qualidade da educaÇÃo superior: a universidade...

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QUALIDADE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: SÉRIE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR Observatório da Educação CAPES/INEP Silvia Maria de Aguiar Isaia Organizadora A UNIVERSIDADE COMO LUGAR DE FORMAÇÃO Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

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  • QUALIDADE DA EDUCAO SUPERIOR:

    SRIE QUALIDADE NA EDUCAO SUPERIORObservatrio da Educao CAPES/INEP

    Silvia Maria de Aguiar Isaia Organizadora

    A UNIVERSIDADE COMO LUGAR DE FORMAO

    Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Ansio Teixeira

  • _______________________________________

    QUALIDADE DA EDUCAO SUPERIOR: A UNIVERSIDADE COMO LUGAR DE FORMAO

    _______________________________________

  • ChancelerDom Dadeus Grings

    ReitorJoaquim Clotet

    Vice-ReitorEvilzio Teixeira

    Conselho EditorialAna Maria Lisboa de MelloBettina Steren dos SantosEduardo Campos PellandaElaine Turk Fariarico Joo HammesGilberto Keller de Andrade Helenita Rosa FrancoIr. Armando Luiz BortoliniJane Rita Caetano da SilveiraJorge Luis Nicolas Audy Presidente Jurandir Malerba Lauro Kopper FilhoLuciano KlcknerMarlia Costa Morosini Nuncia Maria S. de ConstantinoRenato Tetelbom Stein Ruth Maria Chitt Gauer

    EDIPUCRSJernimo Carlos Santos Braga DiretorJorge Campos da Costa Editor-Chefe

  • Silvia Maria de Aguiar Isaia - Organizadora ChefeDoris Pires Vargas Bolzan

    Adriana Moreira da Rocha Maciel(Colaboradoras)

    ____________________________________________________QUALIDADE DA EDUCAO SUPERIOR:

    A UNIVERSIDADE COMO LUGAR DE FORMAO____________________________________________________

    Srie Qualidade da Educao SuperiorObservatrio da Educao CAPES/INEP

    v. 2

    Porto Alegre, 2011

    RIES OBSERVATRIO DE EDUCAO

    Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Ansio Teixeira

  • EDIPUCRS, 2011

    Giovani Domingos

    dos autores

    Gabriela Viale Pereira

    Q1 Qualidade da educao superior : a Universidade como lugar de formao [recurso eletrnico] / organizadora, Silvia Maria de Aguiar Isaia; colaboradoras, Doris Pires Vargas Bolzan, Adriana Moreira da Rocha Maciel. Dados eletrnicos. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2011.238 p. (Srie Qualidade da Educao Superior ; 2)ISBN 978-85-397-0135-3

    Modo de Acesso: ISBN 978-85-397-0135-3 (on-line)Textos apresentados no VIII Seminrio de Educao Superior:

    a Universidade como lugar de formao ocorrido na Universidade Federal de Santa Maria.

    Publicao da srie pelo Observatrio da Educao CAPES/INEP.

    1. Educao Superior. 2. Educao Qualidade. I. Isaia, Silvia Maria de Aguiar. II. Bolzan, Doris Pires Vargas. III. Maciel, Adriana Moreira da Rocha. IV. Srie.

    CDD 378

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas grficos, microflmicos, fotogrficos, reprogrficos, fonogrficos, videogrficos. Vedada a memorizao e/ou a recuperao total ou parcial, bem como a incluso de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibies aplicam-se tambm s caractersticas grficas da obra e sua editorao. A violao dos direitos autorais punvel como crime (art. 184 e pargrafos, do Cdigo Penal), com pena de priso e multa, conjuntamente com busca e apreenso e indenizaes diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

  • Silvia Maria de Aguiar Isaia (Org.)Colaboradoras

    Doris Pires Vargas BolzanAdriana Moreira da Rocha Maciel

    Comit CientficoMarilia Costa Morosini (PUCRS)

    Maria Estela Dal Pai Franco (UFRGS)Maria Isabel da Cunha (UNISINOS)Valeska Fortes de Oliveira (UFSM)

  • SUMRIO

    Apresentao...........................................................................................8Silvia Maria de Aguiar IsaiaDoris Pires Vargas BolzanAdriana Moreira da Rocha Maciel

    Prefcio...................................................................................................12Marilia Costa Morosini

    Universidade Brasileira: novos paradigmas institucionais emergentes.............................................................................................15Ricardo Rossato

    A universidade como lugar de formao ou como reinventar a universidade?.........................................................................................35Pedro Gilberto Gomes, SJ

    Cenrios da Educao Superior e qualidade na gesto: Desafios para a universidade...............................................................................43Maria Estela Dal Pai Franco Marilia Costa Morosini

    Utopias e educao: movimentos e lugares na universidade possvel...................................................................................................57Cleoni Maria Barboza Fernandes

    Formacin de investigadores como enseanza universitaria en el grado. El caso de la Universidad de La Repblica.............................73Luis E. Behares

    Mercados, rankings e estudantes consumidores: escolhas-escolhidas ou o que diriam os colegas de Crdoba?.............................................90Denise Leite

    As vozes das comunidades: a universidade como lugar de formao..............................................................................................108Valquiria Linck BassaniNdia de Ftima Borba Martins

  • Pedagogia universitria: mudana nos discursos sem eco nas prticas.................................................................................................119Elizabeth Diefenthaeler KraheHamilton de Godoy Wielewicki

    A prtica pedaggica e a escrita dos professores: desafios da formao docente.................................................................................129Maria Ins Crte Vitria Maria Conceio Pillon Christofoli

    Dimenses sobre a qualidade da formao docente e do desenvolvimento profissional no ensino superior..............................136Manuela Esteves

    Formacin del profesorado para la enseanza superior: la busqueda de la qualidade?...................................................................................147Miguel A. Zabalza Beraza

    A universidade como lugar de formao: CICLUS, um dispositivo em questo............................................................................................171Valeska Fortes de Oliveira

    Tessituras formativas: articulao entre movimentos da docncia e da aprendizagem docente....................................................................187Silvia Maria de Aguiar IsaiaDoris Pires Vargas Bolzan

    A iniciao docncia universitria como campo de investigao: tendncias e emergncias contemporneas.......................................201Maria Isabel da Cunha

    A aprendizagem docente nos anos iniciais da profisso: construindo redes de formao na educao superior...........................................213Adriana Moreira Da Rocha Maciel

    SOBRE OS AUTORES........................................................................232

  • APRESENTAO

    Este livro composto de textos apresentados no VIII Seminrio de Educao Superior: a universidade como lugar de formao ocorrido na Universidade Federal de Santa Maria.

    Este Seminrio inseriu-se no conjunto dos eventos organizados pela RIES/PRONEX/OBSERVATRIO DA EDUCAO, no qual se levantou e se discutiu possveis indicadores de qualidade da Educao Superior Brasileira, com ateno para a Universidade e sua misso formativa.

    Para tanto se explorou os vnculos entre as Redes de Pesquisa e as Instituies participantes, possibilitando a interlocuo entre os pesquisadores, que atravs do intercmbio estabelecido, trouxeram subsdios para a discusso dos indicadores de qualidade da educao superior, objeto de estudo do Observatrio da Educao, envolvendo as quatro universidades parceiras: PUCRS, UFRGS, UNISINOS e UFSM.

    Assim, o foco central desta obra apresentar as vozes das comunidades universitrias, orientando as discusses e reflexes geradas na dinmica organizacional das redes estabelecidas ao longo das atividades, envolvendo pesquisadores nacionais e internacionais. O destaque temtico a universidade como lugar de Formao. Portanto, as questes que se colocam so: como se forma ou como se pretende formar os profissionais na universidade? Quais indicadores poderiam ser inferidos a partir das discusses sobre a qualidade da formao oferecida nas universidades?

    Em busca de possveis respostas ao se fechar o ciclo dos quatro eventos da RIES/PRONEX/Observatrio da Educao apresentamos o conjunto de textos que expressam as redes de relaes estabelecidas.

    No primeiro texto, Ricardo Rossato trata da Universidade brasileira: novos paradigmas institucionais emergentes, discutindo os reflexos das mudanas ocorridas ao final do sculo XX. A ruptura de modelos identificados e a viso de homogeneidade dos sculos anteriores levam a profundas transformaes de diversas ordens desde a administrativa at a organizacional (a dinmica das instituies pblicas, comunitrias, privadas, etc). A Universidade brasileira mantm-se dependente de fatores externos para auto-organizar-se.

    A universidade como lugar de formao ou como reinventar a universidade? Pedro Gilberto Gomes, SJ, por meio deste segundo texto discute caminhos possveis necessrios reinveno da universidade para o sculo XXI, desde uma perspectiva histrica. Salienta possveis entraves para

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 9

    este processo de reinveno, indicando, ao mesmo tempo trs desdobramentos para sua consecuo: a questo da inteligncia competitiva, da gesto por processos e a gesto por projetos.

    No terceiro texto, Cenrios da educao superior e qualidade na gesto: desafios para a universidade, as autoras, Maria Estela Dal Pai Franco e Marilia Costa Morosini assentam a sua discusso em resultados preliminares de estudos que captam aproximaes entre documentos marcantes de polticas (ou com fora poltica) internacionais e brasileiros sobre educao superior. Decorrem desafios para a gesto de qualidade na universidade, circunscritos pelos cenrios Reforma da Universidade Brasileira.

    O quarto texto, Utopias e educao: movimentos e lugares na universidade possvel, de autoria de Cleoni Maria Barboza Fernandes, discute por que a escola tem que dar conta de tornar-se um lugar de cidadania. Para explorar esta interrogante a autora discorre sobre a necessria reinveno da universidade, entendida como uma instituio social, localizada no tempo e no espao, carregando as contradies e conflitos produzidos mundo interno e esterno universidade.

    No quinto texto, Formacin de investigadores como enseanza universitaria en el grado. El caso de la universidad de la repblica, Luis E. Behares trabalha com a historicidade da pesquisa, entendendo que a introduo pesquisa no final do sculo XX indica as mudanas propostas para uma nova organizao universitria. A nfase na pesquisa implementa a ideia de financiamento. Outro aspecto importante a organizao da carreira que se dinamiza em trs eixos: carreira para formar pesquisadores, carreira hbrida para formar pesquisadores e profissionais do campo especfico e a carreira especficamente profissional.

    O sexto texto a compor a obra, MERCADOS, RANKINGS E ESTUDANTES CONSUMIDORES: escolhas-escolhidas ou O que diriam os colegas de Crdoba? , desenvolvido por Denise Balerine Leite. A autora debrua-se neste trabalho sobre o tema dos mercados, dos rankings, das representaes dos estudantes sobre os mercados, dos estudantes consumidores e oportunidades de escolha das famlias. Concluindo, faz uma pardia ao Manifesto de Crdoba, pensando o que diriam hoje os estudantes de 1918 aos seus colegas do sculo 21.

