qual é o tamanho de um ponto

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Qual é o Tamanho de Um Pont

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  • Adonai Sant'AnnaMatemtica e Sociedade

    quarta-feira, 26 de setembro de 2012Qual o tamanho de um ponto?

    Observe a imagem acima. Parece, sob o olhar desatento, retratar um rob de braosabertos cuja sombra projetada sobre o solo que pisa e uma parede logo adiante. Noentanto, se observar atentamente, o que parece cho e parede (formando um nguloreto em perspectiva) , na verdade, um nico plano. A iluso de profundidade dadapor uma sombra fisicamente impossvel. Alm disso, a frase "My shadow tickles me"(Minha sombra me faz ccegas) refora uma confuso sobre ponto de vista. De fato, asombra do brao esquerdo est sob a axila direita, justificando a brincadeira de estarfazendo ccegas. Porm, essa viso virtualmente impossvel do ponto de vista dorob. Portanto, a sombra faz ccegas em quem?

    Esta imagem foi feita para ilustrar como fcil criar iluses com imagens. O verdadeiromestre de iluses, no entanto, foi o grande artista grfico holands Maurits CornelisEscher, o qual concebeu inmeras gravuras intimamente associveis aos clebresTringulo de Penrose e Escada de Penrose.

    Desperto ateno para isso com o objetivo de destacar a diferena fundamental entredesenho e geometria. Em nossas terras at hoje se promove uma gigantesca confusoentre essas duas reas da cultura mundial. muito comum professores de matemticalecionarem geometria com o auxlio de rguas, compassos e transferidores. Rguas,compassos e transferidores so ferramentas teis para o ensino de desenho, mas node geometria. Pelo contrrio, depender de instrumentos de desenho para aprendergeometria certamente um disparate.

    Incio

  • Quando Euclides de Alexandria escreveu o monumental Elementos (sem dvida aobra cientfica mais bem sucedida da histria), sua viso de geometria foi interpretadadurante dois mil anos como um compromisso matemtico com as intuies humanas arespeito de espao fsico.

    Quando o matemtico russo Nicolai Lobachevsky provou a independncia do clebrequinto postulado de Euclides, introduzindo aquilo que hoje conhecemos como asgeometrias no euclidianas, esse compromisso entre geometria e intuio sobreespao fsico foi severamente ameaado. Lobachevsky percebeu que a geometriaeuclidiana era apenas uma, entre infinitas geometrias possveis.

    Mas foi em 1899 que a geometria euclidiana atingiu seu primeiro grandeamadurecimento depois de dois milnios de histria. Foi neste ano que o alemo DavidHilbert (o ltimo matemtico de viso genuinamente universal) publicou seu clebreGrundlagen der Geometrie, um livro no qual a geometria se reduzia a uma estruturaaxiomtica em que conceitos como ponto, reta e plano tm um status meramentelingustico.

    Felizmente no Brasil existe pelo menos um livro de matemtica originalmente escritoem portugus e, ao mesmo tempo, excelente. a obra Fundamentos da Geometria, deBenedito Castrucci (LTC, 1978). Neste livro a geometria euclidiana desenvolvida detal forma que possa ser fundamentada, com todo o rigor, em qualquer das teorias deconjuntos usuais, como ZF e NBG.

    No primeiro captulo do livro de Castrucci, fortemente inspirado na obra original deHilbert, um plano de incidncia definido como um par ordenado de dois conjuntos, asaber, um conjunto de pontos e um conjunto de retas. Pontos e retas nada mais so doque conjuntos. Ponto!

    A verso original de Elementos, de Euclides, foi perdida. Resultado da ignorncia doscristos que, em nome de Deus, incendiaram a Biblioteca de Alexandria e atrasaram odesenvolvimento cientfico da civilizao durante sculos. O que se sabe hoje destelivro por conta de tradues da obra para o latim e outros idiomas, bem como cpiasde fragmentos em grego arcaico. Nas tradues que se popularizaram h uma supostadefinio para ponto. Historiadores no tm certeza se essa definio originalmentedevida a Euclides ou se uma contribuio de tradutores, com a finalidade de facilitara compreenso. O fato que a alegada definio apela para a noo intuitiva de quepontos no tm tamanho. E at hoje, em nossas escolas, se corrompe a mente dealunos com afirmaes do seguinte tipo: "Ponto no tem largura, nem altura, nemprofundidade". Ora, o administrador deste blog no tem escamas e nem tentculos. Noentanto, essa afirmao no pode ser considerada como algo que efetivamente definaquem sou eu.

