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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LINGUÍSTICA PROPAGANDAS DO SABONETE LUX: PRODUÇÃO DE SENTIDOS NO DISCURSO PUBLICITÁRIO VERBO-VISUAL DA BELEZA FEMININA SANDRA MARA DA SILVA MEDEIROS Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Baptista Andrade Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística. SÃO PAULO 2014

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Page 1: PROPAGANDAS DO SABONETE LUX: PRODUÇÃO DE SENTIDOS NO ... · No primeiro capítulo, tece. m-se considerações sobre o discurso publicitário e a diferença entre os termos propaganda

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM LINGUÍSTICA

PROPAGANDAS DO SABONETE LUX: PRODUÇÃO DE SENTIDOS NO DISCURSO PUBLICITÁRIO VERBO-VISUAL

DA BELEZA FEMININA

SANDRA MARA DA SILVA MEDEIROS

Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Baptista Andrade

Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.

SÃO PAULO 2014

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

M44p

Medeiros, Sandra Mara da Silva. Propagandas do sabonete lux: produção de sentidos no discurso

publicitário verbo-visual da beleza feminina / Sandra Mara da Silva Medeiros. -- São Paulo; SP: [s.n], 2014.

125 p. : il. ; 30 cm. Orientador: Carlos Augusto Baptista Andrade. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em

Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Discurso publicitário 2. Dialogismo 3. Ideologia 4. Beleza

feminina. I. Andrade, Carlos Augusto Baptista. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.

CDU: 82.085(043.3)

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Propagandas do Sabonete Lux: Produção de Sentidos no Discurso Publicitário Verbo-Visual da Beleza Feminina

Sandra Mara da Silva Medeiros

Dissertação de Mestrado defendida e aprovada pela Banca Examinadora em 11/12/ 2014.

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Carlos Augusto Baptista Andrade Universidade Cruzeiro do Sul Presidente Profa. Dra. Magali Elisabete Sparano Universidade Cruzeiro do Sul Prof. Dra. Miriam Bauab Puzzo Universidade de Taubaté

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A

Meus queridos pais, Valdevino e Jerneis (in memoriam)

E amados filhos, Guilherme e Gabriela

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela esperança, persistência, saúde e determinação para esta

caminhada.

A meus filhos, Guilherme e Gabriela, pela paciência e compreensão aos

momentos de ausência materna.

À minha irmã, Vanessa, e cunhado, Rodrigo, pelo apoio incondicional.

Às minhas irmãs, Izilda, Joana e Nilza, pelas palavras de conforto e

ânimo nos momentos difíceis.

A todos os gestores e coordenadores das escolas em que realizei

minhas atividades, pela compreensão e imediato atendimento às minhas

solicitações.

À Prefeitura Municipal de Caraguatatuba, SP, pelo apoio financeiro e

concessão da bolsa de estudos.

A todos os professores do Programa, pelas valiosas contribuições, tanto

no desenvolvimento das disciplinas, quanto nas conversas que pudemos

realizar.

A meu orientador, Professor Doutor Carlos Augusto Baptista de

Andrade, pela sua dedicação e seu apoio para o meu amadurecimento como

professora e pesquisadora.

Às Professoras Doutoras Mirian Bauab Puzzo e Magalí Elisabete

Sparano, pelas valiosas contribuições no Exame de Qualificação.

A meus colegas do Mestrado, pelos momentos compartilhados durante

o curso.

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“Todos os diversos campos da atividade humana estão sempre relacionados com a utilização da língua [...]. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana”.

Mikhail Bakhtin

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MEDEIROS, S. M. da S. Propagandas do sabonete lux: produção de sentidos no discurso publicitário verbo-visual da beleza feminina. 2014. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

RESUMO

O presente trabalho analisa embalagens e propagandas do sabonete Lux Luxo em

três diferentes momentos. Entende-se que o discurso publicitário indica o retrato de

uma época, podendo demonstrar como eram as relações sociais e costumes de uma

sociedade, além de suas ideologias e valores. Dessa maneira, escolheu-se

propagandas e embalagens de sabonetes por se entender que esses seriam

capazes de refletir, por meio das linguagens verbal e verbo-visual, aspectos do

contexto sócio-histórico de cada momento, pelo fato de Lux ter se mantido em

sintonia com a evolução da própria mulher a quem se destina enquanto produto. O

presente trabalho tem por objetivo analisar o corpus selecionado – propagandas e

embalagens de 1973, 2007 e 2012 –, com a finalidade de perceber as relações

dialógicas que se desenvolvem por meio da materialidade linguística e de seus

aspectos pictóricos. Firma-se, ainda, que o arcabouço teórico fundamenta-se em

pressupostos de Bakhtin e do Círculo, observando-se noções de dialogismo, verbo-

visualidade, arquitetônica, exotopia, cronotopia e ideologia na construção

composicional de embalagens e propagandas do sabonete.

Palavras-chave: Discurso publicitário, Dialogismo, Verbo-visualidade, Cronotopia,

Exotopia, Ideologia.

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MEDEIROS, S. M. da S. Lux soap advertisements: creation of meaning in verbal-visual advertising discourse of female beauty. 2014. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

ABSTRACT

The present work analyses advertising packaging of Lux Luxo soaps in three

different ways. Understanding that the advertising speech indicate the picture of a

time we can demonstrate how social relations was and how society used to be. On

top of their ideology and their values. This way it was chosen publicity and packages

soaps to understand that they would be capable of reflect through verbal languages

and visual aspects of social-historical context and each period. Therefore, Lux has

kept in tune with the evolution of women itself, which its product has been

designated. The present work has the objective of analyses the chosen corpus –

advertising and packaging of 1973, 2007 and 2012 – In order to realize the relation

by dialogues that has been developed through linguistic materialistic and its aspects

pictorial still confirm the framework of Bakhtin thesis and his Circle. It is observed a

notion of dialogism, verb visuality, chronotopia, exotopy and ideology of

compositional construction of soap packaging and advertising.

Keywords: Advertising speech, Dialogism, Verb visuality, Chronotopia, Exotopy,

Ideology.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................. 11 CAPÍTULO 1 1 DISCURSO PUBLICITÁRIO: PROPAGANDA E PUBLICIDADE........... 14 1.1 Diferença Entre os Termos Propaganda e Publicidade...................... 14 1.2 Propaganda e Publicidade no Mundo – Alguns Traços...................... 16

1.3 Propaganda e Guerras............................................................................ 20 1.4 Propaganda no Brasil – Alguns Relatos............................................... 22 1.5 Lux – Uma Luz na História..................................................................... 28 1.6 Novo Feminino......................................................................................... 34 1.7 Nova Celebridade.................................................................................... 35

CAPÍTULO 2 2 CONSTRUINDO UM SOLO EPISTEMOLÓGICO PARA A ANÁLISE.... 37 2.1 Gênero Discursivo – Por Um Olhar Bakhtiniano................................. 37 2.2 Composição do Gênero – Elementos Constitutivos............................ 44 2.2.1 Conteúdo Temático................................................................................. 45 2.2.2 Construção Composicional.................................................................... 46 2.2.3 Forma Arquitetônica e Forma Composicional..................................... 48 2.3 Refletindo Sobre Tempo e Espaço........................................................ 51 2.3.1 Cronotopia: um Olhar Sobre o Fenômeno........................................... 53 2.3.2 Cronotopo e Discurso Publicitário........................................................ 54 2.4 Estilo: Recurso de Persona................................................................... 56 2.5 Questão da Verbo-Visualidade.............................................................. 59 2.6 Ideologia da Palavra e da Imagem........................................................ 68

CAPÍTULO 3 3 ANÁLISE DO CORPUS........................................................................... 74 3.1 Lux de Luxo – Campanha Internacional: Estrelas de Cinema (1973) 74 3.2 Lux Fashion Pink (2007)......................................................................... 85 3.3 Lux Fragrâncias Finas (2012)................................................................. 100

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3.3.1 Magical Spell........................................................................................... 102 3.3.2 Secret Bliss............................................................................................. 105 3.3.3 Dream Delight.......................................................................................... 108 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................

110

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 122 ANEXOS.............................................................................................................. 125

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O eixo norteador de todo o pensamento bakhtiniano é caracterizado pela

interação verbal, seu caráter dialógico e polifônico. Compreender seu pensamento

requer que concebamos o mundo permeado por relações dialógicas, no qual o

sujeito se constitui à medida que vai ao encontro do outro. Dessa maneira, o outro é

imprescindível na construção do eu e a linguagem é percebida a partir de uma

concepção dialógica.

É importante destacar, também, que Bakhtin concebe a língua como

fenômeno social, histórico e ideológico, impedida de ser compreendida e explicada

fora de tal vínculo, ou seja, em seu uso prático. Essa está vinculada a um caráter

ideológico, mutável, histórico e polissêmico, com signos variáveis e flexíveis. O

filósofo da linguagem ainda postula que a língua não deve ser observada apenas

como um sistema de normas, pois isso a afastaria de sua realidade evolutiva, viva e

de suas funções sociais. Sua preocupação é com a língua enquanto elemento de

comunicação e interação, que se concretiza por meio das enunciações, de modo

que nesse ínterim a palavra poderá expressar juízo de valor, significação,

expressividade. O significado é construído no discurso e essa construção envolve os

participantes, seja em uma situação imediata, seja em um contexto mais amplo.

Dessa maneira, as discussões instauradas por Bakhtin e o Círculo observam

a estrutura do enunciado determinada pelo contexto social e sempre será uma

resposta a um enunciado anterior. Qualquer enunciado estará em busca de uma

resposta, de uma atitude responsiva, de modo que sua intenção enunciativa é

mediada pelo posicionamento do outro. Isso resulta que, cedo ou tarde, tudo o que

foi ouvido e compreendido de modo ativo, encontrará eco no discurso ou no

comportamento subsequente do ouvinte.

Tendo isso colocado e por se entender que uma peça publicitária é um

recorte de seu tempo, de seu espaço e dos costumes que habitam tal contexto, e

que ainda isso é representado por meio do discurso, optou-se considerar como

objeto de análise propagandas e embalagens do sabonete Lux de Luxo em três

diferentes momentos históricos – 1973, 2007 e 2012 –, observando sua

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materialidade linguística e visual, assim como as relações dialógicas que

estabelecem para cumprir seu papel de convencimento do leitor presumido.

Entende-se, assim, que será importante analisar o corpus selecionado na ótica do

dialogismo, uma vez que, ao longo das décadas, a empresa manteve seu discurso

publicitário em sintonia com o público e assim o fez por meio do discurso, por meio

da linguagem, por meio das interações dialógicas e ainda por meio da ideologia que

sempre traz a representação da anunciante e da própria sociedade. Inclui-se ainda

que o estudo se pautará na exploração das potencialidades discursivas do discurso

publicitário e não no aprofundamento de análises críticas que poderão vir a ser

realizadas em futuros estudos, tendo em vista o caráter persuasivo desse universo.

Acrescenta-se que as propagandas e embalagens dos produtos ora

estudados são instrumentos de sedução e convencimento capazes de refletir a

sociedade com suas ideologias, valores e as modificações que ocorreram nessa por

meio das interações sociais. Tal escolha justifica-se pelo fato de Lux ter se mantido

em sintonia com a evolução histórico-social da mulher e ainda por ter, ao longo dos

anos, remodelado seus produtos e campanhas publicitárias, sempre os pautando no

“novo” e, por meio de palavras, transmitindo imagens, ícones e simbologias às

mudanças vividas pelo seu público-alvo e sociedade na qual estava inserido.

Coloca-se também que a escolha do presente material para pesquisa advém de

fatos que chamaram a atenção: o sabonete Lux construiu uma trajetória de

comunicação que o converteu em uma marca-ícone da propaganda mundial,

associando diversas vezes a marca à beleza e ao carisma de personalidades

femininas no auge da fama e, posteriormente, à mulher, dita, comum.

Mais especificamente, optou-se, ainda, enquanto corpus, pelas seguintes

razões:

A linha “Lux de Luxo, estrelas do cinema” foi a primeira da marca que

assinalava um produto de primeira linha, voltado e constituído especificamente ao

público feminino, com o intuito de alcançar a nova mulher que se desenhava na

sociedade. Além do mais, trazia como novidade o primeiro sabonete com creme

hidratante do mercado brasileiro, posteriormente, em 2007, retratou-se a jovem

mulher que, mais uma vez, desabrochava no contexto brasileiro. Quanto ao

lançamento do produto, o tom da novidade se dava pela edição limitada,

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denominada “Lux Fashion Pink”, que dispôs ao mercado o primeiro sabonete pink

fabricado no Brasil e em 2012, finalmente, resgatou-se a linha que marcou a

comemoração dos oitenta anos do produto no país, denominada “Lux Fragrâncias

Finas” e a escolha se deu justamente pela comemoração quase centenária.

A fim de executar o que foi proposto, este trabalho está organizado em três

capítulos.

No primeiro capítulo, tecem-se considerações sobre o discurso publicitário e a

diferença entre os termos propaganda e publicidade, a fim de situar o leitor na esfera

em que o trabalho está situado. Em seguida, discorrem-se, historicamente, alguns

relatos da trajetória da propaganda no Brasil e no mundo, preocupados nesse

momento em apenas traçar uma breve contextualização, sem entrar em questões

mais profundas, uma vez que não é esse o objetivo da dissertação. Por fim, faz-se

uma contextualização sobre a trajetória do sabonete Lux, desde a ideia primária de

Willian Lever, em colocar em embalagens sabões que eram vendidos a granel, e o

que isso resultou como consequência para a Lever Brothers.

Já o segundo capítulo foi dedicado à fundamentação teórica, à concepção de

gênero e respectiva estrutura com seus elementos constitutivos, assim como à

constituição do sentido por meio da verbo-visualidade, ideologia e relações

dialógicas, além de questões de tempo-espaço, exotopia, cronotopia, forma

arquitetônica e composicional.

Por fim, o terceiro capítulo contempla as análises das três peças publicitárias

pela ordem citada acima, ou seja, cronologicamente ascendente, desde o

lançamento da linha luxo, em 1973, à comemoração dos oitenta anos de Lux no

Brasil, em 2012. Nas análises são observadas as marcas linguísticas e ideológicas

contextualizadas a cada momento e espaço social em que estão inseridas, assim

como questões de cronotopia e exotopia.

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CAPÍTULO 1 - DISCURSO PUBLICITÁRIO: PROPAGANDA E PUBLICIDADE

Por se tratar da prática discursiva publicitária, inicialmente discute-se neste

capítulo a diferença que teóricos da comunicação têm empreendido entre os

conceitos propaganda e publicidade. Em seguida, apresentar-se-á breve histórico da

propaganda e da publicidade no mundo e no Brasil, registrando como essas

nasceram, circularam e como o discurso publicitário foi se moldando à sociedade, ao

desenvolvimento, às interações sociais e ao tempo para, posteriormente,

contextualizar historicamente o sabonete Lux.

1.1 Diferença Entre os Termos Propaganda e Publicidade

As definições entre os termos propaganda e publicidade envolvem

contradições, pois não há unanimidade entre os autores sobre tais conceitos. No

Brasil, a imprecisão se originou quando as primeiras traduções foram realizadas.

Entenderam advertising como propaganda e, a partir disso, quando alguém fazia a

tradução de um artigo ou livro, os conceitos sobre o que é advertising eram

convertidos e traduzidos como sentidos da propaganda.

Deve-se ainda dizer que a origem da palavra propaganda – propagare – é

latina e significa, segundo Brown (1971, p. 12), “a técnica do jardineiro de cravar no

solo os rebentos novos das plantas a fim de reproduzir novas plantas que depois

passarão a ter vida própria”. Entende-se, portanto, um sentido de semeadura.

Semear é plantar, esperando-se a colheita e não apenas lançar a semente ao vento.

Segundo Sandmann (1993, p. 9), o termo propaganda foi extraído do nome

Congregatio de Propaganda Fide, congregação criada pelo Vaticano no início do

século XVII e que tinha como tarefa cuidar da propagação da fé católica aos povos

considerados pagãos e, segundo Pinho (1990, p. 20), para contrapor-se aos atos

ideológicos e doutrinários da Reforma Luterana. Em tradução literal, teríamos

“Congregação da Fé que deve ser propagada”, ou “Congregação para a Propagação

da Fé”. Nesse ínterim, propaganda passou a ter um caráter ideológico e com o

objetivo de conquistar adeptos, seguidores e de converter opiniões.

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Já o termo publicidade pode ser entendido como o ato de tornar público e de

se promover produtos e serviços utilizando-se os meios de comunicação e os

espaços publicitários, com patrocinador identificado e com o intuito de seduzir, tornar

público e conduzir o consumidor à compra de determinado bem, produto ou serviço.

Dessa maneira, pode-se dizer que enquanto a propaganda tem cunho político, cívico

ou religioso, a publicidade tem cunho comercial. Malanga (1987, p. 11) apresenta

um exemplo que pondera esse entendimento:

O governo brasileiro desejando que o povo beba mais leite, por motivo de saúde, manda fixar cartazes nas ruas e faz, em rádio e televisão, anúncios estimulando o público “Beba mais leite”. Isto é propaganda, é divulgação de uma ideia com um objetivo evidente: aumentar o consumo de leite. Por outro lado os industriais de laticínio, cujo interesse maior é o comercial, poderão reforçar a nova campanha de propaganda transformando, porém, em publicidade. Poderíamos acrescentar após a palavra leite a marca X ou Y. Assim quando se divulga um produto aliado à marca, faz se publicidade.

Apesar das diferenças formuladas, no Brasil e em alguns países da América

Latina, propaganda e publicidade ainda são termos tidos como sinônimos, ou

empregados indistintamente, ao passo que a comunicação comercial é chamada de

advertising pelos norte-americanos, publicité pelos franceses, publicidad pelos

espanhóis, publicità pelos italianos e todos esses entendem o termo propaganda

como comunicação política, cívica ou religiosa.

De todas as maneiras, essas questões podem ser entendidas apenas como

aspectos de nomenclatura, pois a compreensão dos termos não advém daí. Embora

propaganda e publicidade tenham objetivos diferentes, apresentam pontos comuns

quanto à técnica e aos veículos que utilizam, segundo nos aponta Malanga (1987, p.

11) e devemos acrescentar ainda que, apesar de terem objetivos diferentes, tanto a

propaganda, quanto a publicidade são financiadas e pagas por alguém. Enquanto a

propaganda é arcada pelo cidadão, membro ou seguidor de uma instituição, seja

governamental, religiosa ou política, a publicidade é paga pelo fabricante ou

distribuidor e repassada ao consumidor final do produto.

O mesmo autor nos relata que o consumidor paga a publicidade

proporcionalmente aos produtos que adquire, “quando uma pessoa comprar cinco

sabonetes de determinada marca que realiza publicidade, ela paga cinco vezes a

percentagem de despesas de publicidade estabelecida para cada unidade”

(MALANGA, 1987, p. 12).

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Entende-se, portanto, que o enunciador poderá adotar a diferença dos

termos, ou ficar com a equivalência, uma vez que, inclusive, o próprio mercado

publicitário se encarrega de utilizá-las como palavras sinônimas e reforçamos uma

vez mais que a compreensão de tais conceitos não advém das palavras em si, mas

sim do entendimento contextual que cada uma traz consigo nas relações que

estabelecem com os sujeitos da interação. Neste trabalho, optou-se pelo uso dos

dois termos e pelo relato, tendo em vista a importância do contexto para a Análise

Dialógica do Discurso.

1.2 Propaganda e Publicidade no Mundo – Alguns Traços

Se for tomado o conceito de propaganda como o de divulgar ideias, pode-se

ousar dizer que as primeiras manifestações de propaganda advêm das pinturas

rupestres, uma vez que os primitivos representavam seu cotidiano, seus feitos e

suas conquistas. Fosse o intuito primário o da comunicação, tal comunicação tinha

uma intencionalidade que visava divulgar, tornar público, propagar como eram feitas

as caças e como era o cotidiano desses povos, por exemplo. Assim, entende-se que

o artista rupestre se promovia ou promovia uma ideia ou fatos, assim como apontam

Kotler e Armstrong (1991, p. 304):

Os mais antigos registros históricos nos dão notícia da propaganda. Arqueólogos trabalhando em países ao redor do Mar Mediterrâneo descobriram escritos anunciando vários eventos e ofertas. Os romanos pintavam as paredes para anunciar lutas de gladiadores, e os fenícios pintavam figuras promovendo seus artigos em grandes rochas ao longo de rotas movimentadas. Uma pintura em uma parede de Pompéia louvava um político e pedia votos ao povo.

Acrescentam ainda que panfletos podiam ser facilmente encontrados nas

antigas Grécia e Roma e egípcios usavam papiros para criar mensagens de vendas

em cartazes.

De todas as formas, entende-se que, apesar de todos os esforços das

civilizações antigas em promover e/ou vender suas ideias, apenas após o

surgimento da imprensa, no século XV, iniciaria o aprimoramento da propaganda,

uma vez que o uso do papel e a possibilidade de escrita em série contribuiriam para

a divulgação da transmissão de ideias de maneira homogênea. A primeira

propaganda impressa em língua inglesa data de 1478.

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Já na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII era possível ver em jornais e revistas

semanais diversas propagandas. O surgimento de uma classe média relativamente

grande e alfabetizada criou as pré-condições para a existência da propaganda no

sentido moderno.

Os anúncios giravam em torno de produtos supérfluos, como “café, chá,

livros, perucas, poções, cosméticos, espetáculos e concertos, bem como bilhetes de

loteria”, (VESTERGAARD; SCHRODER, 2004, p. 5). Ainda eram anunciados

medicamentos, ofertas de serviços e mão de obra, assim como comércio em geral.

Nessa mesma época também criaram-se as primeiras regulamentações quanto aos

conteúdos publicados, devido ao crescente número de falsas propagandas e os

problemas que essas geravam. Tais anúncios foram denominados como quack e

designavam pessoas que diziam ter habilidades, conhecimentos e qualificações

profissionais as quais não possuíam, causando prejuízos a terceiros.

Ainda segundo Vestergaard e Schroder (2004), a propaganda só conheceu

uma verdadeira expansão ao final do século XIX. Como a produção em massa de

produtos já tinha atingido um nível de desenvolvimento no qual um número maior de

empresas produzia mercadorias de qualidade e a preços relativamente

homogêneos, houve uma superprodução de produtos e uma subdemanda de

aquisição, o que gerou a necessidade de buscar o estímulo do mercado. Assim, a

técnica propagandista mudou da proclamação para a persuasão.

Esse cenário de expansão econômica, de acesso à leitura e aos bens

industrializados contribuiu e reforçou ainda mais a sociedade da época à prioridade

de consumir bens que não apenas satisfizessem suas necessidades materiais, tais

como comer, beber, vestir-se, porém, ainda as que atendessem seus interesses

sociais. Assim, o discurso publicitário não dizia mais e apenas que em determinada

rua vendia-se o produto tal. Foi necessário acrescentar o tom da sedução e da ideia

de necessidade na posse de bens consumíveis que atendessem questões sociais

inerentes ao ser humano, tais como amor, amizade, reconhecimento, pertencimento

e identificação com um grupo social. Dessa maneira, o discurso publicitário

conseguia atender dois pontos importantes e inerentes do ser humano: ao consumir

bens, esse satisfazia suas necessidades materiais, porém e ao mesmo tempo,

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conseguia atender os próprios interesses sociais. Reforçando tais questões,

Vestergaard e Schroder (2004, p. 7-8) apontam que:

Os vários grupos sociais identificam-se por suas atitudes, maneiras, jeito de falar e hábitos de consumo – por exemplo, pelas roupas que vestem. Dessa forma, os objetos que usamos ou consumimos deixam de ser meros objetos de uso para se transformar em veículos de informação sobre o tipo de pessoas que somos ou gostaríamos de ser. Nas palavras de Barthes (1977; 41), os objetos são semantizados [...] o que permite aos anunciantes explorar a necessidade de pertencer a associações, de identificação do ego e assim por diante.

A partir de tal concepção, citando o cenário norte-americano durante o século

XIX, a expansão da economia propiciou o aumento das propagandas e, assim, os

classificados tornaram-se bem populares, preenchendo várias páginas de jornal com

anúncios de itens variados. Nessa época surgiu a mala-direta e, em 1841, foi

inaugurada a primeira agência de publicidade e propaganda, criada por Volney

Palmer, na cidade de Boston. Essa agência foi a primeira a cobrar a taxa de 25% de

comissão dos jornais para vender espaço publicitário, feito antes realizado apenas

por corretores de propaganda.

Outro item interessante é que o mercado publicitário naquele país abriu as

portas às mulheres, em uma época na qual essas tinham poucas opções de carreira.

Uma vez que eram responsáveis pela maioria das compras para a casa,

anunciantes e agências reconheceram seu valor introspectivo durante os processos

criativos. Interessante também é saber que a primeira propaganda norte-

americana com apelo sexual foi criada por uma mulher – Helen Lansdowne Resor

– para anunciar o Woodbury’s Facial Soap. Embora ingênua e sem conotação

sexual para os dias atuais, a propaganda mostrava um casal com a seguinte

mensagem: “The skin you love to touch”, que significa: “A pele que você adora

tocar”.

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Figura 1 – The skin you love to touch Fonte: <http://www.elmercuriomediacenter.cl/especial-el-mercurio-mediacenter-dia-de-la-publicidad>. Acesso em: 20 abr. 2014.

Ainda é importante destacar o surgimento de outro meio de circulação para o

discurso publicitário. Se antes esse era realizado – entre outros – de maneira

impressa, em meados de 1920 as estações de rádio entraram em cena. A princípio,

os programas não continham propagandas, entretanto, quando a prática de

patrociná-los foi popularizada, cada programa passou a ser patrocinado por um

anunciante pela troca da menção de seu nome ao início e ao final da edição desses.

Todavia, logo os donos das estações perceberam que poderiam vir a ganhar mais

dinheiro vendendo pequenos espaços de tempo para vários anunciantes durante

toda a programação da rádio e não apenas com o início ou o final de cada programa

reservado a apenas um patrocinador. Posteriormente, essa prática veio a ser

adotada pela televisão, em meados de 1940 e 1950.

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1.3 Propaganda e Guerras

O século XX foi fértil em experiências sobre o poder da propaganda em

contexto de guerra, vindo a se firmar como arma de combate. A partir da Primeira

Guerra Mundial a propaganda foi utilizada como uma ferramenta de guerra. O

governo norte-americano contratou um jornalista e um psicólogo, respectivamente

Walter Lippman e Edward Bernays, para manipular a opinião pública estadunidense

a fim de que desejasse a entrada de seu país na guerra, ao lado da Inglaterra e

contra a Alemanha.

O trabalho da dupla alcançou êxito e em apenas seis meses foi criado um

imenso repúdio ao povo alemão. Apercebendo-se do potencial da propaganda de

massa em influenciar e controlar a opinião pública, Bernays deu maior ênfase aos

estudos da Ciência e desenvolveu conceitos como “mente coletiva” e “consenso

fabricado”, princípios teóricos que se tornaram importantes na criação e prática das

propagandas de massa desde então, como apontou Lima (2012).

Já na Segunda Guerra Mundial os conceitos de propaganda de manipulação

de massas obtiveram um avanço – negativo – maior ainda. Foram criados órgãos de

censura às informações e até correspondências particulares eram vasculhadas.

Atrelada a esses fatores, a propagação das ideias possuía cunho preconceituoso,

com o intuito de instigar os soldados contra o inimigo. Os “inimigos” eram retratados

como pessoas sádicas, estupradoras, desprovidas de emoções. Isso caracterizava a

um princípio de desumanização dos oponentes e criava a ideia de eliminação da

responsabilidade de aniquilar outro ser humano, devido ao ódio incitado,

estimulando atrocidades sem fim ou remorsos.

Lima (2012) discorre ainda que antes mesmo da deflagração da Guerra, no

lado alemão as peças de propaganda eram veiculadas geralmente com

orquestração para potencializar sua efetividade por meio das emoções. A

“superioridade” racial ariana era destacada, além da propagação da ideia de que os

problemas causados para a economia alemã e mundial advinham do povo judeu,

que era apontado como o responsável pela derrota na Primeira Guerra e descrito

como usurpador, racista e estuprador.

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Durante essa Guerra, a propaganda girava em torno da superioridade dos

soldados alemães e de sua ampla aceitação frente aos povos conquistados, assim

como a manipulação de ideias e conceitos, os quais mais uma vez, apresentavam

cunho preconceituoso e que ainda tentava colocar os aliados uns contra os outros,

além de afastá-los para, então, situar o mundo inteiro contra os soviéticos.

Mesmo ao final da Segunda Guerra Mundial houve a propagação da ideia de

que os alemães possuíam armas milagrosas, como os foguetes V1 e V2, esses que

seriam capazes de destruir o inimigo de uma só vez. Eram as chamadas “armas da

vingança”. A veiculação dessa propaganda tentava levantar o sentimento de moral

das tropas alemãs e, ao mesmo tempo, espalhar o medo dentro das linhas inimigas.

Observe-se, ainda, que esse foi um momento historicamente significativo e

eficiente ao discurso da propaganda. Segundo Martins (2010, p. 6), Joseph

Goebbels desenvolveu um produto de indiscutível sucesso temporal, Adolf Hitler.