    O stimo texto explora As vozes das comunidades: a universidade como lugar de formao pelo vis da avaliao. Valquiria Linck Bassani e Ndia de Ftima Borba Martins destacam diferentes programas nacionais sua

  • ISAIA, S. M. de A. (Org. Chefe)10

    validade e repercusso nos processos formativos disponveis nas universidades. Contudo destaca a necessidade de se realizar uma avaliao consequente, da qual decorra o aperfeioamento dinmico do sistema, pautado numa slida formao geral, ouvindo as vozes do mundo do trabalho e os anseios da comunidade.

    No oitavo texto, Pedagogia universitria: mudana nos discursos sem eco nas prticas, os autores, Elizabeth Diefenthaeler Krahe e Hamilton de Godoy Wielewicki tratam da formao inicial pautada em uma lgica na qual predomina nas licenciaturas a busca de uma identidade profissional organizada a partir dos diversos domnios dos contedos especficos para cada campo. H uma nfase no conhecimento de metodologias e tcnicas pedaggicas, valorizando-se o domnio da especialidade, ainda que os discursos j mostrem avanos.

    O nono texto, A prtica pedaggica e a escrita dos professores: desafios da formao docente, de autoria de Maria Ins Crte Vitria Maria e Conceio Pillon Christofoli explora o exerccio da escrita diria como ponto de apoio a autoformao, indicando o uso do dirio como instrumento de desenvolvimento profissional, atravs da qualificao da prpria escrita.

    O dcimo texto, Dimenses sobre a qualidade da formao docente e do desenvolvimento profissional no ensino superior, elaborado por Manuela Esteves, Aponta trs concepes de universidade para que se compreenda de qual qualidade se est falando, apresentando trs ciclos de estudos. A forma organizacional destes ciclos indica a dinmica formativa adotada. Neste sentido fica evidente a necessidade de definir claramente as polticas e o modo de operacionalizao das mesmas a fim de que a qualidade de formao possibilite o desenvolvimento profissional necessrio docncia.

    Miguel A. Zabalza Beraza no dcimo primeiro texto, Formacion del profesorado para o ensino superior: a bsqueda de la qualidad, apresentanos a ideia de que est nascendo uma nova universidade, convertida no foco de expectativas e exigncias de uma sociedade que tem mudado muito. Assim que investe na tessitura de uma abordagem dos professores e professoras universitrios na universidade contempornea. Lembra-nos que universidades so pessoas, cada uma delas exercendo sua prpria funo, cujo grau de domnio requer formao, como em qualquer outra profisso que se aprecie.

    A universidade como lugar de formao: CICLUS, um dispositivo em questo, o tema discutido por Valeska Fortes de Oliveira no dcimo segundo texto. A autora tematiza as significaes dos professores universitrios de uma universidade do sul do Brasil, em relao ao seu processo formativo. Acompanhou um Programa Institucional de Formao e Desenvolvimento

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 11

    Profissional de Docentes e Gestores, o Programa CICLUS, nesta mesma universidade, onde observou a aproximao dos professores que procuraram este curso com o intuito de discutir e estudar temas acerca da pedagogia e da docncia universitria.

    Tessituras formativas: articulao entre movimentos da docncia e da aprendizagem docente, dcimo terceiro texto, proposto por Silvia Maria de Aguiar Isaia e Doris Pires Vargas Bolzan, discute entendimentos conceituais acerca da articulao dos movimentos construtivos da docncia e da aprendizagem docente no contexto universitrio. Entendem estes dois processos como intimamente relacionados, sendo que, apesar de apresentarem especificidades prprias, ambos os processos repercutem na produo de ser e de se fazer professor.

    Maria Isabel da Cunha, no dcimo quarto texto, trata do tema A iniciao docncia universitria como campo de investigao: tendncias e emergncias contemporneas. Ressalta a importncia de estudarmos os professores ingressantes como uma forma de dar visibilidade aos seus desafios, indicando este processo como uma possibilidade de entendermos a qualidade da educao como quilo que fazemos bem e que faz nos bem gente, acreditando que esse o intuito de quem coloca energias nos professores iniciantes.

    A aprendizagem docente nos anos iniciais da profisso: construindo redes de formao na educao superior a abordagem escolhida por Adriana Moreira da Rocha Maciel para o dcimo quinto texto. Reunindo conceitos como ambincia, profissionalismo interativo e redes de formao, a autora apresenta o trabalho coletivo de construo do Programa CICLUS, com foco na discusso da importncia que este tipo de trabalho tem para a aprendizagem docente nos anos iniciais da profisso.

    A relevncia de socializar o conhecimento produzido a partir das proposies desse livro encontra-se no possvel impacto na da Educao Superior. Nesse sentido, os estudos e as pesquisas desenvolvidos na rea, precisam ser intensamente discutidos, a fim de que se possa almejar a das aes institucionais decorrentes dos progressos que essas transformaes podem produzir em termos de qualificao formativa.

    Prof Dr Silvia Maria de Aguiar Isaia (Org.)Colaboradoras

    Prof Dr Doris Pires Vargas BolzanProf Dr Adriana Moreira da Rocha Maciel

  • PREFCIO

    A RIES, Rede Sul-brasileira de Investigadores da Educao Superior, hoje reconhecida como Ncleo de Excelncia em Cincia, Tecnologia e Inovao pelo CNPq/FAPERGS/PRONEX tem como objetivo maior configurar a educao superior como campo de produo de pesquisa nas Instituies de Ensino Superior. Este objetivo se configura pela clarificao da produo no campo de conhecimento e do desenvolvimento de condies de produo, ou seja, pela consolidao da rede de pesquisadores na rea.

    Em sua trajetria a RIES reconhecida tambm como Observatrio da Educao CAPES/INEP/MEC. O programa de pesquisa - Observatrio da Educao visa ao desenvolvimento de estudos e pesquisas na rea de educao. Tem como objetivo estimular o crescimento da produo acadmica e a formao de recursos humanos ps-graduados, nos nveis de mestrado e doutorado por meio de financiamento especfico.

    O observatrio de Educao Qualidade da Educao Superior envolve quatro programas de ps-graduao em Educao do Rio Grande do Sul de quatro grandes universidades gachas PUCRS, UFRGS, UFSM e UNISINOS.

    Neste contexto o Observatrio est publicando a Serie Qualidade da Educao Superior- Observatrio da Educao, composta por cinco livros

    Qualidade da Educao Superior, Inovao e Universidade constitui-se no primeiro livro da serie Educao e Qualidade da Educao Superior e est publicado (impresso e ebook, ingls e portugus), em 2008, pela EdPUCRS, resultante de Seminrio Internacional de igual titulo. Os organizadores do livro foram Jorge Audy (PUCRS) e Marilia Morosini (RIES/PUCRS)

    Este livro considera que

    Inovao e qualidade na Universidade constitui um tema atual e premente na sociedade do conhecimento. Ele preocupa, questiona e gera projetos e iniciativas na busca da excelncia. Ambos os conceitos so multidimensionais, complexos e difceis de definir, porm, objeto de esclarecimento e de constante reflexo. Exigem um processo de planejamento, de ao e de avaliao. So idias dinmicas que devem adaptar-se a marcos e a situaes mutveis ao dependerem de fatores scio-culturais e econmicos. Envolvem uma conotao axiolgica, pois visam a excelncia do planejamento, dos meios e, de modo especial, dos resultados. A educao para o desenvolvimento sustentvel permite, por outra parte, permear todo o processo educativo ajudando na tomada de decises

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 13

    que levem em conta a ecologia, a justia e a economia de todos os povos e tambm das geraes futuras. (http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/edipucrs/Capa/PubEletrSeries)

    Qualidade da Educao Superior: a Universidade como lugar de formao, constitui-se na segunda produo da Serie Qualidade da Educao Superior resultante do Seminrio de igual nome ocorrido na UFSM. A chefia da organizao do livro de Silvia Maria de Aguiar Isaia, com a colaborao de Doris Pires Vargas Bolzan e Adriana Moreira da Rocha Maciel, nossas companheiras do programa de ps-graduao em educao da Universidade Federal de Santa Maria.

    Como o prprio titulo afirma, A universidade como lugar de formao se detm no exame do campo cientifico e reflete sobre a governana acadmica, as realidades encontradas, no s no Brasil mas em outras territrios decorrentes do processo de internacionalizao, reflete, em especial, sobre a formao de professores iniciantes, o seu desenvolvimento profissional, os discursos e praticas de professores e alunos, bem como utopias e desafios no tocante a uma nova universidade.

    universidade como lugar de formao, aqui prefaciado, seguem-se outros livros da Serie Qualidade da Educao Superior.

    Qualidade da Educao Superior: reflexes e prticas investigativas. Esta se constitui na terceira produo da Serie Qualidade da Educao Superior resultado do Seminrio internacional ocorrido em outubro de 2010, na PUCRS. A organizao deste livro aborda as tendncias e incertezas quanto a qualidade da educao superior em contextos de administrao de risco para a reputao universitria, experincias nacionais e internacionais, como as dos USA, da Unio Europia e de paises da Amrica Latina. Se detm em indicadores de qualidade para diferentes questes universitrias ensino, pesquisa, inovao, formao e desenvolvimento profissional de professores bem como na metodologia construda para a identificao desses indicadores. Finaliza o livro reflexes sobre os desafios a serem enfrentados.

    Qualidade da Educao Superior: dimenses e indicadores constitui-se na quarta produo da Serie Qualidade da Educao Superior resultado tambm do Seminrio Internacional de outubro de 2010 e organizado por Maria Estela Dal Pai Franco e Marilia Costa Morosini. Est constitudo pelos artigos, resultados de pesquisa de grupos de investigao integrantes da RIES e pertencentes ao programa de pesquisa Observatrio de Educao Superior. So professores seniors e professores em processo de formao, bem como aprendizes desde os bolsistas de IC at mestrandos, doutorandos e psdoutorandos em seu desenvolvimento profissional. Enfim so as inmeras ramificaes da RIES, que foram originadas pela rede ou, a ela, deram origem.

  • ISAIA, S. M. de A. (Org. Chefe)14

    Qualidade da Educao Superior: grupos investigativos internacionais em dilogo constitui-se na quinta produo da Serie Qualidade da Educao Superior resultado do Seminrio Internacional, na PUCRS, em dezembro de 2011. Sua organizao de Marilia Morosini. Parte da considerao que

    nossas universidades se encontram em processos de mudanas paradigmticas, fomentadas tanto pelas exigncias socioculturais de reconfigurao dos modos de produo do conhecimento cientfico e tecnolgico, quanto pelas demandas externas do mundo globalizado. Visando promover um dilogo entre os grupos de pesquisa do Brasil com grupos investigativos internacionais (USA, Mxico, UE, AL) preocupados com a qualidade de educao superior. (http://www.pucrs.br/evento).

