projetos de vida no espaço rural de são miguel do iguaçu, pr: juventude, gênero, educação e...

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PROJETOS DE VIDA NO ESPAÇO RURAL DE SÃO MIGUEL DO IGUAÇU, PR: JUVENTUDE, GÊNERO, EDUCAÇÃO E TRABALHO Karini Aparecida Scarpari * Exzolvildres Queiroz Neto ** Samuel Barreto Siqueira *** Rafael Lucas Alves Ferreira **** Resumo O trabalho Investiga, principalmente, juventude, gênero e trabalho no espaço rural a partir da realidade de 5(cinco) jovens estudantes do curso de Técnico em Agropecuária da Escola Agrícola Estadual Manuel Moreira Pena, também, conhecida como Colégio Agrícola de Foz do Iguaçu. A metodologia de pesquisa é qualitativa, mas utilizamos elementos quantitativos no tratamentos de alguns dados. A partir de questionários semi-estruturados aplicados a 46 jovens estudantes da Escola Agrícola, sendo 11 moças e 35 rapazes com idade de 14 a 19 anos, selecionamos 5 (cinco) jovens que residem no espaço rural do município de São Miguel do Iguaçu, PR para o aprofundamento da pesquisa. A juventude é um processo que se constrói a partir de múltiplas variáveis da vida em sociedade, o conceito de gênero expõe uma das contradições da sociedade do mundo do trabalho e os papéis de homens e mulheres com atores sociais no espaço rural. Nesse sentido, o trabalho analisa quais os motivos das jovens optarem por fazer o curso de Técnico em Agropecuária e como percebem o papel da mulher no trabalho agrícola na propriedade. Palavras-chave: Juventude; Espaço Rural; Gênero; Trabalho Agrícola; Educação Técnica. Abstract The work investigates mainly the factors, youth, gender and employment in rural areas from the reality of five (5) young students of the Technical Course in Agriculture of the State Agricultural School Manuel Moreira Pena, also known as Agricultural College of Foz do Iguaçu. The research methodology is qualitative. From semi-structured questionnaires given to 46 young students of Agricultural School, 11 girls and 35 boys aged 14 to 19 years, selected the five (5) young people in rural areas in the municipality of São Miguel do Iguaçu, PR. Youth is a process that is constructed from multiple variables of social life, the concept of gender exposes one of the contradictions of the world of work society and the roles of men and women with social actors in rural areas. In this sense, the paper analyzes the motives of young people choose to take the course in Technical Agricultural and how they perceive the role of women in agricultural work on the property. Keywords: Youth; Rural Space; Gender; Agricultural Work; Technical Education. * Graduada em Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Bolsista de Iniciação Científica Fundação Araucária 2013/2014. E-mail: [email protected] ** Doutor em Engenharia Agrícola pela UNICAMP. Professor da área de Desenvolvimento Rural na Universidade Federal da Integração Latino-Americana. E-mail: [email protected] *** Acadêmico do curso de Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Voluntário do Programa de Iniciação científica (2014). E-mail: [email protected] **** Acadêmico do curso de Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Voluntário do Programa de Iniciação científica (2014). E-mail: [email protected] Revista Orbis Latina, vol.5, nº1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Página 109

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O trabalho Investiga, principalmente, juventude, gênero e trabalho no espaço rural a partir da realidade de 5(cinco) jovens estudantes do curso de Técnico em Agropecuária da Escola Agrícola Estadual Manuel Moreira Pena, também, conhecida como Colégio Agrícola de Foz do Iguaçu. A metodologia de pesquisa é qualitativa, mas utilizamos elementos quantitativos no tratamentos de alguns dados. A partir de questionários semi-estruturados aplicados a 46 jovens estudantes da Escola Agrícola, sendo 11 moças e 35 rapazes com idade de 14 a 19 anos, selecionamos 5 (cinco) jovens que residem no espaço rural do município de São Miguel do Iguaçu, PR para o aprofundamento da pesquisa. A juventude é um processo que se constrói a partir de múltiplas variáveis da vida em sociedade, o conceito de gênero expõe uma das contradições da sociedade do mundo do trabalho e os papéis de homens e mulheres com atores sociais no espaço rural. Nesse sentido, o trabalho analisa quais os motivos das jovens optarem por fazer o curso de Técnico em Agropecuária e como percebem o papel da mulher no trabalho agrícola na propriedade.

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  • PROJETOS DE VIDA NO ESPAO RURAL DE SO MIGUEL DO IGUAU, PR: JUVENTUDE, GNERO, EDUCAO E TRABALHO

    Karini Aparecida Scarpari*Exzolvildres Queiroz Neto**

    Samuel Barreto Siqueira***Rafael Lucas Alves Ferreira****

    ResumoO trabalho Investiga, principalmente, juventude, gnero e trabalho no espao rural a partir da realidade de 5(cinco) jovens estudantes do curso de Tcnico em Agropecuria da Escola Agrcola Estadual Manuel Moreira Pena, tambm, conhecida como Colgio Agrcola de Foz do Iguau. A metodologia de pesquisa qualitativa, mas utilizamos elementos quantitativos no tratamentos de alguns dados. A partir de questionrios semi-estruturados aplicados a 46 jovens estudantes da Escola Agrcola, sendo 11 moas e 35 rapazes com idade de 14 a 19 anos, selecionamos 5 (cinco) jovens que residem no espao rural do municpio de So Miguel do Iguau, PR para o aprofundamento da pesquisa. A juventude um processo que se constri a partir de mltiplas variveis da vida em sociedade, o conceito de gnero expe uma das contradies da sociedade do mundo do trabalho e os papis de homens e mulheres com atores sociais no espao rural. Nesse sentido, o trabalho analisa quais os motivos das jovens optarem por fazer o curso de Tcnico em Agropecuria e como percebem o papel da mulher no trabalho agrcola na propriedade.

