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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO QUADRO DE PRONOMES PESSOAIS NA ESCOLA: DIAGNOSE E PROPOSTA PEDAGÓGICA Monique Débora Alves de Oliveira Lima 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

QUADRO DE PRONOMES PESSOAIS NA ESCOLA: DIAGNOSE E

PROPOSTA PEDAGÓGICA

Monique Débora Alves de Oliveira Lima

2017

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QUADRO DE PRONOMES PESSOAIS NA ESCOLA:

DIAGNOSE E PROPOSTA PEDAGÓGICA

Monique Débora Alves de Oliveira Lima

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Rio de Janeiro

Agosto de 2017

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Quadro de pronomes pessoais na escola: diagnose e proposta pedagógica

Monique Débora Alves de Oliveira Lima

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas. Examinada por: ______________________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ, Orientadora ______________________________________________________________________ Professora Doutora Filomena de Oliveira Azevedo Varejão – UFRJ/PROFLETRAS ______________________________________________________________________ Professor Doutor Afrânio Gonçalves Barbosa – UFRJ ______________________________________________________________________ Professora Doutora Danielle Kely Gomes – UFRJ, Suplente ______________________________________________________________________ Professora Doutora Mônica Tavares Orsini – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro Agosto de 2017

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida, saúde e força!

O que é família, se não o maior bem que temos sobre a face dessa terra? Por um

lado, há a família de sangue, que já é MEGA especial pelo simples fato de ter nos

colocado nesse mundo... Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Anísio e Creuza,

pelo incentivo de sempre aos estudos. Mesmo no pouco, despertaram em mim o fascínio

pela leitura – que foi o primeiro passo no caminho das Letras! Meus muitos e amados

irmãos: Alan, Moisés, Tayenne, Abraão e Daniel, pelo apoio e amizade incondicionais.

Amo vocês!

E quanto à nossa família escolhida? Eles representam a melhor das minhas

decisões! Ao meu amigo, e marido, Ricardo, por todas as nossas horas de conversa sem

fim... Todo incentivo que você me deu, nessas muitas horas, certamente ajudou a

construir o que sou hoje como pessoa! Muito obrigada, te amo! Agora, se já é uma coisa

louca escrever uma dissertação, imagina com um bebê! Obrigada, Joseh, meu filho

lindo, por ter tornado esse desafio mais instigante... Seus sorrisos (e gritinhos!)

realmente me estimularam a encontrar o meu melhor! Mamãe te ama muito – apesar de

você falar “papai” e não “mamãe” hahaha.

Dentro da família escolhida, há ainda aquelas pessoas que fazem parte da nossa

vida e zelam para que ela seja boa e agradável! Agradeço às minhas siamesas – e

amigas – Mônica e Thay, por estarem na minha vida há 9 anos!! Nossa, sou tão grata

por nossa amizade ter sobrevivido em meio a tantas outras que surgiram e morreram na

graduação. Muito obrigada pelo apoio incondicional de todos esses anos! Amo muito

vocês!

E a família acadêmica também é escolhida? Um orientando escolhe seu

orientador ou vice-versa? Acho que, com a gente, foi o destino que uniu, não é, Silvia?

Tudo começou com uma parceria em uma escola e o resultado está aí! Nossa, como

tenho para te agradecer, pela paciência e incentivo! Por, principalmente, ter me ajudado

a superar todas as vezes que achei que não conseguiria dar conta ou terminar esta

dissertação! Acredito que sua ajuda não foi só acadêmica, mas, principalmente,

emocional... De fato, você é uma mãe acadêmica INCRÍVEL. Te amo muito!

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Agradeço, ainda, aos professores Afrânio Gonçalves Barbosa, Carlos Alexandre

Gonçalves, Carolina Ribeiro Serra, Célia Regina dos Santos Lopes, Dinah Callou, João

Antônio de Moraes e Maria Eugênia Lammoglia Duarte, que, no âmbito da Pós-

graduação em Letras Vernáculas (UFRJ), brilhantemente, muito acrescentaram à minha

jornada acadêmica. Além disso, agradeço ainda à professora Marina Rosa Augusto

(UERJ), por ter me recebido novamente para um de seus cursos.

Finalmente, também agradeço aos professores Filomena de Oliveira Azevedo

Varejão, Afrânio Gonçalves Barbosa, Danielle Kely Gomes, Mônica Tavares Orsini,

que, muito gentilmente, aceitaram o convite para fazer parte da Banca de Avaliação

desta dissertação! Muito obrigada!

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RESUMO

QUADRO DE PRONOMES PESSOAIS NA ESCOLA:

DIAGNOSE E PROPOSTA PEDAGÓGICA

Monique Débora Alves de Oliveira Lima

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Silvia Rodrigues Vieira

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação

em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro

– UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras

Vernáculas.

O presente trabalho objetiva (i) descrever e analisar as variantes pronominais

utilizadas na escrita escolar para a expressão (a) do nominativo de 1ª pessoa plural e 2ª

pessoa singular, (b) do acusativo e do dativo de 1ª, 2ª e 3ª pessoa e também (c) da

função reflexiva, praticadas por alunos de turmas de sexto e nono anos do ensino

fundamental de um colégio municipal da cidade do Rio de Janeiro (RJ); e (ii) elaborar

uma proposta pedagógica visando a promover maior consciência linguística dos alunos

acerca do fenômeno, a fim de ampliar seu repertório, para que sejam capazes de realizar

usos populares ou cultos, mais ou menos monitorados, em acordo com a situação de

interação em que estejam inseridos. A proposta pedagógica é idealizada a partir dos três

eixos para o ensino de gramática (VIEIRA, 2014/2017), a saber, (i) o ensino de

gramática como atividade reflexiva, (ii) o ensino de gramática vinculado à produção de

sentidos e (iii) o ensino de gramática relacionado ao plano de variação e normas. Com

o intuito de diagnosticar esses usos pronominais, foi realizada uma pesquisa de base

sociolinguística, através dos dados obtidos por meio de redações de alunos do sexto e do

nono anos, a fim de descrever quais contextos linguísticos e extralinguísticos poderiam

condicionar o uso de uma ou outra variante. A proposta pedagógica objetiva, com base

nas reflexões travadas ao longo do trabalho, oferecer alternativas para o ensino do

quadro pronominal que não estejam ligadas à mera apresentação de um quadro

estanque, já realizada pelos manuais didáticos. A partir dessa abordagem, pretende-se

fazer com que os alunos sejam capazes de utilizar formas mais ou menos monitoradas,

nas modalidades falada ou escrita, expandindo, assim, sua experiência enquanto leitores

e produtores de texto de diversos gêneros.

Palavras-Chave: Ensino de Língua Portuguesa, Quadro Pronominal, Variação,

Atividades didáticas, Morfossintaxe.

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ABSTRACT

QUADRO DE PRONOMES PESSOAIS NA ESCOLA:

DIAGNOSE E PROPOSTA PEDAGÓGICA

Monique Débora Alves de Oliveira Lima

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação

em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro

– UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras

Vernáculas.

The present work aims to (i) describe and analyze the pronominal variants used in

school writing for the expression (a) of the nominative of 1st person plural and 2nd

person singular, (b) of the accusative and the dative of 1st, 2nd and 3rd person and also

(c) reflective function, practiced by students of classes of sixth and ninth grade of

elementary school of a municipal school of the city of Rio de Janeiro (RJ); And (ii) to

elaborate a pedagogical proposal aiming to promote a greater linguistic awareness of the

students about the phenomenon, in order to expand their repertoire, so that they are able

to perform popular or educated uses, more or less monitored, according to the

interaction situation in which they are inserted. The pedagogical proposal is idealized

from the three axes for grammar teaching (VIEIRA, in press), namely: (i) the teaching

of grammar as a reflexive activity, (ii) the teaching of grammar linked to the production

of meanings and (iii) the teaching of grammar related to the plan of variation and norms.

In order to diagnose these pronominal uses, a sociolinguistic research was carried out,

through data obtained in the writing of sixth and ninth grade students, in order to

describe which linguistic and extralinguistic contexts could condition the use of one or

other variant. The objective of the pedagogical proposal is to offer alternatives for the

teaching of the pronominal framework, which are not linked to the mere presentation of

a watertight framework already carried out in the didactic manuals. Based on this

approach, students are expected to be able to use more or less monitored forms, in

spoken or written modalities, thus expanding their experience as readers and text

producers of different genres.

Keywords: Portuguese Language Teaching, Pronominal Framework, Variation,

Teaching activities, Morphosyntax.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15

1. O quadro pronominal no PB............................................................................. 22

1.1. Quadro pronominal no Latim e nas gramáticas tradicionais ................... 23

1.1.1. Considerações sobre a herança latina de pronomes pessoais ................ 23

1.1.2. O quadro de pronomes pessoais em gramáticas tradicionais ................ 27

1.2. O quadro de pronomes pessoais em pesquisas sociolinguísticas ............... 31

1.2.1. Pronomes na função de sujeito ............................................................... 31

1.2.1.1. A 1ª pessoa do plural ............................................................................... 33

1.2.1.2. A 2ª pessoa do singular ............................................................................. 38

1.2.2. Pronomes na função de complemento .................................................... 41

1.2.2.1.Acusativo e dativo fóricos de 1ª e 2ª pessoa ............................................... 42

1.2.2.2. Acusativo e dativo anafóricos de 3ª pessoa .......................................... 43

1.2.2.3. Reflexivos de 1ª, 2ª e 3ª pessoa ................................................................. 49

1.3. Sistematizando ............................................................................................... 50

2. Diagnose do quadro pronominal na escrita escolar ......................................... 53

2.1. Teoria da Variação e Mudança .................................................................. 54

2.2. Metodologia para a diagnose ...................................................................... 61

2.2.1. Caracterização do perfil da escola municipal e da composição do

corpus ...................................................................................................................61

2.2.2. A descrição das variáveis ..................................................................... 68

2.2.3. O tratamento dos dados ....................................................................... 78

2.3. Análise e interpretação dos dados .............................................................. 80

2.3.1. Pronomes na função de sujeito ............................................................... 80

2.3.2. Pronomes na função de objeto ................................................................ 83

2.3.3. Pronomes acusativos anafóricos de 3ª pessoa ......................................... 90

2.3.4. A diagnose do quadro pronominal: sistematização e debates ............. 100

3. Estudo dirigido para ensino do quadro pronominal ...................................... 105

3.1. Pontos de partida para o ensino de Língua Portuguesa .......................... 106

3.1.1. Contínuos de variação linguística (Bortoni-Ricardo, 2004) ................. 107

3.1.2. Ensino de gramática em três eixos (Vieira, 2014, 2017) ....................... 109

3.2. Experiências pedagógicas anteriores........................................................ 115

3.3. Justificativa e metodologia para a elaboração da proposta .................... 124

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3.4. Proposta pedagógica de ensino do quadro de pronomes pessoais ........... 130

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 169

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 174

ANEXOS .................................................................................................................. 177

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus

de redações escolares de 6° e 9° anos do Ensino Fundamental. .................................... 91

Gráfico 2 – Distribuição (%) das variantes para expressão o objeto direto de 3ª pessoa

entre o 6° e o 9° anos do Ensino Fundamental. ............................................................ 95

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1– Os pronomes pessoais, adaptado das listas de Rocha Lima (1972 [2001]). 28

Quadro 2 – Quadro dos pronomes pessoais segundo Cunha e Cintra (2009 [1999], p.

291). ........................................................................................................................... 29

Quadro 3 – Quadro dos pronomes pessoais segundo Bechara (2015 [1999], p 172). ... 30

Quadro 4 – Quadro de pronomes pessoais, de Duarte (2013), adaptado por Martins,

Vieira e Tavares (2014, p. 17). .................................................................................... 52

Quadro 5 – Composição do corpus: número de redações por ano de escolaridade,

bimestre letivo e turno escolar. .................................................................................... 65

Quadro 6 – Descrição das variantes pronominais elencadas pela literatura para cada

pessoa discursiva e função. ......................................................................................... 69

Quadro 7 – Formas pronominais registradas na escrita escolar dos alunos da E.M.

Thomé de Souza. ...................................................................................................... 100

Quadro 8 – Os gêneros textuais distribuídos pelas funções estudadas no estudo

dirigido. .................................................................................................................... 126

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Função acusativa na língua escrita com base em Freire (2005), apud Vieira e

Freire (2015), p. 95. .................................................................................................... 47

Tabela 2 – Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa no

corpus de redações escolares do 9° ano do Ensino Fundamental (Santana, 2016, p. 140).

................................................................................................................................... 47

Tabela 3 – Resultado das pesquisas sobre o dativo anafórico (%), adaptada de Duarte e

Ramos (2015), p. 182. ................................................................................................. 48

Tabela 4 – Função dativa na língua escrita com base em Freire (2005), apud Vieira e

Freire, 2014, p. 96. ...................................................................................................... 48

Tabela 5 - Total de dados de cada tipo de pronome distribuídos por variáveis

extralinguísticas. ......................................................................................................... 68

Tabela 6 – Distribuição das ocorrências de nominativo de 2ª pessoa plural entre as

turmas. ........................................................................................................................ 82

Tabela 7 – Distribuição das ocorrências de acusativo fórico de 2ª pessoa singular entre

as turmas. .................................................................................................................... 84

Tabela 8 – Distribuição das ocorrências de dativoanafórico de 3ª pessoa nas redações

escolares. .................................................................................................................... 87

Tabela 9 - Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus

de redações escolares de 6° e 9° anos do Ensino Fundamental. .................................... 90

Tabela 10 – Atuação da variável “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico”

quanto ao emprego do clítico. ..................................................................................... 93

Tabela 11 – Distribuição das ocorrências da variante sintagma nominal com

antecedente [+ distante]............................................................................................... 93

Tabela 12 – Atuação da variável “ano escolar” quanto ao emprego do clítico. ............ 94

Tabela 13 – Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do

pronome clítico. .......................................................................................................... 96

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xiv Tabela 14 – Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do

pronome lexical. ......................................................................................................... 97

Tabela 15 – Atuação da variável estrutura sintática da frase quanto ao emprego do

pronome lexical. ......................................................................................................... 98

Tabela 16 – Atuação da variável “turno escolar” quanto ao emprego do pronome

lexical. ........................................................................................................................ 99

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação foi motivada pelo interesse particular da pesquisadora

pela realidade do ensino de Língua Portuguesa em escolas públicas do município do Rio

de Janeiro. Derivados desse interesse, a temática e os objetivos da investigação se

delinearam em duas frentes de trabalho: (i) a descrição dos usos linguísticos por

brasileiros em fase de aprendizagem escolar; e (ii) as iniciativas para o trabalho

pedagógico com a variação linguística implicada nesses usos.

Cumprindo os objetivos relativos aos usos linguísticos praticados por alunos da

rede pública municipal, o trabalho constitui uma investigação de cunho variacionista, a

respeito do quadro pronominal. Para uma abordagem geral desse quadro, observa-se a

realização pronominal em contextos flagrantemente variáveis no Português do Brasil em

uma amostra de escrita escolar: o nominativo de 1ª pessoa do plural e de 2ª pessoa do

singular, o acusativo e dativo de 1ª pessoa do plural, 2ª pessoa do singular e 3ª pessoa

do singular e do plural. Uma vez que a presente pesquisa possui uma relação estreita

com o caminho acadêmico percorrido por esta pesquisadora/professora, faz-se

necessária uma apresentação prévia desta trajetória – que é, por sua própria natureza,

subjetiva e merece essa espécie de “memorial” interveniente à dissertação –, o que

justificará o caminho escolhido neste trabalho.

Como moradora do bairro em que está localizada a Escola Municipal Thomé de

Souza1 desde a infância, frequentei esta Unidade Escolar (UE) primeiramente como

aluna, nos quatro anos correspondentes à segunda etapa do ensino fundamental. A

paixão pelas dependências da escola – principalmente pela Sala de Leitura –, pelos

saberes interdisciplinares que ali circulavam, e por alguns professores maravilhosos que

estiveram presentes nessa etapa, alimentou meu imaginário adolescente e despertou o

desejo de voltar à escola, como integrante de seu quadro de funcionários. No entanto, eu

não passava de uma menina de treze anos, fascinada com o conhecimento: muito tempo

ainda se passaria. Do término do ensino fundamental ao ingresso no curso de Letras da

UERJ, ainda voltei diversas vezes à escola, me voluntariando para diversos serviços,

1 A Escola Municipal Thomé de Souza se localiza próximo à estação de trem de Senador Camará, bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. De 2013 a 2016, foram desenvolvidas diversas atividades atreladas ao projeto de pesquisa “Gramática, variação e ensino: diagnose e propostas pedagógicas”, em parceria com a Prof.ª Dr.ª Silvia Rodrigues Vieira.

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16 como a catalogação das aquisições novas da biblioteca. A essa altura, a equipe que

direcionava os trabalhos na escola (desde a minha época como aluna) já conhecia meu

desejo de retornar oficialmente, e sempre afirmava que meu lugar estaria guardado.

Ainda durante o curso de Letras, através de uma bolsa de Iniciação à Docência

(ID), pude retornar à escola para trabalhar com alguns alunos um material didático sobre

concordância nominal, desenvolvido como tarefa do projeto. A perspectiva já havia

mudado significativamente: a menininha sonhadora cedeu espaço para a universitária

interessada nas contribuições da Sociolinguística para o ensino. Ao enfrentar muitas das

dificuldades vivenciadas pelos professores de Língua Portuguesa ao abordar temas

gramaticais em sala de aula, pude perceber a relevância de projetos voltados para prática

do ensino da disciplina nas escolas. Os alunos do 6° ano não conseguiam reconhecer

algumas categorias gramaticais básicas, como substantivos e artigos, e isso me fez

perceber a importância do conhecimento metalinguístico na abordagem de um tema

gramatical. Além disso, o preconceito linguístico era considerado por eles como uma

arma para estabelecer superioridade em relação aos outros no ambiente escolar, apesar

de que os alunos não percebiam que estavam estigmatizando sua própria variedade

linguística. Diversas reflexões surgiram a partir dessa experiência com a bolsa de ID, e

ainda apresentaríamos um material sobre quadro pronominal, desenvolvido no projeto;

no entanto, isso não foi possível, pois o prazo estabelecido pela Secretaria Municipal de

Educação (SME/RJ) chegou ao fim, e os trabalhos foram interrompidos.

Com esforço, a vida geralmente se encaminha para a direção que almejamos, e

isso se tornou concreto com minha aprovação no concurso para professor efetivo de

Língua Portuguesa, na Prefeitura do Rio de Janeiro, ainda no final da graduação. A

obtenção do diploma coincidiu com a posse no cargo e o início oficial da minha carreira

como professora, justamente na E.M Thomé de Souza. Novamente, havia aquela chama

acesa, fruto de uma história de paixão com essa Unidade Escolar. A realidade,

entretanto, me confrontou e desesperou de modo assustador. Além dos problemas de

infraestrutura e do número excedente de alunos, nas salas de aula em que agora eu

protagonizava o papel de professora, descobri que não tinha sido preparada o suficiente

para a tarefa, e diversos questionamentos surgiram, principalmente em relação a como

realizar o ensino de língua. Como trabalhar o tema variação linguística com meus

alunos, se eles não costumavam ouvir na escola que a língua varia? Como incentivá-los

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17 a combater o preconceito linguístico, se, frequentemente, o praticavam entre si? Como

ensinar gramática, se os cadernos pedagógicos disponibilizados pela prefeitura

valorizam mais a leitura do que a análise linguística? E mesmo em relação às propostas

de uma pedagogia da variação linguística, como efetivamente transformar o que tem

sido discutido e descrito no âmbito acadêmico em atividades para minhas turmas? Eram

questões que, à época, surgiram e, apesar de terem se apresentado desafiadoras,

aproveitei-as para me construir enquanto professora/pesquisadora em meu ambiente

escolar.

Esses questionamentos revelaram a necessidade de descrever a realidade

linguística dos alunos com os quais lidávamos na referida escola, e serviram ainda como

incentivo para o desenvolvimento de atividades linguísticas, que tivessem por objetivo o

ensino de língua portuguesa na sala de aula, a partir dos pressupostos da

Sociolinguística. Além disso, motivaram meu ingresso no Programa de Pós-Graduação

em Letras Vernáculas (UFRJ), na Linha de pesquisa “Língua e ensino”, em uma

constante busca pelo aprimoramento que me permitisse tanto a descrição da realidade

linguística da escola em questão quanto a elaboração de propostas de ensino pautadas

nos resultados providos pela academia.

Dessa maneira, a presente pesquisa lança mão de pressupostos do arcabouço da

Sociolinguística Variacionista (WEINREICH, LABOV e HERZOG, [1968] 2006;

LABOV, [1972] 2008), que estabelece como prioritária a relação entre língua e

sociedade, através do estudo da estrutura e da mudança linguísticas dentro do contexto

social da comunidade de fala, como também das contribuições da chamada

Sociolinguística Educacional, proposta por Bortoni-Ricardo (2004), que une os

pressupostos da Teoria da variação e mudança aos objetivos estabelecidos para o ensino

de língua materna.

Nesse intuito, o trabalho aqui desenvolvido busca (a) descrever os dados de uma

amostra específica da realização pronominal dos alunos da escola municipal em

questão, considerando as funções de nominativo de 1ª pessoa do plural e de 2ª pessoa do

singular, e de acusativo e dativo e reflexivo de 1ª pessoa do plural, 2ª pessoa do singular

e 3ª pessoa do singular e do plural; e (b) apresentar uma proposta pedagógica – em

formato de estudo dirigido – para o ensino do quadro pronominal, a partir da descrição

realizada. O recorte de variáveis linguísticas para análise – nas três pessoas– justifica-se

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18 pela intenção de descrição mais ampla do quadro pronominal em uso efetivo pelos

informantes em questão; a escolha das formas alternantes a serem observadas

considerou as mais produtivas nos textos dos alunos e, também, mais corrigidas no

contexto escolar. O gênero escolhido, redações escolares, embora contenha todas as

variantes linguísticas elencadas para esta pesquisa, costuma apresentar, dado o

encaminhamento das propostas em questão – mais dados relacionados à 3ª pessoa –

singular e plural –, o que restringirá nossa análise multivariada, como se verá adiante, a

essa pessoa.

Em contexto escolar, ainda há muita distância entre o que é proposto científica e

oficialmente para o ensino e o que efetivamente é ensinado. No caso específico das

escolas da cidade do Rio de Janeiro, as orientações oficiais, denominadas descritores

bimestrais2, não estabelecem diretrizes específicas quanto ao ensino de gramática. Fica

implícito que o professor deve saber quais temas gramaticais constituem alvo de ensino

para cada ano escolar. Atrelado a isso, ainda há a pressão para fazer com que os alunos

alcancem bom desempenho nas avaliações internas e externas de leitura, que ocorrem

periodicamente, pois esses resultados alimentam os índices sobre educação, como, por

exemplo, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Pressionado pela

necessidade de gerar notas altas, e sem orientações oficiais, o ensino de gramática tem

perdido espaço no contexto escolar municipal. Com frequência, os professores recorrem

aos conteúdos gramaticais dispostos nos livros didáticos oferecidos pelo Ministério da

Educação (MEC), que, de maneira geral, ainda não privilegiam o ensino de gramática,

nem consideram apropriadamente a variação linguística; ou ainda, fazem uso de

anotações pessoais ou livros desatualizados para passar listas de exercícios gramaticais,

como os de conjugação verbal, por exemplo.

Especificamente no que concerne ao ensino de temas gramaticais, a falta de

diretrizes acerca do que deve ser ensinado sobre conteúdos linguísticos e as dificuldades

em relação a como deve ser ensinado contribuem para duas situações comuns: (a) o

professor utiliza-se de materiais didáticos que não favorecem o trabalho com as

2 O trabalho nas escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro é realizado a partir dos descritores bimestrais, que são os conteúdos nodais do bimestre. Os descritores bimestrais são disponibilizados para os professores, na aba de recursos pedagógicos, do blog da SME. Seu conteúdo é baseado nos descritores das matrizes curriculares da Prova Brasil, e avaliados nas provas bimestrais de Língua Portuguesa. Nos anexos desta dissertação, há a reprodução dos descritores de Língua Portuguesa de um bimestre letivo de 2016.

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19 diferentes variantes linguísticas de alguns fenômenos linguísticos; ou (b) o professor

abandona o ensino de gramática, uma vez que não há cobrança de tal conteúdo nas

avaliações da rede. Ambas as situações são prejudiciais para o ensino, pois não

favorecem a reflexão linguística, a partir do tratamento de temas gramaticais. No

contexto da rede de ensino carioca, que recebe alunos de muitas comunidades com

pouco acesso à escolarização, faz-se necessário que esses alunos sejam expostos às

diversas variantes linguísticas, dos mais variados fenômenos, para que sejam capazes de

utilizá-las de acordo com as exigências das situações sócio-comunicativas. Dessa

maneira, justifica-se que a abordagem de conteúdos gramaticais nas aulas de Língua

Portuguesa seja feita, no que se refere à promoção das práticas de letramento, pelo viés

da Sociolinguística Educacional.

Nesse propósito, esta pesquisa, ao descrever uma amostra da realização de

algumas variáveis do quadro pronominal em uso por alunos de uma escola municipal da

cidade do Rio de Janeiro, pretende também refletir sobre a relevância da abordagem das

variantes linguísticas para o trabalho com temas gramaticais, em se tratando do ensino

de Língua Portuguesa enquanto língua materna. Atrelada a essa reflexão, surge a

necessidade de elaboração de uma proposta experimental de atividades de ensino a

respeito do tema em discussão.

De acordo com Duarte (2013), a expressão do nominativo de 1ª pessoa do plural,

pode ser realizada com duas variantes distintas: nós e a gente. O nominativo de 2ª

pessoa do singular também pode ser expresso por duas diferentes variantes linguísticas:

tu e você. Já em relação ao fenômeno de retomada anafórica de acusativo/dativo, há o

uso das variantes pronominais, considerando os pronomes clíticos e os lexicais,

distribuídas da seguinte maneira: (a) nos, nós, a gente/nos, (a/para) nós, (a/para) a gente

para a 1ª pessoa do plural; (b) te, lhe, o, a, se, tu, você/te, lhe, (a/para) você para a 2ª

pessoa do singular; e (c) o, os, a, as, se, ele, eles, ela, elas/lhe, lhes, (a/para) ele, eles,

ela, elas para 3ª pessoa do singular e do plural.

Ainda em relação à retomada anafórica nas funções de acusativo e dativo de 3ª

pessoa, além das variantes pronominais, objetiva-se, nesta pesquisa, descrever as demais

variantes referidas pela literatura, considerando o Português Brasileiro (doravante PB).

No que tange ao acusativo anafórico, as variantes linguísticas descritas pela literatura

são as seguintes:

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a) o pronome clítico: “Havia uma menina que possuía um espelho mágico. Só que um

dia ela o quebrou sem querer...”;3

b) o pronome nominativo/lexical: “Havia uma menina que possuía um espelho

mágico. Só que um dia ela quebrou ele sem querer...”;

c) o sintagma nominal: “Havia uma menina que possuía um espelho mágico. Só que

um dia ela quebrou o espelho mágico sem querer...”; e

d) o objeto nulo: Havia uma menina que possuía um espelho mágico. Só que um dia

ela quebrou [Ø] sem querer...”.

Já o dativo anafórico apresenta as seguintes variantes:

a) o pronome clítico: “Naquele momento, minha prima me pediu para lhe entregar a

chave azul...”;

b) o sintagma preposicionado (SP) anafórico: “Naquele momento, minha prima me

pediu para entregar a chave azul para ela...”; e

c) o dativo nulo: “Naquele momento, minha prima me pediu para entregar [Ø] a

chave azul...”.

Para o tratamento variacionista do fenômeno a ser estudado, conta-se com um

corpus constituído exclusivamente para esta investigação, a partir da seleção de

redações escolares do tipo narrativo de organização do discurso, produzidas por alunos

da E.M. Thomé de Souza, dos 6° e 9° anos do ensino fundamental, em dois bimestres

letivos.

Uma vez que o tema estudado tem sido alvo de ampla discussão, como mostram

trabalhos anteriores referidos nesta dissertação, pretende-se contribuir para a área ao

privilegiar uma proposta de ensino, desenvolvida a partir da descrição realizada dos

dados da amostra selecionada. Esta pesquisa busca, dessa maneira, oferecer aos

docentes informações que fundamentem as diretrizes teórico-metodológicas quanto ao

referido tema no ensino de Língua Portuguesa enquanto língua materna. O interesse

pelo contexto escolar dialoga com trabalhos anteriores, que também consideram

3 Os exemplos que constam nesta introdução são de caráter informativo e foram inventados pela autora.

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21 importante atrelar a pesquisa acadêmica ao ensino, em países como o Brasil, em que a

norma adotada pela escola encontra-se distante da norma praticada em situações

cotidianas.

Para atender ao propósito desta dissertação, sua organização está disposta de

modo a contemplar as duas etapas desta pesquisa, a saber: (1) a análise variacionista da

realização pronominal pelos alunos de uma escola municipal do Rio de Janeiro; e (2) a

elaboração de atividades para ensino sobre o tema analisado. Primeiramente, o trabalho

apresenta informações relativas ao conhecimento do quadro pronominal, que servirá de

base geral às duas referidas etapas. Trata-se do Capítulo 1 – O quadro pronominal no

PB, no qual são apresentadas as abordagens, dispostas na literatura, sobre as variantes

linguísticas de 1ª pessoa do plural, de 2ª pessoa do singular e de 3ª pessoa do singular e

do plural. Em seguida, procede-se à apresentação da primeira etapa investigativa,

referida nesta Introdução: Capítulo 2 - Diagnose do quadro pronominal na escrita

escolar, no qual se apresenta o levantamento das realizações pronominais, verificadas

na Escola Municipal em questão, a partir do corpus selecionado. O Capítulo 3 –

Estudo dirigido para ensino do quadro pronominal trata especificamente da proposta

de atividades de ensino desenvolvida.

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1. O quadro pronominal no PB

Os pronomes pessoais constituem elementos de inegável importância para a

organização morfossintática da Língua Portuguesa. Além de indicar as chamadas

pessoas discursivas4, a partir das quais o discurso é orientado, os pronomes são

associados à flexão verbal e às funções sintáticas de sujeito e complementos verbais. No

decorrer do processo de evolução linguística, desde o latim até o PB – alvo desta

pesquisa – houve muitas mudanças em relação ao(s) quadro(s) dos pronomes pessoais.

Essa denominação plural se dá em virtude dos resultados das pesquisas

sociolinguísticas, que revelam uma heterogeneidade quanto à distribuição de algumas

variantes pronominais nas regiões do país. Nesse sentido, este capítulo busca abordar,

considerando a realidade carioca de escrita escolar – em contexto de classe social

desprestigiada –, o quadro atual em uso.

As pesquisas de cunho variacionista mostram que o PB apresenta variação em

relação à expressão pronominal de algumas variáveis, em todas as funções: nominativa,

acusativa, dativa e reflexiva. Essa variação pode ser encontrada tanto na fala quanto na

escrita, embora se manifeste de modo diferente em ambas as modalidades. Para tanto,

pretende-se revisar informações fundamentais para o tratamento do quadro pronominal,

tais quais: (i) a origem da composição de um quadro de pronomes pessoais na língua

latina; (ii) a abordagem da gramática tradicional; (iii) e o tratamento de algumas

pesquisas sociolinguísticas, cujos resultados refletem uma visão sobre o quadro

pronominal bastante diferente das propostas contidas nas gramáticas tradicionais.

Uma vez que a presente pesquisa busca realizar uma diagnose do quadro

pronominal em uso em contexto de escrita escolar (Capítulo 2), cabe justificar a escolha

pelo estudo de alguns contextos linguísticos: a escolha foi motivada pela observação das

estruturas que exibissem maior produtividade de variantes, sobretudo aquelas mais

corrigidas nas redações escolares. Em relação à distribuição dos sujeitos pronominais,

foram escolhidas a 1ª pessoa do plural, devido à variação das formas nós e a gente; e a

2ª pessoa do singular, já que as formas tu e você também se encontram em variação.

4 Optou-se aqui pela utilização generalizada de “as pessoas discursivas” para o que é tradicionalmente conhecido como as três pessoas do discurso. Sabe-se que há apenas duas pessoas discursivas (1ª e 2ª) e a não-pessoa (objeto do discurso). Apesar dessa generalização inicial, para fins de organização da teoria e das análises, fez-se a separação entre 1ª, 2ª e 3ª pessoas.

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23 Quanto à distribuição dos complementos pronominais, optou-se por analisar o acusativo

e o dativo de 3ª pessoa, pois há variação entre as variantes pronominais e outras formas

de expressão. O acusativo, porém, é a variável que apresenta mais produtividade.

Finalmente, pretende-se abordar as variantes do reflexivo de 1ª, 2ª e 3ª pessoa. Em

virtude do recorte amplo de variáveis para diagnose, este capítulo apresenta as pesquisas

sociolinguísticas anteriores em caráter panorâmico, baseando-se no recorte realizado em

três capítulos do livro Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro (Martins e

Abraçado (orgs.), 2015). Os capítulos em questão são os seguintes: (1) Variação dos

pronomes “nós” e “a gente” (Vianna e Lopes); (2) Variação dos pronomes “tu” e

“você” (Scherre et al.); e (3) Variação nas funções acusativa, dativa e reflexiva (Duarte

e Ramos).

Para fins de organização deste capítulo, optou-se pela seguinte estrutura: a seção

1.1aborda, brevemente, a formação do quadro de pronomes pessoais no latim clássico e

vulgar (seção 1.1.1) e o tratamento desse quadro nas gramáticas tradicionais (seção

1.1.2). A seção 1.2 apresenta resultados de pesquisas sociolinguísticas quanto à

distribuição das realizações dos sujeitos pronominais (seção 1.2.1), dos complementos

pronominais (seção 1.2.2) e, finalmente, a seção 1.2.3 traz uma sistematização dos

conteúdos abordados nas seções anteriores.

1.1. Quadro pronominal no Latim e nas gramáticas tradicionais

1.1.1. Considerações sobre a herança latina de pronomes pessoais

Os estudos sobre a história/evolução da Língua Portuguesa, além de se referir à

sua origem latina, descrevem a herança linguística repassada – apesar dos diferentes

estágios de mudança linguística – através dos séculos. Um dos mais importantes

componentes estruturais do latim, a saber, seu sistema de casos, deixou marcas para as

línguas românicas. Quanto à Língua Portuguesa, no processo de evolução, esse sistema

desapareceu, havendo apenas alguns resquícios nos pronomes pessoais. Nesse sistema

morfossintático latino, as palavras das classes nominais – substantivos, adjetivos e

pronomes – dentro das orações, recebiam marcas morfológicas indicativas dos casos –

funções sintáticas– que estariam indicando.

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De acordo com Basso e Gonçalves (2014), o proto-indo-europeu (PIE) – anterior

ao latim clássico e ao latim vulgar – possuía oito casos gramaticais, a saber: o

nominativo, que servia para indicar os sujeitos das orações; o acusativo, caso

indicativo do objeto direto; o dativo, caso do objeto indireto; o vocativo, indicativo de

que o interlocutor estaria sendo chamado; o genitivo, caso que indicava posse; o

ablativo, caso usado para denotar, entre outras coisas, afastamento espacial e

procedência; o locativo, caso indicador de local; e o instrumental, caso usado para

especificar o meio ou instrumento utilizado para se fazer algo. No percurso do PIE para

o Latim, o locativo e o instrumental desapareceram, passando a fazer parte do ablativo

latino. No latim clássico, há registro, portanto, de seis casos gramaticais. Já na

passagem para o latim vulgar, apenas dois casos permaneceram: o nominativo e o

acusativo.

Esses casos se realizavam através de terminações morfológicas específicas, que

serviam para marcar as funções sintáticas das palavras dentro da oração. Com o sistema

de casos, a ordem das palavras na frase era relativamente livre; assim, a sintaxe do

Latim não se orientava apenas pela posição das palavras na frase, como no português,

mas também pela marcação dos casos. Não havia, portanto, uma ordem específica onde

deveriam figurar o sujeito, o verbo e os complementos. O exemplo a seguir, retirado de

Basso e Gonçalves (2014) – em que dominus recebe caso nominativo, seruum, caso

acusativo,e videt constitui o verbo – ilustra isso.

(1a) “O senhor vê o escravo” = dominus seruum videt = seruum

dominus videt = seruum videt dominus = videt seruum dominus

Apesar dessa liberdade, a ordem normalmente utilizada na fala dos romanos era

SUJEITO – OBJETO – VERBO (SOV). Isso foi alterado na passagem do latim clássico

para o vulgar, passando a ser SUJEITO – VERBO – OBJETO (SVO), a ordem básica

das línguas românicas.

No latim clássico, havia um sistema pronominal, marcado morfologicamente

com os casos gramaticais, do qual o sistema do Português deriva. Com a evolução para

o latim vulgar e, posteriormente, para as línguas românicas – entre elas a língua

portuguesa – esse sistema mudou muito, perdendo praticamente toda a relação com a

marcação morfológica de casos. Entretanto, em alguns pronomes ainda há resquícios

desse sistema morfológico.

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Em relação ao sistema de pronomes pessoais do Português, segundo Câmara Jr.

(1985),em toda língua, há um conjunto de formas destinadas a situar os elementos do

mundo biossocial, que interessam à expressão linguística, no quadro de um ato de

comunicação – a saber, os pronomes. Nesse aspecto, diferentemente dos nomes e dos

verbos – representados por formas linguísticas que os evocam e simbolizam de acordo

com o conceito que cada um apresenta para a comunidade falante –, os pronomes são

indicados pela posição que ocupam no momento de uma mensagem linguística

(enunciação).

No latim clássico, o sistema de indicação dos pronomes tinha como ponto de

partida o eixo falante-ouvinte, estabelecido num ato de comunicação. Havia, portanto,

formas para indicar o falante, independentemente de quem ele seria. Câmara Jr. (1985)

traz o exemplo de Marcus, Sextus, ou Tullia, ou Cornelia que se indicavam a si mesmos

como ego – ou seja, a pessoa no momento em que fala. De modo analógico, eles eram

referidos por tu – ou seja, a pessoa com quem ego fala, quando outro falante se dirigia a

eles (Publius ou Septimus ou Iulia). Essas duas formas alternavam com outras, em

função da variação morfológica, prevista no sistema de casos. Assim sendo, as formas

ego e tu, marcadas com o caso nominativo, alternavam, respectivamente, com outras

que eram de genitivo (mei, tui), de dativo (mihi, tibi) e de acusativo (mĕ, tĕ). Essas

outras formas alternantes eram mais usadas no latim, uma vez que a indicação do

falante ou do ouvinte como sujeito já era indicada na desinência da forma verbal. As

formas nominativas ego e tu eram empregadas mais comumente como redundância

enfática ou vocativo, numa comunicação isolada ou numa frase com verbo inexpressivo

(exemplo, Egobonus, “Eu sou bom”).

Havia ainda, no latim clássico, a possibilidade de (a) o falante se expressar

também em nome de outras pessoas – a ele associadas – ou de (b) o falante se dirigir a

mais de um ouvinte. No sistema morfológico latino, havia, para o primeiro caso, a

forma nŏs e a forma uŏs, para o segundo. Diferentemente do singular, as formas casuais

do plural eram distribuídas em genitivo (nostrum, uestrum), um dativo-ablativo (nobis,

uobis), e um acusativo que coincidia com a forma nominativa.

Essas formas correspondiam ao sistema de pronomes pessoais dispostos no latim

inicialmente. Cabe ressaltar que esse sistema somente fazia referência a duas pessoas,

pois era centrado no eixo falante-ouvinte. Correspondente aos pronomes pessoais, havia

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26 ainda um sistema de pronomes demonstrativos, que serviam para indicar os elementos

exteriores ao falante e ao ouvinte, a partir de sua posição em referência a um ou ao

outro: hĭc indicava o que estava próximo ao falante, e ĭste, o que estava próximo do

ouvinte. Havia ainda outros pronomes de natureza demonstrativa: ĭlle, de valor

indicativo preciso, is, de indicação vaga; e ĭpse, de significado semelhante a “o mesmo”

em português.

Ainda segundo Câmara Jr. (1985), o latim clássico, ao situar seus pronomes no

eixo falante-ouvinte, não considerava uma 3ª pessoa– tal qual é concebida no Português.

A flexão verbal era responsável por indicar quando o sujeito não fazia referência nem ao

falante nem ao ouvinte. Nesse caso, a especificação desse sujeito era realizada pelo

nome substantivo, marcado com o caso nominativo (“Marcus currit”/“Marcos

corre”);ou por um pronome demonstrativo, também marcado com caso nominativo

(“Ille (aquele indivíduo que estás vendo ali) currit”). Da mesma maneira, essa

especificação era realizada para os complementos (“Video Marcum”/ “Vejo Marcos”;

“Video ĭllum” – neste caso, Marcum e ĭllum marcados com caso acusativo). Havia,

entretanto, a expressão – por meio de um pronome ou de um possesivo – de uma 3ª

pessoa “reflexiva”, que indicava no complemento a mesma pessoa que o sujeito (se,

sua). Na fase imperial do latim vulgar, com a ampliação do sistema de pronomes

pessoais em vista da emergência de uma 3ª pessoa, os pronomes demonstrativos

passaram a representar essa nova pessoa, cabendo ao ille (ele) esse novo papel.

No português, a distribuição das formas pronominais pessoais corresponde: (i)

ao emprego de uma forma livre; (ii) ao clítico, adjunto a uma forma verbal, com a qual

constitui vocábulo morfológico – realizado com uma forma adverbial; e (iii) ao centro

de uma construção em que o pronome é regido de uma preposição – realizado com uma

forma com preposição regente. A primeira é uma forma tônica e livre; a segunda, um

clítico que pode ficar em ênclise ou próclise ao vocábulo verbal; e a terceira uma forma

tônica, porém também dependente, que só aparece em enunciação autônoma se

associada a uma preposição.

Apesar de a marcação de casos do latim vulgar – nominativo e acusativo para

todas as palavras de classe nominal – ter desaparecido completamente, em algumas

formas não houve mudança funcional. Esse é o caso de eu e tu, que se originaram em

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27 ego e tu, e ainda exercem a função de sujeito5 (nominativo). Já outras formas que

compunham o quadro de pronomes pessoais latinos pertenciam, inicialmente, a outros

casos gramaticais. Os pronomes me, te e se – indicativos de objeto direto e indireto no

Português – são reflexos das formas de acusativo-ablativo mĕ, tĕ e sĕ. As formas nŏs e

vŏs, presentes no latim vulgar como nominativo-acusativo, vêm do dativo-ablativo

clássico nobis e uobis. Quanto às formas de 3ª pessoa, que passaram a figurar o quadro

pronominal somente no latim vulgar, todas derivam do demonstrativo ĭlle, e

conservaram os traços casuais. Os pronomes clíticos os, as, os, asse originaram no

acusativo do demonstrativo ĭlle – ĭllum, ĭlam, ĭllos, ĭllas; essas duas últimas sofreram

um enfraquecimento da vogal inicial e perda da consoante do radical. Já do dativo de

ĭlle – ĭlli– surgiu o clítico dativo do português, lhe.

1.1.2. O quadro de pronomes pessoais em gramáticas

tradicionais

As gramáticas tradicionais elencadas para esta subseção foram as seguintes:

Gramática normativa da língua portuguesa, de Rocha Lima; Nova gramática do

português contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra; e Moderna gramática

brasileira, de Evanildo Bechara.

(I) Gramática normativa da língua portuguesa – Rocha Lima (2001 [1972])

Em sua gramática, Rocha Lima inicialmente apresenta o conceito de pronome,

baseado em Said Ali: “Pronome é a palavra que denota o ente ou a ele se refere,

considerando-o apenas como pessoa do discurso” (p. 61, apud ROCHA LIMA, p. 110).

Segundo Rocha Lima, os pronomes são vazios de conteúdo semântico e têm

significação essencialmente ocasional, determinada pelo conjunto da situação. Dentro

da categorização da classe gramatical, os pronomes pessoais são definidos como as

palavras que representam as três pessoas do discurso, apenas indicando-as, sem nomeá-

las. Ainda segundo o gramático, o verbo, com as formas específicas de sua conjugação,

5No PB, essas formas também podem figurar como acusativo.

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28 indica a qual das três pessoas se refere o predicado e declara também o número

gramatical (singular ou plural).

Rocha Lima apresenta os pronomes pessoais subdivididos em duas categorias:

pronomes sujeitos e pronomes complementos. Os pronomes sujeitos são nomeados

subjetivos ou retos, e servem de sujeito na oração. Já os pronomes complementos são

denominados objetivos ou oblíquos. Esses últimos possuem formas átonas e tônicas: as

primeiras se colocam antes ou depois do verbo, como se fossem uma sílaba a mais desse

verbo; e as segundas aparecem regidas de preposição. Os pronomes pessoais, na

gramática de Rocha Lima, são distribuídos conforme o quadro a seguir6.

