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www.marceloeuripedes.com.br Noções de Projeto Do Produto Marcelo Eurípedes da Silva, Fevereiro de 2013

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Como elaborar projetos

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Noções de Projeto

Do Produto

Marcelo Eurípedes da Silva,

Fevereiro de 2013

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1. INTRODUÇÃO

De uma forma geral, os cursos de Engenharia no Brasil focam seus conteúdos em

diversos cálculos, baseados em princípios físico-químicos, com a finalidade de preparar os

alunos para os diversos aspectos técnicos de um produto. Entretanto, para realmente

preparar os alunos para desenvolver produtos, existe uma lacuna. Isso porque a realização

desses cálculos se refere à fase de detalhamento de um projeto. Antes de se chegar a essa

etapa existe um caminho a ser percorrido, onde se transforma uma ideia inicial, um conceito

vago, em características de projeto, passíveis de serem trabalhadas por engenheiros. O

objetivo dessa disciplina é o de mostrar como percorrer o referido caminho, ou seja, quais as

ferramentas necessárias para o desenvolvimento de um produto, através da transformação

de necessidades/oportunidades por meio do uso da criatividade, do design, da integração

entre as peças e da redução de custos.

Outro problema das disciplinas convencionais reside no fato de que as mesmas focam

na funcionalidade do produto. Todavia, modernamente existem outros fatores importantes

para o sucesso do mesmo, tais como: aspecto visual, embalagem e fatores ecológicos,

entre outros. Além disso, ainda existe a preocupação de se fazer peças de fácil montagem e

fabricação, causando frequentemente conflitos com as funções especificadas.

Inovação é outro termo recorrente nos dias atuais. Inovar é tábua da salvação, a meta,

a forma de se superar os concorrentes. Entretanto inovar não é fácil. Conforme Christensen

(2003), os gerentes sabem que a inovação é a chave para o crescimento sustentável, mas

eles não sabem como introduzi-la de forma concreta.

Para inovar, conforme se sabe, é necessário ter criatividade. Contudo, muitas vezes ela

é tolhida nas escolas através de um sistema de ensino com exercícios enlatados, onde se

conhecem todas as variáveis necessárias para a solução de um problema. Na vida real

geralmente as coisas não funcionam desse modo, não se conhecem todas variáveis, e os

problemas são apresentados muitas vezes de forma vaga. Como trabalhar, desenvolver

desenhos e cálculos sem ter em mãos todos os dados do problema? Não é necessário se

desesperar, pois conforme Baxter (1998), a inovação pode ser administrada, e o seu

processo pode ser programado, custeado e controlado. Para isso é necessário o uso de

diversas ferramentas e conceitos, descritos de forma resumida nessa apostila.

Apesar dos benefícios trazidos pelo desenvolvimento de produtos inovadores, os

mesmos trazem riscos para as empresas. Quanto mais complexo, maior o risco. Desse

modo é extremamente importante gerenciar o mesmo através de técnicas adequadas. É

importante estar atento ao estabelecimento de metas e ao desenvolvimento de diversos

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protótipos, eliminando-se os que menos se adequarem a esses objetivos previamente

estabelecidos. Além disso, conforme Baxter (1998), os diversos interessados têm interesses

conflitantes:

Os consumidores desejam novidades, qualidade e preço baixo;

Os vendedores desejam simplicidade e maiores lucros;

Os engenheiros de produção desejam tolerâncias abertas e fácil montagem;

Os designers desejam novos materiais e uma estética apurada;

Os empresários querem gastar pouco e ter um rápido retorno no investimento.

Muitas vezes os conflitos são resolvidos através de uma análise de valor, onde se

estabelece um compromisso entre os fatores que agregam valor e os responsáveis pelo

aumento de custo.

Também, é importante ter em mente que o sucesso de um projeto, segundo a NBR ISO

1006:2000, deve-se a dois fatores: o produto em si, e a gestão de seu processo de projeto.