    Palavras-chave: Juventude; Espao Rural; Gnero; Trabalho Agrcola; Educao Tcnica.

    Abstract

    The work investigates mainly the factors, youth, gender and employment in rural areas from the reality of five (5) young students of the Technical Course in Agriculture of the State Agricultural School Manuel Moreira Pena, also known as Agricultural College of Foz do Iguau. The research methodology is qualitative. From semi-structured questionnaires given to 46 young students of Agricultural School, 11 girls and 35 boys aged 14 to 19 years, selected the five (5) young people in rural areas in the municipality of So Miguel do Iguau, PR. Youth is a process that is constructed from multiple variables of social life, the concept of gender exposes one of the contradictions of the world of work society and the roles of men and women with social actors in rural areas. In this sense, the paper analyzes the motives of young people choose to take the course in Technical Agricultural and how they perceive the role of women in agricultural work on the property.

    Keywords: Youth; Rural Space; Gender; Agricultural Work; Technical Education.

    * Graduada em Desenvolvimento Rural e Segurana Alimentar pela Universidade Federal da Integrao Latino-Americana. Bolsista de Iniciao Cientfica Fundao Araucria 2013/2014. E-mail: [email protected] ** Doutor em Engenharia Agrcola pela UNICAMP. Professor da rea de Desenvolvimento Rural na Universidade Federal da Integrao Latino-Americana. E-mail: [email protected]*** Acadmico do curso de Desenvolvimento Rural e Segurana Alimentar da Universidade Federal da Integrao Latino-Americana. Voluntrio do Programa de Iniciao cientfica (2014). E-mail: [email protected]**** Acadmico do curso de Desenvolvimento Rural e Segurana Alimentar da Universidade Federal da Integrao Latino-Americana. Voluntrio do Programa de Iniciao cientfica (2014). E-mail: [email protected]

    Revista Orbis Latina, vol.5, n1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Pgina 109

  • Introduo

    O presente artigo resulta do trabalho de concluso de curso (TCC) que se estruturou a partir de um projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) iniciado em 2013, e do plano de trabalho de iniciao cientfica da discente bolsista da Fundao Araucria, que tem por objetivo estudar o jovem no espao rural do municpio de So Miguel do Iguau, PR. resultado, tambm, da implementao do plano de trabalho intitulado Anlise Qualitativa Scio-Espacial do Jovem no Espao Rural de So Miguel do Iguau, PR no perodo de 2013-2014 onde a autora foi bolsista de iniciao cientfica contando com financiamento da Fundao Araucria vinculado Universidade Federal da Integrao Latino-Americana.

    O objetivo medular do TCC foi estudar a realidade de jovens do sexo feminino que vivem no espao rural do municpio tendo como referncia suas inter-relaes: educacionais, sociais, familiares, culturais, econmicas e ambientais. Optamos por uma amostragem no probabilstica e por convenincia quando selecionamos 5 (cinco) jovens do sexo feminino, residentes no espao rural, entre os 46 jovens (homens e mulheres) de So Miguel do Iguau que estudam na Escola Agrcola Estadual Manuel Moreira Pena em Foz do Iguau, PR Colgio Agrcola de Foz do Iguau na modalidade de internato e esto matriculados no curso Tcnico em Agropecuria.

    A temtica educao, profissionalizao permeia os anseios das estudantes, quando analisamos opes e projetos de vida das jovens pesquisadas. Em seguida a problemtica de gnero e trabalho no espao rural ressaltada a partir do contato com as jovens partcipes da pesquisa. O recorte foi necessrio para podermos focar nas jovens residentes no espao rural e assim analisarmos as variveis relacionadas ao curso tcnico, a gnero e ao trabalho na propriedade. Entre os motivos que nos levou a optarmos pelos jovens do curso Tcnico em Agropecuria est o fato dessas escolas passarem por uma mudana estrutural e, at o momento da coleta de dados (segundo semestre de 2014), estavam se adequando as diretrizes sobre a Educao do Campo, outro motivo foi a facilidade de acesso ao Colgio Agrcola dada a sua localizao em Foz do Iguau.

    So Miguel do Iguau est localizado no extremo oeste paranaense, possui uma extenso territorial de 851, 304 km, com uma densidade demogrfica de 30, 27 habitantes por km e a populao estimada de 27. 061 habitantes. Atualmente o Agronegcio responsvel pela maior fatia da economia, atingindo uma rea de 56.744,59 hectares (ha) cultivados. Estima-se que a populao rural de 9.279 habitantes distribudos em 3.195 propriedades rurais de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2010). O cultivo de soja lidera a produo no rural, seguido pelo milho safrinha. A economia incrementada pela produo de leite, suinocultura e avicultura. A criao de sunos e aves cresce a cada ano devido a

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  • instalao de agroindstrias de abate e processamento na regio. Isso evidencia a estratgia de expanso utilizada nas agroindstrias que controlam a cadeia de produo local.

