CASTRO, 2013) nos ltimos 10 anos a
capital de So Paulo ganhou 16 novos centros de compra, um crescimento de 43%
desde 2003.
At 2015 ao menos mais 6 empreendimentos sero acrescentados aos 53 em operaoatualmente, incluindo outlets prximos a capital. De acordo com a reportagem 70%
dos paulistanos tm o hbito de frequentar este tipo de espao, e hoje apenas 20% so
da classe C, entre as pessoas dadas classes A e B , esse ndice sobe para 84% e, entre
os mais jovens, atinge 81%.
Neste processo de transformao urbana e social, as estruturas dacidade esto penetrando no espao que os centros comerciaiscriaram, enquanto estes esto substituindo a cidade, ocupando olugar de seus tradicionais registros simblicos e espaciais. Dessemodo a praa pblicacomo lugar de reunio e encontro da cultura
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simplesmente desapareceu e todas as atividades que nela secongregavam (um espao aberto onde as pessoas se comunicavam ecompartilhavam suas experincias) foram substitudas por uma novaarquitetura, a do centro comercial, inscrita no mundo do consumo.(CORTS, 2008, p.86).
Koolhaas se refere ao fruto da cidade em modernizao como um espao-lixo e
explora tambm a natureza do espao que a cidade genrica gerou, analisando os
dejetos os lixos que a sociedade moderna produz, a sua disposio final e o consumo
desenfreado, sobre o consumo excessivo, sobretudo nas atividades de lazer e da
crescente massa de turistas que invade as cidades. (MAU, KOOLHAAS, 1995).
Poucas formas tem sido to distintivamente novas, to distintivamente americanas e
tardo-capitalistas quanto essa inovao, cujo surgimento pode ser datado de 1956;
cuja relao com o bem conhecido declnio do crescimento do subrbio dentro da
cidade palpvel, ainda que varivel; cuja genealogia abre agora uma pr-histria
fsica e espacial do shopping de uma maneira que antes seria inconcebvel; e cuja
proliferao por todo o mundo pode servir como um mapa epidemiolgico da
Americanizao, ou ps-modernizao, ou globalizao.(JAMESON,2003)
Conforme Bauman os lugares de compra/consumo oferecem o que nenhuma
realidade real externa pode oferecer, ou seja, o quase perfeito equilbrio entre
liberdade e segurana, e no caso dos "rolezim" em terras tupiniquins, com acessos
restritos.
Dentro do templo, a imagem se torna realidade. As multides queenchem os corredores dos shopping centers se aproximam tantoquanto concebvel do ideal imaginrio de comunidade que noconhece a diferena (mais exatamente, diferena que conte,diferena que requeira confronto diante da alteridade do outro,negociao, clarificao e acordo quanto ao modus vivendi). Por essarazo, essa comunidade no envolve negociaes, nem esforo pelaempatia, compreenso e concesses. Todo mundo entre as paredesdos shopping centers pode supor com segurana que aqueles comquem trombar ou pelos quais passar nos corredores vieram com omesmo propsito, foram seduzidos pelas mesmas atraes
(reconhecendo-as, portanto, como atraes) e so guiados e movidospelos mesmos motivos. Estar dentro produz uma verdadeira
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comunidade de crentes, unificados tanto pelos fins quanto pelosmeios, tanto por valores que estimam quanto pela lgica da condutaque seguem. (BAUMAN, 2001,p.117).
Na busca de alternativas ao movimento da cidade emparedada, acupunturas urbanas esolues locais de cunho restrito so novos produtos tentados como alternativas
cidade de pensamento nico, revelando-se porm, nada mais nada menos como um
formato ligeiramente diferente, ou seja, mais do mesmo.
Mesmo o desenvolvimento suburbano incoerente, sem alma emontono que continua a preponderar em muitas partes do mundocomea agora a ser revisto como um movimento de novo
urbanismo, que apregoa a venda da comunidade (supostamententima e segura, assim como muitas vezes fechada) e um supostoestilo de vida butique sustentvel como um meio de cumprir ossonhos urbanos.(HARVEY, 2011, p.144).
Segundo Lefebvre, os ditames do sistema do rendimento e do lucro acabaram por
determinar sua presena nas ruas, transformando-as em redes organizadas para o
consumo.
A organizao neocapitalista do consumo mostra sua fora na rua,que no s a do poder (poltico), nem da represso (explcita ouvelada). A rua srie de vitrinas, exposio de objetos venda, mostracomo a lgica da mercadoria acompanhada de uma contemplao(passiva) que adquire o aspecto e a importncia de uma esttica e deuma tica. A acumulao dos objetos acompanha a da populao esucede a do capital; ela se converte numa ideologia dissimulada sobas marcas do legvel e do visvel, que desde ento parece evidente. assim que se pode falar de uma colonizao do espao urbano, quese efetua na rua pela imagem, pela publicidade, pelo espetculo dosobjetos: pelo sistema dos objetos tornados smbolos e espetculo.
A uniformizao do cenrio visvel na modernizao das ruas antigas,reserva aos objetos (mercadorias) os efeitos de cores e formas que ostornam atraentes. Trata-se de uma aparncia caricata de apropriaoe de reapropriao do espao que o poder autoriza quando permite arealizao de eventos nas ruas: carnaval, bailes, festivais folclricos.Quanto verdadeira apropriao, a da manifestao efetiva, combatida pelas foras repressivas, que comandam o silncio e oesquecimento.(LEFEBVRE, 1999, P.29).
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2. Consumo CulturalCultura do Individualismo
O consumo cultural traduzido pelo turismo e pela espetacularizao na
contemporaneidade, surge como o novo padro para o desenvolvimento urbano,quando as cidades so reinventadas a partir de suas referncias do passado, gerando
um carter de urbano lastreado no consumo e na proliferao de equipamentos
culturais de maneira desigual na cidade; ocorre a o surgimento da cidade como festa-
mercadoria.
Essa nova (velha) cidade folcloriza e industrializa a histria e a tradio dos lugares,
roubando-lhes a alma. a cidade das requalificaes e revitalizaes urbanas, a cidade
que busca vantagens competitivas no mercado globalizado das imagens tursticas e
dos lugares-espetculo.(SERPA, 2007, p.107).
Na acelerada condio desta modernidade lquida de transformaes econmicas,
sociais, culturais e espaciais, onde encontramos o habitante, o sujeito desta cidade,
mergulhado neste oceano de estmulos e desafios, em busca de uma identidade
possvel moldada atravs das lentes de suas sensaes, dos seus sentidos e suas
percepes do entorno fsico.
O impacto sobre a subjetividade poltica tm sido enormes. Trata-sede um mundo em que a tica neoliberal do individualismo possessivointenso e do oportunismo financeiro se tornou o modelo para asocializao da personalidade humana. um mundo que se tornoucada vez mais caracterizado por uma cultura hedonista do excessoconsumista. Destruiu o mito (embora no a ideologia) de que afamlia nuclear a base sociolgica slida para o capitalismo eabraou, mesmo que tardiamente e de forma incompleta, os direitosdo multiculturalismo, da mulher e da igualdade da prefernciasexual. O impacto maior isolamento individualista, ansiedade, visode curto prazo e neurose no meio de uma das maiores realizaesmateriais urbanas j construdas na histria humana.(HARVEY, 2010,p.144)
O individualismo moderno surge na esteira das transformaes na sociedade com a
substituio de corporaes que ditavam as regras de proteo e sua aplicao e das
comunidades de ento, estando o indivduo agora desprovido da proteo destes
passados vnculos. A base do fazer a si mesmo e cuidar de si prprio encontra-se
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estabelecida sobre a insegurana de tudo e de todos, culminando com um destino
crescentemente incerto.
