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Orações Relativas em Português — interação entre sintaxe e discurso — Projeto de invesgação para avaliação do curso de formação avançada, integrado no ciclo de estudos conducente ao grau de doutor em Linguísca Tema: Candidata: Rita Veloso Orientação: Professora Doutora Maria Manuela Furtado Ambar Coorientação: Professor Doutor Eduardo Paiva Raposo Ramo de Conhecimento: Linguísca Especialidade: Linguísca Portuguesa UNIVERSIDADE DE LISBOA | FACULDADE DE LETRAS | DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA GERAL E ROMÂNICA

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Orações Relativas em Português— interação entre sintaxe e discurso —

Projeto de investigação para avaliação do curso de formação avançada, integrado no ciclo de estudos conducente ao grau de doutor em Linguística

Tema:

Candidata: Rita Veloso

Orientação: Professora Doutora Maria Manuela Furtado Ambar

Coorientação: Professor Doutor Eduardo Paiva Raposo

Ramo de Conhecimento: Linguística

Especialidade: Linguística Portuguesa

UNIVERSIDADE DE LISBOA | FACULDADE DE LETRAS | DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA GERAL E ROMÂNICA

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Os materiais que agora se submetem a avaliação compreendem duas unidades distintas:

– Na primeira parte, encontra-se o capítulo «Subordinação relativa», incluído na Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian. Neste capítulo descrevem- se detalhadamente as propriedades desta construção em português, as características dos vários pronomes relativos e os diferentes subtipos de estruturas relativas. A versão aqui incluída corresponde às provas tipográficas submetidas a revisão final, pelo que poderá haver ligeiras diferenças entre este documento e a versão impressa, e exibe todas as características de formatação daquela obra, incluindo as opções cromáticas e a numeração de páginas.

– Na segunda parte, Identificação e justificação dos temas em análise, sistematizam--se algumas regularidades observadas durante a investigação realizada até ao presente, descritas não só nesse capítulo, mas também no capítulo «Adjetivo e sintagma adjetival», da mesma obra, ou mesmo em pequenos trabalhos anteriores, regularidades essas que conduziram a uma seleção de temas em análise na tese de doutoramento em curso, dentro do vasto conjunto de propriedades envolvidas nas estruturas relativas.

Esta divisão justifica as diferenças de formatação dentro deste documento, tornando-se clara a transição de textos.

PREÂMBULO

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Veloso, R. (2013), «Subordinação relativa»in E. PaiVa RaPoso, M. F. BacelaR do NascimeNto, M. A. coelho da mota, L. seguRa da cRuz e A. meNdes (orgs.), Gramática do Português, Vol. ii, Fundação Calouste Gulbenkian,

pp. 2059-2134.

PRIMEIRA PARTE

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39 SUBORDINAÇÃO RELATIVA 2061 39.1 Propriedades gerais das orações relativas 2063 39.1.1 Natureza explícita ou implícita do antecedente 2066 39.1.2 Orações relativas restritivas e orações relativas apositivas 2067 39.1.3 Orações relativas de nome e orações relativas de frase 2069 39.2 Constituintes relativos e pronomes relativos 2070 39.2.1 Propriedades dos constituintes relativos 2072 39.2.2 Constituintes relativos em estruturas complexas de subordinação 2074 39.2.3 Propriedades gerais dos pronomes relativos 2076 39.3 Pronomes relativos 2081 39.3.1 Que 2081 39.3.2 O que 2085 39.3.3 Quem 2089 39.3.4 O qual 2090 39.3.5 Cujo 2097 39.3.6 Quanto 2099 39.3.7 As pro-formas onde, como e quando 2101 39.3.7.1 Onde 2102

39.3.7.2 Como 2105

39.3.7.3 Quando 2107

39.4 Valores discursivos das orações relativas de nome restritivas e apositivas 2109 39.5 O antecedente das orações relativas de nome 2115 39.6 Orações relativas de antecedente implícito 2118 39.6.1 Propriedades do antecedente implícito 2118 39.6.2 Conformidade categorial 2121 39.7 Adjacência entre a oração relativa e o seu antecedente 2126 39.8 Orações relativas não canónicas 2127 39.8.1 Orações relativas com estratégia cortadora 2128 39.8.2 Orações relativas com estratégia de pronome de retoma 2129 Fontes das abonações 2133

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39 SUBORDINAÇÃO RELATIVAAs orações relativas mais típicas modificam um nome ou um grupo nominal den-tro de um sintagma nominal complexo, como se ilustra em (1) (coloca -se a oração relativa em itálico, o SN complexo entre parênteses retos e sublinha -se o nome ou o grupo nominal modificado)1:

(1) a. [Os chocos que eu comi ontem] estavam estragados. b. [Alguns alunos do primeiro ano aos quais o professor entregou o exame] ainda

não saíram.

As orações relativas têm a mesma função semântica dos adjetivos qualificativos (cf. os chocos congelados estavam estragados, os alunos marrões do primeiro ano ainda não

saíram), sendo por essa razão chamadas, na tradição gramatical, orações adjetivas. Essa função consiste em atribuir uma propriedade adicional ao conjunto denotado pelo nome ou grupo nominal modificado e, desse modo, restringir esse conjunto (cf. Cap. 20). Assim, em contextos discursivos apropriados, a oração relativa em (1a) restringe o conjunto dos chocos àqueles que o falante comeu no dia anterior e a oração relativa em (1b) restringe o conjunto dos alunos do primeiro ano àqueles a quem o professor entregou o exame. Deste modo, tal como os adjetivos qualifica-tivos, as orações relativas do tipo exemplificado em (1) contribuem para a delimi-tação do conjunto dentro do qual se identifica o referente do sintagma nominal2: ao ouvir, p.e., o sintagma nominal de (1b), alguns alunos do primeiro ano aos quais

o professor entregou o exame, o ouvinte sabe que o falante menciona um grupo de indivíduos que pertencem à interseção do conjunto definido pela propriedade ‘ser aluno do primeiro ano’ com o conjunto definido pela propriedade ‘ter recebido o exame do professor’.

1 Recorde -se que o grupo nominal é um constituinte interno ao sintagma nominal, caracterizado por conter o nome, os seus complementos e os seus modificadores (no caso de estes existirem), e por excluir os espe-cificadores, i.e., os determinantes e os quantificadores (cf. Cap. 20). Nesse sentido, o nome chocos, numa frase como os chocos estavam estragados, ainda que não seja modificado (ou complementado), constitui só por si um grupo nominal, tal como alunos do primeiro ano, que contém um modificador, numa frase como os alunos do primeiro ano ainda não saíram. As orações relativas do tipo de (1a) têm, pois, a propriedade geral de modificarem um grupo nominal, seja ele simples, complementado e/ou modificado. Para simpli-ficar a exposição, no entanto, nestes casos continuamos a dizer que a oração relativa modifica um nome.2 Nem todos os tipos de orações relativas têm esta propriedade (cf. 39.1.2).

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As orações relativas pertencem ao grande grupo das orações subordinadas, jun-tamente com as orações completivas (cf. Caps. 36 e 37) e com as orações adverbiais (cf. Cap. 38). No entanto, possuem propriedades formais que as distinguem dos outros tipos. Considerem -se, assim, as frases em (2), nas quais o sintagma nominal entre parênteses contém diferentes tipos de orações, colocadas em itálico:

(2) a. [Os livros que eu comprei em Paris] eram sobre política. b. [O receio (de) que o chamassem ao quadro] fez o João detestar as aulas. c. [A chegada dos caçadores antes que o lobo comesse o Capuchinho Vermelho]

foi o que o salvou.

Em (2a), a oração em itálico é um modificador do nome (cf. Cap. 20), servindo para restringir o conjunto dos livros àqueles que eu comprei em Paris: trata -se, portanto, de uma oração relativa com valor adjetival.

Em (2b), a oração em itálico é um argumento do nome receio, equivalente ao com-plemento direto oracional que ocorre com o verbo relacionado: o João receava que o cha-

massem ao quadro: trata -se, portanto, de uma oração completiva de nome (cf. Cap. 36).Em (2c), a oração em itálico introduz uma circunstância que caracteriza a

situação global da chegada dos caçadores; a mesma oração ocorre quando essa situação é descrita por uma frase, em vez de um sintagma nominal: cf. os caçadores

chegaram antes que o lobo comesse o Capuchinho Vermelho: trata -se, portanto, de uma oração adverbial (cf. Cap. 38).

Tal como as orações completivas e as adverbiais, consideramos que a oração relativa se encontra incluída numa oração subordinante: em (1) e (2a), respetiva-mente os chocos [-] estavam estragados, alguns alunos do primeiro ano [-] ainda não

saíram e os livros [-] eram sobre política (“[-]” assinala a posição de “encaixe” da oração relativa)3.

Contrariamente às orações completivas, que só podem ocorrer com substanti-vos que as selecionem, as orações relativas podem modificar qualquer substantivo, visto que praticamente todos eles aceitam modificação adjetival.

Como qualquer outro modificador do nome, as orações relativas fazem parte do sintagma nominal que tem como núcleo o nome modificado: em (1) e (2a), o sintagma nominal entre parênteses retos. Tal facto pode ser comprovado por se poder proceder à substituição desse SN, incluindo a oração relativa, por um pronome pessoal: cf. eles estavam estragados, eles ainda não saíram e eles eram sobre política (cf. Cap. 23)4. Por esse motivo, considera-se que esse sintagma nominal funciona igualmente como estrutura subordinante da oração relativa.

Este capítulo organiza -se do seguinte modo: em 39.1 apresentam -se as proprie-dades gerais das orações relativas, bem como aspetos particulares que permitem estabelecer diferentes subclasses; em 39.2 são discutidos os conceitos de constituinte relativo e de pronome relativo, mostrando que devem ser claramente distinguidos numa análise correta das orações subordinadas relativas; em 39.3 descrevem -se por-

3 Nestes exemplos (e na maioria dos exemplos apresentados no decorrer deste capítulo), a oração subor-dinante corresponde à oração principal da frase complexa, visto não estar subordinada a nenhuma outra.4 Os pronomes pessoais são sintagmas nominais. A possibilidade de substituir uma sequência por um pronome pessoal constitui, pois, uma prova do estatuto de SN dessa sequência; nos casos em que o SN é o sujeito da frase, como nos exemplos em discussão, o pronome toma a forma nominativa.

39 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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menorizadamente as propriedades sintáticas e semânticas de cada um dos pronomes desta classe; em 39.4 examina -se o valor discursivo das orações relativas de nome restritivas e apositivas; 39.5 centra -se nos constituintes que podem funcionar como antecedente das orações relativas de nome; em 39.6 referem -se algumas proprieda-des das orações relativas com antecedente implícito; em 39.7 aborda -se a questão da adjacência linear entre o antecedente da oração relativa e a oração relativa; por fim, em 39.8 descrevem -se algumas orações relativas marginais na norma -padrão, mas muito produtivas em registos menos formais.

Propriedades gerais das orações relativasUma propriedade importante que caracteriza e individualiza as orações relativas é serem introduzidas por um constituinte que contém obrigatoriamente um ele-mento pronominal de determinado tipo – um pronome relativo. O pronome relativo pode ser uma palavra simples, como que em (1a), ou um grupo mais com-plexo (a que se chama também locução relativa), como o qual em (1b) (na sua variante de masculino e plural; cf. 39.3.4)5. Para além de assegurar formalmente a relação de subordinação (no que tem uma função semelhante à de uma conjunção--complementador – cf. Cap. 11.1.2.1), a função do pronome relativo consiste em retomar dentro da oração relativa o grupo nominal modificado (chocos e alunos do

primeiro ano, respetivamente). Por esse motivo, ao grupo nominal modificado pela oração relativa chama -se o antecedente do pronome relativo, ou, informalmente, o antecedente da oração relativa.

Nesse sentido, as frases complexas de (1), com uma oração relativa, podem ser representadas através de uma relação particular entre duas estruturas frásicas inde-pendentes6, que correspondem à oração principal e à oração relativa, e nas quais aparece repetido o grupo nominal modificado (ou seja, o antecedente)7. Assim, (1) corresponde aos seguintes pares (assinala -se por “PR” a estrutura que representa a oração principal e por “REL” a estrutura que representa a oração relativa):

(3) a. Os chocos [-] estavam estragados. [PR] b. Eu comi [que chocos] ontem. [REL]

(4) a. Alguns alunos do primeiro ano [-] ainda não saíram. [PR] b. O professor entregou o exame [a os quais alunos do primeiro ano]. [REL]

Nas representações de (b), o pronome relativo (que e os quais, respetivamente) funciona como um especificador do grupo nominal repetido, sem, no entanto, introduzir qualquer valor referencial novo relativamente ao especificador da oração principal (sobre este ponto, cf. Caixa [2] e 39.2.3).

5 Em (1b), a locução relativa está contida num sintagma preposicional cujo núcleo é a preposição a (cf. 39.2). Por conveniência, utilizamos frequentemente no texto o termo “pronome” também para as locuções relativas.6 A estrutura frásica que corresponde à oração relativa não é uma frase gramatical da língua, mas sim, apenas, uma representação das suas propriedades gramaticais “subjacentes” (cf. também a Caixa [2]). A discussão que se segue é feita em função das propriedades específicas de que e o qual, sofrendo algumas variações com os restantes pronomes relativos (cf. 39.3).7 Não são apenas nomes que podem ser modificados por orações relativas, mas também frases (cf. 39.1.3). Para simplificar a exposição neste ponto, mencionamos aqui apenas o caso da modificação de um nome.

PROPRIEDADES GERAIS DAS ORAÇÕES RELATIVAS 39.1

39.1

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Sobre estas representações, aplica -se um processo de elipse (cf. Cap. 45) que apaga o grupo nominal repetido na estrutura REL, por ser idêntico formalmente ao antecedente na estrutura PR. Usando a convenção da rasura para representar a elipse, as estruturas REL resultantes desse processo são as exemplificadas em (5c) e (6c) (para facilitar a leitura, repetem -se (3) e (4)):

(5) a. Os chocos [-] estavam estragados. [PR] b. Eu comi [que chocos] ontem. [REL] c. Eu comi [que chocos] ontem. [REL]

(6) a. Alguns alunos do primeiro ano [-] ainda não saíram. [PR] b. O professor entregou o exame [a os quais alunos do primeiro ano]. [REL] c. O professor entregou o exame [a os quais alunos do primeiro ano]. [REL]

Em (5c) e (6c), as formas que e os quais passam a representar todo o sintagma nominal (entre parênteses retos), incluindo o grupo nominal elíptico, funcionando, portanto, como uma pro -forma (cf. Cap. 23) equivalente a todo esse sintagma nominal8.

Seguidamente, o pronome relativo é obrigatoriamente “deslocado” para o início da estrutura REL (em (6c), necessariamente acompanhado da preposição a), como se ilustra em (7d) e (8d)9:

(7) a. Os chocos [-] estavam estragados. [PR] b. Eu comi [que chocos] ontem. [REL] c. Eu comi [que chocos] ontem. [REL] d. que eu comi _ ontem. [REL]

(8) a. Alguns alunos do primeiro ano [-] ainda não saíram. [PR] b. O professor entregou o exame [a os quais alunos do primeiro ano]. [REL] c. O professor entregou o exame [a os quais alunos do primeiro ano]. [REL] d. [aos quais] o professor entregou o exame _. [REL]

Finalmente, a estrutura REL é “inserida” na estrutura PR, na posição assinalada por “[-]”10:

(9) a. Os chocos [que eu comi _ ontem] estavam estragados. b. Alguns alunos do primeiro ano [aos quais o professor entregou o exame _]

ainda não saíram.

A todo o processo que se inicia em (3) -(4) e termina em (9), chama -se relati-

vização.

8 Ainda que as formas que e o qual sejam aqui tidas como especificadores (relativos), continuamos a chamar -lhes “pronomes” (relativos). Sobre o funcionamento pronominal dos especificadores em geral, cf. Cap. 23.9 Ou seja, é todo o sintagma preposicional que contém o pronome relativo (incluindo a preposição intro-dutória) que é deslocado para o início da estrutura REL. Em (d), deixamos de assinalar o grupo nominal elíptico, mas representa -se através de um espaço em branco sublinhado a posição “prévia” do pronome relativo (e da preposição que o antecede, em (8)), correspondente à função do sintagma nominal ou do sintagma preposicional na estrutura REL, respetivamente de complemento direto em (7b,c) e de comple-mento indireto em (8b,c).10 Regra geral, na língua portuguesa, a oração relativa ocorre numa posição adjacente (ou contígua) ao antecedente, mas existem casos em que isso não acontece (cf. 39.7).

39.1 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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[1] Sobre este modo de conceber as frases com orações relativas, veja -se Chomsky (1966), que adota uma ideia da linguística cartesiana, nomeadamente dos gramáticos de Port -Royal (cf. Arnauld e Lancelot 1660 e Cordemoy 1668), segundo a qual a lin-guagem assenta em dois planos: o da significação e o da forma. A estas duas facetas, Chomsky dá o nome de estrutura profunda e estrutura de superfície. Para os gramáti-cos de Port -Royal, a primeira é uma estrutura abstrata subjacente, puramente mental, que determina a interpretação; em contrapartida, a segunda determina a organização superficial das unidades linguísticas e relaciona -se com a forma concreta do enunciado. Para construir uma frase a partir da estrutura profunda, aplicam -se determinadas regras (chamadas “transformacionais”, na terminologia de Chomsky 1966). Para uma dada construção, essas regras podem variar de língua para língua ou mesmo dentro da mesma língua. Por exemplo, para os gramáticos de Port -Royal, a frase latina video

canem currentem, a francesa je vois un chien qui court ou a portuguesa vejo um cão a

correr são diferentes estruturas de superfície, construídas a partir da mesma estrutura proposicional abstrata, com uma proposição essencial ou principal e uma proposição acidental ou secundária; o predicado da proposição acidental é expresso em latim por um particípio presente, em francês por uma oração relativa e em português por uma oração infinitiva preposicionada (sobre esta construção, cf. Cap. 37).

Em (7) e em (8), o constituinte que contém o grupo nominal repetido tem dife-rentes funções gramaticais nas estruturas frásicas que correspondem à oração prin-cipal e à oração relativa. Na estrutura PR (7a), chocos está integrado num sintagma nominal com a função de sujeito e, na estrutura REL (7b), chocos está integrado num sintagma nominal com função de complemento direto; por sua vez, na estrutura PR (8a), alunos do primeiro ano está integrado num sintagma nominal que é sujeito e, na estrutura REL (8b), num sintagma preposicional que é complemento indireto na oração relativa. O antecedente pode desempenhar qualquer função gramatical na oração principal e o pronome relativo (ou o constituinte que o contém) pode também desempenhar qualquer função gramatical na oração relativa (cf. 39.2).

[2] O leitor poderá estranhar que se considerem os pronomes relativos que e o qual como especificadores sem valor referencial na estrutura subjacente que corresponde à oração relativa. Esta estranheza, no entanto, pode ser atenuada se aceitarmos que as formas que e qual que ocorrem nas orações relativas são as mesmas que ocorrem nas orações interrogativas. Ora, nestas, o seu estatuto como especificador (determi-nante) é perfeitamente explícito em exemplos como [que livro] leste? ou e [quais calças] é que preferes?, onde também não possuem qualquer valor referencial (visto que é precisamente esse valor que se procura obter através da pergunta). Outro indício que contribui para a plausibilidade deste estatuto é o facto de, antigamente, a locução relativa o qual poder ser explicitamente usada como especificador dentro da oração relativa, como em alguns alunos do primeiro ano, aos quais alunos o professor entregou

o exame, ainda não saíram. Este exemplo é construído e soará porventura estranho aos ouvidos de um falante atual da língua, mas casos semelhantes estão atestados em períodos anteriores e, ocasionalmente, na produção linguística atual (cf. Caixa [12]).

As estruturas REL (b) de pares como (3) e (4) costumam ser apresentadas na literatura tradicional (e não só) com um especificador independente (i.e., que não é a forma relativa) a introduzir o grupo nominal repetido. Por exemplo, a frase em (ia) seria parafraseada pelas duas frases simples (iia) e (iib) ((iib) em vez de [que minhas

irmãs] vivem na Alemanha, que seria o equivalente ao que se tem em (3b) e (4b)):

(i) As minhas irmãs que vivem na Alemanha são ricas.(ii) a. As minhas irmãs são ricas. [PR] b. As minhas irmãs vivem na Alemanha. [REL]

PROPRIEDADES GERAIS DAS ORAÇÕES RELATIVAS 39.1

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A frase (i), no entanto, não é equivalente à conjunção das duas frases simples (iia) e (iib). O artigo definido plural num sintagma nominal sujeito veicula a ideia de que o predicado da frase se aplica a todos os membros do conjunto definido por esse sintagma nominal (cf. Cap. 22). Em (iia), assere -se que são ricas todas as irmãs do falante, e em (iib), que vivem na Alemanha todas as irmãs do falante. Ora, aquilo que se exprime em (i) não é a conjunção destas duas proposições. Em (i), exprime -se que são ricas todas as pessoas que são simultaneamente irmãs do falante e que vivem na Alemanha, mas não se diz que essas são as únicas irmãs que o falante tem. Pelo contrário, de (i) infere -se que o falante tem mais irmãs que não vivem na Alemanha e que poderão ser ou não ricas. Da frase com a oração relativa não se infere, pois, nem que todas as irmãs do falante são ricas nem que todas vivem na Alemanha, contrariamente à inferência que se obtém da conjunção de (ia) e (ib).

Visto de outro modo, em exemplos com uma oração relativa (restritiva), esta contribui de modo crucial para a identificação do referente do sintagma nominal (na medida em que introduz uma nova propriedade que o caracteriza), mas não introduz nenhum referente independente. Por isso se conclui que, num sintagma nominal com uma oração relativa, existe apenas um especificador com valor referencial autónomo, que é aquele que introduz o antecedente (sobre esta questão, à qual voltamos em 39.4, cf. Kayne 1994 e Bianchi 1999).

A oração relativa, o seu antecedente e o especificador do antecedente (determi-nante ou quantificador) formam um sintagma nominal, ao qual chamamos cons-

trução relativa. A construção relativa está assinalada entre parênteses retos em (1) e (2a). Apresenta -se em (10) a estrutura completa da construção relativa das frases do paradigma (1) (SN = sintagma nominal, GN = grupo nominal e Or rel =  oração relativa):

(10) a. [SN Os [GN chocos [Or rel que eu comi ontem]]] estavam estragados. b. [SN Alguns [GN alunos do primeiro ano [Or rel aos quais o professor entregou o

exame]]] ainda não saíram.

Repare -se que a oração relativa está contida no mesmo grupo nominal que contém o antecedente, visto que, do ponto de vista semântico, quer a oração relativa quer os modificadores preposicionais (como do primeiro ano) quer ainda o nome nuclear introduzem propriedades que caracterizam o referente do sintagma nominal. Ou seja, em (10a), o grupo nominal é toda a sequência chocos que eu comi ontem e, em (10b), o grupo nominal é toda a sequência alunos do primeiro ano aos quais o professor

entregou o exame. Deste modo, quando dizemos que o antecedente da oração relativa é um grupo nominal, isso deve ser entendido de modo informal: na realidade, o antecedente é a parte do grupo nominal anterior à oração relativa.

As orações relativas descritas até aqui são as mais características da língua. Exis-tem outros tipos, com algumas propriedades diferentes, que discutimos de seguida.

Natureza explícita ou implícita do antecedenteNalguns casos, o antecedente do pronome relativo está implícito, ou seja, não é foneticamente representado. Considerem -se os seguintes exemplos:

(11) a. Eu elogiei [SN alguém que fez os trabalhos de casa]. b. Eu elogiei [quem fez os trabalhos de casa].

39.1.1 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.1.1

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Em (11a), a oração relativa tem um antecedente explícito (i.e., foneticamente representado) – o pronome indefinido alguém11; em contra partida, em (11b), a oração relativa não tem qualquer antecedente “visível”. No entanto, a pre-sença, neste exemplo, do pronome relativo quem (que possui o traço semântico [+humano]; cf. 39.3.3) permite identificar um antecedente com esse traço na frase complexa. Por esse motivo, defende -se que existe neste exemplo (e noutros similares) um sintagma nominal implícito equivalente a alguém, i.e., contendo o traço [+humano], mas não foneticamente representado, que se assinala através de “[-]” em (12):

(12) Eu elogiei [SN [-] [quem fez os trabalhos de casa]].

Às orações relativas descritas até aqui, excluindo (11b), dá -se o nome de ora-

ções relativas com antecedente explícito; às do tipo de (11b), dá -se o nome de orações relativas com antecedente implícito12.

A diferença entre as duas frases de (11) está relacionada com o valor referencial da construção relativa entre parênteses retos, ou seja, em última instância, com o valor referencial do pronome alguém e do seu equivalente implícito13: em (11a), esse sintagma nominal tem um valor específico, podendo a frase ser continuada identificando -se uma determinada pessoa ou pessoas; p.e., elogiei o Zé ou elogiei o

Zé e a Paula; neste caso, pode ter havido mais indivíduos a fazer os trabalhos, sem ter sido alvo de elogio. Em contrapartida, em (11b), o sintagma tem um valor não específico (cf. Cap. 22), de sentido universal, equivalente à proposição ‘elogiei todos aqueles, quem quer que sejam, que fizeram os trabalhos de casa’.

Orações relativas restritivas e orações relativas apositivasOutra grande divisão que se estabelece dentro das orações relativas tem que ver com a relação que estas estabelecem com o seu antecedente. Esta relação pode ter diferentes características prosódicas, sintáticas e semânticas.

As orações relativas podem estar integradas em construções relativas que consti-tuem um só grupo sintático e prosódico14. Nestes casos, não existe qualquer rutura, sintática ou melódica, entre o antecedente e a oração relativa. Ou seja, neste tipo de estrutura, as orações relativas pertencem ao mesmo sintagma nominal que o nome modificado e são modificadores desse nome (cf. Cap. 20). A frase (13a) exemplifica este tipo de oração relativa.

Em alternativa, as orações relativas podem formar um grupo sintático e pro-sódico autónomo, que se destaca do restante material (precedente) do sintagma nominal complexo. Essa independência prosódica e sintática é convencionalmente representada na escrita através do ladeamento por vírgulas, travessões ou parênteses. A frase (13b) ilustra este tipo de oração relativa:

11 Na realidade, o antecedente é o traço [+humano] contido neste pronome, que corresponde à propriedade retomada na oração relativa (cf. 39.2.3 e 39.6.1).12 Estas orações são também chamadas orações relativas livres ou orações relativas sem antecedente e, nalguns casos, orações substantivas relativas na Nomenclatura Gramatical Portuguesa (1967).13 Mais concretamente, depende do valor referencial da parte destes dois pronomes que corresponde ao especificador (cf. Cap. 23).14 Recorde -se que a construção relativa é o sintagma nominal que contém a oração relativa, o seu antece-dente e um especificador (p.e., em (1a), os chocos que eu comi ontem).

PROPRIEDADES GERAIS DAS ORAÇÕES RELATIVAS 39.1.2

39.1.2

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(13) a. [Os gatos da minha vizinha que vêm cá a casa] não gostam de bofe. b. [Os gatos da minha vizinha] [, que vêm cá a casa,] não gostam de bofe.

Ora, estas diferenças prosódicas e sintáticas implicam igualmente distinções semânticas. Em construções do tipo de (13a), como vimos em 39.1, a oração relativa introduz uma propriedade (neste caso, a de ‘vir cá a casa’) que restringe o conjunto denotado pela sequência gatos da minha vizinha àqueles que vêm cá a casa15. Na situação descrita em (13a), infere -se que a vizinha do falante tem gatos que não vão a casa dele (e que podem gostar ou não de bofe). Estas ora-ções relativas são, pois, modificadores restritivos do nome e chamam -se orações

relativas restritivas.Em contrapartida, em exemplos do tipo de (13b), o determinante e o grupo

nominal que antecede a oração relativa (os gatos da minha vizinha) formam um sintagma nominal autónomo com valor referencial próprio. Ou seja, neste tipo de construções, a oração relativa não contribui para a identificação do referente. Essa identificação, de facto, é estabelecida exclusivamente pelo sintagma nominal que precede a oração relativa e a oração relativa não faz mais, neste caso, do que introduzir um comentário, uma propriedade adicional, acerca do referente pre-viamente identificado, os gatos da minha vizinha. Na situação descrita por (13b), não se infere que a vizinha do falante tenha outros gatos que não vão a casa dele. Pelo contrário, veicula -se fortemente a ideia de que todos os gatos da vizinha vão. Estas orações relativas têm propriedades típicas dos apostos (cf. Caps. 20 e 27) e chamam -se orações relativas apositivas (também orações relativas não restritivas ou orações relativas explicativas).

Decorrente desta diferença semântica entre os dois tipos de orações relativas, a natureza do seu antecedente também é diferente. Nas orações relativas restritivas, o antecedente, como vimos (cf. 39.1), é apenas a parte do grupo nominal que precede a oração, excluindo o especificador. Assim, p.e., em (13a), o antecedente é apenas gatos da minha vizinha; em contrapartida, nas orações relativas apositivas, o ante-cedente é um sintagma nominal autónomo e completo, plenamente referencial, que precede a oração, ou seja, inclui o especificador; em (13b), p.e., o antecedente da oração relativa apositiva é o SN os gatos da minha vizinha16.

Uma oração relativa apositiva e o seu antecedente (um SN) constituem grupos autónomos, mas formam em conjunto um sintagma nominal mais abrangente, através de uma ligação de natureza paratática, típica dos apostos, a qual se traduz num grau de integração mais ‘frouxo’ da oração relativa nesse constituinte mais abrangente (cf. Cap. 34). Tomando como exemplo (13b), a estrutura completa da construção relativa é a seguinte:

(14) [SN [SN Os gatos da minha vizinha] [Or rel que vêm cá a casa]] não gostam de bofe.

15 Note -se que da minha vizinha também é um constituinte que restringe a denotação de gatos e que é a este subconjunto de entidades (“gatos da minha vizinha”) que se vai aplicar a nova restrição veiculada pela oração relativa.16 Consequentemente, nas orações relativas apositivas, os pronomes relativos funcionam como verda-deiros “pró -SN” (cf. Cap. 23) e não como especificadores de um grupo nominal elíptico, já que retomam a totalidade do sintagma nominal antecedente, incluindo o seu valor referencial, e não apenas o grupo nominal nele contido.

39.1.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2069

Por fim, importa salientar que as orações relativas com antecedente implícito (cf. (11b)) são sempre restritivas, uma vez que constituem o único material que constrói a referência do sintagma nominal em que estão integradas.

[3] As frases complexas com uma oração relativa apositiva são equivalentes à conjunção

de duas frases simples, correspondendo à oração principal e à oração relativa, nas quais

(contrariamente ao que sucede nas relativas restritivas; cf. Caixa [2]) os equivalentes

quer do antecedente quer do material repetido na oração relativa são introduzidos por

especificadores referenciais. Neste caso, o sintagma nominal repetido na estrutura que

corresponde à oração relativa é anafórico com o sintagma nominal antecedente. Por

exemplo, (13b) é equivalente à conjunção das duas frases simples (ia) e (ib):

(i) a. Os gatos da minha vizinha não gostam de bofe.

b. Os gatos da minha vizinha vêm cá a casa.

Orações relativas de nome e orações relativas de fraseOutra distinção nas orações relativas prende -se com a classe do antecedente: este pode ser nominal ou frásico (mas cf. 39.3.6, para uma terceira possibilidade); por conseguinte, distinguem -se as orações relativas de nome e as orações relativas

de frase. As orações relativas apresentadas até agora são orações relativas de nome, incluindo a oração relativa com antecedente implícito de (11b), visto que permite reconstruir um antecedente implícito com propriedades nominais. O seguinte exemplo contém uma oração relativa de frase:

(15) As pessoas continuam a procurar as grandes cidades, o que causa desertificação rural.

Em (15), o pronome relativo o que (uma locução relativa; cf. 39.1) tem como antece-dente (ou seja, retoma) a oração precedente, as pessoas continuam a procurar as grandes

cidades. Por esse motivo, a oração relativa de (15) é equivalente à frase indepen-dente em (16), na qual a oração antecedente, adaptada gramaticalmente à função de sujeito desempenhada pelo pronome relativo, ocorre como oração completiva:

(16) As pessoas continuarem a procurar as grandes cidades causa desertificação rural.