Mesmo pautando-se em técnicas de convencimento não exatamente éticas,

Goebbels teve a perspicácia de estudar o comportamento e a psyché do povo

alemão, buscando conhecer suas ansiedades e necessidades psicológicas e, com

isso, concebeu o produto Führer, que foi capaz de alcançar convencimento

individual e coletivo dos germânicos.

Entende-se que Goebbels foi um inovador na comunicação de massa, pois

desenvolveu métodos de discurso e artes cênicas que propiciaram a Hitler ser

convincente, o que levou plateias ao delírio. Apesar de a História estar presente para

nos dizer as consequências desses atos, é inegável a eficiência dos métodos

utilizados por Goebbels. São atribuídos ainda a esses enunciados como: “Para

convencer o povo a entrar na guerra, basta fazê-lo acreditar que está sendo

atacado”; “Se uma mentira se repete suficientemente, acaba por converter-se em

verdade”; “Toda propaganda deve ser popular, adaptando seu nível ao menos

inteligente dos indivíduos”; “Quanto maior seja a massa a se convencer, menor há

de ser o esforço mental a realizar”. “A capacidade receptiva das massas é limitada e

sua compreensão escassa”; “As massas tem grande capacidade para esquecer” etc.

Mesmo após o suicídio do Hitler, houve a veiculação de uma peça de

comunicação, a qual narrava sua morte heroica à frente de uma de suas derradeiras

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tropas e em defesa de sua nação. Essa peça é atribuída a Goebbels, que logo

depois veio a cometer suicídio juntamente com sua esposa e filhos.

Quanto à Guerra Fria, a propaganda e as ideologias propagadas projetaram

ao mundo a superioridade das propostas sociais de cada um dos regimes –

socialista e capitalista – e ainda incutiram o medo no regime oposto. Em peças

cinematográficas estadunidenses era comum a retratação estereotipada de norte-

americanos e russos, sendo os primeiros retratados como heróis e mocinhos e os

segundos como pessoas fortes, frias e desumanas. Era ainda veiculada pelos norte-

americanos a ideia de que esses representavam o bem e a liberdade, enquanto os

soviéticos a opressão e o mal.

Por outro lado, o discurso propagandístico da União Soviética ressaltava a

superioridade de seu regime frente ao imperialismo capitalista norte-americano,

alocução que possuía um tom otimista e com temática de sucesso nacional e

produtividade. Grandes construções e esculturas reforçavam a ideia de autoridade

do Estado e sucesso do regime comunista.

1.4 A propaganda no Brasil – Alguns Relatos

Ao discorrer sobre a história da propaganda no Brasil, Ramos (1990, p. 1)

menciona que a carta de Pero Vaz de Caminha foi o primeiro relato promocional que

o Brasil teve. Segundo esse autor, após o descobrimento do País, a propaganda

brasileira foi quase que exclusivamente oral por mais de três séculos. Cita, ainda,

que no decorrer dos anos anúncios eram fixados em locais públicos, nos quais se

destacavam os “avisos da sacristia”, entre os oficiais e de comércio. Nesse contexto,

com o engatinhar de uma logotipia, surgiram os ferros de gado e de escravos, com o

emblema de propriedade grafado pelas letras iniciais de seus proprietários e

senhores.

Nessa época havia também os arautos e os ambulantes, sendo os primeiros

profissionais do governo e os segundos do mercado, que exerciam a função de

proclamar e vender, respectivamente. Nesse panorama, anunciavam-se de maneira

oral, com “quem quer comprar?”, “quem vai querer?”, o que, natural e

posteriormente, incorporou-se à publicidade, denotando essência popular à

mensagem de vendas.

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A propaganda no Brasil prosseguiu nessa dinâmica até a vinda da família real

portuguesa para o Brasil, fato que acarretou várias consequências para o País, entre

as quais, a abertura dos portos e a liberação da importação de mercadorias

transportadas por navios portugueses e/ou estrangeiros que estivessem em paz com

a Coroa. Tal liberação, promovida por D. João VI, permitiu ao Império, segundo nos

aponta Graf (2003, p. 17), moldar o comportamento social e cultural da população

que habitava o Brasil. Houve a implantação da Escola de Medicina da Bahia; a

criação do Banco do Brasil; da Imprensa Régia; entre várias outras instituições.

Ainda segundo Graf (2003, p. 17), em 1810 foi colocado no mercado dinheiro

de papel em substituição às moedas, tornando-se rapidamente popular. Foi sob

esse contexto que surgiu a propaganda impressa com o lançamento do primeiro

jornal – Gazeta do Rio de Janeiro –, o qual deu início à imprensa brasileira. Seu

primeiro anúncio foi sobre a venda de uma morada de casas de sobrado, com frente

para Santa Rita. O interessado poderia falar com Anna Joaquina da Silva, ou com o

autorizado a vendê-las, o capitão Francisco Pereira de Mesquita. O público-alvo do

jornal era qualquer português aqui residente.

Inicialmente, os anúncios eram compostos por pequenos textos sem

ilustração, com forma composicional como a de classificados. Esses visavam o

oferecimento de serviços, compra, venda ou aluguel de casas, carruagens ou

escravos e apresentavam uma linguagem que reproduzia a fala cotidiana em geral e

também a dos vendedores ambulantes (GRAF, 2003, p. 18). Ramos (1990, p. 1)

afirmou que naqueles anúncios ninguém argumentava, apenas enumerava e, ainda,

os substantivos se avultavam e os adjetivos rareavam.

Em 1821 surgiu um novo jornal carioca, o Diário do Rio de Janeiro, que

estendia o campo da propaganda ao se apresentar como um jornal de anúncios; em

1825 foi a vez de se lançar no Recife o Diário de Pernambuco que, em seu primeiro

número, estampava a seguinte introdução: “Faltando nesta cidade assás populosa

um Diário de Anúncios, por meio do qual se facilitassem as transações, e se

comunicassem ao público notícias (RAMOS, 1990. p. 2).

Nesse momento ainda surgiram cafés e livrarias nos quais proliferavam os

pasquins, com temáticas políticas, novelísticas e de humor. Ao fim da primeira

metade do século XIX, a rua do Ouvidor estava movimentada com mais de trezentos

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estabelecimentos que versavam em comércio variado de prestação de serviços:

ourives; sapateiros; relojoeiros; casas de modas; retratistas; floristas; entre outros.

Por volta de 1850, poetas foram convidados a compor textos aos anunciantes,

trazendo a rima à propaganda com uma constância que a tornou definitiva. Casimiro

de Abreu, Olavo Bilac, Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia são alguns

desses nomes. Segundo Ramos (1990), esses contribuíram para que o nível de

nossos anúncios fosse elevado, distinguindo-se de anúncios estrangeiros que

apenas traziam uma mensagem com escopo objetivo de vendas. Do mais, afeitos às

redondilhas, tornaram-se populares. Com postura inteligente e descontraída,

antecipavam o ângulo do consumidor. Em sua maioria, conforme aponta Ramos

(1990, p. 3), o público-alvo era “‘analfabeto’ ou ‘semialfabetizado’ e encontrava nas

rimas a indispensável ajuda mnemônica para melhor guardar temas e anúncios”.

Assim, Casemiro de Abreu fez graça; Lopes Trovão, paródia; Olavo Bilac, sátira. De

maneira alegre e divertida contribuíram para a germinação de uma característica

inerente da publicidade brasileira: a irreverência.

Já em 1860 foi a vez de surgir os primeiros painéis de rua, as bulas e os

panfletos para, a partir de 1875, os jornais O Mosquito e Mequetrefe começarem a

publicar peças ilustradas com desenhos, litogravuras e logotipos (100 ANOS DE...,

1980, p. 3). Segundo assinala Marcondes (2002, p. 16), as peças publicitárias

nasciam da junção de vários elementos: “da literatura e do jornalismo a publicidade

importou o texto; do desenho e da pintura, trouxe as ilustrações”.

Quando do surgimento da Revista da Semana, no Rio de Janeiro de 1900, “os

anúncios são contemplados com mais cores e novas técnicas de impressão” (GRAF,

2003, p. 34). Junto à mencionada revista, vieram outras mais, tais como “O Malho, A

Careta, Fon-Fon, Vida Paulista, Arara, Cri-Cri, sendo todas muito avançadas, bem

impressas e com programações de anúncios fixas” (RAMOS, 1990, p. 3). Do mais,

vinham com traços de influência francesa, no estilo art-nouveau, substituindo nosso

lusitano paternal, deixando a cultura – livros, peças, idealismos – e virando negócio.

Eram anunciadas blusas; apliques – cabeleiras; Chevrolet e pneus Dunlop;

filmes Kodak; máquinas de escrever Underwood; colônias e talcos Colgate-

Palmolive; entre outros e quem anunciava era Au Bom Marché, Maison de Coiffeur e

Parc Royal.

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Com o surgimento das revistas, a figura do agenciador de anúncios –

profissão anteriormente interna nos jornais – ganhou as ruas e o cliente. O agente,

sozinho ou associado a outro, transformara-se em agência – do anunciante ao

anúncio – e foi em 1913 ou 1914 a data da criação da primeira agência de

propaganda no Brasil, A Eclética. Nos anos que prosseguiram e com o surgimento

de mais agências, a dinâmica dos pioneiros foi próspera. Afinados a seu tempo,

pesquisaram leitores e tendências de consumo, fizeram levantamentos de veículos,

de cartazes ao ar livre, organizaram salões de automóveis, pintaram painéis

gigantescos, administraram prêmios e concursos nacionais e, dessa maneira, foram

de corretores de anúncios a publicitários.

Na década de 1920 os anúncios de remédios predominavam. Apesar disso, o

saldo era positivo e grandes empresas se firmaram como clientes, assim como

novas marcas foram acrescentadas. Diversificou-se a presença publicitária com

anúncios de lojas, cremes de beleza, bancos e caixas econômicas, produtos

industriais, automóveis e pneus, inscrevendo, assim, o Brasil no plano internacional.

Foi também essa década a fase de anúncios que ainda habitam a mente dos

consumidores, tais como do Biotônico Fontoura, com Jeca Tatuzinho, personagem

criado por Monteiro Lobato para os Laboratórios Fontoura e, segundo Ramos (1990,

p. 5), verdadeira obra-prima da propaganda brasileira.

Paralelamente a tudo isso que acontecia de maneira profissional, “amadores

brincavam com experiências” (RAMOS, 1990, p. 5) – ou seja, experimentavam o

rádio, uma novidade que tanto do lado técnico, quanto do ângulo da programação,

vencia terreno, mesmo que lentamente. Data de 1920 a primeira licença para a

instalação de uma emissora de rádio no Brasil, sendo que a estação inaugural

apenas chegou em 1927, a Rádio Educadora, do Rio de Janeiro, que posteriormente

se transformara na Rádio Tamoio. Quando o rádio se alterou em veículo e negócio,

as propagandas vieram a ser veiculadas em mais esse meio. Dessa maneira,

proliferavam-se spots e jingles nos grandes aparelhos receptores, que então eram

considerados verdadeiras revistas ao ar livre.

Assim, até a década de 1950, o rádio, o jornal e a revista eram os meios de

comunicação mais utilizados no Brasil e, consequentemente, os veículos nos quais

circulava o texto publicitário. Segundo Garboggini (2011), com o advento da

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televisão, em 1950, a publicidade veio a integrar-se a essa ainda que a princípio de

maneira bem amadora e tímida, pois havia a dificuldade de se convencer as

empresas a investirem em anúncios, em um veículo cuja audiência era mínima. De

início, apenas duzentos televisores foram importados dos Estados Unidos e

atrelados a isso, de modo que havia muitos problemas técnicos e apenas três horas

de transmissão diárias, no período noturno.

Em relação à divulgação dos produtos, os textos promocionais traziam

marcas do discurso radiofônico, imitando os programas de rádio com apresentações

ao vivo e com demonstrações que poderiam demorar uma “eternidade”. Para tanto,

eram contratadas moças denominadas como “garotas-propaganda”. Essas

discorriam, sorridentes, sobre os benefícios dos produtos, elevando-os, geralmente,

à altura do rosto. O discurso era simples, com estratégias que se limitavam a

explicar a finalidade do produto, como agia ou qual benefício poderia trazer ao

consumidor. O lado criativo e a originalidade ainda não faziam parte da pauta.

Apenas com a competição iniciada, a princípio, entre os cremes dentais Eucalol,

Gessy, Kolynos, Philips e Odol, houve a promoção e afastamento do tom

descompromissado e amador do discurso publicitário na fase inicial da televisão.

Nesse momento, o uso da forma verbal no imperativo passou a dominar e era

possível ouvir enunciados tais como: “Livre-se do ponto negativo da sua

personalidade! Remova o amarelo dos seus dentes com o creme dental Eucalol”;

“Dê proteção total aos seus dentes, com o gostoso e refrescante Gessy – o creme

dental de ação expansiva”. Foi nessa época que o sabonete Lever – atualmente Lux

– se fez presente entre os primeiros a anunciar na televisão brasileira, juntamente

com os sabonetes Palmolive e Cashmere Bouquet.

A partir dos anos 1960, o discurso publicitário veiculado por meio da televisão

deixou de ser como um “anúncio de rádio com imagens”, pois se iniciou de maneira

mais eficaz o aproveitamento dos recursos sonoros e visuais, até então, não

explorados tão adequadamente – foi a época, por exemplo, em que os

consumidores puderam conferir os glamorosos banhos de espuma das estrelas de

Lux. Entende-se que isso causava grande impacto na consumidora, pois o efeito

sinestésico da visualidade provoca a sensação de aroma refrescante, convidando a

telespectadora a protagonizar algo parecido no momento de seu banho. A banheira

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convidativa e cheia de espuma evocava sensações. Além do mais, a sensualidade

que denotava tal ato era reforçada pelas lindas protagonistas, estrelas de cinema, o

que incentivava a consumidora a desejar se equivaler a essas.

Nessa década houve também outra mudança no discurso publicitário

televisivo, pois esse deixou de ter como foco o produto, vindo a mirar-se no

consumidor. Era possível, por exemplo, ver comerciais do creme dental Kolynos com

jovens a se exibir, demonstrando toda a alegria e dinamismo como visualidade,

técnica essa articulando-se com a verbal, especialmente nas palavras do seguinte

slogan: “Gente dinâmica prefere Kolynos”, conforme se vê na seguinte Figura:

Figura 2 – O frescor de Kolynos Fonte: <http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/ah-o-frescor-de-kolynos>. Acesso em: 20 out. 2014.

E assim foi passando essa década, em que o discurso publicitário caminhou

de mãos dadas com a televisão. Fatos, acontecimentos, novidades e um atrelando-

se ao outro, aperfeiçoando-se mutuamente.

Na década de 1970 o País vivia uma boa época econômica. Com a inflação

aparentemente controlada, foi o momento no qual o Brasil consolidou sua indústria e

havia grande otimismo em relação ao futuro. Nesse contexto, as empresas viram a

necessidade de garantir e fixar a presença e boa imagem de suas marcas e

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produtos. Com aporte de capital externo houve uma explosão de consumo e foi o

momento em que muitas empresas aproveitaram para lançar novos produtos no

mercado, o que em determinados setores acarretou um ambiente extremamente

competitivo. Assim, houve um investimento massivo em publicidade, com vendas e

lucros sempre com balanço positivo. Foi também nesse período que a televisão, em

franco desenvolvimento, transformou-se efetivamente em grande veículo de

comunicação de massa, no qual a linguagem publicitária foi assumindo maturidade.

O que advêm à televisão, essa como veículo de divulgação do discurso

publicitário, são as novas mídias – Internet, smartphones, tablets, que fazem parte

de nosso contexto atual e os quais não serão explorados no presente momento.

1.5 Lux – Uma Luz na História

A história da empresa produtora do sabonete Lux começa no século XIX, na

Inglaterra, com William Hesketh Lever. Esse teve uma ideia original para a época:

dar nome e embalagens individuais aos sabões que fabricava, em uma época na

qual o sabão era um produto genérico, vendido por peso. Com nome e embalagem

atraentes, nasceu o sabão chamado Sunlight Flakes. A ideia foi bem aceita e o

produto também, uma vez que, segundo a empresa, Sunlight Flakes era mais suave

do que os outros sabões produzidos à época.

Figura 3 – Sunlight Flakes Fonte: Centro de História Unilever

Um ano depois, o produto teve seu nome alterado para Lux que, embora

signifique luz em latim, não foi escolhido por essa razão. Sua origem vem da palavra

em inglês luxury, que significa luxo, pois a intenção era conotar justamente esse

significado. Com propagandas consistentes, a marca ganhou popularidade e, em

1924, depois dos resultados de um concurso conduzido pela Lever Brothers,

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descobriu-se que as mulheres estavam usando Lux em seus cuidados pessoais.

Esse foi o mote que conduziu a empresa a produzir um sabonete que apresentasse

um aroma mais intenso e uma textura mais fina. O slogan desse produto era: “Feito

como os franceses fazem seus sabonetes mais finos”. Vendido por dez centavos de

dólar a barra, o produto propiciava às mulheres de menor poder aquisitivo a

oportunidade de desfrutarem de um pequeno luxo diário.

Figura 4 – Slogan de Lux Fonte: Centro de História Unilever

É interessante notar que com o uso desse slogan, a empresa ecoava a ideia

de que os franceses são bons perfumistas, além de que, ao propagar que o produto

era feito como os franceses produziam seus sabonetes mais caros, reforçava-se a

ideia de que o acesso a um produto sofisticado estava ao alcance mesmo da mais

simples mulher. Afinal, o produto custava apenas dez centavos, diferente também do

contexto social da época, que restringia à elite o uso de produtos de higiene mais

específicos e finos.

Durante a década de 1930, Lux desembarcou no mercado indiano, argentino,

tailandês e brasileiro, iniciando uma expansão que, com o tempo, introduziria sua

presença em cerca de cem países. Foi nessa época que glamourosas estrelas

apontaram Lux como sua opção de sabonete, chamando-o de “o segredo da

beleza”, o que propiciou à marca a reputação de sabonete “número um” das estrelas

de cinema.

Sendo o cinema um meio de entretenimento popular e em ascensão, a

estratégia produziu ganhos reais à empresa. A aprovação do produto pelas

celebridades fez com que Lux ganhasse mais popularidade ainda. Entrevistas com

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as celebridades cinematográficas deram vida ao conceito “nove entre dez estrelas

de cinema usam Lux”.

Desse período, mais especificamente durante a Segunda Guerra Mundial,

vale também destacar a eficiente estratégia de marketing da empresa, ao veicular

anúncios do sabonete em publicações das forças armadas, promovendo Lux como

“a maneira certa de atrair as mulheres”. Um anúncio representava dois homens se

preparando para o dia com Lux. “O que deixa as garotas tão loucas por nós, Joe?” –

um dizia ao outro – “Deve ser porque usamos o sabonete Lux” – respondia seu

amigo. A campanha, segundo a empresa, tornou-se incrivelmente bem-sucedida,

resultando em mais sabonetes da marca Lux comprados por homens do que

qualquer outra marca.

Retomando à chegada do produto ao Brasil, em 1932, alguns fatos se fizeram

curiosos: primeiramente, as musas que atribuíam glamour à ação de Lux tiveram

uma missão ligeiramente diferente em nosso país: consagrar o nome Lever, adotado

pela empresa até os anos 1960, pois no Brasil a marca Lux já era de propriedade

das Indústrias Matarazzo. Outro fato a ser observado é que, apesar de o produto ser

o mesmo e a propaganda também, ao que tudo indicava, os resultados seriam

animadores, repetindo o sucesso atingido em outros mercados, contudo, o

desempenho inicial não correspondeu à expectativa. Ainda que a mulher brasileira

igualmente vivesse o clima dos anos de ouro do cinema e identifica-se com o padrão

de beleza internacional apresentado nas telas cinematográficas, o segmento de

higiene e beleza apenas engatinhava no Brasil e o uso do sabão comum, de pedra,

ainda se fazia mais presente no momento do banho, mesmo porque se tratava de

um artigo bem mais barato. Para vencer essa barreira, a Irmãos Lever, filial brasileira

da empresa, colocou em ação as chamadas “Senhorinhas Lever” que, na década de

1940, percorreram várias cidades para divulgar o sabonete das estrelas e convencer

as consumidoras a experimentar suas propriedades cosméticas.

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Figura 5 – Senhorinhas Lever Fonte: Centro de História Unilever

Além da propaganda “corpo a corpo”, o rádio – principal veículo de

comunicação até o final dos anos 1950 – igualmente contribuiu para o crescimento

da marca no País e a disseminação de novos hábitos de consumo entre os

brasileiros: jingles, spots, programas humorísticos e musicais, além das

radionovelas, compuseram um arsenal poderoso ao serviço da Irmãos Lever.

Sob esse contexto, por meio do publicitário gaúcho Rodolfo Lima Martensen –

diretor da Lintas, empresa de propaganda da Irmãos Lever – que foi criada a

expressão “cê-cê”, ou “cheiro de corpo”, para a propaganda do sabonete Lifebuoy. É

atribuída a Rodolfo a criação do programa de rádio denominado Levertimentos que,

entre a programação de radionovelas, divulgava o sabonete das estrelas, uma vez

que a empresa não poderia deixar de associar seu nome a programas de tamanha

audiência entre as donas de casa. O sucesso das radionovelas se tornou tão

importante para a publicidade do sabonete, que a empresa passou a comprar textos

originais para distribuir às emissoras e na década de 1950, com o surgimento das

fitas magnéticas, a própria agência de propaganda da Unilever passou a gravá-las

para as distribuir, prontas, às rádios. Era certo que tais gravações vinham

“recheadas” de anúncios do sabonete.

Outra ação da empresa Irmãos Lever que trouxe contribuição à publicidade

brasileira foi a de introduzir técnicas científicas de pesquisa de mercado para medir

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o sucesso dos folhetins e a eficiência das campanhas nos programas. Do mais, a

partir de 1936 começou-se a medir a audiência das emissoras, seis anos antes do

surgimento do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope).

Nas décadas de 1940 e 1950, Lux já tinha estabelecido sua reputação tal

como o sabonete das estrelas e, dessa forma, a marca tratou de assegurar seu lugar

na vida das mulheres de todos os lugares. Várias ações foram tomadas para garantir

essa expansão de mercado, tais como a chegada do produto à Malásia, cujo

objetivo era atrair uma ampla e variada base de clientes, além da produção da

embalagem e do próprio sabonete em tons mais vibrantes, com visual idealizado

para refletir as tendências da moda. Em 1947 foi lançada a versão tamanho família e

em 1958 as opções incluíam uma gama de cores variadas no mercado internacional,

tais como rosa, branca, azul, verde e amarela. Os anúncios desse período

procuravam atingir a mulher comum e, em função disso, trabalhavam imagens de

estrelas, como Deanna Durbin, por exemplo, representações produzidas de modo a

se fazer parecer com essa dita mulher real. Outra ação da empresa foi lançar a

“Garota Lux” – retratada por atrizes consagradas da época – e relacionar o produto a

equilíbrio, personalidade e uma pitada de prazer (fonte: Centro Histórico Unilever).

Prosseguindo, com o advento da televisão, o programa assumiu o nome de

Lux Vídeo Teatro.

Nos anos 1960 houve uma mudança no estilo de publicidade do sabonete,

direcionando o ato de tomar banho como um elemento de romance. Isso foi possível

com o advento e popularização da televisão, mídia que havia iniciado suas

transmissões no Brasil de 1950, como já frisado. Com a influência da televisão e dos

filmes na sociedade, essa década introduziu um aspecto com conotação mais

sensual ao banho, pois havia a possibilidade de se ver, de se enxergar as atrizes em

ação e, assim, os consumidores podiam conferir a exuberância dessas em

sofisticados banhos de espuma. Isso acarretava uma explosão de sensações visuais

e auditivas, sem desconsiderar a olfativa, essa imaginada sinestesicamente. Tais

sensações eram construídas a partir do ruído da água do banho, da espuma

abundante do sabonete, das atrizes ensaboando-se, brincando com a espuma,

enfim, a impressão de prazer e bem-estar estampadas em suas faces e ainda a

reprodução de gestos, por exemplo, como que a aspirar o perfume que o sabonete

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deixava em seus corpos. Ao final desses banhos as estrelas irradiavam uma

sensação de frescor e exuberância. O slogan à época reforçava esses quesitos

sinestésicos evocados com o seguinte dizer: “aquela sensação de estrela de

cinema”, o que buscava incentivar as mulheres a fazerem parte desse universo das

“Garotas Lux”, protagonizado por atrizes como Sandra Dee, Samantha Eggar e

Diana Rigg.

Entremeio a isso, a marca tratava de lançar seus produtos em mercados mais

conversadores no Oriente Médio, a fim de ampliar seu nicho de consumidores,

enquanto aqui no Brasil, a marca finalmente pode assumir seu nome de outros

mercados e, dessa maneira, em 1963 o sabonete Lever foi relançado como Lux,

com duas opções de tamanho: um menor – facial – e outro maior – para o banho e

que seguia a proposta de desde sempre da empresa: vender um produto, segundo

essa, luxuoso e com fins de cuidados para a pele a um preço acessível.

Nos anos 1970, o foco era a “beleza natural” e não somente “aquela beleza

de estrela” da Garota Golden Lux. Isso demonstra que a empresa sempre procurou

estar em compasso com as tendências sociais assim que essas ecoavam no

discurso coletivo. Nessa década a marca procurou mostrar às mulheres que a

beleza era uma meta alcançável. Estrelas como Brigitte Bardot e Natalie Wood, além

de serem retratadas com aura de princesas, exemplificaram, segundo intenção da

empresa, o sentimento “real” de que Lux “oferecia a cada mulher, em qualquer lugar

do mundo, a oportunidade de aproveitar a sensação e fragrância de um sabonete

Lux” (fonte: Centro de História Unilever). A intencionalidade da peça publicitária na

referida década era a de promover junto à mulher comum a ideia de se sentir como

uma estrela, pois o foco da imagem de Lux mudou de um produto feito para estrelas,

para uma variedade disponível a qualquer pessoa. “A rica espuma e a deliciosa

fragrância de Lux não eram somente privilégio das estrelas, mas um tratamento de

beleza acessível, que todas podiam aproveitar” (fonte: Centro de História Unilever).

No Brasil há outro marco significante do produto: em 1973 a marca passou

por um processo de segmentação, dividindo-se em duas categorias: um artigo mais

básico, o Lux Tradicional, voltado para o uso familiar, e Lux de Luxo, mais

sofisticado e com a proposta, segundo a empresa, de maior poder de hidratação à

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pele. Lux Luxo deu continuidade à saga das campanhas com as atrizes e tornou-se

o sabonete premium da marca.

1.6 Novo Feminino

Chegando aos anos 1980, a empresa desenvolveu uma campanha que

promovesse seus produtos, como a própria atesta, como um elemento essencial aos

cuidados para se ter uma pele bonita e passou a ser considerado o primeiro passo

no processo feminino de ritual de beleza. Foi a década de Sophia Loren, Raquel

Welch e Cheryl protagonizarem os comerciais da marca. À parte disso foi o

momento em que Lux introduziu celebridades locais de cada país para ajudar a

incentivar a plataforma de que “a beleza é acessível a todas as mulheres, em

qualquer lugar” (fonte: Centro de História Unilever).

Nada melhor ao produto e à sua imagem do que trazê-lo para mais perto da

consumidora e seu contexto social e ideológico. A pauta, naquele momento, era a

ascensão profissional e a inteligência da mulher, bem como a nova maneira de se

relacionar com a família e com o próprio corpo. A empresa entendeu que era a

oportunidade de rever os conceitos de beleza e sedução para manter o diálogo com

as consumidoras. No Brasil, a virada veio em 1985, quando Lux recorreu à beleza

de atrizes nacionais. Bia Seidl, Vera Fischer, Sônia Braga, Maitê Proença, Débora

Bloch e Malu Mader são alguns dos nomes que protagonizaram peças publicitárias

para a marca – essas apresentadas e estreladas no fim dos anos 1980 e início da

década seguinte.

Os glamorosos banhos de espuma cederam lugar às imagens mais próximas

da realidade feminina brasileira. Nas peças, as atrizes eram retratadas em seu

agitado dia a dia e em situações comuns ao público feminino. Isso propiciava à

consumidora a associação do uso do sabonete por estrelas, sim, porém eram

também mulheres como essa que assistia, ativas profissionalmente e

independentes. “A força desse gênero de campanha publicitária foi inquestionável, e

as atrizes brasileiras se sobrepuseram com facilidade à distante constelação das

deusas internacionais” (fonte: Centro de História Unilever).

A partir desse momento, as brasileiras nunca mais saíram de cena. Patrícia

Pillar, Cláudia Abreu, Ana Paula Arósio, Cristiana Oliveira e Gisele Bündchen foram

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algumas, entre várias estrelas brasileiras de Lux, as quais simbolizaram o ideal

feminino da época, às portas do novo milênio, valorizando a adição de atributos

como atitude e personalidade e não apenas beleza, como era retratado

anteriormente.

Na década de 1990 a empresa introduziu no mercado brasileiro a linha Lux

Skincare, com sabonetes em barra e versão líquida e em 1996 foi a vez da linha Lux

Shower Gel, com peças protagonizadas pelas atrizes Cristiana Oliveira, Cláudia

Abreu e Andréa Beltrão.

