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UNIVERSIDADE TÉCNICA de LISBOA INSTITUTO SUPERIOR de CIÊNCIAS SOCIAIS e POLÍTICAS POLÍTICAS PÚBLICAS de PROMOÇÃO da CONCORRÊNCIA Tese de Doutoramento Orientadores: Prof. Doutor JOSÉ ADELINO MALTEZ Prof. Doutor JOÃO ABREU FARIA DE BILHIM Júri: Presidente: Magnífico Reitor da Universidade Técnica de Lisboa Prof. Doutor FERNANDO RAMOA RIBEIRO Vogais: Prof. Doutor JOSÉ ANTÓNIO OLIVEIRA ROCHA Prof. Doutor JOSÉ ADELINO EUFRÁSIO DE CAMPOS MALTEZ Prof. Doutor JOÃO ABREU DE FARIA BILHIM Prof. Doutor ERNÂNI RODRIGUES LOPES Prof. Doutora CARLA MARGARIDA BARROSO GUAPO DA COSTA Eduardo Raúl Lopes Rodrigues LISBOA, (2007) ERLR Dezembro 2006

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UNIVERSIDADE TCNICA de LISBOA INSTITUTO SUPERIOR de CINCIAS SOCIAIS e POLTICAS

POLTICAS PBLICAS de

PROMOO da CONCORRNCIA

Tese de Doutoramento Orientadores: Prof. Doutor JOS ADELINO MALTEZ

Prof. Doutor JOO ABREU FARIA DE BILHIM

Jri: Presidente: Magnfico Reitor da Universidade Tcnica de Lisboa

Prof. Doutor FERNANDO RAMOA RIBEIRO

Vogais: Prof. Doutor JOS ANTNIO OLIVEIRA ROCHA

Prof. Doutor JOS ADELINO EUFRSIO DE CAMPOS MALTEZ

Prof. Doutor JOO ABREU DE FARIA BILHIM

Prof. Doutor ERNNI RODRIGUES LOPES

Prof. Doutora CARLA MARGARIDA BARROSO GUAPO DA COSTA

Eduardo Ral Lopes Rodrigues

LISBOA, (2007)

ERLR Dezembro 2006

(ii)

UNIVERSIDADE TCNICA de LISBOA INSTITUTO SUPERIOR de CINCIAS SOCIAIS e POLTICAS

POLTICAS PBLICAS de

PROMOO da CONCORRNCIA Tese de Doutoramento

- Cincias Sociais Administrao Pblica

Orientadores: Prof. Doutor JOS ADELINO MALTEZ Prof. Doutor JOO ABREU FARIA DE BILHIM

Jri: Presidente: Magnfico Reitor da Universidade Tcnica de Lisboa

Prof. Doutor FERNANDO RAMOA RIBEIRO

Vogais: Prof. Doutor JOS ANTNIO OLIVEIRA ROCHA

Prof. Doutor JOS ADELINO EUFRSIO DE CAMPOS MALTEZ

Prof. Doutor JOO ABREU DE FARIA BILHIM

Prof. Doutor ERNNI RODRIGUES LOPES

Prof. Doutora CARLA MARGARIDA BARROSO GUAPO DA COSTA

Eduardo Ral Lopes Rodrigues

LISBOA, (2007)

ERLR Dezembro 2006

(iii)

Resumo / Abstract

O principal objectivo desta Tese consiste em elaborar uma Teoria capaz de proporcionar

um quadro conceptual que permite compreender a concorrncia enquanto um processo

multidimensional que ocorre em diversos espaos de transaco, e, conceber uma

poltica pblica com o objectivo de promover um certo paradigma de concorrncia, do qual

resultam externalidades positivas para a integrao econmica, a disseminao da

prosperidade, o desenvolvimento sustentvel e a Paz.

Essa teoria sugere ainda um modelo que permite integrar as decises de algumas

Autoridades de Concorrncia, nomeadamente a Comisso Europeia e, a Autoridade da

Concorrncia de Portugal, e, consequentemente, prever, com alguma probabilidade, o

respectivo contedo.

The main goal of this Thesis is to elaborate a theory which would be able to set an

conceptual comprehensible framework of the competition as a multidimensional process

operating in a several arenas of transaction, and to design a public policy targeted for the

promotion of a specific competition paradigm, from which outcome some positives

externalities in terms of the economic integration, the spread of prosperity, the sustainable

development, and the Peace.

This theory suggest a model, which is able to integrate the decisions of some competition

authorities, namely the Portuguese Competition Authority, and so, to forecast their issues

with some probability.

ERLR Dezembro 2006

(iv)

A meus Pais.

minha Mulher e Filhos.

Aos meus Amigos.

Aos meus Professores.

Aos meus Alunos.

Juventude de todas as idades que persiste

em perpetuar Portugal, transcendendo

os seus prprios limites

ERLR Dezembro 2006

(v)

Prefcio

No h palavras adequadas para agradecer a todos quantos, ao longo da vida, me tm

vindo a ensinar, e, em particular, queles que, de forma mais directa, configuraram a minha

vocao para a investigao do conhecimento, para a procura de uma praxis ao servio das

comunidades, concretamente, para a vivncia deste projecto de investigao, e, para a sua

concluso com a presente tese.

No obstante ser muito extenso o conjunto de Pessoas que se inscrevem na referncia

anterior -me particularmente gratificante agradecer algumas dvidas pessoais que so

incontornveis, pela sua ligao mais directa a este projecto.

Ao Prof. Doutor Jos Adelino Maltez, a quem devo, antes de mais, o privilgio de, no

j longnquo dealbar da nova Administrao Pblica ps 25 de Abril de 1974, ter partilhado

as suas anlises sempre esclarecedoras sobre a problemtica do Estado, das suas elites e das

suas funcionalidades, no quadro de uma sociedade cada vez mais complexa e sofisticada.

Antigo dirigente de primeira linha em estruturas da Administrao Pblica com misses

especficas de poltica de concorrncia, estou-lhe igualmente devedor pelas preciosas

orientaes que me concedeu ao longo de todo este trabalho, razo pela qual lhe estou

profundamente grato.

Ao Prof. Doutor Joo Abreu de Faria Bilhim, a quem devo a participao nos estudos

universitrios da Cincia das Organizaes e da Administrao, focalizadas nas funes

pblicas, bem como o exerccio do trabalho acadmico sobre as Polticas de Regulao.

A sua longa e diversificada experincia no exerccio do Polticas Pblicas com

incidncia nas dinmicas da concorrncia na economia e na sociedade tornou-me

particularmente devedor da sua sofisticada sapincia. Na verdade, a forma como me

acolheu no exerccio das funes docentes no ISCSP e, bem assim a disponibilidade

meticulosa, atenta, e, sempre detalhada, com que conduziu a orientao de todo este

trabalho foram determinantes para a concluso desta tese, razo pela qual lhe estou muito

grato.

Aos meus colegas de trabalho, independentemente das respectivas qualificaes, aos

meus superiores hierrquicos nos diferentes servios por onde fui passando, aos meus

professores nas diferentes Escolas, e aos meus alunos, por tudo quanto tive a oportunidade

de, com eles, aprender.

ERLR Dezembro 2006

(vi)

naturalmente devida uma palavra de reconhecimento aos meus colegas na

Autoridade da Concorrncia (AdC), onde actualmente exero funes profissionais, ao

servio da Poltica de Concorrncia em Portugal.

Quer com o Presidente do Conselho da AdC, Prof. Doutor Abel Mateus, quer com a minha

colega vogal do mesmo, Mestre Teresa Moreira, quer com o Fiscal nico, Dr. Moiss

Cardoso, quer ainda com os diferentes Gabinetes e Departamentos em que a AdC est

organizada, cumpre-me agradecer, com gosto e com a satisfao de um dever institucional

cumprido, a pedagogia e a experincia de que tenho vindo a beneficiar.

igualmente devida uma palavra aos Professores que, na Universidade, tm constitudo

para mim um paradigma de vida, entre os quais assume uma centralidade transcendente o

Professor Doutor Ernni Rodrigues Lopes, a quem, de facto, quaisquer palavras de

agradecimento seriam redutoras da imensa aprendizagem que me tem proporcionado.

Por ponderosas razes, que me ultrapassam, no possvel proceder publicao da

Tese na sua totalidade. Elaborou-se assim esta verso confinada aos seus elementos

essenciais para publicao e, sobretudo para circulao na comunidade acadmica,

entendida no sentido amplo dos estudiosos destas questes.

Na preparao desta verso para publicao adoptou-se o critrio de sintetizar os

argumentos essenciais e inovadores, preterindo as referncias contextuais.

ERLR Dezembro 2006

NDICE

RAZES DE ORDEM --------------------------------------------------------------------------------------------------- 1

A Um imperativo de CIDADANIA ----------------------------------------------------------------------- B Um compromisso com a UNIVERSIDADE----------------------------------------------------------- C Um efmero quantum para o FUTURO COLECTIVO--------------------------------------------

51114

ESTRUTURAO DO TEXTO -------------------------------------------------------------------------------------- 20

INTRODUO ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 22

1. PORQU UMA TESE SOBRE POLTICAS PBLICAS DE PROMOO DA CONCORRNCIA ----------------------------------------------------------------------------------- 23

2. A DELIMITAO DO OBJECTO DE INVESTIGAO---------------------------------------- 39

3. . A METODOLOGIA --------------------------------------------------------------------------------------- 44

CAP.1

A PROBLEMATIZAO DO OBJECTO A OBSERVAO POSITIVA de REALIDADE -------------------------------------------------------------------------------------------- 49

1.1 AS DIFERENTES DINMICAS DA GLOBALIZAO E DA INTERDEPENDNCIA. DESCRIO POSITIVISTA DA REALIDADE FENOMNICA ------------------------------

51

1.2 O EXERCCIO DO PODER DE MERCADO ------------------------------------------------------- 61

1.3 OPES ESTRATGICAS DE BASE (DAS EMPRESAS E DOS ESTADOS) ----- 65

1.4 A POLITICA DE CONCORRNCIA NA COMUNIDADE EUROPEIA, E, DEPOIS NA UNIO EUROPEIA ---------------------------------------------------------------------------------- 68

CAP. 2

QUESTES METODOLGICAS ---------------------------------------------------------------------- 75

2.1 PERSPECTIVAS QUE CONFLUEM ------------------------------------------------------------------ 80

2.2 OS CONCEITOS INOVADORES ---------------------------------------------------------------------- 92

2.2.1 ENUNCIADO ------------------------------------------------------------------------------------- 94

2.2.2 SITUAES CONCORRENCIAIS ------------------------------------------------------------- 96

2.2.3 GEOGRAFIA CONCORRENCIAL ------------------------------------------------------------- 100

2.2.4 CENTRO/TEIA DE PODER POLITICO, EM RECONFIGURAO --------------------- 104

2.2.5 TENDNCIAS CONCORRENCIAIS DE GLOBALIZAO ------------------------------- 110

2.2.6 DUMPING POLIMRFICO -------------------------------------------------------------------- 114

2.2.7 PARADIGMA DE CONCORRNCIA --------------------------------------------------------- 115

2.2.8 ORDEM PBLICA CONCORRENCIAL ------------------------------------------------------ 118

2.2.9 ESTADO SUBLIMADOR ------------------------------------------------------------------------ 123

CAP. 3

COMPREENDER A CONCORRNCIA-------------------------------------------------------------- 128

3.1 O QUE SE PERCEPCIONA, QUANDO SE PERCEPCIONA A CONCORRNCIA? A COEXISTNCIA DE VRIOS PARADIGMAS ------------------------------------------------