Essa disciplina pretende mostrar quais são as características do produto, sendo a gestão o

objetivo de outra disciplina. Todavia, como as duas coisas estão integradas, é praticamente

impossível falar de uma coisa sem citar a outra. Assim, ao menos as etapas de

desenvolvimento de um produto serão citadas nesse texto.

Definição de Produto

Outro paradigma refere-se à ideia do que é um produto. No curso de Engenharia muitas

vezes associa-se o mesmo a objetos tangíveis, tais como um eixo, uma engrenagem, um

redutor, uma moenda, entre outros.

Do ponto de vista desse curso, o produto deve ser entendido como aquilo que é definido

no objetivo do projeto e entregue ao cliente. Desse modo, um serviço, um software, uma

decoração, a implantação de um novo sistema de controle de estoques em uma empresa,

podem ser entendidos como produtos.

Fatores que levam ao desenvolvimento de um novo produto

O desenvolvimento de um novo produto deve partir de uma necessidade, que conforme

o PMI (1996) pode se enquadrar nas seguintes situações:

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Uma demanda de mercado: como, por exemplo, a Petrobrás autorizando a

construção de uma nova refinaria devido ao aumento de consumo.

Uma necessidade do negócio: uma empresa autoriza a implantação de um novo

software de controle de estoques, de modo a diminuir os erros de entrega e as

diferenças de inventário.

Um pedido do cliente: a Dedini inicia a construção de uma nova cervejaria para a

Ambev.

Um avanço tecnológico: uma empresa eletrônica começa a desenvolver um novo

celular devido a introdução de um novo chip no mercado, com tamanho reduzido e

mais memória.

Um requisito legal: uma empresa química precisa de tanques para tratamento de

efluentes para evitar multas do governo.

Falando sobre necessidades, Kaminski (2000) traz uma classificação interessante:

Necessidades declaradas vs. Necessidades Reais: as necessidades reais são

normalmente os serviços que os produtos podem prestar. Um exemplo é a evolução

das máquinas de escrever para as impressoras. Os usuários queriam máquinas de

escrever, como uma necessidade declarada. A necessidade real era uma forma de

impressão em mídia escrita, ou seja, papel. Assim quando surgiram os

microcomputadores com as impressoras, as máquinas de escrever forma sendo

abandonadas gradualmente. As empresas que não se adequaram a esta realidade

acabaram por perder o mercado.

Necessidades Culturais: toda sociedade humana desenvolve um padrão de

crenças, hábitos, práticas, etc. Tais padrões fornecem à sociedade certos elementos

de estabilidade: sistema de leis, costumes, tabus, símbolos de status e assim por

diante. O sucesso de um produto também depende da obediência a essas leis

culturais. Como exemplo pode-se citar os automóveis, que além da necessidade de

locomoção promovem a satisfação de status ou não. Também é possível citar um

novo tipo de camisa social indicando status, um novo tipo de bolsa para o mercado

feminino, um novo prato em um restaurante referindo à comida típica de alguma

localidade.

Necessidades implícitas, ou latentes: neste tipo vale o espírito empreendedor da

empresa, ou seja, o cliente não tinha a necessidade pelo simples fato do produto não

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existir. Quem poderia ter expressado a necessidade de um “walkman” antes de estes

aparelhos surgirem no mercado? Outros exemplos são os celulares com câmeras

fotográficas, e o Ipad da Apple.

Necessidades Percebidas: a percepção que o cliente tem sobre o produto pode

diferir da percepção do fabricante. Este último pode tirar proveito disso agregando

valores aos produtos. Alguns exemplos são lojas de roupas de grife e fabricantes de

chocolate.

Sucesso e fracasso de novos produtos

Como já foi dito, o desenvolvimento de novos produtos traz riscos para as empresas,

exigindo investimentos proporcionais à complexidade. Desse modo elas estão preocupadas

em saber quais são os fatores que levam o sucesso ou o fracasso dos mesmos. De um

modo geral, conforme Baxter (1998), três grandes grupos podem levar ao sucesso, como

pode ser visto na figura 1.