PRONOMES SUJEITOS

(Retos)

PRONOMES COMPLEMENTOS

(Oblíquos ou Objetivos) Formas Átonas Formas Tônicas

Pessoa Número Formas Tônicas Acusativas Dativas Dativas

1ª pessoa Singular eu me me mim

Plural nós nos nos nós

2ª pessoa Singular tu, você te, você, o, a, se

te, lhe, se

ti, (a)você

Plural vós, vocês vos, se vos, lhes, se

vós, (a) vocês

3° pessoa Singular ele, ela o, a, se lhe, se (a) ele, (a) ela, si

Plural eles, elas os, as, se lhes, se (a) eles, (a) elas, si

Quadro 1 – Os pronomes pessoais, adaptado das listas de Rocha Lima (1972 [2001]).

Rocha Lima descreve alguns usos de certos pronomes:

As formas átonas o, a, os, as são empregadas em substituição a um substantivo

que complementa o verbo, sem necessidade de preposição. Por exemplo: “Não

escrevi as cartas/ Não as escrevi”.

As formas lhe, lhes representam substantivos regidos das preposições a e para.

Por exemplo: “Dei o livro ao menino/ Dei-lhe o livro”.

As formas se e si são reflexivas, porque só podem ser usadas em relação ao

próprio sujeito do verbo. Por exemplo: “O capitalista matou-se” e “Tratem de si

e não dos outros”.

6 Na gramática de Rocha Lima, essa distribuição dos pronomes encontra-se em duas listas, as quais foram reorganizadas neste quadro.

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Há ainda cinco formas combinadas com a preposição com, representando um só

vocábulo: comigo, contigo, consigo, conosco e convosco. Dessas formas, o

pronome consigo é exclusivamente reflexivo. Por exemplo: “O advogado nada

trouxe consigo”.

Alguns pronomes de 2ª pessoa requerem para o verbo as terminações de 3ª. São

os seguintes: você, vocês, o senhor, a senhora, e os demais pronomes de

reverência (tratamento).

Acerca dos pronomes você e vocês, o gramático ainda acrescenta:

O pronome você realmente pertence à 2ª pessoa, isto é, aquela com quem se fala, posto que o verbo com ele concorde na forma de 3ª pessoa. Tal ocorre em virtude da origem remota do pronome (vossa mercê). A concordância se faz com o substantivo mercê, como nos tratamentos de reverência (Vossa Majestade, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, etc.); é com os substantivos e não com o possessivo (vossa) que se estabelece a concordância. (ROCHA LIMA, 2001 [1972], p. 316)

(II) Nova gramática do português contemporâneo – Cunha e Cintra (2008 [1985])

Para Cunha e Cintra, os pronomes pessoais se caracterizam por (a) denotarem as

três pessoas gramaticais; (b) poderem representar, quando na 3ª pessoa, uma forma

nominal anteriormente expressa; e (c) variarem de forma, de acordo com o que

expressam – a saber, a função que exercem na oração (formas retas ou oblíquas) e a

acentuação que nela recebem (formas átonas ou tônicas). O quadro a seguir distribui os

pronomes pessoais não reflexivos, de acordo com a gramática de Cunha e Cintra.

PRONOMES PESSOAIS

RETOS

PRONOMES PESSOAIS OBLÍQUOS NÃO REFLEXIVOS

ÁTONOS TÔNICOS

Singular 1ª pessoa eu me mim, comigo 2ª pessoa tu te, ti, contigo 3ª pessoa ele/ela lhe, o, a, se ele, ela

Plural 1ª pessoa nós nos nós, conosco 2ª pessoa vós vos vós,convosco 3ª pessoa eles/elas lhes, os, as, se eles, elas

Quadro 2 – Quadro dos pronomes pessoais segundo Cunha e Cintra (2009 [1999], p. 291).

Seguem algumas considerações feitas por Cunha e Cintra sobre os pronomes pessoais:

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Quando o objeto direto ou indireto representa a mesma pessoa ou coisa que o

sujeito, ele é expresso por um pronome reflexivo. Esse tipo de pronome

apresenta três formas específicas à 3ª pessoa– se, si, consigo –, que se aplicam

tanto ao singular quanto ao plural. As demais pessoas são referidas pelos outros

pronomes oblíquos. As formas nos, vos, se, no plural, também podem indicar

reciprocidade, funcionando como um pronome recíproco.

O uso do pronome reto ele em função de objeto direto – fenômeno comum na

fala vulgar e familiar do Brasil – deve ser evitado.

A forma você é um pronome de tratamento, que se vale por pronome pessoal,

assim como o senhor, Vossa Excelência, Vossa Reverendíssima etc. Essas

formas de tratamento levam o verbo para a 3ª pessoa.

(III) Moderna gramática portuguesa – Evanildo Bechara (2009 [1999])

De acordo com Bechara, os pronomes designam as duas pessoas do discurso e a

não pessoa (não eu, não tu), tradicionalmente chamada de 3ª pessoa. As formas eu, tu,

ele, ela, nós, vós, eles, elas funcionam como sujeito, por isso são chamadas de retas. A

cada um desses pronomes retos corresponde um pronome oblíquo, que sempre funciona

como complemento e pode aparecer na forma átona ou tônica – esta sempre precedida

por preposição. Dessa maneira, A Moderna gramática portuguesa, de Bechara,

apresenta o seguinte quadro de pronomes nominais.

PRONOMES PESSOAIS RETOS PRONOMES PESSOAIS OBLÍQUOS átonos (sem prep.) tônicos (com prep.) Singular: 1ª pessoa: eu me mim

2ª pessoa: tu te, ti 3ª pessoa: ele/ela lhe, o, a, se ele, ela, si

Plural: 1ª pessoa: nós nos nós 2ª pessoa: vós vos vós 3ª pessoa: eles/elas lhes, os, as, se eles, elas, si

Quadro 3 – Quadro dos pronomes pessoais segundo Bechara (2015 [1999], p 172).

Algumas ponderações realizadas por Bechara precisam ser destacadas:

Há distinção entre o oblíquo reflexivo e o oblíquo recíproco: o primeiro é o

pronome oblíquo da mesma pessoa do pronome reto, significando a mim mesmo,

a ti mesmo, etc. – como no exemplo, Eu me vesti rapidamente. Já o segundo é

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representado pelos pronomes nos, vos, se significando um ao outro,

reciprocamente – Nós nos cumprimentamos;

A forma você é tratada como forma de tratamento de uso familiar. O gramático,

porém, admite que o pronome vós caiu em desuso, tendo sido substituído pela

forma plural vocês;

O pronome reto ele só pode funcionar como objeto direto quando precedido de

todo ou só, ou dotado de acentuação enfática;

1.2. O quadro de pronomes pessoais em pesquisas sociolinguísticas

1.2.1. Pronomes na função de sujeito

A função nominativa, como já apresentado anteriormente, faz referência aos

termos que exercem a função de sujeito. Diferentes estudos apontam que o quadro de

pronomes pessoais nessa função, tal qual descrito pela abordagem tradicional –

estruturado a partir de três pessoas do discurso (eu/tu/ele) com variação de número

(nós/vós/eles) –, está longe de ter uma coerência interna e dar conta da realidade

concreta do PB. No capítulo referente ao tratamento dos pronomes pessoais do livro

Ensino de gramática: descrição e uso, Lopes (2007) reforça a urgência de revisão do

quadro contido nas gramáticas normativas de referência no país.

De acordo com a autora, a integração de você e a gente– em variação com as

formas mais antigas tu e nós – no quadro de pronomes pessoais do PB criou uma série

de repercussões gramaticais em diferentes níveis da língua, provocando rearranjos no

sistema (p. 103).Alguns desses rearranjos – uns em estado de mudança completa e

outros em mudança em progresso – são descritos a seguir.

(i) Alterações que afetaram em cadeia as subclasses dos oblíquos átonos e dos

possessivos, com novas possibilidades combinatórias (você com te, teu, tua) conforme o

exemplo a seguir.

(1) Vocêi disse que eu tei acharia na faculdade para pegar teui livro.

Segundo Lopes (2006), esse uso, entretanto, é condenado, sobretudo, nos

manuais didáticos que acabam por considerá-lo uma “mistura de tratamento”. O

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32 imperativo também foi atingido por esse rearranjo, com o crescimento do uso referente

ao sujeito tu, mesmo quando o tratamento do ouvinte é realizado com você.

(2) Vem pra Caixa, você também.

(ii) O paradigma flexional também foi afetado pelo rearranjo do sistema, passando, em

várias comunidades de fala, de seis para três formas básicas: eu falo; tu, você/ele/ela/a

gente fala; vocês/eles falam.

A perda da desinência verbal pode ser associada ao fenômeno de preenchimento

do sujeito, atestado no PB e referido por vários estudos (Cf. DUARTE (1995) entre

outros). Dessa maneira, os pronomes recebem o status de únicos indicadores da

categoria de pessoa, daí sua presença cada vez mais obrigatória para indicar o sujeito.

(iii) As formas você e a gente se expandiram para contextos de referência indeterminada

e já são encontradas em usos existenciais.

(3) Você tem uma loja lá na rua que só vive em liquidação.

Com o mesmo sentido de Existe/Há uma loja lá na rua que só vive em liquidação.

(iv) Quanto ao plural da 2ª pessoa, a forma vocês substituiu completamente a forma

vós7.

As próximas subseções abordam de forma panorâmica – com base

principalmente em dois capítulos desenvolvidos no livro Mapeamento sociolinguístico

do português brasileiro – a distribuição do nominativo pronominal. A subseção 1.2.1.1

traz as pesquisas acerca da variação na expressão da1ª pessoa do plural. Na subseção

1.2.1.2, são abordadas pesquisas que analisaram a variação na 2ª pessoa do singular.

Cabe esclarecer que as 1ª pessoa do singular e 2ª pessoa do plural não recebem revisão

neste texto, uma vez que não apresentam variação (1ª pessoa eu/ 2ª pessoa vocês).

7 A forma vós, apesar de não integrar mais o quadro dos pronomes pessoais do PB, é recuperada – por vezes com sua flexão verbal original – em tradições discursivas particulares, como nos contextos de discurso religioso como preces/orações, conforme pode ser visto no trabalho realizado por Valladares (2016).

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33

1.2.1.1. A 1ª pessoa do plural

Tanto as gramáticas normativas quanto os manuais didáticos – disponibilizados

para o ensino das redes públicas e privadas do Brasil – não apresentam uma posição

coerente quanto ao uso da forma a gente. Segundo Lopes (2007), “a classificação é, em

geral, controvertida, pois ora consideram a gente como “fórmula de representação da 1ª

pessoa”, forma de tratamento, pronome indefinido ou, ainda, recurso para indeterminar

o sujeito” (p.105). Pretende-se, nesta subseção, abordar a entrada dessa forma inovadora

no PB, e descrever pesquisas que investigaram a variação entre a gente e nós,

principalmente na capital do Rio de Janeiro.

A forma pronominal inovadora deriva do substantivo gente, que apresentava –

na história do Português – comportamento similar ao que ocorre com povo, grupo,

multidão e vários outros substantivos coletivos: podia ser utilizado não só no singular

(esta gente) como também no plural (estas gentes). De acordo com Lopes (2007), o

traço formal de plural se perdeu com o tempo. Dessa maneira, a forma cristalizada a

gente – de referência conceptual a uma massa indeterminada de pessoas disseminada na

coletividade, com o eu necessariamente incluído–herdou a possibilidade combinatória

com o singular, e não com o plural. A interpretação semântica pluralizada foi mantida,

ao mesmo tempo em que a gente designa “um todo abstrato, indeterminado e genérico,

representando o conjunto base “ser-pessoa”” (p.110).

No processo de pronominalização da forma a gente, algumas características se

mantiveram – como a concordância verbal com a 3ª pessoa – e outras apareceram –

como o gênero formal neutro, que se apresenta com os pronomes pessoais referentes às

1ª e 2ª pessoas em geral. Na combinação com adjetivos no masculino e no feminino, em

estruturas predicativas, uma interpretação semântica de gênero é acionada, embora o

gênero formal desses pronomes continue neutro (Eu estou cansado/a).Ao entrar no

sistema pronominal do PB, a forma a gente perdeu sua especificação de gênero formal

(+ fem), tornando-se neutra – como as demais formas pronominais de 1ª e 2ª

pessoas.Entretanto, quando combinada com adjetivos, a forma pronominalizada a gente

apresenta interpretação semântica de gênero de acordo com o gênero formal de seu co-

referente.

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34

Nas últimas quatro décadas, diversos estudos procuraram demonstrar que a

forma inovadora a gente vem suplantando o pronome nós. Segundo Viana e Lopes

(2015)8, a pesquisa científica nacional apresenta ampla produção bibliográfica, como os

trabalhos de Omena (1986,1996,2003); Álban e Freitas (1991); Freitas (1991); Seara

(2000); Borba (1993); Lopes (1993); Menon (1994); Fernandes (2004); Borges (2004);

Zilles (2005,2007); Mendes (2007); Muniz (2007); Rocha (2009); Ramos et al. (2009);

Mendonça (2010); Viana (2006,2011); Rubio (2012), Matos (2013); entre outros.

De modo geral, as pesquisas indicam que o fenômeno de variação entre nós e a

gente no PB pode ser considerado um processo de mudança linguística, no qual,

gradativamente, a forma inovadora ocupa espaços da forma mais antiga. Dois

importantes fatores atuam de maneira decisiva nesse processo de propagação da forma

“a gente” no PB: (a) o espraiamento crescente do pronome a gente não só entre jovens,

mas também em todas as faixas etárias nos últimos anos; e (b) o fato de não haver

estigma associado ao uso da forma no desempenho oral dos falantes – inclusive os mais

cultos (Lopes, 2003; Zilles 2007). Embora haja muitos resultados individuais de cada

grupo de pesquisa, as generalizações devem ser tomadas em termos relativos, uma vez

que – ao se considerar a dimensão continental do país – há muitas áreas não

investigadas9, sobretudo na região Norte.

Em relação à capital do Rio de Janeiro – cidade em que se realiza a presente

pesquisa–, o primeiro trabalho realizado é o de Omena (1986, publicado em 1996),

intitulado A referência variável da primeira pessoa do discurso plural. Ao analisar a

fala de informantes não cultos com base em uma amostra do banco de dados do Projeto

Censo, foram localizadas 1.979 ocorrências de a gente em posição de sujeito, em um

total de 2.701 dados, registrando uma frequência de 73% na fala carioca. Omena (1986,

1996) partiu desses dados para tentar entender que fatores poderiam estar motivando a

escolha da variante.

Com relação aos condicionadores linguísticos, os resultados indicaram (a) maior

relevância do paralelismo formal e semântico, na alternância das formas: (i) o uso de a

8 Essa revisão foi baseada no mapeamento panorâmico realizado por Viana e Lopes (2015), no capítulo “Variação dos pronomes “nós” e “a gente””, do livro Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro. 9 Segundo o trabalho de Viana e Lopes (2015), a região Sul foi descrita de modo amplo; no Sudeste, foi descrito o comportamento linguístico de todas as capitais; no Nordeste, também houve descrição de apenas três capitais; na região Centro-Oeste, só há descrição de um estado (Goiás); quanto à região Norte, ainda não há trabalhos descritivos com base na Sociolinguística quantitativa laboviana.

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35 gente é preferencial quando antecedido por a gente na sequência discursiva (Peso

Relativo (PR) de 0,81 entre os adultos e 0,78entre as crianças); (ii) o uso de nós também

ocorre quando há realização pronominal anterior igual (PR 0,86 para os adultos, e 0,75

para as crianças). Outro fator levantado por Omena (1986, 1996) é referente à (b)

saliência fônica: (i) formas verbais menos marcadas possibilitam o aparecimento de a

gente; (ii) já as formas verbais mais marcadas favorecem o uso de nós. O tempo

verbal(c) também foi considerando um fator condicionante: (i) quando há emprego de

tempo presente ou tempos não marcados há maior incidência de a gente; (ii) de modo

inverso, com tempo passado ou futuro, há mais favorecimento da forma nós. Outro fator

condicionante relevante foi (d) o traço semântico de indeterminação do referente: (i)

favorecimento do uso da variante inovadora em referência a grupo grande e

indeterminado (PR de 0,72); e (ii) favorecimento do pronome padrão em referência a

grupo grande e determinado (PR de 0,72).

Quanto aos condicionadores extralinguísticos, a faixa etária foi considerada um

fator social relevante. De acordo com os resultados, o uso de a gente é bastante

favorecido pela faixa etária mais jovem, o que poderia indicar um processo de mudança

em curso. Em uma artigo publicado em 2003 (A referência à primeira pessoa do plural:

variação ou mudança?), Omena analisou novamente o fator faixa etária, em uma nova

amostra do Projeto Censo, referente aos anos 2000. Esses novos resultados indicam

relativa estabilidade na comunidade, no intervalo de 20 anos considerado.

Relativamente à frequência geral, a forma a gente aparece como estratégia preferencial

na função de sujeito. Nessa pesquisa de Omena (2003), houve distribuição de uso da

forma a gente segundo o fator faixa etária, apontando uma troca para a forma mais

antiga, na passagem de faixa etária. Isso não seria coerente com um processo de

mudança em progresso. Entretanto, deve-se considerar que o lapso de tempo analisado é

muito curto para evidenciar uma mudança em curso. Ainda segundo os resultados de

Omena (2003), o fator escolaridade indica maior produtividade de a gente no 1° ciclo

do ensino fundamental e no ensino médio.

Outros dois trabalhos investigam a variação das formas pronominais da 1ª

pessoa plural, considerando o Rio de Janeiro: Lopes (1993) e Callou e Lopes (2004). A

pesquisa de Lopes (1993) tomou como base os resultados de Omena (1986), para

analisara variação entre nós e a gente na fala culta, em três capitais distintas – Salvador

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36 (região Nordeste), Porto Alegre (região Sul) e Rio de Janeiro (região Sudeste). O corpus

utilizado – pertencente ao Nurc/Brasil – constitui-se de entrevistas no formato DID

(diálogo informante e documentador), coletadas na década de 1970, nas principais

capitais das regiões Nordeste, Sul e Sudeste. A pesquisa de Lopes (1993) busca

descrever a norma culta brasileira, ao selecionar informantes – homens e mulheres, com

nível superior completo, distribuídos em três faixas etárias (25 a 35 anos, 36 a 55 anos e

acima de 55 anos).

Foram selecionados os mesmos grupos de fatores linguísticos apontados como

relevantes em Omena (1986): (i) paralelismo formal e semântico; (ii) saliência fônica;

(iii)tempo verbal; e (iv) traço semântico de indeterminação. Quanto a esses fatores, a

pesquisa de Lopes (1993) confirma os resultados das pesquisas anteriores. Além desses,

alguns fatores extralinguísticos estratificam a amostra: faixa etária, sexo, cidade. Em

relação às faixas etárias, os resultados indicam favorecimento da forma nós entre os

idosos; equilíbrio das duas formas entre os adultos; e amplo favorecimento da forma

inovadora entre os jovens. Com relação à variável sexo, há sutis diferenças, uma vez

que os homens tendem a favorecer o uso padrão, enquanto as mulheres usam a forma

inovadora. Finalmente, quanto à variável cidade, o comportamento do Rio de Janeiro é

o mais inovador.

Callou e Lopes (2004) buscam traçar uma análise comparativa dos resultados de

Omena (2003) e Lopes (1993), a fim de verificar se a substituição de nós por a gente se

encontraria em variação estável ou em processo de mudança. A análise contrastiva

levou em consideração o comportamento da comunidade a partir do confronto de duas

décadas: 1970 e 1990 para os falantes cultos (Nurc-RJ) e 1980 e 2000 para o estudo

com falantes de nível médio (Censo-Peul10- RJ). Os resultados dos falantes cultos

evidenciam um comportamento instável da comunidade; já entre os falantes não cultos,

houve certa estabilidade no comportamento da comunidade. A comparação indica que a

propagação da forma inovadora a gente se disseminou na comunidade carioca,

configurando uma direção de mudança de baixo para cima. Outro resultado importante

para considerar esse fenômeno em mudança em progresso refere-se aos resultados

relativos ao traço [+/- determinado] do referente. A análise em dois momentos mostrou

um espraiamento da forma a gente para contextos de referência determinada e

10 Programa de Estudos sobre o Uso da Língua.

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37 indeterminada, diferentemente dos estudos anteriores que associavam a preferência de

nós para contextos [+determinado], e a gente para contextos [- determinado].

O trabalho de Callou e Lopes (2004) ainda analisou o comportamento dos

indivíduos nas duas amostras, verificando fluxos e contrafluxos. Embora tenham

encontrado diferenças entre os falantes de maior ou menor nível de escolaridade, a

autoras concluem que a substituição de nós por a gente corresponde a uma mudança

geracional, pois houve estabilidade no comportamento do indivíduo, apesar da

instabilidade da comunidade. Quanto a isso, as autoras apontam:

Certos incrementos e retrações podem ocorrer em função de o falante estar

constantemente submetido a forças sociais conservadoras, a partir da atuação

da escola ou do ingresso no mercado de trabalho. A comunidade, por seu turno,

pode ser considerada instável, particularmente, no que se refere aos falantes

cultos. No caso de nós versus a gente, há uma inversão na relação entre as

formas alternantes: em 70, a forma nós ainda predomina, o que já não ocorre

em 90. Entre os falantes com menor escolaridade verificou-se maior

estabilidade. Em ambos os casos, o uso de formas inovadoras, entre os jovens,

é quase categórico. (CALLOU e LOPES, 2004, p.72, apud VIANA E LOPES,

2015)

Viana e Lopes (2015) mapearam o comportamento linguístico das formas nós e

a gente, considerando pesquisas sobre a modalidade falada do PB, sem abordar,

contudo, pesquisas acerca da modalidade escrita. Entretanto, as autoras fazem referência

ao artigo de Zilles (2007) – O que a fala e a escrita nos dizem sobre a avaliação social

do uso de a gente? –, no qual é abordada, brevemente, a avaliação social da forma a

gente na modalidade escrita.A autora se reporta a Neves (2003), para mostrar que a

discussão demanda atenção particular para as práticas sociais ligadas aos gêneros

textuais escritos.

A forma a gente, com valor de pronome pleno, é mais favorecida em alguns

gêneros textuais mais próximos da oralidade – como as narrativas de literatura infantil,

textos publicitários e correspondências comerciais (NEVES, 2003). Essa forma,

entretanto, é barrada em alguns gêneros com características mais formais. É o que atesta

Schmitz (2006):

[a gente] ainda não tem prestígio social, sendo considerada pouco apropriada

em textos escritos formais, como requerimentos, teses e dissertações, textos

jurídicos, procurações, editais, alvarás, atestados, declarações, escrituras, leis e

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38

boletins de ocorrência. Num exame de textos jornalísticos, podemos observar

que ‘a gente’ como pronome [pessoal] não ocorre em editoriais. (SCHMITZ,

2006, p.44, apud ZILLES, 2007)

Zilles (2007) conclui que os percursos percorridos pelos processos da mudança

na expressão da 1ª pessoa do plural já têm sido bastante estudados, no que tange à

modalidade falada. A descrição desse fenômeno na modalidade escrita, contudo, tem

sido pouco explorada, principalmente sob uma perspectiva sociolinguística.

1.2.1.2. A 2ª pessoa do singular

Conforme visto na seção anterior, a forma pronominal você é referida – pelas

gramáticas tradicionais – como forma de tratamento de 3ª pessoa. Esta definição

estabelece relação direta com seu uso antes de passar por um processo de

gramaticalização. Lopes (2007) esclarece que a forma pronominal você teve origem em

uma forma nominal de tratamento (Vossa Mercê). A autora (LOPES, 2008) mostra que

o processo de gramaticalização de Vossa Mercê > você no PB tem despertado o

interesse de vários pesquisadores distribuídos pelo país. Aparentemente, as formas

anteriores a você (como vossa mercê, vosmecê, vosse etc.) chegaram ao Brasil sem a

força cortês dos primeiros tempos de uso. No PB, a partir do século XIX, começa a

haver concorrência entre as formas tu e você, em contextos de mais ou menos

intimidade, com predominância de tu. Já no início do século XX, o uso majoritário de tu

é suplantado pela forma pronominal você. Estudos mais recentes – como o de Paredes

Silva (2000, 2003) – indicam o retorno do tu à fala carioca, porém sem as marcas

anteriores de concordância.

No que concerne às características formais de você, alguns aspectos foram mantidos

e outros perdidos. Pode-se afirmar que, na forma inovadora você, persiste a

especificação original de 3ª pessoa, apesar da alteração ocorrida em termos semântico-

discursivos. Embora seja correlacionado a formas tradicionalmente consideradas de 2ª

pessoa (te/teu) ou de 3ª pessoa (seu-s), o pronome você definido faz referência apenas à

2ª pessoa. Em relação ao rearranjo do sistema ocasionado pela entrada da forma você no

quadro dos pronomes pessoais, houve novas possibilidades combinatórias ou de

correspondência com essa forma – inclusive em relação aos pronomes oblíquos (os

dativos ou acusativos: de você, te, lhe, o/a). No que se refere ao número, a forma

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39 pronominal você manteve a variação que havia no substantivo mercê. De acordo com

Lopes (2007), tanto em Vossa Mercê quanto em você, a ausência ou presença do

morfema flexional de número determinam a sua interpretação pluralizada ou

singularizada, comportamento semelhante ao dos pronomes de 3ª pessoa.

Ainda segundo Lopes (2007), quanto à presença ou ausência de gênero formal, a

forma pronominalizada você apresenta comportamento semelhante ao da forma a gente,

abordada na subseção anterior. Vossa Mercê era formalmente uma expressão marcada

com o gênero feminino, uma vez que o substantivo mercê era desse gênero. No uso

semântico-discursivo como forma de tratamento, a forma Vossa Mercê diverge do

substantivo, uma vez que as construções predicativas permitem resgatar o gênero do

referente (Vossa Mercê está cansada/cansado). A forma você conservou essa

interpretação de gênero semântico – que entra em concordância com o referente –, mas

perdeu o traço formal de gênero da antiga expressão nominal, e passou a se comportar

como os demais pronomes.

Quanto às pesquisas que se debruçaram a fim de investigar a expressão pronominal

da 2ª pessoa do singular, parte-se novamente do trabalho panorâmico desenvolvido e

publicado no livro Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro11. Scherre et

al. (2015) abordam diferentes trabalhos sincrônicos sobre o uso dos pronomes de 2ª

pessoa do singular no PB. Interessam à presente pesquisa principalmente os usos

descritivos da variedade carioca. Ao mapear as principais pesquisas desenvolvidas sobre

o tema, Scherre et al. (2015)encontram pelo menos seis variantes distintas para a

representação da 2ª pessoa, seja de forma direta (referência definida ou específica) ou de

forma indireta (referência indefinida ou arbitrária): você, cê, ocê, tu, o senhor/a

senhora, e a forma nula.

Diversos fatores influenciam a escolha por uma ou outra variante: aspectos sociais –

como gênero do falante, faixa etária, e escolaridade – e também alguns aspectos

interacionais – como o nível de intimidade com o interlocutor. As formas o senhor/a

senhora são de uso corrente com as pessoas mais velhas ou com pessoas poucos

conhecidas, indicando respeito e distância; esse uso, entretanto, tem mudado entre os

jovens. A forma nula, por sua vez, apresenta praticamente dois usos no PB: (a) na

sequência discursiva, após a enunciação de você, cê, ocê, ou tu; e (b) como mecanismo

11Parte-se do capítulo “Variação dos pronomes “tu” e “você””, de Scherre et al.

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40 de esquiva, quando não se sabe exatamente qual forma explícita deve ser utilizada sem

causar constrangimentos.As pesquisas elencadas no mapeamento de Scherre et al.

(2015) abordam especificamente as formas você, cê, ocê, tu.

Essas seis variantes se distribuem geograficamente, a partir de seis subsistemas

distintos: (i) só você; (ii) mais tu com concordância baixa; (iii) mais tu com

concordância alta; (iv) tu/você com concordância baixa; (v) tu/você com

concordância alta; e (vi) você/tu. A variedade carioca do PB apresenta o sexto

subsistema, você/tu sem concordância, que também se distribui pelas demais regiões,

exceto no Sul. Esse subsistema apresenta a forma tu de 1% a 90% sem concordância, a

depender da região.

Scherre et al. apresentam algumas pesquisas que descreveram as formas de

expressão da 2ª pessoa do singular no Rio de Janeiro. Dentre outros resultados, os

estudos apontam que o tu da variedade carioca é sensível ao contexto interacional. A

seguir, são descritas as taxas de incidência do pronome tu na fala carioca, em algumas

amostras diversificadas, subdivididas em: (a) entrevistas sociolinguísticas; (b) conversas

naturais não ocultas; (c) conversas naturais ocultas; (d) conversas naturais ocultas e

anônimas; e (e) conversas naturais ocultas e não anônimas.

Nas entrevistas sociolinguísticas do Peul de 1980 e de 2000; e nas gravações não

ocultas de conversas naturais do Banco de dados Interacionais (BDI), do período

de 1989 a 1990, houve a incidência de 6%, 7%, 3% de tu, respectivamente.

Com valores diferentes, a amostra de Paredes (1996) e Paredes Silva (2003),

com gravações ocultas de conversas naturais, mostra 68% de usos do pronome

tu.

Com relação à amostra Piloto Centro 2007 – com gravações de conversas

estimuladas no centro do Rio de Janeiro –, Lopes et al. (2009) encontraram 35%

de usos de tu.

Já a amostra Centro 2006 e 2008, e Zona Norte e Zona Oeste 2012 – composta

por gravações de conversas não estimuladas em diferentes pontos do Rio de

Janeiro – apresentou uso médio de tu na ordem de 20%, conforme a pesquisa de

Santos (2012).

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41

Esses dados demonstram que há diferenças espaciais importantes dentro de uma

mesma área geográfica, como no Rio de Janeiro e em outros estados brasileiros. Essa

diversidade de usos do tu dentro de uma mesma área reitera a heterogeneidade presente

mesmo dentro do sistema pronominal. A distribuição da realização pronominal–

principalmente em relação à forma pronominal tu – se mostra bastante diferente do que

é retratado por programas humorísticos: um “tu suburbano e/ou de classe social mais

baixa” (SANTOS, 2012, p.123, apud SCHERRE et al. (2015), p. 160).

Scherre et al. (2015) apresentam, de um modo geral, as principais variáveis

linguísticas e extralinguísticas condicionadores da escolha entre tu e você para a

referência da 2ª pessoa do singular: (i) tipo de referência; (ii) tipo de discurso; (iii)

paralelismo; (iv) gênero; (v)escolaridade; (vi) faixa etária; (vii) tipo de gravação; (viii)

grau de intimidade com interlocutor; e (ix) tipo de relação com o interlocutor. Quanto à

faixa etária, no Rio de Janeiro, os falantes mais jovens favorecem o uso de tu, indicando

o retorno dessa forma à fala carioca, conforme Paredes Silva (2003). Scherre et al.

(2015) formulam a hipótese de que, à medida que desaparece ou diminui o uso de o

senhor/a senhora, a forma você ocupa os espaços deixados poro senhor/a senhora, e o

tu retorna, ocupando os espaços deixados pelo você. Cabe ressaltar que o tu que tem

retornado à fala carioca é o novo tu, sem a concordância do paradigma flexional antigo.

No uso carioca, também é importante salientar que os contextos de referência específica

favorecem o uso da forma tu, enquanto os contextos de referência genérica favorecem o

uso da forma você.

1.2.2. Pronomes na função de complemento

Nesta seção, parte-se da síntese feita por Duarte e Ramos (2015) – descrita no livro

Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro12 – a fim de abordar as pesquisas

acerca das realizações de complementos pronominais no PB. Particularmente, a

organização das informações propostas por essas autoras inspirou a composição deste

capítulo teórico, principalmente em relação ao tratamento das pessoas pronominais e

funções sintáticas exercidas por elas. Duarte e Ramos (2015) organizam seu capítulo de

acordo com as características dos pronomes complementos. Assim, dedicam uma seção

12 O capítulo em questão recebe o título de Variação nas funções acusativa, dativa e reflexiva.

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42 ao tratamento do acusativo e do dativo anafóricos de 3ª pessoa; em seguida, exploram as

mesmas funções na 1ª e 2ª pessoas – que diferem da 3ª por aquelas apresentarem caráter

dêitico; finalmente, descrevem os resultados acerca da realização dos reflexivos –

separados dos demais, uma vez que o antecedente, nessa função, se encontra dentro da

mesma oração.

Seguindo a divisão de Duarte e Ramos (2015), na subseção 1.2.2.1 são abordados o

acusativo e o dativo fóricos de 1ª e 2ª pessoa; a subseção 1.2.2.2 apresenta o acusativo e

o dativo anafóricos de 3ª pessoa; e na subseção 1.2.2.3 são descritos os reflexivos de 1ª,

2ª e 3ª pessoas.

1.2.2.1. Acusativo e dativo fóricos de 1ª e 2ª pessoa

(I) O acusativo fórico

Em relação às realizações do acusativo fórico de 1ª pessoa, três trabalhos são

descritos por Duarte e Ramos (2015) – com o objetivo de mapear o quanto a

investigação do fenômeno avançou no país: Dalto (2002), Arruda (2006) e Brito (2010).

Interessa à presente pesquisa o trabalho de Arruda (2006), por ter incluído em sua

descrição o comportamento da variável em questão na variedade carioca do PB.

Arruda (2006) analisou uma amostra do Projeto Nurc, referente aos anos 1970.

A tabela comparativa dos três trabalhos elencados por Duarte e Ramos (2015) mostra

que houve favorecimento do clítico de 1ª pessoa (me) em relação às demais variantes

das amostras. Quanto à amostra Nurc, verificou-se a ausência do pronome nominativo

(eu) em função acusativa. De modo geral, Duarte e Ramos (2015) consideram que tanto

o número reduzido de ocorrências dos três trabalhos quanto a diferença metodológica

em relação à coleta de dados não permitem considerações conclusivas acerca da atuação

de certos fatores linguísticos e extralinguísticos.

Com relação às realizações do acusativo fórico de 2ª pessoa, de acordo com

Duarte e Ramos (2015),os estudos revelam algo importante sobre as formas de

tratamento e também sobre os rearranjos do sistema pronominal do PB.Novamente, os

resultados de Arruda (2006) – embora não sejam de uma pesquisa exclusiva sobre o Rio

de Janeiro – mostram que (a) o clítico te– forma preferencial – concorre com o lhe na

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43 variedade carioca; e (b) não há registro do uso do clítico acusativo (o/a) em referência à

segunda pessoa.Referente à atuação das variáveis extralinguísticas, como a faixa etária e

o gênero, não há diferenças quantitativas expressivas.

(II) O dativo fórico

Em relação ao dativo fórico de 1ª e 2ª pessoas, Duarte e Ramos (2015) elencam

quatro pesquisas distintas: Nascimento (2001); Dalto (2002), Arruda (2000); e Brito

(2010). De um modo geral, essas pesquisas apontam o clítico me como a variante

preferida para a primeira pessoa, e a competição entre as formas te, lhe e você para a

segunda. O uso do clítico te indica uma permanência do tratamento da 2ª pessoa com a

forma tu – e ocorre mesmo se no dialeto não houver registro da forma tu em referência à

2ª pessoa. Esses quatro estudos documentaram ocorrências tanto de dativos argumentais

quanto de não argumentais.

Duarte e Ramos (2015) apontam que, devido à complexidade de comportamento

do dativo, “são raras as pesquisas que analisam todas essas construções em conjunto”

(p. 189). São realizados alguns recortes, tais como: (a) comparações entre as formas te e

lhe; (b) substituição do clítico dativo pelos pronomes nós e a gente; (c) variação ou

apagamentos das preposições que antecedem o dativo; e (d) comparação entre o lhe

dativo e o lhe acusativo.

1.2.2.2. Acusativo e dativo anafóricos de 3ª pessoa

(I) O acusativo anafórico

Segundo Duarte e Ramos (2015), a expressão do acusativo anafórico no PB é

uma das variáveis sociolinguísticas mais visitadas e descritas nos estudos de cunho

variacionista (p. 173). Dentre as quatro variantes descritas pela literatura, o objeto nulo

também tem interessado especificamente aos teóricos gerativistas, devido aos impactos

que o uso dessa categoria vazia tem causado no sistema linguístico – juntamente com o

preenchimento do sujeito.

No que concerne às pesquisas realizadas acerca do acusativo anafórico, embora

a presente pesquisa se interesse principalmente pela expressão da variável no dialeto

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44 carioca, é necessário revisitar trabalhos clássicos, tais como Omena (1978) e Duarte

(1986) – mesmo que este último não trate especificamente da variedade carioca.

Duarte e Ramos (2015) apresentam inicialmente a pesquisa de Omena (1978),

com base na fala de adultos em fase de alfabetização, alunos do Movimento Brasileiro

de Alfabetização (Mobral), no Rio de Janeiro. Esta pesquisa representa um marco inicial

nos estudos sobre o acusativo anafórico por trazer dois relevantes resultados: (i) o

clítico acusativo (o, a) estava completamente ausente na fala do grupo de informantes

da amostra; e (ii) ao contrário do que se supunha, o pronome nominativo (ele) não era a

única forma alternativa ao uso do pronome clítico. Na pesquisa de Omena (1978), havia

uma terceira categoria, vazia – que superava o uso do pronome nominativo –, com

incidência em 76% dos dados. O aparecimento dessa categoria era favorecido quando

havia um antecedente na mesma função. Por outro lado, o pronome nominativo era

favorecido pelo traço [+ humano] do antecedente e também pela estrutura em que

funcionava como sujeito de alguns verbos que controlam o sujeito da subordinada

(obrigar, convencer etc.).

Duarte (1986; 1989), com uma amostra da fala paulistana, estratificada em três

faixas etárias e três níveis de escolaridade – além de um grupo de alunos de classe

média –, confirma os resultados de Omena (1978) a respeito da ausência do clítico

acusativo na fala de indivíduos com apenas o primeiro segmento do ensino

fundamental. Duarte, além das três variantes já estudadas – clítico, pronome lexical e

categoria vazia (objeto nulo) –, ainda acrescentou uma variante para análise: retomada

do SN (com determinante modificado ou não). A pesquisa de Duarte traz relevantes

fatores de natureza estrutural, os quais precisam ser descritos, pois serviram de base

para pesquisas posteriores.

(i) Fatores de natureza morfológica: o tempo e a forma verbal

De acordo com Duarte e Ramos (2015, p. 175), o objeto nulo e o SN anafórico

não parecem sofrer forte condicionamento morfológico. Já o pronome lexical (ou

nominativo) privilegia os tempos simples, o imperativo e as locuções verbais. Por fim, o

pronome clítico é favorecido em tempos simples do indicativo – com próclise no

presente e no passado – e ênclise ao infinitivo.

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45

(ii) Fatores de natureza sintática: a transitividade verbal e o estatuto sintático do

elemento acusativo

Segundo Duarte e Ramos (2015, p. 175), três padrões básicos são separados na

pesquisa de Duarte (1986): (a) SVOD, com objeto simples ou oracional; (b) SV OD

OI/OBL, com um objeto simples ou oracional, e um objeto indireto ou complemento

oblíquo; e (c) as estruturas complexas, em que o elemento que recebe caso acusativo

não é um objeto direto, mas um sujeito marcado com caso acusativo na oração principal.

Nesse tipo de estrutura complexa, o “objeto direto” pode ser sujeito de uma minioração

de estrutura predicativa ou sujeito de uma oração infinitiva ou gerundiva – que funciona

como complemento de verbos causativos, sensitivos ou de permissão.

A pesquisa de Duarte (1986) revela que o objeto nulo é favorecido nas estruturas

simples e com verbo transitivo direto e indireto (Cf. DUARTE e RAMOS, 2015, p.

175). Na estrutura S V OD OBL, aumenta o uso do pronome lexical e do clítico

acusativo. Esse último é favorecido principalmente se o argumento com função oblíqua

é uma oração com verbo no infinitivo. Nas estruturas com minioração predicativa, há

uma distribuição equilibrada entre o uso do pronome lexical e do objeto nulo. Quanto às

estruturas em que o acusativo é sujeito de orações reduzidas de infinitivo e gerúndio, há

maior favorecimento do pronome lexical, por ser a real função de sujeito e ter o traço [+

humano].

(iii) Fator de natureza semântica

O traço do referente [+/- animado] está relacionado às orações anteriores. A

pesquisa de Duarte (1986) revela que o traço [+ animado] favorece o uso do pronome

lexical, quando associado a uma estrutura complexa; no caso de estruturas simples,

mesmo com esse traço no antecedente, o objeto nulo é a estratégia preferida.

Em relação ao fator escolaridade, a pesquisa de Duarte (1986) também trouxe

relevantes considerações (Cf. DUARTE e RAMOS, 2015, p. 177): (i) a escolaridade

não interfere na preferência pelo objeto nulo (60% superior às demais estratégias); (ii) o

SN anafórico aumenta na fala dos informantes mais escolarizados (18,8%) e diminui na

fala dos menos escolarizados (11,7%); (iii) a análise do pronome lexical mostra o

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46 inverso, com a ocorrência de 21% na fala dos menos escolarizados e 9,8% nos falantes

com nível superior completo.

Outras pesquisas relevantes para a área são citadas por Duarte e Ramos (2015)

(Cf. PARÁ (1997); MARAFONI (2004); FREIRE (2005); entre outros). Entretanto,

como a presente pesquisa se ocupa de uma diagnose de tal fenômeno na escrita escolar,

limita-se aqui a revisar brevemente as pesquisas de Averbug (2000), Freire (2005) e

Santana (2016) – esta última posterior à publicação do capítulo de Duarte e Ramos

(2015).

O trabalho de Averbug (2000) – com base em textos produzidos por alunos das

séries finais, desde a classe de alfabetização (CA) até a universidade – aponta um fato

muito importante: conforme aumenta o nível de escolaridade, cresce o número de clítico

acusativo e diminui o emprego do pronome nominativo (ele) em função acusativa. Os

dados levantados pela autora registram2% de clíticos no CA13, 6% na 4ª série; 23% na

8ª série; 28% no ensino médio e 4% no nível superior. O pronome nominativo em

função acusativa sofre um declínio: 19% no CA; 15% na 4ª série; 13% na 8ª série; 6%

no ensino médio; e não houve ocorrência nos dados relativos ao ensino superior. Os

resultados dessa pesquisa sugerem que o processo de escolarização consegue, por um

lado, levar o aluno a utilizar o clítico e, por outro, inibir o uso do pronome nominativo

em função acusativa.

Outra pesquisa que investiga a escrita é de Freire (2005). O autor fez um

levantamento das variáveis de referência ao acusativo anafórico, em uma amostra

constituída de textos de diferentes jornais do Rio de Janeiro, distribuídos em gêneros

menos monitorado (entrevistas transcritas e crônicas) e mais monitorado (editoriais,

artigos de opinião e reportagens). De um modo geral, a pesquisa de Freire aponta o

reaparecimento do clítico acusativo – praticamente ausente na fala carioca, conforme

Omena (1978) e Duarte (1986) – e a redução do pronome lexical em função acusativa,

chegando a nenhuma ocorrência no nível mais monitorado. Os dados de Freire (2005)

são expostos na tabela a seguir.

13Atualmente, segundo padronização do MEC, a classe de alfabetização é conhecida como 1° ano, a 4ª série como 5° ano, e a 8ª série corresponde ao 9° ano.

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47

Escrita Clítico Pronome nominativo

SN anafórico Objeto nulo

- monitorada 70/161 44% 10/161 6% 24/161 15% 57/161 35% + monitorada 104/142 73% - 14/142 10% 24/142 17%

Tabela 1 – Função acusativa na língua escrita com base em Freire (2005), apud Vieira e Freire (2015), p. 95.

Santana (2016), ao investigar a referência ao acusativo anafórico na escrita

escolar – em um corpus de redações escolares desenvolvidas por alunos de duas escolas

municipais do Rio de Janeiro – encontra resultados semelhantes aos de Averbug (2000),

com apenas uma diferença: no corpus analisado por Santana (2016),a variante objeto

nulo foi a terceira mais usada pelos alunos, como ilustra a tabela a seguir. Em Averbug

(2000), essa variante foi a primeira mais utilizada entre os informantes.

Tabela 2 – Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa no corpus de redações escolares do 9° ano do Ensino Fundamental (Santana, 2016, p. 140).

Essas três investigações a respeito da realização da expressão do objeto direto

acusativo particularmente interessam à presente pesquisa, pelo tratamento da escrita

carioca.

