qual educação ambiental?

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43 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.2, abr./jun.2001 A rtigo Carvalho, Isabel Cristina de Moura* Resumo Este artigo parte da idéia da educação am- biental como mediação educativa que forma parte do contexto de transição ambiental no mundo rural. Questiona a idéia de uma úni- ca educação ambiental, chamando a aten- ção para diferentes matrizes teórico-pedagó- gicas que informam duas orientações em edu- cação ambiental, quais sejam: a educação ambiental popular e a educação ambiental comportamental. Argumenta em favor de uma educação ambiental popular como alter- nativa mais afinada com as propostas da ex- tensão rural agroecológica. Palavras-Chave: educação ambiental, educação popular, educação comportamental, extensão rural, Agroecologia. Introdução A educação ambiental (EA) vem sendo in- corporada como uma prática inovadora em diferentes âmbitos. Neste sentido, destaca- se tanto sua internalização como objeto de políticas públicas de educação e de meio am- biente em âmbito nacional 1 , quanto sua in- corporação num âmbito mais capilarizado, como mediação educativa, por um amplo con- junto de práticas de desenvolvimento social. Esse é o caso, por exemplo, do diversificado rol de atividades e projetos de desenvolvimen- to impulsionados pelas atividades de exten- são em resposta às novas demandas geradas pela transição ambiental do meio rural 2 . Este processo de mudanças no mundo rural, que * Psicóloga, doutora em Educação, assessora da EMATER/RS, e-mail: [email protected] Qual educação ambiental? Elementos para um debate sobre educação ambiental e extensão rural

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Page 1: Qual educação ambiental?

43Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.2, abr./jun.2001

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Carvalho, Isabel Cristinade Moura*

ResumoEste artigo parte da idéia da educação am-

biental como mediação educativa que formaparte do contexto de transição ambiental nomundo rural. Questiona a idéia de uma úni-ca educação ambiental, chamando a aten-ção para diferentes matrizes teórico-pedagó-gicas que informam duas orientações em edu-cação ambiental, quais sejam: a educaçãoambiental popular e a educação ambientalcomportamental. Argumenta em favor deuma educação ambiental popular como alter-nativa mais afinada com as propostas da ex-tensão rural agroecológica.

Palavras-Chave: educação ambiental,educação popular, educação comportamental,extensão rural, Agroecologia.

IntroduçãoA educação ambiental (EA) vem sendo in-

corporada como uma prática inovadora emdiferentes âmbitos. Neste sentido, destaca-se tanto sua internalização como objeto depolíticas públicas de educação e de meio am-biente em âmbito nacional1, quanto sua in-corporação num âmbito mais capilarizado,como mediação educativa, por um amplo con-junto de práticas de desenvolvimento social.Esse é o caso, por exemplo, do diversificadorol de atividades e projetos de desenvolvimen-to impulsionados pelas atividades de exten-são em resposta às novas demandas geradaspela transição ambiental do meio rural2. Esteprocesso de mudanças no mundo rural, que* Psicóloga, doutora em Educação, assessora da

EMATER/RS, e-mail: [email protected]

Qual educação ambiental?Elementos para um debate sobre educação ambiental

e extensão rural

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tende a gerar novas práticas sociais e cultu-rais em que se verifica a assimilação de umideário de valores ambientais, pode ser ob-servado, por exemplo, no crescente interes-se pela produção agroecológica, na busca pormedicinas alternativas e fitoterápicas, noecoturismo e no turismo rural. Práticas es-tas que estão muitas vezes associadas aações de EA, tanto na sua difusão como navalorização da paisagem socioambiental nocampo.

