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9 772358 022003 ISSN 2358-0224 SÃO PAULO, ANO I, N. 03, SET./DEZ. DE 2014 Qual o papel da educação na sociedade de consumo?

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São Paulo, ano I, n. 03, Set./dez. de 2014

Qual o papel da educação na sociedade

de consumo?

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Por que deputados estaduais não investigam a Sabesp?

Ana Paula Massonetto1 e Sérgio Praça2

São Paulo enfrenta a maior crise hídrica da sua história: o Sistema Canta-

reira, que abastece cerca de 9 milhões de habitantes na região metropoli-

tana de São Paulo, chegou, pela primeira vez, a um nível abaixo de 10% de

sua capacidade, passando a extrair água do “volume morto” – água que

fica abaixo do nível de captação das comportas das represas.

É consenso entre especialistas que houve falhas da Sabesp na gestão

1 Doutora em Administração Pública e Governo pela Eaesp/FGV

2 Professor de Políticas Públicas da UFABC e pesquisador do Cepesp-FGV

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do Sistema Cantareira, especialmente pelo fato de que a empresa vem sen-

do alertada há mais de dez anos sobre a necessidade de medidas preven-

tivas para lidar com fatores climáticos e sociais, como a estiagem histórica

(a pior seca dos últimos 84 anos) e a expansão industrial e agrícola.

A empresa de economia mista Sabesp (Companhia de Saneamento

Básico do Estado de São Paulo), embora tenha personalidade jurídica, pa-

trimônio, autonomia administrativa e orçamento próprios, é um órgão da

administração indireta, vinculado à Secretaria de Saneamento e Recursos

Hídricos, e, portanto, subordinada ao governo do Estado de São Paulo (MEI-

RELES, 1979). Ao governador compete a formulação da política pública de

abastecimento e é ele quem deve, em última instância, responder pela

crise hídrica paulista.

Discutida em ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Es-

tado de São Paulo contra a Sabesp, a crise do abastecimento motivou ainda

a abertura de uma CPI na Câmara Municipal de São Paulo. Por que um órgão

do governo do Estado está sendo investigado pelo Poder Legislativo muni-

cipal, mas não pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp)?

Além da obrigação constitucional do Poder Legislativo de fiscalizar o

Poder Executivo, é razoável supor que a maioria dos deputados estaduais,

quaisquer que sejam o partido e o posicionamento em relação ao governo

do Estado, considere imprescindível garantir água à população. Então, por

que ainda não instalaram uma CPI para investigar a crise hídrica do Estado

de São Paulo?

Duas coisas podem explicar isso: variáveis políticas institucionais e con-

junturais. Os incentivos institucionais e o cenário político impactam como

deputados pensam sobre sua carreira eleitoral, implicando que eles ajam a

favor do Executivo, resultando assim na inércia fiscalizadora da Alesp.

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As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são uma das formas

de o Poder Legislativo exercer sua função fiscalizadora. São criadas por ato

do presidente da Alesp, mediante requerimento de pelo menos um terço

dos parlamentares (32)3.

A oposição na Alesp, composta pelo PT (22), Psol (1) e PCdoB (2) vem

atuando na questão dos recursos hídricos mais intensamente desde 2013,

mas, totalizando apenas 25 deputados, não obteve êxito em coletar as sete

assinaturas faltantes, necessárias para iniciar a CPI.

Em 2004, um deputado do PCdoB já havia apresentado requerimento

para abertura de CPI para fiscalizar a Sabesp. Em 2011 foi lançada a Frente

Parlamentar de Acompanhamento das Ações da Sabesp, sob coordenação

da deputada Ana Perugini (PT), que organizou diversos seminários e even-

tos, com a participação de especialistas, intensificados em 2013, quando

foi constituída uma Comissão de Representação na Alesp para discutir a

renovação da outorga da concessão à Sabesp, vencida em agosto de 2014.

Recentemente, a bancada do PT entrou com representação no Ministério

Público para que investigue ato de improbidade, por omissão em não es-

clarecer a gravidade da crise da água, contra o governador Geraldo Alck-

min e o atual e ex-secretários de Saneamento e Recursos Hídricos. Também

protocolou requerimentos em todas as Comissões Permanentes da Assem-

bleia convocando a presidente da Sabesp, Dilma Pena, para prestar escla-

recimentos. Enquanto isso, os deputados que compõem a base de apoio

ao governador usam a prerrogativa do pedido de vistas aos requerimentos

para postergarem a convocação de Dilma Pena. Um deles encaminhou re-

presentação ao Conselho de Ética da Alesp contra o líder do PT, por realizar

debate sobre a crise hídrica no Estado.