Figura 1 – Fatores de sucesso de um novo produto

Fonte: adaptado de Baxter (1996)

Orientação para o mercado: os produtos com forte orientação para o mercado são aqueles

que apresentam as características valorizadas pelos consumidores e tem forte diferenciação

dos concorrentes. A Apple, por exemplo, não criou o primeiro tocador de músicas MP3, e

nem o primeiro celular, entretanto o Ipod e o Iphone revolucionaram seus mercados.

Planejamento e especificação: analisar cuidadosamente a viabilidade técnica, econômica e

financeira de um produto antes de seu lançamento aumentam as chances de seu sucesso.

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Os produtos bem especificados em termos de tamanho, funções e desempenho também

são muito bem vistos no mercado.

Fatores internos a empresa: a qualidade dos processos internos da empresa, a integração

entre os departamentos, principalmente entre o marketing e os técnicos, também são fatores

de sucesso.

Nessa discussão é interessante obsevar que as maiores chances de sucesso se devem

aqueles produtos que realmente tem foco no mercado, “encantando” os clientes. Esse valor

é mais importante que ter processos elaborados dentro da empresa. Não adianta produzir

com uma qualidade excelente um produto não atrativo, com a ressalva de que o contrário

não é verdadeiro, os produtos atrativos devem ter uma qualidade superior de modo a se

manterem vendáveis.

E já que o assunto é produto, encantar os clientes e criar valor, observe as palavras

abaixo do Steve Jobs, um dos criadores e ex-presidente da Apple, a empresa mais valiosa

do mundo:

Tenho minha própria teoria sobre o declínio de empresas como a IBM e a Microsoft. A empresa

faz um grande serviço, inova e torna-se um monopólio, ou quase isso em alguma área, e

depois a qualidade os produtos torna-se menos importante. A empresa começa dar valor aos

grandes vendedores, porque são eles que têm impacto nos rendimentos, não os engenheiros e

os designers de produtos. Com isso, o pessoal de vendas acaba dirigindo a empresa. John

Askers, da IBM, era um vendedor esperto, eloquente, fantástico, mas não entendia nada de

produto. O mesmo aconteceu na Xerox. Quando o pessoal de vendas dirige a empresa, o

pessoal de produtos deixa de ter importância, e muitos simplesmente perdem o interesse.

Aconteceu isso na Apple quando Sculley veio para cá, e foi culpa minha, e aconteceu quando

Ballmer assumiu a Microsoft. A Apple teve sorte e reagiu, mas acho que ninguém mudará a

Microsoft enquanto Ballmer estiver no comando. (ISAACSON, 2011, p.584)

Para um dos maiores empresários da nossa época, os Engenheiros deveriam ter maior

valor nas empresas, e não o pessoal de vendas, como acontece hoje. O foco deveria ser a

criação de algo extremamente útil e fácil de usar para os consumidores, e não o caminho

inverso, ou seja, criar um produto para ser vendido.

Outros atributos importantes em um produto foram descritas por Kaminski (2000). São

eles:

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o Exequibilidade física: O processo de obtenção deve ser factível, assim como o

produto.

o Viabilidade Econômica: A utilidade para o cliente deve ser igual ou superior ao preço

de venda. O custo deve trazer lucro para o fabricante.

o Viabilidade Financeira: Os investimentos iniciais para desenvolvimento do projeto,

produção e distribuição devem ser suportados pela instituição executora.

o Otimização: Escolha da melhor entre várias alternativas.

o Critérios de Projeto: Equilíbrio entre os diversos requisitos conflitantes.

o Subprojetos: Problemas novos que aparecem durante o desenvolvimento, devem ser

subdivididos.

o Aumento da Confiança: Em cada etapa a confiança no sucesso deve aumentar,

senão o projeto deve ser interrompido.

o Apresentação: Confiabilidade nos documentos de projeto, tais como desenhos,

relatórios, maquetes e/ou protótipos.

o Requisitos Ambientais: Um bom projeto não deve conter elementos agressivos ao

homem, ou ao meio ambiente.