    No existem muitos registros sobre a histria do municpio que datam da dcada de 40, quando comeam a chegar os primeiros colonizadores na regio. As terras que a princpio pertenciam a Foz do Iguau serviam de explorao de grandes colonizadoras que atuavam no cultivo de erva mate e na explorao da madeira, principais atividades econmicas da poca. Em 1948 a empresa chamada Colonizadora Gacha Ltda passou a se instalar na regio, contribuindo para a formao do primeiro ncleo colonizador no municpio. Esse ncleo era formado principalmente por pessoas vindas dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina que deixavam seus lares a procura de melhores condies de vida e terras frteis ainda inexploradas. No ano de 1949 a fundao da Colonizadora Gacha Ltda, deu incio ao processo de medio e demarcao das colnias que formavam o ento territrio da Fazenda So Miguel posteriormente denominada Vila Gacha. No dia 06 de fevereiro de 1958 a Vila Gacha foi elevada categoria de distrito administrativo e judicirio de Foz do Iguau, pela Lei n 3.550 e pelo Decreto n 282 de 03 de novembro de 1959. J em 25 de janeiro de 1961, o distrito de Gacha foi emancipado, de acordo com a Lei Estadual n 4.338 sendo desmembrado de Foz do Iguau. Desde o incio da colonizao h relatos sobre a diviso do trabalho caracterizada a partir do gnero. A maioria dos moradores tinham como profisso a agricultura e, em alguns casos a pecuria, atividades que

    sustentavam s famlias e a economia do Municpio. Com o passar do tempo, o desenvolvimento trouxe a necessidade de novos profissionais, que aos poucos eram integrandos comunidade, surgindo os primeiros comerciantes, alfaiates, motoristas, carpinteiros, professores e outros e com eles, comearam a surgir as lojas, as pequenas indstrias de transformao, os escritrios, os cartrios, os hospitais, as farmcias, etc Prefeitura Municipal de So Miguel do Iguau (PSMI, 2014).

    O trabalho de pesquisa adotou a metodologia qualitativa, mas tratou alguns dados quantitativamente fazendo uso de diferentes tcnicas de pesquisas como reviso bibliogrfica, definio de informantes-chave, entrevistas com dirigentes de instituies como as Secretarias Municipais de Agricultura e Educao, que tm aes voltadas para o espao rural do municpio.

    Consideramos que a temtica abordada relevante para o debate sobre o Desenvolvimento Rural no Brasil, pois, refere-se a temas emergentes na sociedade contempornea. A problemtica de gnero, o papel da mulher no universo do trabalho na propriedade rural, os motivos das jovens optarem por fazer o curso Tcnico em Agropecuria como projeto de vida no espao rural. Tendo em vista esses aspectos faremos uma anlise para problematizar as aes e reflexes das 5 (cinco) jovens de So Miguel do Iguau no contexto de suas famlias e do espao rural do municpio.

    Breve histrico: educao no Brasil e espao rural

    O Brasil um pas de origem eminentemente agrria, entretanto no

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  • que se refere educao do campo observamos que h uma frgil preocupao do Estado em relao ao tema. Para alguns crticos, isso evidencia o descaso de nossos dirigentes com a educao do campo refletindo a cultura vinculada a uma economia agrria apoiada pelo latifndio e os aspectos produtivos.

    A Constituio de 1824 assegurava a gratuidade da instruo primria e criao de instituies de ensino, posteriormente a Carta Magna de 1891 garante a laicidade e a liberdade de ensino nas escolas pblicas. Na organizao do territrio em Repblica Federativa ocorre o reconhecimento da autonomia dos Estados e Municpios sobre a Educao, mas os impactos dessa perspectiva so prejudicados pela ausncia de um sistema nacional, que repercute at a contemporaneidade, e assegurasse a articulao entre as diversas esferas do poder pblico para a construo de uma poltica educacional para o conjunto do pas (Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo, 2001).

    A educao se consubstanciou, nos ltimos anos, como um fator primordial para a sociedade brasileira, mas falta uma abordagem que preze pela conscincia sobre a cultura e identidade no espao rural, que respeite e valorize a educao no processo de formao da cidadania. Podemos dizer sobre a ausncia de uma proposta de educao escolar voltada aos interesses das comunidades rurais, como se o trabalho no espao rural no exigisse nenhuma preparao ou qualificao, reduzindo-se a alfabetizao. No difcil de imaginar situaes em que o trabalho rural tem sido deslegitimado por aqueles que deveriam incentivar o desenvolvimento

    de uma conscincia crtica durante o processo de formao.

    O debate sobre a educao do campo se inicia efetivamente nas primeiras dcadas do sculo XX, visto como uma forma de conter a migrao rural-urbana e aumentar a produtividade no campo. Alguns setores entram em alerta sobre as implicaes que o modelo urbano de formao oferecido aos professores que atuavam nas escolas rurais poderiam desencadear. Esses profissionais, desenvolviam um projeto educativo ancorado em valores e contedos prprios da cidade, deslegitimando caractersticas que so especficas do campo. Esta avaliao importante, pois, demonstra como as prticas educativas das instituies de ensino desconhecem a importncia das condies de vida e de trabalho para a permanncia das famlias no espao rural (op. cit.).

    A Constituio de 1934 apresenta grandes inovaes sobre a educao por afirmar a responsabilidade do Estado e atribuir s trs esferas, do poder pblico, responsabilidades na garantia do direito educao. Previa ainda o Plano Nacional de Educao, a organizao do ensino em sistemas, bem como, a instituio dos Conselhos de Educao que em todos os nveis recebem funes e assessoria dos governos para a elaborao do plano de educao e a distribuio de fundos especiais. O financiamento do atendimento escolar no espao rural fica sob a responsabilidade da Unio, que deve repassar os recursos vinculados sua manuteno e desenvolvimento (op. cit.).