138

3.2 DA NATUREZA DA CONCORRNCIA-------------------------------------------------------------- 150

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(ii)

3.2.1 A CONCORRNCIA QUASE PERFEITA -------------------------------------------------- 153 3.2.2 A CONCORRNCIA, ENQUANTO VARIANTE INCLUSIVA DO PARADIGMA

UNIVERSAL MERCADOS CONCORRENCIAIS ---------------------------------------170

3.2.2.1 Anlise Ontolgica ------------------------------------------------------------------- 171

3.2.2.2 Anlise Funcional --------------------------------------------------------------------- 185

3.2.3 MERCADOS DRACONIANOS, ENQUANTO VARIANTE EXCLUSIVA E ABUSIVA DO PARADIGMA UNIVERSAL ----------------------------------------------------------------- 220

3.3 OS AUXLIOS DE ESTADO, ENQUANTO UMA INTERFACE COM AS SOBERANIAS ------------------------------------------------------------------------------------------ 244

3.3.1 - QUE CONCEITO ?-------------------------------------------------------------------------------- 246

3.3.2 QUE RATIONALE?----------------------------------------------------------------------------- 249 3.4 QUE EXPRESSIVIDADE DAS GLOBALIZAES?---------------------------------------------- 254 3.4.1 A REALIDADE CONCORRENCIAL---------------------------------------------------------- 255 3.4.2 UMA TEORIZAO POSSIVEL-------------------------------------------------------------- 259

CAP. 4

A CONCORRNCIA ENQUANTO UM CONSTITUINTE DA DEMOCRACIA ---------------------------------------------------------------------------------------------

272

4.1 RAZO DE ORDEM -------------------------------------------------------------------------------------- 273 4.2 A CONCORRNCIA COMO EXPRESSO DA LIBERDADE ECONMICA ------------- 278 4.2.1 ANLISE ONTOLGICA --------------------------------------------------------------------- 279 4.2.2 ANLISE FUNCIONAL ------------------------------------------------------------------------ 287 4.2.2.1 Que Polticas dos Centros de Poder Poltico -------------------------------- 298 4.2.2.2 Geografias Concorrenciais de uma ou de vrias Soberanias ------------ 303 4.3 A CONCORRNCIA ENQUANTO UM VALOR A PROMOVER ----------------------------- 305 4.3.1 UM VALOR INSTRUMENTAL --------------------------------------------------------------- 306 4.3.2 UM PRINCPIO DE ORDEM PBLICA ---------------------------------------------------- 310

Cap. 5

INTERNALIZAR AS IMPLICAES DA GEOGRAFIA CONCORRENCIAL DA UNIO EUROPEIA ---------------------------------------------------------------------------------------

331

5.1 RAZO DE ORDEM -------------------------------------------------------------------------------------- 332 5.2 POLTICA COMUNITRIA DE CONCORRNCIA --------------------------------------------- 334 5.2.1 1 VECTOR OBJECTO / DOMNIO DE APLICAO --------------------------------- 336 5.2.2 2 VECTOR LEGITIMAO DO PODER ------------------------------------------------- 341 5.2.3 3 VECTOR INSTRUMENTALIDADE DE CONCORRNCIA FACE

CONSTRUO EUROPEIA ------------------------------------------------------------------ 344 5.2.4 4 VECTOR - QUADRO INSTITUCIONAL AUTNOMO E SUPRAESTADUAL -- 350 5.2.5 5 VECTOR - FILOSOFIA DE CONCORRNCIA QUE PERPASSA POR

TODO O TRATADO ---------------------------------------------------------------------------- 352 5.3 UM NOVO MODELO DE GOVERNAO ECONMICA ------------------------------------- 359 5.4 OS VECTORES DAS CLIVAGENS DE 2004 -------------------------------------------------------- 364 5.4.1 UMA VISO HOLSTICA --------------------------------------------------------------------- 365 5.4.2 O NOVO MODELO CONCEPTUAL / CONSIDERAES GERAIS ------------------ 370 5.4.3 A PROBLEMTICA DA PROVA ------------------------------------------------------------ 381 5.4.4 MODERNIZAO DO CONTROLO DE CONCENTRAES ------------------------- 386

ERLR Dezembro 2006

(iii)

5.4.5 MODERNIZAO DO CONTROLO DOS AUXLIOS DE ESTADO ----------------- 392 5.4.5.1 A Selectividade como critrio essencial -------------------------------------- 406 5.4.5.2 Focalizao na Racionalidade Econmica ---------------------------------- 406 5.5 UMA NOVA COMISSO PARA UMA NOVA EUROPA ---------------------------------------- 413 5.5.1 UMA NOVA EQUIPA PARA UMA POLTICA DE SEMPRE--------------------------- 414 5.5.2 UMA VISO PROSPECTIVA --------------------------------------------------------------- 417 5.5.2.1 A vocao instrumental da poltica de concorrncia face aos grandes

objectivos da Construo Europeia --------------------------------------------- 418 5.5.2.2 A vocao para se ir adaptando turbulncia e complexificao

crescentes associadas s diferentes dinmicas de Globalizao ----------- 419 5.5.2.2.1 Optimizao do Funcionamento da Rede Europeia de

Concorrncia ------------------------------------------------------- 420 5.5.2.2.2 Eficincia no Combate aos Cartis ------------------------------ 421 5.5.2.2.3 Densificao dos esforos de investigao cientifica em

matrias relacionadas com a poltica de concorrncia ------- 422 5.5.2.3 Controlo das operaes de concentrao de Empresas ----------------------- 423 5.5.2.4 Maior visibilidade da disciplina relativa aos Auxlios de Estado ----------- 424

Cap. 6

O QUE TEM SIDO A POLTICA DE CONCORRNCIA EM PORTUGAL ---------------- 428

6.1 RAZO DE ORDEM -------------------------------------------------------------------------------------- 429 6.2 A ALA LIBERAL (1969 1972) ------------------------------------------------------------------------- 433 6.3 A REVOLUO DE ABRIL DE 1974 ----------------------------------------------------------------- 436 6.3.1 ALTERAO RADICAL PARA O ESTADO DEMOCRTICO ------------------------- 438 6.3.2 A PRIMEIRA GERAO DE LEGISLAO DA DEFESA DE CONCORRNCIA-- 440 6.3.2.1 Enquadramento Geral -------------------------------------------------------------- 440 6.3.2.2 Controlo Prvio ----------------------------------------------------------------------- 448 6.3.2.3 Credibilidade da Poltica e os Recursos Judiciais------------------------------ 450 6.4 A ADESO S COMUNIDADES EUROPEIAS ---------------------------------------------------- 452 6.4.1 PREPARAO E PROSPECTIVA ------------------------------------------------------------- 453 6.4.1.1 o Estado Empresrio ---------------------------------------------------------------- 453 6.4.1.2 Direitos Nacional e Comunitrio da Concorrncia ---------------------------- 454 6.4.1.3 O final dos Monoplios Pblicos -------------------------------------------------- 455 6.4.2 MERCADO NICO EUROPEU ----------------------------------------------------------------- 457 6.5 A FUNDAO DA UEM/EUROPA ------------------------------------------------------------------- 459 6.6 A DESCENTRALIZAO CONTEMPORNEA DA POLTICA COMUNITRIA ----- 467 6.6.1 AS INICIATIVAS DA ASSEMBLEIA DA REPBLICA --------------------------------- 470 6.6.2 O GOVERNO ------------------------------------------------------------------------------------- 472 6.6.3 A INDEPENDNCIA DA AUTORIDADE DA CONCORRNCIA (AdC) ------------ 475 6.6.4 A LEGITIMAO DA AdC ------------------------------------------------------------------- 478 6.6.5 OS PODERES E AS ATRIBUIES POLTICAS DA AdC ----------------------------- 481 6.6.5.1. Descrio Geral ---------------------------------------------------------------------- 481 6.6.5.2. Confluncia das funes de Instruo e de Deciso -------------------------- 486 6.6.5.3 Aplicao ao Estado ----------------------------------------------------------------- 488 6.6.5.4 Controlo de Concentraes de Empresas --------------------------------------- 491 6.6.5.5. Avaliao ------------------------------------------------------------------------------ 497

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(iv)

Cap. 7

POR UMA POLTICA PBLICA DE PROMOO DA CONCORRNCIA -------------- 499

7.1 DA NECESSIDADE DE UMA POLTICA PBLICA DE PROMOO DA CONCORRNCIA ------------------------------------------------------------------------------------ 500

7.1.1 OBSERVAES GERAIS ---------------------------------------------------------------------- 500 7.1.2 OS BENEFCIOS ---------------------------------------------------------------------------------- 506 7.1.2.1 Em situaes de uma nica soberania poltica --------------------------------- 506 7.1.2.2 Em situaes com vrias soberanias polticas ---------------------------------- 507 7.2. O IMPERATIVO CONSTITUCIONAL --------------------------------------------------------------- 510 7.3 QUE PARADIGMA INSTITUCIONAL --------------------------------------------------------------- 514 7.3.1 QUE CONCEITO DE POLTICA DE CONCORRNCIA -------------------------------- 515 7.3.2 QUE PREDICTABILIDADE ------------------------------------------------------------------- 517 7.3.2.1. Que bem pblico? --------------------------------------------------------------- 519 7.3.2.2. Que natureza? ------------------------------------------------------------------- 521 7.3.2.3. Que relaes com a geografia concorrencial?--------------------------------- 522 7.3.2.4. Quem a protagoniza? ------------------------------------------------------------- 524 7.3.2.4.1. Identidade poltica no quadro da Cincia do Direito -------------- 526 7.3.2.4.2. Identidade poltica no mbito da Cincia da Administrao ----- 529 7.3.2.5 Quais os fundamentos? ----------------------------------------------------------- 536 7.3.2.6. Legitimao ------------------------------------------------------------------------ 537 7.3.2.7. Apreenso pelos destinatrios---------------------------------------------------- 538 7.3.2.8. Controlo Judicial------------------------------------------------------------------- 539 7.3.2.9 Avaliao----------------------------------------------------------------------------- 541 7.4 APLICAO DA TEORIA PROPOSTA ------------------------------------------------------------- 542 7.4.1. PASSOS GERAIS E COMUNS----------------------------------------------------------------- 543 7.4.2. PASSOS ESPECFICOS-------------------------------------------------------------------------- 545 7.4.3. APLICAES A SITUAES CONCORRENCIAIS CONCRETAS-------------------- 548 7.4.3.1 Cooperao entre Empresas ------------------------------------------------------- 549 7.4.3.2 Dominncia Abusiva ----------------------------------------------------------------- 550 7.4.3.3 Controlo Prvio de Concentraes------------------------------------------------ 554 7.4.3.4 Cartelizao --------------------------------------------------------------------------- 556 7.4.3.5 Auxlios de Estado -------------------------------------------------------------------- 557 7.5 QUE ADMINISTRAO PBLICA PARA ASSUMIR ESTA POLTICA? ----------------- 560

CONCLUSES------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 563

BIBLIOGRAFIA ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 584

SIGLAS E ABREVIATURAS------------------------------------------------------------------------------------------ 618

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1

RAZES DE ORDEM

O Respeito pela Comunidade Acadmica, pela Universidade, pelo Jri e, de uma

forma geral, pelos meus colegas, conduz-me, linearmente, obrigao de explicar as

razes que me levaram1, aos 55 anos, a aprofundar este projecto de investigao, que h

anos vinha sedimentando e que, agora, se pretende concluir com a presente Tese de

Doutoramento.