Ciclo de Produção e consumo

Outro requisito importante a ser considerado é o ciclo de produção e consumo de um

produto. Este consiste nos ciclos de produção, distribuição, consumo e recuperação,

conforme mostra a figura 2.

Todo produto deve satisfazer aos quatro ciclos, sem exceção para que possa ser

lançado no mercado. A falta de um deles inviabiliza todo o projeto. Como exemplo pode-se

citar o novo conceito das células de combustíveis. A produção, o consumo e a recuperação

estão bem resolvidos, mas não há consenso com relação à distribuição do combustível. O

sistema mais eficiente utiliza o hidrogênio líquido. Entretanto este elemento é altamente

inflamável, o que exige uma total reformulação dos atuais postos de combustíveis.

Qualidade de um produto

Todas as etapas de um projeto visam única e exclusivamente o alcance de um objetivo

maior que é a satisfação do cliente. Mas como obter de forma efetiva esta “satisfação?”. A

resposta que vem a mente imediatamente é: “basta ter produtos com QUALIDADE”. O

processo para obtenção da mesma é motivo de vários livros, pesquisas e frequentemente é

tema de diversos seminários.

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Figura 2 – Ciclo de produção e consumo

Uma discussão interessante é trazida por Baxter (1998), pois no início do

desenvolvimento de um produto, quando as metas de qualidade precisam ser elaboradas, o

mesmo não existe. Essa é a principal dificuldade quando se deseja aplicar os métodos

tradicionais de controle de qualidade. Desse modo devem-se usar os objetivos iniciais do

projeto para servir de orientação. Se o objetivo é lançar um produto mais barato que o dos

concorrentes, as metas são de custo e preço. Se o intuito é de fazer algo melhor e mais fácil

de funcionar, a meta é de funcionalidade, e assim por diante. Nesse processo usa-se o ciclo

PDCA (Plan - Do – Check – Act), ou seja, planejar, fazer, controlar e agir. Assim, algumas

metas iniciais são estabelecidas e corrigidas ao longo do caminho, conforme a

retroalimentação obtida de diversas áreas: engenharia, manufatura, montagem.

Outra análise bem profícua surge quando se fala da associação da qualidade com os

produtos japoneses. Esta associação é tão forte que criticar a qualidade de um aparelho

eletrônico SONY, ou um automóvel Toyota é quase uma heresia. O modelo de produção

utilizado pela Toyota se tornou um paradigma para as empresas de manufatura, de tal forma

que se ensina atualmente o consagrado “Sistema Toyota de Produção”.

Entretanto, nem sempre foi assim. Antes da década de 50, o produto japonês era

sinônimo de cópia de baixa qualidade. O que mudou após esta década foram os primeiros

resultados dos princípios plantados após a segunda guerra mundial. Após a guerra o Japão

era um país destruído e desmoralizado, com fraca economia interna o resultado era buscar

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novos mercados, entretanto havia o estigma da baixa qualidade de seus produtos. Para

contornar tal problema foram convidados dois professores americanos com objetivo de

ensinar as técnicas estatísticas às empresas japonesas. Os professores Deming e Juran

ficaram assim conhecidos como os principais mentores, os pais do que se conhece hoje

como gestão da qualidade industrial.

Enfim, o que é Qualidade? As definições conhecidas são tão numerosas quanto os

“gurus” que as propõem. As mais conhecidas são: “Qualidade é adequação ao uso”,

denotando que um produto de qualidade deve atender à necessidade do cliente; “Qualidade

é conformidade às especificações”, pois o produto deve atender aos requisitos de projeto.