    Em meio a esse cenrio so estabelecidos os Cursos Tcnicos em Agropecuria, criados atravs da Lei Orgnica do Ensino Agrcola (Decreto-

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  • Lei 9613, de 20 de agosto de 1946) que tinha como objetivo primordial a preparao profissional para o trabalho na agricultura. Em seu texto, surge a preocupao com os valores humanos e o reconhecimento da importncia da cultura geral e da informao cientfica no esforo de estabelecer a equivalncia do ensino agrcola com as demais modalidades de ensino. Esse Decreto incorpora na legislao especfica o papel da escola na constituio de identidades hierarquizadas a partir do gnero, no permitindo a entrada de meninas nos cursos (op. cit.). Na Constituio de 1988, a educao aparece como um direito de todos e um dever do Estado, transformando-a em direito pblico subjetivo, independentemente dos cidados residirem nas reas urbanas ou rurais. Alguns estados preveem de forma genrica o respeito s caractersticas regionais na organizao e operacionalizao de seu sistema educacional sem incluir em suas Diretrizes, normas e princpios voltados especificamente para a Educao do Campo. Recentemente, os impactos sociais e as transformaes ocorridas no espao rural influenciaram decisivamente a formulao de diretrizes e bases para a oferta e o financiamento da educao escolar. Os artigos dos artigos 208 e 210 da Carta Magna de 1988, inspirada numa concepo de mundo rural enquanto espao especfico, diferenciado e ao mesmo tempo integrado ao conjunto da sociedade, estabelece que, a oferta da educao bsica para a populao rural e os sistemas de ensino devem promover as adaptaes necessrias sua adequao respeitando s peculiaridades da vida rural e de cada regio, especialmente:

    i) oferecendo contedos curriculares e metodologias apropriadas s reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; ii) organizao escolar prpria, incluindo a adequao do calendrio escolar as fases do ciclo agrcola e as condies climticas; iii) adequao natureza do trabalho na zona rural. (Lei 9394/96; Artigo 28 apud Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo, 2001).

    De acordo com coordenadora da Educao do Campo - Ncleo Foz do Iguau, responsvel por atender entre outros o Municpio de So Miguel do Iguau as Diretrizes sobre Escola do Campo no estado do Paran so recentes. Aprovada no ano de 2010, depois de longas reunies organizadas por um grupo de trabalho do qual ela fez parte, e que tinha como objetivo, construir propostas e formular os princpios a serem adotados para a Educao do Campo no Estado, aprovado em regime de urgncia devido ao momento de insegurana provocado pelas eleies estaduais no mesmo ano (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

    Com a Resoluo n 4783/2010 GS/SEED que institui a Educao do Campo como uma Poltica Pblica Educacional no Paran, todas as escolas localizadas nos distritos rurais do municpio de So Miguel do Iguau, e at mesmo uma escola localizada no centro, na qual, cerca de 51% dos alunos so provenientes do espao rural, adotaram o termo Escola do Campo. So elas: Escola do Campo Dom Pedro II; Escola Estadual do Campo Coelho Neto; Escola Estadual do Campo Santa Rosa do Oco; e Escola Estadual do Campo Castelo Branco. Observamos que essas escolas sempre apresentaram

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  • caractersticas especficas, seja por sua localizao fsica ou pela identidade cultural de seus alunos, independente do Projeto Poltico Pedaggico (PPP) em curso. Ainda que as escolas estejam passando por ajustes burocrticos para se adequar aos princpios estabelecidos pelas diretrizes sobre as Escolas do Campo, na prtica, no se reconhece nenhuma mudana na metodologia proposta aos alunos.

    Jovem no ou do rural?

    A caracterizao presente em definies acadmicas sobre juventude, e que servem para apoiar as polticas pblicas direcionadas aos jovens, utilizam critrios biolgicos e faixa etria para identificar e associa muitas vezes juventude a um perodo de transio entre a infncia e a vida adulta (MARTINS et al., 2010). Este critrio fundamental para definir a aplicao de recursos e programas especficos para os jovens, podendo variar de uma sociedade a outra de acordo com a expectativa de vida da populao. Entretanto no que se refere aos jovens rurais, Castro (2008) chama a ateno para o fato de que no espao rural a categoria juventude historicamente construda e definida pela posio social que o indivduo ocupa na famlia e na comunidade. O jovem rural uma categoria marcada, muitas vezes, pela fragilidade da representao ou voz nos espaos de tomada de deciso dentro ou fora da famlia. Nesse sentido, a sada do espao rural em muitos casos tem se mostrado como uma alternativa para a independncia dos jovens rurais. No espao rural, tanto a autonomia como a permanncia do jovem na propriedade encontram-se diretamente relacionadas a

    fatores como, o acesso terra e a posio que o indivduo ocupa dentro da famlia. Para as mulheres, e principalmente as que se encontram na posio de filha, a sada do rural para os centros urbanos ainda mais evidente por se encontrarem numa posio inferior de acordo com a hierarquia familiar. Essa sada ocorre por diversos motivos, mas o principal refere-se possibilidade de dar continuidade aos estudos e de conseguir um bom trabalho (BRUMER, 2004); (GAVIRIA e MENASCHE, 2006).