A assertiva de Bauman, em que a solidariedade foi substituda pela competio,
promovendo a condio de indivduos deixados prpria sorte, com seus parcos e
inadequados recursos uma realidade concreta.
A corroso e a dissoluo dos laos comunitrios nos transformaram, sem pedir pela
nossa aprovao, em indivduos de jure (de direito); mas circunstncias opressivas e
persistentes dificultam que alcancemos o status implcito de indivduos de facto (de
fato). Se entre as condies da modernidade slida, a desventura mais temida era a
incapacidade de se conformar, agoradepois da reviravolta da modernidade lquidao espectro mais assustador o da inadequao. (BAUMAN, 2009, p.21).
H a sentido de que a sociedade capitalista contempornea procura dar s pessoas a
impresso que elas tem possibilidades infinitas de poderem decidir sobre tudo a todo
momento. Um pouco como as decises de consumo, cada vez mais customizadas e
particularizadas. No entanto, talvez seja correto dizer que essa ao no um
verdadeiro agir, pois incapaz de mudar as possibilidades de escolha, que j foram
previamente determinadas. Ela no produz seus prprios objetos, apenas seleciona
objetos e alternativas que j foram previamente postos na mesa. Por isso esta ao
no livre. (SAFATLE, 2012, p.18).
Esta ordem das coisas encontra eco em um exerccio de projetiva, uma fico
elaborada por Susan George (2003) que discorre como o sistema patolgico de um
vale-tudo irresponsvel que hoje estamos envoltos, o denominado darwinismo
econmico, est gerando impasses dramticos: segregao, discriminao, destruio
dos recursos finitos do planeta.
A economia e seu trilhar na senda da flexibilizao a partir da dcada de 80 propiciou o
agravamento das diferenas das classes sociais, pois o fracasso, um grande tabu da
atualidade, o espectro do ser inadequado, comeou a permear a vida da classe mdia,
que outrora vitimava somente a classe trabalhadora.
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Hoje a excluso no percebida como resultado de uma momentnea e remedivel
m sorte, mas como algo que tem toda a aparncia de definitivo. (BAUMAN, 2009,
p.23)
3. Gente diferenciadaiguais entre iguais na paisagem murada.
Com o mantra da competio voraz, as oportunidades acabaram por se afunilar e a
rota em direo ao desemprego, pobreza e violncia acabaram por permear o
espao fsico com o surgimento de exrcitos particulares precarizados de seguranas
MIB (men in black), sistemas de vigilncia eletrnicos e muros, muitos muros, na
direo de um verdadeiro apartheid social, afora o aumento de assentamentos
precrios nas periferias ou nos ditos vazios urbanos.
Sofrem as metrpoles contemporneas, especialmente no Brasil, com a fragmentao
do tecido scio-poltico espacial e a formao de enclaves territoriais no espao
urbano, sofisticando as formas de auto-segregao dos habitantes. Esses enclaves
formam nos bairros, com urbanizao de status, circuitos exclusivos, cada vez mais
restritos, de residncias (condomnios), lazer (parques temticos), e consumo
(shopping centers).(SERPA, 2007, p.35)
A metrpole paulistana , outrora cidade da garoa, fez-se grande e espalhada, confusa e
medrosa, e encontra-se literalmente cercada intramuros, e at praas e parques
ganharam suas grades de ferro com seguranas particulares, com horrios de visitao
definidos, reduzindo ainda mais as possibilidades de recreao e socializao em
espaos pblicos. O espao pblico literalmente acabou atrs das grades.
A imploso da vida pblica na So Paulo de muros palpvel ao olhar do citadino, na
perda das atitudes simples como o caminhar livremente, mesmo que houvessem
caladas adequadas para tal.
Ao transformar a paisagem urbana, as estratgias de segurana doscidados tambm afetam os padres de circulao, trajetos dirios,hbitos e gestos relacionados ao uso das ruas, do transporte pblico,de parques e de todos os espaos pblicos. Como poderia aexperincia de andar nas ruas no ser transformada se o cenrio
formado por altas grades, guardas armados, ruas fechadas, ecmaras de vdeo no lugar de jardins, vizinhos conversando, e a
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possibilidade de espiar cenas familiares atravs das janelas? A ideiade sair para um passeio a p, de passar naturalmente por estranhos,o ato de passear em meio a uma multido de pessoas annimas, quesimboliza a experincia moderna da cidade, esto todoscomprometidos numa cidade de muros.....Tenso, separao,
discriminao e suspeio so as novas marcas da vida pblica. (CALDEIRA, 2011, p.301)
Caldeira tambm enfatiza esta modernidade incompleta, pensada no mbito
nacional como uma convivncia entre o sistema poltico democrtico (eleies livres e
regulares, liberdade de expresso, poder legislativo em plena vigncia) e prticas
sociais de discriminao, abusos e deslegitimao, em outras palavras, nos
encontramos em uma democracia disjuntiva, embora nos encontremos em umademocracia poltica e os direitos sociais razoavelmente legitimados, os aspectos civis
so constantemente violados, e a cidadania fica em um segundo plano.
Quando o sistema poltico se abriu, as ruas foram fechadas e o medo do crime se
tornou a fala da cidade. (CALDEIRA, 2011, p.314)
mais difcil para a elite impor seu prprio cdigo decomportamento incluindo regras de deferncia para a cidade
inteira. Alm disso, com a democratizao, os pobres foraram oreconhecimento de sua cidadania e ocuparam espaos fsicos epolticos anteriormente reservados elite. Com menos sinaisbvios de diferenciao mo e com mais dificuldade em afirmarseus privilgios e cdigos de comportamento no espao pblico, asclasses mais altas se voltam aos sistemas de identificao. Assim,espaos de circulao controlada (como os shopping centers) servempara assegurar que a distino e a separao ainda so possveis empblico. Sinais de distncia social so substitudos por murosconcretos. (CALDEIRA, 2011, p.325).
O surgimento dos condomnios fechados e a apropriao privada dos espaos comuns
urbanos, como ruas, parques e praas encontrou eco nas pesquisas de cunho
etnogrfico conduzidas por Carlos Nelson Santos, cujas crticas realavam o poder do
capital em desenvolver um modelo hbrido que mesclava princpios racionalista-
progressista e culturalista.
Quanto ao princpio racionalista, Carlos Nelson fez as seguintes observaes:
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O condomnio racionalista porque investe em uma versototalizante do meio urbano. Sua concepo autoritria e visa eficincia. O espao concebido para um homem padro e pretenderesponder a seus requisitos bsicos. A soluo universalizante eindependente das condies locais; pode ser implantada em
qualquer lugar. SANTOS (apud ABRAHO,2008,p.137 )
E no tocante ao princpio culturalista, ele ponderava:
O condomnio culturalista porque prope, desde o incio, ummundo fechado, com medidas automaticamente limitadas. Apopulao cuidadosamente prevista, impossvel de ultrapassar, jque as construes obedecem a regras pr-fixadas. O nmero demoradias condiciona a oferta de infra-estrutura e dimensiona osequipamentos. Completando tudo, h o muro, a cerca com entradasvigiadas. Em alguns casos h senhas, identificao eletrnica, circuito
interno. Em outros h toques de recolher, como nas pequenascidades medievais autocontidas. SANTOS ( apudABRAHO,2008,p.137 .
Quanto aos condomnios exclusivos e as reas de lazer o autor considerava que fugir
da rua desfigurada para se encerrar nas desejadas reas de lazer, s vezes menos
seguras ainda, ou nos decantados e valorizados condomnios exclusivos; suspirar pelas
reas verdes no so seno modos de se alienar da problemtica social do urbano.
