proposta de classificação da ferraria

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0 AMIGOS DOS AÇORES PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO DO PICO DAS CAMARINHAS PONTA DA FERRARIA COMO ÁREA PROTEGIDA OUTUBRO DE 1988

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Proposta apresentada pelos Amigos dos Açores com vista à classificação do Pico das Camarinhas e da Ponta da Ferraria como património natural

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AMIGOS DOS AÇORES

PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO

DO PICO DAS CAMARINHAS – PONTA DA FERRARIA

COMO ÁREA PROTEGIDA

OUTUBRO DE 1988

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PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO

DO PICO DAS CAMARINHAS – PONTA DA FERRARIA

COMO ÁREA PROTEGIDA

1. Introdução

A Associação Ecológica Amigos dos Açores entende ser da maior

conveniência a classificação jurídica da zona do Pico das Camarinhas - Ponta da

Ferraria como Área Protegida.

Neste sentido foi elaborado o presente documento, onde se caracteriza aquele

local sob diversos aspectos, designadamente históricos, geográficos, geológicos

biofísicos, paisagísticos e sócio - económicos.

2. Aspectos Históricos

O Pico das Camarinhas e a Ferraria são descritos, no século XVI por Gaspar

Fructuoso, no seu livro “Saudades da Terra”:

“ … está o pico de Marcos Lopes Anriques, que chamam das

Camarinhas, por ter árvores desta fruta no seu cume; chama-se

também pico das Ferrarias, porque no tempo passado, antes de ser

descoberta esta ilha, sendo tão alto junto com o mar que o fazia

alcantilado, arrebentou (como parece claramente a quem agora o ve)

e lançou de si para a parte do mar, que ocupou dele grande espaço,

ficando onde dantes era mar um espaçoso e largo cais de biscoutos,

ao longo da costa, tanto como três tiros de besta, que tem de largura,

e dois de compridão, entrando na água salgada; ficando esta ponta de

pedra baixa e rasa. Ao pé deste pico junto do dito cais, para a banda

leste, sai uma formosa ribeira, de água tão quente que nela se pelam

leitões, coze peixe e escascam lapas, que ali se criam nas pedras; a

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qual ribeira se cobre com a maré cheia, mas com ela vazia mostra

bem sua grandeza, doçura e quentura;…” (II, 89)

Joaquim Cândido Abranches, no seu livro “Album Micaelense”, publicado em

1869, a propósito da toponímia do Pico da Camarinhas, escreve:

“… Perto d’este sitio ha o pico das Camarinhas, derivando o nome

d’um arbusto que ali se cria espontaneo, dando um pequeno fructo

assim chamado…”

Em 1964, o Dr. Carlos Pavão de Medeiros, depois de se referir à localização

da nascente da Ferraria, no sopé do Pico das Camarinhas, menciona as

características das suas águas e suas propriedades:

“… O seu caudal é abundante sendo a temperatura de 62,5º;

mineralização de 20,9584 gramas por litro com teor de cloreto de

sódio de 16,982 por litro. É uma água muito alcalina, cloretada,

sulfatada, bicarbonatada, sódica, cálcica e magnésica.

A cerca de 300 metros da nascente existe um pequeno albergue

termal, sendo as águas utilizadas principalmente para o tratamento

de reumatismos e nevrites, em que têm sido obtidas curas, por vezes

espectaculares”

3. Aspectos Geográficos e Geológicos

O Pico das Camarinhas está localizado no extremo Oeste da Ilha de S.Miguel,

aproximadamente às coordenadas geográficas 37º 51’ 30’’ N e 25º 50’ 50’’ W e

coordenadas UTM de 601350 e 4190850 metros. Situado entre as freguesias de

Ginetes e da Várzea, o Pico das Camarinhas está implantado a Leste da Ponta da

Ferraria, no topo da escarpa sobranceira a este local. A localização do Pico das

Camarinhas e o facto desta elevação atingir uma altitude máxima de 219 metros acima

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do nível do mar, facilitam a sua observação da região circundante, designadamente do

Farol da Ferraria, a Sul, e do Miradouro da Ponta do Escalvado, a Norte.

