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PRÁTICAS CORPORAIS E EDUCAÇÃO FÍSICA os debates nos artigos do Grupo Corpo (FACED/UFBA). GRUPO CORPO: Cotidiano, Resgate, Pesquisa e Orientação. 2

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PRÁTICAS CORPORAIS

E EDUCAÇÃO FÍSICA os debates nos artigos do Grupo Corpo

(FACED/UFBA).

GRUPO CORPO:

Cotidiano, Resgate, Pesquisa e Orientação.

2

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Grupo Corpo / Faculdade de Educação / Universidade Federal da Bahia

Salvador/BA

GRUPO CORPO –

Práticas Corporais e Educação Física: os debates nos artigos do Grupo Corpo

(FACED/UFBA). - 2ed. Salvador: Grupo Corpo, 2019, 98p.

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NOTA EXPLICATIVA

O Grupo “Corpo: Cotidiano, Resgate, Pesquisa e Orientação” está localizado

na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e entre as atividades

desenvolvidas estão: debates, produção de artigos, projetos científicos e de

extensão. Além destas ações o Grupo Corpo possui um blog em que discute

diversos temas relacionados à Educação Física e áreas correlatas. Em virtude disso

elaboramos este e-book com o intuito de apresentar os artigos que já foram

publicados ao longo de quase três anos. Vale ressaltar que os textos foram

elaborados com maior flexibilidade permitindo uma leitura mais fluente e estão todos

no endereço “www.gcorpo.wordpress.com.” disponíveis no link “artigos”.

O Grupo Corpo deseja boa leitura a todos e todas!

Grupo Corpo: Cotidiano, Resgate, Pesquisa e Orientação

Faculdade de Educação Universidade Federal da Bahia

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 6

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 8

LAZER: CONCEITOS E USOS SOCIAIS ................................................................. 10

LEITURAS SOBRE AS (RE)FORMULAÇÕES DE LAZER E DA SEMANA. ..................................... 11

PARA PENSAR SOBRE LAZER E UNIVERSIDADE… .................................................................. 13

A FORMAÇÃO NO CAMPO DO ESPORTE E LAZER. ................................................................ 15

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO PARA O LAZER. .............................................. 19

A CRIANÇA QUE NÃO BRINCA: Reflexos numa sociedade da produção. .............................. 22

AS FESTAS DE LARGO: CULTURA POPULAR E LAZER NA BAHIA. ........................................... 24

DELINEANDO OS LAÇOS ENTRE O LAZER, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: UM ESPAÇO PARA

CONSTRUÇÃO DO SER. .......................................................................................................... 27

AS AULAS DE GINÁSTICA EM ACADEMIA COMO UMA PRÁTICA DE LAZER. ......................... 30

HISTÓRIA DO ESPORTE, DAS PRÁTICAS CORPORAIS E DO LAZER. ..................... 33

PRÁTICAS CULTURAIS NA CAPITAL BAIANA: PRIMEIRAS IMPRESSÕES................................. 34

A INFLUÊNCIA DO JUDÔ NA FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO JIU-JITSU BRASILEIRO EM

SALVADOR. ............................................................................................................................ 39

MEMÓRIAS DO ESPORTE EM SERGIPE: O “GROUND ADOLPHO ROLLEMBERG”.................. 44

O INSTITUTO PONTE NOVA E SUA TRAJETÓRIA. ................................................................... 47

EDUCAÇÃO HIGIÊNICA E GINÁSTICA NO PROJETO DE MODERNIDADE DA BAHIA – SÉCULO

XIX. ........................................................................................................................................ 49

NAGIB MATNI NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA PARAENSE. ........................................... 51

A HISTÓRIA DO TAEKWON-DO NA BAHIA: relatos por Ary Alakija. ...................................... 54

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E OUTROS TEMAS .................................................... 59

AS INFLUÊNCIAS DOS SISTEMAS PADRONIZADOS NAS AULAS DE GINÁSTICA EM

ACADEMIA. ............................................................................................................................ 60

EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: O DIREITO DE SER VOCÊ MESMO! .......................... 64

AS MULHERES E AS PRÁTICAS EQUESTRES. ......................................................................... 69

A GINÁSTICA CIRCENSE E SUAS POSSIBILIDADES. ................................................................. 73

INFLUÊNCIAS POLÍTICAS E COEXISTÊNCIA DOS SISTEMAS NO SUS. ..................................... 76

NO LUGAR DA FALA, A ESCUTA: PRIMEIRA TURMA DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UCSAL. ....... 79

A LUTA ANTIMANICOMIAL É TODO DIA! .............................................................................. 81

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EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS E ESTÉTICAS NOS FESTIVAIS DE DANÇA NA GRADUAÇÃO EM

EDUCAÇÃO FÍSICA. ................................................................................................................ 85

EDUCAÇÃO FÍSICA E DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO. .................................................. 89

DANÇA E EDUCAÇÃO ............................................................................................................. 92

A UTILIZAÇÃO DO LIAN GONG COMO TERAPÊUTICA NA ATENÇÃO BÁSICA EM CAMAÇARI-

BA. ......................................................................................................................................... 96

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APRESENTAÇÃO

Uma das marcas mais relevantes da consolidação recente dos Estudos do

Esporte – especialmente do campo acadêmico da História das Práticas Corporais,

mais usualmente conhecido como História do Esporte, da Educação Física e do

Lazer – é o espraiamento dos debates e das iniciativas para outras regiões do país

que não as Sudeste e Sul, onde inicialmente as experiências de investigação melhor

se estruturaram. Há que se saudar enfaticamente tal ocorrência.

O novo conjunto de reflexões decorrente dessas iniciativas tem arejado

significativamente as compreensões sobre os objetos investigados. Chama a

atenção para os riscos do etnocentrismo e nos convoca a perceber a plasticidade e

complexidade dos fenômenos sociais sobre os quais nos debruçamos. Ajuda-nos a

perceber seus caminhos múltiplos, alertando-nos para suas regularidades e

peculiaridades. Nenhum entendimento mais ambicioso pode prescindir desses

novos olhares.

As iniciativas do grupo Corpo da Universidade Federal da Bahia, coordenado

pelo amigo e irmão Coriolano Pereira da Rocha Junior, são um perfeito exemplo

desse novo e alvissareiro momento. Seus pesquisadores, muitos deles autores de

contribuições nesse livro publicadas, têm trabalhado em sintonia com os debates

nacionais e internacionais, articulando-os com seus olhares sobre as ocorrências da

Bahia, demonstrando não somente a importância dos seus diversos objetos para o

cenário local, como também percebendo suas peculiaridades, interpretadas à luz de

um contexto específico, conectando de tal forma o chamado regional com quadros

maiores do ponto de vista geopolítico que podemos até mesmo questionar o quanto

são válidas essas classificações.

A Bahia é o mundo e o Brasil sem deixar de ser a Bahia; o Brasil e o mundo

estão na Bahia, relidos de forma peculiar. Não se trata de ver somente o reflexo,

mas também o refratário. É sempre na tensão entre captar aquilo que reflete e aquilo

que se apresenta difuso que está o desafio dos investigadores, esforço muito bem

empreendido pelos colegas que se reúnem em torno do grupo Corpo.

Há que se destacar a importância da Bahia no cenário nacional. Tendo sido

local da primeira capital das terras da América portuguesa, a perda dessa condição

para o Rio de Janeiro ocasionou impactos significativos, inclusive no que tange ao

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futuro processo de adesão ao ideário e imaginário da modernidade. Seus

movimentos específicos de vinculação a ideias de civilização e progresso carregam

o potencial de nos permitir perceber os diferentes tempos de desenvolvimento das

urbes no Brasil, bem como as tensões que nesse processo se estabeleceram, e

ainda se estabelecem, entre o campo e a cidade, entre o antigo e o novo, entre a

tradição e a inovação.

Compreender essas peculiaridades é sem sombra de dúvidas entender

melhor o Brasil e o mundo, em nosso caso tendo como portas de entrada as práticas

corporais institucionalizadas e de entretenimento. As ações do grupo Corpo são,

assim, fundamentais para nos permitir essa compreensão. Devem ser saudadas.

Vida longa e alvíssaras a esse incrível coletivo de colegas!

Victor Melo

Inverno de 2018

Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro

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INTRODUÇÃO

Nossa intenção, mesmo que de forma breve é a de apresentar este livro

eletrônico, que é uma ação de um grupo de pesquisa. O Grupo em foco é o CORPO,

que é a composição dos seguintes termos: Cotidiano, Resgate, Pesquisa e

Orientação. Essa denominação é o agrupamento de categorias tidas como centrais

na formação docente e científica, especificamente nos campos da Educação e da

Educação Física.

O Grupo CORPO está instalado na Faculdade de Educação (FACED),

da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Sua atuação se vincula notadamente,

embora não apenas, ao Curso de Graduação em Educação Física (CEF) da UFBA e

ao Programa de Pós-graduação stricto-sensu em Educação (PGEDU) da mesma

Universidade. Ambos os cursos têm seu funcionamento na FACED, que é a Unidade

Acadêmica de referência.

Uma das ações e motivações do Grupo é exatamente a de estabelecer

associações e vínculos entre a graduação e a pós-graduação. Para tanto, suas

atividades buscam estabelecer mecanismos de construção de experiências

docentes, vivências em trabalhos de campo e também, de produção de

conhecimentos.

No caso específico deste livro eletrônico que ora apresentamos,

identificamos uma das formas de ação do grupo, que é de elaboração de pesquisas

e produção de textos, que buscam dialogar com campos diferentes, sendo uma

expressão daquilo que é vivido no cotidiano do GRUPO.

Esta obra reúne todo o material produzido até então por pesquisadores do

Grupo, representando seus interesses de estudo e publicados no blog, que é

também uma outra produção do CORPO. Este blog, de endereço

www.gcorpo.wordpress.com, objetiva ser um meio de comunicação e relação do

grupo com a comunidade, um espaço de expressão de nossas ações.

Desta forma, o que está aqui reunido e apresentado para leitura, mesmo que

em parte, dá ao público leitor a oportunidade de se aproximar do Grupo e de quem

dele faz parte, através do material aqui exposto. Os textos passeiam por temas

diversos, com abordagens diferentes, sendo escritos individuais, que representam

as vivências de um coletivo, como deve ser um Grupo de Pesquisa.

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Leitores e leitoras encontrarão textos escritos de forma curta e leve, com

uma abordagem que pretende alcançar mesmo os não especialistas, mas que

também conta com o necessário rigor teórico de uma produção acadêmica. Os

temas e os textos dão a quem os lê a chance de uma aproximação com os temas,

permitindo que a partir de interesses se busquem aprofundamentos e esse é o

objetivo do material do blog, que pode remeter aos outros materiais do próprio

Grupo, como: artigos dissertações e teses.

Com tudo isto, buscamos oferecer a quem acessa esta obra, uma leitura

qualificada, mas também leve e ágil, a partir das tecnologias disponíveis na

atualidade.

Enfim, a todos e todas uma boa leitura, que desfrutem e aproveitem da

melhor forma o material e sejam bem vindos e bem vindas ao CORPO.

Prof. Dr. Coriolano P. da Rocha Junior

Líder do GRUPO CORPO

Docente da Universidade Federal da Bahia

Salvador, setembro de 2018.

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LAZER: CONCEITOS E USOS SOCIAIS

Lida com projetos que analisam o lazer como fenômeno da

sociedade moderna e busca compreender como este é tratado

conceitualmente e qual função é a ele atribuído em programas

sociais, em sua relação com as políticas públicas.

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LEITURAS SOBRE AS (RE)FORMULAÇÕES DE LAZER E DA

SEMANA.

Lizandra Lima

A construção da ideia base da fragmentação do tempo, do espaço, do lugar

e dos usos desses fragmentos emerge do processo da industrialização e da

subsequente globalização que permanece impactando em nossas práticas culturais.

O lazer resíduo (de consumo), com todo o fervor da industrialização, é um

dos ícones desse processo. O impulsionamento dos espaços de lazer para os

grandes centros urbanos o fez adotar a postura da comercialização do prazer. Em

perspectiva histórica, Dumazedier (2014) nos chama atenção para o início do

processo de urbanização atrelado ao advento da industrialização, como um dos

fatores responsáveis pelo crescimento dessa vertente do lazer.

Isso nos conduz a compreensão de que o mundo passa a ter sua relação

entre tempo e espaço redefinida, e a forma como usufruir de ambos também sobre

impactos. Giddens (1991) enfatiza essa mudança indicando que as configurações

entre espaço e tempo se reformulam até que a “uniformidade de mensuração do

tempo pelo relógio mecânico correspondeu à uniformidade na organização social do

tempo” (p.21) Um dos maiores sinais disto é a reorganização da semana,

apresentada por Witold Rybczynski em seu livro Esperando o Fim de Semana.

Rybczynski (2000) ao analisar a estruturação do final de semana, apresenta

uma observação que permanece em pauta: “O final de semana, o tempo para, mas

não só porque tiramos nossos relógios de pulso”. E ainda acrescenta: “O final de

semana também é um retiro do trabalho, mas de forma diferente: saímos do

indefinido e geral para o definido e particular” (p.193).

A produção de novos bens, a globalização de comportamentos, a ascensão

de novos valores. Todos esses aspectos não impactaram apenas na nossa (ilusória)

livre escolha para as práticas de lazer, mas reverberam no modo operacional da

sociedade. A semana que vive a tensão da dualidade entre os dias de trabalho e os

dias de lazer passa atualmente por novas formas de representações. Novos

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regimentos de contratação e novas formas de trabalho e ocupação nos conduzem a

reformular e ressignificar também novos contextos de lazer.

REFERÊNCIAS

DUMAZEDIER, J. Lazer e Cultura Popular. 4ª ed. São Paulo-SP: Editora

Perspectiva, 2014.

GIDDENS, A. As consequências da modernidade. Tradução Raul Fiker. São

Paulo – SP : Editora UNESP, 1991.

RYBCZYNSKI, W. Esperando o fim de semana. Tradução de Beatriz Horta.

Rio de Janeiro – RJ: Editora Record, 2000.

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PARA PENSAR SOBRE LAZER E UNIVERSIDADE…

Brenda Paula França Pereira

É sempre inspirador e instigante falar de lazer para quem se ocupa de tomar

um tempo para debruçar-se sobre suas nuances, e é comum desde as leituras

iniciais, surgirem os questionamentos, juntamente com a insatisfação de ver como

este, permitindo-me expressar um pouco de paixão – tesouro social -, é renegado,

esquecido, na maioria das vezes por falta de conhecimento da parte a quem

pertence o direito.

Essa temática tem sido abordada repetidas vezes com maestria por aqueles

que publicam através desse meio de veiculação, mas quero desde agora pedir a

quem lê, primeiro licença para a forma direta e depois que não tenham expectativas

tão elevadas quanto a este, não sou a autora que tenta se sabotar no segundo

parágrafo da sua publicação, mas venho aqui falar sobre intrigas, sobre as minhas

intrigas que talvez possam ser as suas e de mais alguns. E reforço também que não

consta a característica resposta por aqui, apenas perguntas.

Iniciando com as intrigas, não só minhas – pois encontrei também vários

outros autores com tal interrogação ou constatação – se dá a partir da corrente

noção de que lazer se associa somente ao brincar, sem ofensa aos brincantes por

obséquio, mas meu objeto de admiração se torna facilmente representado por

atitudes sem maiores finalidades em si, despreocupadas, mesmo preguiçosas e

basicamente, não produtivas, sendo apontado unicamente como oposto a dimensão

do trabalho, esmaecendo suas tantas outras faces.

Após um tempo, lendo, entendendo, discutindo e produzindo sobre o lazer,

vive-se então por um momento, temendo que se esteja tomando um rumo fora de

curso, caminhando em uma direção que talvez não alcance algum objetivo louvável

e plausível, principalmente para a comunidade acadêmica, pomposa e

honrosamente científica, apesar de também o fazermos com o máximo de esforço e

rigor, contudo porém a intriga está no seguinte: qual o lugar nesse universo desse

conhecimento, buscado, esforçado e produzido sobre o lazer?

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O lazer é um campo que foi e ainda é construído por diversas áreas de

conhecimento, tomado como prática em diferentes contextos, que atribuem a ele

significados variados, são professores de Educação Física, Pedagogos,

Turismólogos, dentre tantos outros que se aventuram nesse campo, que chegam as

Universidades ávidos por um conhecimento que forneçam as condições necessárias

para um exercício pleno do trabalho, mas existe essa intenção por parte dessas

Instituições? Elas reconhecem a necessidade de estar preparado para o trabalho

com o lazer? Existe um reconhecimento do potencial contido nesse fenômeno

social? Ou talvez será que anterior a todas essas indagações, interessa tentar

ajudar a essa sociedade adoecida, utilizando uma ferramenta tão simples?

Não desejo de maneira alguma levantar e nem poderia sustentar grandes

teorias, mas essas intrigas e algumas outras, das quais quis me resguardar de

externa-las, são no momento questões que busco respostas ou justificativas, e nada

melhor do que o compartir!

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A FORMAÇÃO NO CAMPO DO ESPORTE E LAZER.

Silvana Regina Echer

A formação em desenvolvimento humano

Apesar de todos os avanços vivenciados pela sociedade, em especial nas

últimas décadas, percebe-se que a formação/educação continua percorrendo

labirintos, questionamentos de conceitos, eixos teóricos e propostas, em um

processo claro de desarticulação do conhecimento, da competência específica dos

processos de formação e das demandas da sociedade.

Paulo Freire destaca em suas diversas obras (1921-1997) a importância do

caráter histórico-social da formação, considerando que o ser humano está em

constante relação com o meio onde vive, mediatizado pelo mundo. Para ele os

saberes são frutos da produção coletiva, constante e dinamicamente elaborada pela

interação entre os sujeitos e gerações.

No cenário vivido neste momento no país, o pensamento Freireano mostra-

se muito atual, tendo em vista questões por ele abordadas como a relação opressor

e oprimido, a temática da alienação e da emancipação, formação/educação crítica e

a “educação bancária”, que, de maneira simplificada trata da formação como

processo de transmissão de informações, sem considerar os interesses,

necessidades e experiências dos formandos, culminando em uma educação com

conhecimentos desumanizados, desqualificados de significados e sem relação com

a realidade concreta com a qual passaria a interagir.

A formação em esporte e lazer

Com a aceleração do processo de urbanização, em especial a partir de

1970, o mercado de trabalho para quem atua com esporte e lazer cresceu muito e

com ele o desafio de pensar na formação destes quadros. Para o campo do esporte

há um processo mais consolidado, percorrido pela educação física.

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A formação profissional em educação física, em nível superior no Brasil, se

iniciou com a criação em 1939, da Escola Nacional de Educação Física, para

atender às demandas do período histórico. A meta, segundo Castellani (apud

Marcellino 1995, p.64) era formar profissionais que fossem capazes de atuar na

capacitação física da mão-de-obra, no adestramento físico da força de trabalho do

operário brasileiro. Podemos perceber que até hoje é forte a tendência de focar a

formação na questão da iniciação desportiva, com base nos princípios do

rendimento e da competição, apesar dos avanços normativos e conceituais

construídos no final dos anos 80, que procuram trazer o esporte e o lazer para o

campo das práticas sociais e produtos da atividade humana.

Marcellino (1995, p.7-8) ao tratar da formação do profissional que trabalha

com lazer nos remete ao século XVI, no sul da França, quando líderes da juventude

eram chamados de “chefes de prazer”, para tratar de uma das muitas denominações

já atribuídas aos profissionais incumbidos de “prestar serviços” nesta área de

atividade com uma forte tradição no praticismo, no entretenimento, no cumprimento

de tarefas, sem uma visão mais contextualizada e abrangente.

Isayama, (apud Marcellino, 2003, p.59) destaca que no campo do lazer, por

se tratar de uma área multidisciplinar que engloba profissionais com formações

diferenciadas acaba por ter negligenciada a necessidade de um aprofundamento

mais específico, que permita a qualificação da atuação. Na mesa linha, Tondin

(2011, p. 46) afirma que há uma compreensão, no senso comum, de que o

profissional que atua com esporte e lazer não precisa de uma formação específica,

bastando ter algumas “qualidades pessoais: ser alegre, divertido e ter carisma”.

Considerando que a maior parte dos profissionais de esporte e lazer é

oriunda da educação física, forjada neste processo histórico que acabamos de

trazer, é possível perceber que trabalhar com pacotes ou receitas prontas,

tecnicistas e desumanizantes, não é consequência ingênua ou comodismo dos

profissionais e sim parte de um processo perverso de massificação, de controle dos

sujeitos e de suas vontades, perpetuado até os dias de hoje em algumas práticas.

Esta forma de atuação restringe o trabalho a recortes específicos do esporte e do

lazer, particulariza e desqualifica o sujeito e seus conhecimentos com uma

concepção hierarquizada de sociedade, na qual alguns saberes, vivências e práticas

de esporte e de lazer valem mais que os outros.

