prova ciência política

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A literatura sobre o golpe de 64 e o regime que o sucederia fcaria ma em uma primeira ase, por dois importantes gêneros. O primeiro oi um espécie de politologia: inspirados sobretudo pela vertente norte-amer da iência !ol"tica, muitos estudiosos buscaram e#plicar e classifcar termos quase nominalistas, as crises militares de pa"ses como o $rasi %eriam os militares uma institui&'o aut(noma, marcada pelo isolamento unidade, ou estariam a servi&o de determinados grupos sociais) *m +ni modelo te rico daria conta de e#plicar, por e#emplo, os regimes milit latino-americanos) averia alguma singularidade no caso brasileiro) Os trabal os mais s lidos podem ser agrupados em três corren tentativas de teori/a&'o da iência !ol"tica, as an0lises mar valori/a&'o do papel dos militares. %12!A3 - A tese de doutoramento do cientista pol"tico Alred apresentada *niversidade olumbia, em 5 6 , seria publicada no $r em 5 78, com o t"tulo de Os militares na pol"tica: as mudan&as de pa na vida brasileira. !ara %tepan, a institui&'o militar n'o aut(nomo, mas deve ser pensada como um subsistema que reage mudan&as no con;unto do sistemapol"tico<. %egundo ele,as ra/9es imediatas do que =descuidadamente> c ama de revolu&'o< derivavam da inabilidade de ?oulart em reequilibrar< @6 o sistema pol"tico. Até 5 teria avido no $rasil um padr'o de relacionamento entre os militares civis caracteri/0vel como moderador<, isto é, os militares somente e c amados para depor um governo e transeri-lo para outro gru pol"ticos civis, n'o assumindoeetivamente o poder, até porque n'o estariam convencidos da sua capacidade e legitimidade para go =p.8 >. A singularidade da crise de 5 64 estaria precisamente na cap que teve de transormar tal padr'o<, pois, além da percep&'o de que institui&9es civis estavam al ando, os militares também sentiram-se diretamente amea&ados em un&'o da propalada quebra da disciplina e d ierarquia, suposto passo inicial para a dissolu&'o das pr pr Armadas, ;0 que ?oulart poderia dar um golpe com o apoio dos comunist e, depois, n'o control0-los mais. Além disso, critérios pol"ticos para promo&9es no 2#ército sugeriam aos militares que ?oulart teria a inte

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A literatura sobre o golpe de 64 e o regime que o sucederia ficaria marcada, em uma primeira fase, por dois importantes gneros. O primeiro foi uma espcie de politologia: inspirados sobretudo pela vertente norte-americana da Cincia Poltica, muitos estudiosos buscaram explicar e classificar, em termos quase nominalistas, as crises militares de pases como o Brasil. Seriam os militares uma instituio autnoma, marcada pelo isolamento e unidade, ou estariam a servio de determinados grupos sociais? Um nico modelo terico daria conta de explicar, por exemplo, os regimes militares latino-americanos? Haveria alguma singularidade no caso brasileiro?

Os trabalhos mais slidos podem ser agrupados em trs correntes: as tentativas de teorizao da Cincia Poltica, as anlises marxistas e a valorizao do papel dos militares.

STEPAN - A tese de doutoramento do cientista poltico Alfred Stepan, apresentada Universidade Columbia, em 1969, seria publicada no Brasil em 1975, com o ttulo de Os militares na poltica: as mudanas de padres na vida brasileira. Para Stepan, a instituio militar no um fator autnomo, mas deve ser pensada como um subsistema que reage a mudanas no conjunto do sistema poltico. Segundo ele, as razes imediatas do que (descuidadamente) chama de revoluo derivavam da inabilidade de Goulart em reequilibrar 26 o sistema poltico. At 1964, teria havido no Brasil um padro de relacionamento entre os militares e os civis caracterizvel como moderador, isto , os militares somente eram chamados para depor um governo e transferi-lo para outro grupo de polticos civis, no assumindo efetivamente o poder, at porque no estariam convencidos da sua capacidade e legitimidade para governar (p.50). A singularidade da crise de 1964 estaria precisamente na capacidade que teve de transformar tal padro, pois, alm da percepo de que as instituies civis estavam falhando, os militares tambm sentiram-se diretamente ameaados em funo da propalada quebra da disciplina e da hierarquia, suposto passo inicial para a dissoluo das prprias Foras Armadas, j que Goulart poderia dar um golpe com o apoio dos comunistas e, depois, no control-los mais. Alm disso, critrios polticos para promoes no Exrcito sugeriam aos militares que Goulart teria a inteno de constituir, para fins golpistas, uma fora militar que lhe fosse leal (ecoavam boatos sobre exrcitos populares que no eram desmentidos pelo apoio de Goulart aos cabos, sargentos e suboficiais). Tudo isso teria levado mudana do padro, isto , os militares passaram a supor a necessidade de um governo militar autoritrio que pudesse fazer mudanas radicais e eliminar