    Com a Serie Qualidade da Educao Superior consubstancia-se o programa de pesquisa e sua caminhada ao longo de seis anos. Nos livros iniciais apresentam-se as discusses de carter mais terico imbricando posturas nacionais e internacionais e preparando o grupo de pesquisa para se lanar ao desafio de produo de indicadores para a educao superior brasileira. Apos, a rede RIES apresenta indicadores de educao superior, tambm na perspectiva nacional e, em alguns casos, regionais. Integram este livro tambm consideraes de carter e internacional. Finalmente, no ultimo livro a Rede RIES apresenta resultados de seus indicadores para serem discutidos por observadores crticos internacionais. Resta-nos, ainda como desafio, o que brevemente ocorrer, a testagem na realidade brasileira, dos indicadores aprimorados pelos observadores crticos internacionais.

    O presente livro Qualidade da Educao Superior: a Universidade como lugar de formao, constitui uma das produes integrante da Serie Qualidade da Educao Superior e reflete sobre a formao de recursos humanos de alto nvel, mestres, doutores e ps-doutores e a produo de material para o desenvolvimento do setor de educao.

    Neste momento de imensa alegria pela constatao da consolidao da RIES Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educao Superior, desejamos registrar nossos profundos agradecimentos pela contribuio da equipe da UFSM, na figura da professora doutora Silvia Maria de Aguiar Isaia, fundadora da RIES pela sua contribuio permanente.

    Porto Alegre, 11 anos da RIESProf. Dr. Marilia Costa Morosini

    Coord RIESRede Sulbrasileira de Investigadores da Educao Superior

    http://www.pucrs.br/eventohttp://www.pucrs.br/evento
  • UNIVERSIDADE BRASILEIRA: NOVOS PARADIGMAS INSTITUCIONAIS EMERGENTES

    Ricardo Rossato1

    Reflexo das grandes mudanas ocorridas no final do sculo XX e incio deste, a universidade brasileira tambm foi profundamente atingida pelo processo de transformaes. Durante sculos as universidades constituram-se em um padro assemelhado, com modelos identificados, e embora com variaes regionais, havia, contudo uma grande homogeneidade. Com a reforma protestante do sculo XVI a diversificao comea a surgir, aprofundando-se nos sculos posteriores, notadamente no sculo XIX e XX. A universidade brasileira tambm sofre profundas transformaes, especialmente no final do sculo XX. As novas tendncias econmicas e culturais, a reforma de 1996 e as recentes medidas administrativas abriram a possibilidade de uma maior diversificao de modelos e de instituies de ensino superior.

    Nesta abordagem busca-se examinar como ocorreu o referido processo em termos dos atuais paradigmas e modelos das instituies de ensino superior no Brasil. Primeira ser feita uma retrospectiva histrica sinttica para propiciar uma melhor compreenso do assunto, enfocando as instituies medievais, a transio para a modernidade, e posteriormente os modelos clssicos surgidos aps a revoluo industrial e as transformaes do sculo XX.

    1. A HOMOGENEIDADE DA UNIVERSIDADE MEDIEVAL

    Tomando como princpio - praticamente consensual entre os autores - que as primeiras universidades surgiram ao redor do Mediterrneo durante o sculo XI, sendo considerada a de Bologna (1088) como a primeira delas, destaca-se o contexto do qual so originrias e que imprime um carter muito prprio s mesmas. A universidade surge no contexto do denominado regime de cristandade, sendo toda a ordem social estruturada a partir da viso e concepo do catolicismo de ento. Toda a estrutura social determinada pelos valores religiosos vigentes e, portanto, a universidade tambm ser fruto deste tempo e deste contexto. Surgidas como corporaes, organizao social tpica da poca, a prpria palavra universidade era naquele momento sinnimo de corporao, as universidades se estruturam como instituio dependente da igreja catlica, cujos fins e modelos so determinados pela mesma.1 Professor titular aposentado da UFSM e docente das Faculdades Palotinas -BrasilE-mail:[email protected]

    mailto:[email protected]
  • ISAIA, S. M. de A. (Org. Chefe)16

    Embora existissem universidades de Direito (Bologna), de medicina, ou de teologia, todas deviam ser aprovadas por bula papal e eram animadas pelo ideal cristo e buscaram a construo de uma ordem social e poltica, primando pela hierarquia dos conhecimentos dominados pela teologia - e, portanto a hierarquia da verdade. Trata-se de uma instituio a servio da ordem vigente arbitradas em ltima instncia pelo papa constitudo em autoridade suprema. A homogeneidade institucional e de doutrina era assegurada pela Igreja, que sancionava as doutrinas. O fato dos estudantes das universidades serem reconhecidos como clrigos, o que assegurava uma srie de privilgios, demonstra a coeso que existia na instituio. Sua misso estava definida desde sua origem. A individualidade era absorvida pela coletividade que se sobrepunha s condies pessoais. Corpo docente e discente compunham um todo com funes definidas e papis configurados.

    A unidade caracteriza a instituio, que embora assumisse conotaes locais, mas guardava no seu conjunto os mesmos elementos estruturais definidos a partir da prpria misso da instituio2.

    2. O MODELO DE TRANSIO PARA OS TEMPOS MODERNOS

    medida que diminui a presena do poder central e cresce o poder local, notadamente estimulado pelos prncipes, a democracia interna crescente nas universidades, a perda da seriedade do ensino, a comercializao dos diplomas, a diminuio do tempo de estudos, as crescentes discordncias internas (Hus na Bomia, Wiclef na Inglaterra), a multiplicao sem qualidade, entre outros fatores acabam por minar a instituio.

    O fim da Idade Mdia, com os seus mltiplos componentes, entre os quais a Reforma Protestante, contribuiu decisivamente para romper a unidade e gradativamente o modelo medieval sobrevive, mas ao lado de novos paradigmas que vo se instituindo e fortalecendo.

    A concorrncia com o pensamento humanista e os colgios, instituies que gozam de grande prestgio nos sculos XVI e XVII, a perda do monoplio, os novos ensinamentos (Descartes, Coprnico, Galileu...), as ideias iluministas em ascenso, acentuam a crise a universidade que vive profunda decadncia e v muitas instituies desaparecerem ou sobreviverem em condies precrias.

    O crescimento das academias, extremamente prestigiadas e muitas delas reconhecidas oficialmente pelos prncipes locais, as escolas tcnicas abrem espao a contestao e pensadores como Locke e Leibniz questionam a prpria 2 A este respeito ver Rossato, Ricardo. Universidade Nove Sculos de Histria. 2 ed.; Passo Fundo: Ediupf, 2005.

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 17

    existncia da universidade. Alguns, como Lamenais, sustentam a sua supresso. O auge deste processo vivido quando durante a revoluo francesa, j no final do sculo XVIII, todas as 22 universidades existentes ento na Frana so extintas. Algumas delas jamais se recuperao.

    3. A SOCIEDADE INDUSTRIAL E OS NOVOS MODELOS

    Trs revolues, - a revoluo inglesa, a revoluo francesa, a revoluo industrial abriro o caminho para o surgimento de uma nova instituio. O sculo XIX assistir j no seu incio - ao nascimento das universidades modernas.

    A criao da Universidade de Berlim, com destacado papel para Guilherme Humboldt 1809 sinalizava para os novos modelos que surgiriam posteriormente. Aquela universidade, concebida como uma comunidade de pesquisadores indicava as novas tendncias que se consolidariam posteriormente.

    Como consequncia da revoluo industrial tambm, se implantavam as universidades tcnicas e as escolas politcnicas, na Sua, Frana, Itlia e Alemanha. Fenmeno semelhante ocorre nos Estados Unidos, onde, ao longo do sculo XIX, uma extensa rede de universidades foi criada, diversificando o modelo, mas em muito se aproximando do paradigma de universidades empreendedoras ou universidades-empresas como alguns autores denominam. Com a vitria dos comunistas na antiga Rssia, na segunda dcada do sculo XX, e a posteriormente constituio da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas, desenvolve-se um modelo sui-generis que sobrevive ao longo de todo o sculo XX.

    Ao longo dos ltimos dois sculos se constituram uma diversidade de modelos e de concepes e misses para a universidade. O quadro sntese abaixo rene os elementos bsicos dos modelos que vigoraram ao longo do sculo XX.

    De certa forma podemos resumir os modelos tradicionais selecionando uma frase simblica e significativa de cada autor proponente. Para Newman que prope que a universidade seja um centro de educao:

    A concepo adotadas nestas conferncias a seguinte: a universidade um lugar de ensino do saber universal. Isto implica que seu objetivo ... a difuso e a extenso do saber antes que seu avano. Se a universidade tivesse por objetivo a descoberta cientfica no vejo por que ela deveria ter alunos, Newman (1983, p.33).

  • ISAIA, S. M. de A. (Org. Chefe)18

    Quadro 1: Concepes de universidades.

    A Universidade do Esprito A Universidade do Poder

    Concepo geral

    Um centro de educao.

    Uma comunidade de pesquisadores.

    Um ncleo de progresso.

    Um modelo intelectual

    Um fator de produo

    Autor principal

    J.H.Newman K.Jaspers A.N.Whitehead Napoleo Conselho dos

    Ministros da URSS

    Finalidade Aspirao do indivduo ao

    saber.

    Aspirao da humanidade

    verdade.

    Aspirao da humanidade ao

    progresso.

    Estabilidade poltica do

    Estado.

    Edificao da sociedade

    comunistaConcepo

    GeralUma educao

    geral e universal por intermdio

    do saber universal.

    A unidade da pesquisa e do ensino no centro do universo das

    cincias.

    A simbiose da pesquisa e do

    ensino a servio da imaginao

    criadora.

    Um ensino profissional

    uniforme confiado a grupo

    profissional

    Um instrumento funcional de for mao

    profissional e poltica

    Princpios de

    organizao

    Uma pedagogia do

    desenvolvimento intelectual.Internato.Tutores.

    Uma s organizao da

    faculdade.

    A liberdade acadmica.

    Um corpo docente criador.

    Estudantes capazes de

    aplicar alguns princpios

    gerais.

    Uma hierarquia

    administrativa controlada.

    Uma manipulao controlada da oferta de diplomas.

    Programas uniformes.

    Apelo a todas

    as foras produtivas da nao.

    O problema do acesso

    Uma rede diversificada de instituies de ensino superior no seio da qual as universidades conservam sua

    originalidade.

    Uma rede oficial

    uniforme para a massa e a

    elite.

