propriedade e personalidade no direito civil português e... · o direito civil e, em particular,...

511
Imagem Sandra Cristina Farinha Abrantes Passinhas Videira Propriedade e personalidade no Direito Civil português Tese de Doutoramento em Direito, na Especialidade de Ciências Jurídico- Civilísticas, orientada pelo Professor Doutor Diogo Leite de Campos e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Agosto/2014

Upload: nguyenkhuong

Post on 04-Dec-2018

228 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Imagem

    Sandra Cristina Farinha Abrantes Passinhas Videira

    Propriedade e personalidade no Direito Civil portugus

    Tese de Doutoramento em Direito, na Especialidade de Cincias Jurdico-Civilsticas, orientada pelo Professor Doutor Diogo Leite de Campos e apresentada Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

    Agosto/2014

  • UNIVERSIDADE DE COIMBRAFACULDADE DE DIREITO

    Sandra Passinhas

    Propriedade e Personalidade noDireito Civil Portugus

    A G O S T O 2014

    Tese de Doutoramento em Direito, na especialidade deCincias Jurdico-Civils cas, orientada pelo

    Professor Doutor Diogo Leite de Campos e apresentada Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

  • Para o Rui e para o Z Pedro,por tudo.

    minha av, Maria do Carmo,in memoriam

  • E como comeo de caminhoquero a unimultiplicidade

    onde cada homem sozinhoa casa da humanidade

    Unimultiplicidade, Ana Carolina

  • RESUMOA tese que agora apresentamos parte da relao entre a propriedade e a cons-tituio da personalidade. Embora esta ligao nos tenha sido sugerida h longo tempo por vrios filsofos, s nos ltimos anos se verificou um apro-fundamento da investigao ao nvel das cincias sociais sobre este tema, e a experincia emprica veio confirmar o que j h muito se intua: certos objectos so constitutivos da personalidade, na medida em que permitem ao ser humano desenvolver-se na sua individualidade e apresentar-se social-mente com uma identidade especfica. O que ns procurmos, no trabalho que agora apresentamos, foi averiguar se esta premissa era importante para o Direito Civil e, em particular, se seria susceptvel de fundamentar uma diferente afectao de direitos reais, ou, dito de outro modo, se estes, em virtude da sua ligao personalidade, so merecedores de uma especial tu-tela do Direito.

    Comemos, pois, por analisar se essa ligao entre propriedade e persona-lidade era j reconhecida pelo ordenamento jurdico portugus. Ao nvel in-fraconstitucional, encontrmos vrias solues legislativas que reconhecem e sancionam essa ligao, quer no Direito Civil (o regime dos bens incomu-nicveis, o direito no caa, a proteco da casa de morada de famlia, o re-gime de certas disposies patrimoniais como, por exemplo, a instituio de fundaes, as doaes sujeitas a condio ou os legados pios), quer no Direito Processual Civil (o regime das impenhorabilidades e o direito de remio), quer no Direito Penal (a sistematizao resultante da Reforma de 1995). Mas, tambm ao nvel constitucional, verificmos que o indirizzo constitu-cional dirigido ao legislador leva em si a orientao de conformao do regi-me da propriedade nos termos da constituio. Esta locuo no pode ser entendida num sentido necessariamente limitativo, mas abrange igualmente uma dimenso positiva ou de integrao dos outros valores constitucional-mente reconhecidos. Uma leitura sistemtica do artigo 62. da CRP obriga-r, pois, o intrprete a tomar em considerao o dilogo entre o direito de propriedade e os outros direitos constitucionalmente reconhecidos, como,

  • por exemplo, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade.

    Assim sendo, e embora a tese agora apresentada no seja uma tese sobre a justificao da propriedade privada, entendemos que a ligao entre proprie-dade e personalidade tem de ser tomada em conta, quer pelo legislador, ao definir o regime legal da propriedade, quer pelo juiz, ao decidir sobre a reso-luo de conflitos resultantes da coliso do exerccio de direitos. O passo se-guinte foi, pois, verificar se isso tem acontecido no mbito do Direito Civil.

    Nesse sentido, comemos por analisar, em primeiro lugar, se o legislador tem tomado em considerao a ligao entre propriedade e personalidade na rea do Direito da Famlia. A resposta foi negativa em vrios aspectos do regime do casamento e da unio-de-facto. Em segundo lugar, debrumo--nos sobre a questo da discriminao na escolha da contraparte negocial. Apesar da legislao antidiscriminao aprovada recentemente, et pour cause, defendemos que sempre que esteja em causa uma afectao da propriedade, e essa afectao caiba no mbito da relao entre propriedade e personalida-de, a autonomia do proprietrio e a reserva que a propriedade lhe confere devem ser fortemente tuteladas. Em temos metodolgicos, em oposio ponderao tradicional entre direito liberdade contratual e direito igual-dade, sugerimos que, no balanceamento dos vrios direitos em presena, sejam tomados em conta o direito liberdade contratual, o direito a no ser discriminado e o direito de propriedade. Por ltimo, analismos o artigo 335. do CC, e verificmos que a ligao da propriedade personalidade, quando exista, compromete a dicotomia a implcita entre direitos patrimo-niais e direitos pessoais. A tarefa do julgador, no caso concreto, e esbatidos os contornos da distino rgida acima referida, ser procurar uma soluo que tome em considerao o direito pessoal de uma das partes, mas igualmente o direito de propriedade da outra e, especialmente, a intensidade da ligao da propriedade em causa com a pessoa do seu titular.

  • ABSTRACTThis thesis takes into consideration the relationship between property and personhood, mainly, the premise that to achieve proper self-development to be a person an individual needs some control over resources in the external environment. This premise has been subject to deep investigation in the last forty years, and social sciences have provided empirical evidence that people become personally attached to some types of property. Such an insight might have significant impact on legal analysis, and on the schemes of property entitlement. A property right that is personal, in the sense that it allows the holder to become a fully developed person in the context of our society, should be strongly protected.

    The Portuguese legal system does not ignore that relationship. On the con-trary, it can be assigned as a ground for several legal solutions in force, both at an infra-constitutional level (Civil Law, Civil Procedural Law, and Crimi-nal Law) and at the Constitution (namely Article 62 of the Portuguese Cons-titution, read in conjunction with Article 26).

    Although not a work about justification of property, this thesis claims that the connection between property and personality should serve as a source of va-lues for justifying or criticizing current law, and for solving property disputes in the field of Civil Law. With those normative concerns in mind, it will, firstly, be described and critically analyzed how the legislator has restricted property rights to promote family interests. Secondly, it will be discussed the issue of discrimination on the choice of a contractual party. It will be argued that the greatest legal solicitude should be given to property in what it ensures self-determination and, therefore, the legal freedom to choose a contractual party cannot be overridden. Against the traditional thesis on the balancing of freedom of contract with the right not to be discriminated, it will be suggested that the dialogue should also involve the property rights at stake. Finally, this thesis advocates that conflicts between personal rights and property rights might need a different approach. In fact, some property rights are so closely identified with personhood that they prevent the sharp distinction assumed by Article 335 of the Portuguese Civil Code, on collision of rights, between property and personal rights.

    In sum, the main claim of this thesis is that, where it can be ascertained that a given property right is personal, it should take precedence over other in-terests.

  • ndice Geral

    Captulo IPropriedade e personalidade: ligaes no ordenamento jurdico infraconstitucional ......................................................43

    Captulo IIPropriedade e personalidade: a questo constitucional ................... 119

    Captulo IIIPropriedade e famlia(s) ........................................................ 181

    Captulo IV Propriedade e escolha da contraparte negocial ............................ 269

    Captulo V Propriedade versus personalidade: a coliso de direitos ................. 375

    Concluses ........................................................................... 427

  • Siglas e Abreviaturas

    AAFDL Associao Acadmica da Faculdade de Direito de LisboaAc. Acrdo

    AcP Archiv fr die civilistische PraxisAG Advogado-Geral

    Am. J. Com. L. American Journal of Comparative LawBCE Boletim de Cincias EconmicasBFD Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    BIRD Bulletino dellIstituto di Diritto Romano Vittorio ScialojaBMJ Boletim do Ministrio da Justia

    B. U. L. Rev. Boston University Law ReviewCal. L. Rev. California Law Review

    Cal. W. L. Rev. California Western Law ReviewCan. J. L. & Jurisprudence Canadian Journal of Law & Jurisprudence

    Cardozo L. Rev. Cardozo Law ReviewCDADC Cdigo do Direito de Autor e dos Direitos Conexos

    CDF Centro de Direito da Famlia da Universidade de CoimbraCDFUE Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia

    CEDH Conveno Europeia para a proteco dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovada a 4 de Novembro de 1950

    Chi.-Kent L. Rev. Chicago-Kent Law ReviewCIRE Cdigo da Insolvncia e da Recuperao de Empresas

    CMLJ Common Market Law JournalCMLRev Common Market Law Review

    Code Cdigo Civil francsCodice Cdigo Civil italiano

    Colum. J. Eur. L. Columbia Journal of European Law Colum. J. Transnatl L. Columbia Journal of Transnational Law

    Colum. L. Rev. Columbia Law ReviewCornell L. Rev. Cornell Law Review

  • CPC Cdigo de Processo CivilCRP Constituio da Repblica PortuguesaCSC Cdigo das Sociedades ComerciaisCUP Cambridge University Press

    DUDH Declarao Universal dos Direitos do Homem, aprovada na ONU a 10 de Dezembro de 1948

    Duke L. J. Duke Law JournalEBLR European Business Law Review

    Eur. dir. priv. Europa e diritto privatoE.H.R.L.J. European Human Rights Law Journal

    E.H.R.L.R. European Human Rights Law ReviewERPL European Review of Private Law

    EuConst European Constitutional Law ReviewEuZW Europische Zeitschrift fr Wirtschftsrecht

    Fam. L. Q. Family Law QuarterlyFordham Urb. L. J. The Fordham Urban Law Journal

    Ga. St. U. L. Rev Georgia State University Law ReviewGeo. L. J. The Georgetown Law Journal

    GG Grundgesetzs Giur. it. Giurisprudenza Italiana

    Harv. Envtl. L. Rev. The Harvard Environmental Law ReviewHarvard Intl L. J. Harvard International Law Journal

    Harv. L. Rev. Harvard Law ReviewHous. L. Rev. Houston Law Review

    Hum. Rts. L. J. Human Rights Law JournalIBDFAM Instituto Brasileiro de Direito da Famlia

    IGC Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de CoimbraIntl J. Cons. L. International Journal of Constitutional Law

    J. Consumer Res. Journal of Consumer ResearchJ.C.L. The Journal of Corporation Law

    J. Legal Stud. Journal of Legal StudiesJ. Land Use & Envtl. L. - Journal of Land Use and Environmental Law

    Jo. Pol. Econ. Journal of Political EconomyJZ Juristenzeitung

    Law & Soc. Inquiry Law and Society Inquiry Lav. e dir. Lavoro e diritto

    LIEI Legal Issues of European IntegrationL.Q.R. Law Quarterly Review

    Maastricht J. Eur. & Comp. L. Maastricht Journal of European and Comparative LawMich. L. Rev. Michigan Law Review

    Minn. Law Review Minnesota Law ReviewMod. L. Rev. Modern Law Review

    Nw. U. L. Rev. Northwestern University Law ReviewNotre Dame L. Rev. Notre Dame Law Review

  • N.Y.U. L. Rev. New York University Law ReviewOr. L. Rev. Oregon Law Review

    OUP Oxford University PressPace Envtl. L. Rev. Pace Environmental Law Review

    Penn St. L. Rev. Penn State Law ReviewRDP Revue du Droit Public

    Rev. der. priv. Revista de Derecho PrivadoRev. trim. dir. civ. Revue Trimestrielle de Droit Civil

    RFDC Revista Frum de Direito CivilRFDUL Revista da Faculdade de Direito da Universidade de LisboaRFDUP Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto

    Riv. crit. dir. priv. Rivista Critica del Diritto PrivatoRiv. dir. civ. Rivista del Diritto Civile

    Riv. dir. comm Rivista del diritto commerciale e del diritto generale delle obligazioniRiv. trim. dir. proc. civ. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile

    Riv. trim. dir. pubbl. Rivista Trimestrale di Diritto PubblicoRJUA Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente

    RLJ Revista de Legislao e de JurisprudnciaRMP Revista do Ministrio PblicoROA Revista da Ordem dos Advogados

    Roger Williams U. L. Rev. Roger Williams University Law ReviewRutgers L. Rev. Rutgers Law Review

    S. Cal. L. Rev Southern California Law ReviewSanta Clara L. Rev. Santa Clara Law Review

    Stan. Envtl. L. J. Stanford Environmental Law JournalStan. L. Rev Stanford Law Review

    STJ Supremo Tribunal de JustiaSyracuse J. Intl L. & Com. Syracuse Journal of International Law and Commerce

    TC Tribunal ConstitucionalTex. L. Rev. Texas Law Review

    TFUE Tratado sobre o funcionamento da Unio Europeia Theoretical Inq. L. Theoretical Inquiries in Law

    Theory & SocY Theory and SocietyTRC Tribunal da Relao de CoimbraTRE Tribunal da Relao de voraTRG Tribunal da Relao de GuimaresTRL Tribunal da Relao de LisboaTRP Tribunal da Relao do PortoTUE Tratado da Unio Europeia

    Tul. L. Rev. Tulane Law ReviewU. Chic. L. Rev. The University of Chicago Law ReviewU. Chi. Legal F. University of Chicago Legal ForumU. Cin. L. Rev. University of Cincinnati Law ReviewU. Pa. L. Rev. University of Pennsylvania Law Review

  • 16

    U. Toronto L. J. The University of Toronto Law JournalVa. J. of Intl L. Vanderbilt Journal of International Law

    Va. L. Rev. Virginia Law ReviewVand. L. Rev. Vanderbilt Law Review

    Wake Forest J. L. & PolY Wake Forest Journal of Law & PolicyWash. & Lee L. Rev. Washington & Lee Law Review

    Wash. L. Rev. Washington Law ReviewWash. U. L. Rev. The Washington University Law Review

    Wash. U. L. Q. Washington University Law QuarterlyWm. & Mary L. Rev. William & Mary Law ReviewYale J. L. & Feminism Yale Journal of Law and Feminism

    Yale L. J. Yale Law Journal

  • 17

    Introduo: propriedade e personalidade

    Somos advertidos por uma longa tradio filosfica de que os objectos so de-terminantes no desenvolvimento do indivduo. HEGEL, na sua obra Princpios da Filosofi a do Direito1, desenvolveu uma teoria da propriedade intimamente ligada personalidade, atravs de uma noo de autonomia ou liberdade em sentido positivo que est logicamente ligada propriedade sobre objectos externos2. A pessoa de HEGEL comea por ser uma entidade abstracta e autnoma3, titular de um direito abstracto - que enquanto catego-ria ontolgica no se mostra capaz de fornecer o contedo para a fundamentao da vontade e que apenas concede critrios limitados ou restritos para essa mesma funda-

    1 Utilizamos HEGEL, Princpios da Filosofi a do Direito, trad. de Orlando Vitorino, 4. edio, Guimares Editores, Lisboa, 1990.

    2 JOACHIM RITTER, Person and Property in Hegels Philosophy of Right (34-81), in ROBERT B. PIPPIN e OTFRIED HFFE, Hegel on Ethics and Politics, CUP, 2004, pg. 106. Note-se que o sujeito de Hegel self-defi ning - j no surge definido por referncia a uma ordem csmica -, com sentido de controlo sobre o mundo, primeiro intelectual e depois tecnolgico, distinguindo-se, portanto, quer dos epicurianos, quer dos cpticos. Cfr. CHARLES TAYLOR, Hegel, CUP, 1975, pg. 6.

    3 Em nota ao 35 pode ler-se: A personalidade s comea quando o sujeito tem conscincia de si, no como um eu simplesmente concreto e de qualquer maneira determinado, mas sim de um eu puramente abstracto e no qual toda a limitao e valores concretos so negados e invalidados. No 36(1) Hegel esclarece-nos: a personalidade que principalmente contm a capacidade do direito e constitui o fundamento (ele mesmo abstracto) do direito abstracto, por conseguinte formal. O imperativo do direito portanto: s uma pessoa e respeita os outros como pessoas. Sobre a personalidade como condio necessria de todos os direitos, ver MICHAEL QUANTE, The Personality of the Will as the Principle of Abstract Right: An Analysis of 34-40 of Hegels Philosophy of Right in Terms of the Logical Structure of the Concept, em ROBERT B. PIPPIN e OTFRIED HFFE, Hegel on Ethics and Politics, CUP, 2004, pg. 82. A personalidade a determinao da liberdade (37). A vontade do sujeito, vontade individual, encerrada em si mesma (34), tem como particularidade um momento da conscincia do querer no seu todo (37). A vontade a actividade que suprime a limitao da personalidade como objectiva e a si mesma se d a realidade ou, o que o mesmo, que afi rma essa sua existncia como exterior. Ver MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, A justifi cao da propriedade privada numa democracia constitucional, Almedina, Coimbra, 2007, pgs. 549 e ss.

  • 18

    Propriedade e Personal idade no Dire i to Civ i l Portugus

    mentao4 - e, por definio, desprovida de caractersticas individualizadoras5: com-promissos e traos de personalidade, memrias pessoais e planos de futuro, relaes com outras pessoas e com o mundo exterior. Porque a pessoa na concepo de HEGEL uma unidade abstracta de autonomia, no tem existncia concreta at agir no mundo externo. A personalidade da vontade , pois, o momento de liberdade autoconsciente, a passagem de um momento de universalidade para um momento de particularidade ou diferenciao e enriquecimento6. No 41 l-se: Deve a pessoa dar-se um domnio exterior7 para a sua liberdade a fi m de existir como ideia. Porque nesta primeira determinao, ainda completamente abstracta, a pessoa a vontade infi nita em si e para si mas o que pode constituir o domnio da sua liberdade determina-se como o que imediatamente diferente e separvel8. S atravs das relaes com os objectos exteriores a pessoa caminha da autonomia abstracta para o seu pleno desenvolvimento no contexto da famlia e do

    4 Cfr. DUDLEY KNOWLES, Hegel on Property and Personality, The Philosophical Quarterly 33 (1983), pg. 49, e MICHAEL QUANTE, The Personality of the Will as the Principle of Abstract Right: An Analysis of 34-40 of Hegels Philosophy of Right in Terms of the Logical Structure of the Concept, em ROBERT B. PIPPIN e OTFRIED HFFE, Hegel on Ethics and Politics, CUP, 2004, pg. 93.

    5 Como claramente resulta do 34, para HEGEL: A vontade livre em si e para si, tal como se revela no seu conceito abstracto, faz parte da determinao especfi ca do imediato. Neste grau, ela realidade actual que nega o real e s consigo apresenta uma relao abstracta. a vontade do sujeito, vontade individual, encerrada em si mesma. E no 35: Nesta vontade livre para si, o universal, ao apresentar-se como formal, a simples relao, consciente de si embora sem contedo, com a sua individualidade prpria. Assim o sujeito uma pessoa. A pessoa de HEGEL a mesma de KANT: um instrumento para princpios abstractos universais. Ainda assim, a teoria da propriedade de HEGEL apenas a primeira parte de uma progresso lgica e histrica de unidades abstractas de autonomia para indivduos desenvolvidos no contexto de uma certa comunidade, a famlia ou o Estado. Movendo a pessoa do conjunto abstracto de direitos para o mundo de indivduos concretos, e ainda que HEGEL no use a palavra pessoa com esse sentido, a sua teoria pode ser consistente com uma ideia de propriedade pessoal. Como HEGEL adianta na nota ao 45, a propriedade aparece como um meio, pois a liberdade s se realiza quando a vontade do individuo rene e se expressa como parte de uma ordem tica objectiva um esprito absoluto incorporado no Estado. Para uma anlise crtica das duas filosofias, ver, por todos, ALFREDO POGGI, La filosofia giuridica di Hegel, Rivista Internazionale di Filosofi a del Diritto XV (1935), pgs. 42 e ss.

    A principal diferena entre as teorias de LOCKE e HEGEL que para LOCKE a fonte de entitlement o trabalho, enquanto que esse ttulo, para HEGEL, a vontade (Cfr. o 44: Tem o homem o direito de situar a sua vontade em qualquer coisa; esta torna-se, ento, e adquire-a como fi m substancial [que em si mesma no possui], como destino e como alma, a minha vontade. [MARGARET JANE RADIN, Property and Personhood, Stan. L. Rev. 34 (1983), pg. 973, nota 55, sugere que a expresso minha vontade, em vez de a vontade do homem reflicta precisamente a transformao da pessoa abstracta na individualidade concreta, provocada pela incorporao da vontade]. O indivduo de LOCKE tem um direito natural propriedade e uma ampla liberdade negativa relativamente a esse direito. A importncia histrica desta distino entre liberdade negativa e positiva que os descendentes intelectuais de HEGEL tendem a considerar a propriedade como um direito de base social, ao passo que os seguidores de LOCKE permanecem individualistas. Sobre a distino entre a concepo de Hegel da autoconscincia como personalidade e os pensamentos de LOCKE (HEGEL no estava especialmente interessado nas condies para a criao da identidade pessoal) e de KANT (HEGEL no aceitava a separao do aspecto formal da autoconscincia do conceito de pessoa como uma categoria da filosofia prtica), ver MICHAEL QUANTE, The Personality of the Will as the Principle of Abstract Right: An Analysis of 34-40 of Hegels Philosophy of Right in Terms of the Logical Structure of the Concept, em ROBERT B. PIPPIN e OTFRIED HFFE, Hegel on Ethics and Politics, CUP, 2004, pg. 91.

    6 Cfr. MICHAEL QUANTE, The Personality of the Will as the Principle of Abstract Right: An Analysis of 34-40 of Hegels Philosophy of Right in Terms of the Logical Structure of the Concept, em ROBERT B.PIPPIN e OTFRIED HFFE, Hegel on Ethics and Politics, CUP, 2004, pg. 81, e DUDLEY KNOWLES, Hegel on Property and Personality, The Philosophical Quarterly 33 (1983), pg. 57.

    7 Sobre o significado de dar-se em domnio exterior, ver CHARLES TAYLOR, Hegel, CUP, 1975, pg. 44.8 Em relao aco concreta e aos factos da Moralitt e da Sittlichkeit, o Direito abstracto apenas

    constitui uma possibilidade perante o contedo deles (cfr. 38). Vide DANIEL I. A. COHEN, On Property as Self , Journal of Psychiatry & Law 26 (1998), pg 12, sobre o modo como a pessoa ganha liberdade atravs do uso das coisas, num fenmeno de incorporao (embodiment).

  • Introduo: propriedade e personalidade

    19

    Estado. Daqui HEGEL conclui que a pessoa s se torna um sujeito real atravs da pro-priedade de algo externo: Alguma coisa h que o eu tem submetida ao seu poder exterior. Isso constitui a posse; e o que constitui o interesse particular dela reside nisso de o eu se apoderar de alguma coisa para a satisfao das suas exigncias, dos seus desejos e do seu livre arbtrio. Mas aquele aspecto pelo qual eu, como vontade livre, me torno objectivo para mim mesmo na posse e, portanto, pela primeira vez real, esse aspecto que constitui o que h naquilo de verdico e de jurdico, a defi nio da propriedade9. Assim, na construo hegeliana, a liberdade tem na propriedade a sua primeira existncia10 e o seu fim essencial11. A propriedade, materializada como uma relao ontolgica12, existe apenas em virtude do poder e da essncia da pessoa livre.