alguns atores polticos (p.124). Ademais, graas doutrina de segurana nacional e ao treinamento desenvolvido pela Escola Superior de Guerra, haveria dentro das Foras Armadas um nvel de confiana relativamente elevado de que elas contavam com membros possuidores de uma soluo relevante para os problemas brasileiros e que estavam tecnicamente preparados para governar (p.137), ou seja, os militares passaram a sentir-se capacitados para assumir diretamente o governo. As principais insuficincias histricas do livro de Alfred Stepan estavam na prpria anlise do chamado padro moderador, j que existiram interferncias diretas dos militares na poltica brasileira antes de 1964 e bastante problemtica a viso do subsistema militar como varivel dependente do sistema poltico global.27 Alm disso, relativamente superficial a anlise histrica da ideologia militar anterior ao golpe. Alm de tais fragilidades, a anlise de Stepan tambm parece no dar conta integralmente do problema da heterogeneidade poltica dos militares: embora ele faa a distino entre grupos que prope sejam chamados de internacionalistas liberais (moderados) e nacionalistas autoritrios (duros), tal tipologia no parece ter muita importncia para a tese da mudana de padro, e no altera, a no ser nominalmente, a tipologia j consolidada na imprensa e na academia. Seja como for, Alfred Stepan apontou, corretamente, a necessidade de se estudar os militares considerando-se tanto suas interaes com a sociedade quanto suas caractersticas especficas de grupo especializado. A positividade maior do livro de Stepan consistia, curiosamente, na sua simples existncia, isto , na demonstrao de que era possvel pesquisar o tema, pois o autor valeu-se de material de algum modo acessvel a todos (publicaes oficiais e material jornalstico, principalmente), exceto talvez as entrevistas que obteve, para as quais contou com o fascnio que a figura do estrangeiro exerce em alguns brasileiros. Mas, alm desse aspecto de ordem heurstica, outro benefcio de Os militares na poltica foi colaborar para a divulgao, notadamente entre os historiadores, das questes que animavam amplo debate na Cincia Poltica e na Sociologia. O esforo da Cincia Poltica pelo estabelecimento de um padro de sofisticao epistemolgica expresso na busca de um modelo terico explicativo para as crises latino-americanas e/ou para os Estados submetidos a regimes militares corre o risco de esbarrar no que poderia ser chamado de fator histrico: as especificidades, as singularidades e as peculiaridades de sociedades distintas que, naturalmente, tendem a ser elididas quando se buscaconstruir modelos explicativos com grande alcance de generalizao. Este no foi o caso, porm, da interpretao de Wanderley Guilherme dos Santos. Suas anlises sobre a crise de 1964 comearam a ser divulgadas em 1969, a partir da elaborao de um modelo terico intitulado competio poltica e clculo do conflito. No incio dos anos 70, captulos de sua tese em preparao foram publicados abordando o desempenho do Legislativo no perodo 1959/1966 e a instabilidade governamental entre 1961/1964.28 A tese, The calculus of conflict: impasse in Brazilian politics and crisis of 1964, seria apresentada Universidade Stanford (EUA) em 1979. Reunindo novas anlises e trabalhos reelaborados, o volume intitulado O clculo do conflito: estabilidade e crise na poltica brasileira, recentemente publicado,29 a melhor forma de conhecer a avaliao do autor sobre o assunto. notvel em seu trabalho tanto o esforo de elaborao terica (o mencionado modelo para o clculo de conflitos) quanto o rigoroso levantamento, sistematizao e anlise de dados empricos. Esses dados esto dispostos em 85 tabelas e quatro grficos; o modelo terico encontra-se elaborado, at mesmo em termos lgico-formais, no primeiro de dois apndices (o segundo registra uma breve tipologia das fontes e sucintas consideraes heursticas). Para Wanderley Guilherme dos Santos, uma teoria em dieta factual no faz melhor figura do que uma narrativa teoricamente mope (p.18). As motivaes iniciais do autor decorrem da insuficincia que ele identifica no arcabouo convencional da anlise poltica brasileira (p.174), fundado na hiptese de que os males de antanho, do presente e do porvir explicam-se pela incessante disputa em que se empenham grupos sociais adversrios na conquista de bens materiais (p.18). A crtica, de encontradia colorao antimarxista, no implica o abandono total do modelo consagrado: apenas faltariam ao paradigma tradicional de anlise as conexes intermedirias de natureza poltica, pois no seria cabvel fazer, a partir das variveis econmicas e sociais, ilaes mecanicistas sobre o sistema poltico (p.177). A aplicao de tal paradigma crise de 1964 seria inadequada, a menos que sejam introduzidas variveis polticas especficas (p.174). Nesse sentido, Santos valoriza a leitura de Alfred Stepan, mas a considera insuficiente por no identificar o verdadeiro foco