O Pico das Camarinhas corresponde a um cone de escórias basálticas, com

dimensões aproximadas de 400 x 300 metros e uma altura de cerca de 50 metros em

relação à região adjacente. Os piroclastos constituintes do cone, vulgarmente

conhecidos por bagacina ou cascalho, resultaram de uma erupção vulcânica do tipo

estromboliano, apresentando dimensões variáveis e uma coloração negra

predominante. No topo do cone abre-se uma cratera múltipla, alongada, tal como o

cone, segundo uma orientação geral W-E e que define um alinhamento tectónico

radial do vulcão central das Sete Cidades.

A escoada lávica emitida pelo vulcão do Pico das Camarinhas fluiu para Oeste e,

descendo a arriba segundo declives acentuados, espraiou-se no Oceano Atlântico,

dando origem ao delta lávico da Ponta da Ferraria. Como é usual nestas condições, a

arriba primitiva foi preservada sob a forma de uma arriba fóssil, na base da qual se

desenvolveu a estrutura morfológica aplanada anteriormente referida e que, nos

Açores, é frequentemente designada por “fajã”, lávica, neste caso. Em resultado da

acção erosiva do mar, a frente do delta lávico apresenta-se actualmente muito

recortada, com aspecto digitado, onde se formaram pequenas baías.

A erupção vulcânica responsável pela formação do Pico das Camarinhas, e

respectiva escoada lávica, ocorreu, alguns séculos antes da descoberta e povoamento

da Ilha de São Miguel. De acordo com datações de C-14 apresentadas por Moore

(1983), esta erupção terá tido lugar por volta do ano 1140 A. D..

O facto da escoada lávica emitida ter fluido sobre o mar, originou um pequeno

cone piroclástico à superfície do delta lávico da Ferraria, localizado no seu sector Sul

e junto ao caminho de acesso aos Balneários e à nascente termal. Este cone, com uma

cratera circular no seu topo, recebe a designação de cone litoral (ou de pseudocratera,

segundo alguns autores), na medida em que não possui uma conduta de alimentação

profunda e se formou na sequência de pequenas explosões resultantes do contacto da

base da escoada lávica com a água do mar (Nunes, 1996).

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Para além dos aspectos atrás mencionados, a região do Pico das

Camarinhas e da Ponta de Ferraria apresenta, ainda, outros aspectos de interesse

geológico. É o caso da presença de rochas granulares ricas em olivina e piroxena,

formadas em profundidade e trazidas à superficie no decurso de episódios

vulcânicos subsequentes. Estas rochas, provenientes do manto, ocorrem sobre a

forma de xenólitos ultramáficos (Almeida e Rodrigues, 1993), dispersos no seio

de uma escoada lávica basáltica, escoada esta que, fazendo parte da arriba fóssil

da Ferraria, apresenta uma idade anterior à da formação do Pico das Camarinhas.

4. Aspectos Biofisicos, Paisagísticos e Sócio-Económicos

Em termos florísticos, o Pico das Camarinhas representa uma das ultimas

formações de Myrica faya-Erica scoparia ssp. azorica nesta ilha e mesmo nos

Açores. Em apêndice apresenta-se uma síntese acerca da importância deste tipo de

formações.

Várias espécies de aves estão presentes no Pico das Camarinhas,

nomeadamente: Turdus merula azorensis, Sylvia atricapila, Serinus canarius,

Fringilla coelebs moreleti. Insectos endémicos encontram-se associados à urze e à

faia, nomeadamente Ascotis fortunata azorica, Cyclophora azorensis, Argyresthia

atlanticella e Cixius insularis.