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A formação neste campo do esporte e lazer precisa caminhar por um

processo amplo e transdisciplinar, que alie, o conhecimento do sujeito que está com

a atribuição de formar, tendo como ponto de partida a realidade que está inserido e

ponto de chegada a construção coletiva de alternativas de superação das

dificuldades encontradas. Grupos de trabalho, estudo e pesquisa, intercâmbio de

experiências, oficinas, atividades de escuta e observação podem contribuir

significativamente para a efetiva participação social. “A superação desse estágio de

compreensão do tempo de lazer para práticas mais conscientes social, cultural e

ambientalmente vem exigindo novas políticas e profissionais interdisciplinares em

sua gestão.” (MOESCH, apud Marcellino, 2003, p. 27).

Partindo da premissa de que a educação em um sentido muito mais amplo

que o ensino formal, é o principal elemento do sistema social de um determinado

contexto histórico, recai sobre ela a grande parte da responsabilidade por buscar

entender momentos históricos como o atual e oferecer elementos para o

desvelamento destas questões, para que homens e mulheres consigam agir

enquanto sujeitos, atores e construtores conscientes da sua própria realidade.

Para que isso seja possível os profissionais que atuam com as pessoas, seja

na educação formal, seja na informal, precisam ser capacitados de modo a contribuir

com o processo de formação das pessoas, ciente de que não há neutralidade frente

à realidade e aos problemas ou opções. É papel de todos os envolvidos neste

processo refletir, questionar e refazer suas atuações pedagógicas, com vistas a

permitir que as pessoas com as quais trabalham façam o mesmo no seu dia a dia.

REFERÊNCIAS

BERGER, P, L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis:

Vozes, 1998.

FREIRE, P. Conscientização. Teoria e prática da libertação. Uma introdução

ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Editora Moraes, 1980.

______. Pedagogia do Oprimido. 11ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

MARCELLINO, N.C. (Org.) Formação e desenvolvimento de pessoal em lazer

e esporte. Campinas, SP: Papirus, 2003.

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______. (Org.) Lazer: formação e atuação profissional. 2ª edição. Campinas,

SP: Papirus, 1995.

TONDIN, G. A formação dos educadores sociais de esporte e lazer no

Programa Esporte e Lazer da Cidade – PELC – em Porto Alegre. Dissertação

(Mestrado em Educação Física) – UFRGS, Porto Alegre, 2011. Disponível

em:

http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/48909/000828097.pdf?sequ

ence=1 acesso 19/05/2019.

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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO PARA O LAZER.

Sueli Abreu

A vida em sociedade é formada por uma rede de influências mútuas, o que

corrobora para o entendimento de que a educação é um processo constante em que

ninguém pode ser afastado, realizando-se em todos os espaços e momentos. O ser

humano pôde e pode ensinar e aprender ou aprender e ensinar, em todo lugar e em

todos os tempos, num verdadeiro movimento dinâmico, sem mesmo se dar conta de

que, de fato, constrói a própria identidade ao tempo em que contribui para a

construção de tantas outras.

Considerar a tríade tempo, espaço e atitude no processo educativo

demonstra preocupação e respeito a aspectos relevantes ao desenvolvimento

humano, cabendo destaque, sobretudo, aos momentos de lazer que, em tese,

perfazem-se no exercício de certo grau de autonomia e liberdade. “Deve-se admitir

que o emprego sábio do lazer é fruto da civilização e da educação.[…]sem uma

quantidade razoável de lazer, uma pessoa fica privada de muitas coisas boas da

vida.” (RUSSELL, 1976, p. 17). Neste sentido, aduz-se que o tempo livre, quando

usado, seja em distração, diversão, repouso, conversa, esporte ou tudo mais que

permita atender a capacidade do homem de se autodeterminar na busca da

satisfação e/ou prazer, também, fomenta e promove autorrealização.

Numa sociedade onde a espontaneidade, quase sempre, dá lugar a ações

orquestradas, medidas, previsíveis, a educação formal recebe destaque em

desprestígio aos saberes e inteligências que fogem ao controle de interesses

sociopolíticos e econômicos diversos (legítimos ou não). Estes, quase sempre,

revestidos de um discurso moralizante, ocupam-se em forjar um indivíduo “satisfeito”

nas demandas físicas, sociais, práticas, artísticas e intelectuais, de forma que o ideal

de cidadão livre (plena expressão de si mesmo) ainda, como na Roma antiga, fica

reservado a muito poucos.

Numa manifestação de resistência, porém,

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[…]A um mundo orientado no sentido da fabricação racional das coisas e da gestão racional das organizações, responde um outro mundo voltado para a livre expressão dos próprios seres e para as relações afetivas com outros seres, como fim derradeiro, apesar dos condicionamentos sociais que se lhe opõem (DUMAZEDIER, 2008, p. 173).

Parece um imperativo, então, a urgência em conceber a prática educativa

para além da utilitária instrução, no intuito de reconhecer o “ser animado”, com vida

própria e necessidades singulares, para que desvele disfarces apresentados pelo

controle social que por vezes o robotiza e se apresenta sob variadas formas,

inclusive, sob o título de lazer. Assim, confia-se à educação para o lazer a promoção

de despertamentos, a saber: tempo livre não é sinônimo de tempo de lazer; não é

somente no lazer que se experimenta momentos felizes; diversão e entretenimento

não são as únicas formas de lazer; o lazer está sob a força de algum interesse

explícito ou implícito; lazer desperta e desenvolve a consciência…

Se o processo educativo tem como marca a ininterrupção, não se sustenta

fragmentações ou a desconsideração da complexidade dos seres, desconsiderando

tempo e ritmo vividos pelo homem. A lógica estigmatizada de que diversão,

distração, ócio só dignificam quando se referem ou, quase numa relação binária,

somam-se ao indivíduo trabalhador, servindo como relaxantes, não passa da

moralidade nutrida por um estado explorador e reprodutor de desigualdades sociais.

Faz-se necessário compreender que a carência de autodeterminação para

ocupar o tempo livre com o lazer, devido aos disfarces de forças produtivas que

objetivam fazer do homem “máquina potente”, capaz de se submeter às pressões

externas e depois liberá-las através de um tempo “menos preso e mais agradável”,

revela mais sobre adestramento do que educação. Somente consciente de suas

escolhas prezando pelo exercício lúcido da vida cidadã, onde “o tempo livre possa

ser preenchido com atividades que levem o indivíduo a pensar e agir de forma mais

rica em todos os momentos de sua existência […] Enquanto brinca, o ser humano

também se educa.” (CAMARGO,1998, p. 154-155) é que sujeitos se emancipam ao

exercício da cidadania plena.

Vale salientar que o lazer é um direito fundamental, preconizado na

Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, dando vida ao princípio da

dignidade da pessoa humana, o qual está diretamente vinculado ao educar para ser

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livre e responsável por si, em sociedade. Daí, não se pode ignorar que a educação

para o lazer pode contribuir na construção do respeito à individualidade, criticidade e

autonomia, a fim de que o homem possa fazer escolhas responsáveis que

contemplem realizações íntimas, ciente da sua condição de ser social, agente

transformador, tornando-se competente na identificação e rejeição de mecanismos

de reprodução e controle sobre si.

Educar para o lazer pode contribuir bastante para que se aprecie com

desconfiança e se mantenha alerta aos discursos plastificados em que a via do

cumprimento do “dever” (trabalho/obrigação/obediência) é a única que dignifica o

homem, numa insensatez alienante ou numa ingenuidade dormente que não deixa

ver que a cultura é “ ao mesmo tempo forte instrumento de dominação e grande

possibilidade de reflexão” (MELO, 2003, P.96).

O lazer como objeto da educação diz respeito à construção de conhecimento

para adoção de postura consciente na utilização do “tempo livre”. E, para tanto, pode

a escola atuar, incluindo a educação para o lazer no seu currículo, o que não

prescinde a participação da família, da igreja, dos órgãos públicos e privados, isto é,

do esforço comum de toda a comunidade. Assim, poder-se-á confrontar concepções

funcionalistas de lazer que alienam através de práticas moralistas e compensatórias

e que fazem com que o cidadão viva engessado pela dignidade alcançada pelo

binômio trabalho e “lazer regrado”.

REFERÊNCIA

1. CAMARGO, Luiz O. Lima. O que é lazer. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1992.

2. DUMAZEDIER. Joffre. Sociologia empírica do lazer. 2ªed. São Paulo:

Perspectiva, 2008.

3. MELO, Victor Andrade de. Lazer e Minorias Sociais. São Paulo: IBRASA,

2003.

4. RUSSEL. Bertrand. Elogio do Lazer. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

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A CRIANÇA QUE NÃO BRINCA: Reflexos numa sociedade da

produção.

Wilson de Lima Brito Filho

Não raramente temos convivido com uma busca cada vez maior da

instrumentalização da vida e de todos os seus momentos, numa leitura simplificada,

esta situação é causada pela necessidade de estar apto à competição, de preparar-

se para o mercado de trabalho.

Mas o que temos de pano de fundo nesta constituição do homo

instrumentalis? Um modismo ou um novo modelo perene que transforma todos os

sujeitos a partir da necessidade de ver produtividade em qualquer ação humana?

Aprofundando um pouco mais há que se perguntar: Qual o reflexo desta – ausência

– ou abrupta diminuição do brincar espontâneo? Observem que falo do “brincar

espontâneo”.

De certo, não podemos negar que o ato de brincar é algo inerente ao ser

humano, quando mais tenra a idade, maior a sua facilidade em criar, fantasiar com

objetos e situações que sejam parte de um padrão de vida ou sociedade a que tem

contato, portanto, um lápis vira um avião, o som do vento na fresta da janela se

transforma em um uivo e, assim por diante.

E facilmente verificarmos que não trata-se do não reconhecimento da função

do objeto ou fenômeno mas, uma transformação fruto da espontaneidade e criação

próprios a raça humana o brincar, o jogar.

É o processo de “adultização”, ou a ideia de tudo pela produção que traduz a

redução deste universo brincante, a cada ano somado as nossas vidas são notórias

e maiores as cobranças por uma postura que extirpe de nós o ato brincante, que nos

faça ser cada vez mais sérios, desconhecendo que no brincar e no jogar a seriedade

é maior que em certas atividades laborativas.

Mas de fato o que temos é este desenvolvimento do anti-brincar ou do

brincar produtivo que retira a espontaneidade, a fluidez e pouco a pouco faz com

que crianças percam o interesse ou tenham receio de brincar, de ser espontâneos e

de ter medo de “pagar micos”.

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E quais seriam os reflexos dessa negação a um fenômeno que é natural ao

humano? Penso numa série deles e podemos tranquilamente elencar:

1. a redução das possibilidades de uma interrelação proporcionada por

ambientes brincantes, causado também pelo uso não-específico de espaços

e objetos;

2. a redução de espaços e atividades para o desenvolvimento da atividade e

ação criativa, do ato de fantasiar de dar vida a imaginação extrapolar os

limites do mundo real;

3. a redução do estímulo ao criativo e a subsequente aceitação dos modelos

prontos, criação de hábitos a seguir com base em padrões predeterminados;

4. redução do estímulo ao desenvolvimento motor, psicológico e cognitivo.

Percebe-se que o não brincar traduz-se num caminho que reduz as

possibilidades da vida humana, inclusive trazendo impactos nas diversas esferas da

vida de cada sujeito, inclusive no ambiente laboral.

Mas o fato é que, não se trata apenas do não brincar, ou da

instrumentalização dele mas, do ainda preconceito deste fenômeno entendido como

parte menos importante da sociedade, da vida humana entretanto, homens,

mulheres e crianças brincam seja de forma provocada numa seleção, num curso de

formação, numa sala de aula, a partir de uma atividade de lazer ou simplesmente

espontaneamente.

Advogo para o fato de que precisamos estar atentos para os usos

instrumentais, sejam eles educacionais ou laborativos – imaginando nossa condição

de humanos e decorrente disso inquietos, sem limites prontos para a criação – há

necessidade de reconhecer o brincar e seu espaço como parte do dia a dia da vida.

Não brincar é negar a condição humana, e, dessa forma, o não brincar tendo

como justificativa a falta de equipamentos, a falta de tempo, a necessidade de

posturas mais ríspidas é certamente uma tentativa de escamotear parte visceral da

vida, da condição humana.

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AS FESTAS DE LARGO: CULTURA POPULAR E LAZER NA BAHIA.

Adriana Priscilla C. Cavalcanti

Não é novidade dizer que os baianos tem uma dimensão diferencial de fazer

festa, associando irreverência e fé no mesmo patamar de importância. Essa relação

tem seu desenvolvimento, a partir do período do Brasil Colônia, quando os

portugueses instituem aqui, os ritos católicos que regiam, em grande medida, os

costumes e a vida da população em Portugal.

Para tanto, as festas em homenagem aos Santos Padroeiros – a exemplo da

Festa do Bonfim, Festa de Santa Bárbara, Festa de Nossa Senhora da Conceição

da Praia (Salvador), Festa de Nossa Senhora D’ Ajuda (Cachoeira) e Festa de

Nossa Senhora Santana (Feira de Santana) – são compostas de vários momentos.

É como se de fato ocorresse uma festa dentro da outra que, ao mesmo tempo,

acaba por consolidar-se em uma única grande festa. Assim sendo, há os

movimentos considerados enquanto sagrados, a exemplo das novenas, trezenas,

missas e procissões e, outros acontecimentos da festa, como de caráter profano.

Interpretação esta, dada principalmente pela igreja.

Essa dicotomia estabelecida entre o sagrado e profano, segundo Serra

(2009), tem uma relação com as dimensões dadas ao território pelas civilizações. Ao

mesmo tempo em que, o território da igreja, caracteriza-se em múltiplo e diverso,

sela-se em fronteiras das quais diferencia as relações de continuidade que

simbolizam e caracterizam determinado conjunto de singularidades. Ou seja, ao

adentrar e deparar-se com o umbral, este “corresponde, […] a uma espécie de

fronteira que distingue e opõe dois mundos, é o lugar paradoxal onde eles se

comunicam e onde pode efetuar-se a passagem de um ao outro: do profano ao

sagrado, e vice-versa” (SERRA, 2009, p. 71-72).

Nesse sentido, tais singularidades – sagrado e profano – dialogam

emdeterminada medida, haja vista que, uma só existe porque a outra se faz

presente, e isso, por sua vez, ao mesmo tempo, se torna elemento preponderante

para diferenciação de uma e de outra. Essa questão se torna mais evidente quando

fazemos a compreensão do termo profano. Segundo Serra (2009),

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Muitas vezes se encontra usado o termo “profano” como equivalente de “não religioso”. Mas a idéia do profano só tem sentido numa perspectiva religiosa, ou seja, no domínio fenomenológico em que se opõe à noção do sagrado. Essa oposição liga as duas referidas categorias de forma necessária, numa estreita correlação. Aquele para quem não há nada sagrado, nada pode considerar profano. A religião é que divide o mundo nesses dois domínios (SERRA, 2009, p. 69).

Apesar da relação desses dois mundos que se misturam em um dado

espaço-tempo, também se encontram selados, fronteiras, as quais se encontram

determinadas por um imaginário a consolidar territórios concretos, imbuídos de

práticas, dispositivos e comportamentos que os distinguem. Deflagra-se aí, o

sagrado enquanto o que acontece no templo e o profano em torno dele – conhecido

como largo, no qual, geralmente, acontecem os folguedos populares. Porém, o que

ocorre no entorno só se efetiva, tendo como mola propulsora de sua existência, os

acontecimentos concretizados no templo (SERRA, 2009).

Assim sendo, a lógica das comemorações em louvor aos Santos Padroeiros

se estruturam de modo implicado com o sacro-profano, apesar de serem instituídos

em territórios distintos. Desse modo, “curtir” uma festa de largo pode ou não está

imbricado com a ideia de devoção e, por sua vez, com uma obrigação religiosa. Isso

depende de como os sujeitos se apropriam dessa prática cultural. Dessa forma, os

espaços da festa de largo podem se constituir ou não em lócus de lazer.

A apropriação desta prática cultural como um lócus profano – entendendo

que aquilo que não é permissivo dentro do templo, o é, fora dele – desconecta com

a ideia de sagrado e, no que lhe concerne enquanto obrigação religiosa. Nesse

lugar, portanto, permite-se cantar e dançar, ingerir bebidas alcoólicas, se fantasiar,

namorar, paquerar, rever e brincar com os amigos, encenar performances,

questionar o poder público de modo irreverente e sarcástico, sem isso se constituir

em motivo a se relacionar com o sagrado.

Além disso, os sujeitos podem experienciar essas possibilidades, no tempo

que estabelecem como disponível, de modo desinteressado, obtendo como única

recompensa, a satisfação por está ali. Constitui-se, portanto, uma possibilidade de

lazer aberta à população, independente de credo, condição social, questões étnicas

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ou de gênero, de maneira a se caracterizar em espaço-tempo de uma educação

para e pelo o lazer (MARCELLINO, 1987).

Isso só se descaracteriza quando o indivíduo rompe com as dimensões

fronteristícas imaginárias e se apropria daquele lugar, tanto quanto se estivesse

dentro dos limites instituídos pela religião como sagrado, mesmo que não o seja,

interconectando como uma obrigação com a devoção aos santos – pivô central das

celebrações. Aí acreditamos se constituir no que Dumazedier (1999) chama de

semilazer e semiculto.

Enfim, rir, brincar, se fantasiar, beber, paquerar, sambar, pular, entram no rol

de práticas permissivas no tempo disponível e de modo desinteressado pela

população. O que importa é o simples prazer de está lá, encenando suas

performances e “curtindo” esse momento entre amigos e familiares, a constituindo

também enquanto manifestação cultural das cidades e, portanto, elemento identitário

e de pertença de um povo.

REFERÊNCIAS

DUMAZEDIER, J. Sociologia empírica do lazer. 2. ed. São Paulo, SP:

Perspectiva, 1999.

MARCELLINO, N. C. Lazer e educação. Campinas, SP: Papirus, 1987.

SERRA, Ordep J. Rumores de festa: o sagrado e o profano na Bahia. 2. ed.

Salvador: EDUFBA, 2009.

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DELINEANDO OS LAÇOS ENTRE O LAZER, EDUCAÇÃO E

SOCIEDADE: UM ESPAÇO PARA CONSTRUÇÃO DO SER.

Lizandra Lima

No contexto atual, falar sobre o Lazer e suas implicações no ensino básico,

nos conduz a investigar primeiramente o que o compõe e como se estruturam esses

dois ambientes. Pensar o Lazer unicamente pela ideia de contraposição ao trabalho

é analisar de uma forma superficial todo o fenômeno que está relacionado ao

mesmo, mas ignorar a repercussão que as práticas sociais advindas do nosso

sistema econômico têm sobre o Lazer é vê-lo com certa ingenuidade que não é

passível no nosso momento sociopolítico.

Sob essa lógica, não é apenas o Lazer que sofre ação do sistema

sociopolítico, a comunidade escolar também fica exposta a essa mesma relação,

assim como todo processo educacional, seja ele institucional ou não.

A escola, enquanto parte do sistema educacional, é reflexo da prática que

vivenciamos na sociedade de forma ampla. Neves (2005) aponta que a pedagogia

que vivenciamos atualmente no serviço público de educação favorece o caráter

hegemônico da sociedade, porém esse movimento não é exclusivo da realidade

moderna. Demerval Saviani, no livro História das Ideias Pedagógicas no Brasil

(2013) retrata todo processo de construção do princípio educativo em nossa

sociedade, das suas influências a sua formação e nos mostra que desde a

colonização, o sistema educativo parte da necessidade dos sistemas de produção e

trabalho que estão relacionados à nossa terra.

A sociedade escolar apresenta os mesmos estereótipos da sociedade geral,

em um padrão reduzido, porém com as mesmas estruturas relacionais. Saviani

(2013) denota que esta ideia traz à escola uma conotação do capital humano

direcionado em uma hegemonia da concepção produtivista. A revolução industrial e

a ideia positivista de produção tornaram a escola um ambiente voltado à

instrumentalização.

O entendimento desse cenário sobre a formação social e o campo

educacional torna-se ainda mais relevante se a ideia é entender o lazer dentro desse

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contexto. Interpretado por muito tempo como simples oposição ao trabalho, o Lazer,

possui uma carga cultural e social com alto potencial para um espaço hegemônico,

igualmente disputado tal qual a educação, por terem o mesmo apelo social e

capacidade difusora de ideias.

Espaços sociais, clubes e associações são tidos como locais para o foco das

ações hegemônicas e a cultura popular que se abriga nesse espaço-tempo pode ser

um fator a favorecer ou contrapor estas ações. A consciência desse potencial fez

com que iniciativas como o Sistema “S” centrasse sua dedicação aos estudos e

cuidados sobre esse tempo, considerado livre.

