quadrinhos e jornal uma correspondência biunívoca

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Quadrinhos e jornaluma correspondência biunívocaAntônio Aristides Corrêa Dutra - [email protected] em comunicação pela ECO/UFRJ

Resumo:

O termo ‘jornalismo em quadrinhos’ é bastante recente, mas Agostini já fazia reportagens em HQ no Séc. XIX. E as relações entre quadrinhos e jornal são ainda muito mais amplas, profundas e duradouras. Uma fotorreportagem é, na verdade, uma reportagem em fotonovela. A caricatura e a charge são reportagens gráficas. A reconstituição gráfico-seqüencial de crimes, o infográfico, o mapa cronológico e até a publicidade utilizam recursos quadrinísticos. Do outro lado, muitos heróis de quadrinhos são jornalistas (Tintin, Homem-Aranha, Super-Homem). A página de jornal é presença constante nas HQs. O folhetim literário nasceu nos jornais e foi determinante para a evolução dos quadrinhos seriados modernos. E no jornal, assim como na HQ, o objeto do discurso (no jornal, o

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cotidiano) é dividido em blocos (as matérias) que são justapostos nas páginas. Ambos são diagramas espaço-temporais.

uando se pensa na relação entre quadrinhos e jornalismo, o primeiro nome a ser

lembrado é o de Joe Sacco. De fato, seus livros têm qualidades reais que lhe

conferiram merecidos prêmios, prestígio e fama. A visibilidade repentina de seu

trabalho fez até com que se cunhasse a expressão ‘jornalismo em quadrinhos’ (ou comics

journalism). Mas a obra de Sacco é apenas a película superficial das relações entre

quadrinhos e jornalismo. Em outras camadas, temos tanto o universo temático das

relações entre quadrinhos e jornalismo como a interseção gráfica entre a página de

quadrinhos e a do próprio jornal, mostrando que essas relações são extremamente

profundas e duradouras.

Q

1- Joe Saccooe Sacco é um jornalista especializado em conflitos internacionais. Seus livros-

reportagens sobre a guerra entre palestinos e israelenses na Faixa de Gaza e

sobre o massacre dos mulçumanos na Bósnia lhe renderam prestígio, visibilidade,

vários prêmios e elogios de importantes revistas e jornais. Mas há um pequeno detalhe:

as reportagens de Sacco não constituem um texto jornalístico tradicional. Elas têm a

forma de uma história em quadrinhos.

JOs livros de Sacco apresentam histórias longas. Gorazde, de 2000, tem 227 páginas e

os dois volumes de Palestina, de 1992, têm, juntos, 282 páginas. Seus personagens,

contudo, são tão reais quanto qualquer um de nós. Talvez mais, pois Sacco tem a

capacidade de trazer à tona aqueles detalhes sutis, porém reveladores, que passam

desapercebidos da maioria dos repórteres (ou simplesmente desaparecem numa

reportagem tradicional). Nas páginas de Gorazde e Palestina, os grandes momentos

históricos (como qualquer outro momento de nossas vidas) são feitos de pequenos fatos

banais. Essa é uma das coisas que faz de nós, humanos: o fato de sermos pequenos,

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frágeis, falhos. Os livros de Sacco, além de serem livros de quadrinhos, também se

inserem na categoria de livros-reportagens.

Mais do que felizes coincidências, o livro-reportagem e o jornalismo em quadrinhos

têm origens que se comunicam e se atraem. O livro-reportagem moderno foi gestado e

gerado no seio do New Journalism, com grande repercussão nos anos 1960 da

contracultura e do inconformismo social. Nesse mesmo período, os quadrinhos

underground evoluíam e se alastravam nos meios contestatários com sua postura anti-

establishment. Os quadrinhos autobiográficos de Crumb e sua turma despontavam como

uma espécie de manifesto contra o escapismo alienante dos super-heróis anabolizados e

dos bichinhos falantes. O underground evoluiu para a cena independente americana,

culminando no Prêmio Pulitzer conferido a Maus, de Art Spiegelman. De Maus a

Palestina, a passagem é, até mesmo, lógica. Assim, quando Sacco finalmente deságua

seu jornalismo em quadrinhos no livro-reportagem, está apenas fazendo reencontrar os

dois braços dessa mesma corrente.

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2- Jornalismo em Quadrinhoslguns críticos do jornalismo em quadrinhos alegam a obra de Sacco não é

exatamente ‘jornalismo’. Essa crítica certamente se esquece da diversidade

absoluta intrínseca do próprio jornalismo. A produção de Sacco é, sim,

jornalismo em quadrinhos, posto que é tão somente um jornalismo em quadrinhos

possível entre tantos outros possíveis. O pioneirismo de seu trabalho não o torna

necessariamente um padrão delimitante. A palavra ‘jornalismo’ é ampla o suficiente para

abarcar tanto os repórteres da CNN em campo de batalha quanto as revistas

sensacionalistas que perseguem astros de Hollywood à cata de fofocas. Assim, não

podemos restringir a idéia de ‘jornalismo em quadrinhos’ a trabalhos nos moldes estritos

do de Sacco. As possibilidades são muitas.