Na Ferraria, a nascente interdital de água doce quente, para além de atrair

veraneantes, é fortemente responsável pela composição da flora e fauna do local.

Assim, de acordo com Morton, Britton e Martins (1998), junto à fonte podem ser

encontradas, entre outras, as seguintes espécies: Melarhaphe neritoides, Littorina

striata, Cladophora albida, Enteromorpha linza e Ulva rigida. Por seu turno, a

dez metros da fonte podem ser encontradas as seguintes espécies: Melarhaphe

neritoides, Littorina striata, Enteromorpha linza, Ulva rigida, Rhoddymenia

pseudopalmata, Blidingia minima, Fucus spiralis, Corallina officinalis e

Lithothamnion.

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A preservação do Pico das Camarinhas em conjunto com a gestão

racional da Ponta da Ferraria ao nível turístico, enquadrada pelo Farol da Ferraria

e pelo Miradouro do Escalvado, contribuiria para a conservação da paisagem desta

zona da ilha.

5. Medidas de Recuperação

As principais ameaças à preservação do Pico das Camarinhas são a erosão e a

invasão por Incenso. Há que estabilizar os caminhos adjacentes ao pico para que não

ocorra uma erosão dos locais onde a vegetação foi cortada (nomeadamente junto à

estrada para a Ponta da Ferraria) e a camada superficial do solo removida, expondo o

cascalho. Estão em estudo métodos de controlo do incenso. Uma vez que a área está

rodeada por pasto não haverá possibilidades de invasões fáceis por outras exóticas,

embora algumas formações de silva, cana, ligustrum e de conteira tenham que ser

igualmente controladas.

6. Proposta de Classificação

Considerando os vários elementos apresentados, a Associação Ecológica

Amigos dos Açores propõe que a Ponta da Ferraria - Pico das Camarinhas seja

classificada, ao abrigo do Decreto Legislativo Regional nº 21/93/A, que aplica à

Região o regime jurídico estabelecido pelo Decreto- Lei nº 19/93, que cria a Rede

Nacional de Áreas Protegidas.

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APÊNDICE

AS FORMAÇÕES DE MYRICA FAYA

DROUET (1866) refere Myrica faya AITON, 1789 (Myricaceae) como uma

bela árvore, indígena, de folhagem sempre verde e persistente e afirma que o nome de

"Faia" foi atribuído aquela planta pelos primeiros colonos portugueses. SJÖGREN

(1984) refere-se à mesma planta, descrevendo-a como um arbusto ou árvore de

folhagem persistente, com folhas aveludadas, lanceoladas e de um verde escuro. As

folhas novas contrastam com as do ano anterior, devido à sua cor, verde clara.

TUTIN et al. (1964) descrevem M. faya do seguinte modo: arbusto de folha

persistente, ou pequena árvore até 8 m; raminhos com pequenos pêlos, peltados,

ferruginosos; folhas com 4-11 cm, glabras, sem glândulas conspícuas; amentos mais

ou menos ramosos, inseridos entre as folhas no crescimento do ano; fruto pouco

carnoso, uma drupa.

De acordo com FRANCO (1971) e TUTIN et al. (1964), Myrica gale L.

(1753), existente em Portugal Continental e na Europa, difere de M. faya pelas

seguintes características: folhas caducas, amentos axilares simples, nos ramos do ano

anterior, 2n=48. Segundo TUTIN et al. (1964), Myrica carolinensis MILLER (1768),

uma espécie da América do Norte, também presente na Europa (naturalizada na

Inglaterra e na Holanda), difere de M. faya por apresentar folhas caducas, elípticas a

obovadas, e amentilhos simples. Outras espécies próximas são Myrica cerifera L. e

Myrica pensylvanica LOISEL, ambas nativas da parte Leste dos Estados Unidos da

América (NEAL, 1991).