No possvel estabelecer um princpio e um final formais de qualquer projecto de

investigao cientfica. Esta actividade, por natureza, no se pode confinar rigidamente a

qualquer calendarizao, exactamente porque ela nunca est verdadeiramente concluda,

nem passvel de um percurso isolado, confinado anlise exclusiva do objecto num

ambiente cirurgicamente assptico de qualquer influncia que, aparentemente, lhe seja

alheia.

Pelo contrrio, a actividade de pesquisa cientfica carece de um esprito

permanentemente aberto a qualquer estmulo aleatrio, venha ele donde vier, e,

independentemente do momento em que ocorra.

Esta Tese para alm do seu objecto especfico, reflecte uma atitude e uma actividade

- a do aprendiz permanente, que tudo interroga, e que, sempre, procura trabalhar de uma

forma mais lcida e mais eficiente.

1 No obstante este projecto de investigao ter conhecido o seu incio formal em 2003, h j muitos anos

que o autor se dedica a estudar estas questes.

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2

Do aprendiz permanente que cultiva a capacidade de saber escutar as linguagens da

Sociedade, da Cultura, da Economia, da Histria, da Poltica e da Natureza.

esse ensaio de percepo permanente, no exerccio da procura da liberdade da

independncia (MARITAIN, 1944:20) que, de certo modo, exprime a matriz gentica

donde emerge todo este projecto de investigao cientfica. E a partir daqui que se

indicam as trs razes de ordem que determinam este trabalho2:

a) um imperativo de cidadania3;

b) um compromisso com a Universidade4;

2 Independentemente das razes de ordem que possam sempre ser invocadas, com maior ou menor

pertinncia, iniludvel assumir que um projecto desta ndole, nestas circunstncias, tem sempre uma elevada componente de um certo ideal histrico concreto. Neste quadro, igualmente obrigatrio evocar Fernando PESSOA e o conhecido O INFANTE/MAR PORTUGUS: Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. in Poemas de FERNANDO PESSOA, seleco, prefcio e posfcio de Eduardo LOURENO, ed. Viso JL, 2006.

3 Este conceito de Cidadania deve ser entendido no quadro das filosofias personalista e humanista do desenvolvimento integral. Ver, por exemplo: Emmanuel MOUNIER, Le Personnalisme, Paris, PUF, 1959 (trad. e prefcio de Joo BNARD

DA COSTA, O Personalismo, 4. ed., Moraes, Lisboa, 1976). Jacques MARITAIN, Principles dune Politique Humaniste, Paris, ditions de la Masion Franaise,

1944 (trad. Antnio ALADA BAPTISTA Princpios duma Poltica Humanista, O Tempo e o Modo, Moraes, Lisboa, 1960).

AAVV, Repensar a Cidadania, nos 50 anos da Declarao Universal dos Direitos Humanos, ed. Notcias, Lisboa, 1998.

Joseph RATZINGER, O Sal da Terra, entrevista com Peter SEEWALD, 3. ed. 2005, Tenacitas. ttienne CEREXHE, La citoyennet Europenne: Origine et Perspectives in RFDUL, Coimbra

Editora, vol. XLV, n.os 1 e 2, 2004. Gabriel ALMOND, Sydney VERBA, The Civic Culture: Political Attitudes and Democracy in Five

Nations, Princeton, Princeton University Press, 1963. The civic culture revisited, Boston, Little Brown and Company, 1980.

Ana Maria GUERRA MARTINS Os Valores da Unio na Constituio Europeia, Coimbra Editora, 2000.

Sobre os efeitos sociais, culturais e polticos induzidos pela Unio Econmica e Monetria na Europa, no exerccio da Cidadania, ver, por exemplo, Eduardo R. LOPES RODRIGUES, A Difcil Tranquilidade do EURO. A Porta Estreita da Relevncia, ed. Vida Econmica, 2002.

4 Entendendo, aqui, a Universidade como uma Escola que promove a compreenso da existncia e da essncia, no quadro do efmero e da transcendncia e nos abre pistas crticas para a gnose, a par de caminhos para vivncias ticas e estticas, que se reflectem em novas competncias no agir segundo 3 eixos que se reforam mutuamente: ensino, investigao cientfica e desenvolvimento integrado.

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3

c) uma impulso para inscrever um efmero quantum no futuro colectivo5,

atravs de um contributo para a concepo terica de uma poltica pblica,

adaptada situao muito especfica de Portugal, e com elevadas

potencialidades no domnio da promoo do respectivo desenvolvimento

sustentvel.

Neste ponto introdutrio, apenas uma brevssima nota genrica sobre a forma como

se percepcionam cada uma destas razes de ordem, sem prejuzo do que ser depois

detalhado nos pontos subsequentes.

A Cidadania aqui encarada como a concretizao de uma natureza personalista

inicial, anterior a toda a aculturao, muito embora venha a ser progressivamente

enriquecida com vectores de ndole cultural e civilizacional. Essa natureza personalista

inicial enformada por uma transcendncia divina que faz de cada um, algum

irrepetvel que se vai realizando na confluncia de duas dimenses interdependentes: por

um lado, a caminhada para esse Transcendente e, por outro, a solidariedade com os seus

pares, mesmo que estejam nos antpodas de tudo.

Temos assim um exigente paradigma de Cidadania, compaginvel com os desafios

singulares e colectivos com que os tempos contemporneos nos confrontam. Este

imperativo de Cidadania exprime-se, antes de mais, na conscincia de dever dar um

contributo para uma teorizao da experincia obtida ao longo de dcadas.

A ligao Universidade, que se tem vindo a densificar h j algumas dcadas, vem

traduzindo compromissos diferenciados de investigao e de partilha de conhecimentos.

Mas, no essencial, , sobretudo, uma responsabilidade para consigo prprio, no

imperativo de demanda permanente da episteme e da busca incessante de novas

competncias, de forma a protagonizar uma praxis quotidiana cada vez mais frtil nos

resultados.

5 A nova ordem internacional, subsequente queda de Muro de Berlim (1989), ao final da Bipolaridade

tpica da Guerra Fria e ao eclodir do Terrorismo Global (2001), tem vindo a criar um novo enquadramento de referncia onde se refora a concluso de que o futuro colectivo de qualquer Pas, mormente daqueles que tm caractersticas estruturais semelhantes s de Portugal, exige talvez, mais do que nunca, o concurso de todos.

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4

Por fim, o envolvimento profissional na Administrao Pblica, tambm j com um

registo de dcadas, tem-se vindo a traduzir na incessante busca de novas competncias,

enformadas pelos princpios do servio efectivo Comunidade, procurando ultrapassar

as melhores expectativas dos cidados, mediante o rigor e a aplicao das metodologias

cientficas6 em constante aperfeioamento.

Essas competncias cada vez mais exigentes, so elementos substantivos da

capacidade de resposta que se traduz em polticas pblicas, concebidas e aplicadas como

espaos desafiantes de criatividade e de transformao social e econmica, em ordem

optimizao das condies de convivialidade em termos de Liberdade, de

Desenvolvimento e de Paz.

Este envolvimento profissional na Administrao Pblica paralelo com uma

experincia de 5 anos em empresas privadas, em regime de licena sem vencimento, o

que foi determinante para a aquisio de novas competncias, e, para aferir da iniludvel

necessidade da vivncia concreta do mundo, como contributo para a excelncia das

polticas pblicas.

Estamos, pois, perante um trinmio de razes que podero, porventura, ser difceis

de explicar e de individualizar, mas que constituem a base, progressivamente mais

autnoma e consistente, de uma opo de vida7.

6 Sobre a Cincia da Administrao, focalizada nas vertentes pblica e privada, embora com as

particularidades especificas da Administrao Pblica, ver: J.A. OLIVEIRA ROCHA

- 2005 Gesto de Recursos Humanos na Administrao Pblica, Lisboa , Escolas Editora - 2000 - Gesto Pblica e Modernizao Administrativa, INA, Oeiras

Joo Abreu de FARIA BILHIM, Teoria Organizacional, Estruturas e Pessoas, 3 ed., 2004, ISCSP, Lisboa.

7 Estas trs razes formam um conjunto estruturado, que deve ser entendido como um contributo para a construo das capacidades de proposta e de resposta, no quadro da matriz elementar, compreender, assumir e agir, desenvolvida pelo Professor Ernni R. LOPES, nas suas cadeiras de Geopoltica e Prospectiva. Neste sentido, podem igualmente ser vistas como um esforo sistematizado para um contributo elementar visando resistir evoluo espontnea prpria do cenrio prospectivo de definhamento, e, em seu lugar, promover o salto qualitativo, exigido pelo cenrio de afirmao estratgica. Dito de outra forma, trata-se de conceitos e de cenrios explicitados e desenvolvidos em Ernni R. LOPES, Geopoltica e Prospectiva da Europa (Tomos I, II e III), Mestrado em Estudos Europeus, IEE/UCP, diversos anos, por exemplo 2004/06 (Promoo Damio de Gis).

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A) UM IMPERATIVO DE CIDADANIA

A Cidadania, enquanto panplia de Direitos e de Deveres conjugados, manifesta-se

em mltiplos contextos, sociolgicos, econmicos, polticos e culturais. Todavia, em

cada circunstncia concreta, um existe, que tudo precede e enquadra a saber, o

contexto Cultural8.

Ora, esta precedncia coloca-nos numa pluralidade de dimenses, a primeira das

quais, inexoravelmente a Nacionalidade, com tudo o que isto significa de Pertena a

uma determinada Nao9, no caso vertente, a Portugal.

Como sublinha Gustav RADBRUCH10 (1878-1949), o indivduo s dentro de uma

comunidade nacional pode ser criador de cultura (1961:15).

Na verdade, numa poca em que tudo est em turbulncia acelerada, uma das poucas

ncoras sociolgicas, econmicas e mesmo polticas, a identidade cultural que nos liga

a uma dada Nao, tanto mais que a multicultura e a relao intercultural brotam, com

fora crescente, em todos os azimutes. 11 (CARNEIRO, 2001:23).