Essa despolitizao no reconhece como tais as formas fetichizadas em que a questo
bsica se encontra dissimulada. assim que adquire sentido a reivindicao constante
de reas de lazer: no possuir um espao especializado e exclusivo para tal fim
expressa uma falta, um dficit. Equivale a estar excludo de uma qualidade de vida
urbana superior. Por isso todos querem reas de lazer. (SANTOS, 1985,p.101).
A atmosfera higienizada e confortvel do ar condicionado torna-se um lugar, um
centro de consumo purificado auto-cercado, que oferta uma gama de sensaes
caleidoscpicas deixando de fora a poluo, os indesejados e as diferenas correntes
na cidade. Como diz Bauman, os lugares de compra/consumo oferece o que nenhuma
realidade real externa pode dar: o equilbrio quase perfeito entre liberdade e
segurana.(BAUMAN, 2001, p.117).
O papel central e aglutinador que o corao da cidade antes possua, sendo o espao
geogrfico e simblico mais significativo, passou a ser a face da padronizao ou seja,
migrou para os shopping centers.
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Este papel aglutinador de servios e pessoas no interior de espaos artificiais e
impregnado pela esttica de mercado, espaos desterritorializados, espaos de no
pertencimento, onde o tempo suspenso e sem orientao, indistino entre dia e
noite, representa o espelho de uma crise do espao pblico. (SARLO, 2013,p.22).
Os shoppings representam a ofensiva avassaladora contra os espaos pblicos, so os
antpodas ticos s praas pblicas, onde as marcas de alcance miditico mundiais
apresentam seus logos, sustentados por mercadorias elaboradas em pases perifricos,
muitas das vezes com mo de obra barata, seno escravas, seja no Bom Retiro em So
Paulo ou no sudeste da sia.
A sociedade contempornea estimula uma tendncia ao tribalismo, umcomportamento marcado pelo desejo de neutralizar as diferenas sejam de natureza
poltica, tnica, social, religiosa ou sexual. Com isto h o surgimento de sociedades
cada vez mais complexas, porm com pouqussima habilidade para lidar com as
diferenas, advindas da imigrao dos conflitos de classe e desequilbrios econmicos.
(SENNETT, 2012, p. 47).
A rivalidade ns contra eles sempre existiu, o fato novo calcado em uma
indiferena ao diferente, algo muito sutil constituindo um recuo em relao ao outro,
como se o outro no existisse. O que resulta da que as elites tratam as massas como
se fossem literalmente invisveis, e por outro lado, os grupos distintos que formam as
massas acabam no interagindo entre si.
Em suma, este tribalismo contemporneo acaba por abalar a sociedade civil.
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4.Occupye o precariadoa insatisfao pe o bloco na rua
Surgem movimentos em vrias cidades ao redor do mundo em continuadas formas de
protestos populares tendo como elemento motivador basicamente a desigualdade
econmica, como foi o movimento Occupye o local de expresso deu-se nas ruas,
massivos protestos populares.
Sobre este movimento tendo como palco a cidade de Londres, Sennett comenta que
ele no sabe se eles podem ser revividos, pondera porm que o mais significativo no
foram os slogans e sim a percepo de descobertas que as pessoas faziam entre si,
criando claramente um momento muito especial, evidenciando que a sociedade
ainda capaz de tomar atitudes que permitem uma convivncia que no considerada
ao poltica. A permanncia das pessoas nos locais denotava um formato muito
diferente de protesto poltico normal cuja durao normalmente de somente
algumas horas.
Com uma outra leitura do movimento Occupy, Zizek (2013, p.104) aponta duasabordagens bsicas, sendo a primeira "pautada pelo descontentamento com o
capitalismo como sistema (o problema o sistema capitalista em si, no a sua
corrupo em particular); e a segunda a conscincia de que a forma institucionalizada
de democracia multipartidria representativa no suficiente para combater os
excessos capitalistas, ou seja, que a democracia tem de ser reinventada."
Os protestos globais devem servir de lembrana ao fato que de que temos a obrigao
de pensar em alternativas. (ZIZEK, 2013,p.108).
Na esteira destes movimentos h o surgimento do precariado que segundo Standing
(2013, p.12) o sujeito que carece de segurana para conseguir emprego, manter-se
no emprego, fazer carreira, ter garantias e segurana no posto de trabalho,
desenvolver suas habilidades, manter uma renda e representar seus interesses
coletivamente. Estes trabalhadores no possuem memria social, identidade baseada
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no trabalho e tem uma percepo de um no pertencimento, pois no existem regras,
cdigos ticos, prticas estveis, reciprocidade e fraternidade.
Este precariado a camada mdia do proletariado urbano precarizado, constituda por
jovens-adultos altamente escolarizados com insero precria nas relaes de trabalho
e vida social conforme o pesquisador Giovanni Alves da Unicamp.
O precariado constituiu a espinha dorsaldos protestos nas ruas das353 cidades brasileiras que ocorreram em junho de 2013. Na medidaem que cresceram por conta da exposio miditica, o corpo dasmanifestaes massivas que atingiram as cidades brasileirasincluram outras camadas sociais, fraes e categorias de classe queocuparam as ruas. Mas o que eu tenho salientado que a espinhadorsal da multido massiva que ocupou as ruas era constituda pelo
precariado. O precariado seria, deste modo, o filho prodigo doneodesenvolvimentismo que exige mudanas sociais na pauta donovo padro de desenvolvimento brasileiro.
No se trata apenas da precarizao salarial tendo em vista odesemprego, baixos salrios, rotatividade do trabalho, contratossalariais precrios e frustrao de expectativas de carreiraprofissional; mas trata-se tambm da precarizao existencial queocorre com a precariedade dos servios pblicos nas cidadesbrasileirastransporte pblico, sade, educao, espaos pblicos e o modo de vidajust-in-time.
(ALVES, 2013)
Em pesquisa do Ibope efetuada logo aps as manifestaes constatou-se que cerca de 63%
dos manifestantes tinham entre 14 a 29 anos, enquanto 18% tinham entre 30 a 29 anos.
Entorno de 93% tinham o ensino fundamental completo e nvel superior incompleto ou j
completo. Em torno de 76% trabalham. A maioria ganha entre 2 a 5 salrios mnimos,
sendo que 26% esto na faixa de remunerao de 5 a 10 salrios mnimos.
Uma das concluses de outra pesquisa coordenada pelo professor Marcelo Ridenti da
Unicamp apontou que os manifestantes das jornadas de junho de 2103 eram em sua
maioria jovens trabalhadores e descrentes da ascenso social.
Trata-se de uma contradio da prpria melhoria das condies sociais do pas na ltima
dcada, pois nos dias de hoje existem perto de 7 milhes de universitrios, o dobro do que
havia h duas dcadas passadas conforme lembra Ridente.
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As chances de ascenso, nesse sentido, exigem mais dos jovens de classe mdia, hoje, do
que no passado. Seu futuro incerto. A nica coisa segura que eles vieram para ficar.
(RIDENTE, 2013).
5. Mixofobia e Mixofilia
Bauman traz mais elementos para a discusso da diversidade na cidade,abordando a
disputa entre a mixofilia e a mixofobia, abordagens opostas para a questo, que
coexistem na metrpole.
A mixofilia traduz um forte desejo, interesse de misturar-se com as diferenas, com os
que so diferentes de ns, pois muito humano, natural e fcil de entender que se
misturar com os estrangeiros abre a vida para aventuras de todo tipo, para as coisas
interessantes e fascinantes que poderiam acontecer. Estes encontros se do somente
na cidade, posto que a surpresa e o encontro com o inolvidvel a possvel, com o
estabelecimento de algo novo, antes impossvel.