    Todavia, foi o artigo de MARGARET JANE RADIN, Property and Personhood13, que

    9 Cfr. 45. A propriedade de algo externo, a incorporao, ser o objectivo da pessoa enquanto entidade abstracta. Relembre-se os 44: Tem o homem o direito de situar a sua vontade em qualquer coisa; esta torna-se, ento, e adquire-a como fi m substancial (que em si mesma no possui), como destino e como alma, a minha vontade e 46: a minha vontade pessoal, e portanto como individual, que se torna objectiva para mim na liberdade. Sobre o legado de HEGEL para a compreenso filosfica actual da propriedad e privada, MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, A justifi cao da propriedade privada numa democracia constitucional, Almedina, Coimbra, 2007, pgs. 631 e ss.

    10 A teoria de HEGEL uma teoria de apropriao; a vontade do dono deve estar presente no objecto, mas no suficiente: Para a propriedade como existncia da personalidade, no so sufi cientes a minha representao interior e a minha vontade de que algo deva ser meu, mas ainda preciso um acto de possesso. A existncia que esta vontade assim adquire, implica a sua possibilidade da sua manifestao a outrem (51). Ao contrrio de LOCKE e da sua teoria da apropriao, a ocupao em HEGEL no d origem a um direito inicial que tenha uma validade permanente. necessria uma ocupao contnua para manter uma relao de propriedade entre a pessoa e a coisa, por causa da necessidade de que a vontade se manifeste para ter alguma coisa (nota ao 64). E no 64, in fi ne: tal presena, que o uso, a utilizao ou qualquer outra manifestao da vontade, produz-se no tempo. Deste ponto de vista, a objectividade exige que tal manifestao se perpetue. Sem ela, a coisa, como que abandonada pelo querer e pela posse efectiva, fi ca sem dono: perco ou adquiro a propriedade por prescrio. Esta assumpo tem permanecido vlida para alguns juristas. OLIVER WENDELL HOLMES, The Path of The Law, Harv. L. Rev. 10 (1996), pg. 477, defendeu que: uma coisa que foi gozada e usada como prpria durante muito tempo ganha razes no seu ser e no pode ser retirada e, alguns autores, como JEFFREY EVANS STAKE, The Uneasy Case for Adverse Possession, Geo. L. J. 89 (2001), pgs. 2460 e ss., usam o conceito da loss aversion para justificar o instituto da usucapio.

    11 Para percebermos porque que HEGEL considera que a propriedade apenas a primeira existncia da liberdade, temos de ter em conta a estrutura do Princpios da Filosofia do Direito e a prpria noo hegeliana de liberdade. O livro Princpios da Filosofi a do Direito est dividido numa Introduo e trs partes dedicadas, respectivamente, ao direito abstracto (1. parte), moralidade subjectiva (2. parte) e moralidade objectiva (3. parte). A primeira parte trata das relaes entre os indivduos vistos como pessoas ou entidades autnomas e abstractas com autonomia no contexto da propriedade, dos contratos e do crime. A segunda parte considera os indivduos enquanto entidades subjectivas com conscincia que os orienta para a sua prpria concepo de bem. A terceira parte analisa os indivduos integrados numa ordem tica objectiva, que consiste no costume, na histria e no esprito da nao. A discusso abrange a famlia, a sociedade civil e o Estado. Hegel defende que a liberdade se realiza apenas quando a vontade individual se rene e se expressa como parte da ordem tica objectiva um esprito absoluto (Geist) incorporado pelo Estado. Para HEGEL, a verdadeira liberdade (no a do estdio inicial) depende da assuno de um papel adequado num Estado propriamente desenvolvido. Cfr. HERBERT MARCUSE, Reason and Revolution: Hegel and the Rise of Social Theory, 2. ed., Routledge & Kegan Paul Ltd, 1955, pg. 200 e ss.; J. N. FINDLAY, Hegel A Re-Examination, Gregg Revivals, 1993 [1958], pgs. 288 e ss; RICHARD TEICHGRAEBER, Hegel on Property and Poverty, Journal of the History of Ideas 38 (1977), pgs. 47-48; JOACHIM RITTER, Person and Property in Hegels Philosophy of Right (34-81), in ROBERT B. PIPPIN e OTFRIED HFFE, Hegel on Ethics and Politics, CUP, 2004, pg. 115; e SHLOMO AVINERI, Hegels Theory of the Modern State, CUP, 1974, pg. 88. Sobre a Filosofia do Direito como a fi losofi a do Direito Civil positivo, ver HENRIQUE SEIXAS MEIRELES, Marx e o Direito Civil (Para a crtica histrica do paradigma civilstico), Separata do BFD, Coimbra, 1990, pgs. 405 e ss.

    12 HERBERT MARCUSE, Reason and Revolution: Hegel and the Rise of Social Theory, 2. ed., Routledge & Kegan Paul Ltd, 1955, pg. 193.

    13 MARGARET JANE RADIN, Property and Personhood, Stan. L. Rev. 34 (1983), pgs. 957-1015.

  • 20

    Propriedade e Personal idade no Dire i to Civ i l Portugus

    fundou sistematicamente a teoria (intuitiva) da personalidade como uma fonte de valores a considerar na resoluo de conflitos entre direitos sobre coisas e, ou, como critrio justificador ou instrumento de crtica do direito vigente. Esta obra tornou-se num dos artigos mais citados na matria14, e a teoria a desenvolvida obteve acolhimento e veio a ser tratada por inmeros autores, no mbito dos direitos das coisas e da teoria da propriedade15.

    14 Cfr. FRED R. SHAPIRO, The Most-Cited Law Review Articles Revisited, Chi.-Kent L. Rev. 71 (1996), pgs. 751 e ss.

    15 BRUCE ACKERMAN, Liberating Abstraction, U. Chi. L. Rev. 59 (1992), pgs. 317-348, GREGORY S. ALEXANDER, Property as a Fundamental Constitutional Right? The German Example, Cornell L. Rev. 88 (2003), pgs. 733-778, e Dilemmas of Group Autonomy: Residential Associations and Community, Cornell L. Rev. 75 (1989), pgs. 1-61, GREGORY S. ALEXANDER e EDUARDO M. PEALVER, Properties of Community, Theoretical Inq. L. 10 (2009), pgs. 127-160, CRAIG A. ARNOLD, The Structure of the Land Use Regulatory System in the United States, J. Land Use & Envtl. L. 22 (2007), pgs. 441-524, Clean-Water Land Use: Connecting Scale and Function, Pace Envtl. L. Rev. 23 (2006), pgs. 291-350, The Reconstitution of Property: Property as a Web of Interests, Harv. Envtl. L. Rev. 26 (2002), pgs. 281-364, JANE B. BARON, Winding Toward the Heart of the Takings Muddle: Kelo, Lingle, and Public Discourse About Private Property, Fordham Urb. L. J. 34 (2007), pgs. 613-656, Property and No Property, Hous. L. Rev. 42 (2006), pgs. 1425-1450, Intention, Interpretation, and Stories, Duke L. J. 42 (1992), pgs. 630-678, JANE B. BARON & JEFFREY L. DUNOFF, Against Market Rationality: Moral Critiques of Economic Analysis in Legal Theory, Cardozo L. Rev. 17 (1996), pgs. 431-496, D. BENJAMIM BARROS, Legal Questions for the Philosophy of Home, Tul. L. Rev. 83 (2008-2009), pgs. 645-660, e Home as a Legal Concept, Santa Clara L. Rev. 46 (2006), pgs. 255-306, DERRICK BELL & PREERA BANSAL, The Republican Revival and Racial Politics, Yale L. J. 97 (1988), pgs. 1609-1622, ABRAHAM BELL, Private Takings, U. Chi. L. Rev. 76 (2009), pgs. 517-586, ABRAHAM BELL & GIDEON PARCHOMOVSKY, Taking Compensation Private, Stan. L. Rev. 59 (2007), pgs. 871-906, e A Theory of Property, Cornell L. Rev. 90 (2005), pgs. 531-616, GUIDO CALABRESI, An Introduction to Legal Though: Four Approaches to Law and to the Allocation of Body Parts, Stan. L. Rev. 55 (2003), pgs. 2113-2152, MICHAEL A. CARRIER, Cabining Intellectual Property through a Property Paradigm, Duke L. J. 54 (2004), pgs. 1-146, MARY L. CLARK, Keep Your Hands Off My (Dead) Body: a critique in the Ways the State Disrupts the Personhood Interests of the Deceased and His or Her Kin in Disposing of the Dead and Assigning Identity in Death, Rutgers L. Rev. 58 (2005), pgs. 45-120, e Reconstructing the World Trade Center: An Argument for the Applicability of Personhood Theory to Commercial Ownership Property and Use, Penn St. L. Rev. 109 (2005), pgs. 815-830, HANOCH DAGAN, The Social Responsibility of Ownership, Cornell L. Rev. 92 (2007), pgs. 1255-1274, NESTOR M. DAVIDSON, Property and Relative Status, Mich. L. Rev. 107 (2009), pgs. 757-818, Standardization and Pluralism in Property Law, Vand. L. Rev. 61 (2008), pgs. 1597-1666, e The Problem of Equality in Takings, Nw. U. L. Rev. 102 (2008), pgs. 1-54, JAY M. FEINMAN, The Significance of Contract Theory, U. Cin. L. Rev. 58 (1990), pgs. 1283-1318, The Jurisprudence of Classification Stan. L. Rev. 41 (1989), pgs. 661-718, Hegel and the Modern Contract Theory: a Comment on Benson and Rosenfeld, Cardozo L. Rev. 10 (1989), pgs. 1271-1282, WILLIAM W. FISHER III, The Trouble with Lucas, Stan. L. Rev. 45 (1993), pgs. 1393-1410, The Significance of Public Perceptions of the Takings Doctrine Colum. L. Rev. 88 (1988), pgs. 1774-1794, Reconstructing the Fair Use Doctrine, Harv. L. Rev. 101 (1988), pgs. 1659-1795, WENDY J. GORDON, An Inquiry into the Merits of Copyright: The Challenges of Consistency, Consent, and Encouragement Theory, Stan. L. Rev. 41 (1989), pgs. 1343-1470, CHERYL I. HARRIS, Whiteness as Property, Harv. L. Rev. 106 (1993), pgs. 1707-1791, MICHAEL A. HELLER, The Boundaries of Private Property, Yale L. J. 108 (1999), pgs. 1163-1224, MORTON J. HORWITZ, Constitutional Transplants, Theoretical Inq. L. 10 (2009), pgs. 535-560, JEFFREY D. JONES, Property and Personhood Revisited, Wake Forest J. L. & PolY 1 (2011), pgs. 93- 136, LOUIS KAPLOW, An Economic Analysis of Legal Transitions, Harv. L. Rev. 99 (1986), pgs. 509-617, SONIA K. KATYAl, Semiotic Disobedience, Wash. U. L. Rev. 84 (2006), pgs. 489-572, EDUARDO M. PEALVER & SONIA KATYAL, Property Outlaws, U. Pa. L. Rev. 155 (2007), pgs. 1095-1186, MARK G. KELMAN, Progressive Vacuums, Stan. L. Rev. 48 (1996), pgs. 975-1000, DAPHNA LEWINSOHN-ZAMIR, Identifying Intense Preferences, Cornell L. Rev. 94 (2009), pgs. 1391-1458, The Objectivity of Well-Being and the Objectives of Property Law, N.Y.U. L. Rev. 78 (2003), pgs. 1669-1754, THOMAS W. MERRIL, Property Rules, Liability Rules, and Adverse Possession, NW. U. L. Rev. 79 (1984), pgs. 1122-1154, THOMAS W. MERRIL & HENRY E. SMITH, The Morality of Property, Wm. & Mary L. Rev. 48 (2007), pgs. 1849-1896, FRANK I. MICHELMAN, Liberties, Fair Values, and Constitutional Method, U. Chi. L. Rev. 59 (1992), pgs. 91-114, Private Personal But Not Split: Radin Versus Rorty, S. Cal. L. Rev. 63 (1990), pgs. 1783-1796, MICHAEL S. MOORE, Four Reflections on Law and Morality, Wm. & Mary L. Rev. 48 (2007), pgs. 1523-1570, JENNIFER NEDELSKY, Reconceiving Autonomy: Sources,

  • Introduo: propriedade e personalidade

    21

    A premissa subjacente teoria da propriedade para a personalidade a de que o indivduo para o seu autodesenvolvimento, para se constitui enquanto pessoa, precisa de domnio sobre recursos no mundo exterior. certo que as vrias teorias da proprie-dade, todas elas, se referem a uma determinada e especfica concepo de personali-dade, mas a teoria da personalidade delineada por RADIN foca-se especificamente na autoconstituio pessoal atravs de determinadas coisas (personal embodiment).