Myrica faya é uma das plantas mais características do arquipélago dos Açores,

da região silvática (DROUET, 1866). Deu o nome à ilha do Faial, a qual apresentava

uma grande cobertura de faia. Existe nos bosques de todo o arquipélago até aos 600

metros de altitude (DROUET, 1866). Segundo FRANCO (1971), trata-se de uma

planta muito frequente na laurisilva dos Açores, também presente em Portugal

Continental, na região arenosa do Centro-Oeste, na Serra de Sintra, e no Sueste

meridional, referindo, no entanto, como duvidosa a sua espontaneidade em Portugal

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Continental. Igualmente, TUTIN et al. (1964) indicam a presença desta planta nos

Arquipélagos da Madeira, Canárias e Açores, e consideram-na como naturalizada ou

talvez nativa do Centro e Sul de Portugal Continental. Segundo QUEIRÓS (1987), a

área geográfica da espécie estende-se aos Arquipélagos dos Açores, Madeira e

Canárias e a Portugal Continental (Vila Nova de Milfontes, Serra de Monchique e

entre Silves e Monchique, cultivada na Beira Litoral e Estremadura).

SJÖGREN (1973, 1984) refere M. faya para todas as ilhas dos Açores,

Madeira, Canárias, Centro e Sul de Portugal Continental, acrescentando que esta

planta se encontra, preferencialmente, na zona costeira, abaixo dos 500 m, podendo

habitar altitudes superiores, até 700 ou 1000 m, na Ilha do Pico, tomando nos pontos

mais elevados o aspecto de um pequeno arbusto. Ocorre em habitats bastante

expostos, em vários tipos de substrato, em penhascos na costa, ou em escoadas de

lava, colonizando desfiladeiros secos, em cascalho grosseiro ou areia (Prancha 3, 4).

È considerada como um membro frequente da vegetação costeira endémica, e espécie

diferencial de Festucion petraeae (SJÖGREN, 1973), usualmente com Gnaphalium

luteo-album L. (Asteraceae), Plantago coronopus L. (Plantaginaceae), Juncus acutus

L. (Juncaceae), Festuca petraea GUTHNICK ex SEUBERT (Poaceae) e Asplenium

marinum L. (Aspleniaceae).

Nos Açores, encontra-se geralmente até aos 600 m de altitude, em mata densa,

não atingindo o porte arbóreo elevado que atinge nas Canárias e na Madeira, de clima

mais ameno e seco, onde chega até aos 1300 m de altitude, apresentando porte

arbóreo, ainda que com predominância de indivíduos arbustivos (QUEIRÓS, 1987).

Exige ambientes húmidos, mas não suporta frios intensos, mostra uma nítida

preferência por solos silicatados, soltos e providos de matéria orgânica, incluindo os

urzedos, sendo frequente a associação entre faias e urzes, nos Açores, na Madeira e

nas Canárias (ASHMOLE & ASHMOLE, 1989).

A origem da espécie em Portugal Continental é controversa, não existindo

provas concludentes sobre se M. faya aí seja autóctone ou introduzida. Pelo contrário,

esta planta é considerada como espontânea nos Arquipélagos dos Açores, Madeira e

Canárias (QUEIRÓS, 1987).

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Durante o período Terciário, M. faya, juntamente com outras espécies

vegetais, cobriria as regiões elevadas da zona tropical, ocupada actualmente pela

região mediterrânica, incluindo Portugal (SUNDING, 1979). De facto, fósseis de M.

faya foram encontrados em depósitos miocénicos e pliocénicos na região de

Barcelona, no Vale do Ródano, na planície húngara e no Sul da Rússia (cf.

QUEIRÓS, 1987).

Esta espécie encontra-se, actualmente, na Região Centro de Portugal

Continental, e na região macaronésica, sendo considerada como uma das espécies

sobreviventes da flora Tetiano-terciária. É um dos elementos da vegetação relíquia,

que cobriria a Europa meridional, antes do arrefecimento do clima, no Terciário.