(II) O dativo anafórico

Quanto ao dativo anafórico de 3ª pessoa, de acordo com Duarte e Ramos (2015),

as pesquisas indicam menos frequência ainda do clítico dativo em relação ao clítico

acusativo. Em relação à fala, as pesquisas indicam total ausência do clítico dativo, e a

variação de um SP anafórico com uma categoria vazia, ou dativo nulo. Dentre as

pesquisas sintetizadas por Duarte e Ramos (2015), sobre a variedade carioca, destacam-

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48 se Gomes (1999) e Freire (2000) – que investigam a variedade carioca –, cujos

resultados são descritos na tabela a seguir.

Pesquisas GOMES 1999 – RJ

FREIRE 2000 – RJ

Instrução Peul – RJ Ensino Fund. e Médio

Nurc - RJ

Clítico 0 0 Objeto nulo 15% 36%

SPs 70% 64% SN 14% -

Total 100% 100% Tabela 3 – Resultado das pesquisas sobre o dativo anafórico (%), adaptada de Duarte e Ramos (2015), p. 182.

Esses dados indicam a ausência de clíticos dativos na fala carioca e a variação

entre o dativo nulo e SP. A pesquisa de Gomes (1999) ainda encontrou um SN dativo

sem a proposição, com percentual de 14%.Segundo Duarte e Ramos (2015), esses dados

indicam que esse complemento sem preposição parece não sofrer restrições sintáticas ou

semânticas, “podendo aparecer adjacente ou não ao verbo, ter ou não papel semântico

de recipiente/beneficiário, e estar numa construção que expresse ou não transferência

material” (p. 183).

Segundo Duarte e Ramos (2015, p. 183), em relação à escrita brasileira, Freire

(2005) revela uma recuperação pouco expressiva do clítico dativo no PB (26%), e a

plena implementação do dativo nulo (32%) e do SP anafórico (45%).

Escrita Clítico SP anafórico Objeto nulo - monitorada 8/51 16% 22/51 43% 21/51 41% + monitorada 32/76 42% 22/76 29% 22/76 29%

Tabela 4 – Função dativa na língua escrita com base em Freire (2005), apud Vieira e Freire, 2014, p. 96.

A tabela acima revela que a frequência do clítico dativo na escrita brasileira está

fortemente associada a eventos de comunicação mais monitorados, representativos da

cultura de letramento. Por outro lado, a escrita menos monitorada apresenta

características mais semelhantes à fala: abandono da variante prescrita pela tradição em

favor do SP anafórico e do objeto nulo. Dentro da escrita mais monitorada, mesmo os

dados referentes ao clítico dativo representam um percentual baixo em comparação com

o somatório das duas outras variantes com as quais ele concorre. Diferentemente do que

ocorre com o clítico acusativo na escrita, a escola tem influência limitada na

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49 recuperação do clítico dativo. Freire (2005) entende que a escola não barra as demais

variantes disponíveis, uma vez que não constituem estereótipos.

1.2.2.3. Reflexivos de 1ª, 2ª e 3ª pessoa

Para Duarte e Ramos (2015), a função reflexiva apresenta características

idênticas paras as três pessoas. Nos casos de função reflexiva, o antecedente se encontra

obrigatoriamente na mesma oração que o complemento, exercendo a função de sujeito.

Isso difere das funções acusativa e dativa, que podem ter referência fórica ou anafórica.

Em virtude dessa restrição do referente, a variação da função reflexiva atinge as três

pessoas de igual modo. Também ao contrário do que ocorre com as funções acusativas e

dativas, a variação na função reflexiva não tem distribuição regular no país.

No PB oral, podem ser encontradas as seguintes realizações: (a) uso de clíticos

reflexivos em relação de concordância em número e pessoa com seu antecedente; (b)

uso e clítico se em relação de concordância com o antecedente; (c) casos de duplicação

do clítico reflexivo, um proclítico e outro enclítico; (d) casos em que o clítico é

substituído por uma forma tônica seguida de mesmo; (e) casos de apagamento do clítico.

Duarte e Ramos (2015) apresentam diversas pesquisas que buscam descrever o

fenômeno no PB (Cf. ROCHA (1999); DALTO (2002); BANDEIRA (2007), entre

outros), considerando as três pessoas gramaticais. Alguns trabalhos importantes se

concentraram apenas na 3ª pessoa – como o de Freire (2000), baseado na fala carioca

(Nurc), que revela 91% de realizações do reflexivo, estando os casos de apagamento

concentrados em clíticos não argumentais. Embora a distribuição das realizações do

clítico reflexivo não seja regular, algumas generalizações podem ser feitas: (i) a

implementação do reflexivo nulo começa a partir dos clíticos não argumentais; e (ii) a

presença versus apagamento do reflexivo apresenta grande variação diatópica. Em

relação a fatores de natureza extralinguística, o nível de escolaridade pode interferir na

presença ou ausência do clítico reflexivo. Pereira (2007) aponta que há uma tendência

na queda do reflexivo nulo à medida que aumenta o nível de escolaridade do indivíduo.

Quanto à faixa etária, há o favorecimento do reflexivo nulo pelos mais jovens.

Finamente, em relação ao gênero, o clítico nulo é favorecido entre as mulheres.

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50

1.3. Sistematizando

Inicialmente, este capítulo trouxe uma breve síntese sobre as formas

pronominais no latim clássico e vulgar, apenas para situar a origem dos casos

morfológicos no PB, hoje em franco processo de reestruturação. Esse panorama pode

mostrar que inicialmente, no latim vulgar havia apenas duas pessoas que podiam ser

marcadas morfologicamente de acordo com o sistema de casos. Com a evolução

linguística, a 3ª pessoa – com expressão pronominal pessoal – surgiu a partir da

mudança estrutural em um pronome demonstrativo (ĭlle).

Passou-se, então, à abordagem do quadro pronominal a partir de três gramáticas

tradicionais– conhecidas como referência para ensino gramatical no Brasil, citadas em

diversos materiais didáticos e reconhecidas pelos estudantes de Letras e professores de

Língua Portuguesa. Verificou-se que essas gramáticas não dão conta de descrever as

diversas possibilidades de expressão das pessoas gramaticais nas funções nominativa,

acusativa, dativa e reflexiva. Não se pode deixar de observar que as primeiras edições

de duas dessas gramáticas – a de Rocha Lima e a de Cunha e Cintra – foram escritas

aproximadamente na mesma época de realizações das primeiras pesquisas sobre

realizações pronominais. É corrente a crítica a respeito da falta de atualização dessas

gramáticas em relação aos resultados das pesquisas sociolinguísticas; entretanto, faz-se

necessário lembrar que essas gramáticas não possuíam o compromisso de descrever a

fala da norma culta em uso, mas sim a língua literária.

Ao comparar as três gramáticas quanto ao tratamento do quadro pronominal, é

possível chegar a algumas conclusões: (i) apenas a gramática de Rocha Lima admite a

forma você como pronome de 2ª pessoa; (iii) nenhuma das três gramáticas faz referência

à forma a gente enquanto pronome; (iii) as gramáticas de Cunha e Cintra e Bechara

consideram o uso acusativo do pronome ele um erro.

Em seguida, este capítulo descreveu, a partir de alguns textos panorâmicos, as

principais tendências, sobretudo as verificadas no Rio de Janeiro, quanto a:(i) o

nominativo de 1ª pessoa plural; (ii) o nominativo de 2ª pessoa do singular; (iii) o

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51 acusativo e o dativo fóricos de 1ª e 2ª pessoas;(iv) o acusativo e o dativo anafóricos de

3ª pessoa; (v) e o reflexivo de 1ª, 2ª e 3ª pessoas.

Em linhas gerais, os resultados das pesquisas revelam forte reestruturação do

quadro pronominal na fala e, a depender do gênero textual, na escrita brasileiras,

derivadas, sobretudo, da inserção das formas pronominais você e a gente inicialmente

na função nominativa. Essa inserção gerou uma reestruturação no paradigma verbal, que

passou de seis formas básicas para três. Por sua vez, o enfraquecimento do sistema de

flexões verbais instalou na língua, de forma gradativa, uma tendência ao preenchimento

do sujeito pronominal (Cf. DUARTE, 1995). Outras mudanças linguísticas também

foram desencadeadas e tiveram impacto na formação do quadro pronominal atual: (i)

quanto à forma de realização do possessivo, formas de terceira se deslocam para

segunda pessoa (seu, sua), e a forma possessiva de terceira passa a ser, quase

categoricamente, a forma genitiva (dele, dela); e (ii) em relação à realização do oblíquo,

os pronomes lhe, o/a se deslocam da terceira para a segunda pessoa e o dativo ganha

formas de SP (de você).

A título de ilustração, este capítulo se encerra com o quadro pronominal em uso,

elaborado por Duarte (2013) e adaptado por Martins, Vieira e Tavares (2014).

O quadro original apresenta, ainda, a forma vós e os complementos a ela

associados – excluídas dessa adaptação, por estarem extintas tanto na fala quanto na

escrita do PB vernacular contemporâneo. Esse quadro mostra que a 1ª pessoa do

singular se mantém inalterada. Para as demais pessoas, apresentam-se formas

alternantes, conforme os autores:

(i) formas oblíquas átonas morfologicamente marcadas com acusativo ou

dativo e demais formas oblíquas preposicionadas; e (ii) formas pronominais

sem correspondentes oblíquas usadas em todas as funções. (Martins, Vieira e

Tavares, 2014, p. 17)

As formas marcadas em negrito no quadro são condicionadas a usos mais

restritos a certos grupos sociais ou encontram-se em extinção na fala espontânea (Cf.

DUARTE, 2013).

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52

Pessoa Pronomes sujeitos

Pronomes complemento

Acusativos Dativos Oblíquos

P1 eu me me mim, comigo

P2 tu,você te, lhe, o, a, se, tu, você

te, lhe, (a/para) você

ti, contigo, si, consigo, (com) você

P3 ele, ela o, a, se, ele, ela

lhe, (a/para) ele/ela

si, consigo, (com) ele/ela

P4 nós, a gente nos, nós, a gente

nos, (a/para) nós, (a/para)

a gente

conosco, (com) nós, com a gente

P5 vocês os, as, se, vocês

lhes, (a/para) vocês

(com) vocês

P6 eles, elas os, as, se, eles, elas

lhes, (a/para) eles

si, consigo¸(com)eles/elas

Quadro 4 – Quadro de pronomes pessoais, de Duarte (2013), adaptado por Martins, Vieira e Tavares (2014, p. 17).

Com base no uso pronominal no PB atual – ilustrado no quadro acima – a

presente pesquisa realizou uma diagnose do quadro pronominal em uso na escrita

escolar, descrita no Capítulo 2, a seguir.

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2. Diagnose do quadro pronominal na escrita escolar

Nas últimas décadas, diversas investigações se empenharam em descrever a

variação linguística no PB, principalmente no que tange à expressão oral da variedade

brasileira. Quanto à expressão escrita, também foram realizadas pesquisas voltadas para

a descrição de certos fenômenos linguísticos, algumas, inclusive, em comparação com o

Português Europeu (PE). Entretanto, ainda há algumas lacunas no que concerne à

escrita escolar, o que é naturalmente esperado em país que ainda enfrenta muitas

dificuldades em relação à escolarização de seus cidadãos, e, principalmente, em relação

ao ensino de língua materna.

Na história do ensino de Língua Portuguesa no Brasil, é muito recente, por

exemplo, a adoção de métodos de verificação nacional da escrita escolar, como a

redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Essa preocupação nacional por

uma unificação do nível de escrita esperado por um aluno no 3° ano do Ensino Médio

certamente focaliza as normas linguísticas preconizadas para o uso em contexto escolar.

Os resultados, no entanto, mostram a falta de domínio dessas normas, por parte de

muitos estudantes brasileiros. Um dos fatores apontados como causa desse domínio

mínimo é a falta de trabalho com o componente linguístico, em suas várias faces, na

sala de aula.

Dentro desse contexto de escrita escolar, em que se revela a falta de domínio de

normas linguísticas valorizadas socialmente, o ensino do quadro pronominal ainda se

apresenta como desafiador. O trabalho com o componente gramatical, tal qual vem

sendo conduzido tradicionalmente nas escolas brasileiras, não adota, na prática, uma

postura de valorização das diversas variantes linguísticas, favorecendo apenas as da

norma gramatical vigente, aquelas registradas em manuais para o bem escrever e falar

corretamente. Em consequência disso, o quadro pronominal trabalhado em sala de aula

parece limitado para representar a realidade linguística plural do PB, que apresenta

muita diversidade – seja de uma região para outra, seja da fala para a escrita, seja em

função do contexto situacional, de maior ou menor monitoração estilística. Dentro do

panorama atual, surge a necessidade de trabalhos que se voltem para a descrição de

realidades linguísticas em contexto escolar, para localizá-las na complexidade de

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54 normas de uso que configuram a língua. Este capítulo trata da etapa desta pesquisa em

que se objetivou fazer a diagnose do quadro pronominal em uso, realizada a partir de

uma amostra específica da escrita escolar da rede pública de ensino do Rio de Janeiro,

considerando o recorte dos anos escolares selecionados.

Este capítulo organiza-se em três seções distintas, com suas subseções. Na

primeira seção (2.1), faz-se a apresentação dos pressupostos da Teoria da Variação e

Mudança que fundamentaram esta pesquisa. Na segunda (2.2), expõe-se a

Metodologia para a diagnose adotada para a etapa referente ao tratamento

variacionista. A terceira seção (2.3) apresenta a Análise e interpretação dos dados.

2.1. Teoria da Variação e Mudança

Este estudo segue orientações teórico-metodológicas da Sociolinguística

Laboviana, a Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH, LABOV e HERZOG

(WLH), 2006 [1968]; LABOV, 2008 [1972]). Dentre os princípios propostos, esta

pesquisa se desenvolve a partir da noção de heterogeneidade e sistematicidade da

língua, da relação existente entre variação e mudança, do conceito de regra variável e

das orientações metodológicas acerca do tamanho e da estratificação da amostra. Em

maior ou menor medida, relaciona-se à resolução dos chamados problemas da mudança

(fatores condicionadores ou restrições, transição, encaixamento, avaliação e

implementação), tais quais propostos no texto fundador dessa área científica, dentre os

quais se destaca o das restrições e a avaliação. Interessa descrever os fatores que

interferem no comportamento variável relativo ao quadro pronominal e a avaliação do

prestígio dessas variantes no contexto escolar.

Em sentido amplo, a Sociolinguística Variacionista (ou Laboviana) se

fundamenta no princípio de que a variação é inerente à língua, motivo pelo qual a

heterogeneidade é eleita como foco da análise nos estudos de variação e mudança. De

acordo com o pensamento sociolinguístico, a mudança, que deriva da variação

linguística, constitui um processo contínuo, é subproduto da interação, e pode ser

explicado a partir da observação e da descrição das regras variáveis. Assim, a

heterogeneidade linguística – que não implica ausência de regras – é tida como

ordenada (estruturada) e passível de sistematização, o que significa, em outras palavras,

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55 que as diferentes maneiras de se expressar uma informação não existem por meio de

uma variabilidade aleatória, mas são condicionadas por restrições linguísticas e

extralinguísticas – os condicionadores. Em outras palavras, essa variabilidade é

ordenada e sistemática.

Dentro dessa perspectiva sociolinguística, a variação e a mudança estão

intrinsecamente relacionadas, considerando-se o postulado sociolinguístico de que nem

toda variação acarreta mudança – como nos casos caracterizados como variação estável

–, embora toda mudança pressuponha variação. A mudança linguística caracteriza-se,

portanto, como resultado da variação sistemática que se observa numa determinada

comunidade; por pressões internas e externas à língua, as mudanças ocorrem, de forma

não uniforme nem instantânea, em substanciais períodos de tempo (cf. WEINREICH;

LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p. 126).

A Sociolinguística preocupa-se, então, com o estudo da língua inserida na

sociedade e influenciada pelo comportamento social nas várias instâncias de uso, ou

seja: quem fala, quando, onde, pra quê e com quem se fala. Desse modo, seus princípios

se aplicam a dados de natureza diversa, orais ou escritos, verificados em determinada ou

diferentes sincronia(s), ou mesmo diacronicamente. Ao partir do levantamento de

dados, o sociolinguista pode realizar uma análise quantitativa dos usos verificados, o

que viabiliza a descrição da língua nos limites de cada investigação.

Uma vez que a variação decorre das funções sociais, os estudos sociolinguísticos

buscam resultados que representem o padrão de determinado grupo de falantes. Dessa

maneira, o sociolinguista deve buscar padrões linguísticos variáveis, que sejam

representativos da comunidade de fala, uma vez que o locus do estudo da língua é a

comunidade de fala, não o indivíduo. Ao aprofundar a concepção laboviana acerca da

comunidade de fala, Guy (2001) propõe que os indivíduos que a compõem devem

compartilhar traços linguísticos, diferentes de outros grupos; ter uma frequência alta de

comunicação entre si; e ter normas e atitudes compartilhadas em relação ao uso da

linguagem. Para os estudos sociolinguísticos, a definição da comunidade de fala permite

verificar como ocorre a distribuição social de semelhanças e diferenças linguísticas,

possibilitando separar as características individuais das marcas representativas de

determinado grupo.

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Dentre os diversos fatores que servem para identificar o perfil sociolinguístico

de uma comunidade de fala, as variáveis extralinguísticas podem ser categorizadas de

acordo com o tipo de variação indicada. Para a variação regional/geográfica/ diatópica,

o espaço geográfico constitui um condicionador extralinguístico. Quanto à variação

social/diastrática, há de se considerar, como condicionadores extralinguísticos,

indicadores dessa estratificação, como o grau de escolaridade, o nível socioeconômico

(origem social, renda familiar, local de moradia), sexo/gênero, e faixa etária. No que

tange à variação estilística, há ainda o grau de adequação entre registro formal ou

informal, considerado pelos falantes a depender do contexto, que atua como

condicionador externo aos fatores linguísticos.

Ainda em relação à composição da amostra, os estudos procuram determinar

critérios referentes ao número de falantes, número que dependeria do grau de

variabilidade do fenômeno escolhido para o estudo. Compreende-se que, quanto mais

variável for o fenômeno, mais ampliada deverá ser a amostra. Para Labov (2008 [1972],

p.204), amostras pequenas, como as compostas por 25 falantes, por exemplo, revelam,

em seus dados sociolinguísticos, “padrões básicos de estratificação de classes”. Dessa

maneira, recomendam-se quatro ou cinco falantes para cada célula.

No âmbito dos estudos sociolinguísticos, a concepção de regra variável, pela

qual se dá o controle da variação sistemática, se refere à possibilidade de duas ou mais

formas alternantes transmitirem o mesmo significado referencial em um determinado

contexto linguístico, garantindo a transmissão da mesma informação.

É comum que uma língua tenha diversas maneiras alternativas de dizer “a

mesma” coisa. Algumas palavras como “carro” e “automóvel” parecem

ter os mesmos referentes; outras têm duas pronúncias, como cantando e

cantano. Existem opções sintáticas como Uma pessoa que eu confio

muito vs. Uma pessoa em quem eu confio muito ou É fácil falar dele vs.

Falar dele é fácil (LABOV, 2008 [1972], p.221).

Essas regras variáveis são de natureza gramatical; assim, por restrições do

próprio sistema linguístico, são limitadas as formas que podem figurar em uma estrutura

variável. Percebe-se que as formas alternantes, denominadas variantes linguísticas,

podem ocorrer em qualquer nível gramatical, quais sejam: fonológico, morfológico,

sintático, semântico ou discursivo. A pesquisa de cunho variacionista pressupõe, dessa

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57 maneira, a composição de uma amostra estratificada, da qual são extraídos, no que tange

ao fenômeno escolhido, dados representativos da regra variável, condicionados por

fatores linguísticos e extralinguísticos. No que tange à presente pesquisa, cabe pontuar

que o fenômeno gramatical abordado – o quadro pronominal – se insere na interface

entre os níveis morfológico e sintático (morfossintático), e, quanto à análise

variacionista do tema, compreendem-se alguns fatores condicionantes estruturais

(linguísticos) e sociais (extralinguísticos) – descritos na Seção 2.2.

Através da pesquisa sociolinguística, torna-se possível, ainda, averiguar se o

fenômeno em estudo se encontra em variação estável ou mudança em progresso,

consoante a realização de estudos em tempo real, que podem ser de dois tipos: os de

painel, em que há comparação do comportamento linguístico dos mesmos falantes, e os

de tendência, em que são utilizados informantes diversos do mesmo perfil, em dois

momentos temporais distintos. Há, ainda, os estudos de tempo aparente, que analisam

fenômenos variáveis em um período discreto e contempla informantes de diferentes

faixas etárias, de modo a observar as gerações por eles representadas. No que se refere

aos modelos de estudo de variação quanto às tendências de mudança, um importante

princípio adotado pela Teoria da Variação e Mudança é o do uniformitarismo, que

propõe que dados linguísticos do presente podem revelar informações sobre tempos

pretéritos. Esse princípio pode ser concebido com base nos estudos realizados sobre

mudança em tempo real ou aparente.

Quanto aos aspectos metodológicos, a Sociolinguística Laboviana, através do

controle quantitativo das variáveis sociais (externas à língua) e linguísticas (internas à

língua), busca averiguar o favorecimento e desfavorecimento de determinadas

estruturas, a depender do contexto em que se inserem. Os pesquisadores conseguem

identificar os fatores que condicionam o uso de uma ou outra variante, a partir da

submissão dos dados a programas computacionais de análise matemática, como o

Goldvarb X.

Com o objetivo de encontrar explicações plausíveis sobre a mudança, o

sociolinguista deve considerar o comportamento de dados empíricos variáveis. A

descrição desses dados é possível a partir de ferramentas próprias para guiar uma

pesquisa dessa natureza, e é ligada a um conjunto dos chamados problemas empíricos.

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No intuito de compreender os mecanismos da mudança linguística, WLH (2006

[1968]) propõe princípios empíricos, que norteiam seus estudos e são dispostos em

termos de cinco problemas/questões a serem resolvidos.

(i) o problema dos fatores condicionantes ou da restrição

Investiga-se, neste problema, o conjunto de mudanças possíveis e de condições

para que essas mudanças ocorram numa dada estrutura. Faz-se necessário definir

princípios que governem a estrutura e a mudança linguística. Esses princípios não são

absolutos, mas, quando aplicados categoricamente, apontam para regularidades ou

tendências gerais. Para solucionar a questão central deste problema, deve-se controlar o

número de fatores linguísticos e extralinguísticos que, aplicados aos fenômenos,

condicionam o favorecimento ou desfavorecimento das variantes linguísticas, e podem

promover a mudança.

(ii) o problema da transição

Neste segundo problema, discute-se como ocorre a transferência de dados

linguísticos entre grupos de faixas etárias diferentes ou entre épocas diversas. As formas

antigas não são substituídas abruptamente pelas formas novas, mas há fases

intermediárias em que as variantes de um fenômeno variável se encontram em estado de

coexistência e concorrência, provocando gradativa diminuição de uma variante em

relação a outra, de modo que a mudança se complete.

(iii) o problema do encaixamento

Este problema diz respeito ao modo como o fenômeno linguístico em

variação/mudança é encaixado na estrutura linguística e social. Essas mudanças

linguísticas sob investigação devem ser vistas, portanto, como integradas no sistema

linguístico como um todo. Essa noção de encaixamento está ligada a algumas outras

questões, entre as quais se pode citar: o modo como um fenômeno linguístico variável

se relaciona com outros fenômenos; que fatores linguísticos, estilísticos e sociais

condicionam a escolha de determinadas variantes; quais são as causas e os efeitos de

uma mudança; e quais seriam as direções de mudanças linguísticas em curso.

(iv) o problema da avaliação

Este problema concerne aos correlatos subjetivos dos diversos estratos variáveis

que podem figurar numa estrutura heterogênea, ou seja, à atitude subjetiva e consciente

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59 do falante em relação às formas linguísticas em variação/mudança. A aceitação ou

rejeição de uma construção depende, entre outros fatores, de uma avaliação linguística a

respeito de seu significado referencial, e, geralmente, é permeada por uma avaliação

social. É no âmbito social que se inserem as noções de indicador, marcador e estereótipo

– abordadas mais adiante neste estudo –, que podem estar correlacionadas a diferentes

estágios da mudança. Certo tipo de avaliação só surge quando a mudança se encontra no

nível de consciência social; cabe salientar, portanto, que a força da avaliação social

negativa em relação à determinada variante, por exemplo, pode retardar ou mesmo

impedir que a mudança se concretize.

(v) o problema da implementação

O último problema questiona como se transforma a estrutura linguística de uma

comunidade no curso do tempo, considerando que o processo global da mudança de

uma língua pode envolver estímulos e restrições provenientes tanto da estrutura social

quanto da linguística. À medida que se identificam os fatores que agem sobre a

mudança, é possível explicar as possíveis causas que a desencadeiam e também o modo

como se dá sua implementação nos diferentes contextos estruturais e estratos sociais.

No que concerne à presente pesquisa, pode-se considerar que seu foco não recai

sobre o processo de mudança em curso, mas sobre a realidade linguística do fenômeno

escolhido – que, como já se demonstrou, resulta de vários processos de mudança – e seu

reflexo no ensino de Língua Portuguesa nas escolas. Dessa maneira, priorizam-se dois

dos problemas propostos por WHL (2006 [1968]), uma vez que são mais relevantes

para os objetivos em questão, a saber: o problema das restrições (que será objeto de

investigação particular) e o problema da avaliação (que fundamentará, sobretudo, a

interpretação dos resultados).

Retomando o problema da avaliação, fica o postulado de que, além de

significados referenciais ou representacionais, as formas linguísticas veiculam

significados de ordem social. Como já mencionado, a avaliação feita por uma

comunidade de fala atribui prestígio ou estigma às variantes linguísticas em uso, e pode

acelerar ou barrar uma mudança da língua. Labov (2008), ao reconhecer que há

julgamentos conscientes e inconscientes, formula três categorias de significado social

das formas em variação, distribuídas quanto ao nível de consciência do falante sobre a

variante em questão; são elas: estereótipos, marcadores e indicadores.

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(a) Estereótipos

Representam as variantes que se encontram no nível de total consciência do

falante. Algumas dessas formas podem sofrer mais estigma social, a ponto de conduzir

mais rapidamente à mudança e extinguir a forma estigmatizada. Por outro lado, outras

formas podem representar estigma para um grupo e não para outros.

(b) Marcadores

Neste grupo, encontram-se traços linguísticos social e estilisticamente

estratificados, de um nível de consciência menor. Esses traços marcam determinadas

variantes que podem sofrer julgamento pelos falantes. Tanto o julgamento quanto o uso,

porém, nem sempre ocorrem de modo consciente.

(c) Indicadores

Representam os elementos linguísticos variáveis sobre os quais há pouca força

de avaliação. Em relação ao uso das variantes relativas a essa categoria, pode haver

pouca diferenciação social, correlacionada a idade, região ou grupo social, mas não

decorrente de julgamento estilístico consciente.

Finalmente, em relação ao que tange à presente pesquisa, faz-se necessário

abordar um fator resultante da avaliação negativa: o preconceito linguístico. O

significado ou valor social das formas variantes acaba por se correlacionar ao valor

atribuído a um estrato da sociedade que usa certas construções e não outras. Algumas

formas variantes de certos fenômenos linguísticos são avaliadas negativamente por parte

dos falantes: as formas estigmatizadas. Entretanto, não há respaldo científico que

justifique a atribuição de valor negativo a determinada variante e não às demais. Com o

argumento de que uma variante é “errada” ou “feia”, o preconceito linguístico, na

realidade, marginaliza os próprios falantes que fazem uso da variante estigmatizada. As

pesquisas científicas, no âmbito da Sociolinguística, já provaram que não há nada nas

formas variáveis de uma língua que permita considerar uma variante melhor do que

outra ou mesmo atribuir falta de capacidade cognitiva a seus falantes. Dentro do

contexto de ensino de Língua Portuguesa, faz-se necessário, portanto, sem deixar de

informar o valor social das variantes, o combate a atitudes linguísticas preconceituosas.

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61

2.2. Metodologia para a diagnose

Nesta seção, consideram-se os aspectos metodológicos adotados para a pesquisa

sociolinguística empreendida no presente trabalho. Desse modo, apresentam-se três

subseções específicas. Na primeira subseção (2.2.1), há a caracterização do perfil

social da escola municipal em questão e da composição do corpus. Na segunda (2.2.2),

são descritas as variáveis linguísticas em estudo nesta investigação. A terceira seção

(2.2.3) apresenta os procedimentos adotados quanto ao tratamento dos dados.

2.2.1. Caracterização do perfil da escola municipal e da

composição do corpus

Ao empreender uma investigação, na escrita escolar, acerca da realização das

variantes linguísticas utilizadas para a realização das funções de nominativo de 1ª

pessoa do plural e de 2ª pessoa do singular, e de acusativo e dativo de 1ª pessoa do

plural, 2ª pessoa do singular e 3ª pessoa do singular e do plural, objetiva-se verificar se,

ao longo do processo de educação formal, houve progresso quanto à gradual

implementação das formas pronominais. Desse modo, interessa observar, em particular,

considerando uma amostra linguística coletada na E. M. Thomé de Souza, o uso das

formas que costumam receber prestígio em alguma instância de padronização

linguística, como, por exemplo, nas normas prescritas pela tradição gramatical.

Faz-se necessário, antes da descrição do processo de composição do corpus,

traçar o perfil social dos alunos da E.M. Thomé de Souza. Para tanto, foram levantados

dados para uma análise qualitativa, baseada em informações provenientes das fichas de

matrícula disponibilizadas pela secretaria escolar, e também de relatos orais de

professores, alunos e moradores da comunidade, feitos em conversas informais.

A E. M. Thomé de Souza está localizada no bairro de Senador Camará, a

aproximadamente 400m da linha ferroviária, que divide o bairro em dois lados. Por

muitos anos, esses dois lados viveram em conflitos decorrentes da rivalidade entre

traficantes de facções contrárias, moradores das comunidades Sapo e Coréia. No entanto

– apesar do perigo que isso representava – a escola, por estar situada em um território

neutro entre as duas comunidades, sempre recebeu alunos provenientes dos dois lados

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62 do bairro. Os diretores anteriores relatam que inúmeras brigas tiveram de ser apartadas

dentro da escola ou mesmo no perímetro escolar. Essa situação, entretanto, foi

modificada, na primeira década do século XXI, com a unificação do domínio territorial

por uma das facções.

Sempre recebendo alunos provenientes da comunidade, a escola tem lidado com

a heterogeneidade social desde sua fundação (1959). No início da década de 10 deste

século, o bairro passou por mudanças que interferiram de forma direta na escola. Um

terreno amplo, próximo à escola, foi adquirido pelo Governo Federal, para a construção

de casas populares do Programa social Minha Casa, Minha Vida. No lado da linha

ferroviária oposto ao da escola, havia uma comunidade à beira-linha, extremamente

carente, que habitava em barracões de madeira, sem rede de água potável e sem

condições de saneamento básico. Foi anunciado, nas reuniões com associação dos

moradores, que essa comunidade receberia casas do referido programa do Governo, e

seria transferida para o outro lado. Entretanto, isso não aconteceu, e as famílias foram

transferidas para outras casas sociais, no bairro de Santa Cruz. Em 2012, o espaço

construído em Senador Camará recebeu famílias removidas de áreas de risco, em

comunidades de aspectos semelhantes à da beira-linha.

Para as escolas da região, isso gerou muitos impactos em relação ao ensino. A

E.M. Thomé de Souza sempre recebia alunos de origens diferentes, provenientes das

comunidades Sapo, Coréia e, ocasionalmente, Vila Aliança (também localizada no

bairro). No primeiro ano de funcionamento do conjunto habitacional do Governo, uma

das escolas do primeiro segmento do ensino fundamental (1° ao 5° ano) da região, E.M.

Evaristo de Moraes, passou a receber todos os alunos provenientes da nova comunidade

formada pelos moradores das casas populares. Já os alunos do segundo segmento (6° ao

9° ano) foram matriculados na E.M. Thomé de Souza, juntamente com os que

concluíam o 5° ano na E.M Evaristo de Moraes, a partir do ano seguinte. Dessa

maneira, o espaço escolar passou a contar com mais alguns traços na heterogeneidade:

alunos carentes –com familiares ausentes – e a grande maioria analfabeta funcional–

com pais analfabetos. Entretanto, como a maior parte desses alunos frequentava igrejas

evangélicas, presume-se que eles tinham acesso a textos escritos, mesmo que fosse

através das leituras bíblicas em voz alta realizadas no espaço religioso. Os aspectos

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63 ligados ao acesso, dos alunos e de seus familiares, à cultura letrada nas práticas sociais

são importantes, quando se trata de reflexões sobre o ensino de Língua Portuguesa.

Com o surgimento da nova comunidade, vulgarmente conhecida como Perereca,

a escola precisou se reorganizar para receber e tratar esses novos alunos, uma vez que

apresentavam muitas dificuldades em relação a diversos aspectos, alguns já

mencionados anteriormente. Como consta nos registros de matrícula da escola, muitos

alunos tinham pais analfabetos ou semianalfabetos, que não tinham condições de ajudar

seus filhos com algumas tarefas escolares enviadas para casa. Outro aspecto a ser

ressaltado era a agressividade por parte desses alunos, com os colegas, professores e

funcionários. Como a maior parte desses pais declarou ser da religião “evangélica

tradicional” na ficha de matrícula, foi realizada uma pesquisa oral junto a esses alunos, e

descobriu-se que esses pais “evangélicos tradicionais” precisavam usar a

repressão/agressividade para tudo; logo, batiam muito nas crianças, o que agravava,

aparentemente, esse comportamento agressivo dos estudantes no espaço escolar. Além

disso, alguns alunos apresentavam um histórico de fracasso escolar e defasagem de

faixa etária, segundo padrões do MEC.

Dessa maneira, coube à E.M. Thomé de Souza, além de trabalhar as atividades

gerais pré-estabelecidas pela Secretaria Municipal de Educação, combater os muitos

casos de analfabetismo e analfabetismo funcional, que chegaram à escola com essa

mudança social do perfil da comunidade escolar. No que tange especificamente à

escrita, a escola ainda encontra muitas dificuldades com a produção de seus alunos, em

diversos aspectos, como, por exemplo, coesão, pontuação e uso de variantes linguísticas

de prestígio. Faz-se necessário, portanto, para a diagnose da realização pronominal dos

alunos, considerar as questões sociais referentes à comunidade descrita.

Para a realização da presente pesquisa, recorreu-se à investigação do quadro

pronominal em um corpus constituído, especificamente para este propósito, a partir da

seleção de uma amostra do gênero caracterizado como redações escolares, conforme

estabelecido por Marcuschi (2002). As redações foram escolhidas entre as que os alunos

produziam para avaliação bimestral da rede municipal; portanto, não foi possível

interferir na escolha da proposta de produção textual. Dessa maneira, os textos

apresentam predominância do modo narrativo de organização do discurso (cf.

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64 reprodução adiante), de acordo com as propostas elaboradas pelos organizadores das

provas bimestrais14.

A fim de observar se haveria progresso na aquisição de algumas variantes

características da escrita escolarizada, a ideia inicial era selecionar todas as turmas de 6°

e 9° anos da escola, para realizar a comparação. Para tanto, a pesquisadora solicitou à

coordenação a cessão das redações escolares para a constituição do corpus da pesquisa.

Entretanto, isso não foi totalmente possível, uma vez que alguns professores se

esqueceram da solicitação e devolveram as provas de algumas turmas antes que

pudessem ser fotocopiadas. Dessa maneira, no primeiro bimestre, foram selecionadas as

redações de quatro turmas distintas, duas de sexto ano e duas de nono. Dessas mesmas

turmas, foram recolhidas novas redações, produzidas no quarto bimestre letivo, para

verificar se houve diferenciação no uso das variantes, com o passar do ano; entretanto,

não foi possível coletar o mesmo número de redações escolares do primeiro bimestre15.

Uma situação surgiu no período entre as coletas: uma das turmas de sexto ano

apresentou rendimento escolar muito abaixo do esperado no primeiro bimestre, e alguns

alunos foram diagnosticados como analfabetos funcionais. A fim de realizar um

trabalho específico com essa turma, o Conselho Escola Comunidade (CEC) decidiu

reduzir o número de alunos, para formar uma turma especial, e redistribuir os que não

ficariam nesse grupo, pelas demais turmas de sexto ano da escola. Dessa maneira, o

número de redações escolares dessa turma foi reduzido do primeiro para o quarto

bimestre praticamente pela metade.

Outro aspecto foi relevante na escolha das redações escolares para a composição

do corpus. Os alunos da escola são enturmados por idade, e organizados nos turnos de

maneira que os mais novos tenham aulas pela manhã, e os mais velhos, à tarde. Há

anos, os resultados das avaliações da escola indicam que o turno da manhã possui um

rendimento escolar melhor do que o dos alunos que frequentam à tarde. Embora isso

não seja resultado de uma pesquisa quantitativa, essa diferença de desempenho vem

sendo referida pelos professores em todos os Conselhos de Classe, e ratificada pelo

14 Na rede municipal de ensino, algumas avaliações são aplicadas em massa. Uma equipe de Língua Portuguesa elabora tanto as propostas de Produção Textual quanto as Provas de Leitura. Dessa maneira, o professor não tem livre arbítrio na escolha dos temas das redações escolares. 15 Faz-se necessário esclarecer que, em contexto de escola pública, especificamente da rede municipal, a assiduidade e permanência no ano letivo ainda é um desafio. Decorre disso, portanto, a impossibilidade de coletar o mesmo número de redações escolares em datas distintas.

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65 número superior de alunos que recebem menções honrosas no turno matinal. Portanto, a

fim de verificar se isso poderia interferir nos resultados, as quatro turmas foram

selecionadas de modo que houvesse uma turma da manhã e outra da tarde para cada ano

escolar.

A constituição desse corpus se deu, em síntese, por meio da coleta de redações

escolares produzidas pelos alunos da E.M. Thomé de Souza. Tais redações foram

selecionadas e distribuídas sistematicamente de acordo com o nível de escolaridade dos

alunos (6° e 9° anos do ensino fundamental), o bimestre em que as redações foram

escritas (1º e 4° bimestres) e o turno escolar das turmas selecionadas (manhã e tarde).

Observe-se o quadro a seguir, que pode demonstrar, de acordo com tais aspectos, como

se organiza o corpus da análise.

Quadro 5 – Composição do corpus: número de redações por ano de escolaridade, bimestre letivo e turno

escolar.

O número de redações escolares difere de acordo com os anos escolares, uma

vez que as turmas de 6° ano são menores do que as de 9° ano. Como mencionado

anteriormente, a falta de assiduidade dos alunos não permitiu que fosse coletado o

mesmo número de redações de cada turma. Em virtude disso, estabeleceu-se que o

menor número encontrado em cada ano escolar seria, na medida do possível, a

referência para a amostra. Observe-se, portanto, que foram selecionadas 24 redações de

cada turma de 6° ano (excetuando-se um bimestre letivo, em virtude da redução de uma

turma) e 29 redações de cada turma de 9° ano, tendo-se reunido um total de 201 textos.

A sistematização demonstrada no quadro acima referente à constituição do corpus

Escolaridade Bimestre Turno Totais parciais

6º ano 1° bimestre Manhã 24

Tarde 24

4° bimestre Manhã 24

Tarde 13

9º ano 1° bimestre Manhã 29

Tarde 29

4° bimestre Manhã 29

Tarde 29

Total Geral 201

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66 corresponde à distribuição dos textos de acordo com as variáveis extralinguísticas, que

serão descritas em subseção posterior.

Para a constituição do corpus, não foi possível considerar de forma estratificada

o gênero do estudante, uma vez que havia uma desigualdade entre número de meninos e

meninas das turmas selecionadas. Em relação à classe social, sabia-se que os jovens

estudantes eram moradores das comunidades do bairro onde se localiza a escola,

caracterizadas como de baixa renda, como já mencionado anteriormente. Quanto ao

nível de escolaridade de seus responsáveis (pai/mãe/avós/tias/madrinhas/etc.), que

poderia interferir nos conhecimentos que os alunos trariam para a escola, sabia-se, por

acesso às fichas dos alunos, disponibilizadas pela secretaria da escola, que a maioria não

havia concluído o ensino fundamental e nenhum responsável possuía nível superior

completo. Não foi realizada, entretanto, uma estratificação específica em relação a esse

aspecto, pois não houve tratamento individual dos autores das redações escolares.

Quanto à faixa etária dos alunos, houve um controle indireto, uma vez que eles estavam

divididos em anos escolares. Os alunos do 6° ano tinham entre 11 e 13 anos, e os alunos

do 9° ano tinham entre 14 e 16 anos.

Como já mencionado anteriormente, houve predominância do tipo narrativo de

organização do discurso no gênero escolhido para a composição do corpus, uma vez que

as propostas elaboradas pela SME/RJ determinavam esse perfil do texto. Para o

primeiro bimestre, a proposta de produção textual foi a seguinte:

TEMA: Escolha um personagem de um dos livros que leu neste

bimestre e escreva uma nova história em que ele será o personagem

principal. Essa nova história acontecerá em um outro espaço, um mundo

mágico em que tudo é possível. Conte como a história começa, o que

acontece com o personagem e como a história termina.

Ainda no mesmo bimestre, a proposta para o 9° ano era a seguinte:

TEMA: Escreva um pequeno conto em que o protagonista seja um dos

personagens de um livro que você leu neste bimestre. Lembre-se da

estrutura do conto: situação inicial, conflito gerador, clímax e desfecho.

No quarto bimestre, foi elaborada esta proposta para o 6° ano:

TEMA: Escolha uma história que você tenha lido neste bimestre e de

que tenha gostado. Escreva a continuidade da história, contando o que

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aconteceu após o seu desfecho. Nessa nova história, você pode levar os

personagens para um outro tempo e para um espaço diferente. Além

disso, pode incluir novos personagens. Lembre-se de que o seu texto

deve apresentar situação inicial, complicação – do conflito gerador ao

clímax – e desfecho.

Finalmente, o 9° ano do quarto bimestre teve a seguinte proposta:

TEMA: Escreva uma crônica narrativa a partir de uma situação

apresentada em um dos livros lidos por você neste bimestre. Lembre-se

da estrutura dos textos de base narrativa e das características de uma

crônica.

As propostas acima muito se assemelham entre si; logo, supôs-se que os textos

apresentariam perfis aproximados. Percebe-se uma preocupação em relação à estrutura

do modo narrativo de organização do discurso; os alunos são convidados a colocar em

prática, em suas produções textuais, a ordem canônica da narrativa: “situação inicial,

conflito gerador, clímax e desfecho”. Cabe destacar que os textos deveriam ser baseados

em livros que os alunos supostamente teriam lido naquele bimestre letivo, a fim de

aumentar seu repertório de leituras. No entanto, como essa leitura era livre, muitos

alunos – inclusive os de 9° ano, de quem se esperava maior comprometimento com os

estudos – não escolhiam obras para a leitura e baseavam suas produções textuais em

contos clássicos conhecidos, como Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos,

Branca de Neve e outros do mesmo gênero, ou mesmo em filmes conhecidos, como

Batman, Os Vingadores e Velozes e Furiosos.

Por se tratar de propostas que exigiam a predominância do modo narrativo de

organização do discurso em 3ª pessoa, acredita-se que haveria mais ocorrências de

acusativo dessa pessoa do que as demais funções das outras pessoas pronominais – o

que se confirmou, como se pode observar no Quadro 6, adiante. Entretanto, como se

objetiva realizar uma diagnose do quadro pronominal em uso em geral na amostra da

E.M Thomé de Souza, procedeu-se ao levantamento de todas as ocorrências de

nominativo de 1ª pessoa do plural e de 2ª pessoa do singular, e de acusativo e dativo de

1ª pessoa do plural, 2ª pessoa do singular e 3ª pessoa do singular e do plural, além das

variantes pronominais da função reflexiva das três pessoas. No total, foram encontrados

500 dados, distribuídos no quadro a seguir, cujos resultados serão explorados no

capítulo referente à análise.

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68

Tabela 5 - Total de dados de cada tipo de pronome distribuídos por variáveis extralinguísticas.

2.2.2. A descrição das variáveis

Nesta subseção, são descritas as variáveis linguísticas escolhidas para análise,

exemplificadas com dados retirados do corpus16. Uma vez que não houve uma

distribuição homogênea do quantitativo de dados por tipo pronominal em estudo – o que

possibilitaria também o tratamento com base em frequências e índices probabilísticos –,

optou-se por uma análise mais qualitativa das ocorrências encontradas. No que se refere

ao acusativo anafórico de 3ª pessoa, porém – por ter apresentado número

significativamente maior de dados –, seu tratamento será feito, também, por meio de

uma análise quantitativa sociolinguística. Assim, justifica-se que a descrição da regra

variável referente à expressão de objeto direto de 3ª pessoa será feita com mais detalhes

com base na metodologia variacionista, após a descrição dos usos relativos aos demais

pronomes em estudo.