    A teoria da personalidade parte da assumpo de que a pessoa tem objectos que sente como se fi zessem parte dela prpria; so objectos intimamente ligados per-sonalidade porque atravs deles cada um se constitui enquanto entidade pessoal. Estes objectos podem ser to diversos como as pessoas so diferentes, mas a autora aponta alguns exemplos, dos quais se destacam a aliana de casamento, fotografias, um bem recebido por sucesso ou a casa de morada. O significado ou a fora da relao de uma pessoa com um determinado objecto afere-se, prope a autora, pelo tipo de sofrimen-to que poder surgir com a sua perda. Neste sentido, um objecto est intimamente ligado personalidade do indivduo se a sua perda causar um sofrimento que no possa ser suprido pela mera substituio do objecto. No caso da aliana de casamento, por exemplo, esta insubstituvel para o seu dono, mas j no ser assim para o dono da joalharia de onde foi roubado. O oposto de ter um objecto que se tornou parte de si prprio ter um objecto por razes puramente instrumentais, que ser, para o seu titular, perfeitamente substituvel por outro bem de valor igual no mercado. O arqu-tipo desse bem , naturalmente, o dinheiro, mas tambm a aliana de casamento nas mos do joalheiro, o carro nas mos do vendedor ou o imvel nas mos do promotor imobilirio. RADIN chama a estes opostos propriedade ligada pessoa e propriedade que se detm de forma puramente instrumental propriedade pessoal e propriedade fun-gvel16, respectivamente17.

    Thoughts, and Possibilities, Yale J. L. & Feminism 1 (1989), pgs. 7-36, J. E. PENNER, Misled by Property, Can. J. L. & Jurisprudence 18 (2005), pgs. 75-94, EDWARD H. RABIN, The Revolution in Residential Landlord-Tenant Law: Causes and Consequences, Cornell L. Rev. 69 (1984), pgs. 517-584, CAROL M. ROSE, The Moral Subject of Property, Wm. & Mary L. Rev. 48 (2007), pgs. 1897-1926, Canons of Property Talk, or, Blackstones Anxiety, Yale L. J. 108 (1998), pgs. 601-632, Property as a Keystone Right? Notre Dame L. Rev. 71 (1996), pgs. 329-365, JEANNE L. SCHROEDER, Chix Nix Bundle-o-Stix: A Feminist Critique of the Disaggregation of Property, Mich. L. Rev. 93 (1994), pgs. 239-319, Never Jam To-day: On the Impossibility of Takings Jurisprudence, Geo. L. J. 84 (1996), pgs. 1531-1570, Rationality in Law and Economics Scholarship, Or. L. Rev. 79 (2000), pgs. 147-252, JOSEPH WILLIAM SINGER, The Ownership Society and Takings of Property: Castles, Investments, and Just Obligations Harv. Envtl. L. Rev. 30 (2006), pgs. 309-338, The Resiliance Interest in Property, Stan. L. Rev. 40 (1988), pgs. 611-752, JOHN G. SPRANKLING, An Environmental Critique of Adverse Possession, Cornell L. Rev. 79 (1994), pgs. 816-884, STEWART E. STERK, Foresight and the Law of Servitudes, Cornell L. Rev. 73 (1988), pgs. 956-970, Minority protection in Residential Private Governments, B. U. L. Rev. 77 (1997), pgs. 273-342, Neighbors in American Land Law, Colum. L. Rev. 87 (1987), pg. 55-104, KATHLEEN M. SULLIVAN, Rainbow Republicanism, Yale L. J. 97 (1988), pgs. 1713-1724, Unconstitutional Conditions Harv. L. Rev. 102 (1989), pgs. 1413-1506, LAURA S. UNDERKUFFLER, On Property: An Essay Yale L. J. 100 (1990), pgs. 127-148, LAURA S. UNDERKUFFLER-FREUND, Takings and the Nature of Property, Can. J. L. & Jurisprudence 9 (1996), pgs. 161-206, JEREMY WALDRON, Settlement, Return, and the Supersession Thesis, Theoretical Inq. L. 5 (2004), pgs. 237-268, JONATHAN ZITTRAIN, Privacy 2.0, U. Chi. Legal F. 2008 (2008), pgs. 65-120. Veja-se tambm o Symposium: A psychological perspective on Property Law, Tul. L. Rev. 83 (2008-2009), vol. 3. Sobre a teoria da propriedade para a personalidade, enquanto justificao da propriedade privada, numa perspectiva crtica, MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, A justifi cao da propriedade privada numa democracia constitucional, Almedina, Coimbra, 2007, pgs. 795 e ss.

    16 Note-se que fungibilidade no tem aqui o carcter tcnico que apresenta no artigo 207. do CC, segundo o qual so fungveis as coisas que se determinam pelo seu gnero, qualidade e quantidade, quando constituam objecto de relaes jurdicas.

    17 A distino proposta por RADIN no se confunde com a distino entre a propriedade pessoal

  • 22

    Propriedade e Personal idade no Dire i to Civ i l Portugus

    H, desde logo, uma diferena significativa entre a perspectiva intuitiva da per-sonalidade de RADIN e a teoria hegeliana: a primeira incorpora os atributos de perso-nalidade que Hegel rejeita inicialmente. RADIN preocupa-se com a pessoa concreta e no com o indivduo abstracto. Na viso intuitiva, assume-se que as pessoas no o so seno em virtude das suas particularidades, enquanto seres humanos que se desenvol-veram num determinado contexto. A propriedade pessoal valorizada, precisamente, porque, sem ela, o seu titular no podia ser a distinta pessoa que . Sublinhe-se nova-mente que a teoria intuitiva no incide sobre (todos) os objectos da vontade humana, nem sobre a capacidade para adquirir, mas apenas sobre aquelas coisas que so suscep-tveis de contriburem para a constituio da humanidade e da individualidade do seu titular.

    A teoria de RADIN parte, ainda, da ideia de HEGEL segundo a qual o titular da propriedade uma unidade a que se atribui autonomia, como apoio para o conceito de desenvolvimento e direitos de grupo. Ainda que, ao contrrio de HEGEL, RADIN no aceite que a liberdade (autodeterminao racional) s seja possvel num contexto de grupo (o Estado propriamente organizado e plenamente desenvolvido), a autora ad-mite que num determinado contexto social alguns grupos possam ser lugares de auto--realizao dos seus membros, em termos de ser justificada uma especial afectao de recursos a esses mesmos grupos.

    Se bem que uma teoria intuitiva, como a prpria RADIN a caracterizou18, a te-oria da personalidade viria a ser confortada pela investigao emprica relativa re-lao entre a propriedade, rectius, os bens materiais e o funcionamento psicolgico do indivduo19 ulteriormente levada a cabo. verdade que RADIN, quando escreveu Property and Personhood, no tinha ao seu dispor o resultado da investigao das cincias sociais sobre a importncia da propriedade para o desenvolvimento da personalidade, mas, trinta anos depois, a questo das relaes entre os indivduos e as coisas (object

    (no conceito marxista) e a propriedade comercial ou empresarial. A propriedade pessoal, no contexto marxista, consiste no produto de trabalho para a nova gerao da vida imediata. Cfr. KARL MARX e F. ENGELS, Manifesto do partido comunista, Edies Avante, 1997, pgs. 50-51. Note-se, todavia, que uma grande parte da propriedade pessoal, assim definida, no propriedade para a personalidade no sentido definido por RADIN. Muitos desses bens pense-se naqueles ligados vida domstica, por exemplo sero valorados instrumentalmente, no sentido de que so tidos para realizar um servio e esse servio que substancialmente valorado. Por outro lado, se provvel que a maioria da propriedade comercial no seja constitutiva da personalidade, mas valorada apenas instrumentalmente pelos seus titulares, no de excluir que tal possa acontecer. Elucidativas so as palavras de OLIVEIRA ASCENSO, Direito Civil: Reais, 5. edio, Coimbra Editora, 1993, pg. 143, sobre as razes pessoais que justificam a propriedade dos meios de produo (ainda que tenham sido proferidas para justificar a propriedade): as razes pessoais assentam na necessidade de garantir s pessoas um espao de expanso da sua actividade, que seria frustrado, nas condies actuais, se no pudesse apoiar-se em direitos exclusivos sobre bens de produo. Neste sentido, o direito propriedade, a todos reconhecido, permite a todos um horizonte de afi rmao e deve ser tutelado por meios que permitam efectivamente a ascenso no plano econmico-social segundo a capacidade e o esforo demonstrado.

    18 MARGARET JANE RADIN, Property and Personhood, Stan. L. Rev. 34 (1983), pg. 959. Em crtica, MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, A justifi cao da propriedade privada numa democracia constitucional, Almedina, Coimbra, 2007, pgs. 799 e ss.

    19 Cfr. JEREMY A. BLUMENTHAL, Introduction to the Symposium: A Psychological Perspective on Property Law, Tul. L. Rev 83 (2009), pgs. 601-607. Ver DANIEL MILLER, Consumption as the Vanguard of History: A Polemic by Way of an Introduction, in DANIEL MILLER (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pgs. 11 e ss., onde o explica por que razes considera que o recente interesse das cincias sociais na matria , ainda assim, um reconhecimento tardio das transformaes econmicas e sociais a nvel global, que foram objecto de grande negligncia acadmica.

  • Introduo: propriedade e personalidade

    23

    relations) viria a tornar-se fundamental em reas20 como a antropologia21, a sociolo-gia22, e muitas outras23. No mbito das cincias econmicas24, a tentativa de superao

    20 Cfr. JEFFREY D. JONES, Property and Personhood Revisited, Wake Forest J. L. & PolY 1 (2011), pg. 106.21 O nascimento da antropologia do consumo deu-se, inequivocamente, com a publicao,

    em 1978, de MARY DOUGLAS e BARON ISHERWOOD, The World of Goods, e, em 1979, com a publicao de La distinction, PIERRE BORDIEU, em Frana. Para MARY DOUGLAS e BARON ISHERWOOD, The World of Goods: Towards an Antropology of Goods, Allen Lane, Londres, 1978, os bens so um sistema de comunicao que torna visveis e estabiliza determinadas categorias culturais, com nfase nas diferenas sociais, nas suas excluses e incluses. Para PIERRE BOURDIEU, Distinction, A Social Critique of the Judgement of Taste, Routledge, a posio de classe fundamental. O consumo um estdio no processo de comunicao, um acto de decifrar ou descodificar, que pressupe o domnio prtico ou explcito de um cdigo que sirva de chave para essa descodificao. O gosto funciona como uma forma de orientao social, que d a cada indivduo o sentido da sua posio, conduzindo-o a um espao social ajustado s suas possesses e a prticas que condizem com as dos outros indivduos na mesma posio. Tudo isto implica uma antecipao do significado e do valor social que a prtica escolhida vai ter no espao social e do conhecimento que os outros agentes tm da correspondncia entre os grupos e os bens. DANIEL MILLER, Consumption Studies as the Transformation of Anthropology, in DANIEL MILLER (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pg. 264, considera que o surgimento da antropologia do consumo constitui uma transformao da prpria disciplina como um todo.