    Nos moldes do que a geometria euclidiana hoje, no faz sentido perguntar qual o

  • Adonai s 18:47

    tamanho de um ponto. como perguntar qual a cor da mulher. Mulher? Qual mulher?

    Pontos, retas, planos e espao so conceitos abstratos, usualmente fundamentadosem teorias de conjuntos. E conjuntos so definidos nica e exclusivamente pelos seuselementos (em ZF e NBG isso fica caracterizado pelo Axioma da Extensionalidade).No h, nas teorias conjuntistas usuais, conceitos como os de tamanho, escamas outentculos.

    Portanto, se o professor de ensinos fundamental e mdio deseja lecionar geometria,deve parar de uma vez por todas de seguir a literatura medocre que assola este pas.Se no consegue ler alemo (para ter acesso obra de Hilbert), que pelo menosconhea bem o livro de Castrucci. Isso significa que deve conhecer detalhadamentepelo menos a teoria intuitiva de conjuntos. Feito isso, o prximo passo a transposiode conhecimentos. A sofisticada linguagem usada hoje em dia para fundamentar ageometria deve ser adaptada para os limites intelectuais dos alunos.

    Lecionar matemtica para os ensinos fundamental e mdio uma tarefa extremamentecomplexa. Demanda conhecimentos profundos de matemtica e treinamentosigualmente profundos em didtica.

    Se professores tanto anseiam pela valorizao de suas carreiras, que faam justiasobre suas reivindicaes. Comecem a estudar.

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    Respostas

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    11 comentrios:

    Susan Blum 26 de setembro de 2012 20:26

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    Adonai 26 de setembro de 2012 20:48Oi, Susan

    Exclu o comentrio porque me pareceu que ele estava incompleto. Inclusive, voc mesmaparece ter reconhecido isso. Espero que perdoe minha deciso.

    FILOGMAICA 27 de setembro de 2012 00:17

  • Respostas

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    Caro Adonai,j existe uma traduo dos "Fundamentos da Geometria" de Hilbert para o portugus da EditoraGradiva, traduo do Prof. A. F. de Oliveira. Minha questo a seguinte: as aulas de desenhogeomtrica, l do ensino fundamental, no facilitam para as crianas a "intuio" das noes maisabstratas da geometria euclidiana? Outra coisa, o que a de errado com estas intuies? E, mesmo asdiversas geometrias no carregam consigo algo de intuitivo?Um abrao,G.Maic.Responder

    Adonai 27 de setembro de 2012 02:15Oi, Gilson

    O Oliveira um lgico muito bom. Imagino que a traduo dele tenha ficado boa.

    O emprego de recursos visuais para lecionar geometria no necessariamente ruim. O ruim depender de instrumentos de preciso, como rguas e compassos. Se for esboar umtringulo no quadro negro, por exemplo, por que no faz-lo todo torto? Desse modo umaviso intuitiva pode ser desenvolvida sem que se crie e cultive o preconceito de que tringulostm lados retilneos (no sentido intuitivo da expresso).

    Com relao contraparte intuitiva da geometria, concordo que ela existe. Mas nessas horasrecordo de Mario Schoenberg, o qual dizia que no apenas a intuio geomtrica deve serdesenvolvida, porm a algbrica tambm. Anal, como se justicam os diversos gemetrascegos que existem no mundo?

    Existem muitas formas de intuio para uma mesma teoria matemtica. Mas quando oassunto geometria, professores, autores e alunos se escravizam a apenas uma,assumindo-a como uma espcie de verdade inquestionvel.

    FILOGMAICA 27 de setembro de 2012 14:30Poderamos dizer que estas mltiplas intuies geram diferentes ontologias para amatemtica? Por exemplo, a intuio que usualmente temos de conjunto, p.ex., aquela dadaem sua verso zermeliana, implicaria uma ontologia para a matemtica? Assim, possoafirmar que a matemtica comporta distintas ontologias?

    Adonai 28 de setembro de 2012 01:05Gilson

    A nica teoria ontolgica que estudei em toda a minha vida foi a mecnica bohmiana. Nuncame dediquei ontologia em matemtica. Por isso, lamento, mas no poderei responder suaquesto. Uma pessoa que certamente poderia responder o Professor Newton da Costa.