da disputa poltica, que estaria no padro de coalizes no Congresso (p.173). A hiptese central do modelo proposto por Santos afirma que, em sistemas polarizados, uma crise de paralisia decisria ocorre quando os recursos de poder se dispersam entre atores radicalizados em suas posies, podendo se dar, ento, um colapso do sistema poltico, resultante de sua cadente capacidade operacional (isto , de tomar decises sobre questes conflitantes) (p.22). Como se v, o modelo no prope uma explicao para golpes militares stricto sensu, mas busca esclarecer os processos de crescente paralisia poltica, seguida de alguma forma de violncia, uma mcula na ordem jurdica (p.19). Assim, a crise brasileira de 1964 foi uma crise de paralisia decisria e o golpe teria sido fundamentalmente o resultado do emperramento do sistema poltico, antes que uma reao a iniciativas governamentais: o golpe militar resultou mais da imobilidade do governo Goulart do que de qualquer poltica coerente por este patrocinada e executada (p.202). O Congresso brasileiro e a estrutura poltica em geral viviam uma crescente polarizao, isto , uma diviso equilibrada de foras entre partidos politicamente diferentes. Grupos radicalizados no interior de cada partido no sustentavam acordos polticos: coalizes ad hoc, articuladas para impedir a adoo de polticas e no para servir como coalizes governamentais, tornam-se, em tais condies, um resultado altamente provvel (p.263). Note-se a o fulcro da discordncia de Santos em relao a Alfred Stepan, conforme mencionado h pouco, isto , a fragmentao do apoio poltico no decorria da instabilidade das coligaes eleitorais, mas das coalizaes parlamentares. As evidncias empricas trabalhadas por Santos so bastante expressivas e corroboram a impresso generalizada de que, na fase anterior a 1964, o sistema poltico brasileiro havia ficado operacionalmente comprometido (p.201). De fato, alm de demonstrar quantitativamente a tendncia decrescente da produo legal, que praticamente inviabilizou a resoluo de qualquer assunto importante atravs de negociaes parlamentares, Santos tambm chama a ateno para o fenmeno da rotatividade ministerial, talvez o melhor achado emprico de sua exaustiva pesquisa. As propostas reformistas de Goulart requeriam complicadas alteraes na Constituio de 1946, impossveis sem a sustentao de slida maioria parlamentar ... De outro lado, para conservar a liderana do amplo contingente esquerdista, o presidente era instado a declarar-se em antagonismo ao Congresso (p.306). Da decorriam as sucessivas substituies de titulares de ministrios. Conforme calculado por Santos, durante o governo de Jango foram observadas as maiores taxas de rotatividade ocorridas no Brasil ps-1946. Alm dos ministrios, tambm as presidncias de empresas e bancos estatais decisivos para o pas (Petrobrs, Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico, Vale do Rio Doce e Siderrgica Nacional) foram usadas por Goulart como moeda poltica, diferentemente de seus antecessores (p.328). A crtica inicial de Santos ao paradigma tradicional de anlise confusa, pois no se define quanto ao objeto final de suas consideraes: seriam insuficientes as teses (marxistas) que fazem prevalecer as estruturas econmicas e sociais em detrimento dos sistemas polticos ou o paradigma criticado seria apenas aquele que se refere leitura do populismo como gerador do confronto entre executivos progressistas e legislativos controlados pela oligarquia rural? As duas crticas esto presentes e, em funo disso, a impreciso sobre qual seja o paradigma atacado nada obstante seja possvel deduzir a vinculao insinuada destoa da demanda de preciso terico-conceitual reclamada pelo prprio autor. Mais importante, a centralidade reivindicada para as variveis polticas no enseja, em nenhum momento, uma definio precisa do que venha a ser a poltica ou o sistema poltico. Em algumas passagens a poltica aparece referida apenas ao plano institucional de tomadas de decises oficiais (Congresso e Executivo), em outras, abrange as aes (polticas?) de sindicatos e do prprio Exrcito (p.236 ss).A grande massa de dados analisada por Santos corrobora aquilo que narrativas jornalsticas e histricas j haviam percebido: no perodo, o Legislativo estava praticamente paralisado e a instabilidade poltico-administrativa era evidente. O esforo de Wanderley Guilherme dos Santos poderia parecer, por isso, redundante, como se buscasse uma elaborao sofisticada e detalhista para um fato bvio e consabido. Na verdade, entretanto, meritrio o empenho do autor, pois algumas narrativas histricas disponveis baseiam-se em impresses e, conforme a crtica do autor, usam a expresso paralisia decisria como uma alegoria (p.202). Santos buscou demonstr-la empiricamente a partir da melhor elaborao conceitual que logrou obter. Por certo que tal elaborao padece de alguma debilidade, quando, por exemplo, a paralisia decisria de 1964 se contrape