A

2.1- Pa ra além de Joe Sacco s quadrinhos, do modo como os conhecemos hoje, explodiram como

linguagem, se tornaram realmente populares e se disseminaram pelo mundo a

partir do final do Século XIX, mas durante a primeira metade do Século XX,

seu campo temático ainda se restringia quase exclusivamente ao humor e à aventura. A

contracultura dos anos 1960 e 1970 alterou radicalmente esse quadro com os quadrinhos

underground.

OA apropriação dos quadrinhos como parte desse processo contracultural não foi

gratuita nem inofensiva. Ao contrário, se revelou bastante estratégica. A literatura, o

teatro, a pintura e outras artes tradicionais sempre foram arena de debates e revoluções,

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tanto estéticas quanto ideológicas. Enquanto isso, os quadrinhos se mantinham numa

quase absoluta ingenuidade. Até os anos cinqüenta, a ideologia nos quadrinhos acontecia

mais no âmbito do subliminar. Os quadrinhos underground desempenharam, então, um

duplo papel: de um lado, permitiram ampliar o leque de ferramentas a serviço dos

processos revolucionários; de outro, operaram uma inversão maliciosa de valores ao

trazer histórias sujas, cruéis e realistas para uma linguagem onde antes reinavam alegres

bichinhos falantes e exemplares e corajosos heróis. No final das contas, esse fenômeno

não se restringiu somente aos quadrinhos underground, projetando seus reflexos até

mesmo sobre o conservador mercado de super-heróis, como o Arqueiro Verde, que

passou por alguns apuros mais sintonizados com a realidade quando descobriu que o

adolescente Ricardito, seu companheiro de aventuras, era viciado em heroína.

Nos anos oitenta, podemos citar Brought to Light e Maus como bons exemplos de

jornalismo em quadrinhos. O livro Brought to light (1989), com duas histórias

apresentadas como graphic docudrama (o termo comics journalism ainda não existia), é

uma das primeiras reportagens em quadrinhos já nos mesmos moldes das posteriores

Palestina e Gorazde. A primeira história, Flahspoint – the La Penca bombing, com texto

de Joyce Brabner e desenhos de Tomas Yeates, fala do envolvimento da CIA no atentado

para matar Eden Pastora, líder dos Contra, em 1984 na Nicarágua e em outras ações na

América Latina. A segunda história, Shadowplay – the secret team, com texto de Allan

Moore e desenhos de Bill Sienkiewicz, é uma fantasia em tom de fábula que complementa

a primeira. Em um bar decadente, uma águia americana antropomorfisada oferece seus

‘serviços patrióticos’ de extrema direita enquanto relata alguns ‘casos de sucesso’ de suas

ações na América Latina.

Alguns anos mais tarde, Sienkiewicz lançou Voodoo child, uma belíssima biografia

em quadrinhos de Jimy Hendrix onde o aspecto lisérgico de seu desenho é uma solução

extraordinariamente adequada para a história de um astro da geração sexo, drogas e rock

and roll. A biografia, como se sabe, é um dos ramos mais prolíficos do gênero livro-

reportagem. Assim, nada mais óbvio que também classificar Voodoo child como um livro-

reportagem em quadrinhos.

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Maus – a história de um sobrevivente (1986-1992), com texto e desenhos de Art

Spiegelman, não é uma reportagem investigativa tradicional como Palestina ou Brought to

light, mas a classificação como jornalismo ainda é cabível. Sua narrativa, de teor

autobiográfico, se dá em dois tempos. No atual, Spiegelman nos conta a difícil

convivência com seu pai Vladek, um judeu mesquinho e pouco emotivo. No tempo

passado, a narrativa mostra a dura luta de Vladek para sobreviver em um campo de

concentração nazista. Em 1992, Maus rendeu a Spiegelman um Pullitzer especial.

