provÁvel oonglomerado de base no ... - socgeol.org · a matriz destas rochas é, em geral,...

16
PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO PREOÂMBRICO SUPERIOR DE PORTUGAL POR FRANCISCO GONÇALVES Investigador da Universidade de Lisboa Como hipótese de trabalho admitimos que a série xisto- -grauváquica das Beiras tem como conglomerado de base, essen- cialmente, um conglomerado fino, com aspecto porfiróide, às vezes, muito. metamorfizado. A rocha, nalguns pontos, passa late- ralmente a conglomerado grosseiro. . A formação conglomerática observa-se desde a fronteira de Esperança, no Alto Alentejo, prolongando-se, para leste, pelo terri- tório do país vizinho e, para noroeste, até perto de Figueiró dos Vinhos; sendo coberta, em grande extensão, pelos depósitos ceno- -antropozóicos da bacia do Tejo. É interrompida, junto da estação de Portalegre, pela grande mancha de granito tectonizado de Por- talegre, que a recorta e metamorfiza em vários pontos, bem como a série xistenta que lhe sucede. Foram observadas, em lâmina delgada C), rochas com fácies textural do tipo «porfiróide», das regiões de Portalegre e de Tomar. São rochas conglomeráticas, muito deformadas e recrista- lizadas. Entre os elementos há materiais de composição gra- nítica, ou .afim, e outros provàvelmente de natureza xistenta, além de grãos piroxénicos que podem provir de rochas eruptivas básicas. A existência de material granítico revela-se q\ler pela (!) Estudo realizado por C. T. ASSUNÇÃO.

Upload: lamdan

Post on 11-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO PREOÂMBRICO SUPERIOR DE PORTUGAL

POR

FRANCISCO GONÇALVES Investigador da Universidade de Lisboa

Como hipótese de trabalho admitimos que a série xisto­-grauváquica das Beiras tem como conglomerado de base, essen­cialmente, um conglomerado fino, com aspecto porfiróide, às vezes, muito. metamorfizado. A rocha, nalguns pontos, passa late-ralmente a conglomerado grosseiro. .

A formação conglomerática observa-se desde a fronteira de Esperança, no Alto Alentejo, prolongando-se, para leste, pelo terri­tório do país vizinho e, para noroeste, até perto de Figueiró dos Vinhos; sendo coberta, em grande extensão, pelos depósitos ceno­-antropozóicos da bacia do Tejo. É interrompida, junto da estação de Portalegre, pela grande mancha de granito tectonizado de Por­talegre, que a recorta e metamorfiza em vários pontos, bem como a série xistenta que lhe sucede.

Foram observadas, em lâmina delgada C), rochas com fácies textural do tipo «porfiróide», das regiões de Portalegre e de Tomar. São rochas conglomeráticas, muito deformadas e recrista­lizadas. Entre os elementos há materiais de composição gra­nítica, ou .afim, e outros provàvelmente de natureza xistenta, além de grãos piroxénicos que podem provir de rochas eruptivas básicas. A existência de material granítico revela-se q\ler pela

(!) Estudo realizado por C. T. ASSUNÇÃO.

SGP
Referência bibliográfica
Boletim da Sociedade Geológica de Portugal, Vol. XVII, Fasc. I, 1969-70.
Page 2: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

110

abundância de pertites (e de albite) quer pela presença de clastos mistos, com feldspatos alcalinos, quartzo e biotite. A natureza eruptiva de muitos clastos é, aliás, demonstrada pela corrosão que alguns oferecem e pela euédria, às vezes reconhecível a despeito da deformação sofrida.

N as regiões em que os elementos do conglomerado são gros­seiros (às vezes de dimensões apreciáveis), estes podem apresen­tar-s,e quer em concentrações, quer dispersos numa matriz argilo gresosa, xistificada. Pode observar-se este aspecto, perto da povoa­ção de Urra, a sul de Portalegre. Os elementos, fàcilmente desta­cáveis da matriz, são, essencialmente, de natureza quartzítica (quartzitos esbranquiçados e negros); há, também, calhaus de quartzo, lidito, metavulcanito ácido, xisto, feldspato, etc.