As orações relativas de frase têm como antecedente a frase completa retomada pelo pronome relativo. Assim, p.e.,

As orações relativas de frase são sempre apositivas. A razão pela qual não podem ser restritivas deve -se, plausivelmente, ao facto de as frases não referirem entidades do universo discursivo, logo, não poderem ser modificadas por orações cuja fun-ção, em última instância, consiste precisamente em restringir o espaço denotativo a partir do qual se identifica um referente.

[4] Algumas estruturas frásicas infinitivas que modificam um nome apresentam seme-

lhanças semânticas com as orações relativas restritivas, chegando a ser classificadas

como tal17. As semelhanças devem -se a também estas orações funcionarem como

modificadores restritivos de um nome e a também nelas existir uma posição onde se

pode reconstruir um antecedente (ou seja, existe uma função não representada por

17 Cf. Chomsky (1977) e Huddleston e Pullum (2002).

PROPRIEDADES GERAIS DAS ORAÇÕES RELATIVAS 39.1.3

39.1.3

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2070

material linguístico explícito, que permite reconstruir um constituinte que retoma o nome modificado; este funciona, pois, como um antecedente). Esta posição, representada em (i) pelo espaço em branco sublinhado, corresponde ao sujeito dessa estrutura em (ia) – cf. o aluno apagar o quadro –, ao complemento direto em (ib,d,e) – cf., por exemplo, dar um cão ao meu sobrinho – e a um adjunto adverbial locativo em (ic) – cf. observar as charoletas num lugar:

(i) a. Preciso de um aluno para _ apagar o quadro. b. No Dia do Animal, adotei um cão para dar _ ao meu sobrinho. c. Encontrei um bom lugar para observar as charoletas _. d. Eles têm muitas bocas a alimentar _. e. Ele tornou -se, sem dúvida, num alvo a abater _.

No entanto, nestas estruturas não ocorre nenhum pronome relativo, responsável simultaneamente pela relação de subordinação e pela reconstrução do antecedente, sendo a relação de subordinação assegurada pelas preposições para ou a.

Estas orações infinitivas são geralmente substituíveis por orações relativas restriti-vas, como se ilustra em (ii). No entanto, o resultado nem sempre é equivalente, sendo necessário, nuns casos, ajustar valores modais e temporais (cf. (iie)) e perdendo -se por vezes o valor de finalidade induzido pela oração infinitiva preposicionada, como em (iib). Ou seja, para se manter a semelhança semântica entre os dois tipos, é preciso fazer ajustes formais ou, inversamente, para se manter a semelhança formal, perdem-se valores semânticos:

(ii) a. Preciso de um aluno que _ apague o quadro. b. No Dia do Animal, adotei um cão que darei _ ao meu sobrinho. c. Encontrei um bom lugar donde observar as charoletas _. d. ?? Eles têm muitas bocas que alimentar _. e. Ele tornou -se, sem dúvida, num alvo que se terá de abater _.

Outra observação que se pode fazer prende -se com as frases (ic) e (iic): enquanto na oração relativa (iic) o pronome relativo é introduzido pela preposição de, a qual veicula a função semântica e gramatical associada ao nome lugar, reconstruído na oração relativa, na oração infinitiva a preposição não existe e essas funções são dadas implicitamente.

Note -se, por fim, que mesmo a frase (ia), que tem uma correspondente relativa (iia) que mantém a semelhança formal e de significado, não corresponde a um padrão claro e geral de correspondência entre modificadores relativos restritivos e modifica-dores infinitivos restritivos. Assim, p.e., em procuro um aluno que fale ucraniano, não se veicula o valor final existente em procuro um aluno para falar ucraniano; este par não tem as mesmas características do par (ia)/(iia) (para o português, o valor final de algumas orações relativas foi observado inicialmente por Lopes 1971).

Constituintes relativos e pronomes relativosUma característica geral das orações relativas é o facto de serem introduzidas por um constituinte que contém um pronome relativo, constituinte esse que desempenha uma função gramatical dentro da oração relativa. Dependendo dessa função e da função do pronome relativo, o constituinte relativo pode ser simples, consistindo apenas no pronome relativo, ou complexo, contendo mais material18.

18 A distinção entre o constituinte relativo e o pronome relativo (ou locução relativa) nele contido nem sempre é feita na literatura sobre orações relativas.

39.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.2

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2071

Quando o pronome relativo tem a função de sujeito (cf. (17a)) ou de comple-mento direto (cf. (17b)) da oração relativa, é o único elemento do constituinte relativo; neste caso, pronome e constituinte relativo não se diferenciam:

(17) a. O gato que roubou o peixe fugiu. (sujeito de roubou o peixe) b. O gato que eu vi na varanda é tigrado. (complemento direto de vi)

Para outras funções gramaticais, o pronome relativo está usualmente integrado num constituinte relativo que contém outros elementos. Num dos casos mais típicos, o pronome relativo está integrado num sintagma preposicional com a função de complemente direto, de complemento oblíquo ou de adjunto adverbial. Nesse caso, a preposição tem de ocorrer obrigatoriamente dentro do constituinte relativo, i.e., tem de preceder o pronome no início da oração relativa19, como se ilustra em (18) (nestes exemplos e em exemplos subsequentes, sublinha -se o constituinte relativo e coloca -se a oração relativa em itálico, a menos que se explicite alguma codificação distinta):

(18) a. O gato a que fizeste festinhas é meu. b. A proposta por que lutámos não foi aprovada. c. O hotel em que dormimos era muito antigo.

Em (18a), o constituinte relativo é um complemento indireto (tendo, por isso, como núcleo a preposição a); em (18b), o constituinte relativo é complemento oblíquo de lutar (tendo como núcleo por); e, em (18c), é um adjunto adverbial locativo (tendo como núcleo em).

Além destas possibilidades, o constituinte relativo pode ser um grupo ainda mais complexo, com o pronome relativo numa posição “subordinada”: em particular, pode ser (i) um sintagma nominal complexo com a função de sujeito (cf. (19a)) ou de complemento direto (cf. (19b)) da oração relativa; (ii) um sintagma nomi-nal complexo preposicionado, com função de complemento oblíquo (cf. (19c)), de adjunto adverbial (cf. (19d)) ou de complemento de nome (cf. (19e)); (iii) um constituinte de natureza oracional (cf. (19f)), neste caso com uma função adverbial dentro da oração relativa (cf. usei óleo de soja para fritar uns rissóis):

(19) a. O livro a capa do qual está rasgada é meu. b. Perdi o livro cujas páginas o meu filho riscou. c. Homenagearam os revolucionários por cujos ideais lutámos. d. Não conhecia a pessoa em casa de quem me hospedei. e. Os escritores de cujos livros eu li as críticas foram premiados. f. Não me saíram bem os rissóis para fritar os quais usei óleo de soja.

Nas frases de (17), o pronome relativo e o constituinte relativo, sendo coinci-dentes, têm, obviamente, a mesma função gramatical na oração relativa (de sujeito e de complemento direto, respetivamente). Em contrapartida, nos exemplos de (18) e (19), a função gramatical do pronome relativo é diferente da do constituinte rela-tivo. Nestes casos, é o constituinte relativo, e não o pronome relativo por si só, que

19 A obrigatoriedade de a preposição ser integrada no constituinte relativo chama -se pied -piping na literatura em inglês sobre as orações relativas (traduzido, por vezes, por “arrastamento da preposição”).

CONSTITUINTES RELATIVOS E PRONOMES RELATIVOS 39.2

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2072

desempenha uma função na oração relativa. Assim, p.e., em (18a), o complemento indireto é o constituinte relativo a que, e não apenas o pronome relativo que; e em (19b), é o constituinte relativo cujas páginas, e não o pronome relativo cujas, que desempenha a função de complemento direto da oração relativa.

O pronome relativo, por sua vez, desempenha uma função dentro do cons-tituinte relativo: de complemento da preposição em (18), de complemento ou modificador do nome em (19a -e) (respetivamente dos nomes capa, páginas, ideais, casa e livros) e de complemento direto de fritar em (19f).

Para facilitar a exposição que se segue, é conveniente distinguir, na estrutura das orações relativas, o constituinte relativo, que ocorre em posição inicial, do resto da oração, que contém a parte “proposicional” propriamente dita (excluindo assim o material que corresponde ao constituinte relativo). Ilustra -se essa bipartição nos seguintes exemplos, sublinhando o constituinte relativo, colocando em negrito a parte proposicional da oração relativa e assinalando -se com o espaço em branco sublinhado a posição que corresponde à função do constituinte relativo dentro da parte proposicional (as frases à direita são meramente exemplificativas dessa posição):

(20) a. Comprei uma tinta com a qual vou pintar a minha sala _. (cf. vou pintar

a minha sala com uma tinta) b. Finalmente li o livro a capa do qual o Pedro concebeu _. (cf. o Pedro con-

cebeu a capa de um livro)

Propriedades dos constituintes relativosAs orações relativas iniciam -se sempre com o constituinte relativo. Dependendo da sua função na oração relativa, este pode pertencer a várias classes: sintagma nominal (cf. (21a)), sintagma preposicional (cf. (21b)), advérbio (cf. (21c)), oração infinitiva (cf. (21d)), oração participial (cf. (21e)) e oração gerundiva (cf. (21f)):

(21) a. Na minha rua abriu uma loja que vende vinhos importados. b. O livro do Saramago de que te falei é o Ensaio sobre a Cegueira. c. A loja onde comprei esta camisola estava em saldos. d. Não me saíram bem os rissóis para fritar os quais usei óleo de soja. e. A empresa depara -se com vários problemas, resolvidos os quais reaparecerão

os investidores. f. A empresa depara -se com vários problemas, resolvendo os quais os funcio-

nários receberão um bónus.

Como se mencionou, o constituinte relativo desempenha uma função gramatical na oração relativa. Ilustrando com os exemplos acima, em (21a) a sua função é de sujeito, em (21b), de complemento oblíquo do verbo falar, e, em (21c -f), de adjunto adverbial, respetivamente de lugar (em (21c)), de finalidade (em (21d)), de tempo (em (21e)) e de modo (em (21f)). Consoante a função que desempenham, estes constituintes estão associados a diferentes posições dentro da oração relativa, ape-sar de surgirem sempre no seu início. Tal como se fez para os exemplos em (20), em (22) ilustramos essas posições com sintagmas plenos que têm a mesma função gramatical e o mesmo valor semântico dos constituintes relativos de (21):

39.2.1 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.2.1

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2073

(22) a. Uma loja vende vinhos importados. b. Falei-te de um livro do Saramago. c. Comprei esta camisola numa loja. d. Usei óleo de soja para fritar uns rissóis. e. Resolvidos uns problemas, reaparecerão os investidores. f. Resolvendo uns problemas, os funcionários receberão um bónus.

Na oração relativa, o constituinte relativo não pode ocorrer na posição em que ocorre a expressão plena na frase independente (cf. 39.1 e estruturas de (5) a (8)). O constituinte relativo (que contém o pronome) tem de ocorrer no início da oração. Quando este constituinte tem a função de sujeito, esta propriedade não tem repercussões na ordem dos elementos, já que o sujeito é, geralmente, o constituinte inicial da oração: compare -se a posição linear de que na oração rela-tiva de (21a) com a posição linear de uma loja em (22a). O mesmo acontece quando o constituinte relativo é uma oração de particípio ou de gerúndio: comparem -se as posições lineares de resolvidos/resolvendo os quais nas orações relativas de (21e,f) e de resolvidos/resolvendo uns problemas nas correspondentes não relativas de (22e,f).

Nos restantes casos, há influência na ordenação dos elementos na oração relativa, como se pode observar pela impossibilidade dos exemplos de (23), que correspondem a (21b -d):

(23) a. * O livro do Saramago falei-te de que é o Ensaio sobre a Cegueira. b. * A loja comprei esta camisola onde estava em saldos. c. * Não me saíram bem os rissóis usei óleo de soja para fritar os quais.

[5] Uma alternativa possível para (21d), mas que a norma -padrão rejeita, é a seguinte:

(i) Não me saíram bem uns rissóis que usei óleo de soja para fritá -los.

Em (i), o constituinte relativo é formado exclusivamente pelo pronome relativo simples que; dentro da oração relativa, por sua vez, ocorre um pronome pessoal (em negrito) que retoma o antecedente, pronome esse que tem a função gramatical do pronome relativo, mas ocorre numa posição canónica dentro da oração relativa (cf. 39.8.2).

Outra alternativa ainda para (21d) é a seguinte:

(ii) Não me saíram bem os rissóis, os quais, para fritar, usei óleo de soja.

Neste exemplo, a oração relativa (em itálico) é apositiva, enquanto em (21d) é restri-tiva. Outra diferença, associada a esta, tem que ver com o estatuto da oração adverbial que contém o pronome relativo, a qual se encontra numa posição periférica, inicial, relativamente à oração que a subordina, e forma um grupo prosódico autónomo (como em para fritar uns rissóis, usei óleo de soja). Esta estrutura representa -se em (iii):

(iii) Não me saíram bem os rissóis, [os quais, [para fritar _], usei óleo de soja].

Repare -se que a parte proposicional de (ii)/(iii) é diferente da de (21d): em (21d), a parte proposicional é usei óleo de soja _, ao passo que em (ii)/(iii) é para fritar _, usei

óleo de soja. Como é óbvio, também o constituinte relativo é diferente: em (21d) é para fritar os quais, enquanto em (ii)/(iii) é apenas os quais.

CONSTITUINTES RELATIVOS E PRONOMES RELATIVOS 39.2.1

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2074

Constituintes relativos em estruturas complexas de subordinaçãoOs constituintes relativos podem desempenhar uma função gramatical numa ora-ção subordinada completiva contida dentro da própria oração relativa, como se ilustra em (24); nestes exemplos, os parênteses retos assinalam a oração subordi-nada completiva e o espaço em branco sublinhado a posição associada à função do constituinte relativo nessa oração completiva (o constituinte relativo, nestes casos, é constituído unicamente pelo pronome relativo, e desempenha a função de sujeito na oração completiva)20:

(24) a. O Estado vai subsidiar umas empresas que o Ministro afirmou [que _ estavam

à beira da falência]. b. O Estado vai subsidiar umas empresas que o Ministro afirmou [_ estarem à

beira da falência].

A oração completiva na qual o constituinte relativo desempenha uma função não tem de ser imediatamente subordinada ao predicador da oração relativa, como se ilustra em (25):

(25) O Estado vai subsidiar umas empresas que os jornais noticiaram [que o ministro

afirmou [que o Governo ia nacionalizar _]].

Neste exemplo, a oração relativa é que os jornais noticiaram que o ministro afirmou que

o governo ia nacionalizar, contendo duas orações subordinadas: uma, complemento do verbo noticiar, e, dentro dessa, outra, complemento do verbo afirmar. O pronome relativo desempenha a função de complemento direto do verbo nacionalizar, pre-dicador da última oração completiva, a mais encaixada na frase.

[6] Nem todos os tipos de orações subordinadas permitem a relativização. Como se observou, as orações subordinadas completivas permitem esse processo facilmente (cf. (24) e (25)). Em contrapartida, as orações subordinadas adverbiais (cf. Cap. 38) não têm um comportamento homogéneo, havendo variação entre os falantes no que respeita à aceitabilidade das frases resultantes (cf. Peres e Móia 1995:284s). O pior resultado é obtido quando se relativiza um constituinte a partir de uma oração já de si relativa (embora com exceções, como se verá). Estes casos são descritos a seguir.

A – Relativização dentro de orações subordinadas adverbiais

Existe variação entre os falantes no que respeita à relativização no interior de uma oração subordinada adverbial. A aceitabilidade destas frases decorre de diferen-tes fatores.

Quando o constituinte relativo tem como único membro o pronome relativo que, com a função de complemento direto da oração adverbial, como em (ia), a relativiza-ção é mais aceitável do que quando o constituinte relativo contém outros elementos, p.e., uma preposição, como em (ib) (nestes exemplos, coloca -se a oração subordinada adverbial entre parênteses retos e o espaço em branco sublinhado representa a posição associada à função do constituinte relativo nessa oração)21:

20 Em (24a), a oração completiva é finita, sendo introduzida pela conjunção -complementador que (cf. Cap. 36), e, em (24b), essa oração é de infinitivo flexionado (cf. Cap. 37).21 Alternativamente, e de forma a construir uma frase plenamente gramatical, o constituinte relativo pode conter toda a oração adverbial, à semelhança do exemplo (21d): os donos venderam a casa para comprar a

qual eu estava a juntar dinheiro ou a rapariga para conseguir sair com a qual o João teve imenso trabalho era a

39.2.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.2.2

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2075

(i) a. ? Os donos venderam a casa que eu estava a juntar dinheiro [para comprar _]. b. ?? A rapariga com quem o João teve imenso trabalho [para conseguir sair _] era a

minha antiga namorada.

Quando o verbo da oração adverbial se encontra no infinitivo, a relativização é melhor do que quando o verbo está num tempo finito, como se ilustra no contraste entre (iia) e (iib):

(ii) a. ?? Os trabalhos de casa que os alunos chumbaram [por nunca fazerem _] eram semanais.

b. * Os trabalhos de casa que os alunos chumbaram [porque nunca fizeram _] eram semanais.

Quando uma oração adverbial finita, condicional ou temporal, é periférica e ocorre em posição inicial, a relativização é melhor do que se a oração adverbial for integrada e ocorrer em posição final (cf. Caps. 33 e 38), como se ilustra no seguinte contraste:

(iii) a. ?? Acabei de corrigir os testes que, [enquanto os alunos faziam _], eu preparei aulas.

b. ? Recomendo -vos um livro que, [se lerem _ até ao exame], ficam bem prepa-rados.

(iv) a. * Acabei de corrigir os testes que eu preparei aulas [enquanto os alunos faziam _]. b. * Recomendo -vos um livro que ficam bem preparados [se lerem _ até ao exame].

B – Relativização dentro de orações relativas

A relativização no interior de uma oração relativa contida numa frase complexa (dando origem a uma construção relativa no interior de outra construção relativa) produz em geral resultados inaceitáveis, como se ilustra em (v):

(v) *Adoro os vinhos importados que na minha rua abriu uma loja [que vende _].

No entanto, a relativização a partir de outra oração relativa com antecedente implícito é possível em determinadas circunstâncias, que dependem da função gra-matical da própria construção relativa e do tipo de verbo que a seleciona. Quando a construção relativa tem a função de sujeito, é impossível relativizar qualquer elemento a partir do seu interior, como se ilustra em (vi):

(vi) *Odiei o livro que [quem me deu _] não me conhece de todo.

Quando a construção relativa é complemento, a relativização a partir do seu interior produz resultados agramaticais com a maioria dos verbos (cf. (viia)), exceção feita aos verbos de sentido existencial haver, aparecer ou ter (cf. (viib)):

(vii) a. * Comprei um livro que elogiei [quem escreveu _]. b. Ofereceram -me uns quadros {que não há/que eu não tenho} [quem pendure _ lá

em casa].

minha antiga namorada. Esta possibilidade não existe para todos os tipos de orações adverbiais, sendo o único contexto consensualmente aceite as orações adverbiais infinitivas. Note -se ainda que a relativiza-ção do sujeito da oração adverbial não é possível, apesar de também este corresponder a um constituinte relativo simples: *despediram o ministro que o João fez um relatório para _ apresentar na cimeira (cf. a frase correspondente à oração relativa, o João fez um relatório para o ministro apresentar na cimeira), nem mesmo quando o constituinte relativo corresponde à oração adverbial – *despediram o ministro para o qual apresentar

na cimeira o João fez um relatório _.

CONSTITUINTES RELATIVOS E PRONOMES RELATIVOS 39.2.2

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2076

Propriedades gerais dos pronomes relativosOs pronomes relativos são formas tipicamente iniciadas, graficamente, pelas letras <qu> ou <c> e foneticamente pelo fone [k]: que, quem, quando, como, cujo, qual e quanto22. Por este motivo, estas formas são chamadas formas ou pronomes qu-. A forma onde, mau grado não ter estas propriedades fonéticas e ortográficas, é também classificada como pronome qu-, por ter o mesmo tipo de comportamento sintático23.

A série dos pronomes relativos é completada por duas locuções pronominais relativas, formadas pelo artigo definido o e um dos pronomes que ou qual: o que e o qual (este último com as suas variantes morfológicas em género e número)24.

Alguns pronomes relativos codificam aspetos semânticos particulares do grupo nominal antecedente: quem codifica o traço [+humano], onde codifica o traço [+lugar], quando codifica o traço [+tempo] e como codifica o traço [+modo])25. Ou seja, quem é equivalente a que pessoa, onde é equivalente a em que lugar, quando é equivalente a em que tempo e como é equivalente a com/de que modo. Nestes casos, dizemos que o pronome possui “inerentemente” o traço semântico em questão, ou que tem um valor “inerente” para esse traço (cf. Cap. 23). Com estes pronomes, portanto, não há propriamente repetição do grupo nominal antece-dente (explícito ou implícito) dentro da estrutura correspondente à oração rela-tiva, com o seu apagamento por elipse (cf. a discussão dos paradigmas (3) a (8)); em vez disso, há uma “retoma” pronominal do antecedente, através dos traços semânticos correspondentes no pronome, os quais codificam noções equivalen-tes ou hiperónimas do antecedente. Assim, p.e., a estrutura REL (relativa) da frase o palácio onde eu estive ontem era lindo será apenas eu estive [onde] ontem e não eu estive [onde palácio] ontem (comparar, p.e., com (5b)).

A locução relativa o que marca inerentemente uma combinação dos valores negativos dos traços semânticos [humano], [lugar] [tempo] e [modo], o que a torna particularmente adequada para retomar um antecedente frásico nas orações relativas de frase (cf. chove torrencialmente, o que me aborrece).

O pronome que, por sua vez, é subespecificado, na medida em que se combina com antecedentes com valor positivo ou negativo para cada um destes traços: cf., por

22 Tradicionalmente, quando e como não são considerados pro -formas relativas, apesar de alguns autores notarem semelhanças entre as estruturas nas quais ocorrem e as orações relativas (cf. Barbosa 1822, Lopes 1971 e Mateus et al. 1989). Apenas recentemente (cf. Rebelo Gonçalves 1966, Móia 1992a, Peres e Móia 1995 e Móia 2001) se integram como e quando na classe das pro -formas relativas.23 Estas formas são também pronomes interrogativos e exclamativos (cf. Cap. 48). Atualmente, o pronome cujo tem apenas valor relativo, mas a forma latina de que deriva tinha também um valor interrogativo, o qual se manteve ainda durante o português clássico (cf. Caixa [7]).24 A este conjunto poder -se -iam acrescentar também expressões mais complexas de valor indefinido como quem quer que ou onde quer que, ou qualquer outra variação possível constituída por um pronome relativo seguido da expressão quer que. Para simplificar a exposição, as locuções pronominais relativas serão men-cionadas simplesmente como “pronomes relativos”, a não ser que a discussão particular exija que se faça a distinção apropriada.25 Na perspetiva do Cap. 23, estes são, pois, os verdadeiros pronomes relativos, na medida em que incor-poram um traço semântico de natureza nominal, contrariamente a que e (o) qual, que são unicamente especificadores (relativos). Por conveniência, no entanto, continuamos a chamar pronomes a todas as formas qu-. Note -se também que os traços em questão se encontram codificados não apenas nos prono-mes relativos, mas também nos pronomes interrogativos e exclamativos. As formas como, onde e quando pertencem, na realidade, à classe dos advérbios, codificando igualmente uma preposição locativa, temporal ou de modo (mas cf. Nota 27).

39.2.3 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.2.3

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2077

exemplo, os livros que eu li, em que o antecedente é [-humano], vs. as pessoas que eu

encontrei, em que o antecedente é [+humano]26.Nas orações relativas com antecedente implícito, este é necessariamente recons-

truído a partir dos traços semânticos contidos no pronome relativo. Isto implica que, nestas orações, o pronome tem de ser marcado positivamente para um dos traços semânticos inerentes, o que se ilustra em (26):

(26) a. Quem me ofereceu este livro não me conhece de todo. [+humano] b. Em Paris fiquei onde me aconselharam. [+lugar] c. Aprendi a fazer os rissóis como a minha avó fazia. [+modo] d. Quando estive em Paris foi o período mais feliz da minha vida. [+tempo]

Dentro da oração relativa, e independentemente do seu estatuto “subjacente” como determinantes (cf. 39.1), os pronomes que, quem, o qual, o que e quanto são sintaticamente equivalentes a sintagmas nominais, como se ilustra a seguir:

(27) a. O rapaz que tu viste no cinema é meu irmão. (cf.  tu viste um rapaz no

cinema) b. O rapaz a quem tu deste o livro é meu irmão. (cf. tu deste o livro a um rapaz) c. Ele escreveu um livro no qual se conta a história dos seus avós. (cf. conta -se

a história dos seus avós num livro) d. Transformava em ouro tudo quanto via. (cf. via coisas) e. Chegámos tarde, o que chateou os anfitriões. (cf. esse facto chateou os anfi-

triões)

As formas como, onde e quando têm o estatuto de advérbios e podem ter a função de adjuntos adverbiais ou ser selecionadas pelo predicador da oração relativa (cf. Cap. 28), como se ilustra em (28)27:

(28) a. Comprei este colar na aldeia onde passei férias. (cf. passei férias lá – adjunto adverbial locativo estático)

b. Não havia leite nas lojas aonde/onde fui. (cf. fui ali – complemento locativo direcional)

c. Penso nisso quando acabarem as férias. (cf. as férias acabam amanhã – adjunto adverbial temporal)

d. Exaspera -me o modo como o Abel come. (cf. o Abel come devagar – adjunto adverbial de modo)

e. Exaspera -me o modo como o Abel se comporta no cinema. (cf. o Abel com-

porta-se mal no cinema – advérbio de modo selecionado)

26 Quando um pronome tem apenas um valor, positivo ou negativo, para um determinado traço, só se pode combinar com antecedentes que tenham o mesmo valor para esse traço. Ora, como o pronome que se combina com antecedentes quer com valores positivos quer com valores negativos para, p.e., o traço [humano], não é especificado para nenhum valor desse traço em particular, dizendo -se, por isso, que é subespecificado. Essa subespecificação de que é, na verdade, uma consequência direta do facto de ser um especificador puro, sem qualquer componente nominal (cf. Cap. 23).27 As formas onde e quando podem também ocorrer em contextos nominais, como em a folha voou para onde

o vento a levou (cf. o vento levou a folha para Paris) e não me dá jeito o dia para quando a reunião foi marcada (cf. a reunião foi marcada para terça -feira). Sobre esta questão, cf. Cap. 16.

CONSTITUINTES RELATIVOS E PRONOMES RELATIVOS 39.2.3

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2078

O pronome cujo, que tem o valor semântico de um constituinte possessivo (cf. Caps. 20 e 23), funciona gramaticalmente na oração relativa como especificador do grupo nominal que denota a entidade possuída, ocorrendo com ele dentro do constituinte relativo, como se ilustra em (29a). De modo semelhante, o pronome quanto também pode ter o estatuto de especificador quando é morfologicamente variável, como em (29b) (cf. 39.3.6):

(29) a. Comprei um livro [cujas páginas] vinham rasgadas. (cf. as suas páginas

vinham rasgadas ou as páginas de um livro vinham rasgadas) b. Sopra com [quanta força] tiveres! (cf. sopra com muita força!)

Independentemente de funcionarem como sintagmas nominais, advérbios ou especificadores, fazemos aqui a opção terminológica de utilizar o termo genérico “pronome” para todas estas formas, na medida em que todas elas ou retomam um antecedente de natureza nominal (à exceção de o que, o qual também pode retomar uma frase) ou funcionam como sintagmas nominais dentro da oração relativa.

Morfologicamente, os pronomes relativos podem ser variáveis ou invariáveis, como se ilustra a seguir:

PRONOMES RELATIVOS VARIÁVEIS PRONOMES RELATIVOS INVARIÁVEIS

o qual, a qual, os quais, as quaiscujo, cuja, cujos, cujasquanto, quanta, quantos, quantas28

queo quequemondecomoquandoquanto

Quadro 1 – Pronomes relativos.

[7] Os pronomes relativos do português têm a sua origem no sistema de pronomes latinos. Em latim existe um pronome relativo por excelência (praticamente idêntico ao pronome interrogativo29 e por vezes com uso de demonstrativo), que apresenta marcas de flexão distintas para género masculino, feminino e neutro, número sin-gular e plural, e também marcas de flexão casual. Quer isto dizer que o pronome apresenta uma terminação diferente consoante a função sintática que desempenha na frase: simplificadamente, o caso nominativo marca o sujeito da frase, o acusativo, o complemento direto, o dativo, o complemento indireto, o ablativo, os adjuntos e complementos adverbiais, e o genitivo, os complementos determinativos, isto é, os complementos e modificadores dos nomes (mas também de adjetivos e de alguns verbos e advérbios). O padrão de flexão desse pronome é apresentado no Quadro 2:

28 Tradicionalmente, é frequente descrever -se o pronome relativo quanto como não tendo a forma feminina do singular. Como se verá mais à frente, não adotamos essa visão. Este pronome está listado duas vezes porque pode ocorrer como forma variável ou como forma invariável.29 Nesta caixa descreve -se a origem dos pronomes relativos, mas, na realidade, os processos evolutivos descritos afetam os paradigmas relativo e interrogativo em simultâneo, atuando de forma interligada; os exemplos que se apresentam contêm sobretudo pronomes relativos, mas esporadicamente exemplifica -se com construções interrogativas (cf. (vc) ou (vib), por exemplo).

39.2.3 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2079

SINGULAR PLURAL

MASCULINO FEMININO NEUTRO MASCULINO FEMININO NEUTRO

NOMINATIVO qu� quae qu d qu� quae quae

ACUSATIVO qu!m qu"m qu d qu#s qu$s quae

DATIVO cui qu%bus

ABLATIVO qu# qu$ qu# qu%bus

GENITIVO c&jus qu#rum qu$rum qu#rum

Quadro 2 – Flexão do pronome relativo latino qu�.

A riqueza flexional do latim clássico foi sendo simplificada no latim vulgar e perde--se a flexão em género e número do pronome relativo; as formas do masculino singular passam a representar os dois géneros e os dois números. Na formação do português perdem -se também as distinções de caso, mas diferentes formas latinas do mesmo pronome vão originar distintos pronomes em português. De acordo com diversos autores (cf. Nunes [1919] 1956, Bourciez [1910] 1967, Huber [1933] 1986, entre outros), o pronome que existente hoje em português resulta da fusão da forma acusativa singular, qu!m, quando ocorria em posição proclítica (e portanto átona), com a forma do nominativo singular neutro, qu%d (que, no paradigma do pronome interrogativo, alternava com qu d). O pronome quem do português provém da mesma forma acusativa singular, quando tónica. No entanto, enquanto em latim a forma acusativa podia ter antecedentes de qualquer tipo semântico, em português este pronome acabou por restringir -se a antecedentes [+humano]. Em português clássico encontram -se alguns usos do pronome quem com antecedentes [–humano], como nota Silva Dias (1918):

(i) Não longe da villa de Alcobaça [...] está hum valle aprasivel, pouoado de aruoredo, pomares [...], a quem entra pello meyo hum ribeiro de agoa christalina. (A. Brandão, Monarchia Lusitana)

No entanto, este uso é muito pontual, a avaliar pelas descrições de Mattos e Silva (1989) e Maia (1986), que, na observação de documentos dos sécs. XIII a XVI, encontram sempre um valor [+humano] para o pronome quem.

Ainda em latim, a forma do genitivo singular do pronome autonomizou -se, dando origem a um pronome com um padrão completo de flexão de género e casual (cujus,

cuja, cujum). Enquanto pronome autónomo (relativo ou interrogativo), podia desem-penhar qualquer função sintática, com a flexão em caso correspondente (contudo, Ernout [1914] 1924 refere que é usado sobretudo no nominativo singular).

Este pronome podia ocorrer sozinho no constituinte relativo, equivalendo a uma pro -forma, como se vê em (ii):

(ii) ea caedes [...] detur ei cuja interfuit, non ei cuja nihil interfuit (Cic. Fragm. ap. Prisc. apud

Lewis e Short 1879, s.v.)