16 Não foram encontradas ocorrências de todas as variantes elencadas, o que justifica a ausência de exemplos em alguns casos.

Ano escolar

Bimestre Turno Nom.

Nom.

Acus.

Acus.

Acus.

Dat.

Dat.

Dat.

Refl.

Totais parciais por ano escolar

6º ano 1° bimestre

Manhã 2 2 - 1 44 - - 4 - 53

Tarde 1 8 1 - 24 1 - 1 7 43

4° bimestre

Manhã - - - - 56 - 2 8 2 69

Tarde - - - - 24 - - - - 24

9º ano 1° bimestre

Manhã 1 3 14 3 82 7 - 9 8 132

Tarde - 1 - - 64 1 - 9 15 90

4° bimestre

Manhã - - - - 36 - - 3 4 43

Tarde - 2 - 2 43 - - 5 - 52

Totais parciais por variáveis extralinguísticas

4 16 15 6 373 9 2 39 36

Total Geral 500

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VARIÁVEIS

VARIANTES PRONOMINAIS

Nominativo Acusativo Dativo Reflexivo 1ª PESSOA nós, a gente nos, nós, a

gente nos, (a/para)

nós, (a/para) a gente

me, nos, nós mesmos, a

gente mesmo, se

2ª PESSOA tu, você te, lhe, o, a, tu, você

te, lhe, (a/para) você

te, tu mesmo, você mesmo,

vocês mesmos, se

3ª PESSOA ----17

o, os, a, as, ele, eles, ela, elas

lhe, lhes, (a/para), ele, eles, ela, elas

se, si, ele mesmo, ela

mesma

Quadro 6 – Descrição das variantes pronominais elencadas pela literatura para cada pessoa discursiva e função.

(I) Pronomes na função de sujeito

Para a função nominativa de 1ª pessoa do plural, presumia-se que haveria uso

dos pronomes nós e a gente.

(1) a.“os dinossauro passo e agente viu” (Redação 010, turma 1603, 1° bimestre)

b. “Então está bom nós já vamos” (Redação 029, turma 1604, 1° bimestre)

Quanto à função nominativa de 2ª pessoa do singular, esperava-se encontrar

ocorrências tanto dos pronomes tu18 e você como da forma de tratamento o senhor/ a

senhora.

(2) “senhora você que um pouco de água porque você esta passando muito mal mesmo”

(Redação 017, turma 1603, 1° bimestre)

(II) Pronomes na função de objeto

No que se refere ao acusativo fórico de 1ª pessoa, acreditava-se que haveria

dados de pronomes clíticos (me, nos), de pronomes lexicais (nós, a gente) e de objeto

nulo.

(3) a. “ele falaro você sauvo gete”19 (Redação 033, turma 1604, 1° bimestre)

17 Essa lacuna é justificada pelo fato de que as formas pronominais do sujeito de 3ª pessoa não são estudadas no presente trabalho. 18 Pela falta de ocorrência desta variante, não houve como ilustrá-la.

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70 b. “Algum dia essa nossa amiga irá nos chamar” (Redação 106, turma 1901, 1° bimestre)

Para o acusativo fórico de 2ª pessoa, previa-se que seriam encontrados

pronomes clíticos (te, lhe, o/a), pronomes lexicais (tu, você, vocês) e objeto nulo.

(4) a.“me da a cesta se não eu vou te devora chapeuzinho” (Redação 062, turma 1603, 4°

bimestre)

b. “Olá Hussi eu sou Mauricio... Nós queremos adotar você” (Redação 101, turma 1901, 1°

bimestre)

Em relação às variantes representativas do dativo fórico de 1ª pessoa, eram

esperadas as seguintes ocorrências: o pronome clítico (me, nos), o pronome lexical

(a/para nós, a/para a gente) e o objeto indireto nulo.

(5) a. “me da a cesta se não eu vou te devora chapeuzinho” (Redação 062. turma 1604,1°

bimestre)

b. “irá nos chamar e nos estender a mão” (Redação 106, turma 1901, 1° bimestre)

Quanto ao dativo fórico de 2ª pessoa, eram previstas as seguintes variantes: o

pronome clítico (te, lhe, lhes), o pronome lexical (a/para você, a/para vocês) e o objeto

indireto nulo.

(6) “chapelzinho vermelho estava indo Leva Lanche Para Sua Vo... o lobo falo cauma

não vo fazer mal a você vo vim te da um Bam dia”20(Redação 032, turma 1604, 1° bimestre)

19 Esse exemplo contém uma ocorrência encontrada no pacote de redações da turma 1604. Ao final do 1° bimestre, conforme já se esclareceu, foi realizada uma “avaliação diagnóstica” – disponibilizada pela SME/RJ – a partir da qual, alguns alunos foram considerados analfabetos funcionais. Nessa turma, havia alunos com dificuldades extremas em relação à escrita. Nesse exemplo específico, o aluno quis escrever o seguinte: “Eles falaram: - Você salvou a gente.”. 20 De modo semelhante ao exemplo 3a, segue a reescritura deste exemplo (6a): “Chapeuzinho Vermelho estava indo levar lanche para sua vó... O lobo falou: - Calma, não vou fazer mal a você. (Vou) Vim te dar um bom dia.”.

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71

Em relação ao dativo anafórico de 3ª pessoa, acreditava-se que os alunos

produziriam as seguintes variantes: pronome clítico (lhe), o sintagma preposicionado

(SP anafórico) e o objeto indireto nulo.

(7) a. “Então os três ursos chegaram e viram os estragos, mais cachinhos dourados

havia acordado e pediu desculpas pros ursos”. (Redação 049, turma 1603, 4° bimestre)

b. “ele criava na sua mente um deus (...) Até que o “Deus” da mente de disse que

lhe daria um diário” (Redação 104, turma 1901, 1° bimestre)

No que se refere à função reflexiva de 1ª, 2ª e 3ª pessoas, era possível o

aparecimento das seguintes variantes: clíticos reflexivos (me, te, se, nos) com relação de

concordância, clítico reflexivo sem relação de concordância (se), pronome lexical

seguido de mesmo (nós mesmos, a gente mesmo, você mesmo, ele mesmo, ela mesma) e

o apagamento do clítico21.

(8) “ela se inscreveria em um concurso que ganharia, uma bolsa no exterior... (Redação

138, turma 1902, 1° bimestre)

O acusativo de 3ª pessoa anafórico, tal qual mencionado anteriormente,

necessita, dado o grande número de dados observados nas redações, de um tratamento à

parte, com especificação de quais variáveis – linguísticas e extralinguísticas – seriam

relevantes para a escolha de uma ou outra variante. Segue-se, então, o conjunto de

grupos de fatores estabelecidos para o tratamento desse fenômeno linguístico.

(i) Variável dependente

Com base no que é disposto pela literatura, foram estabelecidas quatro variantes

para expressar o objeto direto anafórico de 3ª pessoa.

1) O pronome clítico:

21 Duarte e Ramos (2015), a partir de pesquisas anteriores (Cf. Capítulo 1), mapeiam essas quatro variantes para a função reflexiva. No caso desta pesquisa, como não houve ocorrências de todas as formas, só há exemplo da variante encontrada no corpus.

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72 (9) “Mas um belo dia eles viram pessoasi saindo da cidade mágica, e asi seguiram”

(Redação 006, turma 1603, 1° bimestre)

2) O pronome lexical:

(10) “A entidade viu que Wander tinha a espadai sagrada e ficou surpreso possuir elai”

(Redação 087, turma 1901, 1° bimestre)

3) O sintagma nominal SN:

(11) “A idosai estava no celular... Eles não denunciaram a idosai” (Redação 146, turma 1901,

4° bimestre)

4) O objeto nulo:

(12) “me dá a cestai... eu não vou da [Ø]i porque a vovó vai ficar sem” (Redação 062, turma

1603, 4° bimestre)

Especificamente no que tange à variante sintagma nominal, observaram-se

também, de maneira semelhante ao que foi realizado na pesquisa de Santana (2016), os

seguintes casos:

a) O SN idêntico, que remete a uma expressão nominal exatamente igual ao SN

antecedente:

(13) “e Jasoni ficava preocupado (...) Com fome, Emily atacou Jasoni” (Redação 133, turma

1902, 1° bimestre)

b) O SN semelhante, que apresenta expressões nominais com apenas o núcleo idêntico

ao do antecedente:

(14) “Ele diz: você temque vencer a rainha do geloi e Luna chegou la e venceu a

rainhai” (Redação 029, turma 1604, 1° bimestre)

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73 c) O SN sinônimo, que envolve expressões nominais diferentes do SN antecedente e

sem o mesmo núcleo:

(15) “Aconteceu um atropelamento envolvendo um casal com um bebêi e uma idosa... I

o casal estava parado em frente ao shopping admirando a criançai” (Redação 145, turma 1901,

4° bimestre)

Para essa separação, a autora (Santana, 2016) se baseou nos resultados de

Machado (2006), que encontrou baixíssimo índice do uso de SN sinônimos em escrita

escolar, considerando o intervalo de escolaridade da 4ª série do Ensino Fundamental ao

3° ano do Ensino Médio.

(ii) Variáveis independentes

Considerando as variáveis que se mostraram relevantes na pesquisa de Santana

(2016) – também com base na escrita escolar –, foram estabelecidos oito grupos de

fatores que poderiam condicionar a ocorrência de uma ou outra variante: cinco variáveis

linguísticas e três extralinguísticas.

Variáveis linguísticas

1) Natureza do antecedente do acusativo anafórico

a) SN sintagma nominal:

(16) “então ele foi tentar achar a saídai (...) batimam ajudou ele e bateu no inimigo dele

ele achou a saída” (Redação 024, turma 1603, 1° bimestre)

b) Oração:

(17) “O rapaz a convida pra sair e Raquele logo aceita [Ø]” (Redação 140, turma 1902, 1°

bimestre)

Tanto na fala quanto na escrita, não é comum que os brasileiros retomem um

antecedente oracional com o clítico acusativo. Para tanto, em geral, fazem uso do objeto

não expresso, também chamado de objeto nulo (Cf. FREIRE, 2005). Dessa maneira,

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74 espera-se que os dados de clíticos acusativos do corpus – e das demais variantes, à

exceção do objeto nulo – retomem apenas antecedentes SNs.

2) Animacidade do antecedente

a) Animado:

(18) “R101 (A menina) Elai quase morre mais vem um menino e ajuda elai...”(Redação

101, turma 1901, 1° bimestre)

b) Inanimado:

(19) “um dia um senhor estava distribuindo o convitei mais sua madrasta viu e pegou o

convite” (Redação 007, 1603, 1° bimestre)

Pesquisas anteriores apontam essa variável linguística como altamente relevante

ao condicionamento de uma ou outra variante. Conforme apontam Omena (1978),

Duarte (1986) e Freire (2005), entre outros, o traço + animado do antecedente é o maior

favorecedor do aparecimento do pronome lexical ele em função acusativa; ao mesmo

tempo, oferece resistência ao aparecimento do objeto nulo. Como o pronome lexical é a

variante mais estigmatizada, espera-se que as ocorrências desta variante, nas turmas de

9° ano, sejam mais comuns em contextos de antecedente + animado.

3) Função sintática do antecedente:

a) Igual:

(20) “bem viu um alieniginai... e o bem jogou o alieniginai lá... (Redação 037, turma 1604, 1

bimestre)

b) Diferente:

(21) “mas ele acaba se apaixonando por bella swani uma humana ele tenta não amar elai

e se afasta” (Redação 108, turma 1901, 1° bimestre)

Em relação a essa variável, pesquisas anteriores (Cf. Omena (1978), entre

outras) indicam que um antecedente que exerce a mesma função sintática que o

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75 acusativo anafórico favorece o uso da variante objeto nulo. Nesse caso, acredita-se que

as ocorrências do clítico acusativo e das demais variantes tenham preferência por um

termo de função sintática diferente como antecedente.

4) Estrutura sintática da frase

A estrutura de argumentos internos projetada pelo predicador verbal também foi

analisada nos dados do corpus. Os predicadores verbais em questão revelaram a

projeção das seguintes estruturas:

Estruturas simples

a) S V OD:

(22) “cinderelai não vai... O príncipe amou Cinderelai”(Redação 014, turma 1603, 1° bimestre)

b) S V OD OI:

(23) “uma vez a mãe de chapeuzinho pediu para levar docesi para sua vó (...)

chapeuzinho deu seus docesi para a sua vo” (Redação 070, turma 1603, 4° bimestre)

c) S V OD Oblíquo22:

(24) “ao acordar Hayllai se depara com um belo jovem... o meninai levou em casa”

(Redação 111, turma 1603, 4° bimestre)

Estruturas complexas

d) S V OD + predicativo:

(25) “Menendezi tinha matado seu pai (...) - Eu não posso deixar Menendezi vivo”

(Redação 099, turma 1901, 1° bimestre)

e) S V OD + verbo no infinitivo:

(26) R183 Mas ela vê que estava sem os documentos do carro e foge do policiali,

fazendo elei seguir ela (Redação 183, turma 1902, 4° bimestre)

f) S V OD + verbo no gerúndio:

22 Esse padrão oracional foi baseado na tipologia apresentada por Duarte (1986 apud Duarte e Ramos, 2015). Nesse padrão de transitividade, o complemento oblíquo corresponde aos complementos relativo e circunstancial, descritos em classificações tradicionais como a de Rocha Lima (1972).

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76 (27) “não sabia que elai (minha amiga) sempre ia no mercado para roubar (...) Chegando

no mercado entramos na sessão de bebidas alcoolicas e eu vi elai colocando uma garrafa

de vinho dentro de uma bolsa” (Redação 129, turma 1902, 1° bimestre)

Estudos anteriores (cf. OMENA (1978), DUARTE (1986), FREIRE (2005),

entre outros) indicam que, nas estruturas complexas – nas quais o termo anafórico

exerce “dupla função” –, há um forte favorecimento do ele acusativo, tanto na fala

quanto na escrita. Isso decorre do fato de que esse termo anafórico que recebe caso

acusativo funciona como sujeito da oração seguinte. Além disso, segundo Duarte

(1986), a estrutura S V OD é a única em que ainda se verificam dados de clítico

acusativo na fala. Com base nisso, espera-se encontrar no corpus mais ocorrências do

clítico acusativo na estrutura simples S V OD e mais do pronome lexical nas estruturas

complexas (S V OD + predicativo; S V OD + verbo no infinitivo; e S V OD + verbo

no gerúndio).

5) Distância entre o antecedente e o termo anafórico:

a) Perto:

(28) “perto do shopping onde se encontra um casali e uma idosa atropelados... ela não

viu e atropelou um casali” (Redação 162, turma 1901, 4° bimestre)

b) Longe:

(29) “Cinderela é uma jovem muito bonitai (1° parágrafo) e ele decidiu levar elai e assim

foi a vida (5° parágrafo)” (Redação 123, turma 1902, 1° bimestre)

Para codificar essa variável, seguiu-se a metodologia de Santana (2016). A

autora adotou a medida estrutural de cinco orações entre o termo antecedente e o

acusativo anafórico para considerar [+ distante]. Essa distância estabelecida decorreu do

fato de que, no corpus analisado pela referida autora, não havia uma paragrafação

regular; portanto, não era possível determinar como mais distante o termo que estivesse

no parágrafo anterior. A presente investigação também não encontrou uma

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77 padronização quanto ao modo de organização dos parágrafos nas redações escolares

analisadas; então, foi necessário adotar o procedimento proposto por Santana (2016).

A presente investigação ainda apoiou-se na hipótese – verificada por Xavier

(2015 apud SANTANA, 2016) – de que, se o antecedente estivesse mais distante do

acusativo anafórico, provavelmente a variante escolhida pelo aluno para a retomada

seria um sintagma nominal, a fim de manter a clareza da referência.

Variáveis extralinguísticas

1) Ano escolar:

Como as pesquisas anteriores (Cf. Averbug (2000), Freire (2005), entre outros)

indicam que o processo de letramento introduz o clítico acusativo na escrita escolar,

buscou-se averiguar se haveria mudança de comportamento linguístico do 6° ano para o

9° anodo Ensino Fundamental. Espera-se, portanto, que haja mais ocorrências de

pronomes clíticos no 9° ano e menos usos de pronomes lexicais.

2) Bimestre letivo:

A partir dessa variável extralinguística, apresente pesquisa busca verificar se

houve algum favorecimento da variante padrão (clítico acusativo) ao final do 4°

bimestre letivo. Admite-se, entretanto, que um ano não é suficiente para introduzir

formas padronizadas na escrita escolar, uma vez que essa implementação é fruto de anos

de escolarização. Ainda assim, controlou-se essa variável para investigar a suposta

estabilidade de comportamento linguístico dentro do mesmo ano escolar.

3) Turno escolar:

Essa variável extralinguística é diretamente relacionada a dois fatores sociais do

grupo escolar em estudo: (1) os alunos da manhã são mais novos e nunca repetiram,

enquanto os alunos da tarde são mais velhos e alguns estariam repetindo o ano escolar;

(2) os alunos da tarde são considerados mais indisciplinados e com menor rendimento

escolar do que os da manhã, o que foi atestado nos resultados das avaliações externas

(provas da SME). Nesta investigação, acredita-se que os alunos do segundo turno,

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78 devido aos fatores mencionados, produzam mais ocorrências da variante estigmatizada

(pronome lexical).

2.2.3. O tratamento dos dados

Para a realização desta investigação sobre o uso do quadro pronominal por alunos de

uma escola municipal da cidade do Rio de Janeiro, foram necessários alguns

procedimentos. Uma vez levantadas as ocorrências pronominais no corpus de redações

escolares, procedeu-se à análise da distribuição pronominal nas quatro funções

escolhidas previamente.

Percebeu-se que o número de dados era, como se supôs, desigual para cada contexto

linguístico pré-estabelecido, o que inviabilizou o tratamento do mesmo modo para cada

função analisada. Os dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa superaram em número

as ocorrências das demais funções. Essa diferença quantitativa era esperada nesta

investigação, uma vez que o modo de organização do discurso solicitado nas produções

textuais – narrativa em 3ª pessoa – favorece a presença de dados anafóricos de 3ª

pessoa. Dessa maneira, foi realizada também uma análise quantitativa, com base em

rodadas multivariadas no programa de estatística Goldvarb X, para o tratamento do

acusativo anafórico de 3ª pessoa. Para as demais variáveis linguísticas em estudo, cujo

número de ocorrências não permitia igual tratamento, a descrição foi baseada apenas

nas frequências, acompanhada da observação do comportamento das ocorrências dos

fenômenos em estudo.

Em relação ao acusativo anafórico de 3ª pessoa, em vista do tratamento

variacionista, fazem-se necessárias algumas considerações quanto aos procedimentos

adotados para tornar possível a análise.

Uma vez coletados os dados, fez-se uma rodada geral inicial, que revelou a

distribuição das ocorrências por todas as formas de preenchimento do objeto direto, com

valores absolutos e percentuais – o que permitiu verificar quais variantes foram mais ou

menos utilizadas pelos alunos. Antecipando os resultados gerais, salienta-se que a

tendência geral do corpus, salvo construções aparentemente cristalizadas, é o não

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79 preenchimento do OD, quando em retomadas de antecedentes oracionais, como se pode

observar no exemplo a seguir:

(30) “ela mandou matar-lai. A Branca de neve descobriu [Ø]i e fugiu” (Redação 067, turma

1603, 4° bimestre)

Com base nesse resultado geral, foram realizadas duas rodadas multivariadas

com o programa, a fim de verificar a probabilidade de ocorrência de uma ou outra

variante diferente dessa ordem geral não marcada – especificamente foram escolhidos o

clítico acusativo e o pronome lexical como valor de aplicação. Considerando os grupos

de fatores controlados e os pesos relativos atribuídos a cada fator desses grupos no

favorecimento de certa variante (clítico ou pronome lexical) contraposta a todas as

demais, foram observados quais elementos poderiam condicionar os usos encontrados.

Foi realizada, também, uma rodada multivariada com o objeto nulo como valor de

aplicação, cujos resultados não acrescentaram informações distintas relevantes.

A primeira rodada multivariada teve como valor de aplicação o pronome clítico,

que foi contraposto a todas as demais variantes. O programa, ao selecionar os grupos de

fatores relevantes ao condicionamento dos dados, atribuiu significância .00 e input .15

de tendência à variante padrão.

Na ocasião, houve dados categóricos (knockouts) nos grupos antecedente do

acusativo anafórico e estrutura sintática da frase. No primeiro grupo, as 15 ocorrências

com antecedentes oracionais eram majoritariamente da variante objeto nulo – além de

dois dados, um de pronome clítico e outro de sintagma nominal, que configuravam usos

mais cristalizados. Esses dados serão expostos na Seção 2.3.3.

Como nessa primeira rodada o grupo de fatores antecedente do acusativo não foi

selecionado, optou-se por retirar todos os dados com antecedentes oracionais, dada sua

particularidade na configuração da regra variável no PB: efetivamente, não se conta

com todas as formas alternantes previstas, como ocorre com os antecedentes do tipo SN.

Cabe salientar que, a partir dessa escolha metodológica, o número total de dados passou

de 373 para 358.

Para o segundo grupo com dados categóricos, a estrutura sintática da frase,

amalgamaram-se as estruturas por semelhanças sintáticas: construções bitransitivas – S

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80 V OD OI e SV OD Oblíquo; e estruturas com predicados complexos – SV OD +

predicativo,SV OD + verbo no infinitivo e SV OD + verbo no gerúndio.

A segunda rodada multivariada considerou o pronome lexical – variante

supostamente estigmatizada na escrita formal – como valor de aplicação. Uma vez que

alguns fatores já haviam sido amalgamados nos grupos organizados para a rodada

referente ao clítico acusativo, não havia mais knockouts. Nessa segunda etapa, o

programa selecionou os grupos de fatores relevantes ao condicionamento com

significância .04 e input .13 de tendência ao pronome lexical.

Na próxima seção, são discutidos os resultados das análises realizadas na

presente investigação quanto a cada variável linguística em estudo.

2.3. Análise e interpretação dos dados

Nesta seção, são realizadas a análise e a interpretação dos dados encontrados nas

redações escolares investigadas na presente pesquisa, em relação a todas as funções em

estudo. Como o acusativo anafórico de 3ª pessoa teve um tratamento diferenciado dos

demais fenômenos variáveis em estudo (cf. subseção 2.3.3), a análise dos demais

pronomes foi dividida nas duas subseções iniciais. Na subseção (2.3.1), apresentam-se

os resultados acerca dos pronomes na função de sujeito. A segunda subseção (2.3.2)

descreve os resultados em relação aos pronomes que funcionam como objeto. Por fim, a

terceira subseção (2.3.2) aborda o tratamento dispensado aos pronomes acusativos de

3ª pessoa.

2.3.1. Pronomes na função de sujeito

I. Nominativo de 1ª pessoa

A falta de um quantitativo relevante desses dados já era esperada, considerando

que o uso do tipo narrativo de organização do discurso em 3ª pessoa não favorecia

construções em 1ª pessoa. Acreditava-se, contudo, que as variantes nós e a gente

poderiam surgir nos diálogos entre os personagens das narrativas.

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81

De todas as 201 redações escolares analisadas, foram encontrados 4 dados para a

expressão do sujeito de 1ª pessoa do plural – 2de a gente em redação do 6º ano e 2 de

nós, sendo um em turma do 6° ano e outro em turma do 9° ano (1° bimestre) – listados a

seguir.

(31) a. “os dinossauro passo e agente viu porque agente passo pelo túnel perdido”

(Redação 010, turma 1603, 1° bimestre)

b. “Então está bom nós já vamos”(Redação 029, turma 1604, 1° bimestre)

c. “e agora nós somos namorados” (Redação 139, turma 1902, 1° bimestre)

Com esse número irrisório de dados, não se pode realizar, por motivos óbvios, a

análise observando os contextos favorecedores de nós ou de a gente, conforme feito por

Omena (1978; 1986) e Lopes (1993), por exemplo. Entretanto, podem ser tecidos dois

comentários de natureza linguística. Ao considerar esses dados dentro do contexto – ou

seja, analisando o caráter referencial dessas variantes pronominais em cada redação

especificamente – percebe-se que todos apresentam o traço [+ determinado], pois não

eram utilizados para a indeterminação do sujeito. Isso se assemelha aos resultados de

Callou e Lopes (2004) – sobre falantes cultos e não cultos do Rio de Janeiro – acerca do

aumento generalizado de a gente para contextos tanto de referência determinada quanto

de indeterminada. A pesquisa realizada pelas referidas autoras mostrou que os

contextos de referência determinada – que antes eram exclusivos da forma nós –

começaram a ser preenchidos também pelo pronome a gente. Entre os grupos de fatores

linguísticos controlados por Omena (1986) e também por Lopes (1993), nessas

ocorrências citadas, foi possível perceber, no dado expresso em (b.), que houve

paralelismo formal e semântico.

Em termos extralinguísticos, chama a atenção o fato de que a forma pronominal

agente ocorreu justamente no texto de um aluno do 6° ano, que apresentava – em sua

redação – muitas dificuldades em relação a padrões de escrita. Provavelmente, a falta de

uso dessa variante linguística – no texto dos outros estudantes – pode ser associada à

concepção de que essa forma pronominal é pouco desejada em textos escritos mais

formais.

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82 II. Nominativo de 2ª pessoa

De modo semelhante ao nominativo de 1ª pessoa, não eram esperados muitos

dados para a 2ª pessoa do singular. Embora as propostas de produção textual

selecionadas não determinassem em qual pessoa a história deveria ser narrada, muitos

alunos optaram pela 3ª pessoa em sua escrita. Além disso, muitos alunos também

escolheram não introduzir diálogos em seus textos. Isso reduziu a possibilidade de

ocorrências dos pronomes de referência às pessoas da interlocução (1ª e 2ª).

Considerando os dois anos escolares – assim como as produções desenvolvidas nos dois

bimestres letivos – foram encontrados 16 dados de expressão do sujeito de 2ª pessoa

do singular, em 10 redações diferentes, distribuídos conforme na tabela a seguir.

1603 1604 1901 1902

1° bimestre 2 8 3 1

4° bimestre - - - 2

Total 16

Tabela 6 – Distribuição das ocorrências de nominativo de 2ª pessoa plural entre as turmas.

Novamente, não foi possível realizar uma análise específica, levando em

consideração os contextos favorecedores de tu ou de você/cê/ocê, conforme Paredes

Silva (2003) e Lopes et al. (2009). Ainda assim, alguns aspectos foram observados.

Todos os dados encontrados foram da forma pronominal você. O fato de não ter

aparecido o pronome tu sem marcas de concordância – forma utilizada

preferencialmente no dialeto carioca – pode estar relacionado ao contexto interacional

envolvido. Scherre et al. (2015) indicam que a forma pronominal tu, em contextos de

fala natural, “tende a não ocorrer como a primeira opção nas relações interacionais

iniciais entre não pares e/ou não íntimos” (p. 158). Nas 16 ocorrências encontradas,

além de se tratar de modalidade escrita, o contexto interacional estava associado a um

diálogo entre pessoas com pouco grau de conhecimento ou total desconhecimento.

Esses contextos interacionais certamente não favoreceriam ocorrências da forma

pronominal tu – o que, ao contrário, acabou por gerar o uso absoluto do pronome você.

O dado a seguir ilustra esse aspecto, com o reforço da falta de intimidade com o

interlocutor, demonstrado pelo uso da forma senhora. No segundo dado representado

em (32), é possível notar o paralelismo da forma utilizada com seu referente.

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83 (32) a. “senhora você que um pouco de água porque você esta passando muito mal

mesmo” (Redação 017, turma 1603, 1° bimestre)

Os exemplos ilustrados em (33) foram retirados de uma redação em que o aluno

deveria contar uma história de personagem de algum livro lido no bimestre. O aluno

optou por colocar a personagem Alasca Young (Quem é você, Alasca?, de John Green),

narrando sua própria história. Na narrativa, então, a personagem dialoga com o leitor,

chamando-o de você. Nesse contexto, essa forma pronominal assume uma referência

[+genérica], uma vez que o interlocutor pode representar uma diversidade de leitores –

embora esse tipo de referência não constitua um caso de indeterminação máxima. Esse

uso corrobora o que Scherre et al. (2015) afirmam acerca do tipo de referência: “a

referência específica tende a favorecer os usos de tu e a genérica, os usos de você”

(p.169).

(33) a.“Você já se sentiu triste por não poder abraçar os seus amigos?” (Redação 099, turma

1901, 1° bimestre)

b. “Você será a próxima pessoa na lista deste planeta a morrer?” (Redação 104, turma

1901, 1° bimestre)

2.3.2. Pronomes na função de objeto

I. Acusativo fórico de 1ª pessoa

Houve ocorrência de 15 dados de acusativo de 1ª pessoa. Alguns exemplos são

ilustrados em (34).

(34) a. “ele falaro você sauvo gete”23(Redação 033, turma 1604, 1° bimestre)

b. “como assim maxon? o que houve? perguntei. o meu pai não quer nos ver

juntos” (Redação 100, turma 1901, 1° bimestre)

c. “Algum dia essa nossa amiga irá nos chamar” (Redação 106, turma 1901, 1° bimestre)

O número de ocorrências do acusativo de 1ª pessoa também é reduzido, o que

não possibilitou considerações mais conclusivas quanto à atuação de certos fatores,

tanto linguísticos quanto extralinguísticos. Apesar dessa limitação, foi possível verificar

23 “Eles falaram: - você salvou a gente”.

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84 uma tendência compatível com o que foi encontrado por Arruda (2006) – com relação

ao corpus do Projeto Nurc (1970) –, cujos resultados foram consistentes quanto ao

favorecimento dos clíticos de 1ª pessoa em relação às demais variantes.

Nas redações escolares analisadas, houve 14 ocorrências do pronome clítico (13

da forma singular me, e 1 da forma plural nos) e 1 ocorrência do pronome lexical (a

gente). Cabe ressaltar que o único dado com o pronome lexical ocorreu na turma de 6°

ano, o que indica uma diferença de uso entre os anos escolares em estudo, e em redação

de aluno com muita dificuldade na expressão escrita. Os demais dados (14) foram

encontrados em 7 redações elaboradas pelas turmas de 9° ano da manhã (1° bimestre).

II. Acusativo fórico de 2ª pessoa

Foram encontrados apenas7 dados de acusativo de 2ª pessoa. Pesquisas

anteriores – acerca do uso dessas variantes em contexto de fala – apontam uma presença

robusta do clítico de 2ª pessoa (te) e também do clítico de 3ª pessoa (lhe) em função

acusativa de 2ª pessoa (Cf. Arruda (2006), entre outros). Na tabela a seguir, são

descritos os dados encontrados no corpus em análise.

1603 1604 1901 1902

1° bimestre 1 1 3 2

4° bimestre - - - -

Total 7

Tabela 7 – Distribuição das ocorrências de acusativo fórico de 2ª pessoa singular entre as turmas.

Apesar do número reduzido de ocorrências dessa função, os dados parecem estar

em conformidade com o que já foi descrito na literatura: dos 7 dados

encontrados,houve6 ocorrências do clítico acusativo (te) – ilustradas em (35 a-) e 1

ocorrência do pronome lexical (você). A única ocorrência do pronome lexical foi

encontrada na turma de 9° ano, conforme ilustrado em (35):

(35) a. “me da a cesta se não eu vou te devora chapeuzinho”(Redação 062, turma 1603, 4°

bimestre)

b.“ai ele aproveitou e couto o coelo tipuro”24(Redação 033, turma 1604, 1° bimestre)

24 “Aí ele aproveitou e contou: - O coelho te empurrou”.

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85 c. “e não quero saber mais de você, eu te amava muito mais”(Redação 102, turma 1901, 1°

bimestre)

d. “logo depois ela falou: cala a boca, se não eu vou te arrebentar”(Redação 109, turma

1901, 1° bimestre)

e. “sou um assaltante idiota, e vou te rouba passa tudo”(Redação 120, turma 1902, 1°

bimestre)

f. “ porque minha mãe já dizia quem te leva para a rua”(Redação 129, turma 1902, 1°

bimestre)

g. “Olá Hussi eu sou Mauricio... Nós queremos adotar você” (Redação 101, turma 1901, 1°

bimestre)

III. Dativo fórico de 1ª pessoa

Houve 9ocorrências de dativo de 1ª pessoa. Quanto a essa função, estudos

anteriores (Cf. Arruda (2006), entre outros) apontam a variante clítico dativo como a

preferida para a expressão da 1ª pessoa. Os dados encontrados – embora sejam

reduzidos – parecem corroborar os resultados das pesquisas anteriores: todas as 9

ocorrências foram do clítico dativo, sendo a maioria do singular (me). Essas ocorrências

são listadas a seguir (36).

(36) a. “me da a cesta se não eu vou te devora chapeuzinho” (Redação 062, turma 1603, 4°

bimestre)

b. “irá nos chamar e nos estender a mão”(Redação 106, turma 1901, 1° bimestre)

c. “podem sentando e me explicando tudo” (Redação 103, turma 1901, 1° bimestre)

d. “ minha irmã me pediu para cuidar dos meus dois sobrinhos” (Redação 103, turma

1901, 1° bimestre)

e. “meu chefe me pediu para chamar o domador” (Redação 103, turma 1901, 1° bimestre)

f. “me informaram que o endominos conseguir sair de sua jaula” (Redação 103, turma

1901, 1° bimestre)

g. “daí me ligam outra vez” (Redação 103, turma 1901, 1° bimestre)

h. “daí me ligam outra vez me avisando que meus 2 sobrinhos sumiram” (Redação 103,

turma 1901, 1° bimestre)

i. “me dá essa merda de bilhete moleque” (Redação 121, turma 1902, 1° bimestre)

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86

Dos clíticos dativos encontrados, houve 1 ocorrência no 6° ano do ensino

fundamental e 8 ocorrências no 9° ano. Os dados referentes ao 9° ano, por sua vez,

forma encontrados nas duas turmas, tendo sido produzidos por apenas três alunos. Cabe

destacar que 6 das 8 ocorrências deste último ano escolar foram realizadas pelo

informante da redação 103. Em relação a essa redação, é importante ainda esclarecer

que o aluno está narrando uma história, a partir do ponto de vista de uma personagem

do filme Jurassic World. Possivelmente, todas as ocorrências de clíticos dativos foram

reproduzidas com base no texto original – nesse caso, na dublagem do filme. Ao

analisar especificamente as redações em que houve clíticos dativos, percebe-se ainda

que – embora todos os dados tenham sido dessa variante – esse número ainda foi

bastante em comparação ao número total de dados do corpus.

IV. Dativo fórico de 2ª pessoa

No corpus analisado, foram encontrados apenas 2 dados de dativo de 2ª pessoa,

realizados em uma redação de um aluno do 6° ano (turma 1604), ilustrado em (37).

(37) “chapelzinho vermelho estava indo Leva Lanche Para Sua Vo... o lobo falo cauma

não vo fazer mal a você vo vim te da um Bam dia”25(Redação 032, turma1604, 1° bimestre)

Estudos anteriores, referentes à fala, (Cf. Arruda (2000), entre outros) apontam

que, em relação a essa função, há competição entre as formas te, lhe, e você. De acordo

com Duarte e Ramos (2015), dentre essas variantes, a forma te constitui uma

permanência na língua, pois é utilizada mesmo em contextos sem o pronome tu.

As ocorrências encontradas no corpus de redações escolares não foram em

número suficiente para traçar resultados sobre a competição entre te, lhe e você. Ainda

assim, é notável que o mesmo informante utilizou duas dessas variantes em competição

(a você e te), para o mesmo contexto linguístico. Para ampliar a análise, porém, seriam

necessários mais dados.

25 “Chapeuzinho Vermelho estava indo levar lanche para sua vó... O Lobo falou: - Calma, não vou fazer mal a você. Vou vim te dar um bom dia.”

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V. Dativo anafórico de 3ª pessoa

No que se refere ao dativo anafórico de 3ª pessoa, foram encontrados 39 dados

para a expressão dessa função.

Valendo-se da pesquisa realizada por Freire (2015), que compara dados de

dativo de 3ª pessoa na escrita tanto no PB quanto no PE (Português Europeu), é possível

perceber as diferenças de usos relacionados aos três contínuos já referido no presente

trabalho, a saber: + oralidade/ - letramento; + oralidade/+ letramento; e – oralidade/+

letramento. Alguns gêneros textuais que aparecem no jornal foram escolhidos para

representar cada um desses contínuos, como, por exemplo, história em quadrinhos,

crônicas e reportagens. Dessa maneira, o que Freire (2005) considera mais próximo da

fala, em sua pesquisa, é um texto escrito que representa uma situação da modalidade

oral da língua. O presente trabalho, ao voltar o olhar para um corpus de redações

escolares, analisa textos escritos por alunos em processo de letramento – alguns com

mais ou menos anos de escolaridade. Não se esperavam, assim, resultados tão próximos

aos de Freire (2005), uma vez que o nível de letramento dos textos analisados nas duas

pesquisas em questão é diferente. As redações analisadas estariam mais próximas,

talvez, do primeiro ponto do contínuo: +oralidade/-letramento.

Desse modo, faz-se necessário comparar as ocorrências da presente pesquisa

com os resultados de Freire (2005), aqui retomados. Para o menor nível de letramento, o

autor encontrou 1 dado de clítico dativo (3,5%), 21 dados de SP anafórico (75%) e 6

dados de objeto nulo (21,5%), de um total de 28 dados. Na presente pesquisa, houve 4

ocorrências de clítico dativo (10,3%) e 35 de SP anafórico (89,7%). Não houve

ocorrência de objeto nulo. Esses dados são ilustrados na tabela a seguir.

Dativo anafórico de 3ª pessoa

Pronome clítico SP anafórico Objeto nulo

4/39 10,3% 35/39 89,7% - - Tabela 8 – Distribuição das ocorrências de dativo anafórico de 3ª pessoa nas redações escolares.

Para Freire (2005), a recuperação do clítico dativo lhe na modalidade escrita é

pouco expressiva no PB, diferentemente do que ocorre com a função acusativa, na

mesma pessoa. No PB, observa-se a plena implementação do SP anafórico juntamente

com o objeto nulo. Embora não apresente ocorrências de objeto nulo, os resultados da

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88 presente pesquisa revelam algo próximo ao que foi encontrado por Freire (20015):

poucos dados do clítico dativo e mais ocorrências do SP anafórico.

Em relação aos anos escolares analisados, cabe esclarecer que 2/4 dados de

clítico dativo foram produzidos por alunos de 6° ano. Ambos os dados eram referentes a

histórias recontadas de textos de alto grau de letramento: um de literatura infanto-

juvenil e outro de um conto de fadas. Esses dados são ilustrados em (38), a seguir.

(38) a. “a tigreza gigante surreal ficou triste, pois titio avô não lhe deu bom dia” (Redação

015, turma 1603, 1° bimestre)

b. “o primeiro que era o mais preguiçoso... e construiu uma casa de palha, emboro

seus ir ao lhe tenham dito que não era seguro”26(Redação 074, turma 1604, 4° bimestre)

Os outros 2 dados de clítico dativo encontrados no corpus, listados em (39),

foram produzidos por alunos do 9° ano do ensino fundamental.

(39) a. “R104 ele criava na sua mente um deus (...) Até que o “Deus” da mente de disse

que lhe daria um diário” (Redação 104, turma 1901, 1° bimestre)

b. “Sua mãe adoeceu de tanta dor que o filho lhe causou” (Redação 141, turma 1902, 14°

bimestre)

Todas as redações produzidas pelo 9° ano em que havia clíticos dativos foram

baseadas em livros ou filmes, o que aproximava esse texto de nível de letramento maior.

Isso não significa que, ao escrever um texto inventado por si mesmo, esse aluno usaria a

variante padrão. Conforme Freire (2005), a escrita recupera, de forma pouco expressiva,

a variante clítico dativo. Os usos encontrados no corpus analisado na presente pesquisa

também confirmam esses resultados.

6) Reflexivos de 1ª, 2ª e 3ª pessoas

Em relação aos reflexivos, a literatura aponta que não há uma distribuição

regular de seu uso, considerando o território brasileiro (Cf. DALTO (2002), FREITAG

(2003), entre outros). No corpus analisado, foram encontrados 36 dados de função

reflexiva, referentes às 1ª (2/36) e 3ª pessoas (34/36). Essas ocorrências apresentavam a

variante clítico reflexivo nas formas me e se, à exceção do seguinte dado.

26 “O primeiro era mais preguiçoso... e construiu uma casa de palha, embora seus irmãos lhe tenham dito que não era seguro.”

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89 (40) a. “Percebeu que o verdadeiro sentido é impressionar-se a si mesma” (Redação 130,

turma 1902, 1° bimestre)

Estudos apontam que a realização da função reflexiva pode ser analisada de

modo igual nas três pessoas do discurso, uma vez que a expressão dessa função atinge

igualmente as três pessoas (Cf. DUARTE e RAMOS, 2015). Dessa maneira, no corpus

de redações escolares, as ocorrências dessa função nas 1ª e 3ª pessoas não foram

analisadas separadamente.

Os dados encontrados na presente pesquisa revelam clíticos reflexivos em

relação de concordância em número e pessoa com seu antecedente. O exemplo (41)

descreve as ocorrências referentes à primeira pessoa.

(41) a. “me encontro em cima da sacada de um edifício” (Redação 099, turma 1901, 1° bimestre)

b. “me deparei com uma moça muito bonita” (Redação 099, turma 1901, 1° bimestre)

Essa redação foi produzida por um aluno de 9° ano, que a escreveu baseado em

um livro de literatura norte-americana. Em todo o texto, é possível perceber a influência

da obra original na escrita do aluno. Embora esse tipo de clítico reflexivo seja recorrente

na fala, provavelmente, esse aluno o utilizou também inspirado no uso da mesma no

texto que o inspirou.

Com relação ao clítico reflexivo se, que apareceu nos outros 34 dados, sua

distribuição entre os anos escolares se deu da seguinte maneira: 9 ocorrências nas

turmas de 6° ano e 25 ocorrências nas turmas de 9° ano do ensino fundamental.

Diferentemente do se nominativo/indefinido, o reflexivo, quando não é apagado,

mantém certa produtividade na fala brasileira. Ademais, pesquisas anteriores revelam

que o clítico reflexivo se, em alguns dialetos, pode ocorrer sem relação de concordância

com o antecedente – nas três pessoas (Cf. DALTO (2002), FREITAG (2003), entre

outros). Uma vez que esses alunos só produziram essa variante em contexto de 3ª

pessoa, não foi possível verificar se havia ou não relação de concordância. Para que isso

fosse verificado, seria necessário encontrar dados produzidos por esses alunos em todos

os contextos.

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2.3.3. Pronomes acusativos anafóricos de 3ª pessoa

Esta subseção trata exclusivamente da análise variacionista em relação ao

acusativo anafórico de 3ª pessoa. Como referido anteriormente (na Subseção 2.3.3), dos

373 dados encontrados no corpus, foram retirados os de antecedente oracional. Os

dados retirados da análise apresentavam 13 retomadas de oração por meio da categoria

zero, 1 por meio do SN, e 1 por clítico acusativo. A seguir (42), ilustram-se cada uma

dessas categorias.

(42) a. “ela mandou matar-la. A Branca de neve descobriu [Ø] e fugiu” (Redação 067, turma

1901, 1° bimestre)

b. “digo a mim mesma que todos iremos cair um dia, somos programados a fazê-

lo” (Redação 096, turma 1901, 1° bimestre)

c. “Hussi foi para o seu quarto e pegou seus brinquedos, roupas, enquanto seus

amigos faziam o mesmo e ele disse” (Redação 091, turma 1901, 1° bimestre)

Esse número indica uma alta produtividade da variante objeto nulo na retomada

de antecedentes oracionais. A ocorrência tanto do SN quanto do clítico acusativo

representam formas pouco usuais. Esses dois dados foram realizados em redações que

se basearam em filmes ou livros para a construção da narrativa proposta.

A frequência de uso dessas variantes se deu conforme os índices apresentados na

seguinte tabela.

Estratégia de representação do OD anafórico de 3ª pessoa

Valor absoluto Valor percentual

SN anafórico 180/358 50,3%

Pronome clítico 77/358 21,5%

Pronome lexical 65/358 18,1%

Objeto nulo 36/358 10,1% Tabela 9 - Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus de redações escolares de 6° e

9° anos do Ensino Fundamental.

Os resultados da tabela evidenciam alta ocorrência de SN anafóricos (50,3%);

seguido do pronome clítico (21,5%); em terceiro lugar, o pronome lexical (18,1%); e,

por fim, o objeto nulo (10,1%).

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Esses resultados gerais diferem um pouco dos encontrados em outros estudos com

redações escolares. Averbug (2000), que estudou as variantes

de 3ª pessoa em textos produzidos por alunos de diferentes níveis de escolaridade,

mostrou o objeto nulo como a estratégia de referência mais usada pelos alunos. Santana

(2016), que investigou as mesmas variantes do acusativo de

alunos do 9° ano do ensino fundamental, encontrou mais ocorrências de SN do que de

objeto nulo.