noo de estabilidade do governo Kubitschek (que, afinal, foi perodo vitimado por graves crises, inclusive militares, mesmo antes da posse).A melhor contribuio do trabalho chamar a ateno para a importncia das questes parlamentares, do Congresso, dos partidos polticos. Tal foco foi sistematicamente desprezado pela maioria dos analistas do regime militar. De fato, a literatura especializada, tendo enfatizado o papel dos empresrios ou dos militares no golpe de 64, tendeu, salvo raras excees, a no considerar a dimenso poltico-institucional das crises do perodo no plano parlamentar. Exceo pode ser encontrada nas reflexes de Maria Celina DAraujo,30 para a qual a capacidade que o PTB teve de influenciar setores militares ou de interagir com eles foi certamente um dos principais fatores para a ecloso do golpe.31 A carncia de anlises poltico-institucionais talvez se explique pela grande dificuldade terica de bem correlacionar os eventos da pequena poltica aos condicionantes estruturais. Argelina Cheibub Figueiredo, em sua tese de doutoramento em Cincia Poltica na Universidade de Chicago, em 1987, avalia que a nfase de Santos nos aspectos poltico-institucionais o leva a subestimar o carter scio-econmico dos problemas em jogo, no princpio dos anos 60, a saber, as reformas estruturais.32 A autora expressando preocupaes tpicas de finais dos anos 80 atribui grande importncia recusa das teses de algum modo deterministas, isto , as que afirmavam a inevitabilidade do golpe a partir da considerao de algumas condies suficientes, sejam os fatores econmicos,33 sejam os polticos e institucionais, tal como estabelecido pela leitura de Santos. Ela recusa, igualmente, a centralidade do papel da burguesia na conspirao analisada por Dreifuss, j que a simples existncia de uma conspirao no seria condio suficiente para o golpe (p.28). Finalmente, destaca o acerto da leitura de Stepan no que se refere ao momento final do governo de Goulart, quando o presidente, radicalizando sua posio, acabou por definitivamente erodir possveis apoios. Ao contr- rio de Stepan, porm, Argelina Figueiredo chama a ateno para a necessidade de anlise das escolhas anteriores que haviam estreitado o leque de op- es abertas ao poltica (p.28-9): entre 1961 e 1964, escolhas e aes especficas solaparam as possibilidades de ampliao e consolidao de apoio para as reformas, e, desta forma, reduziram as oportunidades de implementar, sob regras democrticas, um compromisso sobre estas reformas. (p.30) A recusa das leituras deterministas e a percepo da necessidade de articulao terica entre eventos e estrutura no resulta, porm, numa explica- o terica, mas na hiptese emprica acima citada, caracterizando DemocraVerses e controvrsias sobre 1964 e a ditadura militar Julho de 2004 47 cia ou reformas? como um tpico trabalho de Histria Poltica tradicional, alis de alto nvel, pois a pesquisa desenvolvida pela autora chama a ateno para episdios obscurecidos ou superficialmente tratados em outros trabalhos. A Cincia Poltica de influncia norte-americana, ao enfatizar os aspectos poltico-institucionais e as variveis polticas, contrapunha-se s leituras marxistas que destacavam as determinaes econmico-estruturais e os condicionamentos de classe. A discusso, por exemplo, sobre o grau de autonomia dos militares, vistos como corporao possuidora de dinmica prpria ou burocracia especializada, confrontava o possvel entendimento marxista dos militares como agentes instrumentais da burguesia: para Joo Quartim de Moraes, por exemplo, o que ocorreu em maro-abril [de] 1964 foi um golpe reacionrio da direita do qual os militares constituram o instrumento decisivo.34 Do mesmo modo, se os regimes militares eram simples decorrncia dos ajustes do capitalismo, o estudo especfico dos militares pareceria menos importante, ganhando destaque, isto sim, os aspectos relacionados expanso capitalista, ao capital internacional e ao papel dos setores da burguesia brasileira nesse contexto.35 Assim, at mesmo em funo do predomnio acadmico do marxismo, surgiu forte reao corrente, passando a ser um lugar-comum antimarxista a crtica de que as anlises predominantes sobre o incio dos anos 60 enfatizam os aspectos econmico-estruturais e concluem pela inevitabilidade do golpe.36 Na verdade, nenhuma pesquisa acadmica de fundo restringiu-se ao que poderamos chamar de uma interpretao marxista economicista ortodoxa ou vulgar, que descuidasse completamente dos aspectos polticos ou compartilhasse de um determinismo economicista absoluto. certo, no obstante, que diversas avaliaes marxistas genricas, em debates, artigos de divulgao ou jornalsticos, enfatizavam o papel determinante de aspectos econmicos, como as necessidades de rearranjo decorrentes da relao entre o capital internacional e o nacional (associado). Alm disso, importantes economistas j haviam chamado a ateno para o esgotamento da etapa fcil de substituio de importaes37 e, com base neles, avaliaes economicistas do golpe tambm foram feitas.38 A anlise marxista mais conhecida sobre o golpe de 64 provm de Jacob Gorender. Combate nas trevas, livro divulgado em 1987, tinha por objetivo central o estudo da esquerda em geral e da luta armada em particular, mas o autor no deixou dvidas sobre sua leitura de eventos correlacionados, como obviamente era o caso do golpe. Para ele, a explicao fundada no esgotamento do modelo de substituio de importaes s leva em conta o aspecto su