1.7 Nova Celebridade

No início dos anos 2000 as campanhas de Lux adotaram uma nova

abordagem de comunicação da marca. O novo slogan: “Descubra a estrela que

existe em você” dá pistas de uma transformação que se aprofundou nos anos

seguintes. Segundo o texto produzido pelo Centro de História Unilever,

“gradualmente, as novas campanhas convidam a consumidora a assumir a condição

de estrela” e em 2006, essa nova estratégia ficou em evidência com a seguinte

mensagem: “Somos todas divas” e a propagação de peças que, como no filme Diva

sedutora, pela primeira vez não apresentavam atrizes famosas.

A ideia era sintonizar a comunicação da marca com as aspirações da mulher moderna e seu estilo de vida, sem que isso representasse menos glamour. Ao contrário, o objetivo era justamente mostrar como essa nova mulher, mais segura e dona de si, que sabia lidar com as situações inesperadas da vida real sem perder o bom humor, a elegância e a sensualidade, características que deixaram de ser exclusivas das estrelas (fonte: <http://www.unilever.com.br/Images/ Lux_tcm95-107328.pdf>. Acesso em: 5 mar. 2015).

Em 2007 houve o lançamento da edição limitada do Lux Fashion Pink, o

primeiro sabonete pink do mercado brasileiro, o qual procurava enfatizar a

feminilidade por meio de mulheres consideradas ícones, tendo a cor citada como

destaque.

Entre 2009 e 2010 o foco foi aguçar os sentidos e despertar as sensações

das consumidoras, com o intuito – mais uma vez – de fazer do banho um ritual de

beleza. Sabonetes com extrato de vinho ou com combinação de frutas com chantilly

hidratante eram o mote da vez.

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2011 foi o ano do lançamento de Lux Líquido em campanha que buscou

quebrar barreiras de consumo e apontar os benefícios do sabonete líquido, segundo

o Centro Histórico da empresa.

A linha Premium, Lux Fragrâncias Finas, foi o destaque para 2012, para

mulheres que, segundo a empresa, entendem de perfumaria e são conhecedoras

das tendências mundiais de fragrâncias finas.

Apesar de não ser objeto de estudo desta dissertação, aponta-se que a linha

Lux continua com sua proposta para o desenvolvimento do produto. Em 2014 foi

lançada a linha Lux com Óleos Hidraflorais, a qual promete hidratação, perfume

suave e uma pele irresistível ao toque, o que, segundo a marca, é um aliado para

acender a faísca de uma relação, contribuindo para um clima de sedução. Os

lançamentos em barras e líquidos possuem fragrâncias finas com variantes florais,

com várias opções de odor, para diferentes perfis de mulher. O casal escolhido para

estrelar essa campanha foi Rodrigo Hilbert e Fernanda Lima, o que dialoga com o

slogan: “Sua pele macia e perfumada para acender a faísca”, pois sugere à

consumidora que o perfume e a hidratação que o sabonete oferece podem contribuir

para a revitalização de um relacionamento de longo prazo, como é o do casal de

atores, à época da redação deste texto, juntos há doze anos.

Depois do breve contexto, a seguir, no capítulo II, destacar-se-á a

fundamentação teórica para análise das peças publicitárias do corpus escolhido.

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CAPÍTULO 2 - CONSTRUINDO UM SOLO EPISTEMOLÓGICO PARA A ANÁLISE

Para analisar o discurso publicitário e os recursos pelos quais esse se utiliza

para cumprir seu propósito comunicativo, é necessário, primeiramente, abordar o

conceito de gênero do discurso sob a ótica da teoria de Bakhtin. Segundo esse

filósofo, todos os campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem.

Essa apresenta uso multiforme, por meio de enunciados orais ou escritos, concretos

e únicos, que ocorrem apenas uma única vez, haja vista que sempre há um novo

enunciado em outra situação espaço-temporal e com outros valores sociais sendo

proferidos dentro da diversidade de atividades humanas e atendendo às suas

finalidades específicas. Dessa maneira, em primeiro lugar, refletir-se-á sobre o

gênero discursivo.

2.1 Gênero Discursivo: Por Um Olhar Bakhtiniano

Cada enunciado é particular, individual e apresenta tipos relativamente

estáveis de enunciação para cada campo de atuação. A esses enunciados dá-se o

nome de gêneros do discurso. Como afirma Machado (2006, p. 155), por surgirem

“na esfera prosaica da linguagem, os gêneros discursivos incluem toda sorte de

diálogos cotidianos bem como enunciações da vida pública, institucional, artística,

científica e filosófica”. Os gêneros do discurso são adquiridos nos processos

interativos e sua diversidade pode ser considerada infinita, pois esses crescem e se

diferenciam à medida que se desenvolvem e se complexificam as esferas humanas

e por haver heterogeneidade das práticas da linguagem é dificultoso, inclusive,

traçar limites para os gêneros, uma vez que há a possibilidade de hibridização entre

os quais.

Ademais, devido à própria dinâmica social, os gêneros são abertos à

mudança e remodelação, pois sua forma pode ser entendida como estável e

instável. Há lugar para o novo e reiteração do antecedente. Assim, o novo apresenta

características do anterior e isso demanda a um equilíbrio entre o estático e o

dinâmico. Campos-Toscano (2009, p. 33) cita que:

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Como o tempo é histórico e o espaço é social, os gêneros representam e refratam a realidade de acordo com as manifestações dos sujeitos da comunicação. Novamente, deparamo-nos com as es/instabilidades, pois a forma pode ser entendida como representação estética de uma determinada cultura contextualizada no tempo-espaço e como produto do processo dialógico entre os sujeitos da enunciação.

Isso sustenta e justifica as mudanças ocorridas ao longo do tempo no

discurso publicitário. Entende-se que a propaganda nasceu a partir da necessidade

de se propagar ideias, entretanto, com as mudanças ocorridas na sociedade, com o

advento da Revolução Industrial, esse gênero ganhou nova estabilidade, ajustando-

se às necessidades da esfera social uma vez que, com a produção em massa de

produtos, fazia-se necessário buscar o estímulo do mercado. Como a produção

industrial já tinha atingido um nível de desenvolvimento no qual um número maior de

empresas produzia mercadorias de qualidade a preços relativamente homogêneos,

houve uma superprodução de produtos e uma subdemanda de aquisição desses.

Dessa maneira, houve mudança também no estilo empregado no discurso

publicitário, mudando da proclamação para a persuasão, como já dito, uma vez que

era necessário escoar essa produção excedente.

Assim, mais uma vez vemos a questão da estabilidade/instabilidade do

gênero e mudança na forma, além do deslocamento dos recursos linguísticos,

embasados no estilo a favor e em uso das relações e necessidades sociais.

Agregado a isso, o aumento da alfabetização, a circulação de jornais e, ainda, o

surgimento das primeiras agências publicitárias, tudo isso contribuiu para que o

discurso publicitário se firmasse na sociedade e produzisse não apenas enunciados

que demonstrassem a existência de determinado produto o qual o enunciatário

poderia vir a precisar de fato, mas sim, criou-se a necessidade de se consumir bens

não apenas para a satisfação das necessidades materiais – como as de comer,

beber, vestir –, surgiu igualmente a demanda pelo atendimento das necessidades

sociais. Assim, o discurso publicitário não dizia mais e apenas que em determinada

rua vendia-se o produto tal. Foi necessário acrescentar o tom da sedução e da ideia

da necessidade de possuir bens consumíveis que atendessem às questões sociais

inerentes ao ser humano.

Segundo Bakhtin (2011), deve-se considerar também a “visão excedente” ou

“exotópica”, ou seja, um sujeito é contemplado e completado pelo olhar do outro.

Essa concepção nos dá a ideia de que sabemos e vemos algo que o outro não sabe,

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devido a sua posição espacial. Esse conhecimento a respeito do outro nos é dado

devido ao lugar – único – que ocupamos no mundo e, ainda, ao conjunto de

circunstâncias e instantes precisos e únicos.

Assim, compreender a diversidade dos gêneros é também:

Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos nossos olhos. Assumindo a devida posição, é possível reduzir ao mínimo essa diferença de horizontes, mas para eliminá-la inteiramente urge fundir-se em um todo único e tornar-se uma só pessoa.

Esse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha posse – excedente sempre presente em face de qualquer outro indivíduo – é condicionado pela singularidade e pela insubstitutibilidade do meu lugar no mundo: porque nesse momento e nesse lugar, em que sou o único a estar situado em dado conjunto de circunstâncias, todos os outros estão fora de mim (BAKHTIN, 2011, p. 21, grifo nosso).

Dessa maneira, o enunciatário, ao compreender determinado enunciado,

poderá concordar com esse, discordar, complementar, confrontar e, ainda, sair da

condição de ouvinte e entrar na situação de locutor. Poderá executar as atividades

ou ordens que lhe foram dadas, desejar certo objeto que lhe é apresentado, enfim,

orientar sua vida. Desse ínterim podemos apreender que na comunicação verbal, “o

enunciado é uma unidade real que se inter-relaciona com outros enunciados, em

outros momentos, em outros lugares” (BAKHTIN, 2011, p. 32). Ainda podemos nos

lembrar de que “apenas através da enunciação que a língua toma contato com a

comunicação, imbui-se do seu poder vital e torna-se uma realidade” (BAKHTIN,

2006, p. 160).

Pautando-se ainda em Campos-Toscano (2009, p. 34), observa-se que pelo

processo constante da comunicação, “os gêneros podem ser caracterizados como

heterogêneos construídos pelos mais diferentes integrantes das atividades sociais

com as mais diversas finalidades”. Devido à extrema heterogeneidade dos gêneros,

ainda nos é apresentada a ideia de que os gêneros discursivos apresentam dois

grupos distintos: os primários – simples – e os secundários – complexos. Enquanto

os primários são relacionados à comunicação cotidiana, imediata,

predominantemente oral e espontânea, os secundários surgem nas circunstâncias

culturais de comunicação mais elaborada, com predominância da escrita. Essa

distinção, segundo Machado (2006, p. 155), dimensiona “as esferas de uso da

linguagem em processo dialógico-interativo”. Mesmo sendo os gêneros secundários

formações complexas, elaboradas a partir da comunicação cultural e pautadas em

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sistemas específicos como a política, a Ciência e a arte, não significa que sejam

refratários aos gêneros primários. Nada impede que no processo de formação de um

dado gênero secundário, seja incorporado e reelaborado um gênero primário sendo

fundido a esse e adquirindo matizes desse novo contexto. Quanto ao discurso

publicitário, esse se enquadra nos gêneros secundários, pois demanda elaboração

mais detalhada.

Deve-se, ainda, acrescentar que cada gênero e cada autor possuem um estilo

que pode ser reconhecido nas produções discursivas. Fiorin (2010, p. 46) afirma que

estilo, desde a perspectiva bakhtiniana, é o conjunto de procedimentos de

acabamento de um enunciado. São, portanto, meios utilizados para elaborá-los, que

resultam a partir de uma seleção de recursos linguísticos à disposição do

enunciador.

O sentido de individualidade é construído pela seleção de traços fônicos,

morfológicos, sintáticos, semânticos, lexicais, enunciativos, discursivos entre outros.

“O estilo se dá por meio de um conjunto de particularidades discursivas e textuais

que cria uma imagem do autor, que é o que é denominamos efeito da

individualidade” (FIORIN, 2010. p. 46). Isso não resulta em subjetividade, mas sim,

devemos considerar o estilo como resultado de uma visão de mundo e ainda como

aquele que estrutura e unifica os enunciados produzidos pelo enunciador. Temos

ainda de entender que o estilo define-se dialogicamente, ou seja, depende dos

parceiros da comunicação verbal, dos discursos dos outros e ainda constitui-se em

oposição a outros estilos.

Assim, como mostra Bakhtin (2011, p. 47), “se o estilo é constitutivamente

dialógico, ele não é o homem, mas sim duas consciências. Como qualquer

enunciado, ele revela o direito e o avesso”. Há ainda de se considerar que o estilo é

dado segundo a visão que o enunciador tem de seu interlocutor e isso nos indica

que o parceiro da comunicação pode determinar o estilo a ser utilizado. Dessa

maneira, a propaganda veiculada para diferentes enunciatários, diversos em seu

gênero, idade, classe social, entre outros aspectos, é constituída segundo esses e

para esses.

Quanto aos gêneros do discurso, podemos entender que o estilo é um de

seus componentes. Há assim, segundo nos coloca Fiorin (2010, p. 48), um estilo do

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gênero e, dentro do gênero, podem aparecer os estilos que criam os efeitos de

sentido de individualidade. E ainda, segundo o mesmo autor, assim como existe

uma constitutividade dialógica do estilo, que não se mostra em um estilo, mas é

percebida pelas vozes em diálogo em uma dada formação social, há também um

dialogismo estilístico mostrado. Pode-se parodiar um estilo ou estilizá-lo.

Como o estilo nos foi colocado como algo que se define dialogicamente,

entende-se ser importante explicitar o conceito que para Bakhtin e o Círculo dão ao

dialogismo, pois esse é uma das formas composicionais do discurso, assim, o

próprio ato de compreensão do interlocutor se torna dialógico:

Ver e compreender o autor de uma obra significa ver e compreender outra consciência: na consciência do outro e seu mundo, isto é, outro sujeito (“Du”). Na explicação existe apenas uma consciência, um sujeito; na compreensão duas consciências, dois sujeitos [...]. Em certa medida, a compreensão é sempre dialógica (BAKHTIN, 2011, p. 316).

O enunciado transcrito acima norteia o conceito de dialogismo, princípio

unificador da obra de Bakhtin. Segundo esse filósofo, a língua, em sua totalidade

concreta, viva, em seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações

não se limitam ao diálogo face a face, mas também à dialogização interna da

palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro. Assim, todo discurso é

atravessado pelo discurso alheio e, ainda, refere-se às relações de sentido que são

estabelecidas entre dois enunciados.

Quanto aos enunciados, esses constituem-se unidades reais de

comunicação, têm enunciador e enunciatário, possuem cunho histórico, são

irrepetíveis, dialógicos, possuem sentido e permitem resposta. Dessa maneira é que

enunciados e unidades da língua se diferenciam. Ainda, todo enunciado é

heterogêneo, pois revela duas posições: a sua e a do outro. Essas posições podem

ser contratuais ou polêmicas, divergentes ou convergentes, de acordo ou desacordo,

de aceitação ou de recusa entre outros. Como a sociedade é dividida em grupos

sociais, com interesses divergentes, os enunciados serão sempre o lugar da

contradição, o espaço de luta entre vozes sociais.

Outro ponto a observamos é que para Bakhtin, as vozes que circulam nas

relações dialógicas não são apenas vozes sociais, mas também individuais. Isso

propicia a possibilidade de se examinar não apenas o ponto de vista das grandes

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polêmicas filosóficas, políticas, econômicas, entre outras, mas também fenômenos

da alocução do dia a dia, ordinária, simples, seja pela modelagem do enunciado,

seja pela reprodução do dizer do outro e a maneira como foi proferido. Entretanto,

há de se levar em consideração também que as opiniões individuais são sociais e

ainda, todo enunciado se dirige não apenas a um destinatário imediato, mas também

a um superdestinatário. Esse superdestinatário é apreendido como quem possui

uma compreensão responsiva e tida como a correta socialmente. Sua identidade

pode variar dentro do espaço, do tempo e do grupo social. Ora pode ser a Igreja, ora

a Ciência, ora o partido político, entre outros. Assim, podemos inferir que na medida

em que toda réplica, mesmo de uma conversação cotidiana, dirige-se a um

superdestinatário, os enunciados são sociais (FIORIN, 2010, p. 27). Observe-se,

ainda, que há três conceitos de dialogismo na obra de Bakhtin, a saber:

O dialogismo constitutivo que diz respeito ao modo de funcionamento real da linguagem e cujo princípio é que todo enunciado constitui-se a partir de outro. Em dada formação social há enunciados que operam no momento presente, há enunciados legados pelo passado, cuja atualidade é depositária e há o futuro, cujos enunciados discorrem sobre objetivos e utopias dessa contemporaneidade. Assim temos a ideia de uma cadeia de comunicação, com enunciados constituindo-se em relação aos enunciados que os precedem e os que os sucedem e ainda que agem baixo forças centrípetas ou forças centrífugas;

O dialogismo como forma composicional trata das maneiras externas e visíveis de se mostrar outras vozes no discurso. Elas podem se apresentar de duas maneiras – a primeira, na qual o discurso do outro nos é perceptível, ou seja, quando lemos conseguimos identificar claramente o discurso do enunciador e o discurso do outro. Ele pode ser dar por meio do discurso direto, do discurso indireto, do uso de aspas e da negação – e a segunda, a qual não há separação clara ou explícita da voz do enunciador e do discurso do outro – nesse conceito enquadram-se a paródia, a estilização, a polêmica clara ou velada e o discurso indireto livre;

O dialogismo como princípio da constituição do indivíduo: O sujeito age em relação aos outros e constitui-se em relação ao outro. Apreende vozes sociais de sua realidade e ao mesmo tempo de suas inter-relações dialógicas, absorvendo assim, não apenas uma voz social, porém, várias. Ele pode concordar ou discordar dessas vozes em seu mundo interior e ainda, como está sempre em relação ao outro, seu mundo exterior não se acaba e tampouco se fecha, estando em um constante vir a ser.

Dessa maneira, podemos observar que Bakhtin entende que os gêneros do

discurso centram-se na ideia da comunicação e de que todo discurso é dialógico,

pois pressupõe a presença do outro, seja um enunciatário, seja outro discurso. O

filósofo dispõe ainda que o discurso é ligado às categorias de tempo e espaço.

Como as atividades humanas são sempre associadas à utilização da linguagem, há

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a necessidade de enunciados relativamente estáveis que corroboram na

concretização do agir e fazer humano.

Segundo Machado (2006, p. 152), os estudos de Bakhtin relacionados aos

gêneros os estenderam à ótica do dialogismo no processo comunicativo e isso

possibilitou a mudança da rota dos estudos dos gêneros para além das formações

poéticas e, ainda, propiciou um “lugar” para as manifestações discursivas da

heteroglossia, ou seja, das diversas codificações não restritas à palavra. Devido a

essa abertura conceitual, torna-se possível considerar as formações discursivas do

amplo campo da comunicação mediada, seja aquela processada pelos meios de

comunicação de massas, seja a das mídias digitais. Por essa perspectiva, Campos-

Toscano (2009, p. 49) aponta que:

Podemos pensar no gênero do discurso publicitário, embora Bakhtin não o tenha estudado. Além do mais, devido às ideias de heteroglossia e heterogeneidade é possível considerar, como objeto de análise, não somente a linguagem verbal, mas também a não verbal, assim como os mais diversos meios existentes nos últimos tempos, como a televisão, o rádio, a Internet.

Os gêneros do discurso publicitário fazem parte do que se chama

comunicação de massa e estão presentes em nosso cotidiano. Basta folhear uma

revista ou manusear um jornal para encontrá-los. Manifestam-se também por meio

de panfletos, folders, outdoors etc. São apresentados pelas ondas do rádio ou pela

propagação sonora em veículos automotores. Presentes nos programas de TV e

atualmente disponibilizados em mídias digitais, tais como websites e smartphones, o

que possibilita, inclusive, interatividade com o enunciatário por meio de jogos,

brincadeiras, montagens. Isso nos remete ao que Carvalho (2004, p. 11) diz: “a

mensagem publicitária é o braço direito da tecnologia moderna. É a mensagem de

renovação, progresso, abundância, lazer e juventude, que cerca as inovações

propiciadas pelo aparato tecnológico”.

2.2 Composição do Gênero – Elementos Constitutivos

Bakhtin (2011) nos apresenta a ideia de que todo gênero é alicerçado sob três

pilares, a saber: conteúdo temático, estilo e construção composicional.

Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e

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gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 2011, p. 261).

Ainda segundo esse autor, “conteúdo temático, estilo e construção

composicional estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são

igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da

comunicação” (BAKHTIN, 2011, p. 262). Em outras palavras, são elementos que não

possuem sentido se empregados separadamente, pois na constituição do gênero,

para esse teórico, estão intrinsecamente ligados.

Isso colocado, acrescente-se o que Brait (2013) aponta: além da constituição

“básica” dos gêneros, existe ainda a possibilidade de compreensão de que esse

comporte em sua composição a dimensão verbo-visual. Essa dimensão trataria da

articulação entre a linguagem verbal e a linguagem visual para a construção da

produção de sentidos ou efeitos de sentidos. Segundo essa autora, não é possível

separar essas duas linguagens sob pena de amputação de uma parte do plano de

expressão e, consequentemente, da compreensão das formas de produção de

sentido do enunciado, uma vez que esse se dá a ver/ler simultaneamente.

Brait (2013) se ampara na compreensão de que os estudos de Bakhtin e do

Círculo constituem contribuições para uma teoria da linguagem em geral e não

apenas para uma teoria da linguagem verbal, seja escrita ou oral; acrescenta ainda

que os estudos da linguagem não possuem absolutismo, mas são refinados

conforme os enunciados surgem e nos instigam a novas questões. Assim,

entendemos que a verbo-visualidade encontra-se presente nos mais diversos

materiais trazidos para os estudos da linguagem e no caso de nosso objeto de

estudo – discurso publicitário –, mostra-se presente em sua essência composicional,

contribuindo para a construção de seu efeito de sentido.

Ao aporte teórico deste trabalho agregamos, ainda, a ideia de que todo signo

está ligado a uma avaliação ideológica e “tudo que é ideológico possui um valor

semiótico” (BAKHTIN, 2006, p. 33). Sendo, portanto, o signo um fenômeno do

mundo exterior, possui aporte material no som, na massa física, na cor, no

movimento do corpo e em outras formas de materialização que possam sustentar os

sentidos ideológicos adquiridos ao longo das relações sociais dos sujeitos. Pensar a

verbo-visualidade, nesse sentido, desbravaria caminhos para um amplo panorama

de estudos. Adicionamos as palavras de Brait (2013), a qual postula que a dimensão

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visual interage na constituição com o verbal, ou vice-versa, conferindo-lhe e

acrescentando-lhe valores. Sem esse jogo não se dá a construção do objeto de

conhecimento, nem dos sujeitos da construção e da recepção, pois como indica

Bakhtin/Volochínov:

Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN, 2006, p. 36).

Pelo que foi disposto, procura-se, neste trabalho, mesmo que de maneira

singela e entre os outros itens constitutivos do discurso publicitário, estudar a verbo-

visualidade presente no corpus selecionado para esse fim.

2.2.1 Conteúdo Temático

No elemento denominado conteúdo temático não se deve levar em

consideração apenas as formas linguísticas, orais ou escritas, mas também a

localização temporal-histórica de determinado enunciado, ou seja, os fatores sociais,

econômicos, históricos e culturais nos quais esse foi produzido. Dessa maneira,

entende-se que esse não está ligado somente ao assunto do texto, mas, sobretudo,

à forma como esse conteúdo ganha sentido e se materializa, tendo em vista seu

contexto de produção.

Podemos ainda acrescentar as palavras de Ribeiro (2010), as quais apontam

que esse é o tópico que garante a ativação de conhecimentos sociais

discursivamente construídos, o qual, integrado aos outros elementos que sustentam

o gênero, colabora para que a memória discursiva surja e subsidie a compreensão

ativamente responsiva dos interlocutores e ainda o conteúdo temático ativo, não

apenas as significações de enunciados ditos, como também dos não ditos. Diante da

atuação da memória discursiva, as experiências dos sujeitos sociais emergem e são

expressas por meio de tais enunciados ou pela falta desses. Em outros termos, por

apagamentos. No discurso publicitário isso é particularmente interessante, pois são

utilizados artifícios que dialogam com a memória discursiva do enunciatário a fim de

que o propósito de aceitação e aquisição da mercadoria seja efetivado.

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Entendemos ainda que conteúdo temático corresponde ao conjunto de

assuntos que podem ser abordados por um determinado gênero. Isso deve ser

entendido não como “assunto”, mas como um universo de temas que podem ser

tratados.

No discurso publicitário a temática vincula-se aos mais diversos produtos e

serviços, não tendo um conteúdo específico ou padrão. No entanto, volta-se para o

consumo de bens, ideias e serviços, fazendo com que se constitua uma espécie de

temática mais ampla, que se desdobra e se diversifica nos diferentes anúncios. De

todas as formas, podemos exemplificar como temas comuns aos anúncios, assuntos

tais como: o cuidado com o lar e a família, a preocupação com a saúde, com a

juventude e boa aparência eterna, a vaidade, a popularidade, o ser sexualmente

atraente, o prazer proporcionado por comida ou bebida, o status, a ascensão social,

enfim, reforça-se a necessidade do “ter”, apagando-se o “ser”.

2.2.2 Construção Composicional

A construção composicional diz respeito à estrutura geral interna do

enunciado. Integra, sustenta e ordena as propriedades do gênero por meio de

elementos linguísticos e discursivos. Bakhtin (2011, p. 282, grifos nossos) nos

assinala que:

A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero do discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes etc. [...] todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo.

Em função disso, entendemos que a construção composicional trata da

organização e estruturação do gênero, como já explicitado, é o formato, a

organização linguística, textual e discursiva. A partir desses recursos é regulada a

forma dos gêneros, permitindo que esses sejam identificados.

Quanto ao anúncio publicitário, a estrutura composicional é formada, de

maneira geral, por título, imagem, texto, marca ou logomarca e slogan.

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O título é apresentado com letras maiores, dada a sua função de chamar a

atenção do enunciatário e fazer com que esse pare e se detenha em sua leitura. De

acordo com Gonzáles (2003, p. 18), um bom título deve ser conciso, tendo no

máximo de cinco a sete palavras gramaticais: verbos, substantivos, adjetivos e,

ainda, ser positivo, abordando aspectos agradáveis e eufóricos. A linguagem visual

frequentemente compõe também o discurso publicitário. Além de contribuir para a

constituição do sentido do texto verbal, essa agrega para que a atenção do leitor

seja alcançada e, ainda, desperta o desejo pelo produto, o que pode promover o

convencimento do consumidor de maneira consciente ou inconsciente. No

enunciado temos ainda a argumentação verbal que, segundo Gonzáles (2003, p.

21), visa trazer informações sobre o que é divulgado, seja produto, serviço ou ideia,

a fim de persuadir o leitor.

Quanto à marca, essa traz o símbolo da empresa e não tem o intuito de

ilustração, mas sim de indicar ou sugerir. Por meio dessa, a empresa ou produto é

lembrado e até mesmo associado às noções de prazer, status, qualidade – ou não –,

prestígio, entre outros valores.

O slogan (GONZÁLES, 2003, p. 24) tem origem em exércitos e significa “grito

de guerra”. Posteriormente, foi utilizado por pregoeiros ambulantes em insígnias e

legendas até chegar aos anúncios, desde os de jornais e revistas até aos de

outdoors. Caracteriza-se pelo uso de frases marcantes, concisas, de fácil

memorização e que destacam as qualidades e superioridade do que se pretende

anunciar, mais uma vez produto, serviço ou ideia.

2.2.3 Forma Arquitetônica e Forma Composicional

Para discorrer sobre forma arquitetônica e forma composicional as reflexões

se pautarão em Machado (2014), Sobral (2006) e Ribeiro (2010).

Iniciando com Machado (2014), essa autora argumenta que a Ciência atribuiu

ao conceito de mecânica – do grego mechaniké e do latim mechanica – a atividade

dos corpos, dos movimentos e das forças que agem em seu interior e mobilizam

seus impulsos. Dessa maneira, esse termo passou a designar o funcionamento da

estrutura de corpos, de partículas, de átomos e de moléculas e, assim, estende-se à

toda operação dedutível de fenômenos, comportamentos e configurações.

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Machado (2014) ainda nos diz que, embora o funcionamento da mecânica se

dê no tempo e no espaço, essa ainda se orienta pelas coisas em si, tomadas de

maneira isolada uma das outras. Assim, seus constituintes são estruturados e

ligados de maneira justaposta e não produzem nenhuma interação entre suas

partes, possuindo características impermeáveis a quaisquer influências. Acrescenta

que Bakhtin partiu desse conceito da mecânica para introduzir suas formulações a

respeito do funcionamento dialógico e não mecânico da criação estética no contexto

do ato ético, o que acarretou a possibilidade de uma alternativa de compreensão do

movimento fora do domínio da mecânica e dentro do contexto da resposta. Tal gesto

conceitual introduziu o pensamento que se propunha a complementar o domínio da

mecânica. A tal domínio foi dado o nome de arquitetônica.

Embasando-se em Bakhtin, essa autora aponta que a arquitetônica valoriza

as relações produtoras de sentido, voltando-se para a compreensão dessas

associações e se distinguindo, assim, da mecânica a qual diz respeito às coisas

mudas. No “mundo” arquitetônico o homem diz, interroga-se sobre si, seu entorno e,

dessa forma, articula relações interacionais capazes de enunciar respostas com as

quais constrói conhecimentos – esse é o chamado mundo dos eventos éticos e da

atividade estética. Seu domínio se dá em um espaço de construção, de movimento,

no qual tudo se implica mutuamente e os elementos em ação interferem uns sobre

os outros. Nesse lugar, surge o todo inacabado, em construção, conforme explicita

Machado (2014): “É o mundo do homem, de sua fala, dos comportamentos éticos,

acontecimentos estéticos inter-relacionados sem nenhuma possibilidade

de separação”.