Os resultados da presente pesquisa aproximam

por Santana (2016) no seguinte aspecto: a variante m

retomada é o sintagma nominal

variante mais utilizada pelos alunos. Os resultados da presente pesquisa diferem dos de

Santana (2016) apenas em relação ao

autora aquela variante foi mais utilizada pelos alunos do que esta. Possivelmente, essa

diferença de resultados justifica

variantes utilizadas apenas estudantes do 9° ano

anteriores apontam que a variante

ano escolar. Uma vez que a presente pesquisa utilizou dados tanto do 9° quanto do 6°

ano do ensino fundamental, a maior ocorrência de

A distribuição geral dos dados encontrados no

gráfico a seguir.

Gráfico 1 – Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus de redações e

Distribuição geral das variantes do acusativo anafórico de 3ª pessoa nas redações escolares

dos 6°

Esses resultados gerais diferem um pouco dos encontrados em outros estudos com

redações escolares. Averbug (2000), que estudou as variantes do objeto direto anafórico

de 3ª pessoa em textos produzidos por alunos de diferentes níveis de escolaridade,

mostrou o objeto nulo como a estratégia de referência mais usada pelos alunos. Santana

(2016), que investigou as mesmas variantes do acusativo de 3ª pessoas realizadas por

alunos do 9° ano do ensino fundamental, encontrou mais ocorrências de SN do que de

Os resultados da presente pesquisa aproximam-se, portanto, mais dos encontrados

por Santana (2016) no seguinte aspecto: a variante mais utilizada pelos alunos para

sintagma nominal. A seguir, o pronome clítico aparece como a segunda

variante mais utilizada pelos alunos. Os resultados da presente pesquisa diferem dos de

Santana (2016) apenas em relação ao objeto nulo e ao pronome lexical: na pesquisa da

autora aquela variante foi mais utilizada pelos alunos do que esta. Possivelmente, essa

diferença de resultados justifica-se pelo fato de que a pesquisa de Santana descreve as

variantes utilizadas apenas estudantes do 9° ano do ensino fundamental. Estudos

anteriores apontam que a variante pronome lexical é menos utilizada por alunos desse

ano escolar. Uma vez que a presente pesquisa utilizou dados tanto do 9° quanto do 6°

ano do ensino fundamental, a maior ocorrência de pronomes lexicais era esperada.

A distribuição geral dos dados encontrados no corpus está ilustrada também no

Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus de redações escolares de 6° e 9° anos do Ensino Fundamental.

50,3%

21,5%

18,1%

10,1%

Distribuição geral das variantes do acusativo anafórico de 3ª pessoa nas redações escolares

° e 9° anos do Ensino Fundamental

SN anafórico

Pronome clítico

Pronome lexical

Objeto nulo

91

Esses resultados gerais diferem um pouco dos encontrados em outros estudos com

do objeto direto anafórico

de 3ª pessoa em textos produzidos por alunos de diferentes níveis de escolaridade,

mostrou o objeto nulo como a estratégia de referência mais usada pelos alunos. Santana

3ª pessoas realizadas por

alunos do 9° ano do ensino fundamental, encontrou mais ocorrências de SN do que de

se, portanto, mais dos encontrados

ais utilizada pelos alunos para

aparece como a segunda

variante mais utilizada pelos alunos. Os resultados da presente pesquisa diferem dos de

: na pesquisa da

autora aquela variante foi mais utilizada pelos alunos do que esta. Possivelmente, essa

se pelo fato de que a pesquisa de Santana descreve as

do ensino fundamental. Estudos

menos utilizada por alunos desse

ano escolar. Uma vez que a presente pesquisa utilizou dados tanto do 9° quanto do 6°

pronomes lexicais era esperada.

está ilustrada também no

scolares de 6° e

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92

Como referido pela literatura, o SN anafórico e o objeto nulo são as estratégias mais

neutras com relação à percepção dos falantes, sendo consideradas estratégias de

“esquiva” ao uso do pronome clítico – pouco familiar aos brasileiros – e ao pronome

lexical – mais estigmatizado (Cf. DUARTE, 2013, entre outros).

Uma vez que o corpus analisado trata de redações escolares – ou seja, uma escrita

em fase de letramento e que não seria de grau máximo de monitoração –, pode ser que

essas estratégias de esquiva não sejam plenamente dominadas pelos alunos. Em função

disso, foram realizadas, conforme já se esclareceu, duas rodadas multivariadas com base

nos outros dois valores de aplicação: (a) o clítico acusativo e (b) o pronome lexical,

que são as variantes menos neutras.

A seguir, apresentam-se as variáveis consideradas estatisticamente relevantes em

cada uma dessas rodadas e são discutidos os resultados.

(I) Variáveis relevantes ao emprego do pronome clítico

Em relação ao emprego do pronome clítico acusativo, o programa selecionou como

melhor nível de interação estatística uma rodada de significância 0.00 e input .15 de

tendência ao clítico. Foram selecionadas três variáveis relevantes ao uso desta variante –

duas linguísticas e uma extralinguística. As variáveis linguísticas selecionadas foram a

distância entre o termo antecedente e o acusativo anafórico (1ª) e a animacidade do

antecedente (3ª). A variável extralinguística selecionada corresponde ao fator ano

escolar (2ª).

a) Distância entre o termo antecedente e o acusativo anafórico

No corpus de redações escolares analisado, o fato de o antecedente se encontrar

perto do acusativo anafórico constituiu o fator que favoreceu a retomada anafórica por

pronomes clíticos (.61). Por outro lado, quando o antecedente do acusativo anafórico se

encontrava em uma distância estrutural de cinco orações, a retomada por pronome

clítico foi desfavorecida (.14).

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93

Distância entre o antecedente e o acusativo anafórico

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

Perto 74/283 26,1% .61

Longe 3/75 4% .14

Total 77/358 21,5% Tabela 10 – Atuação da variável “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico” quanto ao emprego do

clítico.

Esses resultados confirmam a hipótese de Xavier (2015 apud Santana, 2016) de

que o pronome clítico dificilmente apareceria no caso de retomada de um antecedente

distante estruturalmente – contexto linguístico favorecedor da retomada por SN

anafórico. Isso se confirma na apreciação dos resultados gerais, em que houve mais

aparecimento de SNs anafóricos em contexto [+ distante], com o total de 74,7%, do que

na junção das demais variantes – 25,3%. Esses dados corroboram a literatura quanto à

suposição de que – em caso de antecedentes estruturalmente distantes – a retomada pelo

SN facilitaria a referência ao antecedente, evitando qualquer ambiguidade.

Em relação à variante sintagma nominal – exclusivamente nos casos em que o

antecedente se encontrava mais distante –, cabe mencionar que houve mais ocorrências

de SNs idênticos e semelhantes – respectivamente 23 (30,7%) e 22 (29,3%) – do que de

SNs sinônimos, num total de 11 (14,7%), conforme ilustrado na tabela a seguir.

Acusativo anafórico de 3ª pessoa SN idêntico SN semelhante SN sinônimo

23/76 30,7% 22/67 29,3% 11/37 14,7% Tabela 11 – Distribuição das ocorrências da variante sintagma nominal com antecedente [+ distante].

Esses resultados parecem corroborar a preferência por manter o mesmo núcleo

do antecedente – encontrada por Santana (2016) –, a fim de preservar a referência

dentro do texto.

b) Ano escolar

Estudos apontam que o uso da variante clítico acusativo aumenta à medida que

aumenta o nível de escolaridade do falante (Cf. Averbug (2000) e Freire (2005), entre

outros). De fato, o segundo grupo de fatores que atuou no favorecimento do pronome

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94 clítico para a retomada do referente de 3ª pessoa foi o ano escolar. Houve mais

favorecimento do clítico acusativo entre os alunos de 9° ano – com peso relativo de .62

– do que entre os alunos dos 6° ano (.31).

Ano escolar Valor absoluto Valor percentual Peso relativo 6° 14/139 10,1% .31

9° 63/219 28,8% .62

Total 77/358 21,5% Tabela 12 – Atuação da variável “ano escolar” quanto ao emprego do clítico.

Esses dados confirmam a hipótese de que o uso do clítico acusativo –

diferentemente do que ocorre na fala – é fortemente relacionado ao processo de

escolarização no que se refere ao aumento das experiências de letramento. Cabe

ressaltar que o recorte do corpus analisado na presente pesquisa representa a escrita em

processo de letramento, mais próxima da oralidade em alguns aspectos. A leitura das

redações escolares do 6° ano permitiu verificar diversas influências da fala na escrita ou

ao menos pouca familiaridade com a modalidade escrita, como revelado no exemplo a

seguir.

(43) “e a moça falou sera que essa patai choga ovo e ela penso que era mulher... e gocou

a patai fora”27(Redação 044, turma1604, 1° bimestre)

O uso indistinto dos fonemas /k/ e /g/ – nas palavras sublinhadas – indica que

essa criança ainda não reconhece a distinção fonológica entre eles, e que o processo de

letramento ainda não conseguiu solucionar esse tipo de desconhecimento. Outro aspecto

da escrita, desconhecido para esse estudante, se refere à pontuação. A inserção de

discurso direto sem a utilização de recursos gráficos – tais quais travessão ou aspas –

certamente é um indicador da pouca familiaridade desse aluno com formalidades da

escrita.

Por outro lado, a leitura das redações do 9° ano também revela indicadores de

uma fase de letramento. De fato, pode-se perceber um aumento no uso de pronomes

clíticos em função acusativa no último ano do ensino fundamental; entretanto, o uso

dessa estratégia de retomada ainda não é plenamente dominado pelos alunos. O dado

27 “E a moça falou: - será que essa pata choca ovo? E ela pensou que era mulher... E jogou a pata fora.”

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95 254, descrito a seguir, revela isso. Embora o antecedente tenha sido retomado com um

pronome clítico, houve um equívoco em relação ao número empregado.

(44) “tinha duas filhas que não gostava da cinderelai. As filhas da sua madrasta asi

detestava” (Redação 131, turma 1902, 1° bimestre)

Diante desse dado, percebe-se que a escola até consegue introduzir a variante

padrão (clítico acusativo), embora o aluno ainda não tenha pleno domínio dessa forma

de prestígio (Cf. Freire, 2005).

O gráfico a seguir revela a distribuição geral dos dados, levando em

consideração os dois anos de escolares envolvidos.

Gráfico 2 – Distribuição (%) das variantes para expressão o objeto direto de 3ª pessoa entre o 6° e o 9° anos do Ensino Fundamental.

Pelo disposto no gráfico, torna-se perceptível o aumento do uso da variante padrão –

pronome clítico – no ano final do ensino fundamental, o que era esperado com base nas

pesquisas anteriores. Ainda em relação à mesma variante, o gráfico revela menor

produtividade dessa variante, e natural aumento das demais, nas redações dos alunos do

6° ano.

c) animacidade do antecedente

O último grupo de fatores selecionado na análise estatística foi a animacidade do

antecedente. Assim como em pesquisas anteriores, o traço [+ animado] se mostrou

relevante para as ocorrências da forma de prestígio. O uso do pronome clítico foi

0

20

40

60

80

100

Pronome clítico Pronome lexical SN anafórico Objeto nulo

6° ano

9° ano

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96 favorecido quando o antecedente possuía o traço [+ animado] – com peso relativo de .57

– e o uso dessa estratégia de retomada foi desfavorecido em contextos de antecedente [-

animado] – peso relativo de .28.

Animacidade do antecedente

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

Animado 71/273 26% .57

Inanimado 6/85 7,1% .28

Total 77/358 21,5% Tabela 13 – Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do pronome clítico.

Os resultados expostos na Tabela 13 mostram que o clítico acusativo ocorreu

majoritariamente com referência a antecedentes [+ animados], correspondendo a 26%

dos dados relativos ao mesmo contexto linguístico. Ao observar essa produção

separadamente – pelo recurso do cruzamento de grupos de fatores (crosstabulation) –,

percebe-se que, dos 14 dados de clítico acusativo produzidos pelo 6° ano, 12 possuíam

antecedente [+animado]. De modo semelhante, dos 63 clíticos produzidos pelo 9° ano,

59 apresentavam antecedente [+ animado]. Isso confirma que, nos dois anos escolares,

houve preferência pelo clítico acusativo com antecedente [+ animado].

(II) Variáveis relevantes ao emprego do pronome lexical

A melhor rodada selecionada pelo programa, com base na variante pronome

lexical, apresentou nível de significância .04, com um input geral de aplicação de .13,

um pouco menor do que o input do pronome clítico (. 15). Essa baixa aplicação geral

constitui indicadores de que essas variantes não são estratégias produtivas para a

retomada do objeto direto, sendo o uso restrito a determinados contextos linguísticos.

O programa selecionou três variáveis – duas linguísticas e uma extralinguística –

como relevantes ao uso do pronome lexical, nesta ordem: animacidade do antecedente,

estrutura sintática da frase e turno escolar. Esses fatores são descritos a seguir.

a) Animacidade do antecedente

Indubitavelmente – como anunciado em pesquisas anteriores –, o fator

animacidade do antecedente favorece a realização do pronome lexical em função

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97 acusativa. De modo semelhante, na presente pesquisa, também houve favorecimento do

ele acusativo em contexto de antecedente com traço [+ animado] – com peso relativo de

.63. Por outro lado, houve desfavorecimento dessa forma de retomada quando o

antecedente possuía o traço [- animado].

Animacidade do antecedente

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

Animado 63/273 23,1% .63

Inanimado 2/85 2,4% .15

Total 65/358 18,2% Tabela 14 – Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do pronome lexical.

As pesquisas anteriores mostram que o ele acusativo é mais favorecido quando

há o traço [+ animado] no antecedente (Cf. Omena (1978), Duarte (1986), entre outros).

Ainda pelo recurso de crosstabulation, foi possível observar que o pronome lexical foi

amplamente favorecido com o antecedente animado, tanto no 6° quanto no 9° ano.

Analisando individualmente o comportamento dos anos escolares envolvidos, foi

possível verificar que todos os dados (24/24) de pronome lexical – produzidos pelo 6°

ano – possuíam esse traço; assim como os 39 do total de 41 realizados pelo 9° ano.

Vale lembrar que Averbug (2000) constatou que a inversão entre o uso do

pronome clítico e do pronome lexical começa no 9° ano: há um declínio do uso do

pronome lexical e uma consequente subida no uso do pronome clítico. Observando

separadamente, o 6° ano produziu 14 dados de clíticos acusativos e 24 de pronomes

lexicais. Já o 9° ano produziu 63 dados de clíticos acusativos e 41 de pronomes lexicais.

De fato, a análise do 9° ano mostra que houve um aumento da produção de pronomes

clíticos paralelamente à diminuição de pronomes lexicais, para a retomada do objeto

anafórico.

Embora haja diferença no comportamento por série, fica claro, ao verificar os

dados por meio do recurso de crosstabulation, que, dentre todas as variantes para

retomada do acusativo, o uso da estratégia supostamente desprestigiada para contextos

escritos formais se mantém de forma proporcional: o 6° apresenta 17% de pronomes

lexicais, e o 9° ano, 19%. Considerando que se trata de escrita escolar, acredita-se que o

uso da variante pronome lexical ainda esteja bem presente nesses textos do fim do

ensino fundamental, porque o processo de letramento ainda está incompleto, e a escola,

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98 embora tenha introduzido o clítico, ainda não conseguiu eliminar os usos da variante

estigmatizada.

b) estrutura sintática da frase

Em relação à estrutura projetada pelo predicador verbal, as ocorrências de objeto

direto anafórico de 3ª pessoa foram distribuídas conforme a tabela a seguir.

Estrutura sintática da frase

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

S V OD 37/282 13,1% .44 SV OD Complementos 19/52 36,5% .71 SV OD “miniorações” 9/24 37,5% .69 Total 65/358 18,2%

Tabela 15 – Atuação da variável estrutura sintática da frase quanto ao emprego do pronome lexical.

Os resultados confirmam as hipóteses formuladas, nas pesquisas anteriores, de

que as construções de “dupla função” e as estruturas SV OD seguidas de outros

complementos (OI ou Oblíquo) favorecem o uso do pronome lexical: pesos relativos de

.69 e .71, respectivamente.

Ainda em relação às estruturas complexas, nas quais o termo acusativo exerce

“dupla função” – ilustradas em (45) –, não houve ocorrência de objeto nulo. Isso pode

ter uma relação direta com o preenchimento do sujeito (Cf. DUARTE (1993), entre

outros): se o termo acusativo também funciona como sujeito, logo aparece preenchido

(por SN, pronome clítico ou pronome lexical), não referendando a ocorrência da

variante zero nesse contexto linguístico. A título de exemplificação, em (45b), o

pronome lexical ele funciona – ao mesmo tempo – como sujeito do verbo ir e objeto

direto do verbo deixar.

(45) a. “não sabia que ela sempre ia no mercado para roubar (...) Chegando no mercado

entramos na sessão de bebidas alcoolicas e eu vi ela colocando uma garrafa de vinho

dentro de uma bolsa” (Redação 129, turma 1902, 1° bimestre)

b. “pelo udimo foi um pato muito feio (...) e os soutros pato ficou chamando ele de

feio”(Redação 044, turma 1604, 1° bimestre)

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99 c. “mais ela não deixou, depois ela mudou e deixou ele ir” (Redação 065, turma 1603, 4°

bimestre)

c) turno escolar

Como mencionado na seção de metodologia, a criação dessa variável buscava

verificar a hipótese de que os alunos da manhã teriam um comportamento linguístico

diferente do dos alunos da tarde, quanto ao uso do pronome lexical: supunha-se que

haveria menos produção de pronomes lexicais nos dois anos escolares. A tabela 16

apresenta o comportamento dessa variante linguística de acordo com o grupo de fatores

turno escolar.

Turno escolar Valor absoluto Valor percentual Peso relativo Manhã 45/207 21,7% .56

Tarde 20/151 13,2% .41

Total 65/358 18,2% Tabela 16 – Atuação da variável “turno escolar” quanto ao emprego do pronome lexical.

A tabela, entretanto, revela justamente o contrário: aparentemente, os alunos da

manhã (.56) favoreceram mais o uso do pronome lexical do que os alunos da tarde (.41).

A diferença não parece expressiva, apesar de o programa ter selecionado essa variável

como relevante. Novamente, o recurso de crosstabulation permitiu que se analisasse

individualmente cada ano escolar, dividido pelos turnos. O 6° ano da manhã produziu

18 do total de 24 dados (75%) relativos a esse ano escolar. Já a turma da tarde produziu

6/24 (25%), no mesmo contexto. Em relação às turmas de 9° ano, houve 27/41 (65,9%)

nas turmas da manhã, e 14/41 (34,1%) nas turmas da tarde.

A hipótese inicial, porém, não foi confirmada. Entretanto, o comportamento

claramente distinto entre os dois turnos escolares permite outra consideração. Os alunos

da manhã – apesar da origem em escolas mais tradicionais – são mais novos do que os

alunos da tarde – entre 1 ou 2 anos –; por outro lado, muitos alunos da tarde já repetiram

o mesmo ano escolar. Provavelmente, esses alunos da tarde – pela idade mais velha e

repetição do mesmo ano escolar – se encontram em um estágio de apropriação da escrita

letrada diferente dos alunos mais novos e cursando aquele ano escolar pela primeira vez.

Para verificar se de fato isso ocorreu, seria necessário controlar novamente essa

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100 variável, associando-a especificamente à idade dos alunos e à repetição ou não de ano

escolar.

2.3.4. A diagnose do quadro pronominal: sistematização e

debates

Com base nos resultados obtidos na presente investigação (subseções 2.3.1, 2.3.2

e 2.3.3), foi possível descrever as variantes linguísticas utilizadas na escrita dos alunos

da E. M. Thomé de Souza, para expressão das funções nominativa (1ª pessoa do plural e

2ª pessoa do singular), acusativa (1ª, 2ª e 3ª pessoas), dativa (1ª, 2ª e 3ª pessoas) e

reflexiva (1ª, 2ª e 3ª pessoas). O quadro a seguir apresenta a distribuição dessas

variantes.

VARIÁVEIS

VARIANTES PRONOMINAIS

Nominativo Acusativo Dativo Reflexivo 1ª PESSOA nós, a gente nos, a gente nos, (a/para)

nós, (a/para) a gente

me

2ª PESSOA você te, o, a, tu, você te, (a/para) você, vocês

------------ ------------ ------------

3ª PESSOA ------------- ------------- -------------

o(s), a(s), ele, eles, ela, elas

lhe(s), (a/para), ele, eles, ela, elas

se, (a) si mesma

Quadro 7 – Formas pronominais registradas na escrita escolar dos alunos da E.M. Thomé de Souza.

Uma vez realizada essa diagnose panorâmica, identificaram-se quais variantes

são utilizadas pelos estudantes da referida escola. Apenas em alguns casos, percebeu-se

que os alunos utilizavam a variante clítico acusativo com algumas inadequações, como

um pronome clítico no plural referindo-se a um antecedente singular. Admite-se que o

número total de dados não foi suficiente para uma análise aprofundada de base

quantitativa sociolinguística – à exceção da expressão do objeto direto anafórico de 3ª

pessoa. Entretanto, mesmo na análise particular das ocorrências, pode-se diagnosticar o

uso das variantes pronominais – descritas no quadro acima.

De modo geral, na escrita dos alunos, houve um comportamento semelhante ao

que ocorre na modalidade oral em relação ao nominativo de 1ª pessoa do plural e 2ª

pessoa do singular, ao acusativo e dativo de 1ª e 2ª pessoas e também ao reflexivo de

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101 todas as pessoas. Quanto ao acusativo e dativo anafórico de 3ª pessoa, foram

encontrados alguns usos mais próximos do que era previsto para a modalidade escrita,

com o uso da variante-padrão. No caso desse dativo, mesmo com a frequência de usos

baixa, houve ocorrências do pronome clítico lhe.

Especificamente em relação ao acusativo anafórico de 3ª pessoa – função que

apresentou maior frequência de ocorrências –, foi possível observar alguns

condicionamentos para esses usos. Como era previsto, há maior frequência das formas

neutras – SNs (50,3%) e objetos nulos (10,1%) – no corpus analisado, chegando a um

total de 60,4%.Isso corrobora resultados de pesquisas anteriores, que encontraram mais

ocorrências também dessas formas, conhecidas como estratégia de esquiva (Cf.

DUARTE, 2013).

Chama a atenção, como nas pesquisas anteriores – a influência da escolarização

para o aumento gradativo de usos da variante-padrão (clítico acusativo).Ao comparar a

frequência de usos dessa variante entre as turmas de 6° e 9° anos do ensino

fundamental, a análise revelou que – entre os alunos deste último grupo –houve um

aumento de ocorrências do clítico acusativo.O processo relativamente inverso disso

ocorreu em relação ao uso do pronome lexical: os alunos do 9° ano apresentaram menor

frequência dessa variante. Ainda de acordo com pesquisas anteriores (Cf. AVERBUG

(2002), SANTANA (2016), entre outros), essa inversão é resultado do processo de

escolarização e ocorre justamente nesse ano escolar.

Quanto a esses usos, é importante lembrar que os alunos do 9° ano escolar leem

mais do que os alunos de 6°. O contato com livros diversos de literatura infanto-juvenil

colabora para o aprendizado das variantes linguísticas preconizadas nesse gênero

textual. As ocorrências do clítico acusativo foram encontradas, principalmente, nos

textos dos alunos que basearam sua escrita em alguma obra lida no trimestre.

Isso se refletiu, por exemplo, na diferença dos textos escritos para o 1° e para o

4° bimestre. Em ambos, os alunos deveriam escrever redações baseadas em obras lidas.

Entretanto, no último bimestre – por um comando equivocado do professor –, os alunos

narraram uma notícia. Como eles não dominavam esse gênero novo, o texto ficou bem

próximo da narrativa de uma história. Nessa segunda produção textual – criada

exclusivamente pelos alunos –, surpreendentemente, houve uma diminuição na

frequência de uso da variante padrão. Esse detalhe revela que a variante padrão pode ser

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102 mais utilizada pelos alunos, quando seu texto se refere a outro mais letrado (textos

literários).

Ao realizar essa diagnose sobre as formas pronominais utilizadas pelos alunos na

escrita, foi possível, então, observar a distribuição das diversas variantes linguísticas do

PB, conforme descrita no Quadro 7. A análise aqui realizada revela que a escrita escolar

está mais próxima do que vem sendo descrito pelas pesquisas sociolinguísticas e mais

distante daquilo que é predicado pelos manuais e livros didáticos.

A maior parte dos trabalhos sobre essas variantes linguísticas estudadas, na

literatura, constitui pesquisas acerca da variação dos pronomes pessoais em contexto de

fala, no PB. Poucos são os trabalhos que verificam esses usos na escrita – à exceção das

funções acusativa e dativa de 3ª pessoa. A presente pesquisa partiu do pressuposto de

que a escrita em processo de letramento – que é o caso do corpus analisado – apresenta

características da modalidade oral da língua. Dessa maneira – embora fossem reportados

resultados anteriores referentes à modalidade falada majoritariamente –, ainda assim, a

comparação com tais resultados torna-se válida em função dos traços de oralidade

presentes nas redações escolares. Mesmo com esses traços de oralidade, observa-se,

principalmente em relação ao acusativo anafórico de 3ª pessoa, a influência da escola

no processo de inserção das variantes denominadas padrão – o clítico acusativo.

Infelizmente, em relação ao quadro pronominal do português brasileiro, ainda há

uma ausência de correlação entre a descrição linguística e o ensino de língua materna. O

sistema tradicional de pronomes pessoais – tal qual descrito pelos manuais didáticos e

gramáticas, e discutido no Capítulo 1 –, constituído pelas formas nominativas eu, tu,

ele(a), nós, vós, ele/a(s) e seus correlatos nas outras funções, ainda não trata das formas

pronominais efetivamente praticadas pelos alunos na escrita escolar e que figuram em

diversos gêneros textuais, da fala e da escrita.

Acredita-se, nesta pesquisa, que a escola exerce um papel importante na

conscientização dos usos das diversas variantes linguísticas, sejam elas estigmatizadas

ou prestigiadas. Enquanto instituição em que imperam as práticas de letramento, as

variantes mais prestigiadas são privilegiadas ao serem apresentadas para os alunos. A

implementação dessas variantes nas práticas escritas dos alunos se dá de modo gradual,

e nem sempre o aluno chega ao último ano do ensino fundamental com pleno domínio

dessas formas supostamente não vernáculas.

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103 O trabalho de mapeamento do quadro pronominal em uso efetivo, aqui realizado,

servirá de base para a elaboração de uma proposta pedagógica, no formato de um estudo

dirigido, para o ensino do quadro pronominal, a ser descrita no Capítulo 3. Espera-se

que essa proposta, a um só tempo, considere a heterogeneidade do quadro pronominal,

revelada na própria produção escolar e manifesta nos contínuos de variação, e valorize a

riqueza e a complexidade das regras variáveis28.

Para além da elaboração de atividades pedagógicas, cabe ressaltar que a

diagnose aqui realizada é relevante ainda para o professor que queira partir das

informações ora apresentadas, não só para utilizar as atividades propostas em sua aula,

mas para elaborar encaminhamentos pedagógicos diversos. Ao reconhecer determinados

contextos favorecedores de uma ou outra variante (revelado pelo peso relativo – caso do

acusativo anafórico aqui avaliado), o professor pode analisar quais estruturas são pouco

utilizadas naquele contexto, que podem ser estudadas na aula, de modo a ampliar o

repertório do aluno. Sugere-se, portanto, que o professor interessado em utilizar a

proposta didática em questão faça uma leitura cuidadosa da diagnose aqui realizada e

dos condicionamentos envolvidos na escolha de uma ou outra variante linguística.

Um exemplo disso está relacionado ao ensino do objeto direto dos predicados

complexos. A pesquisa aqui realizada mostrou que o pronome lexical é preferido nas

estruturas em que ele apresenta dupla função. Tendo em vista que os alunos já são

conhecedores da estrutura em que o pronome ele é utilizado (A casa, eu achei ela feia),

o professor poderia, então, apresentar a outra possibilidade de preenchimento dessa

estrutura, com o clítico acusativo (A casa, eu a achei feia). Esse é um dos contextos em

que o conhecimento dos condicionadores pode ajudar o professor a legitimar o uso

vernacular do aluno e ampliar seu repertório linguístico.

Considerando isso, faz-se necessário adiantar que a proposta pedagógica –

apresentada no Capítulo 3 – não teve por objetivo inicial ser um manual para o

professor. Isso certamente justifica a falta de instruções específicas e modelares para o

professor de Língua Portuguesa. Desse modo, já é um pressuposto da elaboração do

estudo dirigido que há outros possíveis aproveitamentos não só para vários materiais

28 A proposta didática baseou-se, sobretudo, na distribuição dos dados detectada no material analisado. Cabe destacar, entretanto, que, embora não se tenham elaborado atividades específicas por fatores condicionadores, o trabalho estatístico, que gerou os pesos relativos, foi fundamental para a escolha dos contextos linguísticos utilizados nos enunciados das questões.

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104 utilizados nos enunciados, mas também para as próprias tarefas propostas. É, na

realidade, esperado e desejável que cada professor, consoante seus objetivos e turmas,

venha a fazer diversos outros usos da proposta, a qual se limita, por motivo de redução

didática, aos objetivos específicos elaborados partindo da temática quadro pronominal.

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3. Estudo dirigido para ensino do quadro pronominal

As atividades voltadas para o ensino de Língua Portuguesa são essenciais no dia

a dia da sala de aula: através dessas ferramentas, os alunos podem acessar variados

gêneros textuais, exercitar seu conhecimento linguístico e refletir sobre os diversos usos

disponíveis, que configuram naturalmente um quadro de variação linguística. Contidas

nos diferentes materiais didáticos – livros, apostilas, exercícios avulsos e outros –,

algumas atividades sobre a língua materna, infelizmente, refletem uma confusão

conceitual e metodológica acerca do tratamento da variação linguística. A título de

exemplificação, nos cadernos pedagógicos disponibilizados pela SME/RJ, atribui-se a

classificação linguagem informal a toda variante linguística característica dos textos

orais ou representativa da norma vernacular.

Há algum tempo, alguns pesquisadores têm se dedicado a tratar, de forma mais

específica, da relação entre variação e ensino (Cf. BORTONI-RICARDO (2004, 2006),

VIEIRA; BRANDÃO (2007), FARACO (2008, 2015), VIEIRA (2013, 2014, 2017),

MARTINS, TAVARES (2013), MARTINS, VIEIRA, TAVARES (2014), entre outros).

Com a implantação do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), programa

que atende exclusivamente professores da rede pública e funciona em nível nacional

desde a primeira turma de 2014, intensificou-se a preocupação em relação a propostas

pedagógicas, que abordem o componente gramatical, sem deixar de considerar a

heterogeneidade do sistema linguístico, naturalmente presente no PB. Nesse sentido,

diversas dissertações de Mestrado já foram desenvolvidas no âmbito do referido

programa.

A presente pesquisa, cuja origem se deu em contexto de sala de aula, soma-se

aos trabalhos já realizados, ao apresentar, além da diagnose dos usos linguísticos

praticados nas redações escolares, uma proposta de atividades pedagógicas para ensino

do quadro pronominal atual em uso, considerando a variedade carioca do PB. Neste

capítulo, discutem-se desde a fundamentação teórica necessária à aplicação pedagógica,

passando pelos trabalhos já desenvolvidos nesse sentido, até a própria elaboração da

proposta.

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106

Para fins de organização, a segmentação deste capítulo se deu da seguinte

maneira. Na primeira seção (3.1), Pontos de partida para o ensino de Língua

Portuguesa, faz-se a apresentação dos pressupostos da área relacionada ao ensino de

temas gramaticais em geral e da Sociolinguística Educacional, nos quais se baseia esta

pesquisa. A segunda seção (3.2) traz as Experiências pedagógicas anteriores,

apresentando alguns trabalhos que propuseram atividades voltadas para o ensino do

quadro pronominal e outros temas gramaticais. Na terceira seção (3.3), apresenta-se a

Justificativa e metodologia para a elaboração da proposta, que contém os

procedimentos empregados nas atividades de ensino em questão. A quarta seção (3.4)

finalmente apresenta algumas atividades que foram experimentadas para a elaboração

de uma Proposta pedagógica de ensino do quadro de pronomes pessoais,

proveniente desta pesquisa.

3.1. Pontos de partida para o ensino de Língua Portuguesa

Não é recente a preocupação em relação ao ensino de Língua Portuguesa para os

alunos brasileiros. Há algum tempo, as pesquisas acadêmicas vêm apresentando

questionamentos em relação ao ensino de categorias gramaticais, associado ao trabalho

com a variação linguística. A seguir, destacam-se algumas referências mais diretamente

relacionadas à proposta do presente trabalho.

Bortoni-Ricardo (1998/200529) trouxe contribuições para a Sociolinguística, com

um modelo de descrição da variação, denominado contínua de variação linguística, o

qual foi aplicado – posteriormente – a contextos de ensino, pela própria autora

(BORTONI-RICARDO, 2004). Esse modelo teórico de Bortoni-Ricardo descreve a

variação linguística na realidade brasileira a partir de três contínuos específicos:

contínuo de urbanização; contínuo oralidade-letramento; e contínuo de monitoração

estilística.

29 O capítulo “Um modelo para a análise sociolinguística do português brasileiro”, publicado em 2005, já havia sido publicado anteriormente sob o título de “A análise do português brasileiro em três continua: o continuum rural-urbano, o continuum de oralidade-letramento e o continuum de monitoração estilística”, em 1988. Ao fazer referência à autora, nesta dissertação, utiliza-se o trabalho em que os contínuos são aplicados ao ensino (2004).

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Vieira (2014, 2017), posteriormente, também propõe um modelo que repensa o

propósito do ensino de línguas, segundo o qual o ensino de gramática pode ser

desenvolvido a partir de três eixos, a saber: o ensino de gramática como atividade

reflexiva (Eixo I); o ensino de gramática como recursos expressivos para a configuração

do texto (Eixo II); e o ensino de gramática como instância de percepção da variação

linguística (Eixo III).

A partir do intuito de correlacionar teoria e prática, o livro Ensino de português e

sociolinguística, organizado por Martins, Vieira & Tavares (2014), é um exemplo de

mapeamento30 das contribuições que a Sociolinguística brasileira forneceu ao ensino.

Ao longo da obra, os autores abordam a variação linguística na escola como um todo,

considerando desde os fenômenos fonético-fonológicos até os morfossintáticos,

evidenciando não só as relações de fala e escrita, como também o tratamento das regras

variáveis em livros didáticos e as avaliações e crenças de alunos e professores quanto ao

tema da variação linguística.

Nas duas próximas subseções, discutem-se, principalmente, esses dois modelos

propostos como bases teóricas para refletir sobre o ensino de Língua Portuguesa: o de

Bortoni-Ricardo (2004) – na subseção 3.1.1 – e o de Vieira (2014, 2017) – na

subseção 3.1.2.

3.1.1. Contínuos de variação linguística (Bortoni-Ricardo, 2004)

Bortoni-Ricardo (2004) concebe a variação no português brasileiro em três

linhas imaginárias – com dois polos cada uma e diferentes níveis em sua extensão –

denominadas contínuos: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento, e

contínuo de monitoração estilística.

No contínuo de urbanização, a autora situa, em um polo, as variedades rurais

utilizadas pelas comunidades geograficamente mais isoladas, e, no outro, as variedades

urbanas, que, ao longo da história, foram as mais influenciadas por processos de

padronização da língua – tais quais as ações em prol da codificação linguística e

30 Esse livro foi escrito à semelhança do livro Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro, citado no Capítulo 1 desta dissertação.

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108 também ações da imprensa, das obras literárias e da escola. A autora demonstra o

contínuo de urbanização com a seguinte linha imaginária (p. 52):

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

A área denominada rurbana é considerada pela autora um confronto entre essas duas

variedades dos polos, a qual envolve, por exemplo, grupos de migrantes de espaços

rurais, que preservam seu repertório linguístico, mas são submetidos à influência

urbana. Para Bortoni-Ricardo (2004), cada indivíduo pode ser situado em um nível

desse contínuo, levando em conta a região onde ele nasceu e cresceu. Entretanto, cabe

ressaltar que não há fronteiras rígidas entre os falares representados nessa linha; na

verdade, essas fronteiras são fluidas e pode haver sobreposição dessas variedades.

O segundo contínuo proposto por Bortoni-Ricardo (2004) é o de oralidade-

letramento, no qual a autora distribui os eventos de comunicação entre eventos de

letramento e eventos de oralidade (p. 62):

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

De modo semelhante ao que ocorre no primeiro contínuo apresentado, não há fronteiras

bem marcadas entre os eventos de letramento e os de oralidade. Os gêneros e as

situações comunicativas utilizados nesses eventos podem apresentar tanto características

de um polo quanto do outro. Para justificar essa fluidez entre esses eventos, Bortoni-

Ricardo (2004) exemplifica com duas situações: (1) num ofício religioso, o líder, ao

proferir seu discurso, está realizando um evento de letramento, pois sua fala teve origem

em um texto escrito – seja no roteiro da apresentação ou mesmo na consulta a textos

religiosos; (2) uma conversa à mesa de bar, a princípio, é um evento de oralidade, mas

pode ter influências de letramento se um dos participantes começar a declamar um

poema. Aparentemente, um falante de uma variedade urbana pode diversificar seus usos

linguísticos em função dos eventos de comunicação em que se vê inserido; já nas

variedades acentuadamente rurais, haveria, segundo a autora, predomínio da cultura da

oralidade.

No terceiro contínuo proposto por Bortoni-Ricardo (2004), a autora distribui

desde as situações interacionais totalmente espontâneas até as de maior planejamento

Variedades rurais isoladas

Área rurbana Variedades urbanas padronizadas

Eventos de oralidade Eventos de letramento

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109 prévio. Há situações de interação mais espontâneas, que refletem o uso menos planejado

da língua, com menor grau de monitoração. Por outro lado, há contextos mais

monitorados, que exigem maior planejamento e mais atenção aos usos linguísticos.

Segundo a autora, de um modo geral, o grau de monitoramento do discurso é

influenciado por alguns fatores extralinguísticos: o ambiente, o interlocutor e o tópico

da conversa. A seguir, reproduz-se a representação gráfica do chamado contínuo de

monitoração estilística (p. 62).

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

A escolha de variantes mais formais para determinado discurso indica alto grau de

monitoramento nesse contexto. Por outro lado, quanto menor for o grau de monitoração

estilística, menos formais serão as variantes linguísticas utilizadas. Cabe esclarecer que

a variação de monitoração estilística ocorre tanto nos eventos de letramento quanto nos

de oralidade, não necessariamente sendo um mais formal do que o outro. Como as

situações de maior monitoramento da língua demandam maior consciência na

habilidade de usar os recursos que ela oferece, a monitoração estilística constitui um dos

objetivos fundamentais do ensino de língua.

Pelo exposto aqui, foi possível perceber que as fronteiras entre as variedades

linguísticas não são rígidas, mas sim fluidas. Não se pode conceber a variação

linguística de forma estanque, uma vez que a produção linguística se dá de maneira

gradativa e ininterrupta, distribuída pelos três contínuos apresentados. Dessa maneira, a

concepção de tais contínuos pode nortear o ensino de Língua Portuguesa nas escolas,

uma vez que a variação linguística se mostra presente em todas as práticas discursivas.

Dos contínuos postulados por Bortoni-Ricardo (2004), os de oralidade-letramento e

monitoração estilística, especificamente, são os mais relevantes para a presente

pesquisa – em área predominantemente urbana – e integrarão a proposta pedagógica

desenvolvida para ensino do quadro pronominal.

3.1.2. Ensino de gramática em três eixos (Vieira, 2014, 2017)

A proposta para o ensino gramática em três eixos foi elaborada por Vieira (2014,

2017), no âmbito da disciplina Gramática, variação e ensino, do Mestrado Profissional

- monitoração + monitoração

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110 em Língua Portuguesa (PROFLETRAS), em 2014. Em meio a uma falta de delimitação

conceitual, aliada a um tratamento equivocado do componente linguístico em geral e da

variação linguística em particular, o professor de Português encontra dificuldades para

realizar um trabalho produtivo com os temas gramaticais. O modelo de ensino de

Língua Portuguesa proposto por Vieira (2014, 2017) surgiu como uma tentativa de

contribuir para uma solução do desafio de trabalhar com a língua materna nas escolas,

sem desprezar as diversas frentes de atuação, todas igualmente pertinentes. A seguir,

são apresentados esses três eixos e sua relevância para repensar o ensino de Língua

Portuguesa.

EIXO I: Ensino de gramática como atividade reflexiva

Para esse primeiro eixo, a autora destaca os postulados de Franchi (2006) acerca

das atividades relacionadas ao ensino de língua. Para o autor, as atividades com o

componente gramatical, no âmbito escolar, devem ser de três naturezas, a saber:

linguística, epilinguística e metalinguística. Salienta, ainda, que, nos anos iniciais do

ensino fundamental, prioritariamente, as duas primeiras atividades deveriam ser

enfatizadas.

A atividade linguística consiste no exercício do “saber linguístico” que as

crianças apresentam acerca da gramática interiorizada (Cf. FRANCHI, 2006, p. 93).

Trata-se de explorar essa gramática, a partir da produção e compreensão de textos (orais

ou escritos), e criar condições para o desenvolvimento sintático dos alunos. Visando

explorar esse tipo de atividade, o professor deveria criar situações específicas para a

produção de determinado gênero textual, trazendo à tona o conhecimento gramatical

que o aluno já apresenta em relação àquele gênero.

Por outro lado, a atividade epilinguística representa uma prática em que o aluno

opera sobre a própria linguagem (Cf. FRANCHI, 2006, p. 97), testando possibilidades

ao comparar formas linguísticas, transformá-las, ou mesmo experimentar novos modos

de construção. Ao explorar esse tipo de atividade, o professor deveria ajudar o aluno a

diversificar os recursos expressivos com que fala e escreve, operando, dessa maneira,

sobre a própria linguagem.

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111 Para Franchi (2006), é a partir das atividades linguísticas e epilinguísticas que

surge a necessidade de sistematização do saber linguístico que “se aprimorou e se

tornou consciente” (p.98). Nessa etapa, é esperado que a atividade metalingüística

aconteça naturalmente, como um “trabalho inteligente de sistematização gramatical” (p.

98), que permite a descrição da linguagem a partir do caráter sistemático das

construções linguísticas.

Franchi (2006) concebe o ensino de gramática, portanto, como uma atividade

que possa privilegiar a reflexão, permitindo que os alunos testem possibilidades,

modifiquem termos, fazendo uso da criatividade. Todos esses atributos do ensino de

gramática podem ser explorados a partir dos três tipos de atividades propostos pelo

autor: linguística, epilinguística e metalinguística.

Ainda em relação ao ensino de gramática como atividade reflexiva, Vieira

(2014, 2017), apresenta a proposta de Foltran (2013). Esta última autora defende a ideia

de que o trabalho com o componente gramatical vai para além do ensino de uma norma

privilegiada: explicar o significado de uma sentença através da análise sintática é

necessariamente uma atividade de reflexão linguística. De modo semelhante ao de

Franchi (2006), Foltran (2013) postula que “ensinar gramática é operar com os

conhecimentos que o falante tem de sua própria língua e torná-los explícitos” (p. 175).

Para a autora, o conhecimento de metalinguagem torna-se um recurso, pois permite não

só generalizações acerca de um fato linguístico como também a consulta a materiais

auxiliares.

Outra proposta acerca da reflexão possibilitada pelo estudo do componente

gramatical é a de Costa (2013). O autor destaca a relevância do planejamento das

atividades propostas para as aulas de Língua Portuguesa: devem ser privilegiadas

estruturas linguísticas mais problemáticas para as crianças, pois essas podem gerar

dificuldades de produção e compreensão, quando comparadas às já adquiridas no uso

pré-escolar.

Com base nessas propostas acerca do ensino de gramática como atividade

reflexiva, Vieira (2014, 2017) destaca que as questões propostas não visam a planejar

aulas descontextualizadas de (meta)linguagem, nem uma abordagem do componente

linguístico de forma intuitiva e desplanejada.

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112

Antes, entende-se que o trabalho com as estruturas gramaticais – por meio de atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas – decorre naturalmente do reconhecimento das construções linguísticas como matéria produtora de sentido, elementos que permitem significar e fazem a tessitura textual acontecer. (VIEIRA, 2017, p. 89)

Dessa maneira, essas atividades são importantes para as relações estabelecidas pelos

Eixos II (gramática e texto) e Eixo III (gramática e variação linguística), uma vez que

permitem lidar com o componente gramatical de modo consciente.