(esse assassínio [...] que seja atribuído àquele a quem (ele) interessou, não àquele a quem (ele) nada interessou)

Em (ii), o pronome relativo está no feminino (cuja) pois concorda com o nome elíptico (não expresso) caedes (‘assassino’, ‘morte’), um nome feminino, o qual é elidido por identidade com a sua ocorrência prévia na frase. Ou seja, o constituinte relativo é, na realidade, [cuja caedes] (indica-se a elipse de caedes pela rasura). O pronome relativo cuja, por sua vez, ou tem um antecedente implícito de sentido indefinido

CONSTITUINTES RELATIVOS E PRONOMES RELATIVOS 39.2.3

Page 25: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2080

(cf. 39.1.1) ou é recuperado anaforicamente a partir do contexto discursivo mais vasto. De qualquer forma, o que importa salientar é que, neste caso, o pronome relativo tem o valor semântico de beneficiário (cf. Cap. 11), e não propriamente o valor possessivo da expressão portuguesa formalmente equivalente cuja morte; por outras palavras, no exemplo latino, cuja refere aquele ou aquela a quem a morte (de outrem) interessa, não a pessoa que morreu, como se vê pela tradução de (ii).

Cujo podia ainda ocorrer como especificador de um nome dentro do constituinte relativo:

(iii) is, cuja res est (Cícero, Verr. apud Gaffiot 1934, s.v.)

(aquele {a quem a coisa pertence/cuja coisa é})

Como referido no Cap. 2, o uso como pro -forma manteve -se ainda em português clássico, o que pode verificar -se em (iv), extraído desse capítulo:

(iv) E o escudeiro o fez bem asy como lho a rrainha mandou. E tomou o menino e livouo aa montanha e deuo a hum homem que o criase como que o avia achado e que não sabia cujo era (Crónica Troiana, séc. XVI).(E o escudeiro fê -lo tal como a rainha lho mandou: pegou no menino, levou -o à montanha e deu -o a um homem para o criar [tão bem] como se o tivesse achado e não soubesse de quem era).

A perda deste uso como pro -forma (que estava muitas vezes associado a uma função predicativa) coincide, do ponto de vista cronológico, com a perda de valor interrogativo, estando possivelmente os dois fenómenos interligados.

Faria (1958) refere que o latim tinha quatro advérbios relativos (e interrogati-vos) com valor locativo: ubi (‘lugar onde’), unde (‘lugar de onde’), quo (‘lugar para onde’) e qua (‘lugar por onde’); de acordo com Lewis e Short (1879), os dois últimos provêm das formas ablativas do pronome latino (cf. Quadro 2). O advérbio ubi deu origem ao arcaico u (por vezes escrito hu) e unde ao advérbio onde (que também se podia grafar honde). Enquanto o primeiro tinha um valor claramente locativo (cf. (v)), o segundo funcionava também como complemento oblíquo, não se limitando a um valor locativo (cf. (vc) e (via))30:

(v) a. O lugar u pousava

b. Mostra -nos a casa u mora

c. Perguntou... que lhe dissesse, hu era o escudo, onde tanto fallavam pella

terra

(de que tanto falavam)

(vi) a. Aquel cavalleiro honde me vos fallastes

(aquele cavaleiro de quem vós me falastes) b. E perguntou -os honde eram

(e perguntou -lhes de onde eram)

Em relação aos valores locativos destes advérbios, nos dados do século XIV descritos por Mattos e Silva (1989) parece haver uma distinção clara: (h)u ocorre com o valor de ‘lugar onde’ (estático) ou de ‘lugar para onde’ (destino) e onde ocorre com o valor de ‘lugar de onde’ (origem). No entanto, com a perda da fle-xão casual, as preposições tinham -se tornado essenciais para estabelecer relações gramaticais; Said Ali ([1931] 1971) atribui a uma analogia com situações em que as preposições eram fundamentais a formação de donde (e a sua variante adonde),

30 Os exemplos em (v) -(vi) são de S. Josafate, séc. XIV (va,b) e de Santo Graal, séc. XIII ((vc), (vi)), apud Said Ali ([1931] 1971:185).

39.2.3 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2081

com a preposição de a marcar claramente o valor de origem. Esta forma teria levado a que os falantes atribuíssem à forma onde o valor estático (de ‘lugar onde’), idên-tico ao do advérbio (h)u, seguindo -se uma fase de instabilidade em que as três formas são usadas exatamente com o mesmo valor. Os exemplos abaixo ilustram essa equivalência semântica:

(vii) a. Pol -a darredor da arvor domde a aguya tijnha sseus filhos

(pô -la em volta da árvore onde a águia tinha os seus filhos) b. Chegou a rraposa ao pee da arvor omde a aguya tijnha sseus filhos

c. Levou -hos a h'u ninho hu estavam sseus filhos

(exemplos de Livro de Esopo, séc. XIV, apud Said Ali [1931] 1971:185)

Por fim, esta sobreposição de valores torna desnecessário o advérbio (h)u, que subsiste ainda em português clássico, embora já raramente, e acaba por desaparecer, cedendo definitivamente o seu lugar a onde.

A existência de formas preposicionadas (além de donde, começa a utilizar -se aonde) não significa que cada uma seja utilizada com o valor locativo da preposição em questão. Said Ali ([1931] 1971:186) apresenta usos de donde (e da sua variante adonde) com valor locativo de destino, ‘para onde’, ou estático, ‘lugar onde’ (apesar da presença da preposição com valor de origem) e de aonde com valor locativo estático (apesar da presença da preposição com valor de destino) em escritores dos sécs. XVII e XVIII:

(viii) a. Leva -me adonde reynas (P.e Manuel Bernardes, Luz e Calor, apud Said Ali 1971:186)

b. São como mercadorias, que segundo a parte donde se encaminhão, valem ou não valem (D. Francisco Manuel de Melo, Apólogos Dialogais, apud Said Ali [1931] 1971:186)

c. Nem o será nunca aonde a ley e a religião não for a mesma (P.e António Vieira,

Sermões, apud Said Ali [1931] 1971:186)

Como refere o mesmo autor, esta equivalência de formas passou a ser conside-rada imprópria pela norma linguística a partir do séc. XVIII, prescrevendo -se o uso de onde para o valor locativo estático, de donde para o valor locativo de origem e de aonde para o valor locativo de destino. Atualmente, aonde, adonde (mas não donde) e onde são usados de forma equivalente por falantes das camadas menos cultas, mas as camadas cultas consideram populares as formas aonde e adonde, usando onde com o valor locativo estático e com valor locativo de destino (cf. Caixa [14]).

Pronomes relativosDescrevem -se mais pormenorizadamente nesta secção as propriedades sintáticas e semânticas dos pronomes relativos.

Que

O pronome que pode ocorrer em orações relativas de nome (cf. (30a)), mas é geral-mente excluído nas orações relativas de frase, em que se utiliza preferencialmente o que (cf. (30b) vs. (30c)). Neste tipo de orações relativas, que é (marginalmente) possível apenas em registos orais (cf. (30d)) ou em registos escritos não formais (cf. (30e)); em ambos os casos, a oração relativa contém o verbo ser introduzindo uma oração subordinada adverbial com valor semântico de finalidade (cf. Cap. 38)31:

31 O exemplo (30d) foi extraído do corpus de língua falada C -ORAL -ROM e adaptado, de modo a simplificar as convenções de transcrição.

PRONOMES RELATIVOS 39.3.1

39.3

39.3.1

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2082

(30) a. A professora que os alunos admiram ganhou um prémio científico. b. A professora nunca criticava os alunos, o que os incentivava. c. * A professora nunca criticava os alunos, que os incentivava. d. Deu para nós nos autoanalisarmos. Ela falava sempre o que é que havia a

melhorar, nunca criticava as pessoas, relacionava sempre os aspetos bons das pessoas, e pegava sempre por aí. Você fez isto bem, tem isto bem, que

era mesmo para incentivar. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfammn12)

e. A mãe agasalhou bem o miúdo, que era para ele não se constipar.

Os exemplos (30d,e) merecem dois comentários: primeiro, curiosamente, que não é substituível pela locução relativa o que (cf. *a mãe agasalhou bem o miúdo,

o que era para ele não se constipar); segundo, num texto cuidado, escrito ou oral, o falante não usa uma construção relativa nesta situação, ligando diretamente a oração adverbial à oração principal (a mãe agasalhou bem o miúdo, para ele não

se constipar).Nas orações relativas de nome, sejam restritivas (cf. (31)) ou apositivas (cf. (32)),

o pronome que, por ser semanticamente subespecificado (cf. Nota 26), pode relacionar -se com qualquer tipo de antecedente: [+humano] nos exemplos (a), [–humano] nos exemplos (b), [+lugar] nos exemplos (c), [+tempo] nos exemplos (d) e [+modo] nos exemplos (e):

(31) a. Os meninos que têm natação podem sair mais cedo. b. Comprei uns chocolates que estavam estragados. c. O país em que eu vivi mais tempo foi o Japão. d. No dia em que o João fez anos fomos passear a Sesimbra. e. É impressionante o carinho com que esta enfermeira trata os doentes.

(32) a. A Ana, que está sempre a chatear -me, não me escreve. b. Aqueles chocolates, que eu comprei na Bélgica, eram excelentes. c. Esse país, em que eu vivi tanto tempo, é muito interessante. d. Esse dia, em que tudo aconteceu, foi memorável. e. Esses teus maus modos, com que tratas até os melhores amigos, ainda te

vão dar problemas.

O constituinte relativo que contém que (constituinte esse, como se viu, que pode consistir unicamente no pronome) é aquele que aceita maior diversidade de contextos no que respeita à sua função dentro da oração relativa. Assim, nas orações relativas restritivas, que pode ter a função de sujeito (cf. (33a)) e de complemento direto (cf. (34a)), contrastando com os pronomes o qual e quem, que não podem ter estas funções, como se ilustra nos exemplos (b) destes paradigmas (assinala -se com um espaço em branco sublinhado a posição que corresponde à função gramatical do pronome na parte proposicional da oração relativa):

(33) a. Os alunos que _ fizeram o trabalho estão dispensados deste teste. b. * Os alunos {os quais/quem} _ fizeram o trabalho estão dispensados deste

teste.

(34) a. Os alunos que encontrei _ no bar faltaram à aula. b. * Os alunos {os quais/quem} encontrei _ no bar faltaram à aula.

39.3.1 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 28: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2083

Nas orações relativas apositivas, que pode surgir com a função de sujeito (cf. (35a)) ou de complemento direto (cf. (36a)), podendo alternar com o qual (cf. os exemplos (b)), mas não com quem (cf. os exemplos (c))32:

(35) a. A Ana, que _ é uma boa amiga, foi ver -me ao hospital. b. A Ana, a qual _ é uma boa amiga, foi ver -me ao hospital. c. * A Ana, quem _ é uma boa amiga, foi ver -me ao hospital.

(36) a. Os alunos, que encontro _ todos os dias no bar, nunca faltam às aulas. b. Os alunos, os quais encontro _ todos os dias no bar, nunca faltam às aulas. c. * Os alunos, quem encontro _ todos os dias no bar, nunca faltam às aulas.

Nas orações relativas restritivas com antecedente explícito, que pode ainda ocorrer num constituinte relativo preposicionado com a função de complemento indireto (cf. (37a)), de complemento oblíquo (cf. (37b,d)), de modificador nominal possessivo (cf. (37c)) ou de adjunto adverbial preposicionado (cf. (37e)):

(37) a. O idiota a que emprestei esse livro _ nunca mais mo devolveu. b. Interessa -me muito o tema de que falaste _ na TV. c. O telefone de que o gato roeu o fio _ nunca mais funcionou bem. d. Não partilho os ideais por que ele sempre lutou _. e. A cidade em que me sinto melhor _ é mesmo Lisboa.

Contudo, em constituintes relativos preposicionados, alguns falantes preferem pronomes relativos semântica ou morfologicamente mais ricos, dependendo do antecedente, como se ilustra em (38) (comparar com os exemplos corresponden-tes de (37)):

(38) a. O idiota a quem emprestei esse livro _ nunca mais mo devolveu. b. Interessa -me muito o tema do qual falaste _ na TV. c. O telefone cujo fio o gato roeu _ nunca mais funcionou bem. d. Não partilho os ideais pelos quais ele sempre lutou _. e. A cidade onde me sinto melhor _ é mesmo Lisboa.

Esta preferência é mais acentuada relativamente a quem preposicionado, quando o antecedente é [+humano], sobretudo na função de complemento indireto (com-pare-se (38a) com (37a), ou ainda as pessoas com que saí vs. as pessoas com quem saí).

Com antecedentes [–humano], que ocorre preferencialmente com preposições monossilábicas, como se refere em Cunha e Cintra (1984), enquanto com as restantes preposições, como durante, perante e sobre, ou com locuções prepositivas (acerca de, através de, em face de, etc.), é preferível ou mesmo obrigatório o uso de o qual em vez de que33:

32 Muitas vezes, a preferência na utilização de o qual prende -se com questões de interpretação, concreta-mente, quando há mais de um antecedente disponível e é necessário desambiguar. Voltamos a esta questão na descrição desta locução pronominal em 39.3.4.33 O pronome que é mais aceitável com sobre em contextos não locativos (cf. ?o tema sobre que vais falar

é muito interessante), apesar de, num texto escrito, se preferir a locução o qual. De um modo mais geral, que não pode integrar constituintes relativos de estrutura complexa; além dos exemplos entre parênteses em (39), veja -se, numa oração relativa apositiva, *estes livros, alguns/muitos de que estão ilegíveis, são raros vs. estes livros, alguns/muitos dos quais estão ilegíveis, são raros.

PRONOMES RELATIVOS 39.3.1

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2084

(39) a. O rio sobre o qual construíram essa ponte seca no verão. (vs. ??o rio sobre que

construíram essa ponte seca no verão) b. O tema acerca do qual vais falar é muito interessante. (vs. ?o tema acerca

de que vais falar é muito interessante) c. Fizemos uma viagem durante a qual parámos três vezes. (vs. *fizemos uma

viagem durante que parámos três vezes) d. Gerou -se uma situação perante a qual ninguém soube o que fazer. (vs. *gerou-se

uma situação perante que ninguém soube o que fazer)

Nas orações relativas apositivas, o uso de que é basicamente idêntico ao seu uso nas restritivas. Assim, o pronome é possível com a função de sujeito e de com-plemento direto da oração relativa (cf. (35a) e (36a)), e também integrado num constituinte relativo preposicionado (cf. (40a -e)):

(40) a. Interessa -me muito esse tema, de que falaste _ com tanto entusiasmo. b. O meu telefone, de que o gato roeu o fio _, nunca mais funcionou bem. c. Não partilho esses ideais idiotas, por que ele sempre lutou _ com tanto vigor. d. Lisboa, em que me sinto tão bem _, é a cidade onde nasci. e. A Ana, de que te falei _ toda a noite, é uma grande amiga.

Tal como sucede relativamente a (37) -(38), também neste caso é possível utilizar pronomes morfológica ou semanticamente mais ricos:

(41) a. Interessa -me muito esse tema, do qual falaste _ com tanto entusiasmo. b. O meu telefone, cujo fio o gato roeu _, nunca mais funcionou bem. c. Não partilho esses ideais idiotas, pelos quais ele sempre lutou _ com tanto

vigor. d. Lisboa, onde me sinto tão bem _, é a cidade onde nasci. e. A Ana, de quem te falei _ toda a noite, é uma grande amiga.

Relativamente ao complemento indireto (que tem, neste contexto, um antece-dente frequentemente [+humano]), também nas orações relativas apositivas (pos-sivelmente mais que nas restritivas – cf. (37a) vs. (42b)) se prefere o uso de quem em vez de que, como se ilustra a seguir:

(42) a. {A Ana/Essa rapariga}, a quem emprestei o meu livro preferido, é minha vizi-nha.

b. ?? {A Ana/Essa rapariga}, a que emprestei o meu livro preferido, é minha vizinha.

Devido à sua subespecificação semântica, que geralmente não ocorre em orações relativas com um antecedente implícito, pois faltam -lhe os traços semânticos que lhe permitiriam reconstruir o antecedente: cf. *que vai ao mar perde o lugar (vs. quem

vai ao mar perde o lugar), *que há fumo há fogo, *em que há fumo há fogo (vs. onde há

fumo há fogo).No entanto, há um contexto particular que aceita este pronome em orações

relativas com antecedente implícito: trata -se de frases em que a construção relativa é complemento do verbo existencial haver ou de verbos como arranjar, procurar e ter quando são usados com valor existencial, e em que o verbo da oração relativa tem a forma infinitiva (cf. Móia 1992a):

39.3.1 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2085

(43) a. Não me aborreças, pois tenho que fazer. b. Não há com que pintar as paredes.

Nestas orações, o antecedente implícito na oração principal (a que tem como núcleo o verbo ter e haver, nos exemplos) é referencialmente indefinido e não é especifi-cado para qualquer dos traços semânticos [humano], [lugar], [tempo] ou [modo], sendo aproximadamente equivalente a ‘alguma coisa ou coisas’34. É precisamente a indefinitude referencial e a subespecificação semântica do antecedente implícito que o torna compatível com o pronome que, igualmente subespecificado para esses traços semânticos e sem qualquer valor referencial.

Em contrapartida, quando o antecedente é especificado para um dos traços semânticos que têm realização inerente nos pronomes relativos, é obrigatório usar o pronome correspondente, como se ilustra em (44):

(44) a. Já arranjei quem levar comigo à festa.35 (vs. *já arranjei que levar comigo à

festa) b. Tenho a quem enviar esses documentos. (vs.  *tenho a que enviar esses

documentos) c. Não há onde comer uma bela feijoada. (vs. *não há em que comer uma bela

feijoada) d. Já tenho como resolver o problema. (vs. *já tenho com que resolver o pro-

blema – com o mesmo valor de modo)

O que

Esta expressão é uma locução pronominal relativa formada pelo artigo definido seguido da forma relativa que. As gramáticas do português não costumam tratá -la como uma unidade autónoma, com estatuto próprio, dedicando -lhe apenas algu-mas linhas enquanto variante de que. No entanto, existem razões para a considerar uma locução relativa independente36.

O seu uso mais típico é em orações relativas apositivas de frase, ou seja, com um antecedente de natureza oracional, como se ilustra em (45):

(45) a. Estava a chover, o que nos causou muito transtorno. b. Chegámos tarde, o que provocou a ira contida dos donos da casa.

Neste contexto, que (sozinho) não é possível: cf. *estava a chover, que nos

causou muito transtorno e *chegámos tarde, que provocou a ira contida dos donos da

casa.

[8] Em estar a chover, o que é normal nesta época, causa muitos engarrafamentos,

a oração relativa apositiva tem como antecedente a oração infinitiva completiva

estar a chover, com a função de sujeito de toda a estrutura (cf. Cap. 37). Neste

34 Em (43b), o antecedente é interpretado como ‘tinta’, ou ‘pincéis’, devido ao predicado da oração rela-tiva (as paredes pintam -se com tintas e pincéis), e não a qualquer especificação do antecedente implícito. Mutatis mutandis, poder -se -iam fazer observações semelhantes sobre (43a) e (44).35 Nesta construção, o pronome relativo não pode corresponder ao sujeito da oração relativa (cf. *já arranjei

quem vos levar consigo à festa), visto que a oração relativa é infinitiva e o seu sujeito (implícito) é obrigato-riamente correferente com o sujeito do verbo arranjar (cf. 39.6.2 e Cap. 37).36 Cf. Brito (1991a) e Móia (1992a).

PRONOMES RELATIVOS 39.3.2

39.3.2

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2086

caso, pode usar -se apenas o pronome relativo que: cf. estar a chover, que é normal

nesta época, causa muitos engarrafamentos. Isto deve -se, plausivelmente, ao facto de a oração infinitiva ser, neste contexto, equivalente a um sintagma nominal com interpretação factiva (cf. Caps. 36 e 37). Quando a oração infinitiva é integrada num sintagma nominal cujo núcleo é o nome facto, que é a opção não marcada para a oração relativa apositiva, sendo o que marginal (ou mesmo impossível, para alguns falantes): cf. o facto de estar a chover, {que/??o que} é normal nesta época,

causa muitos engarrafamentos. Com uma oração finita, só o que é possível: cf. que

esteja a chover, {?o que/*que} é normal nesta época, causa muitos engarrafamentos (a marginalidade do exemplo poderá dever -se ao facto de, neste contexto, ser mais natural uma oração infinitiva como sujeito da oração principal).

A locução pronominal relativa o que tem de ser distinguida de uma sequência aparentemente idêntica, na qual o é o artigo definido usado enquanto “pronome demonstrativo” e que retoma um antecedente elíptico (i.e., não foneticamente realizado) determinado pelo artigo (cf. Caps. 23 e 45 e a parte final de 39.6.1):

(46) a. Esse casaco é bonito, mas o que tinhas ontem era mais moderno. b. (Numa conversa sobre filmes) Fui ver o que estava no Nimas.

Em (46), o artigo definido (a que, neste uso, como se mencionou, as gramáticas tradicionais chamam “demonstrativo”; cf. Cap. 23) introduz um nome omitido, ou elíptico, modificado pela oração relativa, que pode ser recuperado a partir do con-texto linguístico, como em (46a) (casaco), ou situacional/discursivo, como em (46b) (filme)37. Adotando a convenção da rasura para representar a elipse (cf. Cap. 45), as frases de (46) têm, pois, a seguinte representação:

(47) a. Esse casaco é bonito, mas [SN o casaco [que tinhas ontem]] era mais moderno. b. Fui ver [SN o filme [que estava no Nimas]].

Como se verifica em (47), a forma o não faz parte do constituinte relativo, o qual é constituído exclusivamente por que, contrariamente ao que sucede em (45), em que a sequência o que forma uma locução relativa que retoma a oração antecedente.

[9] É importante não confundir o nome elíptico representado em (47), que pertence à oração que subordina a oração relativa (e é o antecedente do pronome relativo), com o nome elíptico que ocorre dentro da própria oração relativa, a seguir ao determinante relativo, que também sofre elipse por identidade com o antecedente, como se discutiu em 39.1 (cf. os paradigmas (3) -(9)). Podemos, assim, decompor (47a) nas seguintes partes:

(i) Esse casaco é bonito. (oração que contém o antecedente do nome elíptico repre-sentado em (47a))

(ii) a. O casaco [-] era mais moderno. (oração subordinante da oração relativa) b. Tinhas [que casaco] ontem. (oração relativa)

Dentro da oração relativa (iib), o nome casaco sofre elipse por identidade com

o antecedente da oração relativa em (iia); este, por sua vez, também sofre elipse por

37 Nestas frases, o modificador do nome elíptico não é necessariamente uma oração relativa, podendo ser, p.e., um sintagma preposicional, como em o lenço de linho é caro, mas o de seda é ainda mais caro.

39.3.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2087

identidade com o antecedente casaco que ocorre em (i), o primeiro termo oracional

da coordenação adversativa (cf. Caps. 35 e 45).

No uso ilustrado em (46) -(47), o é variável em género e número, consoante o género e número do nome elíptico (cf. (48a)), pode ser substituído por outro determinante como aquele (e variantes em género e número; cf. (48b,c)) e aceita a reposição do nome elíptico (cf. (48d)):

(48) a. (Séries,) vejo sempre as que passam à terça -feira. b. (Filmes,) fui ver aquele que estava no Nimas. c. (Séries,) vejo sempre aquelas que passam à terça -feira. d. Esse casaco é bonito, mas o casaco que tinhas ontem era mais moderno.

Além disso, nesse uso, quando que está integrado num constituinte relativo preposicionado (com função de complemento oblíquo ou de adjunto adverbial na oração relativa), a preposição ocorre entre o artigo definido e a forma que, mos-trando claramente que os dois não formam uma locução:

(49) A propósito de filmes, fui ver o de que me falaste ontem. (cf. fui ver o filme de

que me falaste ontem) 

Em (49), a preposição de faz parte do constituinte relativo; ou seja, juntamente com que, tem uma função gramatical dentro da oração relativa (cf.  falaste -me

ontem de que filme). Em contrapartida, a forma o pertence à oração principal, na qual determina um nome elíptico (recuperado como filme; cf. a frase entre parên-teses). Como a preposição ocorre, juntamente com o pronome relativo, depois do nome elíptico (que constitui o antecedente do pronome relativo; cf. (47)), ocorre também necessariamente depois do artigo que introduz esse nome: relativamente a (49), temos, assim, fui ver [SN o [-] de que me falaste ontem], em que “[-]” assinala a posição do nome elíptico.

A situação é diferente quando o que é uma locução pronominal relativa, como em (45). Neste caso, o artigo o não é substituível por outro determinante (como aquele – cf. *estava a chover, aquele que nos causou muito transtorno; compare -se com (48b)). Além disso, visto que em (45) o constituinte relativo é formado pela totali-dade da sequência o que, quando esta locução corresponde a um constituinte prepo-sicionado na oração relativa (um complemento oblíquo ou um adjunto adverbial), a preposição surge no início da sequência, como se ilustra em (50), e não entre o artigo e o pronome relativo, como em (49):

(50) a. Estava a chover, pelo que já não saímos de casa. (vs. *estava a chover, o

por que já não saímos de casa; cf. também já não saímos de casa por esse

motivo) b. O administrador propôs [fazerem -se obras no telhado], com o que todos

os inquilinos concordaram. (vs. *o administrador propôs [fazerem -se obras no

telhado], o com que todos os inquilinos concordaram; cf. também todos os

inquilinos concordaram com isso)

As orações relativas apositivas de frase de (45) são equivalentes a construções apositivas contendo um nome abstrato como coisa, facto, motivo e situação (entre

PRONOMES RELATIVOS 39.3.2

Page 33: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2088

outros), modificado por uma oração relativa restritiva de nome, ou seja, em que a estrutura apositiva é toda a construção relativa (cf. Peres e Móia 1995), como se ilustra em (51)38:

(51) a. Estava a chover, situação/facto que nos causou muito transtorno. b. Chegámos tarde, coisa/motivo que provocou a ira dos donos da casa.

Repare -se que, contrariamente a (46a) (com o “demonstrativo”), não é possível repor um dos nomes sublinhados em (51) nas orações relativas de frase de (45), entre as formas o e que, o que mostra efetivamente que a sequência dessas duas formas funciona como um todo indissociável: cf., por exemplo, *estava a chover, o

facto que nos causou muito transtorno (comparar com (51a)).Além de surgir em orações relativas de frase, a locução pronominal o que pode

ocorrer em orações relativas de nome com antecedente implícito, nas quais este tem os traços semânticos [–humano, –lugar, –tempo, –modo] (cf. (52)), incluindo, para muitos falantes, aquelas em que o predicador da oração principal é um verbo de valor existencial (cf. (53)):

(52) a. O professor elogiou o que estávamos a fazer. b. O que tu estavas a comer fez -me fome. c. Do que tu precisas sei eu!

(53) a. Não tenho o que comer. b. Já não tenho pelo que lutar.

Em (52c) e em (53b), tal como em (50), a preposição precede toda a sequência o que e, juntamente com ela, corresponde a um constituinte preposicionado com uma função dentro da oração relativa (cf. precisas de qualquer coisa e luto por alguma coisa, respetivamente), o que mostra que, tal como em (50), a sequência o que é, nestes exemplos, uma locução relativa.

[10] Os exemplos de (52a,b) são ambíguos entre uma oração relativa com ante-cedente implícito com a locução pronominal relativa o que (em que a natureza ontológica do referente do antecedente é deixada vaga, dada a especificação negativa para os vários traços semânticos), e uma estrutura em que o é um pronome demonstrativo seguido de um nome elíptico cujo conteúdo semântico é recuperado contextualmente: cf. (desenhos,) o professor elogiou {o que/aquele que} estávamos a

fazer ou (falando de bolos,) {o que/aquele que} tu estavas a comer fez -me fome. A  discussão de (52) tem que ver com a primeira estrutura, com antecedente implí-cito e com locução relativa.

Note -se também que, em (52), o sintagma nominal que corresponde à constru-ção relativa é semanticamente definido, ainda que a natureza ontológica do referente não seja identificada. Plausivelmente, o que legitima a interpretação definida nesses exemplos (e a presença do artigo definido) é a satisfação antecipatória da condição de unicidade pela própria oração relativa de antecedente implícito (cf. Cap. 22.1.2.1.4). Em abono desta hipótese, as frases de (52) são equivalentes a frases com orações

38 Nestes exemplos, o nome abstrato pode ser especificado pelos determinantes demonstrativos este ou esse, em uso anafórico (i.e., retomando o antecedente do aposto – a frase precedente) e ocorrendo necessaria-mente em posição pós -nominal, como em estava a chover, situação esta/essa que nos causou muito transtorno (cf. Cap. 22.3.3.2).

39.3.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2089

relativas de antecedente explícito, em que este é o pronome aquilo no seu uso ante-cipatório (cf. Cap. 22.3.5)39:

(i) a. O professor elogiou aquilo que estávamos a fazer. b. Aquilo que tu estavas a comer fez -me fome. c. ? Aquilo de que tu precisas sei eu!

Finalmente, a locução o que ocorre em orações relativas com um antecedente quantificacional, que pode ser um pronome indefinido, como tudo ou nada (de) (cf.  (54a,b)), ou um operador comparativo40, como mais/menos de, melhor/pior

de (cf. (54c -e)), multiplicativo, como o dobro de, ou fracionário, como metade de (cf. (54f))41:

(54) a. Tudo o que dizes é um disparate. b. Não se aproveita nada do que ele fez. c. O João é mais alto do que a Maria. d. Esta turma tem menos alunos do que aquela. e. O bife está muito pior do que o bacalhau. f. O António come {o dobro/metade} do que eu como.

Quem

Este pronome relativo tem um traço inerente [+humano], que partilha com o seu antecedente; por este motivo, quem só ocorre em orações relativas de nome, não de frase. No entanto, mesmo em orações relativas de nome com um antecedente humano explícito, a ocorrência de quem não é inteiramente livre. Concretamente, quem só é possível se estiver contido num constituinte relativo introduzido por uma preposição, como se ilustra em (55). Nestes exemplos, o constituinte relativo tem, respetivamente, as funções de complemento indireto, complemento oblíquo e complemento (possessivo) de nome:

(55) a. O rapaz a quem dei o livro gostou muito dele. b. As minhas primas, de quem te falei ao almoço, vêm aqui ter. c. Aquela é a Ana, de quem tu conheceste ontem o primo.

Quando quem, introduzido pela preposição de, é modificador possessivo do nome casa e este é usado na oração relativa como complemento de um verbo loca-tivo (como estar, ficar, viver) ou de movimento (como ir, vir), o nome geralmente faz parte do constituinte relativo, juntamente com o pronome relativo e a preposição, como se ilustra em (56):

(56) a. Esta é a amiga a casa de quem eu vou logo à noite. b. As pessoas em casa de quem eu vivo tratam -me muito bem.

39 Em (53), no entanto, o antecedente é indefinido e a construção relativa não pode ser substituída por uma construção com uma oração relativa em que o antecedente é aquilo: cf. a impossibilidade de, p.e. (correspondendo a (53a)), *não tenho aquilo que comer.40 Estas orações, por estabelecerem uma comparação, são tradicionalmente classificadas como subordina-das adverbiais comparativas. 41 Em (54c-e), o verbo da oração relativa está omitido, ou seja, é elíptico, sendo recuperado lexicalmente como é, tem e está, respetivamente. Sobre as construções de grau, cf. Cap. 40.

PRONOMES RELATIVOS 39.3.3

39.3.3

Page 35: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2090

Para alguns falantes, esta opção é marginal com outros nomes: cf., por exemplo, ??aquela é a Ana, o primo de quem tu conheceste ontem (compare -se com (55c) e com aquela é a Ana, o primo da qual tu conheceste ontem; cf. 39.3.4); a opção é também marginal com o nome casa quando este não integra um complemento locativo na oração relativa (cf. ??o cliente a casa de quem tu pintaste ainda não te pagou; compare -se com o cliente de quem tu pintaste a casa ainda não te pagou ou com o cliente {a casa

do qual /cuja casa} tu pintaste ainda não te pagou).Numa oração relativa com antecedente explícito, restritiva ou apositiva, o

pronome quem não pode ser sujeito ou complemento direto (com a exceção que se nota em (59)), funções que são (tipicamente) desempenhadas por constituintes não preposicionados:

(57) a. * A rapariga quem me deu o livro é muito simpática. b. * Gosto muito dos teus miúdos, quem vi ontem no cinema.

Nestes casos, utilizam -se os pronomes relativos que ou o qual, este último unica-mente em relativas apositivas:

(58) a. A rapariga que me deu o livro é muito simpática. b. Gosto muito dos teus miúdos, {que/os quais} vi ontem no cinema.

No entanto, nos poucos casos em que o complemento direto pode ser intro-duzido pela preposição a, quando é selecionado por verbos como amar, louvar ou odiar (cf. Cap. 28), quem, devidamente preposicionado, pode ocorrer em orações relativas, quer restritivas quer apositivas, como se ilustra a seguir:

(59) a. Ele é o homem a quem amo mais que tudo na vida. b. Esse homem, a quem odeio profundamente, não me larga.