Esta matriz gentica congrega a Histria das nossas razes, sem nos aprisionar em

nenhuma miopia de vises tpicas de nacionalismos exacerbados, redutores da

Humanidade universal de cada um.

8 Sobre a precedncia da Cultura, ver D. Jos da Cruz POLICARPO, patriarca de Lisboa, quando escreve

() a cultura antes da tica que deve pr a pessoa humana no centro de tudo (2004:28). A este propsito importa recordar uma enorme correlao positiva entre a proliferao dos fenmenos do caos e da violncia e as microculturas, sobretudo as mais fechadas. Alis, quando uma cultura se fecha num monlogo com outra cultura, entra irreversivelmente num ciclo de colapso autista. Em cada cultura, os vectores de abertura ao mundo so sobretudo os seus elementos que integram o Universal Humano, i.e. fazem crescer o Patrimnio Comum da Humanidade. Neste sentido tambm oportuno recordar Robert SCHUMAN quando afirmava que a Europa ou Cultural ou nunca ser.

9 Sobre a teorizao da problemtica da Nao ver Jos Adelino MALTEZ, Ensaio sobre o Problema do Estado, Tomos I e II, ed. Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1991, Lisboa

10 Gustav RADBRUCH, Filosofia do Direito, (Rechtsphilosophie, com uma 1. edio, 1914 e 2. 1932, trad. e prefcio de Lus CABRAL de MONCADA, 2 vols. ed. Coimbra, Armnio Amado, 1961.

11 Roberto CARNEIRO, Fundamentos da Educao e da Aprendizagem, 21 ensaios para o sculo 21, ed. Fundao Manuel Leo, Vila Nova de Gaia, 2001.

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O nacionalismo deve ser vivido como uma avenida multifacetada que nos conduz a

uma cidadania de permetro universal, onde seja possvel enaltecer as suas ldimas

virtudes.

Importa, pois, recordar, entre muitos outros, Miguel TORGA e o seu Dirio,

TEIXEIRA DE PASCOAES (1920:9) e a sua marcante Arte de ser Portugus, onde se

pode ler, por exemplo, Ser portugus tambm uma arte, e uma arte de grande alcance

nacional, e, por isso, bem digna de cultura12. Mas uma arte, cujo exerccio envolve

as dificuldades e as exigncias de, diariamente, ir construindo aquilo que outros

autores13 designam como o Bem Comum dos Portugueses entendido como uma

combinao de liberdades e pertenas que respeite o ciclo vital de cada gerao sem

hipotecar as geraes vindouras.

Aquele Contexto Cultural , a nosso ver, a verdadeira Natureza Humana, que se

manifesta em cada indivduo, como um ser socivel com uma vocao iniludvel para a

Complexificao e para Transcendncia, ambas teorizadas, entre outros, por

TEILHARD DE CHARDIN14.

Esta perspectiva rasga novos horizontes sobre o estado de natureza, que constitui a

matriz sociolgica fundamental a partir da qual emergem as diferentes Organizaes15

12 TEIXEIRA DE PASCOAES, 3 ed. Assrio & Alvim, com Introduo de Miguel ESTEVES

CARDOSO, 1991. Esta referncia a TEIXEIRA DE PASCOAES, sua A Arte de Ser Portugus e a toda a concepo filosfica que ela representa, deve ser entendida apenas como uma via indicativa que nos leva compreenso da realidade da Nao Portuguesa, a par de muitas outras, de outros autores igualmente paradigmticos. Na verdade, concordando que o conceito de Nao escapa s disciplinas jurdicas e filosficas e tende a viver enevoado numa espcie de regime de liberdade potica (Jos MALTEZ, 1991:283), assume-se uma perspectiva complexificante de integrar o passado e o futuro num presente em movimento para a realizao dos Valores Universais do Humanismo, em Liberdade, e em Igualdade com as outras Naes. Esta perspectiva de Teixeira de PASCOAES tambm a ressonncia em ltima anlise das teorias difundidas pelo eminente jurista peninsular Francisco SUAREZ (1548-1617), professor da Universidade de Coimbra, qualificado por vezes como Doctor Eximius, segundo o qual o Poder vem de Deus para o Povo, e, a partir daqui que delegado no soberano. Podem encontrar-se sinais desta tradio Portuguesa nas prprias Cortes de Lamego. Para PASCOAES, o Estado derivaria da prpria organizao municipalista, enquanto expresso do Povo.

13 Jorge BRAGA DE MACEDO, Jos ADELINO MALTEZ e Mendo CASTRO HENRIQUES, Bem Comum dos Portugueses ed. Veja, Lisboa, 1999.

14 Pierre TEILHARD DE CHARDIN, Le Phnomne Humain, Paris, Seuil, 1955. Livro escrito entre 1938 e 1940. Traduo Portuguesa de Len BOURDON e Jos TERRA, O Fenmeno Humano, Livraria Tavares Martins, Porto, 1965.

15 Sobre a complexidade do fenmeno das Organizaes, nas vertentes descritiva, explicativa e prescritiva ver, por todos, Joo Abreu de Faria BILHIM, ob. cit..

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do Poder, prevalecentes em cada sociedade, ou melhor, em cada Geografia

Concorrencial.

Refira-se, desde j, que esta Estruturao de uma Base Organizativa do Poder de

Mercado, do Poder Econmico e do Poder Poltico que, em ltima anlise, justificam as

Polticas de Concorrncia.

Assumir um exerccio lcido de Cidadania no se esgota, contudo, na vivncia de

um qualquer Presente, que sempre efmero Na verdade, todo o Presente um

momento do continum espao-tempo, o que significa que inclui a ressonncia do

passado e a projeco do futuro.

Ser um cidado contemporneo, no ser ps-moderno16, no sentido epifenomnico

da expresso, porventura mais centrado no indivduo, em oposio a tudo quanto

possa ser colectivo 17, nem tributrio de nenhuma das cclicas efmeras vagas de

modernidade18, sejam ou no assumidas como alegadas tendncias de ps-modernidade,

e/ou de vanguarda.

16 A expresso ps-moderno ter nascido na exposio da Bienal de Veneza (1945), Strada

Novissima, organizada por Paolo PORTOGHESI. Arnold TOYNBEE adoptou-a em 1947, no seu A Study of Story para sinalizar o sincretismo entre o individualismo cristo do Ocidente com as civilizaes orientais. A partir da o rastreio dos seus mltiplos percursos tornou-se um exerccio infindvel. Existe ainda, um certo sentido da expresso ps moderno utilizado por alguns autores para qualificar a evoluo de algumas realidades polticas, no s o Estado, mas tambm, as Polticas Pblicas e, a prpria Administrao Pblica, conforme ser detalhado oportunamente.

17 tambm frequente o qualificativo ps-moderno para referenciar tudo quanto exarcebadamente centrado no indivduo, cfr por exemplo: A. GIDDENS 1984 The Constitution of Society, University of California Press, Berkeley 1991 Modernity and self identity, Stanford University Press, Stanford.

18 O termo Modernidade sempre ambguo, na medida em que est ligado a um tempo que flui indefinidamente. No entanto, tem tambm um significado histrico, que, por vezes, importante recordar. O termo ter sido introduzido por Charles-Pierre BAUDELAIRE (1821-1867) em 1863 quando a Frana era governada por Napoleo III, admirador de Saint-Simon, numa poca em que o imperialismo britnico estava no auge, a Alemanha de Bismark caminhava para a respectiva unificao (que se consumaria a 18.1.1871, quando na sala dos Espelhos do Palcio de Versalhes, os Prncipes Alemes ofereceriam a Guilherme I, at ento Rei da Prssia, a coroa imperial, smbolo da unidade alem), os E.U.A. tinham como presidente Abraham Lincoln (anti-esclavagista), e, ainda no tinha sido adoptada nenhuma das legislaes modernas de concorrncia. Todavia era uma poca onde o novo capitalismo industrial, impulsionado por inovaes tecnolgicas disruptivas, comeava a mudar as geografias concorrenciais do Mundo. Mas ... o que ter influenciado a cunhar o termo? Ter sido a filosofia de Georg Wilhelm Friedrich HEGEL (1770-1831), para a qual o seu tempo marcava o inicio revolucionrio da Idade Moderna, resultante da cesura iluminista?

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O que verdadeiramente importante no ser classificado em ps moderno, ou com

qualquer outro adjectivo do gnero. O que essencial desenvolver uma capacidade de

inovar, de aprender com as inovaes, de conservar o adquirido, e, de o transmitir aos

outros, em particular, aos vindouros.

Isto exige, em qualquer poca e, em qualquer latitude, longitude e altitude, uma

compreenso das respectivas razes histricas, sociais, ambientais e culturais e, um

compromisso com as geraes vindouras19.

Na expresso de BENTO XVI, temos necessidade de razes para sobreviver, e, (...)

no devemos perder Deus de vista se queremos que a dignidade humana no

desaparea20

Esta percepo transgeracional intrnseca da natureza humana lapidarmente

sublinhada por Alexis CARREL, (Prmio Nobel da Medicina, 1912), citado pelo

Professor Jos MALTEZ21 (1991:321) do seguinte modo: J Alexis Carrel (1873-1944)

autor de LHomme, cet Inconnu (1936) considerava que cada homem est ligado

queles que o precederem e queles que o seguem (...) (1936:239), e, depois

enfatizava que a Humanidade no um conjunto de elementos separados, como as

molculas de um gs

Ter sido a filosofia de John Stuart MILL (1806-1873) que, em 1848, publicava os seus Princpios de Economia Poltica, onde faria a apologia do mercado e da concorrncia como motores da mudana? Ter sido o manifesto comunista publicado tambm em 1848 por Karl MARX e Friedrich ENGELS? Mas, o que importa que a ideia, tal como muitas outras, adquiriu uma mobilidade intrnseca.

19 Esta dimenso transgeracional da Cidadania insere-nos no desafio, no s de equacionar e de compreender os problemas de sempre, com focos de luz para encarar os problemas de hoje, mas tambm de antever os cenrios possveis e previsveis de evoluo, de forma a evitar, tanto quanto o engenho e a arte o permita que se opte por solues que acabem por ser geradoras de novos problemas, bem mais difceis do que aqueles que os precederam.

20 Joseph RATZINGER, LEuropa di Benedetto nella crisi delle culture (2005), com traduo portuguesa ed. por Altheia Editores.

21 Sobre a problemtica do Estado, nas suas mltiplas valncias, ver, por todos, Jos MALTEZ, ob. cit. Ensaio sobre o Problema do Estado, Tomos I e II, ed. Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Lisboa, 1991.

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Esta realidade sociolgica tem implicaes tambm nas polticas pblicas e, muito

em particular, na Poltica de Concorrncia.

Este imperativo de cidadania manifesta-se, por exemplo, na convico de que, na

ausncia de um certo Paradigma de Concorrncia em Portugal, no possvel cumprir o

horizonte programtico de realizao da democracia econmica, social e cultural

estatudo logo no artigo 2. da nossa Constituio22, em termos de assegurar a

igualdade de oportunidades23 (Jorge MIRANDA e Rui MEDEIROS, 2005:64).