Uma vez identificada a entrada da EA comoparte dos processos de transição ambientale suas inúmeras interfaces com diferentescampos de ação da extensão rural, cabe abrirum debate sobre as modalidades desta práti-ca educativa, suas orientações pedagógicase suas conseqüências como mediação apro-priada para o projeto de mudança social e am-biental no qual esta vem sendo acionada. Emprimeiro lugar, caberia perguntar: existeuma educação ambiental ou várias? Será quetodos os que estão fazendo educação ambi-ental comungam de princípios pedagógicos ede um ideário ambiental comuns? A obser-vação destas práticas facilmente mostraráum universo extremamente heterogêneo noqual, para além de um primeiro consenso em

torno da valorização da natureza como umbem, há uma grande variação das intencio-nalidades socioeducativas, metodologias pe-dagógicas e compreensões acerca do que sejaa mudança ambiental desejada.

Neste sentido, a EA é um conceito que,

como outros da "família ambiental", sofre degrande imprecisão e generalização. O proble-ma dos conceitos vagos é que acabam sus-tentando certos equívocos e, neste caso, oprincipal deles é supor uma convergênciatanto da visão de mundo quanto das opçõespedagógicas que informam o variado conjun-to de práticas que se denominam de educa-ção ambiental. Assim, neste artigo preten-demos discutir algumas das principais dife-renças nas concepções de educação ambien-tal, e suas conseqüências no plano político-pedagógico. Para isto, vamos problematizaralguns aspectos da relação entre a EA - to-mada como parte dos processos de ambien-talização da sociedade - e o campo educativoonde esta vai disputar legitimidade como umtipo novo de prática pedagógica.

1 O ambiental como qualificadorda educação

Uma primeira questão diz respeito ao sig-nificado do ambiental como qualificador daeducação. Outras correntes pedagógicas an-tes das EAs também se preocuparam em con-textualizar os sujeitos no seu entorno histó-rico, social e natural. Trabalhos de campo,estudos do meio, temas geradores, aulas aoar livre, não são atividades inéditas na edu-cação. Estes recursos educativos, tomadoscada um por si, não são estranhos às meto-dologias consagradas na educação comoaquelas inspiradas em Paulo Freire e Piaget,entre outras. Assim, qual seria o diferenci-al da educação ambiental? O que ela nos trazde novo que justifique identificá-la comouma nova prática educativa?

Poderíamos dizer, numa primeira consi-deração, que o novo de uma EA realmentetransformadora, ou seja, daquela EA que váalém da reedição pura e simples daquelaspráticas já utilizadas tradicionalmente naeducação, tem a ver com o modo como estaEA revisita esse conjunto de atividades pe-

Será que todos os que estão

fazendo educação ambiental

comungam de princípios

pedagógicos e de um ideário

ambiental comuns?

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dagógicas, reatualizando-as dentro de umnovo horizonte epistemológico em que o am-biental é pensado como sistema complexo derelações e interações da base natural e so-cial e, sobretudo, definido pelos modos de suaapropriação pelos diversos grupos, populaçõese interesses sociais, políticos e culturais queaí se estabelecem. O foco de uma educaçãodentro do novo paradigma ambiental, portan-to, tenderia a compreender, para além de umecossistema natural, um espaço de relaçõessocioambientais historicamente configura-do e dinamicamente movido pelas tensões econflitos sociais.

De todo modo, a construção de um nexoentre educação e meio ambiente, capaz degerar um campo conceitual teórico-metodo-lógico que abrigue diferentes propostas deEAs, só pode ser entendida à luz do contextohistórico que o torna possível. Afinal, nãopodemos compreender as práticas educativascomo realidades autônomas, pois elas só fa-zem sentido a partir dos modos como se as-sociam aos cenários sociais e históricosmais amplos constituindo-se em projetos pe-dagógicos políticos datados e intencionados.

Desta forma, a emergência de um con-junto de práticas educativas nomeadas comoEA e a identidade de um profissional a elaassociada, o educador ambiental3, só podemser entendidos como desdobramentos quefazem parte da constituição de um campo am-biental no Brasil, a partir do qual a questãoambiental tem se constituído como catalisa-dora de um possível novo pacto societário sus-tentável. Assim, o qualificador ambientalsurge como uma nova ênfase para a educa-ção, ganhando legitimidade dentro deste pro-cesso histórico como sinalizador da exigên-cia de respostas educativas a este desafiocontemporâneo de repensar as relações en-tre sociedade e natureza.