EIXO II: Ensino de gramática como produção de sentidos

Para a composição desse segundo eixo para o ensino do componente gramatical,

Vieira (2014, 2017) se fundamenta nas propostas de Neves (2006) e Pauliukonis (2011),

como exemplos de abordagens que apresentam “caminhos para um trabalho produtivo

com a interface gramática e sentido/texto”.

Na perspectiva funcionalista, Neves (2006) propõe que o ensino de gramática se

paute no texto, unidade básica de funcionamento da língua. Para o trabalho com o texto,

a autora apresenta temas linguísticos que permitem não só a interpretação dos elementos

que formam o sistema como também a interpretação do próprio sistema. Dessa maneira,

o ensino de gramática, na perspectiva discursivo-funcional, partiria da abordagem de

quatro grandes áreas, a saber: (i) a predicação; (ii) a criação da rede referencial; (iii) a

modalização; e (iv) a conexão de significados: formação de enunciados complexos –

áreas que organizam a obra Texto e gramática, da referida autora. Para Vieira (2014,

2017), fica evidente, em cada uma dessas grandes áreas, a atuação dos componentes

linguísticos “como expedientes responsáveis pela produção de sentidos, da predicação

verbal até a conexão de significados” (VIEIRA, 2017, p. 90), seja no âmbito lexical ou

gramatical – nos níveis fonológico, morfológico e sintático.

Com pensamento semelhante, mas em área da Análise Semiolinguística do

Discurso, Pauliukonis (2011) assume uma concepção discursiva da unidade textual,

segundo a qual se evidencia a relevância da gramática para a codificação de sentidos. A

proposta da autora concebe a construção textual como resultado de dois processos

distintos: (i) o de transformação e (ii) o de transação ou organização macrotextual. No

primeiro, são realizadas escolhas que possam traduzir em componentes linguísticos os

eventos do mundo real. No segundo, por outro lado, são organizados os resultados

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113 dessas operações iniciais, por meio de modos específicos de organização discursiva

(narração, descrição e argumentação), a fim de compor os gêneros textuais utilizados

nos atos comunicativos.

No intuito de construir o sentido do texto, o usuário da língua faria a seleção

linguística a partir das seguintes operações: (i) identificação ou subjetivação:

capacidade de designar os seres, nomear e classificar as entidades; (ii) caracterização

ou adjetivação: a ação de atribuir propriedades objetivas ou subjetivas aos seres

nomeados; (iii) processualização ou representação de fatos ou ações ou verbalização: a

indicação das mudanças na relação entre os seres; (iv) modalização/ explicação: mostra

o modo de se posicionar do sujeito da enunciação e também suas razões de ser e fazer; e

(v) relação ou coesão: o modo de combinação e hierarquização entre os diversos

componentes da frase e do texto.

A partir da síntese panorâmica dessas duas propostas expostas, Vieira (2017, p.

92) reafirma “a desejável articulação entre ensino de gramática e as atividades de leitura

e produção de textos”, realizada pelos elementos gramaticais, em processos distintos,

que vão desde a seleção dos vocábulos formais até a construção e interrelação de

períodos.

EIXO III: Ensino de gramática como instância de variação das normas

Esse terceiro eixo mostra que a variação linguística está intrinsecamente

relacionada ao trabalho com atividades reflexivas e com a construção de sentidos do

texto. Vieira (2014, 2017) adverte, entretanto, que não se deve equiparar ensino de

gramática, no sentido de conhecimento da arquitetura estrutural da língua, com ensino

de norma-padrão, no sentido de promoção de variantes de prestígio, embora essas duas

instâncias sejam confundidas na prática escolar. Para esse terceiro eixo, a autora se

reporta a três pesquisas que enfatizam o trabalho com os componentes gramaticais a

partir da pluralidade de normas, a saber: Görski e Freitag (2013), Bortoni-Ricardo

(2004) e Vieira (2013).

De acordo com Vieira (2017, p. 92),

é absolutamente necessário que as aulas de Língua Portuguesa propiciem reflexões sobre as estruturas que não são do conhecimento do aluno por motivo de não pertencerem à variedade que ele domina, que contém estruturas

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consideradas típicas da variedade popular (no sentido de pertencente a comunidades menos escolarizadas) e falada (praticada normalmente nos gêneros textuais da fala espontânea).

Em linhas gerais, a autora assume que as construções gramaticais presentes nos

materiais dispostos para ensino escolar, principalmente os referentes à escrita, podem

ser desconhecidas dos alunos ou mesmo ininteligíveis. Podem ser consideradas dessa

maneira estruturas morfossintáticas típicas de situações de alta monitoração estilística,

como, por exemplo, clíticos pronominais e estratégias de indeterminação com se.

Quanto à polissemia da concepção de normas, a autora se reporta a Vieira (2013,

p. 65 apud VIEIRA, 2017, p. 93), para discutir a questão, conforme reproduzido a

seguir.

(i) de fato, existem, no plano do uso, muitas normas/variedades (usos normais, objetivos) usualmente pertencentes ao que se identifica como variedades cultas versus variedades populares;

(ii) as variedades cultas e populares fundem-se numa rede complexa de usos variáveis, com muitas estruturas comuns, mas com algumas que as diferenciam fortemente por serem estigmatizadas socialmente e capazes de identificar ausência ou presença de escolaridade (como, por exemplo, o uso das marcas de plural); e

(iii) os falantes, de forma consciente ou inconsciente, avaliam constantemente as variantes linguísticas, elegendo aquelas que caberiam nas normas por eles idealizadas como prestigiosas, ou até “corretas” (normativas, subjetivas, comumente identificadas como norma-padrão). Assim, o conceito de norma-padrão acaba por constituir um postulado sociolinguístico inegável e muito atuante nas diversas sociedades contemporâneas.

A partir dessas reflexões, Vieira (2014, 2017) postula que o trabalho com a

variação linguística deve eleger como referência o ensino das estruturas linguísticas que

pertencem às normas/variedades efetivamente praticadas pelos indivíduos escolarizados

– ou seja, variedades cultas, representadas na fala e na escrita brasileiras. A partir desse

ponto norteador, deve-se,então, fazer a comparação da proximidade ou distância dessas

normas em relação: (i) às outras já dominadas pelos alunos no período pré-escolar; (ii)

às outras normas apresentadas pelos materiais trabalhados nas aulas de Língua

Portuguesa; e (iii) às normas idealizadas, que podem registrar formas arcaizantes e até

extintas da fala e da escrita contemporâneas.

Dessa maneira, para Vieira (2014, 2017) o professor de Língua Portuguesa deve

apresentar a norma culta escrita e falada efetivamente praticada, ajustável a instâncias

contextuais referentes não só ao registro (mais ou menos monitorado) como também aos

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115 gêneros textuais e à modalidade utilizada (falada ou escrita). Compete ao professor de

Português, portanto, a promoção do reconhecimento e/ou do domínio do maior número

possível de variantes, praticadas efetivamente pelos alunos ou não, considerando os

contínuos de variação linguística (BORTONI-RICARDO, 2004). Assim, a abordagem

do componente gramatical pelo eixo III viabiliza que o ensino de língua cumpra o

propósito de tornar o aluno capaz de reconhecer e produzir essas variantes, caso seja

necessário.

3.2. Experiências pedagógicas anteriores

A distância entre os resultados das pesquisas acerca da variação linguística e as

propostas para o ensino tem diminuído bastante, na medida em que alguns programas de

Pós-graduação apresentam disciplinas voltadas para a temática da variação e a aplicação

pedagógica. Nesta seção, pretende-se apresentar algumas propostas desenvolvidas para

o ensino de Língua Portuguesa, sendo algumas fruto desse trabalho mais específico,

desenvolvido no âmbito do PROFLETRAS.

Mesmo em meio à falta de delimitação conceitual acerca do tratamento de temas

gramaticais em contexto de variação, deve-se considerar importante a tentativa do MEC

de apresentar ao professor propostas reflexivas para o ensino. Além dos documentos

oficiais orientadores do trabalho pedagógico, destaca-se, aqui, o acervo do Programa

Nacional Biblioteca na Escola (PNBE do professor): algumas obras voltadas para a

discussão do ensino de gramática são disponibilizadas para os professores da educação

básica.

Dessa coleção, interessa, particularmente à presente pesquisa, o livro Por um

novo ensino de gramática: orientações didáticas e sugestões de atividades, de Campos

(2014). A obra apresenta quatro capítulos voltados para o tratamento de temas

gramaticais. No terceiro capítulo, dedicado ao estudo das classes de palavras, há uma

seção (3.5) que trata dos “pronomes pessoais e possessivos”, com orientações teóricas e

atividades para o ensino. A autora inicia suas considerações sobre o tema indicando que

o objetivo principal do trabalho com pronomes “é fazer com que os alunos aprendam a

identificar as propriedades (de natureza morfológica, sintática e semântica) que definem

as palavras pertencentes à classe, para entenderem seu comportamento nos textos” (p.

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116 87). Com o intuito de atingir esse objetivo, são propostos alguns exercícios, a partir do

seguinte texto.

A vidraça da vizinha aparece quebrada. A mãe mandou chamar o Juquinha:

- Você quebrou a vidraça, filho?

- Foi sem querer, mãe, um acidente.

- Como acidente?

- Eu estava limpando meu estilingue e ele disparou.

(Ziraldo. As anedotinhas do Bichinho da Maçã, 1988, p.18, apud Campos, 2014, p. 87)

Uma das atividades articula esse componente gramatical à construção de

sentidos no texto, como pode ser visto na terceira questão, reproduzida a seguir (p. 89).

3) Já descobrimos então um novo papel que as palavras podem desempenhar: substituir, no texto, outras palavras. As palavras substitutas se chamam pronomes. Pelo que você viu até agora o que é que o leitor deve fazer para saber o significado de pronomes como eu e ele no texto?

Dentre outras atividades, a autora ainda propõe um exercício de flexão verbal

com os pronomes, como “Eu estava limpando / ___ estavas limpando” (p. 90).

Observando os espaços disponíveis para preenchimento e também a terminação verbal

de todas as dez opções, percebe-se que a forma pronominal plural de 1ª pessoa a gente

não foi incluída no rol dos pronomes pessoais.

No quinto exercício, há uma referência à variação linguística entre as formas

pronominais que expressam a 2ª pessoa do singular.

5) Esses pronomes são chamados de pessoais porque indicam as pessoas ligadas aos verbos. Você conhece alguém que, em vez de usar o pronome você, usa o pronome tu para tratar a pessoa com quem conversa? De que cidade ou estado brasileiro é essa pessoa que usa tu?

A sétima questão trata da forma vós, restrita a alguns gêneros de tradição

discursiva literária e utilizada – em contexto de fala – apenas em alguns gêneros

associados à religiosidade (como as preces espontâneas): “E o pronome pessoal vós,

você já o ouviu ou já o viu escrito em algum texto? Que tipo de texto é esse?” (p. 90).

Praticamente no final da atividade (questão 13), a autora novamente solicita que

os alunos listem os pronomes existentes, dessa vez em um quadro, com o objetivo de

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117 comparar as formas pessoais com as formas possesivas (p. 92). Cabe destacar que, no

quadro – reproduzido a seguir –, só há espaço para as seis formas apresentadas

tradicionalmente (eu, tu, ele/a, nós, vós, eles/as).

Pronomes pessoais Pronomes possessivos

eu meu, minha, meus, minhas

tu

Em seguida à apresentação das atividades propostas, Campos (2014) sugere,

ainda, que outras atividades didático-pedagógicas

devem ir incorporando aos poucos, de bimestre em bimestre, ou de ano para ano, o estudo dos pronomes oblíquos, de outros pronomes de tratamento além de você e senhor, dos pronomes demonstrativos, interrogativos e indefinidos mais usuais na língua, sempre com o cuidado de chamar a atenção para o seu papel referencial e sintático (se substituem nomes ou se os acompanham” (p. 93).

No que se refere às pesquisas com propostas didático-pedagógicas no âmbito do

PROFLETRAS, em diferentes programas de pós-graduação nas universidades federais,

destacam-se quatro que interessam de forma particular à presente investigação. Trata-se

de trabalhos que, embora não versem exclusivamente sobre formas pronominais,

apresentam propostas pedagógicas – elaboradas a partir da reflexão sobre pesquisas

linguísticas: Souza (2015), Xavier (2015), Chagas (2016) e Gouvêa (2016).

Souza (2015) analisa as estratégias de indeterminação do sujeito empregadas por

alunos do 9° ano da rede municipal de ensino e propõe um estudo dirigido para

trabalhar o uso dessas estratégias, baseado na referida proposta de Vieira (2014, 2017).

Inicialmente, a autora realizou uma pesquisa de base sociolinguística para diagnosticar

as estratégias de indeterminação do sujeito empregadas por seus alunos do 9º ano em

atividades elaboradas para esse fim e na produção de artigos de opinião.

A partir desse diagnóstico, foi elaborado um trabalho didático-pedagógico, um

estudo dirigido, que objetivava oferecer uma visão apurada e ampla sobre o tema,

instrumentalizando seu público-alvo a refletir sobre o fenômeno em questão, por meio

da abordagem reflexiva da gramática. O estudo dirigido foi constituído por 12

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118 atividades distintas, a partir das quais os alunos eram levados a perceber diferentes

formas utilizadas para a indeterminação do sujeito. Duas atividades-diagnose foram

realizadas para que a autora/professora levantasse as formas utilizadas pelos alunos

cotidianamente. As demais atividades tinham diversos objetivos, entre eles: (a)

instrumentalizar o aluno acerca do tema; (b) fazê-lo perceber as formas variantes

utilizadas, a depender do gênero textual; (c) produção textual de gêneros específicos,

utilizando estratégias de indeterminação do sujeito estudadas. Souza (2015) propôs,

como produção textual final, a elaboração de um artigo de opinião.

Um aspecto interessante da proposta de Souza (2015) é a capacidade de, a cada

atividade proposta, correlacionar os eixos de ensino propostos por Vieira (2014, 2017).

A seguir, são reproduzidas as reflexões da autora para a segunda atividade proposta.

ATIVIDADE II

Esta atividade, de caráter epilinguístico foi criada após percebermos que a aplicação dos testes de verificação de uso de estratégias de indeterminação sem uma atividade reflexiva seria pouco produtiva. (...).

Objetivo: Esta atividade epilinguística permite o trabalho com a Gramática como atividade reflexiva (EIXO I) e também como instância que manifesta fenômenos no âmbito da variação (EIXO III). Sua meta é fazer com que o aluno reflita acerca da tarefa anterior chegando à conclusão de que, embora com objetivos distintos, as cenas tinham em comum a proposição de estratégias de indeterminação do referente com o intuito de: (i) indeterminá-lo, em função de desconhecer o agente de uma ação; (ii) não revelar quem realizou um determinado ato, sob a justificativa de não se comprometer perante um grupo, modalizando o envolvimento de quem fala com o que fala; e (iii)criar certo suspense acerca de determinada informação. Além disso, a Atividade II permite ao educando começar a ter uma noção de que há diversas maneiras de indeterminar o referente em uma oração e diferentes contextos que justificam essa indeterminação.

Justificativa: A atividade leva o aluno a refletir sobre o sentido da indeterminação (item a), que formas a indeterminação pode assumir (item b), a necessidade de indeterminar em certas situações comunicativas (itens c, d e e), bem como o fato de que há diferentes maneiras de fazê-lo (g). (SOUZA, 2015, p. 122 e 123)

A pesquisa de Xavier (2015) também realiza uma diagnose na escrita escolar –

de alunos do 9° ano de uma escola de Natal (RN) – acerca do fenômeno de expressão do

acusativo anafórico de 3ª pessoa no PB. A partir dessa diagnose inicial, a autora propõe

a abordagem do acusativo anafórico, de modo a defender um ensino de língua e de

gramática no qual essas formas sejam trabalhadas em conjunto, a fim de que o aluno

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119 perceba as diferentes possibilidades de relações e de construções sintáticas possíveis

dentro de sua gramática. A proposta de Xavier (2015) – assim como a de Souza (2015)

– foi realizada com os alunos nas classes em que a pesquisadora atuava como docente.

Os alunos atuaram como pesquisadores, analisando seus próprios textos, a fim de

encontrar as estratégias de realização do objeto anafórico de 3ª pessoa. A descrição a

seguir mostra isso:

Na etapa 05, os alunos tiveram de identificar, em diferentes textos, todas as formas de retomadas por objeto direto anafórico presentes neles. Essa atividade foi dividida em duas partes. Na primeira delas, todas as formas de acusativo anafórico estavam selecionadas e os alunos tiveram de identificar os referentes das formas em destaque. Na segunda parte, o processo foi feito ao contrário, pois os alunos tiveram de encontrar as formas de objeto direto anafórico correspondentes aos referentes que já estavam selecionados no texto. (XAVIER, 2015, p. 94)

Diferentemente de Souza (2015), Xavier (2015) desenvolveu sua proposta no

formato de sequência didática (SD). Os alunos realizaram uma produção textual

inicialmente – dos gêneros relato de filme e relato de experiência pessoal –, as quais

serviram para diagnose do uso das variantes do acusativo anafórico de 3ª pessoa. Após

essa diagnose – realizada pela autora/professora –, foram desenvolvidas diversas

atividades voltadas para o ensino das diferentes variantes da função em questão. A etapa

final consistia em aplicar novamente a mesma proposta de produção textual inicial, a

fim de verificar se os alunos aprenderam – e passaram a utilizar mais – a variante

padrão (clítico acusativo).

Voltando ao contexto de escolas públicas do Rio de Janeiro (Nova Iguaçu/RJ),

Chagas (2016) realiza uma diagnose acerca dos padrões de concordância verbal de 3ª

pessoa, praticados por alunos de 8° ano do ensino Fundamental. A partir desse trabalho

de mapeamento dos usos linguísticos em contexto de escrita escolar, a autora elabora

uma proposta pedagógica, visando à promoção de maior consciência linguística dos

alunos acerca do fenômeno em estudo, a fim de ampliar seu repertório linguístico, para

que sejam capazes de realizar usos populares ou cultos, mais ou menos monitorados, de

acordo com a situação de interação em que se encontram inseridos.

Na pesquisa de Chagas (2016), a autora realizou inicialmente uma experiência-

piloto, que possibilitou a análise das crenças e atitudes dos alunos acerca do tema da

variação linguística, relacionado tanto ao ensino de Língua Portuguesa em geral quanto

ao tema da concordância verbal de 3ª pessoa. No que se refere à proposta, seu objetivo

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120 foi oferecer alternativas de ensino de concordância verbal que não estejam ligadas à

mera memorização de um padrão geral, de modo que os alunos tenham consciência

linguística sobre a variação.

A proposta pedagógica de Chagas (2016) traz inicialmente uma notícia sobre a

polêmica do livro didático que apresentava o seguinte exemplo de concordância verbal:

“nós pega o peixe”. A partir desse texto, os alunos são convidados a refletir sobre

questões de concordância relacionadas à 3ª pessoa, em textos com músicas e postagens

no Twitter. No final, ainda há a apresentação de um texto de Marcos Bagno, sobre

preconceito linguístico, a partir do qual os alunos são levados a refletir sobre o

fenômeno da concordância e o preconceito que há na sociedade em relação à ausência

da marca de concordância.

Quanto à organização das atividades, a autora as dispôs de maneira semelhante à

de Souza (2015), apresentando justificativas referentes aos três eixos, antes de cada

questão apresentada. A seguir, reproduz-se a questão 11.

Questão 11

Justificativa: Essa questão, de natureza linguística, visa a promover a reflexão do aluno sobre a leitura em torno das diferentes vozes presentes na notícia e levá-lo à reflexão, epilinguística, sobre como essas vozes se alternam no texto. A atividade está prioritariamente ligada ao Eixo 2 para o ensino de Língua Portuguesa porque trabalha, sobretudo, a produção de sentidos ancorados na relação do texto com a postura ideológica de seu locutor.

Na frase “Na obra, os autores afirmam que o uso da língua popular – ainda que com seus erros gramaticais – é válido”, há a presença de duas vozes que representam duas pessoas que expõem suas visões sobre o assunto discutido: uma que considera que “o uso da língua popular é válido” e outra que considera que esse uso popular tem “seus erros gramaticais”. Quem são essas pessoas, considerando o que cada uma afirma? (Chagas, 2016, p. 150)

Finalizando as pesquisas de mestrado desenvolvidas no âmbito do

PROFLETRAS elencadas na presente seção, há o trabalho de Gouvêa (2016). A

pesquisadora realiza um projeto-piloto, com diversas atividades baseadas no

documentário Fala tu, a fim de verificar como os alunos de uma escola municipal do

Rio de Janeiro expressam (usos) a 2ª pessoa discursiva e avaliam (crenças) a variação

referente a esse tema. A partir dos resultados desse trabalho inicial, a autora

desenvolveu uma proposta pedagógica, cujo objetivo era contribuir para que os alunos

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121 pudessem refletir sobre o fenômeno em questão de forma mais crítica, autônoma e

eficaz, nas diversas situações comunicativas, nas modalidades falada e escrita,

expandindo sua experiência linguística em relação aos diversos gêneros textuais.

Na primeira sequência de atividades, os alunos são levados, a partir de alguns

gêneros textuais – como canções e bilhetes –, a reconhecer as formas pronominais

utilizadas para indicar as duas pessoas discursivas da interlocução. O objetivo dessa

etapa foi enfatizar questões de leitura e prática linguística, que possibilitassem o

trabalho com a 2ª pessoa discursiva. Para que os alunos pudessem colocar em uso as

variantes da 2ª pessoa discursiva, a segunda etapa de atividades priorizou a prática

textual de diferentes gêneros interlocutivos, próprios do domínio da comunicação, entre

os quais: conversas no Whatsapp e comentários no Facebook.

Quanto à organização da proposta, Gouvêa (2016) arruma as questões de modo

semelhante a Souza (2015), apresentando os objetivos, as justificativas e os resultados

de cada atividade aplicada. Para fins de ilustração, a seguir, foi reproduzido um trecho

dessa proposta.

Questão 1

Releia o convite enviado por um dos personagens do filme a que você

assistiu sobre o conto “Os óculos de Pedro Antão”, do escritor Machado

de Assis.

Pedro. Recebi hoje as chaves da casa de meu tio; vou abri-la. Queres

acompanhar-me? Não penses que é por medo de lá entrar só; é porque

eu sei que tu tens interesse e gosto em penetrar nos negócios

misteriosos: e nada mais misterioso que a casa do famoso tio. Vem ao

meio-dia. Teu Mendonça.

a- A quem é dirigido o convite acima?

b- Quem o envia?

c- De que trata tal convite?

Essa primeira questão envolve três itens de leitura que constituem uma

abordagem de cunho linguístico com o intuito de verificarmos e

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122

explorarmos o conhecimento “interno” dos alunos acerca da atividade

central e primordial da categoria pronominal: a função dialógica.

Vale ressaltar que aquilo que chamamos de “conhecimento interno” é

tratado por Franchi (2006, p. 31) como “gramática interna” e

corresponde ao próprio saber linguístico do falante, construído e

desenvolvido na atividade linguística em si. (Gouvêa, 2016, p. 74 e 75)

Há ainda dois trabalhos que – embora não tenham derivado de uma dissertação

de mestrado – também interessam particularmente à presente investigação, e, inclusive,

servem de justificativa para a elaboração de uma proposta pedagógica: são os de

Barbosa (2007 e 2015).

Barbosa (2007) tece considerações acerca dos diversos saberes que devem estar

envolvidos no tratamento dos fatos gramaticais, por parte dos professores de língua

materna. De acordo com o autor, o primeiro trata do “saber linguístico da norma

vernácula de uso do falante, aquilo que, para além da competência linguística inata, é

compartilhado por sua comunidade ou região” (p. 37). O segundo refere-se ao “saber

linguístico descritivo/prescritivo partilhado por todo o Ocidente, atingido direta ou

indiretamente pelos modelos greco-romanos de gramáticas” (p. 38). Finalmente, o

último é o saber “recebido nos cursos de graduação por ocasião do estudo de diferentes

linhas de gramática descritivo-científicas – estruturalistas, funcionalistas, gerativistas,

dentre outras – ou ainda de abordagem de foco na interação ou no discurso” (p.40).

Ainda segundo Barbosa (2007), o professor de língua materna é um pesquisador,

que deve saber resolver problemas – não previstos nos manuais didáticos – “com

habilidade de percepção e reflexão sobre dados e suposições que ele cria no

acompanhamento das descrições e hipóteses explicativas de cada escola linguística” (p.

41). Entende-se – pelas palavras do autor – que o professor não deve se limitar ao

conhecimento de apenas um desses saberes, mas buscá-los de forma a completar sua

formação. Munido desses saberes, o professor será capaz de identificar – a respeito de

qualquer tema gramatical: (a) o que os falantes dizem no vernáculo; (b) o que a tradição

gramatical diz; e (c) o que dizem as pesquisas linguísticas. Dessa maneira, o professor

de Língua Portuguesa torna-se capaz de refletir sobre os fatos da língua e apto para

ensiná-los de modo também reflexivo.

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123

Ainda refletindo sobre questões relacionadas ao ensino, Barbosa (2015) tece

considerações acerca do ensino de Língua Portuguesa, priorizando a relevância do

trabalho com a variação linguística, no âmbito da formação dos professores de língua

materna. Esse trabalho interessa particularmente à presente pesquisa também por

questionar a falta de materiais didáticos reflexivos, disponibilizados para o professor

recém-formado. De acordo com Barbosa, são realizadas reflexões científicas nos cursos

de Letras, o que constitui uma formação excelente para o graduando da área. Entretanto,

ao entrar para o mercado de trabalho, o graduado/licenciado depara-se com um

empecilho ao ensino reflexivo: não há materiais didáticos na mesma proporção que

houve debates científicos (Cf. BARBOSA, 2015, p. 257).

Barbosa (2015) ainda pondera que, ao se estabelecer um objeto de ensino para as

aulas de Língua Portuguesa, é necessário “decidir recortes temático-descritivos e

redução terminológica que não desfigurem o objeto descrito com lacunas ou

incoerências teórico-metodológicas” (p. 260). Para o autor, esse recorte e redução

terminológica constituem uma questão de bom senso, na elaboração de material a ser

consultado por adolescentes. Ainda de acordo com Barbosa (2015), compete a essa

geração a disponibilização de “materiais didáticos com boas reduções das descrições,

análises e reflexões sobre os fatos da língua, suas multidimensões discursivas, sociais e

propriedades gramaticais” (p. 260).

A título de exemplificação do que propõe, o autor descreve um trabalho

realizado por ele, no âmbito das aulas do curso de Letras de UFRJ, com uma turma de

calouros. Barbosa (2015) realizou, para a abordagem dos diversos quadros de pronomes

pessoais, diversas atividades – em conjunto com a turma – a partir de alguns dados. A

ideia geral era construir paradigmas de pronomes pessoais conjugados com verbo

regular de 1ª conjugação.

Na primeira etapa, o autor levantou o uso que o grupo da turma considerava

espontâneo na prática linguística cotidiana deles mesmos. Após colocar esses dados no

quadro negro, discutiu-se, para entender quais usos eram mais esperados nos discursos

mais monitorados dos próprios estudantes, quais eram provenientes do contato com

gêneros escritos cotidianos e quais eram efetivamente do vernáculo dos alunos. Na

segunda etapa, foi construído um quadro sobre o uso literário mostrado pela gramática

tradicional. A partir desse novo sistema, foram discutidas as formas que fazem a língua

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124 modelar diferente das variedades orais analisadas na primeira etapa. A terceira etapa

apresenta o que a comunidade local dos alunos utiliza. Nessa etapa, foi discutido o

conceito de avaliação negativa, de acordo com as considerações de Labov, a partir da

análise das formas que os alunos consideravam “estranhas” na comunidade local.

Na quarta etapa, foram analisadas formas que os alunos consideram estranhas,

utilizadas por outras comunidades linguísticas. Essa etapa foi relevante para a

abordagem do conceito de variante linguística, sem se prender aos conceitos de bom,

ruim, certo ou errado. Finalmente na quinta etapa, foi apresentado o sistema mais

reduzido morfologicamente, com duas formas verbais apenas (1ª pessoa e demais

pessoas). A discussão final foi realizada em relação a esses cinco quadros pronominais

enquanto sistema: quais constituem um diassistema e qual o propósito do uso das

formas veiculadas pela gramática tradicional.

Essa abordagem do quadro pronominal a partir da própria reflexão dos alunos –

com base nos diferentes quadros pronominais a que eles em alguma medida têm acesso

– constitui um exemplo de orientação didática para o tratamento de temas variáveis,

com base na reflexão linguística a partir dos saberes gramaticais que devem

fundamentar a prática pedagógica. Desse modo, trata-se de mais uma referência que

serve para capacitar o futuro professor de Língua Portuguesa a refletir tanto sobre

questões teórico-metodológicas de base quanto sobre questões pedagógicas em geral.

As pesquisas descritas ao longo desta subseção revelam que há um esforço no

intuito de tornar o ensino de Língua Portuguesa mais reflexivo acerca do componente

gramatical. Cabe salientar que especificamente as pesquisas desenvolvidas no âmbito do

PROFLETRAS ainda cumprem o desafio da construção de uma pedagogia da variação

linguística (Cf. FARACO, 2015) a partir da elaboração de atividades pedagógicas.

3.3. Justificativa e metodologia para a elaboração da proposta

Uma das justificativas para a elaboração de uma proposta pedagógica – sob a

forma de um estudo dirigido – voltada para o ensino do quadro de pronomes pessoais

vem das considerações realizadas por Barbosa (2015), sobre a necessidade da criação –

pela presente geração – de materiais didáticos que possibilitem a reflexão sobre a

língua, considerando os saberes que os alunos já apresentam sobre o vernáculo, os

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125 saberes descritos/prescritos pelas gramáticas normativas e também os saberes descritos

pelas pesquisas linguísticas. Nesse sentido, a diagnose dos usos relacionados ao quadro

pronominal por parte dos alunos também justifica plenamente essa necessidade, visto

que permitiu verificar a distância entre as variantes praticadas pelos alunos, suas normas

de uso e as propostas como modelares, que fazem parte do diassistema da Língua

Portuguesa em suas diversas expressões.

Para a elaboração da proposta pedagógica de ensino do quadro pronominal31 –

descrita na próxima seção –, aplicou-se metodologia semelhante ao trabalho realizado

por Souza (2015): abordagem do componente gramatical através de atividades

linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas, relacionadas ao ensino de gramática em

três eixos (VIEIRA, 2014, 2017), desenvolvida num modelo de estudo dirigido.

Primeiramente, definiu-se que as atividades levariam os alunos ao

reconhecimento das formas pronominais em uso efetivo, tanto na fala quanto na escrita

do PB, privilegiando-se, como ponto de partida, o comportamento linguístico da

variedade carioca. A apresentação inicial de variantes que compõem um quadro de

pronomes pessoais no PB – dentro desta proposta pedagógica – não tem por objetivo

sistematizar a variação linguística, o que será realizado mais adiante no material

proposto. As duas primeiras partes cumprem o papel de diagnose dos diversos usos.

Além desse trabalho de mapeamento inicial, a presente proposta também pretende levar

o aluno à observação dos pronomes em variação nas seguintes funções e pessoas: o

sujeito de 1ª pessoa plural e 2ª pessoa singular, e o objeto direto e o indireto da 3ª

pessoa. Essas pessoas e funções específicas foram escolhidas por haver mais estudos

linguísticos nesse sentido, estudos que comprovam serem essas regras variáveis

relevantes para a promoção do domínio de normas em variados gêneros textuais.

Para a elaboração específica das atividades, foram selecionados os textos que

serviriam para esse propósito. Determinou-se que seriam utilizados alguns gêneros

textuais específicos – das modalidades escrita e falada, tanto de registro formal quanto

31 Em 2013, antes do ingresso no Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (UFRJ) e da participação no grupo de pesquisa Gramática, variação e ensino: diagnose e propostas pedagógicas, a professora/pesquisadora já tinha elaborado e testado, ainda que intuitivamente, um conjunto de atividades para o ensino do quadro pronominal. A análise dessas atividades – reproduzidas no anexo III desta dissertação – mostra que a visão ainda era imatura quanto à abordagem do quadro de pronomes pessoais, pela falta de conhecimento teórico e pedagógico. Após o contato acadêmico, houve amadurecimento do modo de ensinar o tema, que foi novamente escolhido para a atual proposta pedagógica.

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126 de informal – nos quais haveria ocorrências das variantes linguísticas em estudo. A

seleção com base nesses critérios justifica-se pela necessidade de trabalhar os contínuos

de oralidade e letramento e de monitoração estilística.

Uma vez que a proposta foi desenvolvida para uma turma de 9° ano do ensino

fundamental, convencionou-se que seriam selecionados gêneros textuais cujas

características os alunos, supostamente, já conheciam. Em relação às 1ª e 2ª pessoas,

gêneros com características dialógicas foram privilegiados, uma vez que nesses textos

apareceriam os pronomes da interlocução. Quanto à terceira pessoa – que, a rigor,

aparece em todos os gêneros do discurso, por constituir o próprio objeto da enunciação

–, foram selecionados alguns gêneros que apareceram também para as demais pessoas,

além de outros, como contos e notícias. O quadro a seguir sintetiza os gêneros textuais

escolhidos para o trabalho com cada pessoa e função específica.

Função/

Pessoa

1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa

Nominativa tirinha, poema,

entrevista, coluna

de jornal, termo de

esclarecimento

tirinha, anúncio,

canção, entrevista

anúncio

Acusativa tirinha anúncio, canção,

postagem32,

reclamação de

consumidor,

notícia, conto,

anedota, carta

Dativa tirinha tirinha tirinha, carta, conto

Reflexiva -33 - notícia

Quadro 8 – Os gêneros textuais distribuídos pelas funções estudadas no estudo dirigido.

Partindo do pressuposto de que os alunos já estariam familiarizados com as

características dos gêneros textuais escolhidos, explorar tais aspectos não foi objetivo

primário do estudo dirigido elaborado. Portanto – para cada texto selecionado – nem

sempre foram privilegiadas questões formuladas exclusivamente para abordar a

caracterização do gênero textual em si mesma. Justificado esse item, assume-se aqui

32 Assume-se aqui que as postagens – veiculadas nas redes sociais – funcionam como gêneros textuais. 33 Para a função reflexiva de 1ª e 2ª pessoas, foram elaborados exercícios epilinguísticos em que os alunos utilizariam essas formas. Isso justifica ausência de gêneros textuais selecionados para essa função.

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127 que, embora se objetive relacionar o quadro pronominal aos sentidos produzidos em

textos (conforme Eixo II), a abordagem dos textos selecionados, sempre consoante a

construção indutiva e sistemática do conhecimento gramatical (conforme Eixo I),

privilegiará o Eixo III, uma vez que se pretende – principalmente – apresentar as

diferentes formas pronominais variantes, utilizadas para todas as funções em estudo.

Convencionou-se, ainda, que a proposta seria desenvolvida para o 9° ano do

ensino fundamental, pois se acredita que os alunos desse ano escolar têm mais

conhecimento gramatical sistematizado – além da maior capacidade de abstração,

importante para o estudo científico – para discutir o assunto de forma mais aprofundada.

Além dos conhecimentos amplos sobre os gêneros textuais selecionados, pressupõe-se

que esses alunos já tenham estudado, nos anos anteriores, conceitos relativos a

transitividade verbal, complementos verbais e também pronomes pessoais – para já

reconhecerem algumas formas padronizadas apresentadas pela escola – principalmente

os clíticos acusativo e dativo. Dessa forma, as questões formuladas em cada módulo

também foram desenvolvidas sem o compromisso de ensinar a priori tais conceitos para

os alunos. Assume-se aqui que, caso haja alguma dúvida em relação a essas definições,

o professor poderá esclarecê-la no momento de aula.

Em relação a cada eixo de trabalho proposto por Vieira (2014, 2017), foram

definidos os objetivos específicos que seriam privilegiados nessa proposta pedagógica.

No que tange ao Eixo I, o estudo dirigido propõe-se a ensinar o que é um pronome

pessoal, levando em consideração os três critérios (PINILLA, 2007) para definição das

classes gramaticais – a saber, semântico, morfológico e sintático. Quanto ao Eixo II,

pretende-se abordar as funções discursivas dos pronomes vinculadas aos textos – ou,

seja, o modo como essa categoria morfossintática contribui para a formação do sentido

no texto: trabalha interlocução e realiza retomadas anafóricas. Finalmente, no Eixo III,

almeja-se levar o aluno ao reconhecimento das diferentes variantes – pronominais ou

não –, utilizadas para a expressão das funções em estudo: nominativa, acusativa, dativa

e reflexiva. Além da apresentação de todas as variantes, espera-se, ainda, abordar – de

forma mais aprofundada – o nominativo de 1ª pessoa do plural e de 2ª pessoa do

singular, o acusativo e o dativo de 3ª pessoa. Essas escolhas quanto ao Eixo III

decorrem, sobretudo, dos resultados da diagnose realizada: trata-se, de um lado, de

promover a ampliação do repertório de variantes, e, de outro, de trazer ao plano da

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128 consciência linguística o quadro pronominal mais amplo. Assim, cumprem-se objetivos

pedagógicos no plano não só da produção, mas também da recepção das variantes

pronominais.

Quanto à organização da proposta pedagógica, determinou-se que a mesma seria

dividida em seis partes distintas, denominadas módulos. O primeiro módulo trata dos

pronomes-sujeito. Nesse módulo, a partir da leitura de alguns textos – por meio de uma

abordagem indutiva –, são levantadas as variantes pronominais que funcionam como

sujeito. Uma vez que o objetivo desse módulo é apenas o reconhecimento de tais

formas, não há necessidade de sistematização da variação linguística nesse ponto do

estudo dirigido. Assim, ainda não há um trabalho específico em relação à variação que

ocorre nas formas nominativas de 1ª pessoa do plural e 2ª pessoa do singular.

O segundo módulo trata exclusivamente das formas pronominais que funcionam

como objeto. Assim como no primeiro módulo, esse ainda não era o momento reservado

exclusivamente ao Eixo III, pois a preocupação primária é levar o aluno ao

reconhecimento dos pronomes-objeto. Para tanto, foram elaboradas questões que – a

partir da leitura de diferentes gêneros textuais pré-selecionados – contribuíssem para o

levantamento e reconhecimento dessas formas pronominais, utilizadas em diferentes

contextos sócio-comunicativos.

A partir do terceiro módulo, inicia-se o tratamento mais direcionado ao

tratamento do Eixo III – da variação linguística. Esse módulo retoma o trabalho com as

formas variantes da 1ª pessoa do plural – apenas apresentado no primeiro módulo –,

mostrando o comportamento das formas nós e a gente, a depender da modalidade

linguística (oral ou falada) e também das situações de registro (formal ou informal). Há

de se convir que – em virtude da limitação de espaço no material – é realizado um

recorte em relação gêneros trabalhados, a partir desse módulo. Como essa é uma

proposta inicial, pressupõe-se que o professor pode – no decorrer de outras aulas –

ampliar o trabalho com outros gêneros, através de pesquisas realizadas com os alunos.

Dessa maneira, quando se propõe, por exemplo, que os alunos distribuam essas formas

pronominais por um contínuo de variação linguística (de oralidade/letramento e

também de monitoração estilística), acredita-se que essa tarefa se tornará mais

produtiva quando atrelada à pesquisa proposta.

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129

No quarto módulo, propõe-se que o aluno estude a variação das formas tu e

você, referentes à 2ª pessoa do singular, associadas também à variação que ocorre nas

modalidades oral e escrita e no registro utilizado – formal ou informal.

O quinto módulo trata do objeto direto anafórico de 3ª pessoa e apresenta uma

novidade em relação aos demais: além de estudar as formas pronominais o(s), a(s) e ele,

também apresenta outras estratégias para a expressão dessa função, a saber, os SNs e

também o objeto não expresso. O sexto módulo também traz outras estratégias, desta

vez para a realização do dativo anafórico de 3ª pessoa: os SPs anafóricos e o objeto não

expresso.

Naturalmente, os alunos já utilizam essas estratégias não pronominais referentes

tanto ao acusativo quanto ao dativo de 3ª pessoa; entretanto, muitos não têm consciência

linguística disso, por nunca terem refletido sobre o assunto. Dessa maneira, no quinto e

no sexto módulos, pretende-se ainda levar o aluno à reflexão linguística quanto às

variantes utilizadas nessas duas funções em estudo, sejam pronominais ou não.

Quanto à linguagem utilizada no estudo dirigido, convencionou-se que o ideal

seria estabelecer uma interação entre a proposta e seu leitor (o aluno). Para atender tal

propósito, optou-se por uma linguagem dialógica, através do convite para o aluno

refletir sobre o que está sendo abordado. Os módulos também são conectados uns aos

outros por meio do diálogo estabelecido com o aluno. Dessa maneira, ao longo do

material, são realizados questionamentos ao leitor, de modo a conduzi-lo ao

conhecimento que se pretende abordar na proposta pedagógica.

Cabe esclarecer que, por razões externas à pesquisa34, não foi possível a

aplicação da proposta pedagógica em uma turma de alunos da rede pública municipal do

Rio de Janeiro, já que a professora/pesquisadora não fazia mais parte do corpo docente

da E. M. Thomé de Souza, ao final da pesquisa. Isso não impede, porém, que –

futuramente – a proposta seja aplicada por outro professor da referida escola ou ainda

em outra instituição de ensino.

34 A professora deixou de lecionar na E.M. Thomé de Souza, para assumir o cargo de professor efetivo no Colégio Pedro II (março de 2017).

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130

3.4. Proposta pedagógica de ensino do quadro de pronomes pessoais

A presente seção descreve o estudo dirigido elaborado para o ensino do quadro

pronominal, destinado a uma turma de 9° ano. Como essa proposta pedagógica é

dividida em seis módulos gerais, foi inserido, antes de cada, um resumo com seus

objetivos e justificativas. Faz-se necessário esclarecer que essa parte explicativa serve

apenas como uma descrição para o professor e não apareceria em uma possível versão

do material para o aluno.

Módulo I: Essa primeira parte, composta por 4 textos e 12 questões, inicia a

abordagem da conceituação dos pronomes pessoais e também da diagnose das formas

disponíveis na língua. Pressupõe-se que os alunos sabem reconhecer os termos que

funcionam como sujeitos nas orações.

Objetivos: Esse módulo propõe que o aluno realize o reconhecimento do pronome

pessoal enquanto classe gramatical. Para tanto, foram utilizados três critérios de

definição: semântico, morfológico e sintático. A partir dos textos para análise, o aluno

é levado a realizar a distribuição dos pronomes que podem funcionar na função de

sujeito. Para atingir esse objetivo, foram elaboradas questões de natureza linguística e

epilinguística.

Justificativa: Buscou-se trabalhar com os três eixos do ensino de gramática (VIEIRA,

2014, 2017), uma vez que o aluno seria levado a reconhecer as variantes linguísticas

pronominais utilizadas para a expressão da função de sujeito das três pessoas do

discurso. O Eixo I justifica-se uma vez que as questões levam os alunos a operar sobre

a própria linguagem, ao refletir sobre as questões linguísticas e epilinguísticas

propostas. O Eixo II também é privilegiado nessa atividade, pois os alunos são levados

a relacionar o uso dessas variantes pronominais a partir dos textos e gêneros em

análise, já apresentando a função discursiva dialógica dos pronomes de primeira e

segunda pessoas e anafórica, no caso da terceira pessoa. Finalmente, o trabalho com o

Eixo III surge uma vez que são levantadas – ainda que brevemente – questões acerca

da variação das formas pronominais utilizadas.

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MÓDULO I

Querido aluno, vamos começar a estudar uma classe gramatical que pode fazer

referência tanto ao sujeito quanto aos complementos dos verbos. Você tem ideia de qual

seja? Certamente, você já estudou essas palavras e sabe classificá-las. Nesse material

didático, vamos estudá-las novamente, observando seus usos de acordo com a variação

que existe na língua. Você está pronto? Então, vamos lá!

Leia a seguinte propaganda, publicada na Revista O Globo.

TEXTO I

Revista O Globo, 23/08/2015.

1) Toda propaganda possui uma característica principal: apresentar um produto através

de imagens e palavras, a fim de conquistar um cliente.

a) Que produto/serviço é oferecido no texto I?

b) Para se referir ao seu interlocutor, o texto faz uso de

algumas palavras específicas. Transcreva essas palavras.

c) Que palavra foi utilizada para se referir a quem “fala” nessa

propaganda?

d) Como ficaria a última oração se autor se referisse ao interlocutor no plural?

TEXTO II

(http://apropagandainfoco.blogspot.com.br/2013/09/por-traz-das-imagens.html)

Você se lembra que interlocutor é cada uma das pessoas que participam do discurso? A pessoa que fala também é conhecida como locutor.

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132 2) Que produto/serviço é oferecido nesse anúncio do texto II?

