provinha brasil no municÍpio de porto alegre: … (descritor) detalhamento da habilidade...
TRANSCRIPT
PROVINHA BRASIL NO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE: EFEITOS NA
PRÁTICA DOCENTE.
Darlize Teixeira de Mello
E.M.E.F.Nossa Senhora de Fátima
ULBRA/Curso de Pedagogia/Canoas
Introdução
O presente trabalho faz parte de uma pesquisa interinstitucional intitulada “A
inclusão escolar e as avaliações em larga escala: efeitos sobre o currículo e o trabalho
docente na Educação Básica”1. A referida pesquisa objetiva analisar as relações
estabelecidas entre as avaliações em larga escala e os processos de inclusão em escolas
de Educação Básica no Rio Grande do Sul, problematizando os efeitos sobre o currículo
e o trabalho docente. Inscreve-se no campo de Estudos de Currículo. A investigação é
orientada pelas seguintes questões: Como as avaliações em larga escala visibilizam o
desempenho dos alunos incluídos nas escolas de Educação Básica, no Rio Grande do
Sul, e quais efeitos as referidas avaliações estão provocando no currículo e no trabalho
docente?
Assim sendo, a pesquisa, a ser apresentada nesse artigo, vincula-se a esse
projeto interinstitucional, como um subprojeto intitulado Provinha Brasil no município
de Porto Alegre: análise de resultados e efeitos na prática docente e discente,
objetivando a análise dos resultados estatísticos da aplicação da Provinha Brasil -
Edições de 2008-2010/ Testes 1 e 2 - no município de Porto Alegre e seus efeitos nas
práticas docentes e discentes de duas escolas da referida rede de ensino. São destacadas,
para essa pesquisa, entrevistas realizadas com oito professores de classes de 2º ano do 1º
ciclo dessas duas escolas municipais com o intuito de analisar os efeitos da aplicação
dos testes e levantamento dos resultados (gabarito da turma) em suas práticas docentes2.
1 O projeto interinstitucional “A inclusão escolar e as avaliações em larga escala: efeitos sobre o
currículo e o trabalho docente na Educação Básica” é coordenado pela Drª. Profª. Clarice Salete
Traversini (PPG/Edu/UFRGS) e tem como parceiras as seguintes instituições: ULBRA, SMED/POA,
UNISINOS e FURG. 2 Na referida pesquisa também foram analisadas entrevistas com alunos do 2º ano do 1º ciclo que
realizaram a Provinha Brasil nessas escolas, no ano de 2010. Para saber mais ver PEREIRA; MELLO
(2014).
2
As questões iniciais desdobram-se, então, nos seguintes objetivos:
compreender como os professores se apropriaram da aplicação da Provinha Brasil e
analisar os efeitos dessa avaliação em larga escala sobre o currículo e o trabalho docente
das escolas pesquisadas.
A seguir passo a apresentar o trabalho de pesquisa realizado.
A coleta de informações – dados da pesquisa – apresentação da Provinha
Brasil
Para que o leitor possa compreender o instrumento avaliativo utilizado nas
classes de 2º ano do Ensino Fundamental farei uma breve apresentação desse
instrumento, considerando estudos de Mello (2012) e Pereira e Mello (2014). A
Provinha Brasil é um instrumento de avaliação que objetiva oferecer aos professores e
aos gestores das escolas públicas e das redes de ensino um diagnóstico do nível de
alfabetização dos alunos, ainda no início do processo de aprendizagem, permitindo, com
isso, intervenções com vistas à correção de possíveis insuficiências apresentadas na área
da leitura e da escrita (BRASIL, 2010a). Destinado aos alunos em processo de
alfabetização, tal instrumento avaliativo tem sido aplicado a todos os alunos
matriculados no segundo ano de escolarização do ensino fundamental de nove anos
(BRASIL, 2010a).