Contudo, considerando a assimetria dasrelações de força que estão definindo astransformações sociais e econômicas em

curso, é importante destacar que a dinâmi-ca deste campo é a da disputa pelas inter-pretações sobre conceitos-chave como "am-biental" ou "sustentabilidade". A verdade éque ainda estamos longe de chegar a umacordo sobre as chances de uma nova alian-ça sustentável ou um contrato natural, comoo chamou Serres (1991), baseada na justiçae na eqüidade entre a sociedade e a nature-za. Talvez estejamos no momento de, justa-mente, disputar este projeto discutindo so-bre que bases a reconversão em direção auma ordem sustentável deveria se dar. A EA,como parte deste contexto vai, portanto, tran-sitar na esfera das relações conflitivas dasdiferentes orientações políticas e pedagógi-cas, sendo afetada pelos diferentes projetospolítico-pedagógicos em disputa.

2 As diferentes EAsAs práticas de EA, na medida em que

nascem da expansão do debate ambiental nasociedade e de sua incorporação pelo campoeducativo, estão atravessadas pelas vicissi-tudes que afetam cada um destes campos.Disto resultam pelo menos dois vetores detensão que vão incidir sobre a EA: I) a com-plexidade e as disputas do campo ambiental,com seus múltiplos atores, interesses e con-cepções e II) os vícios e as virtudes das tradi-ções educativas com as quais estas práticasse agenciam.

Estes vetores vão gerar uma grandeclivagem no conjunto das práticas de EA,

O foco de uma educação dentro

do novo paradigma ambiental

tenderia a compreender, para

além de um ecossistema natural,

um espaço de relações

socioambientais historicamente

configurado

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demarcando pelo menos duas diferentes ori-entações que poderiam ser chamadas: EAcomportamental e EA popular. Cabe lembrarque essa classificação resulta de um esforçode análise que se propõe intencionalmentea distinguir e matizar as práticas de EA deacordo com suas filiações pedagógicas. Istonão significa que no plano da observaçãoempírica não se possa constatar que estasduas vertentes apareçam muitas vezes so-brepostas e/ou combinadas nas práticas doseducadores ambientais. Também é verdadeque estas duas tendências não esgotam todoo campo das EAs, que é ainda muito maisdiversificado. Contudo, expressam uma im-portante distinção entre duas das principaismatrizes socioeducativas que informam estaprática e que serão objeto dos próximos tópi-cos deste artigo.

2.1 A EA comportamentalCom o debate ambientalista generaliza-se

um certo consenso no plano da opinião públi-ca, a respeito da urgência de conscientizar osdiferentes estratos da população sobre os pro-blemas ambientais que ameaçam a vida noplaneta. Conseqüentemente, é valorizado opapel da educação como agente difusor dos co-nhecimentos sobre o meio ambiente e indutorda mudança dos hábitos e comportamentosconsiderados predatórios, em hábitos e com-portamentos tidos como compatíveis com a pre-servação dos recursos naturais.

Uma outra idéia bastante recorrente nes-ta perspectiva é a de que, embora todos osgrupo sociais devam ser educados para a con-servação ambiental, as crianças são um gru-po prioritário. As crianças representam aquias gerações futuras em formação. Conside-rando que as crianças estão em fase de de-senvolvimento cognitivo, supõe-se que nelasa consciência ambiental pode ser internali-zada e traduzida em comportamentos de for-ma mais bem sucedida do que nos adultosque, já formados, possuem um repertório de

hábitos e comportamentos cristalizados e dedifícil reorientação.

Desta forma, surge uma EA que vai tomarpara si, como meta principal, o desafio dasmudanças de comportamento em relação aomeio ambiente. Informada por uma matrizconceitual apoiada na psicopedagogia com-portamental, esta EA partilha de uma visãoparticular do que seja o processo educativo,a produção de conhecimentos e a formaçãodos sujeitos.