Centrais como SESI e SESC, dedicaram livros e manuais à análises e ações

nesse tempo-espaço partindo da necessidade de manter os trabalhadores ocupados

em seu tempo de descanso com atividades que garantissem sua integridade física e

mental para a sua atuação laboral, por exemplo. Essas instituições não se limitaram

apenas aos cuidados com o Lazer, como também atua no setor educacional, com

escolas voltadas a educação básica e as de ensino técnico como SENAI, SENAC.

Essas ações nos mostram algo que Nelson Marcellino frisou em seu livro

Lazer e Educação (2013, p. 54-55): a compreensão da possibilidade do lazer como

campo de intervenção pedagógica. Neves (2005) ilustra ainda as ações financiadas

por aparelhos privados da hegemonia:

atividades esportivas e manifestações artísticas, como a dança, a música, o artesanato, com vistas a favorecer a coesão social e melhor a auto-estima dos cidadãos brasileiros, em especial daqueles que habitam os grandes centros urbanos (NEVES, 2005, p. 109).

Temos assim a área do Lazer, assim como da Cultura e o Esporte, sob

influência maciça de fortes empresas estatais e do capital financeiro privado na

execução das estratégias educadoras do Estado, atuando desde o ambiente laboral

a apropriação integral do tempo do indivíduo e do coletivo.

Nesse ponto o professor, como um trabalhador, passa por todo esse

processo e isto interfere diretamente nas suas concepções de lazer, no modo como

ele articula esse lazer a sua prática pedagógica além de repercutir nas políticas

educacionais que fundamental o trabalho docente, que ocorre sobre forte influência

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dessas relações de poder. Do indivíduo ao todo social fica evidente a interrelação

entre esses espaços e as implicações mútua entre eles.

REFERÊNCIAS

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. 17ª ed. São Paulo:

Editora Papirus, 2013.

NEVES, Lúcia Maria Vanderley. Introdução: Gramsci, o Estado educador e a

nova pedagogia da hegemonia. In: NEVES, Lúcia Maria Vanderley. A nova

pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São

Paulo: Xamã, 2005.

NEVES, Lúcia Maria Vanderley. A sociedade civil como espaço estratégico de

difusão da nova pedagogia da hegemonia. In: NEVES, Lúcia Maria Vanderley.

A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o

consenso. São Paulo: Xamã, 2005.

SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4ª ed.

Campinas, SP: Autores Associados, 2013.

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AS AULAS DE GINÁSTICA EM ACADEMIA COMO UMA PRÁTICA DE

LAZER.

Amanda Azevedo Flores

Com as novas práticas da vida moderna, a ginástica de condicionamento ou

a ginástica em academia, vem sendo procurada por diferentes classes sociais e

muitas vezes sendo compreendida como uma opção ou substituição para prática de

lazer. As academias de ginásticas são ambientes que atribuem variadas práticas de

atividades ou exercícios físicos, dentre elas as modalidades de ginástica

cardiovasculares, neuromusculares ou posturais. Os interesses físicos e esportivos

do lazer praticados em academia e suas relações socioculturais ainda são assuntos

com poucas produções acadêmicas para os profissionais que atuam nesses

espaços.

Esse fenômeno social, o lazer, identifica-se em uma série de mudanças que

marca a sociedade moderna, geradas pela industrialização, ascensão da burguesia

ao poder, pela nova organização do tempo de trabalho (modelo produção fabril),

pela nova circulação de mercadorias e a nova configuração das cidades

(GOLÇALVES E MELO, 2009). Isso se deve a conquistada diminuição da carga

horária de trabalho, por outro lado, com a passagem do modo de produção artesanal

para industrial o consumo dessa produção precisava aumentar, sendo assim a

grande parte da população eram os trabalhadores, as indústrias lhe dando o tempo

livre e férias remuneradas lhe proporcionavam o tempo livre para consumir tais

produções e assim mantendo a produção-consumo.

O conceito de tempo livre surgiu com a industrialização das sociedades

contemporâneas, passando assim pelas transformações do trabalho formal, sendo

entendido então como o tempo do trabalhador dispõe como seu, ocupando de forma

livre, como quiser. Para Dumazedier o conceito de lazer se caracteriza como:

Um conjunto de ocupações às quais os indivíduos podem entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou

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formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (DUMAZEDIER, 1980b, p.23.).

O lazer consiste na busca da satisfação enquanto elemento fundamental que

se distingue das demais manifestações sociais, o prazer é definido como essencial

na vida do ser humano, característico de formação da personalidade e qualquer

meio social organizado. Assim podemos afirmar que o lazer é atividades de prazer

que se faz dentro do tempo livre, em busca do lúdico, o tempo livre entre o trabalho

e o repouso.

A necessidade básica do corpo de ações espontâneas, ou com estímulos,

como tudo aquilo que leve o individuo apenas a se divertir, se alegrar, a passar o

tempo livre, ou a ao iniciar algo sem vontade, vê que é prazerosa e acaba gostando,

é lúdico. De um lado, as mudanças na vida privada com a “emancipação da mulher”

e do outro, às mudanças na vida pessoal/individual com a revolução cultural do

tempo livre, que oportunizou, através das atividades de lazer, novas práticas do

corpo ao indivíduo (COELHO FILHO, 2009).

No Brasil, as academias, se caracterizam como um espaço privado,

normalmente fechado, mas que por vezes, em circunstâncias, podem ser abertos. O

espaço da academia, em suas várias formas, propaga esse processo de

multiplicidade da cultura e práticas de atividades diversificadas, entre elas a

ginástica. Sobre a ginástica em academia, podemos incidir em uma forma de

atividades ou exercícios físicos sistemáticos, acertados as condições de espaço e

materiais disponíveis, podendo ser desenvolvida para grupos ou indivíduos e que

ainda, em sua composição, se associa a música ou não, como elemento de

organização coreográfica ou de motivação.

Como visto, a ginástica pode ter objetivos estéticos, terapêuticos,

educativos, sociais, militares, competitivos e lúdicos. Dentre outras coisas, suas

ações lidam com as qualidades físicas, na intenção de desenvolver suas

potencialidades, de forma a contribuir como um dos elementos da constituição de

uma maior qualidade de vida, já se entende que esta, tem vinculação direta com a

relação do corpo em movimento.

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Considerando as atividades lúdicas como todo e qualquer momento que se

tem como objetivo em si mesmo produzir prazer na sua execução, ou seja, divertir o

praticante na qual sua prática escolhida, acompanha todo o ser humano ao longo da

vida, pode afirmar que toda a atividade lúdica que ocupa o nosso tempo livre é lazer.

REFERÊNCIAS

COELHO FILHO, Carlos Alberto de Andrade. A ginástica em academia no

contexto sociocultural do século XX. In: CUNHA JUNIOR, Carlos Fernando

Ferreira da; MARTIN, Edna Hernandez; LIRA, Luís Carlos e colaboradores.

Lazer, Esporte e Educação Física: Pesquisas e Intervenções na Rede

Cedes/UFJF. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009.

DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Ed. SESC, 1980b.

GONÇALVES, Cléber Augusto.; MELO, Victor Andrade de. Lazer e

urbanização no Brasil: notas de uma história recente (décadas de 1950/1970).

Movimento. Porto Alegre, v. 15, n. 03, p. 249-271, julho/setembro de 2019.

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HISTÓRIA DO ESPORTE, DAS

PRÁTICAS CORPORAIS E DO LAZER.

Tem por objetivo desenvolver estudos históricos sobre o esporte,

as práticas corporais institucionalizadas e do lazer, em sua relação

com os projetos de modernidade na cidade de Salvador, numa

perspectiva que também pode ser comparativa com outras

cidades do país ou tão somente se focar nas peculiaridades da

Bahia.

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PRÁTICAS CULTURAIS NA CAPITAL BAIANA: PRIMEIRAS

IMPRESSÕES.

Danilo Raniery Alves Freire

Neste artigo resolvi compartilhar as primeiras impressões que tive ao

debruçar sobre os jornais de 1935, especificamente os três primeiros meses do “A

TARDE”, periódico que circula até os dias atuais na capital baiana. Necessário,

portanto, entender que a Bahia vivia um momento de baixa no setor comercial e

industrial se comparado ao período imperial (SARMENTO, 2009). Em contraposição,

no âmbito social era comum perceber uma incessante busca por modernidade e

este fator nos permite compreender a existência de determinadas práticas.

Neste sentido, algumas intervenções estruturais são tidas como “modernas”

como as reformas na Av. Jequitaia (bairro Calçada), Largo da Sé e no ainda

nascente bairro “Pituba”, cujo trecho do jornal A TARDE de 27 fev 1935 diz:

Possuindo clima delicioso parecendo gosar de uma primavera perpetua, a Pituba, é sem duvida, a Copacabana da Bahia e assim está destinada a ser, dentro de alguns annos, um dos bairros mais populosos e aristocráticos da capital. Já é notavel o progresso actual da Pituba, com sua magnífica estrada e obras de saneamento […] (A TARDE, 27 fev 1935, p. 2).

No que diz respeito aos aspectos culturais observados até então, pode-se

perceber que no primeiro trimestre do ano, em Salvador, aconteciam festividades do

carnaval. Em meio a preocupações com o cenário politico e econômico nacional, os

jornais da cidade garantiam uma coluna para a festa com notícias que variavam de

informações dos clubes carnavalescos oficiais à festividades organizadas por

associações e grupos em determinados locais da cidade. Com relação aos clubes

carnavalescos, de acordo com Ickes (2013), três clubes disputavam protagonismo

na década de 1930 – Fantoches da Euterpe, Cruz Vermelha e Inocentes em

Progresso. Entretanto, estes clubes passavam por dificuldades financeiras que

duraram até 1950 (ICKES, 2013).

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Por outro lado, havia outros espaços de diversão e distração para a

população baiana na capital, entre eles estavam os cinemas (Guarany, Casa Santo

Antonio, Cine-Glória, Lyceu e Jandaia), os teatros (Circo-Teatro França, Guarany e

Circolo Italiano), salões e sedes (da Associação dos Comerciários da Bahia, dos

clubes carnavalescos e dos clubes esportivos). Estes locais eram frequentados pela

elite econômica local, havendo neles festas dançantes, apresentações de violino e

ópera, assim, consolidavam-se como espaços culturais. Destaque para a dança que

aparentemente estava sempre presente nos eventos da elite baiana (aniversário de

instituições, reuniões de clubes esportivos e carnavalescos, etc)[2].

Todavia, como veremos abaixo, as classes populares não ficavam inertes,

isto porque, mesmo em meio à problemas estruturais como falta de energia e

saneamento básico, como é o caso da comunidade do “Japão” (atual bairro da

Liberdade), a população mais carente alegrava-se nos chamados “centros de

diversões” onde os “batuques” e ensaios do clube local (Afochés) garantiam

momentos de distração[3].

O futebol também era praticado nas ruas da cidade como forma de

divertimento dos jovens, mas, neste caso, era tratado como algo a ser reprimido até

mesmo pela polícia[4][5]. Relatos de jogos de dominó e baralho (bisca) praticado

nas ruas são apresentados no jornal como jogos de azar[6].

Dentre outras diversões baianas, uma delas se destaca por ser

corriqueiramente anunciada, trata-se dos banhos à fantasia – prática que também

era realizada em outras cidades brasileiras. Além de serem organizados pela

Associação dos Clubes Carnavalescos (ACC) (quando eram chamados de oficiais) e

pelos bandos anunciadores, os banhos à fantasia eram também articulados por

moradores e veranistas principalmente nos bairros Bonfim e Rio Vermelho[7]. O

jornal A TARDE de 12 de janeiro de 1935 nos traz mais algumas informações sobre

estes banhos:

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Foto: Banho a fantasia – Rio Vermelho, 1935. Jornal “A TARDE” (14 jan 1935, p. 2).

Abaixo da imagem a nota diz:

As festas anunciadoras do carnaval deste anno vão sendo celebradas com grande poupa e entusiasmo, índice seguro de que a folia vai ser mesmo rôxa. Ainda hontem, tanto no Rio Vermelho como em Itapagipe, houve animados banhos á fantasia, havendo prêmios prometedores. O Clichê acima fixa um aspecto do banho animadíssimo no Porto do Bomfim, vendo-se a “macacada” à espera de “Tarzan”, que, no caso, era o Rei Momo (A TARDE, 14 jan de 1935, p. 2).

Era comum a entrega de recompensas para as fantasias mais inusitadas,

tanto nos banhos organizados por moradores e veranistas quanto nos banhos

oficiais do carnaval. Nos oficiais havia regulamento e entre as exigências estava a

necessidade de inscrição para concorrer às premiações.

Identificamos a existência também de outros festejos realizados

excepcionalmente aos sábados e domingos e incluíam também páreos esportivos

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(natação, futebol, regatas e voleibol) para apreciação dos participantes. Vez por

outra contavam também com bandas de musica, jogos e brincadeiras como a

“corrida com um ovo na colher”, “corrida enfiando um agulha”, corrida com três

pernas e “corrida de cigarro”[8], além de “quebra potes”, “galinha gorda” e “pau de

sebo”[9].

A festa tradicional do Bonfim[10] também tinham destaque na cidade e as

comemorações populares percorriam o final de semana indo até a segunda-feira,

que a esse tempo já era chamada de “segunda-feira gorda” [11]. Outro festejo

tradicional é o de Iemanjá que também é noticiado, porém, com menor destaque.

Novamente frisamos que estas são primeiras observações, futuramente

esperamos trazer mais detalhes sobre as práticas culturas na cidade da Bahia.

Todavia, pudemos perceber até então um protagonismo dos eventos pré-

carnavalescos (principalmente os banhos à fantasia) e práticas esportivas como

possibilidades de diversão, além dos locais (cinemas e teatros) já consagrados de

distração de parcela da população.

REFERÊNCIAS

ICKES, Scott. Era das batucadas: o carnaval baiano das décadas 1930 e

1940. Afro-Ásia, Salvador , n. 47, p. 199-238, 2013 . Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0002-

05912013000100006&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 14 Jan. 2019.

SARMENTO, Silvia Noronha. A Arena e as regras. In: SARMENTO, SN. A

raposa e a águia : J.J. Seabra e Rui Barbosa na política baiana da Primeira

República / Silvia Noronha Sarmento. Dissertação (Mestrado). Programa de

Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciencias Humanas,

Universidade Federal da Bahia, — Salvador, 2009, p. 36-58.

____________

[2] A TARDE, 03, 04, 17, 18, 23 jan 1935.

[3] A TARDE, 26 jan 1935, p. 2.

[4] A TARDE, 15 jan 1935, p. 2.

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[5] A TARDE, 16 jan 1935, p. 2.

[6] A TARDE, 21 jan 1935, p. 2.

[7] Jornal A TARDE das datas: 8, 14 jan 1935.

[8] A TARDE, 29 jan 1935, p.8

[9] A TARDE, 16 jan 1935, p. 2

[10] festejo em louvor ao Senhor do Bonfim que ocorre sempre na segunda quinta-

feira do ano.

[11] No jornal A TARDE (19 jan 1935, p. 3) se refere à festa como a maior da Bahia.

Prolongação dos festejos do Bonfim. O jornal A TARDE (21 jan 1935, p. 3) fala em

“milhares de pessoas” participando da festa.

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A INFLUÊNCIA DO JUDÔ NA FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO

JIU-JITSU BRASILEIRO EM SALVADOR.

Luan Alves Machado

O Judô é um esporte japonês, que foi introduzido no Brasil a partir de um

processo migratório de japoneses para o país. Nesse processo de imigração, a

prática do Judô foi uma das formas de manutenção da cultura oriental, que foi sendo

gradualmente incorporado por brasileiros nativos. Com isso, alguns mestres

japoneses, chamados “senseis” (numa nomenclatura mais adequada culturalmente),

foram essenciais na consolidação dessa prática em diversas regiões do país.

Sobre esses senseis japoneses, Mitsuyo Maeda (conhecido como Conde

Koma), foi um dos que ficaram mais conhecidos. Formado na escola Kodokan, que

foi criada por Jigoro Kano, com o objetivo de desenvolver o Judô. Enquanto um

aluno de destaque da escola, foi convidado a disseminar as técnicas e filosofia da

luta no mundo. Viajou por países como Estados Unidos e Inglaterra, fazendo

apresentações em arenas e circos, desafiando atletas por onde foi passando.

Chegou no Brasil em 1914, em Porto Alegre, viajou o país junto com um grupo de

outros lutadores fazendo demonstrações e desafios de lutas, até se firmar em Belém

do Pará em 1915. Koma foi responsável por apresentar os conhecimentos da luta

agarrada a Gastão Gracie e a seu filho Carlos, processo que foi fundamental para a

criação do clã dos Gracie, e do Jiu-Jitsu Brasileiro.

Soishiro Satake, um lutador de destaque também da escola Kodokan

acompanhava Koma e se estabeleceu no Brasil, na cidade de Manaus. Este teve

importante impacto no ensino da luta agarrada no estado do Amazonas, mas

também se dedicava a outras práticas, tais como o lecionado de basebol, técnicas

de massagem oriental e até alguns tratamentos de estética para eliminação de

cravos e espinhas. Satake foi embora do Brasil em 1934, mas deixou uma

importante marca que influenciou o desenvolvimento das lutas no estado do

Amazonas.

É importante ressaltar que o Judô tradicional ou Judô Kodokan, como ficou

bastante conhecido, sistematizado pelo sensei Jigoro Kano, descende do ju-jitsu ou

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ju-jutsu, conhecido no mundo ocidental como Jiu-Jitsu Japonês. Se tratava de um

sistema de luta focado nos recursos da luta agarrada, mas também incorporava

golpes como socos, chutes, cotoveladas e etc. O Judô contemporâneo, veio

passando por sucessivos processos de reformulação, adotando novos sistemas de

regras, que impactaram diretamente em como a prática se dá atualmente no mundo,

embora com influência fundamental do tradicional, diferente de como este se dava

na sua gênese.

Uma interpretação possível dessas mudanças, seja dos nomes, ou das

regras dessas modalidades de lutas, se dá, via de regra, por interesses políticos e

econômicos de determinados grupos e atores. É indiscutível a existência de outras

influências, mas esse é um fator bastante evidente. Isso pode ser interpretado na

história do Jigoro Kano, que visava consolidar o Judô enquanto um produto a ser

difundido em todo o mundo. E uma nomenclatura nova, que pudesse se distanciar

dos estigmas que o Jiu-Jitsu Japonês trazia, era essencial para a fixação desse

“novo” produto. A mesma regra pode ser aplicada ao Jiu-Jitsu Brasileiro. O clã dos

Gracie, tinha também o objetivo de fundar um “novo” produto no Brasil e no mundo.

Nesse sentido, para além das estratégias comuns, tais como os desafios de lutas,

precisou de uma nomenclatura que representasse o novo, assim se “criou” o Jiu-

Jitsu Gracie ou Jiu-Jitsu Brasileiro, que embora tenha sido fundamentalmente

influenciado pelos ensinamentos do Conde Koma, se firmou enquanto uma nova

modalidade de luta.

Em Salvador, no estado da Bahia, recorte específico do local em que este

trabalho se localiza, um nome que emerge das fontes é o do sensei Kazuo Yoshida.

Há uma dificuldade de encontrar fontes que forneçam detalhes sobre a história

desse ator, de quando ele chegou em Salvador e sobre as suas filiações as escolas

de lutas Japonesas. Sabe-se que se trata de um grande mestre de Judô, que

lecionava na capital baiana em meados do século XX. Ricardo Carvalho, um

relevante nome do Jiu-Jitsu Brasileiro no estado da Bahia na contemporaneidade, é

considerado “neto” de Yoshida, já que seu pai, mestre Cirão, foi um dos discípulos

do judoca desde 1963. Ricardo Carvalho conta em entrevista que o japonês era um

lutador muito habilidoso, e que possuía um Judô mais tradicional, no qual se treinava

bastante técnicas de solo e finalizações (golpes que retiram o oponente de

combate).

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É notável que houveram outros importantes atores orientais na cidade no

que se refere ao contexto das lutas, no entanto, um fato histórico marcante, é que

Yoshida faz parte da linhagem dos irmãos Edson e Ricardo Carvalho, referências na

firmação do Jiu-Jitsu Brasileiro na cidade. Ricardo Carvalho é atualmente um dos

mais notáveis mestres de Jiu-Jitsu Brasileiro da Bahia. Natural de Salvador, conta

que nasceu aprendendo Judô, com o seu pai mestre Cirão, que é também um

notável mestre de Judô na cena local. Ricardo é um dos líderes da equipe Edson

Carvalho, que leva o nome de seu irmão e também sócio. A Edson Carvalho Team,

é uma das mais tradicionais equipes de Jiu-Jitsu Brasileiro da cidade, tendo

ampliado inclusive a sua influência com academias em vários países do mundo.

Ricardo é também presidente da Federação Baiana de Jiu-Jitsu (FBJJ), fundada em

1997, uma das quatro federações que estão em atividade na organização do Jiu-

Jitsu baiano.