A mixofobia calcada no temor ao diferente, ao estrangeiro, o afastamento dos
perigos apresentados pela underclass ou at pelos precariados, e neste caso a
convivncia com estes estrangeiros gera muita ansiedade e insegurana.
Mais uma vez Bauman nos alerta para esta estreita comunidade de semelhantes e suas
limitaes:
O impulso para uma comunidade de semelhantes um sinal deretirada, no somente da alteridade que existe l fora, mas tambmdo empenho na interao interna, que viva, embora turbulenta,fortalecedora, embora incmoda. A atrao que uma comunidade de
iguais exerce semelhante a uma aplice de seguro contra riscos quecaracterizam a vida cotidiana em um mundo multifocal. No capazde diminuir os riscos e menos ainda evit-los. Como qualquerpaliativo, nada promete alm de uma proteo contra alguns de seusefeitos mais imediatos e temidos. (BAUMAN, 2009, p.45)
A convivncia entre iguais no nos permite vivenciar as diferenas e somente atravs de um
dilogo com o outro diferente, que nos permitir enfrentar o desafio de promoo de nossa
cidadania, solidariedade em nossas relaes sociais.
Como j vimos, o isolamento das reas residenciais e dos espaosfrequentados pelo pblico comercialmente atraente para seus
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construtores e para seus clientes, que entrevem uma soluo rpidaapara as ansiedades geradas pela mixofobia , de fato, a causaprimeira da mixofobia. As solues disponveis criam (por assimdizer) o problema que pretendem resolver: os construtores de gatedcommunities, ou de condomnios estritamente vigiados, e os
arquitetos dos espaos vedados criam, reproduzem e intensificam anecessidade, e portanto a demanda, que, ao contrrio, afirmamsatisfazer. A paranoia mixofbica nutre a si mesma e age como umaprofecia que no tem necessidade de confirmao. (BAUMAN, 2009,p.49)
A fuso que uma compreenso recproca exige s poder resultar de uma experincia
compartilhada, e certamente no se pode pensar em compartilhar uma experincia
sem partilhar um espao. (BAUMAN, 2009, p. 51).
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[Captulo 2] A importncia da Rua
Talvez as cidades morram quando terminam de ser despojadas dosatrativos que de ordinrio as cidades oferecem, do espetculo dasruas, do sentimento exacerbado das possibilidades humanas, para setornar simplesmente lugares superpovoados onde todo mundo sofre.
V.S. Naipaul
A rua o elo de ligao com o mundo. Contato com as pessoas que circulam e se
movimentam em suas tarefas cotidianas de trabalho ,lazer, afazeres domsticos,
propiciando vida cidade.
A rua onde a logstica da cidade se desenvolve, com o transporte de mercadorias,
com a distribuio das utilidades como gua, energia, gs, redes de telefonia e
cabeamentos diversos, iluminao, sombra e abrigo e onde tambm se do as
brincadeiras e folguedos infantis, pelo menos em um passado no muito distante, e
em certas periferias da metrpole, ainda nos dias de hoje.
o lugar tambm de lembranas e memrias, a possibilidade de encontros e
descobertas, a abertura ao outro, enfim o lugar por excelncia dos encontros sociais e
trocas comerciais. Todo mundo usa as ruas, para olhar,passear, para simplesmente se
deslocar, ou sentar e observar os passantes, simplesmente contemplar e ou mesmo
trabalhar.
certo, o inesperado vem de diversas formas, e nas ruas a possibilidade de um assalto,ou acidente estar sempre presente.
A rua tambm a festa, a procisso, o carnaval e as manifestaes e a atentamos para
os aspectos, sociais, polticos, simblicos e cerimoniais da rua e no pura e
simplesmente a rua como passagem e acesso.
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1. A rua no mundo
O que mais atrai as pessoas so as outras pessoas. Muitos dosespaos urbanos so criados para colocar as pessoas em qualquerlugar, que seja em andares e em subsolos, trata-se de um tipo deguerra santa contra a rua.
Whilliam H. Whyte
Os melhores lugares das ruas para olhar e ser visto so suas esquinas, o que William
White depreendeu de suas pesquisas.
William H. Whyte, escritor com razes no jornalismo e socilogo amador
(conforme suas prprias palavras), foi editor da revista Fortune e veio a ser uma
importante voz na sociedade norte-americana do ps-guerra. Com a publicao de seu
livro The organization man, em 1956, abordou o conformismo das pessoas frente
crescente presena da cultura corporativa na nao americana, em contraste com o
individualismo, o qual o pas tinha valorizado imensamente antes da guerra. Era crtico
face imagem de ousadia empresarial apregoada na poca, tendo em mente aburocracia vigente nos ambientes dos trabalhadores de colarinho branco, quer sejam
os escritrios, salas de reunio e laboratrios. Com essa anlise sociolgica da cultura
de negcios vigente e dos novos habitats suburbanos, ele se manifestou
enfaticamente contra o conformismo corporativo que assolava o pas, instando as
pessoas a refletirem e se absterem desse mal.
Em meados da dcada de 1950, Whyte e alguns colegas jornalistas de ento,
incluindo Jane Jacobs, escreveram uma srie de artigos que foram posteriormente
reunidos e publicados como The exploding metropolis (Editors of Fortune, 1957). Seu
ensaio denominado Urban Sprawl (talvez a primeira vez que esse termo foi usado),
abordava a perda sem sentido de terras agrcolas e das amenidades rurais devido ao
desenvolvimento suburbano, tema esse desenvolvido mais pontualmente em seu livro
posterior, The last landscape (1968). O ensaio de Jane Jacobs nessa coletnea,
denominado Downtown is for people,o qual desafiava a sabedoria convencional da
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renovao urbana, prenunciava seu clssico livro de 1961, The death and life of great
american cities.
The exploding metropolisdesafiava as estabelecidas regras do ps-guerra aliceradas
na expanso suburbana e nas cidades centrais, e em suas consideraes estticas efuncionais. Ao prevalencer os padres de desenvolvimento urbano nas bordas das
cidades, caracterizados pela ineficincia e pasteurizao dos projetos, as revitalizaes
dos centros urbanos eram marcados pela falta de esttica e pela ausncia de
segurana.
Na metade da dcada de 1960, j trabalhando na New York City Planning Commission,
revisou a edio incial do ento Comprehensive Planda cidade, documento o qual o
New York Timesdescreveu como provavelmente o mais esclarecedor plano escrito j
publicado.
Ajudando a reescrever esse trabalho, Whyte deparou-se com a incentive zoning,uma
tcnica aplicada na ordenao de zoneamento de 1961, que previa um aumento de
potencial construtivo na medida em que o empreendedor imobilirio promovesse s
suas custas algum equipamento voltado para o pblico, como praas ou ento
arcadas/passagens em passeios. Para cada p quadrado de praa, os construtores
poderiam erigir 10 ps quadrados de espaos comerciais.
Em 1980, Whyte publicou os resultados do The Street Life Projectna forma de um livro
denominado The Social Life of Small Urban Space. Este livro descreve sucintamente
anos de pesquisas e de documentao, servindo como um guia bastante acessvel para
a promoo da vida pblica nas ruas e para os espaos pblicos. Tem como captulos
as praas, os lugares para sentar, o sol, o vento, as rvores e a gua, a comida, os
indesejveis, as capacidades efetivas, os espaos cobertos, ou seja, aborda os espaos
pblicos para uma cidade perpetuar uma tima e agradvel convivncia social.
