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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
QUADRO DE PRONOMES PESSOAIS NA ESCOLA: DIAGNOSE E
PROPOSTA PEDAGÓGICA
Monique Débora Alves de Oliveira Lima
2017
QUADRO DE PRONOMES PESSOAIS NA ESCOLA:
DIAGNOSE E PROPOSTA PEDAGÓGICA
Monique Débora Alves de Oliveira Lima
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Rio de Janeiro
Agosto de 2017
iii
Quadro de pronomes pessoais na escola: diagnose e proposta pedagógica
Monique Débora Alves de Oliveira Lima
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas. Examinada por: ______________________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ, Orientadora ______________________________________________________________________ Professora Doutora Filomena de Oliveira Azevedo Varejão – UFRJ/PROFLETRAS ______________________________________________________________________ Professor Doutor Afrânio Gonçalves Barbosa – UFRJ ______________________________________________________________________ Professora Doutora Danielle Kely Gomes – UFRJ, Suplente ______________________________________________________________________ Professora Doutora Mônica Tavares Orsini – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro Agosto de 2017
iv
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela vida, saúde e força!
O que é família, se não o maior bem que temos sobre a face dessa terra? Por um
lado, há a família de sangue, que já é MEGA especial pelo simples fato de ter nos
colocado nesse mundo... Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Anísio e Creuza,
pelo incentivo de sempre aos estudos. Mesmo no pouco, despertaram em mim o fascínio
pela leitura – que foi o primeiro passo no caminho das Letras! Meus muitos e amados
irmãos: Alan, Moisés, Tayenne, Abraão e Daniel, pelo apoio e amizade incondicionais.
Amo vocês!
E quanto à nossa família escolhida? Eles representam a melhor das minhas
decisões! Ao meu amigo, e marido, Ricardo, por todas as nossas horas de conversa sem
fim... Todo incentivo que você me deu, nessas muitas horas, certamente ajudou a
construir o que sou hoje como pessoa! Muito obrigada, te amo! Agora, se já é uma coisa
louca escrever uma dissertação, imagina com um bebê! Obrigada, Joseh, meu filho
lindo, por ter tornado esse desafio mais instigante... Seus sorrisos (e gritinhos!)
realmente me estimularam a encontrar o meu melhor! Mamãe te ama muito – apesar de
você falar “papai” e não “mamãe” hahaha.
Dentro da família escolhida, há ainda aquelas pessoas que fazem parte da nossa
vida e zelam para que ela seja boa e agradável! Agradeço às minhas siamesas – e
amigas – Mônica e Thay, por estarem na minha vida há 9 anos!! Nossa, sou tão grata
por nossa amizade ter sobrevivido em meio a tantas outras que surgiram e morreram na
graduação. Muito obrigada pelo apoio incondicional de todos esses anos! Amo muito
vocês!
E a família acadêmica também é escolhida? Um orientando escolhe seu
orientador ou vice-versa? Acho que, com a gente, foi o destino que uniu, não é, Silvia?
Tudo começou com uma parceria em uma escola e o resultado está aí! Nossa, como
tenho para te agradecer, pela paciência e incentivo! Por, principalmente, ter me ajudado
a superar todas as vezes que achei que não conseguiria dar conta ou terminar esta
dissertação! Acredito que sua ajuda não foi só acadêmica, mas, principalmente,
emocional... De fato, você é uma mãe acadêmica INCRÍVEL. Te amo muito!
vi
Agradeço, ainda, aos professores Afrânio Gonçalves Barbosa, Carlos Alexandre
Gonçalves, Carolina Ribeiro Serra, Célia Regina dos Santos Lopes, Dinah Callou, João
Antônio de Moraes e Maria Eugênia Lammoglia Duarte, que, no âmbito da Pós-
graduação em Letras Vernáculas (UFRJ), brilhantemente, muito acrescentaram à minha
jornada acadêmica. Além disso, agradeço ainda à professora Marina Rosa Augusto
(UERJ), por ter me recebido novamente para um de seus cursos.
Finalmente, também agradeço aos professores Filomena de Oliveira Azevedo
Varejão, Afrânio Gonçalves Barbosa, Danielle Kely Gomes, Mônica Tavares Orsini,
que, muito gentilmente, aceitaram o convite para fazer parte da Banca de Avaliação
desta dissertação! Muito obrigada!
vii
RESUMO
QUADRO DE PRONOMES PESSOAIS NA ESCOLA:
DIAGNOSE E PROPOSTA PEDAGÓGICA
Monique Débora Alves de Oliveira Lima
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Silvia Rodrigues Vieira
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas.
O presente trabalho objetiva (i) descrever e analisar as variantes pronominais
utilizadas na escrita escolar para a expressão (a) do nominativo de 1ª pessoa plural e 2ª
pessoa singular, (b) do acusativo e do dativo de 1ª, 2ª e 3ª pessoa e também (c) da
função reflexiva, praticadas por alunos de turmas de sexto e nono anos do ensino
fundamental de um colégio municipal da cidade do Rio de Janeiro (RJ); e (ii) elaborar
uma proposta pedagógica visando a promover maior consciência linguística dos alunos
acerca do fenômeno, a fim de ampliar seu repertório, para que sejam capazes de realizar
usos populares ou cultos, mais ou menos monitorados, em acordo com a situação de
interação em que estejam inseridos. A proposta pedagógica é idealizada a partir dos três
eixos para o ensino de gramática (VIEIRA, 2014/2017), a saber, (i) o ensino de
gramática como atividade reflexiva, (ii) o ensino de gramática vinculado à produção de
sentidos e (iii) o ensino de gramática relacionado ao plano de variação e normas. Com
o intuito de diagnosticar esses usos pronominais, foi realizada uma pesquisa de base
sociolinguística, através dos dados obtidos por meio de redações de alunos do sexto e do
nono anos, a fim de descrever quais contextos linguísticos e extralinguísticos poderiam
condicionar o uso de uma ou outra variante. A proposta pedagógica objetiva, com base
nas reflexões travadas ao longo do trabalho, oferecer alternativas para o ensino do
quadro pronominal que não estejam ligadas à mera apresentação de um quadro
estanque, já realizada pelos manuais didáticos. A partir dessa abordagem, pretende-se
fazer com que os alunos sejam capazes de utilizar formas mais ou menos monitoradas,
nas modalidades falada ou escrita, expandindo, assim, sua experiência enquanto leitores
e produtores de texto de diversos gêneros.
Palavras-Chave: Ensino de Língua Portuguesa, Quadro Pronominal, Variação,
Atividades didáticas, Morfossintaxe.
viii
ABSTRACT
QUADRO DE PRONOMES PESSOAIS NA ESCOLA:
DIAGNOSE E PROPOSTA PEDAGÓGICA
Monique Débora Alves de Oliveira Lima
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas.
The present work aims to (i) describe and analyze the pronominal variants used in
school writing for the expression (a) of the nominative of 1st person plural and 2nd
person singular, (b) of the accusative and the dative of 1st, 2nd and 3rd person and also
(c) reflective function, practiced by students of classes of sixth and ninth grade of
elementary school of a municipal school of the city of Rio de Janeiro (RJ); And (ii) to
elaborate a pedagogical proposal aiming to promote a greater linguistic awareness of the
students about the phenomenon, in order to expand their repertoire, so that they are able
to perform popular or educated uses, more or less monitored, according to the
interaction situation in which they are inserted. The pedagogical proposal is idealized
from the three axes for grammar teaching (VIEIRA, in press), namely: (i) the teaching
of grammar as a reflexive activity, (ii) the teaching of grammar linked to the production
of meanings and (iii) the teaching of grammar related to the plan of variation and norms.
In order to diagnose these pronominal uses, a sociolinguistic research was carried out,
through data obtained in the writing of sixth and ninth grade students, in order to
describe which linguistic and extralinguistic contexts could condition the use of one or
other variant. The objective of the pedagogical proposal is to offer alternatives for the
teaching of the pronominal framework, which are not linked to the mere presentation of
a watertight framework already carried out in the didactic manuals. Based on this
approach, students are expected to be able to use more or less monitored forms, in
spoken or written modalities, thus expanding their experience as readers and text
producers of different genres.
Keywords: Portuguese Language Teaching, Pronominal Framework, Variation,
Teaching activities, Morphosyntax.
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15
1. O quadro pronominal no PB............................................................................. 22
1.1. Quadro pronominal no Latim e nas gramáticas tradicionais ................... 23
1.1.1. Considerações sobre a herança latina de pronomes pessoais ................ 23
1.1.2. O quadro de pronomes pessoais em gramáticas tradicionais ................ 27
1.2. O quadro de pronomes pessoais em pesquisas sociolinguísticas ............... 31
1.2.1. Pronomes na função de sujeito ............................................................... 31
1.2.1.1. A 1ª pessoa do plural ............................................................................... 33
1.2.1.2. A 2ª pessoa do singular ............................................................................. 38
1.2.2. Pronomes na função de complemento .................................................... 41
1.2.2.1.Acusativo e dativo fóricos de 1ª e 2ª pessoa ............................................... 42
1.2.2.2. Acusativo e dativo anafóricos de 3ª pessoa .......................................... 43
1.2.2.3. Reflexivos de 1ª, 2ª e 3ª pessoa ................................................................. 49
1.3. Sistematizando ............................................................................................... 50
2. Diagnose do quadro pronominal na escrita escolar ......................................... 53
2.1. Teoria da Variação e Mudança .................................................................. 54
2.2. Metodologia para a diagnose ...................................................................... 61
2.2.1. Caracterização do perfil da escola municipal e da composição do
corpus ...................................................................................................................61
2.2.2. A descrição das variáveis ..................................................................... 68
2.2.3. O tratamento dos dados ....................................................................... 78
2.3. Análise e interpretação dos dados .............................................................. 80
2.3.1. Pronomes na função de sujeito ............................................................... 80
2.3.2. Pronomes na função de objeto ................................................................ 83
2.3.3. Pronomes acusativos anafóricos de 3ª pessoa ......................................... 90
2.3.4. A diagnose do quadro pronominal: sistematização e debates ............. 100
3. Estudo dirigido para ensino do quadro pronominal ...................................... 105
3.1. Pontos de partida para o ensino de Língua Portuguesa .......................... 106
3.1.1. Contínuos de variação linguística (Bortoni-Ricardo, 2004) ................. 107
3.1.2. Ensino de gramática em três eixos (Vieira, 2014, 2017) ....................... 109
3.2. Experiências pedagógicas anteriores........................................................ 115
3.3. Justificativa e metodologia para a elaboração da proposta .................... 124
x
3.4. Proposta pedagógica de ensino do quadro de pronomes pessoais ........... 130
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 169
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 174
ANEXOS .................................................................................................................. 177
xi
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus
de redações escolares de 6° e 9° anos do Ensino Fundamental. .................................... 91
Gráfico 2 – Distribuição (%) das variantes para expressão o objeto direto de 3ª pessoa
entre o 6° e o 9° anos do Ensino Fundamental. ............................................................ 95
xii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1– Os pronomes pessoais, adaptado das listas de Rocha Lima (1972 [2001]). 28
Quadro 2 – Quadro dos pronomes pessoais segundo Cunha e Cintra (2009 [1999], p.
291). ........................................................................................................................... 29
Quadro 3 – Quadro dos pronomes pessoais segundo Bechara (2015 [1999], p 172). ... 30
Quadro 4 – Quadro de pronomes pessoais, de Duarte (2013), adaptado por Martins,
Vieira e Tavares (2014, p. 17). .................................................................................... 52
Quadro 5 – Composição do corpus: número de redações por ano de escolaridade,
bimestre letivo e turno escolar. .................................................................................... 65
Quadro 6 – Descrição das variantes pronominais elencadas pela literatura para cada
pessoa discursiva e função. ......................................................................................... 69
Quadro 7 – Formas pronominais registradas na escrita escolar dos alunos da E.M.
Thomé de Souza. ...................................................................................................... 100
Quadro 8 – Os gêneros textuais distribuídos pelas funções estudadas no estudo
dirigido. .................................................................................................................... 126
xiii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Função acusativa na língua escrita com base em Freire (2005), apud Vieira e
Freire (2015), p. 95. .................................................................................................... 47
Tabela 2 – Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa no
corpus de redações escolares do 9° ano do Ensino Fundamental (Santana, 2016, p. 140).
................................................................................................................................... 47
Tabela 3 – Resultado das pesquisas sobre o dativo anafórico (%), adaptada de Duarte e
Ramos (2015), p. 182. ................................................................................................. 48
Tabela 4 – Função dativa na língua escrita com base em Freire (2005), apud Vieira e
Freire, 2014, p. 96. ...................................................................................................... 48
Tabela 5 - Total de dados de cada tipo de pronome distribuídos por variáveis
extralinguísticas. ......................................................................................................... 68
Tabela 6 – Distribuição das ocorrências de nominativo de 2ª pessoa plural entre as
turmas. ........................................................................................................................ 82
Tabela 7 – Distribuição das ocorrências de acusativo fórico de 2ª pessoa singular entre
as turmas. .................................................................................................................... 84
Tabela 8 – Distribuição das ocorrências de dativoanafórico de 3ª pessoa nas redações
escolares. .................................................................................................................... 87
Tabela 9 - Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus
de redações escolares de 6° e 9° anos do Ensino Fundamental. .................................... 90
Tabela 10 – Atuação da variável “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico”
quanto ao emprego do clítico. ..................................................................................... 93
Tabela 11 – Distribuição das ocorrências da variante sintagma nominal com
antecedente [+ distante]............................................................................................... 93
Tabela 12 – Atuação da variável “ano escolar” quanto ao emprego do clítico. ............ 94
Tabela 13 – Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do
pronome clítico. .......................................................................................................... 96
xiv Tabela 14 – Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do
pronome lexical. ......................................................................................................... 97
Tabela 15 – Atuação da variável estrutura sintática da frase quanto ao emprego do
pronome lexical. ......................................................................................................... 98
Tabela 16 – Atuação da variável “turno escolar” quanto ao emprego do pronome
lexical. ........................................................................................................................ 99
INTRODUÇÃO
A presente dissertação foi motivada pelo interesse particular da pesquisadora
pela realidade do ensino de Língua Portuguesa em escolas públicas do município do Rio
de Janeiro. Derivados desse interesse, a temática e os objetivos da investigação se
delinearam em duas frentes de trabalho: (i) a descrição dos usos linguísticos por
brasileiros em fase de aprendizagem escolar; e (ii) as iniciativas para o trabalho
pedagógico com a variação linguística implicada nesses usos.
Cumprindo os objetivos relativos aos usos linguísticos praticados por alunos da
rede pública municipal, o trabalho constitui uma investigação de cunho variacionista, a
respeito do quadro pronominal. Para uma abordagem geral desse quadro, observa-se a
realização pronominal em contextos flagrantemente variáveis no Português do Brasil em
uma amostra de escrita escolar: o nominativo de 1ª pessoa do plural e de 2ª pessoa do
singular, o acusativo e dativo de 1ª pessoa do plural, 2ª pessoa do singular e 3ª pessoa
do singular e do plural. Uma vez que a presente pesquisa possui uma relação estreita
com o caminho acadêmico percorrido por esta pesquisadora/professora, faz-se
necessária uma apresentação prévia desta trajetória – que é, por sua própria natureza,
subjetiva e merece essa espécie de “memorial” interveniente à dissertação –, o que
justificará o caminho escolhido neste trabalho.
Como moradora do bairro em que está localizada a Escola Municipal Thomé de
Souza1 desde a infância, frequentei esta Unidade Escolar (UE) primeiramente como
aluna, nos quatro anos correspondentes à segunda etapa do ensino fundamental. A
paixão pelas dependências da escola – principalmente pela Sala de Leitura –, pelos
saberes interdisciplinares que ali circulavam, e por alguns professores maravilhosos que
estiveram presentes nessa etapa, alimentou meu imaginário adolescente e despertou o
desejo de voltar à escola, como integrante de seu quadro de funcionários. No entanto, eu
não passava de uma menina de treze anos, fascinada com o conhecimento: muito tempo
ainda se passaria. Do término do ensino fundamental ao ingresso no curso de Letras da
UERJ, ainda voltei diversas vezes à escola, me voluntariando para diversos serviços,
1 A Escola Municipal Thomé de Souza se localiza próximo à estação de trem de Senador Camará, bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. De 2013 a 2016, foram desenvolvidas diversas atividades atreladas ao projeto de pesquisa “Gramática, variação e ensino: diagnose e propostas pedagógicas”, em parceria com a Prof.ª Dr.ª Silvia Rodrigues Vieira.
16 como a catalogação das aquisições novas da biblioteca. A essa altura, a equipe que
direcionava os trabalhos na escola (desde a minha época como aluna) já conhecia meu
desejo de retornar oficialmente, e sempre afirmava que meu lugar estaria guardado.
Ainda durante o curso de Letras, através de uma bolsa de Iniciação à Docência
(ID), pude retornar à escola para trabalhar com alguns alunos um material didático sobre
concordância nominal, desenvolvido como tarefa do projeto. A perspectiva já havia
mudado significativamente: a menininha sonhadora cedeu espaço para a universitária
interessada nas contribuições da Sociolinguística para o ensino. Ao enfrentar muitas das
dificuldades vivenciadas pelos professores de Língua Portuguesa ao abordar temas
gramaticais em sala de aula, pude perceber a relevância de projetos voltados para prática
do ensino da disciplina nas escolas. Os alunos do 6° ano não conseguiam reconhecer
algumas categorias gramaticais básicas, como substantivos e artigos, e isso me fez
perceber a importância do conhecimento metalinguístico na abordagem de um tema
gramatical. Além disso, o preconceito linguístico era considerado por eles como uma
arma para estabelecer superioridade em relação aos outros no ambiente escolar, apesar
de que os alunos não percebiam que estavam estigmatizando sua própria variedade
linguística. Diversas reflexões surgiram a partir dessa experiência com a bolsa de ID, e
ainda apresentaríamos um material sobre quadro pronominal, desenvolvido no projeto;
no entanto, isso não foi possível, pois o prazo estabelecido pela Secretaria Municipal de
Educação (SME/RJ) chegou ao fim, e os trabalhos foram interrompidos.
Com esforço, a vida geralmente se encaminha para a direção que almejamos, e
isso se tornou concreto com minha aprovação no concurso para professor efetivo de
Língua Portuguesa, na Prefeitura do Rio de Janeiro, ainda no final da graduação. A
obtenção do diploma coincidiu com a posse no cargo e o início oficial da minha carreira
como professora, justamente na E.M Thomé de Souza. Novamente, havia aquela chama
acesa, fruto de uma história de paixão com essa Unidade Escolar. A realidade,
entretanto, me confrontou e desesperou de modo assustador. Além dos problemas de
infraestrutura e do número excedente de alunos, nas salas de aula em que agora eu
protagonizava o papel de professora, descobri que não tinha sido preparada o suficiente
para a tarefa, e diversos questionamentos surgiram, principalmente em relação a como
realizar o ensino de língua. Como trabalhar o tema variação linguística com meus
alunos, se eles não costumavam ouvir na escola que a língua varia? Como incentivá-los
17 a combater o preconceito linguístico, se, frequentemente, o praticavam entre si? Como
ensinar gramática, se os cadernos pedagógicos disponibilizados pela prefeitura
valorizam mais a leitura do que a análise linguística? E mesmo em relação às propostas
de uma pedagogia da variação linguística, como efetivamente transformar o que tem
sido discutido e descrito no âmbito acadêmico em atividades para minhas turmas? Eram
questões que, à época, surgiram e, apesar de terem se apresentado desafiadoras,
aproveitei-as para me construir enquanto professora/pesquisadora em meu ambiente
escolar.
Esses questionamentos revelaram a necessidade de descrever a realidade
linguística dos alunos com os quais lidávamos na referida escola, e serviram ainda como
incentivo para o desenvolvimento de atividades linguísticas, que tivessem por objetivo o
ensino de língua portuguesa na sala de aula, a partir dos pressupostos da
Sociolinguística. Além disso, motivaram meu ingresso no Programa de Pós-Graduação
em Letras Vernáculas (UFRJ), na Linha de pesquisa “Língua e ensino”, em uma
constante busca pelo aprimoramento que me permitisse tanto a descrição da realidade
linguística da escola em questão quanto a elaboração de propostas de ensino pautadas
nos resultados providos pela academia.
Dessa maneira, a presente pesquisa lança mão de pressupostos do arcabouço da
Sociolinguística Variacionista (WEINREICH, LABOV e HERZOG, [1968] 2006;
LABOV, [1972] 2008), que estabelece como prioritária a relação entre língua e
sociedade, através do estudo da estrutura e da mudança linguísticas dentro do contexto
social da comunidade de fala, como também das contribuições da chamada
Sociolinguística Educacional, proposta por Bortoni-Ricardo (2004), que une os
pressupostos da Teoria da variação e mudança aos objetivos estabelecidos para o ensino
de língua materna.
Nesse intuito, o trabalho aqui desenvolvido busca (a) descrever os dados de uma
amostra específica da realização pronominal dos alunos da escola municipal em
questão, considerando as funções de nominativo de 1ª pessoa do plural e de 2ª pessoa do
singular, e de acusativo e dativo e reflexivo de 1ª pessoa do plural, 2ª pessoa do singular
e 3ª pessoa do singular e do plural; e (b) apresentar uma proposta pedagógica – em
formato de estudo dirigido – para o ensino do quadro pronominal, a partir da descrição
realizada. O recorte de variáveis linguísticas para análise – nas três pessoas– justifica-se
18 pela intenção de descrição mais ampla do quadro pronominal em uso efetivo pelos
informantes em questão; a escolha das formas alternantes a serem observadas
considerou as mais produtivas nos textos dos alunos e, também, mais corrigidas no
contexto escolar. O gênero escolhido, redações escolares, embora contenha todas as
variantes linguísticas elencadas para esta pesquisa, costuma apresentar, dado o
encaminhamento das propostas em questão – mais dados relacionados à 3ª pessoa –
singular e plural –, o que restringirá nossa análise multivariada, como se verá adiante, a
essa pessoa.
Em contexto escolar, ainda há muita distância entre o que é proposto científica e
oficialmente para o ensino e o que efetivamente é ensinado. No caso específico das
escolas da cidade do Rio de Janeiro, as orientações oficiais, denominadas descritores
bimestrais2, não estabelecem diretrizes específicas quanto ao ensino de gramática. Fica
implícito que o professor deve saber quais temas gramaticais constituem alvo de ensino
para cada ano escolar. Atrelado a isso, ainda há a pressão para fazer com que os alunos
alcancem bom desempenho nas avaliações internas e externas de leitura, que ocorrem
periodicamente, pois esses resultados alimentam os índices sobre educação, como, por
exemplo, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Pressionado pela
necessidade de gerar notas altas, e sem orientações oficiais, o ensino de gramática tem
perdido espaço no contexto escolar municipal. Com frequência, os professores recorrem
aos conteúdos gramaticais dispostos nos livros didáticos oferecidos pelo Ministério da
Educação (MEC), que, de maneira geral, ainda não privilegiam o ensino de gramática,
nem consideram apropriadamente a variação linguística; ou ainda, fazem uso de
anotações pessoais ou livros desatualizados para passar listas de exercícios gramaticais,
como os de conjugação verbal, por exemplo.
Especificamente no que concerne ao ensino de temas gramaticais, a falta de
diretrizes acerca do que deve ser ensinado sobre conteúdos linguísticos e as dificuldades
em relação a como deve ser ensinado contribuem para duas situações comuns: (a) o
professor utiliza-se de materiais didáticos que não favorecem o trabalho com as
2 O trabalho nas escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro é realizado a partir dos descritores bimestrais, que são os conteúdos nodais do bimestre. Os descritores bimestrais são disponibilizados para os professores, na aba de recursos pedagógicos, do blog da SME. Seu conteúdo é baseado nos descritores das matrizes curriculares da Prova Brasil, e avaliados nas provas bimestrais de Língua Portuguesa. Nos anexos desta dissertação, há a reprodução dos descritores de Língua Portuguesa de um bimestre letivo de 2016.
19 diferentes variantes linguísticas de alguns fenômenos linguísticos; ou (b) o professor
abandona o ensino de gramática, uma vez que não há cobrança de tal conteúdo nas
avaliações da rede. Ambas as situações são prejudiciais para o ensino, pois não
favorecem a reflexão linguística, a partir do tratamento de temas gramaticais. No
contexto da rede de ensino carioca, que recebe alunos de muitas comunidades com
pouco acesso à escolarização, faz-se necessário que esses alunos sejam expostos às
diversas variantes linguísticas, dos mais variados fenômenos, para que sejam capazes de
utilizá-las de acordo com as exigências das situações sócio-comunicativas. Dessa
maneira, justifica-se que a abordagem de conteúdos gramaticais nas aulas de Língua
Portuguesa seja feita, no que se refere à promoção das práticas de letramento, pelo viés
da Sociolinguística Educacional.
Nesse propósito, esta pesquisa, ao descrever uma amostra da realização de
algumas variáveis do quadro pronominal em uso por alunos de uma escola municipal da
cidade do Rio de Janeiro, pretende também refletir sobre a relevância da abordagem das
variantes linguísticas para o trabalho com temas gramaticais, em se tratando do ensino
de Língua Portuguesa enquanto língua materna. Atrelada a essa reflexão, surge a
necessidade de elaboração de uma proposta experimental de atividades de ensino a
respeito do tema em discussão.
De acordo com Duarte (2013), a expressão do nominativo de 1ª pessoa do plural,
pode ser realizada com duas variantes distintas: nós e a gente. O nominativo de 2ª
pessoa do singular também pode ser expresso por duas diferentes variantes linguísticas:
tu e você. Já em relação ao fenômeno de retomada anafórica de acusativo/dativo, há o
uso das variantes pronominais, considerando os pronomes clíticos e os lexicais,
distribuídas da seguinte maneira: (a) nos, nós, a gente/nos, (a/para) nós, (a/para) a gente
para a 1ª pessoa do plural; (b) te, lhe, o, a, se, tu, você/te, lhe, (a/para) você para a 2ª
pessoa do singular; e (c) o, os, a, as, se, ele, eles, ela, elas/lhe, lhes, (a/para) ele, eles,
ela, elas para 3ª pessoa do singular e do plural.
Ainda em relação à retomada anafórica nas funções de acusativo e dativo de 3ª
pessoa, além das variantes pronominais, objetiva-se, nesta pesquisa, descrever as demais
variantes referidas pela literatura, considerando o Português Brasileiro (doravante PB).
No que tange ao acusativo anafórico, as variantes linguísticas descritas pela literatura
são as seguintes:
20
a) o pronome clítico: “Havia uma menina que possuía um espelho mágico. Só que um
dia ela o quebrou sem querer...”;3
b) o pronome nominativo/lexical: “Havia uma menina que possuía um espelho
mágico. Só que um dia ela quebrou ele sem querer...”;
c) o sintagma nominal: “Havia uma menina que possuía um espelho mágico. Só que
um dia ela quebrou o espelho mágico sem querer...”; e
d) o objeto nulo: Havia uma menina que possuía um espelho mágico. Só que um dia
ela quebrou [Ø] sem querer...”.
Já o dativo anafórico apresenta as seguintes variantes:
a) o pronome clítico: “Naquele momento, minha prima me pediu para lhe entregar a
chave azul...”;
b) o sintagma preposicionado (SP) anafórico: “Naquele momento, minha prima me
pediu para entregar a chave azul para ela...”; e
c) o dativo nulo: “Naquele momento, minha prima me pediu para entregar [Ø] a
chave azul...”.
Para o tratamento variacionista do fenômeno a ser estudado, conta-se com um
corpus constituído exclusivamente para esta investigação, a partir da seleção de
redações escolares do tipo narrativo de organização do discurso, produzidas por alunos
da E.M. Thomé de Souza, dos 6° e 9° anos do ensino fundamental, em dois bimestres
letivos.
Uma vez que o tema estudado tem sido alvo de ampla discussão, como mostram
trabalhos anteriores referidos nesta dissertação, pretende-se contribuir para a área ao
privilegiar uma proposta de ensino, desenvolvida a partir da descrição realizada dos
dados da amostra selecionada. Esta pesquisa busca, dessa maneira, oferecer aos
docentes informações que fundamentem as diretrizes teórico-metodológicas quanto ao
referido tema no ensino de Língua Portuguesa enquanto língua materna. O interesse
pelo contexto escolar dialoga com trabalhos anteriores, que também consideram
3 Os exemplos que constam nesta introdução são de caráter informativo e foram inventados pela autora.
21 importante atrelar a pesquisa acadêmica ao ensino, em países como o Brasil, em que a
norma adotada pela escola encontra-se distante da norma praticada em situações
cotidianas.
Para atender ao propósito desta dissertação, sua organização está disposta de
modo a contemplar as duas etapas desta pesquisa, a saber: (1) a análise variacionista da
realização pronominal pelos alunos de uma escola municipal do Rio de Janeiro; e (2) a
elaboração de atividades para ensino sobre o tema analisado. Primeiramente, o trabalho
apresenta informações relativas ao conhecimento do quadro pronominal, que servirá de
base geral às duas referidas etapas. Trata-se do Capítulo 1 – O quadro pronominal no
PB, no qual são apresentadas as abordagens, dispostas na literatura, sobre as variantes
linguísticas de 1ª pessoa do plural, de 2ª pessoa do singular e de 3ª pessoa do singular e
do plural. Em seguida, procede-se à apresentação da primeira etapa investigativa,
referida nesta Introdução: Capítulo 2 - Diagnose do quadro pronominal na escrita
escolar, no qual se apresenta o levantamento das realizações pronominais, verificadas
na Escola Municipal em questão, a partir do corpus selecionado. O Capítulo 3 –
Estudo dirigido para ensino do quadro pronominal trata especificamente da proposta
de atividades de ensino desenvolvida.
22
1. O quadro pronominal no PB
Os pronomes pessoais constituem elementos de inegável importância para a
organização morfossintática da Língua Portuguesa. Além de indicar as chamadas
pessoas discursivas4, a partir das quais o discurso é orientado, os pronomes são
associados à flexão verbal e às funções sintáticas de sujeito e complementos verbais. No
decorrer do processo de evolução linguística, desde o latim até o PB – alvo desta
pesquisa – houve muitas mudanças em relação ao(s) quadro(s) dos pronomes pessoais.
Essa denominação plural se dá em virtude dos resultados das pesquisas
sociolinguísticas, que revelam uma heterogeneidade quanto à distribuição de algumas
variantes pronominais nas regiões do país. Nesse sentido, este capítulo busca abordar,
considerando a realidade carioca de escrita escolar – em contexto de classe social
desprestigiada –, o quadro atual em uso.
As pesquisas de cunho variacionista mostram que o PB apresenta variação em
relação à expressão pronominal de algumas variáveis, em todas as funções: nominativa,
acusativa, dativa e reflexiva. Essa variação pode ser encontrada tanto na fala quanto na
escrita, embora se manifeste de modo diferente em ambas as modalidades. Para tanto,
pretende-se revisar informações fundamentais para o tratamento do quadro pronominal,
tais quais: (i) a origem da composição de um quadro de pronomes pessoais na língua
latina; (ii) a abordagem da gramática tradicional; (iii) e o tratamento de algumas
pesquisas sociolinguísticas, cujos resultados refletem uma visão sobre o quadro
pronominal bastante diferente das propostas contidas nas gramáticas tradicionais.
Uma vez que a presente pesquisa busca realizar uma diagnose do quadro
pronominal em uso em contexto de escrita escolar (Capítulo 2), cabe justificar a escolha
pelo estudo de alguns contextos linguísticos: a escolha foi motivada pela observação das
estruturas que exibissem maior produtividade de variantes, sobretudo aquelas mais
corrigidas nas redações escolares. Em relação à distribuição dos sujeitos pronominais,
foram escolhidas a 1ª pessoa do plural, devido à variação das formas nós e a gente; e a
2ª pessoa do singular, já que as formas tu e você também se encontram em variação.
4 Optou-se aqui pela utilização generalizada de “as pessoas discursivas” para o que é tradicionalmente conhecido como as três pessoas do discurso. Sabe-se que há apenas duas pessoas discursivas (1ª e 2ª) e a não-pessoa (objeto do discurso). Apesar dessa generalização inicial, para fins de organização da teoria e das análises, fez-se a separação entre 1ª, 2ª e 3ª pessoas.
23 Quanto à distribuição dos complementos pronominais, optou-se por analisar o acusativo
e o dativo de 3ª pessoa, pois há variação entre as variantes pronominais e outras formas
de expressão. O acusativo, porém, é a variável que apresenta mais produtividade.
Finalmente, pretende-se abordar as variantes do reflexivo de 1ª, 2ª e 3ª pessoa. Em
virtude do recorte amplo de variáveis para diagnose, este capítulo apresenta as pesquisas
sociolinguísticas anteriores em caráter panorâmico, baseando-se no recorte realizado em
três capítulos do livro Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro (Martins e
Abraçado (orgs.), 2015). Os capítulos em questão são os seguintes: (1) Variação dos
pronomes “nós” e “a gente” (Vianna e Lopes); (2) Variação dos pronomes “tu” e
“você” (Scherre et al.); e (3) Variação nas funções acusativa, dativa e reflexiva (Duarte
e Ramos).
Para fins de organização deste capítulo, optou-se pela seguinte estrutura: a seção
1.1aborda, brevemente, a formação do quadro de pronomes pessoais no latim clássico e
vulgar (seção 1.1.1) e o tratamento desse quadro nas gramáticas tradicionais (seção
1.1.2). A seção 1.2 apresenta resultados de pesquisas sociolinguísticas quanto à
distribuição das realizações dos sujeitos pronominais (seção 1.2.1), dos complementos
pronominais (seção 1.2.2) e, finalmente, a seção 1.2.3 traz uma sistematização dos
conteúdos abordados nas seções anteriores.
1.1. Quadro pronominal no Latim e nas gramáticas tradicionais
1.1.1. Considerações sobre a herança latina de pronomes pessoais
Os estudos sobre a história/evolução da Língua Portuguesa, além de se referir à
sua origem latina, descrevem a herança linguística repassada – apesar dos diferentes
estágios de mudança linguística – através dos séculos. Um dos mais importantes
componentes estruturais do latim, a saber, seu sistema de casos, deixou marcas para as
línguas românicas. Quanto à Língua Portuguesa, no processo de evolução, esse sistema
desapareceu, havendo apenas alguns resquícios nos pronomes pessoais. Nesse sistema
morfossintático latino, as palavras das classes nominais – substantivos, adjetivos e
pronomes – dentro das orações, recebiam marcas morfológicas indicativas dos casos –
funções sintáticas– que estariam indicando.
24
De acordo com Basso e Gonçalves (2014), o proto-indo-europeu (PIE) – anterior
ao latim clássico e ao latim vulgar – possuía oito casos gramaticais, a saber: o
nominativo, que servia para indicar os sujeitos das orações; o acusativo, caso
indicativo do objeto direto; o dativo, caso do objeto indireto; o vocativo, indicativo de
que o interlocutor estaria sendo chamado; o genitivo, caso que indicava posse; o
ablativo, caso usado para denotar, entre outras coisas, afastamento espacial e
procedência; o locativo, caso indicador de local; e o instrumental, caso usado para
especificar o meio ou instrumento utilizado para se fazer algo. No percurso do PIE para
o Latim, o locativo e o instrumental desapareceram, passando a fazer parte do ablativo
latino. No latim clássico, há registro, portanto, de seis casos gramaticais. Já na
passagem para o latim vulgar, apenas dois casos permaneceram: o nominativo e o
acusativo.
Esses casos se realizavam através de terminações morfológicas específicas, que
serviam para marcar as funções sintáticas das palavras dentro da oração. Com o sistema
de casos, a ordem das palavras na frase era relativamente livre; assim, a sintaxe do
Latim não se orientava apenas pela posição das palavras na frase, como no português,
mas também pela marcação dos casos. Não havia, portanto, uma ordem específica onde
deveriam figurar o sujeito, o verbo e os complementos. O exemplo a seguir, retirado de
Basso e Gonçalves (2014) – em que dominus recebe caso nominativo, seruum, caso
acusativo,e videt constitui o verbo – ilustra isso.
(1a) “O senhor vê o escravo” = dominus seruum videt = seruum
dominus videt = seruum videt dominus = videt seruum dominus
Apesar dessa liberdade, a ordem normalmente utilizada na fala dos romanos era
SUJEITO – OBJETO – VERBO (SOV). Isso foi alterado na passagem do latim clássico
para o vulgar, passando a ser SUJEITO – VERBO – OBJETO (SVO), a ordem básica
das línguas românicas.
No latim clássico, havia um sistema pronominal, marcado morfologicamente
com os casos gramaticais, do qual o sistema do Português deriva. Com a evolução para
o latim vulgar e, posteriormente, para as línguas românicas – entre elas a língua
portuguesa – esse sistema mudou muito, perdendo praticamente toda a relação com a
marcação morfológica de casos. Entretanto, em alguns pronomes ainda há resquícios
desse sistema morfológico.
25
Em relação ao sistema de pronomes pessoais do Português, segundo Câmara Jr.
(1985),em toda língua, há um conjunto de formas destinadas a situar os elementos do
mundo biossocial, que interessam à expressão linguística, no quadro de um ato de
comunicação – a saber, os pronomes. Nesse aspecto, diferentemente dos nomes e dos
verbos – representados por formas linguísticas que os evocam e simbolizam de acordo
com o conceito que cada um apresenta para a comunidade falante –, os pronomes são
indicados pela posição que ocupam no momento de uma mensagem linguística
(enunciação).
No latim clássico, o sistema de indicação dos pronomes tinha como ponto de
partida o eixo falante-ouvinte, estabelecido num ato de comunicação. Havia, portanto,
formas para indicar o falante, independentemente de quem ele seria. Câmara Jr. (1985)
traz o exemplo de Marcus, Sextus, ou Tullia, ou Cornelia que se indicavam a si mesmos
como ego – ou seja, a pessoa no momento em que fala. De modo analógico, eles eram
referidos por tu – ou seja, a pessoa com quem ego fala, quando outro falante se dirigia a
eles (Publius ou Septimus ou Iulia). Essas duas formas alternavam com outras, em
função da variação morfológica, prevista no sistema de casos. Assim sendo, as formas
ego e tu, marcadas com o caso nominativo, alternavam, respectivamente, com outras
que eram de genitivo (mei, tui), de dativo (mihi, tibi) e de acusativo (mĕ, tĕ). Essas
outras formas alternantes eram mais usadas no latim, uma vez que a indicação do
falante ou do ouvinte como sujeito já era indicada na desinência da forma verbal. As
formas nominativas ego e tu eram empregadas mais comumente como redundância
enfática ou vocativo, numa comunicação isolada ou numa frase com verbo inexpressivo
(exemplo, Egobonus, “Eu sou bom”).
Havia ainda, no latim clássico, a possibilidade de (a) o falante se expressar
também em nome de outras pessoas – a ele associadas – ou de (b) o falante se dirigir a
mais de um ouvinte. No sistema morfológico latino, havia, para o primeiro caso, a
forma nŏs e a forma uŏs, para o segundo. Diferentemente do singular, as formas casuais
do plural eram distribuídas em genitivo (nostrum, uestrum), um dativo-ablativo (nobis,
uobis), e um acusativo que coincidia com a forma nominativa.
Essas formas correspondiam ao sistema de pronomes pessoais dispostos no latim
inicialmente. Cabe ressaltar que esse sistema somente fazia referência a duas pessoas,
pois era centrado no eixo falante-ouvinte. Correspondente aos pronomes pessoais, havia
26 ainda um sistema de pronomes demonstrativos, que serviam para indicar os elementos
exteriores ao falante e ao ouvinte, a partir de sua posição em referência a um ou ao
outro: hĭc indicava o que estava próximo ao falante, e ĭste, o que estava próximo do
ouvinte. Havia ainda outros pronomes de natureza demonstrativa: ĭlle, de valor
indicativo preciso, is, de indicação vaga; e ĭpse, de significado semelhante a “o mesmo”
em português.
Ainda segundo Câmara Jr. (1985), o latim clássico, ao situar seus pronomes no
eixo falante-ouvinte, não considerava uma 3ª pessoa– tal qual é concebida no Português.
A flexão verbal era responsável por indicar quando o sujeito não fazia referência nem ao
falante nem ao ouvinte. Nesse caso, a especificação desse sujeito era realizada pelo
nome substantivo, marcado com o caso nominativo (“Marcus currit”/“Marcos
corre”);ou por um pronome demonstrativo, também marcado com caso nominativo
(“Ille (aquele indivíduo que estás vendo ali) currit”). Da mesma maneira, essa
especificação era realizada para os complementos (“Video Marcum”/ “Vejo Marcos”;
“Video ĭllum” – neste caso, Marcum e ĭllum marcados com caso acusativo). Havia,
entretanto, a expressão – por meio de um pronome ou de um possesivo – de uma 3ª
pessoa “reflexiva”, que indicava no complemento a mesma pessoa que o sujeito (se,
sua). Na fase imperial do latim vulgar, com a ampliação do sistema de pronomes
pessoais em vista da emergência de uma 3ª pessoa, os pronomes demonstrativos
passaram a representar essa nova pessoa, cabendo ao ille (ele) esse novo papel.
No português, a distribuição das formas pronominais pessoais corresponde: (i)
ao emprego de uma forma livre; (ii) ao clítico, adjunto a uma forma verbal, com a qual
constitui vocábulo morfológico – realizado com uma forma adverbial; e (iii) ao centro
de uma construção em que o pronome é regido de uma preposição – realizado com uma
forma com preposição regente. A primeira é uma forma tônica e livre; a segunda, um
clítico que pode ficar em ênclise ou próclise ao vocábulo verbal; e a terceira uma forma
tônica, porém também dependente, que só aparece em enunciação autônoma se
associada a uma preposição.
Apesar de a marcação de casos do latim vulgar – nominativo e acusativo para
todas as palavras de classe nominal – ter desaparecido completamente, em algumas
formas não houve mudança funcional. Esse é o caso de eu e tu, que se originaram em
27 ego e tu, e ainda exercem a função de sujeito5 (nominativo). Já outras formas que
compunham o quadro de pronomes pessoais latinos pertenciam, inicialmente, a outros
casos gramaticais. Os pronomes me, te e se – indicativos de objeto direto e indireto no
Português – são reflexos das formas de acusativo-ablativo mĕ, tĕ e sĕ. As formas nŏs e
vŏs, presentes no latim vulgar como nominativo-acusativo, vêm do dativo-ablativo
clássico nobis e uobis. Quanto às formas de 3ª pessoa, que passaram a figurar o quadro
pronominal somente no latim vulgar, todas derivam do demonstrativo ĭlle, e
conservaram os traços casuais. Os pronomes clíticos os, as, os, asse originaram no
acusativo do demonstrativo ĭlle – ĭllum, ĭlam, ĭllos, ĭllas; essas duas últimas sofreram
um enfraquecimento da vogal inicial e perda da consoante do radical. Já do dativo de
ĭlle – ĭlli– surgiu o clítico dativo do português, lhe.
1.1.2. O quadro de pronomes pessoais em gramáticas
tradicionais
As gramáticas tradicionais elencadas para esta subseção foram as seguintes:
Gramática normativa da língua portuguesa, de Rocha Lima; Nova gramática do
português contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra; e Moderna gramática
brasileira, de Evanildo Bechara.
(I) Gramática normativa da língua portuguesa – Rocha Lima (2001 [1972])
Em sua gramática, Rocha Lima inicialmente apresenta o conceito de pronome,
baseado em Said Ali: “Pronome é a palavra que denota o ente ou a ele se refere,
considerando-o apenas como pessoa do discurso” (p. 61, apud ROCHA LIMA, p. 110).
Segundo Rocha Lima, os pronomes são vazios de conteúdo semântico e têm
significação essencialmente ocasional, determinada pelo conjunto da situação. Dentro
da categorização da classe gramatical, os pronomes pessoais são definidos como as
palavras que representam as três pessoas do discurso, apenas indicando-as, sem nomeá-
las. Ainda segundo o gramático, o verbo, com as formas específicas de sua conjugação,
5No PB, essas formas também podem figurar como acusativo.
28 indica a qual das três pessoas se refere o predicado e declara também o número
gramatical (singular ou plural).
Rocha Lima apresenta os pronomes pessoais subdivididos em duas categorias:
pronomes sujeitos e pronomes complementos. Os pronomes sujeitos são nomeados
subjetivos ou retos, e servem de sujeito na oração. Já os pronomes complementos são
denominados objetivos ou oblíquos. Esses últimos possuem formas átonas e tônicas: as
primeiras se colocam antes ou depois do verbo, como se fossem uma sílaba a mais desse
verbo; e as segundas aparecem regidas de preposição. Os pronomes pessoais, na
gramática de Rocha Lima, são distribuídos conforme o quadro a seguir6.