Ora, em bom rigor, s possvel promover verdadeiramente, a igualdade de

oportunidades24 se o Estado, desde os seus mais elevados magistrados at todos os seus

servios pblicos, assegurar a disseminao de uma Cultura em que os recursos escassos

da Sociedade estejam ao alcance do Mrito Individual de todos os Cidados25.

S que a igualdade no aparece por si s. Pelo contrrio, pressupe uma constante

interaco com a liberdade. Como enfatiza, Maria da Glria F.P. DIAS GARCIA

(2005:12,13):

A igualdade que sustenta o princpio da igualdade deixa de ser natural e

absoluta, e, passa a ser compreendida como construda, algo que se vai fazendo

e que, mais do que ponto de partida, funciona nas relaes sociais, como ponto de

chegada, como ideal a atingir.

22 Esta norma est disseminada por muitos Estados, o que revela bem uma certa homogeneidade

civilizacional; a ttulo ilustrativo apenas, Brasil (art. 1); Angola (art. 2); Cabo Verde (art. 1, n. 3); So Tom (art. 6); Alemanha (art. 20); Espanha (art. 1).

23 Ver Jorge MIRANDA e Rui MEDEIROS, Constituio Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005.

24 Maria da Glria F.P. DIAS GARCIA, Princpio da Igualdade: Da uniformidade diferenciao ou a interminvel Histria de Caim e Abel, dois irmos marcados pela diferena, Estudos sobre o Princpio da Igualdade, Almedina, 2005.

25 Trata-se de um Estado dever ser que se aproxima do conceito de ESTADO SUBLIMADOR, delineado no Cap. 2.

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Este vector , por conseguinte, um elemento central do paradigma de concorrncia,

que aqui se sustenta que seja objecto de Polticas Pblicas eficientes na sua promoo e,

na sua defesa.

De facto, o objectivo de Unir a Liberdade e a Igualdade, conduz necessidade

de interveno do aparelho de Estado no Social e no Econmico, para a superao da

questo social, e, para o estabelecimento de adequadas regras de concorrncia, (Jos

MALTEZ26, 2004:36).

Aqui reside uma primeira justificao para a poltica de concorrncia.

A Comisso Europeia27 vem ao encontro da necessidade desta construo da

igualdade, quando, numa Comunicao de 20.4.2004, sublinha que:

Ao garantir que as empresas no mercado interno da UE concorrem pelos seus prprios mritos, a poltica de concorrncia contribui para criar condies de igualdade para todos, promovendo, assim, novas entradas nos mercados.

Verifica-se pois, que esta poltica de concorrncia est vocacionada para ultrapassar

a lgica economicista da funo objectivo de qualquer entidade empresarial para se

afirmar interventora no mago da vivncia numa sociedade ontologicamente dinamizada

por uma democracia econmica de elevada exigncia de qualidade.

Nesse sentido, a poltica de concorrncia est claramente vocacionada como uma

categoria especifica de meta polticas pblicas cujo horizonte paira nos objectivos

sempre permanentes do Desenvolvimento Sustentvel, da Promoo da Paz, da

Liberdade, da Igualdade de oportunidades, e, da contribuio, para o esboroar de

fronteiras invisveis, mas reais, no interior da Humanidade.

26 Jos MALTEZ, in Tradio e Revoluo, uma Biografia do Portugal Poltico do sc. XIX ao XXI,

vol. I (1820-1910), ed. Tribuna, 1994, Lisboa. (O sublinhado nosso e corresponde a itlico no texto citado.

27 Comisso EUROPEIA Uma Poltica de Concorrncia pr activa para uma Europa Competitiva, COM (2004) 293 final, Bruxelas.

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B) UM COMPROMISSO COM A UNIVERSIDADE

Existe uma outra ordem de factores relevantes, decorrentes da minha ligao

Universidade.

Na realidade, esta segunda razo primeva inscreve-se, seguramente, na tradio

cientfica e pedaggica de insignes Professores, Doutores e outros Mestres da

Universidade ancorada em Portugal, no mbito do qual o meu percurso acadmico torna

compreensvel que refira expressamente, a Faculdade de Cincias da Universidade do

Porto, o Instituto Superior Tcnico e o Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas,

ambos, da Universidade Tcnica de Lisboa e o Instituto de Estudos Europeus da

Universidade Catlica Portuguesa.

A Universidade, enquanto tal, exerce uma notvel interactividade com a sociedade.

Por um lado, um espelho, que reflecte as particularidades e as idiossincrasias dos

sistemas societais em que se insere. Mas, por outro lado, ela prpria um motor de

transformao dessa mesma sociedade28.

Nesta sua responsabilidade essencial de induzir o desenvolvimento integral de cada

um e da sociedade em geral, deve combinar as funes de ensino, de investigao

cientfica, de envolvimento com as empresas e de estmulo da sociedade em geral29, no

quadro de uma perspectiva de conhecimento experimental ou fundamentado na

observao positiva devidamente critica, cujas razes remontam a autores como

28 Eduardo R. LOPES RODRIGUES, Universidade - Espelho e Motor da Sociedade, in P.

CONCEIO, D.F.G. DURO, M.V. HEITOR e F. SANTOS, (org.), Novas Ideias para a Universidade, ed. IST Press, 1998.

29 Muitos pensadores e professores tm dado o melhor do seu contributo pessoal e original para a construo de uma Universidade sempre cada vez mais exigente. A ttulo ilustrativo refira-se a Palavra Prvia, com que Marcelo REBELO de SOUSA e Sofia GALVO abrem o seu Introduo ao Estudo do Direito (ed. Lex, 2000): Para ns, Universidade s concentrada na investigao instituto cientfico, no Escola. Universidade s dedicada ao ensino instrumento de mera reproduo sem criao. Mais, Universidade com investigao e ensino, mas alheia ao meio que a rodeia, reserva de espcies raras, e porventura valiosas, mas tanto mais inslita quanto a sociedade se empenha no sacrifcio da sua criao e manuteno.

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Aristteles, Ccero, Toms de Aquino, Erasmo, Francisco Surez, cujos

desenvolvimentos passaram pelos navegadores Portugueses, pelo Renascimento, que

bem o sublinhou, e cujas, formulaes mais modernas foram introduzidas nas nossas

Universidades, de forma progressiva, sobretudo a partir da Reforma Pombalina de

177230.

Sucede que a contemporaneidade do sc. XXI introduz-nos em ambientes de uma

exigncia superlativamente acrescida, tanto mais que as respectivas razes perdem-se nas

brumas do tempo, e, nas ambiguidades do espao.

As Universidades exercem, por conseguinte, um papel propulsor de desenvolvimento

dos Sistemas de Cincia e Tecnologia de cada Regio e/ou de cada Estado-Nao, ou

ainda, na estrutura conceptual desta dissertao, em cada geografia concorrencial.

A este propsito parece oportuno recordar Carlos MOTA PINTO (1983:20), ento

Vice-Primeiro Ministro e Ministro da Defesa: A cincia arranca da liberdade. No

como um passatempo de cios, nem como uma tcnica meramente subordinada a fins

prprios, mas como vontade absoluta e universal de conhecer o que , conhecer o que

cognoscvel31.

30 A este propsito sempre oportuno reflectir na Carta de Lei de 28 de Agosto de 1772 (Estatutos Novos

da Universidade). A partir deste acto operou-se uma autntica reforma da Universidade, dando acolhimento ao mtodo

experimental, em sintonia com o que de mais moderno se praticava nos Centros de Saber mais evoludos da Europa.

Criou-se um curso completo de Matemticas, para a partir da, ser possvel ter instrumentos cientficos de anlise e compreenso da realidade.

Sobre este tema, ver por ex.: Lus ALBUQUERQUE, O Ensino da Matemtica na Reforma Pombalina, in Estudos de

Histria, Coimbra, 1978, Vol. VI, pp. 1 e segs. Rui Manuel de Figueiredo MARCOS, A Legislao Pombalina, alguns aspectos fundamentais,

ed. Almedina, Coimbra, 2006. 31 Carlos MOTA PINTO, in Origens da Filosofia Europeia posterior 2. Guerra Mundial, interveno

na abertura de um colquio internacional promovido pelo IPSD sobre Conceito Poltico da Unidade Europeia, ed. EPSD, S.A.R.L., Lisboa, 1983.

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esta funcionalidade de eleio das verdadeiras Universidades que faz delas uma

das categorias mais proeminentes dos protagonistas dos desafios concorrenciais em

todos os tempos32.

Significa isto, inter alia, que as Universidades so o laboratrio por excelncia de

uma das dimenses mais eficazes na Concorrncia entre Estados, ou seja, a Gesto

Inteligente do Conhecimento (ver Quadro III.7.). Na verdade, os Estados mais relevantes

tm conseguido atravs desta Gesto Inteligente do Conhecimento ir progressivamente

aumentando a respectiva relevncia e, a partir da, gerando um crculo virtuoso de

crescimento do seu potencial de atraco do investimento estruturante.

Hoje, como sempre, as Universidades exercem um notabilssimo papel no quadro dos

desafios concorrenciais em que os diversos Centros de Poder Poltico, e/ou em que os

diferentes agentes empresariais se envolvem, quer separadamente, de forma autnoma,

quer numa concertao mais ou menos tcita, tendo presente que os poderes so

sempre constitutivos de campos de saberes, que os legitimam, e, simultaneamente lhes

fornecem uma identidade cultural (CARAA, 2000:689)33

Assim sendo, seria impensvel uma tese sobre Polticas Pblicas de Concorrncia sem

encontrar um acolhimento prprio para as Universidades, consideradas elas prprias

como destinatrias dessas mesmas Polticas.

Estas lidam quase sempre, com situaes de profunda incerteza, onde apenas a reflexo

critica, a anlise heurstica e prospectiva, a par de uma metdica investigao cientfica

podem conduzir a algumas ncoras consistentes.

No so precisas mais palavras para justificar este compromisso com a Universidade.34

32 Esta funo , igualmente, visvel no nmero de patentes e de outros ttulos de propriedade industrial e

intelectual que as Universidades registam. A este propsito, interessante registar que em Portugal, nos primeiros meses de 2006, o sistema universitrio est prestes a assumir o primeiro lugar do ranking de pedidos de registo de patentes, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), ver Jornal de Negcios, 6.11.2006.

33 Joo CARAA, Cincia, complexidade e poder, in Anlise Social, Vol. XXXIV, 2000, p.687-693. 34 O papel central das Universidades na criao de condies para a emergncia de realidades geopolticas

na Europa tem vindo, alis, a ser reconhecido, amplamente, desde a entrada em vigor do Tratado de Maastricht (1.11.1993), aps a clivagem da ordem poltica internacional simbolizada em 1989.

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C) UM EFMERO QUANTUM PARA O FUTURO COLECTIVO

No fcil falar do futuro colectivo, sobretudo, no ambiente de turbulncia e de

incerteza que caracteriza os nossos dias.