3 Resolução nº 852, de 17 de outubro de 2007.

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O que leva deputados e partidos da situação na Alesp a permanecerem

inertes, em vez de resguardar o interesse público, é a preservação de suas

carreiras políticas. Perseguindo estratégias de carreira eleitoral que depen-

dem de cargos nas secretarias e políticas distributivistas (que concentram

benefícios em uma parte da sociedade e têm custos dispersos), deputados

e partidos aderem ao Executivo, que consegue montar amplas e sólidas

maiorias legislativas mediante coalizões.

Isso porque o sistema eleitoral proporcional de lista aberta impõe de-

safios à obtenção de votos e à permanência na política mesmo de quem

já tem vantagem razoável por ocupar cargo eletivo. Para vencer essas bar-

reiras e apresentarem-se competitivos eleitoralmente, levando benefícios

para seus distritos eleitorais informais, os deputados buscam aliar-se àque-

le que controla mecanismos e recursos eleitorais: o Executivo.

Vários modelos teóricos foram desenvolvidos para explicar a forma-

ção de coalizões, como os de Riker (1962) e Axelrod (1972), que pres-

supõem que as motivações dos parlamentares são office-seeking, isto

é, parlamentares são orientados para a busca de cargos. Formado o go-

verno, benefícios políticos das mais diversas ordens – influência sobre

políticas públicas, nomeações para cargos na burocracia, execução de

emendas orçamentárias e convênios de interesse dos parlamentares –

são distribuídos aos membros da coalizão partidária que participa do

governo. Em troca, o Executivo espera apoio dos deputados da sua base,

ameaçando e, se necessário, punindo com a perda dos benefícios recebi-

dos, aqueles que não forem fiéis às decisões da coalizão (FIGUEIREDO;

LIMONGI, 1999, p. 33).

Assim, o cálculo eleitoral guia o comportamento parlamentar. E o mo-

nopólio do governador no acesso aos recursos públicos o coloca em posi-

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ção estrategicamente favorável para negociar com os partidos e com par-

lamentares, organizando as coalizões paulistas.

Para completar a dependência do acesso aos recursos da máquina es-

tadual, o poder de barganha dos deputados estaduais é limitado também

em função do diminuto rol de competências a cargo dos Estados brasileiros,

especialmente após a federalização de políticas públicas e a designação

de responsabilidades aos municípios pela Constituição Federal de 1988.

Essa limitação de atribuições gera uma agenda do Executivo prioritaria-

mente administrativa, que reduz a incidência de projetos de lei e, portanto,

a oportunidade de o Legislativo manifestar-se e, por conseguinte, reduz as

oportunidades de barganha (ABRUCIO; TEIXEIRA; COSTA, 2001; SANTOS,

2001, p. 176-177; TOMIO, 2012).

Finalmente, além da redução de competências e a limitação de inicia-

tiva, pesa contra os parlamentares o uso de decretos administrativos pelos

governadores em detrimento dos projetos de lei e a judicialização de polí-

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ticas públicas, pois o Supremo Tribunal Federal acaba derrubando parte da

legislação aprovada pela Alesp.

Este quadro institucional permite ao governador influenciar a Alesp,

dispondo das moedas de sua “caixa de ferramentas” para organizar a

coalizão (RAILE; PEREIRA; POWER, 2010). Alckmin tem à disposição re-

cursos como secretarias, cargos na burocracia, emendas orçamentárias,

transferências voluntárias e convênios para prefeituras ou entidades

sem fins lucrativos. O governador também pode influenciar, por meio do

presidente da Alesp, a alocação de cargos no Legislativo. Em agosto de

2014, havia 2.769 cargos de confiança ocupados na Alesp (contra 903

cargos efetivos), a serem distribuídos mediante acordos políticos pelo

presidente da Casa.

Atendidas tais demandas, os parlamentares delegam ao Executivo o

controle do processo decisório no interior da Alesp. É uma escolha em vir-

tude da necessidade dos recursos da máquina pública para garantir sua

sobrevivência eleitoral.

Historicamente, os governadores paulistas contam com maiorias legis-

lativas amplas e sólidas que garantem não apenas o sucesso na aprovação

dos projetos de interesse do Executivo, como a coordenação das atividades

legislativas e fiscalizatórias do Poder Legislativo, controlando a pauta de

votações, limitando a deliberação, vetando os projetos de autoria dos de-

putados e bloqueando CPIs.