PRONOMES SUJEITOS
(Retos)
PRONOMES COMPLEMENTOS
(Oblíquos ou Objetivos) Formas Átonas Formas Tônicas
Pessoa Número Formas Tônicas Acusativas Dativas Dativas
1ª pessoa Singular eu me me mim
Plural nós nos nos nós
2ª pessoa Singular tu, você te, você, o, a, se
te, lhe, se
ti, (a)você
Plural vós, vocês vos, se vos, lhes, se
vós, (a) vocês
3° pessoa Singular ele, ela o, a, se lhe, se (a) ele, (a) ela, si
Plural eles, elas os, as, se lhes, se (a) eles, (a) elas, si
Quadro 1 – Os pronomes pessoais, adaptado das listas de Rocha Lima (1972 [2001]).
Rocha Lima descreve alguns usos de certos pronomes:
As formas átonas o, a, os, as são empregadas em substituição a um substantivo
que complementa o verbo, sem necessidade de preposição. Por exemplo: “Não
escrevi as cartas/ Não as escrevi”.
As formas lhe, lhes representam substantivos regidos das preposições a e para.
Por exemplo: “Dei o livro ao menino/ Dei-lhe o livro”.
As formas se e si são reflexivas, porque só podem ser usadas em relação ao
próprio sujeito do verbo. Por exemplo: “O capitalista matou-se” e “Tratem de si
e não dos outros”.
6 Na gramática de Rocha Lima, essa distribuição dos pronomes encontra-se em duas listas, as quais foram reorganizadas neste quadro.
29
Há ainda cinco formas combinadas com a preposição com, representando um só
vocábulo: comigo, contigo, consigo, conosco e convosco. Dessas formas, o
pronome consigo é exclusivamente reflexivo. Por exemplo: “O advogado nada
trouxe consigo”.
Alguns pronomes de 2ª pessoa requerem para o verbo as terminações de 3ª. São
os seguintes: você, vocês, o senhor, a senhora, e os demais pronomes de
reverência (tratamento).
Acerca dos pronomes você e vocês, o gramático ainda acrescenta:
O pronome você realmente pertence à 2ª pessoa, isto é, aquela com quem se fala, posto que o verbo com ele concorde na forma de 3ª pessoa. Tal ocorre em virtude da origem remota do pronome (vossa mercê). A concordância se faz com o substantivo mercê, como nos tratamentos de reverência (Vossa Majestade, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, etc.); é com os substantivos e não com o possessivo (vossa) que se estabelece a concordância. (ROCHA LIMA, 2001 [1972], p. 316)
(II) Nova gramática do português contemporâneo – Cunha e Cintra (2008 [1985])
Para Cunha e Cintra, os pronomes pessoais se caracterizam por (a) denotarem as
três pessoas gramaticais; (b) poderem representar, quando na 3ª pessoa, uma forma
nominal anteriormente expressa; e (c) variarem de forma, de acordo com o que
expressam – a saber, a função que exercem na oração (formas retas ou oblíquas) e a
acentuação que nela recebem (formas átonas ou tônicas). O quadro a seguir distribui os
pronomes pessoais não reflexivos, de acordo com a gramática de Cunha e Cintra.
PRONOMES PESSOAIS
RETOS
PRONOMES PESSOAIS OBLÍQUOS NÃO REFLEXIVOS
ÁTONOS TÔNICOS
Singular 1ª pessoa eu me mim, comigo 2ª pessoa tu te, ti, contigo 3ª pessoa ele/ela lhe, o, a, se ele, ela
Plural 1ª pessoa nós nos nós, conosco 2ª pessoa vós vos vós,convosco 3ª pessoa eles/elas lhes, os, as, se eles, elas
Quadro 2 – Quadro dos pronomes pessoais segundo Cunha e Cintra (2009 [1999], p. 291).
Seguem algumas considerações feitas por Cunha e Cintra sobre os pronomes pessoais:
30
Quando o objeto direto ou indireto representa a mesma pessoa ou coisa que o
sujeito, ele é expresso por um pronome reflexivo. Esse tipo de pronome
apresenta três formas específicas à 3ª pessoa– se, si, consigo –, que se aplicam
tanto ao singular quanto ao plural. As demais pessoas são referidas pelos outros
pronomes oblíquos. As formas nos, vos, se, no plural, também podem indicar
reciprocidade, funcionando como um pronome recíproco.
O uso do pronome reto ele em função de objeto direto – fenômeno comum na
fala vulgar e familiar do Brasil – deve ser evitado.
A forma você é um pronome de tratamento, que se vale por pronome pessoal,
assim como o senhor, Vossa Excelência, Vossa Reverendíssima etc. Essas
formas de tratamento levam o verbo para a 3ª pessoa.
(III) Moderna gramática portuguesa – Evanildo Bechara (2009 [1999])
De acordo com Bechara, os pronomes designam as duas pessoas do discurso e a
não pessoa (não eu, não tu), tradicionalmente chamada de 3ª pessoa. As formas eu, tu,
ele, ela, nós, vós, eles, elas funcionam como sujeito, por isso são chamadas de retas. A
cada um desses pronomes retos corresponde um pronome oblíquo, que sempre funciona
como complemento e pode aparecer na forma átona ou tônica – esta sempre precedida
por preposição. Dessa maneira, A Moderna gramática portuguesa, de Bechara,
apresenta o seguinte quadro de pronomes nominais.
PRONOMES PESSOAIS RETOS PRONOMES PESSOAIS OBLÍQUOS átonos (sem prep.) tônicos (com prep.) Singular: 1ª pessoa: eu me mim
2ª pessoa: tu te, ti 3ª pessoa: ele/ela lhe, o, a, se ele, ela, si
Plural: 1ª pessoa: nós nos nós 2ª pessoa: vós vos vós 3ª pessoa: eles/elas lhes, os, as, se eles, elas, si
Quadro 3 – Quadro dos pronomes pessoais segundo Bechara (2015 [1999], p 172).
Algumas ponderações realizadas por Bechara precisam ser destacadas:
Há distinção entre o oblíquo reflexivo e o oblíquo recíproco: o primeiro é o
pronome oblíquo da mesma pessoa do pronome reto, significando a mim mesmo,
a ti mesmo, etc. – como no exemplo, Eu me vesti rapidamente. Já o segundo é
31
representado pelos pronomes nos, vos, se significando um ao outro,
reciprocamente – Nós nos cumprimentamos;
A forma você é tratada como forma de tratamento de uso familiar. O gramático,
porém, admite que o pronome vós caiu em desuso, tendo sido substituído pela
forma plural vocês;
O pronome reto ele só pode funcionar como objeto direto quando precedido de
todo ou só, ou dotado de acentuação enfática;
1.2. O quadro de pronomes pessoais em pesquisas sociolinguísticas
1.2.1. Pronomes na função de sujeito
A função nominativa, como já apresentado anteriormente, faz referência aos
termos que exercem a função de sujeito. Diferentes estudos apontam que o quadro de
pronomes pessoais nessa função, tal qual descrito pela abordagem tradicional –
estruturado a partir de três pessoas do discurso (eu/tu/ele) com variação de número
(nós/vós/eles) –, está longe de ter uma coerência interna e dar conta da realidade
concreta do PB. No capítulo referente ao tratamento dos pronomes pessoais do livro
Ensino de gramática: descrição e uso, Lopes (2007) reforça a urgência de revisão do
quadro contido nas gramáticas normativas de referência no país.
De acordo com a autora, a integração de você e a gente– em variação com as
formas mais antigas tu e nós – no quadro de pronomes pessoais do PB criou uma série
de repercussões gramaticais em diferentes níveis da língua, provocando rearranjos no
sistema (p. 103).Alguns desses rearranjos – uns em estado de mudança completa e
outros em mudança em progresso – são descritos a seguir.
(i) Alterações que afetaram em cadeia as subclasses dos oblíquos átonos e dos
possessivos, com novas possibilidades combinatórias (você com te, teu, tua) conforme o
exemplo a seguir.
(1) Vocêi disse que eu tei acharia na faculdade para pegar teui livro.
Segundo Lopes (2006), esse uso, entretanto, é condenado, sobretudo, nos
manuais didáticos que acabam por considerá-lo uma “mistura de tratamento”. O
32 imperativo também foi atingido por esse rearranjo, com o crescimento do uso referente
ao sujeito tu, mesmo quando o tratamento do ouvinte é realizado com você.
(2) Vem pra Caixa, você também.
(ii) O paradigma flexional também foi afetado pelo rearranjo do sistema, passando, em
várias comunidades de fala, de seis para três formas básicas: eu falo; tu, você/ele/ela/a
gente fala; vocês/eles falam.
A perda da desinência verbal pode ser associada ao fenômeno de preenchimento
do sujeito, atestado no PB e referido por vários estudos (Cf. DUARTE (1995) entre
outros). Dessa maneira, os pronomes recebem o status de únicos indicadores da
categoria de pessoa, daí sua presença cada vez mais obrigatória para indicar o sujeito.
(iii) As formas você e a gente se expandiram para contextos de referência indeterminada
e já são encontradas em usos existenciais.
(3) Você tem uma loja lá na rua que só vive em liquidação.
Com o mesmo sentido de Existe/Há uma loja lá na rua que só vive em liquidação.
(iv) Quanto ao plural da 2ª pessoa, a forma vocês substituiu completamente a forma
vós7.
As próximas subseções abordam de forma panorâmica – com base
principalmente em dois capítulos desenvolvidos no livro Mapeamento sociolinguístico
do português brasileiro – a distribuição do nominativo pronominal. A subseção 1.2.1.1
traz as pesquisas acerca da variação na expressão da1ª pessoa do plural. Na subseção
1.2.1.2, são abordadas pesquisas que analisaram a variação na 2ª pessoa do singular.
Cabe esclarecer que as 1ª pessoa do singular e 2ª pessoa do plural não recebem revisão
neste texto, uma vez que não apresentam variação (1ª pessoa eu/ 2ª pessoa vocês).
7 A forma vós, apesar de não integrar mais o quadro dos pronomes pessoais do PB, é recuperada – por vezes com sua flexão verbal original – em tradições discursivas particulares, como nos contextos de discurso religioso como preces/orações, conforme pode ser visto no trabalho realizado por Valladares (2016).
33
1.2.1.1. A 1ª pessoa do plural
Tanto as gramáticas normativas quanto os manuais didáticos – disponibilizados
para o ensino das redes públicas e privadas do Brasil – não apresentam uma posição
coerente quanto ao uso da forma a gente. Segundo Lopes (2007), “a classificação é, em
geral, controvertida, pois ora consideram a gente como “fórmula de representação da 1ª
pessoa”, forma de tratamento, pronome indefinido ou, ainda, recurso para indeterminar
o sujeito” (p.105). Pretende-se, nesta subseção, abordar a entrada dessa forma inovadora
no PB, e descrever pesquisas que investigaram a variação entre a gente e nós,
principalmente na capital do Rio de Janeiro.
A forma pronominal inovadora deriva do substantivo gente, que apresentava –
na história do Português – comportamento similar ao que ocorre com povo, grupo,
multidão e vários outros substantivos coletivos: podia ser utilizado não só no singular
(esta gente) como também no plural (estas gentes). De acordo com Lopes (2007), o
traço formal de plural se perdeu com o tempo. Dessa maneira, a forma cristalizada a
gente – de referência conceptual a uma massa indeterminada de pessoas disseminada na
coletividade, com o eu necessariamente incluído–herdou a possibilidade combinatória
com o singular, e não com o plural. A interpretação semântica pluralizada foi mantida,
ao mesmo tempo em que a gente designa “um todo abstrato, indeterminado e genérico,
representando o conjunto base “ser-pessoa”” (p.110).
No processo de pronominalização da forma a gente, algumas características se
mantiveram – como a concordância verbal com a 3ª pessoa – e outras apareceram –
como o gênero formal neutro, que se apresenta com os pronomes pessoais referentes às
1ª e 2ª pessoas em geral. Na combinação com adjetivos no masculino e no feminino, em
estruturas predicativas, uma interpretação semântica de gênero é acionada, embora o
gênero formal desses pronomes continue neutro (Eu estou cansado/a).Ao entrar no
sistema pronominal do PB, a forma a gente perdeu sua especificação de gênero formal
(+ fem), tornando-se neutra – como as demais formas pronominais de 1ª e 2ª
pessoas.Entretanto, quando combinada com adjetivos, a forma pronominalizada a gente
apresenta interpretação semântica de gênero de acordo com o gênero formal de seu co-
referente.
34
Nas últimas quatro décadas, diversos estudos procuraram demonstrar que a
forma inovadora a gente vem suplantando o pronome nós. Segundo Viana e Lopes
(2015)8, a pesquisa científica nacional apresenta ampla produção bibliográfica, como os
trabalhos de Omena (1986,1996,2003); Álban e Freitas (1991); Freitas (1991); Seara
(2000); Borba (1993); Lopes (1993); Menon (1994); Fernandes (2004); Borges (2004);
Zilles (2005,2007); Mendes (2007); Muniz (2007); Rocha (2009); Ramos et al. (2009);
Mendonça (2010); Viana (2006,2011); Rubio (2012), Matos (2013); entre outros.
De modo geral, as pesquisas indicam que o fenômeno de variação entre nós e a
gente no PB pode ser considerado um processo de mudança linguística, no qual,
gradativamente, a forma inovadora ocupa espaços da forma mais antiga. Dois
importantes fatores atuam de maneira decisiva nesse processo de propagação da forma
“a gente” no PB: (a) o espraiamento crescente do pronome a gente não só entre jovens,
mas também em todas as faixas etárias nos últimos anos; e (b) o fato de não haver
estigma associado ao uso da forma no desempenho oral dos falantes – inclusive os mais
cultos (Lopes, 2003; Zilles 2007). Embora haja muitos resultados individuais de cada
grupo de pesquisa, as generalizações devem ser tomadas em termos relativos, uma vez
que – ao se considerar a dimensão continental do país – há muitas áreas não
investigadas9, sobretudo na região Norte.
Em relação à capital do Rio de Janeiro – cidade em que se realiza a presente
pesquisa–, o primeiro trabalho realizado é o de Omena (1986, publicado em 1996),
intitulado A referência variável da primeira pessoa do discurso plural. Ao analisar a
fala de informantes não cultos com base em uma amostra do banco de dados do Projeto
Censo, foram localizadas 1.979 ocorrências de a gente em posição de sujeito, em um
total de 2.701 dados, registrando uma frequência de 73% na fala carioca. Omena (1986,
1996) partiu desses dados para tentar entender que fatores poderiam estar motivando a
escolha da variante.
Com relação aos condicionadores linguísticos, os resultados indicaram (a) maior
relevância do paralelismo formal e semântico, na alternância das formas: (i) o uso de a
8 Essa revisão foi baseada no mapeamento panorâmico realizado por Viana e Lopes (2015), no capítulo “Variação dos pronomes “nós” e “a gente””, do livro Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro. 9 Segundo o trabalho de Viana e Lopes (2015), a região Sul foi descrita de modo amplo; no Sudeste, foi descrito o comportamento linguístico de todas as capitais; no Nordeste, também houve descrição de apenas três capitais; na região Centro-Oeste, só há descrição de um estado (Goiás); quanto à região Norte, ainda não há trabalhos descritivos com base na Sociolinguística quantitativa laboviana.
35 gente é preferencial quando antecedido por a gente na sequência discursiva (Peso
Relativo (PR) de 0,81 entre os adultos e 0,78entre as crianças); (ii) o uso de nós também
ocorre quando há realização pronominal anterior igual (PR 0,86 para os adultos, e 0,75
para as crianças). Outro fator levantado por Omena (1986, 1996) é referente à (b)
saliência fônica: (i) formas verbais menos marcadas possibilitam o aparecimento de a
gente; (ii) já as formas verbais mais marcadas favorecem o uso de nós. O tempo
verbal(c) também foi considerando um fator condicionante: (i) quando há emprego de
tempo presente ou tempos não marcados há maior incidência de a gente; (ii) de modo
inverso, com tempo passado ou futuro, há mais favorecimento da forma nós. Outro fator
condicionante relevante foi (d) o traço semântico de indeterminação do referente: (i)
favorecimento do uso da variante inovadora em referência a grupo grande e
indeterminado (PR de 0,72); e (ii) favorecimento do pronome padrão em referência a
grupo grande e determinado (PR de 0,72).
Quanto aos condicionadores extralinguísticos, a faixa etária foi considerada um
fator social relevante. De acordo com os resultados, o uso de a gente é bastante
favorecido pela faixa etária mais jovem, o que poderia indicar um processo de mudança
em curso. Em uma artigo publicado em 2003 (A referência à primeira pessoa do plural:
variação ou mudança?), Omena analisou novamente o fator faixa etária, em uma nova
amostra do Projeto Censo, referente aos anos 2000. Esses novos resultados indicam
relativa estabilidade na comunidade, no intervalo de 20 anos considerado.
Relativamente à frequência geral, a forma a gente aparece como estratégia preferencial
na função de sujeito. Nessa pesquisa de Omena (2003), houve distribuição de uso da
forma a gente segundo o fator faixa etária, apontando uma troca para a forma mais
antiga, na passagem de faixa etária. Isso não seria coerente com um processo de
mudança em progresso. Entretanto, deve-se considerar que o lapso de tempo analisado é
muito curto para evidenciar uma mudança em curso. Ainda segundo os resultados de
Omena (2003), o fator escolaridade indica maior produtividade de a gente no 1° ciclo
do ensino fundamental e no ensino médio.
Outros dois trabalhos investigam a variação das formas pronominais da 1ª
pessoa plural, considerando o Rio de Janeiro: Lopes (1993) e Callou e Lopes (2004). A
pesquisa de Lopes (1993) tomou como base os resultados de Omena (1986), para
analisara variação entre nós e a gente na fala culta, em três capitais distintas – Salvador
36 (região Nordeste), Porto Alegre (região Sul) e Rio de Janeiro (região Sudeste). O corpus
utilizado – pertencente ao Nurc/Brasil – constitui-se de entrevistas no formato DID
(diálogo informante e documentador), coletadas na década de 1970, nas principais
capitais das regiões Nordeste, Sul e Sudeste. A pesquisa de Lopes (1993) busca
descrever a norma culta brasileira, ao selecionar informantes – homens e mulheres, com
nível superior completo, distribuídos em três faixas etárias (25 a 35 anos, 36 a 55 anos e
acima de 55 anos).
Foram selecionados os mesmos grupos de fatores linguísticos apontados como
relevantes em Omena (1986): (i) paralelismo formal e semântico; (ii) saliência fônica;
(iii)tempo verbal; e (iv) traço semântico de indeterminação. Quanto a esses fatores, a
pesquisa de Lopes (1993) confirma os resultados das pesquisas anteriores. Além desses,
alguns fatores extralinguísticos estratificam a amostra: faixa etária, sexo, cidade. Em
relação às faixas etárias, os resultados indicam favorecimento da forma nós entre os
idosos; equilíbrio das duas formas entre os adultos; e amplo favorecimento da forma
inovadora entre os jovens. Com relação à variável sexo, há sutis diferenças, uma vez
que os homens tendem a favorecer o uso padrão, enquanto as mulheres usam a forma
inovadora. Finalmente, quanto à variável cidade, o comportamento do Rio de Janeiro é
o mais inovador.
Callou e Lopes (2004) buscam traçar uma análise comparativa dos resultados de
Omena (2003) e Lopes (1993), a fim de verificar se a substituição de nós por a gente se
encontraria em variação estável ou em processo de mudança. A análise contrastiva
levou em consideração o comportamento da comunidade a partir do confronto de duas
décadas: 1970 e 1990 para os falantes cultos (Nurc-RJ) e 1980 e 2000 para o estudo
com falantes de nível médio (Censo-Peul10- RJ). Os resultados dos falantes cultos
evidenciam um comportamento instável da comunidade; já entre os falantes não cultos,
houve certa estabilidade no comportamento da comunidade. A comparação indica que a
propagação da forma inovadora a gente se disseminou na comunidade carioca,
configurando uma direção de mudança de baixo para cima. Outro resultado importante
para considerar esse fenômeno em mudança em progresso refere-se aos resultados
relativos ao traço [+/- determinado] do referente. A análise em dois momentos mostrou
um espraiamento da forma a gente para contextos de referência determinada e
10 Programa de Estudos sobre o Uso da Língua.
37 indeterminada, diferentemente dos estudos anteriores que associavam a preferência de
nós para contextos [+determinado], e a gente para contextos [- determinado].
O trabalho de Callou e Lopes (2004) ainda analisou o comportamento dos
indivíduos nas duas amostras, verificando fluxos e contrafluxos. Embora tenham
encontrado diferenças entre os falantes de maior ou menor nível de escolaridade, a
autoras concluem que a substituição de nós por a gente corresponde a uma mudança
geracional, pois houve estabilidade no comportamento do indivíduo, apesar da
instabilidade da comunidade. Quanto a isso, as autoras apontam:
Certos incrementos e retrações podem ocorrer em função de o falante estar
constantemente submetido a forças sociais conservadoras, a partir da atuação
da escola ou do ingresso no mercado de trabalho. A comunidade, por seu turno,
pode ser considerada instável, particularmente, no que se refere aos falantes
cultos. No caso de nós versus a gente, há uma inversão na relação entre as
formas alternantes: em 70, a forma nós ainda predomina, o que já não ocorre
em 90. Entre os falantes com menor escolaridade verificou-se maior
estabilidade. Em ambos os casos, o uso de formas inovadoras, entre os jovens,
é quase categórico. (CALLOU e LOPES, 2004, p.72, apud VIANA E LOPES,
2015)
Viana e Lopes (2015) mapearam o comportamento linguístico das formas nós e
a gente, considerando pesquisas sobre a modalidade falada do PB, sem abordar,
contudo, pesquisas acerca da modalidade escrita. Entretanto, as autoras fazem referência
ao artigo de Zilles (2007) – O que a fala e a escrita nos dizem sobre a avaliação social
do uso de a gente? –, no qual é abordada, brevemente, a avaliação social da forma a
gente na modalidade escrita.A autora se reporta a Neves (2003), para mostrar que a
discussão demanda atenção particular para as práticas sociais ligadas aos gêneros
textuais escritos.
A forma a gente, com valor de pronome pleno, é mais favorecida em alguns
gêneros textuais mais próximos da oralidade – como as narrativas de literatura infantil,
textos publicitários e correspondências comerciais (NEVES, 2003). Essa forma,
entretanto, é barrada em alguns gêneros com características mais formais. É o que atesta
Schmitz (2006):
[a gente] ainda não tem prestígio social, sendo considerada pouco apropriada
em textos escritos formais, como requerimentos, teses e dissertações, textos
jurídicos, procurações, editais, alvarás, atestados, declarações, escrituras, leis e
38
boletins de ocorrência. Num exame de textos jornalísticos, podemos observar
que ‘a gente’ como pronome [pessoal] não ocorre em editoriais. (SCHMITZ,
2006, p.44, apud ZILLES, 2007)
Zilles (2007) conclui que os percursos percorridos pelos processos da mudança
na expressão da 1ª pessoa do plural já têm sido bastante estudados, no que tange à
modalidade falada. A descrição desse fenômeno na modalidade escrita, contudo, tem
sido pouco explorada, principalmente sob uma perspectiva sociolinguística.
1.2.1.2. A 2ª pessoa do singular
Conforme visto na seção anterior, a forma pronominal você é referida – pelas
gramáticas tradicionais – como forma de tratamento de 3ª pessoa. Esta definição
estabelece relação direta com seu uso antes de passar por um processo de
gramaticalização. Lopes (2007) esclarece que a forma pronominal você teve origem em
uma forma nominal de tratamento (Vossa Mercê). A autora (LOPES, 2008) mostra que
o processo de gramaticalização de Vossa Mercê > você no PB tem despertado o
interesse de vários pesquisadores distribuídos pelo país. Aparentemente, as formas
anteriores a você (como vossa mercê, vosmecê, vosse etc.) chegaram ao Brasil sem a
força cortês dos primeiros tempos de uso. No PB, a partir do século XIX, começa a
haver concorrência entre as formas tu e você, em contextos de mais ou menos
intimidade, com predominância de tu. Já no início do século XX, o uso majoritário de tu
é suplantado pela forma pronominal você. Estudos mais recentes – como o de Paredes
Silva (2000, 2003) – indicam o retorno do tu à fala carioca, porém sem as marcas
anteriores de concordância.
No que concerne às características formais de você, alguns aspectos foram mantidos
e outros perdidos. Pode-se afirmar que, na forma inovadora você, persiste a
especificação original de 3ª pessoa, apesar da alteração ocorrida em termos semântico-
discursivos. Embora seja correlacionado a formas tradicionalmente consideradas de 2ª
pessoa (te/teu) ou de 3ª pessoa (seu-s), o pronome você definido faz referência apenas à
2ª pessoa. Em relação ao rearranjo do sistema ocasionado pela entrada da forma você no
quadro dos pronomes pessoais, houve novas possibilidades combinatórias ou de
correspondência com essa forma – inclusive em relação aos pronomes oblíquos (os
dativos ou acusativos: de você, te, lhe, o/a). No que se refere ao número, a forma
39 pronominal você manteve a variação que havia no substantivo mercê. De acordo com
Lopes (2007), tanto em Vossa Mercê quanto em você, a ausência ou presença do
morfema flexional de número determinam a sua interpretação pluralizada ou
singularizada, comportamento semelhante ao dos pronomes de 3ª pessoa.
Ainda segundo Lopes (2007), quanto à presença ou ausência de gênero formal, a
forma pronominalizada você apresenta comportamento semelhante ao da forma a gente,
abordada na subseção anterior. Vossa Mercê era formalmente uma expressão marcada
com o gênero feminino, uma vez que o substantivo mercê era desse gênero. No uso
semântico-discursivo como forma de tratamento, a forma Vossa Mercê diverge do
substantivo, uma vez que as construções predicativas permitem resgatar o gênero do
referente (Vossa Mercê está cansada/cansado). A forma você conservou essa
interpretação de gênero semântico – que entra em concordância com o referente –, mas
perdeu o traço formal de gênero da antiga expressão nominal, e passou a se comportar
como os demais pronomes.
Quanto às pesquisas que se debruçaram a fim de investigar a expressão pronominal
da 2ª pessoa do singular, parte-se novamente do trabalho panorâmico desenvolvido e
publicado no livro Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro11. Scherre et
al. (2015) abordam diferentes trabalhos sincrônicos sobre o uso dos pronomes de 2ª
pessoa do singular no PB. Interessam à presente pesquisa principalmente os usos
descritivos da variedade carioca. Ao mapear as principais pesquisas desenvolvidas sobre
o tema, Scherre et al. (2015)encontram pelo menos seis variantes distintas para a
representação da 2ª pessoa, seja de forma direta (referência definida ou específica) ou de
forma indireta (referência indefinida ou arbitrária): você, cê, ocê, tu, o senhor/a
senhora, e a forma nula.
Diversos fatores influenciam a escolha por uma ou outra variante: aspectos sociais –
como gênero do falante, faixa etária, e escolaridade – e também alguns aspectos
interacionais – como o nível de intimidade com o interlocutor. As formas o senhor/a
senhora são de uso corrente com as pessoas mais velhas ou com pessoas poucos
conhecidas, indicando respeito e distância; esse uso, entretanto, tem mudado entre os
jovens. A forma nula, por sua vez, apresenta praticamente dois usos no PB: (a) na
sequência discursiva, após a enunciação de você, cê, ocê, ou tu; e (b) como mecanismo
11Parte-se do capítulo “Variação dos pronomes “tu” e “você””, de Scherre et al.
40 de esquiva, quando não se sabe exatamente qual forma explícita deve ser utilizada sem
causar constrangimentos.As pesquisas elencadas no mapeamento de Scherre et al.
(2015) abordam especificamente as formas você, cê, ocê, tu.
Essas seis variantes se distribuem geograficamente, a partir de seis subsistemas
distintos: (i) só você; (ii) mais tu com concordância baixa; (iii) mais tu com
concordância alta; (iv) tu/você com concordância baixa; (v) tu/você com
concordância alta; e (vi) você/tu. A variedade carioca do PB apresenta o sexto
subsistema, você/tu sem concordância, que também se distribui pelas demais regiões,
exceto no Sul. Esse subsistema apresenta a forma tu de 1% a 90% sem concordância, a
depender da região.
Scherre et al. apresentam algumas pesquisas que descreveram as formas de
expressão da 2ª pessoa do singular no Rio de Janeiro. Dentre outros resultados, os
estudos apontam que o tu da variedade carioca é sensível ao contexto interacional. A
seguir, são descritas as taxas de incidência do pronome tu na fala carioca, em algumas
amostras diversificadas, subdivididas em: (a) entrevistas sociolinguísticas; (b) conversas
naturais não ocultas; (c) conversas naturais ocultas; (d) conversas naturais ocultas e
anônimas; e (e) conversas naturais ocultas e não anônimas.
Nas entrevistas sociolinguísticas do Peul de 1980 e de 2000; e nas gravações não
ocultas de conversas naturais do Banco de dados Interacionais (BDI), do período
de 1989 a 1990, houve a incidência de 6%, 7%, 3% de tu, respectivamente.
Com valores diferentes, a amostra de Paredes (1996) e Paredes Silva (2003),
com gravações ocultas de conversas naturais, mostra 68% de usos do pronome
tu.
Com relação à amostra Piloto Centro 2007 – com gravações de conversas
estimuladas no centro do Rio de Janeiro –, Lopes et al. (2009) encontraram 35%
de usos de tu.
Já a amostra Centro 2006 e 2008, e Zona Norte e Zona Oeste 2012 – composta
por gravações de conversas não estimuladas em diferentes pontos do Rio de
Janeiro – apresentou uso médio de tu na ordem de 20%, conforme a pesquisa de
Santos (2012).
41
Esses dados demonstram que há diferenças espaciais importantes dentro de uma
mesma área geográfica, como no Rio de Janeiro e em outros estados brasileiros. Essa
diversidade de usos do tu dentro de uma mesma área reitera a heterogeneidade presente
mesmo dentro do sistema pronominal. A distribuição da realização pronominal–
principalmente em relação à forma pronominal tu – se mostra bastante diferente do que
é retratado por programas humorísticos: um “tu suburbano e/ou de classe social mais
baixa” (SANTOS, 2012, p.123, apud SCHERRE et al. (2015), p. 160).
Scherre et al. (2015) apresentam, de um modo geral, as principais variáveis
linguísticas e extralinguísticas condicionadores da escolha entre tu e você para a
referência da 2ª pessoa do singular: (i) tipo de referência; (ii) tipo de discurso; (iii)
paralelismo; (iv) gênero; (v)escolaridade; (vi) faixa etária; (vii) tipo de gravação; (viii)
grau de intimidade com interlocutor; e (ix) tipo de relação com o interlocutor. Quanto à
faixa etária, no Rio de Janeiro, os falantes mais jovens favorecem o uso de tu, indicando
o retorno dessa forma à fala carioca, conforme Paredes Silva (2003). Scherre et al.
(2015) formulam a hipótese de que, à medida que desaparece ou diminui o uso de o
senhor/a senhora, a forma você ocupa os espaços deixados poro senhor/a senhora, e o
tu retorna, ocupando os espaços deixados pelo você. Cabe ressaltar que o tu que tem
retornado à fala carioca é o novo tu, sem a concordância do paradigma flexional antigo.
No uso carioca, também é importante salientar que os contextos de referência específica
favorecem o uso da forma tu, enquanto os contextos de referência genérica favorecem o
uso da forma você.
1.2.2. Pronomes na função de complemento
Nesta seção, parte-se da síntese feita por Duarte e Ramos (2015) – descrita no livro
Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro12 – a fim de abordar as pesquisas
acerca das realizações de complementos pronominais no PB. Particularmente, a
organização das informações propostas por essas autoras inspirou a composição deste
capítulo teórico, principalmente em relação ao tratamento das pessoas pronominais e
funções sintáticas exercidas por elas. Duarte e Ramos (2015) organizam seu capítulo de
acordo com as características dos pronomes complementos. Assim, dedicam uma seção
12 O capítulo em questão recebe o título de Variação nas funções acusativa, dativa e reflexiva.
42 ao tratamento do acusativo e do dativo anafóricos de 3ª pessoa; em seguida, exploram as
mesmas funções na 1ª e 2ª pessoas – que diferem da 3ª por aquelas apresentarem caráter
dêitico; finalmente, descrevem os resultados acerca da realização dos reflexivos –
separados dos demais, uma vez que o antecedente, nessa função, se encontra dentro da
mesma oração.
Seguindo a divisão de Duarte e Ramos (2015), na subseção 1.2.2.1 são abordados o
acusativo e o dativo fóricos de 1ª e 2ª pessoa; a subseção 1.2.2.2 apresenta o acusativo e
o dativo anafóricos de 3ª pessoa; e na subseção 1.2.2.3 são descritos os reflexivos de 1ª,
2ª e 3ª pessoas.
1.2.2.1. Acusativo e dativo fóricos de 1ª e 2ª pessoa
(I) O acusativo fórico
Em relação às realizações do acusativo fórico de 1ª pessoa, três trabalhos são
descritos por Duarte e Ramos (2015) – com o objetivo de mapear o quanto a
investigação do fenômeno avançou no país: Dalto (2002), Arruda (2006) e Brito (2010).
Interessa à presente pesquisa o trabalho de Arruda (2006), por ter incluído em sua
descrição o comportamento da variável em questão na variedade carioca do PB.
Arruda (2006) analisou uma amostra do Projeto Nurc, referente aos anos 1970.
A tabela comparativa dos três trabalhos elencados por Duarte e Ramos (2015) mostra
que houve favorecimento do clítico de 1ª pessoa (me) em relação às demais variantes
das amostras. Quanto à amostra Nurc, verificou-se a ausência do pronome nominativo
(eu) em função acusativa. De modo geral, Duarte e Ramos (2015) consideram que tanto
o número reduzido de ocorrências dos três trabalhos quanto a diferença metodológica
em relação à coleta de dados não permitem considerações conclusivas acerca da atuação
de certos fatores linguísticos e extralinguísticos.
Com relação às realizações do acusativo fórico de 2ª pessoa, de acordo com
Duarte e Ramos (2015),os estudos revelam algo importante sobre as formas de
tratamento e também sobre os rearranjos do sistema pronominal do PB.Novamente, os
resultados de Arruda (2006) – embora não sejam de uma pesquisa exclusiva sobre o Rio
de Janeiro – mostram que (a) o clítico te– forma preferencial – concorre com o lhe na
43 variedade carioca; e (b) não há registro do uso do clítico acusativo (o/a) em referência à
segunda pessoa.Referente à atuação das variáveis extralinguísticas, como a faixa etária e
o gênero, não há diferenças quantitativas expressivas.
(II) O dativo fórico
Em relação ao dativo fórico de 1ª e 2ª pessoas, Duarte e Ramos (2015) elencam
quatro pesquisas distintas: Nascimento (2001); Dalto (2002), Arruda (2000); e Brito
(2010). De um modo geral, essas pesquisas apontam o clítico me como a variante
preferida para a primeira pessoa, e a competição entre as formas te, lhe e você para a
segunda. O uso do clítico te indica uma permanência do tratamento da 2ª pessoa com a
forma tu – e ocorre mesmo se no dialeto não houver registro da forma tu em referência à
2ª pessoa. Esses quatro estudos documentaram ocorrências tanto de dativos argumentais
quanto de não argumentais.
Duarte e Ramos (2015) apontam que, devido à complexidade de comportamento
do dativo, “são raras as pesquisas que analisam todas essas construções em conjunto”
(p. 189). São realizados alguns recortes, tais como: (a) comparações entre as formas te e
lhe; (b) substituição do clítico dativo pelos pronomes nós e a gente; (c) variação ou
apagamentos das preposições que antecedem o dativo; e (d) comparação entre o lhe
dativo e o lhe acusativo.
1.2.2.2. Acusativo e dativo anafóricos de 3ª pessoa
(I) O acusativo anafórico
Segundo Duarte e Ramos (2015), a expressão do acusativo anafórico no PB é
uma das variáveis sociolinguísticas mais visitadas e descritas nos estudos de cunho
variacionista (p. 173). Dentre as quatro variantes descritas pela literatura, o objeto nulo
também tem interessado especificamente aos teóricos gerativistas, devido aos impactos
que o uso dessa categoria vazia tem causado no sistema linguístico – juntamente com o
preenchimento do sujeito.
No que concerne às pesquisas realizadas acerca do acusativo anafórico, embora
a presente pesquisa se interesse principalmente pela expressão da variável no dialeto
44 carioca, é necessário revisitar trabalhos clássicos, tais como Omena (1978) e Duarte
(1986) – mesmo que este último não trate especificamente da variedade carioca.
Duarte e Ramos (2015) apresentam inicialmente a pesquisa de Omena (1978),
com base na fala de adultos em fase de alfabetização, alunos do Movimento Brasileiro
de Alfabetização (Mobral), no Rio de Janeiro. Esta pesquisa representa um marco inicial
nos estudos sobre o acusativo anafórico por trazer dois relevantes resultados: (i) o
clítico acusativo (o, a) estava completamente ausente na fala do grupo de informantes
da amostra; e (ii) ao contrário do que se supunha, o pronome nominativo (ele) não era a
única forma alternativa ao uso do pronome clítico. Na pesquisa de Omena (1978), havia
uma terceira categoria, vazia – que superava o uso do pronome nominativo –, com
incidência em 76% dos dados. O aparecimento dessa categoria era favorecido quando
havia um antecedente na mesma função. Por outro lado, o pronome nominativo era
favorecido pelo traço [+ humano] do antecedente e também pela estrutura em que
funcionava como sujeito de alguns verbos que controlam o sujeito da subordinada
(obrigar, convencer etc.).
Duarte (1986; 1989), com uma amostra da fala paulistana, estratificada em três
faixas etárias e três níveis de escolaridade – além de um grupo de alunos de classe
média –, confirma os resultados de Omena (1978) a respeito da ausência do clítico
acusativo na fala de indivíduos com apenas o primeiro segmento do ensino
fundamental. Duarte, além das três variantes já estudadas – clítico, pronome lexical e
categoria vazia (objeto nulo) –, ainda acrescentou uma variante para análise: retomada
do SN (com determinante modificado ou não). A pesquisa de Duarte traz relevantes
fatores de natureza estrutural, os quais precisam ser descritos, pois serviram de base
para pesquisas posteriores.
(i) Fatores de natureza morfológica: o tempo e a forma verbal
De acordo com Duarte e Ramos (2015, p. 175), o objeto nulo e o SN anafórico
não parecem sofrer forte condicionamento morfológico. Já o pronome lexical (ou
nominativo) privilegia os tempos simples, o imperativo e as locuções verbais. Por fim, o
pronome clítico é favorecido em tempos simples do indicativo – com próclise no
presente e no passado – e ênclise ao infinitivo.
45
(ii) Fatores de natureza sintática: a transitividade verbal e o estatuto sintático do
elemento acusativo
Segundo Duarte e Ramos (2015, p. 175), três padrões básicos são separados na
pesquisa de Duarte (1986): (a) SVOD, com objeto simples ou oracional; (b) SV OD
OI/OBL, com um objeto simples ou oracional, e um objeto indireto ou complemento
oblíquo; e (c) as estruturas complexas, em que o elemento que recebe caso acusativo
não é um objeto direto, mas um sujeito marcado com caso acusativo na oração principal.
Nesse tipo de estrutura complexa, o “objeto direto” pode ser sujeito de uma minioração
de estrutura predicativa ou sujeito de uma oração infinitiva ou gerundiva – que funciona
como complemento de verbos causativos, sensitivos ou de permissão.
A pesquisa de Duarte (1986) revela que o objeto nulo é favorecido nas estruturas
simples e com verbo transitivo direto e indireto (Cf. DUARTE e RAMOS, 2015, p.
175). Na estrutura S V OD OBL, aumenta o uso do pronome lexical e do clítico
acusativo. Esse último é favorecido principalmente se o argumento com função oblíqua
é uma oração com verbo no infinitivo. Nas estruturas com minioração predicativa, há
uma distribuição equilibrada entre o uso do pronome lexical e do objeto nulo. Quanto às
estruturas em que o acusativo é sujeito de orações reduzidas de infinitivo e gerúndio, há
maior favorecimento do pronome lexical, por ser a real função de sujeito e ter o traço [+
humano].
(iii) Fator de natureza semântica
O traço do referente [+/- animado] está relacionado às orações anteriores. A
pesquisa de Duarte (1986) revela que o traço [+ animado] favorece o uso do pronome
lexical, quando associado a uma estrutura complexa; no caso de estruturas simples,
mesmo com esse traço no antecedente, o objeto nulo é a estratégia preferida.
Em relação ao fator escolaridade, a pesquisa de Duarte (1986) também trouxe
relevantes considerações (Cf. DUARTE e RAMOS, 2015, p. 177): (i) a escolaridade
não interfere na preferência pelo objeto nulo (60% superior às demais estratégias); (ii) o
SN anafórico aumenta na fala dos informantes mais escolarizados (18,8%) e diminui na
fala dos menos escolarizados (11,7%); (iii) a análise do pronome lexical mostra o
46 inverso, com a ocorrência de 21% na fala dos menos escolarizados e 9,8% nos falantes
com nível superior completo.
Outras pesquisas relevantes para a área são citadas por Duarte e Ramos (2015)
(Cf. PARÁ (1997); MARAFONI (2004); FREIRE (2005); entre outros). Entretanto,
como a presente pesquisa se ocupa de uma diagnose de tal fenômeno na escrita escolar,
limita-se aqui a revisar brevemente as pesquisas de Averbug (2000), Freire (2005) e
Santana (2016) – esta última posterior à publicação do capítulo de Duarte e Ramos
(2015).
O trabalho de Averbug (2000) – com base em textos produzidos por alunos das
séries finais, desde a classe de alfabetização (CA) até a universidade – aponta um fato
muito importante: conforme aumenta o nível de escolaridade, cresce o número de clítico
acusativo e diminui o emprego do pronome nominativo (ele) em função acusativa. Os
dados levantados pela autora registram2% de clíticos no CA13, 6% na 4ª série; 23% na
8ª série; 28% no ensino médio e 4% no nível superior. O pronome nominativo em
função acusativa sofre um declínio: 19% no CA; 15% na 4ª série; 13% na 8ª série; 6%
no ensino médio; e não houve ocorrência nos dados relativos ao ensino superior. Os
resultados dessa pesquisa sugerem que o processo de escolarização consegue, por um
lado, levar o aluno a utilizar o clítico e, por outro, inibir o uso do pronome nominativo
em função acusativa.
Outra pesquisa que investiga a escrita é de Freire (2005). O autor fez um
levantamento das variáveis de referência ao acusativo anafórico, em uma amostra
constituída de textos de diferentes jornais do Rio de Janeiro, distribuídos em gêneros
menos monitorado (entrevistas transcritas e crônicas) e mais monitorado (editoriais,
artigos de opinião e reportagens). De um modo geral, a pesquisa de Freire aponta o
reaparecimento do clítico acusativo – praticamente ausente na fala carioca, conforme
Omena (1978) e Duarte (1986) – e a redução do pronome lexical em função acusativa,
chegando a nenhuma ocorrência no nível mais monitorado. Os dados de Freire (2005)
são expostos na tabela a seguir.
13Atualmente, segundo padronização do MEC, a classe de alfabetização é conhecida como 1° ano, a 4ª série como 5° ano, e a 8ª série corresponde ao 9° ano.
47
Escrita Clítico Pronome nominativo
SN anafórico Objeto nulo
- monitorada 70/161 44% 10/161 6% 24/161 15% 57/161 35% + monitorada 104/142 73% - 14/142 10% 24/142 17%
Tabela 1 – Função acusativa na língua escrita com base em Freire (2005), apud Vieira e Freire (2015), p. 95.
Santana (2016), ao investigar a referência ao acusativo anafórico na escrita
escolar – em um corpus de redações escolares desenvolvidas por alunos de duas escolas
municipais do Rio de Janeiro – encontra resultados semelhantes aos de Averbug (2000),
com apenas uma diferença: no corpus analisado por Santana (2016),a variante objeto
nulo foi a terceira mais usada pelos alunos, como ilustra a tabela a seguir. Em Averbug
(2000), essa variante foi a primeira mais utilizada entre os informantes.
Tabela 2 – Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa no corpus de redações escolares do 9° ano do Ensino Fundamental (Santana, 2016, p. 140).
Essas três investigações a respeito da realização da expressão do objeto direto
acusativo particularmente interessam à presente pesquisa, pelo tratamento da escrita
carioca.