O instrumental da Provinha Brasil se constitui em um kit de seis documentos
que foram sofrendo modificações ao longo das edições de 2008 a 20103, sendo assim
nomeados: Orientações para Secretarias de Educação; Passo a Passo; Caderno do
Professor/Aplicador I: Orientações Gerais e Caderno do Professor/Aplicador II: Guia
de Aplicação4, Caderno do Aluno; Guia de Correção e Interpretação de Resultados e
3 De acordo com o Guia de Aplicação (BRASIL, 2011a,), com o intuito de tornar mais objetivo o
instrumental dessa avaliação, o kit da Provinha Brasil foi reformulado em 2011 e o número de
documentos, reduzido (BRASIL, 2011a, p. 2). Na edição de 2011/Teste 2, há detalhes sobre a redução,
informando que o kit está composto por quatro documentos: Guia de Aplicação; Guia de Correção e
Interpretação de Resultados; Caderno do Aluno e Reflexões sobre a Prática (BRASIL, 2011b, p.3). 4 Esse foi o documento que obteve o maior número de alterações em sua nomeação, na edição de 2011, 4ª
edição de aplicação da Provinha Brasil, passa a ser um único documento denominado de Guia de
Aplicação, no Teste 1, enquanto no Teste 2 recebe um acréscimo, passando a ser Guia de Aplicação–
Leitura, em razão da criação da Provinha Brasil de matemática.
3
Reflexões sobre a Prática. Todos esses documentos são compostos de Teste 1 e Teste
25.
Para evidenciar o que é avaliado apresento a matriz de referência da Provinha
Brasil com seus respectivos eixos e descritores da edição de 2010. Essa matriz de
referência está descrita no documento Passo a Passo (BRASIL, 2010a). É embasada no
documento Pró-letramento – Programa de Formação Continuada de Professores dos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental (BRASIL, 2007) – e outros documentos que
norteiam as avaliações nacionais desenvolvidas pelo INEP.
Vejamos, a seguir, a Matriz de Referência da Provinha Brasil.
Fonte: Documento Passo a passo (BRASIL, 2010a, p. 11)
Nesse documento, encontramos as capacidades linguísticas da alfabetização
mencionadas diretamente pelo termo habilidades, englobando cinco eixos acima
pontuados.
O estudo sobre as orientações curriculares no ciclo da alfabetização, realizado
por Schneider e Mozz (2011), tendo como corpus a Matriz de Referência da Provinha
Brasil e os testes disponibilizados às escolas entre os anos de 2008 a 2010, evidencia
alteração na Matriz de Referência de 2008 para os testes das edições de 2009 e 2010,
com redução no número de eixos e, por consequência, das habilidades correspondentes
5 O Teste 1 deve ser aplicado no início do ano letivo, com o caráter diagnóstico, embora nem sempre esse
fato ocorra devido à data de chegada da Provinha Brasil nas escolas e o Teste 2 deve ser aplicado ao final
do mesmo ano letivo de cada edição, com caráter prognóstico.
4
aos eixos excluídos, acompanhada do acréscimo do detalhamento dos descritores das
habilidades do processo de alfabetização avaliado. Ao examinar a Matriz de Referência
das edições de 2011, constato que essa manteve os mesmos eixos e descritores; logo, a
Matriz de 2009 a 20116 contemplou dois dos quatro eixos da Matriz de 2008 –
apropriação do sistema de escrita e leitura – e dez dos dezessete descritores, como
podemos ver, a seguir, (QUADRO 1):
1º EIXO APROPRIAÇÃO DO SISTEMA DE ESCRITA: habilidades relacionadas à identificação e ao reconhecimento de princípios do sistema de escrita.
Habilidade (descritor) Detalhamento da habilidade (descritor)
D1: Reconhecer letras.
Habilidades relacionadas à capacidade de diferenciar letras de outros sinais gráficos, identificar pelo nome as letras do alfabeto ou reconhecer os diferentes tipos de grafia das letras.
D2: Reconhecer sílabas.
Identificar o número de sílabas que formam uma palavra por contagem ou comparação das sílabas de palavras dadas por imagens.
D3: Estabelecer relação entre unidades sonoras e suas representações gráficas.