    22 Na sociologia, e para uma viso geral da literatura sociolgica, ver COLIN CAMPBELL, The Sociology of Consumption, in DANIEL MILLER (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pgs. 102 e ss.; ADAM I. GREEN, Erotic Habitus: Toward a Sociology of Desire, Theory & SocY 37 (2008), pgs. 597 e ss.; ALEX PREDA, The Turn to Things Arguments for a Sociological Theory of Things, The Sociological Quarterly, 40 (1999), pgs. 358 e ss.; KNORR CETINA, Sociality with Objects: Social Relations in Postsocial Knowledge Societies, Theory, Culture and Society 14 (1997), pg. 12.

    23 Sobre o tratamento dado pelos historiadores aos modelos de consumo, veja-se, por todos, PAUL GLENNIE, Consumption within Historical Studies, in DANIEL MILLER (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pgs. 167 e ss. Para uma anlise histrica do consumo, de grande interesse para a compreenso do problema, GRANT MCCRACKEN, Culture and Consumption, New Approaches to the Symbolic Character of Consumer Goods and Activities, Indiana University Press, 1990. Para a construo do consumidor como uma categoria de identidade individual e colectiva, FRANK TRENTMANN, Knowing Consumers Histories, Identities, Practices - An Introduction, in FRANK TRENTMANN (ed.), The Making of the Consumer - Knowledge, Power and Identity in the Modern World, Berg, 2006, pgs. 1 e ss; MATT GOTTDIENER, Approaches to Consumption: Classical and Contemporary Perspectives, em New Forms of Consumption, Consumers, Culture and Commodifi cation, MARK GOTTDIENER (ed.), Rowman & Littlefield, 2000. Para uma viso geral da histria da investigao do consumo, veja-se, por todos, DANIEL MILLER et al, Shopping, Place and Identity, London, Routledge, 1998, pgs. 2 e ss.

    Na geografi a, destacamos ROBERT D. SACK, The Consumers World: Place as Context, Annals of the Association of American Geographers 78 (1988), pgs. 643 e ss, e PETER JACKSON e NIGEL THRIFT, Geographies of Consumption, em DANIEL MILLER (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pg. 166, que descrevem o modo como os processos de consumo se tornaram centrais para a relao entre a sociedade e o espao, e citam ampla bibliografia.

    Veja-se, por ltimo, para o marketing empresarial, ROBERT FRIEDMANN e MARY ZIMMER, The Role of Psychological Meaning in Advertising, J. Advertising 17 (1988), pgs. 31 e ss, BRUCE MILLS e RAMON J. ALDAG, Exploring the Relationships between Object Relations/Reality Testing Functioning, Coping Styles, and Somatic Tension, J. Bus. & Psychol. 14 (1999), pgs. 5-24; RUSSEL W. BELK, Studies in the New Consumer Behaviour, in DANIEL MILLER (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pgs. 53 e ss; e EUGENE HALTON e JOSEPH D. RUMBO, Membrane of the Self: Marketing, Boundaries, and the Consumer-Incorporated Self , in Consumer Culture Theory, RUSSELL W. BELK e JOHN F. SHERRY JR. (eds.), Elsevier, Oxford, 2007, pgs. 297 e ss.

    24 Aps a teoria da utilidade marginal, surgida nos anos 70 do sculo XIX, autores como HOBSON, PATTEN ou GIDE levaram a economia poltica a interessar-se pelo consumidor (desde ento categorizado como homo economicus), numa viragem para a troca no mercado enquanto objecto da economia poltica. Escreve AVELS NUNES, Noes e objecto da economia poltica, Separata do BCE, Coimbra, 1995, pg. 36, que a vida econmica se reduz ao jogo do mercado, o ponto de encontro das disposies dos homens econmicos que constituem a sociedade entendida atomisticamente como mero somatrio de indivduos, e que, na construo marginalista, os indivduos, as famlias e as empresas surgem como objectos econmicos isolados que operam no mercado como compradores e vendedores. Daqui conclui o autor que as relaes econmicas relevantes passaram a ser as relaes entre os homens e as coisas, entre cada indivduo e os bens que julga (subjectivamente)

  • 24

    Propriedade e Personal idade no Dire i to Civ i l Portugus

    da mainstream economics25 com o surgimento e relevncia dos estudos comportamen-tais26, bem como a recente neuroeconomia, trouxeram-nos informaes de grande

    capazes de satisfazer as suas necessidades (subjectivas). Sublinhe-se, pois, que, para alm dos processos do mercado, se comeou a estudar os agentes do mercado, ainda que, nesta altura, segundo um tipo ideal de racionalidade formal. Cfr. DON SLATER e FRAN TONKISS, Market Society - Markets and Modern Social Theory, Polity, 2001, pgs. 45-46, e DONALD WINCH, The Problematic Status of Consumer in Orthodox Economic Thought, in FRANK TRETMANN (ed.), The Making of the Consumer: Knowledge, Power and Identity in the Modern World, Berg, 2006, pg. 32.

    Como ensina AVELS NUNES, Noes e objecto da economia poltica, Separata do BCE, Coimbra, 1995, pg. 34, ao afirmarem que a actividade econmica tem em vista a produo de utilidades para a satisfao das necessidades dos indivduos, os marginalistas esto a defender que o consumo e no a acumulao o principal factor impulsionador da economia, privilegiando a soberania do consumidor relativamente soberania do capitalista-acumulador-investidor. Cfr., ainda, BEN FINE, From Political Economy to Consumption, em DANIEL MILLER (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pg. 139, e a sua proposta de uma abordagem vertical problemtica do consumo.

    25 O homo oeconomicus, enquanto agente racional maximizador, tornou-se, com a cincia econmica marginalista, o alicerce estrutural da cincia econmica. Foi esta concepo que permitiu a construo das funes de utilidade, a elaborao estilizada das curvas da oferta e da procura e o prprio ptimo de Pareto (relativamente ao ptimo de Pareto, veja-se JOO NOGUEIRA DE ALMEIDA, Sobre o controlo dos auxlios de Estado na Unio Europeia, Tese de Doutoramento apresentada Universidade de Coimbra, Coimbra, 2012, pgs. 71 e ss). A teoria econmica do marginalismo uma teoria do equilbrio geral das trocas, equilbrio que, segundo AVELS NUNES, Noes e objecto da economia poltica, Separata do BCE, Coimbra, 1995, pg. 37, se alcana no quadro de um sistema que se ajusta e regula automaticamente e que representa um conjunto de solues mutuamente compatveis que realizam o objectivo maximizador de todos os agentes econmicos e o equilbrio da procura e da oferta em todos os mercados (dos bens e dos factores de produo). Desde a mo invisvel de Adam Smith, a economia foi sendo orientada pela teoria da escolha racional, segundo a noo de que a prossecuo do interesse prprio conduziria a escolha humana numa sociedade livre e, consequentemente, prosperidade (FRANCESCO PARISI e VERNON SMITH (eds.), Introduction, in The Law of Economics of Irrational Behavior, Stanford University Press, 2005, pgs. 1 e ss). Como refere AVELS NUNES, Noes e objecto da economia poltica, Separata do BCE, Coimbra, 1995, pg. 34, a propsito da teoria subjectivista-marginalista, a preocupao central da nova teoria econmica passou a ser a de defi nir os requisitos da afectao eficiente de recursos existentes em quantidades limitadas aos seus vrios usos alternativos, durante um determinado perodo de tempo, adoptando como critrio de eficincia (como padro de racionalidade, como indicador de ptimo) a maximizao da satisfao dos consumidores. certo que no existe uma concepo nica de teoria da escolha racional - veja-se, por exemplo, a categorizao de THOMAS S. ULEN, em Rational Choice and the Economic Analysis of Law, Law & Soc. Inquiry 19 (1994), pgs. 487 e ss., para quem a teoria da escolha racional assenta nas seguintes assunes: existem critrios objectivos para distinguir o racional do irracional; o comportamento dos indivduos assenta em consideraes racionais; os indivduos fazem as suas escolhas a partir de um quadro estvel de preferncias; ao maximizar a utilidade, os indivduos consideram os riscos envolvidos; quando no presumida, a satisfao pode ser avaliada facilmente; o fornecimento de informao traduzir-se- em impacto dessa mesma informao. Vide JACOB JACOBY, Is it Rational to Assume Consumer Rationality? Some Consumer Psychological Perspectives on Rational Choice Theory, Roger Williams U. L. Rev. 6 (2006), pgs. 101 e ss., GARY BECKER, Irrational Behavior and Economic Theory, (1962) 70 Jo. Pol. Econ 1-13, e BRUCE CHAPMAN, Rational Choice and Categorical Reason, U. Pa. L. Rev 151 (2002), pgs. 1169 e ss.) - e que esta tem sido alvo de inmeras crticas, mas ainda assim a mainstream economics mantm-se fiel na aceitao desta premissa bsica. Assim, quando a anlise econmica do direito trouxe a compreenso econmica para a anlise dos problemas jurdicos, a teoria da escolha racional foi adoptada como um elemento central da deciso humana. Partindo do princpio de que o comportamento humano pode ser entendido como o comportamento de pessoas que maximizam a utilidade, a partir de um quadro estvel de preferncias e de informao perfeita, a funo da anlise econmica do direito, considera-se, determinar as consequncias desse comportamento maximizador dentro e fora dos mercados, e, consequentemente, as suas implicaes jurdicas. Cfr. RICHARD A. POSNER, Economic Analysis of Law, 5. edio, Aspen, 1998, pgs. 3 e ss.

    A psicologia foca-se, mais do que nos factores motivacionais e nos constrangimentos que explicam o comportamento do consumidor, no que leva as pessoas a comprar, como o fazem e como sentem o consumo. Interessa-se, pois, pelo modo como os indivduos procuram, recebem, processam e respondem informao disponvel (para uma anlise da relao entre psicologia e o comportamento do consumidor, BEN FINE e ELLEN LEOPOLD, The World of Consumption, Routledge, 1973, pg. 48, e IAIN RAMSAY, Consumer Law and Policy Texts and Materials on Regulating Consumer Markets, 2. edio, Hart Publishing, 2007, pgs. 75-84). A abordagem comportamentalista visa, precisamente, retirar a racionalidade do quadro dos elementos determinantes da procura.

    26 Como vimos, as insuficincias das teorias da escolha racional resultam da sua incapacidade para

  • Introduo: propriedade e personalidade

    25

    relevncia para a anlise da relao entre a pessoa e os seus objectos. Essa relao expressa, muito claramente, no endowment effect, segundo o qual os indivduos mani-festam uma tendncia para sobrevalorizar a sua dotao actual, ou seja, o valor de uma coisa para um determinado indivduo aumenta assim que lhe conferida efectivamente a propriedade sobre esse bem27.