A firmação do Jiu-Jitsu Brasileiro na cidade de Salvador se inicia, de acordo

com o cruzamento do que contam as fontes, a partir da associação dos irmãos

Carvalho, Charles Gracie e outros mestres de Judô locais da época, no início da

década de 1990. Há relatos pontuais da existência da prática da “nova” modalidade

em períodos anteriores, mas foi a partir da associação desses atores, que a

modalidade tomou fôlego, se firmou na capital, e foi se difundindo em todo o estado.

Sobre o enraizamento da modalidade na cidade, há vários fatores de alta

relevância. Dentre eles, vale ressaltar que os mestres de Judô locais, de acordo com

as fontes, praticavam um Judô mais próximo do tradicional, no qual as técnicas de

solo sempre fizeram parte das suas rotinas de treinamento e estudo. Portanto, foi

natural para estes a adequação ao foco do treino de solo que o Jiu-Jitsu Brasileiro

se dedicava, não houve grandes mudanças no aspecto técnico, apenas uma

adequação no foco do treino. Outro fator importante diz respeito a relevância

econômica que a “nova” modalidade tinha alcançado nacional e até

internacionalmente. A evidência midiática do Jiu-Jitsu Brasileiro, a partir das

estratégias de marketing do clã Gracie, colocavam a prática como a “febre” do

momento, o que tornou atrativo aos tradicionais mestres de Judô da cidade a se

dedicarem.

Os indicativos que esse estudo apresenta, a partir da revisão de algumas

fontes sobre a história das modalidades de lutas agarradas existentes nos dias

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atuais, é que apesar da divisão das modalidades, as histórias se cruzam e se

influenciam mutuamente, tanto no espectro Salvador, como Brasil. Os processos

migratórios de japoneses para o Brasil tiveram grande impacto na consolidação das

modalidades de lutas agarradas no cenário nacional. A incontestável história de

atores japoneses em diversas regiões foram fundamentais naquilo que se firmou e

que segue vivo nos dias atuais, embora haja reformulações. E no que se refere a

cidade de Salvador, que o Judô, prática fixada em períodos anteriores ao Jiu-Jitsu

Brasileiro, teve grande importância no processo de firmação da “nova” modalidade

sistematizada pelo clã dos Gracie.

REFERÊNCIAS:

Entrevista concedida por SOUZA, Ricardo Barbosa de. [mai. 2015].

Entrevistador: Luan Alves Machado. Salvador, 2015.

Entrevista concedida por SOUZA, Luiz Augusto Barbosa de. [mai. 2015].

Entrevistador: Luan Alves Machado. Salvador, 2015.

Entrevista concedida por PINTO, Ricardo Carvalho. [mar. 2019].

Entrevistador: Luan Alves Machado. Salvador, 2019.

KANO, J. Judô Kodokan. Tradução Wagner Bull. São Paulo: Cultrix, 2008.

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE JIU JITSU. History. Disponível em:

<https://cbjj.com.br/history/&gt;. Acesso em: 28 de mar. 2019.

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE JUDÔ. História do Judô. Disponível em:

<http://www.cbj.com.br/novo/medalhistas.asp&gt;. Acesso em: 28 mar. 2019.

NUNES, A. V. RUBIO, K. The Japanese immigration influenceon the formation

and development of Brazilian judô. International Journal of Sport Studies. Vol.

3 (10), 1087-1094, 2013.

Gracie Seminars: The Best Source of Gracie Jiu-Jitsu Seminars in the World,

2006. Disponível em:<http://www.gracieseminars.com/charles_bio.htm&gt;.

Acesso em: 29 de mar. 2019.

LIMA, L. Soishiro Satake: A história do japonês que fundou a primeira

acadêmia de jiu-jitsu do Brasil, 2016. Disponível em:

<http://escritorio610.blogspot.com/2016/04/soishiro-satake-historia-do-

japones-que.html&gt;. Acesso em: 29 mar. 2019.

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Perfil: Cirão. Judô Bahia – Revista Oficial da Federação Baiana de Judô. n. 2,

p. 16-18, fev. 2017. Disponível em:

<https://issuu.com/febaju/docs/revista_febaju_ii_edi____o_21_fev_p&gt;.

Acesso em: 28 mar. 2019.

Firmação da “nova” modalidade sistematizada pelo clã dos Gracie.

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MEMÓRIAS DO ESPORTE EM SERGIPE: O “GROUND ADOLPHO

ROLLEMBERG”.

Marlaine Lopes de Almeida

O desenvolvimento do esporte em Sergipe, no alvorecer do século XX,

organizava-se tendo como suporte o projeto de modernização e urbanização. E

neste sentido, a construção de espaços específicos para realização dos eventos

esportivos era uma condição necessária para o progresso da cultura esportiva.

Na capital sergipana, os indivíduos mobilizavam-se para agregarem-se às

correntes coletivas de exaltação em torno das práticas esportivas. Entretanto, o

gosto e a demanda de praticantes cresciam muito mais depressa do que as

providências administrativas das agremiações, ou do governo, poderiam acomodar,

com infra-estrutura, recursos e serviços urbanos capazes de garantir a sua plena

vazão e desenvolvimento.

Conforme Viana Filho (2002; 2014), os jogos das primeiras competições de

Futebol em Aracaju foram realizados nos campos da Praça Pinheiro Machado

(Antiga Praça da Conceição) e da Praça do Petisco, no Bairro Siqueira de Menezes

(hoje Bairro Industrial). Esses espaços eram “campos” improvisados e

desconfortáveis, mesmo assim, o público aracajuano, entusiasmado com o futebol,

suportava o ambiente insalubre e animava as tardes de domingo, comparecendo em

grande número aos jogos ali realizados.

A utilização de espaços adaptados era justificada pelas autoridades

públicas, tanto do Estado quanto do Município, sob a alegação de não disporem de

recursos públicos para construírem um estádio adequado, justificavam, ainda que, a

Praça Pinheiro Machado era um logradouro público que necessitava de lei

específica para se transformar oficialmente em um estádio esportivo. Já o campo do

Bairro Siqueira de Menezes, diferente, era particular, pertencia ao clube Industrial.

Pompeu Voga, cronista esportivo da redação do Jornal do Povo, na edição

de 27 de maio de 1919, retrata a expectativa do público aracajuano, que clamava

por um campo de futebol adequado e condigno com o progresso do esporte em

Sergipe. No contexto, o Coronel Adolpho Faro Rollemberg, que acompanhava

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socialmente os eventos, fazendo-se presente nas várzeas e nos campos onde

ocorriam as partidas de futebol, deliberou a compra de um terreno para construção

de um “ground” (campo estruturado) que contemplasse as necessidades dos

entusiastas do esporte “bretão”.

O Jornal correio de Aracaju de 1º de agosto de 1919 recebeu uma nota

sobre os preparativos para doação do campo esportivo. A reunião que tratou do

assunto ocorreu na residência do Capitão de Corveta Oscar Azevedo (vice-

presidente da Liga Desportiva Sergipana), com a presença do Almirante Aminthas

José Jorge (presidente da Liga Desportiva Sergipana), do Sr. João Monteiro

(presidente do Club Cotinguiba), e do Coronel Adolpho Faro Rollemberg. O

promissor do terreno comunicou nesta reunião, que não havia conseguido adquirir o

terreno prometido, resolvendo então doar um terreno de sua propriedade, localizado

em local privilegiado na capital, na antiga Praça da Fundição, para a construção de

um campo de futebol. Entretanto, três dias após a reunião, antes de consumar a

documentação que oficializava a doação do terreno, o superintendente do Estado,

Coronel Adolpho Faro Rollemberg faleceu, aos 47 anos, vitimado de uma uremia,

seguida de infecção generalizada.

O fato não arrefeceu os ânimos para que os clubes fizessem a aquisição de

um campo para a construção de um Ground. Conforme visto nas notas dos jornais

que acompanhavam as reuniões do Club Sportivo Feminino, constantemente era

colocado em pauta as estratégias possíveis para adquirir um terreno. Assim, na

reunião extraordinária do Club Sportivo Feminino, em 28 de setembro de 1919, foi

eleita uma comissão para providenciar os preparativos para receber a Família Faro

Rollemberg, com o intuito de oficializar a doação do terreno, anteriormente

pronunciado pelo Coronel Adolpho Rollemberg.

Cumprido o evento promovido pelo CSF, para resolver as pendências da

documentação da doação do terreno, o projeto de construção do campo fora levado

a frente. A imprensa continuou recebendo circulares para acompanhamento do

avanço dos trabalhos de construção do campo pelos clubes Cotinguiba, Sergipe e

pela Liga Desportiva Sergipana, entidades estas a quem fora dirigida a doação do

terreno.

Em 26 de outubro de 1919 os jornais já noticiavam o compasso do projeto

de construção do Ground, a imprensa alimentava a ideia de desejo de sua

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implantação, ao mesmo tempo em que criava expectativas de consumo no público.

No jornal, os dirigentes dos clubes, estrategicamente já anunciavam a proposta de

divertimento, antes mesmo de o campo estar construído.

Conforme Viana Filho (2002), para a disputa do primeiro campeonato oficial

de futebol, realizado no Ground Adolpho Rollemberg e patrocinado pela Liga

Desportiva Segipana, os Clubes Cotinguiba e Industrial contrataram vários “craques”

dos principais clubes de Futebol da Cidade de Salvador – BA, recebendo, inclusive,

times dos Estados vizinhos para competir e garantir o sucesso do evento.

Conforme o Jornal Correio de Aracaju, de 18 de novembro de 1919, muitos

foram os esforços reunidos por diversas entidades para o sucesso da construção do

campo de futebol, como a promoção de bailes, exibição de filmes, eventos com

apresentação de ginástica, trapézio, lutas de boxes, dentre outros benefícios que

contribuíam financeiramente para as obras do campo de futebol.

Em 07 de março de 1920 inaugurava-se o primeiro ground de futebol de

Sergipe, que recebeu o nome de Adolpho Rollemberg. Localizado ao estuário do Rio

Sergipe, entre as Ruas Vila Cristina e Vila Nova (atual Duque de Caxias), esse

espaço foi o principal palco dos espetáculos esportivos de Aracaju durante 28 anos.

O empreendimento fora construído com bases de alvenaria, arquibancadas

de madeira e cobertura de zinco. Com o passar dos anos, as reformas necessárias

para a manutenção do Ground não foram empreendidas, os clubes aos quais

pertencia o Estádio alegavam falta de recursos financeiros para efetivar os reparos

na estrutura do espaço. Com o desgaste e a deterioração, o campo foi interditado ao

público e como consequência, o lugar foi demolido e o terreno foi vendido, com o

valor rateado entre os clubes ao qual o terreno fora doado. Posteriormente o local foi

ocupado por construções residenciais. E hoje, nos resta a memória de um cenário

que foi palco dos primórdios da vida esportiva de Aracaju no início do Século XX: O

“Graund Adolfo Rollemberg”.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Marlaine Lopes de. O Club Sportivo Feminino e as formas de

sociabilidades para as mulheres da elite em Aracaju (1919 – 1926). TESE.

Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal da

Bahia. 2017.

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O INSTITUTO PONTE NOVA E SUA TRAJETÓRIA.

Rúbia Mara de Sousa Lapa Cunha

Este post aborda a presença da disciplina Educação Física e suas práticas

e as festividades escolares, nesse instituto que foi denominado Instituto Ponte Nova

(IPN), fundado por missionários da Missão Central do Brasil, que teve como

referência o Colégio Mackenzie (SP).

Interessa-nos tratar os rituais e ritos cívicos e festivos, onde o professor leigo

de educação física era o ator de tais ações. Reconhecemos que a ginástica

prevaleceu com movimentos, onde o corpo passou a ser contemplado e “cuidado”,

sob a responsabilidade daquele que figurou como elo dinamizador de ações

educativas e de aparições festivas, o professor leigo. Os eventos festivos

apontavam as influências pragmáticas, patrióticas e liberais, amalgamadas na base

do protestantismo norte americano – base pedagógica do IPN.

Vale afirmar que algumas escolas normais funcionavam com restrições a

participação da mulher em salas mistas, a exemplo das escolas confessionais

católicas, sob o argumento de “zelo” com o corpo feminino, sendo tal concepção, na

verdade, frutos de ideias conservadoras. Por funcionar de maneira diferente, muita

das vezes, o IPN não tinha suas formas de trabalho aceitas, por uma comunidade

mais reacionária no tocante aos comportamentos.

Entendemos que a partir de uma uniformização dos cursos normais, em

1946, foi possível um maior “equilíbrio” entre as várias regiões brasileiras e assim, a

prática mostrou que muitas escolas acabaram compondo seus currículos e ainda,

muitos acordos foram firmados entre o Brasil e os organismos internacionais,

especialmente com os norte americanos. Vale citar, dentre eles, o Programa de

Assistência Brasileira Americana ao Ensino Elementar (PABAEE), que objetivava

preparar nos Estados Unidos, docentes brasileiros para atuarem nas escolas

normais do Brasil. Tais professores, ao retornarem ao país, aplicavam métodos e

técnicas utilizadas, convergindo para uma doutrina expansionista e

desenvolvimentista do capital imperialista americano ressaltando as formas de

treinamentos, ao utilizarem os materiais didáticos importados e difundirem as

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tendências pedagógicas civilizatórias. Por já funcionar a partir deste princípio, o

Instituto Americano Ponte Nova e do Colégio Mackenzie que já funcionavam com

essas deliberações.

Ao situar o “lugar de pertencimento” do professor leigo em um educandário

americano – alvo de intensas mudanças e acontecimentos no campo educacional e

religioso – convêm sinalizar o movimento de lutas dos protestantes em envidar

esforços para se destacar na formulação de educação escolar integrada aos

princípios religiosos com perspectivas de conhecimentos pautados na evangelização

para educação do corpo e da alma . No IPN, os rituais festivos foram materializados

justapostas aos “saberes construídos na cadeira de ginástica”, fazendo com que

esta assuma protagonismo , num ensino aliado aos movimentos de aparições e de

devolutivas no formato de sociabilidades instauradas.

O IPN, em sua trajetória, atuou na formação de líderes políticos e

representantes, muito por conta de sua base curricular privilegiada, que ofertava

disciplinas específicas, como a ginástica com uso de aparelhos modernos, estudo de

línguas (alemão, francês e inglês), como formas de garantir o desenvolvimento da

oratória dos sujeitos e na preparação de condutores da religião.

Enfim, este espaço de formação, além de ser uma escola profissionalizante

com os cursos de técnico em enfermagem, cursos bíblicos, técnicas agrícolas e

cursos de preparação de pastores, também disseminou saberes e conhecimentos

para o sertanejo “inculto”, “desvalido” e “desassistido” pelo governo e poderes

locais.. Somado a isto, quando os americanos implantaram o Instituto Americano

começam a se destacar em toda a região pelo modelo instaurado e pelos resultados

manifestados pelos alunos no decorrer de sua formação, principalmente pelos

saberes e a questão do esporte em torno de uma proposição pedagógica que

influenciou a institucionalização do ensino da Educação Física, enquanto disciplina

responsável pela saúde do corpo e da alma, além de vivências promovidas para dar

visibilidade ao fazer diferenciado e também, pela construção de prédios suntuosos e

da praça de esportes.

Enfim, vemos que o IPN atuou na imersão do professor leigo, nas atividades

corporais, além de articular e representar a educação do corpo e da alma

sucessivamente para forjar um novo cidadão para o sertão.

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EDUCAÇÃO HIGIÊNICA E GINÁSTICA NO PROJETO DE

MODERNIDADE DA BAHIA – SÉCULO XIX.

Aline Gomes Machado

O século XIX, no Brasil, representou um momento de mudanças

significativas nos diversos setores. Via-se a efervescência de uma busca pela

modernização do país. Civilização e modernidade se convertiam, neste momento,

em palavras de ordem; virando instrumento de batalhas, além de fotografias de um

ideal alentado.

A Bahia, como a antiga capital do país, não ficou de fora desse processo.

Também ela viu fervilhar o desejo pela modernidade, por novos ares, modos de

vida, novos comportamentos e hábitos, inclusive, os de saúde e higiene.

O discurso médico figurou no movimento de modernidade baiano,

articulando o progresso, a necessidade de higiene. A exemplo disso temos a fala de

Mathias de Campos Velho, na tese apresentada para conclusão do curso de

medicina na Faculdade de Medicina da Bahia em 1886, aonde afirma que a higiene:

"Esta quasi sempre em razão directa com a civilização de um povo e constitue fonte de riqueza, porque concede dous thesouros preciosos, a saude e a ordem (p.70) e, neste sentido diz, também, que o homem civilisado tem sempre em vista: a hygiene geral” (VELHO, 1886, p.67).

Dentre as estratégias elaboradas para atingir a higiene necessária, os

higienistas reconheciam a importância de uma educação que se enquadrasse nos

objetivos desse movimento. Objetivos esses que não se restringiam ao controle das

variáveis físicas, biológicas, mas também buscavam uma retidão moral, uma

disciplinarização necessária para atender as demandas sociais da época. Assim, os

higienistas indicavam quais medidas deveriam ser tomadas pela população e

governo, inclusive nas instituições escolares.

Contando com o apoio de articulistas, os higienistas apontavam como

elemento basilar para formar o homem higiênico, o cuidado com o corpo, onde a

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prática de atividades físicas possuía fundamental importância. Dentre eles, a

ginástica aparecia como a prática dileta.

Sabemos que a ginástica, como uma prática educativa, era tratada como

algo que atuaria na formação de novos corpos e mentes, tida como uma extensão

dos poderes e saberes gerados pela higiene, ganhando assim, a defesa de médicos

e articulistas que se encarregavam de garantir os porquês da importância dessa

atividade, não apenas fundamentando os benefícios corporais, mas também para

formação moral do ‘homem vigoroso’.

Como justificativas a este apoio a uma nova ação ‘educativa’, a ginástica,

encontramos nos jornais baianos questionamentos, inclusive, sobre a forma como os

mais ricos educavam seus filhos. O Correio Mercantil (02 de junho de 1838, p.02)

apontava que “os mimos e branduras com que as pessoas mais ricas e poderosas

custumão criar os filhos os fazem commummente aleminados e de débil

compleição”, e coloca a ginástica “com o exercício acertado” como corretiva desta

situação, e segue garantindo que “a gymnastica, porém, nas cidades he

absolutamente precisa, não para formar arlequins, como o para cuidado, mas para

educar homens vigorosos”.

Por conta de pensamentos como esse, os discursos voltaram-se, então para

a prática da ginástica como instrumento capaz de fornecer os idealizados objetivos

dessa sociedade modernizada, civilizada e higiênica.

Desta forma, vimos, na Bahia, um movimento que visou, sobretudo, civilizar

os costumes, moralizar as condutas e moldar comportamentos e corpos para

alicerçar as bases da sociedade higiênica e moderna. Este movimento configurou as

principais estratégias do projeto higienista.

REFERÊNCIAS:

VELHO, Mathias Campos. Etiologia da Cholera-morbus: medidas

sanitarias applicaveis contra a sua invasão e propagação nesta cidade.

Tese (Doutorado). Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador, 1886.

DA GYMNASTICA. O Correio Mercantil, Salvador, p.02, 02 jun, 1838.

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NAGIB MATNI NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA PARAENSE.

Carmen Lilia da Cunha Faro

O conhecimento histórico é elaborado a partir de normas e procedimentos

peculiares, sendo de caráter provisório, torna-se possível sua modificação por meio

de novas pesquisas e cogitações. Como instrumentos para o alcance de tal

conhecimento utiliza-se a síntese de datas, fatos e nomes, bem como fontes orais e

documentos, interpretados e analisados aos olhos do pesquisador (FERREIRA,

2013).

A história de vida do professor Nagib Coelho Matni se entrelaça à própria

história da Educação Física no Pará e, está enraizada à história da Escola Superior

de Educação Física do Pará (ESEFPA).

Nagib Matni nasceu na cidade de Igarapé-Açu, Pará, em onze de agosto de

1923. Filho de Adib Miguel Matni e Vitalina Coelho Matni, casado com Lycia

Mesquita Matni, pai de Eduarda Maria Mesquita Matni, Nagib Mesquita Matni e

Maria do Socorro Mesquita Matni. Fez o curso primário no grupo escolar de sua

cidade natal, concluindo em 1936. O curso ginasial foi concluído no Colégio Ciências

e Letras e cursou o colegial na Escola Estadual Paes de Carvalho.

Em 1946, concluiu o Curso Superior de Educação Física e Desportos pela

antiga Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, sendo um dos primeiros

licenciados plenos em Educação Física no Estado do Pará. Ingressou na Polícia

Militar do Estado, onde fez diversos cursos de aperfeiçoamento para oficiais,

chegando ao posto de Major, no qual passou para a reserva.