Identificar em palavras a representação de unidades sonoras como: o vogais nasalizadas; o letras que possuem correspondência sonora única (ex.: p, b,
t, d, f); o letras com mais de uma correspondência sonora (ex.: “c” e
“g”); e o sílabas.
2º EIXO LEITURA
Habilidade (descritor) Detalhamento da habilidade (descritor)
D4. Ler palavras.
Identificar a escrita de uma palavra ditada ou ilustrada, sem que isso seja possível a partir do reconhecimento de um único fonema ou de uma única sílaba.
D5: Ler frases. Localizar informações em enunciados curtos e de sentido completo, sem que isso seja possível a partir da estratégia de identificação de uma única palavra que liga o gabarito à frase.
D6: Localizar informação explícita no texto.
Localizar informações em diferentes gêneros textuais, com diferentes tamanhos e estruturas, com distintos graus de evidência de informação, e exigindo, em alguns casos, relacionar dados do texto para chegar à resposta correta.
D7: Identificar assunto de um texto.
Antecipar o assunto do texto com base no suporte ou nas características gráficas do gênero ou, ainda, em um nível mais complexo. Identificar a finalidade, apoiando-se apenas na leitura individual do texto.
6 A Matriz de Referência da edição de 2009 (BRASIL, 2009c) manteve o mesmo número de eixos e descritores nas edições posteriores. Cf. o documento Passo a Passo, para as edições de 2009 e 2010, Testes 1 e 2 (BRASIL, 2009c, p14; 2009d, p.16; 2010c, p.16; 2010d, p.13) e o documento Guia de Correção e Interpretação dos Resultados, para as edições de 2011- Testes 1 e 2 (BRASIL, 2011d, p. 13; 2011e, p. 10).
5
D8: Identificar a finalidade do texto.
Antecipar a finalidade do texto com base no suporte ou nas características gráficas do gênero ou, ainda, em um nível mais complexo, identificar a finalidade, apoiando-se apenas na leitura individual do texto.
D9: Estabelecer relações
entre partes do texto7.
Identificar repetições e substituições que contribuem para a coerência e a coesão textual.
D10: Inferir informação. Inferir informação.
Quadro 1: Matriz de Referência para Avaliação da Alfabetização e do Letramento Inicia - edição de 2009-2011. Fonte: BRASIL (2009a, p14; 2009b, p.16; 2010a, p.16; 2010b, p.13; 2011a, p. 13; 2011b, p. 10).
Em virtude de limitações impostas pela natureza da avaliação – sua estrutura
metodológica em torno de questões de múltipla escolha, as do eixo leitura, ou de
questões abertas, as do eixo escrita –, as questões do eixo desenvolvimento da oralidade
deixaram de ser produzidas na edição de 2008. Novas limitações técnicas – categorizar
respostas, estruturar grade de correção – passam a impedir a inclusão de questões do
eixo escrita na edição de 2009 da Provinha Brasil.
Para entender melhor como os conceitos de alfabetização e letramento e como
os eixos e descritores que os representam estão presentes na Provinha Brasil
examinadas neste trabalho, iniciaremos a apresentação da estrutura desse instrumento
avaliativo com vistas a identificar quantitativamente os eixos e descritores das matrizes
de referência da edição de 2010.
Informamos, inicialmente, que os testes da Provinha Brasil totalizaram 27
questões na edição de 2008 – Testes 1 e 2, passando a totalizar 24 questões, entre as
edições de 2009 a 2010, e mudando para um total de 20 questões, a partir da edição de
2011. Quanto ao tipo de questões, somente na edição de 2008 foram incluídas questões
abertas, todas elas do eixo escrita. Assim, das 27 questões da edição de 2008, 24 delas
eram de múltipla escolha, enquanto três eram abertas. A partir da edição de 2009, todas
as questões passam a ser somente de múltipla escolha.