(II) O dativo anafórico
Quanto ao dativo anafórico de 3ª pessoa, de acordo com Duarte e Ramos (2015),
as pesquisas indicam menos frequência ainda do clítico dativo em relação ao clítico
acusativo. Em relação à fala, as pesquisas indicam total ausência do clítico dativo, e a
variação de um SP anafórico com uma categoria vazia, ou dativo nulo. Dentre as
pesquisas sintetizadas por Duarte e Ramos (2015), sobre a variedade carioca, destacam-
48 se Gomes (1999) e Freire (2000) – que investigam a variedade carioca –, cujos
resultados são descritos na tabela a seguir.
Pesquisas GOMES 1999 – RJ
FREIRE 2000 – RJ
Instrução Peul – RJ Ensino Fund. e Médio
Nurc - RJ
Clítico 0 0 Objeto nulo 15% 36%
SPs 70% 64% SN 14% -
Total 100% 100% Tabela 3 – Resultado das pesquisas sobre o dativo anafórico (%), adaptada de Duarte e Ramos (2015), p. 182.
Esses dados indicam a ausência de clíticos dativos na fala carioca e a variação
entre o dativo nulo e SP. A pesquisa de Gomes (1999) ainda encontrou um SN dativo
sem a proposição, com percentual de 14%.Segundo Duarte e Ramos (2015), esses dados
indicam que esse complemento sem preposição parece não sofrer restrições sintáticas ou
semânticas, “podendo aparecer adjacente ou não ao verbo, ter ou não papel semântico
de recipiente/beneficiário, e estar numa construção que expresse ou não transferência
material” (p. 183).
Segundo Duarte e Ramos (2015, p. 183), em relação à escrita brasileira, Freire
(2005) revela uma recuperação pouco expressiva do clítico dativo no PB (26%), e a
plena implementação do dativo nulo (32%) e do SP anafórico (45%).
Escrita Clítico SP anafórico Objeto nulo - monitorada 8/51 16% 22/51 43% 21/51 41% + monitorada 32/76 42% 22/76 29% 22/76 29%
Tabela 4 – Função dativa na língua escrita com base em Freire (2005), apud Vieira e Freire, 2014, p. 96.
A tabela acima revela que a frequência do clítico dativo na escrita brasileira está
fortemente associada a eventos de comunicação mais monitorados, representativos da
cultura de letramento. Por outro lado, a escrita menos monitorada apresenta
características mais semelhantes à fala: abandono da variante prescrita pela tradição em
favor do SP anafórico e do objeto nulo. Dentro da escrita mais monitorada, mesmo os
dados referentes ao clítico dativo representam um percentual baixo em comparação com
o somatório das duas outras variantes com as quais ele concorre. Diferentemente do que
ocorre com o clítico acusativo na escrita, a escola tem influência limitada na
49 recuperação do clítico dativo. Freire (2005) entende que a escola não barra as demais
variantes disponíveis, uma vez que não constituem estereótipos.
1.2.2.3. Reflexivos de 1ª, 2ª e 3ª pessoa
Para Duarte e Ramos (2015), a função reflexiva apresenta características
idênticas paras as três pessoas. Nos casos de função reflexiva, o antecedente se encontra
obrigatoriamente na mesma oração que o complemento, exercendo a função de sujeito.
Isso difere das funções acusativa e dativa, que podem ter referência fórica ou anafórica.
Em virtude dessa restrição do referente, a variação da função reflexiva atinge as três
pessoas de igual modo. Também ao contrário do que ocorre com as funções acusativas e
dativas, a variação na função reflexiva não tem distribuição regular no país.
No PB oral, podem ser encontradas as seguintes realizações: (a) uso de clíticos
reflexivos em relação de concordância em número e pessoa com seu antecedente; (b)
uso e clítico se em relação de concordância com o antecedente; (c) casos de duplicação
do clítico reflexivo, um proclítico e outro enclítico; (d) casos em que o clítico é
substituído por uma forma tônica seguida de mesmo; (e) casos de apagamento do clítico.
Duarte e Ramos (2015) apresentam diversas pesquisas que buscam descrever o
fenômeno no PB (Cf. ROCHA (1999); DALTO (2002); BANDEIRA (2007), entre
outros), considerando as três pessoas gramaticais. Alguns trabalhos importantes se
concentraram apenas na 3ª pessoa – como o de Freire (2000), baseado na fala carioca
(Nurc), que revela 91% de realizações do reflexivo, estando os casos de apagamento
concentrados em clíticos não argumentais. Embora a distribuição das realizações do
clítico reflexivo não seja regular, algumas generalizações podem ser feitas: (i) a
implementação do reflexivo nulo começa a partir dos clíticos não argumentais; e (ii) a
presença versus apagamento do reflexivo apresenta grande variação diatópica. Em
relação a fatores de natureza extralinguística, o nível de escolaridade pode interferir na
presença ou ausência do clítico reflexivo. Pereira (2007) aponta que há uma tendência
na queda do reflexivo nulo à medida que aumenta o nível de escolaridade do indivíduo.
Quanto à faixa etária, há o favorecimento do reflexivo nulo pelos mais jovens.
Finamente, em relação ao gênero, o clítico nulo é favorecido entre as mulheres.
50
1.3. Sistematizando
Inicialmente, este capítulo trouxe uma breve síntese sobre as formas
pronominais no latim clássico e vulgar, apenas para situar a origem dos casos
morfológicos no PB, hoje em franco processo de reestruturação. Esse panorama pode
mostrar que inicialmente, no latim vulgar havia apenas duas pessoas que podiam ser
marcadas morfologicamente de acordo com o sistema de casos. Com a evolução
linguística, a 3ª pessoa – com expressão pronominal pessoal – surgiu a partir da
mudança estrutural em um pronome demonstrativo (ĭlle).
Passou-se, então, à abordagem do quadro pronominal a partir de três gramáticas
tradicionais– conhecidas como referência para ensino gramatical no Brasil, citadas em
diversos materiais didáticos e reconhecidas pelos estudantes de Letras e professores de
Língua Portuguesa. Verificou-se que essas gramáticas não dão conta de descrever as
diversas possibilidades de expressão das pessoas gramaticais nas funções nominativa,
acusativa, dativa e reflexiva. Não se pode deixar de observar que as primeiras edições
de duas dessas gramáticas – a de Rocha Lima e a de Cunha e Cintra – foram escritas
aproximadamente na mesma época de realizações das primeiras pesquisas sobre
realizações pronominais. É corrente a crítica a respeito da falta de atualização dessas
gramáticas em relação aos resultados das pesquisas sociolinguísticas; entretanto, faz-se
necessário lembrar que essas gramáticas não possuíam o compromisso de descrever a
fala da norma culta em uso, mas sim a língua literária.
Ao comparar as três gramáticas quanto ao tratamento do quadro pronominal, é
possível chegar a algumas conclusões: (i) apenas a gramática de Rocha Lima admite a
forma você como pronome de 2ª pessoa; (iii) nenhuma das três gramáticas faz referência
à forma a gente enquanto pronome; (iii) as gramáticas de Cunha e Cintra e Bechara
consideram o uso acusativo do pronome ele um erro.
Em seguida, este capítulo descreveu, a partir de alguns textos panorâmicos, as
principais tendências, sobretudo as verificadas no Rio de Janeiro, quanto a:(i) o
nominativo de 1ª pessoa plural; (ii) o nominativo de 2ª pessoa do singular; (iii) o
51 acusativo e o dativo fóricos de 1ª e 2ª pessoas;(iv) o acusativo e o dativo anafóricos de
3ª pessoa; (v) e o reflexivo de 1ª, 2ª e 3ª pessoas.
Em linhas gerais, os resultados das pesquisas revelam forte reestruturação do
quadro pronominal na fala e, a depender do gênero textual, na escrita brasileiras,
derivadas, sobretudo, da inserção das formas pronominais você e a gente inicialmente
na função nominativa. Essa inserção gerou uma reestruturação no paradigma verbal, que
passou de seis formas básicas para três. Por sua vez, o enfraquecimento do sistema de
flexões verbais instalou na língua, de forma gradativa, uma tendência ao preenchimento
do sujeito pronominal (Cf. DUARTE, 1995). Outras mudanças linguísticas também
foram desencadeadas e tiveram impacto na formação do quadro pronominal atual: (i)
quanto à forma de realização do possessivo, formas de terceira se deslocam para
segunda pessoa (seu, sua), e a forma possessiva de terceira passa a ser, quase
categoricamente, a forma genitiva (dele, dela); e (ii) em relação à realização do oblíquo,
os pronomes lhe, o/a se deslocam da terceira para a segunda pessoa e o dativo ganha
formas de SP (de você).
A título de ilustração, este capítulo se encerra com o quadro pronominal em uso,
elaborado por Duarte (2013) e adaptado por Martins, Vieira e Tavares (2014).
O quadro original apresenta, ainda, a forma vós e os complementos a ela
associados – excluídas dessa adaptação, por estarem extintas tanto na fala quanto na
escrita do PB vernacular contemporâneo. Esse quadro mostra que a 1ª pessoa do
singular se mantém inalterada. Para as demais pessoas, apresentam-se formas
alternantes, conforme os autores:
(i) formas oblíquas átonas morfologicamente marcadas com acusativo ou
dativo e demais formas oblíquas preposicionadas; e (ii) formas pronominais
sem correspondentes oblíquas usadas em todas as funções. (Martins, Vieira e
Tavares, 2014, p. 17)
As formas marcadas em negrito no quadro são condicionadas a usos mais
restritos a certos grupos sociais ou encontram-se em extinção na fala espontânea (Cf.
DUARTE, 2013).
52
Pessoa Pronomes sujeitos
Pronomes complemento
Acusativos Dativos Oblíquos
P1 eu me me mim, comigo
P2 tu,você te, lhe, o, a, se, tu, você
te, lhe, (a/para) você
ti, contigo, si, consigo, (com) você
P3 ele, ela o, a, se, ele, ela
lhe, (a/para) ele/ela
si, consigo, (com) ele/ela
P4 nós, a gente nos, nós, a gente
nos, (a/para) nós, (a/para)
a gente
conosco, (com) nós, com a gente
P5 vocês os, as, se, vocês
lhes, (a/para) vocês
(com) vocês
P6 eles, elas os, as, se, eles, elas
lhes, (a/para) eles
si, consigo¸(com)eles/elas
Quadro 4 – Quadro de pronomes pessoais, de Duarte (2013), adaptado por Martins, Vieira e Tavares (2014, p. 17).
Com base no uso pronominal no PB atual – ilustrado no quadro acima – a
presente pesquisa realizou uma diagnose do quadro pronominal em uso na escrita
escolar, descrita no Capítulo 2, a seguir.
2. Diagnose do quadro pronominal na escrita escolar
Nas últimas décadas, diversas investigações se empenharam em descrever a
variação linguística no PB, principalmente no que tange à expressão oral da variedade
brasileira. Quanto à expressão escrita, também foram realizadas pesquisas voltadas para
a descrição de certos fenômenos linguísticos, algumas, inclusive, em comparação com o
Português Europeu (PE). Entretanto, ainda há algumas lacunas no que concerne à
escrita escolar, o que é naturalmente esperado em país que ainda enfrenta muitas
dificuldades em relação à escolarização de seus cidadãos, e, principalmente, em relação
ao ensino de língua materna.
Na história do ensino de Língua Portuguesa no Brasil, é muito recente, por
exemplo, a adoção de métodos de verificação nacional da escrita escolar, como a
redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Essa preocupação nacional por
uma unificação do nível de escrita esperado por um aluno no 3° ano do Ensino Médio
certamente focaliza as normas linguísticas preconizadas para o uso em contexto escolar.
Os resultados, no entanto, mostram a falta de domínio dessas normas, por parte de
muitos estudantes brasileiros. Um dos fatores apontados como causa desse domínio
mínimo é a falta de trabalho com o componente linguístico, em suas várias faces, na
sala de aula.
Dentro desse contexto de escrita escolar, em que se revela a falta de domínio de
normas linguísticas valorizadas socialmente, o ensino do quadro pronominal ainda se
apresenta como desafiador. O trabalho com o componente gramatical, tal qual vem
sendo conduzido tradicionalmente nas escolas brasileiras, não adota, na prática, uma
postura de valorização das diversas variantes linguísticas, favorecendo apenas as da
norma gramatical vigente, aquelas registradas em manuais para o bem escrever e falar
corretamente. Em consequência disso, o quadro pronominal trabalhado em sala de aula
parece limitado para representar a realidade linguística plural do PB, que apresenta
muita diversidade – seja de uma região para outra, seja da fala para a escrita, seja em
função do contexto situacional, de maior ou menor monitoração estilística. Dentro do
panorama atual, surge a necessidade de trabalhos que se voltem para a descrição de
realidades linguísticas em contexto escolar, para localizá-las na complexidade de
54 normas de uso que configuram a língua. Este capítulo trata da etapa desta pesquisa em
que se objetivou fazer a diagnose do quadro pronominal em uso, realizada a partir de
uma amostra específica da escrita escolar da rede pública de ensino do Rio de Janeiro,
considerando o recorte dos anos escolares selecionados.
Este capítulo organiza-se em três seções distintas, com suas subseções. Na
primeira seção (2.1), faz-se a apresentação dos pressupostos da Teoria da Variação e
Mudança que fundamentaram esta pesquisa. Na segunda (2.2), expõe-se a
Metodologia para a diagnose adotada para a etapa referente ao tratamento
variacionista. A terceira seção (2.3) apresenta a Análise e interpretação dos dados.
2.1. Teoria da Variação e Mudança
Este estudo segue orientações teórico-metodológicas da Sociolinguística
Laboviana, a Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH, LABOV e HERZOG
(WLH), 2006 [1968]; LABOV, 2008 [1972]). Dentre os princípios propostos, esta
pesquisa se desenvolve a partir da noção de heterogeneidade e sistematicidade da
língua, da relação existente entre variação e mudança, do conceito de regra variável e
das orientações metodológicas acerca do tamanho e da estratificação da amostra. Em
maior ou menor medida, relaciona-se à resolução dos chamados problemas da mudança
(fatores condicionadores ou restrições, transição, encaixamento, avaliação e
implementação), tais quais propostos no texto fundador dessa área científica, dentre os
quais se destaca o das restrições e a avaliação. Interessa descrever os fatores que
interferem no comportamento variável relativo ao quadro pronominal e a avaliação do
prestígio dessas variantes no contexto escolar.
Em sentido amplo, a Sociolinguística Variacionista (ou Laboviana) se
fundamenta no princípio de que a variação é inerente à língua, motivo pelo qual a
heterogeneidade é eleita como foco da análise nos estudos de variação e mudança. De
acordo com o pensamento sociolinguístico, a mudança, que deriva da variação
linguística, constitui um processo contínuo, é subproduto da interação, e pode ser
explicado a partir da observação e da descrição das regras variáveis. Assim, a
heterogeneidade linguística – que não implica ausência de regras – é tida como
ordenada (estruturada) e passível de sistematização, o que significa, em outras palavras,
55 que as diferentes maneiras de se expressar uma informação não existem por meio de
uma variabilidade aleatória, mas são condicionadas por restrições linguísticas e
extralinguísticas – os condicionadores. Em outras palavras, essa variabilidade é
ordenada e sistemática.
Dentro dessa perspectiva sociolinguística, a variação e a mudança estão
intrinsecamente relacionadas, considerando-se o postulado sociolinguístico de que nem
toda variação acarreta mudança – como nos casos caracterizados como variação estável
–, embora toda mudança pressuponha variação. A mudança linguística caracteriza-se,
portanto, como resultado da variação sistemática que se observa numa determinada
comunidade; por pressões internas e externas à língua, as mudanças ocorrem, de forma
não uniforme nem instantânea, em substanciais períodos de tempo (cf. WEINREICH;
LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p. 126).
A Sociolinguística preocupa-se, então, com o estudo da língua inserida na
sociedade e influenciada pelo comportamento social nas várias instâncias de uso, ou
seja: quem fala, quando, onde, pra quê e com quem se fala. Desse modo, seus princípios
se aplicam a dados de natureza diversa, orais ou escritos, verificados em determinada ou
diferentes sincronia(s), ou mesmo diacronicamente. Ao partir do levantamento de
dados, o sociolinguista pode realizar uma análise quantitativa dos usos verificados, o
que viabiliza a descrição da língua nos limites de cada investigação.
Uma vez que a variação decorre das funções sociais, os estudos sociolinguísticos
buscam resultados que representem o padrão de determinado grupo de falantes. Dessa
maneira, o sociolinguista deve buscar padrões linguísticos variáveis, que sejam
representativos da comunidade de fala, uma vez que o locus do estudo da língua é a
comunidade de fala, não o indivíduo. Ao aprofundar a concepção laboviana acerca da
comunidade de fala, Guy (2001) propõe que os indivíduos que a compõem devem
compartilhar traços linguísticos, diferentes de outros grupos; ter uma frequência alta de
comunicação entre si; e ter normas e atitudes compartilhadas em relação ao uso da
linguagem. Para os estudos sociolinguísticos, a definição da comunidade de fala permite
verificar como ocorre a distribuição social de semelhanças e diferenças linguísticas,
possibilitando separar as características individuais das marcas representativas de
determinado grupo.
56
Dentre os diversos fatores que servem para identificar o perfil sociolinguístico
de uma comunidade de fala, as variáveis extralinguísticas podem ser categorizadas de
acordo com o tipo de variação indicada. Para a variação regional/geográfica/ diatópica,
o espaço geográfico constitui um condicionador extralinguístico. Quanto à variação
social/diastrática, há de se considerar, como condicionadores extralinguísticos,
indicadores dessa estratificação, como o grau de escolaridade, o nível socioeconômico
(origem social, renda familiar, local de moradia), sexo/gênero, e faixa etária. No que
tange à variação estilística, há ainda o grau de adequação entre registro formal ou
informal, considerado pelos falantes a depender do contexto, que atua como
condicionador externo aos fatores linguísticos.
Ainda em relação à composição da amostra, os estudos procuram determinar
critérios referentes ao número de falantes, número que dependeria do grau de
variabilidade do fenômeno escolhido para o estudo. Compreende-se que, quanto mais
variável for o fenômeno, mais ampliada deverá ser a amostra. Para Labov (2008 [1972],
p.204), amostras pequenas, como as compostas por 25 falantes, por exemplo, revelam,
em seus dados sociolinguísticos, “padrões básicos de estratificação de classes”. Dessa
maneira, recomendam-se quatro ou cinco falantes para cada célula.
No âmbito dos estudos sociolinguísticos, a concepção de regra variável, pela
qual se dá o controle da variação sistemática, se refere à possibilidade de duas ou mais
formas alternantes transmitirem o mesmo significado referencial em um determinado
contexto linguístico, garantindo a transmissão da mesma informação.
É comum que uma língua tenha diversas maneiras alternativas de dizer “a
mesma” coisa. Algumas palavras como “carro” e “automóvel” parecem
ter os mesmos referentes; outras têm duas pronúncias, como cantando e
cantano. Existem opções sintáticas como Uma pessoa que eu confio
muito vs. Uma pessoa em quem eu confio muito ou É fácil falar dele vs.
Falar dele é fácil (LABOV, 2008 [1972], p.221).
Essas regras variáveis são de natureza gramatical; assim, por restrições do
próprio sistema linguístico, são limitadas as formas que podem figurar em uma estrutura
variável. Percebe-se que as formas alternantes, denominadas variantes linguísticas,
podem ocorrer em qualquer nível gramatical, quais sejam: fonológico, morfológico,
sintático, semântico ou discursivo. A pesquisa de cunho variacionista pressupõe, dessa
57 maneira, a composição de uma amostra estratificada, da qual são extraídos, no que tange
ao fenômeno escolhido, dados representativos da regra variável, condicionados por
fatores linguísticos e extralinguísticos. No que tange à presente pesquisa, cabe pontuar
que o fenômeno gramatical abordado – o quadro pronominal – se insere na interface
entre os níveis morfológico e sintático (morfossintático), e, quanto à análise
variacionista do tema, compreendem-se alguns fatores condicionantes estruturais
(linguísticos) e sociais (extralinguísticos) – descritos na Seção 2.2.
Através da pesquisa sociolinguística, torna-se possível, ainda, averiguar se o
fenômeno em estudo se encontra em variação estável ou mudança em progresso,
consoante a realização de estudos em tempo real, que podem ser de dois tipos: os de
painel, em que há comparação do comportamento linguístico dos mesmos falantes, e os
de tendência, em que são utilizados informantes diversos do mesmo perfil, em dois
momentos temporais distintos. Há, ainda, os estudos de tempo aparente, que analisam
fenômenos variáveis em um período discreto e contempla informantes de diferentes
faixas etárias, de modo a observar as gerações por eles representadas. No que se refere
aos modelos de estudo de variação quanto às tendências de mudança, um importante
princípio adotado pela Teoria da Variação e Mudança é o do uniformitarismo, que
propõe que dados linguísticos do presente podem revelar informações sobre tempos
pretéritos. Esse princípio pode ser concebido com base nos estudos realizados sobre
mudança em tempo real ou aparente.
Quanto aos aspectos metodológicos, a Sociolinguística Laboviana, através do
controle quantitativo das variáveis sociais (externas à língua) e linguísticas (internas à
língua), busca averiguar o favorecimento e desfavorecimento de determinadas
estruturas, a depender do contexto em que se inserem. Os pesquisadores conseguem
identificar os fatores que condicionam o uso de uma ou outra variante, a partir da
submissão dos dados a programas computacionais de análise matemática, como o
Goldvarb X.
Com o objetivo de encontrar explicações plausíveis sobre a mudança, o
sociolinguista deve considerar o comportamento de dados empíricos variáveis. A
descrição desses dados é possível a partir de ferramentas próprias para guiar uma
pesquisa dessa natureza, e é ligada a um conjunto dos chamados problemas empíricos.
58
No intuito de compreender os mecanismos da mudança linguística, WLH (2006
[1968]) propõe princípios empíricos, que norteiam seus estudos e são dispostos em
termos de cinco problemas/questões a serem resolvidos.
(i) o problema dos fatores condicionantes ou da restrição
Investiga-se, neste problema, o conjunto de mudanças possíveis e de condições
para que essas mudanças ocorram numa dada estrutura. Faz-se necessário definir
princípios que governem a estrutura e a mudança linguística. Esses princípios não são
absolutos, mas, quando aplicados categoricamente, apontam para regularidades ou
tendências gerais. Para solucionar a questão central deste problema, deve-se controlar o
número de fatores linguísticos e extralinguísticos que, aplicados aos fenômenos,
condicionam o favorecimento ou desfavorecimento das variantes linguísticas, e podem
promover a mudança.
(ii) o problema da transição
Neste segundo problema, discute-se como ocorre a transferência de dados
linguísticos entre grupos de faixas etárias diferentes ou entre épocas diversas. As formas
antigas não são substituídas abruptamente pelas formas novas, mas há fases
intermediárias em que as variantes de um fenômeno variável se encontram em estado de
coexistência e concorrência, provocando gradativa diminuição de uma variante em
relação a outra, de modo que a mudança se complete.
(iii) o problema do encaixamento
Este problema diz respeito ao modo como o fenômeno linguístico em
variação/mudança é encaixado na estrutura linguística e social. Essas mudanças
linguísticas sob investigação devem ser vistas, portanto, como integradas no sistema
linguístico como um todo. Essa noção de encaixamento está ligada a algumas outras
questões, entre as quais se pode citar: o modo como um fenômeno linguístico variável
se relaciona com outros fenômenos; que fatores linguísticos, estilísticos e sociais
condicionam a escolha de determinadas variantes; quais são as causas e os efeitos de
uma mudança; e quais seriam as direções de mudanças linguísticas em curso.
(iv) o problema da avaliação
Este problema concerne aos correlatos subjetivos dos diversos estratos variáveis
que podem figurar numa estrutura heterogênea, ou seja, à atitude subjetiva e consciente
59 do falante em relação às formas linguísticas em variação/mudança. A aceitação ou
rejeição de uma construção depende, entre outros fatores, de uma avaliação linguística a
respeito de seu significado referencial, e, geralmente, é permeada por uma avaliação
social. É no âmbito social que se inserem as noções de indicador, marcador e estereótipo
– abordadas mais adiante neste estudo –, que podem estar correlacionadas a diferentes
estágios da mudança. Certo tipo de avaliação só surge quando a mudança se encontra no
nível de consciência social; cabe salientar, portanto, que a força da avaliação social
negativa em relação à determinada variante, por exemplo, pode retardar ou mesmo
impedir que a mudança se concretize.
(v) o problema da implementação
O último problema questiona como se transforma a estrutura linguística de uma
comunidade no curso do tempo, considerando que o processo global da mudança de
uma língua pode envolver estímulos e restrições provenientes tanto da estrutura social
quanto da linguística. À medida que se identificam os fatores que agem sobre a
mudança, é possível explicar as possíveis causas que a desencadeiam e também o modo
como se dá sua implementação nos diferentes contextos estruturais e estratos sociais.
No que concerne à presente pesquisa, pode-se considerar que seu foco não recai
sobre o processo de mudança em curso, mas sobre a realidade linguística do fenômeno
escolhido – que, como já se demonstrou, resulta de vários processos de mudança – e seu
reflexo no ensino de Língua Portuguesa nas escolas. Dessa maneira, priorizam-se dois
dos problemas propostos por WHL (2006 [1968]), uma vez que são mais relevantes
para os objetivos em questão, a saber: o problema das restrições (que será objeto de
investigação particular) e o problema da avaliação (que fundamentará, sobretudo, a
interpretação dos resultados).
Retomando o problema da avaliação, fica o postulado de que, além de
significados referenciais ou representacionais, as formas linguísticas veiculam
significados de ordem social. Como já mencionado, a avaliação feita por uma
comunidade de fala atribui prestígio ou estigma às variantes linguísticas em uso, e pode
acelerar ou barrar uma mudança da língua. Labov (2008), ao reconhecer que há
julgamentos conscientes e inconscientes, formula três categorias de significado social
das formas em variação, distribuídas quanto ao nível de consciência do falante sobre a
variante em questão; são elas: estereótipos, marcadores e indicadores.
60
(a) Estereótipos
Representam as variantes que se encontram no nível de total consciência do
falante. Algumas dessas formas podem sofrer mais estigma social, a ponto de conduzir
mais rapidamente à mudança e extinguir a forma estigmatizada. Por outro lado, outras
formas podem representar estigma para um grupo e não para outros.
(b) Marcadores
Neste grupo, encontram-se traços linguísticos social e estilisticamente
estratificados, de um nível de consciência menor. Esses traços marcam determinadas
variantes que podem sofrer julgamento pelos falantes. Tanto o julgamento quanto o uso,
porém, nem sempre ocorrem de modo consciente.
(c) Indicadores
Representam os elementos linguísticos variáveis sobre os quais há pouca força
de avaliação. Em relação ao uso das variantes relativas a essa categoria, pode haver
pouca diferenciação social, correlacionada a idade, região ou grupo social, mas não
decorrente de julgamento estilístico consciente.
Finalmente, em relação ao que tange à presente pesquisa, faz-se necessário
abordar um fator resultante da avaliação negativa: o preconceito linguístico. O
significado ou valor social das formas variantes acaba por se correlacionar ao valor
atribuído a um estrato da sociedade que usa certas construções e não outras. Algumas
formas variantes de certos fenômenos linguísticos são avaliadas negativamente por parte
dos falantes: as formas estigmatizadas. Entretanto, não há respaldo científico que
justifique a atribuição de valor negativo a determinada variante e não às demais. Com o
argumento de que uma variante é “errada” ou “feia”, o preconceito linguístico, na
realidade, marginaliza os próprios falantes que fazem uso da variante estigmatizada. As
pesquisas científicas, no âmbito da Sociolinguística, já provaram que não há nada nas
formas variáveis de uma língua que permita considerar uma variante melhor do que
outra ou mesmo atribuir falta de capacidade cognitiva a seus falantes. Dentro do
contexto de ensino de Língua Portuguesa, faz-se necessário, portanto, sem deixar de
informar o valor social das variantes, o combate a atitudes linguísticas preconceituosas.
61
2.2. Metodologia para a diagnose
Nesta seção, consideram-se os aspectos metodológicos adotados para a pesquisa
sociolinguística empreendida no presente trabalho. Desse modo, apresentam-se três
subseções específicas. Na primeira subseção (2.2.1), há a caracterização do perfil
social da escola municipal em questão e da composição do corpus. Na segunda (2.2.2),
são descritas as variáveis linguísticas em estudo nesta investigação. A terceira seção
(2.2.3) apresenta os procedimentos adotados quanto ao tratamento dos dados.
2.2.1. Caracterização do perfil da escola municipal e da
composição do corpus
Ao empreender uma investigação, na escrita escolar, acerca da realização das
variantes linguísticas utilizadas para a realização das funções de nominativo de 1ª
pessoa do plural e de 2ª pessoa do singular, e de acusativo e dativo de 1ª pessoa do
plural, 2ª pessoa do singular e 3ª pessoa do singular e do plural, objetiva-se verificar se,
ao longo do processo de educação formal, houve progresso quanto à gradual
implementação das formas pronominais. Desse modo, interessa observar, em particular,
considerando uma amostra linguística coletada na E. M. Thomé de Souza, o uso das
formas que costumam receber prestígio em alguma instância de padronização
linguística, como, por exemplo, nas normas prescritas pela tradição gramatical.
Faz-se necessário, antes da descrição do processo de composição do corpus,
traçar o perfil social dos alunos da E.M. Thomé de Souza. Para tanto, foram levantados
dados para uma análise qualitativa, baseada em informações provenientes das fichas de
matrícula disponibilizadas pela secretaria escolar, e também de relatos orais de
professores, alunos e moradores da comunidade, feitos em conversas informais.
A E. M. Thomé de Souza está localizada no bairro de Senador Camará, a
aproximadamente 400m da linha ferroviária, que divide o bairro em dois lados. Por
muitos anos, esses dois lados viveram em conflitos decorrentes da rivalidade entre
traficantes de facções contrárias, moradores das comunidades Sapo e Coréia. No entanto
– apesar do perigo que isso representava – a escola, por estar situada em um território
neutro entre as duas comunidades, sempre recebeu alunos provenientes dos dois lados
62 do bairro. Os diretores anteriores relatam que inúmeras brigas tiveram de ser apartadas
dentro da escola ou mesmo no perímetro escolar. Essa situação, entretanto, foi
modificada, na primeira década do século XXI, com a unificação do domínio territorial
por uma das facções.
Sempre recebendo alunos provenientes da comunidade, a escola tem lidado com
a heterogeneidade social desde sua fundação (1959). No início da década de 10 deste
século, o bairro passou por mudanças que interferiram de forma direta na escola. Um
terreno amplo, próximo à escola, foi adquirido pelo Governo Federal, para a construção
de casas populares do Programa social Minha Casa, Minha Vida. No lado da linha
ferroviária oposto ao da escola, havia uma comunidade à beira-linha, extremamente
carente, que habitava em barracões de madeira, sem rede de água potável e sem
condições de saneamento básico. Foi anunciado, nas reuniões com associação dos
moradores, que essa comunidade receberia casas do referido programa do Governo, e
seria transferida para o outro lado. Entretanto, isso não aconteceu, e as famílias foram
transferidas para outras casas sociais, no bairro de Santa Cruz. Em 2012, o espaço
construído em Senador Camará recebeu famílias removidas de áreas de risco, em
comunidades de aspectos semelhantes à da beira-linha.
Para as escolas da região, isso gerou muitos impactos em relação ao ensino. A
E.M. Thomé de Souza sempre recebia alunos de origens diferentes, provenientes das
comunidades Sapo, Coréia e, ocasionalmente, Vila Aliança (também localizada no
bairro). No primeiro ano de funcionamento do conjunto habitacional do Governo, uma
das escolas do primeiro segmento do ensino fundamental (1° ao 5° ano) da região, E.M.
Evaristo de Moraes, passou a receber todos os alunos provenientes da nova comunidade
formada pelos moradores das casas populares. Já os alunos do segundo segmento (6° ao
9° ano) foram matriculados na E.M. Thomé de Souza, juntamente com os que
concluíam o 5° ano na E.M Evaristo de Moraes, a partir do ano seguinte. Dessa
maneira, o espaço escolar passou a contar com mais alguns traços na heterogeneidade:
alunos carentes –com familiares ausentes – e a grande maioria analfabeta funcional–
com pais analfabetos. Entretanto, como a maior parte desses alunos frequentava igrejas
evangélicas, presume-se que eles tinham acesso a textos escritos, mesmo que fosse
através das leituras bíblicas em voz alta realizadas no espaço religioso. Os aspectos
63 ligados ao acesso, dos alunos e de seus familiares, à cultura letrada nas práticas sociais
são importantes, quando se trata de reflexões sobre o ensino de Língua Portuguesa.
Com o surgimento da nova comunidade, vulgarmente conhecida como Perereca,
a escola precisou se reorganizar para receber e tratar esses novos alunos, uma vez que
apresentavam muitas dificuldades em relação a diversos aspectos, alguns já
mencionados anteriormente. Como consta nos registros de matrícula da escola, muitos
alunos tinham pais analfabetos ou semianalfabetos, que não tinham condições de ajudar
seus filhos com algumas tarefas escolares enviadas para casa. Outro aspecto a ser
ressaltado era a agressividade por parte desses alunos, com os colegas, professores e
funcionários. Como a maior parte desses pais declarou ser da religião “evangélica
tradicional” na ficha de matrícula, foi realizada uma pesquisa oral junto a esses alunos, e
descobriu-se que esses pais “evangélicos tradicionais” precisavam usar a
repressão/agressividade para tudo; logo, batiam muito nas crianças, o que agravava,
aparentemente, esse comportamento agressivo dos estudantes no espaço escolar. Além
disso, alguns alunos apresentavam um histórico de fracasso escolar e defasagem de
faixa etária, segundo padrões do MEC.
Dessa maneira, coube à E.M. Thomé de Souza, além de trabalhar as atividades
gerais pré-estabelecidas pela Secretaria Municipal de Educação, combater os muitos
casos de analfabetismo e analfabetismo funcional, que chegaram à escola com essa
mudança social do perfil da comunidade escolar. No que tange especificamente à
escrita, a escola ainda encontra muitas dificuldades com a produção de seus alunos, em
diversos aspectos, como, por exemplo, coesão, pontuação e uso de variantes linguísticas
de prestígio. Faz-se necessário, portanto, para a diagnose da realização pronominal dos
alunos, considerar as questões sociais referentes à comunidade descrita.
Para a realização da presente pesquisa, recorreu-se à investigação do quadro
pronominal em um corpus constituído, especificamente para este propósito, a partir da
seleção de uma amostra do gênero caracterizado como redações escolares, conforme
estabelecido por Marcuschi (2002). As redações foram escolhidas entre as que os alunos
produziam para avaliação bimestral da rede municipal; portanto, não foi possível
interferir na escolha da proposta de produção textual. Dessa maneira, os textos
apresentam predominância do modo narrativo de organização do discurso (cf.
64 reprodução adiante), de acordo com as propostas elaboradas pelos organizadores das
provas bimestrais14.
A fim de observar se haveria progresso na aquisição de algumas variantes
características da escrita escolarizada, a ideia inicial era selecionar todas as turmas de 6°
e 9° anos da escola, para realizar a comparação. Para tanto, a pesquisadora solicitou à
coordenação a cessão das redações escolares para a constituição do corpus da pesquisa.
Entretanto, isso não foi totalmente possível, uma vez que alguns professores se
esqueceram da solicitação e devolveram as provas de algumas turmas antes que
pudessem ser fotocopiadas. Dessa maneira, no primeiro bimestre, foram selecionadas as
redações de quatro turmas distintas, duas de sexto ano e duas de nono. Dessas mesmas
turmas, foram recolhidas novas redações, produzidas no quarto bimestre letivo, para
verificar se houve diferenciação no uso das variantes, com o passar do ano; entretanto,
não foi possível coletar o mesmo número de redações escolares do primeiro bimestre15.
Uma situação surgiu no período entre as coletas: uma das turmas de sexto ano
apresentou rendimento escolar muito abaixo do esperado no primeiro bimestre, e alguns
alunos foram diagnosticados como analfabetos funcionais. A fim de realizar um
trabalho específico com essa turma, o Conselho Escola Comunidade (CEC) decidiu
reduzir o número de alunos, para formar uma turma especial, e redistribuir os que não
ficariam nesse grupo, pelas demais turmas de sexto ano da escola. Dessa maneira, o
número de redações escolares dessa turma foi reduzido do primeiro para o quarto
bimestre praticamente pela metade.
Outro aspecto foi relevante na escolha das redações escolares para a composição
do corpus. Os alunos da escola são enturmados por idade, e organizados nos turnos de
maneira que os mais novos tenham aulas pela manhã, e os mais velhos, à tarde. Há
anos, os resultados das avaliações da escola indicam que o turno da manhã possui um
rendimento escolar melhor do que o dos alunos que frequentam à tarde. Embora isso
não seja resultado de uma pesquisa quantitativa, essa diferença de desempenho vem
sendo referida pelos professores em todos os Conselhos de Classe, e ratificada pelo
14 Na rede municipal de ensino, algumas avaliações são aplicadas em massa. Uma equipe de Língua Portuguesa elabora tanto as propostas de Produção Textual quanto as Provas de Leitura. Dessa maneira, o professor não tem livre arbítrio na escolha dos temas das redações escolares. 15 Faz-se necessário esclarecer que, em contexto de escola pública, especificamente da rede municipal, a assiduidade e permanência no ano letivo ainda é um desafio. Decorre disso, portanto, a impossibilidade de coletar o mesmo número de redações escolares em datas distintas.
65 número superior de alunos que recebem menções honrosas no turno matinal. Portanto, a
fim de verificar se isso poderia interferir nos resultados, as quatro turmas foram
selecionadas de modo que houvesse uma turma da manhã e outra da tarde para cada ano
escolar.
A constituição desse corpus se deu, em síntese, por meio da coleta de redações
escolares produzidas pelos alunos da E.M. Thomé de Souza. Tais redações foram
selecionadas e distribuídas sistematicamente de acordo com o nível de escolaridade dos
alunos (6° e 9° anos do ensino fundamental), o bimestre em que as redações foram
escritas (1º e 4° bimestres) e o turno escolar das turmas selecionadas (manhã e tarde).
Observe-se o quadro a seguir, que pode demonstrar, de acordo com tais aspectos, como
se organiza o corpus da análise.
Quadro 5 – Composição do corpus: número de redações por ano de escolaridade, bimestre letivo e turno
escolar.
O número de redações escolares difere de acordo com os anos escolares, uma
vez que as turmas de 6° ano são menores do que as de 9° ano. Como mencionado
anteriormente, a falta de assiduidade dos alunos não permitiu que fosse coletado o
mesmo número de redações de cada turma. Em virtude disso, estabeleceu-se que o
menor número encontrado em cada ano escolar seria, na medida do possível, a
referência para a amostra. Observe-se, portanto, que foram selecionadas 24 redações de
cada turma de 6° ano (excetuando-se um bimestre letivo, em virtude da redução de uma
turma) e 29 redações de cada turma de 9° ano, tendo-se reunido um total de 201 textos.
A sistematização demonstrada no quadro acima referente à constituição do corpus
Escolaridade Bimestre Turno Totais parciais
6º ano 1° bimestre Manhã 24
Tarde 24
4° bimestre Manhã 24
Tarde 13
9º ano 1° bimestre Manhã 29
Tarde 29
4° bimestre Manhã 29
Tarde 29
Total Geral 201
66 corresponde à distribuição dos textos de acordo com as variáveis extralinguísticas, que
serão descritas em subseção posterior.
Para a constituição do corpus, não foi possível considerar de forma estratificada
o gênero do estudante, uma vez que havia uma desigualdade entre número de meninos e
meninas das turmas selecionadas. Em relação à classe social, sabia-se que os jovens
estudantes eram moradores das comunidades do bairro onde se localiza a escola,
caracterizadas como de baixa renda, como já mencionado anteriormente. Quanto ao
nível de escolaridade de seus responsáveis (pai/mãe/avós/tias/madrinhas/etc.), que
poderia interferir nos conhecimentos que os alunos trariam para a escola, sabia-se, por
acesso às fichas dos alunos, disponibilizadas pela secretaria da escola, que a maioria não
havia concluído o ensino fundamental e nenhum responsável possuía nível superior
completo. Não foi realizada, entretanto, uma estratificação específica em relação a esse
aspecto, pois não houve tratamento individual dos autores das redações escolares.
Quanto à faixa etária dos alunos, houve um controle indireto, uma vez que eles estavam
divididos em anos escolares. Os alunos do 6° ano tinham entre 11 e 13 anos, e os alunos
do 9° ano tinham entre 14 e 16 anos.
Como já mencionado anteriormente, houve predominância do tipo narrativo de
organização do discurso no gênero escolhido para a composição do corpus, uma vez que
as propostas elaboradas pela SME/RJ determinavam esse perfil do texto. Para o
primeiro bimestre, a proposta de produção textual foi a seguinte:
TEMA: Escolha um personagem de um dos livros que leu neste
bimestre e escreva uma nova história em que ele será o personagem
principal. Essa nova história acontecerá em um outro espaço, um mundo
mágico em que tudo é possível. Conte como a história começa, o que
acontece com o personagem e como a história termina.
Ainda no mesmo bimestre, a proposta para o 9° ano era a seguinte:
TEMA: Escreva um pequeno conto em que o protagonista seja um dos
personagens de um livro que você leu neste bimestre. Lembre-se da
estrutura do conto: situação inicial, conflito gerador, clímax e desfecho.
No quarto bimestre, foi elaborada esta proposta para o 6° ano:
TEMA: Escolha uma história que você tenha lido neste bimestre e de
que tenha gostado. Escreva a continuidade da história, contando o que
67
aconteceu após o seu desfecho. Nessa nova história, você pode levar os
personagens para um outro tempo e para um espaço diferente. Além
disso, pode incluir novos personagens. Lembre-se de que o seu texto
deve apresentar situação inicial, complicação – do conflito gerador ao
clímax – e desfecho.
Finalmente, o 9° ano do quarto bimestre teve a seguinte proposta:
TEMA: Escreva uma crônica narrativa a partir de uma situação
apresentada em um dos livros lidos por você neste bimestre. Lembre-se
da estrutura dos textos de base narrativa e das características de uma
crônica.
As propostas acima muito se assemelham entre si; logo, supôs-se que os textos
apresentariam perfis aproximados. Percebe-se uma preocupação em relação à estrutura
do modo narrativo de organização do discurso; os alunos são convidados a colocar em
prática, em suas produções textuais, a ordem canônica da narrativa: “situação inicial,
conflito gerador, clímax e desfecho”. Cabe destacar que os textos deveriam ser baseados
em livros que os alunos supostamente teriam lido naquele bimestre letivo, a fim de
aumentar seu repertório de leituras. No entanto, como essa leitura era livre, muitos
alunos – inclusive os de 9° ano, de quem se esperava maior comprometimento com os
estudos – não escolhiam obras para a leitura e baseavam suas produções textuais em
contos clássicos conhecidos, como Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos,
Branca de Neve e outros do mesmo gênero, ou mesmo em filmes conhecidos, como
Batman, Os Vingadores e Velozes e Furiosos.
Por se tratar de propostas que exigiam a predominância do modo narrativo de
organização do discurso em 3ª pessoa, acredita-se que haveria mais ocorrências de
acusativo dessa pessoa do que as demais funções das outras pessoas pronominais – o
que se confirmou, como se pode observar no Quadro 6, adiante. Entretanto, como se
objetiva realizar uma diagnose do quadro pronominal em uso em geral na amostra da
E.M Thomé de Souza, procedeu-se ao levantamento de todas as ocorrências de
nominativo de 1ª pessoa do plural e de 2ª pessoa do singular, e de acusativo e dativo de
1ª pessoa do plural, 2ª pessoa do singular e 3ª pessoa do singular e do plural, além das
variantes pronominais da função reflexiva das três pessoas. No total, foram encontrados
500 dados, distribuídos no quadro a seguir, cujos resultados serão explorados no
capítulo referente à análise.
68
Tabela 5 - Total de dados de cada tipo de pronome distribuídos por variáveis extralinguísticas.
2.2.2. A descrição das variáveis
Nesta subseção, são descritas as variáveis linguísticas escolhidas para análise,
exemplificadas com dados retirados do corpus16. Uma vez que não houve uma
distribuição homogênea do quantitativo de dados por tipo pronominal em estudo – o que
possibilitaria também o tratamento com base em frequências e índices probabilísticos –,
optou-se por uma análise mais qualitativa das ocorrências encontradas. No que se refere
ao acusativo anafórico de 3ª pessoa, porém – por ter apresentado número
significativamente maior de dados –, seu tratamento será feito, também, por meio de
uma análise quantitativa sociolinguística. Assim, justifica-se que a descrição da regra
variável referente à expressão de objeto direto de 3ª pessoa será feita com mais detalhes
com base na metodologia variacionista, após a descrição dos usos relativos aos demais
pronomes em estudo.
16 Não foram encontradas ocorrências de todas as variantes elencadas, o que justifica a ausência de exemplos em alguns casos.