Sua vida dentro do desporto foi sucedida de fatos marcantes, a saber:

técnico de futebol do Paysandu Esporte Clube, Paulista Futebol Clube, Clube do

Remo, Tuna Luso Brasileira, técnico da Seleção Paraense, membro da Comissão

técnica de Futebol da Federação Paraense de Desporte, Diretor do Departamento

de Árbitro da Federação Paraense de Desporto. Sagrou-se campeão paraense de

futebol, como técnico, nos três grandes clubes do Pará: Paysandu, Remo e Tuna.

Como professor de Educação Física iniciou no então Ginásio Visconde de

Souza Franco. Posteriormente, exerceu o cargo de Diretor do Serviço de Educação

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Física do Estado, o qual passou a se chamar Departamento de Educação Física,

Recreação e Esporte, parte integrante da Secretaria de Estado de Educação. Nesse

cargo serviu a diversos Secretários de Estado e Educação. Foi eleito “Professor do

Ano” em 1973, pela Sociedade Paraense de Educação. Foi membro do Conselho

Estadual de Educação, na função de Conselheiro, em 21 de fevereiro de 1964 a 6

de maio de 1990, sendo em 8 de maio de 1970 nomeado, pelo Governo do Estado,

representante dos professores de Educação Física e, posteriormente, em 31 de

março de 1992, foi nomeado novamente membro do Conselho Estadual de

Educação pelo então governador Jader Barbalho, a fim de completar o mandato do

Prof. Octávio Bandeira Cascaes.

De acordo com as obras e arquivos documentais pesquisados, de forma

impressa, manuscrita, datilografada, filmada, pergaminho, fotos, medalhas etc., o

nome de Nagib Matni está associado à Educação Física desde a década de 40,

como professor de Educação Física do então Ginásio Visconde de Souza Franco e,

na década de 50, seu destaque é como um dos criadores dos Jogos Paraenses

Ginásios-Colegiais.

Na década de 60 seu nome já pode ser visto na esfera federal, a partir de

1961, quando se instala em Belém a Inspetoria Seccional de Educação Física e ele

é nomeado inspetor. Ainda nessa década Nagib Matni foi empossado Diretor do

Departamento de Educação Física, Recreação e Esporte (DEFRE), pelo Secretário

de Estado de Educação e Cultura, Sr. Édson Raymundo Pinheiro de Souza Franco.

Podemos perceber, com as informações descritas até aqui, que Nagib Matni

ao ser escolhido como representante do Estado para visitar outras Escolas de

Educação Física e, posteriormente, nomeado presidente da comissão que elaboraria

o regimento da Escola a ser criada em Belém, foi “peça” fundamental e ativa na

construção do regimento da ESEFPA, sendo observada sua influência sobre a

origem dessa Instituição.

Como era a primeira vez que se realizaria provas para o vestibular para o

Curso de Educação Física no Estado Pará, foram designados alguns professores

para ministrarem aulas no Curso Intensivo de Preparação e Orientação para Exame

de Suficiência, em janeiro de 1970. Entre esses professores estava Nagib Matni,

incumbido de ministrar aulas sobre Legislação e Organização da Educação Física e

Desportos no Brasil.

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O funcionamento da ESEFPA não significou que sua estrutura física naquele

período estava pronta, muito pelo contrário, havia grande dificuldade na realização

das aulas práticas, já que essas eram realizadas em diferentes locais da cidade,

nesse primeiro momento era justamente essa a maior deficiência da “Escola”:

infraestrutura para a realização das aulas práticas.

O Prof. Nagib Matni foi o mentor da estruturação física que compunha a

Escola Superior de Educação Física no Pará, sendo construído o conjunto esportivo,

quadra de tênis, ginásio de ginástica olímpica, ginásio de musculação e caixa de

saltos ornamentais.

Por fim, ao apresentar um breve relato da história de um ícone da Educação

Física paraense, ressalta-se que este ainda não se configura como o fim, mas já se

tem a intenção de apresentar num segundo momento as fontes orais de sujeitos que

conviveram com Nagib Matni profissionalmente, os quais podem fornecer novos

dados e sugerir novas pistas para o repensar desse conhecimento histórico.

REFERÊNCIAS

FERREIRA, Marieta de Moraes. A história como ofício: a constituição de um

campo disciplinar. Rio de Janeiro: FGV, 2013.

MANESCHY, Pedro Paulo. Educação e corporeidade: o vivido e o pensado

na ESEFPA. 1996. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade

Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 1996.

MATNI, Nagib C; SANTOS, C. U. A formação do docente de educação física

e sua realidade local. Belém, PA: ESEFPA, 1984.

MELO, Victor Andrade de (et al). Pesquisa Histórica e história do esporte. Rio

de Janeiro: 7 Letras, 2013, p. 147-157.

SANTOS, C. U. Histórico da escola superior de educação física do Pará 1970-

1985. Belém, PA: ESEFPA, 1985.

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A HISTÓRIA DO TAEKWON-DO NA BAHIA: relatos por Ary Alakija.

Danilo Raniery Alves Freire

Este pequeno texto surge como um “pontapé” de um desejo pessoal de

escrever sobre a história do Taekwon-Do na Bahia mais precisamente por três

motivos especiais: 1) Ser praticante; 2) Registrar os caminhos desta arte marcial em

solo baiano, bem como dar visibilidade aos personagens envolvidos; 3) Contribuir

com o desenvolvimento de pesquisas científicas locais no âmbito das lutas,

enquanto práticas corporais institucionalizadas. Para isso, necessário explicar

alguns quesitos importantes.

Taekwon-Do é uma luta coreana de defesa pessoal que utiliza a ciência

moderna (principalmente a física newtoniana) como instrumento para obter o melhor

rendimento possível na aplicação de suas técnicas e golpes.

Como foi dito inicialmente, este é ainda um “pontapé” para a construção

mais consistente de uma história do Taekwon-Do na Bahia e, por isso, este texto

constitui-se basicamente da narrativa de um dos atores envolvidos. Desta forma,

considerando a necessidade de ouvir um sujeito dessa história, realizamos uma

entrevista temática gravada com Ary Alakija Silva – brasileiro e mestre Taekwon-Do

há quase 30 anos na Bahia – no dia 7 de setembro de 2019.

Ary Alakija Silva

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O Taekwon-Do foi desenvolvido por um General do Exército coreano

chamado Choi Hong Hi, entre os anos de 1946 e 1955 – quando o nome “Taekwon-

Do” é oficializado. Para desenvolver o Taekwon-Do, o mesmo muniu-se de técnicas

do Karatê japonês, do Tae kyon e Soo Bak Gi, antigas artes marciais predominantes

durante a dinastia Koryo (Goryeo) e Silla na Coréia. Na tradução literal “TAE”

significa golpear com os pés, “KWON” golpear com as mãos e “DO” quer dizer arte

ou caminho (HONG HI, 1996). Atualmente é praticado em diversos países de todos

os continentes.

Choi Hong Hi

A utilização do termo “Taekwon-Do” não marca apenas a descrição de uma

arte marcial. Em síntese, representa a existência de um campo de conflito onde até

a forma de escrever representa de qual “lado” da história estão os sujeitos. Para que

o leitor possa melhor entender esta questão, basta reparar que o nome “Taekwon-

Do” pode aparecer também em diversos locais escrito como “Taekwondo”, tudo junto

e sem hífen. Este pequeno detalhe já marca uma distinção entre as duas grandes

instituições mundiais: a) International Taekwon-Do Federation (ITF), fundada em 22

de março de 1966; b) World Taekwondo (WT), antiga World Taekwondo Federation

(WTF), fundada em 28 de maio de 1973.

De forma bem resumida e pouco aprofundada, exemplificamos ao leitor que

a ITF foi criada pelo Gal. Choi Hong Hi, com o consentimento de vários países,

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mestres e da Associação Coreana de Taekwon-Do. Tempos depois após tentar

provocar mudanças na arte desenvolvida e encontrar resistência do Gal. Choi, o

governo sul-coreano criou a WTF, atualmente WT. Este fato histórico faz surgir a

denominação “Taekwondo”, uma luta adaptada do Taekwon-Do tradicional que

incorporou diferentes regras, formas de luta, graduações, modo de cumprimentar, a

história, etc. Por estes motivos, o Taekwondo praticado pela WT não é reconhecido

pelos filiados da ITF como um autêntico Taekwon-Do, levantando uma discussão

política que se arrasta há anos.

Feita essa introdução, ressaltamos que neste artigo falamos do Taekwon-Do

desenvolvido entre as décadas de 1940 e 1950 e representado pela instituição ITF.

Na Bahia, em 1968, de acordo com o Mestre Ary Alakija:

“conta-se que chegou em Cruz das Almas um coreano que dava aula de Taekwon-Do, mas na verdade o que ele dava aula não era de Taekwon-Do, era de Tank Soo Do MoodoKwan, uma arte marcial coreana.. tá certo!? E que assim como ele e muitos mestres no mundo por causa de um problema politico que teve da Coréia, trocou o nome da arte que chamava-se Tank Soo Do MoodoKwan para Taekwondo MoodoKwan. Porém, o criador do MoodoKwan nunca chamou a arte dele de Taekwon-Do, chamou inicialmente de Tank Soo Do MoodoKwan e se eu não tiver enganado depois Soo Bak MoodoKwan que até hoje permanece esse nome, portanto, eu considero que esse coreano não é o introdutor do Taekwon-Do na Bahia” (ARY ALAKIJA).

E continua…

“Porém, depois disso veio um outro coreano para Salvador aqui que era da WTF, hoje conhecida como WT, e trouxe essa forma que eles chamam de Taekwondo, essa forma olímpica que eles chamam de Taekwondo, porém, o Taekwon-Do foi criado pelo General Choi em 1946 e batizado de Taekwon-Do em 1955, por causa de problemas políticos na Coreia ele teve que sair da Coreia em 1972 e com isso se criou essa confusão de Taekwon-Do no mundo” (ARY ALAKIJA).

Essa informação sobre os “problemas políticos” coaduna com dados da

Enciclopédia do Taekwon-do, ano de 1992, escrito por Choi Hong Hi, versão

argentina.

Neste sentido, o introdutor do Taekwon-Do na Bahia, na forma como aqui

abordamos, foi o Mestre Ary Alakija e isso pode ser confirmado através das fotos

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apresentadas pelo entrevistado e dos certificados de graduação. Sobre isso afirma o

entrevistado:

“a forma original do Taekwon-Do foi introduzido na Bahia em agosto de 1992 por mim… tá certo!? E na época o nosso supervisor era o Djalma Clementino dos Santos que era 4ºDAN na época, hoje ele é 7ºDAN e na época eu tive que fazer uma confirmação de graduação para 1ºDAN, aí eu fiz 6 meses e um ano depois eu fiz essa confirmação e continuei na ITF” (ARY ALAKIJA).

Em 1994, o Gal. Choi Hong Hi esteve no Brasil para ministrar um curso de

instrutor internacional, curso que Ary Alakija possui certificado comprovando sua

participação.

Certificado de Instrutor Internacional de Ary Alakija. Curso ministrado em maio de

1994 por Choi Hong Hi na cidade do São Paulo/SP.

De acordo com nosso entrevistado, em 1997 foi fundada a Federação

Brasileira de Taekwon-Do (FBT) “com estatuto da Federação de Taekwon-Do

Tradicional de São Paulo, com Centro Brasileiro de Taekwon-Do Tradicional ITF e

com a Associação Alakija de Taekwon-Do Tradicional ITF da Bahia”, sendo a Bahia

o terceiro estado a introduzir o Taekwon-Do no Brasil.

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Atualmente, o Mestre Ary Alakija continua dando em sua academia

localizada no bairro de Brotas (Salvador/BA), e conta, segundo ele, com a ajuda dos

faixas pretas formados por ele para dar continuidade ao Taekwon-Do na Bahia. A

Associação Alakija possui uma filial em Paulo Afonso/BA, onde quem dá aula é o

professor Marcus Melo Santos. Além destes espaço, o Taekwon-Do também é

ensinado pela instituição chamada “Classe A” (não ligada a Associação Alakija) com

aulas no bairro Imbuí (Salvador/BA) ministradas pelo professor Luciano Ribas.

Por fim, como prometido de início, este texto é um pequeno passo para uma

futura elaboração mais densa e respaldada sobre a história do Taekwon-Do na

Bahia. Colocamo-nos, contudo, no papel de ouvintes de uma narrativa que poderá

ser contestada e complementada por outros atores. Entretanto, consideramos que

este processo demanda maior disponibilidade de tempo para análise dos

documentos e registros que reforcem ou contestem os dados aqui apresentados.

Desta forma, consideramos imprescindível a exposição dos relatos do entrevistado,

haja vista que este é personagem fundamental da história do Taekwon-Do na Bahia.

REFERÊNCIAS

Entrevista concedida por Ary Alakija Silva em 7 de setembro de 2019 às

15h26min. Brotas, Salvador/BA, Brasil.

HONG HI, CHOI. Taekwon-Do: el arte coreano de la defensa personal. Trad.

Pablo Trajtenberg e Hector Marano. International Taekwon-Do Federation:

Argentina, 1996, 747p.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

E OUTROS TEMAS

A linha objetiva analisar as ações docentes nos vários campos de

intervenção da Educação Física, buscando compreender como

são constituídos, como se dá sua relação com a sociedade e

com a formação profissional, além de investigar as ações

didáticas e pedagógicas que são estruturadas e desenvolvidas.

Inclui ainda estudos voltados para a área da educação e saúde.

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AS INFLUÊNCIAS DOS SISTEMAS PADRONIZADOS NAS AULAS DE

GINÁSTICA EM ACADEMIA.

Amanda Azevedo Flores

Com a estruturação de novas formas e padrões de comportamento, sob

larga influência de preceitos religiosos, na idade média, as ações que envolviam o

corpo foram relegadas para segundo plano, sendo recuperadas, com o princípio do

culto às formas belas e, neste caso, falamos do período relativo ao Renascimento.

Interessa reafirmar que o termo e as formas de prática da ginástica ganharam

variadas definições de acordo com cada época e cada padrão cultural onde se dava

(FIORIN-FUGLSANG, 2002).

Esta prática, “em alguns momentos, chegou a designar toda e qualquer

atividade física sistematizada, abrangendo desde exercícios militares até práticas

esportivas (DODÔ e REIS, 2014). Entende-se que foi nos séculos XVIII e XIX, na

Europa, que a ginástica, agora sob viés pedagógico ganhou um status, contando

com uma maior estruturação.

Soares (2009), afirma que esse processo visava à organização das

atividades, sob um caráter metódico, rigoroso e mesmo, com cunho disciplinador.

Assim teve origem o termo Movimento Ginástico Europeu. Foi a partir deste

movimento, que vimos surgir os Métodos Ginásticos. Os métodos, sob influências

das revoluções que se davam no continente europeu, dentre elas a científica, tinham

a perspectiva de criar, moldar novos corpos e comportamentos, difundindo as ideias

e preceitos de uma nova saúde, de uma nova sociedade, de um novo homem e de

uma nova ciência e tecnologia.

A ginástica padronizada deveria substituir as práticas de rua, por se

considerar que estas eram nocivas a organização social pretendida naquele

momento. Ou seja, vimos à lógica das ciências serem incorporadas as atividades

corporais, dando as mesmas um ar de pretensa neutralidade e rigorosidade,

devendo ser “limpas” em sua composição, obedecendo a padrões pré-concebidos.

Os métodos nos permitem ver um processo mais claro de sistematização da

prática. A preocupação com a regulação e padronização das atividades, sob um

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aparato pedagógico, dá a dimensão da renovação que se experimentava na

sociedade, nos conhecimentos e nas relações. A partir da década de 1990, vimos se

fortalecer no Brasil, com influências de todas essas modalidades, a busca pela

atividade física personalizada (PRESTES e ASSUMPÇÃO, 2010).

Atendendo assim a necessidade atual de produção do consumo, que

acompanha as exigências do mercado e se refletem na movimentação dentro do

contexto das academias. Também neste mesmo período vimos se iniciar formas

diferentes de ginástica, não em sua estruturação técnica, mas sim em sua

apresentação e comercialização. Falamos aqui de diversas ginásticas que passaram

a funcionar sob moldes estilizados e unificados, com nomes internacionalizados, que

representavam as empresas que criaram patentes de seus modelos, passando

inclusive a negociar franquias.

A Les Mills[1] comercializa no Brasil um sistema, com programas de

ginástica em academias pré-coreografadas, com dez modalidades diferentes e

também licencia academias, sendo representada no país pela Body Systems[2],

sediada na cidade de São Paulo. Sua concepção de aulas une coreografias de baixo

nível de complexidade, sob o aspecto de execução, e com músicas, dando forma a

atividade (GOMES, CHAGAS e MASCARENHAS, 2010).

Os programas da Body Systems são desenvolvidos a partir de um

treinamento direcionado aos seus instrutores, o Body Training Systems. Sua

organização acontece sob o sistema de franquias, ou seja, a academia ou o

profissional interessado, paga pelo direito de uso da marca, das atividades e de

todos os seus produtos correlatos (PAIM, 2007).

Nestes programas, toda a estruturação da aula já é demarcada, ao professor

cabe a função de reproduzir o modelo determinado no material didático. Neste

contexto, a dinâmica das pré-coreografias está intimamente ligada a uma música,

que dita qual a próxima sessão de movimentos, mas que não deixa de seguir a

lógica sequencial do aquecimento, parte principal e volta à calma.

Neste modelo, a academia contratante e seus professores ficam

condicionados a atuar sob os moldes pré-estabelecidos, não havendo assim, espaço

para a elaboração autônoma das atividades. Para tanto, há um processo de

organização e planejamento das aulas, que ocorre a cada três meses, com a

renovação e atualização do material didático, reproduzido em mídia, com CD’s e

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DVD’s das aulas em cada um destes programas. O que se espera com isso, é a

padronização das atividades, sujeitando e condicionado qualquer tipo de ação ao

contrato estabelecido.

Os elementos didático-pedagógicos presentes no exercício da docência,

quando organizados pela Body Systems perdem seus reais valores, já que são

desprovidos de significado, por apenas possibilitar a transmissão de informações,

instruções ou frases previamente programadas. Logo, se torna impraticável um

processo de ensino-aprendizagem com presença de reflexão, planejamento,

consciência e autonomia para agir, decidir e se preciso, melhor reformular, existindo

apenas uma insignificante instrução.

Ao contrário, o planejamento, quando construído pelo professor, dentro de

sua realidade, ajustado as suas possibilidades, interesses e convicções e contribui

para o sucesso de sua docência, já que se mostra “autêntico” e “espontâneo” e isto,

seus resultados, são percebidos diretamente, no cotidiano de cada um, quando do

contato com suas turmas.

[1] Rede neozelandesa.

[2] Body Systems é a empresa que representa uma metodologia de treinamento de

ginástica baseada na realidade de outros países, esse sistema surgiu na Nova

Zelândia em 1980, pelo criador Philips Mills.

REFERÊNCIAS

DODÔ, Aline Menezes e REIS, Lorena Nabanete dos. EFDeportes.com,

Revista Digital. Buenos Aires, Ano 18, Nº 190, Março de 2014. Disponível em:

< http://www.efdeportes.com/&gt;. Acesso em: 27.abr.2015.

FIORIN-FUGLSANG. Cristiane Montozo. A ginástica em Campinas: suas

formas de expressão da década de 20 a década de 70. 2002. 173f.

Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação

Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.

GOMES, Ingrid Rodrigues; CHAGAS, Regiane de Avila; MASCARENHAS,

Fernando. A indústria do Fitness, a mercantilização das práticas corporais e o

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trabalho do professor de Educação Física: o caso Body Systems. Movimento.

Porto Alegre, v. 16, n. 04, p. 169-189, outubro/dezembro de 2010.

PRESTES, Jonato; ASSUMPÇÃO, Cláudio de Oliveira. Ginástica em

academias. In: GAIO, Roberta; GÓIS, Ana Angélica Freitas e BATISTA, José

Carlos Freitas (orgs). A ginástica em questão: o corpo e movimento. 2. ed.

São Paulo: Phorte, 2010.

SOARES, Carmem Lúcia. Da arte e da ciência de movimentar-se: primeiros

momentos da Ginástica no Brasil. In: DEL PRIORE, Mary e MELO, Victor

Andrade de. (Org.). História do Esporte no Brasil: do Império aos dias atuais.

São Paulo: Editora da Unesp, 2009.

PAIM, Vanessa Alves. Os elementos didático-pedagógicos e as condutas dos

professores de ginástica aeróbica nas diversas manifestações mais

praticadas do fitness. Trabalho de conclusão (Monografia), UNISINOS, São

Leopoldo, 2007.

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EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: O DIREITO DE SER VOCÊ

MESMO!

Silvana Regina Echer

“Direitos Humanos são aqueles direitos considerados fundamentais a todos os seres humanos, sem quaisquer distinções de sexo, nacionalidade, etnia, cor de pele, faixa etária, classe social, profissão, condição de saúde física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento moral.”