    Na contemporaneidade, o responsvel pela parte produtiva geralmente o homem, chefe da famlia, ele quem toma as decises de investir em novas tecnologias, e tambm, quem mantm contato com os tcnicos, faz a maioria das compras e vendas, relaciona-se com os bancos e participa de associaes ou cooperativas. De acordo com o Secretrio de Agricultura de So Miguel do Iguau um dos conflitos que ocorrem na famlia, especificamente entre os jovens e seus pais est relacionado ao uso de tecnologia: Muitas vezes os jovens tm uma viso diferente da dos pais, querem investir e mudar a forma de produzir, mas os pais querem continuar com a forma tradicional (TRES, 2014). Isto demonstra que os jovens se encontram numa posio de subordinao dentro da propriedade e da famlia, o que acaba fazendo com que eles busquem outras alternativas para adquirir sua independncia, que geralmente ocorre na migrao para a cidade.

    Neste sentido, a questo do gnero e juventude no espao rural o ponto central deste trabalho onde pretendemos fazer uma reflexo sobre o papel da mulher na propriedade agrcola,

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  • a partir de uma anlise das entrevistas com as jovens rurais do sexo feminino que esto matriculadas no curso de Tcnico em Agropecuria, identificando qual o papel da educao tcnica em suas vidas, e se o fato delas se qualificarem tem influenciado sua participao no trabalho realizado na propriedade agrcola familiar. Permanece a questo jovem no rural ou do rural? O importante demonstrar as contradies vivenciadas pelos atores sociais jovens no espao rural que so as mesmas em uma anlise macro, mas apresentam nuances de inter-relaes, a partir da famlia e comunidade, quando consideramos a escala micro ou do lugar. Talvez a contradio que perdura, na contemporaneidade, , ainda, a de gnero vinculada principalmente lgica do trabalho.

    Representaes de gnero: papis em construo?

    As abordagens sobre gnero expressam a disparidade existente em nossa sociedade na medida em que faz transparecer a posio desigual da mulher em relao ao homem. Estudos sobre a influncia do gnero na vida das populaes rurais demonstram que as mulheres rurais so as que menos tem poder e acesso aos recursos, principalmente em zonas rurais de pases subdesenvolvidos, como no caso da Amrica Latina (FAO, 2011b; 2013). Entretanto, cabe aos pesquisadores um olhar mais pontual e no apenas se basear por vises generalistas, pois, as caractersticas de gnero esto fortemente ligadas a contextos culturais locais especficos e no apenas a caractersticas demogrficas.

    O gnero determinado por fatores sociais como idade, classe econmica, regio/pas, podendo ser encontradas diferenas em um mesmo lugar. O que se pode afirmar sobre o gnero, que ele um definidor nas relaes entre homens e mulheres, assim como, entre meninos e meninas. (Ibid)

    Assim, o termo igualdade de gnero um tema latente na atualidade, sendo perseguido e utilizado para definir metas e intervenes de instituies internacionais e consta como um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milnio na Organizao das Naes Unidas (ONU). Isso implica necessariamente na promoo da participao equitativa de mulheres e homens no que se refere a tomada de deciso, para que tenham uma mesma capacidade de exercer os direitos humanos, o acesso equitativo aos recursos e os mesmos benefcios do processo de desenvolvimento como, iguais oportunidades de emprego e todos os demais aspectos de seus meios de vida. Diante disso, vale ressaltar que as mulheres rurais so as que aparecem como mais prejudicadas nesse processo. (FAO, 2011b; 2013)

    Considerando que as relaes de gnero so, formas com as quais uma sociedade define quais so os direitos e deveres intrnsecos a identidade de homens e mulheres, no que diz respeito as relaes entre os indivduos, baseadas no poder e nas obrigaes entre as partes, o gnero encontra-se estritamente vinculado ao desenvolvimento mtuo de cada indivduo dentro da sociedade. Quanto s funes sobre gnero, Moser (1998 apud FAO, 2013 p. 10) descreve cinco funes do gnero: (i) so construdas socialmente; (ii) determinam as atividades econmicas e sociais; (iii)

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  • refletem as diferenas biolgicas; (iv) variam entre regies e culturas; e (v) mudam com o tempo.

    O acesso e controle sobre os recursos pelas mulheres, quando comparado com o dos homens, considerado desigual em praticamente todas as regies do mundo. Esse fato mais agravante nas regies mais pobres, pois segundo a FAO (2011a; 2013), o nmero de pessoas que passam fome poderia ser reduzido se as mulheres tivessem o mesmo acesso que os homens aos recursos. Para que isso seja possvel, outros fatores devem ser considerados e no apenas o acesso, como por exemplo, a posse do ttulo da propriedade ou da terra, que significaria deter o controle dos recursos. Em razo disso, encontra-se a ideia de que, se as mulheres possussem maior acesso e um controle igual que os homens sobre os recursos haveria mais possibilidades para elas produzirem alimentos de qualidade, com menor impacto sobre o meio ambiente e em maior quantidade. As questes sobre o gnero tambm constituem um fator importante para que se tenha segurana alimentar e para que se alcance seus quatro princpios fundamentais: disponibilidade, estabilidade, utilizao e acesso. As assimetrias existentes entre homens e mulheres tm afetado de forma significativa a produo de alimentos, no se tratando apenas de uma desigualdade de acesso e controle sobre a terra, as mulheres tambm so prejudicadas no que diz respeito ao acesso a outros recursos como a gua, energia, crdito, conhecimento e mo de obra na agricultura (FAO 2011a; 2013).