As pesquisas conduzidas pela equipe do CPDOC tambm serviram para esclarecer a pouca importncia atribuda pelos militares ao apoio militar norte-americano, por vezes supervalorizado em algumas anlises brasileiras, como critica Soares.51 Alm de apontar a importncia da considerao da especificidade dos militares, as entrevistas realizadas pela equipe do CPDOC trouxeram outras revelaes valiosas que elevaram o patamar do conhecimento histrico sobre o tema. No que se refere estritamente ao perodo do golpe, podem ser destacados aspectos como a falta de uma liderana militar durante o perodo da conspirao (todos teriam passado grande parte da conspirao procura de lderes)52 e a virtual inexistncia de um projeto de governo: a questo imediata, segundo a maioria dos relatos, era tirar Jango e fazer uma limpeza nas instituies.53 As transformaes estruturais do capitalismo brasileiro, a fragilidade institucional do pas, as incertezas que marcaram o governo de Joo Goulart, a propaganda poltica do Ipes, a ndole golpista dos conspiradores, especialmente dos militares todas so causas, macroestruturais ou microlgicas, que devem ser levadas em conta, no havendo nenhuma fragilidade terica em considerarmos como razes do golpe tanto os condicionantes estruturais quanto os processos conjunturais ou os episdios imediatos. Que uma tal conjuno de fatores adversos esperamos todos jamais se repita.

- 2 Outra corrente da cincia poltica, calcada nos modelos tericos funcionalistas que sublinham a racionalidade dos atores institucionais, deu menos nfase ao golpe como resultado da conspirao perfeita e de um projeto ideolgico coerente que, negando o regime e o sistema de partidos anteriores, pautou o regime militar nos anos subseqentes. Alfred Stepan foi um dos precursores desta corrente explicativa, expressada no seu livro Os militares na poltica: mudanas de padres na vida brasileira (originalmente uma tese defendida em 1969, na Universidade de Columbia).9 Neste livro, Stepan lana algumas teses de alto impacto na explicao dos fatores polticos que levaram ao golpe. Entre elas, a idia de que as Foras Armadas so um subsistema do sistema poltico mais amplo, pautando sua ao a partir da busca da unidade interna e de uma ao moderadora, reequilibrado, ainda que de maneira autoritria, o sistema poltico em crise, ameaado pelas presses ideolgicas e movimentos sociais no institucionalizados. Para Stepan, o golpe militar rompe com este padro de interveno militar na poltica, fazendo com que o Exrcito reaja de maneira inusitada, historicamente falando, aos descaminhos do governo Goulart, ao permanecer no poder sob a forma de um regime autoritrio. A partir deste trabalho inicial, e revisando muitos dos seus pontos, Wanderley Guilherme dos Santos apresenta na Universidade de Stanford a sua tese O clculo do conflito: estabilidade e crise na poltica brasileira em 1979. Nela o autor defende a tese da paralisia decisria do Governo Joo Goulart como fator poltico crucial da crise. Esta, por sua vez, seria menos o reflexo das disputas classistas genricas por interesses materiais, e mais o resultado da disperso dos recursos de poder em atores radicalizados e pouco dispostos a abrir mo das suas posies poltico-ideolgicas em nome da negociao flexvel na direo das mudanas polticas desejadas pelos atores. Portanto, o golpe decorre mais desta incapacidade de ao do que da reao s polticas reformistas do governo. Argelina Figueiredo produziu outro trabalho de grande impacto no debate sobre o golpe de 1964. Seu livro Democracia ou reformas parte de uma srie de recusas, apontando outro modelo de anlise do golpe militar.10 A autora recusa o modelo sociolgico determinista e economicista, mas tambm de desvia da idia de Wanderley Guilherme dos Santos que explica a paralisia decisria como fruto da fragilidade estrutural de alianas no Legislativo durante o regime de 1946. Argelina, por outro lado, destaca o papel ativo dos atores polticos institucionais, sobretudo o Poder Executivo e a Presidncia da Repblica na produo da crise que desaguou no golpe militar. Ao radicalizar posies e pressionar o Congresso na direo das Reformas de Base, o Executivo teria fechado as portas para a negociao e para a construo das reformas estruturais possveis dentro da ordem democrtica. A concluso da anlise calcada neste raciocnio que os atores vitimados pelo golpe produziram o contexto poltico que o possibilitou.