MARIA VITORIA BENEVIDES

O movimento de defesa dos Direitos Humanos no Brasil surgiu de forma

articulada na segunda metade da década de 70, especialmente no âmbito das

mobilizações sociais contra a ditadura militar e o autoritarismo, legitimados pela

cultura escravocrata, machista e patriarcal. As principais reivindicações era o fim da

tortura, dos assassinatos e dos desaparecimentos de presos políticos e militantes de

diversas organizações sociais e políticas, assim como a restituição dos direitos que

foram eliminados com o fim da democracia no país e que atingiram principalmente

as pessoas negras, indígenas e as mulheres.

Ao longo da década de 80, as experiências nessa área, especialmente no

campo da Educação em Direitos Humanos, foram se ampliando até passarem a

pautar a política governamental, conforme determinado nos artigos 5º a 17º na

Constituição Federal de 1988, bem como expressa atualmente, no Plano Nacional

dos Direitos Humanos e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que são as

diretrizes do Governo Federal para a educação.

A relevância desta temática justifica-se pela importância da educação como

uma prática social e da escola como espaço de formação de cidadãos de direitos, de

construção de relações sociais igualitárias, pautadas por princípios democráticos,

por uma ética de respeito à dignidade da pessoa humana de ser quem ela é. No

processo de afirmação desses direitos, a educação representa papel importante, ao

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possibilitar a conscientização, a reflexão e a proposição de ações que podem ser

implementadas nas escolas.

O espaço escolar, dentre outros ambientes da sociedade, é um lugar onde

crianças, adolescentes, jovens e adultos devem aprender a lição do respeito a si

mesmo, do respeito ao outro (na igualdade e na diferença), respeito ao planeta e do

exercício da cidadania. Devem também participar ativamente da construção de uma

gestão democrática, de forma articulada com os movimentos organizados da

sociedade civil e sintonizada com as lutas sociais e políticas em defesa do respeito

às diferenças.

Além disso, o desenvolvimento da educação dos Direitos Humanos tem

outros objetivos como: refletir sobre as principais violações de Direitos Humanos

identificadas no cotidiano da comunidade escolar, bem como na sociedade; motivar

a prática de princípios como respeito, justiça, ética, solidariedade e tolerância a si

mesmo e aos outros; debater e sugerir as formas de criar uma cultura de Direitos

Humanos e de Paz no ambiente escolar; preparar os estudantes para assumirem a

condição de sujeitos construtores da sua própria história, na medida em que

intervêm na realidade que vive como atores das práticas sociais; denunciar os casos

de violação de Direitos Humanos no âmbito escolar e social.

Segundo CANDAU (2003), deve-se ter em mente que a educação em

Direitos Humanos não pode ser reduzida à introdução de alguns conhecimentos nas

diferentes práticas educativas. Deve-se elaborar metodologias estratégicas que

explicitam as dimensões que pretendam trabalhar nas práticas pedagógicas.

Dimensões que devem ser integradas e globais. Dimensões do ser humano, da

humanização, da capacidade de reconhecer o outro e se reconhecer no outro, a

socialização, o comprometimento, a cultura, a identidade.

A autora aponta a possibilidade de desenvolver a educação para os Direitos

Humanos através de oficinas pedagógicas, como espaço de construção coletiva de

um saber, de análise da realidade, de confrontação e intercâmbio de experiências. A

participação, a socialização da palavra, a vivência de situações concretas através de

sociodramas, a análise de acontecimentos, a leitura e discussão de textos, a

construção de cartazes, a realização de vídeo-debates, o trabalho com diferentes

expressões da cultura popular, etc, são elementos presentes na dinâmica das

oficinas (CANDAU, 2003, p.87-88).

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Essas atividades são muito importantes e atraentes para os estudantes, pois

favorecem o diálogo e a expressarem os seus sentimentos, seja de indignação ou

sobre a sua dignidade (essência), que é o valor absoluto que toda a pessoa tem

dentro de si e que deve ser respeitada como tal por todos os demais, visando à

formação de uma cultura que priorize a igualdade entre todas as pessoas e, ao

mesmo tempo, a tolerância à diversidade.

Porém, a educação em direitos humanos é um desafio para a cultura escolar

tradicional, que se limita ao papel pedagógico de ensinar a ler, escrever e calcular,

como se, aprendendo essas coisas, as pessoas estivessem aptas a viver em um

ambiente social complexo que requer uma gama de conhecimentos e valores para

uma diversidade de contextos humanos. Observa-se que os processos de

discriminação são inerentes ao ambiente educacional típico de uma sociedade

competitiva. A escola está inserida em um modelo de sociedade multicultural que

não respeita as diferenças. Geralmente, os estudantes com características

vulneráveis não conseguem escapar do estigma a eles imposto, bem como da

discriminação que sofrem.

Verifica-se que a Educação em Direitos Humanos, via de regra, ainda não

faz parte da estrutura curricular dos cursos de formação de professores, o que

representa uma grave lacuna de formação voltada para os desafios

contemporâneos. Constata-se da mesma forma, um número insignificante de

publicações voltada para o público infanto-juvenil e para o público envolvido no

processo educacional.

Apesar da evolução e da afirmação de um processo de promoção e defesa

dos Direitos Humanos no país, é preciso não esquecer que esses direitos são

continuamente desrespeitados e que alguns dos elementos importantes nesse ciclo

de violações são o próprio Estado brasileiro e a falta de conhecimento, pela

população dos seus direitos.

Para que a escola se torne realmente um espaço de afirmação e promoção

dos Direitos Humanos precisa reconhecer que a base para isso é a democracia,

compreender que vai além do âmbito político, mas se insere também no campo

social, e deve se consolidar como uma cultura que esteja presente em todas as

relações sociais e institucionais.

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Assim, educação e Direitos Humanos possuem uma íntima e estreita

relação, cabendo a escola ser agente motivador de sua reflexão, difusão e

implementação de práticas educativas de respeito e defesa desses direitos em todos

os espaços sociais.

No Brasil, ainda estamos nos familiarizando com a ideia de uma sociedade

democrática fundada no respeito aos direitos dos cidadãos, independente de sua

classe social, raça, gênero, orientação sexual, opção religiosa e etc., o que tem se

traduzido um grande desafio, sobretudo em tempos marcados pelo risco da negação

desses direitos.

Defendo que, ao realizar o seu papel de instituição cultural – distribuindo os

bens culturais para todos, vencendo velhos mecanismos de exclusão e

autoritarismo, ao dialogar com seus alunos e comunidade, ao praticar uma didática

que possibilite o desenvolvimento de um processo que oriente para aprender,

defender, zelar e promover a dignidade do ser humano, visando a tornar nossa vida

social menos injusta e violenta – as escolas já estão realizando uma Educação em

Direitos Humanos.

A par disso, os desafios enfrentados pela educação, expressados nos quatro

pilares fundamentais para o século XXI, ao lado do aprender a aprender e do

aprender a fazer, impõem-se, cada vez mais o aprender a conviver e o aprender a

ser como forma imperiosa de harmonia e humanização das relações entre as

pessoas.

Vida longa a democracia e ao direito de ser como você é, sem ter medo

algum!

REFERÊNCIAS

BENEVIDES, Maria Vitória. Prefácio. In: SCHILLING, Flávia(org). Direitos

Humanos e Educação: outras palavras, outras práticas. São Paulo: FEUSP,

Editora Cortez, 2005.

BIASOLI-ALVES, Zélia Maria Mendes e FISCHMANN, Roseli (org.). Crianças

e adolescentes: construindo uma cultura de tolerância. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2001.

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68 | P á g i n a

CANDAU, Vera Maria. Educação e direitos humanos, currículo e estratégias

pedagógicas. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática

educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto

Alegre: L&PM, 1999.

GUTIERREZ, José Paulo e URQUIZA, Antônio Aguilera (org). Direitos

Humanos e cidadania: desenvolvimento pela educação em direitos humanos.

Campo Grande: Ed.UFMS, 2013

PARO, Victor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo,

SP: Editora Àtica, 1997.

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AS MULHERES E AS PRÁTICAS EQUESTRES.

Adriana Cavalcanti

Triste louca ou má. Será qualificada. Ela quem recusar. Seguir receita tal. A receita cultural. Do marido, da família. Cuida, cuida da rotina. Só mesmo rejeita. Bem conhecida receita. Quem não sem dores. Aceita que tudo deve mudar. Que um homem não te define. Sua casa não te define. Sua carne não te define. Você é seu próprio lar. […]. Ela desatinou. Desatou nós. Vai viver só. Eu não me vejo na palavra fêmea: alvo de caça. Conformada vítima. Prefiro queimar o mapa. Traçar de novo a estrada. Ver cores nas cinzas. E a vida reinventar […].

EL HOMBRE (2016)

As estrofes acima pertencem à letra musical da banda “Francisco, El

Hombre” e fala de uma nova perspectiva de tratar o feminino. Tal perspectiva emana

sob as luzes da república do século XIX, que apesar de não favorecer as mulheres

logo nos primeiros anos deste novo regime governamental, conforme mencionado

por Almeida e Rocha Júnior (2017), tal fato se tornou inevitável de acontecer.

Apesar disso, aquelas que desafiam os moldes impostos pela cultura da

homossociabilidade – uma sociedade masculina que se encontra expandida nos

espaços e no cotidiano, excluindo veladamente, ou não, as mulheres – (ADELMAN,

2011), tem tido que conviver com a ideia de ser considerada “triste, louca ou má”.

Porém, “só mesmo rejeita, bem conhecida receita, quem não sem dores aceita tudo

que deve mudar.”

Sendo assim, o lugar que as mulheres conquistaram na atualidade é fruto de

vários confrontos e enfrentamentos. Até então, o que se intitulava enquanto corpo

feminino, se submetia, com exclusividade, a condição de esposa, mãe e dona de

casa – “a receita cultural do marido, da família, cuida, cuida da rotina.” Essas

condições eram impostas pela sociedade, a partir de uma educação destinada a

possibilitar-lhe o cumprimento de maneira primorosa da missão maternal e de rainha

do lar, considerada a sua única vocação e destino (ALMEIDA; ROCHA JÚNIOR,

2017).

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Mesmo assim, em um cenário conturbado, as mulheres passam a resistir a

tudo que as enclausuraram por muito tempo. Esse corpo, dito feminino, se constrói

sob novas bases – “um homem não te define, sua casa não te define, sua carne não

te define” – e constituindo, segundo Adelman (2011), identidades e subjetividades de

mulheres diferentes, pois elas são o “seu próprio lar”.

Essa construção se dá “[…] de algumas formas significativas, [configurando]

novo sentido ao feminino, indo além das definições centradas na maternidade e

legitimando a participação que as mulheres tão ativamente procuravam nos espaços

públicos nos quais surgiam canais para a (re)construção do eu.” (ADELMAN, 2011,

p. 935) – “e a vida reinventar.”

Para tanto, foi preciso compreender que o corpo é construído culturalmente,

no qual, se encontram as marcas que o identifica, seja temporalmente,

espacialmente, economicamente, etnicamente e socialmente (GOELLNER, 2010).

Por isso falar em feminilidades e não feminilidade, pois só assim, desmistifica-se o

que Wittig (2012, p. 2) chama de o “‘mito da mulher’” que incorpora justamente essa

ideia de padrão normativo de ser feminino atrelado à predeterminação das

dimensões biológicas de ser mãe.

Neste palco de enfrentamentos e desmistificações, que possibilitam a

construção, portanto, de feminilidades outras, temos as práticas esportivas, dentre

elas, as práticas equestres, constituindo-se assim, em “[…] terreno de lutas

simbólicas e práticas intensas sobre definições de feminilidade, sobre ‘o que é uma

mulher’ e quais as atividades que um corpo marcado como feminino pode ou deve

realizar” (ADELMAN, 2011, p. 931).

Obviamente, que a equitação não é algo recente no universo das

feminilidades, apesar de ser realizada de modo limitado, como por exemplo, no

Antigo Regime da França. As damas da corte deveriam montar em amazona, ou

seja, sentada, com as duas pernas unidas à esquerda do cavalo. Além disso,

deveriam seguir uma espécie de “cartilha”, na qual, se definia regras de conduta no

intuito de atender aos moldes da boa educação, principalmente no que se refere às

vestes, postura, equipamentos e gestualidade. O importante era manter a elegância,

a graça e a beleza (HOUBRE, 2007).

Contudo, em 1880 se estabelece um rito de transgressão nas práticas de

equitação: as mulheres passam a montar em um cavalo com uma perna em cada

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lado, assim como os homens o faziam. A partir disso, todo o repertório corporal, bem

como de vestes e postura se modificam com o tempo (HOUBRE, 2007). E daí por

diante, passamos a ter mulheres em diversas práticas equestres como o hipismo,

mais especificamente a prova de salto; o turfe e o rodeio campeiro.

Normalmente, as mulheres que se envolvem nestas modalidades começam

na infância, tendo como mola propulsora para adentrar este universo, a paixão por

tais práticas e pelos cavalos. Porém, jovens amazonas têm dificuldades em

participar, no sentido de ser difícil convencer os pais e/ou parentes, por alegarem

que são esportes muito perigosos para serem praticados por mulheres. A falta de

apoio por parte de cônjuges e filhos, no caso de amazonas adultas, também se

constitui em obstáculo para exercê-los (ADELMAN, 2011).

Por outro lado, elas se sentem em outro patamar em relação às demais

mulheres da sociedade ao participarem desses esportes. Veem-se mais corajosas,

ousadas e com um perfil diferenciado em relação a “construções convencionais de

feminilidade”, ou seja, “afastadas do cotidiano banalizado de interesses ‘tipicamente

femininos’” (ADELMAN, 2011, p. 941).

Porém, adentrar espaços que historicamente sempre foi dominado por

homens, não se constitui em tarefa fácil. Algumas delas se sentem sozinhas neste

meio muito masculinizado. Ouvir comentários preconceituosos é comum. Há quem

acredite que de tanto mexerem com cavalos vão se tornar mulheres machorras,

grotescas, musculosas e horrendas. Mas mesmo assim, demonstram muita “garra” e

determinação para adquirirem o respeito devido nestas práticas (ADELMAN, 2011).

Destarte, pelo visto, aquelas que transgridem a fronteira do considerado

permissível às mulheres, passam a ser vistas como alguém que “[…] desatinou,

desatou nós, vai viver só”, como diz a música do início deste texto.

Contudo, apesar da existência de tensões e confrontos que dificultam a

inserção das mulheres nas práticas equestres, nota-se, segundo Adelman (2011),

que o monopólio de um padrão masculino vem sendo frequentemente questionado,

contestado e renegociado. Assim sendo, uma mudança cada vez mais progressiva,

depende de homens e mulheres que assumam o compromisso de romper as

fronteiras da ignorância e do preconceito que corporeificam um ser mulher atrelada a

“palavra de fêmea: alvo de caça, conformada vítima.” É preferível que como seres

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humanos que somos, “queimar o mapa, traçar de novo a estrada, ver cores nas

cinzas, e a vida reinventar”.

REFERÊNCIAS

ADELMAN, Miriam. As mulheres no mundo equestre: forjando corporalidades

e subjetividades ‘diferentes’. Estudos Feministas, Florianópolis, 19(3): 392,

setembro-dezembro/2011.

ALMEIDA, Marlaine Lopes de; ROCHA JUNIOR, Coriolano Pereira da.

Representações femininas em festas dançantes em Aracaju no início do

século xx: educação e sociabilidade. Movimento, Porto Alegre, v. 23, n. 3, p.

1013-1024, jul./set. de 2017.

EL HOMBRE, Triste, Louca ou Má. Albúm: SOLTASBRUXA. La Habana:

Cuba, 2016.

GOELLNER, Silvana Vilodre. A educação dos corpos, dos genêros e das

sexualidades e o reconhecimento da diversidade. Cadernos de Formação

RBCE, p. 71-83, mar. 2010

HOUBRE, Gabrielle. Graciosa ou viril? A postura das amazonas no século

XIX. Revista Gênero, EDUFF, 2007, 7 (2), pp.13-20.

WITTIG, Monique. Ninguém nasce mulher. Zine: Hurrah, um grupelho eco-

anarquista e Coletivo Bonnot, Departamento de Terrorismo Performático de

Gênero, p. 1-20, 2012. Disponível em:

http://casadadiferencams.blogspot.com.br/2012/05/nao-se-nasce-mulher-

texto-de-monique.html

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A GINÁSTICA CIRCENSE E SUAS POSSIBILIDADES.

Aline Gomes Machado

A Ginástica tem se constituído como objeto de estudos de pesquisadores

brasileiros nas últimas décadas. Apesar de, inicialmente, a tratarmos no singular, é

consenso entre esses estudiosos desta temática que podemos falar num sentido

plural, manifestações múltiplas que remontam a um grupo de atividades que

configuram a ginástica. Podemos falar então de GINÁSTICAS.

Suas origens não possuem muita precisão, já que a amplitude do conceito

remete às práticas milenares. Apesar de não serem definidos dentro do termo exato,

vários exercícios são mencionados na literatura em semântica indicativa da

ginástica. Ramos (1982) mostra uma posição, que indica que a ginástica, como a

prática do exercício físico, vem da Pré-história, afirma-se na Antiguidade, estaciona

na Idade Média, fundamenta-se na Idade Moderna e sistematiza-se nos primórdios

da Idade Contemporânea.

A Ginástica Sueca, A Ginástica Francesa, A Ginástica Alemã, o Turner, que

são referências ao conhecido Movimento Ginástico Europeu do início do século XIX;

a ginástica Higiênica, a ginástica racional e científica, a ginástica de academia, as

ginásticas de competição, dentre outras, são expressões que se apresentaram e/ou

apresentam no país, em maior ou menor grau, tanto como prática propriamente dita,

quanto objeto de estudos.

Pensando na ginástica circense numa perspectiva histórica, já que este é o

nosso lugar de fala uma vez que nos propomos atuar nesta área, podemos perceber

que esta prática se constituiu como parte do cotidiano brasileiro em determinado

período histórico, mais especificamente o século XIX, merecendo assim uma

atenção cuidadosa para sua manifestação.

A ginástica circense integrou um dos primeiros espaços de difusão da

ginástica no Brasil. Exibida em circos e teatros esta ginástica compusera círculos de

sociabilidade e diversão entre a sociedade brasileira que se encantava e impactava

com os movimentos executados nos espetáculo. O espaço do circo se caracteriza

como um lócus de diversão acessível às camadas populares, tornando-se uma das

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atrações mais procuradas pela população do Brasil do século XIX, tendo os

exercícios gímnicos de acrobacias, contorcionismos, malabarismos como parte

importante dos seus espetáculos (MELO, 2007; MELO e PERES, 2014).

Também o teatro foi um espaço de prática dessa ginástica circense, também

chamada de ginástica-espetáculo. Frequentados por uma camada mais abastada da

sociedade, no Brasil oitocentista, “nas duas primeiras décadas, também foram

comuns à apresentação em teatros de atletas que realizavam “proezas ginásticas”,

caso do famoso José Floriano Peixoto e sua “Companhia Ginástica e de

Variedades”“ (MELO, 2007, p.150).

Falando da capital baiana, encontramos no jornal Correio do Brasil, com

circulação em Salvador no ano de 1904, a apresentação do chamado menino cobra

Francisco Fernandes descrito como perfeito deslocador que executou todos os

movimentes, quer em equilibrio, quer em saltos, que em deslocações, no espetáculo

da Companhia Gymnastica Bahiana, despertando admiração e espanto dos

espectadores.

Apesar deste gosto e admiração pela ginástica circense, num dado momento

do século XIX, ela passava a ser questionada e até mau vista por um determinado

grupo intelectual que visualizava na ginástica um instrumento capaz de fornecer

usos econômicos e racionais do corpo. Assim, essa ginástica-espetáculo que

permitia um uso livre e, aparentemente, irracional e indevido do corpo, não deveria

mais fazer parte do cotidiano da sociedade brasileira, de acordo os ideias desta elite

intelectual. Contudo, apesar deste movimento, os espetáculos ginásticos continuam

acontecendo ao mesmo tempo em que uma desejada ginástica científica e racional

se desenvolve, como afirmam Machado (2018).

Desta forma, mais do que uma discussão aprofundada sobre a ginástica

circense, apontamos aqui como esta prática nos oferece um amplo espaço de

discussão, já que pode ser encarada a partir dos aspectos de diversão e

sociabilidade, uma vez que se apresentou como realidade da cultura brasileira. Além

de possibilitar diálogos sobre formas, usos e representações de corpo no século

XIX.

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REFERÊNCIAS

MACHADO, Aline Gomes. A Ginástica Como Prática Educativa na Bahia.

Salvador, 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal

da Bahia.

MELO, Victor Andrade de. Dicionário do Esporte no Brasil: do século XIX ao

início do século XX. Autores Associados. Rio de Janeiro, 2007.