    Adaptao do

    nmero s necessidades

    da economia.

    Fonte: Drze, J. e Debelle, J. Concepes da Universidade. Fortaleza: UFC, 1983,p.29

    Para Jaspers (1983, p.49) a universidade como uma comunidade de pesquisadores deve buscar a verdade: Que a busca da verdade prossiga, em toda a parte, sem constrangimento, um direito da humanidade como humanidade. E continua afirmando: A universidade tem por tarefa procurar a verdade na comunidade dos pesquisadores e estudantes. (ibidem)

    Whitehead destaca que o fundamental o progresso:

    O que importa para uma nao a existncia de uma relao muito estreita, entre os elementos progressistas de todos os gneros, de tal sorte que o estudo influencie o lugar pblico e reciprocamente. As universidades so os principais agentes desta fuso de atividades progressistas num instrumento eficaz de progresso 3.

    3 Whitehead, A.N.The aims of education. London: Williams and Norgate, 1929 Drze, J. e Debelle, J.Concepes da Universidade. Fortaleza: UFC, 1983, p.64.

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 19

    Segundo Napoleo que pensa uma universidade a partir do Estado, a instruo pblica desempenha papel fundamental:

    De todas as nossas instituies a mais importante delas a instruo pblica. Tudo depende dela, o presente e o futuro. preciso que a moral e as idias polticas da gerao que se educa no dependam da novidade do dia ou da circunstncia do momento. preciso antes de tudo atingir a unidade e que uma gerao inteira possa ser jogada na mesma frma 4.

    Aulard, por sua vez, afirma a respeito das polticas napolenicas: Ele o imperador quer basear seu despotismo sobre as almas, e uma instruo pblica fortemente centralizada e dada pelo Estado, ou sob a vigilncia do Estado, pareceu-lhe o meio eficaz para formar as almas 5.

    No caso da U.R.S.S. trata-se de documento do antigo partido comunista em que se define as funes dos formados pelas universidades:

    O trabalho dos diplomados no consiste somente em exercer suas competncias de especialistas: eles devem tambm compreender, aceitar e difundir as ideias polticas do regime de tal sorte que possam ser lderes , nas diferentes tarefas exigidas na edificao da sociedade sovitica em conformidade com os pontos de vista do partido comunista6

    O mesmo autor prossegue afirmando: Universidade no pas do socialismo antes de tudo, uma escola superior que forma quadros de especialistas, altamente instrudos, educados no esprito de devotamento causa do povo, construtores da sociedade comunista 7. Cabe destacar as profundas transformaes que esto ocorrendo no leste europeu atingindo profundamente o sistema educacional a partir do final dos anos noventa e nesta primeira dcada do sculo XXI.

    4. TENDNCIAS RECENTES

    A segunda metade do sculo XX foi profundamente frtil em mudanas no campo social, especialmente nas ltimas dcadas. As transformaes polticas e econmicas tiveram profunda influncia no campo da educao, e as recentes tendncias da globalizao e do capitalismo trazendo no seu bojo o neoliberalismo

    4 Napolon, Vues Politiques.Paris:Fayard, 1939,p.211-212.5 Aulard, A.Napolon 1er et le monopole universitaire. Paris: Colin, 1911, p.364.6 Grant, Nigel.Soviet Education. Baltimore: Penguin, 1964, Drze, J. e Debelle, J.Concepes da Universidade. Fortaleza: UFC, 1983, p.103.7 Grant, Nigel.Soviet Education. Baltimore: Penguin, 1964, Drze, J. e Debelle, J.Concepes da Universidade. Fortaleza: UFC, 1983,p.103.

  • ISAIA, S. M. de A. (Org. Chefe)20

    e a prpria ps-modernidade com todas as suas contestaes. Registra-se um crescimento sem precedentes no nmero de matrculas no ensino superior em todos os continentes. Recentemente, 1998, a UNESCO organizou a primeira Conferncia Mundial sobre o Ensino Superior. Alm da dimenso mundial, com a participao de mais de quatro mil pessoas e mais de 180 paises se fizeram representar, todas as grandes questes da educao foram ento abordadas. Da Conferncia resultou um conjunto de documentos em que se expem as grandes tendncias da educao superior para o sculo XXI. Sinteticamente podemos afirmar a partir dos documentos que novas exigncias e novos desafios se colocam no horizonte da universidade na entrada do novo milnio. Segundo a UNESCO as novas universidades necessitaro estar abertas s novas exigncias de forma que os estudos se caracterizem por uma maior flexibilidade. Tambm devem preparar os estudantes para:

    - serem capazes e desejarem contribuir inovao demonstrando criatividade;- serem capazes de enfrentar a incerteza;- estarem animados do desejo e dotados de meios para que possam aprender ao longo de toda a vida;- adquirirem uma sensibilidade social e aptides para a comunicao ;- serem capazes de levar os seus corpos discentes e docentes a trabalhar em equipe;- estarem prontos para assumir responsabilidades - terem esprito empreendedor - a internacionalizao do mercado de trabalho familiarizando-se com as diversas culturas;- possurem um leque de competncias genricas atingindo diversas disciplinas e domnios de competncias profissionais que formem a base de diversas competncias profissionais, especialmente nas novas tecnologias- a necessidade de conhecimentos especializados8.E a UNESCO define como princpio fundamental a relao entre

    educao e desenvolvimento social:

    O ensino superior se esfora para encontrar um justo equilbrio entre os vnculos que deve ter e a distncia que deve guardar do mundo do trabalho....Quanto mais o saber se torna uma fora produtiva mais o ensino superior dever dar uma contribuio visvel economia e sociedade9.

    8 UNESCO, Tendncias da Educao Superior para o Sculo XXI. Braslia:UNESCO - CRUB, 1999, p.331.9 Idem; p.340.

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 21

    Por outro lado constatam os documentos da conferncia que o contexto da globalizao gerou uma multiplicidade de instituies e de formas de organizao do ensino superior nos diferentes continentes e pases, no se podendo mais falar de modelos universais, mas de modelos regionais e mesmo algumas universidades no encontram similar em outros pases, assumindo caractersticas locais absolutamente prprias como afirmava documento da UNESCO publicado em 2008:

    No sculo XXI as misses fundamentais do ensino superior so especialmente de assegurar formao de professores qualificados destinados a exercer no seio dos sistemas educacionais melhores performances, oferecer uma educao de qualidade formando cidados responsveis, assegurando uma formao ao longo de toda a vida para favorecer o empreendedorismo e aquisio de competncias profissionais e conduzir atividades de pesquisa e de inovao. Para atingir esta misso o ensino superior deve enfrentar importantes desafios: alargar o acesso ao ensino superior e estabelecer laos mais estreitos com o mundo do trabalho, a comercializao crescente dos servios da educao, o progresso do ensino alm das fronteiras, o constante recurso pesquisa para a tomada das decises e a utilizao de tecnologia de comunicao e informao, e a igualdade entre os sexos10.

    Dentre os numerosos documentos da UNESCO e da Unio Europia no perodo recente destaca-se a idia de que a universidade embora tenha sido uma instituio tipicamente europia, como centro de ensino e de pesquisa, e tenha sido inspirada na cultura daquele continente, atualmente se caracteriza por uma grande diversidade, devendo as antigas instituies enfrentar uma acirrada concorrncia de instituies homlogas presentes nos cinco continentes.

    O chamado acordo de Bolonha ao mesmo tempo em que representa uma tentativa de resposta da Unio Europia ao novo contexto na entrada do sculo XXI, tambm sintetiza a novas tendncias em nvel continental, como uma proposta de referncia para o mundo.

    10 UNESCO, La contribution de lenseignement suprieur au dveloppement durable. www.unesco.org. consulta feita no dia 8 de julho de 2008.[Verso do autor].Ver tambm : Laction de lUNESCO dans le cadre du suivi de la Confrence mondiale sur lenseignement suprieur (1998-2005) Un bref aperu. Consulta ao mesmo portal, feita na mesma data.

  • ISAIA, S. M. de A. (Org. Chefe)22

    5. O ACORDO DE BOLONHA

    Uma breve sntese das recentes medidas tomadas pela Unio Europia nos ltimos dez anos e, portanto, logo aps a Conferncia Mundial da Educao Superior de Paris, indica importantes tendncias e sinaliza os rumos da educao superior para as prximas dcadas. Est se configurando um novo espao internacional da educao superior, onde a Europa pretende conservar sua posio de vanguarda.

    O chamado acordo de Bolonha foi precedido pela Declarao de Paris de 1998, assinada pela Itlia, Frana, Alemanha e Reino Unido e visava criar um espao europeu de ensino superior. Posteriormente a Declarao que assinala o primeiro grande passo propriamente dito, foi assinada por 29 paises em 1999 em Bolonha, visava adquirir um grau de atrao mundial, semelhante ao das nossas extraordinrias tradies cultural e cientfica.

    A concepo fundamental de que o ensino superior seja considerado o principal motor para um desenvolvimento sustentado. Trata-se fundamentalmente de preparar mais diretamente para o trabalho e visa um aumento da produtividade inserindo a educao dentro das concepes econmicas vigentes, notadamente no pensamento neoliberal sendo o mercado o elemento determinante. Dada a relevncia do Acordo de Bologna, inserimos elementos bsicos para a sua compreenso.

    A declarao de Bolonha, segundo Lima, destaca como objetivos fundamentais:1. Adoo de um sistema de graus facilmente compreensvel e comparvel e

    implementao de suplemento de diplomas;2. Adoo de um sistema de ensino baseado em trs ciclos fundamentais

    graduado e ps-graduao, sendo que a graduao ter uma durao mnima de 3 anos , compreendendo a ps-graduao os nveis de mestre (dois anos)e doutor (3 anos);

    3. Estabelecimento de um sistema de acumulao e transferncia de crditos;4. Promoo da mobilidade de estudantes e professores e pessoal administrativo,

    valorizando o passado num contexto diverso daquele da sua origem;5. Promoo da cooperao europia na certificao da qualidade do ensino

    superior visando critrios e metodologia compatveis;6. Promoo da dimenso europia no ensino superior (desenvolvimento

    curricular e contedos, cooperao entre instituies, programas integrados de estudos etc.