A psicologia comportamental é, sobretu-do, uma psicologia da consciência. Isto sig-nifica, por exemplo, considerar o comporta-mento uma totalidade capaz de expressar avontade dos indivíduos. Acredita, também,que é possível aceder a vontade dos indivídu-os e produzir transformações nas motivaçõesdas ações destes através de um processo ra-cional, que se passa no plano do esclareci-mento, do acesso a informações coerentes eda tomada de consciência. Isto quer dizer,em última instância, que esta matriz teóri-ca supõe indivíduos cuja totalidade da açãoencontra suas causas na esfera da razão, eé nesta esfera também que se pretende si-tuar as relações de aprendizagem e a forma-ção dos valores.

2.2 A EA popularEsta EA está associada com a tradição da

educação popular que compreende o proces-so educativo como um ato político no sentidoamplo, isto é, como prática social de forma-ção de cidadania. A EA popular compartilhacom essa visão a idéia de que a vocação daeducação é a formação de sujeitos políticos,capazes de agir criticamente na sociedade.O destinatário desta educação são os sujei-tos históricos, inseridos numa conjunturasociopolítica determinada , cuja ação, sempreintrinsecamente política, resulta de um uni-verso de valores construído social e histori-camente. Nesta perspectiva, não se apaga adimensão individual e subjetiva, mas esta é

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vista desde sua intercessão com a cultura ea história, ou seja, o indivíduo é sempre umser social.

Assim, o foco de uma EA popular não sãoexclusivamente os comportamentos. Embo-ra em certa educação popular também exis-ta uma herança racionalista que se expres-sa principalmente no conceito de conscienti-zação. É preciso admitir aqui que a perspec-tiva racionalista, que pensa os processos detransformação pela via régia da consciência,chega à educação ambiental não só pela EAcomportamental mas também por certa EApopular. Ocorre que nem toda EA popular seatém estritamente à noção de conscientiza-ção, mesmo porque uma crítica deste con-ceito tem sido feita pela própria educaçãopopular nos últimos anos. Assim, esta EApode utilizar-se também de conceitos maiscomplexos, como por exemplo o de Ação Polí-tica, no sentido em que é definido pela filo-sofia política de Arendt, para entender o agirdos sujeitos e grupos sociais frente às ques-tões ambientais4.

Mais do que resolver os conflitos ou pre-servar a natureza através de intervençõespontuais, esta EA entende que a transforma-ção das relações dos grupos humanos com omeio ambiente está inserida dentro do con-texto da transformação da sociedade. O en-tendimento do que sejam os problemas am-

bientais passa por uma visão do meio ambi-ente como um campo de sentidos socialmen-te construído e, como tal, atravessado peladiversidade cultural e ideológica, bem comopelos conflitos de interesse que caracterizama esfera pública. Ao enfatizar a dimensãoambiental das relações sociais, a EA popularpropõe a transformação das relações com omeio ambiente dentro de um projeto de cons-trução de um novo ethos social, baseado emvalores libertários, democráticos e solidários.

A opção por um grupo etário, por exemploas crianças, não é uma característica pre-dominante nesta abordagem. Aqui se com-preende a formação como um processo per-manente e sempre possível. Há várias expe-riências de EA popular, por exemplo, que ele-gem, isto sim, certos atores sociais como su-jeitos prioritários da ação educativa ambi-ental, como por exemplo os grupos e organi-zações populares. Ou ainda, destacam a im-portância de trabalhar com os grupos cuja in-teração com o meio ambiente é mais direta,por exemplo, agricultores ou certas catego-rias de trabalhadores urbanos como osrecicladores e outros5. De qualquer forma,não há uma especial valorização da infânciacomo faixa etária privilegiada para a forma-ção ambiental.

Cabe lembrar que a educação populartem sido em grande parte uma educação de

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adultos. No contexto de uma educação quese dirige a sujeitos capazes de decisão, acriança é importante enquanto engajada noprocesso de formação de cidadania, mas nãoé necessariamente prioritária sobre os ou-tros grupos passíveis de uma educação am-biental.