    Em seus estudos sobre gnero Brumer (2004) tem analisado as causas da acentuada migrao das jovens rurais

    no Rio Grande do Sul a partir dos dados do IBGE, constatando que, em todos os grupos de idade a populao masculina maior que a feminina, e que, essa diferena entre os sexos atinge seu pice na faixa etria de 20 a 25 anos. A autora procura demonstrar com isso que, a migrao rural-urbano tem sido seletiva por idade e sexo, e que os fatores que tem levado as jovens rurais a migrarem mais que os jovens rurais, esto relacionados diretamente com as condies de vida e trabalho no espao rural. Nesse sentido, seus estudos se propem a analisar qual a insero das mulheres na unidade de produo familiar agrcola, e as mudanas ocorridas dentro desse cenrio.

    A seletividade da migrao por idade e sexo explicada por dois fatores principais, o primeiro a falta de oportunidades oferecidas no espao rural e o segundo seria pela forma como ocorre a diviso do trabalho no interior da famlia e a invisibilidade sobre o trabalho dos jovens e das mulheres. Essas caractersticas tm sido apontadas pelos estudiosos de gnero como intrnsecas a tradio cultural da famlia que perpassada de gerao em gerao (Ibid).

    Espao rural: unidos pela terra, divididos pelo trabalho

    Na agricultura o trabalho desempenhado por homens e mulheres diferente, enquanto os homens tm se dedicado quase que exclusivamente as atividades produtivas as mulheres, normalmente, desempenham vrias atividades simultaneamente, equilibrando as demandas com o tempo dedicado a cada uma das atividades realizadas. O gnero um definidor do

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  • trabalho empregado por ambos os sexos na propriedade rural (MOSER, 1998 apud FAO, 2013).

    O reconhecimento de que homens e mulheres desempenham atividades diferentes em um mesmo local, somado a existncia de obstculos culturais, institucionais, fsicos e econmicos enraizados na sociedade demonstram que h uma ocorrncia de discriminao sistemtica de gnero.

    Para Brumer (2004) o nmero de homens que se tornam agricultores maior do que o de mulheres, pelo fato do primeiro ser quem herda diretamente a propriedade, enquanto que, as mulheres s se tornam agricultoras se casarem com um agricultor. Ainda, segundo a autora, a mudana nos meios de produo tem levado uma crescente diminuio do nmero de pessoas empregadas na agricultura, o que impacta diretamente na unidade de produo familiar, sem contar que, com a modernizao da agricultura, e adoo de novas prticas agrcolas o trabalho produtivo tem demandado certo grau de conhecimento para operar as novas e modernas mquinas agrcolas (SILVA e SCHNEIDER, 2010).

    A tecnologia favoreceu o trabalho de homens e mulheres na propriedade, em todas as reas de produo, tanto na agricultura como na pecuria, o mercado tem disponibilizado diferentes equipamentos que desconstroem aquela velha ideia de trabalho pesado e trabalho leve que corriqueiramente utilizado como discurso para definir o trabalho dividido a partir do gnero. No podemos negar que isto muito mais um aspecto cultural do que biolgico, e que as mulheres desempenham atividades que

    demandam fora e exigem gastos energticos to altos quanto os homens.

    Anlise e discusso dos resultados de pesquisa

    As anlises sero organizadas comparando parte dos resultados obtidos com os questionrios aplicados aos 46 (quarenta e seis) estudantes que foram entrevistados em 2014, mas dando nfase as entrevistas das 5(cinco) jovens do sexo feminino que circunscrevem o cerne deste trabalho. Optamos por uma conformao de anlise dialtica em escala, isto , do universo macro conjunto de estudantes do Colgio Agrcola at o universo micro das 5 (cinco) jovens que foram eleitas por viverem no espao rural do municpio de So Miguel do Iguau.

    Com respeito ao acesso educao tcnica agrcola no difcil observar no Colgio, pelo menos na turma oriunda de So Miguel do Iguau, a diferena que existe entre o nmero de alunos matriculados por sexo havendo o predomnio do nmero de meninos em relao ao de meninas. Como exposto a partir da Lei Orgnica do Ensino Agrcola 1946 predominam, na educao tcnica agrcola, valores estabelecidos pela sociedade patriarcal poca, mas que ressoam na contemporaneidade. Entre o conjunto dos jovens analisados, a partir dos 46 questionrios do Projeto CNPq (2013), mais da metade 55% se originam de famlias que vivem no espao rural, porm, se considerarmos os que possuem propriedade agrcola, esse nmero sobe para 67,4%. Isto demonstra que h uma diferena entre esses jovens a partir da moradia, uma parcela em que a famlia vive na propriedade fazendo

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  • desta sua forma de vida e trabalho e outros que tem a posse da propriedade, mas vivem na cidade, e ainda, os que no possuem propriedade e vivem no espao urbano.

    Vejamos alguns resultados a partir da amostra que contou com 46 jovens de So Miguel do Iguau (11 meninas e 35 meninos) que estudam Colgio Agrcola de Foz do Iguau (grfico 1).

    Observamos que entre os jovens de So Miguel do Iguau, estudantes do curso Tcnico em Agropecuria, em todas as faixas etrias ocorre maior representatividade de meninos do que de meninas e, ainda, nas faixas etrias mais avanadas que de 18 e 19 anos, no h tpresena de meninas. A explicao para isso coincide com um fator histrico no qual o Colgio Agrcola desde seu princpio recebeu meninos, enquanto que as vagas ofertadas as meninas so recentes e o nmero de alojamento destinado a elas, ainda menor. At pouco tempo atrs todas as vagas eram somente destinadas aos meninos, mas recentemente a escola passou por uma mudana estrutural e fsica disponibilizando vagas e alojamento para algumas meninas (PESQUISA DE CAMPO, 2014).