RESENHA Os militares na poltica

Maria Cecilia Spina ForjazOs militares na poltica - as mudanas de padres na vida brasileiraPor Alfred Stepan, Trad. Italo Tronca do original americano: The military in politics. Rio de Janeiro, Editora Artenova S.A., 1975. Copyright The Rand Corporation.Parte I:O militar na poltica: fundamentos institucionaisNesta parte analisam-se aspectos institucionais, organizativos e sociais do Exrcito brasileiro. A perspectiva do autor a de que a anlise desses aspectos institucionais no suficiente para explicar o comportamento poltico dos militares. De seu ponto de vista terico, as Foras Armadas devem ser encaradas como instituio poltica, o subsistema militar parte integrante do sistema poltico e est sujeito s mesmas presses que atuam sobre ele.No primeiro captulo, o autor analisa inicialmente a estrutura de recrutamento das Foras Armadas brasileiras e constata que, tradicionalmente, o Exrcito seguiu a poltica de recrutar conscritos em zonas to prximas quanto possvel de cada guarnio e isso contribui para manter neles uma mentalidade regional e no leva a uma orientao nacional.E quanto aos soldados e oficiais de carreira? Ajustam-se imagem do militar profissional, sem laos com sua regio de origem? Stepan considera que o Exrcito brasileiro possui algumas das caractersticas de recrutamento prprias de uma milcia estadual; os oficiais preferem servir em suas regies de origem para ficar prximos s famlias e no existe um sistema centralizado de recrutamento que selecione para as Foras Armadas uma amostra representativa da populao. Cada unidade militar recruta seus prprios integrantes na regio circunvizinha.Essa estrutura de recrutamento tem grande importncia poltica, pois a base local do Exrcito brasileiro, somada ao fato de que os governadores estaduais sempre se escudaram nas milcias de seus respectivos estados, precipitou em vrias ocasies crises de lealdade que fragmentaram sees inteiras do Exrcito nacional: 1930, 1932, 1961. Por isso, no possvel partir do pressuposto de que a instituio castrense, devido sua misso e organizao especficas, uma instituio perfeitamente unificada e de orientao exclusivamente nacional.Em seguida, no segundo captulo, o autor analisa a magnitude do efetivo das Foras Armadas e sua importncia poltica. Nega a proposio de que o poder militar funo de sua magnitude numrica e afirma que, freqentemente, as variveis polticas so muito mais importantes do que a quantidade de efetivos militares na determinao do papel que cumprem as Foras Armadas na sociedade.Com relao ao Brasil, afirma que a disperso geogrfica do Exrcito sempre refletiu consideraes de ordem poltica e estratgica. A fragmentao das unidades militares e sua grande disperso esto ligadas historicamente necessidade de maior controle da populao. Alm disso, essa fragmentao levou a uma disperso muito grande do poder de deciso entre os militares.Quanto extrao social do Exrcito brasileiro, analisada no terceiro captulo, o autor conclui que a oficialidade provm preponderantemente da classe mdia; que h baixo recrutamento nas classes altas e baixas, e que, devido ao aumento das exigncias educacionais da Academia Militar de Agulhas Negras e incapacidade do sistema educacional brasileiro de atender exploso demogrfica, houve pequeno aumento do recrutamento nas classes baixas, nas ltimas dcadas.Apesar de pertencerem classe mdia, os oficiais brasileiros atribuem a si mesmos a caracterstica de "estrato desvinculado, relativamente sem classe" que "resume em si todos os interesses sociais", que Mannheim atribui intelligentsia. Essa viso de si mesmos, como desvinculados de classe, leva os militares a legitimar sua interveno poltica: so os mais adequados para atuar em defesa dos interesses nacionais.Stepan nega a tese de que a origem social o determinante fundamental do comportamento poltico do militar e afirma que os aspectos institucionais, organizacionais e burocrticos das Foras Armadas tm grande peso na determinao do comportamento poltico dos militares.Parte II:O "padro moderador" das relaes entre civis e militares: Brasil, 1945-1964Depois de traar uma tipologia de modelos de relaes entre civis e militares, que segundo o autor no se adapta realidade latino-americana, passa a definir o modelo moderador, que prope como tpico das