Nas orações relativas com antecedente implícito, quem pode desempenhar qualquer função sintática na oração relativa, incluindo a de sujeito e a de comple-mento direto42:

(60) a. Quem chegar atrasado não faz o teste. [sujeito] b. Já conhecia quem tu vieste apresentar -me. [complemento direto] c. Conversei com quem combinei ir ao cinema. [complemento oblíquo]

O qual

A locução pronominal o qual funciona como sintagma nominal e é variável em género e número, em concordância com o núcleo nominal do seu antecedente; ocorre apenas em orações relativas de nome com antecedente explícito (cf. (61a,b)), sendo impossível em orações relativas de frase (cf. (61c)) ou em orações relativas de

42 Uma exceção à possibilidade de utilização de quem em orações relativas de antecedente implícito, no entanto, é a função de complemento ou modificador possessivo de um nome: cf. ??apaixonei -me pela mulher

de quem tu me apresentaste ontem o primo. Esta frase é estranha ou mesmo impossível com a interpretação de ‘tu apresentaste -me o primo do marido da mulher por quem me apaixonei’, correspondente à existência de um antecedente implícito; a interpretação atribuída a uma frase deste tipo é a de ‘tu apresentaste -me o primo da mulher por quem me apaixonei’, em que existe um antecedente explícito – mulher. Para a primeira interpretação, os falantes preferem orações relativas com antecedente explícito: cf. apaixonei -me

pela mulher do fulano [de quem tu me apresentaste ontem o primo].

39.3.4 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.3.4

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2091

nome com antecedente implícito (cf. (61d,e)) (em (61a -c) coloca -se o antecedente em negrito):

(61) a. Jantei com a Ana, a qual me disse que estava grávida. b. Comprei uma tinta fantástica, com a qual vou pintar a sala e a cozinha. c. * A câmara aprovou a proposta, o qual foi saudado pela população. d. * O qual vai ao mar perde o lugar. e. * Não tenho com o qual vedar aquela fresta.

A locução o qual não pode ocorrer em orações relativas de antecedente implícito porque não marca morfologicamente qualquer traço semântico (cf. Móia 1992a) e, portanto, não permite a reconstrução do antecedente. Esta impossibilidade estende -se inclusivamente àquelas orações que são complemento de verbos com valor existencial (cf. (61e)), porque o qual, embora não tenha valor referencial autónomo (ver a discussão a seguir), exige um antecedente com valor referencial [+específico]; ora, nestas frases, o antecedente implícito da oração relativa é indefinido e [–específico] (cf. 39.3.1 e 39.3.2).

Em orações relativas de nome com antecedente explícito, esta locução relativa pode ocorrer com a função de sujeito ou de complemento direto nas relativas apo-sitivas (cf. (62)), mas não nas relativas restritivas (cf. (63)):

(62) a. O professor elogiou muito o Rui, o qual teve 20 no teste. [sujeito] b. Os teus pais, os quais vi ontem no cinema, estão cada vez mais novos. [com-

plemento direto]

(63) a. * Posso apresentar -te uma rapariga a qual gosta de ti. [sujeito] b. * O gato o qual vi no telhado é o Zorba. [complemento direto]

Quando a locução o qual é preposicionada, ocorre livremente nos dois tipos de orações relativas, como se ilustra em (64) para as orações apositivas e em (65) para as restritivas:

(64) a. Os meus gatos, aos quais só dou a melhor comida, estão gordos. [comple-mento indireto]

b. Esses ideais, pelos quais sempre lutei, são partilhados por poucos. [comple-mento oblíquo]

c. Esse professor, do qual o Rui é filho, é muito famoso. [complemento de nome] d. Ontem fomos a um restaurante ótimo, no qual se come a melhor lampreia

de Lisboa. [adjunto adverbial locativo] e. Esse ano, no qual o Papa visitou Fátima, foi excelente para as colheitas.

[adjunto adverbial temporal]

(65) a. Os gatos aos quais só dou ração são o Zorba e a Pipoca. [complemento indireto]

b. O rapaz com o qual estavas a conversar é meu primo. [complemento oblíquo] c. O artista do qual ele é filho já morreu. [complemento de nome] d. Fui a um restaurante no qual se come a melhor lampreia de Lisboa. [adjunto

adverbial locativo] e. O ano no qual o Papa visitou Fátima foi excelente para as colheitas. [adjunto

adverbial temporal]

PRONOMES RELATIVOS 39.3.4

Page 37: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2092

Nestes exemplos pode também verificar -se que o qual se combina com antecedentes [+humano] ou [–humano], [+animado] ou [–animado], [+lugar] ou [–lugar] e [+tempo] ou [–tempo], não tendo, portanto, nenhum valor inerente para qualquer destes traços43.

Quando o antecedente é [+humano] ou [+lugar], alguns falantes preferem usar, em vez de o qual, os pronomes relativos quem e onde, que têm traços semânticos inerentes condicentes: ontem fomos a um restaurante ótimo, onde se come a melhor

lampreia de Lisboa (comparar com (64d)), o rapaz com quem conversavas é meu primo (comparar com (65b)). No entanto, isso não acontece com quando, que é sentido como marginal, ou mesmo agramatical, em orações relativas de nome com antece-dente explícito (cf. *o ano quando o Papa visitou Fátima foi excelente para as colheitas), preferindo -se a forma que, preposicionada (cf. o ano em que).

Tanto em orações relativas restritivas como em apositivas, o antecedente de o qual pode ser definido (cf. os exemplos (a -c) de (64) e (65)) ou indefinido (cf. os exemplos (d) de (64) e (65)), mas é sempre [+específico] (cf. Cap. 22). Plausivelmente, o artigo definido da locução é um reflexo desse valor referencial [+ específico]. Além disso, o artigo permite ligar textualmente o constituinte relativo ao antecedente, servindo para desfazer ambiguidades potenciais quanto a esse antecedente.

A locução pronominal o qual apresenta variação em género e número, em concordância com o antecedente. Nos casos em que há mais de um antecedente possível com género e/ou número diferentes, os falantes, para tornar a frase infor-mativamente mais precisa, preferem usar o qual em vez dos pronomes invariáveis que, quem ou onde, sobretudo na escrita formal:

(66) a. O primo daquela rapariga com quem/que fui ao cinema é bem simpático. (antecedentes potenciais: primo (daquela rapariga) ou rapariga)

b. O primo daquela rapariga com o qual fui ao cinema é bem simpático. (ante-cedente não ambíguo: primo (daquela rapariga))

c. O primo daquela rapariga com a qual fui ao cinema é bem simpático. (ante-cedente não ambíguo: rapariga)

(67) a. Lá havia uma casa com um moinho onde estava escrito “património muni-

cipal”. (antecedentes potenciais: casa (com um moinho) ou moinho) b. Lá havia uma casa com um moinho na qual estava escrito “património

municipal”. (antecedente não ambíguo: casa (com um moinho)) c. Lá havia uma casa com um moinho no qual estava escrito “património

municipal”. (antecedente não ambíguo: moinho)

Por outro lado, uma vez que a forma que pode ser interpretada como um pro-nome relativo ou uma conjunção, e isso pode originar leituras diferentes, os falantes optam, em certos contextos, pela utilização de o qual para marcar claramente a fun-ção pronominal. Observe -se a frase: os vossos filhos não acreditam que podem ser amigos

dos Zés Pimpões deste mundo, que têm muito a ensinar -lhes. Na primeira ocorrência, que é a conjunção -complementador que introduz a oração subordinada completiva selecionada pelo verbo acreditar. A segunda ocorrência é ambígua entre conjunção e pronome relativo e por isso a oração em que se encontra tem duas interpretações.

43 Na perspetiva do Cap. 23 e como referido para que na Nota 26, é, portanto, um especificador puro, não um pronome.

39.3.4 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2093

Enquanto conjunção, que introduz uma oração completiva, coordenada assin-deticamente à primeira (equivalente a não acreditam que podem ser amigos deles e que

têm muito a ensinar -lhes). Neste caso, o sujeito nulo de ambas as orações completivas é correferente com o sintagma nominal sujeito da oração principal, os vossos filhos (cf. Caps. 41 e 43); repondo esse sujeito na segunda oração completiva, esta é equi-valente a ‘os vossos filhos têm muito a ensinar-lhes’, sendo o pronome dativo lhes interpretado como correferente com o sintagma nominal os Zés Pimpões deste mundo.

Em contrapartida, enquanto pronome relativo, que é sujeito da oração relativa e tem como antecedente o sitagma nominal os Zés Pimpões deste mundo. Logo, o signi-ficado da oração relativa (com o sujeito reposto) é o oposto da oração completiva (cf. o parágrafo anterior): ‘os Zés Pimpões deste mundo têm muito a ensinar-lhes’, sendo agora o pronome dativo lhes correferente com o sujeito da oração principal os

vossos filhos. Se for esta a interpretação que o falante tem em mente, a utilização de o qual permite evitar a ambiguidade que existe com a forma que: os vossos filhos não acre-

ditam que podem ser amigos dos Zés Pimpões deste mundo, os quais têm muito a ensinar -lhes.O uso de o qual é preferencial ou obrigatório quando o constituinte relativo é

introduzido por uma preposição com duas ou mais sílabas (ante, contra, durante, perante, sobre, etc.) ou por uma locução prepositiva (acerca de, através de, em face

de, etc.) e o seu antecedente é [–humano] (cf. os exemplos (39), acima, o texto que os introduz, Cunha e Cintra 1984 e Bechara 1999):

(68) a. As injustiças contra as quais luta a Maria são muitas. b. Desconheço o assunto acerca do qual eles discutiram. c. Montaram -se diversos túneis, através dos quais os concorrentes tinham de

passar para ganhar a prova.

Com antecedente [+humano], apenas os constituintes preposicionados intro-duzidos por sem exigem o qual, aparentemente para evitar a dissonância de sem

quem (cf. Cunha e Cintra 1984):

(69) a. É ele a pessoa sem a qual eu não vivo! b. ?? É ele a pessoa sem quem eu não vivo!

Quando a locução relativa o qual modifica ou é complemento de um nome, ligando -se a este através de uma preposição (frequentemente de), existem duas opções para o constituinte relativo.

Na primeira, o constituinte relativo é formado unicamente pela locução e pela preposição de ligação, e o nome modificado ou complementado mantém -se dentro da parte proposicional da oração relativa, na posição canónica associada à sua função gramatical, como se ilustra em (70) (nos exemplos, coloca -se entre parênteses retos a parte proposicional da oração relativa e assinala -se com um espaço em branco sublinhado a posição dentro desta associada ao constituinte relativo):

(70) a. Os meus alunos, dos quais [os amigos _ estão em Erasmus], querem ir para fora no próximo ano.

b. Adorava o livro do qual [o meu filho rasgou a capa _]. c. O meu telefone, do qual [o gato roeu o fio _], deixou de funcionar. d. Esses ideais, pelos quais [a luta _ foi inglória], já não existem no séc. XXI.

PRONOMES RELATIVOS 39.3.3

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2094

Tem -se o mesmo tipo de estrutura em construções quantificacionais partitivas, nas quais o constituinte relativo é formado apenas pela locução o qual e pela pre-posição de que a introduz, ocorrendo o quantificador na parte proposicional da oração relativa, como se ilustra em (71):

(71) a. Estes livros, dos quais [eu li alguns _], eram do meu pai. b. Os meus alunos, dos quais [muitos _ também trabalham], têm boas notas. c. Os meus gatos, dos quais [metade _ ficou de castigo], são umas pestes.

Na segunda opção, o constituinte relativo contém o próprio nome modificado ou o quantificador, seguido da preposição e do pronome o qual. Correspondendo a (70) e a (71), tem -se, respetivamente, (72) e (73) (cf. também a Caixa [11]):

(72) a. Os meus alunos, os amigos dos quais [_ estão em Erasmus], querem ir para fora no próximo ano.

b. Adorava o livro a capa do qual [o meu filho rasgou _]. c. O meu telefone, o fio do qual [o gato roeu _], deixou de funcionar. d. Esses ideais, a luta pelos quais [_ foi inglória], já não existem no séc. XXI.

(73) a. Estes livros, alguns dos quais [eu li _], eram do meu pai. b. Os meus alunos, muitos dos quais [_ também trabalham], têm boas notas. c. Os meus gatos, metade dos quais [_ ficou de castigo], são umas pestes.

[11] A primeira opção descrita no texto não é possível quando o constituinte relativo está associado a um constituinte preposicionado dentro da oração relativa (cf. Peres e Móia 1995), como se pode ver pela agramaticalidade de (i):

(i) a. * Os meus alunos, dos quais [converso muito com os amigos _], querem ir para fora no próximo ano. (cf. converso muito com os amigos dos meus alunos)

b. * Adorava o livro do qual [o meu gato fugiu com a capa _]. (cf. o meu gato fugiu

com a capa de um livro) c. * Estes livros, dos quais [eu gosto muito de alguns _], eram do meu pai. (cf. eu

gosto muito de alguns destes livros) d. * Os meus alunos, dos quais [eu falo bem de muitos _], têm boas notas. (cf. eu

falo bem de muitos dos meus alunos)

Em (i), o constituinte relativo é complemento de um nome que faz parte de um sintagma preposicional, como se pode ver nas frases simples correspondentes, entre parênteses nos exemplos. Nestes casos, ainda que o resultado seja um pouco “pesado” e, por isso, evitado pelos falantes, a única opção gramatical é a segunda descrita no texto; ou seja, o constituinte relativo tem de conter todo o sintagma preposicional, incluindo o nome modificado ou complementado ou o quantificador, como se ilustra em (ii):

(ii) a. Os meus alunos, com os amigos dos quais [converso muito _], querem ir para fora no próximo ano.

b. Adorava o livro com a capa do qual [o meu gato fugiu _]. c. Estes livros, de alguns dos quais [eu gosto muito _], eram do meu pai. d. Os meus alunos, de muitos dos quais [eu falo bem _], têm boas notas.

Quando a locução relativa é introduzida por de e tem valor possessivo (cf. Caps. 20 e 23), alterna com o pronome relativo cujo, que funciona como especificador do

39.3.4 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2095

nome complementado ou modificado (o qual denota a entidade possuída) dentro do constituinte relativo (cf. 39.3.5), como se ilustra em (74)44:

(74) a. Os meus alunos, cujos amigos [_ estão em Erasmus], querem ir para fora no próximo ano.

b. Adorava o livro cuja capa [o meu filho rasgou _]. c. O meu telefone, cujo fio [o gato roeu _], deixou de funcionar. d. Os meus alunos, com cujos amigos [converso muito _], querem ir para fora

no próximo ano. e. Adorava o livro com cuja capa [o meu gato fugiu _].

Quando a oração relativa contém uma estrutura complexa de subordinação adverbial e o pronome relativo desempenha uma função gramatical na oração subordinada adverbial, o uso de o qual é obrigatório; tal como nos casos anteriores, o constituinte relativo pode conter a oração subordinada no seu todo (cf. (75)):

(75) a. Não me saíram bem os rissóis, para fritar os quais [usei óleo de soja _]. [oração subordinada adverbial infinitiva]

b. A empresa depara -se com vários problemas, resolvidos os quais [_ reapare-

cerão os investidores]. [oração subordinada adverbial participial] c. A empresa depara -se com vários problemas, resolvendo os quais, [_ os fun-

cionários receberão um bónus]. [oração subordinada adverbial gerundiva]

Em alternativa, em contextos menos formais, o constituinte relativo pode con-ter apenas a locução relativa, permanecendo o resto da oração adverbial na parte proposicional da oração relativa, preferencialmente em posição periférica, inicial (cf. Caixa [5]), como em (76):

(76) a. Não me saíram bem os rissóis, os quais, [para fritar _, usei óleo de soja]. [oração subordinada adverbial infinitiva]

b. A empresa depara -se com vários problemas, os quais, [resolvidos _ , reapa-

recerão os investidores]. [oração subordinada adverbial participial] c. A empresa depara -se com vários problemas, os quais, [resolvendo _, os fun-

cionários receberão um bónus]. [oração subordinada adverbial gerundiva]

[12] Em fases anteriores da língua, o qual apresentava dois padrões sintáticos distintos

em orações relativas de nome45: num deles, o qual era equivalente a um sintagma

nominal, como em português contemporâneo (cf. o professor elogiou muito o Rui, o qual

teve 20 no teste; o qual = o Rui); no outro, funcionava como um determinante explícito,

precedendo um grupo nominal dentro do constituinte relativo, geralmente idêntico

ao grupo nominal antecedente (ou a parte dele), mas podendo também ser um sinó-

nimo ou um hiperónimo deste46. Estes dois usos exemplificam -se, respetivamente,

44 A construção com cujo é preferida pelos falantes mais escolarizados, em registos formais. Nestes con-textos, os falantes menos escolarizados (e mesmo alguns falantes escolarizados em situações informais) recorrem frequentemente a estratégias de relativização consideradas marginais (ou não canónicas), como a estratégia cortadora exemplificada em o telefone [que o gato roeu o fio _] já foi para arranjar (cf. 39.8.1).45 Cf. Cardoso (2008), que estudou este duplo uso em dados que vão desde o séc. XII ao séc. XVII.46 Esta segunda estrutura constitui a versão explícita daquilo que considerámos ser a representação “subjacente” das orações relativas com os “pronomes” que e o qual (cf. 39.1, a discussão dos paradigmas (3) -(9) e as Caixas [2] e [3]).

PRONOMES RELATIVOS 39.3.3

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2096

em (ia) e (ib), frases retiradas por Cardoso do corpus de Martins (1994a), identificadas pelo número do exemplo do corpus seguido da data; em (ia), o constituinte relativo contém apenas o qual, equivalente a um sintagma nominal, e em (ib) contém o qual e um grupo nominal especificado por o qual (coloca -se em negrito o antecedente da oração relativa e sublinha -se o constituinte nominal):

(i) a. E pedia q(ue) p(er) Sen(ten)ça o cost(re)ngese q(ue) lhj dese a d(i)ta vaca cõ sua ffilha seg'do mays conp(ri)dam(en)t(e) Era (con)tehudo ( sua petíçom a q(u)al ffoy contestada p(er) o d(i)to p(ri)oll (101, 1379)

b. (e) Asy diserom q(ue) os di(c)t(os) logares danboroes (e) mõte valem todo onze m(a)r(avedi)s da boa moeda cõ ho di(c)to monte os q(u)aes logares

danboroes p(ar)tem cõ erdade darouqua (e) c' erdade do di(c)to Johã de basto

(e) cõ erdade de v(asco) m(art)jz (152, 1414)

Segundo Cardoso, os fatores condicionantes da ocorrência de um ou de outro padrão têm que ver com a distância entre o antecedente e a oração relativa. Quando há adjacência entre os dois, é mais frequente o uso de o qual como sintagma nominal. Inversamente, quando não há adjacência, como em (ib), o uso de o qual como deter-minante explícito é mais frequente. Cardoso nota também que a partir do séc. XVII diminui a frequência de o qual como determinante explícito em orações relativas.

Em português contemporâneo, como se ilustrou ao longo desta subsecção, a locução relativa o qual ocorre normalmente como sintagma nominal no constituinte relativo, quer como único membro do constituinte relativo (cf., por exemplo, (61a)) quer precedida de uma preposição (cf., por exemplo, (61b)) quer ainda na constru-ção ilustrada em (72)47.

No entanto, alguns autores (cf. Brito 1991a, Bechara 1999) registam o uso como determinante explícito em orações relativas apositivas, como as de (ii) (o primeiro exemplo é de Brito 1991a:133, o segundo é de Bechara 1999:488):

(ii) a. A falta de monitores na Faculdade de Direito de Lisboa não permitiu ainda que começassem as aulas das subturmas, as quais aulas funcionam em regime

de avaliação contínua de conhecimentos. b. Ao livro ninguém fez referência, o qual livro merece a maior consideração, no

meu entender.

Estas construções parecem arcaicas à maioria dos falantes do português, estando limitado o seu uso a contextos literários ou a registos de grande formalidade:

(iii) a. aprovaram um documento a submeter à consideração do governo da nação, o qual documento adoptava a única proposta construtiva, construtiva,

sim, mas também hilariante, que havia sido apresentada a debate (Saramago,

Intermitências, pág. 28). b. Quando os filósofos, divididos, como sempre, em pessimistas e optimistas, uns

carrancudos, outros risonhos, se dispunham a recomeçar pela milésima vez a cediça disputa do copo de que não se sabe se está meio cheio ou meio vazio, a qual disputa, transferida para a questão que ali os chamara, se reduziria

no final, com toda a probabilidade, a um mero inventário das vantagens ou

desvantagens de estar morto ou de viver para sempre (Saramago, Intermitências, pág. 37).

47 Na construção ilustrada em (72), o qual é complemento ou modificador preposicionado de um nome e ocorre com esse nome no constituinte relativo: cf., por exemplo, (72b), adorava o livro a capa do qual [o meu

filho rasgou _]. Neste uso, que é diferente do uso ilustrado em (ib) acima, o qual é também equivalente a um sintagma nominal completo.

39.3.4 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 42: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2097

Cujo

Esta forma, variável em género e número, é um pronome relativo semanticamente equivalente a um pronome possessivo genitivo de 3.ª pessoa (cf. Cap. 23), como se ilustra pela relação entre a oração relativa de (77a) e a segunda frase da paráfrase textual de (77a) dada em (77b):

(77) a. Comprei um livro cujas páginas vinham rasgadas. b. Comprei um livro. As suas páginas vinham rasgadas.

São várias as semelhanças gramaticais e semânticas que existem entre cujo e o pronome possessivo de 3.ª pessoa (os pontos que seguem deveriam ser iniciados pela expressão “tal como o pronome possessivo”, que omitimos para não sobre-carregar o texto):

E cujo retoma pronominalmente a entidade possuidora na relação de posse expressa no sintagma nominal48;

E cujo corresponde a um complemento ou a um modificador do nome que denota a entidade possuída;

E cujo precede o nome que denota a entidade possuída (cf. Cap. 20). Este nome é por vezes chamado o consequente de cujo e os dois integram obrigatoriamente o constituinte relativo;

E cujo concorda em género e número com o nome consequente;

E cujo é equivalente a um sintagma preposicional introduzido pela preposição de, também com a função de modificador ou complemento do nome; assim, cor-respondendo a (77a), tem -se comprei um livro as páginas do qual vinham rasgadas (cf., correspondendo a (77b), comprei um livro; as páginas dele vinham rasgadas).

Estas propriedades tornam legítimo considerar cujo um pronome relativo possessivo (cf. Cunha e Cintra 1984).

Diferentemente dos pronomes possessivos, no entanto, cujo não ocorre com um artigo, como se vê pela impossibilidade de *comprei um livro as cujas páginas vinham

rasgadas ou de *comprei um livro cujas as páginas vinham rasgadas (compare -se com as suas páginas vinham rasgadas). A ausência do artigo com cujo deve -se ao facto de esta forma obrigar a uma interpretação definida do nome consequente49. Por outras palavras, cujo tem simultaneamente duas funções: (i) retoma o antecedente nomi-nal que corresponde ao possuidor (livro, em (77a)) e (ii) veicula uma interpretação definida no constituinte relativo (cf. as suas páginas, em (77b)). Essa codificação da definitude em cujo tem reflexos morfológicos, sendo plausível considerar que a terminação flexional deste pronome (cf. cujo, cuja, cujos, cujas) é sentida pelos falantes como uma incorporação do artigo definido no radical CUJ-.

48 Sobre a natureza semântica do conceito de posse veiculado pelos sintagmas nominais com pronomes possessivos (ou com sintagmas preposicionais introduzidos pela preposição de), cf. Cap. 23.49 Repare -se que os pronomes possessivos não obrigam a uma interpretação definida, podendo ocorrer com artigos indefinidos, como em um amigo meu ofereceu -me uma garrafa de whisky (cf. Cap. 23).

PRONOMES RELATIVOS 39.3.5

39.3.5

Page 43: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2098

[13] Por incorporar o traço [+definido], considera -se aqui que cujo funciona como especificador (um determinante) do sintagma nominal que forma o constituinte relativo (cf. Cap. 20). Recorde -se que os pronomes possessivos (não relativos) tanto podem ocorrer com o artigo definido como com o artigo indefinido, sendo sensíveis ao valor do traço [±definido] apenas no que respeita à sua posição dentro do sintagma nominal (pré -nominal com o artigo definido, pós -nominal com o indefinido; cf. o seu amigo vs. um amigo seu). Este foi um dos motivos que levaram a questionar a classificação dos possessivos como especificadores (cf. Cap. 20.3.4.4). Ainda que os outros motivos aí apontados sejam também válidos para cujo (nomeadamente, o seu estatuto de complemento ou modificador do nome e o facto de representar uma entidade do universo do discurso), as reservas baseadas na ocorrência com os artigos definido e indefinido não se aplicam neste caso.

Por ser um pronome possessivo, cujo tem necessariamente um antecedente nominal, que corresponde à entidade possuidora, não podendo ocorrer em orações relativas de frase, em que o antecedente é de natureza oracional (cf. *as pessoas

continuam a procurar as grandes cidades, cujo causa desertificação rural).Com base na equivalência semântica entre frases como (78) e frases como (79),

em que do qual e cujo têm uma interpretação possessiva (ver a quinta propriedade discutida acima), estes dois pronomes são muitas vezes considerados equivalentes:

(78) a. Comprei um livro cujas páginas vinham rasgadas. b. Deitei fora o aparelho cujos fios o rato roeu.

(79) a. Comprei um livro as páginas do qual vinham rasgadas. b. Deitei fora o aparelho os fios do qual o rato roeu.

Do ponto de vista sintático, no entanto, esta equivalência é apenas parcial. Em primeiro lugar, do qual não obriga a que o nome possuído seja definido, contraria-mente a cujo (cf. comprei um livro umas/algumas páginas do qual estavam rasgadas).

Segundo, do qual pode ter a função de complemento oblíquo numa oração rela-tiva, ao passo que cujo não pode (cf. esse é um livro do qual gosto muito vs. *esse é um

livro cujo gosto muito); ou seja, cujo corresponde sempre a um complemento ou a um modificador possessivo do nome (mas cf. Caixa [7]), e do qual não necessariamente.

Terceiro, o constituinte relativo pode ser formado exclusivamente por o qual (precedido de preposição), ocorrendo o nome modificado na parte proposicional da oração relativa (cf. 39.3.4), ao passo que tal não é possível com cujo, como se ilustra no seguinte paradigma, correspondendo aos exemplos (b) de (78) e (79):

(80) a. Deitei fora o aparelho do qual [o rato roeu os fios _]. b. * Deitei fora o aparelho cujos [o rato roeu _ fios].

Finalmente, cujo concorda em género e número com o nome consequente, fun-cionando como especificador definido desse nome (cf. livro cujas páginas e Caixa [13]), ao passo que do qual concorda em género e número com o seu antecedente, não com o nome que modifica (cf. livro as páginas do qual vs. *livro as páginas das quais)50.

50 Como se sugeriu em 39.1 e 39.3.4, a locução o qual especifica dentro do constituinte relativo um nome elíptico, idêntico ao antecedente da oração relativa: cf., por exemplo, relativamente a (79a), comprei um

livro [as páginas do qual livro] vinham rasgadas; ou seja, quando o constituinte relativo que contém o qual é

39.3.5 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 44: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2099

O constituinte relativo que contém cujo pode ter funções sintáticas diversas na oração relativa:

(81) a. Encontrei um rapaz cujas primas são minhas alunas. [sujeito] b. O meu gato, cujo nariz o irmão arranhou, está doente. [complemento direto] c. Turim é uma cidade de cuja arquitetura barroca gostei muito. [complemento

oblíquo] d. O meu casaco, em cuja lapela entornei uma chávena de café, ficou estragado.

[adjunto adverbial locativo]

Nestes exemplos, verifica -se também que cujo aceita como antecedente nomes semanticamente muito variados, com valor positivo ou negativo para os traços [humano], [animado] e [lugar]; por outras palavras, cujo não tem nenhum valor inerente para estes traços, o que, por sua vez, bloqueia o seu uso em orações relativas com antecedente implícito (cf. *encontrei cujas primas são minhas alunas).

Quanto

Este pronome relativo pode ser equivalente a um sintagma nominal, quando tem como antecedente o pronome neutro tudo (cf. (82a)), ou em orações relativas com um antecedente quantificacional implícito (cf. (82b)), sendo nesse caso morfolo-gicamente invariável; ou pode funcionar como especificador, variando morfolo-gicamente em género e número (cf. (82c,d)). Neste caso, o grupo nominal com o qual concorda pode ocorrer dentro do constituinte relativo (cf. (82c)) ou no ante-cedente (cf. (82d)):

(82) a. Transformava em ouro tudo quanto tocava. b. Comeu quanto havia em casa. c. Viu quantos filmes de cobóis passavam em Lisboa. d. Viu tantos filmes de cobóis quantos passavam em Lisboa.

Em (82d), quanto, apesar de ocorrer sozinho no constituinte relativo, tem o estatuto de especificador; de facto, considera -se haver, neste caso, elipse do grupo nominal especificado pelo quantificador tantos, i.e., filmes de cobóis; ou seja, a estrutura desta frase é aquela que se ilustra em (83):

(83) Viu tantos filmes de cobóis [quantos filmes de cobóis] passavam em Lisboa.

Neste uso, como se verifica, quanto é variável em género e número, consoante os valores para essas propriedades do grupo nominal elíptico.

Em qualquer dos estatutos, quanto tem um valor semântico intrínseco de quan-tidade e podemos dizer que o seu antecedente (explícito ou não) é, precisamente, a quantificação do sintagma nominal a que a oração relativa está ligada e não pro-priamente o grupo nominal, o qual representa o domínio da quantificação; p.e., em (82d), o antecedente de quantos é tantos e não filmes de cobóis, que representa o domínio da quantificação.

semanticamente possessivo, o qual é especificador do nome (elíptico) que denota a entidade possuidora. Em contrapartida, cujo é especificador do nome (expresso) que denota a entidade possuída (cf. comprei um

livro [cujas páginas] vinham rasgadas.

PRONOMES RELATIVOS 39.3.6

39.3.6

Page 45: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2100

O antecedente quantificacional é expresso pelo quantificador pronominal neutro tudo, por uma forma morfologicamente apropriada do quantificador tanto ou é dada por um quantificador implícito (i.e., não foneticamente realizado) equivalente a tudo ou a tanto, como em (82b,c).

Quando tem o estatuto de sintagma nominal, quanto é invariável e tem um valor semelhante a o que: assim, p.e., (82a) é equivalente a transformava em ouro tudo o que

tocava e (82b) a comeu o que havia em casa. Com o estatuto de sintagma nominal, quando quanto tem antecedente explícito, esse antecedente é obrigatoriamente o pronome tudo (cf. (82a)), o que implica que o domínio de quantificação não seja descrito por um nome autónomo (cf. Cap. 23).

A natureza quantificacional destas orações relativas é particularmente visível quando quanto é um especificador em exemplos como (82d) ou nos exemplos seguintes:

(84) a. O João bebeu tanto leite quanto lhe apeteceu. b. O Pedro namora com tantas raparigas quantas lhe aparecem à frente.

Assim, em (84a), o antecedente de quanto não é leite, mas sim tanto, e, em (84b), o antecedente de quantas é tantas. Os grupos nominais leite e raparigas, nestes exem-plos (bem como filmes de cobóis, em (82d)), representam o domínio da quantifi-cação. Dito de outro modo, em vez de restringirem a denotação do nome, como acontece nas orações relativas (restritivas) de nome descritas nas secções anteriores, estas orações relativas restringem ou delimitam uma quantidade de entidades ou de substâncias (filmes de cobóis, leite e raparigas, respetivamente, nos exemplos). Nesse sentido, um termo mais apto para as orações relativas com quanto seria “orações relativas de quantificação”51. Por sua vez, em (82a,b), o domínio de quantificação não é dado explicitamente através de um nome ou grupo nominal, sendo definido apenas pelas restrições de seleção semânticas (cf. Cap. 28) impostas pelos predicados da oração principal e/ou da oração relativa (p.e., em (82a) tem de ser algo em que se possa tocar e em (82b), algo de comestível).

Por ter um valor intrínseco de quantidade, quanto não pode ocorrer em orações relativas de frase (cf. *chegámos tarde, quanto enfureceu os donos da casa), visto que as frases não representam quantidades; e não pode também ocorrer em orações relativas apositivas (cf. a impossibilidade de *comeu tantos bolos, quantos havia em casa), visto que a função destas consiste em apresentar informação adicional sobre um antecedente que representa necessariamente uma entidade ou uma situação, não uma quantidade.