Quanto ao aumento da complexidade na sequência de apresentação das questões, uma
análise da estrutura da Provinha nas quatro edições permite localizar dois grupos de questões:
um primeiro grupo, formado pelas questões que contemplam os descritores do eixo apropriação
do sistema de escrita, envolvendo, principalmente, o reconhecimento de letras e de sílabas,
como também a relação grafema-fonema; enquanto um segundo grupo, formado por questões
que contemplam os descritores do eixo leitura, envolve, por um lado, a leitura de palavras com
7 De acordo com o documento Provinha Brasil - Guia de Correção e Interpretação de Resultados (BRASIL, 2009l, p. 14), por questões técnicas, o Descritor 9 não foi contemplado no Teste 2 da edição de 2009.
6
sílabas canônicas (consoante/vogal) e não canônicas (vogal/consoante/vogal) e a leitura de
frases e textos curtos, e, por outro, o reconhecimento da finalidade e do assunto de diferentes
suportes e gêneros textuais, como também exploração da tipologia do texto narrativo e do uso
de inferências.
Conforme consta no documento - Guia de Correção e Interpretação dos Resultados,
para constituir os níveis foi feita uma análise da dificuldade das habilidades
medidas no teste. Em seguida, as habilidades foram distribuídas
gradativamente, desde as que estão associadas a processos cognitivos e
conhecimentos mais básicos até os mais avançados (BRASIL, 2010m, p. 4).
Apresentamos os cinco níveis de desempenho na Provinha Brasil, considerando a
edição de 2010 (QUADRO 2)8:
Nível
Edição/Teste
Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5
2010/
Teste 1
até 06 acertos de 7 a 11
acertos
de 12 a 17
acertos
de 18 a 21
acertos
de 22 a 24
acertos
2010/
Teste 2
até 06 acertos de 7 a 11
acertos
de 12 a 16
acertos
de 17 a 22
acertos
de 23 a 24
acertos Quadro 2: Números de acertos para identificar os níveis de desempenho dos alunos na 3ª edição da
Provinha Brasil (2010). Fontes: BRASIL (2010c; 201d).
Em uma análise inicial desse quadro, é possível perceber que o posicionamento
dos alfabetizandos nos níveis muda à medida que muda o número de acertos esperados
em cada um deles em cada teste9.
Vejamos, então, como tais habilidades ganham visibilidade em cada um dos
cinco níveis de desempenho apresentados no documento Provinha Brasil – Guia de
Correção e Interpretação dos Resultados10 (BRASIL, 2010l; 2010m). No nível 1
estariam posicionados os alunos que estariam começando a se apropriar do domínio das
regras que orientam o uso do sistema alfabético para ler e escrever; no nível 2, tais
alunos já teriam consolidadas as habilidades do nível anterior e seriam capazes de ler
8 Uma discussão mais aprofundada dessa tabela pode ser vista em Mello (2012). 9 Cabe destacar que, assim como outras avaliações de caráter macro realizadas no nosso país na área da
educação, como o SAEB e a Prova Brasil, a Provinha Brasil “se vale, para elaboração de sua escala e da
seleção dos itens que compõem cada teste, da Teoria da Resposta ao Item, com base no Modelo de
Rasch” (BRASIL, 2010c). Tal teoria focaliza cada item de uma prova, relacionando a probabilidade de o
aluno dar uma determinada resposta a um item, com sua proficiência e com as características
(parâmetros) do item (ANDRADE; TAVARES; VALLE, 2000). 10 É pertinente salientar também que, após a apresentação de cada nível de desempenho esperado na
Provinha, algumas considerações e sugestões de atividades são incluídas e direcionadas aos professores.
7
palavras compostas por sílabas canônicas, incluindo a possibilidade de ler algumas
palavras com ortografia mais complexa; no nível 3, consolidadas as habilidades do nível
anterior, os alunos leriam frases e textos de aproximadamente cinco linhas,
identificando a sua finalidade; no nível 4, o domínio dos textos lidos passaria a ser de
oito a dez linhas, reconhecendo o seu assunto, localizando informações explícitas e
fazendo algumas inferências; no nível 5, seriam posicionados como alfabetizados,
naquilo que a Provinha avaliou em relação aos níveis anteriores, uma vez que outras
habilidades, próprias de eixos que não foram avaliados.