Ano escolar
Bimestre Turno Nom.
1ª
Nom.
2ª
Acus.
1ª
Acus.
2ª
Acus.
3ª
Dat.
1ª
Dat.
2ª
Dat.
3ª
Refl.
3ª
Totais parciais por ano escolar
6º ano 1° bimestre
Manhã 2 2 - 1 44 - - 4 - 53
Tarde 1 8 1 - 24 1 - 1 7 43
4° bimestre
Manhã - - - - 56 - 2 8 2 69
Tarde - - - - 24 - - - - 24
9º ano 1° bimestre
Manhã 1 3 14 3 82 7 - 9 8 132
Tarde - 1 - - 64 1 - 9 15 90
4° bimestre
Manhã - - - - 36 - - 3 4 43
Tarde - 2 - 2 43 - - 5 - 52
Totais parciais por variáveis extralinguísticas
4 16 15 6 373 9 2 39 36
Total Geral 500
69
VARIÁVEIS
VARIANTES PRONOMINAIS
Nominativo Acusativo Dativo Reflexivo 1ª PESSOA nós, a gente nos, nós, a
gente nos, (a/para)
nós, (a/para) a gente
me, nos, nós mesmos, a
gente mesmo, se
2ª PESSOA tu, você te, lhe, o, a, tu, você
te, lhe, (a/para) você
te, tu mesmo, você mesmo,
vocês mesmos, se
3ª PESSOA ----17
o, os, a, as, ele, eles, ela, elas
lhe, lhes, (a/para), ele, eles, ela, elas
se, si, ele mesmo, ela
mesma
Quadro 6 – Descrição das variantes pronominais elencadas pela literatura para cada pessoa discursiva e função.
(I) Pronomes na função de sujeito
Para a função nominativa de 1ª pessoa do plural, presumia-se que haveria uso
dos pronomes nós e a gente.
(1) a.“os dinossauro passo e agente viu” (Redação 010, turma 1603, 1° bimestre)
b. “Então está bom nós já vamos” (Redação 029, turma 1604, 1° bimestre)
Quanto à função nominativa de 2ª pessoa do singular, esperava-se encontrar
ocorrências tanto dos pronomes tu18 e você como da forma de tratamento o senhor/ a
senhora.
(2) “senhora você que um pouco de água porque você esta passando muito mal mesmo”
(Redação 017, turma 1603, 1° bimestre)
(II) Pronomes na função de objeto
No que se refere ao acusativo fórico de 1ª pessoa, acreditava-se que haveria
dados de pronomes clíticos (me, nos), de pronomes lexicais (nós, a gente) e de objeto
nulo.
(3) a. “ele falaro você sauvo gete”19 (Redação 033, turma 1604, 1° bimestre)
17 Essa lacuna é justificada pelo fato de que as formas pronominais do sujeito de 3ª pessoa não são estudadas no presente trabalho. 18 Pela falta de ocorrência desta variante, não houve como ilustrá-la.
70 b. “Algum dia essa nossa amiga irá nos chamar” (Redação 106, turma 1901, 1° bimestre)
Para o acusativo fórico de 2ª pessoa, previa-se que seriam encontrados
pronomes clíticos (te, lhe, o/a), pronomes lexicais (tu, você, vocês) e objeto nulo.
(4) a.“me da a cesta se não eu vou te devora chapeuzinho” (Redação 062, turma 1603, 4°
bimestre)
b. “Olá Hussi eu sou Mauricio... Nós queremos adotar você” (Redação 101, turma 1901, 1°
bimestre)
Em relação às variantes representativas do dativo fórico de 1ª pessoa, eram
esperadas as seguintes ocorrências: o pronome clítico (me, nos), o pronome lexical
(a/para nós, a/para a gente) e o objeto indireto nulo.
(5) a. “me da a cesta se não eu vou te devora chapeuzinho” (Redação 062. turma 1604,1°
bimestre)
b. “irá nos chamar e nos estender a mão” (Redação 106, turma 1901, 1° bimestre)
Quanto ao dativo fórico de 2ª pessoa, eram previstas as seguintes variantes: o
pronome clítico (te, lhe, lhes), o pronome lexical (a/para você, a/para vocês) e o objeto
indireto nulo.
(6) “chapelzinho vermelho estava indo Leva Lanche Para Sua Vo... o lobo falo cauma
não vo fazer mal a você vo vim te da um Bam dia”20(Redação 032, turma 1604, 1° bimestre)
19 Esse exemplo contém uma ocorrência encontrada no pacote de redações da turma 1604. Ao final do 1° bimestre, conforme já se esclareceu, foi realizada uma “avaliação diagnóstica” – disponibilizada pela SME/RJ – a partir da qual, alguns alunos foram considerados analfabetos funcionais. Nessa turma, havia alunos com dificuldades extremas em relação à escrita. Nesse exemplo específico, o aluno quis escrever o seguinte: “Eles falaram: - Você salvou a gente.”. 20 De modo semelhante ao exemplo 3a, segue a reescritura deste exemplo (6a): “Chapeuzinho Vermelho estava indo levar lanche para sua vó... O lobo falou: - Calma, não vou fazer mal a você. (Vou) Vim te dar um bom dia.”.
71
Em relação ao dativo anafórico de 3ª pessoa, acreditava-se que os alunos
produziriam as seguintes variantes: pronome clítico (lhe), o sintagma preposicionado
(SP anafórico) e o objeto indireto nulo.
(7) a. “Então os três ursos chegaram e viram os estragos, mais cachinhos dourados
havia acordado e pediu desculpas pros ursos”. (Redação 049, turma 1603, 4° bimestre)
b. “ele criava na sua mente um deus (...) Até que o “Deus” da mente de disse que
lhe daria um diário” (Redação 104, turma 1901, 1° bimestre)
No que se refere à função reflexiva de 1ª, 2ª e 3ª pessoas, era possível o
aparecimento das seguintes variantes: clíticos reflexivos (me, te, se, nos) com relação de
concordância, clítico reflexivo sem relação de concordância (se), pronome lexical
seguido de mesmo (nós mesmos, a gente mesmo, você mesmo, ele mesmo, ela mesma) e
o apagamento do clítico21.
(8) “ela se inscreveria em um concurso que ganharia, uma bolsa no exterior... (Redação
138, turma 1902, 1° bimestre)
O acusativo de 3ª pessoa anafórico, tal qual mencionado anteriormente,
necessita, dado o grande número de dados observados nas redações, de um tratamento à
parte, com especificação de quais variáveis – linguísticas e extralinguísticas – seriam
relevantes para a escolha de uma ou outra variante. Segue-se, então, o conjunto de
grupos de fatores estabelecidos para o tratamento desse fenômeno linguístico.
(i) Variável dependente
Com base no que é disposto pela literatura, foram estabelecidas quatro variantes
para expressar o objeto direto anafórico de 3ª pessoa.
1) O pronome clítico:
21 Duarte e Ramos (2015), a partir de pesquisas anteriores (Cf. Capítulo 1), mapeiam essas quatro variantes para a função reflexiva. No caso desta pesquisa, como não houve ocorrências de todas as formas, só há exemplo da variante encontrada no corpus.
72 (9) “Mas um belo dia eles viram pessoasi saindo da cidade mágica, e asi seguiram”
(Redação 006, turma 1603, 1° bimestre)
2) O pronome lexical:
(10) “A entidade viu que Wander tinha a espadai sagrada e ficou surpreso possuir elai”
(Redação 087, turma 1901, 1° bimestre)
3) O sintagma nominal SN:
(11) “A idosai estava no celular... Eles não denunciaram a idosai” (Redação 146, turma 1901,
4° bimestre)
4) O objeto nulo:
(12) “me dá a cestai... eu não vou da [Ø]i porque a vovó vai ficar sem” (Redação 062, turma
1603, 4° bimestre)
Especificamente no que tange à variante sintagma nominal, observaram-se
também, de maneira semelhante ao que foi realizado na pesquisa de Santana (2016), os
seguintes casos:
a) O SN idêntico, que remete a uma expressão nominal exatamente igual ao SN
antecedente:
(13) “e Jasoni ficava preocupado (...) Com fome, Emily atacou Jasoni” (Redação 133, turma
1902, 1° bimestre)
b) O SN semelhante, que apresenta expressões nominais com apenas o núcleo idêntico
ao do antecedente:
(14) “Ele diz: você temque vencer a rainha do geloi e Luna chegou la e venceu a
rainhai” (Redação 029, turma 1604, 1° bimestre)
73 c) O SN sinônimo, que envolve expressões nominais diferentes do SN antecedente e
sem o mesmo núcleo:
(15) “Aconteceu um atropelamento envolvendo um casal com um bebêi e uma idosa... I
o casal estava parado em frente ao shopping admirando a criançai” (Redação 145, turma 1901,
4° bimestre)
Para essa separação, a autora (Santana, 2016) se baseou nos resultados de
Machado (2006), que encontrou baixíssimo índice do uso de SN sinônimos em escrita
escolar, considerando o intervalo de escolaridade da 4ª série do Ensino Fundamental ao
3° ano do Ensino Médio.
(ii) Variáveis independentes
Considerando as variáveis que se mostraram relevantes na pesquisa de Santana
(2016) – também com base na escrita escolar –, foram estabelecidos oito grupos de
fatores que poderiam condicionar a ocorrência de uma ou outra variante: cinco variáveis
linguísticas e três extralinguísticas.
Variáveis linguísticas
1) Natureza do antecedente do acusativo anafórico
a) SN sintagma nominal:
(16) “então ele foi tentar achar a saídai (...) batimam ajudou ele e bateu no inimigo dele
ele achou a saída” (Redação 024, turma 1603, 1° bimestre)
b) Oração:
(17) “O rapaz a convida pra sair e Raquele logo aceita [Ø]” (Redação 140, turma 1902, 1°
bimestre)
Tanto na fala quanto na escrita, não é comum que os brasileiros retomem um
antecedente oracional com o clítico acusativo. Para tanto, em geral, fazem uso do objeto
não expresso, também chamado de objeto nulo (Cf. FREIRE, 2005). Dessa maneira,
74 espera-se que os dados de clíticos acusativos do corpus – e das demais variantes, à
exceção do objeto nulo – retomem apenas antecedentes SNs.
2) Animacidade do antecedente
a) Animado:
(18) “R101 (A menina) Elai quase morre mais vem um menino e ajuda elai...”(Redação
101, turma 1901, 1° bimestre)
b) Inanimado:
(19) “um dia um senhor estava distribuindo o convitei mais sua madrasta viu e pegou o
convite” (Redação 007, 1603, 1° bimestre)
Pesquisas anteriores apontam essa variável linguística como altamente relevante
ao condicionamento de uma ou outra variante. Conforme apontam Omena (1978),
Duarte (1986) e Freire (2005), entre outros, o traço + animado do antecedente é o maior
favorecedor do aparecimento do pronome lexical ele em função acusativa; ao mesmo
tempo, oferece resistência ao aparecimento do objeto nulo. Como o pronome lexical é a
variante mais estigmatizada, espera-se que as ocorrências desta variante, nas turmas de
9° ano, sejam mais comuns em contextos de antecedente + animado.
3) Função sintática do antecedente:
a) Igual:
(20) “bem viu um alieniginai... e o bem jogou o alieniginai lá... (Redação 037, turma 1604, 1
bimestre)
b) Diferente:
(21) “mas ele acaba se apaixonando por bella swani uma humana ele tenta não amar elai
e se afasta” (Redação 108, turma 1901, 1° bimestre)
Em relação a essa variável, pesquisas anteriores (Cf. Omena (1978), entre
outras) indicam que um antecedente que exerce a mesma função sintática que o
75 acusativo anafórico favorece o uso da variante objeto nulo. Nesse caso, acredita-se que
as ocorrências do clítico acusativo e das demais variantes tenham preferência por um
termo de função sintática diferente como antecedente.
4) Estrutura sintática da frase
A estrutura de argumentos internos projetada pelo predicador verbal também foi
analisada nos dados do corpus. Os predicadores verbais em questão revelaram a
projeção das seguintes estruturas:
Estruturas simples
a) S V OD:
(22) “cinderelai não vai... O príncipe amou Cinderelai”(Redação 014, turma 1603, 1° bimestre)
b) S V OD OI:
(23) “uma vez a mãe de chapeuzinho pediu para levar docesi para sua vó (...)
chapeuzinho deu seus docesi para a sua vo” (Redação 070, turma 1603, 4° bimestre)
c) S V OD Oblíquo22:
(24) “ao acordar Hayllai se depara com um belo jovem... o meninai levou em casa”
(Redação 111, turma 1603, 4° bimestre)
Estruturas complexas
d) S V OD + predicativo:
(25) “Menendezi tinha matado seu pai (...) - Eu não posso deixar Menendezi vivo”
(Redação 099, turma 1901, 1° bimestre)
e) S V OD + verbo no infinitivo:
(26) R183 Mas ela vê que estava sem os documentos do carro e foge do policiali,
fazendo elei seguir ela (Redação 183, turma 1902, 4° bimestre)
f) S V OD + verbo no gerúndio:
22 Esse padrão oracional foi baseado na tipologia apresentada por Duarte (1986 apud Duarte e Ramos, 2015). Nesse padrão de transitividade, o complemento oblíquo corresponde aos complementos relativo e circunstancial, descritos em classificações tradicionais como a de Rocha Lima (1972).
76 (27) “não sabia que elai (minha amiga) sempre ia no mercado para roubar (...) Chegando
no mercado entramos na sessão de bebidas alcoolicas e eu vi elai colocando uma garrafa
de vinho dentro de uma bolsa” (Redação 129, turma 1902, 1° bimestre)
Estudos anteriores (cf. OMENA (1978), DUARTE (1986), FREIRE (2005),
entre outros) indicam que, nas estruturas complexas – nas quais o termo anafórico
exerce “dupla função” –, há um forte favorecimento do ele acusativo, tanto na fala
quanto na escrita. Isso decorre do fato de que esse termo anafórico que recebe caso
acusativo funciona como sujeito da oração seguinte. Além disso, segundo Duarte
(1986), a estrutura S V OD é a única em que ainda se verificam dados de clítico
acusativo na fala. Com base nisso, espera-se encontrar no corpus mais ocorrências do
clítico acusativo na estrutura simples S V OD e mais do pronome lexical nas estruturas
complexas (S V OD + predicativo; S V OD + verbo no infinitivo; e S V OD + verbo
no gerúndio).
5) Distância entre o antecedente e o termo anafórico:
a) Perto:
(28) “perto do shopping onde se encontra um casali e uma idosa atropelados... ela não
viu e atropelou um casali” (Redação 162, turma 1901, 4° bimestre)
b) Longe:
(29) “Cinderela é uma jovem muito bonitai (1° parágrafo) e ele decidiu levar elai e assim
foi a vida (5° parágrafo)” (Redação 123, turma 1902, 1° bimestre)
Para codificar essa variável, seguiu-se a metodologia de Santana (2016). A
autora adotou a medida estrutural de cinco orações entre o termo antecedente e o
acusativo anafórico para considerar [+ distante]. Essa distância estabelecida decorreu do
fato de que, no corpus analisado pela referida autora, não havia uma paragrafação
regular; portanto, não era possível determinar como mais distante o termo que estivesse
no parágrafo anterior. A presente investigação também não encontrou uma
77 padronização quanto ao modo de organização dos parágrafos nas redações escolares
analisadas; então, foi necessário adotar o procedimento proposto por Santana (2016).
A presente investigação ainda apoiou-se na hipótese – verificada por Xavier
(2015 apud SANTANA, 2016) – de que, se o antecedente estivesse mais distante do
acusativo anafórico, provavelmente a variante escolhida pelo aluno para a retomada
seria um sintagma nominal, a fim de manter a clareza da referência.
Variáveis extralinguísticas
1) Ano escolar:
Como as pesquisas anteriores (Cf. Averbug (2000), Freire (2005), entre outros)
indicam que o processo de letramento introduz o clítico acusativo na escrita escolar,
buscou-se averiguar se haveria mudança de comportamento linguístico do 6° ano para o
9° anodo Ensino Fundamental. Espera-se, portanto, que haja mais ocorrências de
pronomes clíticos no 9° ano e menos usos de pronomes lexicais.
2) Bimestre letivo:
A partir dessa variável extralinguística, apresente pesquisa busca verificar se
houve algum favorecimento da variante padrão (clítico acusativo) ao final do 4°
bimestre letivo. Admite-se, entretanto, que um ano não é suficiente para introduzir
formas padronizadas na escrita escolar, uma vez que essa implementação é fruto de anos
de escolarização. Ainda assim, controlou-se essa variável para investigar a suposta
estabilidade de comportamento linguístico dentro do mesmo ano escolar.
3) Turno escolar:
Essa variável extralinguística é diretamente relacionada a dois fatores sociais do
grupo escolar em estudo: (1) os alunos da manhã são mais novos e nunca repetiram,
enquanto os alunos da tarde são mais velhos e alguns estariam repetindo o ano escolar;
(2) os alunos da tarde são considerados mais indisciplinados e com menor rendimento
escolar do que os da manhã, o que foi atestado nos resultados das avaliações externas
(provas da SME). Nesta investigação, acredita-se que os alunos do segundo turno,
78 devido aos fatores mencionados, produzam mais ocorrências da variante estigmatizada
(pronome lexical).
2.2.3. O tratamento dos dados
Para a realização desta investigação sobre o uso do quadro pronominal por alunos de
uma escola municipal da cidade do Rio de Janeiro, foram necessários alguns
procedimentos. Uma vez levantadas as ocorrências pronominais no corpus de redações
escolares, procedeu-se à análise da distribuição pronominal nas quatro funções
escolhidas previamente.
Percebeu-se que o número de dados era, como se supôs, desigual para cada contexto
linguístico pré-estabelecido, o que inviabilizou o tratamento do mesmo modo para cada
função analisada. Os dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa superaram em número
as ocorrências das demais funções. Essa diferença quantitativa era esperada nesta
investigação, uma vez que o modo de organização do discurso solicitado nas produções
textuais – narrativa em 3ª pessoa – favorece a presença de dados anafóricos de 3ª
pessoa. Dessa maneira, foi realizada também uma análise quantitativa, com base em
rodadas multivariadas no programa de estatística Goldvarb X, para o tratamento do
acusativo anafórico de 3ª pessoa. Para as demais variáveis linguísticas em estudo, cujo
número de ocorrências não permitia igual tratamento, a descrição foi baseada apenas
nas frequências, acompanhada da observação do comportamento das ocorrências dos
fenômenos em estudo.
Em relação ao acusativo anafórico de 3ª pessoa, em vista do tratamento
variacionista, fazem-se necessárias algumas considerações quanto aos procedimentos
adotados para tornar possível a análise.
Uma vez coletados os dados, fez-se uma rodada geral inicial, que revelou a
distribuição das ocorrências por todas as formas de preenchimento do objeto direto, com
valores absolutos e percentuais – o que permitiu verificar quais variantes foram mais ou
menos utilizadas pelos alunos. Antecipando os resultados gerais, salienta-se que a
tendência geral do corpus, salvo construções aparentemente cristalizadas, é o não
79 preenchimento do OD, quando em retomadas de antecedentes oracionais, como se pode
observar no exemplo a seguir:
(30) “ela mandou matar-lai. A Branca de neve descobriu [Ø]i e fugiu” (Redação 067, turma
1603, 4° bimestre)
Com base nesse resultado geral, foram realizadas duas rodadas multivariadas
com o programa, a fim de verificar a probabilidade de ocorrência de uma ou outra
variante diferente dessa ordem geral não marcada – especificamente foram escolhidos o
clítico acusativo e o pronome lexical como valor de aplicação. Considerando os grupos
de fatores controlados e os pesos relativos atribuídos a cada fator desses grupos no
favorecimento de certa variante (clítico ou pronome lexical) contraposta a todas as
demais, foram observados quais elementos poderiam condicionar os usos encontrados.
Foi realizada, também, uma rodada multivariada com o objeto nulo como valor de
aplicação, cujos resultados não acrescentaram informações distintas relevantes.
A primeira rodada multivariada teve como valor de aplicação o pronome clítico,
que foi contraposto a todas as demais variantes. O programa, ao selecionar os grupos de
fatores relevantes ao condicionamento dos dados, atribuiu significância .00 e input .15
de tendência à variante padrão.
Na ocasião, houve dados categóricos (knockouts) nos grupos antecedente do
acusativo anafórico e estrutura sintática da frase. No primeiro grupo, as 15 ocorrências
com antecedentes oracionais eram majoritariamente da variante objeto nulo – além de
dois dados, um de pronome clítico e outro de sintagma nominal, que configuravam usos
mais cristalizados. Esses dados serão expostos na Seção 2.3.3.
Como nessa primeira rodada o grupo de fatores antecedente do acusativo não foi
selecionado, optou-se por retirar todos os dados com antecedentes oracionais, dada sua
particularidade na configuração da regra variável no PB: efetivamente, não se conta
com todas as formas alternantes previstas, como ocorre com os antecedentes do tipo SN.
Cabe salientar que, a partir dessa escolha metodológica, o número total de dados passou
de 373 para 358.
Para o segundo grupo com dados categóricos, a estrutura sintática da frase,
amalgamaram-se as estruturas por semelhanças sintáticas: construções bitransitivas – S
80 V OD OI e SV OD Oblíquo; e estruturas com predicados complexos – SV OD +
predicativo,SV OD + verbo no infinitivo e SV OD + verbo no gerúndio.
A segunda rodada multivariada considerou o pronome lexical – variante
supostamente estigmatizada na escrita formal – como valor de aplicação. Uma vez que
alguns fatores já haviam sido amalgamados nos grupos organizados para a rodada
referente ao clítico acusativo, não havia mais knockouts. Nessa segunda etapa, o
programa selecionou os grupos de fatores relevantes ao condicionamento com
significância .04 e input .13 de tendência ao pronome lexical.
Na próxima seção, são discutidos os resultados das análises realizadas na
presente investigação quanto a cada variável linguística em estudo.
2.3. Análise e interpretação dos dados
Nesta seção, são realizadas a análise e a interpretação dos dados encontrados nas
redações escolares investigadas na presente pesquisa, em relação a todas as funções em
estudo. Como o acusativo anafórico de 3ª pessoa teve um tratamento diferenciado dos
demais fenômenos variáveis em estudo (cf. subseção 2.3.3), a análise dos demais
pronomes foi dividida nas duas subseções iniciais. Na subseção (2.3.1), apresentam-se
os resultados acerca dos pronomes na função de sujeito. A segunda subseção (2.3.2)
descreve os resultados em relação aos pronomes que funcionam como objeto. Por fim, a
terceira subseção (2.3.2) aborda o tratamento dispensado aos pronomes acusativos de
3ª pessoa.
2.3.1. Pronomes na função de sujeito
I. Nominativo de 1ª pessoa
A falta de um quantitativo relevante desses dados já era esperada, considerando
que o uso do tipo narrativo de organização do discurso em 3ª pessoa não favorecia
construções em 1ª pessoa. Acreditava-se, contudo, que as variantes nós e a gente
poderiam surgir nos diálogos entre os personagens das narrativas.
81
De todas as 201 redações escolares analisadas, foram encontrados 4 dados para a
expressão do sujeito de 1ª pessoa do plural – 2de a gente em redação do 6º ano e 2 de
nós, sendo um em turma do 6° ano e outro em turma do 9° ano (1° bimestre) – listados a
seguir.
(31) a. “os dinossauro passo e agente viu porque agente passo pelo túnel perdido”
(Redação 010, turma 1603, 1° bimestre)
b. “Então está bom nós já vamos”(Redação 029, turma 1604, 1° bimestre)
c. “e agora nós somos namorados” (Redação 139, turma 1902, 1° bimestre)
Com esse número irrisório de dados, não se pode realizar, por motivos óbvios, a
análise observando os contextos favorecedores de nós ou de a gente, conforme feito por
Omena (1978; 1986) e Lopes (1993), por exemplo. Entretanto, podem ser tecidos dois
comentários de natureza linguística. Ao considerar esses dados dentro do contexto – ou
seja, analisando o caráter referencial dessas variantes pronominais em cada redação
especificamente – percebe-se que todos apresentam o traço [+ determinado], pois não
eram utilizados para a indeterminação do sujeito. Isso se assemelha aos resultados de
Callou e Lopes (2004) – sobre falantes cultos e não cultos do Rio de Janeiro – acerca do
aumento generalizado de a gente para contextos tanto de referência determinada quanto
de indeterminada. A pesquisa realizada pelas referidas autoras mostrou que os
contextos de referência determinada – que antes eram exclusivos da forma nós –
começaram a ser preenchidos também pelo pronome a gente. Entre os grupos de fatores
linguísticos controlados por Omena (1986) e também por Lopes (1993), nessas
ocorrências citadas, foi possível perceber, no dado expresso em (b.), que houve
paralelismo formal e semântico.
Em termos extralinguísticos, chama a atenção o fato de que a forma pronominal
agente ocorreu justamente no texto de um aluno do 6° ano, que apresentava – em sua
redação – muitas dificuldades em relação a padrões de escrita. Provavelmente, a falta de
uso dessa variante linguística – no texto dos outros estudantes – pode ser associada à
concepção de que essa forma pronominal é pouco desejada em textos escritos mais
formais.
82 II. Nominativo de 2ª pessoa
De modo semelhante ao nominativo de 1ª pessoa, não eram esperados muitos
dados para a 2ª pessoa do singular. Embora as propostas de produção textual
selecionadas não determinassem em qual pessoa a história deveria ser narrada, muitos
alunos optaram pela 3ª pessoa em sua escrita. Além disso, muitos alunos também
escolheram não introduzir diálogos em seus textos. Isso reduziu a possibilidade de
ocorrências dos pronomes de referência às pessoas da interlocução (1ª e 2ª).
Considerando os dois anos escolares – assim como as produções desenvolvidas nos dois
bimestres letivos – foram encontrados 16 dados de expressão do sujeito de 2ª pessoa
do singular, em 10 redações diferentes, distribuídos conforme na tabela a seguir.
1603 1604 1901 1902
1° bimestre 2 8 3 1
4° bimestre - - - 2
Total 16
Tabela 6 – Distribuição das ocorrências de nominativo de 2ª pessoa plural entre as turmas.
Novamente, não foi possível realizar uma análise específica, levando em
consideração os contextos favorecedores de tu ou de você/cê/ocê, conforme Paredes
Silva (2003) e Lopes et al. (2009). Ainda assim, alguns aspectos foram observados.
Todos os dados encontrados foram da forma pronominal você. O fato de não ter
aparecido o pronome tu sem marcas de concordância – forma utilizada
preferencialmente no dialeto carioca – pode estar relacionado ao contexto interacional
envolvido. Scherre et al. (2015) indicam que a forma pronominal tu, em contextos de
fala natural, “tende a não ocorrer como a primeira opção nas relações interacionais
iniciais entre não pares e/ou não íntimos” (p. 158). Nas 16 ocorrências encontradas,
além de se tratar de modalidade escrita, o contexto interacional estava associado a um
diálogo entre pessoas com pouco grau de conhecimento ou total desconhecimento.
Esses contextos interacionais certamente não favoreceriam ocorrências da forma
pronominal tu – o que, ao contrário, acabou por gerar o uso absoluto do pronome você.
O dado a seguir ilustra esse aspecto, com o reforço da falta de intimidade com o
interlocutor, demonstrado pelo uso da forma senhora. No segundo dado representado
em (32), é possível notar o paralelismo da forma utilizada com seu referente.
83 (32) a. “senhora você que um pouco de água porque você esta passando muito mal
mesmo” (Redação 017, turma 1603, 1° bimestre)
Os exemplos ilustrados em (33) foram retirados de uma redação em que o aluno
deveria contar uma história de personagem de algum livro lido no bimestre. O aluno
optou por colocar a personagem Alasca Young (Quem é você, Alasca?, de John Green),
narrando sua própria história. Na narrativa, então, a personagem dialoga com o leitor,
chamando-o de você. Nesse contexto, essa forma pronominal assume uma referência
[+genérica], uma vez que o interlocutor pode representar uma diversidade de leitores –
embora esse tipo de referência não constitua um caso de indeterminação máxima. Esse
uso corrobora o que Scherre et al. (2015) afirmam acerca do tipo de referência: “a
referência específica tende a favorecer os usos de tu e a genérica, os usos de você”
(p.169).
(33) a.“Você já se sentiu triste por não poder abraçar os seus amigos?” (Redação 099, turma
1901, 1° bimestre)
b. “Você será a próxima pessoa na lista deste planeta a morrer?” (Redação 104, turma
1901, 1° bimestre)
2.3.2. Pronomes na função de objeto
I. Acusativo fórico de 1ª pessoa
Houve ocorrência de 15 dados de acusativo de 1ª pessoa. Alguns exemplos são
ilustrados em (34).
(34) a. “ele falaro você sauvo gete”23(Redação 033, turma 1604, 1° bimestre)
b. “como assim maxon? o que houve? perguntei. o meu pai não quer nos ver
juntos” (Redação 100, turma 1901, 1° bimestre)
c. “Algum dia essa nossa amiga irá nos chamar” (Redação 106, turma 1901, 1° bimestre)
O número de ocorrências do acusativo de 1ª pessoa também é reduzido, o que
não possibilitou considerações mais conclusivas quanto à atuação de certos fatores,
tanto linguísticos quanto extralinguísticos. Apesar dessa limitação, foi possível verificar
23 “Eles falaram: - você salvou a gente”.
84 uma tendência compatível com o que foi encontrado por Arruda (2006) – com relação
ao corpus do Projeto Nurc (1970) –, cujos resultados foram consistentes quanto ao
favorecimento dos clíticos de 1ª pessoa em relação às demais variantes.
Nas redações escolares analisadas, houve 14 ocorrências do pronome clítico (13
da forma singular me, e 1 da forma plural nos) e 1 ocorrência do pronome lexical (a
gente). Cabe ressaltar que o único dado com o pronome lexical ocorreu na turma de 6°
ano, o que indica uma diferença de uso entre os anos escolares em estudo, e em redação
de aluno com muita dificuldade na expressão escrita. Os demais dados (14) foram
encontrados em 7 redações elaboradas pelas turmas de 9° ano da manhã (1° bimestre).
II. Acusativo fórico de 2ª pessoa
Foram encontrados apenas7 dados de acusativo de 2ª pessoa. Pesquisas
anteriores – acerca do uso dessas variantes em contexto de fala – apontam uma presença
robusta do clítico de 2ª pessoa (te) e também do clítico de 3ª pessoa (lhe) em função
acusativa de 2ª pessoa (Cf. Arruda (2006), entre outros). Na tabela a seguir, são
descritos os dados encontrados no corpus em análise.
1603 1604 1901 1902
1° bimestre 1 1 3 2
4° bimestre - - - -
Total 7
Tabela 7 – Distribuição das ocorrências de acusativo fórico de 2ª pessoa singular entre as turmas.
Apesar do número reduzido de ocorrências dessa função, os dados parecem estar
em conformidade com o que já foi descrito na literatura: dos 7 dados
encontrados,houve6 ocorrências do clítico acusativo (te) – ilustradas em (35 a-) e 1
ocorrência do pronome lexical (você). A única ocorrência do pronome lexical foi
encontrada na turma de 9° ano, conforme ilustrado em (35):
(35) a. “me da a cesta se não eu vou te devora chapeuzinho”(Redação 062, turma 1603, 4°
bimestre)
b.“ai ele aproveitou e couto o coelo tipuro”24(Redação 033, turma 1604, 1° bimestre)
24 “Aí ele aproveitou e contou: - O coelho te empurrou”.
85 c. “e não quero saber mais de você, eu te amava muito mais”(Redação 102, turma 1901, 1°
bimestre)
d. “logo depois ela falou: cala a boca, se não eu vou te arrebentar”(Redação 109, turma
1901, 1° bimestre)
e. “sou um assaltante idiota, e vou te rouba passa tudo”(Redação 120, turma 1902, 1°
bimestre)
f. “ porque minha mãe já dizia quem te leva para a rua”(Redação 129, turma 1902, 1°
bimestre)
g. “Olá Hussi eu sou Mauricio... Nós queremos adotar você” (Redação 101, turma 1901, 1°
bimestre)
III. Dativo fórico de 1ª pessoa
Houve 9ocorrências de dativo de 1ª pessoa. Quanto a essa função, estudos
anteriores (Cf. Arruda (2006), entre outros) apontam a variante clítico dativo como a
preferida para a expressão da 1ª pessoa. Os dados encontrados – embora sejam
reduzidos – parecem corroborar os resultados das pesquisas anteriores: todas as 9
ocorrências foram do clítico dativo, sendo a maioria do singular (me). Essas ocorrências
são listadas a seguir (36).
(36) a. “me da a cesta se não eu vou te devora chapeuzinho” (Redação 062, turma 1603, 4°
bimestre)
b. “irá nos chamar e nos estender a mão”(Redação 106, turma 1901, 1° bimestre)
c. “podem sentando e me explicando tudo” (Redação 103, turma 1901, 1° bimestre)
d. “ minha irmã me pediu para cuidar dos meus dois sobrinhos” (Redação 103, turma
1901, 1° bimestre)
e. “meu chefe me pediu para chamar o domador” (Redação 103, turma 1901, 1° bimestre)
f. “me informaram que o endominos conseguir sair de sua jaula” (Redação 103, turma
1901, 1° bimestre)
g. “daí me ligam outra vez” (Redação 103, turma 1901, 1° bimestre)
h. “daí me ligam outra vez me avisando que meus 2 sobrinhos sumiram” (Redação 103,
turma 1901, 1° bimestre)
i. “me dá essa merda de bilhete moleque” (Redação 121, turma 1902, 1° bimestre)
86
Dos clíticos dativos encontrados, houve 1 ocorrência no 6° ano do ensino
fundamental e 8 ocorrências no 9° ano. Os dados referentes ao 9° ano, por sua vez,
forma encontrados nas duas turmas, tendo sido produzidos por apenas três alunos. Cabe
destacar que 6 das 8 ocorrências deste último ano escolar foram realizadas pelo
informante da redação 103. Em relação a essa redação, é importante ainda esclarecer
que o aluno está narrando uma história, a partir do ponto de vista de uma personagem
do filme Jurassic World. Possivelmente, todas as ocorrências de clíticos dativos foram
reproduzidas com base no texto original – nesse caso, na dublagem do filme. Ao
analisar especificamente as redações em que houve clíticos dativos, percebe-se ainda
que – embora todos os dados tenham sido dessa variante – esse número ainda foi
bastante em comparação ao número total de dados do corpus.
IV. Dativo fórico de 2ª pessoa
No corpus analisado, foram encontrados apenas 2 dados de dativo de 2ª pessoa,
realizados em uma redação de um aluno do 6° ano (turma 1604), ilustrado em (37).
(37) “chapelzinho vermelho estava indo Leva Lanche Para Sua Vo... o lobo falo cauma
não vo fazer mal a você vo vim te da um Bam dia”25(Redação 032, turma1604, 1° bimestre)
Estudos anteriores, referentes à fala, (Cf. Arruda (2000), entre outros) apontam
que, em relação a essa função, há competição entre as formas te, lhe, e você. De acordo
com Duarte e Ramos (2015), dentre essas variantes, a forma te constitui uma
permanência na língua, pois é utilizada mesmo em contextos sem o pronome tu.
As ocorrências encontradas no corpus de redações escolares não foram em
número suficiente para traçar resultados sobre a competição entre te, lhe e você. Ainda
assim, é notável que o mesmo informante utilizou duas dessas variantes em competição
(a você e te), para o mesmo contexto linguístico. Para ampliar a análise, porém, seriam
necessários mais dados.
25 “Chapeuzinho Vermelho estava indo levar lanche para sua vó... O Lobo falou: - Calma, não vou fazer mal a você. Vou vim te dar um bom dia.”
87
V. Dativo anafórico de 3ª pessoa
No que se refere ao dativo anafórico de 3ª pessoa, foram encontrados 39 dados
para a expressão dessa função.
Valendo-se da pesquisa realizada por Freire (2015), que compara dados de
dativo de 3ª pessoa na escrita tanto no PB quanto no PE (Português Europeu), é possível
perceber as diferenças de usos relacionados aos três contínuos já referido no presente
trabalho, a saber: + oralidade/ - letramento; + oralidade/+ letramento; e – oralidade/+
letramento. Alguns gêneros textuais que aparecem no jornal foram escolhidos para
representar cada um desses contínuos, como, por exemplo, história em quadrinhos,
crônicas e reportagens. Dessa maneira, o que Freire (2005) considera mais próximo da
fala, em sua pesquisa, é um texto escrito que representa uma situação da modalidade
oral da língua. O presente trabalho, ao voltar o olhar para um corpus de redações
escolares, analisa textos escritos por alunos em processo de letramento – alguns com
mais ou menos anos de escolaridade. Não se esperavam, assim, resultados tão próximos
aos de Freire (2005), uma vez que o nível de letramento dos textos analisados nas duas
pesquisas em questão é diferente. As redações analisadas estariam mais próximas,
talvez, do primeiro ponto do contínuo: +oralidade/-letramento.
Desse modo, faz-se necessário comparar as ocorrências da presente pesquisa
com os resultados de Freire (2005), aqui retomados. Para o menor nível de letramento, o
autor encontrou 1 dado de clítico dativo (3,5%), 21 dados de SP anafórico (75%) e 6
dados de objeto nulo (21,5%), de um total de 28 dados. Na presente pesquisa, houve 4
ocorrências de clítico dativo (10,3%) e 35 de SP anafórico (89,7%). Não houve
ocorrência de objeto nulo. Esses dados são ilustrados na tabela a seguir.
Dativo anafórico de 3ª pessoa
Pronome clítico SP anafórico Objeto nulo
4/39 10,3% 35/39 89,7% - - Tabela 8 – Distribuição das ocorrências de dativo anafórico de 3ª pessoa nas redações escolares.
Para Freire (2005), a recuperação do clítico dativo lhe na modalidade escrita é
pouco expressiva no PB, diferentemente do que ocorre com a função acusativa, na
mesma pessoa. No PB, observa-se a plena implementação do SP anafórico juntamente
com o objeto nulo. Embora não apresente ocorrências de objeto nulo, os resultados da
88 presente pesquisa revelam algo próximo ao que foi encontrado por Freire (20015):
poucos dados do clítico dativo e mais ocorrências do SP anafórico.
Em relação aos anos escolares analisados, cabe esclarecer que 2/4 dados de
clítico dativo foram produzidos por alunos de 6° ano. Ambos os dados eram referentes a
histórias recontadas de textos de alto grau de letramento: um de literatura infanto-
juvenil e outro de um conto de fadas. Esses dados são ilustrados em (38), a seguir.
(38) a. “a tigreza gigante surreal ficou triste, pois titio avô não lhe deu bom dia” (Redação
015, turma 1603, 1° bimestre)
b. “o primeiro que era o mais preguiçoso... e construiu uma casa de palha, emboro
seus ir ao lhe tenham dito que não era seguro”26(Redação 074, turma 1604, 4° bimestre)
Os outros 2 dados de clítico dativo encontrados no corpus, listados em (39),
foram produzidos por alunos do 9° ano do ensino fundamental.
(39) a. “R104 ele criava na sua mente um deus (...) Até que o “Deus” da mente de disse
que lhe daria um diário” (Redação 104, turma 1901, 1° bimestre)
b. “Sua mãe adoeceu de tanta dor que o filho lhe causou” (Redação 141, turma 1902, 14°
bimestre)
Todas as redações produzidas pelo 9° ano em que havia clíticos dativos foram
baseadas em livros ou filmes, o que aproximava esse texto de nível de letramento maior.
Isso não significa que, ao escrever um texto inventado por si mesmo, esse aluno usaria a
variante padrão. Conforme Freire (2005), a escrita recupera, de forma pouco expressiva,
a variante clítico dativo. Os usos encontrados no corpus analisado na presente pesquisa
também confirmam esses resultados.
6) Reflexivos de 1ª, 2ª e 3ª pessoas
Em relação aos reflexivos, a literatura aponta que não há uma distribuição
regular de seu uso, considerando o território brasileiro (Cf. DALTO (2002), FREITAG
(2003), entre outros). No corpus analisado, foram encontrados 36 dados de função
reflexiva, referentes às 1ª (2/36) e 3ª pessoas (34/36). Essas ocorrências apresentavam a
variante clítico reflexivo nas formas me e se, à exceção do seguinte dado.
26 “O primeiro era mais preguiçoso... e construiu uma casa de palha, embora seus irmãos lhe tenham dito que não era seguro.”
89 (40) a. “Percebeu que o verdadeiro sentido é impressionar-se a si mesma” (Redação 130,
turma 1902, 1° bimestre)
Estudos apontam que a realização da função reflexiva pode ser analisada de
modo igual nas três pessoas do discurso, uma vez que a expressão dessa função atinge
igualmente as três pessoas (Cf. DUARTE e RAMOS, 2015). Dessa maneira, no corpus
de redações escolares, as ocorrências dessa função nas 1ª e 3ª pessoas não foram
analisadas separadamente.
Os dados encontrados na presente pesquisa revelam clíticos reflexivos em
relação de concordância em número e pessoa com seu antecedente. O exemplo (41)
descreve as ocorrências referentes à primeira pessoa.
(41) a. “me encontro em cima da sacada de um edifício” (Redação 099, turma 1901, 1° bimestre)
b. “me deparei com uma moça muito bonita” (Redação 099, turma 1901, 1° bimestre)
Essa redação foi produzida por um aluno de 9° ano, que a escreveu baseado em
um livro de literatura norte-americana. Em todo o texto, é possível perceber a influência
da obra original na escrita do aluno. Embora esse tipo de clítico reflexivo seja recorrente
na fala, provavelmente, esse aluno o utilizou também inspirado no uso da mesma no
texto que o inspirou.
Com relação ao clítico reflexivo se, que apareceu nos outros 34 dados, sua
distribuição entre os anos escolares se deu da seguinte maneira: 9 ocorrências nas
turmas de 6° ano e 25 ocorrências nas turmas de 9° ano do ensino fundamental.
Diferentemente do se nominativo/indefinido, o reflexivo, quando não é apagado,
mantém certa produtividade na fala brasileira. Ademais, pesquisas anteriores revelam
que o clítico reflexivo se, em alguns dialetos, pode ocorrer sem relação de concordância
com o antecedente – nas três pessoas (Cf. DALTO (2002), FREITAG (2003), entre
outros). Uma vez que esses alunos só produziram essa variante em contexto de 3ª
pessoa, não foi possível verificar se havia ou não relação de concordância. Para que isso
fosse verificado, seria necessário encontrar dados produzidos por esses alunos em todos
os contextos.
90
2.3.3. Pronomes acusativos anafóricos de 3ª pessoa
Esta subseção trata exclusivamente da análise variacionista em relação ao
acusativo anafórico de 3ª pessoa. Como referido anteriormente (na Subseção 2.3.3), dos
373 dados encontrados no corpus, foram retirados os de antecedente oracional. Os
dados retirados da análise apresentavam 13 retomadas de oração por meio da categoria
zero, 1 por meio do SN, e 1 por clítico acusativo. A seguir (42), ilustram-se cada uma
dessas categorias.
(42) a. “ela mandou matar-la. A Branca de neve descobriu [Ø] e fugiu” (Redação 067, turma
1901, 1° bimestre)
b. “digo a mim mesma que todos iremos cair um dia, somos programados a fazê-
lo” (Redação 096, turma 1901, 1° bimestre)
c. “Hussi foi para o seu quarto e pegou seus brinquedos, roupas, enquanto seus
amigos faziam o mesmo e ele disse” (Redação 091, turma 1901, 1° bimestre)
Esse número indica uma alta produtividade da variante objeto nulo na retomada
de antecedentes oracionais. A ocorrência tanto do SN quanto do clítico acusativo
representam formas pouco usuais. Esses dois dados foram realizados em redações que
se basearam em filmes ou livros para a construção da narrativa proposta.
A frequência de uso dessas variantes se deu conforme os índices apresentados na
seguinte tabela.
Estratégia de representação do OD anafórico de 3ª pessoa
Valor absoluto Valor percentual
SN anafórico 180/358 50,3%
Pronome clítico 77/358 21,5%
Pronome lexical 65/358 18,1%
Objeto nulo 36/358 10,1% Tabela 9 - Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus de redações escolares de 6° e
9° anos do Ensino Fundamental.
Os resultados da tabela evidenciam alta ocorrência de SN anafóricos (50,3%);
seguido do pronome clítico (21,5%); em terceiro lugar, o pronome lexical (18,1%); e,
por fim, o objeto nulo (10,1%).
Esses resultados gerais diferem um pouco dos encontrados em outros estudos com
redações escolares. Averbug (2000), que estudou as variantes
de 3ª pessoa em textos produzidos por alunos de diferentes níveis de escolaridade,
mostrou o objeto nulo como a estratégia de referência mais usada pelos alunos. Santana
(2016), que investigou as mesmas variantes do acusativo de
alunos do 9° ano do ensino fundamental, encontrou mais ocorrências de SN do que de
objeto nulo.