A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo­-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores de moscovite), biotite e mais raramente clorite. A biotite apresenta-se, às vezes, lixiviada, com perda da forte coloração habitual. Nalguns casos, a matriz é dominantemente quartzo­-feldspática.

É de assinalar a orientação dos elementos da matriz nos diferentes exemplares estudados, a qual se pode traduzir por simples lineação. A deformação e o esmagamento afectaram, portanto, a rocha conglomerática; muitos clastos têm carácter fragmentário. Um aspecto estrutural interessante consiste no envol­vimento de clastos por faixas estiradas e encurvadas de minerais filíticos. Semelhante dispositivo pode observar-se também no mate­rial conglomerático grosseiro, onde é visível, às vezes, a não c01nci­dência do diâmetro maior dos clastos com os planos de xistosidade.

Os minerais acessórios da matriz do conglomerado são: zircão, magnetite e outros óxidos metálicos (como ilmenite) e calcite que ocorre associada a clastos pertíticos.

Nem sempre é evidente o carácter sedimentar da formação conglomerática. Em muitos pontos a rocha não apresenta· os ele­mentos bem definidos e o carácter metamórfico é muito acentuado ultrapassando o tipo epizonal. O conglomerado foi em grande parte granitizado.

Seguidamente, referimo-nos ao enquadramento geológico do material conglomerático, descrevendo sucintamente os seus prin-

Page 3: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

III

cipais afloramentos integrados, na maior parte, no Precâmbrico (Z) das edições das cartas geológicas de Portugal nas escalas de 1/500000 e de 1/1000000.

Em toda a extensão a assentada conglomerátíca (às vezes bastante espessa, sobretudo no vale do Tejo) repousa em discor­dância sobre os xistos com liditos do Precâmbrico superior, equiva­lentes da «Série negra». Ao conglomerado, com aspecto seme­lhante ao «Olho de sapo» da Galiza, sobrepõem-se, nalguns pontos, arcoses (região da Urra) às quais sucede assentada espessa de grau­vaques, seguida de xistos cinzentos azulados, parcialmente clori­tizados, luzentes em determinadas regiões e, noutras, simplesmente argilosos, alternantes sempre com grauvaques. No conjunto, esta­mos em presença de «flysch» xisto-grauvacoso com intercalações de natureza diversa (calcários, quartzitos, xistos anfibólicos, conglo­merados, etc.), situadas em níveis diferentes da série comummente designado por Complexo xisto-grauváquico ante-ordovícico por sobre ele assentar, em discordância, o conglomerado de base do Ordovícico.

Citemos agora os principais afloramentos do conglomerado com aspecto porfiróide, incluídos no Precâmbrico (Z).

No Alto Alentejo a rocha conglomerática prolonga-se desde o monte do Cavaleiro (a norte da estação de Portalegre) até para lá de Esperança (Arronches) onde a faixa respectiva cruza a fronteira.

A faixa principal repete-se, por dobramento, entre Outeiro do Alho e Vale das Abertas e, a leste de Esperança, onde é ladeada por cristas quartzíticas do Ordovícico. É acompanhada em quase toda a extensão (até Nave Fria) pela série xisto-gresosa superior, bem como a leste de Esperança. A assentada conglo­merátioa foi desligada em diversos pontos por fracturas com orientação N-S, NW-SE e NE-SW. Como se disse, o granito de Portalegre recorta e metamorfiza as referidas faixas,' aflorando, às vezes, no meio delas, como acontece junto do monte da Fadagosa.

Outra faixa de rocha conglomerática observa-se a sul de Ouguela. Aí, o conglomerado, tal camo noutros lugares, contacta discordantemente com a «Série negra» do Precâmbrico superior. Nesta região estão representados, embora mal, os xistos do «flysch» xisto-grauvacoso. Aqui, não é o' Ordovícico que repousa em dis-

Page 4: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

I

li II i;

I 12

cordância sobre o Complexo xisto-grauváquico, mas sim o Câm­brico de Ouguela, estrutura sindinal na série precâmbrica.