Quando tem o estatuto de especificador, quanto pode ocorrer em estruturas variadas. Uma propriedade interessante destas estruturas é que o grupo nominal que introduz o domínio da quantificação só pode ocorrer uma vez, ou no consti-tuinte relativo (cf. (82c) e (85a)) ou no sintagma nominal que integra o antecedente (cf. (82d), (84) e (85b)), mas não nos dois (cf. (85c)). Além disso, quando o domínio de quantificação ocorre no constituinte relativo, o antecedente quantificacional da oração relativa é necessariamente implícito (cf. (85a) vs. (85d))52:

51 Por compararem graus ou quantidades, algumas destas orações são tradicionalmente consideradas com-parativas (cf. Cap. 40). Assim, p.e., em (84a), compara -se a quantidade de leite que o João bebeu com a quantidade de leite que lhe apetecia beber, havendo uma relação de igualdade entre as duas quantidades.52 A agramaticalidade de (85d) deve -se plausivelmente ao facto de a elipse do nome, neste contexto, não poder ser regressiva (cf. Cap. 45); ou seja, não é possível a seguinte estrutura: *comeu [tantos bolos] quantos

39.3.6 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 46: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2101

(85) a. Comeu quantos bolos eu havia trazido. b. Comeu tantos bolos quantos eu havia trazido. c. * Comeu tantos bolos quantos bolos eu havia trazido. d. * Comeu tantos quantos bolos eu havia trazido.

O domínio da quantificação pode mesmo não estar expresso, sendo recuperá-vel a partir do contexto discursivo ou através de informação pertinente provinda do contexto situacional. Neste caso, o antecedente quantificacional tanto pode ser explícito (cf. (86a)) como implícito (cf. (86b)):

(86) (Apontando para os bolos na montra de uma pastelaria) a. Vou comprar tantos quantos me apeteça. b. Vou comprar quantos me apeteça.

Nestas frases, tantos e quantos em (86a), e quantos em (86b), estão integrados em sintagmas nominais com um nome elíptico (sobre a existência de apenas uma elipse em (87b), cf. Nota 52; a elipse da primeira ocorrência de bolos em (87a) é recuperada através do contexto situacional):

(87) a. Vou comprar [tantos bolos] [quantos bolos] me apeteça. b. Vou comprar [quantos bolos] me apeteça.

Outro elemento que pode ocorrer como antecedente do especificador relativo quanto é o especificador quantificacional todo (e variantes morfológicas), com valor universal. Neste caso, o grupo nominal que especifica o domínio de quantificação não pode estar expresso nem no sintagma nominal antecedente nem no consti-tuinte relativo, sendo apenas identificado em contexto53:

(88) (Mesmo contexto de (86)) a. Vou comprar todos quantos me apeteça. b. * Vou comprar todos os bolos quantos me apeteça. c. * Vou comprar todos quantos bolos me apeteça.

As pro -formas onde, como e quando

As formas onde, como e quando são pro -formas relativas de natureza adverbial que se caracterizam por terem valores semânticos particulares54: onde tem o traço [+lugar], como o traço [+modo] e quando o traço [+tempo]. Assim, estes pronomes equivalem,

bolos eu havia trazido. Por sua vez, este facto reforça a ideia de que o antecedente quantificacional de (85a) é implícito, não existindo aí qualquer processo de elipse. Note-se, no entanto, que a elipse regressiva é atestada com o quantificador todo (e variantes) em períodos anteriores da língua e mesmo, ocasionalmente, no português contemporâneo (cf. a Nota 53).53 No séc. XIX é ainda possível encontrar -se o nome dentro do constituinte relativo (cf. De todas quantas

viagens porém fiz, as que mais me interessaram sempre foram as viagens na minha terra. (CRPC, Garrett, Viagens)) Na atualidade, esse uso pode soar estranho a muitos falantes, mas ocorre esporadicamente, como se vê nos seguintes exemplos retirados de diversos blogues: viajávamos até casa dos meus tios e lá ficávamos 2 ou 3 dias,

de roda dos tachos e depois da mesa e visitávamos toda quanta família lá havia (A minha fortuna, 19.06.2009); ou amora, ginja, muitos frutos vermelhos acabados de colher, baunilha, chocolate, algum tabaco (!) e um leve toque

de aniz fazem desta, na minha opinião, a melhor de todas quantas “colheitas” o Cartaxo nos apresentou até hoje (O Mundo da Corrida, 19.06.2009).54 Ainda que, em sentido estrito, onde, como e quando não sejam pronomes, mas sim pro -formas adverbiais (“pro -advérbios”), continuamos no texto a designá -los como “pronomes”, seguindo a tradição gramatical.

PRONOMES RELATIVOS 39.3.7

39.3.7

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2102

respetivamente, a ‘em que lugar’, ‘de que modo’ e ‘em que tempo’. Ainda que as três formas partilhem propriedades gramaticais, têm comportamentos diferentes em aspetos importantes, o que justifica uma descrição separada para cada uma delas.

Onde

O pronome relativo onde caracteriza -se por ser semanticamente locativo (i.e., possui o traço [+lugar]). Esta propriedade impõe dois requisitos distintos sobre o seu uso: (i) o seu antecedente (explícito ou implícito) tem de denotar um lugar e (ii) o valor semântico do pronome dentro da oração relativa tem de ser locativo, quer o pronome seja fun-cionalmente um complemento oblíquo (cf. (89)) quer seja um adjunto (cf. (90))55:

(89) a. Visitei uma casa onde tinha vivido o Lorca. b. Tropecei na mesa onde tinha posto os copos.

(90) a. Lembro -me da cidade onde conheci a Maria. b. Levaram -me ao restaurante onde se comem os melhores bifes de Lisboa.

Em (89) e (90), onde tem um valor semântico locativo estático (de ‘lugar onde/em que’) na oração relativa. Este valor, quando realizado num sintagma preposicional, requer tipicamente a preposição em (cf., por exemplo, o Lorca viveu nessa casa ou conheci a Maria em Roma). No entanto, onde, com este valor, não é (nem pode ser) preposicionado, como mostra, p.e., a impossibilidade de *visitei uma casa em onde

tinha vivido o Lorca ou *lembro -me da cidade em onde conheci a Maria.Quando onde tem um valor locativo dinâmico (direcional) na oração relativa,

nomeadamente de origem (‘lugar de onde’), de destino (‘lugar para onde’/‘aonde’) ou de passagem (‘lugar por onde’), o pronome passa a fazer parte de um constituinte relativo introduzido pela preposição adequada a cada um desses valores, como se ilustra em (91)56. Nestes casos, o constituinte relativo é tipicamente um comple-mento do verbo da oração relativa57:

(91) a. A cidade de onde eles vieram fica em África. b. A cidade {para onde/aonde} eles foram fica muito longe da minha.58

c. Detesto as estações por onde os comboios passam sem parar.

55 Por vezes, o valor locativo a que está associado este pronome relativo pode envolver extensões metafóricas a partir da dimensão de espaço físico (cf. Peres e Móia 1995:302, cujos exemplos utilizamos):(i) a. A disciplina onde o Paulo se desembaraça melhor é Matemática. b. A parte do discurso onde a Ana foi mais convincente foi aquela em que enumerou as promessas não

cumpridas do Governo.56 Quando o constituinte relativo é introduzido por qualquer locução prepositiva associada a uma destas funções semânticas, como em direção a, para dentro de, de dentro de, de ao pé de, para perto de, etc., utiliza -se a locução relativa o qual. Apenas a locução prepositiva a partir de parece aceitar facilmente o uso de onde

(cf. a aldeia, embrenhada no meio da floresta, não tem telefone e os contactos são feitos via rádio com o posto

mais próximo da Funai, na cidade de Colider, a partir de onde, também via rádio, são feitos os contactos com

a Funai em Brasília (CRPC, Público)).57 Embora a maioria dos adjuntos tenha um valor locativo estático, de ‘lugar onde’, há algumas exceções. Nestes casos excecionais, o pronome relativo faz parte de um constituinte com a preposição adequada. Assim, p.e., em comprei uma casa de onde se vê o mar, o constituinte relativo de onde é um adjunto da oração relativa, mas tem um valor locativo dinâmico de ‘lugar de onde’.58 Quando o verbo da oração relativa é ir, embora o valor locativo seja direcional, pode também usar -se o pronome relativo não preposicionado: cf. a cidade onde eles foram é muito longe da minha (cf. Caixa [14]).

39.3.7.1 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.3.7.1

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2103

Devido à sua natureza adverbial, onde não pode ter nem a função de sujeito (cf. (92a)) nem a de complemento direto (cf. (92b,c)) dentro da oração relativa, mesmo quando estas funções se encontram de alguma maneira associadas a um valor locativo (repare -se que o antecedente denota um lugar nos três exemplos):(92) a. * Os turistas gostam sempre dos lugares onde é agradável. (vs. dos lugares que

são agradáveis) b. * O Lorca viveu numa casa onde eu visitei. (vs. numa casa que eu visitei) c. * O tanque onde eu enchi com/de gasolina explodiu. (vs. que eu enchi com/de

gasolina)

[14] As formas onde e aonde (às quais se pode juntar a forma mais popular adonde) são utilizadas por diversos falantes praticamente nos mesmos contextos frásicos, quer em orações interrogativas quer em orações relativas, como já descrito em Cunha e Cintra (1984:351s). Assim, nos casos em que o constituinte relativo corresponde a um valor locativo estático, de ‘lugar em que’, este deveria ter a forma onde (cf. o res-

taurante onde jantei), mas é possível encontrar -se a forma aonde (cf. o restaurante

aonde jantei); inversamente, nos casos em que o constituinte relativo corresponde a um valor locativo dinâmico direcional, de ‘lugar a que’, este deveria ter a forma aonde (cf. o restaurante aonde fui), mas é possível encontrar -se a forma onde (cf. o res-

taurante onde fui)59.Os falantes mais cultos consideram a forma aonde (e adonde) marginal, corres-

pondendo a um uso mais popular, e preferem a forma onde, independentemente do valor locativo associado. No entanto, mesmo para alguns destes falantes, o uso das duas formas em orações relativas com antecedente implícito não é tão livre quanto possa parecer pelos outros contextos.

Assim, quando o antecedente é explícito, se a construção relativa (recorda -se: o sintagma nominal que contém o antecedente – implícito, neste caso – e a oração relativa) estiver integrada num constituinte com valor locativo dinâmico de destino (valor esse determinado na oração principal), a forma onde é considerada estranha pelos falantes, mesmo que o constituinte relativo tenha um valor locativo estático na oração relativa:

(i) a. No domingo vamos aonde nos conhecemos _. b. ?? No domingo vamos onde nos conhecemos _.

Em contrapartida, se a construção relativa estiver associada a um valor locativo estático na oração principal, onde é preferível a aonde, mesmo que o constituinte relativo tenha um valor locativo de destino na oração relativa:

(ii) a. No domingo estivemos onde tu foste _ no verão. b. ? No domingo estivemos aonde tu foste _ no verão.

Para estes falantes, a alternância condicionada entre onde e aonde nestes con-textos parece ser determinada pelo valor semântico da construção relativa na oração principal. Assim, quando este valor é dinâmico, de destino, como em (i) (neste caso determinado pelo verbo ir), a forma preferida é aonde, independentemente do valor locativo do pronome na oração relativa.

59 Esta norma linguística é relativamente recente, a avaliar pela descrição de Said Ali ([1931] 1971), que a situa no português moderno (cf. Caixa [7]). Talvez o seu caráter recente esteja por detrás da recusa das camadas mais cultas em aceitar a forma aonde, em tempos considerada marginal.

PRONOMES RELATIVOS 39.3.7.1

Page 49: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2104

Essa preferência acaba por estar relacionada com o requisito de conformidade

categorial existente nas orações relativas com antecedente implícito (cf. 39.6.2), o

qual impõe restrições sobre as classes com que se podem realizar quer os constituintes

relativos quer os constituintes mais vastos em que se integram as orações relativas.

Como vimos, ao valor locativo de destino está associada a preposição a, enquanto

ao valor locativo estático está associada a preposição em, não ocorrendo esta última

quando o locativo corresponde ao pronome relativo onde. Em (ia), apesar de haver uma

fusão fonética e ortográfica da preposição a com o pronome, o constituinte relativo é

apenas onde, visto que a preposição pertence, na realidade, à oração principal, sendo

selecionada pelo verbo ir; ou seja, a preposição introduz o antecedente implícito da

oração relativa (marcado a seguir pelo espaço em branco sublinhado): a _ [[onde]...]

cf. ao lugar onde… Portanto, é natural que mesmo falantes que associem a forma

aonde a registos mais populares prefiram (ia) e rejeitem (ib), pois aqui não se trata de

variação lexical entre os pronomes onde e aonde, mas sim da aplicação de um requi-

sito que condiciona a estrutura da frase. Esses mesmos falantes rejeitarão totalmente

(iib), da mesma forma que rejeitam orações como aonde foste?, mas para os falantes

menos cultos, (iib) não será tão estranho como (ib), na medida em que aqui se trata

de variação lexical na forma do pronome (e foi esta variação que se quis registar com

apenas um ponto de interrogação em (iib)).

As construções relativas com o pronome onde podem desempenhar qualquer função gramatical na oração principal: sujeito (cf.  (93a)), complemento direto (cf. (93b)), complemento oblíquo (cf. (93c)) e adjunto adverbial (cf. (93d)):

(93) a. [O local onde jantei] ficava perto do museu. b. Adorei [o local onde jantámos]. c. Embirrei profundamente [com o clube onde fomos passar férias]. d. Já representei [no teatro onde se estreou a Mirita Casimiro].

A aceitabilidade de onde em orações relativas com antecedente implícito, ilustradas em (94), varia muito de falante para falante; por isso não marcamos os exemplos com símbolos de gramaticalidade, deixando essa avaliação aos leitores:

(94) a. Onde eu moro tem muitos restaurantes. b. Adorei onde jantámos ontem. c. Não gostei nada de onde jantámos ontem. d. Atualmente, temos uma ideia clara de onde esses povos viviam.

Em (94a), a construção relativa em que se inclui a oração relativa tem a função de sujeito; em (94b), de complemento direto; em (94c), de complemento oblíquo de um verbo; e em (94d), de complemento de nome. Em (94d), o constituinte relativo onde é complemento do verbo da oração relativa; nos outros exemplos, é um adjunto adverbial dessa oração. Repare -se que, em (94d), a preposição de pertence à oração principal, estabelecendo a ligação entre o nome ideia e o sintagma nominal que contém a oração relativa (cf. Cap. 32)60.

60 É sobretudo quando a construção relativa tem a função de complemento direto da oração principal que os falantes apresentam maiores divergências quanto à aceitabilidade das orações relativas de antecedente implícito: cf., por exemplo (de novo, sem propor juízos de gramaticalidade), eles recordaram com nostalgia

onde se tinham beijado pela primeira vez ou vamos procurar no mapa onde tivemos aquela bela refeição no verão

39.3.7.1 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 50: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2105

Como

Embora seja tradicionalmente excluído do grupo das pro -formas relativas61, como tem claramente este estatuto nos exemplos de (95), em que existe um antecedente explícito:

(95) a. Surpreendeu -me a maneira/forma como ele resolveu o problema. b. Não gostei do modo como ele se comportou.

O pronome como ocorre apenas com antecedentes nominais com um significado extremamente geral, como maneira, forma ou modo (modificados ou não, p.e., com o adjetivo exemplar, bastante comum neste contexto). Quando o antecedente é um nome de sentido mais específico, como cuidado ou atitude, o constituinte relativo com valor de modo tem a forma com que, não podendo ocorrer como (cf. Peres e Móia 1995:303s):

(96) a. Surpreendeu -me o cuidado com que ele resolveu o problema. (vs. *surpreen-

deu-me o cuidado como ele resolveu o problema) b. Não gostei da atitude com que ele se dirigiu ao professor. (vs. *não gostei da

atitude como ele se dirigiu ao professor)

Inversamente, quando o antecedente é um dos nomes de sentido geral, com

que não pode ocorrer (cf. (97))62:

(97) a. * Surpreendeu -me a maneira com que ele resolveu o problema. b. * Não gostei do modo com que ele se comportou.

O valor de como na oração relativa é sempre adverbial, seja quando é adjunto, como em (95a), seja quando é selecionado pelo verbo, como em (95b) (cf. Cap. 28). Consequentemente, como não pode ter nem a função de sujeito nem a de com-plemento direto na oração relativa, mesmo quando estas funções se encontram de alguma maneira associadas a um valor de modo; nestes casos, ocorre sempre o pronome relativo que63, como se ilustra a seguir:

(98) a. O Assurancetourix canta de um modo que irrita todos os gauleses. (vs. *o Assu-

rancetourix canta de um modo como irrita todos os gauleses) b. O Assurancetourix canta de um modo que os gauleses odeiam. (vs. *o Assu-

rancetourix canta de um modo como os gauleses odeiam)

O único caso em que como pode alternar com que (sem preposição) dá -se quando quer a construção relativa (o sintagma nominal que contém a oração relativa e o seu antecedente, recorda -se) quer o constituinte relativo têm um valor de modo:

passado (mas note -se que estes exemplos estão na fronteira entre orações relativas com antecedente implícito e orações interrogativas indiretas (cf. Caixa [20]). Quando o verbo da oração principal denota ‘atitude afetiva’ (como adorar, detestar, etc.; cf. Laca 1990), as construções relativas com função de complemento direto são mais aceitáveis com antecedente implícito do que com outros verbos (cf. (94b)).61 Cf. Móia (2001) para uma discussão das razões por detrás desta situação. Na tradição gramatical portu-guesa, como não é geralmente descrito como pronome/advérbio relativo e por isso as orações subordinadas que descrevemos nesta subsecção não são consideradas orações relativas (e ainda hoje esta classificação não é consensual). Alguns autores, no entanto, têm notado as semelhanças entre as estruturas com como e orações relativas: Barbosa (1822), Lopes (1971), Mateus et al. (1989). Rebelo Gonçalves (1966) é também uma exceção, ao classificar esta forma como um advérbio relativo.62 Alguns falantes aceitam o constituinte relativo com que nalguns casos em que o nome com sentido geral se torna mais específico através de modificação: cf., por exemplo, ?surpreendeu -me a maneira exemplar

com que ele resolveu o problema.63 Nestes contextos, o nome antecedente é necessariamente introduzido pelo artigo indefinido.

PRONOMES RELATIVOS 39.3.7.2

39.3.7.2

Page 51: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2106

os miúdos comportaram -se da maneira como vimos (comportarem -se) ou os miúdos

comportaram -se da maneira que vimos (comportarem -se) (sendo esta última frase pre-ferida por muitos falantes).

A construção relativa em que se inclui como pode desempenhar qualquer função gramatical na oração principal: sujeito (cf. (99a)), complemento direto (cf. (99b)), complemento oblíquo (cf. (99c)) e adjunto adverbial (cf. (99d)):

(99) a. [O modo como ele trata os alunos] é chocante. b. Eles condenaram [a forma como o assunto foi resolvido]. c. Gosto [da forma como ele trata os alunos]. d. Ele canta [do modo como aprendeu (a cantar)].

Passemos agora aos casos em que o antecedente de como é implícito. Tal como para as orações do mesmo tipo com onde, a aceitabilidade destes exemplos varia de falante para falante, e por isso não marcamos os exemplos com qualquer juízo:

(100) a. Irrita -me como ele resolve os problemas. b. Eles condenaram como o assunto foi resolvido. c. Detesto como te vestes. d. Gostei de como ele tratou o doente. e. Isso é apenas um exemplo de como ele trata os alunos.

Em (100a), a construção relativa tem a função de sujeito (em posição pós -verbal); em (100b,c), de complemento direto; em (100d), de complemento oblíquo; e em (100e), de complemento de nome. As observações da Nota 60 são também válidas para como. Em (100e), a preposição de pertence à oração principal (tal como em (100d)), estabelecendo a ligação entre o nome exemplo e o sintagma nominal que contém a oração relativa (cf. Cap. 32).

[15] Quando a construção relativa é um constituinte preposicionado na oração prin-cipal, a preposição particular também parece influir sobre a aceitabilidade das orações relativas de antecedente implícito com este pronome. Assim, com a preposição de, as orações de antecedente implícito são gramaticais (cf. (100d)), mas com outras pre-posições (como sobre ou por) são menos aceitáveis, pelo menos para alguns falantes, como nota Móia (1992a); cf. ?conversaram sobre como mudar o mundo ou *a Ana luta

por como construir um mundo mais justo. Quando a construção relativa é complemento de um nome, contudo, as orações relativas de antecedente implícito são gramaticais, mesmo com outras preposições: estou farta de conversas sobre como mudar o mundo.

Quando a construção relativa (que contém o antecedente implícito) é um adjunto adverbial da oração principal, a estrutura relativa não é tão transparente, o que plausivelmente terá conduzido à inclusão tradicional de como nas conjun-ções subordinativas e à consequente classificação das orações introduzidas por esta forma como orações comparativas (cf. Caps. 38.2.6 e 40)64:

64 Nestes exemplos (e também em (102)), as orações relativas são parcialmente elípticas, i.e., contêm constituintes que são omitidos opcionalmente (cf. Cap. 45): o verbo em (101a) e (102) (tremem e gosta, respetivamente) e a oração subordinada infinitiva (a cantar) em (101b), os quais se assinalam através de texto rasurado.

39.3.7.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 52: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2107

(101) a. Eu tremia como tremem varas verdes. (cf. eu tremia do modo como tremem

varas verdes) b. O João canta como aprendeu a cantar. (cf. o João canta do modo como apren-

deu (a cantar))

Nas construções comparativas de grau (cf. Cap. 40), as quais, como vimos, envolvem formalmente uma construção relativa (cf. 39.3.6), como alterna com quanto quando existe valor de igualdade:

(102) O João gosta tanto da Ana como/quanto o Pedro gosta.

[16] Até aqui, os exemplos ilustram o uso de como em orações relativas restritivas. Móia (2001) refere casos em que este pronome relativo pode ocorrer em orações relativas apositivas com antecedente explícito. No entanto, estes casos são mais problemáticos, uma vez que o presumível antecedente da oração relativa nem sempre é um sintagma nominal incluído num sintagma preposicional, como em (ia); de facto, o sintagma preposicional pode ser substituído por um advérbio de modo, como em (ib). Ora, não é claro que um advérbio possa funcionar como antecedente de uma oração relativa:

(i) a. Ele canta com entusiasmo, como sempre cantou. b. Ele canta entusiasticamente, como sempre cantou.

Uma análise alternativa de (i), mantendo o estatuto de oração relativa da sequên-cia em itálico e resolvendo o problema colocado por (ib), consiste em dizer que o aposto em que se integra a oração relativa contém um antecedente nominal implícito e que, concomitantemente, estas orações são na realidade restritivas e não apositivas. Esta hipótese parece confirmada pela possibilidade de explicitação do antecedente, em frases como (ii):

(ii) a. Ele canta com entusiasmo, do modo como sempre cantou. b. Ele canta entusiasticamente, do modo como sempre cantou.

Quando

As orações introduzidas por quando têm um valor temporal e são frequentemente classificadas como orações adverbiais, como acontece também nesta Gramática (cf. Cap. 38). Apesar disso, numa perspetiva sintática, é defensável a ideia de que correspondem a orações relativas (como também se nota no Cap. 38.2.1.6). Esta conclusão fica patente se compararmos os exemplos de (103) com as suas paráfrases entre parênteses, envolvendo orações relativas típicas65. Em português, o antece-dente das orações relativas com quando é geralmente (e preferencialmente) implícito:

(103) a. Telefono -te quando sair da reunião. (cf. telefono -te no momento em que sair

da reunião) b. Ele marcou o exame para quando voltar de férias. (cf. ele marcou o exame

para um dia em que já terá voltado de férias) c. Quando vivi em Paris foi das melhores alturas da minha vida. (cf. o tempo

em que vivi em Paris foi das melhores alturas da minha vida) d. Os alunos contestaram para quando o exame foi marcado. (cf. os alunos

contestaram a data para a qual o exame foi marcado)

65 Tal como para a forma como, as semelhanças entre as frases com quando e orações relativas foram notadas por Barbosa (1822), Lopes (1971) e Mateus et al. (1989).

PRONOMES RELATIVOS 39.3.7.3

39.3.7.3

Page 53: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2108

Em (103a), a construção relativa (que inclui a oração relativa) é adjunto da ora-ção principal; em (103b), é um complemento oblíquo preposicionado (com valor temporal) do verbo marcar (cf. marcar uma reunião para tal data); em (103c), é sujeito; e, em (103d), é complemento direto.

Quanto ao constituinte relativo, em (103a-c), tem a função de adjunto na oração relativa, e, em (103d), de complemento oblíquo preposicionado (de valor temporal) do verbo marcar. Consequentemente, a preposição para faz parte do constituinte relativo em (103d), na medida em que é selecionada pelo verbo da oração relativa, mas em (103b) faz parte da oração principal, sendo selecionada pelo verbo dessa oração (também marcar).

O facto de o antecedente das orações com quando ser tipicamente implícito terá estado na origem da classificação desta forma como conjunção subordinativa temporal, introdutora de orações subordinadas adverbiais. No entanto, nalguns casos em que o constituinte relativo tem função de complemento oblíquo da oração relativa, sendo, portanto, introduzido por preposição, é possível a explicitação do seu antecedente com nomes de sentido temporal geral como dia, prazo ou data. Assim, correspondendo a (103d), pode ter -se (104)66:

(104) Os alunos contestaram a data para quando o exame foi marcado.

O facto de orações como (104) alternarem, com diferenças mínimas, com orações claramente relativas – (104) equivale à frase entre parênteses em (103d), que se repete aqui em (105) – sugere efetivamente que quando deve ser classificado como uma pro -forma adverbial relativa (cf. Rebelo Gonçalves 1966, Móia 2001):

(105) Os alunos contestaram a data para a qual o exame foi marcado.

Nos exemplos dados até aqui, a oração relativa é restritiva; no entanto, existem orações relativas apositivas com quando, necessariamente com um antecedente explícito67: cf. na quinta -feira, quando fiz anos, fui trabalhar. Neste caso, tem de haver simultaneidade temporal dos intervalos de tempo denotados pelo antecedente e pelo constituinte relativo (cf. Móia 2001), respetivamente quinta -feira e quando, no exemplo dado. Assim, a frase pode ser parafraseada por na quinta -feira, dia em que

fiz anos, fui trabalhar, onde a simultaneidade dos intervalos de tempo envolvidos é dada de modo explícito.

[17] Na seguinte frase (semelhante à do parágrafo anterior, no texto), o intervalo de tempo denotado pelo constituinte relativo é um subintervalo do intervalo denotado pelo antecedente, pelo que se considera que se trata de uma oração relativa restritiva com antecedente implícito:

(i) Na quinta -feira, quando saí de casa, estavam a alcatroar a rua.

66 Estes exemplos, no entanto, não são unanimemente aceites pelos falantes, preferindo -se -lhes as construções com antecedente implícito (cf. (103d)). Em contrapartida, em inglês e em espanhol, p.e., o antecedente explícito é geralmente aceitável: cf., por exemplo, I will never forget the day when I left Paris ou todavía recuerdo el día cuando dimitió Suárez (cf. Brucart 1999b:510).67 Recorde -se que todas as orações relativas apositivas têm um antecedente explícito e que, inversamente, todas as orações relativas de antecedente implícito são restritivas.

39.3.7.3 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 54: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2109

Em (i), o intervalo de tempo em que decorre a ação de sair de casa está contido no intervalo de tempo denotado por quinta -feira. Assim, (i) não é equivalente a na quinta-

-feira, dia em que saí de casa, estavam a alcatroar a rua, mas sim a na quinta -feira, {na

altura/no momento} em que saí de casa, estavam a alcatroar a rua. Isto sugere que, em (i), o antecedente do pronome relativo não é quinta -feira, mas sim um nome implícito equivalente semanticamente a momento ou altura. Assim, tal como nesta paráfrase, também em (i) toda a construção relativa (incluindo, portanto, o antecedente implí-cito) funciona como aposto da expressão temporal quinta -feira. A frase (i) tem uma estrutura distinta da do exemplo discutido no texto, na quinta -feira, quando fiz anos,

fui trabalhar: neste exemplo, tem -se uma oração relativa apositiva, com antecedente explícito; em (i), em contrapartida, tem -se uma oração relativa restritiva, com um antecedente implícito dentro do aposto.

As orações introduzidas por enquanto (cf. (106)) apresentam similaridades sin-táticas e semânticas com as orações introduzidas por quando:

(106) a. Escrevo o artigo enquanto estiver em Paris. b. Enquanto vivi aqui fui feliz. c. Os alunos portaram -se mal enquanto o professor falava.

Tal como os exemplos contendo orações relativas introduzidas por quando, também estes podem ser parafraseados por frases com orações relativas com um antece-dente temporal, como tempo, altura ou período (cf. Mateus et al. 1989): para (106), respetivamente, escrevo o artigo na altura em que estiver em Paris; no tempo em que

vivi aqui fui feliz; e os alunos portaram -se mal no período em que o professor falava. Nos dois tipos de estruturas existe um valor de simultaneidade de intervalos de tempo. Será, portanto, plausível propor que, à semelhança de quando, também enquanto seja uma pro -forma adverbial relativa, equivalente a ‘(tempo) durante o qual’68. No entanto, as construções relativas introduzidas por enquanto são menos aceitáveis com a função de complemento direto (cf. *adoro enquanto me sorris) ou de complemento preposicionado (cf. *falei de enquanto vivi em Paris ou *marquei

a reunião para enquanto estiver em Paris). Note -se também que enquanto não tem equivalente pronominal interrogativo (compare -se quando estiveste em Paris? com *enquanto estiveste em Paris?). Estas restrições tornam, pois, difícil a sua inequívoca classificação como pro -forma relativa.

Valores discursivos das orações relativas de nome restritivas e apositivasEm 39.1.2 distinguiram -se duas classes de orações relativas de nome com base na natureza do constituinte a que se associam e na relação que estabelecem com ele: as orações relativas apositivas (cf. (107a)) e as orações relativas restritivas (cf. (107b)):

(107) a. A minha irmã, que vive na Alemanha, gosta muito de cães. [relativa apositiva] b. A minha irmã que vive na Alemanha gosta muito de cães. [relativa restritiva]

Como se viu, o antecedente das orações relativas apositivas é um sintagma nominal completo (a minha irmã, em (107a)). As orações relativas ligam -se a esse antece-dente, mas destacam -se dele, formando na oralidade um constituinte autónomo,

68 Huddleston e Pullum (2002) tratam o equivalente inglês de enquanto, while, como pronome relativo.

39.4

VALORES DISCURSIVOS DAS ORAÇÕES RELATIVAS DE NOME RESTRITIVAS E APOSITIVAS 39.4

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2110

com uma configuração melódica, prosódica e sintática próprias. Ainda que estejam integradas num sintagma nominal mais abrangente juntamente com o antecedente, essa integração é fraca, de natureza paratática (cf. Cap. 34).

Em contrapartida, o antecedente das orações relativas restritivas é uma parte do grupo nominal que as contém (minha irmã, em (107b)). As orações relativas modifi-cam esse subgrupo nominal e estão plenamente integradas, tanto prosódica como sintaticamente, no mesmo sintagma nominal que contém o subgrupo modificado, a que chamámos construção relativa – cf. 39.1 (em (107b), esse sintagma nominal é a minha irmã que vive na Alemanha). Essa integração é consideravelmente mais forte do que a que existe em (107a), sendo de natureza hipotática (a oração relativa encontra -se subordinada ao subgrupo nominal modificado)69.

A representação estrutural destes dois tipos de oração é, portanto, diferente, o que se ilustra em (108) para os exemplos de (107):

(108) a. [SN [SN A minha irmã] [Or rel , que vive na Alemanha,]] gosta muito de cães. b. [SN A [GN minha irmã [Or rel que vive na Alemanha]]] gosta muito de cães.

Esta diferença entre os dois tipos de orações torna -se clara quando o elemento a que se associa a relativa é um pronome pessoal forte (i.e., não clítico) de 3.ª pessoa, p.e., um pronome nominativo com a função de sujeito. Os pronomes pessoais de 3.ª pessoa são sintagmas nominais completos, amalgamando um determinante e uma componente nominal (cf. Cap. 23). Por conseguinte, qualquer elemento que se combine com um destes pronomes liga -se necessariamente a um sintagma nominal, não a um grupo nominal. Ora, os pronomes pessoais de 3.ª pessoa só podem ocorrer com uma oração relativa apositiva (cf. (109a)), não com uma oração relativa restritiva (cf. (109b)):

(109) a. Ela, que vive na Alemanha, gosta muito de cães. b. * Ela que vive na Alemanha gosta muito de cães.