A arquitetônica vem a ser pensada como um domínio de investigação de

manifestações que são sempre respostas, resultados de ações e reações

determinadas por pontos de vista específicos e, assim, reúne um conjunto de

premissas sobre o devir da criação estética dialogicamente construída.

O que se deve considerar é que, por mais que se procure construir um

modelo de acabamento, segundo Machado (2014), a visão estética será sempre

resultado de visões inacabadas. Essa é a linha de raciocínio de ensaios oriundos de

um projeto conceitual desenhado desde os primeiros estudos de Bakhtin sobre

relações interacionais, os quais apontam que a resposta é motor do diálogo e este

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figura como o precedente fundamental das interações e das articulações, seja da

Filosofia da linguagem ou da estética. A esse projeto conceitual dá-se o nome de

Arquitetônica da responsabilidade, que considera o sentido produzido por meio das

relações dialógicas.

Assim, como fazem parte de arquivos escritos e inacabados de Bakhtin,

inacabamento seria a chave conceitual desse projeto, em cujo cerne está as

chamadas relações éticas entre o eu e o outro; as dimensões do acabamento sob

forma de um texto; a formatação estética do próprio inacabamento. Há uma

distinção clara nesse projeto à medida que, ao se procurar compreender que, ao se

tomar a resposta como a chave conceitual de uma linha de pensamento, isso

significa valorizar não um produto acabado, mas sim o acesso construído pela

interação de pontos de vista. Machado (2014, p. 10) cita Holquist e Liapunov para

mencionar que:

O DNA da arquitetônica não é a arquitetura do material ou de um edifício, mas a ação em processo em que as relações invisíveis são desencadeadas. A arquitetônica reporta-se aos fluxos que constituem um evento.

Assim, entende-se que as formulações sob as quais Bakhtin manifesta seu

entendimento da construção arquitetônica sempre apresentarão a ideia de uma obra

em execução. Ainda nos é apontado que, nesse sentido, a arquitetônica exprime de

uma só vez o projeto conceitual e o princípio constitutivo do processo construtivo.

Devemos acrescentar ainda que apenas no âmbito do contexto humano é possível

buscar o acabamento, respeitando-se o inacabamento. A arquitetônica da

respondibilidade mostra-se um projeto conceitual sobre o espaço das relações

dialógicas produzidas pelo homem, os quais são agentes tanto da construção,

quanto da especulação formulada como resposta.

Machado (2014) ainda nos lembra de que, para Bakhtin, ser humano é

significar e produzir sentidos na interação desde um lugar único na existência,

singular e definido a partir da relação com outrem, com os quais o indivíduo interage

dialogicamente. Apesar de o homem ocupar um lugar posicionado no espaço, esse

lugar é indefinido. Isso cria um paradoxo que, para ser resolvido, cobra o

entendimento de que, além do homem e de sua visão de mundo, há ainda uma

visão extraposta, ou seja, o excedente de sua visão, o qual é nomeado de exotopia.

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Sobral (2006, p. 109) recorda Bakhtin ao dizer que a posição exotópica

equivale a “estar num lugar fora”. Entretanto, entendida como um “fora” relativo, em

uma posição de fronteira, móvel, que não transcende o mundo, porém que o vê de

um dado distanciamento a fim de transfigurá-lo na construção arquitetônica da obra,

estética ou não. Esse autor aponta ainda que o sujeito pode articular e perceber sua

própria situação apenas até certo ponto, sendo incapaz, no entanto, em conseguir

transcendê-la. O todo tem relação com acabamento, o qual remete à distinção entre

ambiente, que é aplicável ao outro – que vejo como “acabado” desde minha

perspectiva – e de horizonte – que é minha perspectiva propriamente dita, na qual

sou “inacabado”. Assim, cria-se um “jogo”: o outro é visto por mim como acabado, ao

passo que me vejo como inacabado e, ao mesmo tempo, o outro se vê como

inacabado e me vê como acabado. Nesse ínterim, o espaço das relações dialógicas

se define em função das interações em jogo no campo de visão e naquilo que o

excede. A arquitetônica projeta temporalidades em um espaço que se manifesta

igualmente como tempo e que devem ser entendidas não em uma dimensão visível,

mas sim como um ambiente de interações que se desenvolvem para além de um

ponto de vista posicionado. Esse é um aspecto distintivo da compreensão das

relações entre tempo e espaço a partir da exotopia das projeções que nesse

incidem, ora como injunção, ora como disjunção, ora como reflexo, ora como

refração.

Há de se considerar ainda que a variedade e simultaneidade de tantos pontos

de vista propiciam um espaço de relações que não são coincidentes e isso acarreta

a necessidade de se buscar uma compreensão mais refinada desse continuum de

pontos de vista com variedade de respostas simultâneas, não coincidentes e,

portanto, inacabadas. Assim, o estudo da resposta ocupa o centro das

preocupações da arquitetônica.

A resposta no campo especulativo de suas possibilidades joga com a variedade de temporalidades projetadas no espaço das relações, criando a exotopia. Esta é a nascente do sentido dialogicamente constituído. Nesse caso, a resposta pode ser considerada uma dimensão distintiva, sobretudo, das relações em sua projeção espaço-temporal, ou seja, no continuum dos pontos de vista extrapostos. Espaço-tempo como um continuum relacional e dialógico cuja manifestação “mais acabada” é provavelmente o homem, quer dizer, os processos internos de construção inacabada de sentido (MACHADO, 2014, p. 7).

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2.3 Refletindo Sobre Tempo e Espaço

O pensamento de Bakhtin e do Círculo indica que o homem é um ser do tempo, que

vive no tempo e durante certo tempo. Machado (2014) afirma que o tempo dimensionado

pelo espaço é apreendido tão-somente nas temporalidades representativas da cultura.

Dessa maneira, explicita que é apenas no jogo das temporalidades que se pode

compreender arquitetonicamente o continuum espaço-tempo. Comparando-o ao espaço

dialógico que se manifesta pela exotopia, o tempo dialógico só pode ser entendido pelas

temporalidades plurais e simultâneas que são vivenciadas no espaço. Isso nos endossa que

o filósofo redefine o tempo – não negando a realidade física desse, mas acrescentando que

sem a interação dialógica não há como apreender sua expressão.

As interações dialógicas ocorrem dentro do que eu defino como um marco binário de duas realidades, individual e de grupo, cada uma com uma natureza espacial e temporal diferente, juntas atuam para criar significado (TABORSKY apud MACHADO, 2014, p. 8).

Machado (2014) ainda acrescenta que Taborsky, apesar de se ocupar

da atividade de conhecer o tempo e compreendê-lo de maneira linear,

matemática e absoluta, ainda o situa como tempo dialógico, o qual pode ser

compreendido sob três dimensões conceituais, a saber:

Tempo individual;

Tempo coletivo; e

Marco atemporal, o qual está além das realidades espácio-temporais do

indivíduo e do grupo.

Assim, o tempo dialógico é examinado desde a ótica da dinâmica do texto

sociocultural, no qual as manifestações podem ser situadas em seu caráter

conceitual, atual e sensorial. Pode ainda ser dimensionado pelas condições

antropológicas e seu continuum apenas é cogitado como experiência, quando a

informação do mundo físico se transforma em signo e se manifesta como gesto

semiótico, seja ato ético ou estético.

Bakhtin o examina na narrativa literária, entretanto, na teoria do dialogismo o

tempo não é um constituinte estrutural, mas como nos aponta Machado (2014), a

narrativa e, por consequência, os gêneros são instâncias estéticas de representação

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do tempo. Dessa maneira, o espaço-tempo de que se ocupa o filósofo russo é a

representação de uma classe de signos e não pode ser desvinculado das

transformações nessa operadas. Deve-se acrescentar ainda que Bakhtin procurou

entender o tempo como uma simultaneidade de experiências distintas e que

emergem em ações, transformações e permanências. Segundo Machado (2014),

Bakhtin prevê que tanto na vida como na arte, o tempo se organiza mediante

convenções que não se restringem a definir o movimento e o arranjo de situações

vivenciais.

Assim e amparando-se no contexto do dialogismo, esse teórico afirma que é

no gênero que se explicita a convergência desse embate e, por consequência, esse

é o dispositivo pelo qual o sistema artístico mostra que tem por matéria de

experimentação e de vivência o grande tempo das culturas como um continuum. Às

implicações e abordagem sobre a continuidade do espaço-tempo, essas que foram

examinadas na representação literária representada pelo romance, Bakhtin dá o

nome de cronotopo.

2.3.1 Cronotopia: um Olhar Sobre o Fenômeno

Cronotopo vem das palavras gregas crónos – que significa tempo – e tópos –

condizente a espaço. Segundo Sobral (2006), Bakhtin dialogou com as propostas de

estudiosos de outras Ciências para formular o conceito de cronotopo. Dessa

maneira, com as propostas da quarta dimensão de Hermann Minkovski observou

que esse insistia na inseparabilidade do espaço e do tempo e ainda postulava que

diferentes épocas combinam diferentemente o tempo e o espaço; já com Einstein,

pensou na Teoria da Relatividade e no tempo-espaço, sendo o tempo entendido

como a quarta dimensão do espaço; com os estudos do fisiologista russo A. A.

Ukhtomski, ponderou sobre a postulação desse estudioso, que argumentou sobre o

caráter imediato do tempo e do espaço nas experiências dos organismos – foi de

Ukhtomski, inclusive, que Bakhtin apreendeu o termo cronotopo; das teses kantianas

o filósofo russo refletiu sobre categorias da percepção e suas formas, nas quais há

destaque para o tempo, o espaço e a causalidade; e, finalmente, pensou no conceito

de “duração” a partir das reflexões do filósofo francês Henri Bérgson.

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Ao discutir questões sobre o cronotopo, Sobral (2006, p. 32) afirma que suas

caraterísticas básicas são:

Tempo e espaço estão ligados de modo intrínseco, necessário;

Tempo e espaço são o continente da atividade, embora nem sempre se

mostrem visivelmente nessa;

Tempo e espaço unidos no cronotopo variam de acordo com as ordens,

aspectos, séries ou momentos do universo, ou seja, ritmos distintos entre os

organismos, os indivíduos e as sociedades;

O sentido de tempo e espaço não é único, variando de acordo com a

“posição” do agente da percepção;

As categorias de tempo e espaço são históricas, pois variam em relação às

alterações das necessidades humanas de percepção.

Acrescente-se as palavras de Machado (2014), quem aponta que o cronotopo

se tornou a formulação do dialogismo, o que possibilita a compreensão da

representação do tempo sob diferentes perspectivas e, inclusive, como se

manifestam as simultaneidades, além da compreensão da maneira como o tempo se

constitui no espaço, como se desenvolve, como se transforma e ainda, ao fazê-lo,

movimenta todo o sistema cultural. Essa autora nos propõe que cronotopo ainda é

uma metáfora conceitual que sustenta o edifício teórico de Bakhtin e que colabora

para a compreensão das transformações do espaço-tempo não apenas no âmbito

da semiose verbal, mas na semiose de diferentes sistemas de signos que enfrentam

a tarefa de representar a continuidade da experiência por meio de signos discretos

da cultura.

Machado (2014) também argumenta que cronotopo é uma forma de

compreensão da experiência. Na arquitetônica seria o entendimento de um modo

concluso de experiências inacabadas dentro do contexto do acontecimento. É o

acontecimento concebido como totalidade arquitetônica do inacabamento que a

percepção apreende para organizar sob forma de conhecimento. Como essa teórica

coloca, pode-se afirmar sem risco de generalização, que onde houver projeção do

tempo, seja em jogos, filmes, rituais, pinturas, grafismos, cidades, músicas, danças,

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canções, haverá a possibilidade de se compreender o tempo como quarta dimensão

do espaço gerador e, portanto, de manifestações cronotópicas. 2.3.2 Cronotopo e Discurso Publicitário

Trindade e Barbosa (2007) apontam que o debruçar de Bakhtin sobre obras

narrativas, tais como as de Rabelais, permitiu perceber que a comunicação de

interação obra/mundo trazem conexões entre tempos e espaços de modo dialógico.

Dessa forma, estabelecem-se vínculos entre as obras e os sujeitos, tempos e

espaços da realidade cultural, apresentando inúmeras alusões ao contexto cultural,

sociopolítico da França Medieval e Renascentista.

Isso colocado, esses autores fazem um paralelo ao discurso publicitário e

chegam à conclusão de que os discursos publicitários criam vínculos cronotópicos

entre o contexto das sociedades de consumo globalizadas e o mundo representado

pela publicidade (TRINDADE; BARBOSA, 2007, p. 14). Prosseguem, relatando que

por meio de peças publicitárias, comerciais, spots, jingles, cartazes, entre outros

suportes, há a idealização de tempos e espaços de consumo, os quais estabelecem

vínculos dialógicos entre o cotidiano vivido – na realidade – e o cotidiano do mundo

da publicidade. Dessa maneira, entende-se que há articulação tempo-espaço no

discurso publicitário tal qual no gênero romance, ou seja, como na narrativa

romântica, o discurso publicitário tem sua narrativa interna, com seu tempo e seu

espaço, em dialogismo com o cotidiano do mundo real.

Em alguns casos, as peças publicitárias podem estabelecer níveis

cronotópicos internos em seus enunciados, nos quais os produtos/marcas são as

chaves cronotópicas para a transformação da realidade. São ainda, segundo

Trindade e Barbosa (2007), não-lugares, atemporais e que funcionam como elo

entre o mundo do consumo publicitário e do consumo vivido, sendo os

produtos/marcas elementos conectores, cronotopos da condensação de tempo e

espaço comum a essas duas realidades.

Isso nos conduz à conclusão de que o tempo e o espaço no discurso

publicitário remetem a uma realidade mítica, religiosa, quase mágica, na qual o

consumo funciona como possibilidade de mitificação da realidade e o capitalismo

como espécie de religião. Assim, o cronotopo como chave de conexão entre o

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mundo da realidade do consumidor e o mundo mítico do consumo no discurso

publicitário promove a construção de um imaginário simbólico perfeito – ou quase –,

no qual espaço, tempo e sujeitos são idealizados.

Entre vários exemplos, pode-se mencionar as peças publicitárias do próprio

sabonete Lux, as quais são sempre bem coloridas, com rostos de mulheres lindas,

como se todos os que usassem tais produtos fossem compartilhar da beleza das

personagens estampadas. Ou seja, mulheres ou homens estariam entrando em um

imaginário que os levariam para um tempo-espaço completamente diferente do

mundo real que habitam. A fim de endossar o que é aqui exposto, ainda servem

como exemplos os comerciais de café da manhã para a apresentação de

margarinas, circunstâncias em que o espaço é ensolarado, os ambientes perfeitos,

onde ninguém acorda de mau humor, cansado, com preguiça, ou ainda atrasado

para a escola ou o trabalho. Como no romance de aventura, entre a situação inicial e

a final é como se nada tivesse sido realizado para que as situações pudessem

acontecer. Dessa maneira, podemos entender que nessas propagandas o tempo

não conta na totalidade da ação, sendo indeterminado e trazendo consigo traços de

“eterno presente”.

Deve-se considerar, por fim, que mesmo dado o momento de fusão

momentânea, efêmera ou extraordinária de um comercial veiculado, há sua rápida

dissolução – no tempo e no espaço – no mundo no qual vivemos, que sempre nos

chama de volta à nossa realidade. Tal fato promove a necessidade contínua de um

novo produto e a eterna busca pelo mágico, pelo mundo no qual não há dissabores,

frustrações e nem contratempos. A efemeridade com que o produto é anunciado

propicia a movimentação da paixão que se renova, modifica-se e sempre há a

necessidade de se buscar algo que nunca será satisfeito, em uma postura sisífica. O

discurso publicitário se alimenta desse fato e, valendo-se do cronotopo como chave

de conexão entre o mundo da realidade do consumidor e o mundo mítico do

consumo, promove a construção de um imaginário simbólico perfeito, no qual

espaço e tempo são idealizados, assim como os sujeitos e os produtos oferecidos.

2.4 Estilo: Recurso de Persona

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Segundo Bakhtin (2011), todo estilo está indissoluvelmente ligado ao

enunciado e às formas típicas de enunciados, ou seja, aos gêneros do discurso.

Esse teórico ainda postula que:

Sendo todo enunciado individual, pode refletir a individualidade do enunciador

ou do escritor e assim apresentar um estilo individual, entretanto, nem todos

os gêneros são propícios ao reflexo da individualidade. Os gêneros que

requerem forma padronizada apresentam condições menos propícias para o

reflexo da individualidade;

Onde há estilo, há gênero;

Tanto os estilos individuais, quanto os da língua satisfazem aos gêneros do

discurso;

Gramática e Estilística convergem e divergem em qualquer fenômeno

concreto de linguagem. Se examinados apenas no sistema da língua,

estaremos diante de um fenômeno gramatical, mas se examinado no conjunto

de um enunciado individual ou do gênero discursivo, tratar-se-ão de

fenômenos estilísticos;

A própria escolha de uma determinada forma gramatical pelo enunciador é

um ato estilístico.

Assim, o estilo corresponde aos recursos lexicais, imagéticos, fraseológicos e

gramaticais que serão escolhidos e utilizados pelo enunciador para compor o

enunciado, tendo em vista o enunciatário e as relações dialógicas com outros

enunciados. Bakhtin (2011, p. 301) reforça a necessidade de saber quem é o

enunciatário do texto: Cada gênero do discurso em cada campo da comunicação

discursiva tem a sua concepção típica de destinatário que o determina como gênero.

Nota-se, então, que o enunciatário tem grande importância na constituição do estilo

do texto, uma vez que o conhecimento que se dispõe desse, tal como idade, classe

social, localização espacial etc., determina suas escolhas discursivas.

Bakhtin (2011) divide o elemento estilo em dois grupos: um voltado à

individualidade do sujeito, o que esse autor chama de estilo individual; outro para a

coletividade, denominado de estilo de gênero. No primeiro, valoriza-se a

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singularidade do enunciador, suas escolhas particulares na dinâmica discursiva. Já

no segundo imperam os usos linguísticos, textuais e discursivos, os quais são

reconfigurados em um determinado contexto enunciativo. O estilo é, portanto,

resultante de escolhas individuais e coletivas. O sujeito não é modelado pelo meio,

tampouco pela sua soberania – sem qualquer influência do meio onde se localiza. O

que ocorre é uma tensão entre esses dois âmbitos: individual e coletivo. E é essa

tensão que gera a ação comunicativa. Vale aqui destacar que nem todo texto reflete

a individualidade do sujeito e que, dependendo do gênero, a personalidade pode ser

revelada em maior ou menor grau.

No texto publicitário o estilo verbal vale-se de sequências descritivas, a fim de

caracterizar a marca, o produto ou o serviço; argumentativas para convencer o

público sobre a qualidade ou a necessidade de se adquirir o produto; e injuntivas

para desencadear as ações de compra ou adesão, com verbos no presente do

indicativo ou no imperativo, além de linguagem que varia do mais ao menos formal,

dependendo do produto anunciado, público-alvo e meio de circulação.

Outra peculiaridade do texto publicitário é que sua organização se distingue

de outros enunciados, pois em suas linhas e entrelinhas esse impõe valores, ideais,

mitos e outras simbologias.

Segundo Carvalho (2004), quando se analisa a linguagem publicitária,

constata-se que quase sempre essa vem pautada como objeto de um “discurso

manipulador”. Por outro lado, essa autora postula que todo discurso, mesmo o

cotidiano, é voltado à própria informação e manipulação. Dizer é argumentar e tentar

impor. Nos mais diversos campos de atuação humana há uma base informativa que,

manipulada, serve aos objetivos do enunciador. A diferença está no grau de

consciência quanto à utilização dos recursos a fim do convencimento e, nesse caso,

a linguagem publicitária se caracteriza pelo emprego racional de tais instrumentos,

seja para convencer, mudar ou manter a opinião do público-alvo.

Carvalho prossegue afirmando que, diferente do mundo caótico que

vivenciamos diariamente nos noticiários, o discurso publicitário cria e exibe uma

realidade perfeita e ideal. Nessa não há guerras, fome, deterioração ou

subdesenvolvimento e ainda, nessa tudo são luzes, calor e encanto, em uma beleza

perfeita e não perecível (CARVALHO, 2004, p. 11). Dito de outra forma, é conciliado

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o princípio do prazer com o da realidade, entretanto, quando normativa, indica o que

deve ser usado ou comprado, dando destaque à marca, ao ícone do objeto.

Ao discurso publicitário é dada a tarefa de tornar familiar o produto que vende,

ou seja, aumentar sua banalidade, porém e por outro lado, valorizá-lo com um toque

de “diferenciação”, pois é necessário destacá-lo de seus pares comuns. Ainda lhe é

conferida a missão de criar objetos de desejo, de maneira que se alcance a

felicidade e proporcione bem-estar e status de êxito ao possuidor do produto. O

estilo do discurso publicitário ainda se caracteriza pelo reforço do individualismo,

pois se concentra no enunciatário e em “seus” – o que interessa é sua roupa, sua

casa, sua saúde (CARVALHO, 2004, p. 13). Acrescentamos também que em

variados momentos o discurso publicitário se pauta no convencimento e, por vezes,

em uma linguagem autoritária sob o uso de formas verbais no modo imperativo.

Entretanto, nem sempre o uso dessa forma verbal se configura, em primeiro plano, a

uma ordem a ser seguida de maneira irrestrita ou com fundo autoritário.

No caso de slogans do sabonete Lux é interessante notar que os primeiros

não continham formas verbais no modo imperativo, vindo essas a surgir na virada do

milênio. Considerando que anteriormente se via enunciados tais como: “O sabonete

que convém à sua pelle”; “O sabonete das estrellas”; “O sabonete oficial de

Hollywood”; “Lux de Luxo é um verdadeiro tratamento de beleza”, a partir de 2000

encontrava-se nos anúncios dizeres como: “Descubra a estrela que há em você”;

“Provoque seus sentimentos”; “Revele a estrela que existe em você”; “Libere a

estrela que existe em você”; “Sinta-se luminosa. Sinta-se Lux”; “Sinta-se firme. Sinta-

se Lux”; “Sinta-se luminosa e admirada”, ao passo que atualmente temos: “Sinta-se

poderosa. Seja poderosa”; “Sinta-se fabulosa. Seja fabulosa”. Nota-se que há uma

gradação por meio dos anos: descubra, provoque, revele, libere, sinta-se, seja,

confirmando que o estilo se dá conforme seu enunciatário e seu contexto

enunciativo.

Se antes à mulher era dado imitar ou se espelhar em uma estrela de cinema,

no contexto histórico-social contemporâneo essa é a estrela, segundo Lux, que se

descobriu, que sabe provocar – e conhecer – seus sentimentos, que se revelou, que

se liberou, que se sente – ou, na atual linguagem popular, “se acha” – e, por fim, é

convidada a “ser” – poderosa e fabulosa.

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2.5 Questão da Verbo-Visualidade

Em relação à questão da verbo-visualidade, este trabalho se ampara nos

estudos de Brait (2013, 2006) que já há alguns anos vem tratando das

especificidades do que denomina de dimensão verbo-visual de um enunciado, de

um texto. Essa autora entende que há uma dimensão em que tanto a linguagem

verbal, como a visual desempenha um papel constitutivo na produção de sentidos,

de efeitos de sentido as quais não podem ser separadas, sob pena de amputar-se

uma parte do plano de expressão e, consequentemente, da compreensão das

formas de produção de sentido dos enunciados/textos, uma vez que esses se dão a

ver/ler, simultaneamente.

Brait (2013, p. 44) entende que essa perspectiva é possível a partir da

compreensão de que os estudos de Bakhtin e do Círculo constituem contribuições

para uma teoria da linguagem em geral e não somente para uma teoria da

linguagem verbal, quer oral ou escrita. Para tanto, cita vários trabalhos e, entre os

quais, O autor e a personagem na atividade estética, especificando o segundo

capítulo, intitulado A forma espacial da personagem:

Bakhtin, dentre outros aspectos fundamentais para análise da linguagem, trata da questão do excedente de visão, da imagem, do retrato, do autorretrato visual e verbal, isto é, da representação de si mesmo, momento em que o autor é personagem. Até mesmo a fotografia ganha uma breve referência nesse texto (BRAIT, 2013, p. 45, grifo nosso).

Essa autora ainda nos acrescenta que em todos os trabalhos do Círculo nos

quais a ideia de uma teoria da linguagem ampla não vinculada ao linguístico é

indiciada, é o visual – e não o verbo-visual – que é sugerido como objeto passível de

leitura e interpretação. Para tanto, ressalta que, ao acolhermos essas sugestões,

não podemos nos esquecer da longa tradição da análise do visual e de suas

possíveis leituras e interpretações advindas da estética, da Filosofia, das diferentes

semióticas, tais como a peirceana, a francesa e a russa, além da semiologia de

Roland Barthes em seus textos sobre fotografia e retórica da imagem, trabalhos

esses compreendidos entre o final da década de 1950 até a de 1970.

Brait indica ainda que o aproveitamento explícito do pensamento de Bakhtin e

do Círculo para o estudo do visual aparece nas seguintes obras: Tekstura russian

essays on visual culture, editada por Alla Efimova e Lev Manovich e publicada em

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1993; Bakhtin and the visual arts, de 1995; e Bakhtin reframed, de 2013, as duas

últimas da autora norte-americana, Deborah J. Haynes.

A primeira obra citada trata-se de uma coletânea que reúne textos de

pensadores que contribuem para uma reflexão sobre a cultura visual russa. Entre

esses pensadores estão Volochínov e Bakhtin. O texto A Filosofia da Linguagem e

sua importância para o marxismo, que está em Marxismo e Filosofia da Linguagem –

O estudo das ideologias e a Filosofia da Linguagem, capítulo 1, primeira parte – abre

a coletânea. A presença desse texto é justificada, segundo seus organizadores, pelo

fato desse constituir-se como fundamental para a investigação sobre a Filosofia da

Linguagem e ainda colocar o estudo do signo no centro de uma investigação com

perspectiva semiótico-filosófico-ideológica. Esse prisma constrói o que

Bakhtin/Volochínov designou como signo ideológico e é o que serve de fundamento

para a leitura do visual, da cultura visual, ainda que Volochínov, aparentemente, não

tenha se dedicado à imagem. Brait (2013) aponta ainda que uma leitura atenta do

capítulo mencionado, no qual Volochínov discute a relação entre signo e

consciência, permite localizar a passagem na qual esse se refere à materialidade do

signo em geral e não apenas do signo verbal:

Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante etc., constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN, 2006, p. 36).

Dessa maneira, é sinalizado que Bakhtin/Volochínov contribui de maneira

ampla para além dos estudos linguísticos, estendendo-se a uma teoria de

perspectiva semiótico-ideológica da linguagem.

Em relação à contribuição de Bakhtin na referida coletânea, é tomada como

embasamento A forma espacial da personagem – fragmento de O autor e a

personagem na atividade estética. Brait (2013) argumenta que os organizadores

justificam a presença desse texto a partir do momento em que o pensador russo

considera o mundo do herói de ficção a partir da criação visual da espacialidade,

conforme mediada na forma escrita. Acrescenta não se tratar de acaso ser

justamente nesse texto que surgem alguns conceitos, tais quais:

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excedente de visão, imagem externa, exterioridade, vivenciamento das fronteiras externas do homem, imagem externa da ação, corpo exterior, todo espacial da personagem e do seu mundo – a teoria do “horizonte” e do “ambiente”, dentre outras categorias que se prestam à leitura e análise do visual (BRAIT, 2013, p. 47).

Essa autora ainda postula que foi nesse momento que Bakhtin refletiu estética

e filosoficamente sobre a representação. Para tanto, refere-se ao autorretrato, ao

retrato e à fotografia, citando artistas como Rembrandt, Vrubel, Da Vinci e Rafael,

mas sem trazer imagens:

A primeira tarefa do artista que trabalha o autorretrato consiste em depurar a expressão do rosto refletido, o que é possível com o artista ocupando posição firme fora de si mesmo, encontrando um autor investido de autoridade e princípio, um autor-artista como tal, que vença o artista-homem. Aliás, parece que sempre é possível distinguir o autorretrato do retrato a partir de uma característica um tanto ilusória do rosto, a qual parece não englobar o homem em sua totalidade, até o fim: o homem que ri no autorretrato de Rembrandt sempre provoca em mim uma impressão quase horripilante, assim como o rosto alheado de Vrubel (BAKHTIN, 2011, p. 31-32, grifo nosso).

Outro trabalho que Brait (2013) expõe sobre o visual na obra do Círculo, sua

importância e qualificação para tanto é um livro sobre estética, no qual sua autora,

Deborah Haynes, cuida da teoria da criatividade articulada que, segundo a qual, ao

longo dos ensaios produzidos por Bakhtin na década de 1920, especificamente em

seu trabalho Arte e responsabilidade, há a semente das ideias as quais o filósofo

desenvolveu até o final de sua vida, citando os textos Para uma Filosofia do ato

responsável, Autor e herói na atividade estética e O problema do conteúdo, do

material e da forma na arte verbal.