    Por causa deste efeito, os indivduos do um valor maior aos bens quando os esto a vender do que quando os esto a comprar, ou seja tem lugar o willingness to accept (WTA)/ willingness to pay (WTP) gap28. O endowment effect uma consequncia do facto de os indivduos valorizarem mais as perdas do que os ganhos equivalentes - a tendncia da loss aversion, ou seja, os indivduos desejam evitar as perdas mais do que desejam ganhar coisas de valor equivalente29 - e contraria uma das bsicas assunes do

    predizer comportamentos futuros e da falta de plausibilidade das suas previses, na medida em que os modelos racionais de julgamento e de escolha de que parte so psicologicamente irrealistas. CHRISTINE JOLLS, CASS R. SUNSTEIN, RICHARD THALER, A Behavioral Approach to Law and Economics, Stan. L. Rev. 50 (1998), pgs. 1474 e ss., sugerem que uma abordagem baseada no comportamentalismo explicar melhor a eficcia de determinadas solues jurdicas. RUSSELL B. KOROBKIN e THOMAS S. ULEN, Law and Behavioural Science: Removing the Rationality Assumption from Law and Economics, Cal. L. Rev 88 (2006), pgs. 1056 e ss, defendem que a anlise econmica do Direito pode beneficiar da substituio de uma assuno de racionalidade por uma compreenso do comportamento humano assente na psicologia cognitiva, na sociologia e noutras cincias comportamentais. A ideia de bounded rationality (introduzida por HERBERT A. SIMON, A Behavioral Model of Rational Choice, The Quarterly Journal of Economics 69 (1955), pgs. 99 e ss), refere-se ao facto de as capacidades cognitivas do indivduos no serem infinitas e de a mente humana estar vinculada a constrangimentos externos. Para desenvolvimentos, ver o nosso Dimensions of Property under European Law: Fundamental Rights, Consumer Protection and Intellectual Property - Bridging Concepts?, IUE, Florena, 2009, pgs. 246 e ss. Note-se, por ltimo, que os comportamentalistas aceitam muitas das premissas do pensamento econmico tradicional e consideram-se, ainda, uma forma de anlise econmica do direito. Os cultores do comportamentalismo no propem que o comportamento humano seja aleatrio ou impossvel de prever; pelo contrrio, entendem que o comportamento sistemtico e que a partir dele possvel construir modelos. certo que estes autores j foram criticados pelo carcter anti-sistemtico dos seus estudos (cfr. RICHARD A. POSNER, Rational Choice, Behavioral Economics and the Law Stan. L. Rev. 50 (1997), pgs. 1471 e ss.), mas no podemos desconhecer a sistematizao das elaboraes, por exemplo, de DANIEL KAHNEMAN, Maps of Bounded Rationality: Psychology for Behavioural Economics, (2003) 93 The American Econ. Rev 93 (2003), pgs. 1449 e ss. Nesse sentido, ROBERT H. FRANK, Departures from Rational Choice: With and Without Regret, in FRANCESCO PARISI e VERNON SMITH (eds.), The Law of Economics of Irrational Behavior, Stanford University Press, 2005, pg. 13. J sublinhava PEDRO SOARES MARTINEZ, O homem e a economia, RFDUL 37 (1997), pg. 109, que: A economia tem de adoptar por objecto de anlise um homem institucional, isto , um homem integrado em determinado meio social, condicionado por esse meio e pelas respectivas instituies. Sobre as estruturas institucionais da moderna economia, e o processo da evoluo e desenvolvimento econmicos, ver DAVID EMANUEL ANDERSON, Property Rights, Consumption and the Market Process, Eduard Elgar Publishing, 2008, especialmente pgs. 137 e ss.

    Especificamente no que nossa anlise interessa, a relao entre propriedade e personalidade, ver o debate entre DAPHNA LEWINSOHN-ZAMIR, The Choice between Property Rules and Liability Rules Revisited: Critical Observations from Behavioral Studies, Tex. L. Rev. 80 (2001), pg. 250; JEFFREY J. RACHLINSKI e FOREST JOURDEN, Remedies and the Psychology of Ownership, (1998) 51 Vand. L. Rev. 51 (1998), pgs. 1541 e ss; e RICHARD R. W. BROOKS, Broken Elevators in the Cathedral, Nw. U. L. Rev. 97 (2002), pgs. 293 e ss. A tendncia para o status quo (status quo bias) indentificada por RUSSELL B. KOROBKIN e THOMAS S. ULEN, Law and Behavioural Science: Removing the Rationality Assumption from Law and Economics, Cal. L. Rev. 88 (2000), pg. 1108, segundo a qual os agentes valorizam o que consideram ser o status quo, revelar-se- de particular importncia para o tema que nos ocupa.

    27 Em oposio a uma assuno de independncia bsica, que presuma que os agentes econmicos avaliam os objectos independente de serem ou no seus proprietrios. KEVIN MCCABE, VERNON SMITH e TERRENCE CHORVAT, Lessons from Neuroeconomics for the Law, in FRANCESCO PARISI e VERNON SMITH (eds.), The Law of Economics of Irrational Behavior, Stanford University Press, 2005, pgs. 68 e ss.

    28 O que em termos empricos comprovado pela sensao do vendedor de que vendeu barato e pela sensao inversa do comprador de que comprou caro.

    29 Sobre o tema, veja-se ELIZABETH HOFFMAN e MATTHEW L. SPITZER, Willingness to Pay vs. Willingness to Accept: Legal and Economic Implications, Wash. U. L. Q. 71 (1993), pgs. 59 e ss.

  • 26

    Propriedade e Personal idade no Dire i to Civ i l Portugus

    Teorema de Coase30, ou seja, aquela segundo a qual a atribuio de direitos reais no tem impacto na eficincia se os custos de transaco so baixos31, porquanto funciona ele prprio como um custo de transaco32.

    Note-se que, se da anlise comportamentalista resulta que o endowment effect normalmente descrito como uma resistncia do titular a separar-se de um objecto, o que implica que o valor de uma coisa variar segundo as circunstncias, a neuroeconomia vai mais longe na compreenso do modo como os indivduos percepcionam a sua propriedade e como essa percepo afecta o seu comportamento33. O que os autores nesta rea propem no apenas que as pessoas atribuem diferentes valores ao mesmo objecto (como aceita a teoria neoclssica), nem que o valor de uma coisa pode variar de acordo com as circunstncias (como aceitariam os economistas comportamentais), mas antes que a forma como a noo de propriedade processada pelos indivduos pode variar. Uma coisa pode ter valores diferente em contextos diversos porque ela pode ter signifi cados diferentes para a mesma pessoa em contextos diversos34.

    So, todavia, os estudos da cultura material (material culture studies)35, dedicados relao entre as pessoas e as coisas36, que nos oferecem os dados mais relevantes sobre as

    30 R. H. COASE, The Problem of Social Cost, Journal of Law & Economics 3 (1960), pgs. 1 e ss; YORAM BARZEL, Economic Analysis of Property Rights, CUP, 1989, pgs. 2 e ss.

    31 Veja-se o nosso Dimensions of Property under European Law, IUE, Florena, 2010, pgs. 257 e ss; E. WILLIAMSON, Transaction Costs and Property Rights, International Encyclopaedia of the Social & Behavioral Sciences, pgs. 15840 -15845; JEFFREY J. RACHLINSKI e FOREST JOURDEN, Remedies and the Psychology of Ownership, Vand. L. Rev. 51 (1998), pgs. 1546-1547; RUSSELL B. KOROBKIN e THOMAS S. ULEN, Law and Behavioural Science: Removing the Rationality Assumption from Law and Economics, Cal. L. Rev 88 (2000), pg. 1109; CHARLES R. PLOTT e KATHRYN ZEILER, The Willingness to Pay-Willingness to Accept Gap, the Endowment Effect, Subject Misconceptions, and Experimental Procedures for Eliciting Valuations, The American Economic Review 95 (2005), pgs. 530-545; CASS R. SUNSTEIN, Behavioral Analysis of Law, U. Chi. L. Rev. 64 (1997), pg. 1177.

    32 Sobre a aco do endowment effect como custo de transaco, GUIDO CALABRESI e A. DOUGLAS MELAMED, Property Rules, Liability Rules and Inalienability: One View of the Cathedral, Harv. L . Rev. 85 (1972), pgs. 1089 e ss; SUSAN ROSE-ACKERMAN, Inalienability and the Theory of Property Rights, Colum. L. Rev. 85 (1985), pgs. 931 e ss.; RICHARD A. EPSTEIN, A Clear View of the Cathedral: The Dominance of Property Rules, Yale L. J. 106 (1996), pgs. 2091 e ss; IAN AYRES e ERIC TALLEY, Solomonic Bargaining: Dividing a Legal Entitlement to Facilitate Coasean Trade, Yale L. J 104 (1995), pgs. 1027 e ss; IAN AYRES e J. M. BALKIN, in Legal Entitlements as Auctions: Property Rules, Liability Rules and Beyond, Yale L. J. 106 (1996), pgs. 703 e ss; LOUIS KAPLOW e STEVEN SHAVELL, in Property Rules versus Liability Rules: An Economic Analysis, Harv. L. Rev. 109 (1995), pgs. 713 e ss; JAMES E. KRIER e STEWART J. SCHWAB, Property Rules and Liability Rules: The Cathedral in Another Light, N.Y.U.L. Rev. 70 (1995), pgs. 440 e ss; JEFFREY J. RACHLINSKI e FOREST JOURDEN, Remedies and the Psychology of Ownership, Vand. L. Rev. 51 (1998), pg. 1150.

    33 Sublinhe-se, todavia com STEPHEN J. MORSE, New Neuroscience, Old Problems, em BRENT GARLAND (ed.), Neuroscience and the Law: Brain, Mind and the Scales of Justice, Dana Press, Nova Iorque, 2004, pg. 198, que as neurocincias no ameaam as correntes noes de personalidade e de responsabilidade que sustentam o nosso Direito.

    34 KEVIN MCCABE, VERNON SMITH e TERRENCE CHORVAT, Lessons from Neuroeconomics for the Law, in FRANCESCO PARISI e VERNON SMITH (eds.), The Law of Economics of Irrational Behavior, Stanford University Press, 2005, pg. 82. Note-se, todavia, que autores como, consideram que a averso perda uma justificao insatisfatria e ancoram o endowment effect na biologia evolucionista. OWEN D. JONES & SARAH F. BROSNAN, Law, Biology, and Property: a New Theory of the Endowment Effect, Wm. & Mary L.Rev. 49 (2008), pgs. 1935 e ss.

    35 A descrio da relao entre a personalidade e os objectos desenvolvida por DANIEL MILLER, em Material Culture and Mass Consumption, Blackwell, Oxford, 1992, pgs. 30 e 86, partilha com a teoria de MARGARET JANE RADIN a centralidade da filosofia poltica hegeliana. Mas o relato de MILLER uma teoria social, no uma proposta filosfica, e foi sendo confirmado por anos de trabalho antropolgico na rea da cultura material.

    36 MARTA VILAR ROSALES, Cultura material e consumo: uma introduo, Celta Editora, Lisboa, 2009,

  • Introduo: propriedade e personalidade

    27

    diversas atitudes psicolgicas relativamente propriedade, sobre as consequncias da sua perda37, sobre o papel dos vrios modos de aquisio e disposio da propriedade38 e sobre a funo ontolgica que as coisas podem desempenhar39. Os autores desta corrente reconhecem, com mais ou menos variaes e com maior ou menor alcance, que a propriedade pode ajudar os indivduos na sua autodefi nio, a manterem uma certa continuidade na sua individualidade e a expressarem a sua auto-identidade aos outros40. As coisas desempenham um amplo leque de funes, que vo desde a satisfao de necessidades, vontades ou desejos, compensao dos indivduos por sentimentos de inferioridade, insegurana, perda, ou ao simbolizar do sucesso, poder ou vitria, no mbito pessoal e social. No raramente, as coisas podem ainda expressar atitudes ou estados de esprito e transmitir mensagens aos outros. E finalmente, no que para a nossa anlise verdadeiramente nuclear, as coisas podem ser instrumentais para criar ou conformar o sentido individual do self ou da identidade pessoal41.