relaes entre civis e militares da Amrica Latina: militares altamente politizados, inclusive manifestando grande heterogeneidade de orientao poltica, porm tentando manter a unidade institucional em interao com elites polticas que tentam coopt-los, sejam grupos situacionistas, sejam oposicionistas. Alm de tentar cooptar os militares, essas mesmas lideranas polticas legitimam a interveno militar em momentos de crise, exercendo um papel de rbitros. Solucionada a crise, as lideranas polticas latino-americanas esperam a volta dos militares aos quartis e no legitimam o exerccio do poder pelos militares de forma duradoura.Analisa a seguir os aspectos civis do padro moderador, ou seja, a forma pela qual tanto o governo, quanto seus partidrios e opositores apelam para a interveno militar no processo poltico, e mais do que isso, tentam us-lo como instrumento de ao poltica.Da anlise acima depreende que a atitude dos civis para com os militares pode ser tanto ou mais importante que a prpria ideologia e objetivos castrenses na determinao da dinmica dos golpes militares na Amrica Latina. A partir dessa constatao bsica, formula duas hipteses que explicariam o funcionamento do modelo moderador:a) a propenso dos militares para intervir politicamente aumenta quando diminui a coeso das elites civis e vice-versa;b) os golpes militares tendem a ser vitoriosos quando h elevado grau de legitimidade outorgada por civis de relevncia poltica interveno militar e reduzida legitimidade outorgada por esses mesmos civis ao governo vigente. Os golpes tendem a fracassar nas condies inversas.Tenta comprovar suas hipteses, no primeiro caso, relacionando o grau de coeso das elites polticas da Primeira Repblica e a participao militar no processo poltico, e, no segundo caso, analisando os golpes militares de 1945, 1954, 1955, 1961 e 1964 no Brasil. Verifica que os golpes triunfantes de 1945, 1954 e 1964, contra o Poder Executivo, ocorreram quando houve baixo grau de legitimidade desse poder e alto grau de legitimidade dos militares para interferir, ocorrendo a situao oposta por ocasio dos golpes frustrados de 1955 e 1961.Parte III:A ruptura do "padro moderador" das relaes entre civis e militares e a emergncia do governo militarBuscando os fatores determinantes da ruptura do padro moderador com a revoluo de 1964 no Brasil, Stepan pretende mostrar, em primeiro lugar, a relao bsica que existe entre a mudana do papel poltico dos militares e as mudanas globais do sistema poltico-econmico brasileiro. Caracterizadas essas mudanas, o autor passa a descrever o efeito que elas produzem nas Foras Armadas brasileiras: o temor da destruio do quadro de oficiais (a influncia da revoluo cubana nesse temor); o ativismo poltico dos sargentos e suas ligaes com os sindicatos; a politizao dos padres de promoo; a crescente rejeio dos limites tradicionais ao militar.Em segundo lugar, Stepan analisa o desenvolvimento de uma nova ideologia castrense na Escola Superior de Guerra, como determinante bsico do esgotamento do padro moderador e do surgimento de novos padres de comportamento poltico das Foras Armadas brasileiras. Mostra como a Doutrina de Segurana Nacional, elaborada pela ESG, a ideologia propulsora de uma nova concepo do papel poltico dos militares frente ao desenvolvimento nacional, e, em ltima instncia, como ela a ideologia propulsora da revoluo de 64.Descreve a seguir a conjuntura poltica do Governo Joo Goulart e a tomada do poder pelos militares.Parte IV:Os militares brasileiros no poder, 1964-1968: um estudo de caso dos problemas polticos do governo militarAo analisar os primeiros anos do regime militar brasileiro, o autor pretende questionar a tese de que as Foras Armadas, por suas caractersticas organizacionais e tecnolgicas, constituem poderoso instrumento de desenvolvimento econmico e poltico. No tem o objetivo de examinar detalhadamente os programas polticos e econmicos da primeira fase da revoluo, mas a nfase de sua anlise recai sobre o estudo do governo militar na medida em que afetou a organizao interna e os propsitos da prpria instituio militar.Depois de mostrar o desgaste da coalizo cvico-militar que fez a revoluo, e a perda de apoio civil, o autor constata que os novos padres de relaes cvico-militares implicam novas exigncias para as Foras