Segundo Brait (2013), Haynes persegue a teoria estética contida nesses

trabalhos e algumas categorias e conceitos fundamentais para a compreensão da

arte visual. Assim, a autora procura compreender e explicar essa estética tanto sob

uma perspectiva teórica, quanto da possibilidade de aplicação dessa aos objetos

visuais de diferentes momentos históricos, ou mesmo da pós-modernidade. Haynes

procurou demonstrar que Bakhtin traz de volta a “estética do processo criativo, a

atividade do artista ou autor que cria”. Parafraseando essa pesquisadora, pode-se

dizer que o filósofo não dá uma definição fechada e acabada sobre a estética, mas

sim a compreende como uma maneira a qual o ser humano dá forma à sua

experiência, como se apercebe de um objeto, de outro ser humano e ainda, como dá

forma a essa percepção em um todo sintetizado.

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Haynes procura demonstrar que aquilo que Bakhtin entende por processo

criativo é importante para artistas, historiadores da arte e teóricos de arte, em uma

visão plena de interdisciplinaridade. Haynes utiliza tais ideias para análises da arte

visual. Dessa maneira, retoma outro conceito bakhtiniano, segundo Brait (2013), que

é o da reacentuação, ou seja, o sentido de que as ideias não vivem apenas no

criador, mas sim e também no intérprete. Brait (2013) ainda nos lembra de que

Haynes apercebe-se de que Bakhtin faz poucas referências – e essas

significativamente esparsas – ao visual, entretanto, entende que suas ideias podem

ser aplicadas às artes visuais. Fica para a autora o que o filósofo pode corroborar e

ensinar sobre o processo criativo, a estética filosófica e a Filosofia da criatividade

artística e sua possibilidade de aplicação ao que Haynes denomina arte histórica e

arte contemporânea.

Brait (2013) dá prosseguimento em seu artigo, agora discorrendo sobre o

segundo livro de Deborah Haynes, esse que é uma espécie de extensão do

primeiro, o qual também trata da estética bakhtiniana, criatividade e processo

criativo, o artista, o trabalho artístico, entre outros itens e o finaliza pontuando que as

três obras citadas mobilizam as contribuições do Círculo para o estudo das artes

visuais e que, ainda, isso propicia um leque significativo de conceitos/categorias que

podem ser utilizados para a leitura e interpretação do visual a partir de questões que

exigem, para sua resposta, posicionamento epistemológico, teórico e metodológico

rigorosos.

Em relação à verbo-visualidade e ao verbo-visual, Brait (2013) aponta que se

faz necessário distinguir alguns aspectos que considera fundamentais: as obras

supracitadas recuperam os trabalhos do Círculo para a leitura e interpretação do

visual, da cultura visual. Porém, outra coisa é o estudo que procura explicar o verbal

e o visual casados e articulados em um único enunciado. Segundo essa autora, tais

ocorrências podem vir:

Na arte ou fora dessa;

Possui gradações que ora pendem mais para o verbal, ora mais para o visual,

porém, organizadas em um único plano de expressão;

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Sua organização situa-se em uma combinatória de materialidades e em uma

expressão material estruturada.

Acrescenta que, além das sugestões presentes nas obras citadas, há a

possibilidade de se tomar as relações dialógicas como uma categoria fundamental

para se juntar às demais levantadas por Efimova, Manovich e Haynes como

essenciais para a análise do verbal, do visual e, como consequência, do verbo-

visual, dada sua natureza de teoria do discurso, que trabalha com enunciados

situados sempre em tensão.

A fim de exemplificar o que foi aqui formulado, tomaremos para breve análise

verbo-visual uma peça publicitária veiculada pela Unilever em 2002, ano no qual

essa empresa inovou ao lançar no mercado a primeira linha de sabonetes voltados

especificamente às mulheres de pele morena e negra. A campanha foi

protagonizada pela atriz Isabel Fillardis:

Figura 6 – Peça publicitária Unilever, 2002 Fonte: Centro de História Unilever

A peça é composta de maneira que o visual e o verbal são constituídos ao

mesmo tempo, construindo e articulando juntos os sentidos e os efeitos de sentidos.

Tal qual colocado por Brait (2013), não é possível separar essas duas linguagens

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sob pena de amputação de uma parte de seu plano de expressão e,

consequentemente, da compreensão das formas de produção de sentido do

enunciado, uma vez que esse se dá a ver/ler simultaneamente. O texto traz a atriz

em Primeiríssimo Plano (PP) de enquadramento, chamado também de big close-up,

no qual a figura humana é enquadrada dos ombros para cima, com destaque a seu

rosto. Isabel Fillardis se apresenta coberta por espuma proporcionada por seu

suposto banho e traz o rosto maquiado de maneira discreta com batom, sombra,

lápis para os olhos, entre outros itens possíveis, os quais ressaltam de maneira

suave seus traços. Em sua mão está o sabonete da Unilever, Lux Skincare, linha

específica para a pele morena e negra, que apresenta cor dourada, a qual também

remete a luxo e sofisticação. Abaixo da protagonista se vê uma embalagem do

produto, tendo a seu lado os seguintes dizeres:

Lux Skincare.

Uniformidade da Pele

Morena e Negra.

Sua pele por inteiro.

Ainda na embalagem é possível observar duas pérolas, uma de cor “morena”

e a outra de cor negra, representando os tons de pele de seu público-alvo e uma

modelo negra com cabelos cacheados, longos e impecavelmente arrumados. Essa

modelo ainda veste uma peça de roupa branca, com um decote em “V” mais aberto,

pronunciando seus ombros e dando a impressão de que é mais uma pérola a pousar

em uma concha – o formato do decote de sua peça de roupa propicia tal leitura. A

embalagem ainda traz tons marrons e um traço dourado com pinceladas que

reproduzem luz, sombra e nuances que ao mesmo tempo remetem à delicadeza e à

sofisticação.

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Figura 7 – Lux Skincare Fonte: Centro de História Unilever

Acrescentando-se, no canto superior esquerdo há os seguintes dizeres:

Ligue o Chuveiro.

Cubra-se de Espuma.

Transforme-se

em Pérola Negra.

O uso do verbo no modo imperativo reproduz uma das características do

gênero discurso publicitário, o qual pode trazer em sua linguagem um tom que indica

ordem ou pedido com o intuito de aderência às ideias sugeridas, entretanto, a

maneira como foi disposto à consumidora ilustra um exemplo de manual de

instruções, como se dá em uma tipologia injuntiva, uma vez que a potencial

consumidora deverá seguir algumas instruções que a conduzirão a uma mudança,

com a finalidade de “transformar-se” em uma pérola negra. Dessa maneira,

precisará executar as seguintes ações:

Ligar o chuveiro;

Cobrir-se de espuma;

Transformar-se.

O texto conota a ideia de transformação da consumidora em uma joia e mais

do que preciosa, rara, praticamente única. O mais interessante é que para isso

ocorrer essa depende apenas de si própria para executar as ações ordenadas e um

sabonete Lux da linha Skincare, pele morena e negra.

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Segundo texto consultado em Hypescience – disponível em:

<http://hypescience.com/o-que-faz-com-que-uma-perola-apresente-a-coloracao-

negra> –, pérolas negras são muito mais raras se comparadas às de tonalidade

clara. São formadas em uma ostra específica, natural do Taiti, a Pinctada

margaritifera que, ao contrário das outras espécies, possui em seu interior uma listra

de coloração negra. Se o grão de areia pousar em contato com essa listra e houver

a formação da pérola, o produto resultante será da cor negra. No entanto, mesmo

entre as Pinctada margaritifera isso é um fenômeno raro, sendo que sua ocorrência

se dá apenas entre uma a cada dez mil.

Isso colocado, podemos propor que a peça publicitária apresenta a ideia de

valorização do negro, colocando-o em posição de igualdade aos personagens

brancos e destituindo-o de estereótipos vigentes como, por exemplo, as

representações da mulher negra com vínculo de cunho sexual e/ou sensual, ou

como mera figurante, muitas vezes apagada ou desempenhando papéis subalternos

e de baixo prestígio social. Além do mais, há a conotação de que o produto valoriza

o tom de pele negro, tornando-o mais negro e não o inverso.

Devemos observar então que essa peça traz traços de uma publicidade

contra intuitiva que, segundo nos aponta Fry (2002, p. 308), é uma tentativa

deliberada de romper com os antigos estereótipos na produção que se pode

denominar de cartazes contra intuitivos. Essa ideia surge como proposta de

visibilidade do campo publicitário às minorias raciais e promove a releitura de

conteúdos estereotipados e negativos aos grupos estigmatizados e marginalizados.

Se antes o negro era visto como produto, ou seja, mercadoria anunciada nos jornais

da primeira metade do século XIX, um longo caminho foi percorrido até que esse

passou de produto à público-alvo e mercado consumidor.

De todas as maneiras, não se pode ter a ingenuidade de acreditar que a

empresa Unilever quis apenas inovar, criando e veiculando uma peça que

apresentasse engajamento contra o preconceito. Não se deve esquecer de que

foram décadas de comerciais dirigidos às mulheres em geral, porém, tendo como

base atrizes em sua maioria com características e traços europeus, brancas, sendo

que em nosso país há uma mescla de várias etnias, portanto, mulheres com traços

diversificados, do negro ao asiático, do branco ao indígena.

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O que podemos inferir é que houve o reconhecimento da presença desse

público e o mercado consumidor quis alcançá-lo, tendo em vista a fatia significativa a

qual representavam e que não deveria ser desconsiderada.

Prosseguindo com a análise, observa-se que o enunciado colocado ao lado

da embalagem do produto traz um discurso atenuado, sem a tonalidade da ordem e

com tendência à sugestão:

Lux Skincare – o que pode lhe proporcionar?

Uniformidade à sua pele morena ou negra;

Sua pele por inteiro.

Apesar da falta de coesão na superfície do texto, toda a coerência é retomada

e constituída por meio de informações subentendidas pelo público-alvo nas relações

dialógicas extratextuais. A pele negra, por características que lhe são intrínsecas,

carece de cuidados e hidratação extras. Por ser mais espessa, retém a oleosidade

e, por isso, a hidratação não se distribui de maneira uniforme, o que acarreta

pequenas rachaduras. Além do mais, o inverno confere à pele um tom acinzentado e

asperezas. Assim, quando se usa Lux Skincare – cujo próprio nome já carrega um

significado semântico de cuidado com a pele – há o entendimento de que a pele da

consumidora será cuidada por inteiro, de maneira uniforme. A ideia dessa hidratação

uniforme e completa retoma a ideia de que a empresa entende das preocupações

desse público-alvo e, assim, cuida-o por inteiro, não apenas em sua pele, mas em

resolver suas preocupações.

Isso colocado, entendemos que a comunicação verbo-visual da peça

publicitária dá conta do efeito de sentido que pretende passar, ou seja, a valorização

da mulher de pele negra, não tratada de maneira estereotipada e tampouco de

cunho subalterno, mas sim, colocada em papel de destaque, simbolizando uma

pérola negra, ou seja, uma joia rara e preciosa, o que traz o diálogo dessa ideia à

consumidora de pele morena ou negra, e ainda a valorização de seu tom de pele, de

sua identidade, assim como a preocupação de cuidado com suas características

peculiares.

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Assim, antepõe-se, igualmente, que a palavra é sensível às transformações

ocorridas na estrutura social e registra todas essas mudanças. Dessa maneira, o

negro que antes era tido como produto anunciado, ganha papel de destaque nessa –

e em outras – peças publicitárias. Nesse ínterim, confirmamos que o signo

bakhtiniano é ligado à mutabilidade, uma vez que reflete as condições do meio

social e são tecidas a partir de uma infinidade de fios ideológicos, portanto, figurando

sempre como o indicador mais sensível de todas as transformações sociais.

2.6 Ideologia da Palavra e da Imagem

Segundo Miotello (2006), ideologia é um conceito fundamental nos trabalhos

e no pensamento de Bakhtin e de seu Círculo. Diferentemente de Marx e Engels, os

membros do Círculo aprofundaram questões que aqueles apenas haviam tocado.

Além do mais, o Círculo combateu a perspectiva de como a ideologia era defendida

por estudiosos de então, que entre outras questões, colocavam a ideologia ora na

consciência, ora em um pacote pronto e, ainda, entendida e desenvolvida sob cunho

de um interior individual e, dessa forma, não sendo compreendida como um

acontecimento vivo e dialógico.

Bakhtin e o Círculo conceberam a ideologia inserida no conjunto de todas as

outras discussões filosóficas, tratadas de maneira concreta e dialética, como a

questão da constituição dos signos e da subjetividade. Ainda construíram o conceito

tendo como fundo o movimento, que sugere reação às transformações que se dão

nas esferas produtivas, na organização social e na comunicação interpessoal, tendo

ainda a ideia de que esse sempre ocorre entre a instabilidade, estabilidade e mais,

na concretude do acontecimento. Em outras palavras, ideologia deve ser

considerada um sistema sempre atual de representações da sociedade e do mundo

constituído a partir de interações, suas referências e ainda nas trocas simbólicas

construídas por determinados grupos sociais. Isso significa que há destruição e

reconstrução de concepções nos grupos sociais, seja nos que trazem o discurso

oficial, relativamente estável, seja nos que trazem o discurso da ideologia do

cotidiano, do acontecimento, relativamente instável.

Dessa forma, defrontando-se esses conjuntos ideológicos antagônicos,

Bakhtin e seu Círculo tiveram a oportunidade de estabelecer uma relação dialética

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entre ambos na concretude e ainda na formação de um contexto ideológico

completo, único, de relação recíproca e que não perde de vista o processo global de

produção e reprodução social. Em texto escrito em 1930 e intitulado Que é a

linguagem, Volochínov definiu ideologia da seguinte maneira: “Por ideologia

entendemos todo o conjunto dos reflexos e das interpretações da realidade social e

natural que tem lugar no cérebro do homem e se expressa por meio de palavras [...]

ou outras formas sígnicas” (VOLOCHÍNOV apud MIOTELLO, 2006, p. 169). Assim,

esse teórico entende que a ideologia não cabe ser tratada como falsa consciência

ou como expressão de uma ideia, mas sim ser concebida como expressão de uma

tomada de posição determinada (VOLOCHÍNOV apud MIOTELLO, 2006, p. 169).

O pensamento de Bakhtin e do Círculo advém da concepção de que para a

constituição da ideologia, a comunicação da vida cotidiana é relevante, pois essa

possui vínculo tanto com os processos de produção material da vida, na

infraestrutura, quanto na superestrutura e suas diversas esferas ideológicas

especializadas e formalizadas. Isso nos endossa a ideia de que mesmo os

encontros casuais e fortuitos do dia a dia, constituem-se como base fundamental

para a ideologia, solo propício para sua instalação, mesmo que não tragam

consequências mais relevantes para o desenvolvimento do pensamento.

Miotello (2006, p. 171) acrescenta ainda que dessa forma é possível outra

acepção e não apenas a ideia de que há uma “ideologia dominante como face da

moeda em que o outro lado é a ideologia dominada, propondo posição

subalternizada e desigual na luta”. Caracteriza ideologia desde a perspectiva

bakhtiniana como a expressão, a organização e a regulação das relações histórico-

materiais dos homens e mais, concebe que a “superestrutura não existe a não ser

em jogo e relação constante com a infraestrutura” e “essa relação é estabelecida e

intermediada pelos signos e por sua capacidade de estar presente em todas as

relações sociais” e mais, “em cada uma delas os signos se revestem de sentidos

próprios, produzidos a serviço dos interesses daquele grupo” (MIOTELLO, 2006, p.

171).

Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Volochínov (2006) afirma

que todo produto ideológico faz parte de uma realidade, seja natural ou social, como

um corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo, porém, ao

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contrário desses, o produto ideológico também reflete e refrata outra realidade, que

lhe é exterior. Ou seja, tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo

situado fora de si. Em suma, tudo que é ideológico é um signo e sem signos não

existe ideologia. Dessa maneira, entende-se que um corpo, instrumento de produção

ou produto de consumo, pode se revestir de um sentido ideológico, mas dado outro

contexto e circunstância, fazem apenas parte da realidade material, tal como o vinho

que é servido em atividade religiosa cristã, esse representando o sangue de Cristo,

mas que fora desse contexto seria apenas um produto de consumo.

Acrescente-se que todo signo está sujeito aos critérios de avaliação

ideológica, ou seja, se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom etc., e mais, o

domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos e é nesse “lugar” onde o

signo se encontra que se localiza também o ideológico – tudo que é ideológico

possui valor semiótico e isso tudo se dá de maneira determinada sócio-

historicamente, além de ser materializado na comunicação incessante que se dá nos

grupos organizados ao redor de todas as esferas das atividades humanas

(MIOTELLO, 2006, p. 170). Portanto, é na linguagem que ocorre de maneira mais

clara e completa a materialização do fenômeno ideológico. A representação do

mundo é melhor expressa por palavras, pois não precisa de outro meio para ser

produzida a não ser o próprio ser humano em presença de outro ser humano

(MIOTELLO, 2006, p. 171).

Cada palavra funciona como agente, memória social e por sua capacidade de

estar em todos os lugares, em contextos diversamente orientados, é tecida por uma

multidão de fios ideológicos, os quais podem ser contraditórios entre si, dada a

constituição em todos os campos das relações e dos conflitos sociais. Nesse ínterim

há o eco de diversas vozes nos signos que carregam contradições ideológico-sociais

entre o passado e o presente, entre várias épocas do passado, entre grupos do

presente e até entre os “futuros possíveis” e contraditórios. Nesse contexto, o meio

social envolve o indivíduo que é uma função das forças sociais. “O eu

individualizado e biográfico é quebrado pela função do outro social” (MIOTELLO,

2006, p. 175).

No discurso publicitário, o fio ideológico é pautado no poder, na conquista e

na sedução, entretanto, sem se esquecer de que há a manutenção da

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superestrutura, por meio da representação de que o indivíduo tem de si, do outro e

de representações que incluem ideias, valores, normas e regras construídas entre

as relações sociais, tais signos atribuem características de valor.

Se o Círculo nos aponta que o campo de criatividade ideológica tem seu

próprio modo de orientação para a realidade e a refrata à sua própria maneira,

podemos entender que a área publicitária o faz – ou procura fazê-lo – de forma

eficaz em função de seus próprios interesses, atendendo, assim, à sua função no

conjunto da vida social. Podemos também acrescentar que o discurso publicitário

vale-se muito bem desse conceito, pois a partir do qual é possível refletir e refratar

outra realidade aos olhos do consumidor.

Bakhtin/Volochínov (2006) aponta que todo signo representa um ponto de

vista, pois representa a realidade a partir de um lugar valorativo. Ainda nos é

colocado que tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado

fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos

não existe ideologia (BAKHTIN, 2006, p. 31). Dessa forma, o discurso publicitário

vale-se da construção e constituição de signos e da ideologia, os quais o

consumidor interpreta e se apodera como referência de status, manutenção de bem-

estar ou de sentimento de eficiência.

Se refletirmos sobre a representação do sexo feminino, ao tomarmos

anúncios veiculados para esse público – excluindo-se, neste momento, peças

publicitárias voltadas ao público masculino que, na maioria das vezes, trazem

mulheres relacionadas à sexualidade como objeto –, tradicionalmente essa

representação é pautada em papéis nos quais as mulheres representam mães e

esposas dedicadas, sustentando o ideal feminino de prendas domésticas, como nos

aponta Vestergaard e Schroder (2004), ignorando, por exemplo, que as mulheres já

fazem parte do mercado de trabalho.

Dessa forma, o papel de responsabilidade para a manutenção de uma família

feliz e protegida continua sendo outorgado à mulher, de modo que é essa quem

protagoniza junto a seus filhos e marido propagandas de inseticidas, aromatizadores

de espaços, alimentos – preferencialmente saudáveis, ou ao menos com aparência

de tal –, roupas, medicamentos e, em contraponto a isso, pouco se vê, por exemplo,

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mulheres vinculadas como potenciais compradoras de carros, principalmente se se

tratarem de automóveis de luxo ou que conotem status, poder ou agressividade.

Quando associadas a esse tipo de produto, tais mulheres vêm com o “pacote

família feliz” e a preocupação feminina nesse caso seria a de que o automóvel

atendesse às necessidades de seus entes queridos e que apresentasse uma “cara

mais família”, assim como remetesse à segurança, estabilidade, economia, entre

outros itens.

Em relação à economia, trata-se de outro quesito solicitado à mulher, pois

além de exímia mãe e dona de casa, deve exercer esse papel com a lisura de uma

ministra da economia. Não obstante a essa ideologia, atualmente a imagem

dominante de feminilidade se dá também nos quesitos de beleza e boa forma. Há,

neste momento, a transição ou moldamento da mulher doméstica para a mulher

fascinante. A fim de cumprir essa proposta, há o apagamento do discurso da “mulher

mãe” e dona de casa para o surgimento de uma imagem voltada para si e para seus

interesses particulares. Salienta-se que ambos os discursos podem caminhar um ao

lado do outro, como já dito, emaranhando-se em seus diversos fios ideológicos.

Esse ideal de beleza e de boa forma transfigurou-se na nova camisa-de-força da feminilidade, exigindo que as mulheres entrem em competição, mediante a aparência, pela atenção do marido, do namorado, do patrão e de todo espécime do sexo masculino que por acaso encontrem (VESTERGAARD; SCHRODER, 2004, p. 122).

Apesar de a mulher tratar de seus interesses particulares, em uma postura

ativa, sua atividade consiste em transformar-se em um objeto passivo, à espera da

iniciativa do homem. Esses autores ainda postulam que, em sua maioria, as

mulheres foram criadas para aceitar a subserviência como algo natural. Dessa

forma, as imagens tradicionais de feminilidade podem adquirir, de modo

subconsciente, a condição de refúgio no qual os papéis estão bem definidos e não

há conflitos de identidade. Para Vestergaard e Schroder (2004, p. 134), tudo leva a

crer que a publicidade explora o anseio nostálgico das mulheres – e dos homens –

pelos tempos em que a vida parecia mais singela.

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CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DO CORPUS

O presente capítulo destina-se à reflexão e análise do corpus, esse

constituído de três peças publicitárias em diferentes épocas. Procurou-se demarcar

os contextos, pois esses influenciaram decisivamente tanto as escolhas

enunciativas, quanto as respostas do público-alvo, tendo em vista a aceitação de

cada produto.

3.1 Lux de Luxo: Campanha Internacional – Estrelas de Cinema (1973)

Ao esboçarmos uma pequena contextualização histórico-social da mulher da

década de 1970, temos as seguintes considerações:

O cenário brasileiro dessa década foi pautado pela consolidação da indústria,

investimento estrangeiro no País e, no ângulo político-administrativo, sob a ditadura

militar. Assim, censura e repressão fizeram parte do cotidiano dessa sociedade.

Quanto ao universo feminino, seu modo de pensar ainda era pautado na

ideologia das décadas anteriores. Portanto, a concepção que se tinha era a de que à

mulher cabia o papel de prestimosa mãe, excelente esposa e eficiente dona de

casa. Acerca das moças solteiras, o discurso vigente da família e da sociedade era

que essa “não deveria se perder”, a fim de que se mantivesse “moça de família”, ou

seja, pura e casta até o casamento. Dessa forma, mesmo tendo dado seus primeiros

passos no mercado de trabalho e conquistado certa autonomia, além de ter

ampliado seu direito e acesso à educação, a mentalidade brasileira até então não

era acostumada com certas “modernidades”.

A mídia, por sua vez e representada em parte por revistas femininas, ao

mesmo tempo em que incentivava atitudes progressistas e transgressoras, sugeria

restrições e punições a quem infringisse as regras sociais. Dessa forma, novos

costumes e ideias de liberdade eram recebidos com curiosidade e desconfiança.

Virgindade, sexualidade e prazer feminino eram vistos como tabus. Muitas mulheres

também tinham o sexo como “obrigação de esposa”, ao lado de cuidar dos filhos ou

fazer compras. Dessa forma, aprenderam que o sexo é vinculado à instituição

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casamento e condenado fora desse. Pensando nisso, Teixeira e Valério (2008)

apontam que as revistas femininas da época traziam em suas publicações textos

sobre como agradar o marido debaixo dos lençóis como medida para trazer,

revitalizar ou perpetuar o amor. Se o enunciador, ao construir seu dizer, pauta-se em

seu interlocutor, podemos observar que a mulher da década de 1970 continuava nas

“mãos” dos homens e todo seu esforço, seja como mãe, mulher, esposa e/ou dona

de casa sempre era para agradá-los. Foi nesse contexto que surgiu o novo Lux.

Lux de Luxo nasceu em 1973, dez anos após a Unilever obter o direito de

utilizar seu nome internacional – Lux – em seus sabonetes no Brasil, anteriormente

designados como Lever.

Fatores como o período de desenvolvimento pelo qual o País passava, a

introdução das mulheres no mercado de trabalho, mesmo que discretamente, a

explosão de consumo e a franca concorrência com outras empresas, tudo isso

corrobora para que a Unilever traçasse estratégias para prosseguir líder no mercado

desse segmento. Além do mais, a intenção era alcançar não apenas a mulher e seu

núcleo familiar, mas também àquela que estivesse disposta a pagar um pouco mais

por seu pequeno luxo diário e particular.

Dessa maneira, a linha de produção de Lux foi segmentada em duas opções:

a linha básica, denominada como Tradicional e voltada para o uso familiar; e Lux de

Luxo, mais requintado e com maior poder de hidratação, segundo promessa da

empresa à consumidora. Aliás, esse era designado como “Um verdadeiro tratamento

de beleza à sua pele”. Esse slogan dialoga com o momento em que a mulher

passava em relação ao seu ideal de beleza – o mote da vez era a beleza natural,

pele e face limpa. Dessa forma, ao protagonizarem as campanhas de Lux de Luxo,

as estrelas surgiam com o aspecto mais natural possível, longe da ostentação e

holofotes de Hollywood, por exemplo.

Em campanha veiculada para a televisão, a atriz britânica Julie Christie surgiu

no meio de um campo florido, ora andando de bicicleta, ora passeando em um barco

tocado a remo com “seu” cachorro de estimação, como qualquer mortal, tal como

imagens retiradas da página web do Centro de História Unilever – disponível em:

<http://www.unilever.com.br/aboutus/centro_de_historia_unilever/historiadasmarcas/l

ux>.

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Figuras 8 e 9 – Julie Christie em Lux de Luxo Fonte: Centro de História Unilever

Nessa peça publicitária a atriz usava uma roupa singela e aparentemente

estava sem maquiagem. A intenção era a de criar a perspectiva de que a estrela de

cinema e a mulher comum estavam no mesmo patamar e tal qual a segunda, a

celebridade também vivia situações comuns. Quando o narrador pergunta à atriz

qual é o seu segredo de beleza, essa simplesmente responde, olhando para a tela:

“Eu uso Lux”.

Quanto à apresentação da embalagem, sua construção verbo-visual se

constituía da seguinte maneira:

O sabonete vinha acondicionado em papel especial, brilhante e de aparente

boa qualidade. Apresentava-se também em cores que correspondiam às dos

sabonetes embalados: branco, rosa, azul e verde. Não há informação a respeito de

possíveis diferentes fragrâncias representadas em cada tonalidade de embalagem –

o que ocorreu nas décadas posteriores, por exemplo. Na verdade, não há

informação quanto a qualquer tipo de fragrância. O destaque se dava apenas para a

ação hidratante do produto: Espuma – creme hidratante –, conduzindo a

consumidora na crença de que a espuma do produto, por si, já provoca a ação de

hidratação da pele. Quanto ao restante da construção verbo-visual, há a imagem de

uma atraente mulher, com traços europeus, envolta por uma moldura dourada. Essa

pousa para a câmara com um sorriso levemente esboçado. O logo Lux vem escrito

em traços fortes, negritados e com linhas retas, ao passo de que “de Luxo”,

apresenta-se com rabiscos suaves, cheios de curvas e como que traçados

delicadamente por uma mão feminina. Junto à moldura há duas rosas, com pétalas

em seus galhos, como se tivessem sido colhidas em seu desabrochar.

Desabrocharia Lux também a beleza da mulher? Além do mais, as pétalas podem

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conferir a ideia de que a pele da consumidora, após a ação do creme hidratante de

Lux, teria o mesmo toque macio e sedoso.

Quanto à peça veiculada na mídia impressa, para esta análise conseguimos

um exemplar retirado de uma edição – n.º 1.088 – da revista Manchete, com data de

circulação em 24 de fevereiro de 1973. tal propaganda está abaixo reproduzida, mas

também ampliada e dividida nos três Anexos que compõem este trabalho.

Figura 10 – Julie Christie em Lux de Luxo Fonte: Manchete, n. 1.088, 24 fev. 1973.

Julie Christie foi a atriz escolhida para protagonizar a campanha de

lançamento de Lux de Luxo, tanto na mídia impressa, quanto na televisiva, como já

mencionamos. Em relação à propaganda impressa, sua constituição se mostra da

seguinte forma:

Propaganda de duas páginas inteiras, veiculada na revista Manchete, com o

rosto da atriz ao lado esquerdo e texto ao lado direito.

O fundo é composto pela cor salmão, a qual contrasta com o negro dos

dizeres e promove destaque especial ao sabonete e sua embalagem branca, assim

como à rosa disposta cuidadosamente ao lado do produto. Essa flor apresenta parte

de seu galho com folhas frescas, espinhos e está como que se fora recém-colhida.