Nos anos noventa, Sacco não foi o único a misturar jornalismo e quadrinhos. Ao

contrário dos cult/alternativos Sacco e Spiegelman, o roteirista e desenhista Joe Kubert é

um respeitável membro da grande indústria americana de quadrinhos comerciais, tendo

roteirizado e desenhado os principais personagens das grandes editoras americanas de

super-heróis. Mas a dura realidade da Guerra na Bósnia invadiu seu trabalho através dos

faxes enviados por seu amigo iugoslavo Erwin Rustemagic. Quando os tanques invadiram

e isolaram a cidade de Sarajevo, o único meio de contato de Erwin com os clientes e

amigos era uma máquina de fax, que usou para enviar centenas pequenas notas sobre o

conflito e sua luta para manter a família viva. Nas mãos de Kubert, elas viraram um livro

de quadrinhos chamado Fax from Sarajevo – a story of survival (1996), ganhador de

diversos prêmios americanos e internacionais. O que impressiona especialmente em Fax

from Sarajevo é ver um grande domínio da técnica narrativa tradicional sendo usado para

documentar um fato real. E os exemplos de jornalismo em quadrinhos continuam a

aparecer. Em 2000, Étienne Davodeau foi destaque na França com Rural !, que relata um

ano inteiro na vida de um grupo de agricultores franceses em luta contra a construção de

uma auto-estrada que cortou as suas terras.

Edvaldo Pereira Lima, em seu livro Páginas ampliadas – o livro-reportagem como

extensão do jornalismo e da literatura, diz que o livro-reportagem “avança para o

aprofundamento do conhecimento do nosso tempo, eliminando, parcialmente que seja, o

aspecto efêmero da mensagem da atualidade praticada pelos canais cotidianos de

informação jornalística” [LIMA, 1993 : p. 16]. Esse aprofundamento dos temas

apresentado pelo livro-reportagem é o mesmo presente no jornalismo em quadrinhos

quando desenvolvido em forma de livro, o que nos permite classificar as obras acima 7

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citadas como um tipo de livro-reportagem. Mas nem só de livros-reportagens vive o

jornalismo em quadrinhos. A revista Details enviava quadrinistas para fazer coberturas

jornalísticas, dentre os quais o próprio Joe Sacco, que publicou uma QH de seis páginas

sobre os julgamentos dos crimes da Guerra da Bósnia em Hague, Holanda. A própria

Time, entre tantas outras, já publicou reportagens em quadrinhos.

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3- Quadrinhos no Jornaloacy Cirne, em A explosão criativa dos quadrinhos (1970), afirma que as raízes

metalingüísticas, políticas, sociais e econômicas dos quadrinhos “se formam e

se projetam no espaço-tempo gráfico das revistas e jornais” [CIRNE, 1970 : p.

12]. Mais adiante, ele reitera: “os quadrinhos nasceram dentro do jornal – que abalava (e

abala) a mentalidade linear dos literatos” [Op. cit. : p. 38]. Desde o Século XVIII que os

jornais têm charges, cartuns e até mesmo quadrinhos. A charge inglesa desse período,

inclusive, já tinha até balão. E desde então, praticamente não há jornal no mundo sem seus

cartunistas. Angelo Agostini, o italiano que trouxe os quadrinhos para o Brasil, publicava

suas HQs em jornais em plena metade do Século XIX. Na mesma época, o jornal

americano The national police gazette era fartamente ilustrado com reportagens gráfico-

seqüenciais. Desde o início do Século XX, todo grande jornal tem sua seção de tirinhas de

quadrinhos, suas charges e suas caricaturas. Muitas vezes, a charge vale por um editorial e

vem em destaque na primeira página. Além disso, os ilustradores das matérias jornalísticas

freqüentemente constroem pequenas narrativas em quadrinhos para fazer a reconstituição

de crimes ou outros acontecimentos.

M

Desde a antiguidade, podemos encontrar narrativas gráfico-seqüenciais. Os exemplos

são muitos. Com Töppfer, essas narrativas ganham, na primeira metade do Séc. XIX, uma

coerência estrutural e uma série de regras básicas, originando nossos quadrinhos

modernos. Com maior ou menor sucesso, muitos quadrinistas levaram os quadrinhos para

o jornais já na metade do Século XIX, como os franceses Caran d’Ache e Gustav Doré ou

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Agostini. Mas foi com The Yellow Kid, do desenhista americano que os quadrinhos se

tornaram um verdadeiro fenômeno de popularidade.

A primeira e mais marcante conseqüência da migração dos quadrinhos para o jornal foi

a ilusão de que as histórias em quadrinhos estavam nascendo naquele momento. É

realmente verdade que os quadrinhos, durante algumas décadas a partir de The Yellow Kid,

passaram a se restringir quase que exclusivamente aos jornais. É também verdade que eles

passaram então a desfrutar de uma visibilidade que nunca tinham realmente tido. Mas esse

período tão marcante fez com que muitos historiadores passassem a considerar o Yellow Kid

a primeira história em quadrinhos, esquecendo completamente todo o legado anterior.

A partir dos anos 1920/30, as HQs deixam de ser exclusividade dos jornais,

iniciando a indústria de revistas em quadrinhos. Mas a relação entre quadrinhos e jornais

sempre continuou e continua forte. Os quadrinhos se desenvolveram em uma linguagem

completa e independente, mas eles nunca abandonaram totalmente os jornais. Muitos,

inclusive, ficaram permanentemente marcados por seus cartunistas/quadrinistas. Alguém

consegue imaginar o antigo Pasquim sem o Sig, o ratinho do Jaguar? E não são poucas

as pessoas que começam a ler o jornal pela seção de quadrinhos ou pela charge.