Os resultados da presente pesquisa aproximam
por Santana (2016) no seguinte aspecto: a variante m
retomada é o sintagma nominal
variante mais utilizada pelos alunos. Os resultados da presente pesquisa diferem dos de
Santana (2016) apenas em relação ao
autora aquela variante foi mais utilizada pelos alunos do que esta. Possivelmente, essa
diferença de resultados justifica
variantes utilizadas apenas estudantes do 9° ano
anteriores apontam que a variante
ano escolar. Uma vez que a presente pesquisa utilizou dados tanto do 9° quanto do 6°
ano do ensino fundamental, a maior ocorrência de
A distribuição geral dos dados encontrados no
gráfico a seguir.
Gráfico 1 – Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus de redações e
Distribuição geral das variantes do acusativo anafórico de 3ª pessoa nas redações escolares
dos 6°
Esses resultados gerais diferem um pouco dos encontrados em outros estudos com
redações escolares. Averbug (2000), que estudou as variantes do objeto direto anafórico
de 3ª pessoa em textos produzidos por alunos de diferentes níveis de escolaridade,
mostrou o objeto nulo como a estratégia de referência mais usada pelos alunos. Santana
(2016), que investigou as mesmas variantes do acusativo de 3ª pessoas realizadas por
alunos do 9° ano do ensino fundamental, encontrou mais ocorrências de SN do que de
Os resultados da presente pesquisa aproximam-se, portanto, mais dos encontrados
por Santana (2016) no seguinte aspecto: a variante mais utilizada pelos alunos para
sintagma nominal. A seguir, o pronome clítico aparece como a segunda
variante mais utilizada pelos alunos. Os resultados da presente pesquisa diferem dos de
Santana (2016) apenas em relação ao objeto nulo e ao pronome lexical: na pesquisa da
autora aquela variante foi mais utilizada pelos alunos do que esta. Possivelmente, essa
diferença de resultados justifica-se pelo fato de que a pesquisa de Santana descreve as
variantes utilizadas apenas estudantes do 9° ano do ensino fundamental. Estudos
anteriores apontam que a variante pronome lexical é menos utilizada por alunos desse
ano escolar. Uma vez que a presente pesquisa utilizou dados tanto do 9° quanto do 6°
ano do ensino fundamental, a maior ocorrência de pronomes lexicais era esperada.
A distribuição geral dos dados encontrados no corpus está ilustrada também no
Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de 3ª pessoa no corpus de redações escolares de 6° e 9° anos do Ensino Fundamental.
50,3%
21,5%
18,1%
10,1%
Distribuição geral das variantes do acusativo anafórico de 3ª pessoa nas redações escolares
° e 9° anos do Ensino Fundamental
SN anafórico
Pronome clítico
Pronome lexical
Objeto nulo
91
Esses resultados gerais diferem um pouco dos encontrados em outros estudos com
do objeto direto anafórico
de 3ª pessoa em textos produzidos por alunos de diferentes níveis de escolaridade,
mostrou o objeto nulo como a estratégia de referência mais usada pelos alunos. Santana
3ª pessoas realizadas por
alunos do 9° ano do ensino fundamental, encontrou mais ocorrências de SN do que de
se, portanto, mais dos encontrados
ais utilizada pelos alunos para
aparece como a segunda
variante mais utilizada pelos alunos. Os resultados da presente pesquisa diferem dos de
: na pesquisa da
autora aquela variante foi mais utilizada pelos alunos do que esta. Possivelmente, essa
se pelo fato de que a pesquisa de Santana descreve as
do ensino fundamental. Estudos
menos utilizada por alunos desse
ano escolar. Uma vez que a presente pesquisa utilizou dados tanto do 9° quanto do 6°
pronomes lexicais era esperada.
está ilustrada também no
scolares de 6° e
92
Como referido pela literatura, o SN anafórico e o objeto nulo são as estratégias mais
neutras com relação à percepção dos falantes, sendo consideradas estratégias de
“esquiva” ao uso do pronome clítico – pouco familiar aos brasileiros – e ao pronome
lexical – mais estigmatizado (Cf. DUARTE, 2013, entre outros).
Uma vez que o corpus analisado trata de redações escolares – ou seja, uma escrita
em fase de letramento e que não seria de grau máximo de monitoração –, pode ser que
essas estratégias de esquiva não sejam plenamente dominadas pelos alunos. Em função
disso, foram realizadas, conforme já se esclareceu, duas rodadas multivariadas com base
nos outros dois valores de aplicação: (a) o clítico acusativo e (b) o pronome lexical,
que são as variantes menos neutras.
A seguir, apresentam-se as variáveis consideradas estatisticamente relevantes em
cada uma dessas rodadas e são discutidos os resultados.
(I) Variáveis relevantes ao emprego do pronome clítico
Em relação ao emprego do pronome clítico acusativo, o programa selecionou como
melhor nível de interação estatística uma rodada de significância 0.00 e input .15 de
tendência ao clítico. Foram selecionadas três variáveis relevantes ao uso desta variante –
duas linguísticas e uma extralinguística. As variáveis linguísticas selecionadas foram a
distância entre o termo antecedente e o acusativo anafórico (1ª) e a animacidade do
antecedente (3ª). A variável extralinguística selecionada corresponde ao fator ano
escolar (2ª).
a) Distância entre o termo antecedente e o acusativo anafórico
No corpus de redações escolares analisado, o fato de o antecedente se encontrar
perto do acusativo anafórico constituiu o fator que favoreceu a retomada anafórica por
pronomes clíticos (.61). Por outro lado, quando o antecedente do acusativo anafórico se
encontrava em uma distância estrutural de cinco orações, a retomada por pronome
clítico foi desfavorecida (.14).
93
Distância entre o antecedente e o acusativo anafórico
Valor absoluto Valor percentual Peso relativo
Perto 74/283 26,1% .61
Longe 3/75 4% .14
Total 77/358 21,5% Tabela 10 – Atuação da variável “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico” quanto ao emprego do
clítico.
Esses resultados confirmam a hipótese de Xavier (2015 apud Santana, 2016) de
que o pronome clítico dificilmente apareceria no caso de retomada de um antecedente
distante estruturalmente – contexto linguístico favorecedor da retomada por SN
anafórico. Isso se confirma na apreciação dos resultados gerais, em que houve mais
aparecimento de SNs anafóricos em contexto [+ distante], com o total de 74,7%, do que
na junção das demais variantes – 25,3%. Esses dados corroboram a literatura quanto à
suposição de que – em caso de antecedentes estruturalmente distantes – a retomada pelo
SN facilitaria a referência ao antecedente, evitando qualquer ambiguidade.
Em relação à variante sintagma nominal – exclusivamente nos casos em que o
antecedente se encontrava mais distante –, cabe mencionar que houve mais ocorrências
de SNs idênticos e semelhantes – respectivamente 23 (30,7%) e 22 (29,3%) – do que de
SNs sinônimos, num total de 11 (14,7%), conforme ilustrado na tabela a seguir.
Acusativo anafórico de 3ª pessoa SN idêntico SN semelhante SN sinônimo
23/76 30,7% 22/67 29,3% 11/37 14,7% Tabela 11 – Distribuição das ocorrências da variante sintagma nominal com antecedente [+ distante].
Esses resultados parecem corroborar a preferência por manter o mesmo núcleo
do antecedente – encontrada por Santana (2016) –, a fim de preservar a referência
dentro do texto.
b) Ano escolar
Estudos apontam que o uso da variante clítico acusativo aumenta à medida que
aumenta o nível de escolaridade do falante (Cf. Averbug (2000) e Freire (2005), entre
outros). De fato, o segundo grupo de fatores que atuou no favorecimento do pronome
94 clítico para a retomada do referente de 3ª pessoa foi o ano escolar. Houve mais
favorecimento do clítico acusativo entre os alunos de 9° ano – com peso relativo de .62
– do que entre os alunos dos 6° ano (.31).
Ano escolar Valor absoluto Valor percentual Peso relativo 6° 14/139 10,1% .31
9° 63/219 28,8% .62
Total 77/358 21,5% Tabela 12 – Atuação da variável “ano escolar” quanto ao emprego do clítico.
Esses dados confirmam a hipótese de que o uso do clítico acusativo –
diferentemente do que ocorre na fala – é fortemente relacionado ao processo de
escolarização no que se refere ao aumento das experiências de letramento. Cabe
ressaltar que o recorte do corpus analisado na presente pesquisa representa a escrita em
processo de letramento, mais próxima da oralidade em alguns aspectos. A leitura das
redações escolares do 6° ano permitiu verificar diversas influências da fala na escrita ou
ao menos pouca familiaridade com a modalidade escrita, como revelado no exemplo a
seguir.
(43) “e a moça falou sera que essa patai choga ovo e ela penso que era mulher... e gocou
a patai fora”27(Redação 044, turma1604, 1° bimestre)
O uso indistinto dos fonemas /k/ e /g/ – nas palavras sublinhadas – indica que
essa criança ainda não reconhece a distinção fonológica entre eles, e que o processo de
letramento ainda não conseguiu solucionar esse tipo de desconhecimento. Outro aspecto
da escrita, desconhecido para esse estudante, se refere à pontuação. A inserção de
discurso direto sem a utilização de recursos gráficos – tais quais travessão ou aspas –
certamente é um indicador da pouca familiaridade desse aluno com formalidades da
escrita.
Por outro lado, a leitura das redações do 9° ano também revela indicadores de
uma fase de letramento. De fato, pode-se perceber um aumento no uso de pronomes
clíticos em função acusativa no último ano do ensino fundamental; entretanto, o uso
dessa estratégia de retomada ainda não é plenamente dominado pelos alunos. O dado
27 “E a moça falou: - será que essa pata choca ovo? E ela pensou que era mulher... E jogou a pata fora.”
95 254, descrito a seguir, revela isso. Embora o antecedente tenha sido retomado com um
pronome clítico, houve um equívoco em relação ao número empregado.
(44) “tinha duas filhas que não gostava da cinderelai. As filhas da sua madrasta asi
detestava” (Redação 131, turma 1902, 1° bimestre)
Diante desse dado, percebe-se que a escola até consegue introduzir a variante
padrão (clítico acusativo), embora o aluno ainda não tenha pleno domínio dessa forma
de prestígio (Cf. Freire, 2005).
O gráfico a seguir revela a distribuição geral dos dados, levando em
consideração os dois anos de escolares envolvidos.
Gráfico 2 – Distribuição (%) das variantes para expressão o objeto direto de 3ª pessoa entre o 6° e o 9° anos do Ensino Fundamental.
Pelo disposto no gráfico, torna-se perceptível o aumento do uso da variante padrão –
pronome clítico – no ano final do ensino fundamental, o que era esperado com base nas
pesquisas anteriores. Ainda em relação à mesma variante, o gráfico revela menor
produtividade dessa variante, e natural aumento das demais, nas redações dos alunos do
6° ano.
c) animacidade do antecedente
O último grupo de fatores selecionado na análise estatística foi a animacidade do
antecedente. Assim como em pesquisas anteriores, o traço [+ animado] se mostrou
relevante para as ocorrências da forma de prestígio. O uso do pronome clítico foi
0
20
40
60
80
100
Pronome clítico Pronome lexical SN anafórico Objeto nulo
6° ano
9° ano
96 favorecido quando o antecedente possuía o traço [+ animado] – com peso relativo de .57
– e o uso dessa estratégia de retomada foi desfavorecido em contextos de antecedente [-
animado] – peso relativo de .28.
Animacidade do antecedente
Valor absoluto Valor percentual Peso relativo
Animado 71/273 26% .57
Inanimado 6/85 7,1% .28
Total 77/358 21,5% Tabela 13 – Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do pronome clítico.
Os resultados expostos na Tabela 13 mostram que o clítico acusativo ocorreu
majoritariamente com referência a antecedentes [+ animados], correspondendo a 26%
dos dados relativos ao mesmo contexto linguístico. Ao observar essa produção
separadamente – pelo recurso do cruzamento de grupos de fatores (crosstabulation) –,
percebe-se que, dos 14 dados de clítico acusativo produzidos pelo 6° ano, 12 possuíam
antecedente [+animado]. De modo semelhante, dos 63 clíticos produzidos pelo 9° ano,
59 apresentavam antecedente [+ animado]. Isso confirma que, nos dois anos escolares,
houve preferência pelo clítico acusativo com antecedente [+ animado].
(II) Variáveis relevantes ao emprego do pronome lexical
A melhor rodada selecionada pelo programa, com base na variante pronome
lexical, apresentou nível de significância .04, com um input geral de aplicação de .13,
um pouco menor do que o input do pronome clítico (. 15). Essa baixa aplicação geral
constitui indicadores de que essas variantes não são estratégias produtivas para a
retomada do objeto direto, sendo o uso restrito a determinados contextos linguísticos.
O programa selecionou três variáveis – duas linguísticas e uma extralinguística –
como relevantes ao uso do pronome lexical, nesta ordem: animacidade do antecedente,
estrutura sintática da frase e turno escolar. Esses fatores são descritos a seguir.
a) Animacidade do antecedente
Indubitavelmente – como anunciado em pesquisas anteriores –, o fator
animacidade do antecedente favorece a realização do pronome lexical em função
97 acusativa. De modo semelhante, na presente pesquisa, também houve favorecimento do
ele acusativo em contexto de antecedente com traço [+ animado] – com peso relativo de
.63. Por outro lado, houve desfavorecimento dessa forma de retomada quando o
antecedente possuía o traço [- animado].
Animacidade do antecedente
Valor absoluto Valor percentual Peso relativo
Animado 63/273 23,1% .63
Inanimado 2/85 2,4% .15
Total 65/358 18,2% Tabela 14 – Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do pronome lexical.
As pesquisas anteriores mostram que o ele acusativo é mais favorecido quando
há o traço [+ animado] no antecedente (Cf. Omena (1978), Duarte (1986), entre outros).
Ainda pelo recurso de crosstabulation, foi possível observar que o pronome lexical foi
amplamente favorecido com o antecedente animado, tanto no 6° quanto no 9° ano.
Analisando individualmente o comportamento dos anos escolares envolvidos, foi
possível verificar que todos os dados (24/24) de pronome lexical – produzidos pelo 6°
ano – possuíam esse traço; assim como os 39 do total de 41 realizados pelo 9° ano.
Vale lembrar que Averbug (2000) constatou que a inversão entre o uso do
pronome clítico e do pronome lexical começa no 9° ano: há um declínio do uso do
pronome lexical e uma consequente subida no uso do pronome clítico. Observando
separadamente, o 6° ano produziu 14 dados de clíticos acusativos e 24 de pronomes
lexicais. Já o 9° ano produziu 63 dados de clíticos acusativos e 41 de pronomes lexicais.
De fato, a análise do 9° ano mostra que houve um aumento da produção de pronomes
clíticos paralelamente à diminuição de pronomes lexicais, para a retomada do objeto
anafórico.
Embora haja diferença no comportamento por série, fica claro, ao verificar os
dados por meio do recurso de crosstabulation, que, dentre todas as variantes para
retomada do acusativo, o uso da estratégia supostamente desprestigiada para contextos
escritos formais se mantém de forma proporcional: o 6° apresenta 17% de pronomes
lexicais, e o 9° ano, 19%. Considerando que se trata de escrita escolar, acredita-se que o
uso da variante pronome lexical ainda esteja bem presente nesses textos do fim do
ensino fundamental, porque o processo de letramento ainda está incompleto, e a escola,
98 embora tenha introduzido o clítico, ainda não conseguiu eliminar os usos da variante
estigmatizada.
b) estrutura sintática da frase
Em relação à estrutura projetada pelo predicador verbal, as ocorrências de objeto
direto anafórico de 3ª pessoa foram distribuídas conforme a tabela a seguir.
Estrutura sintática da frase
Valor absoluto Valor percentual Peso relativo
S V OD 37/282 13,1% .44 SV OD Complementos 19/52 36,5% .71 SV OD “miniorações” 9/24 37,5% .69 Total 65/358 18,2%
Tabela 15 – Atuação da variável estrutura sintática da frase quanto ao emprego do pronome lexical.
Os resultados confirmam as hipóteses formuladas, nas pesquisas anteriores, de
que as construções de “dupla função” e as estruturas SV OD seguidas de outros
complementos (OI ou Oblíquo) favorecem o uso do pronome lexical: pesos relativos de
.69 e .71, respectivamente.
Ainda em relação às estruturas complexas, nas quais o termo acusativo exerce
“dupla função” – ilustradas em (45) –, não houve ocorrência de objeto nulo. Isso pode
ter uma relação direta com o preenchimento do sujeito (Cf. DUARTE (1993), entre
outros): se o termo acusativo também funciona como sujeito, logo aparece preenchido
(por SN, pronome clítico ou pronome lexical), não referendando a ocorrência da
variante zero nesse contexto linguístico. A título de exemplificação, em (45b), o
pronome lexical ele funciona – ao mesmo tempo – como sujeito do verbo ir e objeto
direto do verbo deixar.
(45) a. “não sabia que ela sempre ia no mercado para roubar (...) Chegando no mercado
entramos na sessão de bebidas alcoolicas e eu vi ela colocando uma garrafa de vinho
dentro de uma bolsa” (Redação 129, turma 1902, 1° bimestre)
b. “pelo udimo foi um pato muito feio (...) e os soutros pato ficou chamando ele de
feio”(Redação 044, turma 1604, 1° bimestre)
99 c. “mais ela não deixou, depois ela mudou e deixou ele ir” (Redação 065, turma 1603, 4°
bimestre)
c) turno escolar
Como mencionado na seção de metodologia, a criação dessa variável buscava
verificar a hipótese de que os alunos da manhã teriam um comportamento linguístico
diferente do dos alunos da tarde, quanto ao uso do pronome lexical: supunha-se que
haveria menos produção de pronomes lexicais nos dois anos escolares. A tabela 16
apresenta o comportamento dessa variante linguística de acordo com o grupo de fatores
turno escolar.
Turno escolar Valor absoluto Valor percentual Peso relativo Manhã 45/207 21,7% .56
Tarde 20/151 13,2% .41
Total 65/358 18,2% Tabela 16 – Atuação da variável “turno escolar” quanto ao emprego do pronome lexical.
A tabela, entretanto, revela justamente o contrário: aparentemente, os alunos da
manhã (.56) favoreceram mais o uso do pronome lexical do que os alunos da tarde (.41).
A diferença não parece expressiva, apesar de o programa ter selecionado essa variável
como relevante. Novamente, o recurso de crosstabulation permitiu que se analisasse
individualmente cada ano escolar, dividido pelos turnos. O 6° ano da manhã produziu
18 do total de 24 dados (75%) relativos a esse ano escolar. Já a turma da tarde produziu
6/24 (25%), no mesmo contexto. Em relação às turmas de 9° ano, houve 27/41 (65,9%)
nas turmas da manhã, e 14/41 (34,1%) nas turmas da tarde.
A hipótese inicial, porém, não foi confirmada. Entretanto, o comportamento
claramente distinto entre os dois turnos escolares permite outra consideração. Os alunos
da manhã – apesar da origem em escolas mais tradicionais – são mais novos do que os
alunos da tarde – entre 1 ou 2 anos –; por outro lado, muitos alunos da tarde já repetiram
o mesmo ano escolar. Provavelmente, esses alunos da tarde – pela idade mais velha e
repetição do mesmo ano escolar – se encontram em um estágio de apropriação da escrita
letrada diferente dos alunos mais novos e cursando aquele ano escolar pela primeira vez.
Para verificar se de fato isso ocorreu, seria necessário controlar novamente essa
100 variável, associando-a especificamente à idade dos alunos e à repetição ou não de ano
escolar.
2.3.4. A diagnose do quadro pronominal: sistematização e
debates
Com base nos resultados obtidos na presente investigação (subseções 2.3.1, 2.3.2
e 2.3.3), foi possível descrever as variantes linguísticas utilizadas na escrita dos alunos
da E. M. Thomé de Souza, para expressão das funções nominativa (1ª pessoa do plural e
2ª pessoa do singular), acusativa (1ª, 2ª e 3ª pessoas), dativa (1ª, 2ª e 3ª pessoas) e
reflexiva (1ª, 2ª e 3ª pessoas). O quadro a seguir apresenta a distribuição dessas
variantes.
VARIÁVEIS
VARIANTES PRONOMINAIS
Nominativo Acusativo Dativo Reflexivo 1ª PESSOA nós, a gente nos, a gente nos, (a/para)
nós, (a/para) a gente
me
2ª PESSOA você te, o, a, tu, você te, (a/para) você, vocês
------------ ------------ ------------
3ª PESSOA ------------- ------------- -------------
o(s), a(s), ele, eles, ela, elas
lhe(s), (a/para), ele, eles, ela, elas
se, (a) si mesma
Quadro 7 – Formas pronominais registradas na escrita escolar dos alunos da E.M. Thomé de Souza.
Uma vez realizada essa diagnose panorâmica, identificaram-se quais variantes
são utilizadas pelos estudantes da referida escola. Apenas em alguns casos, percebeu-se
que os alunos utilizavam a variante clítico acusativo com algumas inadequações, como
um pronome clítico no plural referindo-se a um antecedente singular. Admite-se que o
número total de dados não foi suficiente para uma análise aprofundada de base
quantitativa sociolinguística – à exceção da expressão do objeto direto anafórico de 3ª
pessoa. Entretanto, mesmo na análise particular das ocorrências, pode-se diagnosticar o
uso das variantes pronominais – descritas no quadro acima.
De modo geral, na escrita dos alunos, houve um comportamento semelhante ao
que ocorre na modalidade oral em relação ao nominativo de 1ª pessoa do plural e 2ª
pessoa do singular, ao acusativo e dativo de 1ª e 2ª pessoas e também ao reflexivo de
101 todas as pessoas. Quanto ao acusativo e dativo anafórico de 3ª pessoa, foram
encontrados alguns usos mais próximos do que era previsto para a modalidade escrita,
com o uso da variante-padrão. No caso desse dativo, mesmo com a frequência de usos
baixa, houve ocorrências do pronome clítico lhe.
Especificamente em relação ao acusativo anafórico de 3ª pessoa – função que
apresentou maior frequência de ocorrências –, foi possível observar alguns
condicionamentos para esses usos. Como era previsto, há maior frequência das formas
neutras – SNs (50,3%) e objetos nulos (10,1%) – no corpus analisado, chegando a um
total de 60,4%.Isso corrobora resultados de pesquisas anteriores, que encontraram mais
ocorrências também dessas formas, conhecidas como estratégia de esquiva (Cf.
DUARTE, 2013).
Chama a atenção, como nas pesquisas anteriores – a influência da escolarização
para o aumento gradativo de usos da variante-padrão (clítico acusativo).Ao comparar a
frequência de usos dessa variante entre as turmas de 6° e 9° anos do ensino
fundamental, a análise revelou que – entre os alunos deste último grupo –houve um
aumento de ocorrências do clítico acusativo.O processo relativamente inverso disso
ocorreu em relação ao uso do pronome lexical: os alunos do 9° ano apresentaram menor
frequência dessa variante. Ainda de acordo com pesquisas anteriores (Cf. AVERBUG
(2002), SANTANA (2016), entre outros), essa inversão é resultado do processo de
escolarização e ocorre justamente nesse ano escolar.
Quanto a esses usos, é importante lembrar que os alunos do 9° ano escolar leem
mais do que os alunos de 6°. O contato com livros diversos de literatura infanto-juvenil
colabora para o aprendizado das variantes linguísticas preconizadas nesse gênero
textual. As ocorrências do clítico acusativo foram encontradas, principalmente, nos
textos dos alunos que basearam sua escrita em alguma obra lida no trimestre.
Isso se refletiu, por exemplo, na diferença dos textos escritos para o 1° e para o
4° bimestre. Em ambos, os alunos deveriam escrever redações baseadas em obras lidas.
Entretanto, no último bimestre – por um comando equivocado do professor –, os alunos
narraram uma notícia. Como eles não dominavam esse gênero novo, o texto ficou bem
próximo da narrativa de uma história. Nessa segunda produção textual – criada
exclusivamente pelos alunos –, surpreendentemente, houve uma diminuição na
frequência de uso da variante padrão. Esse detalhe revela que a variante padrão pode ser
102 mais utilizada pelos alunos, quando seu texto se refere a outro mais letrado (textos
literários).
Ao realizar essa diagnose sobre as formas pronominais utilizadas pelos alunos na
escrita, foi possível, então, observar a distribuição das diversas variantes linguísticas do
PB, conforme descrita no Quadro 7. A análise aqui realizada revela que a escrita escolar
está mais próxima do que vem sendo descrito pelas pesquisas sociolinguísticas e mais
distante daquilo que é predicado pelos manuais e livros didáticos.
A maior parte dos trabalhos sobre essas variantes linguísticas estudadas, na
literatura, constitui pesquisas acerca da variação dos pronomes pessoais em contexto de
fala, no PB. Poucos são os trabalhos que verificam esses usos na escrita – à exceção das
funções acusativa e dativa de 3ª pessoa. A presente pesquisa partiu do pressuposto de
que a escrita em processo de letramento – que é o caso do corpus analisado – apresenta
características da modalidade oral da língua. Dessa maneira – embora fossem reportados
resultados anteriores referentes à modalidade falada majoritariamente –, ainda assim, a
comparação com tais resultados torna-se válida em função dos traços de oralidade
presentes nas redações escolares. Mesmo com esses traços de oralidade, observa-se,
principalmente em relação ao acusativo anafórico de 3ª pessoa, a influência da escola
no processo de inserção das variantes denominadas padrão – o clítico acusativo.
Infelizmente, em relação ao quadro pronominal do português brasileiro, ainda há
uma ausência de correlação entre a descrição linguística e o ensino de língua materna. O
sistema tradicional de pronomes pessoais – tal qual descrito pelos manuais didáticos e
gramáticas, e discutido no Capítulo 1 –, constituído pelas formas nominativas eu, tu,
ele(a), nós, vós, ele/a(s) e seus correlatos nas outras funções, ainda não trata das formas
pronominais efetivamente praticadas pelos alunos na escrita escolar e que figuram em
diversos gêneros textuais, da fala e da escrita.
Acredita-se, nesta pesquisa, que a escola exerce um papel importante na
conscientização dos usos das diversas variantes linguísticas, sejam elas estigmatizadas
ou prestigiadas. Enquanto instituição em que imperam as práticas de letramento, as
variantes mais prestigiadas são privilegiadas ao serem apresentadas para os alunos. A
implementação dessas variantes nas práticas escritas dos alunos se dá de modo gradual,
e nem sempre o aluno chega ao último ano do ensino fundamental com pleno domínio
dessas formas supostamente não vernáculas.
103 O trabalho de mapeamento do quadro pronominal em uso efetivo, aqui realizado,
servirá de base para a elaboração de uma proposta pedagógica, no formato de um estudo
dirigido, para o ensino do quadro pronominal, a ser descrita no Capítulo 3. Espera-se
que essa proposta, a um só tempo, considere a heterogeneidade do quadro pronominal,
revelada na própria produção escolar e manifesta nos contínuos de variação, e valorize a
riqueza e a complexidade das regras variáveis28.
Para além da elaboração de atividades pedagógicas, cabe ressaltar que a
diagnose aqui realizada é relevante ainda para o professor que queira partir das
informações ora apresentadas, não só para utilizar as atividades propostas em sua aula,
mas para elaborar encaminhamentos pedagógicos diversos. Ao reconhecer determinados
contextos favorecedores de uma ou outra variante (revelado pelo peso relativo – caso do
acusativo anafórico aqui avaliado), o professor pode analisar quais estruturas são pouco
utilizadas naquele contexto, que podem ser estudadas na aula, de modo a ampliar o
repertório do aluno. Sugere-se, portanto, que o professor interessado em utilizar a
proposta didática em questão faça uma leitura cuidadosa da diagnose aqui realizada e
dos condicionamentos envolvidos na escolha de uma ou outra variante linguística.
Um exemplo disso está relacionado ao ensino do objeto direto dos predicados
complexos. A pesquisa aqui realizada mostrou que o pronome lexical é preferido nas
estruturas em que ele apresenta dupla função. Tendo em vista que os alunos já são
conhecedores da estrutura em que o pronome ele é utilizado (A casa, eu achei ela feia),
o professor poderia, então, apresentar a outra possibilidade de preenchimento dessa
estrutura, com o clítico acusativo (A casa, eu a achei feia). Esse é um dos contextos em
que o conhecimento dos condicionadores pode ajudar o professor a legitimar o uso
vernacular do aluno e ampliar seu repertório linguístico.
Considerando isso, faz-se necessário adiantar que a proposta pedagógica –
apresentada no Capítulo 3 – não teve por objetivo inicial ser um manual para o
professor. Isso certamente justifica a falta de instruções específicas e modelares para o
professor de Língua Portuguesa. Desse modo, já é um pressuposto da elaboração do
estudo dirigido que há outros possíveis aproveitamentos não só para vários materiais
28 A proposta didática baseou-se, sobretudo, na distribuição dos dados detectada no material analisado. Cabe destacar, entretanto, que, embora não se tenham elaborado atividades específicas por fatores condicionadores, o trabalho estatístico, que gerou os pesos relativos, foi fundamental para a escolha dos contextos linguísticos utilizados nos enunciados das questões.
104 utilizados nos enunciados, mas também para as próprias tarefas propostas. É, na
realidade, esperado e desejável que cada professor, consoante seus objetivos e turmas,
venha a fazer diversos outros usos da proposta, a qual se limita, por motivo de redução
didática, aos objetivos específicos elaborados partindo da temática quadro pronominal.
3. Estudo dirigido para ensino do quadro pronominal
As atividades voltadas para o ensino de Língua Portuguesa são essenciais no dia
a dia da sala de aula: através dessas ferramentas, os alunos podem acessar variados
gêneros textuais, exercitar seu conhecimento linguístico e refletir sobre os diversos usos
disponíveis, que configuram naturalmente um quadro de variação linguística. Contidas
nos diferentes materiais didáticos – livros, apostilas, exercícios avulsos e outros –,
algumas atividades sobre a língua materna, infelizmente, refletem uma confusão
conceitual e metodológica acerca do tratamento da variação linguística. A título de
exemplificação, nos cadernos pedagógicos disponibilizados pela SME/RJ, atribui-se a
classificação linguagem informal a toda variante linguística característica dos textos
orais ou representativa da norma vernacular.
Há algum tempo, alguns pesquisadores têm se dedicado a tratar, de forma mais
específica, da relação entre variação e ensino (Cf. BORTONI-RICARDO (2004, 2006),
VIEIRA; BRANDÃO (2007), FARACO (2008, 2015), VIEIRA (2013, 2014, 2017),
MARTINS, TAVARES (2013), MARTINS, VIEIRA, TAVARES (2014), entre outros).
Com a implantação do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), programa
que atende exclusivamente professores da rede pública e funciona em nível nacional
desde a primeira turma de 2014, intensificou-se a preocupação em relação a propostas
pedagógicas, que abordem o componente gramatical, sem deixar de considerar a
heterogeneidade do sistema linguístico, naturalmente presente no PB. Nesse sentido,
diversas dissertações de Mestrado já foram desenvolvidas no âmbito do referido
programa.
A presente pesquisa, cuja origem se deu em contexto de sala de aula, soma-se
aos trabalhos já realizados, ao apresentar, além da diagnose dos usos linguísticos
praticados nas redações escolares, uma proposta de atividades pedagógicas para ensino
do quadro pronominal atual em uso, considerando a variedade carioca do PB. Neste
capítulo, discutem-se desde a fundamentação teórica necessária à aplicação pedagógica,
passando pelos trabalhos já desenvolvidos nesse sentido, até a própria elaboração da
proposta.
106
Para fins de organização, a segmentação deste capítulo se deu da seguinte
maneira. Na primeira seção (3.1), Pontos de partida para o ensino de Língua
Portuguesa, faz-se a apresentação dos pressupostos da área relacionada ao ensino de
temas gramaticais em geral e da Sociolinguística Educacional, nos quais se baseia esta
pesquisa. A segunda seção (3.2) traz as Experiências pedagógicas anteriores,
apresentando alguns trabalhos que propuseram atividades voltadas para o ensino do
quadro pronominal e outros temas gramaticais. Na terceira seção (3.3), apresenta-se a
Justificativa e metodologia para a elaboração da proposta, que contém os
procedimentos empregados nas atividades de ensino em questão. A quarta seção (3.4)
finalmente apresenta algumas atividades que foram experimentadas para a elaboração
de uma Proposta pedagógica de ensino do quadro de pronomes pessoais,
proveniente desta pesquisa.
3.1. Pontos de partida para o ensino de Língua Portuguesa
Não é recente a preocupação em relação ao ensino de Língua Portuguesa para os
alunos brasileiros. Há algum tempo, as pesquisas acadêmicas vêm apresentando
questionamentos em relação ao ensino de categorias gramaticais, associado ao trabalho
com a variação linguística. A seguir, destacam-se algumas referências mais diretamente
relacionadas à proposta do presente trabalho.
Bortoni-Ricardo (1998/200529) trouxe contribuições para a Sociolinguística, com
um modelo de descrição da variação, denominado contínua de variação linguística, o
qual foi aplicado – posteriormente – a contextos de ensino, pela própria autora
(BORTONI-RICARDO, 2004). Esse modelo teórico de Bortoni-Ricardo descreve a
variação linguística na realidade brasileira a partir de três contínuos específicos:
contínuo de urbanização; contínuo oralidade-letramento; e contínuo de monitoração
estilística.
29 O capítulo “Um modelo para a análise sociolinguística do português brasileiro”, publicado em 2005, já havia sido publicado anteriormente sob o título de “A análise do português brasileiro em três continua: o continuum rural-urbano, o continuum de oralidade-letramento e o continuum de monitoração estilística”, em 1988. Ao fazer referência à autora, nesta dissertação, utiliza-se o trabalho em que os contínuos são aplicados ao ensino (2004).
107
Vieira (2014, 2017), posteriormente, também propõe um modelo que repensa o
propósito do ensino de línguas, segundo o qual o ensino de gramática pode ser
desenvolvido a partir de três eixos, a saber: o ensino de gramática como atividade
reflexiva (Eixo I); o ensino de gramática como recursos expressivos para a configuração
do texto (Eixo II); e o ensino de gramática como instância de percepção da variação
linguística (Eixo III).
A partir do intuito de correlacionar teoria e prática, o livro Ensino de português e
sociolinguística, organizado por Martins, Vieira & Tavares (2014), é um exemplo de
mapeamento30 das contribuições que a Sociolinguística brasileira forneceu ao ensino.
Ao longo da obra, os autores abordam a variação linguística na escola como um todo,
considerando desde os fenômenos fonético-fonológicos até os morfossintáticos,
evidenciando não só as relações de fala e escrita, como também o tratamento das regras
variáveis em livros didáticos e as avaliações e crenças de alunos e professores quanto ao
tema da variação linguística.
Nas duas próximas subseções, discutem-se, principalmente, esses dois modelos
propostos como bases teóricas para refletir sobre o ensino de Língua Portuguesa: o de
Bortoni-Ricardo (2004) – na subseção 3.1.1 – e o de Vieira (2014, 2017) – na
subseção 3.1.2.
3.1.1. Contínuos de variação linguística (Bortoni-Ricardo, 2004)
Bortoni-Ricardo (2004) concebe a variação no português brasileiro em três
linhas imaginárias – com dois polos cada uma e diferentes níveis em sua extensão –
denominadas contínuos: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento, e
contínuo de monitoração estilística.
No contínuo de urbanização, a autora situa, em um polo, as variedades rurais
utilizadas pelas comunidades geograficamente mais isoladas, e, no outro, as variedades
urbanas, que, ao longo da história, foram as mais influenciadas por processos de
padronização da língua – tais quais as ações em prol da codificação linguística e
30 Esse livro foi escrito à semelhança do livro Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro, citado no Capítulo 1 desta dissertação.
108 também ações da imprensa, das obras literárias e da escola. A autora demonstra o
contínuo de urbanização com a seguinte linha imaginária (p. 52):
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
A área denominada rurbana é considerada pela autora um confronto entre essas duas
variedades dos polos, a qual envolve, por exemplo, grupos de migrantes de espaços
rurais, que preservam seu repertório linguístico, mas são submetidos à influência
urbana. Para Bortoni-Ricardo (2004), cada indivíduo pode ser situado em um nível
desse contínuo, levando em conta a região onde ele nasceu e cresceu. Entretanto, cabe
ressaltar que não há fronteiras rígidas entre os falares representados nessa linha; na
verdade, essas fronteiras são fluidas e pode haver sobreposição dessas variedades.
O segundo contínuo proposto por Bortoni-Ricardo (2004) é o de oralidade-
letramento, no qual a autora distribui os eventos de comunicação entre eventos de
letramento e eventos de oralidade (p. 62):
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
De modo semelhante ao que ocorre no primeiro contínuo apresentado, não há fronteiras
bem marcadas entre os eventos de letramento e os de oralidade. Os gêneros e as
situações comunicativas utilizados nesses eventos podem apresentar tanto características
de um polo quanto do outro. Para justificar essa fluidez entre esses eventos, Bortoni-
Ricardo (2004) exemplifica com duas situações: (1) num ofício religioso, o líder, ao
proferir seu discurso, está realizando um evento de letramento, pois sua fala teve origem
em um texto escrito – seja no roteiro da apresentação ou mesmo na consulta a textos
religiosos; (2) uma conversa à mesa de bar, a princípio, é um evento de oralidade, mas
pode ter influências de letramento se um dos participantes começar a declamar um
poema. Aparentemente, um falante de uma variedade urbana pode diversificar seus usos
linguísticos em função dos eventos de comunicação em que se vê inserido; já nas
variedades acentuadamente rurais, haveria, segundo a autora, predomínio da cultura da
oralidade.
No terceiro contínuo proposto por Bortoni-Ricardo (2004), a autora distribui
desde as situações interacionais totalmente espontâneas até as de maior planejamento
Variedades rurais isoladas
Área rurbana Variedades urbanas padronizadas
Eventos de oralidade Eventos de letramento
109 prévio. Há situações de interação mais espontâneas, que refletem o uso menos planejado
da língua, com menor grau de monitoração. Por outro lado, há contextos mais
monitorados, que exigem maior planejamento e mais atenção aos usos linguísticos.
Segundo a autora, de um modo geral, o grau de monitoramento do discurso é
influenciado por alguns fatores extralinguísticos: o ambiente, o interlocutor e o tópico
da conversa. A seguir, reproduz-se a representação gráfica do chamado contínuo de
monitoração estilística (p. 62).
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
A escolha de variantes mais formais para determinado discurso indica alto grau de
monitoramento nesse contexto. Por outro lado, quanto menor for o grau de monitoração
estilística, menos formais serão as variantes linguísticas utilizadas. Cabe esclarecer que
a variação de monitoração estilística ocorre tanto nos eventos de letramento quanto nos
de oralidade, não necessariamente sendo um mais formal do que o outro. Como as
situações de maior monitoramento da língua demandam maior consciência na
habilidade de usar os recursos que ela oferece, a monitoração estilística constitui um dos
objetivos fundamentais do ensino de língua.
Pelo exposto aqui, foi possível perceber que as fronteiras entre as variedades
linguísticas não são rígidas, mas sim fluidas. Não se pode conceber a variação
linguística de forma estanque, uma vez que a produção linguística se dá de maneira
gradativa e ininterrupta, distribuída pelos três contínuos apresentados. Dessa maneira, a
concepção de tais contínuos pode nortear o ensino de Língua Portuguesa nas escolas,
uma vez que a variação linguística se mostra presente em todas as práticas discursivas.
Dos contínuos postulados por Bortoni-Ricardo (2004), os de oralidade-letramento e
monitoração estilística, especificamente, são os mais relevantes para a presente
pesquisa – em área predominantemente urbana – e integrarão a proposta pedagógica
desenvolvida para ensino do quadro pronominal.
3.1.2. Ensino de gramática em três eixos (Vieira, 2014, 2017)
A proposta para o ensino gramática em três eixos foi elaborada por Vieira (2014,
2017), no âmbito da disciplina Gramática, variação e ensino, do Mestrado Profissional
- monitoração + monitoração
110 em Língua Portuguesa (PROFLETRAS), em 2014. Em meio a uma falta de delimitação
conceitual, aliada a um tratamento equivocado do componente linguístico em geral e da
variação linguística em particular, o professor de Português encontra dificuldades para
realizar um trabalho produtivo com os temas gramaticais. O modelo de ensino de
Língua Portuguesa proposto por Vieira (2014, 2017) surgiu como uma tentativa de
contribuir para uma solução do desafio de trabalhar com a língua materna nas escolas,
sem desprezar as diversas frentes de atuação, todas igualmente pertinentes. A seguir,
são apresentados esses três eixos e sua relevância para repensar o ensino de Língua
Portuguesa.
EIXO I: Ensino de gramática como atividade reflexiva
Para esse primeiro eixo, a autora destaca os postulados de Franchi (2006) acerca
das atividades relacionadas ao ensino de língua. Para o autor, as atividades com o
componente gramatical, no âmbito escolar, devem ser de três naturezas, a saber:
linguística, epilinguística e metalinguística. Salienta, ainda, que, nos anos iniciais do
ensino fundamental, prioritariamente, as duas primeiras atividades deveriam ser
enfatizadas.
A atividade linguística consiste no exercício do “saber linguístico” que as
crianças apresentam acerca da gramática interiorizada (Cf. FRANCHI, 2006, p. 93).
Trata-se de explorar essa gramática, a partir da produção e compreensão de textos (orais
ou escritos), e criar condições para o desenvolvimento sintático dos alunos. Visando
explorar esse tipo de atividade, o professor deveria criar situações específicas para a
produção de determinado gênero textual, trazendo à tona o conhecimento gramatical
que o aluno já apresenta em relação àquele gênero.
Por outro lado, a atividade epilinguística representa uma prática em que o aluno
opera sobre a própria linguagem (Cf. FRANCHI, 2006, p. 97), testando possibilidades
ao comparar formas linguísticas, transformá-las, ou mesmo experimentar novos modos
de construção. Ao explorar esse tipo de atividade, o professor deveria ajudar o aluno a
diversificar os recursos expressivos com que fala e escreve, operando, dessa maneira,
sobre a própria linguagem.
111 Para Franchi (2006), é a partir das atividades linguísticas e epilinguísticas que
surge a necessidade de sistematização do saber linguístico que “se aprimorou e se
tornou consciente” (p.98). Nessa etapa, é esperado que a atividade metalingüística
aconteça naturalmente, como um “trabalho inteligente de sistematização gramatical” (p.
98), que permite a descrição da linguagem a partir do caráter sistemático das
construções linguísticas.
Franchi (2006) concebe o ensino de gramática, portanto, como uma atividade
que possa privilegiar a reflexão, permitindo que os alunos testem possibilidades,
modifiquem termos, fazendo uso da criatividade. Todos esses atributos do ensino de
gramática podem ser explorados a partir dos três tipos de atividades propostos pelo
autor: linguística, epilinguística e metalinguística.
Ainda em relação ao ensino de gramática como atividade reflexiva, Vieira
(2014, 2017), apresenta a proposta de Foltran (2013). Esta última autora defende a ideia
de que o trabalho com o componente gramatical vai para além do ensino de uma norma
privilegiada: explicar o significado de uma sentença através da análise sintática é
necessariamente uma atividade de reflexão linguística. De modo semelhante ao de
Franchi (2006), Foltran (2013) postula que “ensinar gramática é operar com os
conhecimentos que o falante tem de sua própria língua e torná-los explícitos” (p. 175).
Para a autora, o conhecimento de metalinguagem torna-se um recurso, pois permite não
só generalizações acerca de um fato linguístico como também a consulta a materiais
auxiliares.
Outra proposta acerca da reflexão possibilitada pelo estudo do componente
gramatical é a de Costa (2013). O autor destaca a relevância do planejamento das
atividades propostas para as aulas de Língua Portuguesa: devem ser privilegiadas
estruturas linguísticas mais problemáticas para as crianças, pois essas podem gerar
dificuldades de produção e compreensão, quando comparadas às já adquiridas no uso
pré-escolar.
Com base nessas propostas acerca do ensino de gramática como atividade
reflexiva, Vieira (2014, 2017) destaca que as questões propostas não visam a planejar
aulas descontextualizadas de (meta)linguagem, nem uma abordagem do componente
linguístico de forma intuitiva e desplanejada.
112
Antes, entende-se que o trabalho com as estruturas gramaticais – por meio de atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas – decorre naturalmente do reconhecimento das construções linguísticas como matéria produtora de sentido, elementos que permitem significar e fazem a tessitura textual acontecer. (VIEIRA, 2017, p. 89)
Dessa maneira, essas atividades são importantes para as relações estabelecidas pelos
Eixos II (gramática e texto) e Eixo III (gramática e variação linguística), uma vez que
permitem lidar com o componente gramatical de modo consciente.