As ideias aparentemente simples de Whyte foram o fulcro de todo o seu trabalho: ele
acreditava profundamente na idia do espao pblico, estes espaos sem preo, e
preconizava que a vida das ruas da cidade era "rio da vida onde estamos todos juntos,
o caminho para o lugar primordial de todos. Esta crena levou Whyte a incentivar as
pessoas a preservar, abraar, melhorar e simplesmente desfrutar dos seus espaos
pblicos.
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Imagem n 01 : William H.(Holly) Whyte. (Fonte: Project for Public Space)
Whyte estabeleceu o Street Life Project, sediado no Hunter College, tendo como
apoiadores a National Geografic Society, o Rockfeller Brothers Fund, entre outros.
Com uma equipe de pesquisadores assistentes, cmera de filmagem e um livro de
anotaes, Whyte conduziu um dos estudos pioneiros em comportamento dos
pedestres e realizou pesquisas inovadoras sobre as dinmicas da cidade.
Jane Jacobs
Abordando a importncia das ruas, no poderamos de citar Jane Jacobs, que estudou
as ruas e as caladas a partir da viso e da percepo que as pessoas tm da cidade,
afirmando que uma calada e uma rua interessantes formam uma cidade interessante
e se elas parecerem montonas, a cidade parecer montona.
Nascida em Scranton, na Pensilvnia (EUA), Jane Butzner desceu na estao
Christopher Street/Sheridan Square do metr nova-iorquino e teve seu primeiro
contato com o corao de Greenwich Village, lugar onde seria seu lar por vrias
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dcadas. Corria o ano de 1934, nas ruas havia o movimento dos caminhes de entrega,
crianas brincando nas caladas em frente s lojas, muitas vitrinas, barbearias, cafs,
mulheres fazendo compras, pessoas conversando, uma praa em formato triangular
com idosos sentados, tudo transparecia uma genuinidade mpar, enfim, um jeito bomde viver.
Pouco tempo depois a irm de Jane, Betty, entusiasmada com o lugar, decidiu mudar
com ela para um apartamento na Morton Street, uma rua bem caracterstica da
vizinhana, com fileiras de pequenas rvores, edifcios de quatro ou cinco andares de
pedras marrons na fachada (os famosos brownstones) e townhouses, com jardins
voltados para a rua, guarnecidos por cercas de ferro. Tinham como vizinhos desde
motoristas de caminho e trabalhadores ferrovirios a artistas, pintores e poetas, tais
como Jackson Pollock, Willem de Kooning e E. E. Cummings. Com formao em
secretariado, Jane passava as manhs em busca de trabalho, em entrevistas de
emprego e o resto do dia perambulando pelo local, observando o movimento contnuo
e cheio de vida da vizinhana.
Jane sempre optou pela escola da vida, mesmo assim tentou alguns estudos na
Columbia University, obtendo crditos em vrias matrias, apesar de no conseguir
um diploma.
Em 1944, em plena Segunda Guerra Mundial, durante uma reunio na inaugurao de
seu novo apartamento, Jane conheceu um arquiteto chamado Robert Hyde Jacobs,
que em torno de um ms depois veio a se tornar seu marido.
Em 1947, ao caminharem pelas ruas de Greenwich Village, o jovem casal descobriu,
espremido entre dois edifcios, uma construo de trs andares com uma loja vazia no
trreo, ao lado de uma lavanderia, em estado bem ruim de conservao. Seu preo era
atraente frente aos dos novos locais de moradia nos subrbios, mas a localizao era
perfeita: 555 Hudson Street. Este veio a ser o lar dos Jacobs por vrios anos, onde
criaram seus filhos e onde Jane, com vista do primeiro andar para o movimento da rua,
escreveu seu trabalho seminal, o livro Morte e vida das grandes cidades.
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No alinhamento das caladas ficam os edifcios, os espaos pblicos que do
significado a elas e, alm desses, so as situaes que se criam sobre elas que trazem
suas referncias e caractersticas. As caladas se transformam em bals de pessoas,
situaes e atividades: O bal da boa calada urbana nunca se repete em outro lugar,e em qualquer lugar est sempre repleto de novas improvisaes (JACOBS, 2007, p.
52).
A autora enfatiza que apesar da aparente desordem da cidade tradicional,
[...] existe nos lugares em que ela funciona a contento uma ordemsurpreendente que garante a manuteno da segurana e daliberdade. uma ordem complexa. Sua essncia a complexidade douso das caladas, que traz consigo uma sucesso permanente de
olhos. Essa ordem compem-se de movimento e mudana, e,embora se trate de vida, no de arte, podemos cham-la, na fantasia,de forma artstica da cidade e compar-la a dana. (JACOBS, 2007,p.53).
Na verdade, Jane defende a questo da diversidade dos usos na cidade, assim como da
diversidade no nvel socioeconmico da populao, de raas e tipologias das
edificaes.
Os pequenos comerciantes, donos de padarias, lojas, mercearias, constituem-se como
os reais donos da rua, com seus olhos atentos ao que se passa no entorno e, com isso,
garantem o aspecto de segurana local, muitas vezes de maneira mais eficientes que a
iluminao pblica.
Henri Lefebvre
Lefebvre ressalta que a rua no somente um lugar de passagem e circulao,
condenando a invaso dos automveis, como destruidores de toda vida social e
urbana e profetiza que chegar um dia em que dever haver limites para os direitos e
poderes do automvel.
A favor da rua, Lefebvre a denomina como o lugar (topia) doencontro, sem o qual no existem outros encontros possveis noslugares determinados (cafs, teatros, salas diversas. Estes lugaresprivilegiados animam a rua e so favorecidos por sua animao, ouento no existem. Na rua, teatro espontneo, o movimento, a
mistura, sem os quais no h vida urbana, mas separao,segregao estipulada e imobilizada. Quando se suprimiu a rua
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(desde Le Corbusier, nos novos conjuntos), viu-se as consequncias: aextino da vida, a reduo da cidade a dormitrio, a aberrantefuncionalizao da existncia. A rua contm as funesnegligenciadas por Le Corbusier: a funo informativa, a funosimblica, a funo ldica. Nela joga-se, nela aprende-se. A rua a
desordem? Certamente. Todos os elementos da vida urbana, noutraparte congelados numa ordem imvel e redundante, liberam-se eafluem s ruas e por elas em direo aos centros; a se encontram,arrancados de seus lugares fixos. Essa desordem vive. Informa.Surpreende. Alm disso, essa desordem constri uma ordemsuperior. Os trabalhos de Jane Jacobs mostraram que nos EstadosUnidos a rua (movimentada, frequentada) fornece a nica seguranapossvel contra a violncia criminal (roubo, estupro, agresso). Ondequer que a rua desaparea, a criminalidade aumenta, se organiza.(LEFEBVRE, 1999, p.27).
Nos textos de Lefebvre a rua caracterizada por ser o lugar do encontro, pois a rua
possui uma vitalidade peculiar " um teatro espontneo, eu me torno espetculo e
espectador, s vezes ator. Aqui se efetua o movimento, uma mistura sem a qual no
existe vida urbana, mas separao, segregao estipulada e fixa".
A rua constitui um espao de manifestao , constituindo o lugar onde h a liberao
das vozes caladas no decorrer dos dias e "a rua e por meio deste espao, um grupo (a
cidade mesma) se manifesta, aparece, se apropria dos lugares, realiza um tempo-
espao apropriado; uma tal apropriao mostra que o uso e o valor de uso podem
dominar a troca e o valor de troca. Quanto ao movimento revolucionrio, ele passa
geralmente pela rua". (LEFEBVRE, 1999, p.27).