3 Entre a intenção e o gesto:limites e possibilidades das EAs

O principal problema de uma EA compor-tamental é sua visão restrita dos processossociais e subjetivos que constituem os su-jeitos. Em primeiro lugar, poderíamos des-tacar o equívoco de supor sujeitos da vonta-de, isto é, reduzir os indivíduos à sua dimen-são racional. Em outras palavras, reduzir osujeito ao ego, desconhecendo que a comple-xidade das determinações da ação humanaem muito ultrapassam essa instância psí-quica. Do mesmo modo, o processo de forma-ção e produção de conhecimentos está longede responder exclusivamente aos ditames daconsciência e da vontade. Entre a intençãoe o gesto há um universo de sentidos con-traditórios que a relação causal razão-com-portamento está longe de comportar. É larga-mente conhecido o tema das descontinuida-des entre o dito da razão e as atitudes6.

A pesquisa do Instituto ECOAR (Trajber eManzochi, 1996) sobre os materiais impres-sos em EA no Brasil demonstra, de maneiraexemplar, como as escolhas entre enfatizaros comportamento ou a ação política se re-fletem na produção escrita deste campo. Ainstigante análise do discurso da EA , reali-zada pela lingüista Eni Orlandi neste estu-do, alertou para a presença de elementos dou-trinários e normativos nos textos e para orisco de um fechamento do discurso numaEA pautada em pressupostos comportamen-tais. Orlandi destacou ainda o silêncio destaEA sobre a produção social dos problemas eco-lógicos e, decorrente disto, sua tendência aculpabilizar os indivíduos como se todos fos-sem igualmente responsáveis pelos efeitosda degradação ambiental.

Comportamento é um conceito muito po-bre para dar conta da complexidade do agirhumano. Não se trata de induzir novos com-portamentos, pois isso pode ser alcançado deforma pontual sem implicar uma transforma-ção significativa, no sentido da construçãode um novo ethos, de um novo pacto civiliza-tório desejado por um ideário ecológi coemancipatório. Uma pessoa pode aprender avalorizar um ambiente saudável e não poluí-

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do, ter comportamentos tais como não sujaras ruas e participar dos mutirões de limpezado seu bairro. Essa mesma pessoa, no en-tanto, pode considerar adequada a políticade produção e transferência de lixo tóxicopara outra região e não se importar com acontaminação de um lugar distante do seuambiente de vida. Numa perspectiva indivi-dualista, isto preserva seu meio ambienteimediato, a despeito do prejuízo que possa ter,por exemplo, para outras populações afeta-das por estes resíduos tóxicos. Neste senti-do, é possível um comportamento preocupa-do com o meio ambiente local sem qualquercompromisso com um pacto solidário global.

Quanto à capacidade de uma educação pro-mover valores ambientais, é importante des-tacar que o processo educativo não se dá ape-nas pela aquisição de informações, mas so-bretudo pela aprendizagem ativa, entendidacomo construção de novos sentidos e nexospara a vida. Trata-se de um processo que en-volve transformações no sujeito que apren-de e incide sobre sua identidade e posturasdiante do mundo. A internalização de umideário ecologista emancipatório não se dáapenas por um convencimento racional so-bre a urgência da crise ambiental, mas so-bretudo implica uma vinculação afetiva comos valores éticos e estéticos desta visão demundo. Deste ponto de vista, uma EA com-portamental pode ser funcional a diversasesferas de ação que visam inibir ou estimu-lar, em termos imediatos, certos comporta-mentos bem definidos _ por exemplo: dimi-nuir o índice de depredação de árvores pelosvisitantes de uma área de proteção ambien-tal _ mas dificilmente consegue incorporar adimensão mais ampla e coletiva das relaçõesambientais associadas a transformações emdireção a um novo projeto societário.

A EA popular, por sua vez, age dentro deum universo onde a educação é uma práticade formação de sujeitos e produção de valo-

EA popular parece ser uma das

mediações educativas afinadas ao

espírito de uma extensão rural

agroecológica

res, comprometida com um ideário emanci-patório e, ao enfatizar a dimensão ambiental,amplia a esfera pública, incluindo nesta odebate sobre o acesso e as decisões relativasaos recursos ambientais. Nesta perspectiva,o educador ambiental é, sobretudo, um medi-ador da compreensão das relações que os gru-pos com os quais ele trabalha estabelecemcom o meio ambiente. Atua assim, como umintérprete dessas relações, um facilitador dasações grupais ou individuais que geram no-vas experiências e aprendizagem.