    Dentre as 11 (onze) jovens, estudantes do Colgio Agrcola, cinco vivem com a famlia na propriedade agrcola. Ao descreverem como o curso, as estudantes relatam ser bem puxado por haver muito mais disciplinas que numa escola normal. Explicam que o curso dividido em duas estruturas curriculares: uma normal como a de qualquer escola, outra especfica para o curso tcnico onde so ofertadas disciplinas tericas e prticas voltadas para a agricultura e pecuria.

    Segundo elas, principalmente atravs das aulas prticas que conseguem esclarecer suas dvidas. As jovens tambm descreveram como funcionam as aulas durante as semanas tem tanto aulas prticas como tericas: tudo misturado. Em sala de aula os professores geralmente enfatizam a teoria, enquanto que nas aulas prticas os alunos so levados a aplicar aquilo que esto aprendendo na teoria, geralmente os professores dessas disciplinas so tcnicos por formao e suas explicaes so feitas como se estivessem em campo. As turmas so divididas por setores, que pode ser agroindstria, avirio, horta e outros e cada um encarregado de exerce uma funo independente do gnero (PESQUISA DE CAMPO, 2014a).

    Durante as entrevistas focais, Pesquisa de Campo (2014b) com as 5 (cinco) jovens, procuramos identificar os motivos pelos quais essas jovens buscaram estudar no Colgio Agrcola. Ao analisarmos suas respostas notamos que elas apresentaram como interesse principal a busca pela profissionalizao relacionando-a com o fato de viverem no espao rural:

    Por causa que eu queira saber mais sabe, porque eu tinha muita dvida entre qual faculdade eu queria escolher se era agronomia ou veterinria, porque, com meu pai eu sempre fui de ajuda ele nas duas partes, da entrei aqui pra ter mais noo do que cada faculdade ia trabalha certinho pra mim escolher (E.S.).

    Bom, eu entrei no curso por causa que eu j moro com meus pais no interior, (...), sempre fui ligada com as coisas da agricultura e pecuria ento me interessei muito em entrar no curso (B.L.F).

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  • Mas, o porque eu entrei aqui, mais pra garanti um futuro pra te (...) vamos dizer uma experincia do que mais pra frente eu vo passa, uma faculdade um exemplo. E aqui, eu entrei e eu aprendi muita coisa, coisa simples que talvez o pai e a me sabe e a gente no aprendeu quando tava em casa mais, aqui eu to aprendendo de vagarzinho e ta muito bom (T.C.).

    A, tipo assim, eu morava com minha v e com minha me n, no stio, (...) mais por interesse assim de sabe, tenta se aprofunda mais no conhecimento (P.P).

    Entretanto, outra caracterstica comum desponta entre essas jovens e que pode ter influenciado a deciso, ainda que aparea timidamente em seus depoimentos, o fato que, o nmero de filhos por famlia vem diminuindo, (ver grfico 2 logo abaixo) e algumas dessas famlias apresentam em sua estrutura apenas filhas mulheres, como ilustrado no caso a seguir:

    (...) pra seguir aquilo que minha famlia faz porque, meu pai tem lavoura essas coisas e (...), a minha irm no quer isso e eu quero, da pra seguir eu acho que um embasamento bom, pra tenta algum curso depois (R.B.).

    Devemos considerar que as famlias esto ficando cada vez menores seja no espao rural ou na cidade e isso est conectado a vrios aspectos, um deles o acesso s informaes bsicas de sade pblica, que tem oferecido meios para preveno. No caso das mulheres, isso bastante significativo, pois elas passam a ter maior controle sobre seu corpo, o que acaba tendo impacto direto no nmero de filhos por famlia, por outro lado, as inovaes tecnolgicas fazem diminuir a necessidade de mo de obra dentro da propriedade agrcola. Esses dois fatores

    podem influenciar num possvel planejamento familiar, atingindo diretamente a direo das propriedades agrcolas.

    Sobre acesso a informao, outra varivel interessante diz respeito a formao ou o grau de estudo dos pais. Na comparao entre nvel de estudos dos pais e o nvel de estudo das mes podemos observar a situao exposta nos grficos 3 e 4.

    Comparando os dois grficos percebemos que o nmero de mulheres sem formao menor do que o de homens. Os homens apresentam uma porcentagem maior entre os que concluram o Ensino Fundamental e o Ensino Mdio e no Ensino Tcnico se igualam. J com respeito ao Ensino Superior e Ps Graduao as mulheres lideram o ranking. Entre os pais desses jovens percebemos que as mulheres tm alcanado maior escolaridade do que os homens. Isso pode estar atribudo ao fato da sada das mulheres do rural ser maior do que a dos homens, que por sua vez, pode ser relacionado ao fato delas apresentarem menos oportunidades de trabalho e perspectiva de vida junto ao espao rural, por isso, tendem a migrar mais e dar continuidade aos estudos.

    Entre as mes dessas jovens algumas que vivem no rural, mas se dedicam a outras atividades que no a agrcola, gera outra perspectiva para a famlia que o ingresso de renda proveniente de atividades no agrcolas. Na maioria dos casos analisados, as mes vivem e trabalham no espao rural, trabalho este que considerado de ajuda aos seus parceiros dentro da propriedade j que as funes domsticas tendem a predominar de acordo com o gnero feminino.