Em todo o caso, mais importante do que falar, seguramente, fazer alguma coisa,

por pouco que seja. Em todo o caso, para ser eficiente, necessrio uma correcta

compreenso e avaliao do Mundo.

Salvo melhor opinio, este trabalho tem a ambio de contribuir para a clarificao e

a explorao de algumas ideias que, podem gerar mais valias para esse mesmo

futuro colectivo.

Este decorre, seguramente, de milhentas situaes de concorrncia, onde so

adoptadas decises por actores desconhecidos em ambientes de incerteza e de assimetria

de informao.

Subsiste, assim, uma terceira razo primeva, esta agora, j intrnseca ao tema central

da prpria tese, quando considerada em si mesma, i.e., Polticas Pblicas de Promoo

de Concorrncia.

que, contrariamente ao que por vezes aparece difundido, a funo essencial da

Concorrncia, e sobretudo da Poltica respectiva, no assegurar o funcionamento de

um mercado, mesmo que este esteja mediaticamente divinizado e materialmente

focalizado na manifesta miopia de tudo saber e de sempre gerar alguma eficincia.

Na verdade, a funo essencial da Poltica de Concorrncia a de promover e de

proteger um certo paradigma de Concorrncia35.

Este papel das Universidades e de uma forma geral dos Centros de Saber, encontra-se, hoje sobretudo, bem documentado nas candidaturas aos programas de apoio da Unio Europeia, (extensivos a Pases Terceiros), s actividades de investigao e desenvolvimento cientfico e inovao. A ttulo ilustrativo, veja-se a Deciso do Parlamento Europeu e do Conselho que institui um Programa Quadro para a Competitividade e a Inovao (2007-2013), de 24 de Outubro de 2006, bem como, a correspondente Deciso relativa ao 7. Programa Quadro de Investigao e Desenvolvimento (adoptada em 18.Dez.2006) A funo concorrencial desempenhada pelas universidades, reconhecida pelo menos desde 1220, sobretudo atravs do esprito corporativo institucional que praticam. - Verssimo SERRO, 1988:466, in Enciclopdia Luso Brasileira da Cultura, vol. 18, Verbo, Lisboa.

35 Antecipando a explicitao aqui, neste tempo e, neste lugar, dir-se- que o resultado deste projecto de investigao, conduziu, de facto, identificao de um determinado paradigma, que est centrado na ideia de concorrncia inclusiva, nos seus contraditrios e contrrios e que designado por

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Afirmado como um constituinte ontolgico da Liberdade, da Economia de Mercado,

da Democracia e do Desenvolvimento Sustentvel36, nesse preciso sentido, este

paradigma tambm um constituinte, de um novo modelo de Estado, designado no

mbito desta tese, por um novo conceito, introduzido no Cap. 2 e designado pela

expresso, Estado Sublimador37.

Este modelo de Estado vai-se inscrever, como se ver, na procura de formas cada vez

mais exigentes da organizao do Poder Poltico ao servio da sociedade e da pessoa

individual.

Significa isto que, a Liberdade de Concorrncia, nas suas mltiplas vertentes de

afirmao acaba por permitir o aprofundamento da Democracia e da Economia de

Mercado, promovendo assim a Paz, produzindo alternativas aos modelos propiciadores

de guerra38, exactamente por gerar uma teia de interdependncias e de interesses

econmicos, que tornam os cenrios de guerra cada vez mais improvveis.

paradigma universal de concorrncia. Em certo sentido, este paradigma est para as realidades sociais, econmicas e polticas, tal como a gravidade est para as realidades naturais.

36 O conceito de Desenvolvimento Sustentvel foi introduzido na Ordem Jurdica da UE e dos E.M., pelo art. 6. do Tratado de Amsterdo que entrou em vigor em 1999 e, integra trs vertentes (crescimento de riqueza, proteco ambiental e incluso social) projectadas nas interfaces entre as geraes actuais e vindouras.

A presidncia alem do Conselho no 1. semestre de 1999, no perodo de entrada em vigor do Euro escritural, e do consequente arranque da Unio Econmica e Monetria, deu uma grande prioridade a este objectivo, tendncia que tem persistido desde ento com as restantes Presidncias.

37 Este Conceito Inovador, introduzido expressamente nesta Tese, comea por ser meramente operacional, no sentido de que representa um salto qualitativo do Estado de Direito, Democrtico, Constitucional e Regulador, procurando suprir falhas de mercado sem gerar falhas de Estado.

Como se ver no Cap. 2, este Conceito Operacional aparece no como um qualquer elemento de uma escola filosfica. Basicamente, visa apelar a que o Estado use outros instrumentos de Poltica Econmica, que de algum modo, lhe permitam suprir aqueles que perdeu por fora da sua pertena Unio Econmica e Monetria, no mbito da Unio Europeia. Tudo isto num contexto em que se assume que estas organizaes Supra Estaduais, so verdadeiramente instrumentais dos seus Estados-Membros; isto , s pertencem UEM/Europa e, tambm UE, aqueles Estados que numa perspectiva de real politik, consideram que, dessa forma, conseguem realizar os seus objectivos, de forma mais eficiente. De qualquer forma, o conceito pode tambm ser aplicado aos Estados que, formalmente no pertencem a nenhuma Unio Econmica e Monetria. Todavia inegvel que, uma vez adoptado, este conceito tem importantes ressonncias filosficas. Em certo sentido, sobretudo no apelo que faz centralidade de cada cidado, evoca, na linguagem do nosso tempo, a civitas de S. Toms de AQUINO.

38 Entre estes modelos alternativos s condies de guerra, assume na Europa, uma posio de flagrante actualidade, a Construo Europeia, iniciada formalmente em 1951, com o Tratado de Paris e a criao da CECA Comunidade Econmica do Carvo e do Ao. Sobre o posicionamento de Portugal no contexto Europeu, e a racionalidade que determinou a adeso de Portugal s ento Comunidades Europeias (1986), ver diversos textos do Professor Ernni R. LOPES, por exemplo, Portugal e a Unio Europeia, Conferncia proferida a 3.Dez.2003, na Sociedade de Geografia de Lisboa, integrada no Ciclo de Conferncias, debate Vises de Poltica Externa Portuguesa e Portugal, O desafio dos anos 90, ed. Presena, Lisboa, 1989.

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Este paradigma vem ao encontro da concluso de Tommaso PADOA-SHIOPPA

(2004:1) quando, citando Charles-Louis de Secondat, Baro de la BRDE e de

MONTESQUIEU (1689-1769), explica a formao da Unio Econmica e Monetria

na Europa, em termos de Politics: from a war to sweet commerce39. Na verdade, o

sweet commerce de MONTESQUIEU, que PADOA-SHIOPPA retoma, outra forma

de designar o comrcio virtuoso entre Estados e Naes, que gera interdependncia e

fluxos de integrao econmica.

Vem igualmente, ao encontro do essencial do legado da Escola peninsular do

Direito Natural40, do humanismo ibrico e do consequente modo lusada de estar no

mundo. (Jos MALTEZ, 2002:22).41

No fundo, trata-se simplesmente de procurar a PAZ atravs da Poltica, conformada

pelo Direito, em vez de qualquer outra soluo inspirada na matriz peace through

strength, seguramente mais tradicional, (Paz atravs da fora.)

Significa isto, assumir que a interdependncia econmica (que promovida pelo

exerccio da qualificada, nesta tese, como concorrncia inclusiva), d origem com o

fluir do tempo, e, com a densificao progressiva dos seus vnculos a um ambiente

favorvel Paz.

39 Tommaso PADOA-SHIOPPA, The Euro and its Central Bank: Getting United After the Union, 2004,

Cambridge, MIT Press. 40 O Jusnaturalismo peninsular dos sc. XVII e XVIII de certo modo reflecte a influncia de S. Toms de

Aquino que por sua vez introduz as perspectivas de Aristteles sobre o ESTADO e o PODER. Importa referir que no subsolo destas perspectivas estava a convico de que o Homem para alm de um animal poltico era essencialmente um animal social O Homem est ordenado para o grupo de que faz parte, assim comenta Jos MALTEZ o pensamento de Toms de Aquino (MALTEZ, 1991:255). Pedro CALMON, A originalidade Ibrica, in Histria das Ideias Polticas, Rio de Janeiro/So

Paulo, Livraria Feitas Bastos, 1952. Nuno J. Espinosa Gomes da SILVA, Histria do Direito Portugus, 3 edio revista e

actualizada, Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 2000. 41 Francisco SUAREZ (1548-1617) defendeu com grande brilhantismo uma filosofia do PODER

POLTICO em obras que os absolutistas britnicos de Jaime I fizeram queimar publicamente em Londres, e que os absolutistas de Luis XIV igualmente proibiram em Frana. O Poder Poltico est ligado a um verdadeiro direito humano que procede dos homens reunidos numa comunidade poltica. Estas resultam de um pactum unionis atravs do qual os homens declararam consentir na formao de uma comunidade. Assim o Poder emana do Povo, que atravs , agora de um pactum subjectionis o transfere para os Governantes. Mas estes continuam submetidos lei natural , e, a esse pactum estabelecido com a comunidade.

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Esta interdependncia acaba por se traduzir em mltiplos efeitos sociais, culturais e

polticos que a dinmica intrnseca da UEM/Europa tem vindo a disseminar por toda a

Eurolndia. Na verdade, no obstante existir uma poltica monetria nica, os seus

efeitos nas economias que apresentam assimetrias de produtividade, so bastante

heterogneos.

Da disperso desta heterogeneidade, podem advir algumas reaces sociolgicas que

colocam em causa a prpria existncia da UEM. Como contrapartida desta realidade,

justifica-se uma prioridade densificao dos fluxos de integrao econmica, visando,

paulatinamente, ir reduzindo aquela heterogeneidade.

Neste sentido, no manifestamente por acaso, que um dos pais mais ortodoxos da

Poltica Monetria, tal como decorre do Tratado de Maastricht, como o Professor

PADOA-SHIOPPA, aparece agora a escrever sobre as virtualidades do sweet

commerce no sentido de MONTESQUIEU.

Neste contexto, oportuno citar um autor portugus do sc. XIX, Frederico

MOURO, a que se far referncia no Cap. 4, e que na sua obra A Guerra e o

Comrcio Livre, (1854:4), escreveu o seguinte:

Sendo possvel acabar com a guerra no mundo, estabelecendo a paz universal, o meio no consiste em aumentar os terrveis efeitos das armas de destruio, mas sim e unicamente em conciliar e ligar, de tal modo, os interesses materiais das diferentes naes, que eles apresentem uma barreira impenetrvel contra quaisquer dimenses.

justamente esta opo pela interdependncia econmica que conduz criao de

condies favorveis a um futuro colectivo de Paz e de Prosperidade.

Verifica-se pois, que uma tese sobre Polticas Pblicas de Promoo da

Concorrncia, envolve necessariamente, uma interface com o futuro colectivo da

sociedade para o qual pensada. Trata-se de desenvolver perspectivas associadas s

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decises que possam ser seguramente construdas a partir do exerccio das liberdades

dos portugueses42 e dos seus direitos econmicos, sociais e culturais43.