    7. Enraizar a aprendizagem ao longo da vida;8. Envolvimento das instituies de ensino superior e dos estudantes como

    parceiros essenciais do Processo de Bolonha;

    http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html#1http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html#2http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html#3http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html#4http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html#5http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html#5http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html#6http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html/#7http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html/#8http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html/#8
  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 23

    9. Promoo mundial do Espao Europeu de Ensino Superior; 10. Promoo de sinergias entre a rea Europia de Ensino Superior e a rea

    Europia de Investigao11. Trata-se fundamentalmente de um projeto transnacional, constituindo de

    certa forma uma agenda globalmente estruturada para a educao a partir dos princpios da economia. Segundo Lima12, e outros autores o modelo: Insiste na comparabilidade dos graus de certa forma esto implcitos

    esquemas concorrenciais entre os pases o passo seguinte ser a instalao de instrumentos de regulao e avaliaes transnacionais;

    Estabelece um sistema que rev tambm as questes internas atingindo a pedagogia e as questes internas as didticas;

    Rompe os modelos tradicionais e a universidade assume fortemente o papel de prestadora de servios;

    Parte de um pensamento eurocentrista e dominador baseado na centralidade das tradies culturais e cientficas da europa;

    Cria um modelo de superviso estruturando os estudos num esquema 3 2 3, ou seja: 3 anos de estudos de graduao; 2 anos de mestrado e 3 de doutorado.

    Pode-se afirmar com certeza que est ocorrendo uma revoluo na educao superior europia que pretende ser parmetro para o mundo, com uma crescente e determinante influncia da economia e do pensamento neoliberal sobre a universidade e todo o processo de educao, mas especialmente sobre o ensino superior.

    A partir desta realidade, pretendemos analisar a seguir como se coloca a questo dos modelos de universidade e de instituies do ensino superior no Brasil?

    6. O CONTEXTO BRASILEIRO

    Tendo surgido tardiamente s instituies de ensino superior no Brasil, no chegam propriamente a caracterizar um modelo durante o perodo imperial, considerando que na colnia praticamente inexistiram escolas e classes deste nvel. O que mais se aproximava de uma universidade ou instituio de ensino superior eram os colgios dos jesutas, mas jamais foram organizados e constituram propriamente uma universidade, ao contrrio das colnias espanholas que muito cedo criaram universidades e praticamente a criao destas instituies acompanhava o processo de ocupao e colonizao do territrio hispano-americano.

    11 A presente sntese foi realizada a partir de www.unl.pt Processo de Bolonha.Consulta realizada em 8 de julho de 08.12 Lima, Licnio.O Caso do Espao Europeu do Ensino Superior. In Coletivo. O DNA da Educao. So Paulo: Instituto DNA Brasil, 2006, p.59 e ss.

    http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html/#9http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html#10http://www.unl.pt/bolonha/processo/linhas-de-accao/index.html#10
  • ISAIA, S. M. de A. (Org. Chefe)24

    6.1. Os modelos tradicionais

    Somente com a vinda da famlia real (1808) so criadas as primeiras cadeiras, aulas e instituies de ensino superior. Aqui se deve registrar a forma sui generis de se constiturem sendo denominadas e organizadas como Instituies Isoladas, denominao que prevalecer por longo tempo adentrando o sculo XX.

    No imprio, a questo da universidade, assim como a prpria educao no era algo central. Somente com a Repblica, o problema se coloca abertamente e no incio do sculo XX registramos as primeiras tentativas de criao de universidade bem como alguma expanso do ensino superior.Assim na dcada de 1920 temos as primeiras universidades organizadas que sobrevivem at os dias de hoje. Contudo, sua expanso lenta e somente na segunda metade do sculo passado o ensino superior atingir todos os Estados da Federao.

    O pas vai conviver desde o incio da criao das universidades com instituies pblicas e privadas, embora no Imprio esta questo se colocasse de outra forma, pois no havia polticas definidas para o setor.

    Qual o modelo dominante?Em um pas dependente tambm os modelos so dependentes e nunca se

    emanciparam dos pases centrais. Durante significativa parte do perodo colonial e ao longo de todo o imprio predominou o que se chamou de dependncia divergente, ou seja, sob o ponto de vista econmico a colnia e depois o pas dependiam da Inglaterra, como mostram os numerosos acordos, e sob o ponto de vista cultural, havia uma dependncia da Frana. Esta situao de certa forma perdura at o sculo XX.

    Pode-se dizer que na dcada de 1930, com o estabelecimento de novas polticas que gradativamente passamos a uma dependncia pluricntrica que perdura at os dias atuais, destacando-se especialmente o papel central ocupado pelos Estados Unidos, mas permanece ainda uma forte dependncia de pases como a Frana, a Inglaterra notadamente. Esta dependncia estendeu-se para a rea cultural e educacional. As recentes reformas de educao, notadamente a lei 5540 de 1968 bem como a lei 5692 de 1971 e a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, lei 9394, de 1996 so fortemente influenciadas pela ao dos Estados Unidos. Algumas delas foram at mesmo gestadas dentro do territrio e das universidades daquele pas.

    Quando do surgimento das primeiras universidades no pas no se pode falar de um modelo nico, mas de elementos e contribuies de diferentes culturas e origens. Cunha destaca que as primeiras universidades - Rio de Janeiro em 1920 e Minas Gerais em 1927 se caracterizavam pela aglutinao de instituies e

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 25

    pela justaposio das faculdades que anteriormente existiam isoladamente13. No constituem, portanto, um conjunto harmnico, mas eram instituies paralelas. E mais ainda o mesmo autor destaca que a criao da Universidade do Rio de Janeiro

    foi a tentativa de estabelecer o modelo universitrio antes que os estados multiplicassem fatos consumados , dificultando o controle pelo poder central, possvel que a criao da Universidade de Minas Gerais tenha mostrado que regulamentos eram necessrios mais do que paradigmas14.

    Na prtica, aquelas universidades eram mais um conglomerados de escolas do que propriamente universidades e no correspondiam ao modelo de universidade que se esperava. Tratava-se de instituies atomizadas e dispersas e forosamente agregada sem que a reitoria conseguisse dar um carter de integrao s antigas faculdades isoladas15.

    As primeiras universidades que se aproximam dos modelos vigentes surgiram nas dcadas seguintes com a criao da Universidade de So Paulo (1934) e a implantao das Pontifcias Universidades Catlicas, nas dcadas de 1940 e 1950, com a instalao da PUC do Rio de Janeiro, de So Paulo, do Rio Grande do Sul e de Campinas.

    A federalizao de outras instituies na dcada de 1950, e o surgimento de algumas outras, fez com que aos poucos se configurasse uma rede de instituies que embora no se caracterizassem por uma forte homogeneidade, guardavam alguns grandes traos comuns que as aproximava dos modelos europeus e norte-americanos dominantes ento no cenrio mundial.

    No caso da universidade brasileira no h propriamente um modelo comum, mas elementos dominantes proveniente de diversas influncias.Assim podemos destacar a influncia do modelo napolenico e francs na diviso de algumas universidades em faculdades, na exigncia de criar faculdades que atribussem um diploma para o exerccio de cada profisso com reconhecimento do Estado, e, por fim, na formao dos quadros polticos e tcnicos que o Estado necessitava para a administrao pblica16:

    Com a criao da universidade imperial por Napoleo (1806) surgiu uma ruptura com a concepo tradicional: A universidade tinha a proteo do Estado e era posta a servio do regime para formar a elite que se necessitava, perdendo sua autonomia17.

    13 Cunha, Luiz Antnio. A Universidade Tempor.2.Ed. Rio de Janeiro:Francisco Alves,1986, p.21314 Cunha, Luiz Antnio, A Universidade Tempor. p.213-21415 A este respeito ver a anlise de Cunha na obra supracitada.16 Ver Wanderley, Luiz Eduardo. O que universidade.4.Ed.So Paulo:Brasiliense,198517 Wanderley, Luiz Eduardo , p.19

  • ISAIA, S. M. de A. (Org. Chefe)26

    Tal fenmeno foi extremamente presente no perodo militar com as idias hobbesianas de Estado e a submisso da universidade ao sistema e ao regime poltico, como mostram as reformas do final dos anos sessenta que redefinem, portanto, o papel ideolgico da universidade colocando-as a servio do sistema.

    Contudo se esta influncia foi marcante, no foi exclusiva e medida que se aceita que a universidade deve se constituir em um centro de pesquisa se observam influncias marcantes do modelo humboldtiano ou alemo, ou como diria Jaspers, a universidade deveria ser uma comunidade de pesquisadores. Este fenmeno se torna mais claro a partir dos anos setenta.

    Paralelo ao que acabamos de mencionar deve-se destacar que a reforma de 1968 tenta de alguma maneira oficializar traos do modelo norte-americano, ou melhor, elementos de um determinado tipo de universidade dos Estados Unidos.As reformas estruturais propostas como a centralizao, a diviso em centros, a departamentalizao, implantadas naquela poca, trazem caractersticas marcantes dos padres daquele pas. Tentou-se reunir a dependncia econmica cultural, caminhando para uma dependncia convergente.

    Deve-se destacar ainda que no perodo se registra uma expanso descontrolada e de baixa qualidade, fazendo com que se multipliquem as instituies isoladas, vistas como excepcionalidade, na lei 5540, mas ser especialmente atravs delas que teremos a expanso das instituies e do ensino superior naquele momento.

    Cabe ainda observar que as Pontifcias Universidades Catlicas se aproximam dos modelos tradicionais das universidades medievais tanto pela sua misso como pelas grandes linhas da sua estrutura.

    Pode-se concluir esta parte afirmando que h grandes traos nas universidades que guardam elementos da universidade francesa, outros da universidade alem e das universidades tradicionais e tambm mais recentemente da universidade dos Estados Unidos. As faculdades, escolas, institutos isolados ou faculdades integradas no chegam a configurar um sistema e h uma variedade de constituio e estruturas.

    A partir deste quadro, a seguir mostraremos como se configura a atual conjuntura e as tendncias recentes notadamente a partir do final do sculo passado e primeiros anos do novo.

    6.2. O modelo emergente: a diversidade institucional

    A ltima dcada do sculo passado, marcada por profundas mudanas em todos os campos tambm atingiu diretamente a educao superior.

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 27

    Destacamos a seguir, o que nos parece serem, as grandes tendncias recentes, inserindo alguns elementos da conjuntura internacional, considerando seus reflexos diretos sobre a educao superior brasileira:

    a) A internacionalizao da educao. Acompanhando o processo de globalizao, as universidades sofreram uma profunda influncia e um dos fenmenos mais marcantes dos novos tempos a chamada internacionalizao, que levou a um neocolonialismo na educao superior. Segundo Morosini (2008) a internacionalizao um esforo sistemtico que tem por objetivo tornar a educao superior mais respondente s exigncias e desafios relacionados globalizao da sociedade, da economia e do mercado de trabalho. 18 No caso brasileiro est gerando um claro neocolonialismo na educao. Este pode ser caracterizado como

    uma nova era de poder e influncia, na qual corporaes multinacionais, conglomerados de mdia e grandes universidades procuram dominar o mercado do conhecimento no s por razes polticas e ideolgicas, mas principalmente por ganhos comerciais19.

    b) O modelo europeu: Trata-se da nova concepo fundamentada a partir das recentes tendncias da Unio Europia, caracterizada acima como acordo de Bolonha, seguido posteriormente das declaraes de Lisboa, Praga, Berlim e a Conferncia de Bergen, que deram prosseguimento ao estabelecido inicialmente em Paris e Bolonha, no sentido de criar um espao europeu de educao superior.