Grandes trabalhos de quadrinhos continuaram sendo criados especificamente para

jornais e revistas de notícias, como Mafalda, Calvin e Haroldo, Non sequitur ou nossa

inesquecível Rê Bordosa. E em Avenida Brasil (Isto É), Paulo Caruso faz histórias em

quadrinhos curtas (mas cheias de atitude política) em cima de fatos marcantes do cotidiano

político nacional.

3.1- O folhetimuando os jornais do Século XIX passaram a encartar obras literárias como atrativo

de vendas sob a forma de livretos, não tardou para que os escritores estendessem

e alongassem suas histórias numa quase interminável sucessão de capítulos

seriados. O folhetim nasceu dentro do jornal e foi por ele contaminado, tanto em seus

procedimentos quanto na delimitação de seu público alvo. Hoje, podemos comprar em

qualquer livraria uma edição completa de Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, ou

Q

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de Dom Casmurro, de Machado de Assis, mas os leitores do Século XIX acompanharam

essas histórias da mesma forma como hoje acompanhamos as novelas de televisão: em

capítulos seriados.

Uma das maiores conseqüências do período em que os quadrinhos eram veiculados

exclusivamente nos jornais foi sua quase absoluta submissão ao modelo do folhetim, com

a criação da tirinha diária continuada e da página semanal continuada. Esse ‘efeito

folhetim’, inclusive, já se fazia sentir antes mesmo do Yellow Kid. Angelo Agostini, como

se sabe, já publicava suas HQs em jornal por toda a segunda metade do Século XIX. No

início elas eram breves e autocontidas, como nas histórias publicadas em O Cabrião.

Mais tarde, contudo, Agostini sucumbiu ao folhetim e estendeu por anos a fio os episódios

das aventuras do seu Zé Caipora.

Essa pressão do folhetim sobre os quadrinhos foi tão grande que seus efeitos se

fazem sentir até hoje. A publicação seriada ainda é o padrão básico da indústria de

quadrinhos, seja com as revistas de personagens únicos, seja com as revistas mix.

Mesmo obras que ganharam prestígio sob a forma de livros, como Maus ou Palestina,

foram inicialmente publicadas de modo seriado. Palestina saiu seriada em revista própria

e Maus surgiu em capítulos nas páginas da revista Raw.

3.2- Semelhanças gráficas história em quadrinhos e o jornal têm uma relação muito mais profunda do que

pode parecer. Essa relação não é somente histórica, ela chega também ao nível

estrutural. Um autor de quadrinhos pega a sua história, divide em partes e dispõe

cada uma dessas partes em um quadro com sua imagem e textos necessários. Esses

quadros são justapostos, são ajuntados lado a lado nas páginas. Algumas vezes, o autor

colocará um único ou uns poucos quadros por página, outras vezes, vários quadros

menores. O leitor, por sua vez, ao ler esses quadros, vai reconstituindo, pouco a pouco, a

história narrada. Ora, não é assim também que se faz um jornal? Os jornalistas dividem os

acontecimentos cotidianos em partes, que são trabalhadas em matérias, com o texto e as

A

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imagens necessárias. Depois, juntam essas partes em páginas, compondo esse objeto que

chamamos jornal.

Em ambos os casos, a página constitui uma espécie de diagrama espaço-temporal

(o espaço-tempo gráfico de Cirne). Tanto a página dos quadrinhos quanto a do jornal é

uma configuração espacial (bidimensional) que se articula com o tempo do objeto dessa

representação. No caso dos quadrinhos, se articula com a fluidez temporal da história

narrada. No caso do jornal, se articula com o ‘agora’ do mundo.

O pensamento gráfico do jornal e o da revista em quadrinhos é fundamentalmente o

mesmo: o objeto do discurso é retalhado em unidades menores dispostas em páginas.

Mas duas são as diferenças fundamentais. A primeira, quanto ao objeto do discurso, que

na revista em quadrinhos é quase sempre uma história a ser narrada e no jornal é essa

coisa que chamamos vagamente de ‘cotidiano’ ou ‘realidade’. A segunda diferença é

quanto ao processo de leitura. As matérias (módulos gráfico-estruturais do conteúdo do

jornal) podem ser lidas fundamentalmente em qualquer ordem ou quantidade. Os quadros

de uma HQ, ao contrário, devem ser todos lidos e, salvo raríssimas exceções, lidos em

uma ordem pré-determinada.