    Em linha com o que RADIN chama o eu representado em coisas, RUSSEL W. BELK, num artigo verdadeiramente estruturante42, refere-se-lhe como o extended self , que traduziremos por a continuao do eu. As coisas so, reclama BELK, extenses do ser, ligadas ao indivduo e ao seu sentido de passado pessoal, mas constituindo

    pg. 2, aponta duas dimenses fundamentais do consumo que tm vindo a ganhar visibilidade terica: os processos de apropriao e de atribuio de sentido aos objectos produzidos em massa e as trajectrias criativas de circulao das coisas pelos diferentes contextos que compem a vida quotidiana actual. Nas palavras da autora, Multidimensionais e complexas, as relaes entre as pessoas e o mundo material actual podem agora ser pensadas a partir de uma perspectiva que reposiciona o sujeito, atribuindo-lhe capacidade de trabalhar permanentemente, e de acordo com os seus interesses, sobre os produtos industriais disponveis no mercado, e atribui agencialidade s coisas que, longe de constiturem elementos neutros, desenvolvem um papel negocial e por vezes impositivo nos processos atravs dos quais so apropriadas pelo primeiro. Ainda no mbito da antropologia, foi estruturante a forma como ARJUN APPADURAI, em Introduction: Commodities and the Politics of Value, in ARJUN APPADURAI (ed.), The Social Life of Things, CUP, 1986, pg. 17, defendeu que uma coisa entra em situao de mercadoria quando a sua troca por outra coisa uma caracterstica socialmente relevante. A situao de mercadoria pode ser dividida em: (1) a fase de mercadoria da vida social de uma coisa; (2) a candidatura de uma coisa a mercadoria; (3) o contexto mercantil em que a coisa pode ser colocada. Relativamente fase de mercadoria as coisas podem tornar-se ou deixar de ser mercadorias, esse movimento pode ser lento ou rpido, reversvel ou definitivo, normativo ou desviante. Ainda que a dimenso biogrfica de algumas coisas (legados, selos, antiguidades) possa ser mais forte do que outras, esta componente nunca totalmente irrelevante. J a candidatura de uma coisa a mercadoria refere-se aos padres e critrios (simblicos, classificatrios e morais) que definem a troca de coisas num especfico contexto social e histrico. Finalmente, o contexto mercantil refere-se variedade de arenas sociais, entre ou dentro de unidades culturais, que ajudam a ligar a candidatura da coisa para a fase mercantil da sua carreira. IGOR KOPYTOFF, The Cultural Biography of Things: Commoditization as Process, in ARJUN APPADURAI (ed.), The Social Life of Things, CUP, 1986, pgs. 64 e ss, entende que a qualificao de uma coisa como mercadoria revela uma economia moral que existe para l da economia objectiva das transaces visveis e que, quando se fala em personalidade e propriedade, se ter de colocar necessariamente a questo da inalienabilidade.

    37 JEFFREY T. POWEL, The Psychological Cost of Eminent Domain Takings and Just Compensation, L. & Psychol. Ver. 30 (2006) pg. 222.

    38 JEREMY A. BLUMENTHAL, To Be Human: A Psychological Perspective on Property Law , Tul. L. Rev. 83 (2008-2009), pgs. 614-615.

    39 DANIEL I. A. COHEN, On Property as Self , Journal of Psychiatry & Law 26 (1998), pgs. 3 e ss. 40 JON PIERCE, et al, The State of Psychological Ownership: Integrating and Extending a Century

    of Research, Ver. Gen. Psychol. 7 (2003), pgs. 84 e ss., JENNIFER ESCALAS, K. WHITE, M. FOREHAND et al. Self-Identity and Consumer Behavior, J. Consumer Res. 39 (2013), pgs. xv-xviii.

    41 COLIN CAMPBELL, The Sociology of Consumption, in DANIEL MILLER (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pg. 108.

    42 RUSSELL W. BELK, Possessions and the Extended Self , J. Consumer Res. 15 (1988), pgs. 139 e ss. O autor apresenta aqui um amplo corpo doutrinal para sustentar a sua tese de que os consumidores usam as suas coisas para prolongar, expandir e fortalecer o seu sentido de self.

  • 28

    Propriedade e Personal idade no Dire i to Civ i l Portugus

    simultaneamente uma fonte de autocompleio. BELK usa indistintamente os conceitos de self , sense of self e identidade como sinnimos do modo como uma pessoa subjectivamente se percepciona a si prpria. O autor rejeita qualquer definio, em concreto, do que est includo no self que possa ser aplicado uniformemente a todos os indivduos e em todas as culturas, porque acredita que aquilo que constitui o self resulta de uma avaliao subjectiva que varia de pessoa para pessoa e que susceptvel de mudar ao longo dos tempos43.

    BELK representa as pessoas como tendo um ncleo do self que se expande para incluir elementos que se tornam parte do extended self . um facto indiscutvel que a pessoa se apreende a si prpria, se autodefine e recorda aquilo que atravs dos seus objectos. Por isso, a noo do extended self compreende no apenas o que visto como eu (me) mas tambm o que visto como o que meu (mine)44. certo que h objectos mais centrais do que outros e isso depende de cada indivduo em concreto, do momento histrico e das culturas, que criam, cada um deles, distintos significados simblicos45.

    Segundo este autor, as formas de extenso do self podem ser activas e intencionais, como acontece, por exemplo, com a apropriao ou controlo da coisa para uso pessoal, comprando ou criando a coisa ou conhecendo-a46. Mas tambm pode ser passiva ou no intencional, como a forma de extenso a que BELK chama de contaminao47, ou seja, a pessoa vai-se habituando coisa, deixa-se contaminar por ela. Torna-se, pois, claro que, para o autor, que nem sempre os bens se integram no extended self pela aquisio mas, especialmente no que se refere aos bens duradouros, apenas com o uso ocorre tal incorporao48.

    Os objectos incorporados no extended self , relembramos, servem funes valiosas para o desenvolvimento da personalidade: criam e so expressivos de sentimentos de identidade, continuidade e at de imortalidade. Desde logo, funcionam como uma manifestao objectiva do ser. Mas os objectos tambm do ao indivduo um arquivo pessoal, que lhe permite reflectir (n)as suas histrias e (n)as suas mudanas, fornecendo um sentido de domnio sobre o ambiente circundante, aumentando as habilidades e o ego do indivduo49. Fornecendo-lhe um sentido de passado, individual

    43 No entanto, o autor sugere uma estrutura consistente do self , pelo menos nas sociedades ocidentais.

    44 Cfr. RUSSELL W. BELK, Possessions and the Extended Self , J. Consumer Res. 15 (1988), pg. 140. Como exemplos de coisas que constituem o extended self , Belk refere os animais de companhia, prendas, casas, veculos, roupas, fotografias, recordaes, instrumentos musicais, jias, moblias, e uma variedade de outros objectos.

    45 RUSSELL W. BELK, Possessions and the Extended Self , J. Consumer Res. 15 (1988), pg. 152, sobre o facto de o indivduo tambm pertencer a uma comunidade, o que confere uma hierarquia aos seus nveis de ser.

    46 Sobre a criao, note-se que, segundo JEAN-PAUL SARTRE, O Ser e o Nada, Crculo de Leitores, Lisboa, 1999 [1943], pgs. 566 e ss, o fazer - uma das trs grandes categoriais da existncia humana concreta, ao lado do ter e do ser - no irredutvel. Na medida em que se faz o objecto para manter uma certa relao com ele, esta nova relao pode ser imediatamente redutvel ao ser. No conhecer, a conscincia atrai a si o objecto e incorpora-o nela, pelo que o conhecer uma das formas que o ter pode tomar.

    47 RUSSELL W. BELK, Possessions and the Extended Self , J. Consumer Res. 15 (1988), pg. 150.48 RUSSELL W. BELK, Extended Self and Extending Paradigmatic Perspective, J. Consumer Res. 16

    (1989), pg. 131, e BANWARI MITTAL, I, Me, and Mine - How Products Become Consumers Extended Selves, Journal of Consumer Behaviour 5 (2006), pgs. 550 e ss.

    49 RUSSEL W. BELK, Studies in the New Consumer Behaviour, in Daniel Miller (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pgs. 65-67.

  • Introduo: propriedade e personalidade

    29

    ou partilhado com os outros, os bens so um pressuposto comunicativo que gozam de um estatuto heurstico, porquanto oferecem um guia para reconstruir o prprio discurso individual. Por outro lado, alguns objectos conferem um sentido especial de comunidade (pense-se, por exemplo, na bandeira), que essencial para a harmonia do grupo50.

    Do artigo de BELK resultam, pois, duas assumpes que nos interessam particularmente: em primeiro lugar, que as coisas funcionam para criar e manter um sentido de autodefinio do indivduo, e, em segundo lugar, que ter, fazer e ser esto integralmente relacionados51. As funes que as coisas desempenham no extended self so a criao, desenvolvimento e preservao de um sentido de identidade. Em suma, as coisas ajudam-nos a ver quem ns somos52.

    Desde o artigo de BELK, as questes relativas ao modo como as pessoas se servem das coisas para construir a sua identidade permearam fortemente a investigao do consumo53. Destacamos, recentemente, a proposta de AARON AHUVIA que, partindo da posio de BELK, vai, todavia, um pouco mais longe. AHUVIA rejeita a distino entre o self nuclear e o extended self , por considera-la uma metfora potencialmente confusa. De facto, segundo o autor, a distino pode sugerir que o core anterior e ontologicamente distinto do extended self 54.

    AHUVIA concorda com BELK que as questes da identidade so centrais na actividade do consumo, e que alguns objectos so smbolos ou recordaes de momentos chave ou de relaes nucleares na narrativa da vida de cada um, ajudam a resolver conflitos de identidade e tendem a estar envolvidos numa rede de associaes altamente simblica55. Da que a dimenso do extended self no possa ser entendida ou sugerida como sendo menos importante do que o core.

    perceptvel por todos ns que, na vida quotidiana, a relao da pessoa com os objectos no se resolve apenas na satisfao de necessidades, mas tambm serve como modo de expresso de identidade. As coisas so relevantes em mltiplos aspectos da nossa vida familiar, profissional, social e cultural56 e tm um significado simblico e

    50 RUSSELL W. BELK, Possessions and the Extended Self , J. Consumer Res. 15 (1988), pgs. 159-160.51 RUSSELL W. BELK, Possessions and the Extended Self , J. Consumer Res. 15 (1988), pg. 146.52 RUSSELL W. BELK, Possessions and the Extended Self , J. Consumer Res. 15 (1988), pg. 150. As

    funes que as coisas desempenham no se mantm constantes ao longo da vida do titular. Vide HOPE JENSEN SCHAU, MARY C. GILLY, MARY WOLFINBARGER, Consumer Identity Renaissance: The Resurgence of Identity-Inspired Consumption in Retirement, J. Consumer Res. 36 (2009), pgs. 255 e ss, e MICHELLE BARNHART, LISA PEALOZA Who Are You Calling Old? Negotiating Old Age Identity in the Elderly Consumption Ensemble, J. Consumer Res. 39 (2013), pgs. 1133 e ss., sobre o desenvolvimento e afirmao da identidade na idade madura.

    53 Na opinio de JOSEPH SIRGY, Self-Concept in Consumer Behavior: a Critical Review, J. Consumer Res. 9 (1982), pgs. 287-300, e DANIEL MILLER, Consumption Studies as the Transformation of Anthropology, in DANIEL MILLER (ed.), Acknowledging Consumption a Review of New Studies, Routledge, London, 1995, pg. 263, ainda que tenha existido investigao anterior, essa investigao sempre subestimou a dimenso do fenmeno.

    54 AARON C. AHUVIA, Beyond the Extended Self: Loved Objects and Consumers Identity Narratives, J. Consumer Res. 32 (2005), pg. 180.

    55 AHUVIA, AARON C., Beyond the Extended Self: Loved Objects and Consumers Identity Narratives, J. Consumer Res. 32 (2005), pg. 179.