Remete às flores da embalagem e, assim como essas, representa o toque macio e

aveludado. Por se apresentar em fotografia e não desenhada como na embalagem,

imprime o sentido de frescor à pele da consumidora de Lux de Luxo.

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O cabelo da atriz apresenta moldura em volta de si, com contornos em um

tom um pouco mais forte na cor salmão, o que cria difusão junto ao cabelo louro com

mechas douradas e ainda a seu tom de pele e boca. A sensação que se tem ao se

observar a imagem é a de que Julie Christie funde-se ao cenário, como se essa e

sua pele apresentassem unicidade e homogeneidade à cor de fundo, o que vem

promover maior destaque ao sabonete. Assim, toda a força de significado da estrela

integra-se à Lux em um encapsulamento.

Acrescenta-se que as únicas imagens com maior resolução de nitidez são a

da rosa, da embalagem e do sabonete, que aparece de maneira coadjuvante, o que

entende-se proposital, uma vez que a intenção é realmente destacar o produto, dado

o efeito realizado por meio da imagem da atriz. Deve-se ainda acrescentar que,

contrastando com a imagem de Christie, há a modelo da embalagem do sabonete,

essa que traz os cabelos impecavelmente arrumados – possivelmente com o auxílio

de laquê –, ostentando um sorriso ao tipo de Monalisa e emoldurada, ao passo que

a atriz traz os cabelos desalinhados e a pele sem maquiagem, conotando a ideia de

uma mulher natural e comum, mesmo sendo uma atriz famosa. Essa constituição de

imagem aproximam celebridade e consumidora, pela possibilidade de equiparação

às condições de igualdade de quem compra com a estrela.

Quanto à análise linguística, tem-se as seguintes marcas:

AGORA LUX DE LUXO Único com creme hidratante Finalmente um sabonete que protege sua beleza. Lux de Luxo contém agora o que nenhum outro sabonete contém: um creme hidratante que se transforma numa espuma que limpa profundamente, hidrata e conserva a sua pele ainda mais macia. Lux de Luxo é um verdadeiro tratamento de beleza que você faz quando lava o rosto. E seu perfume V. nunca sentiu antes: é envolvente e delicioso. Julie Christie, de pele tão linda, usa o mesmo sabonete que você usará: Lux de Luxo, o único com espuma creme hidratante.

Ao lado esquerdo do sabonete há ainda as seguintes informações: “Novo

formato, em branco, rosa, azul e verde” – escritas em letras menores, mais discretas

e abaixo do sabonete, com letras maiores novamente com destaque: “Lux de Luxo é

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um verdadeiro tratamento de beleza”. Ao lado da atriz, há seu nome, ali posicionado

para identificá-la.

Inicia-se a análise com: “AGORA LUX DE LUXO/ Único com creme hidratante”.

Primeiramente, destaque-se o uso das letras em caixa alta, negritadas e

dispostas no centro da página, como se fosse uma chamada, uma manchete, algo

que fosse necessário chamar a atenção. Posteriormente, o advérbio de tempo agora

confere temporalidade presente ao enunciado. “Agora, neste momento, Lux é Lux de

Luxo”. Ou seja, ganhou status que necessita ser anunciado, pois antes era apenas

Lux. A família cresceu, surgindo um produto que, então, pode ser considerado de

primeira linha, pois seu status é conferido à qualidade singular que lhe é atribuída:

único com creme hidratante. Tal vocábulo expressa semanticamente valor de

exclusividade. Assim, o enunciatário poderá ler: Neste momento, Lux ganhou ares

de um sabonete de Luxo e o único do mercado que tem ação hidratante para a

minha pele, sendo esse seu principal diferencial.

Prosseguindo: “Finalmente um sabonete que protege sua beleza”.

Finalmente, por ser um advérbio de finalidade, além de construir um sentido

de que se chegou ao lugar desejado, indica uma ideia de alívio pela chegada de

algo que era necessário e esperado, mas que levou algum tempo para se

manifestar. Como todos precisam de proteção, há a indicação de que o sabonete

protegerá a beleza da consumidora e, ainda, o uso do pronome possessivo sua,

indicando a pessoa do discurso que traz a enunciatária para dentro do texto, assume

que essa já é bela e que Lux apenas protegerá e preservará algo que já lhe é

intrínseco. Além do mais, está embutida a ideia de acolhimento e preocupação que

Lux tem por sua consumidora, ao se preocupar em preservar sua beleza,

oferecendo-lhe um produto capaz de cumprir essa necessidade.

“Lux de Luxo contém agora o que nenhum outro sabonete contém:”

Agora é outra marca semântica que indica tempo e ainda conota que antes o

sabonete Lux não possuía um creme hidratante, porém, o enunciatário apaga – ou

tenta minimizar – essa informação, dizendo que nenhum outro sabonete a contém.

Se Lux não continha ação hidratante, os outros sabonetes também não, entretanto,

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o fabricante corrige essa falha e agora Lux de Luxo possui essa característica e,

assim, passa à frente de seus concorrentes.

“um creme hidratante que se transforma numa espuma que limpa

profundamente”.

Segundo o enunciado, o creme hidratante se transforma em uma espuma que

higieniza profundamente a pele da consumidora, marcado linguisticamente pela

expressão limpa profundamente, verbo e advérbio intensificador. Isso acrescenta a

ideia de que, ao adquirir o produto, receberá com esse um cuidado extra para a

manutenção de sua beleza, ou também a possibilidade de ser tão bela quanto à

estrela que protagoniza o comercial. Pode-se dizer, ainda, que a ideia de limpeza

profunda, marcada pelo advérbio de intensidade, indica que Lux vai a fundo no

cuidado a que se propõe. Interessante notar as relações dialógicas com as quais

essa ideia articula-se com a propaganda do sabonete Dove, de propriedade também

da empresa Unilever, que veio a ser lançado no País em 1992, ou seja, quase vinte

anos após o sabonete Lux de Luxo, cujo slogan afirma que “Dove é muito mais do

que um sabonete, é um verdadeiro tratamento de beleza”. Dessa maneira, muda-se

o nome, o produto, porém, mantém-se o conceito.

“hidrata e conserva a sua pele ainda mais macia”.

Novamente a ideia de preservação do aspecto físico, no caso, a pele e o uso

das palavras ainda mais, trazendo mais uma vez a informação que, segundo Lux, a

consumidora possui pele macia, de modo que o uso de mais é apenas um

intensificador. O produto, mais uma vez, apenas vem ratificar a beleza natural que a

mulher tem.

“Lux de Luxo é um verdadeiro tratamento de beleza que/ você faz quando

lava o rosto”.

Tratamento de beleza que a consumidora teria à disposição por um preço

módico, no conforto de sua casa, bastando apenas para isso, lavar seu rosto.

Interessante é o fato de que o discurso realmente muda conforme a evolução social

e histórica da sociedade e o enunciador realmente leva em conta seu enunciatário e

constrói seu enunciado baseando-se nesse. Para isso, tomamos um texto para

comparação, produzido para anunciar o sabonete Dove, que é de propriedade da

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Unilever, ou seja, mesma voz enunciadora. O texto – na integra e cujos grifos são do

autor – é retirado da página web da Dove, especificamente na sessão Artigos e

dicas e encontra-se em veiculação à ocasião de redação desta dissertação.

Por que Dove não resseca a pele como os outros sabonetes?

Todos já sentiram na pele o ressecamento que a maioria dos sabonetes causam e sabe que Dove é muito diferente: ao contrário dos outros, ele deixa a pele mais hidratada e macia. Mas você já parou para se perguntar por quê?

Para responder isso, precisamos entender o que acontece quando lavamos a pele: os sabonetes, para limpar, precisam remover as células mortas da pele e suas impurezas, como sujeira e bactérias, e também o excesso dos óleos naturais. Para isso, eles possuem surfactantes, que são substâncias que diminuem a tensão superficial da água e, assim, conseguem dissolver e eliminar as gorduras. O problema é que esses surfactantes acabam penetrando na pele e prejudicam a queratina, um dos seus principais componentes, e também eliminam completamente os lipídeos que formam o seu óleo protetor. Com isso, a pele perde a defesa natural que a ajuda a manter a hidratação e o resultado é uma pele seca, sem brilho, que, em casos mais graves, chega a provocar coceira e sensação de pele esticada.

Já Dove é diferente, pois possui uma tecnologia exclusiva que permite um surfactante menos agressivo: ele consegue eliminar a sujeira e as impurezas, mas não chega a danificar a pele. Além disso, 25% da barra do sabonete é composta por creme hidratante, o que corrige imediatamente qualquer dano que venha a ser causado por ele, deixando a sua pele macia e hidratada. Outra característica importante é que, ao contrário da maioria dos sabonetes, o pH de Dove é neutro e não básico e, por isso, não altera a composição da sua pele.

Mesmo assim, há quem pense que quem tem a pele naturalmente oleosa não pode usar Dove. Isso não é verdade, pois ele é dermatologicamente testado e indicado para todos os tipos de pele. Afinal, justamente pelo fato de ser menos agressivo que os outros sabonetes, ele não causa lesões e nem aumento das acnes e, por isso, pode ser usado até mesmo no rosto. Então aproveite, pois agora você sabe que uma pele macia e hidratada está ao alcance de todos!

Embora a intenção não seja fazer uma análise da propaganda de Dove, e

tampouco essa será realizada, tomou-se apenas alguns elementos para contrastar

com o discurso enunciado pela mesma empresa há quarenta anos.

“Todo mundo já sentiu na pele o ressecamento que a maioria dos sabonetes

causam e sabe que Dove é muito diferente, pois ao contrário dos outros ele deixa a

pele mais hidratada e macia”. Após afirmar isso, passa-se à explicação científica

porque acontece o ressecamento. A pergunta que se faz é: Lux de Luxo não possuía

surfactantes? Se os possuía – e provavelmente sim, uma vez que é esse elemento

que promove a limpeza da pele –, por que o silenciamento da questão? Lux, de fato,

poderia cumprir o que anunciava? Outro questionamento é: se atualmente Dove

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anuncia a quantidade de creme hidratante presente em sua fórmula em 25%, por

que Lux de Luxo não trazia esse tipo de informação em 1973? Pode-se entrever que

para a consumidora de quarenta anos atrás bastava descrever as propriedades do

produto e, assim, essa acreditaria, tendo uma atitude responsiva não crítica ao que

lhe era dito, fato diferente da consumidora atual, quem necessita e exige mais

explicações do que lhe é oferecido. A propaganda de Dove está aí para dizê-lo e

cabe ao consumidor assumir uma postura crítica ao que lhe é afirmado.

“E seu perfume V. nunca sentiu antes: é envolvente e delicioso”.

Dispostas todas as qualidades de Lux de Luxo, por meio da conjunção aditiva

e, o enunciador acrescenta características do perfume como algo inédito ao olfato da

consumidora, disposto pelo uso do advérbio nunca que, ao mesmo tempo em que

nega, marca o tempo: “Você nunca sentiu antes”. Entretanto, é interessante

observar que essa fragrância misteriosa não é nomeada, especificada. Apenas é

descrita como “envolvente e deliciosa”, o que pode ser proposital, a fim de atiçar a

curiosidade da enunciatária.

“Julie Christie, de pele tão linda, usa o mesmo sabonete que você usará:”

Julie Christie, já encapsulada e homogeneizada ao produto, é lembrada e

citada, por ter uma pele linda, intensificada pelo advérbio tão – pele tão linda –,

passível de ser objeto de identificação à consumidora. Inclusive, deve-se lembrar de

que em sua apresentação junto ao produto, na propaganda impressa supracitada, a

cor de fundo em tom pastel funde-se à pele da atriz, conotando-se a ideia de que

propaganda e personagem são constituídas da mesma natureza. Por que Julie

Christie tem a pele tão linda? Porque a conserva – todas são belas e apenas

precisam preservar sua beleza – utilizando Lux de Luxo.

Outro ponto a se destacar é que o enunciador afirma que a atriz usa o mesmo

sabonete que a enunciatária usará. Dispõe uma ordem nessa afirmação, porém a

faz de maneira indireta, empregando o futuro do presente usará e não o modo

imperativo para impor um posicionamento. Essa afirmação proferida é atestada

como algo certo, que acontecerá – “o mesmo sabonete que você usará” –, não

restando à enunciatária opção de escolha, como, por exemplo, se fosse utilizada a

forma verbal no futuro do pretérito – “o mesmo sabonete que você usaria”. Introduzir

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a atriz na peça também faz parte da estratégia de vendas da empresa, no sentido de

aproximar o público comum às, até então distantes, divas do cinema, em situações

cotidianas, corriqueiras.

“Lux de Luxo, o único com espuma creme hidratante”.

O enunciado acima apenas retoma o início do texto, possivelmente com a

intenção de reforçar o que já fora anunciado à consumidora.

Outro detalhe interessante é o fato de que, ao se fazer uma leitura em voz

alta desse anúncio em sua totalidade, tem-se a sensação de que esse é proferido

em um comercial como que da Era do rádio, ou mesmo da televisão em seu início, a

qual era comparada a “um rádio com imagens”. A enunciatária é incluída na

“conversa” por meio do uso de pronomes, como o possessivo, por exemplo, indicado

pela pessoa do discurso e o pronome de tratamento você, que denota intimidade. É

como se o enunciatário fosse íntimo de quem se dirige, reproduzindo, de certa

forma, uma conversa em um tom informal, entre amigas.

Nesse texto publicitário também é destacado o novo formato do produto e a

gama de cores que lhe é conferida e ainda é citado o nome da atriz para, finalmente,

fechar sua construção verbo-visual, dirigindo uma última informação à consumidora:

“Lux de Luxo é um verdadeiro tratamento de beleza”.

Tal afirmação possivelmente procura ratificar tudo o que foi proferido nos

enunciados anteriores e confirmar à leitora o papel que Lux veio desempenhar: tratar

sua beleza, preservá-la, além de hidratar sua pele, protegê-la e mantê-la ainda mais

macia do que é, com o simples ato de se lavar o rosto em casa e isso se dá pelo uso

da palavra verdadeiro, pois confere à consumidora a ideia de autenticidade das

características atribuídas ao produto.

Sendo ainda Lux um verdadeiro tratamento de beleza, a consumidora não

necessitará de mais nada para manter sua forma natural, sem maquiagem ou

excessos, o que dialoga com a constituição da imagem mostrada de Julie Christie.

Por sua vez, essa articulação entre a imagem que a consumidora tem de si e a

projetada pela atriz, dialoga com o contexto histórico no qual ambas estavam

inseridas e onde se procurava expressar liberdade, leveza e simplicidade.

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Há de se salientar, ainda, que as escolhas lexicais para constituir essas ideias

promovem uma progressão que não amplia, pelo contrário, afunila-se no objetivo de

se elaborar uma coerência interna, a qual indica que Lux é um objeto único,

verdadeiro e singular na vida da consumidora. É uma peça rara, preciosa e que lhe

outorga o direito de um verdadeiro tratamento de beleza por um preço módico.

3.2 Lux Fashion Pink (2007)

Se nas antigas e primeiras propagandas do sabonete Lux eram necessários

longos textos explicativos e argumentativos, enumerando-se todas as vantagens de

se utilizar o sabonete, além de adicionar a isso a imagem de belas estrelas do

cinema e o bem que o produto supostamente fazia à pele dessas; atualmente a

dinâmica da sociedade exige que isso não se faça necessário, até mesmo porque,

na sociedade contemporânea, devido ao processo muito rápido de geração de

informações, não é possível oferecer muito tempo para que se produzam escolhas

e, assim, uma leitura contemplativa de um texto publicitário se faz mais difícil.

Dessa maneira, as mensagens publicitárias encolheram e são constituídas

com discursos verbo-visuais, nos quais o visual geralmente dá conta de transmitir a

mensagem por si só, em uma rápida leitura. Isso se dá porque o enunciador

publicitário, ou qualquer profissional, conforme aponta Bakhtin (2011), responde ao

contexto, ao público, à transformação da sociedade e essa advém pelo transcorrer

do tempo, pois cada temporalidade corresponde um novo homem.

Dessa maneira, ao homem atual, devido à própria dinâmica social e histórica,

é possível a leitura e a compreensão de textos a partir de partes, de fragmentos, de

maneira rápida, significa, o que justifica a “economia” de palavras no texto

publicitário e a ampliação de imagens que podem significar por si. Entremeio a isso,

o discurso publicitário de Lux adapta-se a essa nova realidade social e constitui,

dessa forma, novos modelos de apresentação de propagandas.

Quanto a este corpus, sua contextualização se dá primeiramente nos

seguintes termos:

Quando lançado no mercado, em outubro de 2007 e com edição limitada, a

linha de sabonetes Lux Fashion Pink prometia que o momento do banho da

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consumidora ganharia mais feminilidade e atitude. O sabonete foi o primeiro no

mercado brasileiro a ser fabricado na tonalidade pink e, segundo a Unilever,

proporcionava hidratação e perfume à pele, além de uma incrível sensação de

prazer e cuidado com o corpo. A novidade foi disponibilizada ao mercado nas

versões barra e líquido, com quatro tipos de embalagens. À época, Elisson Dias –

gerente de marketing da empresa – declarou:

Sabemos que o banho é o início de qualquer ritual de beleza e que pink não é apenas uma cor, e sim uma atitude, é a suprema expressão de feminilidade. Por isso unimos esses dois universos nos sabonetes Lux Fashion Pink que irão provocar os sentidos das mulheres e levar sofisticação e modernidade ao momento do banho (fonte: <http://propmark.uol.com.br/anunciantes/23294:unilever-destaca-atitude-feminina>. Acesso em: 25 mar. 2015).

Quanto à contextualização histórica e social, a década de 2000 foi a primeira

do século XXI. A economia mundial passou por um dos maiores períodos de

prosperidade e estabilidade da história. Nessa década, a Internet se consolidou

como veículo de comunicação em massa e a armazenagem de informações atingiu

um nível sem precedentes. O acesso à Internet foi gradualmente substituído da

conexão discada à banda larga, o bluetooth fez crescer o conceito de rede sem fio; o

blu-ray sucedeu o Digital Versatile Disc (DVD); o disquete caiu em desuso, sendo

substituído pelo pen-drive e cartões de memória; a Apple lançou o iPod e o iPhone,

revolucionando o mercado de telefonia celular e Mpeg-1/2 Audio Layer 3 (MP3)

players.

Nesse momento também surgiram as primeiras redes sociais, como o

LinkedIn, Orkut, Facebook, MySpace, Hi5 e Twitter. Houve a popularização de

aparatos tecnológicos, como MP3 e MP4 players, desktops, laptops e câmeras

fotográficas digitais. O Google lançou o Google Earth e posteriormente o Google

Maps e o YouTube foi reconhecido como um novo conceito de compartilhamento de

vídeos. Em relação aos tubos de raios catódicos para televisores e computadores,

esses deixaram de ser fabricados, dando lugar às telas de plasma e Liquid Crystal

Display (LCD), enquanto o formato das telas também mudou de quadrado para

retangular. Ocorreu a popularização da televisão por assinatura e a tevê digital foi

implantada no Brasil, apesar de ser facultativa até 2016.

No cenário político brasileiro, 2000 foi marcada como a década em que a

esquerda política teve um representante seu eleito como presidente do País. O

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primeiro brasileiro operário a alcançar a presidência, Luís Inácio Lula da Silva,

elegeu-se em 2002 e foi reeleito em 2006. O Brasil conseguiu acumular mais

reservas do que a dívida externa, recebendo o status de credor e manteve sua

economia estável.

Quanto à moda, houve simplificação e o estilo passou a ser o casual. As

roupas foram marcadas por cores únicas, geralmente em tons naturais ou terrosos.

Foi lançada a calça Saint-Tropez – de cintura baixa – e as calças com joelho

rasgado imperaram entre o público adolescente. Os vestidos, cada vez mais curtos,

foram outra referência. Ao final dessa década, a moda entrou em um momento retro

com a volta das calças acima do umbigo e as roupas, essas que voltaram a ter cores

mais vivas e alegres.

No que se refere à imagem corporal, a década de 2000 foi marcada pela

busca por um corpo feminino mais malhado e definido, porém, sem deixar de

entrever seus atributos típicos, o que reafirmava a mulher dessa época como

poderosa, atraente e sedutora. Quanto aos cabelos, o liso imperou com a novidade

da escova progressiva.

Em relação ao espaço na sociedade, segundo o sociólogo José Pastore – em

artigo publicado no Jornal da Tarde, em 8 de março de 2000 e disponível em:

<http://www.josepastore.com.br/artigos/mu/mu_007.htm> –, as mulheres da década de

2000 ocuparam posição superior aos homens no quesito escolaridade. Entre as

pessoas que à época tinham mais de onze anos de escolaridade, 30% eram

mulheres contra 20% de homens. No Ensino Médio, essas correspondiam a 60%,

contra 40% dos alunos de sexo masculino; no Ensino Superior acumulavam 56%

contra 44%. Mesmo na Zona Rural, com todas as dificuldades de acesso à

faculdade, o número de moças era 2,5% maior do que o de rapazes. Entre as que

tinham nível universitário, quase 80% trabalhavam fora de casa e, considerando-se

todos os graus de escolaridade, 48% estavam inseridas no mercado de trabalho. Se

nos anos 1980 apenas 20% eram casadas, na década de 2000 esse número passou

para 50%. Fatores como o declínio de salários dos maridos, redução do número de

filhos e melhoria educacional contaram pontos para essa mudança.

Esse sociólogo também aponta que, apesar do cenário positivo em relação à

educação, nem tudo era harmonioso para as mulheres. Essas ainda enfrentavam

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inúmeras barreiras invisíveis criadas pela sociedade e que nada tinham a ver com

sua capacidade e competência. Em relação aos salários, essas ganhavam 25%

menos se comparadas aos homens, mesmo em profissões tipicamente femininas,

cabendo exceção apenas entre professores e costureiros, cujos salários eram os

mesmos entre os dois gêneros. No campo das promoções as mulheres também

eram minoria, sendo que no setor privado a ocorrência de promoção às mulheres

era menor ainda se comparada ao setor público, porém e em contrapartida, nas

pequenas firmas e negócios as mulheres já figuravam como milhares de

empresárias, embora não se possa ignorar que se tratavam de negócios que não

apresentavam grande expressão financeira, por exemplo.

Apesar dessas restrições socialmente impostas, o poder de compra do

público feminino da década de 2000 cresceu e nos últimos cinco anos desse período

as vendas de cosméticos e perfumes aumentaram em 60%, sendo a maior

ocorrência entre as camadas de renda mais baixa. Em relação à compra de

produtos mais caros do que xampus ou cremes, as mulheres os compravam com

recursos próprios, assim como representavam a aquisição de um terço dos

automóveis pequenos e médios do Brasil, o que não deixa de ser uma conquista,

porém esse fato ainda demonstrava significativa desvantagem econômica da mulher

quanto à aquisição de carros mais luxuosos e, consequentemente, mais caros.

Em contrapartida a tais conquistas parciais, a entrada maciça das mulheres

no mercado de trabalho ainda acarretou novos problemas. A jornada de trabalho da

mulher tornou-se muito extensa, uma vez que a maioria dos homens não ajudava

nos trabalhos domésticos. Se ao longo da semana a mulher gastasse trinta horas

para executar as tarefas domésticas, carga horária essa atrelada a uma jornada de

44 horas no trabalho fora de casa, somar-se-iam então quase 75 horas semanais.

Tudo isso acarretava à mulher, além de cansaço físico e mental, o sentimento de

culpa, pois nunca acreditava executar de maneira satisfatória seus papéis. Teixeira e

Valério (2008) apontam que, enquanto as mulheres se voltavam à maternidade e à

casa, os homens se voltavam à esfera pública e à vida social. Ghilardi-Lucena

(2002) afirma que a imagem da mulher tem se modificado com o passar do tempo,

mas o ideal de domesticidade ainda permanece.

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Em relação à conquista e jogo de sedução, se antes a mulher tornava-se

atraente para ser conquistada, nesse momento era essa quem conquistava,

deixando de lado a imagem de “moça comportada” e assumindo o lugar de “mulher

liberada”. Dessa maneira, passou de conquistada a conquistadora.

Isso aponta que a mulher da década de 2000 ainda lutava para garantir seu

espaço na sociedade, ainda sofria discriminação de gênero, tornava-se avançada

em alguns itens, ao passo que em outros se mantinha no mesmo patamar que

décadas anteriores. Em relação à própria sexualidade, tinha uma postura diferente

da mulher da década de 1970, por exemplo. Se aquelas viam no sexo uma

obrigação para satisfazer o marido, a mulher dos anos 2000 não tinha vergonha de

se relacionar com um homem apenas para sentir prazer, sem compromisso. Por

outro lado, ainda era presa e submissa ao homem no sentido de buscar artifícios

para satisfazê-lo e, entre outras características, não era tão liberada quanto

desejava ser ou demonstrar. Além do mais, muitas ainda estavam presas ao

estereótipo de “moça de família” e viviam um dilema entre realmente fazer tudo o

que lhes dessem vontade, ou se resguardarem de julgamentos sociais.

Sob tal contextualização, inicia-se a análise do corpus nesse período.

A apresentação de Fashion Pink se formula da seguinte maneira: os

sabonetes são acondicionados em embalagens em formato de caixas, com um

papel tipo seda envolvendo-os para melhor proteção, ao invés de simplesmente

involucrados em papel comum, como ocorre com sabonetes tidos como mais

populares. Por meio de memória discursiva, sabe-se que antigamente apenas

sabonetes considerados mais finos – e consequentemente mais caros – vinham

embalados em caixas. Esse detalhe cria a sensação de maior prestígio e isso já

aponta a intencionalidade da empresa, mesmo que sutil, em demonstrar oferecer um

produto exclusivo ao mercado ou, pelo menos, com um status mais elevado aos

olhos da potencial consumidora. Quanto às embalagens, são atraentes em si. Sua

constituição verbo-visual se dá da seguinte forma – a cor predominante das caixas é

pink, com fotografias em preto e branco e fundo igualmente branco, o que realça as

imagens e destaca os detalhes dos objetos nessas apresentados, os quais também

vêm na tonalidade pink. A intenção, nesse momento, não era integrar a imagem da

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mulher ou dos objetos à “paisagem”, fazendo uma fusão, mas sim destacá-los

individualmente, ou seja, um por um.

Figuras 11, 12, 13 e 14 – Embalagens de Lux Luxo Fashion Pink Fonte: Centro de História Unilever

Todas trazem o logotipo da marca Lux, esse disposto no centro de cada

embalagem, possuindo especial destaque e tamanho de letra superior às demais.

Em todas também há a palavra Luxo para identificar e especificar a linha do produto.

O destaque edição limitada aparece em três embalagens. Isso aguça o desejo e a

pressa em se adquirir o sabonete, pois a indicação de ser um produto de edição

limitada expressa sua provável efemeridade no mercado, indicando que, sendo a

consumidora única e especial – tal qual o sabonete –, essa necessita adquirir o

produto de maneira praticamente instantânea.

Todas apresentam o substantivo comum sabonete, disposto no canto inferior

esquerdo, grafado de maneira discreta, com tipo de letra que traz linhas finas, quase

apagadas, distintas das demais utilizadas. É como que se houvesse, inclusive, a

intenção de provocar um apagamento do produto de consumo e que a consumidora

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até esquecesse sua função original – produto de higiene –, de modo que o destaque

fosse dado para o substantivo próprio, Lux Luxo Fashion Pink, esse em letras de

formato diferenciado, como que escrito de maneira rabiscada, solta, despretensiosa

e – por que não dizer? – fashion. A simbologia que se deseja criar é a de um signo

referente a glamour. É apresentado no canto inferior direito o peso do produto,

atendendo-se, assim, à legislação. Todas as embalagens em questão apresentam

rostos femininos fragmentados, parcialmente entrevistos, assim dispostos de

maneira proposital. Essas partes, sem identidade definida, criam a ilusão de que

cada rosto estampado pode ser o de qualquer mulher, inclusive o da consumidora.

Isso se torna possível mediante a exotopia. Para Bakhtin (2011, p. 21) um dos

elementos fundamentais da exotopia é o excedente de visão:

Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar – a cabeça, o rosto, e sua expressão –, o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila de nossos olhos.

Bakhtin (2011, p. 22-23) prossegue afirmando que:

O excedente de minha visão, com relação ao outro, condiciona certa esfera do meu ativismo exclusivo, isso é, um conjunto daquelas ações internas ou externas que só eu posso praticar em relação ao outro, a quem elas são inacessíveis no lugar que ele ocupa fora de mim; tais ações completam o outro justamente naqueles elementos em que ele não pode completar-se.