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Donald Appleyard
Good urban design must be for the pooras well as for the rich.
Appleyard
Donald Appleyard foi membro do Departamento de Planejamento Municipal e
Regional de Paisagem Urbana da Universidade da Califrnia, em Berkeley, onde
lecionou na disciplina de Projeto Urbano. Dedicou seus esforos objetivando uma
melhor qualidade de vida nas cidades, bairros e ruas, constituindo-se em um exemplo
raro de pesquisador inovador e ativista. Uma das suas maiores preocupaes era a
ampliao do escopo do projeto urbano procurando uma maior interao com as
cincias sociais. Foi um humanista, com forte inclinao para trabalhar com as pessoas
e seus problemas ambientais; um planejador urbano voltado s questes da
comunidade e principalmente da vida pblica.
Em suas palavras,
[...] as pessoas sempre viveram nas ruas. Elas [as ruas] tm sido oslugares onde as crianas tomam o primeiro contato com o mundo,onde os vizinhos se encontram, o ponto social de encontro dosbairros e das cidades, o lugar de reunio para a expresso derevoltas, cenrios da represso [...]. As ruas tm sido a cena desteconflito, entre viver e ter acesso, entre o morador e o viajante, entrea vida na rua e da ameaa da morte. (APPLEYARD, 1981, p.25).
Com um longo histrico de realizaes, ele sempre se movia em novas direes e
concretizava, por meio de um mtodo de trabalho paciente e preciso, novas e
importantes descobertas dotadas de surpreendente criatividade, uma verdadeira
fonte de ideias e calor humano (LYNCH et all, 1983).
Appleyard fez pontes entre o desenho urbano e as cincias sociais, entre o modo como
as pessoas percebem e valorizam o seu ambiente e o processo profissional de
conduo do projeto. Estava interessado na qualidade de vida das ruas e dos bairros;
no controle do trfego local; na conservao e percepo do lugar, com olhos focados
na comunidade para que houvesse suporte vida pblica. Suas pesquisas
contemplavam temas como os efeitos do trfego sobre a vida dos moradores
citadinos; as caractersticas fsicas das cidades, com o objetivo de torn-las agradveis
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e os lugares melhores para se viver; assim como aquelas voltadas para gerenciar o
trfego em reas residenciais e para a conservao de bairros (LYNCH et all, 1983).
Donald Aplleyard foi o grande responsvel pelo laboratrio de simulao ambiental
(Environmental Simulation Laboratory), iniciativa pioneira que permitiu testar ecomparar diferentes ambientes e projetos de utilizao de modelos e imagens de
vdeo, onde os espectadores podiam experimentar um ambiente simulado como se
estivessem realmente interagindo. Exemplos do trabalho do laboratrio de simulao
so: a realizao de filmes sobre os efeitos do desenvolvimento futuro dos arranha-
cus no horizonte de So Francisco, anlise dos impactos de vizinhana de tecnologias
de transporte alternativos e avaliao do impacto de uma rodovia interestadual
controverso, que acabaram por suportar polticas pblicas voltadas qualidade
ambiental.
Livable Streets
No final dos anos 1960, Appleyard empreendeu um estudo de referncia denominado
Livable Streets, no qual trs ruas residenciais de So Francisco, na Califrnia, foram
estudadas e todas apresentavam as mesmas caractersticas, exceto o volume de
trfego.
Uma rua foi denominada de Trfego Leve, com 2 mil veculos por dia, outra de
Trfego Moderado, com 8 mil veculos por dia e uma terceira denominada Trfego
Pesado, com 16 mil veculos por dia. Uma das concluses de sua pesquisa apontava
que os moradores da rua com trfego leve tinham trs amigos a mais e o dobro de
conhecidos do que aqueles da rua com trfego pesado.
Com o aumento do volume de trfego as pessoas julgavam que o espao, considerado
como seu territrio, local de troca de socializao, havia diminudo.A rua com TrfegoLeve era parecida com uma comunidade: os degraus em frente das casas eram usados
para se sentar e conversar, nas caladas as crianas podiam brincar e os adultos se
reuniam para passar o tempo, principalmente nas proximidades da loja da esquina, e
at a rua era vista por adolescentes e crianas como propcias para jogos, tais como o
futebol. J na rua com Trfego Pesado a calada demonstrou pouca ou nenhuma
atividade, servindo apenas como um reles corredor entre o santurio individual das
casas com o mundo exterior. Os moradores mostravam-se muito autocentrados e no
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foi percebido praticamente nenhum sentido de comunidade. A diferena nas
percepes e experincias das crianas e idosos foi especialmente marcante.
Mapa n01 . Caracterizao do estudo de Appleyard Livable Streets. (Google).
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Appleyard foi uma das primeiras pessoas a lanar mo do instrumento de pesquisa
Mapeamento de Imagem (Image Mapping) para examinar assuntos de planejamento e
transporte, como no estudo conduzido em Livable Streets.
Neste foi apresentado aos moradores um mapa base com a localizao dos edifcios do
bairro acompanhado de uma imagem do perfil da rua. Pedaos de papel vegetal foram
colocados ao longo do mapa, permitindo aos participantes que respondessem
diretamente nele por meio de desenhos. Haviam perguntas dirigidas aos moradores a
respeito de seus sentimentos em relao ao territrio que ocupavam e aos padres da
vizinhana. Appleyard foi assim capaz de capturar e comparar as percepes
ambientais dos moradores de diversas ruas. Os mapas foram eficazes em levar as
pessoas a falarem livremente sobre suas percepes, opinies e sentimentos a
respeito de sua rua e bairro. Atravs de um levantamento complementar, os
participantes foram convidados a responder perguntas adicionais sobre como o
trfego impactava os nveis de conforto, preferncias e fruo. Essa metodologia de
trabalho, image mapping, permitiu exibir por intermdio da imagem coletiva das
respostas uma visualizao palpvel das concluses do estudo.
A notvel amplitude de interesses de Appleyard aparente na lista de seus trabalhos,
que variam da simulao ambiental da qualidade da rua e do meio ambiente urbano
ao simbolismo ambiental. Abordou temas a respeito dos vrios atores envolvidos na
elaborao do cotidiano e do planejamento de lugares, bairros e cidades.
Ousadamente expressou as diferenas de poder que muitas vezes regem os processos
de planejamento urbano, quando as decises so feitas por e no interesse das pessoas
socialmente, mentalmente e fisicamente mais fortes e as solues so avaliadas
visando apenas o benefcio econmico a curto prazo. Ele foi franco sobre a
importncia do que acredita ser verdadeiramente democrtico, o planejamento de
baixo para cima, afirmando que todas as partes que tm interesse em um local devem
contribuir para a tomada de deciso, e que os lados mais fracos precisam ser
assegurados, para que seus interesses sejam plenamente representados. Appleyard
enfatizou que nas ruas do centro, onde o poder se mostra em desequilbrio, umaprioridade equilibrada deve ser dedicada aos grupos que ocupam menos espaos, mas
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que significativamente colaboram com a vida pblica e a interao social, ou seja, os
pequenos estabelecimentos, os pedestres e mesmo aqueles que no tm escolha, mas
que esto presentes nesses espaos (LYNCH et all, 1983).
O importante a destacar que sob seu ponto de vista, alertava que os profissionais e
pesquisadores do ambiente suprimiam de seus conhecimentos os aspectos simblicos
ou de natureza simblica de seus prprios projetos e planos, pois esses o enxergavam
como uma entidade unicamente fsica, um recipiente meramente funcional, enfim, um
cenrio para os programas, um padro de uso da terra, uma experincia sensual, mas
raramente levavam em conta o simblico, o social e o lado poltico (LYNCH, 1983).