Plantada como abrigo, à volta das quintas, para proteger as laranjeiras dos

ventos dominantes (DROUET, 1866, SJÖGREN, 1984, QUEIRÓS, 1987), a sua

madeira foi utilizada na construção e como combustível. A casca foi utilizada na

indústria dos curtumes, devido à presença de taninos. Os frutos são comestíveis,

embora não sejam muito apreciados. As sementes foram utilizadas, sob a forma de

farinha, em épocas de escassez de alimentos, nas Canárias (ASHMOLE &

ASHMOLE, 1989).

A acção condensadora das brumas, exercida pela vegetação autóctone,

incluindo M. faya, aumenta a quantidade de água recolhida no solo (MELVILLE,

1979; QUEIRÓS, 1987). O adubo orgânico proporcionado, pelos bosques de faia,

origina um suplemento de nutrientes para as outras espécies vegetais, tendo em conta

a sua associação com uma bactéria fixadora do Azoto atmosférico. Além disso,

constitui uma fonte de alimento e abrigo para aves e insectos endémicos

(BANNERMAN, 1966; SILVA, 1992, SILVA, 1994, SILVA & TAVARES, 1995).

Myrica faya, nos Açores está presentemente ameaçada pela introduzida,

Pittosporum undulatum VENTENAT (Pittosporaceae), o incenso. Em vários escoadas

lavicas, abaixo dos 500 metros, a faia foi substituída pelo incenso. Segundo

SJÖGREN (1984), as poucas porções de faia, ao longo das costas, que permanecem

inalteradas, deviam ser protegidas.

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Também as actividades humanas contribuíram para a sua regressão. Outrora

esta planta cobria largamente a ilha do Faial, mas na época de DROUET (1866), já

quase tinha desaparecido da ilha.

Segundo QUEIRÓS (1987), a regressão das populações de faia deve-se: à

acção humana, iniciada logo após o povoamento das ilhas; à elevada competitividade

de Pittosporum undulatum, originário da Austrália e introduzido nos Açores,

actualmente sub-espontâneo em todo o arquipélago, e de crescimento mais rápido.

Acrescente-se também a invasão de Hedychium gardneranum SHEPPARD

(Zingiberaceae) naturalizada nos Açores, nas zonas de maior altitude, como possível

ameaça para as manchas de faia nessas áreas. Segundo o mesmo autor, atendendo ao

facto de ser um endemismo ibero-macaronésico, em extinção em Portugal

Continental, e ao seu valor ecológico e económico, impõe-se a sua preservação e o

alargamento das áreas onde esta espécie se encontra.

Também Le Grand (Vidália, 1991) afirmava que, para além dos dois sítios

costeiros do Concelho de Ponta Delgada incluídos no projecto Biótopos do Programa

Corine (Mosteiros e Costa W, e Rosto do Cão) muito cuidado deveria merecer o

vulcão das Camarinhas, nos Ginetes, a zona de ecossistemas costeiros melhor

conservada de São Miguel.

Nos Açores, encontram-se formações de M. faya a várias altitudes e

associadas a várias espécies de plantas.

Na zona costeira da Urzelina (São Jorge), a menos de 50 metros de altitude,

encontram-se plantas jovens de M. faya e Pittosporum undulatum sobre escoadas de

lava. No Faial, na zona dos Capelinhos, encontram-se desde plântulas até plantas

maduras, numa área aberta colonizada por Tamarix africana POIRET

(Tamaricaceae), Carpobrotus edulis (L.) N. E. BR. (Aizoaceae) e Oenothera sp. L.

(Onagraceae). Na ilha de São Miguel encontra-se M. faya, por exemplo: na Lagoa em

escoadas lavicas, junto ao mar, com Acacia sp. (Leguminosae), Pittosporum

undulatum, Lantana camara L. (Verbenaceae) e Metrosideros sp. (Myrtaceae); nos

Mosteiros a cerca de 100 m de altitude, com P. undulatum e Erica scoparia ssp.