3) O curioso caso de Benjamin Button é nome tanto de um livro quanto de um filme

americanos, que narram a história de um personagem que nasce velho e vai ficando

jovem à medida que o tempo passa.

No anúncio da rede Hortifruti, há uma intertextualidade com essa obra de ficção.

De que modo essa relação é estabelecida?

4) Releia o seguinte trecho:

I- “Ele se sentiu mais novo depois de passar pela Hortifruti”

a) A que faz referência o termo destacado? Esse termo indica os interlocutores ou o

objeto do discurso (aquilo de que se fala)?

b) Que função sintática o termo destacado na oração está exercendo?

c) Faça como no modelo35:

MODELO O Amendoim Button, ele se sentiu mais novo depois de passar pela Hortifruti.

Agora é sua vez! A Incrível Rúcula, _________________________________________________. A Incrível Rúcula e a Hortaliça Rebelde, ____________________________________. O Batatman e o Thormate, _____________________________________________.

d) As personagens/legumes/hortaliças utilizadas no modelo do item anterior (c) também

aparecem em outros anúncios da rede Hortifruti. Você sabe a que fazem referência os

nomes utilizados? Converse com seus colegas, verifique se eles também conhecem e

acrescente a referência a seguir.

A Incrível Rúcula: ______________

A Hortaliça Rebelde: _____________

Batatman: ________________

Thormate: ________________

De que modo esses nomes se assemelham aos nomes utilizados originalmente?

5) No primeiro anúncio (texto I), o discurso gira – de forma direta – em torno dos

interlocutores. No texto II, isso também acontece? Há uma mensagem direta para um

35 Vale ressaltar – para o professor – que esse tipo de exercício com topicalização foi escolhido, pois permite destacar partes específicas do discurso – e pode ser utilizado como recurso textual, tanto na fala quanto na escrita. Além disso, é o tipo de atividade epilinguística que possibilita acessar o conhecimento linguístico que o aluno já tem armazenado. Outras questões semelhantes a essa aparecem no decorrer no material pedagógico.

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133 leitor/destinatário? Com base nessas questões, justifique por que o leitor se sentiria

atraído a comprar amendoim na rede Hortifruti.

Agora, vamos ler um fragmento deste poema, escrito por Thiago de Mello?

TEXTO III Toada de ternura – fragmento Vamos andando, Leonardo. Tu vais de estrela na mão, Tu vais levando o pendão, Tu vais plantando ternuras Na madrugada do chão.

(Thiago de Mello. Faz escuro mas eu canto. Rio de Janeiro: Record. p. 27-8)

6) Nesse poema, com quem o eu-lírico está falando?

7) Duas palavras foram utilizadas pelo eu-lírico do poema

para se referir a seu interlocutor.

a) Transcreva-as.

b) Dessas duas palavras, uma está sendo utilizada para retomar a outra. Qual realiza a

retomada?

8) Releia o trecho a seguir.

“Vamos andando, Leonardo.”

Considerando a situação discursiva do poema, a quem se refere o verbo

destacado? Que forma pronominal poderia ser utilizada juntamente com esse verbo?

O texto III é um fragmento de uma canção de Ana Carolina. Esse gênero textual

apresenta uma semelhança em relação aos poemas, por também apresentar um eu-lírico,

que aborda determinado assunto de modo subjetivo.

Você conhece essa canção? Vamos ler (e cantar) esse trechinho?

TEXTO IV

Quem de nós dois – fragmento Ana Carolina

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais E te perder de vista assim é ruim demais E é por isso que atravesso o teu futuro E faço das lembranças um lugar seguro

Não é que eu queira reviver nenhum passado Nem revirar um sentimento revirado

Mas toda vez que eu procuro uma saída Acabo entrando sem querer na tua vida

(https://www.vagalume.com.br/ana-carolina/quem-de-nos-dois.html)

Você certamente se lembra que eu-lírico é a voz que fala dentro de um poema.

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9) Na canção, o eu-lírico parece bastante angustiado. Qual é a principal causa dessa

angústia?

10) O título da canção já dá uma pista sobre os envolvidos na canção (o eu-lírico e seu

interlocutor). Qual é a palavra utilizada pelo eu-lírico para se referir aos envolvidos

nessa situação discursiva? Essa palavra foi utilizada na sua resposta da questão 4?

11) Através de certas palavras específicas da língua, são feitas as referências a quem

fala e a quem se destina a mensagem da canção. Que palavra foi utilizada pelo eu-lírico

para se referir a si mesmo?

12) Nas questões anteriores, trabalhamos com algumas palavras específicas.

a) Que palavras foram essas?

b) Você sabe indicar a classe gramatical delas?

c) Qual era a função sintática exercida por elas na maior parte dos exemplos

estudados?36

Leia a seguinte “Caixinha do Conhecimento” e discuta com seus colegas e

seu(sua) professor(a) os conceitos ali apresentados.

CAIXINHA DO CONHECIMENTO I

Nessa primeira parte, você observou que algumas palavras são utilizadas para designar pessoas ou coisas, indicando-as no discurso. Observem que essa é uma informação semântica sobre essa palavra.

As pessoas do discurso podem ser divididas em:

1ª pessoa – a pessoa que fala (ou locutor)

2ª pessoa – a pessoa com quem se fala (ou interlocutor)

Em um discurso, também é possível se referir ao objeto em questão, ou seja, àquilo de que se fala. Esse terceiro “integrante” é conhecido como a 3ª pessoa.

É importante esclarecer que, teoricamente, a 3ª pessoa não seria uma pessoa do discurso, pois não é quem fala nem quem ouve. Por isso, ela também pode ser tecnicamente conhecida como a “não-pessoa”, pois não representa as verdadeiras pessoas do discurso (1ª e 2ª).

As palavras que você estudou no Módulo I são pronomes, palavras que também servem para indicar as pessoas do discurso na função de sujeito.

Os pronomes exercem algumas funções discursivas dentro de um texto:

36 Nesse ponto, espera-se que o professor possa fazer uma sistematização das palavras estudadas considerando 1ª, 2ª e 3ª pessoas. Ainda é relevante que o professor relembre a função de sujeito, pois é necessária para que o aluno reconheça essa função exercida pelos pronomes pessoais.

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135 (a) Realizam a interlocução – É a partir do uso de pronomes que podemos nos referir às pessoas do discurso que dialogam entre si (1ª e 2ª pessoas).

(b) Realizam retomadas – Os pronomes pessoais, no discurso, também servem para fazer retomadas de outros termos utilizados anteriormente. A retomada por meio de um pronome contribui para manter a coesão textual – que basicamente mantém a harmonia estrutural de um texto – diminuindo as repetições dos termos.

Além de indicar as pessoas do discurso e contribuir para a construção de referências dentro de um texto, os pronomes também podem exercem duas funções sintáticas importantes: sujeito e complemento verbal.

ESPAÇO da PESQUISA

Querido aluno, estamos chegando ao fim desse primeiro módulo! Vimos

diferentes formas pronominais que exercem a função sintática de sujeito nas frases.

Você conhece outras formas além das que observamos nesse módulo?

Reflita sobre as seguintes questões:

(1) Você utiliza todos os pronomes-sujeito que estudamos?

(2) E seus amigos, também utilizam essas formas?

(3) Em relação às pessoas do seu bairro, da sua rua: elas utilizam as mesmas formas que

você?

(4) Você conhece pessoas idosas ou que nasceram em outro estado brasileiro? Elas

utilizam os mesmos pronomes-sujeito que você utiliza?

Agora, com a ajuda do(a) seu(sua) professor(a), vamos realizar uma pesquisa

linguística! Esse é um trabalho de investigação sobre a língua. A partir dessas questões

colocadas para reflexão, converse com algumas pessoas que você conhece, para

observar que formas pronominais elas utilizam para expressar o sujeito das frases.

Metodologia da Pesquisa

a) Selecione 2 pessoas para cada um desses grupos: seus amigos da mesma idade,

seus pais ou responsáveis, adultos da sua rua ou bairro e idosos.

b) Peça para gravar uma entrevista com as pessoas selecionadas: antes de gravar,

com a ajuda do seu professor, elabore 5 questões de assuntos diversos

(Exemplos: futebol, moda, comida, transporte público, televisão, internet, etc.).

Evite criar questões que facilitem respostas de “sim” ou “não”.

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c) Após a etapa das entrevistas, transcreva as falas gravadas para observar o

comportamento linguístico das pessoas em relação às formas pronominais

utilizadas.

Além dessa análise sobre a fala, pesquise também quais seriam as formas

pronominais utilizadas por essas pessoas em contextos de escrita.

d) Para essa etapa, selecione um texto escrito já produzido pelas pessoas

entrevistadas. Utilize, para facilitar esta etapa da pesquisa, os seguintes gêneros

textuais: e-mails, mensagens de Whatsapp, conversas de chats, postagens no

Facebook, Instagram ou Twitter. Pode ser mais difícil encontrar um texto

produzido pelas pessoas mais velhas; assim, solicite a ela algum texto pessoal

que ela tenha escrito.

Possivelmente, você deve ter encontrado alguma forma diferente das que você

usa. Com base em sua pesquisa, tente preencher o quadro dos pronomes-sujeito a

seguir, de acordo com a legenda. Além disso, acrescente também quais gêneros textuais

você utilizou para a análise da escrita na sua pesquisa.

1 – Você / 2 – Seus amigos / 3- Seus pais ou responsáveis / 4 – As pessoas da sua rua / 5 –

Pessoas idosas37

Quadro dos pronomes-sujeito

1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa

1 singular plural singular plural singular plural

2 singular plural singular plural singular plural

3 singular plural singular plural singular plural

4 singular plural singular plural singular plural

5 singular plural singular plural singular plural

Gêneros Pesquisados

37Faz-se necessário destacar que, com essa divisão, o professor deve fazer com que os alunos percebam há diferentes quadros de pronomes pessoais.

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137

Módulo II: Essa parte trata dos pronomes pessoais que exercem a função de objeto

direto ou objeto indireto. Pressupõe-se, conforme já se esclareceu, que os alunos

estejam familiarizados com esses conceitos. Essa atividade é composta por 7 textos e

19 questões.

Objetivos: Dando prosseguimento ao Módulo I, essa segunda parte continua

trabalhando com a noção da classe gramatical dos pronomes, especificamente os

pessoais. Espera-se, a partir das atividades, que os alunos tenham capacidade de

reconhecer o critério sintático de classificação dessas palavras, além de também

observar o critério morfológico – como a informação de número. Com base nos textos

escolhidos para essa etapa – de gêneros diversos –, acredita-se que os alunos sejam

capazes, através de questões de natureza linguística e epilinguística, preencher um

quadro dos pronomes pessoais ao final da atividade.

Justificativa: Novamente, há um trabalho com os três eixos de ensino propostos por

Vieira (2014, 2017). O Eixo I é explorado nas atividades linguísticas e epilinguísticas,

que buscam levar o aluno ao reconhecimento dos pronomes pessoais enquanto

categoria que funciona como objetos dos verbos. Já o Eixo II também é colocado em

prática, a partir do trabalho com diversos gêneros, o que possibilita ao aluno uma

percepção da relação dos pronomes pessoais na construção do sentido no que se refere

à representação do interlocutor. Finalmente, no âmbito do Eixo III, são apresentadas as

diversas variantes pronominais existentes, na função de complemento no presente

módulo.

MÓDULOII

Que bom que você já chegou ao módulo II! Vamos agora observar as palavras

utilizadas para indicar as pessoas do discurso, só que na função de complemento verbal.

Certamente você se lembra do objeto direto e do

objeto indireto. Esses conceitos são muito importantes para

essa etapa! Você está preparado? Vamos avançar, então!

1) Como você deve saber, de acordo com o papel que

exercem na frase, as palavras podem desempenhar uma ou

O objeto direto complementa os verbos transitivos diretos e o objeto indireto, introduzido por preposição, complementa os verbos transitivos indiretos.

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138 outra função sintática. Observe o verbo da oração do Texto I, do Módulo I, destacado a

seguir.

I – “Se o seu celular deixar você na mão”

a) Observe o comportamento do verbo destacado. Que termos são exigidos por esse

verbo (sujeito/ complementos)?

b) Que pronome funciona como complemento do verbo deixar, nesse caso?

c) Observe outra oração com o verbo deixar.

II – Meu pai deixou você na rua?

O comportamento do verbo deixar nesse contexto é semelhante ao que ocorre na

oração (I)?

Que termos são exigidos por esse verbo, nesse caso?

Que função sintática é exercida pelo pronome você?

Vamos ler o próximo texto, que é mais um anúncio. Dessa vez, a empresa de

telefonia Vivo resolveu passar uma mensagem que julga importante para seus

leitores!

TEXTO I

https://twitter.com/vivoemrede

2) Esse texto vende um produto/serviço ou faz uma advertência? Justifique sua resposta.

3) Observe a seguinte oração:

I – “você desliga do trânsito”

a) A quem se refere o pronome você, nessa oração?

b) Esse pronome apresenta ambiguidade/ duplo sentido? Justifique sua resposta.

c) Que sentido assume a expressão “desliga do trânsito” dentro desse anúncio?

4) Observe as orações a seguir.

I – “Quando alguém te liga, você desliga do trânsito”

a) Considerando o contexto discursivo desse anúncio, a quem se refere o pronome você?

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139 b) Que palavra funciona como complemento do verbo destacado acima? Essa palavra se

refere a quem?

Vamos de música novamente? O texto a seguir é um trecho de uma música

tocada pela banda Capital Inicial. O original dessa canção foi lançado em 1985, por

Kiko Zambianch, no álbum “Choque”.

Leia o seguinte fragmento da canção! Vale cantar também!

TEXTO II

Primeiros erros – fragmento Capital inicial

Meu caminho é cada manhã Não procure saber onde estou Meu destino não é de ninguém

E eu não deixo os meus passos no chão Se você não entende, não vê Se não me vê, não entende (https://www.letras.mus.br/capital-inicial/6791/. Acesso em 13/06/2017)

5) Releia a canção e responda as seguintes perguntas.

a) O eu-lírico da canção prega sua própria liberdade. Que versos da música podem

confirmar essa afirmação?

b) Que palavra o eu-lírico utilizada para referir a si mesmo?

6) Releia o seguinte período:

I - “Se não me vê, não entende”

a) Que termo funciona como complemento do verbo destacado?

b) O verbo entender exige um complemento e um sujeito. Que termo funcionaria como

sujeito, nesse contexto?

c) Observe que o verbo entender não teve seu complemento preenchido também. Fica a

pergunta: o que não é entendido? Nesse contexto, a falta de preenchimento possibilita

duas interpretações desse complemento. Quais seriam?

Você observou como os dois últimos versos do refrão da canção “Primeiros erros” são

parecidos, porém invertidos?

“Se você não entende, não vê

Se não me vê, não entende”

Essa inversão é realizada por meio de uma figura de linguagem. Esse recurso estilístico é

chamado de quiasmo e consiste numa espécie de antítese que cruza grupos sintáticos paralelos, de

modo que o grupo de vocábulos do primeiro se repete no segundo na ordem inversa.

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O texto a seguir é uma tirinha da personagem Mafalda. Leia a conversa dela

com seu amigo Felipe.

TEXTO III

(http://tirinhasdamafalda123.blogspot.com.br/)

7) Em relação ao texto, responda:

a) Pelo diálogo estabelecido, percebe-se que Mafalda está falando do primeiro dia de

aula de Felipe. Justifique essa afirmativa.

b) Na primeira fala de Mafalda, que palavras são utilizadas pela menina para se referir

ao amigo?

c) Já na fala de Felipe, que palavra é utilizada pelo menino para se referir a si mesmo?

Que função sintática é exercida por essa palavra?

8) Agora, releia o seguinte trecho:

“...leva meses pra ensinarem a gente a escrever”

a) Observe o comportamento do verbo ensinar. Que termos são exigidos por esse verbo

(sujeito/ complementos)?

b) Algum termo funciona como objeto direto do verbo ensinar?

Algumas páginas do Facebook divulgam alguns posts para se comunicarem com

seus curtidores. Você conhece a página do Ministério da Educação (MEC)? Leia

o seguinte post da página do MEC no Facebook.

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141 TEXTO IV

(Postagem da página do Ministério da Educação (MEC) no Facebook)

9) A quem é destinada a mensagem desse post? Que palavras servem para fazer

referência a esse interlocutor?

10) Duas formas específicas foram utilizadas para a expressão do objeto direto dos

verbos marcar e admirar.

a) Identifique o objeto direto do verbo marcar.

b) Identifique o objeto direto do verbo admirar.

c) Essas formas linguísticas se referem à qual pessoa do discurso?

O texto V, reproduzido a seguir, é um fragmento de uma reclamação de

consumidor, extraída de um site da internet. Você já levou algum produto para o

conserto e ficou insatisfeito com o reparo?

TEXTO V

“Olá pessoal, sou leiga nesse assunto, e gostaria de tirar algumas duvidas sobre o que aconteceu comigo hoje, meu iphone 5s caiu e quebrou a tela, eu usei ele durante uns 4 meses(...). Agora pergunto a vocês, isso pode mesmo acontecer? O celular estar funcionando e na hora de tirar a tela danificar a placa mãe porque algo na tela estava segurando um componente? (...)”

(http://forum.techtudo.com.br/perguntas/198374/celular-danificado-no-conserto-de-tela)

11) Esse texto foi postado em um site sobre tecnologia, na parte destinada à reclamação

dos leitores. Qual é a principal queixa dessa leitora?

12) A leitora, através de seu texto, interage com a equipe que mantém essa página na

internet.

a) No texto, que pronome é utilizado por ela para se referir a seus interlocutores?

b) Que função sintática é exercida por esse pronome?

13) Releia a seguinte oração:

I- “eu usei ele durante uns 4 meses”

a) Identifique o termo que está funcionando como sujeito do verbo destacado (usar).

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142 b) Indique a qual termo a palavra ele faz referência, considerando o contexto do texto V.

c)Ainda em relação à palavra ele, determine a função sintática desse termo.

d) Faça como no modelo.

MODELO O celular, eu usei ele durante uns quatro meses.

Agora é sua vez!

Os computadores, eu usei __________________________________. A câmera fotográfica, eu usei _______________________________. As Tv’sfull HD, eu usei ___________________________________.

O próximo texto apresenta um conto sobre a curta vida que o jornal pode ter.

TEXTO VI

O JORNAL E SUAS METAMORFOSES Um senhor pega um bonde depois de comprar o jornal e pô-lo debaixo do

braço. Meia hora depois, desce com o mesmo jornal debaixo do mesmo braço. Mas já não é o mesmo jornal, agora é um monte de folhas impressas que o

senhor abandona num banco de praça. Mal fica sozinho na praça, o monte de folhas impressas se transforma outra vez

em jornal, até que um rapaz o descobre, o lê, e o deixa transformado num monte de folhas impressas.

Mal fica sozinho no banco, o monte de folhas impressas se transforma outra vez em jornal, até que uma velha o encontra, o lê e o deixa transformado num monte de folhas impressas. Depois, leva-o para casa e no caminho aproveita-o para embrulhar um molho de celga, que é para o que servem os jornais depois dessas excitantes metamorfoses.

CORTÁZAR, Julio. Histórias de Cronópios e de Famas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.

14) O autor do conto brinca com as formas que o jornal pode assumir, a depender de quem lê. Como o jornal sofre suas metamorfoses? Que formas pronominais são utilizadas para se referir ao jornal/monte de folhas impressas.

15) Em relação à oração “até que um rapaz o descobre”:

a) que termo funciona como complemento do verbo descobrir? Que expressão está sendo retomada por esse complemento?

b) No texto, há outros trechos que também utilizam a palavra que funciona como complemento do verbo descobrir? Se há, transcreva um exemplo.

16)Faça como no modelo

MODELO “(...) o monte de folhas impressas se transforma outra vez em jornal, até que um rapaz o descobre”.

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143

Agora é sua vez!

Os filmes estavam escondidos na Netflix, até que um rapaz____ descobriu. A casa velha estava escondida na floresta, até que um rapaz ____ descobriu. As cartas perdidas estavam escondidas em um baú, até que um rapaz ___ descobriu.

O texto jornalístico procura passar informações objetivas e, de algum modo, verdadeiras, não é mesmo? Você conhece o jornalismo de entretenimento? O Sensacionalista tem uma página no Facebook e também um blog, que têm por objetivo criar notícias sensacionalistas (e falsas), para gerar humor. Leia a seguinte notícia, postada na página do Facebook do Sensacionalista.

TEXTO VII

Curitibanos pagarão multa ao comentar ‘mas aqui em Curitiba está mais frio’ em posts do Facebook

Os curitibanos foram pegos de surpresa por uma medida da prefeitura nesta manhã. Com a queda das temperaturas em todo o país, uma multa para todos os curitibanos que insistirem em comentar que “em Curitiba está mais frio” será aplicada. Informações internas mostram que alguns curitibanos montaram uma escala de 24h por dia e 7 dias por semana, para garantir que todos os posts da internet reclamando de frio em cidades que não sejam Curitiba, seriam respondidos com a frase “mas em Curitiba está mais frio”. (...) Caso os curitibanos decidam fazer o comentário mesmo assim, serão obrigados a se mudar para capitais mais quentes, como Rio de Janeiro e Natal. (http://www.sensacionalista.com.br/2017/06/14/curitibanos-pagarao-multa-ao-comentar-mas-aqui-em-curitiba-esta-

mais-frio-em-posts-do-facebook/)

17) Por que o texto VII é engraçado? Qual poderia ter sido o fato real que motivou essa

notícia sensacionalista?

18) Releia as seguintes orações:

I - “(os curitibanos) serão obrigados a se mudar para capitais mais quentes”

a) Observe que a palavra destacada apresenta uma característica reflexiva e pode ser

substituída pela expressão “eles mesmos”.

b) Qual é a função sintática da palavra se nessa oração?

b) Como ficariam essas orações reescritas, se mudássemos o sujeito delas? Complete a

tabela a seguir, seguindo o modelo inicial.

Você reparou que os pronomes de

3ª pessoa também apresentam

variação de gênero (masculino e

feminino)?

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144 MODELO (os curitibanos) Os curitibanos serão obrigados a se mudar para capitais mais quentes.

(o carioca) __________________________________________________________.

(eu) __________________________________________________________.

(nós) __________________________________________________________.

(a gente) __________________________________________________________.

(tu/você) __________________________________________________________.

(vocês) __________________________________________________________.

19) Você certamente percebeu que – no Módulo II – continuamos a estudar

especificamente os pronomes pessoais38.

a) Que função sintática foi privilegiada nesse módulo?

b) Em algumas questões, foi possível perceber que certos pronomes podem funcionar

tanto como sujeito quanto como complemento verbal – dependendo do contexto.

Selecione um exemplo que justifique essa afirmativa e explique.

A partir da próxima “Caixinha do Conhecimento”, seu(sua) professor(a) irá

sistematizar os conteúdos abordados no Módulo II.

CAIXINHA DO CONHECIMENTO I

Você deve ter percebido que continuamos a estudar as palavras (pronomes) que são utilizadas para designar pessoas ou coisas, indicando-as no discurso. Além disso, ao observar os usos dessas palavras tanto na PARTE I quanto na PARTE II, percebemos que elas, quando atuam como núcleo dos termos sintáticos, podem funcionar como sujeito ou complemento dos verbos nas orações. Reparem que essa é uma informação sobre o funcionamento sintático dessa palavra.

Certamente, você também reparou que há aqueles pronomes-complemento utilizados para fazer referência ao próprio sujeito do verbo, como em “Os curitibanos serão obrigados a se mudar para as capitais mais quentes”. Esses recebem um nome particular: são pronomes reflexivos.

Esses pronomes-objeto também exercem funções discursivas de retomada e de

38 Novamente, é necessário reforçar a importância de o(a) professor(a) sistematizar os conteúdos abordados com a turma, antes de partir para a “Caixinha do Conhecimento”.

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145 interlocução dentro do texto. A referência aos elementos do discurso é estabelecida a partir do uso dos pronomes pessoais.

ESPAÇO da PESQUISA

O Módulo II está chegando ao fim. A partir dos textos lidos, você pode ver

várias palavras que podem funcionar pronomes-complemento, fazendo referência às

chamadas pessoas do discurso. Você se lembra da pesquisa que realizamos no final do

Módulo I? Vamos fazer algo bem parecido, em relação aos pronomes-objeto.

Você conhece outras formas além das que observamos nesse módulo? Pense nas

seguintes questões:

(1) Você utiliza todos os pronomes-objeto que estudamos?

(2) E seus amigos, também utilizam essas formas?

(3) Em relação às pessoas do seu bairro, da sua rua: elas utilizam as mesmas formas que

você?

(4) Você conhece pessoas idosas ou que nasceram em outro estado brasileiro? Elas

utilizam os mesmos pronomes-objeto que você utiliza?

Agora, com a ajuda do(a) seu(sua) professor(a), vamos novamente realizar uma

pesquisa linguística! Esse é um trabalho de investigação sobre a língua. A partir dessas

questões acima, converse com algumas pessoas que você conhece, para observar quais

formas pronominais elas utilizam para expressar o complemento das frases.

Para a realização da pesquisa, você pode utilizar o material selecionado para o

Módulo I. Caso você e seu(sua) professor(a) decidam investigar novas pessoas, sigam

novamente a mesma metodologia.

Metodologia da Pesquisa

a) Selecione 2 pessoas para cada um desses grupos: seus amigos da mesma idade,

seus pais ou responsáveis, adultos da sua rua ou bairro e idosos.

b) Peça para gravar uma entrevista com as pessoas selecionadas: antes de gravar,

com a ajuda do seu professor, elabore 5 questões de assuntos diversos

(Exemplos: futebol, modo, comida, transporte público, televisão, internet, etc.).

Evite criar questões que facilitem respostas de “sim” ou “não”.

c) Após a etapa das entrevistas, transcreva as falas gravadas para observar o

comportamento linguístico delas em relação às formas pronominais utilizadas.

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146

Além dessa análise sobre a fala, pesquise também quais seriam as formas

pronominais utilizadas por essas pessoas em contextos de escrita.

e) Para essa etapa, selecione um texto escrito já produzido pelas pessoas

entrevistadas. Para auxiliar a pesquisa nesta etapa, utilize os seguintes gêneros

textuais: e-mails, mensagens de Whatsapp, conversas de chats, postagens no

Facebook, Instagram ou Twitter. Pode ser mais difícil encontrar um texto

produzido pelas pessoas mais velhas; assim, solicite a ela algum texto pessoal

que ela tenha escrito.

Certamente, você deve ter encontrado alguma forma diferente das que você usa.

Com base em sua pesquisa, tente preencher o quadro dos pronomes-objeto a seguir, de

acordo com a legenda. Além disso, acrescente também quais gêneros textuais você

utilizou para a análise da escrita na sua pesquisa.

1 – Você / 2 – Seus amigos / 3- Seus pais ou responsáveis / 4 – As pessoas da sua rua / 5 – Pessoas

idosas

Quadro dos pronomes-objeto

1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa

1 singular plural singular plural singular plural

2 singular plural singular plural singular plural

3 singular plural singular plural singular plural

4 singular plural singular plural singular plural

5 singular plural singular plural singular plural

Gêneros pesquisados

Vamos sistematizar nosso conhecimento na última caixinha dessa segunda

parte?

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147

CAIXINHA DO CONHECIMENTO II

Sistematizando

As palavras utilizadas para designar pessoas ou coisas, indicando-as no discurso, podem funcionar como sujeito ou complemento dos verbos nas orações e variar sua forma, quanto à pessoa – 1ª, 2ª, 3ª -, número – singular ou plural – e, ainda, no caso da 3ª pessoa, gênero – masculino ou feminino. Essas palavras são denominadas PRONOMES PESSOAIS.

Além de exercer funções sintáticas específicas – sujeito e complemento verbal - os pronomes indicam as pessoas do discurso – 1ª, 2ª e 3ª – e constroem relações de referenciação dentro do texto, contribuindo para a progressão textual.

Agora que você já estudou os pronomes que funcionam como sujeito e como

objeto, vamos observar o quadro de pronomes que geralmente é ensinado nos livros

didáticos?

Observe e compare com os quadros que você elaborou nos Módulos I e II. Há

muita diferença? Anote suas considerações sobre esses quadros39.

Quadro dos pronomes pessoais (livros didáticos)

1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa

retos oblíquos retos oblíquos retos oblíquos

singular eu me, mim, comigo

tu te, ti, contigo ele, ela se, si, consigo, lhe, o, a

plural nós

nos, convosco vós vos, convosco eles, elas se, si, consigo, lhes, os, as

Você observou que os pronomes – nesse quadro do livro didático – foram

divididos em “retos” e “oblíquos”? Essa divisão vem desde a época da língua latina

(utilizada pelos romanos). Os pronomes que funcionavam como sujeito eram chamados

de retos e os oblíquos eram os que funcionavam como complemento. Acontece que

havia um quadro fixo dos pronomes que funcionavam como do caso reto ou do caso

oblíquo. No uso atual, em razão da mudança linguística, percebemos que os pronomes

que funcionam como sujeito também podem funcionar como complemento – um quadro

bastante diferente do anterior. Daí os nomes “reto” e “oblíquos” não fazerem mais

sentido.

Querido aluno, esperamos que você esteja aproveitando bastante esse material!

Como você sabe, a língua portuguesa usada no Brasil varia e existem diferentes formas

de expressar o mesmo fenômeno linguístico.

39 Nesse ponto, cabe ao professor chamar a atenção para o que é familiar ou não em relação aos quadros elaborados nos Módulos I e II.

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148 Agora que você já observou como os pronomes pessoais podem se distribuir nas

funções de sujeito e complemento das três pessoas do discurso, vamos estudar de forma

mais específica algumas dessas pessoas e funções. Antes, porém...

Que tal ampliar um pouco mais o nosso conhecimento sobre a variação

linguística com a próxima caixinha?

CAIXINHA DO CONHECIMENTO I

Como você deve ter reparado, há mais de uma forma pronominal para expressar cada uma das três pessoas do discurso, seja na posição de sujeito ou na de complemento. Além das formas pronominais estudadas nas partes I e II, ainda há outras estratégias para a expressão dos complementos que retomam um termo em um texto.

Essas diversas formas de expressar o sujeito ou objeto são chamadas de variantes linguísticas.

Por exemplo: para a expressão do objeto direto de 3ª pessoa na retomada, há pronomes – como o e a – e também outras estratégias – como a repetição da mesma forma retomada, o ele ou até a ausência de forma (como em encontrei-o; encontrei o rapaz; encontrei ele; encontrei Ø).

Para conhecer um pouco mais: Muitas pesquisas, nas principais universidades do país, já descreveram as variantes linguísticas – pronominais ou não – utilizadas para a expressão tanto do sujeito quanto dos objetos (direto ou indireto) de 1ª, 2ª e 3ª pessoas.

Como usuários da língua, fazemos escolhas linguísticas (conscientes ou não) a

depender de nossa idade, sexo, classe social, grau de escolaridade, entre outros fatores

sociais. Também mudamos nossa prática a depender do tipo de texto que utilizamos –

falado/escrito – ou do grau de formalidade da situação comunicativa.

A próxima caixinha fala um pouco sobre isso! Vamos ler juntos?

CAIXINHA DO CONHECIMENTO II

Uma pesquisadora brasileira, chamada Stella Maris Bortoni-Ricardo, criou um modelo para o entendimento da variação linguística no Português Brasileiro (PB). Esse modelo é chamado de Contínuos de Variação Linguística. Segundo essa pesquisadora, as variantes linguísticas pertencem a três contínuos distintos: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento e contínuo de monitoração estilística. Para a autora, os contínuos são linhas imaginárias, nas quais se distribuem as variantes linguísticas – de um polo a outro –, como no desenho a seguir.

-----------------------------------------------------------------------------------------------------

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- -+ +

No primeiro contínuo, as variantes são distribuídas entre rurais, rurbanas e urbanas. Já no segundo, as variantes podem ser distribuídas de acordo com o seguinte critério: se são mais da oralidade ou mais do letramento. O terceiro contínuo – abordado a seguir – distribui as variantes linguísticas de acordo com o grau de monitoramento do discurso.

Três fatores podem tornar uma situação comunicativa mais ou menos formal: o ambiente, o interlocutor e o tópico da conversa.

Algumas formas linguísticas – ou variantes linguísticas – podem ser consideradas mais formais do que outras. Há também formas linguísticas que são utilizadas tanto em situações mais formais quanto nas mais informais, pois seu uso não depende dos três fatores citados acima.

Isso significa que, em algumas situações comunicativas – tanto de fala quanto de escrita –, “tomamos mais cuidado” com o que falamos, ou seja, monitoramos mais nosso uso da língua, escolhendo algumas variantes linguísticas mais formais. Já em outras situações, monitoramos menos tanto o que estamos falando quanto o que estamos escrevendo, utilizando variantes menos formais.

Podemos concluir, então, que os três fatores citados podem determinar quais variantes linguísticas vamos usar tanto nos textos orais quanto nos textos escritos, de acordo com nosso grau de monitoração da situação linguística.

A seguir, vamos estudar as variantes linguísticas que representam o sujeito da1ª

pessoa do plural (Módulo III), o sujeito da 2ª pessoa do singular (Módulo IV), o

objeto direto e o objeto indireto da 3ª pessoa, singular e plural (Módulos V e VI).

Escolhemos trabalhar com a variação linguística que ocorre nessas funções e pessoas do

discurso, porque, além de elas terem sido as mais estudadas, até o momento, pelas

pesquisas das universidades. Além disso, acreditamos que o estudo dessas formas fará

com que vocês enriqueçam seu conhecimento, seja para reconhecer formas novas (na

leitura), seja para produzir formas variadas (na produção) quando necessário ou quando

desejarem.

Módulo III: A terceira parte promove o conhecimento sistemático do uso dos

pronomes pessoais na função de sujeito da 1ª pessoa do plural. Foram utilizados 4

textos e elaboradas 9 questões.

Objetivos: O objetivo principal é levar o aluno à percepção de que as formas

pronominais de 1ª pessoa podem variar de acordo com a modalidade – oral ou escrita –

e também a depender do grau de monitoração estilística – mais formal ou menos

formal. A partir dos textos selecionados, e das atividades linguísticas, epilinguísticas e

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150 metalinguísticas, os alunos são levados a distribuir as variantes pronominais de sujeito

de 1ª pessoa, nesses dois contínuos de variação linguística.

Justificativa: Esse módulo, assim como as demais, também se justifica pela

possibilidade de trabalhar os três eixos de ensino de gramática (VIEIRA, 2014, 2017).

Apesar de utilizar os três eixos, há uma exploração maior do terceiro, da variação

linguística. Em relação aos Eixos I e II, a abordagem se dá a partir do tratamento

reflexivo do componente gramatical aliado à pluralidade de gêneros textuais, visando à

construção de sentido.

MÓDULOIII

A função de SUJEITO de 1ª pessoa plural

No Módulo I, descrevemos os dois pronomes utilizados para referência ao

sujeito da 1ª pessoa do plural: nós e a gente. Como são duas formas utilizadas para se

referirem à mesma função da primeira pessoa do discurso, pode-se dizer que existem

duas variantes linguísticas para esse caso.

Como são utilizados os pronomes nós e a gente? Os dois são utilizados tanto na

fala quanto na escrita? Algum é mais formal do que o outro? Essas são questões para se

refletir antes de distribuir essas variantes nos seguintes contínuos de variação

linguística: oralidade/letramento e monitoração estilística.

O texto a seguir reproduz a fala de uma figura pública importante. Essa fala foi

veiculada, inicialmente, na edição do jornal televisivo RJTV. Posteriormente, a

reportagem foi escrita e publicada no site G1. Observe a fala do atual prefeito da

cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, sobre um possível corte na verba

destinada às Escolas de Samba da cidade.

TEXTO I

“São 12 mil crianças que hoje estão em creche conveniadas. O Rio de Janeiro paga per capita R$ 10 para cada criança. É preciso aumentar pelo menos para R$ 20. Agora, façam as contas. Isso tudo exige de nós austeridade e sacrifício. Todos precisam contribuir. A prefeitura está contribuindo. Nós cortamos secretarias, nós cortamos mais de mil cargos políticos. O carnaval precisa contribuir conosco, nos ajudar nesse esforço”.

(http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2018/noticia. Acesso em 15/6/2017)

1) O prefeito descreve a situação atual das creches, para justificar o corte de verba

pública. Segundo o texto, qual é a situação atual e qual seria a ideal?

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151 2) Em seu discurso, o prefeito descreve o que já foi feito pela prefeitura para diminuir

os gastos públicos. Segundo ele, o que foi realizado?

3) Observe as seguintes orações:

“Nós cortamos secretarias, nós cortamos mais de mil cargos políticos”

a) Quais termos funcionam como sujeito dos verbos destacados?

b) A quem se refere o pronome nós, nesse contexto?

4) Em relação à formalidade da situação comunicativa, responda às questões.

a) O prefeito tem uma relação de familiaridade ou não com seu entrevistador?

b) O tópico da conversa exige uma “conversa séria” ou admite “brincadeiras”?

c) Nesse tipo de situação comunicativa específica (fala monitorada), são esperadas

variantes linguísticas mais formais ou menos formais?

Agora leia um trecho de um texto publicado na seguinte coluna do jornal O Dia

on-line, escrito por uma figura religiosa importante da cidade.

TEXTO II

Coluna – Padre Omar: você vive bem?

Ao contrário do que a gente costuma pensar, nada que se conquiste ou faça pode nos levar a viver bem desse jeito

07/05/2017 06:00:01

O DIA

Rio - Não são raras as campanhas publicitárias que nos convidam a viver bem. Tanto que essa expressão “viver bem” é capaz de nos remeter à ideia de ter boa saúde, juventude, harmonia nas atividades que realizamos, conforto, estabilidade financeira e emocional etc. E não há nada de errado em a compreendermos dessa forma!

(...)

Ao contrário do que a gente costuma pensar, nada que se conquiste ou faça pode nos levar a viver bem desse jeito. Pois vida em abundância só tem aquele que se aproxima de Jesus, que fica íntimo d'Ele.

Padre Omar é o Reitor do Santuário do Cristo Redentor do Corcovado.

(http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2017-05-07/padre-omar-voce-vive-bem.html. Acesso em 13/6/2017)

5) Dentre os diversos gêneros textuais que aparecem nos jornais, as colunas apresentam

linguagem mais objetiva ou subjetiva?

7) O ponto de vista do padre Omar transparece no texto? Justifique sua resposta.

8) Releia a seguinte oração:

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152

“Ao contrário do que a gente costuma pensar”

a) Considerando o contexto do texto II, a quem se refere o pronome destacado?

b) Nesse texto, a relação do autor com seu leitor (interlocutor) é mais familiar?

Justifique sua resposta.

c) O texto II pertence à modalidade escrita da língua portuguesa. Pode-se dizer que esse

texto escrito é mais ou menos formal?

9) Leia os textos III e IV e discuta as características deles com seus colegas e

professor(a).

TEXTO III

TERMO DE ESCLARECIMENTO DO EDITAL PREGÃO ELETRÔNICO Nº 072/2012

A PREFEITURA MUNICIPAL DE GOIÂNIA, por intermédio de sua Pregoeira e do Secretário Municipal de Compras e Licitações, tendo em vista o que consta do Processo nº 48291431/2012 e nos termos da Lei Federal nº. 10.520/2002 Lei Federal 8.666/93 e alterações posteriores, diante da dúvida expressa em documento eletrônico encaminhado a esta Secretaria, esclarece:

Pergunta:

1) Vimos através deste, solicitar esclarecimento quanto ao Prazo de Entrega dos Equipamentos. Pois conforme edital, apenas o prazo de instalação do software de gerenciamento é descrito (30 dias após a assinatura do contrato). Conforme Item 8.1 do anexo I.

(https://www.goiania.go.gov.br/download/licitacao/pregaoeletronico/esclarecimento120072.pdf)

TEXTO IV

Transcrição de trecho de uma reportagem sobre a falta de professores na rede FAETEC (RJTV -1ª edição – 15/06/2017)

Resposta da aluna Letícia (3° ano do Ensino Médio) sobre a falta de perspectiva em relação ao fim da crise.

(Letícia): Ah, a gente fica preocupado e triste, né? A gente poderia ter ido para qualquer outra escola. A gente escolheu aqui, confiando, e agora a gente vê aqui essa situação.Isso aí é, é que nem à saúde e segurança, a gente tinha que ter prioridade sem nenhuma outra coisa, até porque nós somos o futuro, né? Então a gente tinha que ter mais... um tratamento melhor.

(http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/rjtv-1edicao/videos/)

a) Como se dá o uso dos pronomes nós e a gente nesses dois textos? Há preferência por

algum específico?

b) A seguir, preencha a tabela a seguir, comparando os textos de I a IV, de acordo com a

modalidade de uso e o nível de formalidade.

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153

Fala Escrita

- formal + formal - formal + formal

Texto I

Texto II

Texto III

Texto IV

Que tal sistematizar um pouco mais nosso conhecimento com a próxima

caixinha?

CAIXINHA DO CONHECIMENTO I

Nos diversos gêneros textuais – falados ou escritos –, a escolha por uma ou outra variante linguística é influenciada pelo grau de formalidade da situação comunicativa. No caso do texto I, por exemplo, a fala do prefeito é mais monitorada por alguns fatores: a pouca familiaridade com o interlocutor, a “seriedade” do assunto e também o ambiente (entrevista ao vivo em meio televisivo).

Com base nos textos lidos nessa parte, pudemos observar a distribuição dos dois pronomes de 1ª pessoa plural na função de sujeito: nós e a gente.

O pronome a gente pode ser utilizado em textos falados e escritos, mas não é utilizado nos textos escritos mais formais – como no termo de esclarecimento do edital do pregão.

Já o pronome nós também aparece nos textos falados e escritos. Esse pronome é a forma preferencial dos textos escritos de registro mais formal.

A partir das informações coletadas até agora, tente preencher o contínuo de

variação linguística a seguir, distribuindo os usos dos pronomes de 1ª pessoa nós e a

gente – utilizados nos textos do Módulo III – na função de sujeito.

Contínuo de variação: gêneros textuais da oralidade e da escrita

Expressão do sujeito de 1ª pessoa plural

Textos orais Textos escritos

- formais---------------------------- + ou - formais------------------------------+ formais (__________) (_________) (__________)

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154

ESPAÇO da PESQUISA

Vamos pensar agora em sua comunidade de fala? Qual seria o comportamento

linguístico dos seus familiares, amigos, vizinhos e de outras pessoas que você conhece

em relação aos pronomes de 1ª pessoa do plural?

A fim de realizar sua pesquisa, aproveite o material coletado para os Módulos I e

II. Volte para a metodologia descrita nos módulos anteriores e, juntamente com seu(sua)

professor(a), repensem os critérios metodológicos para verificar se todos os itens

estabelecidos são necessários para essa nova etapa. Caso seja importante, reformulem a

metodologia de modo a contemplar a realidade linguística de vocês.

Após a etapa de coleta e análise dos dados, acrescente no contínuo de variação

desse módulo as formas encontradas por você, tanto para a fala quanto para a escrita!

Módulo IV: Essa é a segunda parte específica dos pronomes-sujeito e busca observar o

tratamento do sujeito de 2ª pessoa singular. Esse módulo é composto por 3 textos e 5

questões.

Objetivos: Essa quarta parte da proposta pedagógica de ensino do quadro pronominal

busca mostrar para os alunos como esse uso pode ser diverso, a depender da

modalidade textual e também do grau de formalidade. No final desse módulo,

aproveitando o tratamento da monitoração estilística presente nessa etapa, o pronome

de 2ª pessoa plural vós é apresentado como uma variante de uso restrito, extinta da fala

vernacular não monitorada.

Justificativa: Esse módulo, assim como os demais, também se justifica pela

possibilidade de trabalhar os três eixos de ensino de gramática (VIEIRA, 2014, 2017),

também explorando mais o terceiro, da variação linguística. Em relação aos Eixos I e

II, a abordagem se dá a partir do tratamento do componente gramatical aliado à

pluralidade de gêneros textuais, visando à construção de sentido.

MÓDULO IV

A função de SUJEITO de 2ª pessoa singular

No Módulo I, estudamos os dois pronomes utilizados para referência ao sujeito

da 2ª pessoa do singular: tu e você. Como são duas formas utilizadas para se referirem à

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155 mesma função da segunda pessoa do discurso, pode-se dizer que são duas variantes

linguísticas.

Como são utilizados os pronomes tu e você? Há outras formas de se referir à 2ª

pessoa do singular discursiva? Essas formas são utilizadas tanto na fala quanto na

escrita? Alguma é mais formal do que a outra? Essas são questões para reflexão antes de

distribuir essas variantes nos contínuos de variação linguística.

Nos textos a seguir, você encontrará essas formas em uso. Vamos ler e verificar

a distribuição dos pronomes-sujeito de 2ª pessoa singular?