No so muitos os cidados portugueses que tm a conscincia que entre os direitos

econmicos que a Constituio da Repblica lhes confere est tambm o direito

concorrncia equilibrada que a mesma CRP identifica como incumbncia fundamental

do Estado, (art. 81.).

Na justa medida em que esta tese possa contribuir para este desiderato, assim ter

inscrito um efmero quantum no nosso futuro colectivo.

Este contributo ganhar consistncia, se puder estar associado a novas competncias,

dando origem a comportamentos mais assertivos e consequentes, na busca sistmica e

persistente dos objectivos fixados.

Esta Tese, decorre, pois, tambm, de uma razo primeva de contribuir, sua escala,

para esse espao pblico, para o confronto de ideias que lhe inerente, para a

investigao cientfica sobre um conjunto de Polticas Pblicas que parecem ser de

importncia fulcral para o desenvolvimento da sociedade e da economia Portuguesas.

Uma Poltica Pblica eficiente, com este horizonte, tem de ser servida por uma

Administrao Pblica com uma capacidade de organizao, de gesto, de aplicao e de

controlo, com os mais elevados nveis de excelncia44 (J.A. OLIVEIRA ROCHA,

42 Jorge BRAGA de MACEDO, Liberdades futuras dos Portugueses, in Estudos Jurdicos e

Econmicos em homenagem ao Professor Joo LUMBRALES, FDUL, Coimbra Editora, 2000, pp. 305.

43 Jorge MIRANDA, Regime Especfico dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, in Estudos Jurdicos e Econmicos em homenagem ao Professor Joo LUMBRALES, FDUL, Coimbra Editora, 2000, pp. 345.

44 A excelncia nos Servios Pblicos inclui um conjunto de indicadores de qualidade que supera as melhores expectativas dos cidados e dos rgos de soberania. Como se ver no Cap. 7, o paradigma da Administrao Pblica necessrio para implementar esta poltica tem de se afastar dos modelos tradicionalistas, mais antigos, burocratizantes, reflexo dos interesses dos actores intervenientes, inspirados em autores como WILSON (1887), BOZEMAN (1979), TULOCK (1965), BUCHANAN (1977), MUELLER (1979), e outros, para se afirmar positivamente perante as exigncias da gesto contempornea, em que cada organizao est em concorrncia com qualquer outra (congnere ou no!), e tem de ser mais competitiva do que o mais elevado padro de benchmark.

A Administrao Pblica um universo muito heterogneo e os modelos de racionalidade, mesmo que suportados por alguma evidncia emprica consistente, no so exportveis de um domnio para outro, no quadro dessa Administrao. Dir-se- que os modelos que mais se aproximam deste novo paradigma so inspirados no s no New Public Management (PETERS and WATERMAN, 1982, e HOOD,

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2000:14 e segs.) e que consiga superar as inevitveis dificuldades que em qualquer

circunstncia vo surgindo para atingir os Objectivos que identificou, e, os recorrentes

ajustamentos iterativos perante uma realidade sociolgica, econmica, cultural, em

permanente Mutao. preciso ultrapassar o modelo weberiano de reformar a

Administrao Pblica por simples alteraes das leis orgnicas. necessria uma nova

filosofia de concepo e de gesto.45

No se trata de reproduzir na Administrao Pblica modelos homotticos da

Administrao Privada, nem propugnar a introduo sistemtica na gesto da res publica

metodologias e objectivos tpicos do mundo empresarial.

Trata-se pelo contrrio de aprofundar a autonomia cientifica da Administrao Pblica

atravs da introduo de nveis de excelncia.

Isto exige uma panplia de objectivos, e, sobretudo de uma praxis concreta, ao servio

dos cidados, da sociedade, dos Pas. Mas isto tem tambm a consequncia de introduzir

nos servios pblicos a prospectiva, de que eles no se justifica, a si prprios... A sua

existncia, e, a sua continuidade depende do efectivo servio que prestam comunidade.

1996), mas tambm em concepes como a Gesto de Qualidade Total (LFFLER, 1995), como a Reengenharia de Processos (HAMMER, 1990; CHAMPY, 1993) e a Reinveno do Governo (FREDERICKSON, 1996; OSBORNE and GAEBLER, 1992; GORE, 1994). Em todo o caso, o que importante sublinhar que o modelo de Administrao Pblica que se prope para suporte e instrumento de concepo e de execuo desta poltica deve ser um exemplo das melhores prticas nacionais e internacionais, em termos do servio efectivamente prestado sociedade. Esta perspectiva e, mais do que isso, esta postura de agir no terreno, deve ser entendida como um contributo para a construo do Estado ps-burocrtico de que fala o Professor OLIVEIRA ROCHA Mas depois, tem de ir mais longe, para se afirmar positivamente. Com uma racionalidade de servio efectivo Comunidade em conformidade com uma Pauta Axiolgica fundada na juricidade democrtica constitucional

45 Cada Estado possui um sistema prprio de Administrao Pblica, muito embora, existam, cada vez, mais determinados princpios organizativos comuns, que tm vindo a ser difundidos e consolidados por organizaes internacionais, em muitos casos sob uma presso oculta de alguns Estados mais hegemonizantes. Em todo o caso neste ponto, o que importante sublinhar que a eficincia das Polticas Pblicas de Promoo de Concorrncia exige, como se ver mais tarde, uma Administrao Pblica organizada em torno de dois vectores Subordinao ao Poder Poltico Democrtico Organizao em funo exclusiva do Mrito.

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ESTRUTURAO DO TEXTO

Na Introduo, ser feita uma apresentao detalhada do Objecto da Tese, que

consiste na elaborao de uma Teoria especfica sobre a Concorrncia (o que pressupe

uma correcta compreenso da prpria concorrncia) e sobre uma Poltica que promova

um certo paradigma de Concorrncia, susceptvel de maximizar os seus efeitos positivos

sobre a economia e a sociedade de Portugal, e, na formulao de uma Metodologia

adequada, incluindo a elaborao de um modelo, que permita sociedade, e sobretudo

aos agentes econmicos, sociais, culturais e polticos, prever o sentido mais provvel das

decises das diferentes Autoridades de Concorrncia, espalhadas pelo Mundo, incluindo

a Comisso Europeia.

Segue-se um primeiro captulo onde se procede a uma observao positiva da

realidade, e, se procura problematizar o objecto da tese, discutindo-se a concorrncia,

qua tale, enquanto:

- Realidade emprica complexa, sofisticada e opaca, que constitui o quotidiano do

mundo dos negcios;

- Realidade que objecto de polticas especficas de cerca de uma centena de

instituies polticas em todo o mundo.

No segundo captulo explorar-se-o as Questes Metodolgicas com reflexos

iniludveis na prossecuo da presente Investigao Cientfica. So apresentados os

conceitos inovadores que permitem construir o modelo referido na Introduo.

No terceiro captulo procurar-se- compreender a Concorrncia tal como se

manifesta no Mundo, no quadro das dinmicas de Globalizao, e das Dinmicas

Assertivas de Interactividade dos diversos Protagonistas. Seguidamente discutem-se as

particularidades do aqui designado paradigma de concorrncia inclusiva enquanto um

constituinte ontolgico da democracia.

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Nos captulos seguintes procede-se discusso das consequncias, em termos de

Concorrncia, de Portugal pertencer Unio Europeia, e apresenta-se uma proposta de

Polticas Pblicas de Promoo do referido Paradigma de concorrncia inclusiva neste

domnio, adaptada s dinmicas de globalizao do Mundo Contemporneo.

Cumpre referir que aquele facto, se traduz na inevitabilidade de ter de acomodar toda

a dinmica da Poltica Comunitria de Concorrncia, que se manifesta, no s numa

multiplicidade extensa de estratgias empresariais, mas tambm, num conjunto cada vez

mais diversificado de polticas pblicas de interveno na economia.

Toda esta constelao de efeitos e de conectividades objecto do Captulo 5.

No Cap. 6 focaliza-se esta metodologia na Poltica de Concorrncia que

concretamente tem vindo a ser aplicada em Portugal.

O Cap. 7 aproxima-se do final do projecto de investigao elencando os termos

gerais das respostas suscitadas a propsito do estudo do objecto seleccionado na

Introduo.

Termina-se com as Concluses que sumarizam os principais resultados deste

projecto de investigao cientifica, o primeiro dos quais , iniludivelmente, o da sua

vocao para se multiplicar noutros projectos de anlise, aprofundamento e de

explorao de novos domnios de investigao46.

46 Uma das marcas distintivas dos projectos de investigao cientifica justamente a sua vocao

iniludvel para se multiplicarem em novas iniciativas da investigao. Entre a vastssima literatura especializada neste conjunto diversificado de domnios parece oportuno referir: Edgar MORIN, Les Sept savoirs necessaries lducation du future, Unesco, 1999 (ed.

Portuguesa do Instituto Piaget, 2002) Quando em 1931, um jovem matemtico austraco Kurt GDEL (1906-1978) respondeu ao desafio enunciado por um outro matemtico, agora alemo, David HILBERT (1862-1943), no Congresso Internacional de Paris (1900) no sentido de encontrar um procedimento geral que demonstrasse a coerncia de qualquer teorema, com um resultado de todo imprevisvel para a poca, e, sobretudo para, quem colocou a questo, no sentido de que o procedimento pretendido por HILBERT no podia existir, estava na realidade a demonstrar que as solues definitivas dentro de um dado sistema no existem! foroso investigar fora desse mesmo sistema. No se pode demonstrar que um dado sistema coerente e no contraditrio simplesmente com base nos axiomas contidos nesse sistema. Ou seja, a reduo do Homem esfera da Razo, h-de deixar sempre muito por explicar. E, assim sendo, no interior da Razo, ou de qualquer outro sistema cognitivo, os problemas do Mundo, da sociedade e da economia, multiplicar-se-o.

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INTRODUO

Art. 9. (tarefas fundamentais do Estado)

So tarefas fundamentais do Estado:

...

d) promover o bem estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os

portugueses bem como a efectivao dos direitos econmicos, sociais, culturais e

ambientais, mediante a transformao e modernizao das estruturas econmicas e

sociais.

Art. 81. (Incumbncias prioritrias do Estado)

Incumbe prioritariamente ao Estado no mbito econmico e social:

...

e) Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada

concorrncia entre as empresas, a contrariar as formas de organizao monopolistas

e a reprimir os abusos de posio dominante e outras prticas lesivas do interesse

geral;

(Constituio da Repblica Portuguesa)

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Nesta Introduo, vamos percorrer trs interrogaes de base: A justificao da

natureza do Projecto; a identificao precisa do seu Objecto e, as linhas gerais da

metodologia e do modelo de investigao propostos.

1. PORQU UMA TESE SOBRE POLTICAS PBLICAS DE PROMOO

DA CONCORRNCIA?