Essas diferenças são suficientemente claras e evidentes para que ninguém pretenda

afirmar que uma revista em quadrinhos e um jornal são a mesma coisa. Contudo, o fato

de se articularem sobre um mesmo pensamento gráfico é muito significativo. Se

considerarmos o fato de que tanto as histórias em quadrinhos quanto o jornal, do modo

como os conhecemos, terem evoluído quase sempre juntos desde o Século XVIII,

veremos que esse pensamento gráfico em comum não é mera coincidência. Ele foi sendo

conquistado por essa parceria entre quadrinhos e jornal.

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4- Recursos Quadrinísticos no Jornalo início, os jornais eram somente um amontoado de textos noticiosos. Com o

tempo, eles foram se sofisticando graficamente. Uma caricaturazinha aqui, uma

chargezinha ali e, pimba, de repente ele já era um jornal ilustrado. Depois,

vieram as matérias ilustradas propriamente ditas. Depois, os quadrinhos e, finalmente, as

fotografias. Hoje, os jornais têm gráficos, tabelas, infográficos e todo um universo de

recursos visuais para ajudar a vender notícias. Mas a passagem dos quadrinhos pelo

jornal não modificou somente os quadrinhos. Eles também foram importantíssimos para a

ampliação da concepção gráfica dos jornais. Muitos dos recursos técnico-visuais a serviço

dos jornais são de origem quadrinística.

N

4.1- Foto-jornalis mo om o desenvolvimento das técnicas de reprodução e multiplicação de imagens

fotográficas e cinematográficas a partir do início do XX, a antiga ilustração

jornalística desenhada deixou de ser ‘o próprio jornalismo em imagens’ para se

tornar apenas um entre seus muitos recursos, em meio a fotografias, gráficos, tabelas,

mapas e infográficos. O lugar de destaque, o foco das atenções, passou a ser ocupado

pela fotografia. São poucos os veículos jornalísticos impressos que ainda privilegiam o

desenho tradicional em detrimento da fotografia. Alguns casos notórios são a Gazeta

Mercantil e a revista americana New Yorker.

C

A Primeira Guerra Mundial foi o primeiro grande conflito a ser mostrado nos jornais

em fotos. O foto-jornalismo se edificou então como uma das grandes potências do Século

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XX, das fotos de Robert Capa na Guerra Civil Espanhola ao World Trade Center em

chamas, passando pelas imagens de crianças queimadas por napalm na Guerra do

Vietnã e do chinês anônimo parando os tanques na revolta da Praça da Paz Celestial.

4.1.1- Fotorreportagem: uma reportagem em fotonovelaA fotografia impressa, contudo, não significou o fim do jornalismo gráfico-

seqüencial. As fotorreportagens (que fizeram a fama de publicações como a Life ou O

Cruzeiro) apresentam um encadeamento lógico de imagens tão elaborado que

podemos classificá-las como uma espécie de fotonovela jornalística. A fotonovela,

como se sabe, é tão somente uma história em quadrinhos com fotos no lugar dos

desenhos. Em seu livro A revolução da fotorreportagem, onde analisa o jornalismo

fotográfico da revista O Cruzeiro, Nadja Peregrino constata que “um primeiro fato que

chama a atenção [na fotorreportagem] é o sentido de crônica visual que organiza a

informação dentro de uma ordem cronológica dos acontecimentos” [PEREGRINO:

1991, p. 59]. A preponderância da imagem sobre o texto demonstra que a

fotorreportagem não é uma simples reportagem verbal ilustrada mas, na verdade,

uma reportagem visual auxiliada por texto. Segundo Nadja, “as informações

fotográficas constituíam a matéria-prima para a edição das reportagens ilustradas”

[Op. cit. : p. 59] e “a legenda ilustra e complementa o processo de comunicação

icônica” [Op. cit.: p. 64].

4.2- Charge, cartum e caricaturaEm Jornal, história e técnica, Juarez ressalta a importância do peso informativo dos

elementos visuais no jornal. Segundo ele:

A caricatura, que se define como reportagem gráfica – do traço de humor ao desenho

que documenta um fato –, lança os jornais e revistas numa espécie de passarela da

fama. Quanto maior o espaço, mais notoriedade, mais popularidade. [BAHIA, 1990 : p.

127]

Nossos grandes caricaturistas e cartunistas como Manuel de Araújo Porto Alegre,

Angelo Agostini, Vera Cruz, Rafael Bordalo Pinheiro, J. Carlos, Belmonte, Nássara, 14

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Péricles, Millôr, Jaguar, Ziraldo, Henfil, Paulo Caruso e Chico Caruso (entre tantos outros)

extrapolam completamente o status de simples ilustradores. Seus nomes são destaque na

própria história do jornalismo brasileiro.