Assim, se no excedente de visão é possível vermos o outro acabado, ao

passo que nos vemos inacabados, nesse jogo de refração e reflexo Lux projeta a

consumidora para a embalagem e, dessa forma, essa se vê, entretanto, como se

deveria imaginar, de maneira também inacabada, fragmentada. A fragmentação da

imagem da mulher dialoga com a fragmentação do discurso ligado ao momento

histórico atual. Dessa forma, estão articuladas tanto a questão cronotópica, que

promove essa transformação; quanto a questão exotópica, da visão que a mulher

tem de si, de seu inacabamento, porém, da necessidade de acabamento. Como o

produto cria a perspectiva que lhe dará o acabamento desejado, serve para qualquer

mulher. A partir do momento em que a embalagem de Lux pode retratar a mulher

considerada comum, há desconstrução do antigo slogan da empresa, de décadas

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anteriores – “Lux, o sabonete das estrelas” –, o qual em suas propagandas e

embalagens trazia as divas do cinema e da televisão. Mais uma vez nota-se a

articulação de espaço, na qual aponta a transferência de lugar da consumidora,

antes em seu lugar dito comum, para a embalagem do sabonete, espaço

anteriormente ocupado por celebridades televisivas e cinematográficas.

O enunciador ainda reproduz o contexto social e anseios da, então, imagem

que a mulher da década de 2000 busca concretizar – a mulher refletida na

embalagem possui traços bonitos pelo pouco que se consegue ver. Traz lábios

carnudos, que remetem à sensualidade e desejo masculino, dentes alinhados,

brancos, mostra unhas longas, impecavelmente feitas e pintadas. Os cabelos são

longos, escuros, lisos, porém, com balanço. As formas do corpo são

harmoniosamente proporcionais e de estética magra. Essa mulher gosta de se

produzir e de se maquiar. Traja vestidos sensuais, curtos, sendo que o preto traz um

tecido com toque visivelmente acetinado e com um brilho fosco. O vestido

apresenta-se também com alças finas, decotado nos seios e possibilita a visão de

grande parte das costas desnudas.

As embalagens ainda apresentam objetos que evocam o gosto e universo

feminino: joias – tais como a pulseira, o anel, os colares –, bolsa, maquiagem –

representada no batom – e, claro, sapatos, o que, aliás, não passam despercebidos.

Botas de cano longo e salto alto, tipo “agulha”, que demandam mais balanço ao

andar, pois seu equilíbrio exige mais habilidade, isso é recompensado no balançar

dos quadris e, consequentemente, expõe uma expressão de sensualidade. Essa

construção da personagem remete aos objetos de fetiche, meticulosamente

trabalhados na fotografia, na posição do corpo em relação ao espaço, constituindo

partes de sedução. Em propagandas antigas de Lux a sensualidade era apenas

sugerida. Mesmo a embalagem do Lux de Luxo de 1973 traz a imagem de uma

mulher bem diferente da retratada em 2007 com o Fashion Pink. Dessa maneira,

entende-se que o tempo altera o espaço, oferecendo-lhe novas cores e sentidos.

Por estar ligado a uma época, caracteriza o modo de ser do indivíduo naquele

contexto. Esse molda-se à realidade de acordo com o espaço que ocupa em

determinado tempo. Assim, entende-se que há abertura e ajuste ao tempo-espaço.

Portanto, à mulher de 2000 é brindada a possibilidade de mostrar-se mais e não

apenas sugerir sua sensualidade. Entretanto, ainda se vê e se enxerga desde a

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perspectiva masculina, o que corrobora a busca de artifícios para satisfazer o sexo

oposto. Dito de outra forma, essa mulher não é tão liberada quanto desejaria ou

demonstra ser e, assim, a relação dialógica com o discurso de outrora se mantém.

Quanto à cor selecionada, pink, culturalmente é associada ao universo

feminino. Endossamos essa acepção em relação às cores com as palavras de

Bakhtin/Volochínov (2006, p. 33, grifo nosso):

Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideológico, tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer.

Enquanto a tonalidade mais suave do rosa denota pureza, fragilidade,

delicadeza e lembra o universo de princesas, por exemplo, a tonalidade pink, mais

forte, é associada à sensualidade e sedução feminina. Nesse ínterim, a imagem que

Lux deseja transmitir é que sua consumidora cresceu, amadureceu e deixou o tom

rosa da infância de lado, para ser uma mulher sensual, sedutora, de atitude. Dentro

do projeto de dizer do enunciador, essa cor também faz alusão à força que essa

mulher tem, ou pode conquistar.

Dispondo da embalagem, agora em um plano aberto, prossigamos na análise.

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Figura 15 – Lux Luxo Fashion Pink Fonte: Centro de História Unilever

Sob o novo ângulo, vemos que a embalagem traz a imagem do sabonete,

concedendo à consumidora a possibilidade prévia de visualizá-lo sem abrir a caixa.

Isso demonstra uma estratégia, pois uma vez visualizado o produto, há a

possibilidade de se aguçar o desejo da consumidora, afinal, Lux Fashion Pink é o

primeiro sabonete do país e ser fabricado nessa tonalidade.

Quanto às letras, seguem o mesmo padrão da frente da caixa, sendo que a

disposição de cores no enunciado da lateral se dá entre os tons branco e preto, em

linhas alternadas. Acreditamos que o recurso foi utilizado para não cansar a vista e

ainda ampliar a possibilidade de leitura. Além do mais, o tom negro não conflita com

as outras cores utilizadas, pois além de “casar” com a cor do vestido, quebra a

homogenia propiciada pelo branco e pink.

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A embalagem ainda apresenta o código de barras do produto, característica

que o modelo de 1973 não continha, pois tal tecnologia ainda era inexistente no país

àquela época.

Prosseguindo, a caixa estampa os seguintes enunciados:

Ultra-feminina em cada detalhe

Pink não é uma cor... É uma atitude! Lux te convida a ser mais pink todos os dias e entrar para o mundo que celebra os prazeres de sentir-se bela.

Modo de usar: Corra para debaixo do chuveiro e sinta uma explosão pink de perfume e feminilidade com este sabonete pink de beleza. Atenção: Risco de encantar o mundo com excesso de feminilidade e atitude.

A embalagem traz informações quanto ao modo de uso, como qualquer outro

produto se propõe a fazê-lo. As instruções, pautadas na tipologia injuntiva,

entretanto, causam uma novidade e provocam, em um primeiro momento,

estranhamento.

“Corra para debaixo do chuveiro/ e sinta uma explosão pink de perfume e

feminilidade/ com este sabonete pink de beleza.”

Primeiramente, esse estranhamento é rompido pelo vínculo cronotópico

existente entre o contexto da sociedade de consumo e o mundo representado pela

publicidade, no qual a idealização de seu cotidiano vale-se do vínculo dialógico da

rotina da vida real. Segundo Trindade e Barbosa (2007), por valer-se como um não

lugar, atemporal, que funciona como um elo entre o mundo do consumo publicitário

e o mundo do consumo vivido, essa construção é válida no projeto de dizer do

anunciante. Esse vale-se do fato de que o tempo e o espaço no discurso publicitário

remetem a uma realidade mítica, quase mágica e o cronotopo como chave de

conexão entre a realidade do consumidor e o mundo mítico do consumo publicitário

promove a construção de um imaginário perfeito ou quase perfeito, no qual espaço e

tempo – e, ainda, os sujeitos – são idealizados.

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É claro que ao destinatário é dado o direito de analisar, concordar, questionar,

refutar ou aceitar, porém, como colocado, o discurso publicitário pauta-se em uma

realidade utópica. Assim dito, passaremos à análise linguística dos enunciados.

“Ultra-feminina em cada detalhe”.

A escolha lexical do sufixo latino ultra, que carrega o significado semântico de

“posição além do limite”, “excesso”, já demonstra a intencionalidade do enunciador

em afirmar que a consumidora do sabonete Lux Fashion Pink é excessivamente

feminina, em cada detalhe. Observa-se também um paradoxo entre o prefixo ultra e

o substantivo detalhe. Enquanto o primeiro denota excesso, exagero, o segundo

carrega o significado semântico que expressa algo mínimo, pormenor.

Vale recordar, também, que o excesso de feminilidade da consumidora do

Fashion Pink se ratifica por meio da visão exotópica na qual a leitora presumida se

vê projetada na embalagem do sabonete, de modo que todos aqueles objetos

utilizados pela mulher-propaganda são símbolos de sua feminilidade exacerbada em

busca da ratificação de sua sensualidade à flor da pele.

Quanto às instruções de uso, essas se dão da seguinte maneira:

Modo de usar: Corra para debaixo do chuveiro e sinta uma explosão pink de perfume e feminilidade com este sabonete pink de beleza. Atenção: Risco de encantar o mundo com excesso de feminilidade e atitude.

A tipologia utilizada é a injuntiva, com caráter prescritivo, ou seja, que deve

ser seguido à risca, diferente, por exemplo, do texto injuntivo que permite ao

enunciatário escolher entre realizar, ou não, uma ação. Dessa maneira, para

alcançar os efeitos desejados, as ações devem ser realizadas rigorosamente,

entretanto, o texto traz uma advertência: a ressalva de que a consumidora correrá o

risco de encantar o mundo com excesso de feminilidade e atitude.

Dessa forma, qual é a receita que Lux dá à sua consumidora para ser uma

mulher feminina e de atitude? Observe-se:

Para conseguir tal condição, a mulher deverá correr para debaixo do chuveiro.

Vemos que a forma verbal, disposta no modo imperativo, indica que a mulher deve ir

correndo para o banho e não simplesmente se dirigir calmamente. Ao obedecer tal

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critério, a consumidora sentirá uma explosão pink de perfume e feminilidade. Assim

como no conto de fadas, após o toque da varinha mágica e uma pequena explosão,

a gata borralheira ganha ares de princesa; a mulher que utilizar o sabonete sentirá

uma explosão que lhe acarretará perfume e feminilidade. A fada madrinha é o

sabonete pink de beleza. Dessa forma, por obediência em se realizar a ação, há a

consequência da premiação, a qual é uma transformação.

O uso da preposição de nos indica se tratar de um sabonete que proporciona

beleza. Questões sinestésicas também são evocadas, pois ao citar a palavra

perfume é possível haver a vontade de aspirá-lo, senti-lo; além do mais, apenas a

palavra em si remete a uma sensação agradável, a um bem-estar.

Quanto à seguinte “ressalva” “Atenção: Risco de encantar o mundo com

excesso de feminilidade e atitude”, nota-se no projeto de dizer do enunciatário uma

ironia, pois não seria nada além disso que a consumidora do produto gostaria de

atingir. Além do mais, com as palavras dispostas como se fossem uma advertência,

um cuidado a ser tomado, o enunciador se vale do hibridismo, juntando ao gênero

embalagem, o gênero bula de remédio que, por sua vez, traz em sua composição

indicações tais como modo de usar, riscos e efeitos colaterais, os quais possuem

seu sentido original rompido com o seguinte dizer: “[Risco de] encantar o mundo

com excesso de feminilidade e atitude”.

Assim como no conto de fadas Cinderela encantou a todos no baile por sua

beleza e primor em suas vestes e apresentação, a consumidora encantará o mundo

com sua expressão de feminilidade e atitude. Dessa forma, a utilização do sabonete

não é algo do qual deva se proteger, uma vez que a intenção é realmente encantar.

Quanto ao próximo enunciado,

“Pink não é uma cor.../ É uma atitude!”

O uso das reticências não configura dúvida nesse dizer, mas sim uma

pequena pausa para realçar e criar uma expectativa do que será dito a seguir,

enfatizado pelo uso da exclamação.

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Logo após, o enunciador convida a consumidora a ser mais pink todos os

dias.

“Lux te convida a ser/ mais pink todos os dias”.

Observa-se o tempo articulado ao espaço, uma vez que a mulher atendendo

ao convite de Lux, poderá vir a ser mais pink todos os dias e entrar para o mundo

que celebra os prazeres de sentir-se bela. Este mundo é um mundo de privilégios,

no qual apenas entram quem tem o passaporte, que no caso é cedido por Lux.

Esta escolha linguística conota a ideia de que a partir do momento que é feito

um convite, Lux respeita sua consumidora e sua opção de usar ou não o produto. É

óbvio que nenhuma empresa pode obrigar o consumidor a adquirir seus produtos,

mas neste “lugar de Lux” à consumidora é concedido o direito de ser mais pink todos

os dias, se assim ela o desejar. Observa-se também, que com o uso do advérbio de

intensidade “mais” Lux dialoga com a ideia de que sua consumidora já é uma mulher

pink, ou seja, uma mulher de atitude – o que reflete o momento social da mulher na

década de 2000. Se naquele momento ela estava inserida no mercado de trabalho,

lutava por uma maior escolarização, mantinha dupla jornada de trabalho e ‘se

atrevia’ a namorar apenas por prazer, ela era sim uma mulher de atitude e dessa

forma o convite é apenas para endossar que ela seja mais e ainda, todos os dias e

não apenas um ou outro dia da semana, dando continuidade de tempo e fluidez

nesta atitude.

Dessa maneira, a empresa também reafirma à mulher que sabe que ela tem

vontade e desejos próprios os quais devem ser respeitados.

Em contrapartida, após o convite para que a consumidora seja mais pink

todos os dias e a afirmação de que pink não era uma cor, mas sim uma atitude, o

discurso retoma o seu tom de sedução ao dizer:

“e entrar para o mundo/ que celebra os prazeres/ de sentir-se bela.”

O uso da conjunção aditiva indica o passaporte à mulher para que essa entre

no mundo – o que sugere lugar – que celebra os prazeres de sentir-se bela. Dessa

maneira, até pode ser uma mulher pink, mas não pertence a esse mundo

maravilhoso de Lux Fashion Pink. Além do mais, nessa realidade há a celebração

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dos prazeres, destaca-se o uso do plural, que indica mais de uma satisfação, de

sentir-se bela.

Dessa forma, é vendida a ideia de que ao usar o sabonete, a consumidora –

que é uma mulher de atitude – terá mais atitude ainda. Sentirá uma explosão pink de

perfume e feminilidade, ou seja, será uma mulher cheirosa que, ao caminhar por aí,

correrá o risco de encantar o mundo com seu excesso de feminilidade e atitude.

Além do mais, será uma mulher ultrafeminina em cada item, detalhe por detalhe que

utilizar em seu corpo, por meio de seus acessórios, de sua roupa, de sua

maquiagem e sapatos. Isso ainda demanda a ideia de que será mais feminina e

mais mulher do que aquelas que não fazem parte desse mundo. E para ilustrar a

análise, dispomos a propaganda impressa do produto.

Figura 16 – Propaganda impressa de Lux Luxo Fashion Pink Fonte: Centro de História Unilever

É possível observá-la em sua contextualidade e há uma metonímia em

relação à visualidade, pois a mulher está representada apenas por uma parte. Pode-

se afirmar que essa representa todas as mulheres e não uma em específico, além

de estar alinhada com Lux, marcada pela cor de suas botas e do sabonete, ambos

pink.

A seguir, outro momento de análise, agora do produto Lux Fragrâncias Finas.

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3.3 Lux Fragrâncias Finas (2012)

Para contextualizar esta análise, retoma-se que, em 2012, Lux completou

oitenta anos no Brasil. Durante esse tempo de atuação nacional, a empresa

realmente tem motivos para comemorar. Fatos como ser líder de mercado no

segmento, com 2.500 unidades vendidas por minuto, presente em 72% dos

domicílios brasileiros e ocupar o topo em pesquisas como a Top of Mind, realizada

pelo Datafolha desde sua primeira edição, além de representar 28% de um

segmento que movimenta quatro bilhões de reais, segundo estimativa da

Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal (Abihpec), reafirmam essas

conquistas, vindo a demonstrar a solidez e liderança que a empresa conquistou nas

últimas oito décadas em nosso país.

Ao longo dessa trajetória, sempre foram mulheres que estrelaram as

campanhas do sabonete, fossem estrelas internacionais do cinema, atrizes

brasileiras ou mesmo mulheres ditas, comuns. Entretanto, para celebrar o sucesso

de vendas do sabonete no País e ainda lançar a campanha Lux Fragrâncias Finas, a

Unilever resolveu brindar a consumidora com um comercial estrelado, pela primeira

vez, por um homem, quebrando uma tradição de oitenta anos com belas mulheres

em suas propagandas. Nesse momento – e na referida campanha – é uma mulher

“comum” – a modelo Akyria Ougos – que conquista a estrela, o ator e cantor, Daniel

Boaventura, principal voz dos musicais da Broadway nos palcos brasileiros, que na

peça veiculada na televisão transforma a melancólica canção Rosa, de Pixinguinha,

renomado nome na história do samba, em uma melodia com ritmo alegre e a dedica

à sua “amada”. É claro que a “conquista” se dá pelo fato de que anteriormente a

mulher havia tomado um magnífico banho com um sabonete Lux, cujo modelo era o

veiculado na referida campanha.

A linha Fragrâncias Finas apresenta perfumes marcantes e intensos, segundo

a Unilever, elaborados pelas premiadas casas perfumistas europeias Givaudan,

Firmenich e IFF, essas criadoras das fragrâncias mais vendidas no mundo. Na

composição dessas fragrâncias há flores exóticas, preciosas e óleos essenciais.

Quanto à fixação do perfume, a empresa promete a permanência do cheiro na pele

da consumidora por até quatro horas após seu uso.

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Em relação às estratégias de venda, ao lançar a linha premium, a empresa

dirige sua atenção ao consumidor da classe C. Segundo a vice-presidente de

Cuidados Pessoais da Unilever, Andrea Salgueiro, a ascensão dessa classe é um

momento propício para a marca investir em produtos diferenciados: “Essa ascensão

[...] fez com que a consumidora não só acrescentasse novos produtos em sua cesta,

como se disponibilizasse a pagar por eles”, afirma Salgueiro.

Apresentados ao mercado em embalagens de noventa e 125 gramas e com

respectivas sugestões de preços em R$ 0,99 e R$1,99, a linha prometia mais

espuma na hora do banho, uma preferência das mulheres brasileiras, segundo

pesquisa desenvolvida pela Unilever. Outro item a ser destacado é o novo modelo

da embalagem para reforçar as mudanças promovidas pela marca, além do novo

design do produto.

Dada a contextualização inicial, passa-se à análise.

Atualmente, vive-se em um mundo globalizado, praticamente sem fronteiras.

Seja por meio de negócios, da Internet ou pelo fácil acesso às mercadorias

importadas, a sensação que se tem é a de que o Planeta encolheu. Acontecimentos

são divulgados quase que instantaneamente em nível mundial, podemos nos

comunicar por meio de tecnologias várias, com qualquer pessoa, em qualquer lugar

que essa esteja. Dessa maneira, apreendemos que a interação entre as pessoas

também aumentou, pois não há mais limitação em relação ao tempo e ao espaço.

Nesse ínterim e sendo Lux o produto de uma empresa multinacional, é inerente que

esteja em diversos países e, aliás, o está praticamente desde sua fundação,

marcando presença atualmente em mais de cem nações. Dessa forma, entendemos

também que Lux está conectado à globalização e ao diálogo com diversos públicos.

Isso nos remete à ideia de um cronotopo que indica onipresença e onipotência,

afinal, a empresa marca presença em diversos lugares do Planeta, o que demanda

seu poder de alcance, tanto no tempo, quanto no espaço.

Entremeio a isso, porém, é interessante notar uma peculiaridade de Lux:

apesar de ser uma empresa de origem anglo-holandesa, essa sempre dialoga com o

espaço social de seu público, em cada país que se faz presente, ou seja, sempre

está atenta ao que a consumidora deseja e leva em consideração características e

gostos locais para adequá-los a seus produtos. Dessa maneira, trabalha sempre

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com o “novo”. Lançamento após lançamento, o discurso publicitário de Lux sempre é

o de estar em sintonia com o tempo e espaço social, adequando-se a esses, como

nos acentua Campos-Toscano (2009, p. 33):

Como o tempo é histórico e o espaço é social, os gêneros representam e refratam a realidade de acordo com as manifestações dos sujeitos da comunicação. Novamente, deparamo-nos com as es/instabilidades, pois a forma pode ser entendida como representação estética de uma determinada cultura contextualizada no tempo-espaço e como produto do processo dialógico entre os sujeitos da enunciação.

Isso ratifica que, ao longo dos anos e em diversos países, o êxito do sabonete

Lux se dá por essa sintonia, reconhecimento e articulação da importância do

espaço, da história, das características e da cultura de cada povo que consome o

produto. Como o gênero publicitário é o recorte de um tempo, momento e espaço,

esse dialoga com os sujeitos da enunciação e refrata a realidade na qual estão

inseridos.

3.3.1 Magical Spell

A apresentação da embalagem e do produto se dá da seguinte maneira:

Figura 17 – Lux Magical Spell Fonte: Centro de História Unilever

A forma composicional da embalagem de Lux Magical Spell é construída

reunindo elementos que remetem ao significado que seu próprio nome deseja

transmitir, que em português pode ser traduzido como feitiço mágico, ou magia

encantada. Seu conteúdo temático é pautado no mistério, na sedução que, por sua

vez, dialoga com o atual gosto da sociedade por tais elementos. Once upon a time,

seriado de tevê norte-americano é um exemplo que remete a esse mundo e dialoga

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com tal afirmação. Seu cenário com tom sombrio, de contos de fadas, bosque

encantado, príncipe, princesa, rainha má, bruxa e final feliz dialoga com Magical

Spell. É como que se, ao usar o sabonete, a mulher tomasse ares de feiticeira e

“mergulhasse”, como que por encantamento, em uma atmosfera intensa, envolvente,

misteriosa e feérica. Para exemplificar, as figuras 18 e 19 – retiradas de propaganda

que apresenta o sabonete – mostram esse clima:

Figura 18 – Propaganda de Lux Magical Spell para o mercado internacional Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=g9Ym_K6WkUs>. Acesso em 24 out. 2014.

Figura 19 – Propaganda de Lux Magical Spell para o mercado internacional Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=g9Ym_K6WkUs>. Acesso em 24 out. 2014.

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A escolha de seu ingrediente, essência de orquídea negra, dialoga com a

perspectiva que o enunciador deseja criar, pois esse é o tipo de flor que aprecia a

meia-luz, ou seja, remetendo novamente ao tema.

Em relação à cor do sabonete, lilás, sua escolha não se dá por casualidade.

Contribui também para a construção do significado e do projeto de dizer do

enunciador, pois lilás é uma cor metafísica, uma vez que pende à espiritualidade e à

intuição. É a cor da alquimia e da magia e, mais uma vez, dialoga com o nome do

sabonete. Segundo os místicos, trata-se de um tom excelente para a purificação dos

níveis físico, emocional e mental. Entre outras referências, essa cor simboliza

devoção, espiritualidade, purificação e transformação. Representa ainda o mistério e

a intuição, de modo que identificamos relações dialógicas nesse dizer que, mais

uma vez, podem remeter às palavras de Brait (2013), quem procura explicitar

teoricamente o verbal e o visual casados e articulados em um único enunciado, no

caso de nosso objeto de estudo, no discurso publicitário, o qual possui gradações

que ora pendem mais para o verbal, ora mais para o visual. Entretanto, acreditamos

que há um equilíbrio entre as partes e sua organização situa-se em uma

combinatória de materialidades e em uma expressão material estruturada,

elementos que constituem a embalagem. Brait (2013) recorda, ainda, que há a

possibilidade de se tomar as relações dialógicas como uma categoria fundante para

a análise do verbal, do visual e, como consequência, do verbo-visual.

Quando à caracterização do produto, é descrita:

A encantadora orquídea negra, flor que aprecia a meia-luz, serviu de fonte de inspiração para a fragrância sedutora de Magical Spell. O óleo de zimbro reforça a sensualidade deste mágico e surpreendente aroma. Realce seu charme e abuse de sua feminilidade com uma pele macia, irresistível e perfumada por muito mais tempo.

Quanto à análise linguística, observa-se que as escolhas lexicais são

pautadas no uso de adjetivos que têm por intuito a caracterização do perfume de

Magical Spell com conotação valorativa. A orquídea negra é encantadora, a

fragrância é sedutora e o aroma é mágico e surpreendente – encanto, sedução,

magia e surpresa. Ao óleo de zimbro – fruto de uma planta que se assemelha ao

pinheiro, com a qual também é feito o gim – cumpre apenas reforçar a sensualidade

do aroma, pois nesse caso, a estrela é a orquídea negra.

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Posteriormente, o enunciador dirige-se à consumidora utilizando a forma

verbal no modo imperativo e o pronome possessivo na terceira pessoa do singular:

“Realce seu charme e abuse de sua feminilidade com uma pele macia,

irresistível e perfumada por muito mais tempo”.

Se a consumidora usar o sabonete, realçará seu charme. Dessa maneira, fica

subentendido que essa já é uma mulher charmosa, que apenas realçará essa

característica que já é sua; dessa forma, feminina como também já é, apenas

abusará mais de sua feminilidade ao desfilar por aí com uma pele macia, irresistível

e perfumada – mais uma vez, nota-se o uso do adjetivo para caracterizar de maneira

valorativa. Observe-se, ainda, o uso do advérbio de intensidade muito que, por sua

vez, modifica o advérbio mais. Assim, a mulher não sairá perfumada por mais tempo,

mas sim por muito mais tempo.

3.3.2 Secret Bliss

A apresentação da embalagem e do produto se dá da seguinte maneira:

Figura 20 – Lux Secret Bliss

Fonte: Centro de História Unilever

De acordo com registros da Unilever, esse sabonete foi inspirado no melhor

da perfumaria internacional, de modo que Lux Secret Bliss é ideal para mulheres

exóticas, ousadas e elegantes. Tem fragrância frutada, com notas de laranja, romã e

caqui, contrasta com a base floral, contribuindo para uma atmosfera de mistério e

sedução.

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Quanto à sua composição linguística, a apresentação do sabonete Secret

Bliss se inicia com os seguintes dizeres: “ele é ideal para um determinado perfil de

mulheres designadas exóticas, ousadas e elegantes”. Notamos que não é utilizada a

conjunção alternativa ou, mas sim a conjunção aditiva e, produzindo o efeito de

sentido de adição, ou seja, a mulher reúne todas as três características. Dessa

forma, Lux se apresenta como uma sugestão ideal de produto a esse tipo de mulher,

cujos adjetivos remetem, acima de tudo, àquela que possui classe. Pode ser

ousada, mas sem ser vulgar, dado que a palavra elegante neutraliza a possibilidade

dessa interpretação. Já exótico remete a diferente, dessa forma, a mulher que usa

Secret Bliss é única, pois se distingue de todas as outras. Esse seria seu segredo

íntimo.

Quanto aos elementos que compõem a fragrância do sabonete, na

embalagem há a informação de que o perfume contém violeta egípcia e óleos de

elemi. O uso do adjetivo pátrio dado à violeta por si remete a algo exótico e também

sofisticado, talvez raro, precioso, pois traz à memória discursiva reis, faraós e seus

tesouros. Quanto ao óleo de elemi, trata-se de uma resina com toque cítrico extraída

de uma árvore nativa das Filipinas e, segundo descrição da empresa, possui um

perfume envolvente, assim como deve ser a consumidora Lux.

A composição da fórmula do produto também se dá por aromas frutais, a

saber: caqui, laranja e romã. Essas três frutas têm origem no Oriente e todas

possuem tonalidade de cores quentes. Isso pode nos conduzir ao porquê da escolha

da cor da embalagem – vermelho. Além de dialogar com as cores das frutas, essa

tonalidade é associada ao poder, à paixão, à elegância, à conquista, entre outros

signos. Sobre as frutas, romã e laranja são associadas a fatos interessantes:

Romã é considerada de importância milenar. Foi cultivada na Antiguidade

pelos fenícios, gregos e egípcios. Em Roma era considerada, nas cerimônias e nos

cultos, como símbolo de ordem, riqueza e fecundidade. Os gregos a tinham como

símbolo do amor e também da fecundidade, tendo consagrado sua árvore à deusa

Afrodite, pois se acreditava em seus poderes afrodisíacos. Esteve presente nos

jardins do Rei Salomão e é citada na Bíblia como uma das frutas que os espias

hebreus trouxeram quando foram sondar a Terra Prometida por Deus, como

amostras da fertilidade daquele lugar. Para os judeus é um importante símbolo

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religioso, com profundo significado no ritual do ano novo, pois acreditam na

renovação e de que o ano que chega sempre será melhor do que aquele que se vai.

Na Idade Média foi citada em contos e fábulas de muitos países. Os árabes

salientavam seus poderes medicinais. É uma planta utilizada em residências e

banquetes, dado o efeito decorativo de suas flores e frutos.

Quanto à laranja, provém também da Antiguidade, sendo um fruto híbrido.

Chegou à Europa por meio das Cruzadas. Interessante notar que até a chegada do

fruto ao continente europeu, quem ali vivia não tinha ainda a designação para a cor

de laranja. Na França – um dos primeiros locais europeus onde foi cultivada –

adaptou-se o nome narang para orange. Por conta disso, a laranja veio a ser

associada em algumas culturas à cor do ouro, pelo fato de que a palavra or, em

francês, significa ouro. Em várias culturas seus frutos foram conhecidos como

“maçãs do paraíso”, sendo possível ver em pinturas antigas os frutos da “Árvore da

Ciência” representados por laranjas. A cor de laranja encontra-se ligada ao fruto do

mesmo nome e, outrora, ambos – cor e fruto – eram considerados exóticos.