Mas para o consumidor final, aquele que vai lidar como o produto dia-a-dia, o que é um

produto de qualidade? Reina ainda hoje para a maioria dos consumidores, o conceito:

produtos de qualidade são aqueles que não falham. Em uma visão mais ampla, além do

aspecto corriqueiro de um produto funcionar sem falhar, a qualidade envolve também uma

série de outras dimensões nem sempre evidentes para o consumidor final, mas igualmente

importantes na hora de competir e ganhar a sua preferência. Visando o esclarecimento

destas dimensões, Garvin, em 1987, propôs o que se conhece atualmente como as oito

dimensões da qualidade. O conhecimento destas oito dimensões ajuda a avaliação da

qualidade de um determinado produto, auxiliando também a quantificação da mesma,

quando se está desenvolvendo “novos produtos”. Como resultado final, o conceito de

qualidade pode ser “quebrado” para facilitar a análise estratégica. As oito dimensões da

qualidade são:

Desempenho

A dimensão “desempenho” diz respeito às características relativas à finalidade principal

do produto. Espera-se que um automóvel se movimente, um avião voe, uma lavadora lave,

etc.

Recursos

Esta relacionada a características não essenciais ao desempenho da máquina, mas

podem ser utilizadas para diferenciar e agregar valor ao produto. Como, por exemplo,

podem ser citados os serviços de bordo em vôos comerciais, os itens de maior conforto nos

automóveis, etc.

É importante notar que nesta dimensão alguns itens considerados como “recursos” em

um determinado momento podem vir a se tornar características de desempenho quando

consagradas pelo mercado. Um exemplo disto é o controle remoto de televisores. Ele não é

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essencial para o funcionamento do aparelho, mas tornou-se um recurso sem o qual

dificilmente um fabricante conseguiria vender o seu produto.

Conformidade

A conformidade é uma dimensão nem sempre aparente ao usuário final, mas vital para

a estratégia de produção de uma empresa. A conformidade diz respeito a manutenção do

atendimento de especificações de projeto. O atendimento a especificação de tolerâncias

dimensionais em peças utilizadas na montagem de um produto é o exemplo clássico de

conformidade. As ferramentas de controle estatístico de processo estão relacionadas a esta

dimensão da qualidade. Tais controles são feitos normalmente utilizando-se de diversos

instrumentos de medição, que por sua vez tem um controle rigoroso, e assim por diante.

Confiabilidade

A confiabilidade reflete a chance de um produto funcionar sem falhas em certo período

de tempo trabalhando sob as condições de uso para as quais foi projetado. Esta é uma das

dimensões que os usuários de produtos mais associam ao conceito de qualidade. Esta

associação entre qualidade e confiabilidade é muito forte pois geralmente diz-se “um

produto de qualidade é um produto que não quebra”.

O domínio do conhecimento da confiabilidade pelos fabricantes de produtos de

consumo é um fator importante de estratégia competitiva, principalmente quando se

compete com prazos de garantia. Um fabricante que domina a confiabilidade do produto

fornecido sabe de forma quase exata o índice de retorno do mesmo. Isso permite o

gerenciamento adequado dos custos de garantia, permitindo a satisfação do consumidor

sem prejuízos. Não é a toa que fabricantes de eletroeletrônicos aumentam ano a ano o

prazo de garantia, visando o aumento das vendas. Este tipo de competição acontece

também em outros tipos de empresas, como o caso de fabricantes de automóveis

importados oferecendo cinco anos de garantia aos seus produtos.

Durabilidade

A durabilidade é definida como a quantidade de uso que se consegue obter de um

produto antes que ele tenha de ser substituído. É uma medida da vida útil do produto.

Existem dois aspectos da durabilidade que são normalmente avaliados pelas empresas.

O primeiro é técnico e está fortemente relacionado à confiabilidade. Para produtos não

reparáveis, a durabilidade é a própria confiabilidade. Para os reparáveis, a qualidade da

manutenção vai determinar a sua deterioração, de modo que os produtos mais confiáveis

têm durabilidade maior.