    56 Neste sentido, MINJOO OH e JORGE ARDITI, Shopping and Postmodernism, in MARK GOTTDIENER (ed.), New Forms of Consumption, Consumers, Culture and Commodifi cation, Rowman & Littlefield, 2000, pg. 87; NEALA SCHLEUNING, To Have and To Hold - The Meaning of Ownership in the United States, Praeger, 1997, pg. 25, defende que o consumo e abundncia representam uma mudana fundamental na ecologia da espcie humana. O envolvimento com a cultura material de tal modo intenso que o consumo impregna

  • 30

    Propriedade e Personal idade no Dire i to Civ i l Portugus

    comunicativo57, daquilo que se ou se pretende ser58. Aps a Segunda Guerra Mundial, a expresso sociedade de consumo - no duplo

    sentido, por um lado, de que os bens j no so escassos como antes da sociedade industrial, e que uma vasta franja da populao tem agora acesso a uma vida prspera, de afluncia sem precedentes e com um alto nvel de consumo pessoal59 - surgiu para exprimir a ideia de que o consumo se tornou um elemento da vida moderna e que reorganizou a experincia quotidiana dos indivduos60. O consumo tornou-se, pois uma das caractersticas nucleares da vida moderna61, ou, dito de outro modo, a vida quotidiana tornou-se o locus do consumo62. O valor simblico dos objectos representa duas foras dinmicas: a diferenciao (sublinhando a sua individualidade, o objecto separa o seu dono do contexto social) e a integrao (simbolicamente, o bem tambm expressa a integrao do dono nesse mesmo contexto social). O conflito entre o individual e o social inevitvel: os indivduos perseguem simultaneamente objectivos

    a vida quotidiana no s ao nvel dos processos econmicos, das estruturas domsticas, das actividades sociais, mas tambm ao nvel das experincias psicolgicas significativas afectando a construo de identidades e a formao de relaes. Cfr., ainda, STUART EWEN, Marketing Dreams, in ALAN TOMLINSON (ed.), Consumption, Identity, & Style: Marketing, Meanings and the Package of Pleasure, Routledge, 1990, pg. 52; PETER L. LUNT e SONIA M. LIVINGSTONE, Mass Consumption and Personal Identity, Everyday Economic Experience, OUP, 1992, pg. 24; MARY DOUGLAS, Thought Styles: Critical Essays on Good Taste, SAGE, 1996, pgs. 104 e 112; e MATT GOTTDIENER, Approaches to Consumption: Classical and Contemporary Perspectives, in New Forms of Consumption, Consumers, Culture and Commodifi cation, MARK GOTTDIENER (ed.), Rowman & Littlefield, 2000, pg. 23.

    57 Sobre o valor significativo das coisas, da sua posio nos cdigos do significado e do processo semitico, veja-se JEAN BAUDRILLARD, The Consumer Society, Myths and Structures, SAGE, ao considerar que os objectos representam especficas posies sociais, e que, portanto, o consumidor racional uma iluso. No ps-modernismo, o triunfo do sinal ameaa a noo de realidade social como base de anlise ou crtica social, bem como fonte de valores alternativos. Veja-se a anlise de ANDRE JANSSON, The Mediatization of Consumption: Towards an Analytical Framework of Image Culture Journal of Consumer Culture 2 (2002), pgs. 5 e ss, e BEN FINE, Addressing the Consumer , in FRANK TRENTMANN (ed.), The Making of the Consumer: Knowledge, Power and Identity in the Modern World, Berg, 2006, pg. 293, sobre o simulacro do desejo.

    58 JONAH BERGER e HEATH CHIP, Where Consumers Diverge from Others: Identity Signaling and Product Domains, J. Consumer Res. 34 (2007), pgs. 121 e ss, salienta o facto de as escolhas serem muitas vezes feitas de modo a no transmitir identidades indesejveis. Pense-se, por exemplo, na compra e utilizao de pele de animais ou nos diamantes de sangue.

    59 Cfr., por todos, GIANPAOLO FABRIS, Il nuovo consumatore: verso il postmoderno, FrancoAngeli, Milano, 2003, pg. 17. Para uma anlise crtica, TIM EDUARDS, Contradictions of Consumption, Contradictions, Practices and Politics in Consumer Society, OUP, 2000, pgs. 104-105.

    60 Vide ROBERT ROCHEFORT, La socit des consommateurs, Ed. Odile Jacob, 1995, pg. 41 e ROBERTA SASSATELLI, Tamed Hedonism: Choices, Desires and Deviant Pleasures, in Jukka Gronow e Alan Warde (eds.), Ordinary Consumption, Routledge, 2001, pg. 94. SUSAN STRASSER, CHARLES MCGOVERN e MATTHIAS JUDT, Introduction, Getting and Spending European and American Consumer Societies in the Twentieth Century, CUP, 1998, pg. 5, sublinham que este fenmeno constitui o desenvolvimento e intensificao de mudanas j em curso antes da guerra.

    61 O consumo central para o capitalismo contemporneo: o crescimento depende do aumento da produo e esta depende do consumo crescente e contnuo. Cfr. MIKE FEATHERSTONE, Postmodernism and Identity, SAGE, 1995, pg. 67. O que distingue a sociedade de consumo das anteriores precisamente a emancipao do consumo da instrumentalidade que o caracterizava e lhe estabelecia os limites. A ausncia de normas e a plasticidade das necessidades libertaram o consumo das vinculaes funcionais e isentaram-no de se justificar por qualquer outra razo que no o prazer que proporciona. Como refere ZIGMUNT BAUMAN, Consuming Life, Journal of Consumer Culture 1 (2001), pg. 13, na sociedade de consumo, a necessidade surge no como uma tenso, cuja satisfao resultaria em gratificao, mas como uma necessidade de manter o estado de tenso, sem intervalo de gratificao. JEREMY RIFKIN, The Age of Access: the New Culture of Hypercapitalism - Where All of Life is a Paid-For Experience, New York, J.P. Tarcher/Putnam, 2000, descreve como o indivduo se torna para a empresa um mercado especfi co, a quem ela quer fornecer tantos bens quanto possvel (pense-se nos pacotes de prestao de servios).

    62 JEAN BAUDRILLARD, The Consumer Society: Myths and Structures, SAGE, pg. 34.

  • Introduo: propriedade e personalidade

    31

    de assimilao e de diferenciao na mesma escolha. O que as vrias teorias apresentadas nos confirmam que o eu desenvolve a

    sua identidade atravs da interaco com as coisas63: quer no momento da aquisio, quer nos momentos do uso, o objecto pode ser uma forma de autoconstruo do indivduo ou de exteriorizao do eu atravs de objectos64. Em primeiro lugar, a auto-identidade alcanada, substancialmente, atravs de simblicas decises de consumo. Adquirir uma actividade com um propsito, e a prpria deciso de adquirir uma forma de moldar a auto-identidade, por exemplo, quando o consumo um acto de cuidado. Note-se que a maior parte da aquisio de bens se dirige aos outros, no ao prprio adquirente, que imagina e desenvolve as relaes sociais com quem mais se preocupa atravs da seleco de bens65.

    Mas o consumo pode ser tambm uma forma de compromisso com a vida poltica, quando as pessoas encaram as suas escolhas de mercado como formas de actuao e expresso poltica, como formas de pressionar uma determinada mudana social. No consumo poltico66, as escolhas so baseadas em atitudes e valores fundados na justia

    63 No relevante para a nossa anlise a questo de saber se a conexo especial com a medalha de guerra ou a aliana de casamento resulta do modo como as pessoas agem sobre as coisas ou de como as coisas agem sobre as pessoas. Na primeira perspectiva, MARGARET JANE RADIN, Property and Personhood, Stan. L. Rev. 34 (1983), pgs. 972-973. A viso de DANIEL MILLER estrutural: antes de fazermos coisas, crescemos e amadurecemos luz das coisas que vm at ns.

    64 DANIEL MILLER, Mass Culture and Mass Consumption, Blackwell, Oxford, 1992, pgs. 22-24. J WILLIAM JAMES, The Principles of Psychology, vol. I, Dover Publications, New York, 1890, pgs. 291-292, que nos deu as bases das modernas concepes do ser, sublinhava a fluidez das relaes entre sujeito e objecto e da identidade pessoal em termos do eu emprico. A cultura material revela os meios pelos quais os papis so compreendidos e contestados. Cfr. ALISON J. CLARKE, Window Shopping at Home: Classifieds, Catalogues and New Consumer Skills, in DANIEL MILLER (ed.), Material Cultures: Why Some Things Matter, UCL Press, London, 1998, pg. 74. Vide EUGENE HALTON e JOSEPH D. RUMBO, Membrane of the Self: Marketing, Boundaries, and the Consumer-Incorporated Self , in Consumer Culture Theory, RUSSELL W. BELK e JOHN F. SHERRY JR. (eds.), Elsevier, Oxford, 2007, pgs. 297 e ss., sobre a forma como o indivduo medeia o seu contacto com o mundo. LAURA S. UNDERKUFFLER,Property as Constitutional Myth: Utilities and Dangers, Cornell L. Rev 92 (2006), pg. 1248, para exprimir como a crena na propriedade est enraizada numa profunda necessidade pricolgica, escreveu: [w]e believe that property rights are free-standing, individually protective, and socially acontextual because we want to - we need to - believe this myth.

    65 DANIEL MILLER, A Theory of Shopping, Polity Press, 1998, pg. 48. As relaes de cuidado so construdas, na prtica, tambm atravs do consumo, pelo qual elas se manifestam e reproduzem. Os bens interessam e tm significado na medida em que tm significado para as pessoas que interessam ao adquirente, ou seja, os objectos so apreciados de acordo com a sua habilidade para objectivar valores pessoais e sociais e condenados quando fetichizam ou de algum modo diminuem ou afectem negativamente esses valores. DANIEL MILLER, A Theory of Shopping, Polity Press, 1998, pg. 152; DANIEL MILLER, Could Shopping Ever Really Matter?, in PASI FALK e COLIN CAMPBELL (eds.), The Shopping Experience, SAGE, 1997, pgs. 31-55; JUKKA GRONOW e ALAN WARDE, Introduction, Ordinary Consumption, Routledge, 2001; MARJORIE L. DEVAULT, Feeding the Family - The Social Organization of Caring as Gendered Work, UCP, 1991; ALAN WARDE, Consumption, Food and Taste, SAGE, 1997. Vide AMBER M. EPP e LINDA L. PRICE, Family Identity: A Framework of Identity Interplay in Consumption Practices, J. Consumer Res. 35 (2008), pgs. 50-70, sobre o modo como as famlias assentam em formas de comunicao e usam recursos do mercado para gerir interferncias entre identidades individuais, relacionais (casal, irmos, pais-filhos) e colectivas.

    66 Adoptamos, pois a formulao de ROBERTA SASSATELLI, Virtue, Responsibility and Consumer Choice, in JOHN BREWER e FRANK TRENTMANN (eds.), Consuming Cultures, Global Perspectives: Historical Trajectories, Transnational Exchanges, Berg, 2006, pgs. 219 e ss. Ver, ainda, MICHELE MICHELETTI, Political Virtue and Shopping, Individuals, Consumerism and Collective Action, Palgrave Macmillan, 2003; FRANK TRENTMANN, Citizenship and Consumption, Journal of Consumer Culture 7 (2007), pgs. 147 e ss; BORIS HOLZER, Political Consumerism between Individual Choice and Public Action: Social Movements, Role Mobilization and Signalling, International Journal of Consumer Studies 30 (2006), pgs. 415 e ss. Para uma evoluo histrica, ver DAVID VOGEL, Tracing the American Roots of the Political Consumerism Movement, in Politics, Products, and Markets Exploring Political Consumerism Past and Present, MICHELE MICHELETTI, ANDREAS FOLLESDAL e DIETLIND STOLLE (eds.), Transaction Publishers, 2004, pgs. 83 e ss; FRANK TRENTMANN, The Modern

  • 32

    Propriedade e Personal idade no Dire i to Civ i l Portugus

    e na equidade67, e atravs delas os cidados assumem a responsabilidade de contribuir para modificar a vida poltico-social. So expresses desta micropoltica os boicotes ou os buycotts68, mas tambm as microdecises do comrcio justo69, o consumo verde ou responsvel70 e, at, o anticonsumismo71. Mesmo numa economia global, no podemos

    Genealogy of the Consumer, Identities, Meanings and Synapses, in JOHN BREWER e FRANK TRENTMANN, Consuming Cultures, Global Perspectives, Berg, 2006, pgs. 19 e ss; e LAWRENCE B. GLICKMAN, The Strike in the Temple of Consumption: Consumer Activism and Twentieth-Century American Political Culture, The Journal of American History 88 (2001), pgs.