As séries precâmbrico-câmbrico-ordovícicas estão invertidas, isto é, a «Série negra» tomba sobre o Complexo xisto-grauváquico e este, por sua vez, sobre os tenenos ordovícicos. A orientação geral das referidas séries, na região, é WNW-ESE.

O leito conglomerático prolonga-se para noroeste, cruzando o rio Tejo, em Alvega.

30km ,--------,,------,'

N

1

SANTARÉM

,

1~

2[2] 3_ 4LSJ

~ Estremot

Repartição da "Série negra» (3),' conglomerado de base (2), e cflysch:o xisto-grauva­coso (I), com diversas falhas (4); segundo. levantamentos de C. TEIXEIRA e do autor

(região do Alto Alentejo).

Na regtao de Tomar, na sérieprecâmbrica, xistenta, com intercalações de quartzitos negros, liditos e calcários, série equiva­lente da «Série negra», há. lllIl sinclinal cujo núcleo é preenchido

Page 5: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

pelo' conglomerado de base .elo Complexo -xisto-grauváquico. Por dobramento, a assentada conglomerática :repete-se em dobras anti­elinais, no núeleo das quais há xistos da «Série negra» que na região apresenta grande desenvolvimento.

Ao conglomerado seguem-se xistos cinzentos, em geral,.luzen­tes, que contactam a nordeste, por falha, com os xistos do Ordo-, . VlClCO.

O conglomerado basal e os xistos que se lhe sobrepõem, são interrompidos, do lado noroeste, por falhas com orientação NE-SW e ENE-WSW. O conglomerado está, nalguns pontos, granitizado, apresentando-se, às vezes, também silicificado; por exemplo, junto de Figueira Redonda a ESE do lugar da Serra.

Na estrada que passa no Sardoal, vinda de Abrantes, obser­va-se um corte no Complexo xisto-grauváquico; estando, a sul da vila, representado o conglomerado, mais ou menos graniti­zado, também com zonas silicificadas. Para nordeste do Sardoal ocorrem xistos que se sobrepõem ao conglomerado, com inter­calações de grauvaques que se observam na trincheira da estrada, entre aquela vila e Venda Nova. Nos xistos, com orientação NW-SE, instalaram-se filões muito espessos de pórfiros graníticos que os metamorfizaram, originando no contacto xistos mosqueados. Filões da mesma natureza ocorrem também nos terrenos do Ordovícico.

Na estrada de Mouriscas para Abrantes, um corte na série xisto-grauváquica permite observar aspectos similares aos anteriores, tanto no conglomerado basal como nos xistos que lhe sucedem. No conglomerado, embora granitizado, reconhece-se o carácter detrítico, por conter frequentes calhaus de quartzito negro.

Um corte a sul do rio Tejo, ainda dentro da grande mancha que se estende até perto de Tomar, permitiu verificar a existência de sucessão litológica semelhante e a mesma inversão das séries.

No leito da ribeira situada junto e a oeste de Alvega, obser­va-se o conglomerado granitizado. A leste de Areia de Baixo há janelas de conglomerado nos depósitos de terraços do rio Tejo, particularmente desenvolvidos nesta margem do rio.

Na janela principal, a rocha granitizada e alterada não permite a identificação como conglomerado. Noenta,nto, numa pequena janela, mais a sul, há aspectos que não deixam dúvida sobr,e o carácter detrítico; além disso, há continuidade de uma rocha a

Page 6: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

114

outra, estMldo os respectivos afloramentos no prolongamento sueste dos atrás citados.

Com o conglomerado, inicia-se a série xisto-grauváquica a que, como em Urra, sucedem grauvaques que contêm fragmentos de quartzo e de quartzito negro. Os xistos têm a mesma direcção (NW-SE) que o conglomerado, inclinando ambos para sudoeste.