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O segundo aspecto é o econômico e determina o ponto de vida do produto, onde é mais

econômico desativar o equipamento, ao invés de repará-lo.

Estética

A dimensão estética da qualidade, apesar de muito subjetiva, é de estrema importância

na estratégia competitiva dos fabricantes de produtos. O visual aparente de um produto é a

primeira dimensão na atração ou rejeição dos clientes pelo produto.

Aqui também há dois aspectos técnicos que podem ser avaliados. O primeiro deles diz

respeito ao estilo do produto, e sofre grande influência de tendências ao longo dos tempos.

Formas arredondadas ou retas, alongadas ou achatadas, cores quentes ou mais discretas,

vão e voltam dependendo da tendência do momento. Estilos de automóveis que até pouco

tempo pareciam ultrapassados volta a ser tendência em outras épocas, como exemplo o

Fiat Uno e o Ford Ka quando lançados foram até um pouco rejeitados.

O segundo aspecto da estética independe do estilo e não muda ao longo do tempo.

Trata-se do cuidado, construtivo dos produtos. Cores manchadas, acabamento mal-feito,

desalinhamento de carenagens, dão uma impressão muito forte de produto de baixa

qualidade.

Atendimento

Um grande diferencial competitivo para os fabricantes de produtos é o atendimento ao

cliente. Para fabricantes que não fornecem diretamente para o consumidor final, mas sim

para revendedores, é muito comum a preocupação como o treinamento dos seus

distribuidores de forma a evitar erros e desleixos no atendimento do usuário final.

O cliente é que mantém as operações de uma empresa, seja ela industrial, comercial ou

de serviços. Ao procurar um produto ou serviço o cliente vai ser atraído por um atendimento

adequado e vai certamente rejeitar atendimentos que não lhe agradem. Atendimento

adequado significa estar pronto para oferecer ao cliente o que ele precisa, na hora em que

ele procurar. Assim rapidez, cortesia, facilidade de contato, domínio do negócio,

disponibilidade de serviços, preços acessíveis, são aspectos da dimensão atendimento que

podem fazer a diferença na preferência do consumidor.

Qualidade percebida

Refere-se à reputação que um fabricante goza junto ao mercado. Esta reputação reflete os

ideais e a mentalidade da empresa, seja em termos de competição de mercado, seja em

sua dimensão social.

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A reputação é conseguida por meio de reconhecimento do mercado pela experiência e

competência da empresa, e pode ser medida por meio de pesquisas de opinião de marcas.

O cliente procura produtos destas marcas por perceber a liderança que a empresa detém de

um determinado negócio. Assim, adquire os produtos com critérios de escolha menos

rigorosos que os produtos de marca menos conhecida.

Exemplos de qualidade percebida são a Nestlé para produtos alimentícios, a Johnson &

Johnson para produtos de higiene, a Caterpillar para tratores, etc.

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2. PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE UM PRODUTO

Diversas filosofias discutem sobre as etapas de desenvolvimento de um novo produto.

Elas serão discutidas em maiores detalhes na disciplina de “Gestão de Projetos”. Entretanto,

para o melhor entendimento desse curso, é importante citar de um modo geral como esse

desenvolvimento ocorre, a partir de uma ideia inicial. Conforme Hall (1968) citado por Mital

Et.al. (2008), o projeto de um produto segue, em linhas gerais, as seguintes atividades:

Definição do Problema: estudar as necessidades e o meio-ambiente.

Análise de valores: definir objetivos e critérios de projeto.

Síntese do sistema: criar alternativas de projeto.

Análise do sistema: analisar as alternativas.

Selecionar o melhor sistema: avaliar as alternativas contra os critérios definidos.

Planejamento para a ação: detalhar a alternativa selecionada.