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2. A rua no Brasil
S em mapas, plantas e planos, ruas podem ser vistas apenas como meiosde circulao entre dois pontos distantes. claro que elas tambm o so.
Podemos medir-lhes os fluxos, avaliar a carga de trfego que suportam,hierarquiz-las, test-las quanto vocao circulatria, etc. Mas as ruas queno so mais do que vias de passagem esto animadas somente por um stipo de vida e mortas para o resto. (...) Uma rua um universo de mltiploseventos e relaes. A expresso `alma da rua` significa um conjunto deveculos, transeuntes, encontros, trabalhos, jogos, festas e devoes.
Carlos Nelson Ferreira Santos
Joo do Rio
Nos idos do incio do sculo XX no Rio de Janeiro, Joo do Rio (1881 - 1921,
pseudnimo de Paulo Barreto) cronista e andarilho urbano faz uma apologia da rua
face s reformulaes urbanas, o conhecido "bota- abaixo" , conduzidas por Pereira
Passos, o nosso Haussmann tropical entre os anos de 1902 e 1904.
publicado em 1905 por Joo do Rio um dos seus mais conhecidos textos denominado
A Rua, uma defesa das virtudes da rua, do simples caminhar pelas ruas, denotando o
amor a rua, um sentimento segundo o autor, que partilhado por todos, pois na rua
que "ns somos irmos, ns nos sentimos parecidos e iguais, nas cidades nas aldeias,
nos povoados, no porque soframos com a dor e os desprazeres, a lei e a polcia, mas
porque nos une, nivela e agremia o amor da rua." (RIO, 1997, p.28).
Na definio de rua buscada por Joo do Rio nos dicionrios de sua poca surgiam:"
rua do latim ruga, sulco. Espao entre casas e povoaes onde se anda e se
passeia...Para eles a rua era apenas um alinhado de fachadas, por onde se anda nas
povoaes..." (RIO, 1997,p. 29).
Para Joo do Rio a rua um fator de vida das cidades, a rua tem alma (RIO, 1997,p.29)
As constataes do escritor permite entender a rua, que generosa e
transformadora de lnguas, uma criao igualitria e assim continua a descrev-la:
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[...] continua matando substantivos, transformando a significao dostermos, impondo aos dicionrios as palavras que inventa, criando ocalo que o patrimnio clssico dos lxicons futuros. A rua resumepara o animal civilizado todo o conforto humano. D-lhe luz, luxo,bem-estar, comodidade a at impresses selvagens no adejar das
rvores e no trinar dos pssaros. A rua nasce, como o homem , dosoluo, do espasmo. H suor humano na argamassa do seucalamento. Cada casa que se ergue feita do esforo exaustivo demuitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer aspedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopeiato triste que pelo ar parece uma arquejante soluo. A rua sente nosnervos essa misria da criao, e por isso mais igualitria, a maissocialista, a mais niveladora das obras humanas.
Enfim, Joo do Rio explora em sua linguagem potica com esprito crtico de
observador urbano as condies da vida social brasileira, no caso do Rio de Janeiro que
se esquadrinham nas ruas em sua poca, e exalta tambm que nas ruas que se faz as
celebridades e tambm as revoltas.
Joo do Rio citando Balzac dizia que " as ruas de Paris nos do impresses humanas.
So assim as ruas de todas as cidades, com vidas e destinos iguais aos homens." (RIO,
1997, p.33)
ODonnell (2008, p.15) destaca a importncia do trabalho de Joo do Rio (Paulo
Barreto) para a posteridade em revelar os ritmos, as tcnicas e as sociabilidades que
regiam a vida capital da Repblica nas primeiras dcadas do sculo XX. Imerso com
encantamento e crtica no processo de crescimento da cidade no perodo, o autor nos
oferece uma viso dos aspectos mais sensveis (e por isso menos acessveis) da
urbanizao do espao da cidade e de seus habitantes. A mincia com que so
bordados detalhes referentes a essa temtica revela, nesse autor, o que a autora
denomina temperamento etnogrfico.
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Ainda de acordo com ODonnell (2008, p. 15):
As peculiaridades do olhar lanado por Joo do Rio ao seu arredormostram um aguado senso de percepo das relaes sincrnicas,
to caro epistemologia do trabalho etnogrfico. Suas crnicaspodem, nesse sentido, ser lidas como um exemplo legtimo dedescrio densa, para usar o termo do antroplogo norte-americanoClifford Geertz na definio do esforo empregado na aventuraetnogrfica. Com seu "trabalho de campo" nas ruas do Rio deJaneiro, feito de intensa observao participante (e muitasentrevistas) Joo do Rio nos oferece um rico material etnogrfico quenos permite inferir acerca dos pormenores sensitivos do contructorepublicano: o homos urbanustropical. [...] a rua, primeira-dama dopalco replublicano, emerge ento como nossa protagonista nessaantropologia fundamental urbana e de franca preocupao com as
questes a que se referem os estudos acerca das sociedadescomplexas.
Roberto DaMatta
Para DaMatta a vida social brasileira caracterizada por uma diviso clara entre dois
espaos fundamentais:"o mundo da casa e o mundo da rua - onde esto teoricamente
o trabalho, o movimento, a surpresa e a tentao". (DAMATTA, 1984,p.23).
Segundo DaMatta (1984, P23): "[...] a rua serve tambm como o espao tpico do lazer.
Mas ela como um conceito inclusivo e bsico da vida social - como "rua" - , o lugar
do movimento, em contraste com a calma e a tranquilidade da casa, do lar e a
morada".
Ainda referindo-se rua e seu espao, DaMatta indaga:
[...] Mas como o espao da rua? Bem, j sabemos que ela local demovimento. Como um rio, a rua se move sempre num fluxo depessoas indiferenciadas e desconhecidas que ns chamamos de povoe de massa. Em casa, temos as pessoas, e todos l so gente: nossagente. Mas na rua temos apenas grupos desarticulados de indivduos- a massa humana que povoa as nossas cidades e que remete sempre explorao e a uma concepo de cidadania e de trabalho que ntidamente negativa. De fato falamos de rua como um lugar de luta,de batalha, espao cuja crueldade se d no fato de contrariarfrontalmente todas as nossas vontades. Da por que dizemos que a
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rua equivalente dura realidade da vida. O fluxo da vida, com suascontradies, durezas e surpresas, est certamente nas ruas, onde otempo medido pelo relgio e a histria se faz acrescentando eventoa evento numa cadeia complexa e infinita. Na rua, ento, o tempocorre, voa e passa.
As mediaes complexas entre o casa e a rua estabelecem uma concepo de trabalho
confusa, pois conforme DaMatta "casa e rua so mais que locais fsicos, so tambm
espaos de onde se pode julgar, classificar, medir, avaliar e decidir aes, pessoas,
relaes e moralidades. Compensando-se mutuamente e sendo ambas
complementadas pelo espao do outro mundo, onde residem deuses e espritos, casa
e rua formam os espaos bsicos atravs dos quais circulam nossa sociabilidade"
(DAMATTA, 1984, p33).
E ainda de acordo com a fala de DAMATTA, casa e rua no se restringem a espaos
fsicos, sendo na verdade grandes esferas deao social, que so complementares e
opostas concomitantemente. A casa e a rua refletem as ambigidades da sociedade
brasileira, so diferentes conjuntos de valores cuja abrangncia pode variar muito em
funo de seu referencial. Podemos ainda ,depreender do texto de DAMATTA que casa
e rua se reproduzem mutuamente no se fazendo oposio simplesmente, devido aexistir nas ruas espaos tambm considerados no sentido de casa, onde as pessoas
vivem como se em casa estivessem.