A revista Capricho – voltada para o público adolescente – entrevista alguns

famosos, num diálogo chamado “Jogo rápido”. O diálogo a seguir, publicado na

página da revista na internet, apresenta algumas informações pessoais sobre o astro

de futebol Neymar. Leia, a seguir, um trechinho dessa conversa:

TEXTO I

Se seu quarto estivesse pegando fogo e você tivesse tempo de salvar uma coisa, o que seria?

Meu celular, claro. (risos)

Qual foi a última coisa que você comprou?

Uma bolsa para minha irmã.

Você não pode sair de casa sem…

Celular, boné, brinco e relógio.

(http://capricho.abril.com.br/famosos/jogo-rapido-com-neymar/. Acesso em 13/6/2017)

1) Reflita sobre a situação comunicativa descrita no texto I.

a) Descreva o ambiente e o tópico da conversa. Além disso, os falantes parecem à

vontade no diálogo? Justifique sua resposta.

b) Com base em suas respostas anteriores, indique se esse texto é mais ou menos

formal.

2) Qual é o pronome utilizado pelo jornalista para se referir ao Neymar?

Vejamos outro texto! A seguir, foi reproduzido um trecho de uma entrevista

concedida, por escrito, pela ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, ao Jornal O

Tempo, de Minas Gerais.

TEXTO II

JORNALISTA: A senhora tem deixado claro que a inflação está sob controle e, de fato, o Banco Central vem atuando de forma firme nos últimos meses, até em detrimento de um crescimento mais significativo do PIB. Porém, o setor público não

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156 poderia fazer melhor a parte dele, no que diz respeito ao controle dos preços, com mais racionalidade em suas operações? Uma máquina mais enxuta em todos os níveis de governo não seria benéfica para a estabilidade e o dinamismo da economia? PRESIDENTA: Nós trabalhamos continuamente para aprimorar a gestão pública e utilizar os recursos públicos de forma cada vez mais eficiente. Ao mesmo tempo, entendemos que o aumento de investimentos em políticas sociais é imprescindível para que o Brasil avance cada vez mais. Se queremos mais saúde e mais educação, por exemplo, é fundamental termos mais médicos e mais professores, que devem ser bem remunerados. É fundamental também que os postos de saúde, hospitais e escolas estejam bem equipados. Precisamos, portanto, tomar muito cuidado com alguns discursos e conselhos que, se fossem seguidos à risca, impediriam o atendimento de demandas da própria sociedade brasileira. Então, em primeiro lugar, reafirmo que não vamos recuar nas nossas políticas que tiraram 22 milhões de brasileiros da miséria, elevaram outros 40 milhões de brasileiros à classe média, fortaleceram o nosso mercado interno e que vão permitir muitas outras conquistas para os brasileiros.

(http://www2.planalto.gov.br/. Acesso em 13/6/2017)

3) O gênero textual escolhido representa uma escrita mais ou menos formal? Justifique

sua resposta, apresentando características dessa situação comunicativa em relação ao

ambiente da conversa, à relação com o interlocutor e também ao tópico da conversa.

4) Que palavra é utilizada pelo jornalista para se referir à entrevistada? O que o uso

dessa palavra indica sobre a relação entre os falantes dessa situação comunicativa?

5) Observe o uso do pronome tu no fragmento da canção a seguir.

TEXTO III

Mete a mão que tu vai ver - fragmento Bezerra da Silva

Mete a mão que tu vai ver O que tu vai arrumar

Obá! Vai entrar como gaiato Arrumar só resfriado E sarna pra se coçar

(https://www.vagalume.com.br/bezerra-da-silva/mete-a-mao-que-tu-vai-ver.html)

a) Você já deve ter visto, no seu livro didático (e também no Módulo I), que o pronome

tu pode ser acompanhado do verbo com as marcas específicas de 2ª pessoa do singular,

como em “Tu cantas muito”.

Na canção, os verbos que acompanham o pronome tu apresentam as marcas

tradicionais de 2ª pessoa do singular? Justifique sua resposta.

b) Considerando o paralelismo sintático, que pronome é pressuposto no caso das

construções verbais vai entrar e arrumar no Texto III?

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157

CAIXINHA DO CONHECIMENTO I

A partir dos textos lidos nessa parte, pudemos observar a distribuição dos dois pronomes de 2ª pessoa singular na função de sujeito: tu e você.

O pronome você geralmente é utilizado em textos falados e escritos, quando não há tanta intimidade entre os falantes. Além desse pronome para situações de menor intimidade, vimos que há a forma o senhor/a senhora, que indica um alto nível de formalidade entre os falantes.

Já o pronome tu também aparece nos textos falados e escritos, com ou sem concordância verbal de 2ª pessoa. Na escrita, esse pronome pode aparecer com concordância de 2ª pessoa, a depender do gênero textual e da tradição discursiva do mesmo. O uso desse pronome sem a concordância de 2ª pessoa é a forma preferencial dos cariocas – e a mais utilizada por muitos brasileiros, da maior parte dos estados, nas situações que indicam mais intimidade entre os falantes.

A partir das informações coletadas até agora, tente preencher o contínuo de

variação linguística a seguir, distribuindo os usos dos pronomes de 2ª pessoa tu e você –

utilizados nos textos do Módulo IV – na função de sujeito.

Contínuo de variação: gêneros textuais da oralidade e da escrita

Expressão do sujeito de 2ª pessoa singular

Textos orais Textos escritos

- formais---------------------------- + ou - formais------------------------------+ formais

(__________) (_________) (__________)

ESPAÇO da PESQUISA

E em relação à sua comunidade de fala? Qual seria o comportamento linguístico

dos seus familiares, amigos, vizinhos e de outras pessoas que você conhece em relação

aos pronomes de 2ª pessoa do plural?

Para realizar sua pesquisa, aproveite o material coletado para os Módulos I e II.

Volte para a metodologia descrita nos módulos anteriores e, juntamente com seu(sua)

professor(a), repensem os critérios metodológicos para verificar se todos os itens

estabelecidos são necessários para essa nova etapa. Caso seja importante, reformulem a

metodologia de modo a contemplar a realidade linguística de vocês.

A partir dos dados levantados, acrescente no contínuo de variação desse módulo

as formas encontradas por você!

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158

Querido aluno, e em relação ao plural da segunda pessoa? Você conhece algum

pronome além da forma vocês?

Reproduzimos a seguir, um versículo da Bíblia, em duas versões: a tradicional e

a de linguagem atual. Observe os pronomes utilizados para a referência à 2ª pessoa do

plural.

Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens.

Mateus 5:13

“Vocês são o sal da terra”. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens.

Mateus 5:13

(https://www.bibliaonline.com.br/mt/5. Acesso em 13/06/2017)

No português brasileiro contemporâneo, tanto na modalidade falada quanto na

escrita, a forma vós encontra-se em desuso pelos falantes. Esse pronome é encontrado

em textos escritos, sobretudo de outras épocas que são lidos até hoje: a Bíblia, os

romances de literatura, as cartas antigas, entre outros. Além disso, em rituais religiosos

que utilizam a modalidade oral da língua – como em preces espontâneas ou não, para se

referir a Deus ou à Santa Trindade – as pessoas ainda usam esse pronome (além do tu

mais forma verbal na 2ª pessoa do singular), por provável influência da leitura dessa

fórmula linguística. Faz sentido lembrar que o gênero prece pertence à oralidade e

pressupõe uma relação de respeito com interlocutor (Deus), daí a escolha por uma forma

pronominal extremamente formal. Também é importante refletir que os gêneros do

domínio religioso também apresentam características do texto escrito, pois são baseados

em modelos, como, por exemplo, o do original para todas as preces cristãs – a oração do

Pai Nosso.

Módulo V: Essa parte inicia o trabalho específico com os pronomes-objeto de 3ª

pessoa, observando o objeto direto anafórico. Na elaboração desse módulo, foram

selecionados 4 textos e propostas 7 questões.

Objetivos: O objetivo principal é promover o reconhecimento das variantes do

acusativo anafórico – pronominais ou não – em seu contexto de uso, ou seja, nos

contínuos de variação linguística. Como já indicado anteriormente, privilegia-se na

presente pesquisa a abordagem dos contínuos de oralidade-letramento e monitoração

estilística.

Justificativa: Esse módulo justifica-se, uma vez que busca promover o

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159 reconhecimento do acusativo anafórico de 3ª pessoa enquanto fenômeno variável. Para

tanto, novamente, o Eixo III é abordado para fazer com que o aluno perceba a

distribuição das variantes pronominais (padronizadas ou não) e também das variantes

não pronominais. A partir da associação do Eixo III ao Eixo II, é possível observar em

quais modalidades de texto e também em qual grau de monitoração estilística são

utilizadas as quatro variantes que expressam o objeto direto anafórico de 3ª pessoa. Por

fim, essa parte é realizada a partir do Eixo I, com as atividades linguísticas,

epilinguísticas e metalinguísticas.

MÓDULOV

A função de OBJETO DIRETO de 3ª pessoa

Vamos refletir juntos sobre as formas que podem retomar o objeto direto da 3ª

pessoa?

Leia o texto a seguir, que é uma anedota (piada) de um personagem chamado

Bichinho da Maçã. Esse personagem foi criado por Ziraldo, o mesmo autor do

livro O menino maluquinho.

TEXTO I

E Cabral descobriu o Brasil. Na manhã seguinte, o grumete foi acordá-lo:

- Dom Cabral, Dom Cabral, Frei Henrique de Coimbra mandou chamar o senhor

para assistir à Primeira missa!

E Cabral respondeu:

- Estou muito cansado. Diga a ele que vou na das dez. (ZIRALDO. Mais anedotinhas do bichinho da maçã. Editora Melhoramento)

1) Esse texto, embora seja escrito, busca reproduzir a fala dos personagens. Isso significa que as duas

modalidades se misturam. Releia as seguintes orações:

“E Cabral descobriu o Brasil. Na manhã seguinte, o grumete foi acordá-lo”

a) A forma pronominal “lo” retoma qual termo?

b) Qual é a função sintática da forma pronominal “lo”?

c) Como ficaria a segunda oração se a forma pronominal “lo” retomasse o termo “as

princesas”?

d) Essas duas orações pertencem à modalidade falada ou escrita da língua?

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Vejamos esse segundo texto: uma notícia de jornal. Diferentemente da notícia

lida no Módulo II, essa é uma notícia sobre um fato real.

TEXTO II

Piloto que se acidentou no RJ praticava 'speedfly' há poucos meses

'Fiquei feliz por ele ter nascido de novo. Foi um milagre', diz esposa do piloto. Leonardo é piloto de helicóptero e tinha saltado outras duas vezes de 'speedfly'.

Por RJTV

16/06/2017 13h25

O piloto de 'speedfly' que se acidentou ao saltar da Pedra Bonita, nesta quinta-feira (15), praticava a modalidade há pouco tempo. Segundo Alyne Maciel, mulher de Leonardo Leal Gomes, de 36 anos, esse foi o terceiro salto dele. Leonardo é piloto de helicóptero e pratica a modalidade de ‘speedfly’.

“Eu fiquei muito nervosa. Foi demais pra mim ver. Ele já tinha saltado. Ele fez dois saltos. Tem até um vídeo dele no Facebook onde ocorreu tudo bem. Ele era novo nesse esporte. Quando vi ele fazer esse esporte, na verdade eu não fiquei bem. Até cheguei falar pra ele olha: ‘nos outros esportes até tudo bem, mas esse eu não concordo muito’. Eu não sabia que iria saltar, não fiquei sabendo, ele não me falou. Para mim foi uma surpresa né? ”, diz a esposa. (...)

(Fonte: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia. Acesso em 16/06/2017)

2) Essa notícia foi escrita a partir da reportagem veiculada pelo RJTV, programa

televisivo. Nesse texto, há mistura das modalidades oral e escrita da Língua Portuguesa?

Justifique sua resposta.

3) Na oração “praticava a modalidade há pouco tempo”:

a) Identifique o complemento do verbo praticar.

b) Que termo está sendo retomado pelo objeto direto do verbo praticar?

4) Agora, observe a seguinte oração:

I – “Quando vi ele fazer esse esporte, na verdade eu não fiquei bem”

Você sabia que, ao acompanhar um verbo, os pronomes átonos (os, as) podem sofrer alteração, por causa do som que juntos formam?

a) Se o verbo terminar em vogal oral, o pronome acompanha o verbo sem alterações. Exemplo: Pegue o livro/ Pegue-o b) Se o verbo terminar em r, s ou z, essas consoantes somem e o pronome passa a ser -lo, -la. Exemplo: O pai não quis deixar o menino/ O pai não quis deixá-lo c) Se o verbo terminar em vogal nasal, a forma pronominal passa a ser -no, -na. Exemplo: Põe o livro em cima da mesa/ Põe-no em cima da mesa

Converse com seus colegas e seu(sua) professor(a) sobre esses usos listados em (a), (b) e (c). São usos comuns do dia a dia? Aparecem mais em contextos de fala ou de escrita? Esses usos poderiam fazer alguma distinção entre o português falado no Brasil e o falado em Portugal?

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161 a) Identifique o termo que funciona como complemento do verbo ver.

b) Que termo funciona como sujeito do verbo fazer?

c) Nesse caso específico, o que é possível concluir sobre o pronome ele?

Leia os dois próximos textos: o texto III representa a escrita de uma entrevista

concedida por um romancista brasileiro (Graciliano Ramos) e o texto IV simula

uma carta escrita por uma personagem fictícia a um desconhecido, também

fictício.

TEXTO III Graciliano Ramos (em entrevista a Homero Senna)

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beirada lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.

Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.

RAMOS, Graciliano. Linhas tortas. Rio de Janeiro: Record, 2005.

TEXTO IV Oi, Pedro, vou te avisando: você não me conhece. Quem me falou em você foi a Malu, que eu conheci nas últimas duas semanas, em Cabo Frio. A gente estava pegando algumas ondas e reparou que tinha um cara olhando. Perguntei se ela conhecia, disse que não. Eu também não. Aí ela falou: “ele é parecido com um amigo meu. Só que o meu amigo é mais baixo”. (...)

A “amiga” desconhecida, Ana T.

VIANA, V. de Assis e CLAVER, Ronald. Ana e Pedro: Cartas. São Paulo: Atual, 2009.

5) O discurso de Graciliano Ramos trata da necessidade de reescrever aquilo que se

escreveu. Que comparação o romancista estabelece?

6)Ao criar a sua carta, a personagem Ana T. possivelmente, sem saber, realizou algumas

etapas da proposta de Graciliano Ramos. Quais seriam? Justifique sua resposta.

7) Esses dois textos apresentam mais uma estratégia para realizar o objeto direto de

retomada. Releia as seguintes orações:

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162

I – “torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer”

II – “Perguntei se ela conhecia, disse que não”

a) Nas duas orações, identifique o termo que funciona como objeto direto dos verbos

destacados.

b) De que modo esses objetos se diferenciam dos demais apresentados até agora?

Leia a próxima caixinha do conhecimento, que traz algumas considerações sobre

a variação do objeto direto de 3ª pessoa.

CAIXINHA DO CONHECIMENTO I

Variação do OBJETO DIRETO de retomada

Observe que, na anedota, um pronome oblíquo foi utilizado como objeto direto de

retomada. As pesquisas sobre a língua mostram que essa variante linguística

praticamente não aparece na fala das pessoas, exceto em alguns contextos específicos,

de alta monitoração (formal), como uma palestra planejada. Na escrita, os pronomes

oblíquos – o, a, os e as – recebem muito prestígio, pois são a “forma padrão”, e

indicam o nível de escolaridade do falante.

O objeto direto de retomada também pode ser – como no texto planejado da notícia

– uma expressão sinônima. Na Língua Portuguesa do Brasil, também é comum, tanto

na escrita quanto na fala, retomar um termo, na função de objeto direto, com uma

expressão sinônima ou com a mesma expressão. Esse modo de retomada é

considerado uma forma neutra, pois não sofre estigma apesar de não ser a variante

padrão.

Em alguns casos, o objeto direto de retomada é um pronome reto. Certamente, você

já ouviu algum comentário negativo sobre a frase “Vi ela (a menina)”. De fato, essa é

uma variante pouco prestigiada pelas práticas letradas e sofre estigma social, pois está

supostamente relacionada com o fato de o falante ter pouca escolaridade. Entretanto, ao

contrário do que se pensa, o pronome reto (ele/ela) é pouco utilizado na função de

objeto direto mesmo pelas pessoas menos escolarizadas. Algumas pesquisas

acadêmicas já mostraram que nem os analfabetos usavam sempre essa variante.

Além do fator social (escolaridade ou não), o uso da variante pronome reto, na fala

ou escrita, é condicionado por alguns fatores linguísticos. Na questão 3, você viu um

desses fatores: quando o objeto direto funciona como sujeito da próxima oração há uma

preferência pelo pronome reto (“Quando vi ele fazer esse esporte”).

Por fim, ainda há uma forma de objeto direto de retomada que é a categoria vazia

ou objeto não expresso. Assim como ocorre com a expressão nominal, essa variante

linguística é neutra – pois não é a padrão nem sofre estigma – e é a mais utilizada na

fala.

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163

Estamos chegando ao fim do Módulo V! Nesse módulo, observamos quatro

diferentes formas utilizadas para a expressão do objeto direto de 3ª pessoa. No contínuo

de variação a seguir, distribua as formas pronominais e não pronominais que você

coletou, nos textos do Módulo V, acerca do objeto direto de 3ª pessoa:

Contínuo de variação: gêneros textuais da oralidade e da escrita

Expressão do objeto direto de 3ª pessoa

Textos orais Textos escritos

- formais---------------------------- + ou - formais------------------------------+ formais (__________) (_________) (__________)

ESPAÇO da PESQUISA

Como será o comportamento da comunidade de fala em relação ao objeto direto

de 3ª pessoa? Quais variantes linguísticas são utilizadas por seus familiares, amigos,

vizinhos e de outras pessoas que você conhece do seu bairro?

Para realizar sua pesquisa, aproveite o material coletado para os Módulos I e II.

Volte para a metodologia descrita nos módulos anteriores e, juntamente com seu(sua)

professor(a), repensem os critérios metodológicos para verificar se todos os itens

estabelecidos são necessários para essa nova etapa. Caso seja importante, reformulem a

metodologia de modo a contemplar a realidade linguística de vocês.

Em seguida, acrescente no contínuo de variação desse módulo as formas que

foram encontradas!

Módulo VI: Essa parte promove a última abordagem do material pedagógico acerca

dos pronomes-objeto: o objeto indireto anafórico de 3ª pessoa. Essa atividade é

composta por 3 textos e 10 questões.

Objetivos: Para finalizar a abordagem dos pronomes-objeto, esse último módulo busca

levar o aluno ao reconhecimento dos usos pronominais e também de outras estratégias

para a expressão do dativo anafórico de 3ª pessoa.

Justificativa: Esse módulo justifica-se na medida em que busca promover o

reconhecimento do objeto indireto de 3ª pessoa enquanto fenômeno variável. Para

tanto, novamente, o Eixo III é abordado para fazer com que o aluno perceba a

distribuição das variantes pronominais (padronizadas ou não) e também das variantes

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164 não pronominais. A partir da associação do Eixo III ao Eixo II, é possível constatar em

quais modalidades de texto e também em qual grau de monitoração estilística são

utilizadas as quatro variantes que expressam o objeto indireto anafórico de 3ª pessoa.

Finalmente, essa parte só se torna possível a partir do Eixo I, com as atividades

linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas.

MÓDULOVI

A função de OBJETO INDIRETO de 3ª pessoa

Querido aluno, até agora, você já estudou o comportamento dos pronomes pessoais,

nas funções de sujeito e objeto direto, de acordo com o tipo de texto e o grau de

formalidade da situação comunicativa.

A função de objeto indireto também interessou aos estudiosos do assunto nas

universidades. Quando o objeto indireto retoma um termo que já apareceu

anteriormente, como ocorre essa retomada? Quais são os pronomes e as outras

estratégias utilizadas para isso?

Vamos ler mais alguns textos para ver se também há diferença de uso a depender da

modalidade do texto e do grau de formalidade nessa função específica.

O próximo texto é uma tirinha da personagem argentina Mafalda, criada pelo autor

Quino.

TEXTO I

(http://tirinhasdamafalda123.blogspot.com.br/)

1) O texto I mostra um problema social grave.

a) Que problema é esse?

b) As duas personagens têm opinião semelhante ou oposta em relação a esse problema?

Justifique sua resposta.

c) E quanto a você? Qual seria uma solução desse problema?

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165 2) Descreva essa situação comunicativa em relação aos seguintes aspectos: grau de familiaridade

dos falantes, ambiente da conversa e tópico da conversa.

3) Releia a seguinte oração:

“Deviam dar casa, trabalho, proteção e bem-estar aos pobres”

a) Qual é a transitividade do verbo dar nesse contexto linguístico? Que termos sintáticos são

exigidos por esse verbo?

b) O termo “aos pobres” está retomando outra forma linguística. Identifique-a.

c) Como pode ser classificado sintaticamente o termo “aos pobres”?

Leia o segundo texto, que é um trecho da carta de um personagem fictício (Ana.

T.) para outro personagem fictício (Pedro).

TEXTO II

Oi, Pedro, (...)

Achei legal conhecer a Malu. Ela me deu seu endereço na horinha em que a gente se despediu. Brincando, eu disse a ela que te desse um abraço. “Naquele seu amigo baixinho”, falei. “Qual?”, ela perguntou. “Aquele mais baixo que o cara da praia”. “Ah”, ela riu. “Quer o endereço dele? Olha aqui, escreve para ele, garanto que ele vai gostar”.

Estou escrevendo, mesmo sem saber se você vai gostar. Se você responder, te juro que vou adorar. Adoro carta. Até coleciono.

Cartas e lápis. Você coleciona alguma coisa? Um abraço. O segundo, porque o primeiro a Malu já deve ter dado.

A “amiga” desconhecida, Ana T.

VIANA, V. de Assis e CLAVER, Ronald. Ana e Pedro: Cartas. São Paulo: Atual, 2009.

4) Observe a situação comunicativa desse texto: uma desconhecida tentando se tornar

amiga de um garoto. No meio do texto, há a reprodução da conversa dela com a amiga.

O que se pode dizer, em relação a essa conversa específica, considerando os fatores

envolvidos na situação comunicativa (grau de familiaridade entre os falantes, tópico da

conversa e ambiente da conversa)?

5) Releia a seguinte oração:

“Quer o endereço dele? Olha aqui, escreve para ele, garanto que ele vai gostar”

a) Que termo funciona como complemento do verbo escrever? Como pode ser

classificado sintaticamente esse termo?

b) Com base na resposta do item (a), qual é a classe gramatical das duas palavras que

compõem esse termo?

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166

Leia o texto III – um conto – a seguir, que traz uma lição de vida.

TEXTO III

UM CEGO EM PARIS

Havia um cego sentado na calçada em Paris, com um boné a seus pés e um pedaço de madeira que, escrito com giz branco, dizia: “Por favor, ajude-me, sou cego“.

Um publicitário que passava em frente a ele parou e viu umas poucas moedas no boné, e, sem pedir licença, pegou o cartaz, virou-o, pegou o giz e escreveu um texto diferente, voltou a colocar o pedaço de madeira aos pés do cego e foi embora.

Pela tarde o publicitário voltou a passar pelo cego que pedia esmola, porém agora, o seu boné estava repleto denotas e moedas.

O cego reconheceu as pisadas do publicitário e lhe perguntou se havia sido ele quem reescreveu seu cartaz, sobretudo querendo saber o que havia escrito ali.

O publicitário então respondeu:

– Nada que não esteja de acordo com o seu anúncio, mas com outras palavras.

E completou: “Hoje é primavera em Paris e eu não posso vê-la”.

Quando nada acontece, é melhor mudar de estratégia!

IN: KOCH, Ingedore Villaça e ELIAS, Vanda Maria. Escrever e argumentar. São Paulo: Contexto, 2016.

6) O texto mostra a eficácia que pode ter o uso de determinadas palavras para passar

uma mensagem.

a) Como isso é construído no texto?

b) Que lição de vida é passada pelo texto? Transcreva o trecho do texto que resume essa

lição e explique o significado da mesma com suas palavras.

7) Por que a nova mensagem escrita pelo publicitário sensibilizou mais as pessoas que

passavam em frente ao cego do que a anterior?

8) Em relação à escrita, a narrativa desse texto pode ser classificada como mais ou

menos formal? Justifique sua resposta.

9) Releia o seguinte trecho:

“O cego reconheceu as pisadas do publicitário e lhe perguntou se havia sido ele quem

reescreveu seu cartaz”

a) Quais são os termos sintáticos exigidos pelo verbo perguntar (sujeito/

complementos)?

a) Qual é função sintática da palavra em destaque?

b) Qual a classe morfológica dessa palavra?

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167 10) Agora releia outro trecho.

“O publicitário então respondeu”

a) Que termos sintáticos são exigidos pelo verbo destacado?

b) Todos os termos exigidos aparecem nessa oração? Justifique sua resposta.

A caixinha do conhecimento, a seguir, organiza algumas informações acerca do

objeto indireto de 3ª pessoa.

CAIXINHA DO CONHECIMENTO I

Variação do OBJETO INDIRETO de retomada

Você se lembra que estudamos quatro variantes linguísticas para o objeto direto na

PARTE V? Agora vamos sistematizar algumas informações sobre as variantes que

funcionam como objeto indireto.

Observe que, no texto III, o pronome oblíquo (lhe) foi utilizado como objeto indireto

de retomada. As pesquisas sobre a língua mostram que essa variante linguística

praticamente não aparece na fala das pessoas, exceto em contexto específico, de alta

monitoração (formal), como uma palestra planejada. Essa variante linguística aparece

na escrita, uma vez que o pronome oblíquo – lhe e lhes – é a “forma padrão”, e indica o

nível de escolaridade do falante.

O objeto direto de retomada também pode ser – como no texto planejado da notícia

– uma expressão formada por preposição + expressão sinônima/semelhante ou

pronome reto, chamada de sintagma preposicionado. Ao contrário do que ocorre com

o pronome reto (ele) na função de objeto direto, no caso do objeto indireto, não há um

estigma social associado a essa variante. Essa forma linguística neutra aparece tanto no

texto I quanto no texto II.

Finalmente, ainda há uma forma de objeto indireto de retomada que é a categoria vazia

ou objeto indireto não expresso. Assim como ocorre com a expressão nominal, essa

variante linguística é neutra, pois não é a padrão nem sofre estigma.

Que tal agora distribuir, pelo contínuo de variação a seguir, as variantes linguísticas que expressam o objeto indireto de 3ª pessoa, coletadas nos textos do Módulo VI?

Contínuo de variação: gêneros textuais da oralidade e da escrita Expressão o objeto indireto de 3ª pessoa

Textos orais Textos escritos - formais---------------------------- + ou - formais------------------------------+ formais

(__________) (_________) (__________)

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ESPAÇO da PESQUISA

Essa é nossa última pesquisa! Como será o comportamento de sua comunidade

de fala em relação ao objeto indireto de 3ª pessoa? Quais variantes linguísticas são

utilizadas por seus familiares, amigos, vizinhos e de outras pessoas que você conhece do

seu bairro?

Aproveite o material coletado para os Módulos I e II, para realizar sua pesquisa.

Volte para a metodologia descrita nos módulos anteriores e, juntamente com seu(sua)

professor(a), repense os critérios metodológicos para verificar se todos os itens

estabelecidos são necessários para essa nova etapa. Caso seja importante, reformulem a

metodologia de modo a contemplar a realidade linguística de vocês.

Em seguida, acrescente no contínuo de variação desse módulo as formas que

foram encontradas!

Chegamos ao fim desse material! Esperamos que você tenha gostado de refletir

sobre os pronomes pessoais utilizados na Língua Portuguesa falada no Brasil.

Aqui você pôde perceber que as formas pronominais, dentro do texto, desempenham funções discursivas importantes! Servem para indicar os elementos discursivos da interlocução (os pronomes de 1ª e 2ª pessoas). Além disso, também são responsáveis pela referenciação, uma vez que os pronomes podem ser utilizados para se referir a algum outro termo. Nesse sentido, dizemos que os pronomes realizam retomadas.

Além das funções discursivas, o uso dos pronomes pessoais pode variar de acordo com diversos fatores. Dois deles são a modalidade do texto escolhido – falado ou escrito – e o grau de monitoração do discurso – formal ou informal. Além disso, alguns pronomes são encontrados mais em materiais antigos ou, quando produzidos hoje em dia, aparecem em contextos e gêneros textuais, com funções específicas. Foi possível perceber, também, que algumas formas pronominais são consideradas, por vezes, uma forma “padrão” pela sociedade de um modo geral, sobretudo na modalidade escrita formal.

Esperamos nos encontrar em outra oportunidade para continuar discutindo os pronomes, além dos pessoais, e também outros fenômenos linguísticos!

Até a próxima, então!

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa apresentou duas frentes de trabalho para cumprir os

propósitos inicialmente estabelecidos, a saber: (1) a descrição de usos linguísticos em

fase de aprendizagem escolar; e (2) a elaboração de atividades de caráter didático,

acerca da variação linguística implicada em tais usos. No decorrer da pesquisa, essas

duas partes da presente investigação estiveram de tal modo articuladas, de modo que o

trabalho realizado na segunda etapa – da elaboração – buscou refletir a reflexão

linguística realizada a partir da primeira – da descrição.

Ao se optar pela abordagem do quadro de pronomes pessoais em todas as

pessoas e funções descritas – nominativo de 1ª pessoa do plural e 2ª do singular, e

acusativo, dativo e reflexivo das 1ª, 2ª e 3ª pessoas –, tinha-se plena consciência da

amplitude desse recorte, necessário para a diagnose que se pretendia fazer. Ainda assim,

almejava-se associar a pesquisa linguística realizada, na presente investigação, às

atividades didáticas, que seriam desenvolvidas posteriormente. Uma vez que havia a

intenção de abordar o quadro de pronomes pessoais de maneira semelhante à que é

realizada nos livros e manuais – considerando todas as pessoas e funções –, acreditou-se

que seria proveitoso se houvesse descrição linguística do que se pretendia eleger como

objeto de ensino.

Anteriormente à análise realizada na presente pesquisa, porém, fez-se necessária

a revisão da fundamentação teórica acerca do quadro pronominal no PB. Para essa

etapa, determinou-se que o estudo abarcaria tanto a visão de algumas gramáticas

tradicionais – cujo principal propósito era a descrição/prescrição da língua literária –

quanto a visão resultante de pesquisas da área da Sociolinguística Variacionista – cujo

objetivo principal era a descrição das variantes linguísticas utilizadas, em contexto de

fala, no PB. Com relação a isso, convém esclarecer que, embora a presente investigação

se tenha dedicado à descrição do que é utilizado em contexto de escrita escolar, foi

necessário consultar/revisar a literatura de pesquisas realizadas sobre a fala, uma vez

que – para a grande maioria das pessoas e funções – só há trabalhos realizados acerca

dessa modalidade (à exceção do acusativo e dativo anafórico de 3ª pessoa). Ainda

assim, acreditava-se que, mesmo referentes à modalidade oral, as variantes descritas em

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170 tais investigações poderiam também ser encontradas na escrita dos alunos, uma vez que

eles estão em processo de letramento.

O trabalho de diagnose – então – tornou-se possível através da constituição de

um corpus formado exclusivamente para esse propósito, com redações escolares de

alunos de uma escola específica da cidade no Rio de Janeiro. Essa diagnose possibilitou

a descrição das variantes utilizadas pelos alunos para todas as pessoas em funções em

estudo – embora houvesse frequência baixa em muitas delas. Em relação ao nominativo

de 1ª pessoa do plural, houve ocorrência tanto da variante mais antiga (nós) quanto da

mais nova (a gente), embora esta última tenha sido utilizada pelo informante do ano de

menor nível de escolaridade, que também apresentava dificuldades de escrita em sua

redação. No que se refere ao nominativo de 2ª pessoa do singular, só houve ocorrência

do pronome você. Acredita-se que não houve dados da outra variante dessa

função/pessoa (tu), pois o grau de conhecimento dos interlocutores dos diálogos, nos

quais houve essas ocorrências, era baixo.

Já em relação aos pronomes-complemento, o acusativo e o dativo fóricos de 1ª e

2ª pessoa apresentaram frequência semelhante às referidas na literatura: houve mais

ocorrência do pronome clítico para todas essas pessoas e funções. Quanto a isso, são

necessárias algumas considerações sobre as pesquisas anteriores. No que tange aos

estudos existentes sobre a 1ª pessoa na literatura, é necessário esclarecer que não havia

uma descrição específica quanto ao número, exceto em relação ao dativo, cuja pesquisa

foi realizada somente sobre o singular. Segundo Duarte e Ramos (2015), as pesquisas

sobre essas pessoas e funções apresentam número de ocorrências reduzidas, “o que não

permite considerações conclusivas quanto à atuação de fatores estruturais e

extralinguísticos” (Cf. DUARTE E RAMOS, 2015, p.185). De igual modo, as

ocorrências encontradas na análise da presente investigação não foram submetidas à

observação de tais aspectos.

No que se refere à função reflexiva das três pessoas discursivas, foram

encontrados mais dados referentes à 3ª pessoa (singular e plural), o que não possibilitou

verificar se esses usos foram realizados em relação de concordância de número e pessoa

com seu antecedente. O clítico acusativo se, utilizado nessas ocorrências, também se

apresenta – em algumas regiões do Brasil – sem relação de concordância com seu

antecedente, referindo-se a todas as pessoas (singular e plural). Uma vez que as duas

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171 únicas ocorrências de clíticos reflexivos referentes à 1ª pessoa foram realizadas por

alunos que não utilizaram essa variante reflexiva para a 3ª pessoa, não foi possível

concluir se os falantes analisados fariam a relação de concordância.

Quanto ao dativo anafórico de 3ª pessoa – que apresenta resultados referentes à

escrita descritos na literatura –, de modo geral, os alunos utilizaram mais SPs anafóricos

– um total de 89,7%. A escrita escolar não apresenta maior ocorrência da variante-

padrão, clítico dativo (lhe), a depender do ano de escolaridade; pelo contrário, essa

variante é pouco utilizada pelos alunos (10,3%).

No corpus analisado, houve significativamente mais ocorrências de acusativo

anafórico de 3ª pessoa. Em virtude disso, esses dados também foram submetidos a

tratamento estatístico, no programa Goldvarb X. Com relação aos dados gerais, para a

expressão desse fenômeno, os alunos utilizaram mais SNs anafóricos (50,3%). As

demais ocorrências se deram na seguinte ordem: clítico acusativo (21,5%), pronome

lexical (18,1%) e objeto nulo (10,1%). A análise realizada na presente investigação

corrobora as anteriores quanto ao aumento do uso do clítico conforme aumenta o nível

de escolaridade (Cf. AVERBUG (2000), FREIRE (2005) e SANTANA (2016), entre

outros).

Com base na diagnose realizada no corpus específico de escrita escolar em fase

de letramento, chegou-se à conclusão de que os alunos utilizam as variantes

pronominais de modo semelhante ao comportamento registrado para a modalidade oral

– à exceção do acusativo e dativo anafórico de 3ª pessoa, que também apresentam a

variante pronome clítico, não utilizada em contexto de fala. Especificamente em relação

ao acusativo anafórico de 3ª pessoa, na escrita escolar, há uma presença mais

significativa da variante-padrão (segunda mais utilizada), que embora seja ausente na

fala popular e culta brasileira, é recuperada nas práticas de letramento.

A diagnose realizada serviu para verificar aquilo que é praticado efetivamente

pelos alunos da escola em questão. A partir desse mapeamento com base na análise das

ocorrências encontradas, foi possível a elaboração de uma proposta pedagógica que

abordasse as variantes do quadro pronominal, em suas diversas expressões na

contemporaneidade, através da leitura de diversos gêneros textuais, elaborada em

observação aos dois principais modelos advindos da sociolinguística para o ensino de

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172 língua materna – o modelo de contínuos de variação linguística (BORTONI-RICARDO,

2004) e a proposta de ensino de gramática em três eixos (VIEIRA, 2014/2017).

Ao desenvolver uma proposta pedagógica que associasse as pesquisas acerca do

quadro de pronomes pessoais do PB ao ensino dessas formas linguísticas nas aulas de

Língua Portuguesa, a presente investigação também se propôs a refletir – de algum

modo – sobre a construção de uma pedagogia da variação linguística (Cf. FARACO,

2008). Acredita-se que o estudo dirigido elaborado possa somar-se aos demais trabalhos

que vêm sendo realizados nesse sentido, principalmente no âmbito do PROFLETRAS.

O desenvolvimento dessa proposta possibilitou a reflexão sobre a relevância de

fazer com que os professores de língua materna tenham acesso a – e também elaborem

– esse tipo de material. Presos aos materiais prontos – sejam os livros didáticos ou os

cadernos pedagógicos, como no caso específico da prefeitura do Rio de Janeiro –,

professores não têm, muitas vezes, uma orientação clara sobre como contemplar a

variação linguística no trabalho com o componente gramatical. Quando muito, há um

esforço para realizar algum trabalho, que, claramente, apresenta incongruências

conceituais. A esse respeito, a proposta pedagógica anterior (apresentada em forma de

anexo à dissertação), desenvolvida pela presente professora/pesquisadora, ilustra bem

essa falta de conhecimento teórico para a elaboração de materiais didáticos.

Assumindo a responsabilidade de criação de materiais didáticos, referida por

Barbosa (2015), houve um cuidado com o recorte realizado não somente quanto ao

objeto de ensino – quais pessoas e funções – como também em relação à redução das

descrições, análises e reflexões – considerando o ano de escolaridade para o qual seria o

estudo dirigido (9° ano). Acredita-se que o objetivo principal da proposta pedagógica –

de trabalhar o quadro de pronomes pessoais priorizando o Eixo III, da variação

linguística (VIEIRA, 2017/2017), sem desconsiderar os Eixos I e II, foi cumprido.

De todo modo, entende-se que a proposta elaborada cumpre apenas parte dos

objetivos da área e não pode ser avaliada em relação a todos os desafios que a sala de

aula precisa enfrentar. Assim, presume-se que mais reflexões, quanto às escolhas de

abordagem do material, seriam acrescentadas, se houvesse aplicação do mesmo e tempo

para a autocrítica e posterior reformulação das atividades, o que ainda está por ser feito.

Dessa maneira, espera-se que as experiências futuras e as críticas construtivas, mesmo

no plano teórico, concorram para a melhoria do estudo dirigido ora desenvolvido. De

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173 fato, o que se elaborou até aqui constitui tão-somente a primeira experiência com a

proposta desenvolvida, experiência que terá de enfrentar o desafio de se associar aos

currículos trabalhados em cada realidade escolar – muitos deles organizados a partir de

gêneros – e às demais atividades da prática pedagógica, como, por exemplo, a produção

textual.

Considerando essas questões, almeja-se que a proposta pedagógica desenvolvida

aqui possa ser aplicada em salas de aula de escolas públicas, a fim de tornar o ensino

sobre quadro pronominal mais fiel aquilo que de fato é praticado no PB em suas

diversas expressões. Além disso, objetiva-se inspirar outros pesquisadores –

interessados na construção de uma pedagogia da variação linguística – a desenvolver

mais propostas acerca de diversos outros temas gramaticais ainda não explorados com

base no modelo de ensino de gramática em três eixos (VIEIRA, 2014/2017),

respeitando, no que se refere ao Eixo III, à complexidade dos contínuos de variação

(BORTONI-RICARDO, 2014) e à convivência dos saberes linguísticos (BARBOSA,

2007, 2015), do tradicional ao científico.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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175 FARACO, C. A. Norma culta Brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola, 2008.

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Blog da SME

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177

ANEXOS

Anexo I–Descritores bimestrais para o 6° ano: 1° bimestre de 2016.

Descritores Bimestrais – 6° ano – 1° bimestre

Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato.

Estabelecer relações de causa/consequência entre partes e elementos de um

texto.

Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições e/ou

substituições que contribuem para a sua continuidade.

Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por

conjunções, advérbios etc.

Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros.

Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a

narrativa.

Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras

notações.

Identificar o tema de um texto.

Inferir o sentido de uma palavra ou de uma expressão.

Inferir uma informação implícita em um texto.

Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas,

quadrinhos, fotos etc.)

Localizar informações explícitas em um texto.

Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos

que tratam do mesmo tema, em função das condições em que eles foram produzidos e

daquelas em que serão recebidos.

Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos

ortográficos e/ou morfossintáticos.

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178 Anexo II – Descritores bimestrais para o 9° ano: 1° bimestre de 2016.

Descritores Bimestrais – 9° ano – 1° bimestre

Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato.

Estabelecer relações de causa/consequência entre partes e elementos de um

texto.

Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições e/ou

substituições que contribuem para a sua continuidade.

Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por

conjunções, advérbios etc.

Identificar a tese de um texto.

Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de

um texto.

Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a

narrativa.

Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras

notações.

Identificar o tema de um texto.

Inferir o sentido de uma palavra ou de uma expressão.

Inferir uma informação implícita em um texto.

Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas,

quadrinhos, fotos etc.).

Localizar informações explícitas em um texto.

Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma palavra ou de uma

expressão.

Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos

ortográficos e/ou morfossintáticos.

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179 Anexo III – proposta pedagógica de trabalho com quadro de pronomes pessoais,

elaborada e aplicada pela professora em 2013, antes de ter contato com o modelo de

ensino em três eixos (Vieira, 210/2017).

Trabalho em Grupo - Pronomes

Questão 1

Como vocês já estudaram, a língua portuguesa se divide em variedades. Até

agora, vocês já analisaram a norma não-padrão e a norma padrão.

Relembrando:

Norma não-padrão: é conhecida como fala do povo. Tem

tendência de ser menos formal.

Norma padrão: é a língua normalmente estudada na

escola. Tem tendência de ser mais formal.

Pronomes pessoais são aquelas palavras que se referem às pessoas do

discurso. São três as pessoas:

1ª pessoa Pessoa que fala.

2ª pessoa Pessoa com quem se fala.

3ª pessoa Pessoa de quem se fala.

Os pronomes pessoais que utilizamos podem pertencer tanto à norma não-

padrão, quanto à norma padrão.

Indique que norma foi utilizada nos pronomes destacados nos

diálogos a seguir:

a) “O menino vira para a mãe e pergunta: -Você viu minha bola? E ela responde: -

Não menino, eu já não disse que não?”

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

b) “Conta-se que, no início do século passado, um jovem pedia uma menina em

casamento assim: - Tu gostarias de te casar comigo? E ela respondia: - Peça a meu

pai se tu me queres como esposa! Então o rapaz ia até a família: - Se for de vosso

agrado, será que vós concederíeis a mão de vossa filha para esse humilde servo do

coração da donzela. Eles respondiam: Nós pensaremos a respeito.”

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

c) “O mesmo pedido, no nosso século, é totalmente diferente. A língua mudou e nós

utilizamos outras formas pronominais para nos referirmos às pessoas do discurso.

Aquele jovem diria para a menina: - Minha flor, você quer casar comigo? E ela:

“Claro, é só a gente marcar o dia.”

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180

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_____________________________________________________________

Questão 2

Texto I

Nessa propaganda, podemos encontrar o uso de um pronome de 1ª pessoa do

plural. Identifique esse pronome e em que norma ele normalmente é utilizado.

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_____________________________________________________________

Questão 3

Você conhece o Facebook? É uma na rede social muito utilizada pelas

pessoas ao redor do mundo. Nessa rede, uma das atividades realizadas por seus

usuários é a de curtir algo que eles gostaram. Por exemplo, se algo é publicado e

alguém gostou dessa publicação, essa pessoa pode curtir esse algo. Para fazer isso,

basta marcar a opção “curtir” na página da rede.

a) Dentro desse contexto do Facebook, qual pode ter sido a intenção dos autores

da propaganda ao dizer “A gente curte o que faz”?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

Questão 4

Complete os diálogos a seguir com a forma pronominal adequada para a

situação de uso. Se necessário, consulte o banco de dados abaixo dos diálogos:

a) Mãe, _______ vai comprar minha roupa de natal? Tem que ser logo, antes que

_____ acabem.

b) _____ preciso fazer um agradecimento especial a essa turma.

c) Uma pessoa que mora em Portugal fala: “____ me emprestas um livro?”. E se o

pedido for para duas ou mais pessoas, é “______ me emprestais um livro?”.

d) Minha turma apronta, mas ________ estuda.

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181

e) Senhor Prefeito, _____ viemos solicitar a pavimentação da nossa rua.

f) ________ estão com fome, meninos?

g) Thiago e Gabriel são meninos muito inteligentes. _______ ganharam um prêmio.

h) A menina estava correndo quando ____ viu o passarinho colorido. ____ era

muito encantador!

Eu – Tu – Você – A gente – Nós – Vocês – Vós – Ele – Eles – Ela - Elas