Vale salientar, assim, que a progressão em tais níveis, para garantir um
desempenho de excelência na alfabetização e em um letramento inicial, contaria com a
conquista de todos os itens desses níveis, que nada mais são do que os descritores das
habilidades que constam nos eixos das matrizes de referência previstos para serem
avaliados na Provinha Brasil no período de 2010.
A coleta de informações – dados da pesquisa – Trabalho de campo
Esta seção tem por objetivo evidenciar uma mostra das entrevistas realizadas
com oito professoras que aplicaram a Provinha Brasil, na 4ª edição, período de 2010, de
duas escolas da rede municipal de ensino de Porto Alegre, com vistas a analisar os
efeitos dessa avaliação em suas práticas pedagógicas. O estudo caracteriza-se como
qualitativo com foco descritivo-analítico.
A pesquisa foi realizada em duas escolas da Rede Municipal de Ensino de Porto
Alegre. Uma localizada na região leste da cidade, em uma zona periférica, de
vulnerabilidade social (Escola A) e outra localizada na região sul, em uma zona de
classe baixa (Escola B). A seleção das escolas deu-se pelo fato de uma delas ser a minha
escola de atuação docente e a outra ter solicitado participação da pesquisadora em
formação com os professores dos anos iniciais, via serviço de supervisão escolar.
Os critérios para seleção de professores participantes das entrevistas foram
organizados de acordo com três critérios: a) a professora ou o professor serem os
professores referência das turmas; b) terem sido os aplicadores da Provinha Brasil e c)
aceitarem participar da entrevista.
As entrevistas foram realizadas individualmente com cada professor, em seus
locais de trabalho, sendo gravadas em áudio. De caráter semiestruturado, as seguintes
8
questões foram feitas aos professores: inicialmente foi perguntado o tempo de atuação
nas classes de 2º ano e a formação. Posteriormente, as impressões sobre a Provinha
Brasil, a partir das seguintes questões: a avaliação aplicada prioriza a leitura ou a
escrita? O que é avaliado tem relação com o trabalho realizado com os alunos? Você
considera que seus alunos estão no nível de leitura exigido na avaliação? Quais os
efeitos desse instrumento avaliativo em sua prática docente? As entrevistas ocorreram
no período de novembro e dezembro de 2010. Totalizam para a análise cinco
entrevistas, quatro gravadas em áudio – uma da escola A e três da Escola B e uma
entrevista sem gravação em áudio (Escola A), pois a professora não permitiu. Três
entrevistas não foram realizadas devido a disponibilidade de tempo das professoras e
pesquisadora, sendo duas da Escola A e uma da Escola B..
Os dados das entrevistas serão analisados em uma perspectiva discursiva,
considerando as respostas como práticas sociais e culturais, uma vez que não vermos o
discurso como tradutor da realidade, mas constituindo linguagem. O discurso será
analisado como prática social, pois como atores sociais, nós estamos continuamente nos
orientando em contextos interpretativos em que nos encontramos e construímos nosso
discurso. E como prática cultural, por ser circunstancial, marcado pelo tempo, pelo
espaço e pelos atores que a constituem (GIL, 2002).
A análise qualitativa dos dados de pesquisa está organizada em dois eixos:
Gestão e aplicação da Provinha Brasil – transgressões das práticas docentes. E Gestão
e aplicação da Provinha Brasil – narcisismos nas práticas docentes. Os termos
transgressão e narcisismo foram criados como categoria de análise inspirados no título
do presente Seminário (6º Seminário Brasileiro de Estudos Culturais em Educação/3º
Seminário Internacional de Estudos Culturais em Educação). No eixo: Gestão e
aplicação da Provinha Brasil – transgressões das práticas docentes, o uso do termo
transgressão serve para evidenciar a “infração”, o atravessamento da gestão escolar aos
discursos relacionados à lógica do mercado quando a prática docente retrata avanços na
aplicação da Provinha Brasil. E no eixo: Gestão e aplicação da Provinha Brasil –
narcisismos nas práticas docentes, o uso do termo “narcisismo” objetiva evidenciar o
quanto algumas práticas docentes focam para uma perspectiva teórica de trabalho, a
crítico social, criando um apartheid pedagógico em relação à aplicação desse
instrumento avaliativo.