Os quadrinhos e os cartuns estão também intimamente ligados tanto com a origem

dos direitos autorais quanto com a liberdade de imprensa. As leis de direitos autorais na

Inglaterra (primeiro país a tê-las) foram motivadas pela necessidade de Hogarth em

salvaguardar seus direitos contra a pirataria de suas famosas gravuras seriadas. O primeiro

caso de processo movido contra um jornalista no Brasil foi contra o cartunista e caricaturista

Angelo Agostini, o jornalista brasileiro mais importante do Século XIX. Na metade do Século

XIX, a revista satírica francesa La caricature sofreu 54 processos em um ano.

4.3- Rec onstituição ma das mais claras evidências da presença de procedimentos quadrinísticos no

pensamento gráfico do jornal é a reconstituição de acontecimentos. Típico das

seções policiais dos jornais essas reconstituições utilizam a técnica

quadrinística dentro de uma reportagem tradicional, seja porque as cenas não foram

fotografadas, seja para mostrar melhor o desenvolvimento de um acontecimento. As

reconstituições seqüenciais narram graficamente o fato. São já, portanto, um embrião do

jornalismo em quadrinhos.

U

4.4- Mapas cronol ógicos e um modo geral, os mapas são de natureza espacial e fundamentalmente

atemporal e sua função principal é apresentar uma reprodução do aspecto

geográfico de uma determinada região. Assim, para mostrar a evolução

cronológica de um país, por exemplo, o mapa deverá se valer de artifícios outros além

dessa simples cartografia espacial. A solução mais óbvia é se colocar lado a lado um

D15

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conjunto de mapas de uma mesma região em momentos distintos, de modo a deixar clara

essa evolução.

Uma outra maneira mais sintética de se representar esse tipo de fenômeno é se

compor os diferentes momentos dessa evolução no mesmo mapa. Assim, ao invés de um

conjunto gráfico-seqüencial de mapas formando uma clara história em quadrinhos,

teremos um único mapa com todas as informações.

A priori, diríamos que o primeiro exemplo é de natureza quadrinística enquanto o

segundo não. Mas esta distinção é enganosa. O princípio originário dos dois exemplos é

idêntico: um conjunto de configurações geográficas cronologicamente sucessivas. O que

muda é a maneira de dispô-las. Enquanto no primeiro caso as configurações são

justapostas – isto é, dispostas lado a lado – no segundo, elas são sobrepostas. Mas nos

dois casos a sucessão de informações está lá. Basta nos lembrarmos de que, nos

quadrinhos, também temos a possibilidade de multiplicidade temporal dentro de um

mesmo quadro. Quando o Geraldão anda, o vemos com diversas pernas e não somente

com duas. Ao invés de várias imagens justapostas, temos as imagens sobrepostas da

mesma pessoa em momentos diferentes da ação. Assim, o segundo mapa descrito acima

também se vale de um recurso tipicamente quadrinístico.

4.5- Infográficosuntamente com a reconstituição e o mapa cronológico, o infográfico é um recurso

gráfico bastante utilizado por alguns jornais e que também compartilha da mesma

mecânica gráfico-seqüencial dos quadrinhos. Os modernos infográficos, aliás, são

uma espécie de versão evoluída e ampliada desses dois. No infográfico, a seqüência de

imagens não está a serviço somente da narrativa, mas também da descrição de

fenômenos e da explanação de conceitos abstratos. Se não é narrativa gráfico-

seqüencial, é sem dúvida alguma, discurso gráfico-seqüencial.

J

4.6- Balões e onomatopéias

16

Page 17: Quadrinhos e jornal uma correspondência biunívoca

ornais e revistas também usam com muita freqüência onomatopéias e balões de

fala e de pensamento como recurso jornalístico, mesmo sem a presença de

ilustrações figurativas. As onomatopéias são utilizadas tanto como recursos

gráficos tipicamente pop quanto como vícios de linguagem em títulos e textos. Se as

matérias falam de quadrinhos, então, elas são um cacoete quase inevitável.

JOs balões são geralmente utilizados para dar destaque a falas de entrevistados e de

pessoas citadas, como uma alternativa mais descolada do tradicional olho. Algumas

vezes, seu uso é até mais elaborado. A revista Mil perigos publicou, em seu número 2,

uma entrevista onde as perguntas e as respostas estavam todas contidas em balões.

4.7- Publicidadeanto na época das grandes fotorreportagens quanto no universo das revistas em

quadrinhos, era muito comum ver-se anúncios publicitários utilizando diversos

recursos quadrinísticos como balões, onomatopéias, linhas de movimento ou até

mesmo seqüências gráfico-narrativas. Atualmente, esses recursos são utilizados coma

mais moderação, mas não são raros.

T

17

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5- Assunto de Conversas quadrinhos e os jornais são alguns dos mais importantes fenômenos de nossa

cultura moderna. São também duas das maiores forças do universo pop. Ao

mesmo tempo veículos e objetos, não é raro encontrarmos referências a eles

nas artes, na moda, na mídia, em todo nosso dia-a-dia. Não é de se espantar, portanto, que

encontremos matérias jornalísticas falando de quadrinhos e vice-e-versa. Comecemos pelo

vice-e-versa.