A série xistenta, com largo desenvolvimento para nordesfe, constitui a mancha mais extensa do Complexo xisto-grauváquico das Beiras, de que se observa um belo corte ao longo do vale do Tejo.

Para noroeste, na estrada de Águas Belas para Tomar, há uma pedreira abandonada numa lentícula de conglomerado. É uma rocha com elementos ligeiramente maiores que no conglomerado normal, que lembra as rochas de Casa Branca (Alvega) e de Urra (Porta­legre). . Continuando para norte, observa-se a mancha de conglomerado de Ferreira do Zêzere. A rocha ocorre a leste da vila e, para oeste, observam-se os xistos e grauvaques que lhe sucedem. Esta m(\!ncha foi compartimentada por falhas que põem as rochas do Complexo em contacto com terrenos ordovícico-silúricos.

Um corte na serra de Santa Catarina, de Águas Belas para ocidente, mostra ;a seguinte sucessão: conglomerado fino assente sobre xistos luzentes, micaxistos e gnaisses migmatíticos da «Série negra». As séries têm a mesma orientação que anteriormente (NW-SE), inclinando, no entanto, para nordeste. Nesta região, não se apresentam, portanto, invertidas.

A mancha de Ferreira do Zêzere está desligada relativamente à de Paio Mendes (atribuídas ao Precâmbrico Z) em virtude de uma falha arqueada que se segue de Venda da Serra até Cruz dos Canastreiros. Os terrenos ordovícico-silúricos associados, foram também atingidos pelo desligamento. Em relação com a fractura, são nítidos os desvios de direcção, sobretudo nos terrenos ordo­vícícos.

O compartimento de Paio Mendes tem, como é óbvio, a mesma constituição litológica; no entanto, está mais dobrado, repetindo-se alternadamente o conglomerado e os xistos que lhe sucedem. Assim, há duas faixas de conglomerado e o mesmo número de faixas xistentas.

Page 7: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

Mais para norte, na serra da Arega,- junto de Alqueidão dos Justos, há uma faixa de conglomerado basal (atribuída também ao Precâmbrico Z), isolada nos terrenos ordovícicos, contactando, provàvelmente, por falha, do lado noroeste, com depósitos do Reciano. Esta faixa situa-se perto da extremidade sul da mancha precâmbrica (Z) de Aguda-Arega, numa zona complexa do ponto de vista tectónico; atingida, principalmente, por fracturas NW-SE que parecem condicionar também os terrenos recianos.

O gabro de Ral parece recortar o conglomerado da mancha de Paio Mendes; no entanto, o grau de alteração da rocha não permite apreciar a naturez,a dos contactos tanto com aquele, como com os depósitos do Reciano que parecem, no entanto, cobri-lo em discordância.

A mancha de Aguda-Arega é constituída, em grande parte também, por conglomerado com aspecto porfiróide. O corte da estrada que parte, um pouco a N de Cabaços, para Figueiró dos Vinhos, mostra a rocha conglomerática, profundamente alterada; no entanto é possível observá-la, em blocos soltos, na povoação de Carreira e reconhecer a sua natureza detrítica. Nalguns pontos, parece que se intercalam, no conglomerado, leitos de grauvaques.

O corte na estrada que segue ao longo da ribeira Pequena (linha de água muito encaixada) e que conduz a Figueiró dos Vinhos, passando a sul de Aguda, é mais elucidativo, sobretudo na trincheira da estrada, cortada reoentemente, para al.argamento, na Cova da Salga. Neste local é bem evidente o carácter conglo­merático da rocha, em grande parte granitizada, para norte do rio Tejo;

Há calhaus de grandes e pequenas dimensões, dispersos na matriz micro conglomerática, de diferente natureza; os mais abun· dantes são de quartzito, grauvaque e xisto; alguns elementos estão mal individualizados em virtude de a rocha constituinte ter sido também granitizada com a matriz. Os elementos geralmente bem rolados, apr,esentam-se, com frequênóa, estirados, nem sempre se dispondo segundo os planos de xistosidade.