Assim, podemos entrever que, possivelmente, houve a busca de um

dialogismo constitutivo entre os significados que esses frutos carregaram ao longo

do tempo e a composição da descrição de Secret Bliss. Fiorin (2010, p. 27) lembra

que:

O dialogismo constitutivo que diz respeito ao modo de funcionamento real da linguagem e cujo princípio é que todo enunciado constitui-se a partir de outro. Em dada formação social há enunciados que operam no momento presente, há enunciados legados pelo passado, cuja atualidade é depositária e há o futuro, cujos enunciados discorrem sobre objetivos e utopias dessa contemporaneidade. Assim temos a ideia de uma cadeia de comunicação, com enunciados constituindo-se em relação aos enunciados que os precedem e os que os sucedem e ainda que agem baixo forças centrípetas ou forças centrífugas.

3.3.3 Dream Delight

A apresentação da embalagem e do produto se dá da seguinte maneira:

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Figura 21 – Lux Dream Delight

Fonte: Centro de História Unilever

Dream Delight é uma fragrância marcante e atual. A combinação dos perfumes cítricos, frescos e frutados com uma base de rosas, jasmim e gardênia resultou em um contraste glamoroso. A fragrância foi desenvolvida para provocar a sensação de poder e sensualidade. Sinta-se vibrante e deixe seu perfume no ar!

Dream e delight, palavras inglesas que correspondem em nosso idioma a

sonho, prazer, alegria, encanto, deleite. É com essas conotações que o seu discurso

é construído.

Fiorin (2010, p. 46) aponta que estilo, na perspectiva bakhtiniana, é o conjunto

de procedimentos de acabamento de um enunciado. São, portanto, meios utilizados

para elaborá-los, que resultam a partir de uma seleção de recursos linguísticos à

disposição do enunciador. O sentido de individualidade é construído pela seleção de

traços fônicos, morfológicos, sintáticos, semânticos, lexicais, enunciativos,

discursivos, entre outros. Por outro lado, temos que entender que o estilo define-se

dialogicamente, ou seja, depende dos parceiros da comunicação verbal, dos

discursos do outro e ainda constitui-se em oposição a outros estilos. Assim, “como

mostra Bakhtin, se o estilo é constitutivamente dialógico, ele não é o homem, são

dois homens. Como qualquer enunciado, ele revela o direito e o avesso” (FIORIN,

2010, p. 47).

Assim e tendo como perceptível que o leitor presumido possui grande

importância na construção do discurso, podemos observar que as escolhas lexicais,

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discursivas, semânticas, entre outras, remetem a um diálogo com uma possível

jovem consumidora. Observe-se:

A fragrância é colocada como marcante e atual, ou seja, remete à

contemporaneidade. Os perfumes cítricos, frescos e frutados também dizem respeito

a um gosto mais jovial. O contraste entre as notas do perfume, dos cítricos aos

florais, evoca a ousadia que é nata também da juventude. “Sinta-se vibrante e deixe

seu perfume no ar!” – em outras palavras, deixe sua marca no mundo, seja vista por

onde passar, outra característica inata ao desejo juvenil. Por outro lado – e seguindo

a proposta do produto –, esse não pode deixar de ter seu glamour e, assim, mesmo

sendo essa consumidora uma mulher mais jovem e, quem sabe, menos experiente,

não lhe foi excluída a possibilidade de sentir-se uma mulher poderosa e sensual.

Fechando a forma composicional do dizer do enunciador, vem a embalagem:

amarela, em tom vibrante e alegre, dialogando com as cores e componentes da

fragrância e sabonete: jasmim árabe e óleos de laranja; com o discurso do

enunciatário, no tom amarelo que simboliza alegria, juventude, leveza,

descontração, otimismo e jovialidade.

Figura 22 – Lux Fragrâncias Finas em suas três variações

Fonte: Centro de História Unilever

Essa imagem apresenta as três embalagens de Lux Fragrâncias Finas,

representando os três tipos de mulheres e seus produtos de preferência, com véus

esvoaçantes, os quais se estendem desde as embalagens, em uma atmosfera de

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requinte, mistério, sedução e brilho sob os flashes e holofotes de Paris, tendo a

Torre Eiffel ao fundo e a “Cidade Luz” a seus pés.

Essa construção visual atende ao que foi dito no início desta análise: o

conceito de identidade global que Lux busca, passeando pela globalização sem,

entretanto, perder de vista seu consumidor imediato, em cada canto do Planeta em

que esteja presente, promovendo, assim, relações cronotópicas de onipresença,

mas respeitando cada identidade cultural e pessoal.

Ainda ratificando essa ideia de presença globalizada, o lançamento da linha

Fragrâncias Finas fez parte de uma ação mundial da marca, a qual buscou no

Oriente os componentes de odor que agradasse a seu público dessa região. Os tons

de cores vibrantes e alegres advêm daí. A campanha foi criada pela filial da agência

publicitária JWT de Singapura, Ásia e, por sua vez, foi o brasileiro Daniel

Boaventura, com figurantes também brasileiros, que estrelaram a peça veiculada na

televisão e Internet ao som da canção Rosa, de Pixinguinha. Por outro lado, a

mesma peça foi veiculada em outros países com a modelo asiática, Aleksandra W.,

ao som de Elvis Presley com sua Always on my mind, interpretada da mesma forma

por Boaventura. No Brasil, por sua vez, foi a modelo Akyria Ougos que representou

o papel da mulher poderosa, assim como também no mercado latino-hispânico, o

qual retomou a canção Always on my mind e apresentou todas os dizeres no idioma

espanhol.

Quanto à identificação do público feminino em relação às embalagens, essas

não trazem imagens de mulheres, nem as consideradas estrelas, ou as, ditas,

comuns. Dessa forma, o sabonete está ao alcance de identificação de qualquer

mulher do Planeta, até mesmo porque o conceito de beleza pode ser singular,

conforme a comparação entre as diferentes culturas. Além do mais, Lux não quer

vincular-se especificamente a nenhum lugar. Lux é do mundo. Lux é para todas. O

nome dos sabonetes, redigidos no idioma inglês, sugerem tal estratégia, ou seja, de

se fazer entender em todas as partes do mundo, afinal, atualmente esse idioma é

considerado universal.

Os sabonetes dispostos sob Paris também conferem o alcance no país que

tem a boa perfumaria em sua tradição e igualmente marca sua presença no

continente europeu, além de conotar sofisticação e elegância. O estar em Paris

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também dialoga com o slogan inicial da marca: “Feito como os franceses fazem os

seus melhores perfumes”.

Dessa maneira, se tudo na vida é cíclico, Lux apenas retoma a sua origem e

identidade: glamour, sofisticação e beleza ao alcance de todas as mulheres, de

qualquer parte do Planeta e por um preço que essas podem pagar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A finalidade desta dissertação foi a de explorar as potencialidades discursivas

do discurso publicitário em propagandas e embalagens do sabonete Lux que, no

início de seu discurso, optou por ser o sabonete das estrelas e, posteriormente, por

meio de mudanças ideológicas, tecnológicas e sociais, perscrutou a conotar o

sabonete como o de uma mulher dita comum. Tal análise foi, ainda, fundamentada

teoricamente por autores do Círculo de Bakhtin e outros pesquisadores brasileiros

que se fundamentam nessa perspectiva teórica, além de observar as ocorrências de

modificações verbais e verbo-visuais a partir de embalagens e propagandas do

produto em três momentos distintos, a saber: 1973, 2007 e 2014.

No primeiro capítulo, para se tratar da prática discursiva publicitária e situar o

leitor na esfera em que este trabalho está inserido, inicialmente teceu-se

considerações entre os conceitos propaganda e publicidade, além da diferença que

teóricos da comunicação empreendem sobre os quais. Por meio das leituras, pode-

se observar que semear é plantar, esperando-se a colheita e não apenas lançar a

semente ao vento. Desde sua origem, a palavra latina propagare indica a realização

de uma ação, desejando-se a colheita de frutos. Assim, desde a propagação da fé

católica ao mundo e, posteriormente às proclamas, o homem busca, por meio de

interações sociais, promover, proclamar ou vender suas ideias e isso se dá por meio

das relações dialógicas, essas que, como aponta Bakhtin (2011, p. 276), apenas são

possíveis entre enunciações de diferentes sujeitos do discurso, pressupondo-se

outros em relação ao falante, seja um enunciatário, seja outro discurso.

Observou-se no presente trabalho que o surgimento da imprensa no século

XV e a superprodução de mercadorias devido à industrialização ao final do século

XIX colaboraram para que houvesse uma mudança no discurso da propaganda,

passando da mera proclamação para um tom persuasivo. Além do mais, esse

cenário de expansão econômica, de acesso à leitura e aos bens industrializados

reforçou a sociedade da época ao desejo de se consumir bens que não apenas

atendessem às necessidades primeiras e materiais, mas também aquelas que

satisfaziam social e emocionalmente. Dessa maneira, acrescentou-se ao discurso

publicitário o tom da sedução. Isso confirma o que foi formulado por Campos-

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Toscano (2009, p. 33) ao afirmar que o tempo é histórico e o espaço é social, de

modo que os gêneros representam e refratam a realidade de acordo com as

manifestações dos sujeitos da comunicação. Considerando também o que

pontuaram Vestergaard e Schroder (2004, p. 7-8), quando citam Barthes, “os objetos

são semantizados [...] o que permite aos anunciantes explorar a necessidade de

pertencer a associações, de identificação do ego e assim por diante”.

No Brasil, a propaganda passou pela mesma evolução, desde a carta

promocional de Pero Vaz de Caminha à vinda da Família Real; do surgimento da

primeira imprensa no país ao jornal que atualmente folheamos; do envolvimento de

poetas para a criação de textos com rimas à criação de revistas e, por

consequência, ao nascimento das agências publicitárias; da novidade chamada

rádio ao advento da televisão; da criação de novas mídias, como a telefonia móvel à

Internet da atualidade. Todos esses fatos colaboraram para a solidificação e

ampliação do discurso publicitário no Brasil e aqui, como no exterior, o tom da

proclama passou para o tom da persuasão e sedução. Isso ratifica o que Bakhtin

(2011, p. 268) postulou:

Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem. Nenhum fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação e elaboração de gêneros e estilos.

Nas leituras sobre a contextualização histórica do sabonete, constatou-se que

sua saga começou na Inglaterra do século XIX, com William Lever e a ideia de

embalar sabão em caixas, produto esse que era vendido a granel na época. Com

nome inicial de Sunlight Flakes e, posteriormente, Lux, esse advindo da palavra

inglesa luxury, que significa luxo, veio a nascer o sabonete Lux, após a empresa

descobrir, por meio de pesquisas, que as mulheres o utilizavam em seus cuidados

pessoais. Essa foi a oportunidade para a mulher de menor poder aquisitivo desfrutar

de um pequeno luxo diário.

Desde seu início, Lux permeia relações dialógicas ao afirmar em seu slogan

inicial o seguinte enunciado: “Feito como os franceses fazem seus sabonetes mais

finos”, o que conotava à enunciatária que o sabonete tinha a qualidade tal qual um

fino produto francês que, à época, era restrito à elite e, ainda, remetia à ideia de

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luxo. Dessa maneira, Lux buscava vender o conceito de que outorgava tal direito à

consumidora de menor poder aquisitivo.

Entremeio a esses acontecimentos, a partir de 1930 Lux chegou ao Brasil e,

seguindo a proposta de ouvir o consumidor, atentou-se ao fato de que em nosso

país o produto não alcançou o mesmo êxito de outros mercados. Sua primeira ação

foi então a divulgação do sabonete pelas “Senhorinhas Lever” que, ao longo da

década de 1940, percorreram várias cidades para divulgar o sabonete das estrelas e

convencer as consumidoras a experimentarem suas propriedades cosméticas.

Ao colocar-se no lugar do outro e identificar-se com seus valores, tempo e

posição no espaço, Lux conseguiu, desde o início e por meio da visão excedente,

alcançar o espaço dialógico entre o público consumidor e sujeitos da comunicação

para, dessa maneira, lograr êxito junto a esses.

Lux também inovou ao utilizar programas de rádio para divulgar seus

sabonetes e, assim, disseminar novos hábitos de consumo entre os brasileiros,

contribuindo à publicidade brasileira ao introduzir técnicas científicas para medir o

sucesso das novelas que distribuía às rádios, além de comprovar a eficiência das

campanhas nos programas radiofônicos. Do mais, começou-se a medir a audiência

das emissoras, tudo isso seis anos antes do surgimento do Ibope.

Com o advento da televisão, Lux reforçou ainda mais à consumidora o desejo

de se espelhar nas divas hollywoodianas e, ao retratar atrizes em glamorosos

banhos de espuma, utilizava o seguinte slogan: “Aquela sensação de estrela de

cinema”. Tal afirmação se dava pelo fato de explorarem questões sinestésicas, por

meio da imagem, do áudio e impressões de sensações que o vídeo poderia imprimir

no público consumidor. Isso reforçava ainda mais o desejo da mulher em ser como

as áureas estrelas de cinema.

No decorrer dos anos posteriores, Lux começou a romper o paradigma de

distância das atrizes, ao colocá-las em posição de igualdade com a consumidora.

Assim, especialmente na década de 1970, como o mote da vez era a beleza natural,

Lux procurou demonstrar às enunciatárias que a beleza era uma meta alcançável e

ainda promover junto à mulher comum a ideia de se sentir como uma estrela, pois o

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foco da imagem de Lux mudou de um produto produzido para estrelas a uma

variedade disponível a qualquer pessoa.

Nas décadas seguintes – 1980 e 1990 – houve a introdução de celebridades

locais para incentivar a plataforma de que a beleza era acessível a todas as

mulheres, em qualquer lugar. Isso aponta relações cronotópicas, pois ao utilizar uma

estrela local, Lux aproxima-se mais de seu público consumidor, aumentando a

identificação da consumidora junto ao produto. Além do mais, ao retratar estrelas em

situações comuns da nova mulher, incluindo rotinas laborais, notava-se o diálogo

com as mudanças pelas quais as brasileiras passavam naquele momento, por

exemplo, da exponencial entrada ao mercado de trabalho. Mais uma vez foi firmada

a consonância de Lux à realidade histórica e contextual que a mulher vivia.

Nos anos 2000 nasceu uma nova celebridade: a consumidora. Com o slogan:

“Descubra a estrela que existe em você”, Lux deu pistas de uma transformação que

se aprofundou nos anos seguintes. Gradualmente, as novas campanhas

convidavam a consumidora à condição de estrela sem que isso significasse menos

glamour. A ideia era sintonizar a comunicação da marca com as aspirações da

mulher moderna e seu estilo de vida, uma vez que a nova mulher era mais segura,

dona de si e possuía elegância e sensualidade assim como as estrelas de cinema.

Foi a Era do slogan: “Somos todas divas” que, por sua vez, dialogava com o:

“Descubra a estrela que existe em você”, chamada publicitária da mesma década.

Além da transformação da consumidora em diva, 2000 também correspondeu

à década dos sabonetes que procuravam aguçar os sentidos e despertar as

sensações das consumidoras, com o intuito, mais uma vez, de fazer do banho um

ritual de beleza. Sabonetes com extrato de vinho, ou com combinação de frutas e

chantilly hidratante eram o mote da vez, além da introdução do sabonete líquido no

mercado, mais a cor exuberante de Lux Fashion Pink, entre tantos outros

lançamentos, todos, porém, evocando sensações olfativas, gustativas e táteis, em

uma demonstração de que a consumidora estava centrada em si, em seu corpo, em

seu prazer, assim como as estrelas de outrora eram retratadas em seus glamorosos

banhos de espuma.

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Em 2012, Lux Fragrâncias Finas propôs a ideia, entre outras, de que sua

consumidora é uma mulher que entende de perfumaria, estando consoante às

tendências mundiais de fragrâncias finas.

Apesar de não ser objeto de estudo da presente dissertação, em 2014 houve

o lançamento da linha Lux com Óleos Hidraflorais que, segundo a marca, é um

aliado para acender a faísca do relacionamento, contribuindo para o clima de

sedução e com a promessa de hidratação, perfume suave e pele irresistível. Produto

que pode ser analisado em uma futura publicação, observando-se os fundamentos

teóricos aqui desenvolvidos.

No segundo capítulo, a fim de analisar o discurso publicitário e os recursos

pelos quais esse se utiliza para cumprir seu propósito comunicativo, foram

abordados alguns conceitos fundamentados por Bakhtin, o Círculo e, ainda, por

estudiosos que pesquisam e estendem teoricamente tais questões. Dessa maneira,

o conceito de gênero discursivo, sua arquitetônica, reflexões sobre o tempo-espaço,

cronotopo e discurso publicitário, mais as questões sobre verbo-visualidade,

ideologia da palavra e da imagem, além de suas relações dialógicas foram os temas

estudados na presente dissertação.

Entendeu-se, entre outras acepções, que cada enunciado é particular e

individual, apresentando tipos relativamente estáveis de enunciação para cada

campo de atuação. São adquiridos nos processos interativos das atividades

esféricas humanas. São ainda abertos às mudanças e remodelações devido à

própria dinâmica dos sujeitos da enunciação, principalmente por esses estarem

situados em um tempo histórico específico e em determinado espaço social. Isso

demonstra que o texto publicitário moldou-se à sociedade, adaptando-se a essa,

assim como ao seu contexto, necessidades e aspirações.

Quanto ao tempo e espaço, concluiu-se que no discurso publicitário esses

remetem a uma realidade mítica, religiosa, quase mágica. Sendo o cronotopo a

chave de conexão entre o mundo da realidade do consumidor e o mundo mítico do

consumo, esse promove a construção de um imaginário simbólico praticamente

perfeito, com tempo, espaço e sujeitos idealizados. Isso remeteu ao mundo de Lux,

colorido, com lindas mulheres envoltas em seus banhos de espuma, como que

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anunciando a compra da felicidade à consumidora que viesse a desfrutar de seus

publicados deleites.

Sobre a verbo-visualidade, entendeu-se que o verbal e o visual, uma vez

casados e articulados em um único enunciado, podem apresentar-se na arte ou fora

dessa, dado que possuem gradações que ora pendem mais para o verbal, ora mais

para o visual, Entretanto, continuam organizados em um único plano de expressão.

Tal organização situa-se em uma combinatória de materialidades e em uma

expressão material estruturada. Além do mais, as relações dialógicas podem ser

tomadas como categorias fundantes para se juntar às demais supracitadas à análise

do verbo-visual, dada a sua natureza de teoria do discurso, ou seja, que trabalha

com enunciados sempre em tensão.

Quanto à ideologia da palavra e da imagem, essa foi tratada a partir de

aspectos do universo feminino e seus signos. No discurso publicitário diz respeito ao

fio ideológico pautado no poder, na conquista e na sedução, por meio da

representação que o indivíduo tem de si e do outro, assim como nas representações

que atribuem características de valor e como a publicidade se apropria disso a seu

favor. Por meio do discurso publicitário é possível refratar e refletir outra realidade

aos olhos do consumidor. Dessa forma e por meio da construção/constituição de

signos e de ideologia, o consumidor interpreta e se apodera como referência de

status, manutenção de bem-estar e/ou de sentimento de eficiência.

Na última parte desta dissertação houve a reflexão e análise do corpus, esse

constituído por três peças publicitárias e embalagens do sabonete em diferentes

épocas: Lux de Luxo: campanha internacional – estrelas do cinema, de 1973; Lux

Luxo Fashion Pink, de 2007; e Lux Fragrâncias Finas, de 2012. Nessas análises

foram observadas as marcas linguísticas e ideológicas contextualizadas a cada

momento e espaço social em que tais produtos foram inseridos, assim como

questões de cronotopia, exotopia, ideologia da palavra e da imagem, além das

respectivas verbo-visualidades.

Ao se analisar as embalagens e propagandas em questão, constatou-se que

em 1973 havia apenas um tipo de sabonete para todas as mulheres, não importando

seus gostos ou peculiaridades. Ressaltava-se apenas o poder hidratante do produto,

como um cuidado a mais para a manutenção da beleza natural feminina, de modo

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que Lux outorgava à mulher o direito de usar o mesmo produto que uma estrela de

cinema usava.

Em 2007, com o lançamento da linha Fashion Pink, o objetivo também era o

de se atingir apenas um tipo de mulher que entendesse se enquadrar nas

qualidades atribuídas pelo produto: independente, moderna, cheia de atitude e que

adorava ser notada por onde passava. Foi a vez de se alcançar uma categoria de

mulher que oscilava entre a menina-moça e a mulher-fatal. Da menina e adolescente

vinha a cor pink, tonalidade que remete a esse universo e ainda a construção de um

cenário que lembrava contos de fadas, pois ao tomar o banho com esse sabonete,

haveria uma explosão pink de perfume e feminilidade. Tal sabonete, empenhando o

papel da “fada madrinha”, transformaria a menina-moça em uma bela mulher, que se

aliando aos seus objetos de sedução e fetiche, seria ultrafeminina e cheia de atitude.

Como nos contos de fadas, há ainda a advertência para o risco de utilização do

produto, pois esse provocaria o “risco” dessa mulher “encantar” o mundo com

excesso de feminilidade e atitude.

Tratar-se-ia de mulher de duas faces, menina, anjo; demônio, ou seja, mulher

que dialogava com o momento pelo qual a mulher Fashion Pink passava na década

de 2000. Se essa já se sentia liberada para ter sexo apenas por prazer, caso esse

fosse seu desejo, por exemplo, sua outra face de moça de família era ainda presa

aos conceitos sociais que controlavam tais ações. Essa dicotomia dialoga com a

ideia do sabonete que reúne o pink, cor da infância, com os objetos de sedução,

próprios da fase adulta. Acrescenta-se ainda que essa mulher de duas

personalidades não mostra sua face na embalagem desse sabonete, pois o jogo

está justamente no fato de a consumidora olhar-se na foto e buscar completar-se.

Em 2012 o cenário mudou em relação às décadas anteriores. Se antes havia

somente um tipo de sabonete Lux, com apenas um tipo de fragrância e que se

propunha a atender a todas as mulheres, nesse ano houve a ampliação desse

público que, com suas características próprias, gostos e peculiaridades, passou a

dispor de três tipos de fragrâncias que procuraram alcançar cada tipo de mulher.

Assim, se a mulher fosse charmosa, feminina e gostasse de exalar sensualidade,

Magical Spell seria adequado para tal. Se, porém, gostasse de encantamento e

sedução com ares de feitiçaria, remetendo a um cenário feérico e de tom lilás, o

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produto ideal deveria evocar a noite com toda a sua aura de mistério para coroar

essa poderosa mulher. Esse ideário dialoga com o gosto por elementos dessa

natureza e Once upon a time certifica e relembra isso. Daí que a mulher Magical

Spell é esvoaçante, vaporosa, mágica. Traz a cor da roupa da madrasta de Branca

de Neve. Por sua vez, a mulher Secret Bliss, com seu vermelho, remete à

Chapeuzinho que, no conto original, perde a inocência ao ser transformar em

mulher. Lux afirma que essa mulher, por sua vez, é exótica, ousada e elegante.

Finalmente, o sabonete Dream Delight nos conduz às jovens sonhadoras com seu

tom amarelo, que lembra vivacidade e jovialidade. É também a cor do vestido da

princesa Bela que, em sua estória, ao ir morar com a Fera, adentra-se em um

castelo cheio de luxo e magia. Logo, encanto é o que traz o nome desse sabonete.

Dito de outra forma, encantamento é o que esse anuncia que a mulher Dream

Delight transmitirá a quem sentir seu perfume deleitoso.

Entendeu-se também que, assim como a mulher Fashion Pink, essas outras

mulheres de 2012 passaram por transformações em função do encantamento

desses produtos. Da mulher de 1973, presa e encapsulada ao produto, as mulheres

das décadas posteriores foram privilegiadas por tais transformações e se libertam.

Essa “libertação” propiciada pelo uso do sabonete conduz, mais uma vez, à fada

madrinha, à sua magia e encantamentos envoltos em um mundo sensorial, no qual

hidratação, perfume e frescor têm especial destaque. Tais possibilidades remetem

ao que Trindade e Barbosa (2007, p. 14) afirmam:

[...] por meio de peças publicitárias [...] há a idealização de tempos e espaços de consumo que estabelece vínculos dialógicos entre o cotidiano vivido (na realidade) e o cotidiano do mundo da publicidade. Dessa maneira, entende-se que há articulação tempo-espaço no discurso publicitário tal qual no gênero romance, ou seja, como na narrativa romântica, o discurso publicitário tem sua narrativa interna, com seu tempo e seu espaço, em dialogismo com o cotidiano do mundo real.

Dessa forma, conclui-se que o discurso publicitário tem sua narrativa interna,

assim como seu tempo e espaço dialogam com o mundo real, e mais, em alguns

casos, as peças publicitárias podem estabelecer níveis cronotópicos internos em

seus enunciados, nos quais cada produto/marca se torna a chave cronotópica para a

transformação da realidade. São ainda, segundo Trindade e Barbosa (2007), não

lugares, atemporais e que funcionam como elo entre o mundo do consumo

publicitário e o mundo do consumo vivido, sendo o produto/marca elemento

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conector, cronotopo da condensação de tempo e espaço comum a essas duas

realidades. Reforçando tal ideia, Fiorin (2010, p. 27) lembra que:

O dialogismo constitutivo que diz respeito ao modo de funcionamento real da linguagem e cujo princípio é que todo enunciado constitui-se a partir de outro. Em dada formação social há enunciados que operam no momento presente, há enunciados legados pelo passado, cuja atualidade é depositária e há o futuro, cujos enunciados discorrem sobre objetivos e utopias dessa contemporaneidade. Assim temos a ideia de uma cadeia de comunicação, com enunciados constituindo-se em relação aos enunciados que os precedem e os que os sucedem e ainda que agem baixo forças centrípetas ou forças centrífugas.

Assim, todo enunciado constitui-se a partir de outro, ambos operam no

momento presente e podem vir do passado. Dessa maneira, Lux pode dialogar com

as cores, com os contos de fadas, com as aspirações das mulheres em cada

momento de suas vidas, em uma cadeia de comunicação com enunciados que se

constituem em relação aos enunciados que os precedem e aos que os sucedem.

Entende-se também que há relações dialógicas entre essas “mulheres Lux” e

suas ações, desejos e aspirações. A maneira como se colocam no mundo e o

desejo de transformarem-se para encantar. A busca da eterna beleza e sedução,

projetando-se para o outro. Além do mais, a própria revolução pela qual a mulher

passou – e tem passado – articula-se com essa ideia de transformação. Dessa

forma, entende-se que Lux realmente se firmou entre o público feminino, por ter

entendido seus anseios e aspirações e, principalmente, por ter conseguido

acompanhar isso por meio de seus produtos, procurando atender e satisfazer cada

vez mais a consumidora.

Dado isso, entende-se também a busca eterna do sempre “novo” produto de

Lux, pois há o processo dialógico entre os sujeitos da enunciação. Dessa maneira,

confirma-se uma vez mais as palavras de Campos-Toscano (2009), quem considera

que o tempo é um importante gerador de desejo, pois a cada momento as paixões

renovam-se, modificam-se. Essa teórica ainda aponta que o tempo altera o espaço e

lhe dá novas cores e sentidos, afirmando ainda que isso se dá porque o tempo está

ligado a uma época que vem caracterizar o significado de ser humano, esse que

adapta-se à realidade conforme o espaço que ocupa. Em síntese, trata-se da ideia

de abertura e ajuste ao tempo-espaço.

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Em relação ao nome do sabonete, constatou-se que Lux, em 1973, era Lux

de Luxo, ao passo que na década de 1980 passou a ser Lux Luxo, assim como foi

Lux Luxo Fashion Pink na edição limitada de 2007 e passou a ser apenas Lux em

2012, apresentando uma logomarca mais sofisticada e elegante, com letras

curvilíneas e em tom dourado, o qual remete a algo luxuoso, ou de valor e ainda

retoma o clássico.

Como as palavras ganham ou perdem valor ao passar do tempo, o termo luxo

ficou out, démodé e assim como a mulher passou por transformações, a

apresentação do nome do sabonete igualmente mudou. O uso da caixinha, as letras

douradas, o fato de ser o produto de primeira linha da empresa, tudo isso remete à

nova palavra em voga: premium. Na sociedade atual, chique e elegante é ser

premium, pois denota um universo diferenciado. Mais uma vez, nota-se a

consonância do momento presente junto às embalagens. Ora, se o consumidor

mudou, Lux também altera sua apresentação. Há, mais uma vez, articulação entre

tempo e espaço.

Outro fato a ser salientado é que o atributo premium não precisa vir impresso

no produto, pois o consumidor sabe identificá-lo por meio de fatores verbo-visuais,

cujas pistas indicam tal diferenciação. Além do mais, outro aspecto a ser ponderado

é que, por elegância, algumas características não precisam ser ditas. Bastam ser.

Assim, por Lux ser, não precisa dizer. E o consumidor saberá.

Dessa forma, finaliza-se esta dissertação com a percepção de que, por meio

da transformação, renovação e diversidade, Lux conseguiu sempre retomar sua

última propaganda, com ares de novidade, não deixando que os conceitos cíclicos

estivessem presentes, pois ativavam a memória discursiva com a finalidade de

reforçar a importância da marca para a mulher. Sua reconstrução e retomada

colocam-se em diálogo constante e conduzindo o fio ideológico do que é ser mulher.

Ontem, hoje e amanhã.

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ANEXO A – Julie Christie: Lux de Luxo, inteira

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ANEXO B – Julie Christie: Lux de Luxo, parte 1

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ANEXO C – Julie Christie: Lux de Luxo, parte 2