Essas atividades são intuitivas, de certa forma. Entretanto a vida prática não é tão

simples. O produto começa com uma necessidade, que é transformada em um conjunto de

informações, mas nem sempre as informações são claras e precisas. Por exemplo, em uma

pesquisa de mercado o consumidor irá declarar que gostaria de um carro mais potente. Mas

o que é potente: 100 cv, 120 cv, 150 cv? Os engenheiros precisam de números para

trabalhar!

Além disso, conforme o PMI (1996) um produto tem necessidades declaradas

(requisitos) e não declaradas (expectativas). O consumidor acima, na mesma pesquisa de

mercado, não iria declarar, por exemplo, que “o carro precisa de rodas”.

Em grandes empresas a determinação da necessidade de um produto é de

responsabilidade do setor de marketing. A participação da engenharia de produto começa a

partir da análise de valor. Os capítulos posteriores dessa apostila descrevem algumas

ferramentas a serem aplicadas no projeto a partir desse ponto.

Considerando os fatos descritos acima é possível dizer que o produto é um problema a

ser resolvido, ou seja, o algoritmo para desenvolvimento do mesmo deve ser similar a um

algoritmo de solução de problemas.

Outra abordagem é dada por Suh (1990), citado por Yang (2008), na teoria do projeto

axiomático. Suh propôs que cada tarefa em um projeto é um processo de mapeamento,

como mostra a figura 3. Assim se o resultado a ser alcançado for o de movimentar pessoas

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no chão sem consumo de energia, os engenheiros devem pensar em como as pessoas

querem fazer isso. Eles podem dar uma bicicleta como solução para o problema.

Ainda, considerando o ponto de vista de Suh (1990), citado por Yang e El-Haik (2008), o

mundo dos projetos consiste em quatro domínios: o do cliente, o funcional, o físico e o dos

processos. O domínio do cliente é caracterizado por necessidades que devem ser satisfeitas

(NCs). No domínio funcional essas necessidades são transformadas em requistos

funcionais. Todos os produtos são desenvolvidos para fornecer funções, as quais são

traduzidas em trabalhos a serem feitos para satisfazer clientes. Como foi dito anteriormente,

e exemplificado aqui novamente por esse autor, os requisitos funcionais tem de ser

traduzidos em números. Por exemplo, uma determinada cliente pode querer um “carro mais

rápido”. Os engenheiros devem transformar esse mais rápido em um número para trabalhar.

Isso poderia ser feito através da comparação com o desempenho dos concorrentes. Os

requisitos funcionais (RFs) consistem em um conjunto mínimo de requisitos que

caracterizam completamente as necessidades funcionais do produto.

Figura 3 – Projeto como um processo de mapeamento

Fonte: Adaptado de Yang e El-Haik (2008)

O domínio físico se refere aos parâmetros de projetos (PPs), e estes por sua vez estão

relacionados com os elementos de projeto escolhidos para satisfazer os RFs. Por exemplo,

se o objetivo é aumentar a velocidade de um carro, os parâmetros de projeto para tal se

referem a um novo motor, novas transmissões e assim por diante.

As variáveis de processo (VPs) se encontram no âmbito de manufatura, e se referem

aos processos que satisfazem os PPs. A figura 4 exemplifica os quatro domínios no

processo de projeto.

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Ainda citando Yang e El Haik (2008), não se pode deixar de lado o fato de que os

produtos complexos são projetados de forma hierárquica. Um carro, por exemplo, é

composto de diversos subcomponentes, tais como powertrain, chassis, interior, lataria, entre

outros. Cada um desses elementos ainda pode ser subdivido no próximo nível de

detalhamento. O processo não se finaliza até que se obtenham parâmetros adequados de

projeto, tais como dimensões das peças, materiais, tratamentos térmicos, etc (figura 5).