O5.1- O jornal nos quadrinhos

lguns autores de quadrinhos utilizaram a própria aparência do jornal impresso

como elemento gráfico de suas histórias. A princípio, isso pode parecer apenas

mais uma referência a outras linguagens, pois já são bastante conhecidas as

inserções de cenas do jornalismo televisivo em Batman, o cavaleiro das trevas ou a

abertura com o jornal da tela de cinema em Falcão Negro, por exemplo. Mas o caso do

jornal impresso é bastante específico, pois nos dois casos acima, temos duas linguagens

com imagem em movimento sendo parodiadas em uma linguagem com imagem estática.

AUma televisão mostrada em um filme ou uma tela de cinema mostrada em um

programa de televisão estão operando nas mesmas bases, pois ambos podem reproduzir

as cenas em movimento um do outro. Mas como nos quadrinhos as imagens são

estáticas, não veremos um filme ou uma cena de TV em movimento, mas algumas

imagens congeladas em seqüência. O jornal, em contrapartida, opera no mesmo registro

estático das histórias em quadrinhos. Assim, quando vemos uma página de jornal

18

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representada em uma história em quadrinhos, utilizamos processos de leitura

semelhantes aos que utilizamos quando lemos uma verdadeira página de jornal. Ambos

são uma disposição gráfica de palavras e imagens estáticas sobre uma superfície

bidimensional. Do mesmo modo como os quadrinhos existem naturalmente em uma

página de jornal, o jornal também estará em seu próprio elemento em uma página de

quadrinhos.

Incontáveis são as HQs que utilizam páginas de jornal como auxiliar da narrativa. De

um personagem lendo ou comprando um jornal, podemos saltar diretamente para um close

da página. Esse é o padrão da grande maioria dos casos. Mas o engenho de certos autores

costuma produzir algumas soluções interessantes, como fizeram Allan Moore e Dave

Gibbons em Watchmen onde, ao final de cada capítulo (à exceção do último), temos as

próprias páginas de algum livro, relatório policial ou folheto de vendas já apresentado

dentro da história. Um desses objetos é um álbum de recortes de notícias de jornal sobre

uma ex-integrante de um grupo de heróis mascarados. É como se passássemos as folhas

de uma espécie de fac-símile do álbum verdadeiro, com as notícias recortadas e coladas

sobre as páginas.

Em A mulher enigma, a dupla Christin/Bilal extrapolou fisicamente esses limites. Na

história, Jill Bioskop é uma jornalista do futuro que descobre que, de algum modo, seus

artigos estão sendo reproduzidos no passado. Ao final, não vemos uma imagem do jornal

reproduzido nas páginas da HQ como em Watchmen, mas o próprio jornal encartado.

Junto com o livro, vem um exemplar do jornal com as notícias enviadas por Jill. Impresso

em duas cores, no formato tablóide e em papel jornal, ele emana da história, vindo parar

em nossas mãos como um objeto real. É uma das brincadeiras mais originais da presença

do jornal nos quadrinhos.

5.1.1- Personagens-jornalistasO que representa o jornalista no imaginário popular? Tomemos o cinema

como exemplo. Sem precisar se esforçar muito, qualquer cinéfilo logo se lembrará

de muitos personagens de jornalistas megalomaníacos ou inescrupulosos. Mas

também são grandes referências os corajosos jornalistas-investigadores. Dos

muitos traços de personalidade apresentados pelos jornalistas nos filmes, alguns 19

Aristides Dutra, 03/01/-1,
Encontrar exemplo de quadrinhos com pessoa lendo jornal que mostra a seguir a própria página do jornal.
Page 20: Quadrinhos e jornal uma correspondência biunívoca

dos mais recorrentes são a irreverência, o dinamismo, o inconformismo, a

curiosidade crônica e a facilidade de ir e vir, características muito úteis também na

carreira de herói de quadrinhos.

Muitos personagens de quadrinhos são repórteres lançados no meio de

grandes aventuras em conseqüência do caráter investigativo de suas profissões.

Para eles, transpor limites é indispensável. Repórteres-detetives como Tintin ou

Brenda Starr não reconhecem barreiras para descobrir a verdade a fazê-la se

impor. Os dois mais importantes super-heróis americanos também são jornalistas.

Clark Kent, alter ego do Super-Homem, é um respeitado jornalista do Planeta

Diário. Seu principal concorrente, o Homem Aranha, da arqui-rival Marvel Comics,

é um fotógrafo jornalístico quando atende pelo nome de Peter Parker e trabalha no

Clarim Diário.