As diferenças prosódicas e sintáticas entre os dois tipos de orações relativas têm correlatos semânticos e discursivos. Uma oração relativa apositiva funciona semanticamente como um caracterizador de todo o sintagma nominal precedente, veiculando informação nova sobre ele, mas não contribuindo para o seu valor referencial. Assim, em (107a), o interlocutor, em princípio, deve poder identificar o referente do sintagma nominal sujeito unicamente através do sintagma nominal “interno” a minha irmã. A oração diz qualquer coisa mais sobre esse referente, mas não contribui, em princípio, para a sua identificação70. Ou seja, o antecedente da oração relativa apositiva é um sintagma nominal completo, plenamente referencial, que precede a oração, incluindo, portanto, o especificador, neste caso, o artigo definido.

69 O diferente grau de integração no sintagma nominal, juntamente com as diferentes propriedades pro-sódicas e semânticas, leva alguns autores (cf. Huddleston e Pullum 2002) a preferir os termos “orações integradas” e “orações suplementares” para designar, respetivamente, as orações relativas restritivas e as apositivas.70 Isto não impede que, em determinados enunciados, o interlocutor use essa informação de forma pragmática para confirmar a identificação do referente, ou mesmo para o identificar (mas cf. Caixa [18]).

39.4 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2111

Em contrapartida, uma oração relativa restritiva, enquanto modificador de um grupo nominal, introduz uma nova propriedade, a qual se combina com as propriedades expressas por esse grupo, restringindo desse modo a extensão do conjunto de base e, aqui sim, contribuindo para a identificação do referente do sintagma nominal. Deste modo, em (107b), a identificação do referente do sintagma nominal sujeito faz -se com base num conjunto formado pela interseção de dois conjuntos: o das entidades que são irmãs do falante (conjunto esse expresso por minha irmã) e o das entidades que vivem na Alemanha (conjunto esse expresso por que vive na Alemanha). Por sua vez, o uso do artigo definido informa o interlocutor de que, no universo do discurso em que se insere o enunciado correspondente a (107b), esse conjunto é singular (i.e., tem um só membro) e que ele, interlocutor, tem o conhecimento suficiente para identificar esse membro único (cf. Cap. 22).

Por outras palavras, a informação veiculada pela oração relativa é crucial por-que é a todo o grupo nominal, que inclui a oração relativa, que o artigo definido se aplica71, com a sua função referencial característica de exprimir que existe uma entidade que é membro único do conjunto denotado pelo grupo nominal e que é identificável pelo interlocutor (cf. Cap. 22). No caso de (107b), o artigo definido aplica -se, pois, a toda a sequência minha irmã que vive na Alemanha, que contém a oração relativa e o seu antecedente minha irmã.

Em síntese, enquanto nas construções com relativas apositivas a referência é estabelecida apenas pelo sintagma nominal antecedente (a minha irmã, em (107a)), nas construções com relativas restritivas, a referência é estabelecida pelo único sintagma nominal existente, que contém a oração relativa (a minha irmã que vive

na Alemanha, em (107b)).As diferenças de escopo do artigo em sintagmas nominais com orações relativas

apositivas e com orações relativas restritivas têm também a seguinte consequên-cia semântica, que se ilustra com os exemplos de (107). Em (107a), a unicidade introduzida pelo artigo definido aplica -se unicamente ao conjunto definido pela propriedade “ser irmã do falante” (expresso por minha irmã). Ou seja, infere -se que o falante tem apenas uma irmã, que, adicionalmente, vive na Alemanha72. Em (107b), o artigo definido aplica -se ao conjunto complexo de propriedades “ser irmã do falante” e “viver na Alemanha” (expresso por minha irmã que vive na Alemanha). Neste caso, infere -se que o falante tem apenas uma irmã que vive na Alemanha, e infere -se também que o falante terá outra ou outras irmãs que não vivem na Ale-manha (e que podem ou não gostar muito de cães).

As condições de verdade de uma frase complexa com uma oração relativa apositiva são as mesmas da frase simples na qual se omite a oração relativa. Assim, p.e., (107a) tem as mesmas condições de verdade da frase simples a minha irmã

gosta muito de cães. Nomeadamente, das duas se infere que o falante tem apenas uma irmã e assere -se que essa irmã gosta muito de cães. Na mesma situação

71 Diz -se também que o artigo definido “tem escopo sobre” todo o grupo nominal.72 Fatores como o grau de conhecimento mútuo dos interlocutores podem influenciar as escolhas linguísticas do falante, levando -o a produzir uma frase como (107a) mesmo quando tem mais de uma irmã, porque sabe que o seu interlocutor está capacitado para identificar a irmã em questão (cancelando -se assim a referida inferência).

VALORES DISCURSIVOS DAS ORAÇÕES RELATIVAS DE NOME RESTRITIVAS E APOSITIVAS 39.4

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2112

discursiva, uma delas não pode ser verdadeira e a outra falsa. Além disso, ambas são pragmaticamente adequadas à situação que se descreve (em (107a), apenas se dá uma informação adicional sobre a irmã do falante, que não afeta em nada o resto da proposição expressa pela frase).

Em contrapartida, uma frase complexa com uma oração relativa restritiva des-creve uma situação diferente da descrita pela frase simples correspondente, sem a oração relativa. De facto, ao passo que de (107b) se infere que o falante tem mais que uma irmã, da frase simples (sem a oração relativa) infere -se que o falante só tem uma, como se viu. Ou seja, as condições de verdade das duas frases não são as mesmas, e as suas condições de adequação pragmática são também necessaria-mente diferentes.

Quando o determinante definido é plural, estas diferenças são igualmente observáveis, agora em conjuntos de cardinalidade maior que um:

(110) a. Os alunos, que tiveram nota positiva, vão passear no fim de semana. [oração relativa apositiva]

b. Os alunos que tiveram nota positiva vão passear no fim de semana. [oração relativa restritiva]

No primeiro exemplo, a oração relativa fornece informação adicional sobre um conjunto de alunos previamente identificado (num determinado contexto discur-sivo ou situacional), mas não restringe a denotação do nome alunos. A função do artigo definido no plural, aqui, consiste em veicular que a totalidade dos alunos irá passear no fim de semana.

No segundo exemplo, a oração relativa restringe a denotação extensional do nome alunos àqueles que tiveram nota positiva e, como tal, o artigo definido aplica-se agora sobre esse novo (sub)conjunto: não são (necessariamente) todos os alunos no contexto relevante que vão passear, mas apenas o subconjunto desses alunos caracterizado por ter tido nota positiva.

[18] Na organização do seu discurso, o falante serve -se das propriedades das orações relativas (descritas acima) de modo a gerir adequadamente a informação a fornecer ao seu interlocutor. Na prática discursiva, os valores semânticos referidos adquirem matizes de alguma subtileza que importa descrever.

Na interação discursiva, a informação divide -se em dois grandes tipos de unida-des. Por um lado, existe informação partilhada pelos interlocutores (isto é, aquilo que os interlocutores sabem em comum, seja porque já conversaram acerca do assunto, seja porque a informação está visível, presente na situação de comunicação, seja ainda porque faz parte de um universo sociocultural comum). Por outro, existe informação nova que se quer fornecer ao interlocutor (ou obter dele, quando se utiliza uma oração interrogativa). Estes dois tipos de informação inter -relacionam -se de modo a construir um discurso coerente e organizado (cf. Cap. 34).

No Cap. 22, discutiram -se as propriedades dos artigos definido e indefinido, que importa recordar, dada a sua importância no contexto da discussão das ora-ções relativas. Assim, para se introduzirem entidades novas no discurso, utilizam--se sintagmas nominais indefinidos. Por sua vez, os sintagmas nominais definidos, também chamados descrições definidas, têm várias funções: (A) referem entidades previamente introduzidas no contexto discursivo (tipicamente por um sintagma nominal indefinido – cf. (ia)); (B) referem entidades presentes no contexto situacional

39.4 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2113

(cf. (ib), dito num contexto em que o gato em questão está presente); (C) referem entidades que, num determinado “macrocontexto”, são as únicas identificáveis pelo nome, fazendo parte de um universo comum de referência sociocultural dos interlocutores (cf. (ic)):

(i) a. Apareceu um gato no meu jardim. O gato, por sinal, é lindíssimo. b. Aquele/O gato é muito bonito. c. O Presidente dos Estados Unidos está em Paris.

Além das diferenças semânticas, as orações relativas apositivas e restritivas têm também valores discursivos diferentes nesta dimensão de informação partilhada vs. informação nova.

Como se viu, o antecedente definido de uma oração relativa apositiva é sufi-ciente para identificar o referente, sem o apoio da oração relativa. Nesse caso, a oração relativa veicula informação suplementar sobre o referente. Numa construção deste tipo (p.e., a rapariga, que não gostava de salmão, comeu sardinhas), o sintagma nominal antecedente definido (a rapariga) tem o estatuto de informação partilhada (entre falante e ouvinte), próximo do de um tópico discursivo, ao passo que a oração relativa (que não gostava de salmão), juntamente com o predicado (comeu sardi-

nhas), têm o estatuto de informação nova, em princípio desconhecida do ouvinte, semelhante ao comentário de uma estrutura tópico -comentário (cf. Cap. 12). A frase acima, de facto, só é (normalmente) produzida num contexto em que não haja qualquer dúvida, para os diferentes interlocutores, acerca da identidade da rapariga de que se está a falar e acerca desta fazem -se dois comentários: não gosta de salmão e comeu sardinhas.

É esta equivalência entre a oração relativa apositiva e o predicado, ambos comen-tários, que permite que os dois sejam coordenados (enquanto predicados) numa frase equivalente àquela em que ocorre um deles como oração relativa apositiva: cf. a rapa-

riga [não gostava de salmão e comeu sardinhas], uma frase semântica e discursivamente equivalente a a rapariga, que não gostava de salmão, comeu sardinhas.

Dado que as orações relativas apositivas não estão sob o escopo do determinante (cf. Nota 71), é natural que não sejam condicionadas pelas propriedades discursivas que este impõe sobre o sintagma nominal. Daí que uma oração relativa apositiva com um antecedente definido possa constituir informação nova, contrariamente ao sintagma nominal antecedente, que constitui informação partilhada, visto ser especificado pelo artigo definido. Este é o estatuto informacional típico das orações relativas apositivas, mas esse estatuto pode ser alterado recorrendo -se a expressões que marcadamente assinalem que se trata (também) de informação partilhada: cf. a rapariga, que, como

sabes, não gostava de salmão, comeu sardinhas.Em contrapartida, numa frase com uma oração relativa restritiva dentro de uma

construção definida, a oração relativa tem o estatuto de informação partilhada, e não nova, visto que faz parte do material que contribui para a identificação do referente e está sob o escopo do artigo definido, que veicula informação partilhada. Ou seja, na frase a rapariga que não gostava de salmão comeu sardinhas, é todo o sintagma nominal a rapariga que não gostava de salmão que tem o estatuto de informação partilhada, e apenas o predicado comeu sardinhas constitui informação nova. Por este motivo, não existe equivalência semântica ou discursiva entre a frase com a oração relativa restri-tiva e a frase com coordenação a rapariga [não gostava de salmão e comeu sardinhas]. Além disso, na interpretação da frase com a oração relativa restritiva, a pessoa que comeu sardinhas não é identificada apenas pela propriedade de ser uma rapariga, mas também pela propriedade de não gostar de salmão, identificação essa que se perde na frase com coordenação.

VALORES DISCURSIVOS DAS ORAÇÕES RELATIVAS DE NOME RESTRITIVAS E APOSITIVAS 39.4

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2114

Quando as orações relativas têm um antecedente indefinido de referência espe-cífica (cf. Cap. 22), esbate -se a diferença semântica e discursiva entre os dois tipos. Uma vez que o determinante indefinido é característico de sintagmas nominais que introduzem informação nova no discurso, as orações relativas restritivas sob o escopo desse tipo de determinantes constituem, naturalmente, informação nova, tal como as orações relativas apositivas, como vimos acima.

Por conseguinte, em construções indefinidas, ambos os tipos de orações relativas podem ser usados, com maior ou menor sucesso, para delimitar o conjunto descritivo ao qual pertence o referente do sintagma nominal, que, por ser indefinido – informa-ção nova –, não pode ser devidamente identificado pelo ouvinte. A título ilustrativo, considerem -se as seguintes frases:

(ii) a. Uma irmã minha, que vive na Alemanha, gosta muito de cães. [oração rela-tiva apositiva]

b. Uma irmã minha que vive na Alemanha gosta muito de cães. [oração relativa restritiva]

Ao usar o artigo indefinido com um valor específico, o falante tem alguém em mente, mas assume que o seu interlocutor não está em condições de proceder à sua identi-ficação. Além disso, o artigo indefinido não veicula a ideia de unicidade que o artigo definido tem; ou seja, não se implica de forma alguma, ao usá -lo, que existe apenas um referente com as características descritas no grupo nominal. No caso de (iia), isso significa que o falante pode ter mais do que uma irmã, e, no caso de (iib), que pode ter mais do que uma irmã que viva na Alemanha (entre outras possíveis que não vivam na Alemanha)73.

Por outras palavras, em qualquer dos casos, o ouvinte não tem condições para identificar adequadamente o referente, mas a oração relativa, quer seja restritiva (modificando o nome e restringindo o conjunto por ele denotado) quer seja apositiva (introduzindo um comentário sobre o referente do sintagma nominal antecedente), permite -lhe limitar a procura do referente nas entidades que são simultaneamente irmãs do falante e que vivem na Alemanha.

Devido a esta equivalência entre os dois tipos de orações, é agora possível cons-truir uma frase com coordenação dos dois predicados, ambos com o estatuto de comentário, equivalente quer à estrutura com uma relativa restritiva quer à estrutura com uma relativa apositiva: cf. uma irmã minha vive na Alemanha e gosta muito de cães, equivalente semanticamente aos dois exemplos de (ii).

As orações relativas restritivas e apositivas com determinantes definido e inde-finido distinguem -se igualmente pelas inferências que permitem. Considere -se em primeiro lugar o seguinte par, envolvendo um determinante definido e uma oração relativa apositiva:

(iii) a. A rapariga, que não gosta de salmão, comeu sardinhas. b. A rapariga comeu sardinhas.

Como vimos acima, (iiib) tem as mesmas condições de verdade de (iiia): abstraindo da informação adicional veiculada pela oração relativa, descreve adequadamente a mesma situação, porque o referente do sintagma nominal sujeito é identificado, em ambas as frases, pelo mesmo sintagma nominal, a rapariga. Por ter as mesmas con-dições de verdade, (iiib) pode ser inferida a partir de (iiia).

73 No entanto, do ponto de vista pragmático, em (iib) favorece -se a leitura em que o falante tem apenas uma irmã que vive na Alemanha, devido ao uso da oração relativa restritiva, que convida frequentemente a uma interpretação unívoca do referente. Na situação em que o falante tem mais do que uma irmã que vive na Alemanha, provavelmente usaria uma construção partitiva como uma das minhas irmãs que vivem

na Alemanha gosta muito de cães.

39.4 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2115

Quando o determinante é definido e a oração relativa é restritiva (cf. (iva)), a situação é diferente. (iva) não permite inferir (ivb), pois já não tem as mesmas con-dições de verdade:

(iv) a. A rapariga que não gosta de salmão comeu sardinhas. b. A rapariga comeu sardinhas.

Isso deve -se ao facto de o sintagma nominal que identifica o referente do sujeito da frase ser diferente nos dois casos. Assim, enquanto de (ivb) se pode inferir que existe apenas uma rapariga no contexto discursivo, de (iva) apenas se pode inferir que existe somente uma rapariga que não gosta de salmão, podendo, no entanto, haver outras raparigas nesse contexto. Ou seja, (ivb) dir -se -á naturalmente num contexto em que está presente uma só rapariga e (iva) num contexto em que há mais de uma rapariga, embora só uma não goste de salmão. De (iva), no entanto, pode inferir -se (v), com um artigo indefinido no sintagma nominal sujeito:

(v) Uma rapariga comeu sardinhas.

Do ponto de vista lógico, esta inferência deve -se ao facto de o subconjunto deno-tado pelo grupo nominal rapariga que não gosta de salmão ser um subconjunto do conjunto mais vasto das raparigas. Crucialmente, em (v), contrariamente a (ivb), não se identifica o referente do sujeito nem se pressupõe que existe apenas uma rapariga no contexto situacional, logo a inferência é permitida. Pela mesma razão, é também possível inferir (v) a partir de (vi), com um sintagma nominal indefinido contendo uma oração relativa restritiva:

(vi) Uma rapariga que não gosta de salmão comeu sardinhas.

O antecedente das orações relativas de nomeNesta secção abordam -se algumas questões que têm que ver com o tipo de consti-tuinte que pode funcionar como antecedente explícito das orações relativas, quer apositivas quer restritivas.

Uma das diferenças mais evidentes entre os antecedentes destas duas grandes classes de orações relativas já foi discutida: as relativas apositivas podem ter ante-cedentes frásicos (cf. as pessoas continuam a procurar as grandes cidades, o que causa

desertificação rural), mas as relativas restritivas não podem (cf. 39.1.3). Além disso, as orações relativas apositivas podem ter como antecedente um adjetivo predicativo (cf. (111a)), mas as orações relativas restritivas não podem74. Para que um adjetivo possa ser antecedente de uma oração relativa restritiva, tem de ser nominalizado e introduzido por um determinante, como em (111b) (cf. Brito 2003a):

(111) a. O gato é noctívago, o que o cão não é. b. Já não sou a ingénua que fui.

Como se notou em 39.4 (cf. (109) e a discussão sobre esses exemplos), os pro-nomes pessoais de 3.ª pessoa não podem ser antecedentes de orações relativas res-tritivas. O uso de outros pronomes pessoais como antecedentes de orações relativas

74 Os adjetivos que podem funcionar como antecedentes, no entanto, são os que representam estados estáveis e selecionam a cópula ser, não os que representam estados episódicos e selecionam as cópulas estar ou ficar (cf. Caps. 17 e 30): contraste -se (111a) com a impossibilidade de, p.e., *o João está/ficou doente,

o que a Maria não está/ficou.

O ANTECEDENTE DAS ORAÇÕES RELATIVAS DE NOME 39.5

39.5

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2116

restritivas é extremamente condicionado por questões discursivas, uma vez que os pronomes pessoais, por si próprios, constituem já sintagmas nominais referenciais autónomos e, por conseguinte, não aceitam facilmente outros modificadores que contribuam para o seu valor referencial. Assim, o uso de um pronome de 2.ª pessoa com uma oração relativa restritiva só é possível se houver vários interlocutores a quem o falante se dirige, dentro dos quais quer delimitar um subconjunto. Tipi-camente, nestes casos, toda a construção relativa tem um valor vocativo: cf., por exemplo, (ó) tu que estás sentado, levanta -te imediatamente! Ao modificar o pronome com uma oração relativa restritiva, o falante delimita, dentro de um grupo vasto de pessoas (de ouvintes), um indivíduo particular ao qual se aplica a propriedade introduzida pela oração relativa (‘estar sentado’, no exemplo).

O pronome pessoal de 1.ª pessoa do singular não permite, geralmente, a modifi-cação através de uma oração relativa restritiva, por não haver qualquer ambiguidade na identificação do falante. No entanto, a modificação é possível se o falante quiser individualizar características da sua personalidade, sendo nesse caso o pronome utilizado como um nome comum, desencadeando concordância de 3.ª pessoa, o que é comprovado pela presença de especificadores apropriados: cf. o meu eu que

odeia Dali não me deixa gostar de Pink Floyd.Na 1.ª pessoa do plural, a construção é menos restringida, servindo para

identificar um subconjunto dentro do conjunto possível de entidades nas quais se inclui o falante, quando o contexto discursivo ou situacional não é suficiente: cf. nós que gostamos de Dali nunca percebemos Picasso75. Esta frase distingue -se da correspondente com uma relativa apositiva, nós, que gostamos de Dali, nunca

percebemos Picasso, na qual o conjunto de entidades que inclui o falante já está previamente definido no discurso.

Com nomes próprios, são possíveis tanto orações relativas restritivas como orações relativas apositivas. Com orações relativas restritivas, a construção relativa refere o indivíduo ou indivíduos que constituem a interseção do conjunto das pessoas (ou locais) que têm a propriedade de se chamarem tal ou tal e o conjunto das pessoas (ou locais) com a propriedade atribuída pela oração relativa. Assim, em (112a), o falante refere um grupo particular constituído pela interseção do conjunto das pessoas que se chamam Ana e das pessoas que ele conhece; e, em (112b), o falante identifica cada uma das Marias referidas através de uma propriedade dada pelas orações relativas (cf. Cap. 26)76:

75 Note -se que esta frase é parafraseável por uma construção apositiva que contém uma oração relativa restritiva: nós, os que gostamos de Dali, nunca percebemos Picasso. Aqui, o aposto é os [-] que gostamos de Dali, com um nome nulo com o sentido de ‘pessoas’ (representado por “[-]”), a oração relativa que gostamos de

Dali é restritiva, modificando o nome nulo, e os é o artigo definido, no uso que a gramática tradicional chama “pronome demonstrativo” (cf. Caps. 22 e 23).76 Repare -se que em (112) os nomes próprios são usados referencialmente, exatamente como seriam se não fossem modificados pela oração, e independentemente de estarem no singular ou no plural. Na perspetiva do Cap. 26, os nomes próprios, no seu uso referencial, são livremente modificáveis por orações relativas e outros modificadores restritivos. Este uso referencial dos nomes próprios distingue -se do uso denominativo, exemplificado, p.e., em ela chama -se Ana. Neste uso, os nomes próprios só podem, efetivamente, ser associados a orações relativas apositivas, que apelam explicitamente para o sentido denominativo: cf., por exemplo, ela chama -se Ana, que é um nome muito bonito.

39.5 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2117

(112) a. As Anas que eu conheço são todas muito simpáticas. b. A Maria que cresceu comigo é muito mais simpática que a Maria que mora

no 3.º andar!

O uso de uma oração relativa restritiva com um nome próprio também pode servir para designar fases diferentes (estádios) da vida de uma pessoa (cf. (113a)) ou, simplesmente, para introduzir uma perspetiva sobre a pessoa, através da qual se deve interpretar a predicação (cf. (113b)):

(113) a. A Isabel que cresceu comigo é muito diferente da Isabel que acabou de ser

nomeada ministra. b. A Filipa que eu conheço não namorava com aquele rapaz!

Os nomes próprios, no singular ou no plural, também podem ser associados a orações relativas apositivas:

(114) a. O Pedro, que é geralmente um excelente professor, hoje deu uma aula péssima.

b. As Anas, que estão doentes, não vieram trabalhar.

Uma frase como (114b) pode ser proferida no contexto de uma empresa em que trabalhem várias pessoas chamadas Ana que, por coincidência, tenham adoecido ao mesmo tempo.

Os sintagmas nominais com interpretação indefinida e não específica (ou seja, não referenciais; cf. Cap. 20.3.4.1) introduzidos por quantificadores como algum, cada, nenhum ou qualquer só aceitam orações relativas restritivas:

(115) a. Nenhuma criança que gosta/goste de gelados diz que não a um perna de pau. (vs. *nenhuma criança, que gosta/goste de gelados, diz que não a um

perna de pau) b. Qualquer criança que gosta/goste de gelados pede um quando chega à

praia. (vs. *qualquer criança, que gosta/goste de gelados, pede um quando

chega à praia)

Uma vez que só as orações relativas restritivas aceitam antecedentes integrados em sintagmas nominais não referenciais, só estas podem ter o verbo num tempo do modo conjuntivo quando a construção relativa tem a interpretação virtual típica dos contextos opacos (cf. Cap. 19 e Caixa [8] do Cap. 22):

(116) a. Procuro um aluno que saiba o que é um verbo abundante. b. * Procuro um aluno, que saiba o que é um verbo abundante.

Por fim, são possíveis construções relativas com mais do que uma oração rela-tiva restritiva, como se exemplifica em (117), onde se coloca cada uma das orações entre parênteses retos77:

(117) O aluno [que teve negativa] [com quem mais simpatizo] é o Duarte.

77 Esta propriedade é mais geral: um sintagma nominal pode conter mais de um modificador restritivo, independentemente da classe sintagmática deste.

O ANTECEDENTE DAS ORAÇÕES RELATIVAS DE NOME 39.5

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2118

Nesta frase, cuja estrutura mais completa se representa em (118), existem, na realidade, dois antecedentes distintos para cada uma das orações relativas (apesar de serem dois antecedentes distintos, têm um núcleo nominal comum): para a primeira oração relativa (que teve negativa), o antecedente (sublinhado) é o nome aluno. Por sua vez, para a segunda (com quem mais simpatizo), o antecedente (em negrito) é o grupo nominal constituído pelo nome e pela primeira oração rela-tiva (i.e., aluno que teve negativa). Ou seja, a restrição introduzida por esta última oração aplica -se ao conjunto dos alunos que tiveram negativa e não apenas ao conjunto dos alunos.

(118) O aluno que teve negativa com quem mais simpatizo é o Duarte.

Estas estruturas são chamadas empilhamentos na literatura sobre orações relati-vas78. Trata -se de um processo que não deve ser confundido com a possibilidade de, num mesmo sintagma nominal, haver várias orações relativas que modificam grupos nominais diferentes (e com núcleos diferentes), como em (119):

(119) A professora [que chumbou o aluno [que entregou o trabalho [que tinha as pági-

nas truncadas]]] tem uma péssima reputação.

Nesta frase existe um sintagma nominal complexo com três orações relativas (em itálico e assinaladas pelos parênteses retos), cada uma com o seu antecedente (subli-nhado): (i) que tinha as páginas truncadas, que modifica o nome trabalho; (ii) que

entregou o trabalho que tinha as páginas truncadas, que modifica o nome aluno; e (iii) que chumbou o aluno que entregou o trabalho que tinha as páginas truncadas, que modifica o nome professora.

Em contraste com (117) e (118), não é possível empilhar orações relativas apositivas (ou qualquer outro tipo de aposto) num sintagma nominal, como se vê pela impossibilidade de *o Duarte [, que teve negativa] [, com quem simpatizo], é muito atencioso. Para que um sintagma nominal possa conter duas orações rela-tivas apositivas (ou, mais geralmente, dois apostos), estas têm de ser coordenadas, formando, na realidade, uma única estrutura de aposição: cf. o Duarte [[, que teve

negativa] e/mas [com quem simpatizo]], é muito atencioso (neste caso, o antecedente para as duas orações relativas é igual, ao contrário do que acontece nos empilha-mentos de orações relativas restritivas).

Orações relativas de antecedente implícitoNesta secção, descrevem -se algumas propriedades das construções com orações relativas de antecedente implícito.

Propriedades do antecedente implícitoForam descritas ao longo deste capítulo várias construções relativas com antece-dente nominal implícito (cf. 39.1.1 e 39.3). Nestas construções, que se ilustram de novo em (120), os traços semânticos do pronome relativo permitem reconstruir

78 Na terminologia inglesa, “stacked relative clauses”.

39.6 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.6

39.6.1

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2119

traços correspondentes no nome não realizado foneticamente que funciona como antecedente (cf. 39.2.3)79:

(120) a. Quem me deu aquele livro não me conhece de todo. b. A Joana encontrou quem procurava. c. Em Paris, ele dorme onde calha (dormir). d. Quando me deram a notícia, até pulei de alegria. e. Aprendi a fazer rissóis como a minha avó fazia.

Estes traços podem ocorrer num antecedente explícito nominal de valor semântico muito geral, em orações relativas correspondentes às de (120), como se ilustra em (121):

(121) a. A pessoa que me deu aquele livro não me conhece de todo. b. A Joana encontrou a pessoa que procurava. c. Em Paris, ele dorme nos sítios em que calha (dormir). d. No momento em que me deram a notícia, até pulei de alegria. e. Aprendi a fazer rissóis da maneira como a minha avó fazia.

Em determinadas circunstâncias discursivas, as orações relativas de antecedente implícito são mais naturais e económicas do que as orações correspondentes com um antecedente explícito. Tipicamente, isto acontece quando o falante considera que a informação específica sobre o antecedente é irrelevante; quando não tem informação adicional sobre o antecedente para além daquela que é codificada nos traços semânticos; quando essa informação é evidente no contexto discursivo ou situacional; ou ainda quando o falante tem a intenção de criar um sentido de quan-tificação universal, como, p.e., em quem não comer a sopa não come a sobremesa, que se pode parafrasear, utilizando uma variável lógica, como ‘para todo o x, tal que x não come sopa, então x não come sobremesa’80.

A hipótese de que também nas construções relativas como (120) existe um ante-cedente tem como consequência manter uniformidade de análise das construções relativas em geral (cf. Móia 1992a), pois permite analisar as orações relativas com e sem antecedente explícito como modificadores restritivos de um nome. Essa uni-formidade traduz -se numa semelhança estrutural entre os dois tipos, na medida em que se postula um nome nulo implícito como antecedente nos exemplos de (120), paralelo ao nome explícito dos exemplos de (121), o que se ilustra em (122) -(126) (representa -se o antecedente implícito através da notação “[-]”):

(122) a. [SN [-] Quem me deu aquele livro] não me conhece de todo. b. [SN A [[pessoa] que me deu aquele livro]] não me conhece de todo.

(123) a. A Joana encontrou [SN [-] quem procurava]. b. A Joana encontrou [SN a [pessoa] que procurava]].

79 Estes traços, como vimos, são [±humano], [±lugar], [±tempo] e [±modo].80 O facto de as orações relativas com antecedente implícito serem adequadas a contextos de quantifica-ção universal faz que sejam abundantes em aforismos: cf., por exemplo, quem casa quer casa, quem vai ao

mar perde o lugar, onde há fumo há fogo, e ainda na linguagem publicitária – cf., por exemplo, quem vê quer

ver (slogan da RTP2).

ORAÇÕES RELATIVAS DE ANTECEDENTE IMPLÍCITO 39.6.1

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2120

(124) a. Em Paris, ele dorme [SP [SN [-] onde calha (dormir)]]. b. Em Paris, ele dorme [SP em [SN os [sítios] em que calha (dormir)]].

(125) a. [SP [SN [-] Quando me deram a notícia]], até pulei de alegria. b. [SP Em [SN o [momento] em que me deram a notícia]], até pulei de alegria.

(126) a. Aprendi a fazer rissóis [SP [SN [-] como a minha avó fazia]]. b. Aprendi a fazer rissóis [SP de [SN a [maneira] como a minha avó fazia]].

As estruturas (a) destes exemplos revelam outro aspeto interessante das construções relativas com antecedente implícito: apesar de o antecedente das orações relati-vas restritivas excluir o determinante (cf. 39.1) e apesar de as orações relativas de antecedente implícito serem sempre restritivas, nestas construções o determinante também está omisso. Ou seja, da construção relativa no seu todo, o único material explicito é a oração relativa81.

[19] A gramática tradicional trata as frases (120a,b) de forma diferente das suas correspondentes em (121a,b), chamando às primeiras “orações substantivas relativas”82, por oposição às segundas, chamadas “orações adjetivas relativas”, e atribuindo -lhes a função gramatical de sujeito (cf.  (120a)) ou de complemento direto (cf. (120b)). Contudo, estas construções são bastante diferentes daquelas em que a função de sujeito é desempenhada diretamente por uma oração completiva (cf. Cap. 36), quer declarativa (cf. que estivesse a chover torrencialmente aborreceu a

Maria) quer interrogativa (cf. não é claro quem roubou os ovos)83.Para as frases (120c -e) e (121c -e), também o tratamento não é homogéneo. Para

as primeiras, prevalecem as suas propriedades semânticas, sendo tratadas como orações subordinadas adverbiais, p.e., de tempo (cf. (120d))84 ou comparativa (cf. (120e)). Para as segundas, em contrapartida, prevalecem as propriedades sintáticas e são classificadas como orações adjetivas relativas.

Outro ponto que vale a pena assinalar (já referido a propósito de onde; cf. 39.3.7.1) é o seguinte: nas construções com orações relativas de antecedente implícito que têm uma função adverbial de lugar ou de tempo, não é só o determinante da construção relativa que está omisso, mas também a preposição que normalmente introduz os constituintes com esse valor semântico, tipicamente a preposição em (cf. (121c,d), respetivamente nos sítios e no momento).