Catumbi
O modo da apropriao do espao de uso comum foco de estudo etnogrfico
referencial no caso do Brasil, cabendo a Carlos Nelson e Arno Voguel ressaltar aimportncia da rua como elemento articulador de usos combinados e complexos,
responsvel pela diversidade no Bairro do Catumbi, na cidade do Rio de Janeiro em
trabalho seminal nos anos 80.
Apontam que o espao pblico, entre outros, "a rua, o espao da sociedade, do uso
coletivo, do reencontro do homem com a natureza, da troca de valores das crianas e
dos adultos de vrias faixas etrias, raas, crenas, etnias, culturas e classes sociais, da
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participao comunitria, de todos compartilhando um espao comum e interagindo
entre si, em clima alegre, espontneo e despretensioso".
Os autores pontuam que "rua um espao que se abre ao firmamento, d o sentido de
liberdade, de movimento, de ao e de transformao, o cu em permanente
mudana".
A rua se torna com frequncia, o lugar da novidade, do inesperado.
Para isso, contribui o fato de ser ela o lugar, por excelncia, do outro.
Esta categoria se refere ao estranho, o outro em sua forma mais
radical, mas se aplica tambm ao outro concebido e simplesmente
como aquele que mantemos relaes sociais. Essa ltima
caracterstica ressalta-lhe a funo de estranhamento. A rua o lugar
onde se d o social tambm como espetculo. Da seu fascnio. Comoforma dramtica, um espetculo que permite assumir certas
identidades, desempenhar determinados papis e, at certo ponto,
escolher os enredos dos quais se vai participar. o palco por
excelncia do social.Os diferentes contextos (caladas, esquinas,
janelas, muros, etc.) podem ser recortados como palcos ou plateias.
Quer dizer, o que se v e de onde se v. A rua promove o contato
com o outro.( Carlos Nelson, 1985, p83).
No estabelecimento do contato com o outro, trs situaes sero possveis, quais sejam; a
troca quando reforamos o contato, a evitao procurando neutraliz-lo ou ento entramos
em conflitos quando recusamos certas determinadas condies de uma troca possvel, sendo
que em todos os caso operamos com regras ou por meio de rituais. "Troca, evitao e conflito
sempre vo estar juntos. So termos virtuais de qualquer relao social", (SANTOS, 1983,
p.84).
Na rua tambm acontece a apropriao do espao pblico, uma tendncia a privatiz-lo, quando da ocupao das caladas por cadeiras, as peladas na rua, o Bazar do
Divino, as fogueiras no perodo invernal para assar batatas, linguias e pimentes.
(SANTOS, p.96).
Esta apropriao encontra eco no pensamento de Lefebvre que pondera: "... o espao
do lazer tambm pode significar uma tendncia e uma tenso, uma transgresso de
uso que procura sua via para superar as separaes: aquela do social e do mental,
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aquela do sensvel e do intelectual, como aquela do cotidiano e do extraordinrio (da
festa)". (LEFEBVRE, 1991, p.143)
No tocante diversidade, no somente a social fomentada pelo conhecer-se e sua
troca social, mas a pertinente "aos usos permitidos pela articulao de moradias, locais
de trabalho, pequenos negcios, servios, estabelecimentos de culto e lazer conforme
Santos, "acabava por fomentar o encontro sistemtico das pessoas e dos grupos em
funo da maneira pela qual partilham, numa configurao espacial precisa, a
multiplicidade de meios que viabilizam a vida cotidiana. Existe pois uma comunidade
nas ruas que no apenas funcional. As pessoas no participam dela simplesmente
porque moram, compram, trabalham, cultuam ou se divertem no mesmo
lugar."(SANTOS, 1983, p.85).
Ainda sobre a questo da diversidade e a relao com o estranho estabelecidas nas
ruas, o autor discorre:
Digamos, em primeiro lugar, que a diversidade paradoxal, pois criaas condies para a presena de muitas pessoas num determinadoespao. O grande nmero admite tambm os muito estranhos. E operigo.. Mas, o meio urbano diversificado prov certos mecanismosde controle da prpria diversidade ou de suas consequncias, que
no so seno ela mesma. Sem estranhos no h diversidadepossvel. A entram as muitas agncias de mediao que tornampossvel a incorporao do estranho, o que muito importante paraa comunidade dos quese conhecem em variados graus. Os muitos ediferenciados contatos que se travamos nos ambientes urbanosmarcados pela diversidade, constituem uma verdadeira rede desuporte social para o indivduo. Conhecer e ser conhecido , aomesmo tempo, o resultado da insero nesse complexo de relao ea condio para fazer parte dele.(SANTOS, 1983, p.91).
A negao da rua a negao do urbano, se considerarmos as ruas representam,
afinal, o mais caracterstico dos espaos comuns nas cidades, o que mais importante
que praas, bosques, parques e quaisquer outros tipos de logradouros.
Centros urbanos so em si mesmos, fontes abertas e inesgotveis de idias que saltam
de seu simbolismo escancarado e so todos os dias decodificados, absorvidos e re-
elaborados nas ruas, nas praas, nos meios de transporte, nos locais de trabalho, em
todo canto. (1988, p.46)
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[Captulo 3] Legislao e conflitos na Vila Madalena
As mesas dispostas nas caladas em ruas da metrpole, devem atender as
condicionantes estabelecidas pelas diversas legislaes quer sejam de mbito
municipal, estadual e federal que as regulamenta, seja para disciplinar o uso e tambm
atender s demais disposies estabelecidas pelo poder pblico.
Tendo em mente as regulaes vigentes temos que nos atentar primeiramente para o
zoneamento do uso do solo, um dos instrumentos do Planejamento Urbano que
estabelece a aplicao de um sistema legislativo de mbito municipal procurando
regular o uso e a ocupao do solo urbano.
1. Zoneamento
No caso em tela, Vila Madalena, o zoneamento em voga estabelecido pela Lei n
13.885 de 25 de Agosto de 2004 que define:
ZM-1 Zona Mista de Baixa Densidade
ZM-2 Zona Mista de Mdia Densidade
ZM-3a Zona Mista de Alta Densidade
ZM-3b Zona Mista de Alta Densidade
O zoneamento local define os limites de rudo. Nas zonas residenciais o limite de 50
decibis entre 7:00 e 22:00 horas, e no intervalo das 22:00 s 7:00 horas o limite de
45 decibis.
Nas zonas mistas no intervalo das 7:00 s 22:00 horas o limite fica entre 55 e 65
decibis (dependendo da regio) e das 22:00 s 7:00 horas varia entre 45 e 55
decibis. Em zonas industriais, entre 7:00 e 22:00 horas vale o intervalo entre 65 e 70
decibis e das 22:00 s 7:00 horas entre 55 e 60 decibis.
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Mapa n02 O que a Vila? Zoneamento (Crdito : Davis Brodi Bond/ idea! Zarvos)disponvel em http://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/conheca-o-projeto-do-plano-de-bairro-para-a-vila-madalena/ acesso em Outubro 2013.
2. RESOLUO CONAMA n 1, de 8 de maro de 1990.
A RESOLUO CONAMA n 1, de 8 de maro de 1990 Publicada no DOU n 63, de 2 de
abril de1990, Seo 1, pgina 6408 a primeira resoluo do Conselho Nacional do
Meio Ambiente que se ocupa dos padres de rudos produzidos por atividades