MELO, Victor Andrade de; PERES, Carlos de Faria. A Gymnastica no Tempo

do Império. 7Letras. Rio de Janeiro, 2014.

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INFLUÊNCIAS POLÍTICAS E COEXISTÊNCIA DOS SISTEMAS NO

SUS.

Bruno Anunciação dos Santos

Durante a construção do SUS houve uma grande e marcante participação

popular em todo o processo, desde a idealização até a luta pela sua implementação.

Um dos frutos dessa mobilização popular foi a reforma sanitária, que propôs um

sistema de saúde muito avançado em relação as políticas públicas vigentes no país,

elevando o patamar da saúde pública brasileiro para de grande referência mundial.

A reforma proposta entre outras coisas propunha a humanização no cuidado

e a autonomia do sujeito sobre as decisões de saúde tomadas sobre seu corpo,

levando a diversos questionamentos sobre a pratica medica hegemônica que era

ofertada no Brasil. A adoção definitiva desse novo conceito de saúde, traria um

embate de forças para a grande área. É sabido que o poder medico exerce forte

influência em todas as decisões em saúde, e agora teria um grande opositor pela

frente, opositor esse que tinha o apoio da sociedade, porém, esse poder nunca

perdeu seu status, sendo sempre decisivo no direcionamento do SUS, culminando

no que chamaremos aqui de coexistência de modelos assistências no SUS.

Atrelado a tudo isso percebemos que o processo de implementação do sus

foi iniciado em um governo cujo ideal liberal erra a principal frente do programa de

governo, entendendo dessa forma que a o Estado deviria intervir minimamente nas

questões sócias, Paim nos conta que “As limitações das ‘políticas racionalizadoras’

propiciavam certo espaço para o desenvolvimento de ‘políticas democratizantes’ e,

em especial, para a defesa da ‘proposta’ da Reforma Sanitária e da organização do

SUS. A chamada ‘Nova República’ poderia apostar num conjunto de reformas como

um meio de saldar a dívida social acumulada em 21 anos de regime militar, mas o

fim melancólico do governo responsável por conduzir a transição democrática

terminou por contribuir com cores de farsa para a tragédia brasileira” (PAIM, 2009, p.

36). Dito isso a Reforma Sanitária foi parcial, e sentimos isso explicitamente no

“chão de fábrica”, os dois sistemas coexistem no sus (medico centrado, sanitarista)

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de forma que as idealizações teóricas e proposta de uma outra concepção de saúde

se tornam impraticáveis.

Os Governos que sucederam ao impeachment na conjuntura pós-

constituinte (Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Ignácio Lula da

Silva) foram incapazes de fazer avançar o ‘processo’ da Reforma Sanitária brasileira.

No limite, esses governantes produziram fatos que levaram à implantação tortuosa

do SUS […] Cumpre apenas destacar que, não obstante o retraimento dos

movimentos sociais nesse período, os canais de participação social propostos pela

Reforma Sanitária brasileira e o SUS, bem como o persistente movimento sanitário,

possibilitaram a continuidade do ‘processo’ da Reforma. Apesar das contradições e

conflitos gerados, a criação de espaços de participação social, como conferências e

conselhos de saúde, permitia a constituição de novos sujeitos que se transformavam

em atores políticos (2009, p.37).

Para evidenciar como a coexistência desse modelos de atenção impactam

do processo de trabalho e consequentemente nos serviços ofertados a população,

podemos tomar como exemplo, o acolhimento, temos essa proposta inovadora que

é prevista na Política Nacional de Humanização (PNH) que faz parte da Política

Nacional de Atenção Básica (PNAB) que entre outras coisas, pretende realizar uma

escuta acolhedora do usuários nas unidades de saúde, tentando dar resolutividade a

sua queixa principal e forma dignar e eficiente, por qualquer profissional de saúde

que seja designado, porém, na prática se torna praticamente impossível de se

aplicar, pois corriqueiramente caímos na velha e persistente prática, o poder de

atuação profissional restringi ou deixa de mãos atadas todos os outros profissionais

de saúde, necessitando recorrer a esse o poder máximo para tomar condutas

simples no acolhimento, voltando assim a mesma alopatia de sempre.

Como se não bastasse todos os problemas que o SUS enfrenta na sua

lógica de existência, nos deparamos agora com políticas de extrema direita, que

entre tantas barbareis ditas e agora executadas não sabemos o que será do SUS

nos próximos 4 anos, a eminencia de venda literalmente da saúde do cidadão

brasileiro é cada vez mais clara, o desrespeito aos corpos, negros, femininos, gays,

trans é só mais um reflexo da desumanização constante que é pregada no Brasil. É

de fato um momento muito delicado e preocupante para a população brasileira,

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porém a solução está muito palpável a todos os cidadãos, a resistência e a luta,

assim como foi para construir o SUS.

Fico me perguntando, quando a saúde de fato será entendida como algo

amplo, com sujeitos extremamente ativos no seu processo de saúde-doença,

quando a fragmentação do “SER” findará e dará início a um entendimento de

completude humana. Não somos dissociados da nossa mente, do nosso espirito

então porque delegamos a uma outra pessoa as decisões que serão tomadas sobre

nosso corpo? Entendo que isso é um outro debate que nos levara a uma

profundidade nas relações humana, mas onde está a autonomia do sujeito?

Resposta essas que busco na minha pratica profissional.

REFERÊNCIA

PAIM, J. S. Uma análise sobre o processo da Reforma Sanitária brasileira.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 27-37, jan./abr. 2009

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NO LUGAR DA FALA, A ESCUTA: PRIMEIRA TURMA DE

EDUCAÇÃO FÍSICA DA UCSAL.

Maria Elisa Gomes Lemos

O Estádio Octávio Mangabeira estava vazio, apenas os avaliadores e os

candidatos à vaga de estudante do primeiro Curso de Licenciatura em Educação

Física da Bahia da Universidade Católica do Salvador – UCSAL estavam a postos

para as provas práticas que os habilitariam a condição de professor licenciado em

Educação Física, mas quem são estas pessoas, quem atuava na área, e quem

ministrava a matéria nas escolas da capital e interior da Bahia na década de 1970?

Acreditamos que o interesse destes candidatos pela área tenha ocorrido,

como hoje, por inúmeros motivos, e que o principal deles tenha sido a relação com a

ginástica, os esportes, e experiências multissensoriais que foram valiosas para o

exercício profissional voltado à prática e a formação do professor, na conduta teórica

e prática nesta disciplina, mesmo sem uma formação acadêmica.

É fato que nesta trajetória, talvez tenha havido considerada influência, a

consolidação do Conselho Federal de Educação Física, e ampliação dos cursos de

graduação e pós-graduação na área, no período marcado entre as décadas de 1980

e 2010, e contribuído significativamente para outro olhar da sociedade sobre a

profissão.

Além disto, nestes mais de quarenta anos, além do significativo aumento de

candidatos e professores, da produção do conhecimento na área de Educação

Física, esta se tornou uma profissão conceituada perante a sociedade, tendo

alcançado um elevado patamar de pesquisa, onde os investigadores voltaram seus

olhares para a produção acadêmica, e para a atuação do discente e docente

universitário.

E, diante deste avanço, os olhares, quando lá atrás estava na urgência pela

titulação, na qualificação do chamado professor “leigo”, iniciou-se um período de

questionamentos sobre a formação do profissional, especialmente, quanto ao ensino

transmissivo, sem articulação entre teoria e prática.

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A partir de então estudos foram realizados no intuito de melhor balizar a

atuação do docente universitário em prol de uma formação mais abrangente e

contextualizada, para atender às necessidades da sociedade, não que em 1973 não

houvesse esta preocupação. Daí resultou-se em reformas curriculares que

passaram a atender diferentes segmentos da profissão, tais como os de esportes

populares, o ensino regular, e a formação.

Enquanto isto, aquele espaço das provas físicas da primeira turma da Ucsal,

o Estádio Octávio Mangabeira é palco de apresentação da Olimpíada Baiana da

Primavera, maior festa de abertura do esporte amador estudantil da Bahia, eram

apresentadas diferentes modalidades individuais e coletivas, ao longo das décadas

de 60 e 80, vivia seus anos de quase cem por cento de sua capacidade operacional.

Este complexo de equipamentos olímpicos com pista oficial de atletismo,

conjugado com o Centro Olímpico de natação da Bahia com piscina olímpica, e o

Ginásio de Esporte Governador Antonio Balbino, além das provas da Ucsal, é o

espaço de apresentação de jovens atletas de diferentes colégios estaduais, que

buscavam construir sua história esportiva, acompanhados pelos professores antes

leigos, agora formandos da primeira turma da Ucsal, é implodido em 2010 dando

lugar a atual Arena Fonte Nova.

O ser humano, de modo geral, de forma especial, satisfaz suas curiosidades

intelectuais e suas necessidades por meio de atividades também motoras. Neste

contexto, a escolha da formação profissional deste grupo, parece ter servido de

veículo para grande número de contatos sociais de aprendizagem, e cooperação,

além de fortalecer a capacidade de pensar, interpretar, solucionar problemas e de

tomar rápidas decisões, sem pretensões de serem os primeiros.

No entanto é acidentalmente, o mais antigo, o essencial, o original, o grupo

inicial, a primeira turma de professores licenciados da Bahia. Hoje percebemos a

valorização da turma como objeto de estudo das ciências humanas e sociais,

justificando por base, o próprio valor da formação, como dimensão social. Também

pelo fato de ter uma dupla expressão na prática, a formação nos ajuda a entender os

significados e meandros da construção dos personagens do primeiro Curso de

Licenciatura em Educação Física e Desportos da Universidade Católica do Salvador

do primeiro Curso de Educação Física na UCSAL.

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A LUTA ANTIMANICOMIAL É TODO DIA!

Ewerton de Almeida Oliveira

A sociedade sempre tratou o comportamento incomum enquanto uma

conduta subversiva, incômoda e que precisava passar por algum ritual religioso e/ou

isolamento, para que retornasse a sua condição de normalidade. A compreensão do

“louco” e da “loucura” em determinados períodos da história era tratada de diferentes

formas, havendo distintos procedimentos de exclusão social no qual o manicômio

sempre foi a peça chave nessa relação de contenção.

Os primeiros registros segundo SADE (2014, p.19, apud Pessoti, 1994)

estão descritos nos livros do Antigo Testamento, no qual aponta o comportamento

anormal como fruto de forças sobrenaturais, onde a solução era a expulsão dos

maus espíritos ou punições físicas. Na Idade Média por sua vez, os sacrifícios e a

cura estiveram intimamente ligados ao do poder Igreja. Mais à frente, com o

processo da industrialização e consequente aumento da pobreza, outros

mecanismos foram utilizados, a exemplo do isolamento social em prédios ou

casarões antigos, ordenados pelo poder público e afastados da cidade. No século

XVII segundo SADE (2014, p.21, apud Foucault, 1978), a loucura é definida pela

norma social estabelecida à época. As casas de internamento acolhiam doentes

mentais, leprosos, criminosos, dando cuidados, muitas vezes, considerado piores do

que nas prisões, remontando a constituição psiquiátrica.

No século XVIII surge uma nova lógica de tratamento que se baseava na

moral e na educação SADE (2014, apud Gondim, 2001) avançando, à época, no

cuidado com o sujeito, no entanto, o paciente não poderia exercer sua liberdade,

tendo que se adequar às normas da instituição. Com o passar dos anos, tais locais

passaram a ter médicos especialistas, mas a maioria da equipe de trabalho, muitas

vezes sem formação adequada, tinha um cunho conservador e religioso em sua

atuação. Com o capitalismo em ascensão, essa população outrora marginalizada,

começa a ter um valor de uso em um novo mercado de trabalho e, portanto,

somente as pessoas com problemas mentais se mantiveram ali. Estes locais ficaram

mais conhecidos como manicômios, ou seja, a razão manicomial historicamente tem

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sido uma lógica de afastamento do convívio social com o claro objetivo de

reorganizar as relações, disciplinando corpos e movimentos.

Após a Segunda guerra mundial na Europa e nos EUA surgem os primeiros

movimentos contrários ao tradicional modelo hospitalocêntrico no cuidado à saúde

mental, a partir de denúncias constantes de maus tratos e violências. No Brasil, os

debates avançam e no final dos anos 70, já em período da ditadura militar, onde

houveram os primeiros movimentos que questionaram a assistência psiquiátrica.

Profissionais contestaram e denunciavam práticas de abusos com os pacientes em

diferentes espaços, ganhando força no cenário nacional e constituindo o Movimento

dos Trabalhadores em Saúde Mental.

Outro momento importante foi o Encontro Nacional de Saúde Mental em

1987 onde o tema “por uma sociedade sem manicômios” contribuiu para que o

movimento deixasse de ser apenas dos profissionais e passasse a ter uma

participação social mais efetiva. Além disso, resultou na extinção das instituições e

concepções manicomiais, não se restringindo a uma transformação limitada aos

espaços de saúde, mas ampliando a sua luta, reconhecida como a “luta

antimanicomial”.

Em 1989 o Projeto de Lei nº 3657, proposta pelo Deputado Federal Paulo

Delgado, previa a extinção progressiva dos manicômios, sendo substituídos por

outros recursos assistenciais. No entanto, apenas em 2001 – fruto de muita luta – é

aprovada a Lei Federal 10.216 ou Lei Nacional da Reforma Psiquiátrica, que objetiva

a proteção e direitos de pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando

o modelo assistencial, buscando uma mudança no tratamento e no lugar da loucura

na sociedade. Como desdobramento, temos a Política Nacional de Saúde Mental

(PNSM), no qual visa a constituição de dispositivos substitutivos aos hospitais

psiquiátricos, desinstitucionalizando a lógica de internações longas e o isolamento

social, buscando a reabilitação através do trabalho, da cultura e do lazer.

Avançamos muito desde então, no entanto, como nem tudo são flores, os

ventos começaram a mudar de direção com a instalação do estado de exceção e

alguns indícios de mudanças que representaram o retrocesso do grau de avanço da

PNSM. O conjunto dessas mudanças estão em curso desde a aprovação da

resolução da Comissão Intergestores Tripartite de dezembro de 2017. No entanto,

este ano houve a divulgação da Nota Técnica Nº 11/2019, em 05 de fevereiro,

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produzida pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas –

Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretária de Atenção à

Saúde do Ministério da Saúde – no qual trata da mudança na PNSM e das diretrizes

da Política Nacional sobre Drogas.

Diferentes setores insatisfeitos apontaram as incongruências entre a nota e

o que se é preconizado com a Lei da Reforma Psiquiátrica pois a medida rompe com

a atual política de desinstitucionalização e incentiva a hospitalização e o retorno do

tratamento desumanizado. Sendo assim, os principais pontos que foram alvos de

críticas fundamentadas nos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira e

despertam preocupação são: A inclusão de hospitais psiquiátrico nas redes de

atenção psicossocial, com prioridade no financiamento e reforçando um modelo

hospitalocêntrico; O incentivo ao uso da eletroconvulsoterapia (ECT) o popular

eletrochoque e o perigo do uso trivial e sua produção simbólica; A possibilidade da

internação de crianças e adolescente em hospitais psiquiátricos e o favorecimento

ao uso do método da abstinência no tratamento a usuário de álcool e drogas,

negando a lógica ampliada da redução de danos.

Após enorme pressão social dos diferentes setores do campo da saúde

mental, foi retirada de circulação e o próprio Ministro da Saúde, até então Luiz

Henrique Mandetta, revelou em entrevista ter desconhecimento sobre os principais

pontos questionados, classificando-os como polêmicos. Porém, mesmo com a

retirada da circulação para uma (re)avaliação interna, os argumentos apresentados

da nota continuam tendo relevância pois as portarias não foram revogadas,

ratificando a racionalidade reducionista e ideológica, do avanço do conservadorismo

e o desmantelamento intencional do SUS.

Em síntese, a nota técnica nos faz lembrar que a reforma psiquiátrica é um

processo contínuo e todos os dias é preciso reforçar a desconstrução do modelo

manicomial, seja dos antigos hospitais até as recentes comunidades terapêuticas.

Se faz necessário a efetivação da desinstitucionalização e a manutenção dos

serviços substitutivos, para assim promover visibilidade, voz e cidadania a estes

sujeitos, buscando romper com o conservadorismo, dando um novo lugar de amor,

aceitação e respeito, ao olhar para o louco e a loucura.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe

sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais

e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União.

Câmara dos Deputados (BR). Projeto de lei nº 3657-1989. Dispõe sobre a

extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos

assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica compulsória. Brasília:

CD; 1991

SADE, R.M. S. Portas abertas: Do manicômio ao território: Entrevistas

Triestinas. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014.

RESOLUÇÃO Nº 32, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2017.

NOTA TÉCNICA Nº 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MS. Disponível>

http://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf. Acesso em

02/03/2019.

Entrevista do Ministro da Saúde Luiz Henrrique Mendetta. Disponível em:

https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,texto-de-ministerio-da-saude-da-

aval-ao-eletrochoque,70002712508 Acesso em 02/03/2019.

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EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS E ESTÉTICAS NOS FESTIVAIS DE

DANÇA NA GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA.

Viviane Rocha Viana

O texto em tela provoca uma reflexão acerca das experiências vivenciadas

ao longo de pouco mais de uma década trabalhando com o ensino da dança na

formação de professores/as de educação física considerando o que foi vivenciado

em cada aula e observando o despertar da consciência corporal daquele/a que

vivenciou a dança no seu contexto cênico, encarando-a numa perspectiva artístico-

estética.

Para tanto, faz-se necessário inicialmente destacar o olhar que tecemos

acerca do corpo, pois este representa a condição física de nossa existência e os

movimentos por ele realizados contribuem para o diálogo com o mundo, pois antes

mesmo da fala o ser humano já se comunicava através da expressão e dos

movimentos realizados pelo corpo (FARO, 1986). Assim, este passou a fazer parte

das relações entre o sujeito e o meio, como primeiro plano de visibilidade humana,

como lugar privilegiado das marcas da cultura (SOARES, 1999), pois através da

expressão corporal e do movimento entra em cena a comunicação que se

estabelece com o meio.

Dessa forma, percebe-se que os corpos que dançam carregam consigo

possibilidades de permitir, acessar e construir constantes diálogos com e no mundo.

Pois, através da dança, podem-se compreender movimentos que falam, contam e

representam significados sociais, históricos e culturais da sociedade. Para Marques

(2010) os saberes da dança estão associados aos cotidianos sociais dos sujeitos,

consequentemente também estão atrelados as suas corporalidades.

No contexto da dança, enquanto atividade educativa – formativa é

importante saber o que se quer contar, pois a cada aula ou a cada composição

coreográfica faz-se necessário enriquecermos nossa prática de significados. Visto

que para os estudantes este componente curricular pode oportunizar relevante

aprendizado devido a sua pluralidade cultural que expressa e simboliza a existência

humana.

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Logo, no cotidiano das aulas e através da realização dos Festivais a cada

final de semestre letivo é possível perceber nos estudantes um olhar diferenciado

para com o aspecto estético, expressivo e artístico que a Dança pode representar

em suas vidas. Pois vale considerar que o dançar representa um momento de

interação, troca de experiências e aprendizado.

Para Gariba (2007), a dança enquadra-se ainda como linguagem que deve

ser ensinada, aprendida e vivenciada, na medida em que favorece o

desenvolvimento de vertentes cognitivas, éticas e estéticas e contribui

qualitativamente para as questões da socialização e expressão.

A partir da aproximação com a dança os estudantes vão, a cada atividade

prática, estabelecendo aos poucos um contato diferenciado com seu próprio corpo,

consequentemente adquirindo uma relação mais proximal consigo mesmo, bem

como com outros colegas de turma, com objetos e tudo que se encontra ao seu

redor.

Neste sentido, Barreto (2005) afirma que as aulas de dança permitem que as

pessoas vão adquirindo consciência dos seus sentimentos, ideias, sensações e

pensamentos, assim os caminhos das técnicas se abrem permitindo que apareçam

as formas dançantes desses e nesses corpos.

Logo, o professor deve ser capaz de compartilhar conhecimentos e

diferentes experiências em dança, seja através de diversificados ritmos, sejam em

aulas de expressão corporal ou mesmo na realização de eventos como Festival de

Dança. Este que ao longo dos anos vem se constituindo nos cursos de Formação de

professores de Educação Física um elemento motivador para o ensino e

desenvolvimento das aulas, pois permite que os estudantes percebam, ao longo da

sua construção e durante a realização do mesmo, o significado pedagógico que este

proporciona.

O Festival pode motivar a participação dos estudantes nas aulas de dança

porque propõe, para a grande maioria, desafios a serem superados. Além disso,

também pode proporcionar ao futuro professor maior segurança para com o hábito

da prática.