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  • Ao responderem sobre as diferenas que existem entre o trabalho realizado por homens e mulheres na propriedade, a maioria concorda que as diferenas existiram, mas que hoje homens e mulheres so capazes de exercer as mesmas funes. Entretanto, consideram que, antigamente os homens eram os responsveis por trabalhos mais pesados, enquanto as mulheres eram ensinadas a exercer os servios dentro de casa, que basicamente era cuidar dos filhos e arrumar a casa. Essa viso sobre o tipo de trabalho realizado por homens e mulheres dentro da propriedade encontra-se carregada de diferenas estabelecidas a partir do gnero feminino e masculino, enraizadas atravs da cultura. Ainda que percebam as diferenas no trabalho agrcola como algo mais ligado ao passado, considerando que hoje as mulheres trabalhem igual que os homens na agricultura, esse reconhecimento parece se perder em alguns momentos, como podemos perceber na fala de uma das entrevistas que expem o fato das mulheres dependerem dos homens para realizar algumas tarefas, principalmente as que envolvem o trabalho com mquinas agrcolas.

    Vamos dizer na minha casa um exemplo? Um exemplo dirigir um trator, l em casa s os homens dirigem trator, ento a gente mulher tem que depender dos homens e (...) ai ruim porque, qu fazer uma coisa e eles no querem, dai fica, vai de atrs, no vai e fica tudo largado, mais (...) (...) isso (T.C.).

    'Ao serem interpeladas sobre as atividades em que mais contribuem na propriedade, todas as jovens entrevistadas responderam que as

    atividades que mais costumam contribuir so aquelas voltadas aos servios domsticos, seguido do trato e cuidados de animais, e quando preciso ajudam na plantao e colheita, e que raramente operaram algum maquinrio.

    Eu ajudo meu pai a planta quando ele ta plantando, esse ano eu no ajudei ele no perodo de colheita nenhuma vez porque eu tava aqui, ele colheu durante a semana. As vezes eu ajudo ele a gradia se ele pede, alguma coisa assim, e agora eu t ajudando ele a monta uma hortinha (R.B.).

    [...] coisas simples vamos dizer, minha me mexe vamos dizer, tem as vacas de leite, tipo no muita coisa assim, ento eu ajudo ela com o pasto, com o trato, com [...] limpa assim a casa, [...] que mais, trata os bicho, essas coisas simples. O pai na roa, as veze[...] (T.C.).

    Os trabalhos realizados pelas jovens na propriedade variam de acordo com as atividades desenvolvidas dentro da propriedade e a disponibilidade de tempo, pois, todas encontram na escola em perodo de internato durante a semana. Na maioria dos casos, ao retornarem para casa nos fins de semana, as jovens tm ajudado as mes na ordenha e contribuem nos servios domsticos. Apenas uma das famlias das cinco jovens entrevistadas no trabalha com gado de leite, nesse caso ela participa com o pai nos processos de plantio e colheita quando possvel.

    Consideraes finais

    Conforme as anlises ao longo do trabalho a Educao Tcnica voltada para o espao rural, desde sua criao, esteve voltada para atender prioritariamente a parcela masculina da

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  • populao, enquanto o gnero feminino permaneceu relegado a determinadas relaes sociais patriarcais. Atualmente com o reconhecimento dessas diferenas, e principalmente por se tratar de casos que revelam o preconceito quanto ao gnero, algumas mudanas foram colocadas em prtica, como podemos observar pelas vagas destinadas as meninas no Curso Tcnico em Agropecuria.

    Considerando que trabalho e gnero no espao rural so antes de tudo, processos culturais que perpassam anos, e tanto as moas como os rapazes so ensinados desde cedo a exercem suas atividades junto aos pais, onde aos meninos cabem participar juntamente com o pai na produo da lavoura, enquanto que, as meninas so encarregadas de exercer suas atividades junto a me geralmente no trabalho domstico e na ordenha. Isso foi constado durante as entrevistas, salvo aquelas jovens cuja famlia no apresenta nenhum filho homem, nesses casos h uma abertura modesta para as jovens se inserirem naqueles trabalhos que so mais ligados ao gnero masculino.

    Para as jovens de So Miguel que estudam no Colgio Agrcola e participaram do curso Tcnico em Agropecuria, entre as atividades que mais gostam no curso est a interao social que ele traz, as amizades que so construdas e a troca de experincias com os outros jovens. Entretanto, a responsabilidade e a independncia aparecem como pontos relevantes em suas percepes ao considerar que isso contribui para a construo de seus projetos de vida. Essas jovens ao permanecer no colgio, conseguem ter acesso a informaes e passam a

    desempenhar tarefas que em casa no lhe so passadas, isso faz com que elas adquiram mais confiana na hora de participar e desenvolver trabalhos em casa.

    Podemos nos questionar quais as consequncias disso tudo, considerando a diminuio no nmero de integrantes na famlia e o papel que as mulheres ocupam na unidade familiar agrcola atualmente. Neste sentido, a questo de gnero no espao rural deve ser discutida em todas as instncias para que as jovens no rural adquiram maior autonomia na hora de planejarem seus projetos de vida. Para que consigam identificar os processos de excluso quanto ao gnero e buscarem solues e inseres, seja no trabalho da propriedade ou em qualquer outro lugar.

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    Recebido em 24/02/2015Aprovado em 21/05/2015

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