Existem outras orações superficialmente semelhantes às relativas de antecedente implícito, mas com propriedades diferentes, ilustradas em (127)85. Nestas, apenas o antecedente nominal se encontra omisso, não o determinante do antecedente, que pode ser um artigo definido (cf. (127a,d)) ou um determinante demonstrativo (cf. (127b,c))86:

81 A integração das orações relativas no sintagma nominal que forma a construção relativa é tão forte nestes casos que alguns autores, na literatura sobre o assunto em língua inglesa, as designam “relativas fundidas” (fused relatives).82 Cf. Nomenclatura Gramatical Portuguesa (1967).83 Sobre as diferenças entre orações interrogativas indiretas e orações relativas com antecedente implícito, cf. Caixa [20].84 Estas orações são analisadas como subordinadas adverbiais temporais no Cap. 38.85 Estas orações já foram discutidas em 39.3.2, a propósito da locução relativa o que.86 Ao artigo definido, nestes contextos, a gramática tradicional chama “pronome demonstrativo” (cf. 39.3.2 e Cap. 23).

39.6.1 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2121

(127) a. Vou dizer aos alunos que [SN os [-] que quiserem ir almoçar] têm de ir já. b. (Museus) só visitei [SN aqueles [-] que abriam de tarde]. c. (Restaurantes) frequento [SN esses [-] onde se come mesmo bem]. d. (Namorados) [SN os [-] de que(m) mais gosto] ficam amigos para a vida.

Trata -se, neste caso, de construções que manifestam elipse do nome que funciona como antecedente da oração relativa. Este é, no entanto, recuperado contextual-mente, quer por ser idêntico a um nome que ocorre no discurso anterior, quer por existir na situação da enunciação um referente saliente que permite reconstruir um nome adequado87. Dado o tratamento da elipse proposto nesta Gramática (cf. Cap. 45), estas construções devem, pois, ser assimiladas às construções em que a oração relativa tem um antecedente explícito, com um valor semântico especí-fico, omitido (apenas) na parte fonética da organização gramatical. Ou seja, não se trata de verdadeiras orações relativas de antecedente implícito, como as de (120). Nestas, não só o nome antecedente mas também o determinante estão omissos; além disso, o antecedente omisso tem características semânticas e discursivas muito diferentes; nomeadamente, não é recuperado a partir do contexto discursivo ou situacional, mas sim a partir dos traços semânticos de natureza geral presentes no pronome relativo (cf. Nota 79).

Conformidade categorialAs orações relativas com antecedente implícito, exemplificadas em (120), obede-cem a determinadas condições que se relacionam com as classes sintagmáticas do constituinte relativo e da construção relativa88. Por exemplo, em construções em que os dois constituintes são preposicionados, a preposição que os introduz tem, geralmente, de ser idêntica (cf. (135)).

Recorde -se que a construção relativa é o sintagma nominal que inclui a oração relativa, o seu antecedente nominal e o especificador desse antecedente. A cons-trução relativa está por vezes incluída num grupo maior, geralmente um sintagma preposicional. Assim, p.e., em telefonei à rapariga com a qual saí ontem à noite, a construção relativa é todo o SN a rapariga com a qual saí ontem à noite, que faz parte do sintagma preposicional à rapariga com a qual saí ontem à noite, um constituinte subcategorizado pelo verbo da oração principal89.

Por sua vez, o constituinte relativo é o grupo que inclui o pronome relativo e, quando este é um complemento oblíquo ou um adjunto da oração relativa, a preposição que o introduz90. Na frase dada como exemplo no parágrafo anterior, o constituinte relativo é com a qual, um adjunto adverbial dessa oração.

87 Sobre estas construções, cf. Caps. 20, 22, 23 e 45.88 Cf. Brito (1991a) e Móia (1992a).89 Nesta frase, o sintagma preposicional é selecionado (e subcategorizado) pelo verbo telefonar. Com outros verbos, em frases ilustradas ao longo deste capítulo, o sintagma preposicional pode ser um adjunto adver-bial. Recorde -se que a subcategorização codifica a classe sintagmática dos argumentos selecionados por um verbo – p.e., se o argumento é um sintagma nominal ou um sintagma preposicional – e, no caso de ser um sintagma preposicional, qual a preposição particular que o introduz (cf. Cap. 28); assim, p.e., o verbo telefonar subcategoriza um sintagma preposicional introduzido pela preposição a (cf. telefonar a alguém).90 O constituinte relativo pode também conter o nome modificado pelo pronome relativo, mas esses casos são irrelevantes nesta subsecção (cf. 39.2, 39.3.4 e 39.3.5).

ORAÇÕES RELATIVAS DE ANTECEDENTE IMPLÍCITO 39.6.2

39.6.2

Page 67: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2122

Quando o constituinte relativo é um sintagma nominal (sujeito ou comple-mento direto na oração relativa), a construção relativa da oração principal pode ser um sintagma nominal, com a função de sujeito (cf. (128)) ou de complemento direto (cf. (129)), ou pode estar incluída num sintagma preposicional com a fun-ção de complemento indireto (cf. (130)) ou de complemento oblíquo (cf. (131))91:

(128) a. [[Quem]SUJ não comer sopa]SUJ não come sobremesa. b. [[O que]CD eu vi naquele canil]SUJ deixou -me deprimida.

(129) a. Vou premiar [[quem]SUJ entregou todos os tpc]CD. b. Deixa -me descrever -te [[o que]CD vi naquele canil]CD.

(130) a. Ofereço um doce [a [quem]SUJ entregar o teste primeiro]CI. b. Dei um beijo [a [quem]CD vi na sala]CI.

(131) a. Conversei [com [quem]SUJ estava na sala]CObl. b. Conversei [com [quem]CD vi na sala]CObl.

Em contrapartida, quando a construção relativa é um sintagma nominal na oração principal (com a função de sujeito ou de complemento direto), as frases tornam -se marginais, ou mesmo agramaticais, se o constituinte relativo for pre-posicionado (independentemente da sua função na oração relativa: complemento indireto nos exemplos (a) de (132) e (133), complemento oblíquo nos exemplos (b) e adjunto adverbial nos exemplos (c)):

(132) a. ?? [[A quem]CI tu deste o anel da bisavó]SUJ já não te liga. b. ?? [[Com quem]CObl tu namoraste]SUJ namora -me agora a mim. c. ?? [[Com quem]ADJU eu fui ao cinema]SUJ não me liga nenhuma.

(133) a. * Elogiei [[a quem]CI os alunos entregaram os trabalhos]CD. b. * Elogiei [[com quem]CObl tu namoraste]CD. c. * Maltratei [[com quem]ADJU fui ao cinema]CD.

Quando a construção relativa e o constituinte relativo são ambos preposicio-nados, as preposições de um e de outro têm de ser idênticas, embora apenas uma delas possa ocorrer explicitamente, como se ilustra em (134):

(134) a. A miúda conversava com quem eu estava a brincar. (vs. *a miúda conver-

sava com com quem eu estava a brincar) b. A miúda ofereceu carrinhos a quem eu dei a pista de automóveis. (vs. *a miúda

ofereceu carrinhos a a quem eu dei a pista de automóveis)

Em (134a), o verbo conversar subcategoriza um sintagma preposicional introduzido pela preposição com e o verbo brincar admite um adjunto adverbial (comitativo) introduzido também pela preposição com (cf. Cap. 32); as duas preposições são idên-ticas e a frase é aceitável. Em (134b), os dois verbos selecionam um complemento indireto introduzido pela preposição a, e de novo a frase é aceitável. No entanto,

91 Nos exemplos, indica -se através de um subíndice à direita dos parênteses a função quer do constituinte relativo quer da construção relativa (ou do constituinte de que faz parte): “SUJ” = sujeito, “CD” = comple-mento direto, “CI” = complemento indireto, “CObl” = complemento oblíquo e “ADJU” = adjunto adverbial.

39.6.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 68: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2123

apenas uma das preposições pode ocorrer, como se vê pela agramaticalidade dos exemplos entre parênteses.

Se as preposições que introduzem a construção relativa e o constituinte rela-tivo não são idênticas (tendo, portanto, ambas de ocorrer explicitamente), as frases resultantes não são aceitáveis, como se ilustra em (135):

(135) a. * A miúda bateu a com quem eu estava a brincar. b. * A miúda brincava com a quem eu dei um livro.

Na literatura linguística contemporânea, chama -se a este fenómeno confor-

midade categorial. O fenómeno tem dois aspetos: (i) se o constituinte relativo é introduzido por uma preposição, a construção relativa tem de ser introduzida por uma preposição idêntica (cf. (132) -(134)); e (ii) só uma das preposições pode ocorrer explicitamente na frase (cf. (135)).

Além da identidade de preposições, há outros fatores em jogo nestas constru-ções; assim, p.e., são geralmente mais aceitáveis as frases em que as duas preposi-ções têm o mesmo valor semântico do que aquelas em que esse valor é diferente (cf. Móia 1992a), como se ilustra em (136)92:

(136) a. ? A miúda sorriu a quem o irmão deu um empurrão. (comparar com (134b)) b. ?? A miúda aproximou -se de quem tu falavas.

A aceitabilidade das construções é completa quando o verbo da oração principal é idêntico ao verbo da oração relativa:

(137) a. Nós só respondemos a quem formos obrigados a responder! b. Eu discordo de quem todos discordam. c. Ele luta contra quem eu já lutei.

Constituem casos particulares deste tipo as frases em que o verbo da oração relativa é elíptico (cf. Cap. 45) como em nós só respondemos a quem formos obrigados

a responder, eu discordo de quem vocês quiserem que eu discorde (a elipse é indicada pela rasura).

Quando a oração relativa de antecedente implícito tem um valor locativo, com o pronome onde, existem diferentes possibilidades. Se a construção relativa não for preposicionada, o constituinte relativo também não pode ser preposicionado, como se ilustra em (138) (recorde -se que onde com valor locativo estático não é introduzido por preposição):

(138) a. Em Faro, estive onde estudou a minha mãe. b. * Em Paris, dormi de onde parte o TGV.

Em contrapartida, se a construção relativa for preposicionada, o constituinte relativo pode ser não preposicionado, como em (139a) (na oração relativa de (139a), onde tem um valor locativo estático). O constituinte relativo também pode ser preposicionado, mas, neste caso, a preposição, bem como o seu valor semântico,

92 Em (136a), tanto sorrir como dar (um empurrão) subcategorizam um sintagma preposicional introduzido por a (cf. sorrir a alguém e dar um empurrão a alguém); em (136b), os dois verbos subcategorizam um sintagma preposicional iniciado por de (cf. aproximar -se de alguém e falar de alguém).

ORAÇÕES RELATIVAS DE ANTECEDENTE IMPLÍCITO 39.6.2

Page 69: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2124

tem de ser compatível com o verbo da oração principal e, de novo, a preposição só ocorre uma vez, como se ilustra no contraste entre (139b) e (139c) (cf. ir/caminhar

até um lugar):

(139) a. No domingo, caminhei até onde nidificam as garças. b. No domingo caminhei até onde tu foste no sábado. c. * No domingo caminhei até de onde emigram as garças.

Nem todas as construções com orações relativas de antecedente implícito obedecem à conformidade categorial93, nomeadamente aquelas em que a oração relativa é argumento de um verbo existencial, como aparecer, arranjar, haver, surgir, ou usado existencialmente, como ter (cf. 39.3.1). Nestas construções, o leque das combinações entre as classes sintagmáticas da construção relativa e do constituinte relativo não apresenta as restrições que se observam em (132) e (133), como se ilustra nos seguintes exemplos (com os verbos aparecer e surgir, a construção relativa é sujeito, e, com ter e encontrar, complemento direto):

(140) a. Apareceu [[a quem]CI dar aqueles livros]SUJ. (comparar com (132a)) b. Finalmente surgiu [[com quem]CObl conversar]SUJ. (comparar com (132b,c))

(141) a. Tenho [[a quem]CI entregar o requerimento]CD. (comparar com (133a)) b. Encontrei [[com quem]CObl namorar]CD. (comparar com (133b,c))

[20] As orações relativas com antecedente implícito (cf.  (ia)) são superficialmente

muito semelhantes às orações interrogativas indiretas parciais (i.e., iniciadas por um

pronome interrogativo qu-, ou por um constituinte interrogativo contendo um tal

pronome – cf. (ib) e Cap. 48). No entanto, o seu comportamento é bastante diferente,

o que nos permite concluir que se trata de construções diferentes:

(i) a. Admiro quem faz asa -delta em Portugal.

b. Não sei quem faz asa -delta em Portugal.

Uma oração relativa com antecedente implícito, como a sequência em itálico de (ia), funciona como modificador de um nome que não está explícito. Em contrapartida, uma oração interrogativa indireta, como a sequência em itálico de (ib) (cf. Caps. 36 e 48), é o argumento de um verbo (ou de outro tipo de predicador) e denota pedido de informação ou desconhecimento sobre uma determinada situação ou parte dela. Em (ib), p.e., a oração interrogativa é argumento do verbo (não) saber.

Existem testes sintáticos que permitem distinguir entre os dois tipos de construções (cf. Móia 1992a). Apresenta -se em primeiro lugar um conjunto de “modificações sintáticas” que se podem fazer a frases com orações interrogativas indiretas, mas não a frases com orações relativas de antecedente implícito. Todas essas modificações envolvem substituição da oração interrogativa parcial por outra construção aparentada. As frases usadas como exemplo são as de (i).

A – substituição por uma oração interrogativa global, com o complementador se:

(ii) a. * Admiro se os jovens fazem asa -delta em Portugal. b. Não sei se os jovens fazem asa -delta em Portugal.

93 Cf. Brito (1991a) e Móia (1992a, 2001).

39.6.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 70: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2125

B – substituição por uma oração introduzida pelo pronome qual, seguido de ser com valor de identidade:

(iii) a. * Admiro quais são as pessoas que fazem asa -delta em Portugal. b. Não sei quais são as pessoas que fazem asa -delta em Portugal.

C – substituição por uma oração na qual ocorre o determinante interrogativo que seguido de um grupo nominal:

(iv) a. * Admiro que pessoas fazem asa -delta em Portugal. b. Não sei que pessoas fazem asa -delta em Portugal.

D – inserção de é que à direita do pronome qu-, impossível em orações relativas:

(v) a. * Admiro quem é que faz asa -delta em Portugal. b. Não sei quem é que faz asa -delta em Portugal.

E – substituição de toda a estrutura pelo pronome isso94:

(vi) a. # Admiro isso. (impossível com o mesmo significado de (ia)) b. Não sei isso.

F – substituição por uma oração com o pronome qu- preposicionado, impossível nas orações relativas com antecedente implícito devido ao requisito de conformidade categorial, que não se aplica às construções com orações interrogativas:

(vii) a. * Admiro de quem se fala em Portugal. b. Não sei de quem se fala em Portugal.

Apresenta -se agora um conjunto de modificações sintáticas que se podem fazer em frases com orações relativas de antecedente implícito, mas não em frases com orações interrogativas parciais indiretas. Estes testes assentam no facto de, nas frases com orações relativas, existir um sintagma nominal que contém a oração relativa e o antecedente implícito. Nesse sentido, se os testes anteriores consistem principalmente em substituições da oração interrogativa por uma estrutura frásica, os próximos testes consistem em substituições da oração relativa por uma estrutura nominal.

G – substituição por um sintagma nominal com os mesmos traços semânticos do pronome qu- (neste caso, o traço [+humano]):

(viii) a. Admiro o João. b. * Não sei o João.

H – conversão da frase na sua totalidade da voz ativa para a voz passiva, com a concomitante mudança de função gramatical da construção em causa, de complemento direto para sujeito, só possível com oração relativa, visto esta estar incluída num sintagma nominal:

(ix) a. Quem faz asa -delta em Portugal é admirado por mim. b. * Quem faz asa -delta em Portugal não é sabido por mim.

Por fim, importa referir que alguns verbos aceitam as duas construções, como, p.e., ver ou descobrir, entre outros, dando origem a estruturas ambíguas, cuja classifi-cação só é possível analisando o significado concreto da frase. Deste modo, uma frase

94 Este teste apenas é válido quando a oração contém os pronomes quem, onde, como ou quando; com os pronomes o que ou quanto, ambos [–animado], quer a oração interrogativa quer a oração relativa podem ser substituídas por isso (cf. adoro o que encontraste, não sei o que encontraste, e as suas correspondentes com isso, adoro isso e não sei isso).

ORAÇÕES RELATIVAS DE ANTECEDENTE IMPLÍCITO 39.6.2

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2126

como a imprensa desportiva vê quem faz asa -delta em Portugal tanto pode conter uma

oração interrogativa indireta – cf. a imprensa desportiva vê se os jovens fazem asa -delta

em Portugal – como pode conter um sintagma nominal com uma oração relativa – cf. a

imprensa desportiva vê as pessoas que fazem asa -delta em Portugal. No primeiro caso, ver

é um verbo de cognição, com um significado equivalente ao de aperceber -se, verificar;

no segundo, é um verbo de perceção sensorial, equivalente a observar.

Adjacência entre a oração relativa e o seu antecedenteTipicamente, uma oração relativa ocorre adjacente ao seu antecedente, como se ilustra em (142), respetivamente com uma oração relativa restritiva e uma apositiva:

(142) a. Os chocos que comi ontem estavam estragados. (vs. *os chocos estavam

estragados que comi ontem) b. A Mafalda, que é uma boa amiga, faz anos no sábado. (vs. *a Mafalda faz

anos no sábado, que é uma boa amiga)

No entanto, em registos menos formais95, é possível quebrar a adjacência entre a oração relativa e o antecedente com um adjunto adverbial temporal, como em (143a,c), ou locativo, como em (143b,d) (as orações em (a) e (b) são restritivas; as de (c) e (d) são apositivas):

(143) a. Conheci um rapaz ontem que namorou a Maria. b. Conheci um rapaz no Porto que namorou a Maria. c. ? Conheci um rapaz ontem, que namorou a Maria. d. ? Conheci um rapaz no Porto, que namorou a Maria.

Esta quebra de adjacência só é possível quando a construção relativa (que con-tém o antecedente) é indefinida, mas não quando é definida, quer com relativas restritivas (cf. (144a,b)), quer com relativas apositivas (cf. (144c,d)):

(144) a. * Conheci o rapaz ontem que namorou a Maria. b. * Conheci o rapaz no Porto que namorou a Maria. c. * Conheci o Pedro ontem, que é um bom amigo da Mafalda. d. * Conheci o Pedro no Porto, que é um bom amigo da Mafalda.

Quando o antecedente da oração relativa é ou faz parte de um constituinte interrogativo com um determinante qu- (que, p.e.), é possível, também em registos informais, separar a oração relativa do seu antecedente. Enquanto este, como é usual

95 Por vezes, no entanto, tem -se o fenómeno oposto. Como estas frases são marcadas, podem ser usadas para obter um efeito estilístico próprio de um contexto mais formal ou de um texto literário, como na seguinte frase: Eram pouquíssimas as pessoas que tinham a coragem de pôr assim, publicamente, o dedo na ferida, e um

pobre homem houve que teve de pagar o antipatriótico desabafo com uma tareia que, se não lhe acabou ali mesmo

com a triste vida, foi só porque a morte havia deixado de operar neste país desde o princípio do ano (Saramago,

Intermitências, pág. 27). Nesta frase, o efeito estilístico provém da inversão das posições canónicas do verbo e do complemento direto (em rigor, da parte do complemento direto que antecede a oração relativa, pois a oração relativa faz parte do complemento direto, mas não acompanha o antecedente na inversão, daí a quebra de adjacência) – um pobre homem houve vs. houve um pobre homem. Não se trata, portanto, do mesmo tipo de quebra de adjacência existente nos exemplos em (143), causado simplesmente pela presença de um adjunto adverbial entre o antecedente e a oração relativa (sobre o estatuto de haver como verbo transitivo, selecionando um complemento direto, cf. Cap. 28).

39.7 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.7

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2127

nas estruturas interrogativas, ocorre no início da frase, a oração relativa ocorre no final, como se ilustra em (145):

(145) [Que filme] (é que) viste que não prestava?

Na língua-padrão, existe também um contexto em que, ao contrário do que possa parecer, a oração relativa não ocorre em adjacência ao seu antecedente. Trata--se, em concreto, do contexto de estruturas coordenadas, seja de sintagmas nomi-nais, seja de sintagmas preposicionais. Quando existe coordenação, forma-se um constituinte composto (cf. Cap. 35), dentro do qual ocorre, de forma descontínua, o antecedente da oração relativa; assim, apenas há adjacência entre a oração relativa e a parte do antecedente contida no segundo termo coordenado (respetivamente rapariga e a Ana em (146)), como se verifica facilmente96:

(146) a. O rapaz e a rapariga que conheci em Macau escreveram-me. b. Jantei com o Pedro e com a Ana, que me disseram que iam casar.

Orações relativas não canónicasAlém das construções descritas ao longo deste capítulo, o português apresenta dois tipos diferentes de orações relativas, consideradas marginais na língua-padrão e usualmente não descritas nas gramáticas normativas do português97. Mau grado esse estatuto, estas construções são utilizadas por falantes de diferentes grupos sociais, com variados graus de escolarização. Ocorrendo sobretudo na oralidade, em registos informais, é também possível encontrá -las em textos jornalísticos (cf. Peres e Móia 1995) ou mesmo literários98.

[21] A regularidade destas construções ultrapassa a dimensão do português, na

medida em que os seus padrões são sistemáticos em diversas línguas, em que

são também consideradas marginais ou não canónicas99. Acerca do seu caráter

marginal, Deulofeu (1981) afirma que os falantes dispõem de um sistema sintático

uniforme, que engloba todas as variantes possíveis das construções relativas, mas que,

nalguns deles, esse sistema não se manifesta inteiramente, porque as possibilidades

consideradas não canónicas são bloqueadas devido a normas de comportamento

linguístico, que decorrem da pertença desses falantes a grupos sociais cultural e

96 São também possíveis, para alguns falantes, estruturas oracionais coordenadas em que cada uma das orações contém um dos dois antecedentes da oração relativa única, podendo não haver, neste caso, adjacência da oração relativa com qualquer deles: cf. conheci uma rapariga ontem e vi um rapaz hoje que

tinham piercings nas mãos.97 Na literatura linguística contemporânea, estas construções são referidas como “estratégias não canónicas de relativização” (cf. Brito 1991a, 1995, Peres e Móia 1995 e Alexandre 2000). Ainda que a gramática tradicional as ignore, em Cunha e Cintra (1984:347) dá -se uma abonação, de Carlos Drummond de Andrade, de uma oração relativa marginal, sem se referir o seu caráter desviante: sei que estou plagiando nosso famoso

cronista, [o qual, certa vez, deu -lhe na telha fazer essa comunicação ao jornal e aos leitores].98 Veja -se, por exemplo, As horas passaram, todas as que foram necessárias para que o sol nascesse lá fora, não

aqui nesta sala branca e fria, [onde as pálidas lâmpadas, sempre acesas, pareciam ter sido postas ali para espantar

as sombras a um morto que tivesse medo da escuridão] (Saramago, Intermitências, pág. 187) ou Há mulheres [que a

malta paga para se ver livre delas], caraças! (J. R. Santos, Fúria, pág. 216).99 Cf. Deulofeu (1981), Blanche -Benveniste (1990) e Gadet (1995) para o francês; Prince (1990) para o inglês; Suñer (1998) para o espanhol; e Bianchi (2004) para o italiano.

ORAÇÕES RELATIVAS NÃO CANÓNICAS 39.8

39.8

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2128

linguisticamente tidos como de mais prestígio. A produção oral destas estruturas em português, mesmo por falantes mais escolarizados, confirma a sua disponibilidade na gramática da língua. Em situações de comunicação mais formais, alguns falantes conseguem eliminá -las do seu discurso, o que poderá explicar a reformulação dos seguintes enunciados, produzidos em situações em que os falantes tinham cons-ciência de estarem a ser gravados:

(i) a. Na minha turma eu tive colegas mestiços que ainda hoje, dos quais sou amiga. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfammn23)

b. E nós temos direito, esses direitos que nós, pelos quais, eh, lutámos. (CRPC,

C -ORAL -ROM, pmedin03)

Nestes enunciados, o primeiro constituinte relativo, que, é substituído (antes de se terminar a frase) por uma forma que se adequa normativamente à estrutura sintática da oração relativa efetivamente produzida (e possivelmente com isso evitando -se a marginalidade de na minha turma eu tive colegas mestiços que ainda hoje sou amiga

(deles) ou de e nós temos direito, esses direitos que nós lutámos, frases que poderiam ter sido produzidas se não houvesse um gravador presente).

Orações relativas com estratégia cortadoraA primeira destas estruturas não canónicas consiste na seguinte simplificação do constituinte relativo: (i) eliminação de qualquer preposição que, de acordo com a função gramatical do constituinte relativo na oração relativa, deveria introduzir o pronome; (ii) uso sistemático do pronome relativo que. Estas construções são chamadas orações relativas com estratégia cortadora e ocorrem, naturalmente, quando o constituinte relativo corresponde a um sintagma preposicional. São sobretudo frequentes quando esse constituinte tem um valor temporal (cf. (147a)) ou locativo (cf. (147b,c))100:

(147) a. Não havia dia nenhum que não saísse cataplanas. (CRPC, C -ORAL -ROM,

ppubdl07) (cf. dia nenhum em que não saísse cataplanas) b. Porque, cada sítio que nós íamos, “ena são os portugueses”. (CRPC, C -ORAL-

-ROM, pfammn08) (cf. cada sítio a que nós íamos) c. Tens máquinas que tu metes uma chave diária e aquilo faz tudo sozinho.

(CRPC, C -ORAL -ROM, pfammn14) (cf. máquinas em que tu metes uma chave

diária)

Estas orações ocorrem também com grande frequência quando o constituinte relativo é um complemento oblíquo introduzido por uma preposição com função puramente gramatical, tipicamente de ou a, e selecionado por verbos como falar, gostar ou precisar (cf. Cap. 32):

100 Os exemplos desta subsecção são, em geral, extraídos do corpus de língua falada C -ORAL -ROM, cons-truído para o português pelo Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Para facilitar a leitura, simplificaram-se os exemplos e excluíram -se convenções de transcrição. Os nomes dos ficheiros de onde se retiraram aparecem entre parênteses no final de cada exemplo. Note -se que o documento pnatco02 constitui o texto de uma conferência, num registo formal, e que os documentos pmedsc02 e pmedts02 são transcrições de programas de televisão e rádio, respetivamente, registos também considerados formais. As fontes de outros exemplos estão identificadas igualmente entre parênteses. Quando não houver qualquer referência à fonte do exemplo, este é extraído de Veloso (2007).

39.8.1 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

39.8.1

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2129

(148) a. Porque há coisas na cultura americana que eu realmente não gosto. (CRPC,

C -ORAL -ROM, pfamdl20) (cf. coisas na cultura americana de que eu realmente

não gosto) b. Os adolescentes não progridem através destas diferentes etapas de envol-

vimento que eu falei, separadamente. (CRPC, C -ORAL -ROM, pnatco02) (cf. des-

tas diferentes etapas de envolvimento de que eu falei) c. Nós temos obrigação e nós vamos ter os serviços que o cliente precisa

(CRPC, C -ORAL -ROM, pmedsc02) (cf. serviços de que o cliente precisa) d. Porque há muitas coisas que nós discordamos (CRPC, C -ORAL -ROM, pmedts02)

(cf. coisas de que nós discordamos)

Embora menos frequentemente, a construção ocorre também quando o cons-tituinte relativo é um complemento indireto (cf. (149a)) ou oblíquo, agora intro-duzido por uma preposição com valor semântico (cf. (149b)), ou ainda quando o constituinte relativo é complemento ou modificador de um nome da oração relativa (cf. (149c-e)):

(149) a. Nós estávamos com uns portugueses que vir a Lisboa ao fim-de-semana

não dá muito jeito. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfamdl04) (cf. portugueses a quem vir

a Lisboa ao fim de semana não dá muito jeito)101

b. Continente é a marca que os portugueses mais confiam na sua categoria. (anúncio televisivo) (cf. a marca {na qual/em que} os portugueses mais

confiam) c. Iam -nos levar ao, ao sítio que nós andávamos à procura. (CRPC, C -ORAL -ROM,

pfammn08) (cf. ao sítio de que nós andávamos à procura) d. Eles lá tinham dois tipos de rum. Tinham o rum normal, que agora não

me lembro do nome da marca. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfamdl09) (cf. o rum normal,

de que agora não me lembro do nome da marca) e. Tenho direito político, que não conheço o professor nem nunca fui a

nenhuma aula. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfammn01) (cf. Direito Político, de que não

conheço o professor nem nunca fui a nenhuma aula)

Os exemplos em (147) -(149) permitem concluir que estas orações relativas podem ocorrer com antecedentes definidos ou indefinidos e podem ser restritivas ou apositivas (os exemplos (149d,e) contêm orações relativas apositivas).

Orações relativas com estratégia de pronome de retomaO segundo tipo de orações relativas não canónicas caracteriza -se por ter uma pro--forma (cf. Cap. 23), geralmente um pronome pessoal102, dentro da parte proposi-cional da oração relativa103; essa pro -forma, por sua vez, retoma (de certo modo, “repete”) o constituinte relativo, tanto funcional como semanticamente. Nas

101 Veja -se, neste exemplo, o uso de que em vez de quem, e em (149b), em vez de o qual (embora que precedido de preposição seja aí também possível).102 Essa pro -forma também pode ser um pronome demonstrativo (cf. (151e)) ou um advérbio locativo (cf. (153a)).103 Recorde -se que a parte proposicional da oração relativa é a parte que segue o constituinte relativo inicial; assim, p.e., em eis as pessoas [a quem a Maria pediu dinheiro emprestado], a parte proposicional da oração relativa é a sequência sublinhada.

ORAÇÕES RELATIVAS NÃO CANÓNICAS 39.8.2

39.8.2

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2130

relativas canónicas, pelo contrário, não há qualquer elemento desse tipo. Para ilustrar com um exemplo construído, veja -se tenho uma prima que ela me deu esse

livro, em que o pronome pessoal ela retoma o pronome relativo que, com a função de sujeito que este tem na oração relativa. Por retomar a função gramatical do pro-nome (ou, mais exatamente, do constituinte) relativo, o pronome pessoal, nesta construção, chama -se pronome de retoma, e a estas construções dá -se o nome de orações relativas com estratégia de pronome de retoma104. Tal como na cons-trução cortadora, é também frequente simplificar -se o constituinte relativo através do uso sistemático do pronome relativo que (sem preposição, quando esta seria necessária; cf., por exemplo, (151a), abaixo).

Nestas estruturas, o constituinte relativo pode ter qualquer função gramatical na oração relativa (cf. (150a) para a função de sujeito e (150b) para a função de comple-mento direto; sublinha -se o antecedente e coloca -se o pronome de retoma em negrito):

(150) a. E é o percurso dela que é engraçado. porque é uma fulana que ela não,

não consegue ficar muito tempo no mesmo sítio. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfamcv10) (cf. fulana que _ não consegue ficar muito tempo no mesmo sítio)

b. Madanela até vem, vem numa oração popular, muito engraçada – ah, já, já não me lembro – que eu copiei -a para uma, para uma filha de uma

amiga minha. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfamcv03) (cf. que eu copiei _ para uma filha

de uma amiga minha)

Usa -se frequentemente esta estratégia em contextos em que a oração relativa é uma estrutura complexa, contendo uma oração subordinada, e em que o consti-tuinte relativo tem uma função nessa oração mais encaixada; estes casos ilustram--se em (151). Estas estruturas, por vezes, não permitem a formação de uma oração relativa canónica (cf. 39.2.2). Alguns dos exemplos (cf. (151a,e)) ilustram também a simplificação do constituinte relativo, reduzido à forma que:

(151) a. A um antigo patrão meu que eu estive quase para lhe dar uma pêra no

focinho. (cf. a quem eu estive quase para dar uma pera no focinho _) b. E sou uma pessoa também bastante assertiva. infelizmente, havia lá

colegas minhas que pela convivência já eu determinava que elas não eram

assim. e não eram mesmo (CRPC, C -ORAL -ROM, pfammn12) (cf. colegas minhas

que pela convivência já eu determinava que _ não eram assim) c. Há coisas fantásticas que eu nem sei como é que elas me acontecem. (cf. que

eu não sei como é que _ me acontecem) d. Na carta temos uma pequena nota que a gostaríamos de fazer. (CRPC,

C -ORAL -ROM, pnatps03) (cf. que gostaríamos de fazer _) e. Há aqui coisas que eu não sei exatamente o que é que eles querem dizer

com isto. (cf. com as quais eu não sei exatamente o que é que eles querem

dizer _)105

104 Na literatura sobre o assunto, é frequente encontrar o termo “pronome resuntivo” em vez de “pro-nome de retoma”; em Peres e Móia (1995) designam-se estas construções de “orações relativas com duplo preenchimento”.105 Note -se o uso do pronome demonstrativo isto como pro -forma de retoma, neste exemplo.