Os xistos luzentes que lhe sucedem, com grauvaques em faixas alternanbes, são cortados pela mesma estrada, 500 m a SE do t>

lugar de Olival, a sudoeste de Aguda.

Page 8: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

u6

A mancha da Agrida-Arega é a mais setentrional, constituída por conglomerado que admitimos ser a base do Complexo xisto­-grauváquico. Para norte dela, nas manchas precâmbricas (Z), só afloram os xistos que lhe são superiores.

A grande mancha do Precâmbrico Z, situada a leste de Coim­bra é constituída por xistos luzentes, com grauvaques em faixas alternantes, com orientação NNW-SSE, com inclinações variáveis, parecendo predominar, no entanto, as inclinações para nordeste,

Nalguns pontos observam-se leitos de grauvaques dobrados pela xistosidade predominante, que, nalguns casos observados, é uma clivagem de crenulação. Sl coincide, em geral, com a estra­tificação.

Na estrada de Miranda do Corvo para Lubases há um corte recente na série xisto-grauváquica. Os xistos apresentam os mesmos caracteres litológicos do que os que se sobrepõem ao conglomerado basal, estando, além disso, no seu prolongamento.

Na estrada desta vila para Coimbra, os xistos e os grauvaques observam-se até perto de Lamas, onde são cobertos em discordância pelos depósitos do Reciano.

A estrada de Coimbra para Penacova passando por Eiras, Brasfemes, Granja e Figueira de Lorvão, atravessa a mancha de xistos cinzentos, luzentes, com grauvaques também cinzentos, em faixas alternautes. Em Mata de Maxial, passa-se bruscamente destes xistos luz entes a xistos argilosos com grauvaques semelhantes aos anteriores; estes, às vezes, em faixas espessas, como é comum no «flysch» xisto-grauvacoso.

A série xistenta, atribuída ao Precâmbrico (Z) por Nery Delgado, parece ser da mesma idade da série que a ladeia, a leste, atribuída pelo mesmo autor ao Complexo xisto-grauváquico e dela separada por falha bem visível nalguns pontos. As séries, dispostas lado a lado, apresentam o mesmo tipo de sedimentação ( «fl ysch» xisto-grauvacoso) apenas se diferenciando pelo grau de metamorfismo regional. A fractura. citada seria responsável pela ,existência, lado a lado, de rochas da mesma formação e idade situadas a profundidades diferentes aquando das acções metamórficas que as atingiram. Aliás, dentro do Complexo xisto-grauváquico, há faixas com grau de metamorfismo regional

Page 9: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

117

diferente. Um corte de Coimbra para oriente, passando por S. Antó­nio dos Olivais, Casal do Lobo, Cova do Ouro, Dianteiro e Cara­pinheira, mostra os mesmos aspectos já observados nos xistos luzentes da mancha do Precâmbrico (Z). Em Carapinheira, obser­va-se a passagem brusca aos xistos argilosos do Complexo. Há, por­tanto, a nosso ver, apenas um limite metamórfico, mas não geo­lógico.

Os xistos luzentes, tal como os da mancha de Anadia (assina­lados também no Precâmbrico Z) têm abundante quartzo de exsudação. Esta mancha tem constituição litológica semelhante à anterior; também não se diferencia, localmente, da mancha do Complexo xisto-grauváquico.

CONCLUSÕES

As manchas ora descritas, estão, como se disse, todas incluídas, excepto a de Portalegre, na última edição da carta geológica de Portugal, na escala de 1/1000000, no Precâmbrico assinalado com a letra Z, juntamente com o Precâmbrico superior repr,esen~ tado pela série equivalente da «Série negra». Sea nossa hipótese inicial se confirmar, elas devem ser integradas no conjunto assina­lado na mesma carta com a letra (X) que, na Legenda, é atribuída ao Complexo xisto-grauváquico ante-ordovícico.