Armadas: unidade institucional e consenso em torno de um programa poltico-econmico. A inexistncia desses dois requisitos principais cria profundas divergncias internas na organizao militar e produz um regime que, alm de autoritrio, bastante instvel politicamente. A excluso dos civis no elimina a "divisibilidade da poltica" que penetra a instituio militar e torna-a muito mais fragmentada do que antes, quando no tinha a responsabilidade do poder poltico.Essa fragmentao mostra-se claramente no problema sucessrio, que o autor analisa no captulo 11, assim como a descontinuidade entre os Governos Castelo Branco e Costa e Silva. Indaga se essa descontinuidade se deve basicamente a experincias de carreira diversas entre os assessores dos dois presidentes. Aps examinar minuciosamente a formao dos principais assessores de Castelo Branco, conclui que eles viveram uma experincia militar atpica que os levou a uma orientao poltica tambm atpica e que os distingue da maioria da oficialidade brasileira, assim como da orientao poltica do Governo Costa e Silva.Este, embora no expressasse diretamente as posies dos nacionalistas autoritrios mais jovens (comumente denominados "linha dura"), "emergiu como lder porque era considerado simptico aos desejos, algo inarticulados, mas poderosos, de um governo mais militante e autoritrio e de uma posio menos pr-americana e mais nacionalista", (p. 182)Finalmente, no ltimo captulo, analisando as Foras Armadas como instituio e o contraste com o papel que cumprem no governo, conclui que elas entraram em luta com os prprios militares que exercem diretamente o governo, a ponto de criar uma fonte bsica de instabilidade.

O autor caracteriza a instituio militar como sendo um subsistema que reage s mudanas no cenrio poltico e no um fator autnomo por si.Como j abordado em discusses anteriores, o exrcito possua um papel semelhante a um poder moderador, que garantia a aplicao das regras gerais do jogo poltico. No entanto, o perodo de crise entre 61 e 64 colocava essas prprias regras em xeque por partidos e polticos de esquerda, centro e direita.Esta crise estrutural caracterizava-se por quatro grandes aspectos:- Crescimento de demandas reivindicatrias polticas e econmicas: fruto de uma sociedade que se tornava mais numerosa, mais urbanizada, e, conseqentemente, apresentava maiores necessidades em termos de servios pblicos. Os direitos sociais obtidos na era Vargas deveriam ser abrangentes e eram pleiteados por todos. Paralelamente, o processo poltico agora contava com um nmero muito maior de eleitores.- Crise econmica: a garantia dos direitos sociais constitucionais aumenta o dficit pblico, causando um grande efeito inflacionrio. A perda do poder de compra gera um conflito entre as classes mdia e trabalhadora. Somando-se a esses fatores, o modelo de substituio das importaes chega ao limite, no sendo mais suficiente para estimular a produo industrial no pas.- Falta de capacidade de converter as demandas sociais em programas de governo: o executivo no possui fora poltica suficiente para transformar as reivindicaes sociais em projetos, conseqncia da efemeridade das alianas polticas para a conquista do poder e sua no continuidade durante o perodo de governo. - A crescente falta de confiana da sociedade civil no governo: tanto os agentes polticos de esquerda quanto os de direita acreditavam na inoperncia do governo. O pas estava beira de uma guerra civil, concentrando os grupos de interesse para defesa de suas propriedades.A experincia existente at 45 pressupunha que a tomada do poder pelos militares seria temporria e o regime seria reintegrado aos civis aps o perodo de crise. No entanto, a sensao de que o governo no seria capaz de atender s demandas e que a legitimidade do regime estava degradada causou um conflito nas relaes entre as classes civis e militares, forando a tomada de poder em 64 durar mais tempo que se esperaria.A falta de competncia do governo (percebida institucionalmente), a crescente mobilizao de movimentos sociais (motivados pela revoluo cubana) e a apreenso quanto dissoluo das foras armadas (o que j havia ocorrido em outros pases, por conta da criao de milcias populares) contriburam para o aparecimento de uma ideologia nos militares brasileiros para a manuteno de sua existncia.