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    Adriana Tozzi 28 de fevereiro de 2013 15:44Oi Adonai,Excelente texto, como sempre.Adoro ler o seu blog, e confesso que no li ainda nem a metade do que voc j postou aqui. Mas euchego l.Sobre "Os Elementos", de Euclides. Voc j leu a traduo do Irineu Bicudo? De 2009? Caso notenha, recomendo muito, j que imagino que, como eu, voc adore este tipo de "literatura". As primeiras100 pginas (em torno disso) so apenas o estudo do autor sobre a matemtica grega e sua evoluo.Fiquei "emocionada" (por falta de uma palavra melhor) com a riqueza das informaes. E por ser um"amante" do grego clssico, Irineu ainda acrescenta, durante suas explicaes, citaes da prpriamitologia gregra, alm de outras (so tantas que no saberia explicar melhor). Simplesmente fantstico,do meu ponto de vista.Deixo um trecho para voc entender do que se trata:

    "... Episdio relatado por Stobaeus nos seus Eclogarum Physicarum et ethicaram Libri II. Ei-lo:(...)algum que comeara a estudar geometris com Euclides, tendo aprendido o primeiro teorema,perguntou a Euclides: "Mas o que me ser acrescido por aprender estas coisas?" E Euclides, tendochamado um escravo: "D-lhe trs bolos, porque para ele preciso lucrar com o que aprende"."

    BICUDO, Irineu. Os elementos de Euclides. Introduo. pg 43.Responder

    Adonai 1 de maro de 2013 00:28Adriana

    Vejo que seu comentrio original foi publicado, apesar de seu receio. Minha recomendaopara futuros comentrios a seguinte. Aps a redao, marque o texto e o copie. Assimevitar o transtorno de reescrever tudo de novo, bastando apenas colar o material copiadoem seu devido campo. Infelizmente o blogspot tem muitas limitaes.

    Adriana Tozzi 1 de maro de 2013 16:49Certeza. Sempre aprendendo. Mas eu queria tanto de falar desta verso que, mesmo compreguia de recomear, escrevi tudo de novo ... Mereo 3 bulos. rs

    Adriana Tozzi 28 de fevereiro de 2013 15:59Ol Adonai,

    uma pena que eu tenha redigido um texto aqui e tenha perdido tudo.Mas tentarei reproduzir o anterior:

    Gosto muito do seu blog. Confesso que no li nem a metade das suas postagens, mas gostei de todasque li at agora.Sobre "Os Elementos", de Euclides:

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    Voc j teve oportunidade de ler a verso brasileira do Irineu Biscudo, de 2009?Caso ainda no tenha lido, recomendo.

    Apesar de no nos conhecermos, pelos seus textos, acredito que voc goste de "literatura" matemticatanto quanto eu. E nesta verso, do Irineu, ele faz um introduo fantstica, histrica e extremamenterica sobre a evoluo da matemtica grega. So (por volta) 100 pginas de muita "alegria" (na falta deuma palavra melhor. Achei que "emoo" seria demais. rs.). E por ser um "amante" do grego clssico,fez a traduo a partir dos manuscritos gregos, atendo-se a detalhes da linguagem praticada na poca,e acrescentando no seu captulo de Introduo citaes da mitologia grega, dentre outras (no tenhocomo explicar melhor em to poucas palavras).Deixo aqui um trecho, pra voc entender melhor o que estou escrevendo:

    "...episdio relatado por Stobaeus nos seus Eclogarum physicarum et ethicaram Libri II. Ei-lo:(...) algum que comeara a estudar geometria com Euclides, tendo aprendido o primeiro teorema,perguntou a Euclides: "Mas o que me ser acrescido por aprender estas coisas?" E Euclides, tendochamado o escravo: "D-lhe trs bulos, porque para ele preciso lucrar com o que aprende".

    BICUDO, Irineu. Os Elementos de Euclides. Introduo. Pg 43.Responder

    Adonai 1 de maro de 2013 00:23Adriana

    A nica verso em nosso idioma que li e estudei dos Elementos foi uma publicaoportuguesa do sculo 19. Eu tambm tive acesso a uma traduo para o latim publicada nosculo 16. Fiquei impressionado com a qualidade grca daquele livro. Pginasextremamente nas, mas ainda assim a impresso de cada lado de cada pgina noembaralhava a leitura do outro lado.

    Agradeo pela excelente recomendao. O episdio narrado ao nal de seu comentrio bem conhecido e muito inspirado.

  • Pgina inicialVisualizar verso para a web

    Respostas a comentrios dirigidos ao Administradorpodem demorar at trs dias.

    AdonaiProfessor Associado do Departamento de Matemtica da UFPR. Autor de dois livros sobre lgicapublicados no Brasil, e de dezenas de artigos publicados em peridicos especializados dematemtica, fsica e filosofia, no Brasil e no exterior. Atualmente est trabalhando em dois projetos

    cinematogrficos, sendo que um deles visa uma crtica indita s universidades federais brasileiras. Para maisdetalhes ver a pgina "Sobre o autor do blog".Visualizar meu perfil completo

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