A resposta imediata a esta questo envolve sobretudo duas ordens de factores, ambas

de um pragmatismo iniludvel:

i) Porque a concorrncia, qua tale, tanto pode conduzir prosperidade

disseminada, como desertificao do investimento estruturante;

ii) Porque parece necessrio propiciar Deciso Poltica, uma base terica

que lhe permita enveredar pelas boas opes;47

Qualquer observador atento verifica que, por todas as sociedades e por todas as

economias contemporneas, manifestam-se Situaes de Concorrncia, (SCs), com

maior ou menor intensidade e/ou visibilidade.

Frequentemente o termo utilizado para referir tanto a luta por quaisquer vantagens

econmicas como as vantagens de qualquer outra expresso, como social, cultural,

religiosa e poltica. Neste sentido, alguns analistas sustentam que tudo est em

concorrncia com tudo.

Alguns professores48 escrevem mesmo papers acadmicos que circulam por entre

redes de Universidades e de Centros de Saber em que enfatizam que uma das vertentes

clssicas da Poltica de Concorrncia (i.e., o anti-trust) foi a exportao mais eficiente

dos EUA para o Mundo (SCHERER, 2000:16).

47 Cumpre notar que desde 2003 Portugal parece ter de facto enveredado pelas boas opes. Importa question-las e, se se justificar, torn-las mais extensivas e consistentes. 48 F.M. SCHERER, in Competition Policy, Domestic and International, ed. Edward Elgar, 2000,

Professor na Universidade de Harvard, J.F. Kennedy School of Government.

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inegvel, que esta espcie de poltica pblica, quando circunscrita apenas ao anti-

trust, conhece, hoje, em quase todo o Mundo, um suporte legislativo, muito semelhante

Lei fundamental, que, sobre esta matria, foi aprovada nos EUA.

E isto no sucede por acaso. Resulta da influncia cultural que a nova potncia

imperial comeou a desenvolver como forma de criar um ambiente propcio expanso

das suas empresas.

Apenas o sistema das Comunidades Europeias49, e, da actual Unio Europeia, tem

conseguido, desde o seu inicio manter e aprofundar uma importante originalidade.

A apologia de um certo Paradigma de Concorrncia encontra-se desde logo na

filosofia adoptada pelos Pais Fundadores50 dos EUA, bem espelhada na obra The

Federalist Papers, publicada em 1788, da autoria de Alexander HAMILTON (1757-

1804), James MADISON (1751-1836) e John JAY (1745-1829).

Tratava-se de uma filosofia centrada na pluralidade das escolhas individuais, aps

uma ponderao das alternativas existentes, o que, em si mesmo, pressupe uma ideia de

concorrncia. Esta forma de encarar a sociedade cedo se converteu na norma

institucional quotidiana.

Quando os EUA adoptaram a referida lei fundamental sobre concorrncia em 1890,

(no 51. Congresso Federal), j o Pas tinha mais de um sculo de tradio constitucional

para alm de um Mercado Interno de dimenso continental, no obstante ser, contudo,

fragmentado pelo Poder de Mercado de alguns agentes econmicos.

49 Quando se compara a Poltica Anti trust americana com a europeia, o exerccio fica logo prejudicado ab

initio, porquanto os sistemas cognitivos e relacionais em que ambas as polticas se inserem, so ontologicamente diferentes.

Em bom rigor, alguma doutrina contesta a utilizao da expresso poltica norte americana anti-trust, porque efectivante o que existe um sistema descentralizado de aplicao da Legislao norte americana da concorrncia, de natureza eminentemente judicial, com vrios patamares, desde o estadual ao federal.

Cfr. uma anlise mais detalhada a propsito da apresentao da experincia da Poltica Comunitria de Concorrncia no Cap 5.

50 Cfr : Alexander HAMILTON, James MADISON e John JAY, The Federalist Papers, editado por

Isaac Kramnick, Penguin Books England: 1787; Traduo com introduo e notas de Viriato Soromenho MARQUES, 2003, ed. Colibri.

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neste contexto sobretudo enformado por estas fragmentaes a nvel estadual

que se compreende que esta Lei Federal tenha surgido depois de diversos Estados terem

adoptado leis especficas sobre o anti-trust51.

Tecnicamente o Sherman Act , uma legislao federal52, promulgada pelo

Presidente Benjamin HARRISON53 que pressupe a verificao do requisito da

afectao do comrcio entre os Estados federados54, com as tribos ndias ou com outros

pases.

A ideia de Concorrncia, contudo, enquanto mecanismo que permite no s regular

os preos, tambm garantir a segurana do aprovisionamento de bens essenciais,

incluindo os energticos, e, de uma forma geral, enquadrar as actividades dos agentes

econmicos, parece ser to antiga quanto a actividade comercial55.

51 O Estado pioneiro foi Maryland em 1867. Seguiu-se Tennessee em 1870, Arkansas em 1874, Texas em

1876 e Gergia em 1877. No ano de 1889 foi a vez de Indiana, Iowa, Kansas, Maine, Michigan, Missouri, Montana, Nebraska, North Carolina, North Dakota, South Dakota e Washinston.

Em 1890, tambm Kentucky, Louisiana e Mississipi. Em 1891, Alabama, Ilinois e Minnesota. Califrnia em 1893 e New York em 1897.

Cfr. George J. STIGLER, The Origin o f the SHERMAN ACT, Journal of Legal Studies 1 (1985), University of Chicago Press, Chicago, 1985.

52 todavia uma legislao federal, a que progressivamente o Supremo Tribunal dos EUA reconheceu uma dignidade Constitucional. Veja-se, logo em 1933, o Acordo do Supremo Tribunal no caso Appalachian Coals, Inc v. United States, 288 U.S. 344 (1933), pp 359 e 360 e, alguns anos depois, no caso Northern Pacific Railway v. United States, 356 U.S. 1 (1958), pp.4.

53 Benjamin Harrison VI (n. 20.08.1833-m. 13.03.1901), republicano, oriundo do Estado de Indiana, foi o 23. Presidente dos Estados Unidos da Amrica, num mandato entre 1889 e 1893, no qual se celebrou o I Centenrio dos EUA.

Em 1891, tornou-se ainda o primeiro Presidente dos EUA a percorrer todo o territrio norte-americano de costa a costa, utilizando o comboio. Como se sabe, as ligaes frreas nos EUA, foram um elemento determinante na respectiva geografia concorrencial, em termos da adopo do Sherman Act.

54 As normas substantivas do Sherman Act so as seguintes: 1. Every contract, combination in the form of trust or otherwise, or conspiracy, in restraint of trade or

commerce among the several States, or with foreign nations, is declared to be illegal. Every person who shall make any contract or engage in any combination or conspiracy hereby

declared to be illegal shall be deemed guilty of a felony. () 2. Every person who shall monopolize, or attempt to monopolize, or combine or conspire with any

other person or persons, to monopolize any part of the trade or commerce among the several States, or with foreign nations, shall be deemed guilty of a felony.

55 Encontram-se registos vrios em pocas to antigas, como a da guerra do Peleponeso ou a Roma Imperial.

Atenas tinha uma regulao sobre a importao de cereais, de forma a assegurar que os importadores no pudessem reduzir a quantidade distribuda nem aumentassem os preos. No Inverno de 388-387 A.C., no quadro das perturbaes associadas Guerra com Esparta, os importadores conseguiram exercer aquele Poder. Mais tarde, as autoridades atenienses tero conseguido repr o equilbrio. No tempo do imprio romano, com Diocleciano, (284-305 D.C.), a inflaco tinha nveis elevadssimos de ordem de 800% ao ano. O imperador estabeleceu aquilo que hoje se chamaria um price cap rigoroso, com penas de morte para os violadores. Mas, no parece ter sido muito bem sucedido.

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Na prpria Poltica de Aristteles(384-322 A. C.) encontra-se uma teorizao da

cincia de produo de riqueza, designada crematstica, atravs do recurso a prticas

de monoplio56.

Todavia, indubitvel que a concorrncia conheceu um tratamento formal inovador

autonomizado e sistemtico, com os pensadores que, de uma forma ou de outra,

contriburam para a emergncia, consolidao e evoluo dos diferentes liberalismos.57

Estas correntes de pensamento poltico e filosfico so muito diversificadas58,

ultrapassando, em muito, o objecto cientfico bem delimitado da presente tese. De

qualquer forma, existem mltiplos elementos de contacto entre os diferentes

A presena das Questes de Concorrncia na Histria das diversas entidades polticas est documentada na literatura especializada. Refira-se, por exemplo:

- KORSIRIS, An Antitrust case in Ancient Greek Law, 22 Intl law, 451 (1985). - R. ZIMMERMANN, The law of obligation roman, Foundations of the Civilian Tradition, 260-

61, 1990. 56 Aristteles, Poltica, edio bilingue, da Vega Universidade, 1988, traduo de A. A. Amaral e de C.

C. Gomes. 57 Em Portugal aps a primeira revoluo liberal de 1820 (em cujo contexto se notabilizaram pessoas

como Almeida GARRET) verifica-se que a maturidade do liberalismo, no que isso significa do funcionamento regular das instituies, a alternncia democrtica, a formao e a consolidao dos Partidos Polticos, s chegou com a aprovao da Carta Constitucional de 1826, e, sobretudo com a Regenerao (1851), Quando era Rainha D. Maria II, e, Presidente do Ministrio, o Duque de Saldanha. Mas, era preciso que o Liberalismo Poltico fosse consolidado com o Liberalismo Econmico. Isto exigia instituies capazes de interpretar esta nova filosofia poltica. Reveste-se, pois, de grande alcance a criao, por um Decreto de 30.08.1852, do Ministrio das Obras Pblicas, Comrcio e Industria que veio substituir o todo poderoso Ministrio dos Negcios do Reino, que era a mquina indispensvel para assegurar a poltica e a filosofia do Antigo Regime.

58 Como sublinha o Professor Jos Adelino MALTEZ (1991:234) O Liberalismo transformou-se num lugar comum, deste nosso tempo. Deixou de ser uma ideologia e passou a ser uma regra do jogo.(...) Ser liberal passou a ser o mesmo que defensor da economia de Mercado (...). De qualquer forma, importa sublinhar que a ideia de concorrncia inclusiva, no inclui o liberalismo selvagem sem regras, qualquer que seja a sua expresso. Em particular, a moda dos young urban professionals, vulgo yuppies, mediatizada tambm por autores que defendem conceitos de Estado mnimo, como Robert NOZICK, por ex.: e, ainda abordagens tericas similares, so exteriores a este paradigma. Em contraponto, tem fortes elementos de conectividade, com o liberalismo ancestral que esteve na base do Estado de Direito (rule of law).

A expresso Estado mnimo, um denominador comum aplicvel a vrias correntes e a diversos autores, que se caracteriza por uma reduo do peso do Estado da Economia.

O peso do sector pblico na economia mista deveria ser da ordem dos 10-15% do PIB e, resumir-se-ia proviso de bens pblicos necessrios ao bom funcionamento dos mercados (essencialmente, paz, segurana