9
Destaco que o termo “gestão” foi incluído em razão de o processo docente estar
imbricado no modo como a supervisão escolar mediou à aplicação da Provinha Brasil,
nas duas escolas da referida pesquisa, refletindo nas práticas docentes.
A seguir apresento, então, a análise das entrevistas.
Gestão e aplicação da Provinha Brasil – transgressões das práticas docentes
Para iniciar a análise, destaco que embora reconheça como as políticas
oficiais do Brasil são propostas tendo como uma das referências os imperativos de
organismos internacionais e a relação desses mecanismos de avaliação com o controle
de indicadores de eficiência esses não serão aspectos colocados em evidência na análise.
Nessa seção, discuto algumas evidências obtidas a partir da entrevista realizada
com os três professores da Escola B. Dos três professores entrevistados, duas
professoras (professora A e professora B) e um professor (professor C), todos tinham
formação no ensino superior e cursos de especialização em nível de pós-graduação. O
professor possuía mestrado e estava terminando o doutoramento. As duas professoras
tem longa experiência docente com os anos iniciais, principalmente em classes de
alfabetização, entre 14 e 16 anos de docência. Já o professor, apresenta sua atuação
maior nos anos finais e ensino médio, devido a sua graduação em Letras. Tem em média
também 16 anos de atuação docente. Desde 2009 trabalha como professor de linguística
na Universidade Federal de Ciências da Saúde, no curso de fonoaudiologia. Em razão
de sua atuação no Ensino Superior, de modo a estabelecer relações entre teoria e prática,
o professor iniciou no ano de 2010 sua atuação com o segundo ano do 1º ciclo, sendo
sua primeira experiência com esse ano ciclo.
Uma das evidências a serem destacadas para a análise é a compreensão do
caráter diagnóstico da Provinha Brasil, entre os entrevistados. Todos os três professores
consideraram que o instrumento avaliativo Provinha Brasil era útil para que
percebessem o que estavam enfatizando e seus alunos conseguiam avançar e o que
necessitavam rever, pois não estavam enfatizando e seus alunos demonstravam
dificuldades. É relevante, conforme já dito, o papel mediador da supervisora escolar
Vejamos o que dizem alguns professores: “(...) a gente conversou/a gente fez umas
coisas interessantes de vê mais ou menos as turmas/Vê que nas turmas a gente tem
10
essas disparidades/ que é legal/ (...) houve movimento de reflexão/ eu acho que a gente
precisa fechar com esses resultados agora no conselho de classe pra planeja pro ano
que vem né/ (...)”. (Professor C); “Esse ano tá bem melhor. (...) a supervisora mapeou
como as turmas foram/nos apresentou/ apresentou a prova. Agora tá bem mais
concreto/ tu pode vê aluno por aluno/ nós mandamos inclusive na entrega de avaliação
como foi cada aluno como foi cada aluno/ o que tiveram mais dificuldade”. (Professora
A).
Outro aspecto evidente foi a identificação por parte dos professores da presença
de gêneros textuais e seus portadores na avaliação realizada, destacando-se o letramento
escolar.
Nesse sentido, observo que os entrevistados destacam aspectos condizentes com
os documentos orientadores da Provinha Brasil quanto ao caráter diagnóstico do
instrumento avaliativo
É importante ressaltar mais uma vez, que os resultados da Provinha
Brasil serão utilizados na composição do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica – IDEB. O desejável é que ela seja utilizada com o intuito
de orientar as ações políticas e pedagógicas que poderão, em conjunto com
outras iniciativas, melhorar os índices apresentados até o momento. [...] Ela
foi concebida a partir do pressuposto de que uma avaliação da fase inicial da
alfabetização pode trazer para o professor e para o gestor da escola
informações que podem contribuir para o aperfeiçoamento e a reorientação
das práticas pedagógicas. (BRASIL, 2010c, p.5).