    Cabe destacar, que existe uma estreita correlao entre o contexto acima descrito e as novas propostas e tendncias em nvel nacional.

    c) A universidade a servio: Talvez a mais significativa das mudanas no mundo da universidade tenha ocorrido de fora para dentro: a linguagem acadmica foi invadida pela linguagem da empresa, da administrao, do comrcio, do trabalho, do mercado. A mercantilizao invadiu o mundo da educao e o pensamento neoliberal propagou seus princpios no mundo da academia atingindo toda a sua estrutura.

    O contexto da globalizao e do neoliberalismo obrigou a universidade a uma abertura ao mundo do capital e assim com a perspectiva de que o mundo um grande mercado, a educao passa a ser vista como uma moeda de troca, e um produto a ser disputado no vasto universo dos negcios. A mercantilizao da educao leva ao neocolonialismo no ensino superior. Segundo Ristoff e Giolo, o enquadramento do ensino superior s regras do mercado, a privatizao 18 MOROSINI, Marlia et al. Enciclopdia de Pedagogia Universitria. Porto Alegre: FAPERS/RIES, 2003.19 Morosini, Marlia. Internacionalizao da Educao Superior. In :Morosini, Marilia (Editora Chefe). Enciclopdia de Pedagogia Universitria. Glossrio. Vol.2. Braslia: INEP/RIES, p.97.

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    do patrimnio nacional e livre circulao de capital em reas sociais como a educao a sade e outros. A insegurana no mundo do trabalho leva amplos setores sociais a buscar segurana num diploma universitrio.20 Segundo estes autores a educao se torna uma rea de negcios gil e competitiva em que a iniciativa privada satisfaz as tendncias do mercado.

    d) A LDB 9394 de 1996. Aps longos anos a lei aprovada sintetizava as tenses de ento. A discusso da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional proporcionou amplo debate tornando claras as diferentes tendncias e posies face aos relevantes acontecimentos daquele perodo. A LDB e algumas leis que se seguiram so importante marco na mudana da educao superior brasileira, nem tanto por aquilo que explicita, mas, sobretudo, por ter impedido um projeto de mudana e comprometimento da educao brasileira e pelas brechas que propiciou ao capital e setores privados.

    Segundo o Art. 43 da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, a educao superior nacional tem por finalidade:

    - estimular a criao cultural e o desenvolvimento do esprito cientfico e do pensamento reflexivo; - formar e diplomar pessoas nas diferentes reas do conhecimento, tornando-as aptas para a insero em setores profissionais e para participao no desenvolvimento da sociedade brasileira, propiciando-lhes ainda formao continua;- incentivar o trabalho da pesquisa e investigao cientfica, visando ao desenvolvimento da cincia e da tecnologia e criao e difuso da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento sobre o homem e o meio em que vive; - promover a divulgao de conhecimentos culturais, cientficos e tcnicos que constituem patrimnio da humanidade e comunicar o saber por meio do ensino, de publicaes e de outras formas de comunicao; - suscitar o desejo permanente de aperfeioamento cultural e profissional e possibilitar a conseqente concretizao, integrando os conhecimentos que vo sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada gerao; - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente em particular os nacionais e regionais; prestar servios especializados comunidade, estabelecendo com ela relaes de reciprocidade;

    20 Ristoff, Dilvo e Giolo, Jaime. A educao superior no Brasil Panorama Geral in INEP, Educao superior Brasileira: Sergipe. MEC/INEP, 2006, p.20.

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 29

    - promover a extenso, aberta participao da populao, visando difuso das conquistas e benefcios resultantes da criao cultural e da pesquisa cientfica e tecnolgica geradas na instituio 21.

    A partir das mudanas introduzidas pela LDB observa-se que o sistema se estrutura em IES universitrias e no universitrias. As universidades podem ser simplesmente universidades ou universidades especializadas. Logo abaixo destas esto os centros universitrios, que se distinguem daquelas especialmente pela no obrigatoriedade da pesquisa e tambm podem ser centros universitrios especializados. As demais IES so denominadas de Centros Federais de Educao Tecnolgica (Cefets), Centros de Educao Tecnolgica (CETs), Faculdades Integradas, Faculdades Isoladas e Institutos Superiores de Educao. Todas as IES podero oferecer cursos de Graduao, Sequencial e Ps-Graduao, por sua vez os cursos de graduao podem ser de Bacharelado, de Licenciatura e de Tecnologia. Por outro lado, os cursos sequenciais tm possibilidade de serem de formao especfica ou complementar. Em relao Ps-graduao continua dividida em Lato Sensu (especializao) e Stricto Sensu (mestrado e doutorado).

    A estruturao proposta oculta algo fundamental: somente as universidades esto obrigadas e devem necessariamente desenvolver a pesquisa e vinculando o ensino quela. Legalmente foi estabelecido um sistema de IES de pesquisa e IES de ensino que podem ser centros universitrios, que gozam de significativa autonomia na rea acadmica e outras modelos de instituies.

    e) A lei 9.870 de 1999.Um passo extremamente importante foi dado com a Lei 9.870 de 23

    de novembro de 1999 que ratificou a possibilidade de IES operarem com fins lucrativos. Estava aberta uma nova frente de investimentos e interesses ao capital privado. O neoliberalismo chegava ao ensino superior com fora anteriormente no vista.

    f) As Faculdades e os cursos de Tecnologia.Emergem os cursos tecnolgicos com vigor, apoiados pelos rgos

    pblicos, proliferando rapidamente. Difunde-se rapidamente a ideia de cursos de curta durao, visando a preparao de mo-de-obra diretamente para o mercado de trabalho. Os Centros de Educao Tecnolgica so instituies especializadas de educao profissional, pblicas ou privadas, com a finalidade de qualificar profissionais em cursos superiores de educao tecnolgica para os diversos setores da economia e realizar pesquisa e desenvolvimento tecnolgico de novos processos, produtos e servios, em estreita articulao com os setores produtivos 21 BRASIL. Lei de Diretrizes e bases da Educao Nacional.Passo Fundo: Ediupf,1997: p.20.

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    e a sociedade, oferecendo, inclusive, mecanismos para a educao continuada. A IES prepara para fazer.

    g) Ensino distncia.Inicialmente concebido em pases com uma educao superior j

    consolidada era visto como uma complementao dos estudos superiores. Contudo no caso brasileiro tornou-se um substitutivo da educao presencial.

    h) Os processos de avaliao.Instalou-se um processo de avaliao em todos os nveis. A partir da ps-

    graduao stricto sensu expandiu-se para a graduao em todas as suas reas. A lei de nmero 10.861 de 14 abril de 2004 institui o Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior, pela qual todos os cursos devem periodicamente ser submetidos a um processo de avaliao coordenado pelo Ministrio da Educao.

    i) A expanso acelerada. Durante anos o ensino superior tivera um crescimento lento e controlado

    de suas instituies e matrculas. A partir dos anos 1994-1995 assiste-se a uma expanso desenfreada com um aumento expressivo do nmero de IES de cursos e programas tanto na ps-graduao, mas, especialmente na graduao e, portanto, das matrculas. Em 1991 existiam 922 IES com 6.644 cursos 1.868.529 matriculas22. Este nmeros passaram 2270 IES em 2006, com 22.101 cursos de graduao presenciais, e 5. 311.895 estudantes matriculados23. Embora desejvel a expanso, que ocorreu com programas como o PROUNI e REUNI, e outras aes dos governos com a retomada da criao e implantao de institutos, faculdades e universidades federais, nem sempre aconteceu com a qualidade desejada. Registra-se uma vulgarizao do conceito de universidade com todas as implicaes da decorrentes. A multiplicao dos campi, se por um lado proporcionou que importantes camadas da populao tivessem acesso educao superior, por outro ainda carece da qualidade que tal nvel exigiria.

    O Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE) foi lanado no dia 24 de abril de 2007 e contm cerca de quatro dezenas de medidas, entre elas o Decreto n 6.096 que institui o Programa de Apoio aos Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais REUNI .

    As metas globais do REUNI so a elevao gradual da taxa de concluso mdia dos cursos de graduao presenciais para noventa por cento e da relao de alunos de graduao em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do incio de cada plano. ( 1 do art. 1 do Decreto n 6.096).

    22 Ristoff, Dilvo e Giolo, Jaime. A educao superior no Brasil Panorama Geral In: Educao superior Brasileira: Sergipe. MEC/INEP, 2006, pp.14-20. 23 MEC. CENSO DA EDUCAO SUPERIOR 2006 MEC/INEP/DEAES dezembro de 2007.

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 31

    j) Manuteno de numerosos elementos tradicionais.A par das significativas transformaes pelas quais passaram as IES, sem

    dvida ainda predominam muitos elementos tradicionais e a inovao, a pesquisa, a construo do saber, as novas tecnologias ainda esto ausentes de muitas delas, que se assemelham aos modelos das instituies dos sculos passados.

    k) Novas propostas. Cabe por fim destacar que existem numerosos estudos e grupos que

    tem se ocupado da questo da universidade. Quando Ministro da Educao, Cristvam Buarque realizou seminrios visando uma reforma da universidade, projeto que em parte foi interrompida com a sua substituio frente daquele rgo. Tem chamado a ateno a proposta do Reitor da Universidade da Bahia, denominada Nova Universidade, que seria caracterizada por um ciclo bsico em cincias e humanidades para todos, seguindo de um bacharelado em grandes reas ou um curso superior de tecnologia e para quem quisesse prosseguir haveria uma licenciatura ou um bacharelado acadmico/profissional. Em nvel de ps-graduao seriam mantidos os atuais nveis de mestrado e doutorada. Segundo o autor, estudos de maior amplitude no seriam comprometidos com uma profissionalizao e haveria uma maior adaptao ao mundo do trabalho marcado pela desregulamentao, flexibilidade e imprevisibilidade. O Prof. Naomar tambm destacava que seria uma transformao radical da atual arquitetura acadmica da universidade pblica brasileira, para superar os atuais desafios, resultando em um modelo compatvel tanto com o Modelo Norte-Americano como com o modelo Europeu (processo de Bolonha).24

    24 A proposta da Universidade Nova foi lanada em meados de 2006, tendo o Prof. Naomar I Seminrio Universidade Nova na UFBA em Salvador - BA e no final de maro de 2007, o II Seminrio Universidade Nova na UnB em Braslia DF.