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azorica, numa zona com solo mais desenvolvido; e em altitude, na Tronqueira,

algumas árvores ao longo do caminho, e algumas plântulas.

Estudaram-se dois biótopos em dois locais na ilha de São Miguel, Lombadas

(a 550 m de altitude) e Pico das Camarinhas (junto à costa, a 150 m de altitude), com

o objectivo de determinar a densidade e a dominância de M. faya nesses biótopos.

Nas Lombadas, existem manchas densas de Heydichium gardneranum e

Pteridium aquilinum (L.) KUHN (Ptedridaceae), cobrindo o espaço entre as plantas

de M. faya, P. undulatum e Erica scoparia ssp. azorica. Encontra-se igualmente

Blechnum spicant (L.) ROTH (Blechnaceae), Polygonum capitatum D.DON

(Polygonaceae), Potentilla erecta (L.) RÄUSCHEL (Rosaceae), Erigeron

karvinskianus DC. (Compositae) e Lysimachia nemorum L. (Primulaceae). Uma

camada de manta morta, constituída essencialmente por folhas de M. faya, cobre um

horizonte edáfico argiloso algo compacto.

No Pico das Camarinhas encontram-se M. faya, P. undulatum, Erica scoparia

ssp. azorica, Festuca petraea, Rubus sp. (Rosaceae), Ligustrum henryi HEMSLEY

(Oleaceae) e Portulaca oleraceae L. (Portulacaceae). Uma camada de manta morta,

constituída essencialmente por folhas de M. faya e P. undulatum, cobre um horizonte

edáfico rico em matéria orgânica, a que se segue a escoada vulcânica, exposta em

muitos locais.

A densidade de M. faya é idêntica nos dois locais estudados, mas P.

undulatum é mais abundante no Pico das Camarinhas, alcançando uma densidade

superior à de M. faya. Erica scoparia ssp. azorica é a planta que surge logo abaixo

em termos de densidade. As restantes espécies são relativamente raras.

Quanto à dominância relativa, nas Lombadas, M. faya é ainda a planta

dominante, mas, no Pico das Camarinhas, Pittosporum undulatum tem já uma

dominância próxima da de M. faya.. A formação das Lombadas apresenta um

domínio claro de M. faya ao nível dos arbustos, mas há que referir a ausência de

regeneração nesse local, onde os espaços entre os arbustos são rapidamente

colonizados por Hedychium gardneranum e Pteridium aquilinum.

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No Pico das Camarinhas, a densidade de P. undulatum é já superior à de M.

faya. Esta planta ainda domina essas formações, devido ao facto de conter indivíduos

com maior diâmetro basal, provavelmente mais antigos do que as plantas de P.

undulatum. Isto poderá indicar um envelhecimento das árvores de M. faya e uma

progressiva invasão por P. undulatum.

No Pico das Camarinhas, apenas 0,3% dos frutos originam plântulas, as quais

não sobrevivem até ao primeiro ano. Nas Lombadas, uma baixa taxa de germinação,

devida à má qualidade do fruto, e uma invasão por Hedychium gardneranum e

Pteridium aquilinum impedirão o estabelecimento das plântulas. Turdus merula

azorensis poderá funcionar como agente de dispersão de M. faya nos Açores.

As formações de Myrica-Erica nos Açores estão ameaçadas pelas actividades

humanas e pela introdução de plantas exóticas, como Pittosporum undulatum. Uma

expansão desta planta, um hospedeiro desadequado para alguns endemismos da

entomofauna açoriana, afectará não só a flora como também a entomofauna

autóctone. Se se pretende conservar os ecossistemas naturais dos Açores, é necessário

preservar não apenas a flora, mas também a entomofauna associada, assim como as

relações tróficas que caracterizam esses ecossistemas. Para alcançar esse objectivo, as

medidas de controlo das infestantes devem ser reforçadas.

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