EIXO II: Ensino de gramática como produção de sentidos
Para a composição desse segundo eixo para o ensino do componente gramatical,
Vieira (2014, 2017) se fundamenta nas propostas de Neves (2006) e Pauliukonis (2011),
como exemplos de abordagens que apresentam “caminhos para um trabalho produtivo
com a interface gramática e sentido/texto”.
Na perspectiva funcionalista, Neves (2006) propõe que o ensino de gramática se
paute no texto, unidade básica de funcionamento da língua. Para o trabalho com o texto,
a autora apresenta temas linguísticos que permitem não só a interpretação dos elementos
que formam o sistema como também a interpretação do próprio sistema. Dessa maneira,
o ensino de gramática, na perspectiva discursivo-funcional, partiria da abordagem de
quatro grandes áreas, a saber: (i) a predicação; (ii) a criação da rede referencial; (iii) a
modalização; e (iv) a conexão de significados: formação de enunciados complexos –
áreas que organizam a obra Texto e gramática, da referida autora. Para Vieira (2014,
2017), fica evidente, em cada uma dessas grandes áreas, a atuação dos componentes
linguísticos “como expedientes responsáveis pela produção de sentidos, da predicação
verbal até a conexão de significados” (VIEIRA, 2017, p. 90), seja no âmbito lexical ou
gramatical – nos níveis fonológico, morfológico e sintático.
Com pensamento semelhante, mas em área da Análise Semiolinguística do
Discurso, Pauliukonis (2011) assume uma concepção discursiva da unidade textual,
segundo a qual se evidencia a relevância da gramática para a codificação de sentidos. A
proposta da autora concebe a construção textual como resultado de dois processos
distintos: (i) o de transformação e (ii) o de transação ou organização macrotextual. No
primeiro, são realizadas escolhas que possam traduzir em componentes linguísticos os
eventos do mundo real. No segundo, por outro lado, são organizados os resultados
113 dessas operações iniciais, por meio de modos específicos de organização discursiva
(narração, descrição e argumentação), a fim de compor os gêneros textuais utilizados
nos atos comunicativos.
No intuito de construir o sentido do texto, o usuário da língua faria a seleção
linguística a partir das seguintes operações: (i) identificação ou subjetivação:
capacidade de designar os seres, nomear e classificar as entidades; (ii) caracterização
ou adjetivação: a ação de atribuir propriedades objetivas ou subjetivas aos seres
nomeados; (iii) processualização ou representação de fatos ou ações ou verbalização: a
indicação das mudanças na relação entre os seres; (iv) modalização/ explicação: mostra
o modo de se posicionar do sujeito da enunciação e também suas razões de ser e fazer; e
(v) relação ou coesão: o modo de combinação e hierarquização entre os diversos
componentes da frase e do texto.
A partir da síntese panorâmica dessas duas propostas expostas, Vieira (2017, p.
92) reafirma “a desejável articulação entre ensino de gramática e as atividades de leitura
e produção de textos”, realizada pelos elementos gramaticais, em processos distintos,
que vão desde a seleção dos vocábulos formais até a construção e interrelação de
períodos.
EIXO III: Ensino de gramática como instância de variação das normas
Esse terceiro eixo mostra que a variação linguística está intrinsecamente
relacionada ao trabalho com atividades reflexivas e com a construção de sentidos do
texto. Vieira (2014, 2017) adverte, entretanto, que não se deve equiparar ensino de
gramática, no sentido de conhecimento da arquitetura estrutural da língua, com ensino
de norma-padrão, no sentido de promoção de variantes de prestígio, embora essas duas
instâncias sejam confundidas na prática escolar. Para esse terceiro eixo, a autora se
reporta a três pesquisas que enfatizam o trabalho com os componentes gramaticais a
partir da pluralidade de normas, a saber: Görski e Freitag (2013), Bortoni-Ricardo
(2004) e Vieira (2013).
De acordo com Vieira (2017, p. 92),
é absolutamente necessário que as aulas de Língua Portuguesa propiciem reflexões sobre as estruturas que não são do conhecimento do aluno por motivo de não pertencerem à variedade que ele domina, que contém estruturas
114
consideradas típicas da variedade popular (no sentido de pertencente a comunidades menos escolarizadas) e falada (praticada normalmente nos gêneros textuais da fala espontânea).
Em linhas gerais, a autora assume que as construções gramaticais presentes nos
materiais dispostos para ensino escolar, principalmente os referentes à escrita, podem
ser desconhecidas dos alunos ou mesmo ininteligíveis. Podem ser consideradas dessa
maneira estruturas morfossintáticas típicas de situações de alta monitoração estilística,
como, por exemplo, clíticos pronominais e estratégias de indeterminação com se.
Quanto à polissemia da concepção de normas, a autora se reporta a Vieira (2013,
p. 65 apud VIEIRA, 2017, p. 93), para discutir a questão, conforme reproduzido a
seguir.
(i) de fato, existem, no plano do uso, muitas normas/variedades (usos normais, objetivos) usualmente pertencentes ao que se identifica como variedades cultas versus variedades populares;
(ii) as variedades cultas e populares fundem-se numa rede complexa de usos variáveis, com muitas estruturas comuns, mas com algumas que as diferenciam fortemente por serem estigmatizadas socialmente e capazes de identificar ausência ou presença de escolaridade (como, por exemplo, o uso das marcas de plural); e
(iii) os falantes, de forma consciente ou inconsciente, avaliam constantemente as variantes linguísticas, elegendo aquelas que caberiam nas normas por eles idealizadas como prestigiosas, ou até “corretas” (normativas, subjetivas, comumente identificadas como norma-padrão). Assim, o conceito de norma-padrão acaba por constituir um postulado sociolinguístico inegável e muito atuante nas diversas sociedades contemporâneas.
A partir dessas reflexões, Vieira (2014, 2017) postula que o trabalho com a
variação linguística deve eleger como referência o ensino das estruturas linguísticas que
pertencem às normas/variedades efetivamente praticadas pelos indivíduos escolarizados
– ou seja, variedades cultas, representadas na fala e na escrita brasileiras. A partir desse
ponto norteador, deve-se,então, fazer a comparação da proximidade ou distância dessas
normas em relação: (i) às outras já dominadas pelos alunos no período pré-escolar; (ii)
às outras normas apresentadas pelos materiais trabalhados nas aulas de Língua
Portuguesa; e (iii) às normas idealizadas, que podem registrar formas arcaizantes e até
extintas da fala e da escrita contemporâneas.
Dessa maneira, para Vieira (2014, 2017) o professor de Língua Portuguesa deve
apresentar a norma culta escrita e falada efetivamente praticada, ajustável a instâncias
contextuais referentes não só ao registro (mais ou menos monitorado) como também aos
115 gêneros textuais e à modalidade utilizada (falada ou escrita). Compete ao professor de
Português, portanto, a promoção do reconhecimento e/ou do domínio do maior número
possível de variantes, praticadas efetivamente pelos alunos ou não, considerando os
contínuos de variação linguística (BORTONI-RICARDO, 2004). Assim, a abordagem
do componente gramatical pelo eixo III viabiliza que o ensino de língua cumpra o
propósito de tornar o aluno capaz de reconhecer e produzir essas variantes, caso seja
necessário.
3.2. Experiências pedagógicas anteriores
A distância entre os resultados das pesquisas acerca da variação linguística e as
propostas para o ensino tem diminuído bastante, na medida em que alguns programas de
Pós-graduação apresentam disciplinas voltadas para a temática da variação e a aplicação
pedagógica. Nesta seção, pretende-se apresentar algumas propostas desenvolvidas para
o ensino de Língua Portuguesa, sendo algumas fruto desse trabalho mais específico,
desenvolvido no âmbito do PROFLETRAS.
Mesmo em meio à falta de delimitação conceitual acerca do tratamento de temas
gramaticais em contexto de variação, deve-se considerar importante a tentativa do MEC
de apresentar ao professor propostas reflexivas para o ensino. Além dos documentos
oficiais orientadores do trabalho pedagógico, destaca-se, aqui, o acervo do Programa
Nacional Biblioteca na Escola (PNBE do professor): algumas obras voltadas para a
discussão do ensino de gramática são disponibilizadas para os professores da educação
básica.
Dessa coleção, interessa, particularmente à presente pesquisa, o livro Por um
novo ensino de gramática: orientações didáticas e sugestões de atividades, de Campos
(2014). A obra apresenta quatro capítulos voltados para o tratamento de temas
gramaticais. No terceiro capítulo, dedicado ao estudo das classes de palavras, há uma
seção (3.5) que trata dos “pronomes pessoais e possessivos”, com orientações teóricas e
atividades para o ensino. A autora inicia suas considerações sobre o tema indicando que
o objetivo principal do trabalho com pronomes “é fazer com que os alunos aprendam a
identificar as propriedades (de natureza morfológica, sintática e semântica) que definem
as palavras pertencentes à classe, para entenderem seu comportamento nos textos” (p.
116 87). Com o intuito de atingir esse objetivo, são propostos alguns exercícios, a partir do
seguinte texto.
A vidraça da vizinha aparece quebrada. A mãe mandou chamar o Juquinha:
- Você quebrou a vidraça, filho?
- Foi sem querer, mãe, um acidente.
- Como acidente?
- Eu estava limpando meu estilingue e ele disparou.
(Ziraldo. As anedotinhas do Bichinho da Maçã, 1988, p.18, apud Campos, 2014, p. 87)
Uma das atividades articula esse componente gramatical à construção de
sentidos no texto, como pode ser visto na terceira questão, reproduzida a seguir (p. 89).
3) Já descobrimos então um novo papel que as palavras podem desempenhar: substituir, no texto, outras palavras. As palavras substitutas se chamam pronomes. Pelo que você viu até agora o que é que o leitor deve fazer para saber o significado de pronomes como eu e ele no texto?
Dentre outras atividades, a autora ainda propõe um exercício de flexão verbal
com os pronomes, como “Eu estava limpando / ___ estavas limpando” (p. 90).
Observando os espaços disponíveis para preenchimento e também a terminação verbal
de todas as dez opções, percebe-se que a forma pronominal plural de 1ª pessoa a gente
não foi incluída no rol dos pronomes pessoais.
No quinto exercício, há uma referência à variação linguística entre as formas
pronominais que expressam a 2ª pessoa do singular.
5) Esses pronomes são chamados de pessoais porque indicam as pessoas ligadas aos verbos. Você conhece alguém que, em vez de usar o pronome você, usa o pronome tu para tratar a pessoa com quem conversa? De que cidade ou estado brasileiro é essa pessoa que usa tu?
A sétima questão trata da forma vós, restrita a alguns gêneros de tradição
discursiva literária e utilizada – em contexto de fala – apenas em alguns gêneros
associados à religiosidade (como as preces espontâneas): “E o pronome pessoal vós,
você já o ouviu ou já o viu escrito em algum texto? Que tipo de texto é esse?” (p. 90).
Praticamente no final da atividade (questão 13), a autora novamente solicita que
os alunos listem os pronomes existentes, dessa vez em um quadro, com o objetivo de
117 comparar as formas pessoais com as formas possesivas (p. 92). Cabe destacar que, no
quadro – reproduzido a seguir –, só há espaço para as seis formas apresentadas
tradicionalmente (eu, tu, ele/a, nós, vós, eles/as).
Pronomes pessoais Pronomes possessivos
eu meu, minha, meus, minhas
tu
Em seguida à apresentação das atividades propostas, Campos (2014) sugere,
ainda, que outras atividades didático-pedagógicas
devem ir incorporando aos poucos, de bimestre em bimestre, ou de ano para ano, o estudo dos pronomes oblíquos, de outros pronomes de tratamento além de você e senhor, dos pronomes demonstrativos, interrogativos e indefinidos mais usuais na língua, sempre com o cuidado de chamar a atenção para o seu papel referencial e sintático (se substituem nomes ou se os acompanham” (p. 93).
No que se refere às pesquisas com propostas didático-pedagógicas no âmbito do
PROFLETRAS, em diferentes programas de pós-graduação nas universidades federais,
destacam-se quatro que interessam de forma particular à presente investigação. Trata-se
de trabalhos que, embora não versem exclusivamente sobre formas pronominais,
apresentam propostas pedagógicas – elaboradas a partir da reflexão sobre pesquisas
linguísticas: Souza (2015), Xavier (2015), Chagas (2016) e Gouvêa (2016).
Souza (2015) analisa as estratégias de indeterminação do sujeito empregadas por
alunos do 9° ano da rede municipal de ensino e propõe um estudo dirigido para
trabalhar o uso dessas estratégias, baseado na referida proposta de Vieira (2014, 2017).
Inicialmente, a autora realizou uma pesquisa de base sociolinguística para diagnosticar
as estratégias de indeterminação do sujeito empregadas por seus alunos do 9º ano em
atividades elaboradas para esse fim e na produção de artigos de opinião.
A partir desse diagnóstico, foi elaborado um trabalho didático-pedagógico, um
estudo dirigido, que objetivava oferecer uma visão apurada e ampla sobre o tema,
instrumentalizando seu público-alvo a refletir sobre o fenômeno em questão, por meio
da abordagem reflexiva da gramática. O estudo dirigido foi constituído por 12
118 atividades distintas, a partir das quais os alunos eram levados a perceber diferentes
formas utilizadas para a indeterminação do sujeito. Duas atividades-diagnose foram
realizadas para que a autora/professora levantasse as formas utilizadas pelos alunos
cotidianamente. As demais atividades tinham diversos objetivos, entre eles: (a)
instrumentalizar o aluno acerca do tema; (b) fazê-lo perceber as formas variantes
utilizadas, a depender do gênero textual; (c) produção textual de gêneros específicos,
utilizando estratégias de indeterminação do sujeito estudadas. Souza (2015) propôs,
como produção textual final, a elaboração de um artigo de opinião.
Um aspecto interessante da proposta de Souza (2015) é a capacidade de, a cada
atividade proposta, correlacionar os eixos de ensino propostos por Vieira (2014, 2017).
A seguir, são reproduzidas as reflexões da autora para a segunda atividade proposta.
ATIVIDADE II
Esta atividade, de caráter epilinguístico foi criada após percebermos que a aplicação dos testes de verificação de uso de estratégias de indeterminação sem uma atividade reflexiva seria pouco produtiva. (...).
Objetivo: Esta atividade epilinguística permite o trabalho com a Gramática como atividade reflexiva (EIXO I) e também como instância que manifesta fenômenos no âmbito da variação (EIXO III). Sua meta é fazer com que o aluno reflita acerca da tarefa anterior chegando à conclusão de que, embora com objetivos distintos, as cenas tinham em comum a proposição de estratégias de indeterminação do referente com o intuito de: (i) indeterminá-lo, em função de desconhecer o agente de uma ação; (ii) não revelar quem realizou um determinado ato, sob a justificativa de não se comprometer perante um grupo, modalizando o envolvimento de quem fala com o que fala; e (iii)criar certo suspense acerca de determinada informação. Além disso, a Atividade II permite ao educando começar a ter uma noção de que há diversas maneiras de indeterminar o referente em uma oração e diferentes contextos que justificam essa indeterminação.
Justificativa: A atividade leva o aluno a refletir sobre o sentido da indeterminação (item a), que formas a indeterminação pode assumir (item b), a necessidade de indeterminar em certas situações comunicativas (itens c, d e e), bem como o fato de que há diferentes maneiras de fazê-lo (g). (SOUZA, 2015, p. 122 e 123)
A pesquisa de Xavier (2015) também realiza uma diagnose na escrita escolar –
de alunos do 9° ano de uma escola de Natal (RN) – acerca do fenômeno de expressão do
acusativo anafórico de 3ª pessoa no PB. A partir dessa diagnose inicial, a autora propõe
a abordagem do acusativo anafórico, de modo a defender um ensino de língua e de
gramática no qual essas formas sejam trabalhadas em conjunto, a fim de que o aluno
119 perceba as diferentes possibilidades de relações e de construções sintáticas possíveis
dentro de sua gramática. A proposta de Xavier (2015) – assim como a de Souza (2015)
– foi realizada com os alunos nas classes em que a pesquisadora atuava como docente.
Os alunos atuaram como pesquisadores, analisando seus próprios textos, a fim de
encontrar as estratégias de realização do objeto anafórico de 3ª pessoa. A descrição a
seguir mostra isso:
Na etapa 05, os alunos tiveram de identificar, em diferentes textos, todas as formas de retomadas por objeto direto anafórico presentes neles. Essa atividade foi dividida em duas partes. Na primeira delas, todas as formas de acusativo anafórico estavam selecionadas e os alunos tiveram de identificar os referentes das formas em destaque. Na segunda parte, o processo foi feito ao contrário, pois os alunos tiveram de encontrar as formas de objeto direto anafórico correspondentes aos referentes que já estavam selecionados no texto. (XAVIER, 2015, p. 94)
Diferentemente de Souza (2015), Xavier (2015) desenvolveu sua proposta no
formato de sequência didática (SD). Os alunos realizaram uma produção textual
inicialmente – dos gêneros relato de filme e relato de experiência pessoal –, as quais
serviram para diagnose do uso das variantes do acusativo anafórico de 3ª pessoa. Após
essa diagnose – realizada pela autora/professora –, foram desenvolvidas diversas
atividades voltadas para o ensino das diferentes variantes da função em questão. A etapa
final consistia em aplicar novamente a mesma proposta de produção textual inicial, a
fim de verificar se os alunos aprenderam – e passaram a utilizar mais – a variante
padrão (clítico acusativo).
Voltando ao contexto de escolas públicas do Rio de Janeiro (Nova Iguaçu/RJ),
Chagas (2016) realiza uma diagnose acerca dos padrões de concordância verbal de 3ª
pessoa, praticados por alunos de 8° ano do ensino Fundamental. A partir desse trabalho
de mapeamento dos usos linguísticos em contexto de escrita escolar, a autora elabora
uma proposta pedagógica, visando à promoção de maior consciência linguística dos
alunos acerca do fenômeno em estudo, a fim de ampliar seu repertório linguístico, para
que sejam capazes de realizar usos populares ou cultos, mais ou menos monitorados, de
acordo com a situação de interação em que se encontram inseridos.
Na pesquisa de Chagas (2016), a autora realizou inicialmente uma experiência-
piloto, que possibilitou a análise das crenças e atitudes dos alunos acerca do tema da
variação linguística, relacionado tanto ao ensino de Língua Portuguesa em geral quanto
ao tema da concordância verbal de 3ª pessoa. No que se refere à proposta, seu objetivo
120 foi oferecer alternativas de ensino de concordância verbal que não estejam ligadas à
mera memorização de um padrão geral, de modo que os alunos tenham consciência
linguística sobre a variação.
A proposta pedagógica de Chagas (2016) traz inicialmente uma notícia sobre a
polêmica do livro didático que apresentava o seguinte exemplo de concordância verbal:
“nós pega o peixe”. A partir desse texto, os alunos são convidados a refletir sobre
questões de concordância relacionadas à 3ª pessoa, em textos com músicas e postagens
no Twitter. No final, ainda há a apresentação de um texto de Marcos Bagno, sobre
preconceito linguístico, a partir do qual os alunos são levados a refletir sobre o
fenômeno da concordância e o preconceito que há na sociedade em relação à ausência
da marca de concordância.
Quanto à organização das atividades, a autora as dispôs de maneira semelhante à
de Souza (2015), apresentando justificativas referentes aos três eixos, antes de cada
questão apresentada. A seguir, reproduz-se a questão 11.
Questão 11
Justificativa: Essa questão, de natureza linguística, visa a promover a reflexão do aluno sobre a leitura em torno das diferentes vozes presentes na notícia e levá-lo à reflexão, epilinguística, sobre como essas vozes se alternam no texto. A atividade está prioritariamente ligada ao Eixo 2 para o ensino de Língua Portuguesa porque trabalha, sobretudo, a produção de sentidos ancorados na relação do texto com a postura ideológica de seu locutor.
Na frase “Na obra, os autores afirmam que o uso da língua popular – ainda que com seus erros gramaticais – é válido”, há a presença de duas vozes que representam duas pessoas que expõem suas visões sobre o assunto discutido: uma que considera que “o uso da língua popular é válido” e outra que considera que esse uso popular tem “seus erros gramaticais”. Quem são essas pessoas, considerando o que cada uma afirma? (Chagas, 2016, p. 150)
Finalizando as pesquisas de mestrado desenvolvidas no âmbito do
PROFLETRAS elencadas na presente seção, há o trabalho de Gouvêa (2016). A
pesquisadora realiza um projeto-piloto, com diversas atividades baseadas no
documentário Fala tu, a fim de verificar como os alunos de uma escola municipal do
Rio de Janeiro expressam (usos) a 2ª pessoa discursiva e avaliam (crenças) a variação
referente a esse tema. A partir dos resultados desse trabalho inicial, a autora
desenvolveu uma proposta pedagógica, cujo objetivo era contribuir para que os alunos
121 pudessem refletir sobre o fenômeno em questão de forma mais crítica, autônoma e
eficaz, nas diversas situações comunicativas, nas modalidades falada e escrita,
expandindo sua experiência linguística em relação aos diversos gêneros textuais.
Na primeira sequência de atividades, os alunos são levados, a partir de alguns
gêneros textuais – como canções e bilhetes –, a reconhecer as formas pronominais
utilizadas para indicar as duas pessoas discursivas da interlocução. O objetivo dessa
etapa foi enfatizar questões de leitura e prática linguística, que possibilitassem o
trabalho com a 2ª pessoa discursiva. Para que os alunos pudessem colocar em uso as
variantes da 2ª pessoa discursiva, a segunda etapa de atividades priorizou a prática
textual de diferentes gêneros interlocutivos, próprios do domínio da comunicação, entre
os quais: conversas no Whatsapp e comentários no Facebook.
Quanto à organização da proposta, Gouvêa (2016) arruma as questões de modo
semelhante a Souza (2015), apresentando os objetivos, as justificativas e os resultados
de cada atividade aplicada. Para fins de ilustração, a seguir, foi reproduzido um trecho
dessa proposta.
Questão 1
Releia o convite enviado por um dos personagens do filme a que você
assistiu sobre o conto “Os óculos de Pedro Antão”, do escritor Machado
de Assis.
Pedro. Recebi hoje as chaves da casa de meu tio; vou abri-la. Queres
acompanhar-me? Não penses que é por medo de lá entrar só; é porque
eu sei que tu tens interesse e gosto em penetrar nos negócios
misteriosos: e nada mais misterioso que a casa do famoso tio. Vem ao
meio-dia. Teu Mendonça.
a- A quem é dirigido o convite acima?
b- Quem o envia?
c- De que trata tal convite?
Essa primeira questão envolve três itens de leitura que constituem uma
abordagem de cunho linguístico com o intuito de verificarmos e
122
explorarmos o conhecimento “interno” dos alunos acerca da atividade
central e primordial da categoria pronominal: a função dialógica.
Vale ressaltar que aquilo que chamamos de “conhecimento interno” é
tratado por Franchi (2006, p. 31) como “gramática interna” e
corresponde ao próprio saber linguístico do falante, construído e
desenvolvido na atividade linguística em si. (Gouvêa, 2016, p. 74 e 75)
Há ainda dois trabalhos que – embora não tenham derivado de uma dissertação
de mestrado – também interessam particularmente à presente investigação, e, inclusive,
servem de justificativa para a elaboração de uma proposta pedagógica: são os de
Barbosa (2007 e 2015).
Barbosa (2007) tece considerações acerca dos diversos saberes que devem estar
envolvidos no tratamento dos fatos gramaticais, por parte dos professores de língua
materna. De acordo com o autor, o primeiro trata do “saber linguístico da norma
vernácula de uso do falante, aquilo que, para além da competência linguística inata, é
compartilhado por sua comunidade ou região” (p. 37). O segundo refere-se ao “saber
linguístico descritivo/prescritivo partilhado por todo o Ocidente, atingido direta ou
indiretamente pelos modelos greco-romanos de gramáticas” (p. 38). Finalmente, o
último é o saber “recebido nos cursos de graduação por ocasião do estudo de diferentes
linhas de gramática descritivo-científicas – estruturalistas, funcionalistas, gerativistas,
dentre outras – ou ainda de abordagem de foco na interação ou no discurso” (p.40).
Ainda segundo Barbosa (2007), o professor de língua materna é um pesquisador,
que deve saber resolver problemas – não previstos nos manuais didáticos – “com
habilidade de percepção e reflexão sobre dados e suposições que ele cria no
acompanhamento das descrições e hipóteses explicativas de cada escola linguística” (p.
41). Entende-se – pelas palavras do autor – que o professor não deve se limitar ao
conhecimento de apenas um desses saberes, mas buscá-los de forma a completar sua
formação. Munido desses saberes, o professor será capaz de identificar – a respeito de
qualquer tema gramatical: (a) o que os falantes dizem no vernáculo; (b) o que a tradição
gramatical diz; e (c) o que dizem as pesquisas linguísticas. Dessa maneira, o professor
de Língua Portuguesa torna-se capaz de refletir sobre os fatos da língua e apto para
ensiná-los de modo também reflexivo.
123
Ainda refletindo sobre questões relacionadas ao ensino, Barbosa (2015) tece
considerações acerca do ensino de Língua Portuguesa, priorizando a relevância do
trabalho com a variação linguística, no âmbito da formação dos professores de língua
materna. Esse trabalho interessa particularmente à presente pesquisa também por
questionar a falta de materiais didáticos reflexivos, disponibilizados para o professor
recém-formado. De acordo com Barbosa, são realizadas reflexões científicas nos cursos
de Letras, o que constitui uma formação excelente para o graduando da área. Entretanto,
ao entrar para o mercado de trabalho, o graduado/licenciado depara-se com um
empecilho ao ensino reflexivo: não há materiais didáticos na mesma proporção que
houve debates científicos (Cf. BARBOSA, 2015, p. 257).
Barbosa (2015) ainda pondera que, ao se estabelecer um objeto de ensino para as
aulas de Língua Portuguesa, é necessário “decidir recortes temático-descritivos e
redução terminológica que não desfigurem o objeto descrito com lacunas ou
incoerências teórico-metodológicas” (p. 260). Para o autor, esse recorte e redução
terminológica constituem uma questão de bom senso, na elaboração de material a ser
consultado por adolescentes. Ainda de acordo com Barbosa (2015), compete a essa
geração a disponibilização de “materiais didáticos com boas reduções das descrições,
análises e reflexões sobre os fatos da língua, suas multidimensões discursivas, sociais e
propriedades gramaticais” (p. 260).
A título de exemplificação do que propõe, o autor descreve um trabalho
realizado por ele, no âmbito das aulas do curso de Letras de UFRJ, com uma turma de
calouros. Barbosa (2015) realizou, para a abordagem dos diversos quadros de pronomes
pessoais, diversas atividades – em conjunto com a turma – a partir de alguns dados. A
ideia geral era construir paradigmas de pronomes pessoais conjugados com verbo
regular de 1ª conjugação.
Na primeira etapa, o autor levantou o uso que o grupo da turma considerava
espontâneo na prática linguística cotidiana deles mesmos. Após colocar esses dados no
quadro negro, discutiu-se, para entender quais usos eram mais esperados nos discursos
mais monitorados dos próprios estudantes, quais eram provenientes do contato com
gêneros escritos cotidianos e quais eram efetivamente do vernáculo dos alunos. Na
segunda etapa, foi construído um quadro sobre o uso literário mostrado pela gramática
tradicional. A partir desse novo sistema, foram discutidas as formas que fazem a língua
124 modelar diferente das variedades orais analisadas na primeira etapa. A terceira etapa
apresenta o que a comunidade local dos alunos utiliza. Nessa etapa, foi discutido o
conceito de avaliação negativa, de acordo com as considerações de Labov, a partir da
análise das formas que os alunos consideravam “estranhas” na comunidade local.
Na quarta etapa, foram analisadas formas que os alunos consideram estranhas,
utilizadas por outras comunidades linguísticas. Essa etapa foi relevante para a
abordagem do conceito de variante linguística, sem se prender aos conceitos de bom,
ruim, certo ou errado. Finalmente na quinta etapa, foi apresentado o sistema mais
reduzido morfologicamente, com duas formas verbais apenas (1ª pessoa e demais
pessoas). A discussão final foi realizada em relação a esses cinco quadros pronominais
enquanto sistema: quais constituem um diassistema e qual o propósito do uso das
formas veiculadas pela gramática tradicional.
Essa abordagem do quadro pronominal a partir da própria reflexão dos alunos –
com base nos diferentes quadros pronominais a que eles em alguma medida têm acesso
– constitui um exemplo de orientação didática para o tratamento de temas variáveis,
com base na reflexão linguística a partir dos saberes gramaticais que devem
fundamentar a prática pedagógica. Desse modo, trata-se de mais uma referência que
serve para capacitar o futuro professor de Língua Portuguesa a refletir tanto sobre
questões teórico-metodológicas de base quanto sobre questões pedagógicas em geral.
As pesquisas descritas ao longo desta subseção revelam que há um esforço no
intuito de tornar o ensino de Língua Portuguesa mais reflexivo acerca do componente
gramatical. Cabe salientar que especificamente as pesquisas desenvolvidas no âmbito do
PROFLETRAS ainda cumprem o desafio da construção de uma pedagogia da variação
linguística (Cf. FARACO, 2015) a partir da elaboração de atividades pedagógicas.
3.3. Justificativa e metodologia para a elaboração da proposta
Uma das justificativas para a elaboração de uma proposta pedagógica – sob a
forma de um estudo dirigido – voltada para o ensino do quadro de pronomes pessoais
vem das considerações realizadas por Barbosa (2015), sobre a necessidade da criação –
pela presente geração – de materiais didáticos que possibilitem a reflexão sobre a
língua, considerando os saberes que os alunos já apresentam sobre o vernáculo, os
125 saberes descritos/prescritos pelas gramáticas normativas e também os saberes descritos
pelas pesquisas linguísticas. Nesse sentido, a diagnose dos usos relacionados ao quadro
pronominal por parte dos alunos também justifica plenamente essa necessidade, visto
que permitiu verificar a distância entre as variantes praticadas pelos alunos, suas normas
de uso e as propostas como modelares, que fazem parte do diassistema da Língua
Portuguesa em suas diversas expressões.
Para a elaboração da proposta pedagógica de ensino do quadro pronominal31 –
descrita na próxima seção –, aplicou-se metodologia semelhante ao trabalho realizado
por Souza (2015): abordagem do componente gramatical através de atividades
linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas, relacionadas ao ensino de gramática em
três eixos (VIEIRA, 2014, 2017), desenvolvida num modelo de estudo dirigido.
Primeiramente, definiu-se que as atividades levariam os alunos ao
reconhecimento das formas pronominais em uso efetivo, tanto na fala quanto na escrita
do PB, privilegiando-se, como ponto de partida, o comportamento linguístico da
variedade carioca. A apresentação inicial de variantes que compõem um quadro de
pronomes pessoais no PB – dentro desta proposta pedagógica – não tem por objetivo
sistematizar a variação linguística, o que será realizado mais adiante no material
proposto. As duas primeiras partes cumprem o papel de diagnose dos diversos usos.
Além desse trabalho de mapeamento inicial, a presente proposta também pretende levar
o aluno à observação dos pronomes em variação nas seguintes funções e pessoas: o
sujeito de 1ª pessoa plural e 2ª pessoa singular, e o objeto direto e o indireto da 3ª
pessoa. Essas pessoas e funções específicas foram escolhidas por haver mais estudos
linguísticos nesse sentido, estudos que comprovam serem essas regras variáveis
relevantes para a promoção do domínio de normas em variados gêneros textuais.
Para a elaboração específica das atividades, foram selecionados os textos que
serviriam para esse propósito. Determinou-se que seriam utilizados alguns gêneros
textuais específicos – das modalidades escrita e falada, tanto de registro formal quanto
31 Em 2013, antes do ingresso no Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (UFRJ) e da participação no grupo de pesquisa Gramática, variação e ensino: diagnose e propostas pedagógicas, a professora/pesquisadora já tinha elaborado e testado, ainda que intuitivamente, um conjunto de atividades para o ensino do quadro pronominal. A análise dessas atividades – reproduzidas no anexo III desta dissertação – mostra que a visão ainda era imatura quanto à abordagem do quadro de pronomes pessoais, pela falta de conhecimento teórico e pedagógico. Após o contato acadêmico, houve amadurecimento do modo de ensinar o tema, que foi novamente escolhido para a atual proposta pedagógica.
126 de informal – nos quais haveria ocorrências das variantes linguísticas em estudo. A
seleção com base nesses critérios justifica-se pela necessidade de trabalhar os contínuos
de oralidade e letramento e de monitoração estilística.
Uma vez que a proposta foi desenvolvida para uma turma de 9° ano do ensino
fundamental, convencionou-se que seriam selecionados gêneros textuais cujas
características os alunos, supostamente, já conheciam. Em relação às 1ª e 2ª pessoas,
gêneros com características dialógicas foram privilegiados, uma vez que nesses textos
apareceriam os pronomes da interlocução. Quanto à terceira pessoa – que, a rigor,
aparece em todos os gêneros do discurso, por constituir o próprio objeto da enunciação
–, foram selecionados alguns gêneros que apareceram também para as demais pessoas,
além de outros, como contos e notícias. O quadro a seguir sintetiza os gêneros textuais
escolhidos para o trabalho com cada pessoa e função específica.
Função/
Pessoa
1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa
Nominativa tirinha, poema,
entrevista, coluna
de jornal, termo de
esclarecimento
tirinha, anúncio,
canção, entrevista
anúncio
Acusativa tirinha anúncio, canção,
postagem32,
reclamação de
consumidor,
notícia, conto,
anedota, carta
Dativa tirinha tirinha tirinha, carta, conto
Reflexiva -33 - notícia
Quadro 8 – Os gêneros textuais distribuídos pelas funções estudadas no estudo dirigido.
Partindo do pressuposto de que os alunos já estariam familiarizados com as
características dos gêneros textuais escolhidos, explorar tais aspectos não foi objetivo
primário do estudo dirigido elaborado. Portanto – para cada texto selecionado – nem
sempre foram privilegiadas questões formuladas exclusivamente para abordar a
caracterização do gênero textual em si mesma. Justificado esse item, assume-se aqui
32 Assume-se aqui que as postagens – veiculadas nas redes sociais – funcionam como gêneros textuais. 33 Para a função reflexiva de 1ª e 2ª pessoas, foram elaborados exercícios epilinguísticos em que os alunos utilizariam essas formas. Isso justifica ausência de gêneros textuais selecionados para essa função.
127 que, embora se objetive relacionar o quadro pronominal aos sentidos produzidos em
textos (conforme Eixo II), a abordagem dos textos selecionados, sempre consoante a
construção indutiva e sistemática do conhecimento gramatical (conforme Eixo I),
privilegiará o Eixo III, uma vez que se pretende – principalmente – apresentar as
diferentes formas pronominais variantes, utilizadas para todas as funções em estudo.
Convencionou-se, ainda, que a proposta seria desenvolvida para o 9° ano do
ensino fundamental, pois se acredita que os alunos desse ano escolar têm mais
conhecimento gramatical sistematizado – além da maior capacidade de abstração,
importante para o estudo científico – para discutir o assunto de forma mais aprofundada.
Além dos conhecimentos amplos sobre os gêneros textuais selecionados, pressupõe-se
que esses alunos já tenham estudado, nos anos anteriores, conceitos relativos a
transitividade verbal, complementos verbais e também pronomes pessoais – para já
reconhecerem algumas formas padronizadas apresentadas pela escola – principalmente
os clíticos acusativo e dativo. Dessa forma, as questões formuladas em cada módulo
também foram desenvolvidas sem o compromisso de ensinar a priori tais conceitos para
os alunos. Assume-se aqui que, caso haja alguma dúvida em relação a essas definições,
o professor poderá esclarecê-la no momento de aula.
Em relação a cada eixo de trabalho proposto por Vieira (2014, 2017), foram
definidos os objetivos específicos que seriam privilegiados nessa proposta pedagógica.
No que tange ao Eixo I, o estudo dirigido propõe-se a ensinar o que é um pronome
pessoal, levando em consideração os três critérios (PINILLA, 2007) para definição das
classes gramaticais – a saber, semântico, morfológico e sintático. Quanto ao Eixo II,
pretende-se abordar as funções discursivas dos pronomes vinculadas aos textos – ou,
seja, o modo como essa categoria morfossintática contribui para a formação do sentido
no texto: trabalha interlocução e realiza retomadas anafóricas. Finalmente, no Eixo III,
almeja-se levar o aluno ao reconhecimento das diferentes variantes – pronominais ou
não –, utilizadas para a expressão das funções em estudo: nominativa, acusativa, dativa
e reflexiva. Além da apresentação de todas as variantes, espera-se, ainda, abordar – de
forma mais aprofundada – o nominativo de 1ª pessoa do plural e de 2ª pessoa do
singular, o acusativo e o dativo de 3ª pessoa. Essas escolhas quanto ao Eixo III
decorrem, sobretudo, dos resultados da diagnose realizada: trata-se, de um lado, de
promover a ampliação do repertório de variantes, e, de outro, de trazer ao plano da
128 consciência linguística o quadro pronominal mais amplo. Assim, cumprem-se objetivos
pedagógicos no plano não só da produção, mas também da recepção das variantes
pronominais.
Quanto à organização da proposta pedagógica, determinou-se que a mesma seria
dividida em seis partes distintas, denominadas módulos. O primeiro módulo trata dos
pronomes-sujeito. Nesse módulo, a partir da leitura de alguns textos – por meio de uma
abordagem indutiva –, são levantadas as variantes pronominais que funcionam como
sujeito. Uma vez que o objetivo desse módulo é apenas o reconhecimento de tais
formas, não há necessidade de sistematização da variação linguística nesse ponto do
estudo dirigido. Assim, ainda não há um trabalho específico em relação à variação que
ocorre nas formas nominativas de 1ª pessoa do plural e 2ª pessoa do singular.
O segundo módulo trata exclusivamente das formas pronominais que funcionam
como objeto. Assim como no primeiro módulo, esse ainda não era o momento reservado
exclusivamente ao Eixo III, pois a preocupação primária é levar o aluno ao
reconhecimento dos pronomes-objeto. Para tanto, foram elaboradas questões que – a
partir da leitura de diferentes gêneros textuais pré-selecionados – contribuíssem para o
levantamento e reconhecimento dessas formas pronominais, utilizadas em diferentes
contextos sócio-comunicativos.
A partir do terceiro módulo, inicia-se o tratamento mais direcionado ao
tratamento do Eixo III – da variação linguística. Esse módulo retoma o trabalho com as
formas variantes da 1ª pessoa do plural – apenas apresentado no primeiro módulo –,
mostrando o comportamento das formas nós e a gente, a depender da modalidade
linguística (oral ou falada) e também das situações de registro (formal ou informal). Há
de se convir que – em virtude da limitação de espaço no material – é realizado um
recorte em relação gêneros trabalhados, a partir desse módulo. Como essa é uma
proposta inicial, pressupõe-se que o professor pode – no decorrer de outras aulas –
ampliar o trabalho com outros gêneros, através de pesquisas realizadas com os alunos.
Dessa maneira, quando se propõe, por exemplo, que os alunos distribuam essas formas
pronominais por um contínuo de variação linguística (de oralidade/letramento e
também de monitoração estilística), acredita-se que essa tarefa se tornará mais
produtiva quando atrelada à pesquisa proposta.
129
No quarto módulo, propõe-se que o aluno estude a variação das formas tu e
você, referentes à 2ª pessoa do singular, associadas também à variação que ocorre nas
modalidades oral e escrita e no registro utilizado – formal ou informal.
O quinto módulo trata do objeto direto anafórico de 3ª pessoa e apresenta uma
novidade em relação aos demais: além de estudar as formas pronominais o(s), a(s) e ele,
também apresenta outras estratégias para a expressão dessa função, a saber, os SNs e
também o objeto não expresso. O sexto módulo também traz outras estratégias, desta
vez para a realização do dativo anafórico de 3ª pessoa: os SPs anafóricos e o objeto não
expresso.
Naturalmente, os alunos já utilizam essas estratégias não pronominais referentes
tanto ao acusativo quanto ao dativo de 3ª pessoa; entretanto, muitos não têm consciência
linguística disso, por nunca terem refletido sobre o assunto. Dessa maneira, no quinto e
no sexto módulos, pretende-se ainda levar o aluno à reflexão linguística quanto às
variantes utilizadas nessas duas funções em estudo, sejam pronominais ou não.
Quanto à linguagem utilizada no estudo dirigido, convencionou-se que o ideal
seria estabelecer uma interação entre a proposta e seu leitor (o aluno). Para atender tal
propósito, optou-se por uma linguagem dialógica, através do convite para o aluno
refletir sobre o que está sendo abordado. Os módulos também são conectados uns aos
outros por meio do diálogo estabelecido com o aluno. Dessa maneira, ao longo do
material, são realizados questionamentos ao leitor, de modo a conduzi-lo ao
conhecimento que se pretende abordar na proposta pedagógica.
Cabe esclarecer que, por razões externas à pesquisa34, não foi possível a
aplicação da proposta pedagógica em uma turma de alunos da rede pública municipal do
Rio de Janeiro, já que a professora/pesquisadora não fazia mais parte do corpo docente
da E. M. Thomé de Souza, ao final da pesquisa. Isso não impede, porém, que –
futuramente – a proposta seja aplicada por outro professor da referida escola ou ainda
em outra instituição de ensino.
34 A professora deixou de lecionar na E.M. Thomé de Souza, para assumir o cargo de professor efetivo no Colégio Pedro II (março de 2017).
130
3.4. Proposta pedagógica de ensino do quadro de pronomes pessoais
A presente seção descreve o estudo dirigido elaborado para o ensino do quadro
pronominal, destinado a uma turma de 9° ano. Como essa proposta pedagógica é
dividida em seis módulos gerais, foi inserido, antes de cada, um resumo com seus
objetivos e justificativas. Faz-se necessário esclarecer que essa parte explicativa serve
apenas como uma descrição para o professor e não apareceria em uma possível versão
do material para o aluno.
Módulo I: Essa primeira parte, composta por 4 textos e 12 questões, inicia a
abordagem da conceituação dos pronomes pessoais e também da diagnose das formas
disponíveis na língua. Pressupõe-se que os alunos sabem reconhecer os termos que
funcionam como sujeitos nas orações.
Objetivos: Esse módulo propõe que o aluno realize o reconhecimento do pronome
pessoal enquanto classe gramatical. Para tanto, foram utilizados três critérios de
definição: semântico, morfológico e sintático. A partir dos textos para análise, o aluno
é levado a realizar a distribuição dos pronomes que podem funcionar na função de
sujeito. Para atingir esse objetivo, foram elaboradas questões de natureza linguística e
epilinguística.
Justificativa: Buscou-se trabalhar com os três eixos do ensino de gramática (VIEIRA,
2014, 2017), uma vez que o aluno seria levado a reconhecer as variantes linguísticas
pronominais utilizadas para a expressão da função de sujeito das três pessoas do
discurso. O Eixo I justifica-se uma vez que as questões levam os alunos a operar sobre
a própria linguagem, ao refletir sobre as questões linguísticas e epilinguísticas
propostas. O Eixo II também é privilegiado nessa atividade, pois os alunos são levados
a relacionar o uso dessas variantes pronominais a partir dos textos e gêneros em
análise, já apresentando a função discursiva dialógica dos pronomes de primeira e
segunda pessoas e anafórica, no caso da terceira pessoa. Finalmente, o trabalho com o
Eixo III surge uma vez que são levantadas – ainda que brevemente – questões acerca
da variação das formas pronominais utilizadas.
131
MÓDULO I
Querido aluno, vamos começar a estudar uma classe gramatical que pode fazer
referência tanto ao sujeito quanto aos complementos dos verbos. Você tem ideia de qual
seja? Certamente, você já estudou essas palavras e sabe classificá-las. Nesse material
didático, vamos estudá-las novamente, observando seus usos de acordo com a variação
que existe na língua. Você está pronto? Então, vamos lá!
Leia a seguinte propaganda, publicada na Revista O Globo.
TEXTO I
Revista O Globo, 23/08/2015.
1) Toda propaganda possui uma característica principal: apresentar um produto através
de imagens e palavras, a fim de conquistar um cliente.
a) Que produto/serviço é oferecido no texto I?
b) Para se referir ao seu interlocutor, o texto faz uso de
algumas palavras específicas. Transcreva essas palavras.
c) Que palavra foi utilizada para se referir a quem “fala” nessa
propaganda?
d) Como ficaria a última oração se autor se referisse ao interlocutor no plural?