Isso ocorreu com todos os governadores após a redemocratização, se-

jam os do PMDB, Orestes Quércia (1985-1989) e Luiz Antonio Fleury Filho

(1990-1994), ou os governadores tucanos. Mário Covas (1995-2001) con-

tou com o apoio de 65,9% (NERI, 1998) e 74,4% (NATALI, 2002) da Alesp

em seu primeiro e segundo mandatos, respectivamente. José Serra (2007-

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2010) obteve apoio de 76,6% dos parlamentares (SPECK; BIZZARRO NETO,

2012) e Geraldo Alckmin, de 78,7% (PAGNAN, 2006) em 2002-2006 e de

73,4% em 2011-2014.

Este cenário permitiu ao Executivo barrar todas as CPIs na Alesp, entre

2001 e 2005 (BOMBIG; MOTOMURA, 2004). Em dezembro de 2006, depois

de o PFL (então aliado do Executivo, partido do vice-governador) firmar

acordo com o PT para eleger Rodrigo Garcia (PFL) presidente da Alesp, e

após o PT ter obtido decisão judicial junto ao STF derrubando a norma do

regimento interno da Alesp que exigia a aprovação em plenário para ins-

talação de CPI, foram instauradas duas CPIs na Alesp, de pouca relevância

para o Executivo, quando já havia 69 requerimentos, 37 deles contra a

gestão tucana (FREITAS; BOMBIG, 2006).

Neste momento de reposicionamento de força dos atores políticos,

embora sacudido, o Executivo se mostrou imbatível. O deputado estadual

Caldini Crespo (do PFL à época), que estava em seu quarto mandato e foi o

mais bem avaliado pela ONG Movimento Voto Consciente naquela legisla-

tura, teve sua reeleição dificultada por ter atacado o governo e denunciado

a existência de 973 contratos irregulares encaminhados pelo TCE à Alesp

aguardando deliberação dos deputados.

Crespo afirmou à época: “Há superfaturamento e irregularidades na li-

citação. Algumas vezes não se fez a licitação como deveria, outras vezes a

licitação favorece uma empresa em relação à outra, o que também é crime.

Em outros casos você superfatura, há aditivos maiores que 25%. [...] Houve

corrupção dentro do governo Alckmin. Pelo menos 973 casos garanto que

teve, porque foram os que eu analisei. Agora, se o governador estava envol-

vido ou não, por enquanto não posso dizer. Por isso estou pedindo uma CPI”

(CRESPO, 2006).

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Crespo não foi reeleito. Ele deixou de receber os recursos do Executivo,

que apoiou um candidato rival na região de sua base eleitoral.

***

As instituições políticas estaduais – distribuição constitucional de

competências federativas e entre os poderes Executivo e Legislativo;

regras internas do Legislativo e regras eleitorais – e o cenário politico

(hegemonia do PSDB paulista, explorada em MASSONETTO, 2014) deter-

minam os incentivos e os cálculos estratégicos dos partidos e deputados

da Alesp que votam, protegem e delegam ao Executivo o controle do

processo legislativo na Alesp, para assegurar os recursos necessários à

sua sobrevivência política.

Constata-se então a existência um trade-off na relação entre Executi-

vo e Legislativo baseada em coalizões, a ser aferida empiricamente para

outros casos: quanto mais estável a governabilidade, porém, menos o Le-

gislativo cumpre sua atividade fiscalizadora.

É necessário discutir, agora de um ponto de vista normativo, se esta rea-

lidade política não é um problema para o funcionamento das assembleias

legislativas e o sistema político estadual. Deve-se rever o conjunto de atri-

buições esperadas (um Estado de direito consolidado e prestador de serviços

públicos deveria levar à inversão de prioridades da atividade parlamentar, da

legislativa para a fiscalizadora) e a própria efetividade e eficácia do Poder

Legislativo estadual, ao mesmo tempo que se analisa e se viabiliza o incre-

mento de novas e o aperfeiçoamento das já existentes instituições de con-

trole do Executivo, tais como a atuação dos Tribunais de Contas, conselhos

participativos, acesso a informações (Lei da Transparência) etc.

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Imagens: www.freeimages.com, Luiz Augusto Daidone/Fotos Públicas (foto

Sistema Cantareira) e Roberto Navarro/Fotos Públicas (fotos Alesp)