No caso da extensão rural, a EA popularparece ser uma das mediações educativasafinadas ao espírito de uma extensão ruralagroecológica tomada como "um processo deintervenção de caráter educativo e transforma-dor, baseado em metodologias de intervenção-ação participante que permitem o desenvolvi-mento de uma prática social mediante a qualos sujeitos do processo buscam a construção esistematização de conhecimentos que os levema incidir conscientemente sobre a realidade"(Caporal e Costabeber, 2000:33). A afinidadeda EA popular com o marco da nova extensãorural remete à vocação de uma EA que pre-tende promover mudanças nos níveis maisprofundos das relações socioambientais. Éclaro que aqui trata-se de uma escolha pe-dagógica e não de uma verdade auto-eviden-te. Do mesmo modo que não se trata nesteartigo de pretender dar a palavra final a umadiscussão que vem se dando entre os educa-dores ambientais, mas expressar uma posi-ção e expô-la ao debate. AA

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1No âmbito das iniciativas de políticas

públicas, destacam-se, em nível nacional, acriação dos Núcleos de Educação Ambientalno IBAMA desde 1992; os centros de EducaçãoAmbiental desde 1993 pelo MEC; ProgramaNacional de Educação Ambiental (PRONEA)instituído em 1994 pelo MEC e MMA; ainclusão da educação ambiental nosParâmetros Curriculares definidos pelo MECem 1998; e aprovação da Política Nacional deEA em 1999.

2A noção de transição ambiental aqui

proposta compartilha com o conceito detransição agroecológica tal como proposto porCaporal e Costabeber (2000) e Costabeber eMoyano (2000), enquanto processo

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Notas

multidimensional de mudança social orientadoa ecologização das práticas agrícolas nomanejo dos agroecossistemas. Diferencia-sedesse apenas no sentido de destacar aexpansão da assimilação de um ideárioambientalizado também para um conjunto depráticas sociais e culturais no mundo rural nãonecessariamente agrícolas.

3Este pode ser entendido como um espaço

de relações sociais e históricas onde se produze reproduz a crença no valor da naturezacomo um Bem que deve ser preservado, acimados interesses imediatos das sociedades. Estacrença alimenta a utopia de uma relaçãosimétrica entre os interesses das sociedades eos ciclos da natureza, no respeito aos

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Referências bibliográficas

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Notas

processos vitais e aos limites da capacidadede regeneração e suporte da natureza quedeveriam balizar as decisões sociais, ereorientar os estilos de vida e hábitos coletivose individuais.

4Para Arendt (1989), o conceito de Ação

Política é a expressão mais nobre da condiçãohumana. Os humanos se definem por seu agirentre seus pares, influindo no destino domundo comum. Esta capacidade de agir emmeio a diversidade de idéias e posições é abase da convivência democrática, da liberdadee da possibilidade de criar algo novo. Destaforma, o Agir humano é o campo próprio daeducação enquanto prática social e políticaque pretende transformar a realidade. Para

uma discussão do conceito arendtiano de AçãoPolítica e sua aplicação no contexto daeducação ambiental ver Carvalho (1992).

5Sobre a definição de sujeitos prioritários,

ver Ruiz, Javier Reyes. “Diagnóstico mexicanosobre educación popular ambiental”. Seminarioregional de capacitación de las comunidadespara el manejo sustentable de los recursosnaturales. Rede de Educación PopularAmbiental - REPEC, México, 1995 (mimeo).

6A pesquisa "O que brasileiro pensa da

ecologia" (Crespo e Leitão, 1992), por exemplo,verificou entre os entrevistados essa lacunaentre o convencimento racional e a disposiçãopara agir diferente frente ao meio ambiente.