TEXTO II
(http://apropagandainfoco.blogspot.com.br/2013/09/por-traz-das-imagens.html)
Você se lembra que interlocutor é cada uma das pessoas que participam do discurso? A pessoa que fala também é conhecida como locutor.
132 2) Que produto/serviço é oferecido nesse anúncio do texto II?
3) O curioso caso de Benjamin Button é nome tanto de um livro quanto de um filme
americanos, que narram a história de um personagem que nasce velho e vai ficando
jovem à medida que o tempo passa.
No anúncio da rede Hortifruti, há uma intertextualidade com essa obra de ficção.
De que modo essa relação é estabelecida?
4) Releia o seguinte trecho:
I- “Ele se sentiu mais novo depois de passar pela Hortifruti”
a) A que faz referência o termo destacado? Esse termo indica os interlocutores ou o
objeto do discurso (aquilo de que se fala)?
b) Que função sintática o termo destacado na oração está exercendo?
c) Faça como no modelo35:
MODELO O Amendoim Button, ele se sentiu mais novo depois de passar pela Hortifruti.
Agora é sua vez! A Incrível Rúcula, _________________________________________________. A Incrível Rúcula e a Hortaliça Rebelde, ____________________________________. O Batatman e o Thormate, _____________________________________________.
d) As personagens/legumes/hortaliças utilizadas no modelo do item anterior (c) também
aparecem em outros anúncios da rede Hortifruti. Você sabe a que fazem referência os
nomes utilizados? Converse com seus colegas, verifique se eles também conhecem e
acrescente a referência a seguir.
A Incrível Rúcula: ______________
A Hortaliça Rebelde: _____________
Batatman: ________________
Thormate: ________________
De que modo esses nomes se assemelham aos nomes utilizados originalmente?
5) No primeiro anúncio (texto I), o discurso gira – de forma direta – em torno dos
interlocutores. No texto II, isso também acontece? Há uma mensagem direta para um
35 Vale ressaltar – para o professor – que esse tipo de exercício com topicalização foi escolhido, pois permite destacar partes específicas do discurso – e pode ser utilizado como recurso textual, tanto na fala quanto na escrita. Além disso, é o tipo de atividade epilinguística que possibilita acessar o conhecimento linguístico que o aluno já tem armazenado. Outras questões semelhantes a essa aparecem no decorrer no material pedagógico.
133 leitor/destinatário? Com base nessas questões, justifique por que o leitor se sentiria
atraído a comprar amendoim na rede Hortifruti.
Agora, vamos ler um fragmento deste poema, escrito por Thiago de Mello?
TEXTO III Toada de ternura – fragmento Vamos andando, Leonardo. Tu vais de estrela na mão, Tu vais levando o pendão, Tu vais plantando ternuras Na madrugada do chão.
(Thiago de Mello. Faz escuro mas eu canto. Rio de Janeiro: Record. p. 27-8)
6) Nesse poema, com quem o eu-lírico está falando?
7) Duas palavras foram utilizadas pelo eu-lírico do poema
para se referir a seu interlocutor.
a) Transcreva-as.
b) Dessas duas palavras, uma está sendo utilizada para retomar a outra. Qual realiza a
retomada?
8) Releia o trecho a seguir.
“Vamos andando, Leonardo.”
Considerando a situação discursiva do poema, a quem se refere o verbo
destacado? Que forma pronominal poderia ser utilizada juntamente com esse verbo?
O texto III é um fragmento de uma canção de Ana Carolina. Esse gênero textual
apresenta uma semelhança em relação aos poemas, por também apresentar um eu-lírico,
que aborda determinado assunto de modo subjetivo.
Você conhece essa canção? Vamos ler (e cantar) esse trechinho?
TEXTO IV
Quem de nós dois – fragmento Ana Carolina
E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais E te perder de vista assim é ruim demais E é por isso que atravesso o teu futuro E faço das lembranças um lugar seguro
Não é que eu queira reviver nenhum passado Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída Acabo entrando sem querer na tua vida
(https://www.vagalume.com.br/ana-carolina/quem-de-nos-dois.html)
Você certamente se lembra que eu-lírico é a voz que fala dentro de um poema.
134
9) Na canção, o eu-lírico parece bastante angustiado. Qual é a principal causa dessa
angústia?
10) O título da canção já dá uma pista sobre os envolvidos na canção (o eu-lírico e seu
interlocutor). Qual é a palavra utilizada pelo eu-lírico para se referir aos envolvidos
nessa situação discursiva? Essa palavra foi utilizada na sua resposta da questão 4?
11) Através de certas palavras específicas da língua, são feitas as referências a quem
fala e a quem se destina a mensagem da canção. Que palavra foi utilizada pelo eu-lírico
para se referir a si mesmo?
12) Nas questões anteriores, trabalhamos com algumas palavras específicas.
a) Que palavras foram essas?
b) Você sabe indicar a classe gramatical delas?
c) Qual era a função sintática exercida por elas na maior parte dos exemplos
estudados?36
Leia a seguinte “Caixinha do Conhecimento” e discuta com seus colegas e
seu(sua) professor(a) os conceitos ali apresentados.
CAIXINHA DO CONHECIMENTO I
Nessa primeira parte, você observou que algumas palavras são utilizadas para designar pessoas ou coisas, indicando-as no discurso. Observem que essa é uma informação semântica sobre essa palavra.
As pessoas do discurso podem ser divididas em:
1ª pessoa – a pessoa que fala (ou locutor)
2ª pessoa – a pessoa com quem se fala (ou interlocutor)
Em um discurso, também é possível se referir ao objeto em questão, ou seja, àquilo de que se fala. Esse terceiro “integrante” é conhecido como a 3ª pessoa.
É importante esclarecer que, teoricamente, a 3ª pessoa não seria uma pessoa do discurso, pois não é quem fala nem quem ouve. Por isso, ela também pode ser tecnicamente conhecida como a “não-pessoa”, pois não representa as verdadeiras pessoas do discurso (1ª e 2ª).
As palavras que você estudou no Módulo I são pronomes, palavras que também servem para indicar as pessoas do discurso na função de sujeito.
Os pronomes exercem algumas funções discursivas dentro de um texto:
36 Nesse ponto, espera-se que o professor possa fazer uma sistematização das palavras estudadas considerando 1ª, 2ª e 3ª pessoas. Ainda é relevante que o professor relembre a função de sujeito, pois é necessária para que o aluno reconheça essa função exercida pelos pronomes pessoais.
135 (a) Realizam a interlocução – É a partir do uso de pronomes que podemos nos referir às pessoas do discurso que dialogam entre si (1ª e 2ª pessoas).
(b) Realizam retomadas – Os pronomes pessoais, no discurso, também servem para fazer retomadas de outros termos utilizados anteriormente. A retomada por meio de um pronome contribui para manter a coesão textual – que basicamente mantém a harmonia estrutural de um texto – diminuindo as repetições dos termos.
Além de indicar as pessoas do discurso e contribuir para a construção de referências dentro de um texto, os pronomes também podem exercem duas funções sintáticas importantes: sujeito e complemento verbal.
ESPAÇO da PESQUISA
Querido aluno, estamos chegando ao fim desse primeiro módulo! Vimos
diferentes formas pronominais que exercem a função sintática de sujeito nas frases.
Você conhece outras formas além das que observamos nesse módulo?
Reflita sobre as seguintes questões:
(1) Você utiliza todos os pronomes-sujeito que estudamos?
(2) E seus amigos, também utilizam essas formas?
(3) Em relação às pessoas do seu bairro, da sua rua: elas utilizam as mesmas formas que
você?
(4) Você conhece pessoas idosas ou que nasceram em outro estado brasileiro? Elas
utilizam os mesmos pronomes-sujeito que você utiliza?
Agora, com a ajuda do(a) seu(sua) professor(a), vamos realizar uma pesquisa
linguística! Esse é um trabalho de investigação sobre a língua. A partir dessas questões
colocadas para reflexão, converse com algumas pessoas que você conhece, para
observar que formas pronominais elas utilizam para expressar o sujeito das frases.
Metodologia da Pesquisa
a) Selecione 2 pessoas para cada um desses grupos: seus amigos da mesma idade,
seus pais ou responsáveis, adultos da sua rua ou bairro e idosos.
b) Peça para gravar uma entrevista com as pessoas selecionadas: antes de gravar,
com a ajuda do seu professor, elabore 5 questões de assuntos diversos
(Exemplos: futebol, moda, comida, transporte público, televisão, internet, etc.).
Evite criar questões que facilitem respostas de “sim” ou “não”.
136
c) Após a etapa das entrevistas, transcreva as falas gravadas para observar o
comportamento linguístico das pessoas em relação às formas pronominais
utilizadas.
Além dessa análise sobre a fala, pesquise também quais seriam as formas
pronominais utilizadas por essas pessoas em contextos de escrita.
d) Para essa etapa, selecione um texto escrito já produzido pelas pessoas
entrevistadas. Utilize, para facilitar esta etapa da pesquisa, os seguintes gêneros
textuais: e-mails, mensagens de Whatsapp, conversas de chats, postagens no
Facebook, Instagram ou Twitter. Pode ser mais difícil encontrar um texto
produzido pelas pessoas mais velhas; assim, solicite a ela algum texto pessoal
que ela tenha escrito.
Possivelmente, você deve ter encontrado alguma forma diferente das que você
usa. Com base em sua pesquisa, tente preencher o quadro dos pronomes-sujeito a
seguir, de acordo com a legenda. Além disso, acrescente também quais gêneros textuais
você utilizou para a análise da escrita na sua pesquisa.
1 – Você / 2 – Seus amigos / 3- Seus pais ou responsáveis / 4 – As pessoas da sua rua / 5 –
Pessoas idosas37
Quadro dos pronomes-sujeito
1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa
1 singular plural singular plural singular plural
2 singular plural singular plural singular plural
3 singular plural singular plural singular plural
4 singular plural singular plural singular plural
5 singular plural singular plural singular plural
Gêneros Pesquisados
37Faz-se necessário destacar que, com essa divisão, o professor deve fazer com que os alunos percebam há diferentes quadros de pronomes pessoais.
137
Módulo II: Essa parte trata dos pronomes pessoais que exercem a função de objeto
direto ou objeto indireto. Pressupõe-se, conforme já se esclareceu, que os alunos
estejam familiarizados com esses conceitos. Essa atividade é composta por 7 textos e
19 questões.
Objetivos: Dando prosseguimento ao Módulo I, essa segunda parte continua
trabalhando com a noção da classe gramatical dos pronomes, especificamente os
pessoais. Espera-se, a partir das atividades, que os alunos tenham capacidade de
reconhecer o critério sintático de classificação dessas palavras, além de também
observar o critério morfológico – como a informação de número. Com base nos textos
escolhidos para essa etapa – de gêneros diversos –, acredita-se que os alunos sejam
capazes, através de questões de natureza linguística e epilinguística, preencher um
quadro dos pronomes pessoais ao final da atividade.
Justificativa: Novamente, há um trabalho com os três eixos de ensino propostos por
Vieira (2014, 2017). O Eixo I é explorado nas atividades linguísticas e epilinguísticas,
que buscam levar o aluno ao reconhecimento dos pronomes pessoais enquanto
categoria que funciona como objetos dos verbos. Já o Eixo II também é colocado em
prática, a partir do trabalho com diversos gêneros, o que possibilita ao aluno uma
percepção da relação dos pronomes pessoais na construção do sentido no que se refere
à representação do interlocutor. Finalmente, no âmbito do Eixo III, são apresentadas as
diversas variantes pronominais existentes, na função de complemento no presente
módulo.
MÓDULOII
Que bom que você já chegou ao módulo II! Vamos agora observar as palavras
utilizadas para indicar as pessoas do discurso, só que na função de complemento verbal.
Certamente você se lembra do objeto direto e do
objeto indireto. Esses conceitos são muito importantes para
essa etapa! Você está preparado? Vamos avançar, então!
1) Como você deve saber, de acordo com o papel que
exercem na frase, as palavras podem desempenhar uma ou
O objeto direto complementa os verbos transitivos diretos e o objeto indireto, introduzido por preposição, complementa os verbos transitivos indiretos.
138 outra função sintática. Observe o verbo da oração do Texto I, do Módulo I, destacado a
seguir.
I – “Se o seu celular deixar você na mão”
a) Observe o comportamento do verbo destacado. Que termos são exigidos por esse
verbo (sujeito/ complementos)?
b) Que pronome funciona como complemento do verbo deixar, nesse caso?
c) Observe outra oração com o verbo deixar.
II – Meu pai deixou você na rua?
O comportamento do verbo deixar nesse contexto é semelhante ao que ocorre na
oração (I)?
Que termos são exigidos por esse verbo, nesse caso?
Que função sintática é exercida pelo pronome você?
Vamos ler o próximo texto, que é mais um anúncio. Dessa vez, a empresa de
telefonia Vivo resolveu passar uma mensagem que julga importante para seus
leitores!
TEXTO I
https://twitter.com/vivoemrede
2) Esse texto vende um produto/serviço ou faz uma advertência? Justifique sua resposta.
3) Observe a seguinte oração:
I – “você desliga do trânsito”
a) A quem se refere o pronome você, nessa oração?
b) Esse pronome apresenta ambiguidade/ duplo sentido? Justifique sua resposta.
c) Que sentido assume a expressão “desliga do trânsito” dentro desse anúncio?
4) Observe as orações a seguir.
I – “Quando alguém te liga, você desliga do trânsito”
a) Considerando o contexto discursivo desse anúncio, a quem se refere o pronome você?
139 b) Que palavra funciona como complemento do verbo destacado acima? Essa palavra se
refere a quem?
Vamos de música novamente? O texto a seguir é um trecho de uma música
tocada pela banda Capital Inicial. O original dessa canção foi lançado em 1985, por
Kiko Zambianch, no álbum “Choque”.
Leia o seguinte fragmento da canção! Vale cantar também!
TEXTO II
Primeiros erros – fragmento Capital inicial
Meu caminho é cada manhã Não procure saber onde estou Meu destino não é de ninguém
E eu não deixo os meus passos no chão Se você não entende, não vê Se não me vê, não entende (https://www.letras.mus.br/capital-inicial/6791/. Acesso em 13/06/2017)
5) Releia a canção e responda as seguintes perguntas.
a) O eu-lírico da canção prega sua própria liberdade. Que versos da música podem
confirmar essa afirmação?
b) Que palavra o eu-lírico utilizada para referir a si mesmo?
6) Releia o seguinte período:
I - “Se não me vê, não entende”
a) Que termo funciona como complemento do verbo destacado?
b) O verbo entender exige um complemento e um sujeito. Que termo funcionaria como
sujeito, nesse contexto?
c) Observe que o verbo entender não teve seu complemento preenchido também. Fica a
pergunta: o que não é entendido? Nesse contexto, a falta de preenchimento possibilita
duas interpretações desse complemento. Quais seriam?
Você observou como os dois últimos versos do refrão da canção “Primeiros erros” são
parecidos, porém invertidos?
“Se você não entende, não vê
Se não me vê, não entende”
Essa inversão é realizada por meio de uma figura de linguagem. Esse recurso estilístico é
chamado de quiasmo e consiste numa espécie de antítese que cruza grupos sintáticos paralelos, de
modo que o grupo de vocábulos do primeiro se repete no segundo na ordem inversa.
140
O texto a seguir é uma tirinha da personagem Mafalda. Leia a conversa dela
com seu amigo Felipe.
TEXTO III
(http://tirinhasdamafalda123.blogspot.com.br/)
7) Em relação ao texto, responda:
a) Pelo diálogo estabelecido, percebe-se que Mafalda está falando do primeiro dia de
aula de Felipe. Justifique essa afirmativa.
b) Na primeira fala de Mafalda, que palavras são utilizadas pela menina para se referir
ao amigo?
c) Já na fala de Felipe, que palavra é utilizada pelo menino para se referir a si mesmo?
Que função sintática é exercida por essa palavra?
8) Agora, releia o seguinte trecho:
“...leva meses pra ensinarem a gente a escrever”
a) Observe o comportamento do verbo ensinar. Que termos são exigidos por esse verbo
(sujeito/ complementos)?
b) Algum termo funciona como objeto direto do verbo ensinar?
Algumas páginas do Facebook divulgam alguns posts para se comunicarem com
seus curtidores. Você conhece a página do Ministério da Educação (MEC)? Leia
o seguinte post da página do MEC no Facebook.
141 TEXTO IV
(Postagem da página do Ministério da Educação (MEC) no Facebook)
9) A quem é destinada a mensagem desse post? Que palavras servem para fazer
referência a esse interlocutor?
10) Duas formas específicas foram utilizadas para a expressão do objeto direto dos
verbos marcar e admirar.
a) Identifique o objeto direto do verbo marcar.
b) Identifique o objeto direto do verbo admirar.
c) Essas formas linguísticas se referem à qual pessoa do discurso?
O texto V, reproduzido a seguir, é um fragmento de uma reclamação de
consumidor, extraída de um site da internet. Você já levou algum produto para o
conserto e ficou insatisfeito com o reparo?
TEXTO V
“Olá pessoal, sou leiga nesse assunto, e gostaria de tirar algumas duvidas sobre o que aconteceu comigo hoje, meu iphone 5s caiu e quebrou a tela, eu usei ele durante uns 4 meses(...). Agora pergunto a vocês, isso pode mesmo acontecer? O celular estar funcionando e na hora de tirar a tela danificar a placa mãe porque algo na tela estava segurando um componente? (...)”
(http://forum.techtudo.com.br/perguntas/198374/celular-danificado-no-conserto-de-tela)
11) Esse texto foi postado em um site sobre tecnologia, na parte destinada à reclamação
dos leitores. Qual é a principal queixa dessa leitora?
12) A leitora, através de seu texto, interage com a equipe que mantém essa página na
internet.
a) No texto, que pronome é utilizado por ela para se referir a seus interlocutores?
b) Que função sintática é exercida por esse pronome?
13) Releia a seguinte oração:
I- “eu usei ele durante uns 4 meses”
a) Identifique o termo que está funcionando como sujeito do verbo destacado (usar).
142 b) Indique a qual termo a palavra ele faz referência, considerando o contexto do texto V.
c)Ainda em relação à palavra ele, determine a função sintática desse termo.
d) Faça como no modelo.
MODELO O celular, eu usei ele durante uns quatro meses.
Agora é sua vez!
Os computadores, eu usei __________________________________. A câmera fotográfica, eu usei _______________________________. As Tv’sfull HD, eu usei ___________________________________.
O próximo texto apresenta um conto sobre a curta vida que o jornal pode ter.
TEXTO VI
O JORNAL E SUAS METAMORFOSES Um senhor pega um bonde depois de comprar o jornal e pô-lo debaixo do
braço. Meia hora depois, desce com o mesmo jornal debaixo do mesmo braço. Mas já não é o mesmo jornal, agora é um monte de folhas impressas que o
senhor abandona num banco de praça. Mal fica sozinho na praça, o monte de folhas impressas se transforma outra vez
em jornal, até que um rapaz o descobre, o lê, e o deixa transformado num monte de folhas impressas.
Mal fica sozinho no banco, o monte de folhas impressas se transforma outra vez em jornal, até que uma velha o encontra, o lê e o deixa transformado num monte de folhas impressas. Depois, leva-o para casa e no caminho aproveita-o para embrulhar um molho de celga, que é para o que servem os jornais depois dessas excitantes metamorfoses.
CORTÁZAR, Julio. Histórias de Cronópios e de Famas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
14) O autor do conto brinca com as formas que o jornal pode assumir, a depender de quem lê. Como o jornal sofre suas metamorfoses? Que formas pronominais são utilizadas para se referir ao jornal/monte de folhas impressas.
15) Em relação à oração “até que um rapaz o descobre”:
a) que termo funciona como complemento do verbo descobrir? Que expressão está sendo retomada por esse complemento?
b) No texto, há outros trechos que também utilizam a palavra que funciona como complemento do verbo descobrir? Se há, transcreva um exemplo.
16)Faça como no modelo
MODELO “(...) o monte de folhas impressas se transforma outra vez em jornal, até que um rapaz o descobre”.
143
Agora é sua vez!
Os filmes estavam escondidos na Netflix, até que um rapaz____ descobriu. A casa velha estava escondida na floresta, até que um rapaz ____ descobriu. As cartas perdidas estavam escondidas em um baú, até que um rapaz ___ descobriu.
O texto jornalístico procura passar informações objetivas e, de algum modo, verdadeiras, não é mesmo? Você conhece o jornalismo de entretenimento? O Sensacionalista tem uma página no Facebook e também um blog, que têm por objetivo criar notícias sensacionalistas (e falsas), para gerar humor. Leia a seguinte notícia, postada na página do Facebook do Sensacionalista.
TEXTO VII
Curitibanos pagarão multa ao comentar ‘mas aqui em Curitiba está mais frio’ em posts do Facebook
Os curitibanos foram pegos de surpresa por uma medida da prefeitura nesta manhã. Com a queda das temperaturas em todo o país, uma multa para todos os curitibanos que insistirem em comentar que “em Curitiba está mais frio” será aplicada. Informações internas mostram que alguns curitibanos montaram uma escala de 24h por dia e 7 dias por semana, para garantir que todos os posts da internet reclamando de frio em cidades que não sejam Curitiba, seriam respondidos com a frase “mas em Curitiba está mais frio”. (...) Caso os curitibanos decidam fazer o comentário mesmo assim, serão obrigados a se mudar para capitais mais quentes, como Rio de Janeiro e Natal. (http://www.sensacionalista.com.br/2017/06/14/curitibanos-pagarao-multa-ao-comentar-mas-aqui-em-curitiba-esta-
mais-frio-em-posts-do-facebook/)
17) Por que o texto VII é engraçado? Qual poderia ter sido o fato real que motivou essa
notícia sensacionalista?
18) Releia as seguintes orações:
I - “(os curitibanos) serão obrigados a se mudar para capitais mais quentes”
a) Observe que a palavra destacada apresenta uma característica reflexiva e pode ser
substituída pela expressão “eles mesmos”.
b) Qual é a função sintática da palavra se nessa oração?
b) Como ficariam essas orações reescritas, se mudássemos o sujeito delas? Complete a
tabela a seguir, seguindo o modelo inicial.
Você reparou que os pronomes de
3ª pessoa também apresentam
variação de gênero (masculino e
feminino)?
144 MODELO (os curitibanos) Os curitibanos serão obrigados a se mudar para capitais mais quentes.
(o carioca) __________________________________________________________.
(eu) __________________________________________________________.
(nós) __________________________________________________________.
(a gente) __________________________________________________________.
(tu/você) __________________________________________________________.
(vocês) __________________________________________________________.
19) Você certamente percebeu que – no Módulo II – continuamos a estudar
especificamente os pronomes pessoais38.
a) Que função sintática foi privilegiada nesse módulo?
b) Em algumas questões, foi possível perceber que certos pronomes podem funcionar
tanto como sujeito quanto como complemento verbal – dependendo do contexto.
Selecione um exemplo que justifique essa afirmativa e explique.
A partir da próxima “Caixinha do Conhecimento”, seu(sua) professor(a) irá
sistematizar os conteúdos abordados no Módulo II.
CAIXINHA DO CONHECIMENTO I
Você deve ter percebido que continuamos a estudar as palavras (pronomes) que são utilizadas para designar pessoas ou coisas, indicando-as no discurso. Além disso, ao observar os usos dessas palavras tanto na PARTE I quanto na PARTE II, percebemos que elas, quando atuam como núcleo dos termos sintáticos, podem funcionar como sujeito ou complemento dos verbos nas orações. Reparem que essa é uma informação sobre o funcionamento sintático dessa palavra.
Certamente, você também reparou que há aqueles pronomes-complemento utilizados para fazer referência ao próprio sujeito do verbo, como em “Os curitibanos serão obrigados a se mudar para as capitais mais quentes”. Esses recebem um nome particular: são pronomes reflexivos.
Esses pronomes-objeto também exercem funções discursivas de retomada e de
38 Novamente, é necessário reforçar a importância de o(a) professor(a) sistematizar os conteúdos abordados com a turma, antes de partir para a “Caixinha do Conhecimento”.
145 interlocução dentro do texto. A referência aos elementos do discurso é estabelecida a partir do uso dos pronomes pessoais.
ESPAÇO da PESQUISA
O Módulo II está chegando ao fim. A partir dos textos lidos, você pode ver
várias palavras que podem funcionar pronomes-complemento, fazendo referência às
chamadas pessoas do discurso. Você se lembra da pesquisa que realizamos no final do
Módulo I? Vamos fazer algo bem parecido, em relação aos pronomes-objeto.
Você conhece outras formas além das que observamos nesse módulo? Pense nas
seguintes questões:
(1) Você utiliza todos os pronomes-objeto que estudamos?
(2) E seus amigos, também utilizam essas formas?
(3) Em relação às pessoas do seu bairro, da sua rua: elas utilizam as mesmas formas que
você?
(4) Você conhece pessoas idosas ou que nasceram em outro estado brasileiro? Elas
utilizam os mesmos pronomes-objeto que você utiliza?
Agora, com a ajuda do(a) seu(sua) professor(a), vamos novamente realizar uma
pesquisa linguística! Esse é um trabalho de investigação sobre a língua. A partir dessas
questões acima, converse com algumas pessoas que você conhece, para observar quais
formas pronominais elas utilizam para expressar o complemento das frases.
Para a realização da pesquisa, você pode utilizar o material selecionado para o
Módulo I. Caso você e seu(sua) professor(a) decidam investigar novas pessoas, sigam
novamente a mesma metodologia.
Metodologia da Pesquisa
a) Selecione 2 pessoas para cada um desses grupos: seus amigos da mesma idade,
seus pais ou responsáveis, adultos da sua rua ou bairro e idosos.
b) Peça para gravar uma entrevista com as pessoas selecionadas: antes de gravar,
com a ajuda do seu professor, elabore 5 questões de assuntos diversos
(Exemplos: futebol, modo, comida, transporte público, televisão, internet, etc.).
Evite criar questões que facilitem respostas de “sim” ou “não”.
c) Após a etapa das entrevistas, transcreva as falas gravadas para observar o
comportamento linguístico delas em relação às formas pronominais utilizadas.
146
Além dessa análise sobre a fala, pesquise também quais seriam as formas
pronominais utilizadas por essas pessoas em contextos de escrita.
e) Para essa etapa, selecione um texto escrito já produzido pelas pessoas
entrevistadas. Para auxiliar a pesquisa nesta etapa, utilize os seguintes gêneros
textuais: e-mails, mensagens de Whatsapp, conversas de chats, postagens no
Facebook, Instagram ou Twitter. Pode ser mais difícil encontrar um texto
produzido pelas pessoas mais velhas; assim, solicite a ela algum texto pessoal
que ela tenha escrito.
Certamente, você deve ter encontrado alguma forma diferente das que você usa.
Com base em sua pesquisa, tente preencher o quadro dos pronomes-objeto a seguir, de
acordo com a legenda. Além disso, acrescente também quais gêneros textuais você
utilizou para a análise da escrita na sua pesquisa.
1 – Você / 2 – Seus amigos / 3- Seus pais ou responsáveis / 4 – As pessoas da sua rua / 5 – Pessoas
idosas
Quadro dos pronomes-objeto
1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa
1 singular plural singular plural singular plural
2 singular plural singular plural singular plural
3 singular plural singular plural singular plural
4 singular plural singular plural singular plural
5 singular plural singular plural singular plural
Gêneros pesquisados
Vamos sistematizar nosso conhecimento na última caixinha dessa segunda
parte?
147
CAIXINHA DO CONHECIMENTO II
Sistematizando
As palavras utilizadas para designar pessoas ou coisas, indicando-as no discurso, podem funcionar como sujeito ou complemento dos verbos nas orações e variar sua forma, quanto à pessoa – 1ª, 2ª, 3ª -, número – singular ou plural – e, ainda, no caso da 3ª pessoa, gênero – masculino ou feminino. Essas palavras são denominadas PRONOMES PESSOAIS.
Além de exercer funções sintáticas específicas – sujeito e complemento verbal - os pronomes indicam as pessoas do discurso – 1ª, 2ª e 3ª – e constroem relações de referenciação dentro do texto, contribuindo para a progressão textual.
Agora que você já estudou os pronomes que funcionam como sujeito e como
objeto, vamos observar o quadro de pronomes que geralmente é ensinado nos livros
didáticos?
Observe e compare com os quadros que você elaborou nos Módulos I e II. Há
muita diferença? Anote suas considerações sobre esses quadros39.
Quadro dos pronomes pessoais (livros didáticos)
1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa
retos oblíquos retos oblíquos retos oblíquos
singular eu me, mim, comigo
tu te, ti, contigo ele, ela se, si, consigo, lhe, o, a
plural nós
nos, convosco vós vos, convosco eles, elas se, si, consigo, lhes, os, as
Você observou que os pronomes – nesse quadro do livro didático – foram
divididos em “retos” e “oblíquos”? Essa divisão vem desde a época da língua latina
(utilizada pelos romanos). Os pronomes que funcionavam como sujeito eram chamados
de retos e os oblíquos eram os que funcionavam como complemento. Acontece que
havia um quadro fixo dos pronomes que funcionavam como do caso reto ou do caso
oblíquo. No uso atual, em razão da mudança linguística, percebemos que os pronomes
que funcionam como sujeito também podem funcionar como complemento – um quadro
bastante diferente do anterior. Daí os nomes “reto” e “oblíquos” não fazerem mais
sentido.
Querido aluno, esperamos que você esteja aproveitando bastante esse material!
Como você sabe, a língua portuguesa usada no Brasil varia e existem diferentes formas
de expressar o mesmo fenômeno linguístico.
39 Nesse ponto, cabe ao professor chamar a atenção para o que é familiar ou não em relação aos quadros elaborados nos Módulos I e II.
148 Agora que você já observou como os pronomes pessoais podem se distribuir nas
funções de sujeito e complemento das três pessoas do discurso, vamos estudar de forma
mais específica algumas dessas pessoas e funções. Antes, porém...
Que tal ampliar um pouco mais o nosso conhecimento sobre a variação
linguística com a próxima caixinha?
CAIXINHA DO CONHECIMENTO I
Como você deve ter reparado, há mais de uma forma pronominal para expressar cada uma das três pessoas do discurso, seja na posição de sujeito ou na de complemento. Além das formas pronominais estudadas nas partes I e II, ainda há outras estratégias para a expressão dos complementos que retomam um termo em um texto.
Essas diversas formas de expressar o sujeito ou objeto são chamadas de variantes linguísticas.
Por exemplo: para a expressão do objeto direto de 3ª pessoa na retomada, há pronomes – como o e a – e também outras estratégias – como a repetição da mesma forma retomada, o ele ou até a ausência de forma (como em encontrei-o; encontrei o rapaz; encontrei ele; encontrei Ø).
Para conhecer um pouco mais: Muitas pesquisas, nas principais universidades do país, já descreveram as variantes linguísticas – pronominais ou não – utilizadas para a expressão tanto do sujeito quanto dos objetos (direto ou indireto) de 1ª, 2ª e 3ª pessoas.
Como usuários da língua, fazemos escolhas linguísticas (conscientes ou não) a
depender de nossa idade, sexo, classe social, grau de escolaridade, entre outros fatores
sociais. Também mudamos nossa prática a depender do tipo de texto que utilizamos –
falado/escrito – ou do grau de formalidade da situação comunicativa.
A próxima caixinha fala um pouco sobre isso! Vamos ler juntos?
CAIXINHA DO CONHECIMENTO II
Uma pesquisadora brasileira, chamada Stella Maris Bortoni-Ricardo, criou um modelo para o entendimento da variação linguística no Português Brasileiro (PB). Esse modelo é chamado de Contínuos de Variação Linguística. Segundo essa pesquisadora, as variantes linguísticas pertencem a três contínuos distintos: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento e contínuo de monitoração estilística. Para a autora, os contínuos são linhas imaginárias, nas quais se distribuem as variantes linguísticas – de um polo a outro –, como no desenho a seguir.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
149
- -+ +
No primeiro contínuo, as variantes são distribuídas entre rurais, rurbanas e urbanas. Já no segundo, as variantes podem ser distribuídas de acordo com o seguinte critério: se são mais da oralidade ou mais do letramento. O terceiro contínuo – abordado a seguir – distribui as variantes linguísticas de acordo com o grau de monitoramento do discurso.
Três fatores podem tornar uma situação comunicativa mais ou menos formal: o ambiente, o interlocutor e o tópico da conversa.
Algumas formas linguísticas – ou variantes linguísticas – podem ser consideradas mais formais do que outras. Há também formas linguísticas que são utilizadas tanto em situações mais formais quanto nas mais informais, pois seu uso não depende dos três fatores citados acima.
Isso significa que, em algumas situações comunicativas – tanto de fala quanto de escrita –, “tomamos mais cuidado” com o que falamos, ou seja, monitoramos mais nosso uso da língua, escolhendo algumas variantes linguísticas mais formais. Já em outras situações, monitoramos menos tanto o que estamos falando quanto o que estamos escrevendo, utilizando variantes menos formais.
Podemos concluir, então, que os três fatores citados podem determinar quais variantes linguísticas vamos usar tanto nos textos orais quanto nos textos escritos, de acordo com nosso grau de monitoração da situação linguística.
A seguir, vamos estudar as variantes linguísticas que representam o sujeito da1ª
pessoa do plural (Módulo III), o sujeito da 2ª pessoa do singular (Módulo IV), o
objeto direto e o objeto indireto da 3ª pessoa, singular e plural (Módulos V e VI).
Escolhemos trabalhar com a variação linguística que ocorre nessas funções e pessoas do
discurso, porque, além de elas terem sido as mais estudadas, até o momento, pelas
pesquisas das universidades. Além disso, acreditamos que o estudo dessas formas fará
com que vocês enriqueçam seu conhecimento, seja para reconhecer formas novas (na
leitura), seja para produzir formas variadas (na produção) quando necessário ou quando
desejarem.
Módulo III: A terceira parte promove o conhecimento sistemático do uso dos
pronomes pessoais na função de sujeito da 1ª pessoa do plural. Foram utilizados 4
textos e elaboradas 9 questões.
Objetivos: O objetivo principal é levar o aluno à percepção de que as formas
pronominais de 1ª pessoa podem variar de acordo com a modalidade – oral ou escrita –
e também a depender do grau de monitoração estilística – mais formal ou menos
formal. A partir dos textos selecionados, e das atividades linguísticas, epilinguísticas e
150 metalinguísticas, os alunos são levados a distribuir as variantes pronominais de sujeito
de 1ª pessoa, nesses dois contínuos de variação linguística.
Justificativa: Esse módulo, assim como as demais, também se justifica pela
possibilidade de trabalhar os três eixos de ensino de gramática (VIEIRA, 2014, 2017).
Apesar de utilizar os três eixos, há uma exploração maior do terceiro, da variação
linguística. Em relação aos Eixos I e II, a abordagem se dá a partir do tratamento
reflexivo do componente gramatical aliado à pluralidade de gêneros textuais, visando à
construção de sentido.
MÓDULOIII
A função de SUJEITO de 1ª pessoa plural
No Módulo I, descrevemos os dois pronomes utilizados para referência ao
sujeito da 1ª pessoa do plural: nós e a gente. Como são duas formas utilizadas para se
referirem à mesma função da primeira pessoa do discurso, pode-se dizer que existem
duas variantes linguísticas para esse caso.
Como são utilizados os pronomes nós e a gente? Os dois são utilizados tanto na
fala quanto na escrita? Algum é mais formal do que o outro? Essas são questões para se
refletir antes de distribuir essas variantes nos seguintes contínuos de variação
linguística: oralidade/letramento e monitoração estilística.
O texto a seguir reproduz a fala de uma figura pública importante. Essa fala foi
veiculada, inicialmente, na edição do jornal televisivo RJTV. Posteriormente, a
reportagem foi escrita e publicada no site G1. Observe a fala do atual prefeito da
cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, sobre um possível corte na verba
destinada às Escolas de Samba da cidade.
TEXTO I
“São 12 mil crianças que hoje estão em creche conveniadas. O Rio de Janeiro paga per capita R$ 10 para cada criança. É preciso aumentar pelo menos para R$ 20. Agora, façam as contas. Isso tudo exige de nós austeridade e sacrifício. Todos precisam contribuir. A prefeitura está contribuindo. Nós cortamos secretarias, nós cortamos mais de mil cargos políticos. O carnaval precisa contribuir conosco, nos ajudar nesse esforço”.
(http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2018/noticia. Acesso em 15/6/2017)
1) O prefeito descreve a situação atual das creches, para justificar o corte de verba
pública. Segundo o texto, qual é a situação atual e qual seria a ideal?
151 2) Em seu discurso, o prefeito descreve o que já foi feito pela prefeitura para diminuir
os gastos públicos. Segundo ele, o que foi realizado?
3) Observe as seguintes orações:
“Nós cortamos secretarias, nós cortamos mais de mil cargos políticos”
a) Quais termos funcionam como sujeito dos verbos destacados?
b) A quem se refere o pronome nós, nesse contexto?
4) Em relação à formalidade da situação comunicativa, responda às questões.
a) O prefeito tem uma relação de familiaridade ou não com seu entrevistador?
b) O tópico da conversa exige uma “conversa séria” ou admite “brincadeiras”?
c) Nesse tipo de situação comunicativa específica (fala monitorada), são esperadas
variantes linguísticas mais formais ou menos formais?
Agora leia um trecho de um texto publicado na seguinte coluna do jornal O Dia
on-line, escrito por uma figura religiosa importante da cidade.
TEXTO II
Coluna – Padre Omar: você vive bem?
Ao contrário do que a gente costuma pensar, nada que se conquiste ou faça pode nos levar a viver bem desse jeito
07/05/2017 06:00:01
O DIA
Rio - Não são raras as campanhas publicitárias que nos convidam a viver bem. Tanto que essa expressão “viver bem” é capaz de nos remeter à ideia de ter boa saúde, juventude, harmonia nas atividades que realizamos, conforto, estabilidade financeira e emocional etc. E não há nada de errado em a compreendermos dessa forma!
(...)
Ao contrário do que a gente costuma pensar, nada que se conquiste ou faça pode nos levar a viver bem desse jeito. Pois vida em abundância só tem aquele que se aproxima de Jesus, que fica íntimo d'Ele.
Padre Omar é o Reitor do Santuário do Cristo Redentor do Corcovado.
(http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2017-05-07/padre-omar-voce-vive-bem.html. Acesso em 13/6/2017)
5) Dentre os diversos gêneros textuais que aparecem nos jornais, as colunas apresentam
linguagem mais objetiva ou subjetiva?
7) O ponto de vista do padre Omar transparece no texto? Justifique sua resposta.
8) Releia a seguinte oração:
152
“Ao contrário do que a gente costuma pensar”
a) Considerando o contexto do texto II, a quem se refere o pronome destacado?
b) Nesse texto, a relação do autor com seu leitor (interlocutor) é mais familiar?
Justifique sua resposta.
c) O texto II pertence à modalidade escrita da língua portuguesa. Pode-se dizer que esse
texto escrito é mais ou menos formal?
9) Leia os textos III e IV e discuta as características deles com seus colegas e
professor(a).
TEXTO III
TERMO DE ESCLARECIMENTO DO EDITAL PREGÃO ELETRÔNICO Nº 072/2012
A PREFEITURA MUNICIPAL DE GOIÂNIA, por intermédio de sua Pregoeira e do Secretário Municipal de Compras e Licitações, tendo em vista o que consta do Processo nº 48291431/2012 e nos termos da Lei Federal nº. 10.520/2002 Lei Federal 8.666/93 e alterações posteriores, diante da dúvida expressa em documento eletrônico encaminhado a esta Secretaria, esclarece:
Pergunta:
1) Vimos através deste, solicitar esclarecimento quanto ao Prazo de Entrega dos Equipamentos. Pois conforme edital, apenas o prazo de instalação do software de gerenciamento é descrito (30 dias após a assinatura do contrato). Conforme Item 8.1 do anexo I.
(https://www.goiania.go.gov.br/download/licitacao/pregaoeletronico/esclarecimento120072.pdf)
TEXTO IV
Transcrição de trecho de uma reportagem sobre a falta de professores na rede FAETEC (RJTV -1ª edição – 15/06/2017)
Resposta da aluna Letícia (3° ano do Ensino Médio) sobre a falta de perspectiva em relação ao fim da crise.
(Letícia): Ah, a gente fica preocupado e triste, né? A gente poderia ter ido para qualquer outra escola. A gente escolheu aqui, confiando, e agora a gente vê aqui essa situação.Isso aí é, é que nem à saúde e segurança, a gente tinha que ter prioridade sem nenhuma outra coisa, até porque nós somos o futuro, né? Então a gente tinha que ter mais... um tratamento melhor.
(http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/rjtv-1edicao/videos/)
a) Como se dá o uso dos pronomes nós e a gente nesses dois textos? Há preferência por
algum específico?
b) A seguir, preencha a tabela a seguir, comparando os textos de I a IV, de acordo com a
modalidade de uso e o nível de formalidade.
153
Fala Escrita
- formal + formal - formal + formal
Texto I
Texto II
Texto III
Texto IV
Que tal sistematizar um pouco mais nosso conhecimento com a próxima
caixinha?
CAIXINHA DO CONHECIMENTO I
Nos diversos gêneros textuais – falados ou escritos –, a escolha por uma ou outra variante linguística é influenciada pelo grau de formalidade da situação comunicativa. No caso do texto I, por exemplo, a fala do prefeito é mais monitorada por alguns fatores: a pouca familiaridade com o interlocutor, a “seriedade” do assunto e também o ambiente (entrevista ao vivo em meio televisivo).
Com base nos textos lidos nessa parte, pudemos observar a distribuição dos dois pronomes de 1ª pessoa plural na função de sujeito: nós e a gente.
O pronome a gente pode ser utilizado em textos falados e escritos, mas não é utilizado nos textos escritos mais formais – como no termo de esclarecimento do edital do pregão.
Já o pronome nós também aparece nos textos falados e escritos. Esse pronome é a forma preferencial dos textos escritos de registro mais formal.
A partir das informações coletadas até agora, tente preencher o contínuo de
variação linguística a seguir, distribuindo os usos dos pronomes de 1ª pessoa nós e a
gente – utilizados nos textos do Módulo III – na função de sujeito.
Contínuo de variação: gêneros textuais da oralidade e da escrita
Expressão do sujeito de 1ª pessoa plural
Textos orais Textos escritos
- formais---------------------------- + ou - formais------------------------------+ formais (__________) (_________) (__________)
154
ESPAÇO da PESQUISA
Vamos pensar agora em sua comunidade de fala? Qual seria o comportamento
linguístico dos seus familiares, amigos, vizinhos e de outras pessoas que você conhece
em relação aos pronomes de 1ª pessoa do plural?
A fim de realizar sua pesquisa, aproveite o material coletado para os Módulos I e
II. Volte para a metodologia descrita nos módulos anteriores e, juntamente com seu(sua)
professor(a), repensem os critérios metodológicos para verificar se todos os itens
estabelecidos são necessários para essa nova etapa. Caso seja importante, reformulem a
metodologia de modo a contemplar a realidade linguística de vocês.
Após a etapa de coleta e análise dos dados, acrescente no contínuo de variação
desse módulo as formas encontradas por você, tanto para a fala quanto para a escrita!
Módulo IV: Essa é a segunda parte específica dos pronomes-sujeito e busca observar o
tratamento do sujeito de 2ª pessoa singular. Esse módulo é composto por 3 textos e 5
questões.
Objetivos: Essa quarta parte da proposta pedagógica de ensino do quadro pronominal
busca mostrar para os alunos como esse uso pode ser diverso, a depender da
modalidade textual e também do grau de formalidade. No final desse módulo,
aproveitando o tratamento da monitoração estilística presente nessa etapa, o pronome
de 2ª pessoa plural vós é apresentado como uma variante de uso restrito, extinta da fala
vernacular não monitorada.
Justificativa: Esse módulo, assim como os demais, também se justifica pela
possibilidade de trabalhar os três eixos de ensino de gramática (VIEIRA, 2014, 2017),
também explorando mais o terceiro, da variação linguística. Em relação aos Eixos I e
II, a abordagem se dá a partir do tratamento do componente gramatical aliado à
pluralidade de gêneros textuais, visando à construção de sentido.
MÓDULO IV
A função de SUJEITO de 2ª pessoa singular
No Módulo I, estudamos os dois pronomes utilizados para referência ao sujeito
da 2ª pessoa do singular: tu e você. Como são duas formas utilizadas para se referirem à
155 mesma função da segunda pessoa do discurso, pode-se dizer que são duas variantes
linguísticas.
Como são utilizados os pronomes tu e você? Há outras formas de se referir à 2ª
pessoa do singular discursiva? Essas formas são utilizadas tanto na fala quanto na
escrita? Alguma é mais formal do que a outra? Essas são questões para reflexão antes de
distribuir essas variantes nos contínuos de variação linguística.