No «flysch» xisto-grauvacoso que constitui o complexo citado há, segundo cremos, terrenos do Precâmbrico superior e terrenos câmbricos.

A provável base do Complexo assenta, como foi dito, em discordância sobre Precâmbrico superior (Precâmbrico III) cons­tituído por xistos negros e grauvaques, em faixas alternantes, com intercalações de quartzitos negros, liditos, caLcários, metarcoses, xistosanfibólicos e metavulcanitos ácidos que, às vezes, ~e lhes aSSOCIam.

Os granitos tectonizados que ocorrem na «Série negra» são granitos circunscritos com aspecto estratiforme. As gr3initizações ter-se-Íam dado em estruturas dobradas como o atesta a orientação

Page 10: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

II8

das intercalaçôes de anfibolitos, calcários, quartzitos negros, etc., relíquias do soco primitivo.

No eixo Crato-Campo Maior há uma rocha cam aspecto de diorito que constitui um maciço estratiforme, provàvelmente sintec­tónico, apresentando a rocha foliação secundária.

A «Série negra» foi, recentemente, atribuída definitivamente ao Precâmbrico superior, em virtude dos depósitos da base do Câm­brico bem datado (representado pelas manchas de Elvas, Assumar e Ouguela) , cobrirem em discordância a referida série. Portanto o Complexo xisto-grauváquico ante-ordovícico é pós-série negra. Aliás, são frequentes nos conglomerados do Complexo elementos arrancados a este soco precâmbrico (liditos, quartzitos, metavul­canitos, etc.).

O facto dos depósitos da base do Câmbrico de Ouguela assen­tarem em discordância sobre rochas que atribuímos, provisoriamente, ao Complexo xisto-grauváquico, como anteriormente se disse, prova a existência neste, de terrenos do Precâmbrico superior (Precâm­brim IV). Aliás, já W. FRICKE (1951) tinha encontrado elemen­tos do conglomerado do Complexo (rochas porfiróides) no con­glomerado basal do Câmbrico (<<Série de Sotillo»).

O conglomerado intraformacional do Complexo xisto-grauvá­quico parece ser o equivalente do conglomerado interestratificado do topo do Câmbrico de Elvas.

A existência de raras intercalações de calcário, no Complexo xisto-grauváquico, largamente representado no Câmbrico inferior, parece indicar apenas l+ma simples variação lateral de fácies devida a condições paleogeográficas particulares. Aliás, a presença de lingulídeos (fósseis que, se admite, só serem conhecidos a partir do Câmbrico) vem corroborar a hipótese de estarem também representados, no Complexo, terrenos desta idade.

Do Complexo xisto-grauváquico apenas podemos atribuir, com segurança, idade precâmbrica superior (talvez Precâmbrico IV), ao seu provável conglomerado de base. Este, poderia ser equiva­lente da formação «Olho de sapo» da Galiza. A série xisto-grau­váquica que lhe sucede é, em parte, de idade câmbrica. Admitimos a hipótese de poder estar, também, representado, pelo menos, o Acadiano.

Page 11: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

119

BIBLIOGRAFIA

Bouyx, E. (1970) - Contribution a 1'étude des formations ante-ordovi­ciennes de la Meseta meridionale (Ciudad Real et Badajoz). Mem. Inst. Geol. Min. Espana. VoL 73, 263 p. Ma,drid.

FRICKE, W. (1951) - Die Geologie des Grenzgebietes zwischen nor­dõstlicher si erra Morena und Extremadura. Z. Deutseh. Geol. Ges. Voi. 103, pp. 136-138. Hanover.

GONÇALVES, F. {1970) - O conglomerado intmformacional do Gâmbrico de Elvas. BoI. Mus. Lab. Miner. Geol. Fac. Ciêne. Lisboa. Voi. 11, Fase. 2, pp. 247-250. Lisboa.