Nos quadrinhos, há muitos super-heróis jornalistas, mas são poucos os

supervilões jornalistas. Seria o resquício de uma visão romântica e otimista da

profissão? Isto também pode estar ligado ao fato de que os quadrinhos ainda

continuam intimamente ligados aos jornais. Mas, super-heróis ou não, os personagens

jornalistas nos quadrinhos não são raros. Até os principais personagens Disney já

viveram seus dias de repórteres.

5.2- Os quadrinhos no jornalo início, os quadrinhos dos jornais tinham por objetivo atingir sobretudo o público

iletrado. Realmente, esse público estava sendo visado pelos jornais do fim do

Séc. XIX, mas não somente ele. A ilustração tem um apelo e uma penetração

universais. Diferentemente do texto escrito, que é realmente tão mais acessível quanto

mais letrado o indivíduo, a ilustração, a charge e a caricatura têm um forte apelo em todas

as classes sociais e intelectuais. O humor a e ironia também permitem uma leitura mais

erudita. Mais que simplesmente popular, a ilustração é universal. Algumas vezes, a ironia

de uma charge pode ser extremamente sofisticada. Além do mais, pessoas inteligentes

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também têm senso de humor. Basta lembrar a quantidade de ilustrações e cartuns que

inundam semanalmente as páginas da nada popular revista literária New Yorker.

Os quadrinhos invadiram os jornais no final do Séc. XIX e nunca mais saíram. Não há

hoje um grande jornal diário que não tenha sua seção de quadrinhos. Alguns de

elevadíssima qualidade. Quem não se lembra de alguma passagem da Mafalda, de Calvin e

Haroldo ou da nossa saudosa Graúna? Non sequitur é outro exemplo de quadrinho diário

inteligente e sofisticado. Tanto que o jornal O Globo não o publicava na seção de quadrinhos

mas na de economia. Quem disse que quadrinhos ainda são para pessoas iletradas?

Nem só de grandes jornais vivem os quadrinhos. Eles também estão presentes nos

jornais nanicos, nos jornais de bairro, nos de sindicados, de escola. Estão na imprensa de

massa e na setorizada, seja feminina, médica, militar, esportiva ou gay. Em resumo:

Quadrinhos e cartuns são praticamente indispensáveis em um jornal.

5.2.1- Falando de quadrinhosÉ possível se perceber uma profunda modificação na fala sobre quadrinhos

nos jornais do último meio século. Na época do macarthismo e das perseguições

ideológicas, os quadrinhos eram acusados de serem um dos principais

responsáveis pela delinqüência juvenil. Hoje, suas qualidades já são mais aceitas,

mas até há uma década, as referências circunstanciais ainda eram freqüentemente

depreciativas. Para menosprezar determinada coisa, muitos jornalistas diziam que

aquilo parecia coisa de gibi. A expressão ainda é utilizada, mas com menos

freqüência. Hoje, em contrapartida, não é raro encontrarmos rasgados elogios ao

poder e à qualidade dos quadrinhos. Certamente, o Pullitzer de Maus, a visibilidade

de Sacco e o grande sucesso comercial das franquias cinematográficas baseadas

em quadrinhos têm mostrado aos jornalistas que ser coisa de gibi pode ser uma

grande qualidade.

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6- Conclusãos quadrinhos e o jornal devem boa parte de seus desenvolvimentos gráficos à

sofisticada simbiose que estabeleceram. Esta relação deixou em ambos uma

marca nítida e forte, que até hoje se faz sentir de maneira evidente e

inequívoca. Entre citações mútuas, referências e empréstimos técnico-formais, ambos

saíram e saem engrandecidos.

OVivemos hoje um período delicado para o mercado de quadrinhos. De um lado,

colecionam-se prêmios, visibilidade e respeitabilidade. De outro, cresce uma crise

comercial acentuada pela concorrência das tevês a cabo, do videogame e da internet

como formas de entretenimento. Em uma matéria publicada na New Yorker, Art

Spiegelman se pergunta se as grandes obras primas dos quadrinhos contemporâneos

são elegantes réquiens para uma arte moribunda ou as trombetas de uma linguagem

marchando em direção à maturidade. Ainda é cedo para uma resposta definitiva. Mas

uma coisa é certa: a linguagem dos quadrinhos há muito já escorreu das páginas dos

gibis para deixar sua marca na nossa cultura. Aí estão as páginas dos jornais que não nos

deixam mentir.

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Referências BibliográficasLIMA, Edvaldo Pereira (1993). Páginas ampliadas – o livro-reportagem como ex-

tensão do jornalismo e da literatura. Campinas : Unicamp.

BAHIA, Juarez (1990). Jornal, história e técnica – história da imprensa brasileira. São Paulo : Ática.

CIRNE, Moacy (1970). A explosão criativa dos quadrinhos. Petrópolis : Vozes.

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