E a análise, divulgação e utilização dos resultados pelos professores
Para que a Provinha Brasil alcance os objetivos para os quais foi proposta, é
necessário que o professor e seus colegas [...] comuniquem os resultados aos
pais, para incentivar o acompanhamento do aluno, orientando-o sobre como
fazê-lo [...]. (BRASIL, 2010c, p. 7).
Assim sendo, parece evidente não haver, por parte dos professores, uma rejeição
ao trabalho de aplicação, análise, divulgação e utilização de resultados por parte dos
professores. Isso, no entanto, não os tolhe de críticas ao instrumento avaliativo, pelo
contrário as apontam de forma contundente. Vejamos o que dizem: “(...) eram diversos
textos que colocaram, né/ tinham coisas que eram meio subjetivas assim para eles/ (...)a
gente prepara para aquela pergunta mais direta, né/(...) tinha coisa ali que eles tinham
que lê no mínimo duas vezes “(Professora A); “ Acho que os alunos ganhariam com
menos textos e questões/ então nesse sentido/ é onde tu nota que eles começam a errá;/
e parte desses erros é porque estão cansados também(...)” (Professor C).
11
A lógica reflexiva em relação a Provinha Brasil dos professores entrevistados da
Escola B destaca, de certo modo, uma transgressão ao modo de olhar as avaliações
externas, no caso Provinha Brasil, uma vez que dão visibilidade a reflexão e não apenas
à crítica, permitindo ouras perspectivas de análises ao instrumento avaliativo.
Gestão e aplicação da Provinha Brasil – narcisismos nas práticas docentes
Nessa seção, discuto algumas evidências obtidas a partir da entrevista realizada
com as duas professores da Escola A. As duas professoras entrevistadas (professora D e
professora E) tinham formação no ensino superior na área da educação, somente uma
das professoras - professora D - tinha curso de especialização em nível de pós-
graduação na área da educação. As duas professoras tem longa experiência docente com
os anos iniciais, principalmente em classes de alfabetização, entre 12 e 14 anos de
docência. A professora D possui também experiência na Educação Infantil.
Destaco que ambas as professoras reconheceram a Provinha Brasil como um
instrumento avaliativo diagnóstico de seus trabalhos, contudo destacando que não há
necessidade dessa avaliação para o diagnóstico de aprendizagem dos alunos
alfabetizandos. Devido a sua experiência nos estudos psicogenéticos a professora D
aponta a aula entrevista 11proposta pelo GEEMPA12, como uma possibilidade de análise
diagnóstica dos alfabetizando de forma mais precisa.
A professora E também menciona como a avaliação dos níveis de escrita pelo teste
das quatro palavras e uma frase é pertinente para o diagnóstico da aprendizagem escolar
dos alfabetizandos relacionadas à escrita. Para a professora E não há necessidade de
mais uma avaliação.
11 A Prova Ampla ou Aula Entrevista é um instrumento utilizado para testar alunos das turmas envolvidas
com a didática geempiana na alfabetização. Apresentado inicialmente nos cursos de especialização do
GEEMPA, no início de 2003. 12 Grupo de Estudos sobre o Ensino de Matemática em Porto Alegre (GEEMPA) –, foi fundado há 37
anos por um grupo de 50 professores que estavam preocupados com a reformulação do ensino de
matemática em Porto Alegre. Por volta de 1979, começou a se voltar para o problema da aprendizagem de
classes populares, centrando os estudos na área da alfabetização. Isso levou o GEEMPA a alterar seu
nome para Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação, em 1982, iniciando um
projeto sobre a construção de uma proposta didática de alfabetização para crianças de classes populares
vinculada aos estudos de Ferreiro e Teberosky (1999) – portanto, à epistemologia genética piagetiana
(KURTZ, 1989).