PONOAL, L P. et aI. (1964) - Introduction a la géologie de 1'«0110 de Sapo». Formation porphyroide antesiluriennedo Nord Ouest de l'Espagne. Notas y Comtmieaciones. Voi. 76: pp. 119-153. Madrid.

RIBEIRO, A. (1968) - Problemes paléogéographiques et tectoniques. du Nord du PortugaL Intemational Geologieal Congresso Report oi the Twenty-Third Session Czeehoslovakia 1968. Praga.

RIBEIRO, A. & REBELO, J. A. (1969) - Problemes stratigraphiques et tectoniques de Trás-os-Montes OrientaL Com. Servo Geol. Portugal. Voi. 53: 101-105. Lisboa.

SCHERMERHORN, L. J. G. (1956) - The age Df the Beira schists (Por­tugal). BoI. Soe. Geol. Portugal. Vai. 12, Fase. 1-2, pp. 7;-'-100. Porto.

TEIXEIRA, C. (1955) - O complexo xisto-grauváquico ante-ordoviciano. Lisboa, 50 p.

TEIXEIRA, C. (1966) - A evolução do território português no decurso dos tempos geológicos. Palestra. RevÍJta de Pedagogia e Cultura. Voi. 28, pp. 111-157. Lisboa. '

TEIXEIRA, C. & GONÇALVES, F. (1967) - Novos elementos acerca do Câmbrico do Alentejo. BoI. Aead. Ciêne. Lisboa. Nova série, Voi. 39, Fase. 3, pp. 161-163. Lisboa.

TEIXEIRA, C. et aI. (1964) - La faune de Lingulellinae des formations anteordO'Viciennes de Marão. BoI. Soe. Geol. Portugal. Vol. 15, Fasc. 2, pp. 117-122. Lisboa.

Page 12: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores
Page 13: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

F RA NCIS CO GOl\ÇALYES - Provável c()11glomerado de base no Pl'ecâmbrico EST. I

superior de Portugal

Fig. 1 - Aspecto do provávd con glo merado de base do Complexo xisto-grau v.áquico, perto da povoação da Urra (Po rtalegre) . Nota'r a disposição desordenada dos elementos

na matriz, às vezes, conglomerado fino .

Fig. 2 ~ Outro a s p~cto 'do ' conglomerado, mos,trando .os elementos orientados 'segundo 'a xistosidade 52"

Boi, da Soe. Geai, de p o,·tugal, Vol. XVII, 1969

Page 14: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

F RANCISCO GONÇALVES - Provável conglomerado de base no PrecâmbYlco EsT. superior de Portugal

Fig. 1 - Outro aspecto do conglomerado, de elementos grosseiros dispersos na matriz quartzo -filí tica .

Fig. 2 - Leito conglomerático, com elementos estirados de quartzito, lidito, grauvaque, etc. No mesmo local das figuras anteriores_

Page 15: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

FRANCISCO G ONÇALVES - Provável conglomerado de base no Precâmbrico E ST. III

superior de Portugal

fig. 1 - P rovável conglomerado basa l, a ENE da Estação de Portalegre (Monte Bonito).

fi g. 2 - Outro aspecto do conglomerado fino, do mesmo local da fig. 1 (Est. III) .

B oi. da Soco Geol, de P ortugal, Vol. XVII, 1969

Page 16: PROVÁVEL OONGLOMERADO DE BASE NO ... - socgeol.org · A matriz destas rochas é, em geral, essencialmente quartzo-filítica. As filites compreendem sericite (ou mesmo lâminas maiores

,FtR.ANCrSC O G Ol' ÇALVES - Proi;ável conglomerado de base no Precâmbrz'co ESl

superior di! Portugal

Fig. 1 - Conglomerado com aspecto porfiróide, a 2 km a NNE de Monte da Boa Vista,

Ouguela (Campo Maior).

Fig. 2 - A rocha conglomerática a ENE da .Estação do C. F. de Portalegre (Mont!! BOrjito). •. • ~ __ • .~. "'I