39.8.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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2131

Em (151), as orações relativas envolvem estruturas complexas de subordinação, mas também são frequentes os exemplos em que a coordenação de orações relativas favorece a ocorrência de um pronome de retoma na segunda oração coordenada, ou mesmo em ambas, como se ilustra a seguir:

(152) a. Porque isso são ordens que eu tenho e que não posso fugir a elas. (cf. e às

quais não posso fugir _) b. Eles tinham umas 200 ou 300 cabeças de gado que ninguém as ia levar

nem ninguém as ia buscar ao pasto (cf. que ninguém ia levar _ nem ninguém

ia buscar _ ao pasto)

Os exemplos (150) -(152) ilustram também uma regularidade que favorece este tipo de estratégia, nomeadamente o caráter indefinido da construção relativa: o sintagma nominal em que se integra a oração relativa ou é introduzido por um artigo indefinido (cf. (151a,d) e (152b)) ou não é introduzido por qualquer deter-minante e está no plural (cf. (151b,c,e)) e (152a)); além disso, a construção relativa é muitas vezes argumento de verbos como haver, ser ou ter (cf. (152)), usados para introduzir entidades novas no contexto discursivo (sobretudo no discurso oral). A presença do pronome de retoma parece estar relacionada com o valor real (e não virtual) do sintagma nominal a que corresponde a construção relativa106, pois esta estratégia nunca é utilizada em sintagmas nominais com valor virtual, com o verbo da oração relativa no modo conjuntivo.

O caráter indefinido da construção relativa torna difícil classificar estas orações relativas como restritivas ou apositivas (cf. Caixa [18]), mas nos poucos casos em que ocorrem artigos definidos, parece claro que se trata de orações relativas aposi-tivas, como se ilustra em (153):

(153) a. Porque aquilo tens aquelas cabines pequeninas, não é, em que eles vão

para lá. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfamcv06) (cf. para onde eles vão _ ) b. Vimos água no fundo do poço107, onde lá há instalação eléctrica também.

(CRPC, C -ORAL -ROM, pmedin02) (cf. onde há instalação elétrica _ também)

Estes exemplos mostram que a redução do constituinte relativo a que, nesta estra-tégia, não é obrigatória; na realidade, o advérbio onde é muito frequente, acom-panhado do advérbio locativo lá como pro -forma de retoma, tanto em orações relativas apositivas (como (153b)), como em orações relativas claramente restritivas (em que pode haver ou não redução do constituinte relativo), como as de (154):

(154) a. Um sítio onde estavam a vender postais e que nós estivemos lá [...], pouco

depois do carnaval, não é. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfamdl04) (cf. e onde nós esti-

vemos _ pouco depois do carnaval) b. Fomos mesmo ao centro de Viana. Fomos lá a uma pastelaria cen-

tral – não me lembro qual é o nome, mas mesmo ao pé da, da antiga câmara municipal – uma pastelaria onde os gajos têm lá aqueles doces

regionais mesmo deles, que são uns copinhos com coco e não sei quê (CRPC,

C -ORAL -ROM, pfammn14)

106 Estes enunciados correspondem, assim, a contextos reais, tal como são definidos no Cap. 21.107 Neste exemplo menciona -se o poço de um elevador e não um poço de água.

ORAÇÕES RELATIVAS NÃO CANÓNICAS 39.8.2

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2132

c. Ele sozinho vai ao stock e levanta -me esse, esse material. Aí geralmente corresponde a, a linhas de produção em que eles têm lá as caixas. (CRPC,

C -ORAL -ROM, pnatpe02)

Além de pronomes pessoais, demonstrativos ou advérbios locativos, é possível ter um quantificador pronominal neutro como pro -forma de retoma (cf. (155a)), ou mesmo um sintagma nominal completo (cf. (155b,c,d); em (155b) trata -se de um SN reduzido, sem especificador – cf. Cap. 20); neste caso, o nome no SN é idêntico ao antecedente, mas também pode ser um sinónimo ou um hiperónimo deste:

(155) a. E depois houve pessoal que foi tudo assim aos bolsos dos casacos. (CRPC,

C -ORAL -ROM, pfammn01)

b. Ela tem citações que eu não sei se são citações de um português macar-

rónico. c. Fiquei num hotel em Veneza que já metade da empresa ficou naquele hotel. d. Há um senhor aí numa lojinha de telemóveis que o gajo é muito bom

com o equipamento.

Muitas vezes, a pro -forma de retoma serve para realçar o constituinte relativo (indiretamente, o antecedente da oração relativa) na função que este desempenha na oração relativa, seja com um reforço simples, como em (155a), seja focalizando contrastivamente o pronome de retoma, como em (156) – note -se a presença de é que, elemento típico de realce:

(156) Vão para os rosés e, e outras coisas, que isso é que tem tido saída.108 (CRPC,

C -ORAL -ROM, ppubdl03)

Outro fator que favorece a utilização desta estratégia tem que ver com a comple-xidade do sintagma a partir do qual se forma o constituinte relativo e com a relação que este estabelece com o antecedente, como ilustrado pelos exemplos (157) -(159). Na estratégia canónica, para estes casos, o constituinte relativo constrói-se com N + do qual, do qual ou cujo N.

Em (157), o antecedente denota uma entidade plural e a oração relativa só se aplica a parte dessa entidade; o constituinte relativo deveria ter uma estrutura partitiva, mas é simplificado para que, com o partitivo expresso (em (157a)) na locução de retoma um deles109:

(157) a. Estavam dois miúdos dentro de água, que, que, que, que um deles começa:

“eu agora vou aí roubar vocês!” (CRPC, C -ORAL -ROM, pfamdl04) (cf. um dos

quais _ começa ou dos quais um _ começa) b. Nós tínhamos um casal amigo que ele era, ah, ele era, ele era administra-

tivo. (CRPC, C -ORAL -ROM, pfammn23)

108 Nesta frase, a oração introduzida por que é suscetível de uma classificação como oração explicativa; muitas vezes, as orações relativas apositivas são difíceis de distinguir das orações explicativas, por veicu-larem a mesma interpretação (esse é um dos critérios que estão na base do termo concorrente orações

relativas explicativas (cf. 39.1.2)).109 Para (157b) é, na realidade, praticamente impossível ter uma oração relativa canónica: uma hipótese seria a frase nós tínhamos um casal amigo, cujo homem era administrativo, a qual é, no entanto, sintaticamente, para não dizer pragmaticamente, estranha.

39.8.2 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

Page 78: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2133

Em (158), a oração relativa aplica -se apenas a uma parte constitutiva (o cimo dos edifícios com escadas) do antecedente (edifícios com escadas):

(158) é a de alguns centros de hemodiálise estarem em edifícios com escadas onde é [...], extremamente difícil os doentes chegarem lá em cima. (CRPC, C -ORAL-ROM,

pmedts02) (cf. edifícios com escadas, ao cimo dos quais é extremamente difícil os

doentes chegarem _)

Em (159), o constituinte relativo envolve uma estrutura possessiva e nestes casos os falantes tendem a usar o pronome possessivo como pro -forma de retoma, reduzindo o pronome relativo à forma que:

(159) Porque há genes que têm, que, que se expressam, que, que a componente ambiental,

tem um peso enorme na sua manifestação. (CRPC, C -ORAL -ROM, pmedsc01) (cf. genes

em cuja manifestação a componente ambiental tem um peso enorme _)

Os casos descritos até aqui envolvem orações relativas com antecedente nomi-nal. Apesar de não ser tão frequente, é possível encontrar pronomes de retoma também em orações relativas de antecedente frásico, com redução do pronome relativo à forma que:

(160) a. E as mitocôndrias [...] têm também DNA, que durante muito tempo isso

foi um caso, não, não se sabia. (CRPC, C -ORAL -ROM, pmedsc01)

b. Antes de responder a essa pergunta, que o farei com muito gosto, ...

Fontes das abonaçõesA. Brandão, Monarchia Lusitana – Brandão, António (1632), Qvarta Parte da Monarchia Lusitana. Lisboa.

Pedro Craesbeeck, impressor del Rey, fl. 64.

Blogues:

A minha fortuna. http://aminhafortuna.blogs.sapo.pt/53140.html

O Mundo da Corrida. http://www.omundodacorrida.com/phpBB2/archive/index.php/t -3182.html

CRPC – Corpus de Referência do Português Contemporâneo. http://www.clul.ul.pt/en/research-teams/183-

reference-corpus-of-contemporary-portuguese-crpc:

C -ORAL -ROM – Integrated Reference Corpora for Spoken Romance Languages:

pfammn01 – português familiar, monólogo 01.

pfammn08 – português familiar, monólogo 08.

pfammn12 – português familiar, monólogo 12.

pfammn14 – português familiar, monólogo 14.

pfammn23 – português familiar, monólogo 23.

pfamdl04 – português familiar, diálogo 04.

pfamdl09 – português familiar, diálogo 09.

pfamdl20 – português familiar, diálogo 20.

pfamcv03 – português familiar, conversa 03.

pfamcv06 – português familiar, conversa 06.

pfamcv10 – português familiar, conversa 10.

ppubdl03 – português informal não familiar, diálogo 03.

ppubdl07 – português informal não familiar, diálogo 07.

pnatco02 – português formal, conferência 02.

pnatpe02 – português formal, explanação profissional 02.

pnatps03 – português formal, discurso político 03.

pmedsc01 – português, media, discurso científico 01.

ORAÇÕES RELATIVAS NÃO CANÓNICAS 38.8.2

Page 79: ProvasCursoFormacaoAvancada_RVeloso

2134

pmedsc02 – português, media, discurso científico 02.

pmedts02 – português, media, talk show 02.

pmedin02 – português, media, entrevista 02.

pmedin03 – português, media, entrevista 03.

Garrett, Viagens – Garrett, Almeida (1946) Viagens na minha terra. Porto. Livraria Tavares Martins.

Público.

J. R. Santos, Fúria – Santos, José Rodrigues dos (201012) Fúria Divina. Lisboa, Gradiva.

Saramago, Intermitências – Saramago, José (2005) As Intermitências da Morte. Lisboa. Editorial Caminho.

39 SUBORDINAÇÃO RELATIVA

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SEGUNDA PARTE

Identificação e justificação dos temas em análise

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81

Diferentes propriedades das orações relativas em Português têm já sido descritas e analisadas sob diversos modelos teóricos1. No entanto, em trabalho por nós desenvolvido até ao presente, foi possível detetar algumas particularidades das orações relativas que não têm sido consideradas, pelo menos no que diz respeito ao potencial que apresentam para uma nova perspetiva de análise, mais global e unificada, destas estruturas. Essas particularidades decorrem do caráter definido ou indefinido do sintagma nominal em que se integram e parecem-nos importantes para perceber a relação existente entre este tipo de orações e o discurso, na medida em que se refletem na interpretação restritiva ou não restritiva da oração relativa, como defende Prince (1990), entre outros.

O estatuto definido ou indefinido de um sintagma nominal2 traduz-se em diferentes valores referenciais e discursivos: como é sabido, e posto de forma simples, para se introduzirem entidades novas no discurso (informação nova), utilizam -se determinantes indefinidos. Para se referirem entidades previamente introduzidas no discurso (informação partilhada) utilizam-se determinantes definidos. A informação partilhada abrange também entidades presentes no contexto situacional ou ainda entidades que fazem parte de um universo comum de referência sociocultural dos interlocutores (cf., p.e., Peres, 2013).

Tradicionalmente, as orações relativas dividem-se em duas grandes classes, em função das suas propriedades semântico-discursivas: as orações relativas restritivas, que restrigem a denotação do nome modificado criando um subconjunto do potencial de referência desse nome, e que, desse modo, contribuem para a identificação da referência do sintagma nominal em que se integram; as orações relativas apositivas, que fornecem informação adicional acerca de uma entidade cuja referência se encontra plenamente identificada, não contribuindo, portanto, para a sua identificação no contexto discursivo. As primeiras encontram-se sob o escopo do determinante que introduz o sintagma nominal, as segundas não.

1 Peres (1987), Brito (1991), Vasconcelos (1991), Móia (1992), Brito (1995), Peres e Móia (1995), Vasconcelos (1996),

Alexandre (2000), Móia (2001), Brito (2003), Cardoso (2011).

2 Usamos a etiqueta ‘sintagma nominal’ informalmente, para evitar análises antecipadas e peso descritivo. Esse sintagma nominal poderá ser encabeçado por um determinante ou por um quantificador, nas respetivas projeções máximas (DP e QuantP). Ao longo do texto contrastamos exemplos com determinante definido e determinante indefinido, mas na realidade o contraste dever ser estabelecido entre determinantes fortes e determinantes fracos (cf. Milsark, 1974).

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Os dados

São vários os fenómenos em que o estatuto definido ou indefinido do sintagma nominal que integra a oração relativa permite estabelecer padrões de comportamento, verificando-se que o seu estatuto indefinido3 esbate diferenças discursivas entre orações relativas restritivas e orações relativas apositivas (cf. Prince, 1990, e Veloso, 2013):

Informação nova e informação partilhada

Como qualquer modificador restritivo, uma oração relativa restritiva integrada num sintagma nominal definido contribui para a identificação do referente no contexto discursivo partilhado pelos diferentes interlocutores, constituindo, também ela, informação partilhada4.

(1) A minha tia que viveu em Angola gosta muito de África.

Quando um falante produz uma frase como (1), a entidade que tem a propriedade de ser sua tia5 já tinha sido previamente introduzida no contexto discursivo e acerca dela já se tinha afirmado que vivera em Angola; o falante está, desta forma, a evocar uma entidade que os seus interlocutores têm capacidade para identificar, com base na informação de que dispõem: no contexto discursivo só existirá uma entidade que tenha, simultaneamente, a propriedade de ser tia do falante e a de ter vivido em Angola (existirá, no entanto, pelo menos mais uma entidade que tenha a propriedade de ser tia do falante, o que se conclui da necessidade de usar um modificador restritivo).

Se a oração relativa restritiva estiver integrada num sintagma nominal indefinido, o seu valor pragmático vai ser o de informação nova. Este tipo de sintagmas introduz uma entidade nova no contexto discursivo e a oração relativa fornece informação adicional acerca de uma sua característica. Esta característica não é necessariamente exclusiva dessa entidade e, portanto, não é suficiente para a sua identificação.

3 As propriedades descritas nesta secção aplicam-se apenas a indefinidos de valor real, específicos, os indefinidos de valor real não específicos têm um comportamento diferente. Nestes últimos cabem os sintagmas nominais indefinidos em contextos genéricos: numa frase como Uma baleia é um animal mamífero, apesar de o sintagma nominal adquirir uma leitura idêntica à de um sintagma nominal definido (cf. Kleiber, 1994, e.o.), na realidade deve ser visto como um sintagma nominal indefinido não específico (cf. Miguel e Paiva Raposo, 2013), mas de valor real. Os indefinidos de valor virtual são um caso especial, pois parecem comportar-se em espelho, tendo os não específicos algumas semelhanças com os específicos de valor real (acerca da oposição entre real e virtual, ver Peres, 2013. Estamos a utilizar também a sua definição de específico e não específico). A descrição destas propriedades terá ainda de ser aprofundada, podendo haver neste plano alguns pormenores menos exatos.

4 A oração principal constitui sempre informação nova.

5 Naturalmente, a presença de um pronome possessivo tem repercussões na identificação do referente do sintagma nominal, mas estas são irrelevantes para aquilo que se pretende descrever neste relatório.

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(2) Uma tia minha que viveu em Angola gosta muito de África.

Com (2), o falante introduz uma entidade nova no discurso e atribui-lhe a característica de ter vivido em Angola. Do ponto de vista discursivo, a restrição não tem como objetivo permitir ao interlocutor identificar qualquer entidade. Uma vez que o determinante é indefinido, nada garante ao interlocutor que exista apenas uma entidade que reúna, em simultâneo, as propriedades de ser tia do falante e de ter vivido em Angola, ao contrário do que acontece em (1)6.

Se o estatuto de informação partilhada ou de informação nova decorre do determinante que introduz o sintagma nominal e se as orações relativas restritivas se encontram sob o escopo desse determinante, é natural que o estatuto informacional da oração relativa decorra das propriedades do determinante.

As orações relativas apositivas constituem, por defeito, informação nova, adicional, independentemente do determinante que introduz o antecedente, i.e., o determinante não condiciona o estatuto informacional da oração relativa.

(3) A minha tia, que viveu em Angola, gosta muito de África.

(4) Uma tia minha, que viveu em Angola, gosta muito de África.

Em (3), a minha tia retoma, inequivocamente, uma entidade existente no contexto discursivo, sem qualquer contributo da oração relativa; esta fornece apenas informação adicional acerca do referente, plenamente identificado. O estatuto informacional da relativa é, por defeito, o de informação nova, se bem que possa ser alterado através de determinadas expressões (a minha tia, que, como sabes, viveu em Angola, gosta muito de África); o próprio conteúdo proposicional também pode condicionar este estatuto (A minha tia, que te dava tantos mimos, gostava muito de ti – neste caso, o estatuto da oração relativa é necessariamente o de informação partilhada). As orações relativas apositivas em contextos definidos constituem o único caso em que o antecedente e a relativa têm estatuto informacional diferente (nos casos não marcados), uma vez que com antecedentes indefinidos ambos têm estatuto de informação nova, como se pode ver em (4).

Comparando os dois tipos de orações, observa-se que uma oração relativa restritiva sob o escopo de um determinante indefinido se aproxima discursivamente das orações relativas apositivas. A única diferença entre restritivas e apositivas com antecedentes indefinidos parece estar relacionada apenas com questões prosódicas e pragmáticas, realçando-se, com uma relativa apositiva, a informação veiculada pela própria relativa (ou imprimindo-se um determinado ritmo ao discurso).

6 O caráter pouco restritivo de relativas com antecedente indefinido é defendido também por Thompson (1971) e Kleiber (1987b), embora com diferentes pressupostos e consequências.

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CoordenaçãoAs frases com relativas apositivas podem ser equivalentes a frases com duas orações

coordenadas, sem alteração do seu valor de verdade7; nas frases com relativas restritivas a coordenação só é equivalente (sem alteração do valor de verdade) quando o antecedente é indefinido. A frase (5) é equivalente à frase (3), mas não à frase (1), ao passo que a frase (6) é equivalente simultaneamente à frase (4) e à frase (2) (e mesmo à frase (1)):

(5) A minha tia viveu em Angola e gosta muito de África.

(6) Uma tia minha viveu em Angola e gosta muito de África.

Inversão relativa-principalAs frases com orações relativas apositivas permitem a inversão da relação principal-

subordinada, sem perder equivalência semântica. Nas frases com orações relativas restritivas, tal só é possível quando a relativa tem um antecedente indefinido:

(7) A minha tia, que gosta muito de África, viveu em Angola. (≅ (3))

(8) Uma tia minha, que gosta muito de África, viveu em Angola. (≅ (4))

(9) Uma tia minha que gosta muito de África viveu em Angola. (≅ (2))

(10) #A minha tia que gosta muito de África viveu em Angola. (≅ (1))

Na realidade, estas possibilidades decorrem de uma outra, que tem que ver com as inferências permitidas por cada um dos tipos de orações.

InferênciasÉ sabido que as orações relativas apositivas podem ser omitidas sem consequente

alteração das condições de verdade da oração principal, o que se traduz no facto de, a partir de uma frase complexa com relativas deste tipo, se poder inferir uma outra, igual à frase sem oração subordinada ((3) permite inferir (11) e (4), (12)):

(11) A minha tia gosta muito de África.

(12) Uma tia minha gosta muito de África.

Quando a relativa é de tipo restritivo, a literatura geralmente assume que uma inferência idêntica não é possível, pois as condições de verdade são alteradas. No entanto, se a relativa estiver inserida num sintagma nominal indefinido, como em (2), a inferência é possível (ou seja, também (2) permite inferir (12)). Apenas em frases com relativas restritivas com antecedentes definidos a omissão da relativa altera as condições de verdade da frase complexa. Uma vez que os sintagmas nominais indefinidos têm um valor de

7 Para que esta equivalência ocorra é ainda necessário que as proposições das duas orações estejam informacionalmente relacionadas (cf. A rapariga, que estava para lá sentada a um canto, gostava muito de África vs. #A rapariga estava para lá sentada a um canto e gostava muito de África).

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quantificação existencial (cf. Peres, 2013), sem excluir a existência de mais entidades com as mesmas características, é normal que o valor de verdade de (2) e de (12) seja o mesmo. Em contrapartida, o artigo definido tem um valor de quantificação universal, abrangendo todas as entidades que apresentem as propriedades denotadas pelos constituintes que se encontrem no seu domínio restritivo; uma vez que os sintagmas nominais de (1) e de (11) denotam conjuntos intensionalmente diferentes e que o artigo tem esse valor de quantificação universal, não é possível de (1) inferir (11)8 9.

Além de descritivamente interessantes, estas diferenças poderão revelar-se fundamentais numa análise integrada das orações relativas. Na verdade, estas orações exibem um comportamento regular em função do estatuto definido ou indefinido do seu antecedente perante diversos fenómenos:

Estratégia resuntivaAs orações relativas com pronome de retoma ocorrem principalmente com

antecedentes indefinidos10 (cf. Prince 1990, Suñer 1998, Veloso 2007, e.o.), quando ocorrem com antecedentes definidos (cf. (17) e (18)) têm valor apositivo (cf. Veloso, 2013)11:

(13) E sou uma pessoa também bastante assertiva. Infelizmente, havia lá colegas minhas que pela convivência já eu determinava que elas não eram assim. E não eram mesmo (pfammn12)

8 Existem, obviamente, diferenças do ponto de vista da informação que é veiculada: nas frases com orações relativas fornece-se mais informação aos interlocutores. As semelhanças e diferenças descritas prendem-se apenas com as condições de verdade, não com o caráter informativo das frases. Além disso, existem outros fatores que podem, discursivamente, tornar anómala a omissão da oração relativa, nomeadamente quando esta serve para situar uma determinada entidade (a denotada pelo antecedente) em relação aos participantes no ato comunicativo, tornando-a relevante (no sentido de grounding de Fox e Thompson, 1990): por exemplo, na frase Um livro que eu li contava essa história, a omissão da oração relativa comporta alguma anomalia discursiva (#Um livro contava essa história), que à primeira vista parece ser atribuível a um valor restritivo da relativa. No entanto, considerando exclusivamente as condições de verdade é possível concluir que a sua função não é exatamente restringir a referência do sintagma nominal, mas sim atribuir-lhe relevância discursiva.

9 As inferências permitidas com ‘restritivas’ indefinidas e apositivas, em oposição às orações relativas de antecedente definido, vão ainda mais longe: se a frase complexa for verdadeira, não só oração principal tem o mesmo valor de verdade, mas também a oração relativa o terá; ou seja, de Uma tia minha que viveu em Angola gosta muito de África pode inferir-se Uma tia minha viveu em Angola (tal como nas construções apositivas). Este facto não é de estranhar, pois vimos acima que estas construções permitem livremente alterar a ordem relativa-principal.

10 Uma vez que a diferença semântica entre restritivas e apositivas se dilui em contextos indefinidos, apenas há certezas de classificação quando o antecedente é definido.

11 As frases (13) a (18) foram extraídas do corpus C -Oral -Rom e a transcrição adaptada, para simplificação de leitura; o nome do ficheiro em que ocorrem encontra-se entre parênteses. C -Oral -Rom é o acrónimo do projecto intitulado Integrated reference corpora for spoken romance language; tools of analysis; standard linguistic measures for validation in HLT, financiado pelo Information Society Technologies Programme (IST), com o contrato n.º IST -2000 -26228. Participam neste projecto oito instituições europeias, a saber: Università degli Studi di Firenze (Dipartamento di Italianistica), como instituição coordenadora; Université de Provence, Fundação da Universidade de Lisboa (Centro de Linguística da Universidade de Lisboa) e Universidad Autonoma de Madrid, como parceiros; Pitch Instruments France, European Language Resource Distribution Agency (ELDA), Istituto Trentino di Cultura (Centro per la Ricerca Scientifica e Tecnológica) e Instituto Cervantes, como parceiros associados.

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(14) Na carta temos uma pequena nota que a gostaríamos de fazer. (pnatps03)

(15) E é o percurso dela que é engraçado. Porque é uma fulana que ela não, não consegue ficar muito tempo no mesmo sítio. (pfamcv10)

(16) Madanela até vem, vem numa oração popular, muito engraçada  –  ah, já, já não me lembro  – que eu copiei -a para uma, para uma filha de uma amiga minha. (pfamcv03)

(17) Porque aquilo tens aquelas cabines pequeninas, não é, em que eles vão para lá. (pfamcv06)

(18) Vimos água no fundo do poço, onde lá há instalação elétrica também. (pmedin02)

Intervenção

Em determinados contextos, e associado a registos de caráter informal, é possível a intervenção de constituintes locativos ou temporais entre o antecedente e a oração relativa. Esta intervenção está limitada a antecedentes indefinidos (ou introduzidos por determinantes fracos), como notado por Cardoso (2011) e Veloso (2013):

(19) Conheci um rapaz ontem que gosta muito de jazz.

(20) *Conheci o rapaz ontem que gosta muito de jazz.

(21) Homens há a quem só me apetece bater.

(22) *Os homens há a quem só me apetece bater.

A avaliação da gramaticalidade de exemplos com intervenção em relativas apositivas não é muito clara:

(23) Encontrei um rapaz, ontem, que gosta muito de jazz.

(24) ?/*Conheci o Pedro, ontem, que gosta muito de jazz.

A intervenção é também possível com antecedentes indefinidos não específicos, apenas em contextos que não requerem que seja assumida a verdade da proposição (cf. Cardoso, 2011) – contextos intensionais ou indutores de interpretação virtual, cf. Peres (2013) –, o que estabelece uma oposição entre estas construções e as anteriores, cujos contrastes envolviam exclusivamente sintagmas nominais indefinidos específicos:

(25) O João procura uma secretária na net que fale francês.

(25) Talvez encontres um rapaz amanhã que te resolva o problema.

(26) O João devia procurar um canalizador amanhã que lhe consertasse o lavatório.

(27) Se comeres alguma coisa amanhã que te faça mal, telefona-me imediatamente.

(28) Compraste alguma coisa ontem que possas vestir na festa?

(29) Não encontrei um livro na loja que falasse de relativas.

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Denotação e referência – dois planos de restrição

A observação de outras estruturas de modificação nominal, como a que se obtém através de adjetivos em posição adnominal (cf. Veloso e Paiva Raposo, 2013), permitiu -nos compreender melhor até que ponto orações relativas como a que ocorre na frase Uma tia minha que viveu em Angola gosta muito de África são ou não restritivas. Como se sabe, os adjetivos, ao contrário das orações relativas, podem ocorrer antes ou depois do nome e a sua posição tem repercussões no seu valor mais ou menos restritivo.

Diversos autores (cf. Keenan e Faltz 1980, entre outros) consideram a existência de classes de adjetivos organizadas em torno de propriedades como «restritivo/não restritivo», «intersetivo/não intersetivo», etc.; contudo, e como os próprios autores, naturalmente, reconhecem, o mesmo adjetivo pode ter uma interpretação restritiva ou não restritiva, dependendo do nome com que se combina ou da posição em que ocorre em relação ao nome.

Parece, assim, existirem duas dimensões semânticas em que a restrição pode incidir: a denotação e a referência.

A restrição que incide na denotação atua ao nível do grupo nominal (que não tem valor referencial: cf. Peres, 2013) e serve para delimitar subconjuntos mais ou menos naturais de entidades do Universo de Discurso, organizando o mundo em tipologias hierarquizadas; trata-se de uma propriedade estável e é neste plano que se pode falar de restrição na identificação de classes de adjetivos, à la Keenan e Faltz (1980).

A restrição que incide na referência permite-nos identificar as entidades referidas por um sintagma nominal, de entre várias possíveis, dentro do contexto discursivo; isto é, neste caso, o modificador contribui para a construção da referência do sintagma nominal em que participa. É neste sentido que se define a leitura restritiva, decorrente da combinação de um dado modificador com um dado nome (e restantes elementos de um sintagma nominal).

Um adjetivo como gordo pertence à classe dos adjetivos restritivos, na medida em que a sua combinação com um nome, por exemplo, gatos gordos, cria sempre um subconjunto do conjunto denotado por esse nome. A restrição feita no plano da denotação não é sensível à posição que o adjetivo ocupa no sintagma nominal: um gato gordo ou um gordo gato denotam sempre entidades que pertencem ao conjunto dos gatos gordos. Para a restrição que atua no plano da referência, já é importante a ordem linear entre nome e adjetivo (além do tipo de determinante que o introduz): em o gato gordo roubou-me uma petinga, a restrição feita pelo adjetivo permite-nos identificar, de entre vários gatos disponíveis no contexto, aquele a que se aplica a predicação da frase (roubou uma petinga), pois no contexto existirá apenas um gato que tenha a propriedade de ser gordo; em contrapartida, na frase o gordo gato roubou-me uma petinga, o adjetivo não contribui para a identificação do referente a que se aplica a predicação da frase, não estando disponíveis no contexto discursivo (linguístico ou situacional) outros gatos, magros ou gordos; o uso do adjetivo serve apenas para realçar, neste caso negativamente, a propriedade por ele veiculada. No primeiro exemplo, o adjetivo tem leitura restritiva, no segundo tem leitura não restritiva.

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Se considerarmos que a modificação nominal através de orações relativas também envolve estas duas dimensões semânticas de atuação da restrição, conseguimos perceber por que razão as orações relativas de antecedente indefinido nos parecem restritivas: na frase Uma tia minha que viveu em Angola gosta muito de África, a oração relativa é responsável pela restrição da denotação do grupo nominal tia minha, criando o subconjunto das entidades «tias minhas que viveram em Angola»; porém, do ponto de vista da referência, a oração relativa não tem qualquer valor restritivo, pois não permite identificar o referente do sintagma nominal em que se insere.

Objetivos gerais a alcançarA partir dos contrastes descritos atrás, são objetivos finais:

– Descrever as propriedades semântico-discursivas das orações relativas, identificando os diferentes fatores envolvidos: Universo Discursivo vs. Common Ground (no sentido de Heim 1982 e Ambar 1988); contexto discursivo e situação comunicativa; denotação e referência; restrição, identificação e caracterização; tópico e foco;

– Investigar as oposições entre definitude e indefinitude e as respetivas implicações nos valores dos sintagmas nominais, do ponto de vista discursivo;

– Identificar o estatuto das palavras QU- nestas construções e as propriedades que as distinguem das outras construções em que ocorrem (interrogativas, exclamativas, clivadas);

– Explorar as relações existentes entre as propriedades discursivas descritas e a configuração sintática das construções relativas, nomeadamente do ponto de vista das diferentes projeções funcionais associadas ao discurso (Tópico, Foco, Ground), quer associadas ao sintagma nominal quer ao domínio frásico e possível interação; explorar igualmente o papel de projeções como dP e nP nestes fenómenos;

– Avaliar as análises de Vergnaud (1974) e de Kayne (1994) em relação ao seu poder explicativo para estes contrastes: se adotarmos a visão de que as orações relativas são CP selecionados por D, será expectável que diferentes tipos de determinantes selecionem diferentes propriedades em CP, nas projeções associadas ao discurso (numa perspetiva de Split CP, como a de Rizzi, 1997), justificando-se assim diferenças de comportamento; no entanto, Kayne assume (op. cit. p. 124) que a elevação do antecedente (sem determinante) se aplica apenas a D externos definidos; os determinantes fracos (que para ele são gerados abaixo de Poss ‘s – cf. op. cit., p. 86) elevam-se com o nome, de dentro da relativa. Na sua análise, portanto, as diferenças não podem decorrer de distintas propriedades de seleção de determinantes fortes ou fracos acima de CP. Contudo, parece-nos bastante interessante, do ponto de vista teórico, a hipótese de também estes últimos serem gerados numa posição exterior a CP relativo, e responsáveis por determinadas projeções associadas ao discurso dentro de DP, em interação com outras projeções do mesmo tipo dentro do seu complemento CP. A análise final deverá justificar os diferentes comportamentos descritos de uma forma integrada do ponto de vista teórico.

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