12
Tal posicionamento das professoras D e E apontam a sustentação teórica e prática
das mesmas no que concerne o modo de organizar o trabalho pedagógico sobre a leitura
e a escrita em bases psicogenéticas. Tradição de práticas muito presentes nessa rede de
ensino, conforme Mello (2012). A entrevista das professoras dá visibilidade ao discurso
do construtivismo pedagógico, como prática naturalizada no ambiente escolar
(DAL’IGNA, 2007) e, nesse sentido narcísea.
As entrevistadas destacam, ainda, o caráter meritório das avaliações externas,
salientando o aspecto da mensuração dos resultados. Nesse sentido, observo uma certa
transgressão, mas também um pensamento narcísico, a partir de metanarrativas criadas e
inventadas pela pedagogia psicogenética.
Considerações finais
A análise das entrevistas, nesse momento, tem me possibilitado pensar algumas
questões sobre a aplicação da Provinha Brasil e as diferentes formas de gerenciar essa
política pública avaliativa e suas implicações pedagógicas no âmbito da gestão escolar,
dando voz aos professores. Procurei, assim, nesse estudo, mostrar como o discurso da
avaliação educacional tem construído posições de docentes que se sustentam em
determinadas concepções de alfabetização, ora ocupando a posição de transgressores
dos discursos pedagógicos hegemônicos, ora ocupando posição de guardiões desses
discursos.
Referências
DAL’IGNA, Maria Claúdia. Currículo, conhecimento e processos de in/exclusão na
escola. In: LOPES, Maura Corcini; DAL’IGNA, Maria Claúdia. In/exclusão: nas tramas
da escola. Canoas: Editora da ULBRA, 2007. P. 35-48.
FREITAS, Dirce Nei Teixeira. A Avaliação da Educação Básica no Brasil. Campinas:
Autores Associados, 2007.
GILL, Rosalin. Análise de discurso. In: BAUER, Martin W. e GASKELL, George.
Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2002.
13
KURTZ, Adriana. Alfabetizar: uma proposta nada tradicional. Jornal da
Alfabetizadora. Porto Alegre, Editora KUARUP/PUC-RS, n. 2, p. 3, abr. 1989.
PEREIRA, Lucciani Gonçalves; MELLO, Darlize Teixeira de. Bom desempenho na
Provinha Brasil – Município de Porto Alegre: o que dizem os alunos. In: Revista Linha
Mestra. Ano VIII. Nº 24. Campinas, SP: ALB, (jan./jul/2014). P. 2071-2076.
MELLO, Darlize Teixeira de. Provinha Brasil (ou “provinha de leitura”?): mais “uma
avaliação sob medida” do processo de alfabetização e “letramento inicial?”.402 f. 2012.
Tese (Doutorado em Educação), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2012.
Fontes Consultadas
BRASIL. Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos
Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e Linguagem. Secretaria de
Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, 2007.
______. Provinha Brasil: passo a passo. Teste 1. Brasília: MEC/INEP, 2008a.
______. Provinha Brasil: passo a passo. Teste 1. Brasília: MEC/INEP, 2009a.
______. Provinha Brasil: passo a passo. Teste 1. Brasília: MEC/INEP, 2009b.
______. Provinha Brasil: passo a passo. Teste 1. Brasília: MEC/INEP, 2010a.
______. Provinha Brasil: passo a passo. Teste 2. Brasília: MEC/INEP, 2010b.
______. Provinha Brasil: reflexões sobre a prática. Teste 1. Brasília: MEC/INEP,
2010c.
______. Provinha Brasil: passo a passo. Teste 1. Brasília: MEC/INEP, 2011a.
______. Provinha Brasil: passo a passo. Teste 2. Brasília: MEC/INEP, 2011b.
______. Provinha Brasil: guia de correção e interpretação dos resultados. Teste 1.
Brasília: MEC/INEP, 2011c.
______. Provinha Brasil: guia de correção e interpretação dos resultados. . teste 1.
Brasília: MEC/INEP, 2011d.