Nos textos a seguir, você encontrará essas formas em uso. Vamos ler e verificar
a distribuição dos pronomes-sujeito de 2ª pessoa singular?
A revista Capricho – voltada para o público adolescente – entrevista alguns
famosos, num diálogo chamado “Jogo rápido”. O diálogo a seguir, publicado na
página da revista na internet, apresenta algumas informações pessoais sobre o astro
de futebol Neymar. Leia, a seguir, um trechinho dessa conversa:
TEXTO I
Se seu quarto estivesse pegando fogo e você tivesse tempo de salvar uma coisa, o que seria?
Meu celular, claro. (risos)
Qual foi a última coisa que você comprou?
Uma bolsa para minha irmã.
Você não pode sair de casa sem…
Celular, boné, brinco e relógio.
(http://capricho.abril.com.br/famosos/jogo-rapido-com-neymar/. Acesso em 13/6/2017)
1) Reflita sobre a situação comunicativa descrita no texto I.
a) Descreva o ambiente e o tópico da conversa. Além disso, os falantes parecem à
vontade no diálogo? Justifique sua resposta.
b) Com base em suas respostas anteriores, indique se esse texto é mais ou menos
formal.
2) Qual é o pronome utilizado pelo jornalista para se referir ao Neymar?
Vejamos outro texto! A seguir, foi reproduzido um trecho de uma entrevista
concedida, por escrito, pela ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, ao Jornal O
Tempo, de Minas Gerais.
TEXTO II
JORNALISTA: A senhora tem deixado claro que a inflação está sob controle e, de fato, o Banco Central vem atuando de forma firme nos últimos meses, até em detrimento de um crescimento mais significativo do PIB. Porém, o setor público não
156 poderia fazer melhor a parte dele, no que diz respeito ao controle dos preços, com mais racionalidade em suas operações? Uma máquina mais enxuta em todos os níveis de governo não seria benéfica para a estabilidade e o dinamismo da economia? PRESIDENTA: Nós trabalhamos continuamente para aprimorar a gestão pública e utilizar os recursos públicos de forma cada vez mais eficiente. Ao mesmo tempo, entendemos que o aumento de investimentos em políticas sociais é imprescindível para que o Brasil avance cada vez mais. Se queremos mais saúde e mais educação, por exemplo, é fundamental termos mais médicos e mais professores, que devem ser bem remunerados. É fundamental também que os postos de saúde, hospitais e escolas estejam bem equipados. Precisamos, portanto, tomar muito cuidado com alguns discursos e conselhos que, se fossem seguidos à risca, impediriam o atendimento de demandas da própria sociedade brasileira. Então, em primeiro lugar, reafirmo que não vamos recuar nas nossas políticas que tiraram 22 milhões de brasileiros da miséria, elevaram outros 40 milhões de brasileiros à classe média, fortaleceram o nosso mercado interno e que vão permitir muitas outras conquistas para os brasileiros.
(http://www2.planalto.gov.br/. Acesso em 13/6/2017)
3) O gênero textual escolhido representa uma escrita mais ou menos formal? Justifique
sua resposta, apresentando características dessa situação comunicativa em relação ao
ambiente da conversa, à relação com o interlocutor e também ao tópico da conversa.
4) Que palavra é utilizada pelo jornalista para se referir à entrevistada? O que o uso
dessa palavra indica sobre a relação entre os falantes dessa situação comunicativa?
5) Observe o uso do pronome tu no fragmento da canção a seguir.
TEXTO III
Mete a mão que tu vai ver - fragmento Bezerra da Silva
Mete a mão que tu vai ver O que tu vai arrumar
Obá! Vai entrar como gaiato Arrumar só resfriado E sarna pra se coçar
(https://www.vagalume.com.br/bezerra-da-silva/mete-a-mao-que-tu-vai-ver.html)
a) Você já deve ter visto, no seu livro didático (e também no Módulo I), que o pronome
tu pode ser acompanhado do verbo com as marcas específicas de 2ª pessoa do singular,
como em “Tu cantas muito”.
Na canção, os verbos que acompanham o pronome tu apresentam as marcas
tradicionais de 2ª pessoa do singular? Justifique sua resposta.
b) Considerando o paralelismo sintático, que pronome é pressuposto no caso das
construções verbais vai entrar e arrumar no Texto III?
157
CAIXINHA DO CONHECIMENTO I
A partir dos textos lidos nessa parte, pudemos observar a distribuição dos dois pronomes de 2ª pessoa singular na função de sujeito: tu e você.
O pronome você geralmente é utilizado em textos falados e escritos, quando não há tanta intimidade entre os falantes. Além desse pronome para situações de menor intimidade, vimos que há a forma o senhor/a senhora, que indica um alto nível de formalidade entre os falantes.
Já o pronome tu também aparece nos textos falados e escritos, com ou sem concordância verbal de 2ª pessoa. Na escrita, esse pronome pode aparecer com concordância de 2ª pessoa, a depender do gênero textual e da tradição discursiva do mesmo. O uso desse pronome sem a concordância de 2ª pessoa é a forma preferencial dos cariocas – e a mais utilizada por muitos brasileiros, da maior parte dos estados, nas situações que indicam mais intimidade entre os falantes.
A partir das informações coletadas até agora, tente preencher o contínuo de
variação linguística a seguir, distribuindo os usos dos pronomes de 2ª pessoa tu e você –
utilizados nos textos do Módulo IV – na função de sujeito.
Contínuo de variação: gêneros textuais da oralidade e da escrita
Expressão do sujeito de 2ª pessoa singular
Textos orais Textos escritos
- formais---------------------------- + ou - formais------------------------------+ formais
(__________) (_________) (__________)
ESPAÇO da PESQUISA
E em relação à sua comunidade de fala? Qual seria o comportamento linguístico
dos seus familiares, amigos, vizinhos e de outras pessoas que você conhece em relação
aos pronomes de 2ª pessoa do plural?
Para realizar sua pesquisa, aproveite o material coletado para os Módulos I e II.
Volte para a metodologia descrita nos módulos anteriores e, juntamente com seu(sua)
professor(a), repensem os critérios metodológicos para verificar se todos os itens
estabelecidos são necessários para essa nova etapa. Caso seja importante, reformulem a
metodologia de modo a contemplar a realidade linguística de vocês.
A partir dos dados levantados, acrescente no contínuo de variação desse módulo
as formas encontradas por você!
158
Querido aluno, e em relação ao plural da segunda pessoa? Você conhece algum
pronome além da forma vocês?
Reproduzimos a seguir, um versículo da Bíblia, em duas versões: a tradicional e
a de linguagem atual. Observe os pronomes utilizados para a referência à 2ª pessoa do
plural.
Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens.
Mateus 5:13
“Vocês são o sal da terra”. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens.
Mateus 5:13
(https://www.bibliaonline.com.br/mt/5. Acesso em 13/06/2017)
No português brasileiro contemporâneo, tanto na modalidade falada quanto na
escrita, a forma vós encontra-se em desuso pelos falantes. Esse pronome é encontrado
em textos escritos, sobretudo de outras épocas que são lidos até hoje: a Bíblia, os
romances de literatura, as cartas antigas, entre outros. Além disso, em rituais religiosos
que utilizam a modalidade oral da língua – como em preces espontâneas ou não, para se
referir a Deus ou à Santa Trindade – as pessoas ainda usam esse pronome (além do tu
mais forma verbal na 2ª pessoa do singular), por provável influência da leitura dessa
fórmula linguística. Faz sentido lembrar que o gênero prece pertence à oralidade e
pressupõe uma relação de respeito com interlocutor (Deus), daí a escolha por uma forma
pronominal extremamente formal. Também é importante refletir que os gêneros do
domínio religioso também apresentam características do texto escrito, pois são baseados
em modelos, como, por exemplo, o do original para todas as preces cristãs – a oração do
Pai Nosso.
Módulo V: Essa parte inicia o trabalho específico com os pronomes-objeto de 3ª
pessoa, observando o objeto direto anafórico. Na elaboração desse módulo, foram
selecionados 4 textos e propostas 7 questões.
Objetivos: O objetivo principal é promover o reconhecimento das variantes do
acusativo anafórico – pronominais ou não – em seu contexto de uso, ou seja, nos
contínuos de variação linguística. Como já indicado anteriormente, privilegia-se na
presente pesquisa a abordagem dos contínuos de oralidade-letramento e monitoração
estilística.
Justificativa: Esse módulo justifica-se, uma vez que busca promover o
159 reconhecimento do acusativo anafórico de 3ª pessoa enquanto fenômeno variável. Para
tanto, novamente, o Eixo III é abordado para fazer com que o aluno perceba a
distribuição das variantes pronominais (padronizadas ou não) e também das variantes
não pronominais. A partir da associação do Eixo III ao Eixo II, é possível observar em
quais modalidades de texto e também em qual grau de monitoração estilística são
utilizadas as quatro variantes que expressam o objeto direto anafórico de 3ª pessoa. Por
fim, essa parte é realizada a partir do Eixo I, com as atividades linguísticas,
epilinguísticas e metalinguísticas.
MÓDULOV
A função de OBJETO DIRETO de 3ª pessoa
Vamos refletir juntos sobre as formas que podem retomar o objeto direto da 3ª
pessoa?
Leia o texto a seguir, que é uma anedota (piada) de um personagem chamado
Bichinho da Maçã. Esse personagem foi criado por Ziraldo, o mesmo autor do
livro O menino maluquinho.
TEXTO I
E Cabral descobriu o Brasil. Na manhã seguinte, o grumete foi acordá-lo:
- Dom Cabral, Dom Cabral, Frei Henrique de Coimbra mandou chamar o senhor
para assistir à Primeira missa!
E Cabral respondeu:
- Estou muito cansado. Diga a ele que vou na das dez. (ZIRALDO. Mais anedotinhas do bichinho da maçã. Editora Melhoramento)
1) Esse texto, embora seja escrito, busca reproduzir a fala dos personagens. Isso significa que as duas
modalidades se misturam. Releia as seguintes orações:
“E Cabral descobriu o Brasil. Na manhã seguinte, o grumete foi acordá-lo”
a) A forma pronominal “lo” retoma qual termo?
b) Qual é a função sintática da forma pronominal “lo”?
c) Como ficaria a segunda oração se a forma pronominal “lo” retomasse o termo “as
princesas”?
d) Essas duas orações pertencem à modalidade falada ou escrita da língua?
160
Vejamos esse segundo texto: uma notícia de jornal. Diferentemente da notícia
lida no Módulo II, essa é uma notícia sobre um fato real.
TEXTO II
Piloto que se acidentou no RJ praticava 'speedfly' há poucos meses
'Fiquei feliz por ele ter nascido de novo. Foi um milagre', diz esposa do piloto. Leonardo é piloto de helicóptero e tinha saltado outras duas vezes de 'speedfly'.
Por RJTV
16/06/2017 13h25
O piloto de 'speedfly' que se acidentou ao saltar da Pedra Bonita, nesta quinta-feira (15), praticava a modalidade há pouco tempo. Segundo Alyne Maciel, mulher de Leonardo Leal Gomes, de 36 anos, esse foi o terceiro salto dele. Leonardo é piloto de helicóptero e pratica a modalidade de ‘speedfly’.
“Eu fiquei muito nervosa. Foi demais pra mim ver. Ele já tinha saltado. Ele fez dois saltos. Tem até um vídeo dele no Facebook onde ocorreu tudo bem. Ele era novo nesse esporte. Quando vi ele fazer esse esporte, na verdade eu não fiquei bem. Até cheguei falar pra ele olha: ‘nos outros esportes até tudo bem, mas esse eu não concordo muito’. Eu não sabia que iria saltar, não fiquei sabendo, ele não me falou. Para mim foi uma surpresa né? ”, diz a esposa. (...)
(Fonte: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia. Acesso em 16/06/2017)
2) Essa notícia foi escrita a partir da reportagem veiculada pelo RJTV, programa
televisivo. Nesse texto, há mistura das modalidades oral e escrita da Língua Portuguesa?
Justifique sua resposta.
3) Na oração “praticava a modalidade há pouco tempo”:
a) Identifique o complemento do verbo praticar.
b) Que termo está sendo retomado pelo objeto direto do verbo praticar?
4) Agora, observe a seguinte oração:
I – “Quando vi ele fazer esse esporte, na verdade eu não fiquei bem”
Você sabia que, ao acompanhar um verbo, os pronomes átonos (os, as) podem sofrer alteração, por causa do som que juntos formam?
a) Se o verbo terminar em vogal oral, o pronome acompanha o verbo sem alterações. Exemplo: Pegue o livro/ Pegue-o b) Se o verbo terminar em r, s ou z, essas consoantes somem e o pronome passa a ser -lo, -la. Exemplo: O pai não quis deixar o menino/ O pai não quis deixá-lo c) Se o verbo terminar em vogal nasal, a forma pronominal passa a ser -no, -na. Exemplo: Põe o livro em cima da mesa/ Põe-no em cima da mesa
Converse com seus colegas e seu(sua) professor(a) sobre esses usos listados em (a), (b) e (c). São usos comuns do dia a dia? Aparecem mais em contextos de fala ou de escrita? Esses usos poderiam fazer alguma distinção entre o português falado no Brasil e o falado em Portugal?
161 a) Identifique o termo que funciona como complemento do verbo ver.
b) Que termo funciona como sujeito do verbo fazer?
c) Nesse caso específico, o que é possível concluir sobre o pronome ele?
Leia os dois próximos textos: o texto III representa a escrita de uma entrevista
concedida por um romancista brasileiro (Graciliano Ramos) e o texto IV simula
uma carta escrita por uma personagem fictícia a um desconhecido, também
fictício.
TEXTO III Graciliano Ramos (em entrevista a Homero Senna)
Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beirada lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.
RAMOS, Graciliano. Linhas tortas. Rio de Janeiro: Record, 2005.
TEXTO IV Oi, Pedro, vou te avisando: você não me conhece. Quem me falou em você foi a Malu, que eu conheci nas últimas duas semanas, em Cabo Frio. A gente estava pegando algumas ondas e reparou que tinha um cara olhando. Perguntei se ela conhecia, disse que não. Eu também não. Aí ela falou: “ele é parecido com um amigo meu. Só que o meu amigo é mais baixo”. (...)
A “amiga” desconhecida, Ana T.
VIANA, V. de Assis e CLAVER, Ronald. Ana e Pedro: Cartas. São Paulo: Atual, 2009.
5) O discurso de Graciliano Ramos trata da necessidade de reescrever aquilo que se
escreveu. Que comparação o romancista estabelece?
6)Ao criar a sua carta, a personagem Ana T. possivelmente, sem saber, realizou algumas
etapas da proposta de Graciliano Ramos. Quais seriam? Justifique sua resposta.
7) Esses dois textos apresentam mais uma estratégia para realizar o objeto direto de
retomada. Releia as seguintes orações:
162
I – “torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer”
II – “Perguntei se ela conhecia, disse que não”
a) Nas duas orações, identifique o termo que funciona como objeto direto dos verbos
destacados.
b) De que modo esses objetos se diferenciam dos demais apresentados até agora?
Leia a próxima caixinha do conhecimento, que traz algumas considerações sobre
a variação do objeto direto de 3ª pessoa.
CAIXINHA DO CONHECIMENTO I
Variação do OBJETO DIRETO de retomada
Observe que, na anedota, um pronome oblíquo foi utilizado como objeto direto de
retomada. As pesquisas sobre a língua mostram que essa variante linguística
praticamente não aparece na fala das pessoas, exceto em alguns contextos específicos,
de alta monitoração (formal), como uma palestra planejada. Na escrita, os pronomes
oblíquos – o, a, os e as – recebem muito prestígio, pois são a “forma padrão”, e
indicam o nível de escolaridade do falante.
O objeto direto de retomada também pode ser – como no texto planejado da notícia
– uma expressão sinônima. Na Língua Portuguesa do Brasil, também é comum, tanto
na escrita quanto na fala, retomar um termo, na função de objeto direto, com uma
expressão sinônima ou com a mesma expressão. Esse modo de retomada é
considerado uma forma neutra, pois não sofre estigma apesar de não ser a variante
padrão.
Em alguns casos, o objeto direto de retomada é um pronome reto. Certamente, você
já ouviu algum comentário negativo sobre a frase “Vi ela (a menina)”. De fato, essa é
uma variante pouco prestigiada pelas práticas letradas e sofre estigma social, pois está
supostamente relacionada com o fato de o falante ter pouca escolaridade. Entretanto, ao
contrário do que se pensa, o pronome reto (ele/ela) é pouco utilizado na função de
objeto direto mesmo pelas pessoas menos escolarizadas. Algumas pesquisas
acadêmicas já mostraram que nem os analfabetos usavam sempre essa variante.
Além do fator social (escolaridade ou não), o uso da variante pronome reto, na fala
ou escrita, é condicionado por alguns fatores linguísticos. Na questão 3, você viu um
desses fatores: quando o objeto direto funciona como sujeito da próxima oração há uma
preferência pelo pronome reto (“Quando vi ele fazer esse esporte”).
Por fim, ainda há uma forma de objeto direto de retomada que é a categoria vazia
ou objeto não expresso. Assim como ocorre com a expressão nominal, essa variante
linguística é neutra – pois não é a padrão nem sofre estigma – e é a mais utilizada na
fala.
163
Estamos chegando ao fim do Módulo V! Nesse módulo, observamos quatro
diferentes formas utilizadas para a expressão do objeto direto de 3ª pessoa. No contínuo
de variação a seguir, distribua as formas pronominais e não pronominais que você
coletou, nos textos do Módulo V, acerca do objeto direto de 3ª pessoa:
Contínuo de variação: gêneros textuais da oralidade e da escrita
Expressão do objeto direto de 3ª pessoa
Textos orais Textos escritos
- formais---------------------------- + ou - formais------------------------------+ formais (__________) (_________) (__________)
ESPAÇO da PESQUISA
Como será o comportamento da comunidade de fala em relação ao objeto direto
de 3ª pessoa? Quais variantes linguísticas são utilizadas por seus familiares, amigos,
vizinhos e de outras pessoas que você conhece do seu bairro?
Para realizar sua pesquisa, aproveite o material coletado para os Módulos I e II.
Volte para a metodologia descrita nos módulos anteriores e, juntamente com seu(sua)
professor(a), repensem os critérios metodológicos para verificar se todos os itens
estabelecidos são necessários para essa nova etapa. Caso seja importante, reformulem a
metodologia de modo a contemplar a realidade linguística de vocês.
Em seguida, acrescente no contínuo de variação desse módulo as formas que
foram encontradas!
Módulo VI: Essa parte promove a última abordagem do material pedagógico acerca
dos pronomes-objeto: o objeto indireto anafórico de 3ª pessoa. Essa atividade é
composta por 3 textos e 10 questões.
Objetivos: Para finalizar a abordagem dos pronomes-objeto, esse último módulo busca
levar o aluno ao reconhecimento dos usos pronominais e também de outras estratégias
para a expressão do dativo anafórico de 3ª pessoa.
Justificativa: Esse módulo justifica-se na medida em que busca promover o
reconhecimento do objeto indireto de 3ª pessoa enquanto fenômeno variável. Para
tanto, novamente, o Eixo III é abordado para fazer com que o aluno perceba a
distribuição das variantes pronominais (padronizadas ou não) e também das variantes
164 não pronominais. A partir da associação do Eixo III ao Eixo II, é possível constatar em
quais modalidades de texto e também em qual grau de monitoração estilística são
utilizadas as quatro variantes que expressam o objeto indireto anafórico de 3ª pessoa.
Finalmente, essa parte só se torna possível a partir do Eixo I, com as atividades
linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas.
MÓDULOVI
A função de OBJETO INDIRETO de 3ª pessoa
Querido aluno, até agora, você já estudou o comportamento dos pronomes pessoais,
nas funções de sujeito e objeto direto, de acordo com o tipo de texto e o grau de
formalidade da situação comunicativa.
A função de objeto indireto também interessou aos estudiosos do assunto nas
universidades. Quando o objeto indireto retoma um termo que já apareceu
anteriormente, como ocorre essa retomada? Quais são os pronomes e as outras
estratégias utilizadas para isso?
Vamos ler mais alguns textos para ver se também há diferença de uso a depender da
modalidade do texto e do grau de formalidade nessa função específica.
O próximo texto é uma tirinha da personagem argentina Mafalda, criada pelo autor
Quino.
TEXTO I
(http://tirinhasdamafalda123.blogspot.com.br/)
1) O texto I mostra um problema social grave.
a) Que problema é esse?
b) As duas personagens têm opinião semelhante ou oposta em relação a esse problema?
Justifique sua resposta.
c) E quanto a você? Qual seria uma solução desse problema?
165 2) Descreva essa situação comunicativa em relação aos seguintes aspectos: grau de familiaridade
dos falantes, ambiente da conversa e tópico da conversa.
3) Releia a seguinte oração:
“Deviam dar casa, trabalho, proteção e bem-estar aos pobres”
a) Qual é a transitividade do verbo dar nesse contexto linguístico? Que termos sintáticos são
exigidos por esse verbo?
b) O termo “aos pobres” está retomando outra forma linguística. Identifique-a.
c) Como pode ser classificado sintaticamente o termo “aos pobres”?
Leia o segundo texto, que é um trecho da carta de um personagem fictício (Ana.
T.) para outro personagem fictício (Pedro).
TEXTO II
Oi, Pedro, (...)
Achei legal conhecer a Malu. Ela me deu seu endereço na horinha em que a gente se despediu. Brincando, eu disse a ela que te desse um abraço. “Naquele seu amigo baixinho”, falei. “Qual?”, ela perguntou. “Aquele mais baixo que o cara da praia”. “Ah”, ela riu. “Quer o endereço dele? Olha aqui, escreve para ele, garanto que ele vai gostar”.
Estou escrevendo, mesmo sem saber se você vai gostar. Se você responder, te juro que vou adorar. Adoro carta. Até coleciono.
Cartas e lápis. Você coleciona alguma coisa? Um abraço. O segundo, porque o primeiro a Malu já deve ter dado.
A “amiga” desconhecida, Ana T.
VIANA, V. de Assis e CLAVER, Ronald. Ana e Pedro: Cartas. São Paulo: Atual, 2009.
4) Observe a situação comunicativa desse texto: uma desconhecida tentando se tornar
amiga de um garoto. No meio do texto, há a reprodução da conversa dela com a amiga.
O que se pode dizer, em relação a essa conversa específica, considerando os fatores
envolvidos na situação comunicativa (grau de familiaridade entre os falantes, tópico da
conversa e ambiente da conversa)?
5) Releia a seguinte oração:
“Quer o endereço dele? Olha aqui, escreve para ele, garanto que ele vai gostar”
a) Que termo funciona como complemento do verbo escrever? Como pode ser
classificado sintaticamente esse termo?
b) Com base na resposta do item (a), qual é a classe gramatical das duas palavras que
compõem esse termo?
166
Leia o texto III – um conto – a seguir, que traz uma lição de vida.
TEXTO III
UM CEGO EM PARIS
Havia um cego sentado na calçada em Paris, com um boné a seus pés e um pedaço de madeira que, escrito com giz branco, dizia: “Por favor, ajude-me, sou cego“.
Um publicitário que passava em frente a ele parou e viu umas poucas moedas no boné, e, sem pedir licença, pegou o cartaz, virou-o, pegou o giz e escreveu um texto diferente, voltou a colocar o pedaço de madeira aos pés do cego e foi embora.
Pela tarde o publicitário voltou a passar pelo cego que pedia esmola, porém agora, o seu boné estava repleto denotas e moedas.
O cego reconheceu as pisadas do publicitário e lhe perguntou se havia sido ele quem reescreveu seu cartaz, sobretudo querendo saber o que havia escrito ali.
O publicitário então respondeu:
– Nada que não esteja de acordo com o seu anúncio, mas com outras palavras.
E completou: “Hoje é primavera em Paris e eu não posso vê-la”.
Quando nada acontece, é melhor mudar de estratégia!
IN: KOCH, Ingedore Villaça e ELIAS, Vanda Maria. Escrever e argumentar. São Paulo: Contexto, 2016.
6) O texto mostra a eficácia que pode ter o uso de determinadas palavras para passar
uma mensagem.
a) Como isso é construído no texto?
b) Que lição de vida é passada pelo texto? Transcreva o trecho do texto que resume essa
lição e explique o significado da mesma com suas palavras.
7) Por que a nova mensagem escrita pelo publicitário sensibilizou mais as pessoas que
passavam em frente ao cego do que a anterior?
8) Em relação à escrita, a narrativa desse texto pode ser classificada como mais ou
menos formal? Justifique sua resposta.
9) Releia o seguinte trecho:
“O cego reconheceu as pisadas do publicitário e lhe perguntou se havia sido ele quem
reescreveu seu cartaz”
a) Quais são os termos sintáticos exigidos pelo verbo perguntar (sujeito/
complementos)?
a) Qual é função sintática da palavra em destaque?
b) Qual a classe morfológica dessa palavra?
167 10) Agora releia outro trecho.
“O publicitário então respondeu”
a) Que termos sintáticos são exigidos pelo verbo destacado?
b) Todos os termos exigidos aparecem nessa oração? Justifique sua resposta.
A caixinha do conhecimento, a seguir, organiza algumas informações acerca do
objeto indireto de 3ª pessoa.
CAIXINHA DO CONHECIMENTO I
Variação do OBJETO INDIRETO de retomada
Você se lembra que estudamos quatro variantes linguísticas para o objeto direto na
PARTE V? Agora vamos sistematizar algumas informações sobre as variantes que
funcionam como objeto indireto.
Observe que, no texto III, o pronome oblíquo (lhe) foi utilizado como objeto indireto
de retomada. As pesquisas sobre a língua mostram que essa variante linguística
praticamente não aparece na fala das pessoas, exceto em contexto específico, de alta
monitoração (formal), como uma palestra planejada. Essa variante linguística aparece
na escrita, uma vez que o pronome oblíquo – lhe e lhes – é a “forma padrão”, e indica o
nível de escolaridade do falante.
O objeto direto de retomada também pode ser – como no texto planejado da notícia
– uma expressão formada por preposição + expressão sinônima/semelhante ou
pronome reto, chamada de sintagma preposicionado. Ao contrário do que ocorre com
o pronome reto (ele) na função de objeto direto, no caso do objeto indireto, não há um
estigma social associado a essa variante. Essa forma linguística neutra aparece tanto no
texto I quanto no texto II.
Finalmente, ainda há uma forma de objeto indireto de retomada que é a categoria vazia
ou objeto indireto não expresso. Assim como ocorre com a expressão nominal, essa
variante linguística é neutra, pois não é a padrão nem sofre estigma.
Que tal agora distribuir, pelo contínuo de variação a seguir, as variantes linguísticas que expressam o objeto indireto de 3ª pessoa, coletadas nos textos do Módulo VI?
Contínuo de variação: gêneros textuais da oralidade e da escrita Expressão o objeto indireto de 3ª pessoa
Textos orais Textos escritos - formais---------------------------- + ou - formais------------------------------+ formais
(__________) (_________) (__________)
168
ESPAÇO da PESQUISA
Essa é nossa última pesquisa! Como será o comportamento de sua comunidade
de fala em relação ao objeto indireto de 3ª pessoa? Quais variantes linguísticas são
utilizadas por seus familiares, amigos, vizinhos e de outras pessoas que você conhece do
seu bairro?
Aproveite o material coletado para os Módulos I e II, para realizar sua pesquisa.
Volte para a metodologia descrita nos módulos anteriores e, juntamente com seu(sua)
professor(a), repense os critérios metodológicos para verificar se todos os itens
estabelecidos são necessários para essa nova etapa. Caso seja importante, reformulem a
metodologia de modo a contemplar a realidade linguística de vocês.
Em seguida, acrescente no contínuo de variação desse módulo as formas que
foram encontradas!
Chegamos ao fim desse material! Esperamos que você tenha gostado de refletir
sobre os pronomes pessoais utilizados na Língua Portuguesa falada no Brasil.
Aqui você pôde perceber que as formas pronominais, dentro do texto, desempenham funções discursivas importantes! Servem para indicar os elementos discursivos da interlocução (os pronomes de 1ª e 2ª pessoas). Além disso, também são responsáveis pela referenciação, uma vez que os pronomes podem ser utilizados para se referir a algum outro termo. Nesse sentido, dizemos que os pronomes realizam retomadas.
Além das funções discursivas, o uso dos pronomes pessoais pode variar de acordo com diversos fatores. Dois deles são a modalidade do texto escolhido – falado ou escrito – e o grau de monitoração do discurso – formal ou informal. Além disso, alguns pronomes são encontrados mais em materiais antigos ou, quando produzidos hoje em dia, aparecem em contextos e gêneros textuais, com funções específicas. Foi possível perceber, também, que algumas formas pronominais são consideradas, por vezes, uma forma “padrão” pela sociedade de um modo geral, sobretudo na modalidade escrita formal.
Esperamos nos encontrar em outra oportunidade para continuar discutindo os pronomes, além dos pessoais, e também outros fenômenos linguísticos!
Até a próxima, então!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa apresentou duas frentes de trabalho para cumprir os
propósitos inicialmente estabelecidos, a saber: (1) a descrição de usos linguísticos em
fase de aprendizagem escolar; e (2) a elaboração de atividades de caráter didático,
acerca da variação linguística implicada em tais usos. No decorrer da pesquisa, essas
duas partes da presente investigação estiveram de tal modo articuladas, de modo que o
trabalho realizado na segunda etapa – da elaboração – buscou refletir a reflexão
linguística realizada a partir da primeira – da descrição.
Ao se optar pela abordagem do quadro de pronomes pessoais em todas as
pessoas e funções descritas – nominativo de 1ª pessoa do plural e 2ª do singular, e
acusativo, dativo e reflexivo das 1ª, 2ª e 3ª pessoas –, tinha-se plena consciência da
amplitude desse recorte, necessário para a diagnose que se pretendia fazer. Ainda assim,
almejava-se associar a pesquisa linguística realizada, na presente investigação, às
atividades didáticas, que seriam desenvolvidas posteriormente. Uma vez que havia a
intenção de abordar o quadro de pronomes pessoais de maneira semelhante à que é
realizada nos livros e manuais – considerando todas as pessoas e funções –, acreditou-se
que seria proveitoso se houvesse descrição linguística do que se pretendia eleger como
objeto de ensino.
Anteriormente à análise realizada na presente pesquisa, porém, fez-se necessária
a revisão da fundamentação teórica acerca do quadro pronominal no PB. Para essa
etapa, determinou-se que o estudo abarcaria tanto a visão de algumas gramáticas
tradicionais – cujo principal propósito era a descrição/prescrição da língua literária –
quanto a visão resultante de pesquisas da área da Sociolinguística Variacionista – cujo
objetivo principal era a descrição das variantes linguísticas utilizadas, em contexto de
fala, no PB. Com relação a isso, convém esclarecer que, embora a presente investigação
se tenha dedicado à descrição do que é utilizado em contexto de escrita escolar, foi
necessário consultar/revisar a literatura de pesquisas realizadas sobre a fala, uma vez
que – para a grande maioria das pessoas e funções – só há trabalhos realizados acerca
dessa modalidade (à exceção do acusativo e dativo anafórico de 3ª pessoa). Ainda
assim, acreditava-se que, mesmo referentes à modalidade oral, as variantes descritas em
170 tais investigações poderiam também ser encontradas na escrita dos alunos, uma vez que
eles estão em processo de letramento.
O trabalho de diagnose – então – tornou-se possível através da constituição de
um corpus formado exclusivamente para esse propósito, com redações escolares de
alunos de uma escola específica da cidade no Rio de Janeiro. Essa diagnose possibilitou
a descrição das variantes utilizadas pelos alunos para todas as pessoas em funções em
estudo – embora houvesse frequência baixa em muitas delas. Em relação ao nominativo
de 1ª pessoa do plural, houve ocorrência tanto da variante mais antiga (nós) quanto da
mais nova (a gente), embora esta última tenha sido utilizada pelo informante do ano de
menor nível de escolaridade, que também apresentava dificuldades de escrita em sua
redação. No que se refere ao nominativo de 2ª pessoa do singular, só houve ocorrência
do pronome você. Acredita-se que não houve dados da outra variante dessa
função/pessoa (tu), pois o grau de conhecimento dos interlocutores dos diálogos, nos
quais houve essas ocorrências, era baixo.
Já em relação aos pronomes-complemento, o acusativo e o dativo fóricos de 1ª e
2ª pessoa apresentaram frequência semelhante às referidas na literatura: houve mais
ocorrência do pronome clítico para todas essas pessoas e funções. Quanto a isso, são
necessárias algumas considerações sobre as pesquisas anteriores. No que tange aos
estudos existentes sobre a 1ª pessoa na literatura, é necessário esclarecer que não havia
uma descrição específica quanto ao número, exceto em relação ao dativo, cuja pesquisa
foi realizada somente sobre o singular. Segundo Duarte e Ramos (2015), as pesquisas
sobre essas pessoas e funções apresentam número de ocorrências reduzidas, “o que não
permite considerações conclusivas quanto à atuação de fatores estruturais e
extralinguísticos” (Cf. DUARTE E RAMOS, 2015, p.185). De igual modo, as
ocorrências encontradas na análise da presente investigação não foram submetidas à
observação de tais aspectos.
No que se refere à função reflexiva das três pessoas discursivas, foram
encontrados mais dados referentes à 3ª pessoa (singular e plural), o que não possibilitou
verificar se esses usos foram realizados em relação de concordância de número e pessoa
com seu antecedente. O clítico acusativo se, utilizado nessas ocorrências, também se
apresenta – em algumas regiões do Brasil – sem relação de concordância com seu
antecedente, referindo-se a todas as pessoas (singular e plural). Uma vez que as duas
171 únicas ocorrências de clíticos reflexivos referentes à 1ª pessoa foram realizadas por
alunos que não utilizaram essa variante reflexiva para a 3ª pessoa, não foi possível
concluir se os falantes analisados fariam a relação de concordância.
Quanto ao dativo anafórico de 3ª pessoa – que apresenta resultados referentes à
escrita descritos na literatura –, de modo geral, os alunos utilizaram mais SPs anafóricos
– um total de 89,7%. A escrita escolar não apresenta maior ocorrência da variante-
padrão, clítico dativo (lhe), a depender do ano de escolaridade; pelo contrário, essa
variante é pouco utilizada pelos alunos (10,3%).
No corpus analisado, houve significativamente mais ocorrências de acusativo
anafórico de 3ª pessoa. Em virtude disso, esses dados também foram submetidos a
tratamento estatístico, no programa Goldvarb X. Com relação aos dados gerais, para a
expressão desse fenômeno, os alunos utilizaram mais SNs anafóricos (50,3%). As
demais ocorrências se deram na seguinte ordem: clítico acusativo (21,5%), pronome
lexical (18,1%) e objeto nulo (10,1%). A análise realizada na presente investigação
corrobora as anteriores quanto ao aumento do uso do clítico conforme aumenta o nível
de escolaridade (Cf. AVERBUG (2000), FREIRE (2005) e SANTANA (2016), entre
outros).
Com base na diagnose realizada no corpus específico de escrita escolar em fase
de letramento, chegou-se à conclusão de que os alunos utilizam as variantes
pronominais de modo semelhante ao comportamento registrado para a modalidade oral
– à exceção do acusativo e dativo anafórico de 3ª pessoa, que também apresentam a
variante pronome clítico, não utilizada em contexto de fala. Especificamente em relação
ao acusativo anafórico de 3ª pessoa, na escrita escolar, há uma presença mais
significativa da variante-padrão (segunda mais utilizada), que embora seja ausente na
fala popular e culta brasileira, é recuperada nas práticas de letramento.
A diagnose realizada serviu para verificar aquilo que é praticado efetivamente
pelos alunos da escola em questão. A partir desse mapeamento com base na análise das
ocorrências encontradas, foi possível a elaboração de uma proposta pedagógica que
abordasse as variantes do quadro pronominal, em suas diversas expressões na
contemporaneidade, através da leitura de diversos gêneros textuais, elaborada em
observação aos dois principais modelos advindos da sociolinguística para o ensino de
172 língua materna – o modelo de contínuos de variação linguística (BORTONI-RICARDO,
2004) e a proposta de ensino de gramática em três eixos (VIEIRA, 2014/2017).
Ao desenvolver uma proposta pedagógica que associasse as pesquisas acerca do
quadro de pronomes pessoais do PB ao ensino dessas formas linguísticas nas aulas de
Língua Portuguesa, a presente investigação também se propôs a refletir – de algum
modo – sobre a construção de uma pedagogia da variação linguística (Cf. FARACO,
2008). Acredita-se que o estudo dirigido elaborado possa somar-se aos demais trabalhos
que vêm sendo realizados nesse sentido, principalmente no âmbito do PROFLETRAS.
O desenvolvimento dessa proposta possibilitou a reflexão sobre a relevância de
fazer com que os professores de língua materna tenham acesso a – e também elaborem
– esse tipo de material. Presos aos materiais prontos – sejam os livros didáticos ou os
cadernos pedagógicos, como no caso específico da prefeitura do Rio de Janeiro –,
professores não têm, muitas vezes, uma orientação clara sobre como contemplar a
variação linguística no trabalho com o componente gramatical. Quando muito, há um
esforço para realizar algum trabalho, que, claramente, apresenta incongruências
conceituais. A esse respeito, a proposta pedagógica anterior (apresentada em forma de
anexo à dissertação), desenvolvida pela presente professora/pesquisadora, ilustra bem
essa falta de conhecimento teórico para a elaboração de materiais didáticos.
Assumindo a responsabilidade de criação de materiais didáticos, referida por
Barbosa (2015), houve um cuidado com o recorte realizado não somente quanto ao
objeto de ensino – quais pessoas e funções – como também em relação à redução das
descrições, análises e reflexões – considerando o ano de escolaridade para o qual seria o
estudo dirigido (9° ano). Acredita-se que o objetivo principal da proposta pedagógica –
de trabalhar o quadro de pronomes pessoais priorizando o Eixo III, da variação
linguística (VIEIRA, 2017/2017), sem desconsiderar os Eixos I e II, foi cumprido.
De todo modo, entende-se que a proposta elaborada cumpre apenas parte dos
objetivos da área e não pode ser avaliada em relação a todos os desafios que a sala de
aula precisa enfrentar. Assim, presume-se que mais reflexões, quanto às escolhas de
abordagem do material, seriam acrescentadas, se houvesse aplicação do mesmo e tempo
para a autocrítica e posterior reformulação das atividades, o que ainda está por ser feito.
Dessa maneira, espera-se que as experiências futuras e as críticas construtivas, mesmo
no plano teórico, concorram para a melhoria do estudo dirigido ora desenvolvido. De
173 fato, o que se elaborou até aqui constitui tão-somente a primeira experiência com a
proposta desenvolvida, experiência que terá de enfrentar o desafio de se associar aos
currículos trabalhados em cada realidade escolar – muitos deles organizados a partir de
gêneros – e às demais atividades da prática pedagógica, como, por exemplo, a produção
textual.
Considerando essas questões, almeja-se que a proposta pedagógica desenvolvida
aqui possa ser aplicada em salas de aula de escolas públicas, a fim de tornar o ensino
sobre quadro pronominal mais fiel aquilo que de fato é praticado no PB em suas
diversas expressões. Além disso, objetiva-se inspirar outros pesquisadores –
interessados na construção de uma pedagogia da variação linguística – a desenvolver
mais propostas acerca de diversos outros temas gramaticais ainda não explorados com
base no modelo de ensino de gramática em três eixos (VIEIRA, 2014/2017),
respeitando, no que se refere ao Eixo III, à complexidade dos contínuos de variação
(BORTONI-RICARDO, 2014) e à convivência dos saberes linguísticos (BARBOSA,
2007, 2015), do tradicional ao científico.
174
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177
ANEXOS
Anexo I–Descritores bimestrais para o 6° ano: 1° bimestre de 2016.
Descritores Bimestrais – 6° ano – 1° bimestre
Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato.
Estabelecer relações de causa/consequência entre partes e elementos de um
texto.
Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições e/ou
substituições que contribuem para a sua continuidade.
Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por
conjunções, advérbios etc.
Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros.
Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a
narrativa.
Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras
notações.
Identificar o tema de um texto.
Inferir o sentido de uma palavra ou de uma expressão.
Inferir uma informação implícita em um texto.
Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas,
quadrinhos, fotos etc.)
Localizar informações explícitas em um texto.
Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos
que tratam do mesmo tema, em função das condições em que eles foram produzidos e
daquelas em que serão recebidos.
Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos
ortográficos e/ou morfossintáticos.
178 Anexo II – Descritores bimestrais para o 9° ano: 1° bimestre de 2016.
Descritores Bimestrais – 9° ano – 1° bimestre
Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato.
Estabelecer relações de causa/consequência entre partes e elementos de um
texto.
Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições e/ou
substituições que contribuem para a sua continuidade.
Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por
conjunções, advérbios etc.
Identificar a tese de um texto.
Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de
um texto.
Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a
narrativa.
Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras
notações.
Identificar o tema de um texto.
Inferir o sentido de uma palavra ou de uma expressão.
Inferir uma informação implícita em um texto.
Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas,
quadrinhos, fotos etc.).
Localizar informações explícitas em um texto.
Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma palavra ou de uma
expressão.
Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos
ortográficos e/ou morfossintáticos.
179 Anexo III – proposta pedagógica de trabalho com quadro de pronomes pessoais,
elaborada e aplicada pela professora em 2013, antes de ter contato com o modelo de
ensino em três eixos (Vieira, 210/2017).
Trabalho em Grupo - Pronomes
Questão 1
Como vocês já estudaram, a língua portuguesa se divide em variedades. Até
agora, vocês já analisaram a norma não-padrão e a norma padrão.
Relembrando:
Norma não-padrão: é conhecida como fala do povo. Tem
tendência de ser menos formal.
Norma padrão: é a língua normalmente estudada na
escola. Tem tendência de ser mais formal.
Pronomes pessoais são aquelas palavras que se referem às pessoas do
discurso. São três as pessoas:
1ª pessoa Pessoa que fala.
2ª pessoa Pessoa com quem se fala.
3ª pessoa Pessoa de quem se fala.
Os pronomes pessoais que utilizamos podem pertencer tanto à norma não-
padrão, quanto à norma padrão.
Indique que norma foi utilizada nos pronomes destacados nos
diálogos a seguir:
a) “O menino vira para a mãe e pergunta: -Você viu minha bola? E ela responde: -
Não menino, eu já não disse que não?”
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b) “Conta-se que, no início do século passado, um jovem pedia uma menina em
casamento assim: - Tu gostarias de te casar comigo? E ela respondia: - Peça a meu
pai se tu me queres como esposa! Então o rapaz ia até a família: - Se for de vosso
agrado, será que vós concederíeis a mão de vossa filha para esse humilde servo do
coração da donzela. Eles respondiam: Nós pensaremos a respeito.”
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c) “O mesmo pedido, no nosso século, é totalmente diferente. A língua mudou e nós
utilizamos outras formas pronominais para nos referirmos às pessoas do discurso.
Aquele jovem diria para a menina: - Minha flor, você quer casar comigo? E ela:
“Claro, é só a gente marcar o dia.”
180
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Questão 2
Texto I
Nessa propaganda, podemos encontrar o uso de um pronome de 1ª pessoa do
plural. Identifique esse pronome e em que norma ele normalmente é utilizado.
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Questão 3
Você conhece o Facebook? É uma na rede social muito utilizada pelas
pessoas ao redor do mundo. Nessa rede, uma das atividades realizadas por seus
usuários é a de curtir algo que eles gostaram. Por exemplo, se algo é publicado e
alguém gostou dessa publicação, essa pessoa pode curtir esse algo. Para fazer isso,
basta marcar a opção “curtir” na página da rede.
a) Dentro desse contexto do Facebook, qual pode ter sido a intenção dos autores
da propaganda ao dizer “A gente curte o que faz”?
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Questão 4
Complete os diálogos a seguir com a forma pronominal adequada para a
situação de uso. Se necessário, consulte o banco de dados abaixo dos diálogos:
a) Mãe, _______ vai comprar minha roupa de natal? Tem que ser logo, antes que
_____ acabem.
b) _____ preciso fazer um agradecimento especial a essa turma.
c) Uma pessoa que mora em Portugal fala: “____ me emprestas um livro?”. E se o
pedido for para duas ou mais pessoas, é “______ me emprestais um livro?”.
d) Minha turma apronta, mas ________ estuda.
181
e) Senhor Prefeito, _____ viemos solicitar a pavimentação da nossa rua.
f) ________ estão com fome, meninos?
g) Thiago e Gabriel são meninos muito inteligentes. _______ ganharam um prêmio.
h) A menina estava correndo quando ____ viu o passarinho colorido. ____ era
muito encantador!
Eu – Tu – Você – A gente – Nós – Vocês – Vós – Ele – Eles – Ela - Elas