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    Quadro 2: Modelo Tradicional x Modelo emergente

    CONTEXTO E CARACTERSTICAS MODELO TRADICIONAL MODELO EMERGENTE

    Contexto internacionalGuerra Fria PolarizaoModelos europeus na universidade

    GlobalizaoNeocolonialismo no ensino superior

    Contexto nacional Autoritarismo e transio para democracia Democracia liberal

    Concepo geral Formar agente social Formar para o mercado de trabalho

    Doutrina dominante Segurana Nacional Neoliberalismo

    Legislao Lei 5540, (1968) e AIs Lei 9394 (1996) 9870 (1999) e 10861 (2004)Finalidade Aspirao universal ao saber preparao de mo-de-obra, lucro

    Elemento determinante Vida social, profissional Mercado de trabalho

    Instituio Padro Universidade Clssica Universidade e multiplicidade de IES

    PrincpiosEnsino Pesquisa ExtensoFormar para a vida

    Ensino pesquisa extenso produtividade Operacionalidadepara o mercado, servios

    Linguagem Acadmica Lngua do mercado, empresarial

    Acesso Vestibular seletivo Vestibular seletivo nas grandes instituies, nas demais pr-forma

    IESUma rede restrita de IESPblicas e privadas

    Uma rede diversificada de IESCrescimento acelerado do setor privado

    Ensino Ensino Presencial Ensino Presencial e distncia

    Avaliao Na ps-graduao Peridica em todos os cursos SINAES

    Acesso Classe Mdia e Classe AltaExpanso Controlada

    Classe Alta, Mdia e Setores das camadas popularesExpanso acelerada

    Observa-se que mais uma vez so os fatores externos que determinam as concepes nacionais.

    l) Proposta de reforma universitria 2005. Dentro do contexto acima analisado, tambm o Governo Federal atravs

    do Ministrio de Educao, protocolou uma proposta de reforma da educao superior. Como este projeto encontra-se em fase ainda de debates, certamente percorrer um longo caminho. Por este motivo somente mencionamos o fato.

    A partir da anlise feita pensamos que gradativamente est se estabelecendo um novo paradigma do ensino superior brasileiro. A sntese abaixo de certa forma demonstra como tal vem ocorrendo.

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 33

    CONSIDERAES NO CONCLUSIVAS

    Analisando o atual panorama brasileiro observamos profundas transformaes em relao ao ensino superior. Uma srie de fatores histricos, e uma forte influncia externa, vm contribuindo para que se processe uma verdadeira mudana de paradigma do ensino superior em nvel de pas. Podemos afirmar que a partir da dcada de noventa h um processo em curso atingindo profundamente o modelo. Medidas polticas, e o denominado processo de globalizao atingiram a universidade tanto na sua dinmica interna, como na sua relao com a sociedade. Cabe, contudo, realar que a universidade parece estar perdendo uma das suas caractersticas histricas: est deixando de ser uma instituio formadora de cultura e de pessoas para ceder expressivos espaos aos jogos dos interesses econmicos aceitando que o grande determinante seja o mercado, guiado pelas asas e princpios do neoliberalismo.

    A universidade brasileira mostra-se mais uma vez dependente dos fatores externos. Os modelos norte-americanos e europeus so tomados como determinantes. O projeto mais uma vez submeter adaptar a instituio conjuntura internacional?

    Estaria a universidade brasileira perdendo definitivamente seu carter humanista? A poltica seria relegada mais uma vez a um papel secundrio e desprovido de sentido? Ser o mercado o determinante da nova ordem?

    Analisando a histria da universidade em nvel mundial observamos que a instituio sobreviveu ao longo dos sculos quando preservou sua autonomia e os momentos mais sombrios foram vividos quando se submeteu a conjunturas e interesses polticos imediatistas do momento. O grande desafio parece colocar-se na fronteira entre as tarefas histricas e os problemas dos novos tempos, guardando um espao para pensar o homem face s novas realidades, preservando o humanismo como referncia para no gerar uma nova dependncia e um neocolonialismo cultural como parece estar sendo proposto. o mnimo que se pode esperar da instituio universitria em um pas que teve um papel to determinante na pedagogia emancipatria e libertadora durante o sculo XX. No momento em que o mundo parece estar vivendo uma passagem de civilizao cabe universidade definir qual o lugar do homem na nova etapa da histria que se avizinha rapidamente. Um novo modelo de desenvolvimento e um outro humanismo passaro necessariamente pela universidade.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AULARD, A. Napolon 1er et le monopole universitaire. Paris : Colin, 1911. BRASIL. Lei de Diretrizes e bases da Educao Nacional. Passo Fundo: Ediupf, 1997.CUNHA, Luiz Antnio. A Universidade Tempor. 2. Ed. Rio de Janeiro:Francisco Alves,1986.DRZE, J. e DEBELLE, J. Concepes da Universidade. Fortaleza: UFC, 1983, p.33.JASPERS, arl. Rossman, K.Die Idee der Universitat. Berlim-Gttingen-Heidelberg: Springer, 1961, In: Drze, J. e Debelle, J. Concepes da Universidade. Fortaleza: UFC, 1983, p. 49.LIMA, Licnio. O Caso do Espao Europeu do Ensino Superior. In: Coletivo. O DNA da Educao. So Paulo: Instituto DNA Brasil, 2006.MOROSINI, Marlia. Internacionalizao da educao superior e qualidade. In: AUDY, Jorge Luis; MOROSINI, Marlia. Inovao e qualidade na universidade/Innovation and quality in the university. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 232-249.NAPOLON, Vues. Politiques. Paris:Fayard, 1939, p. 211-212.ROSSATO, Ricardo. Universidade Nove Sculos de Histria. 2. Ed.; Passo Fundo: Ediupf, 2005.RISTOFF, Dilvo e GIOLO, Jaime. INEP, Educao superior Brasileira: Sergipe. MEC 2006, p.14-20.UNESCO. Tendncias da Educao Superior para o Sculo XXI. Braslia:UNESCO-CRUB, 1999.WANDERLEY, Luiz Eduardo. O que universidade. 4.Ed.So Paulo:Brasiliense,1985.

  • A UNIVERSIDADE COMO LUGAR DE FORMAO OU COMO REINVENTAR A UNIVERSIDADE?

    Pedro Gilberto Gomes, SJ1

    INTRODUO

    Na gesto universitria h muito tempo venho colaborando no papel de reflexes a partir da experincia da Universidade. Aqui vou compartilhar parte dessas reflexes.

    O tema deste painel a universidade como lugar de formao. Entretanto, a questo da formao deve ser qualificada. Formao em qu e para qu. No basta afirmar o fim da universidade, mas se deve explicitar no aqui e agora da educao superior qual a universidade que se deseja e necessita para este inicio de milnio.

    Consoante a isso buscarei, nessa reflexo, levantar aspectos que poderiam apontar para um caminho de reinveno da universidade numa perspectiva histrica. Em seguida, apontarei alguns entraves para o processo de reinveno universitria. Termino com trs aspectos que podem nos ajudar: a questo da inteligncia competitiva, da gesto por processos e da gesto por projetos.

    A PROPOSTA

    Quando criada, no sculo XIII, a universidade articulava-se integralmente pela filosofia e pela teologia. Com o advento da cincia moderna, fragmentou-se no s o saber, mas a maneira de sua produo, transmisso e socializao. O crescente grau de especializao fez com que a universidade se fragmentasse em faculdades, centros, institutos e departamentos. Com administrao centralizada, a universidade se transformou paradoxalmente numa federao, perdendo a sua inspirao original.

    Hoje, parece que a universidade sente a necessidade de se reinventar, e a retomada de sua inspirao original surge como uma possibilidade de reinveno. No como uma volta idlica ao passado, mas como um ponto de superao e de sntese.

    A cada momento histrico, a instituio universitria precisou adaptar-se e graas a essa capacidade de adaptao, ela sobreviveu e atravessou inclume 1 Pr- Reitor acadmico da Unisinos Brasil. E-mail: [email protected]

    mailto:[email protected]
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    oito sculos de histria. A dinmica dessa adaptao parece ter sido aquela em que, frente ao desafio da realidade, a instituio se modifica e se exterioriza numa nova estruturao. Esta nova identidade, mais tarde, ao sofrer novos questionamentos decorrentes de uma realidade emergente, entra novamente em crise e, em resposta, precisar se reestruturar. E assim sucessivamente.

    A situao atual de crise. A universidade est passando por um novo problema, que exige uma tomada de posio firme e decisiva, como se propor a adiante de parte daqueles que esto envolvidos no seu processo.

    Frente a qualquer crise, as pessoas tm as mais variadas reaes. A grande maioria a considera como um acontecimento terrvel. Para outras, ela significa algo que possibilita o exerccio pacifico da inteligncia. Para Kerckhove

    Uma crise uma oportunidade de julgamento e um objeto de julgamento. Embora muitas crises sejam criadas por ocorrncias verdadeiramente imprescindveis, muitas nascem do colapso de velhos sistemas medida que so substitudos por novos (2009, p. 90).

    Quer dizer, toda crise uma possibilidade de crescimento e de inovao. Por isso, esse pensador canadense constata:

    Perante uma crise, muitos perdem tempo a observar a velha ordem desmoronar-se, lastimando a sua sorte e lamentando O mundo que passou. Mas preciso julgamento crtico em tempos crticos para perceber que o que interessa o que vem a. Ento a tarefa de decidir fcil, e fascinante (KERCKHOVE , 2009, p. 93).

    Consoante a isso, devemos considerar o momento de crise atual como uma oportunidade para que a universidade se reinvente e inove no desempenho de sua misso multissecular. Superando a fragmentao histrica, ela chamada a reencontrar o seu ponto de equilbrio e o ncleo articulador de sua ao. Esse processo de reinveno sustenta-se no trip: nova forma de apresentar seus produtos, novos pblicos e novos focos de atuao.

    Para que um processo de reinveno se instale, a universidade chamada a entrar em si mesma para encontrar o seu eu mais profundo, tocar o seu cerne e sua identidade. Nessa aventura para dentro de si, urge que v desbastando tudo aquilo que ao longo de seus 800 anos, foi se fixando em sua identidade nova que, significando a reinveno uma exigncia substantiva no momento. imperioso que a academia se desfaa dos acessrios que em cada momento histrico, foram

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 37

    importantes para a realizao de sua funo social, mas que no fazem parte constitutiva de sua identidade. A partir da, pode-se construir uma identidade nova que, significando a reinveno da mesma para o sculo XXI, d respostas as necessidades sociais hodiernas.

    No caso brasileiro, a reforma de 1968 adaptou a universidade para aquele momento, consolidando um movimento de crescimento importante para o ensino superior. Hoje, os frutos dessa reforma esto se esgotando. O processo de reinveno uma exigncia substantiva no momento.