No entanto é possível perceber no processo de experimentação da

montagem de células coreográficas, consequentemente da construção do festival,

além da superação de desafios, a diversão e também sensações de insegurança

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proveniente, na maioria das vezes, da timidez, sobretudo para aqueles que, até

então, não haviam experimentado uma relação mais artística e estética com a

dança. Pois, para atender aos elementos artísticos necessários num trabalho com

dança precisa-se de efeitos cênicos, bom espaço e sonorização. Para isso o Festival

é realizado em auditórios, teatros ou outros espaços que acomodem os estudantes

no momento da dança, assim como o público espectador e ainda atenda as

necessidades do evento.

Vale destacar que o aluno também pode vivenciar a construção do festival

na condição de organizador e/ou auxiliando na realização do evento. Aos que

escolhem o dançar ou são destinados a isso, é importante pontuar que o elemento

técnico presente na dança não está voltado à lógica do rendimento, ou mesmo de

uma gestualidade codificada, mas a ideia é que seja destacada a consciência do

próprio corpo e superados os conflitos que cada movimento reflete no sujeito que

aprende (FREIRE, 2007), consequentemente no sujeito que dança. Ainda, sem falar

da presença do figurino e de outras variáveis da composição coreográfica, que

auxiliam bastante na interpretação de personagens e na incorporação do fazer

artístico.

Contudo, vale salientar que, embora as realizações dos festivais de dança

possibilitem uma vivência artística – estética diferenciada para os estudantes dos

cursos de educação física, bem como apresentem outros elementos, já destacados

neste texto, considerados também importantes para o processo formativo desses

estudantes, a avaliação é um item presente no contexto do Festival que tanto atende

a uma demanda institucional, como também de forma diferenciada, rompe com os

padrões metodológicos de uma avaliação convencional.

Para isso, em se tratando de avaliação, sob a perspectiva docente é

relevante destacar que junto às aprendizagens relacionadas no e com o Festival

estão alguns elementos imprescindíveis como a técnica, esta presente na

construção, nos saberes e na apreensão de conteúdos; a ética, presente nos valores

humanos envolvidos em todo o processo de elaboração e realização do Festival; o

estético presente na sensibilidade e criatividade dos alunos; e o artístico, na

incorporação e interpretação das personagens dançantes, sem falar no elemento

político presente nas temáticas apresentadas (CARBINATTO et al, 2016).

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Sob a perspectiva docente os festivais de dança representam, para além de

um instrumento avaliativo, a aproximação do estudante com os possíveis espaços

de atuação profissional, com uma maior diversidade rítmica e cultural, além de

provocar reflexões importantes e caminhos a serem percorridos em busca de uma

formação cada vez mais qualificada para o trabalho com Dança.

REFERÊNCIAS

BARRETO, Débora, Dança, ensino sentidos e possibilidades na escola.

Campinas: SP, Editores associados, 2005.

CARBINATTO, Michele Viviene et al,. Avaliação em Dança: o caso dos

festivais universitários da Educação Física, 2016. Disponível em

http://www.scielo.br/pdf/pp/v27n3/1980-6248-pp-27-03-00057.pdf. Acesso em

31 de maio de 2019.

GARIBA, C.M.S.; FRANZONI, A. Dança escolar: uma possibilidade na

Educação Física. Revista Movimento. Porto Alegre, v.13, n. 02, p.155-171,

maio/agosto de 2007.

FARO, Antônio José. Pequena História da Dança. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar., 1986.

FREIRE, P.. Educação como prática da liberdade. 30 ed. São Paulo: Paz e

Terra, 2007.

MARQUES, I. A. Linguagem da Dança, arte e ensino. São Paulo: Digitexto,

2010.

SOARES, C. L. (Org.). Corpo e educação. Caderno Cedes. Campinas, v. 19,

n. 48, 1999.

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EDUCAÇÃO FÍSICA E DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO.

Aline Gomes Machado

O contexto sociocultural apresenta diversos temas de grande complexidade

que vem sendo debatidos, ao longo dos anos, nos espaços acadêmicos e sociais.

Dentre as várias temáticas possíveis, destaco aqui a questão da diversidade de

gênero e sexualidade e suas implicações nos espaços de atuação da Educação

Física.

Comungamos com ideia de que as identidades de gênero e sexuais são

construídas socialmente, isso significa que todos os ambientes de convivência,

sociabilidade, trabalho, estudo, enfim, os mais diversos espaços e seus elementos

participam desse processo de construção identitária. Dessa forma, pensando na

Educação Física e seus conteúdos como integrantes da realidade cotidiana das

pessoas, seja ela na escola ou momentos de lazer, é importante fazermos reflexões

entre ela, a EDF, e as diversidades que apontamos aqui.

Numa primeira leitura, podemos pensar como as práticas corporais permitem

uma liberdade corporal, já que, aparentemente, se faz num momento de

descontração, divertimento, afrouxando as vigilâncias e repressões corporais que

fazem parte do cotidiano social. O comportamento corporal, jeitos e trejeitos não

seriam estigmatizados, exigidos a atender os paramentos de gêneros habituais. Isso

significaria que esses momentos de práticas corporais permitiram a expressão livre

dos corpos que fogem ao padrão heteronormativos, potencializando a construção

empoderada das diversidades.

Contudo, se olharmos mais atentamente, iremos ver que a Educação Física,

desde o seu princípio, se constituiu na esteira de normas que reforçam a distinção

binária de gênero, masculino e feminino. Machado e Pires (2016) apontam a

flagrante proximidade da Educação Física com as instituições militares, quando se

sua instauração no Brasil, com todas as suas características de supervalorização

masculina, nacionalismo, patriotismo. O corpo desejado, almejado era um corpo

forte, reto, vigoroso, um corpo masculino.

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Historicamente, o ideal de corpo esteve intimamente ligado à área de

conhecimento que é a Educação Física. Essa contribui para o enquadramento dos

corpos, definindo-os no dualismo de normal, anormal; certo, errado; belo, feio;

eficiente, inútil. Dentro das exigências heteronormativas, as quais influenciou e

influencia as práticas corporais, os olhares são treinados para perceber e classificar

as marcas que são socialmente inscritas nos corpos, como afirma Louro (2000),

aprendemos a classificar os sujeitos pelas formas como eles se apresentam

corporalmente, pelos comportamentos e gestos que empregam e pelas várias

formas que se expressam.

Várias mudanças socioculturais influenciaram a Educação Física nos

variados tempos históricos, contudo ainda podemos constatar reminiscências da

supervalorização masculina nos dias atuais. Numa pesquisa por mim realizada, no

ano de 2016, em escolas públicas de grande porte num município baiano, pude

perceber que os professores de Educação Física não apresentam em seus

planejamentos estratégias didáticas que trabalhem a questão da diversidade sexual

e de gênero. Claro que esta é uma realidade, em um espaço específico, outras

pesquisas precisam ser desenvolvidas para que possamos aprofundar o olhar nessa

temática.

Entretanto, nos estudos já existentes e em leituras feitas nas experiências

profissionais cotidianas podemos confirmar as questões aqui apontadas. Implícita ou

explicitamente, a Educação Física, de um modo geral, acaba por definir tipos de

comportamentos, ideias, valores que irão reforçar estes ou aqueles pensamentos

que silenciam ou excluem as diversidades, sejam elas de gênero ou sexuais.

Por fim, a importância desse debate, que precisa ser aprofundando e

ampliado, é necessária. Vivemos num momento político e social em que uma onda

conservadora se alastra pelo país. Diariamente lemos e escutamos declarações que,

beirando o desrespeito (ou sendo desrespeitosas de fato) desconstroem anos de

luta e resistências de minorias. Esses tristes acontecimentos reforçam a importância

de uma vigilância constante de nossos exercícios de trabalho, pesquisa, enquanto

integrantes da área de Educação Física, para que não retrocedamos e sim

caminhemos nos sentido que respeitar as diversidades, diminuir preconceitos,

contribuir para visibilidade dos corpos que tentam de todo modo silenciar.

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REFERÊNCIAS

LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: pedagogia da sexualidade. 2ª ed.

Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

MACHADO, Aline Gomes; PIRES, Roberto Gondim. Identidade de Gênero e

Suas Implicações Sobre A Sexualidade Na Perspectiva de Professores de

Educação Física. Motrivivência 28, n. 48, p. 360-375, set./2016.

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DANÇA E EDUCAÇÃO

Dayane Ramos Dórea

A educação na vida do ser humano deve ser considerada como formação

essencial das novas gerações na sociedade, de acordo com os valores e ideias

empregados em cada momento histórico. A educação é constantemente confrontada

ante às crises das relações sociais e, com isso, emerge sua maior missão: oferecer

os caminhos necessários a uma cidadania consciente, fazendo da diversidade um

fator positivo e de compreensão entre os indivíduos (DELORS, 1998).

A educação nos acompanha durante toda nossa vida, pois sempre estamos

aprendendo com novas experiências e, portanto, estamos nos educando a todo

momento. Assim, torna-se um fenômeno adquirido, que norteia a vida do ser

humano, refletindo sua essência, numa profunda relação interpessoal com a

sociedade e com a natureza.

A educação é reconhecida como uma etapa da vida dedicada ao pensar

criticamente, ler, escrever e contar, isto é, um momento em que a linguagem oral e

escrita, bem como dos números e raciocínios lógicos são explorados. Entretanto, as

últimas décadas, juntamente com as reformas educacionais, refletem a pretensão da

ampliação dessa concepção, incluindo outros saberes imprescindíveis à formação

humana, como os conhecimentos geográficos, físicos, biológicos, filosóficos,

sociológicos, artísticos, corporais, entre outros.

A dança se faz presente nos diferentes momentos da nossa existência, nos

espaços mais distintos na sociedade e, claro, também no ambiente educacional.

Ademais, educação se apresenta como um dos vários elementos formativos dos

sujeitos, tendo, ao longo da história da humanidade, buscado sistematizar

conhecimentos que garantem uma formação ampla aos cidadãos, a qual se alicerça

nos conhecimentos historicamente produzidos e culturalmente acumulados.

Conforme Chaves (2002), a dança adentra o ambiente educacional por ser

compreendida como uma prática corporal que possibilita um corpo mais eficiente e

produtivo, frente ao processo de modernização da sociedade, bem como contribui à

atividade intelectual. No entanto, na educação, a dança não pode ter o papel de

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mera reprodução e/ou instrumentalização do corpo, mas sim de constituir-se

enquanto conhecimento e linguagem essencial à educação do ser social

(MARQUES, 1997).

Em contrapartida, a dança ainda é tratada no contexto educacional como

uma forma de apresentações de datas comemorativas, com coreografias

previamente elaboradas que deverão ser incorporadas de maneira mecânica, sem

estabelecer sentido e significado de sua fruição, tratando-a de maneira superficial.

Ou seja, traz-se uma variedade de passos aleatórios, a serem repetidos até que se

decore a sequência coreográfica dentro de uma métrica estabelecida, sem suscitar

nenhuma reflexão (FIAMONCINI, 2003; MORANDI, 2005).

Por meio da dança o indivíduo experimenta uma nova forma de expressar-

se, de comunicar-se com o mundo. Logo, ao falar com e através do corpo tem-se a

possibilidade de falar também consigo mesmo, melhorando sua autoestima,

aliviando o estresse e as tensões diárias, explorando o mundo da emoção e da

imaginação. Dançar não é privilégio apenas de algumas pessoas, e sua prática não

deve remeter-se somente a festividades, mas sim entende-la como um elemento

capaz de auxiliar na formação holística, bem como desenvolver em seus praticantes

uma consciência corporal enquanto sujeitos transformadores do tempo e do espaço.

A dança sempre integrou o trabalho, as religiões e as atividades de lazer,

fazendo parte das culturas humanas. Conforme Vargas (2003, p. 23), a relação

dança e educação envolve sensibilização e conscientização acerca das “posturas,

atitudes, gestos e ações cotidianas como para as necessidades de expressar,

comunicar, criar, compartilhar e interatuar na sociedade”. Logo, ocorrem

aprendizagens de forma direta e íntima, assimilando informações com o corpo, a

mente e as emoções, favorecendo uma ação livre e prazerosa.

Nessa perspectiva, a dança é um forte aliado à educação, uma vez que

possibilita novas e diferentes formas de comunicação e de expressão, conduzindo

os sujeitos à descoberta de sua linguagem corporal, oportunizando o

desenvolvimento de suas potencialidades pessoais e sociais, numa concepção de

cidadania, por meio de uma educação consciente e transformadora. Enquanto fonte

natural de expressão da corporeidade, a dança fomenta a plasticidade e interação

dos corpos em livre experimentação e exploração linguística.

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A dança favorece o desenvolvimento da capacidade de criação e exploração

das infinitas possibilidades comunicativas, além do autoconhecimento corporal e

cognitivo, educação do senso rítmico, expressão não verbal, desenvolvimento

humano e social, bem como a formação integral no tocante aos valores e ao respeito

do seu corpo e dos diferentes corpos que dançam. Portanto, a dança enquanto

atividade educativa fomenta o espírito investigativo, produtivo, crítico, reflexivo e,

enquanto patrimônio histórico cultural da humanidade, possibilita o aprimoramento

do potencial criativo, numa forma de expressão poética de ideias, sentimentos e

visões de mundo.

Destarte, a relação dança e educação deve sistematizar e reverberar as

experiências individuais e coletivas, livre de modelos e padrões que inibam a

criatividade, a autonomia e a liberdade de expressão que explore e contextualize o

universo dos repertórios popular, folclórico, clássico, contemporâneo, etc., bem

como pela improvisação e pela composição corográfica. Para tanto, é salutar que a

dança na educação deixe de ser visualizada como um mero entretenimento para

assumi-la como cultura que ressalta e contextualiza contradições, mercantilismos,

preconceitos e tabus existentes na sociedade, a fim de, criticamente discerni-los e

superá-los.

REFERÊNCIAS

CHAVES, Elisângela. A escolarização da dança em Minas Gerais (1925-

1937). 159 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação

da UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a

UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI.

Ministério da Educação e do Desporto (MEC). São Paulo: Cortez Editora.

1998.

FIAMONCINI, Luciana. Dança na educação: a busca de elementos na arte e

na estética. Pensar a Prática, 6: 59-72, p. 59-73. Jul./Jun. 2002-2003.

MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. MOTRIZ, Volume 3, Número 1, p.

20-28, Junho/1997.

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95 | P á g i n a

MORANDI, Carla Silvia Dias de Freitas. Passos, compassos e descompassos

do ensino de dança nas escolas. 93f. Dissertação (Mestrado) – Universidade

Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP, 2005.

VARGAS, Lisete Arnizaut. A dança na escola. Revista Cinergis, Santa Cruz

do Sul, v.4, n.1, p.9-13, jan/jun. 2003.

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A UTILIZAÇÃO DO LIAN GONG COMO TERAPÊUTICA NA

ATENÇÃO BÁSICA EM CAMAÇARI-BA.

Bruno Anunciação dos Santos

O Lian Gong é uma prática oriental da medicina tradicional chinesa e

compõe o leque de opções terapêuticas das Práticas Integrativas e Complementares

em Saúde (PICS). Lee (1997), criador do Lian Gong, nos conta que ela une a

medicina terapêutica e a prática corporal, com o intuito de desenvolver atividades de

prevenção de agravos e promoção da saúde, assim como o tratamento de dores no

pescoço, ombros, cintura, pernas e também doenças crônicas.

Esta atividade é fruto de constantes pesquisas das heranças culturais – a

Medicina Tradicional Chinesa, antigos exercícios terapêuticos e as artes guerreiras

tradicionais (Wu Shu) – e a reflexão sobre os resultados de sua aplicação no campo

terapêutico, ao longo de mais de 40 anos de prática. Cabe também ressaltar que as

PICS estão inseridas no conceito de racionalidades médicas, possuem tecnologias e

uma compreensão de saúde próprios. A professora Madel Luz, uma das precursoras

do conceito de racionalidade médica, a define da seguinte forma. “Racionalidades

médicas é, assim, todo o sistema médico complexo construído sobre seis

dimensões: uma morfologia humana, uma dinâmica vital, uma doutrina médica (o

que é estar doente ou ter saúde), um sistema diagnóstico, uma cosmologia e um

sistema terapêutico” (Luz 2012, p. 452).

Em maio de 2006, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria n.º 971, Art.

1º, aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC),

no SUS. Essa política, de caráter nacional, recomenda às Secretarias de Saúde dos

estados, do Distrito Federal e dos municípios a implantação e implementação das

ações e serviços relativos às Práticas Integrativas e Complementares. O Art. 2º

define que os órgãos e entidades do Ministério da Saúde, cujas ações se relacionem

com o tema da Política ora aprovada, devem promover a elaboração ou a

readequação de seus planos, programas, projetos e atividades, na conformidade

das diretrizes e responsabilidades nela estabelecidas.

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Portanto na intenção de ofertar novas práticas e tecnologias de saúde para a

população de acordo com o que é previsto legalmente na política de saúde nacional

e através da identificação das necessidades do território foi implantado o grupo de

Lian Gong na unidade de saúde do bairro de Piaçaveira no município de

Camaçari/BA.

Dito isso, durante o processo de trabalho do Núcleo de Apoio à Saúde da

Família (NASF) em uma das Unidades de Saúde da Família (USF) do município,

percebeu-se que era necessário ofertar uma atividade coletiva para seus usuários

que tivesse por finalidade prevenir os agravos de saúde e promover a saúde com

uma terapeuticamente completa com tecnologias leves. Optou-se então pelo Lian

Gong por apresentar as características necessárias para o objetivo desse projeto. O

conceito de assistência em saúde no SUS vem se transformando ao longo do

tempo, passando a preconizar o cuidado a partir da lógica da integralidade do sujeito

e do respeito a sua individualidade, da promoção do seu bem-estar, e da prevenção

de agravos a sua saúde.

Corroborando com isso, percebemos a necessidade de ofertar nas unidades

de saúde do município de Camaçari, para nos adequarmos a lógica matricial e do

movimento, mais do que salutar, das Práticas Integrativas e Complementares em

Saúde. Prática essas, que a partir da portaria n 971, de 03 de maio de 2006, que

aprova a política nacional de práticas integrativas e complementares, auxiliaram a

expansão do Liang Gong na rede básica do país, fazendo com ele esteja em

segundo lugar entre as práticas mais difundidas no SUS, em 2018 segundo o

Ministério da Saúde.

O objetivo é promover atividades físicas e de integração envolvendo

usuários, familiares e comunidade, estimulando suas potencialidades

biopsicossociais, bem como o estreitamento dos vínculos comunitários com as

equipes. Propiciar momentos semanais de lazer, relaxamento, promoção da saúde e

prevenção de doenças dos usuários através da atividade do Lian Gong; promover

educação em saúde com temas relacionados às necessidades de cada território;

avaliar mensalmente o projeto com a equipe de trabalho e com os usuários.

As atividades são realizadas na praça de Piaçaveira. A cada início de

atividade é feita uma apresentação breve dos conceitos da atividade, seguida pelo

aquecimento com percussões e logo após as terapias do Lian Gong, propriamente

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dito. Foi percebido não só a aceitação dos usuários pelas práticas, mas também os

relatos dos usuários a cada semana do bem-estar físico e mental proporcionado

pela sua prática, assim como diminuição de dores no corpo nos que possuem dor

crônica.

O projeto desenvolvido tem alcançado bons resultados, principalmente no

que diz respeito a participação popular na saúde e no processo de educação,

permitindo assim que os usuarios busquem acessar a unidade de saúde de forma

mais consciente, criando dessa forma uma relação de parceria e coopartipação no

proceso saúde/doença. É importante ressaltar que usuarios antes poliqueixosos e

que tinham uma relação extremecida com a unidade de saúde hoje compreendem

melhor seu corpo e processo de trabalho dos profissionais de saúde.

Já com relação a melhorias na condição de saúde da população em

questão, os participantes têm relato melhora signicativa nas suas queixas principais

de saúde, propriciando dessa forma uma melhor autonomia para o autocuidado.

Quando analisamos o modelo de saúde, acreditamos que é recomendável a

oferta de cursos de qualificação das práticas de ensino e serviço no SUS em PICs

para que permita uma ampliação do olhar proporcionando uma mudança no modelo

de saúde que ainda é o biomédico-hegemônico, para um modelo mais holístico que

consequentemente irá permitir ao usuario uma melhor autonomia para com o seu

corpo/mente/espirito e seus cuidados.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Portaria Nacional das práticas Integrativas. Março 2017.

LEE, M. L. Lian Gong em 18 terapias, f orjando um corpo saudável: ginástica

chinesa do Dr.

ZHUANG YUAN MING. São Paulo: Pensamento, 1997.

RACIONALIDADES MÉDICAS E PRÁTICAS INTEGRATIVAS EM SAÚDE:

ESTUDOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS. Luz MT, Barros FB. Rio de Janeiro:

Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de

Janeiro/ABRASCO; 2012. 452p. (Coleção Clássicos para Integralidade em

Saúde).

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