    Num mundo altamente desenvolvido e tecnolgico, a universidade desafiada para que defina as suas reas prioritrias e o modo como estas devem estar articuladas de maneira a determinar um continuum formativo. Organizada em torno a algumas reas, o processo vai da graduao ao mestrado e doutorado, passando pela especializao, o tecnolgico e o sequencial, de formao especifica ou complementar. Dada essa caracterstica, tais reas prioritrias exigem uma concepo a partir de carreiras profissionais, visando atender as necessidades sociais contemporneas. Isso implica em dar fora para a ao transdisciplinar no desenvolvimento de produtos e aes educativas.

    Junto a uma ao transversal, universidade v como imperioso o desafio de inovar na apresentao de seus produtos, tanto no formato quanto na linguagem. O modo de apresent-los a sociedade ultrapassa o costume tradicional para assumir uma postura mais agressiva. Em lugar de esperar que a sociedade venha a instituio para buscar um produto (como se fosse um balco de supermercado), a universidade interage com pessoas e organizaes para descobrir suas reais e a melhor forma de supri-las.

    Ao mesmo tempo, considerando a extrema concentrao de players no campo da educao, o desafio ser direcionar-se para pblicos diferenciados e, ainda, escassamente atendidos. importante e substancial que se contemplem as pessoas nas diversas fases de sua vida, da infncia a senioridade. Para cada estgio, produtos distintos podem ser pensados e estruturados. Tambm na busca de novos pblicos aparecem s empresas que articuladas com a universidade, tero as necessidades de formao atendidas de maneira mais especfica.

    Inovao universitria envolve, inclusive, focar de modo distinto a ao educativa para alm do processo de ensino e pesquisa, ampliando o conceito de educao. Implica, portanto, compreender a assessoria, a prestao de servio e a pesquisa aplicada como uma ao lidimamente educacional e que se insere no escopo da misso universitria.

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    ENTRAVES AO PROJETO DE REINVENO

    Quanto se exterioriza a necessidade de reinveno da universidade, simplifica-se, por vezes, um problema que , por natureza, extremamente complexo. Os diversos segmentos que compem o conjunto da comunidade universitria, refratrios a mudanas e transformaes, desenvolvem inmeras estratgias, talvez a mais sutil, a que se pode denominar estratgia caracol. por demais conhecida a situao do caracol. Cada movimento que faz, cada deslocamento que realiza, transporta consigo a sua prpria casa. Desse modo, por mais que se movimente, nunca procede a uma verdadeira mudana, pois carrega consigo as situaes anteriores. Em sua vida, no h verdadeira transformao gerencial que se pretenda implementar. Com um agravante: tal estratgia pode configurar-se de duas maneiras, cada uma com suas caractersticas peculiares.

    Um projeto de gesto que se objetiva inovador pode ser boicotado quando a situao anterior (a casa) totalmente transportada para um novo ambiente.

    Nesse sentido, todos os ideais com potencial de inovao so bloqueados pelas estruturas carcomidas de uma casa superada e cujas condies de sobrevivncia esto comprometidas. Normalmente so modelos mentais que subsistem e que reinterpretam o novo que se gestou, subtraindo-lhe fora e efetividade. Pode-se dizer que o segundo estgio dessa organizao pior do que o primeiro. No goza das vantagens do modelo anterior, nem pode aproveitar os benefcios projetados para a mudana. Desse modo, melhor seria no ter o movimento.

    Numa universidade, isso significa manter as estruturas arcaicas do setor universitrio, com a mentalidade burocrtica que emperra a novidade e a impede de aproveitar as oportunidades que a sociedade oferece para o seu desenvolvimento. A estrutura nova capta os movimentos sociais, mas o modelo social arraigado nos seus quadros administrativos mdios e no corpo docente coopta a novidade, submetendo-a aos padres estabelecidos desde sempre.

    Algumas estruturas, muitas delas aderncias adquiridas ao longo da histria, cuja existncia se confundiu com a essncia mesma da universidade, permanecem ainda hoje com fora de consistncia. De meros acessrios, criados de acordo com determinadas conjunturas sociais, histricas e econmicas, adquiriram uma substantividade que obscureceu a identidade prpria da universidade.

    Contudo, muito dificilmente tal situao acontece na sua totalidade, pois os gestores da mudana, via de regra, esto atentos aos movimentos que tendem a frear o mpeto inovador da instituio. Torna-se assim, muito difcil um transporte total na casa antiga para a nova situao.

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 39

    A estratgia mais sutil configura-se no transporte daquilo que est no interior da casa. Aqui as consequncias so de duas ordens: ou se constri a nova casa de acordo com os mveis que se tem ou se tenta levar para dentro da casa nova todos os mveis antigos.

    O primeiro movimento ocasiona apenas uma aparncia de mudana. A casa, muito embora nova, mantm o projeto antigo, agora com nova fora e mais resistente as intempries. Simula-se uma transformao que, de fato, no existe. O novo estatudo um simulacro, sem nenhuma novidade. Tudo permanece, em essncia, como antes.

    O segundo movimento cria uma anomalia e uma casa quase inabitvel. O seu resultado ser uma casa com cmodos abarrotados e cmodos vazios. Acontece a super lotao de setores, com processos inflacionados, e novos processos deixam de ser atendidos pela absoluta inadequao dos moveis a nova habitao.

    Nesse particular, a estratgia do caracol consiste em no negar a inovao, mas gerenci-la com a lgica do modelo anterior. Como tal gerenciamento incompatvel com a estrutura emergente, surgem as observaes quanto a excelncia do que se tinha e dos resultados que permitiam alcanar. Choram-se as cebolas do Egito. Como no h a coragem para propor uma volta ao passado, abundam vozes que advogam a utilizao parcial de moveis antigos, com o argumento de que podero contribuir para atingir as metas estabelecidas, salvando o modelo. Aqui reside o verdadeiro Cavalo de Tria da gesto da inovao que se projeta para a organizao.

    A estratgia do caracol, nessa segunda maneira, a mais comum nas instituies universitrias que pretendem gerir a inovao de modo compatvel com as exigncias do momento. Os melhores projetos e os mais sublimes desejos de mudana fazem gua quando tal estratgia posta em prtica nas organizaes.

    Os assim chamados mveis antigos adquiram as mais diversas identidades. Tanto podem ser processos remanescentes da lgica anterior, quanto estruturas, modelos mentais e pessoas que conformavam a situao que o novo ambiente objetiva superar que condicionam os processos inovadores e fazem com que no atinjam os objetivos pretendidos. Entretanto, no que tange as pessoas, o exame deve ser feito com mais acuidade. O fato de terem trabalhado na estrutura anterior no configura uma inadequao ao novo e nem a necessidade de substituio. Entretanto, a recproca verdadeira. Elas somente devem ser mantidas e aproveitadas na lgica se demonstrarem a competncia necessria para gerir processos de inovao dentro da organizao. Competncia um substantivo transitivo. sempre competncia para alguma coisa. No caso,

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    competncia para adequar-se s novas exigncias organizacionais e contribuir para a consecuo dos novos objetivos estratgicos. Caso contrrio, so parte dos moveis e utenslios antigos, incompatveis com o novo da instituio. So partes integrantes da estratgia do caracol.

    Hoje, para as universidades que almejam gerir a inovao com a competncia que a sociedade exige e dar resposta coerente s necessidades sociais, o equacionamento da estratgia do caracol reveste-se de significado substantivo. Identificar corretamente e desenvolver anticorpos para neutraliz-la questo de vida ou morte para a instituio universitria.

    Caso uma universidade queira realmente fazer diferena no mundo de hoje, ela possui o imperativo da gesto da inovao. Para fazer isso, necessita neutralizar a estratgia do caracol que subsiste, inatamente, no seu interior.

    A INTELIGNCIA COMPETITIVA

    Junto neutralizao da estratgia do caracol, impedimento para a inovao e reinveno da universidade, a academia necessita criar mecanismos para vencer os desafios que lhe so impostos e, ao mesmo tempo, discernir quais as alternativas mais adequadas para o momento. Por exemplo, valer-se do concurso de pessoas representativas da sociedade e do mundo empresarial, respaldando as aes tendentes a contribuir para o desenvolvimento social sustentvel. A novidade uma transformao no processo comum da universidade se relacionar com a sociedade, assumindo esta o papel de co-promotora na discusso e disseminao de temas emergentes na rea empresarial.

    Outra ao para responder aos desafios da reinveno passa pelo estabelecimento de um ncleo de inteligncia competitiva. Compreende-se a inteligncia competitiva como um processo sistemtico e pr-ativo de coleta, anlise e disseminao de informaes necessrias tomada de decises estratgicas, que envolve um conjunto de habilidades e operaes (raciocnio, memria, imaginao, sentimentos, comunicao) e faz uso de diferentes instrumentos (indivduos e instituies, cultura da instituio, ferramentas tecnolgicas), norteado pelos objetivos estratgicos da instituio.

    O objetivo dessa ao desenvolver um processo de inteligncia competitiva na organizao, de modo a proporcionar agilidade, competncia e qualificao adequadas para responder as necessidades das partes interessadas. Esse objetivo envolve estruturar um processo sistemtico de mapeamento de informaes e anlises estratgicas para a tomada de decises dentro das organizaes. No caso presente, a organizao universitria.

  • Qualidade da Educao Superior: A Universidade como lugar de formao 41

    GESTO POR PROCESSOS

    Em virtude das aderncias externas que a estrutura universitria recebeu ao longo de seus anos de existncia, seus processos de gesto tornaram-se extremamente complexos e burocrticos. Este fato traz como condio indispensvel para a reinveno da universidade um esforo de simplificao dos processos internos da instituio, tornando-os mais geis e flexveis. Evitar dinmicas de retrabalho e de duplicao de esforos. Os alunos, principais interessados nas ofertas das universidades, necessitam pronto atendimento, sem burocracia nem demora. O mapeamento dos diversos processos institucionais ajudar na visualizao do percurso a ser percorrido elidindo as voltas improdutivas. Simplificar trabalho no se identifica com informatizao dos processos, pois os sistemas apenas produzem os passos que lhes so apresentados. Exteriorizar processos para cortar rotas desnecessrias o primeiro passo para gerenciar os processos com eficcia e efetividade.

    GESTO POR PROJETOS

    Outro imperativo da reinveno passa pela opo por uma gesto por projetos. H que cuidar para no identificar gesto por projetos com gesto de projetos. Toda e qualquer instituio (mais ainda a universitria) chamada a gerir projetos com competncia a habilidade. Pelo contrrio, a gesto por projetos entranha uma nova postura gerencial que implica, para a universidade, um modo novo de atuar. Por sua peculiarida