Figura 4 – Domínios de um projeto

Fonte: Adaptado de Yang e El-Haik (2008)

Figura 5 – Níveis hierárquicos de um projeto

Fonte: Adaptado de Yang e El-Haik (2008)

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Espiral do Projeto

Alguns autores entendem o detalhamento de um produto como espiral, pois é um

processo cíclico, onde se analisa os requisitos determinados diversas vezes, primeiramente

de forma grosseira e ao longo do tempo, de forma refinada, até se chegar ao nível de

detalhamento que se deseja. Isso significa que a parte técnica nos projetos de engenharia,

composta de diversos atributos, não se desenvolve de forma linear, ou seja, todos os

requisitos de um atributo são completados antes de se passar para o atributo seguinte. Na

figura 6 é mostrada uma imagem desse conceito.

Figura 6 – Espiral de Projetos

Perdas no Processo de Desenvolvimento de Produtos

No desenvolvimento de um produto, assim como na manufatura do mesmo, existem

diversos desperdícios, que devem ser evitados, conseguindo-se assim um processo

“enxuto”. Como esse é um objetivo das empresas modernas, onde se pretende trazer as

ferramentas dos Seis Sigmas e da manufatura enxuta para dentro dos projetos, criando

assim o Design for Six Sigma, são citados aqui os principais tipos de perdas em projetos,

que, conforme Yang e El-Haik (2008) são:

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1. Perdas de oportunidades de vendas devido ao fraco valor do produto. Os seguintes itens

estão inclusos nessa categoria:

Incapacidade de entender a necessidade do produto,

Incapacidade de transformar a necessidade em um projeto adequado,

Escolha inadequada de tecnologias,

Pouca capacidade de inovação,

Incapacidade de integrar a inovação com a necessidade,

Fraca qualidade, confiabilidade e robustez do produto.

2. Desperdícios da força de trabalho, recursos e tempo. Os seguintes itens estão inclusos

nessa categoria:

Desperdício da força de trabalho através da realização de atividades sem valor,

Sobrecarga das pessoas e dos recursos, que leva a projetos mal feitos e a futuros

retrabalhos,

Reuniões improdutivas que consomem horas de design.

3. Perda de conhecimento e informação. Nessa categoria se incluem:

Reinvenção: se alguém já fez o mesmo tipo de trabalho, fazê-lo novamente é um

grande desperdício,

Menosprezo dos subsistemas: muitos problemas de retrabalho ocorrem devido a

interações inesperadas dos subsistemas,

Perda de informação e recriação: isso acontece muito em diversas empresas,

Falta de comunicação: leva a erros de compatibilidade e certamente a retrabalhos,

Busca de informações, espera por informações: estas são certamente atividades

sem valor.

4. Desperdícios devido a projetos malfeitos. Nessa categoria estão incluídos:

Requisitos de projeto mal elaborados, tais como tolerâncias apertadas, materiais mal

especificados, excessivo uso de etapas de fabricação, entre outras,

Projeto excessivamente complexo: o projeto mais simples, que satisfaça às funções

requeridas, é o melhor,

Arquitetura do produto falha: a combinação entre as partes é muito importante

também para evitar retrabalhos.

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Tanto o projetista quanto o Gestor em um projeto devem estar atentos a esses fatores,

evitando assim gastos adicionais, e um produto complexo, o qual também é pouco efetivo

quando se pensa nos futuros serviços que serão feitos no mesmo para aumentar a sua

durabilidade.

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3. OBTENDO PARÂMETROS DE PROJETO

Como foi dito anteriormente um produto começa com uma ideia vaga, um conceito inicial

que deve ser trabalhado até a obtenção dos parâmetros de projeto, quando se inicia a fase

de detalhamento, muito familiar aos Engenheiros. O objetivo desse capítulo é o de se

mostrar como se faz isso através de algumas ferramentas apropriadas para esse fim.

Esclarecendo Objetivos

Para entender o problema a ser resolvido, o primeiro passo é esclarecer quais são os

objetivos do cliente de forma clara, mesmo que estes mudem durante desenvolvimento do

projeto, pois ao menos se tem um ponto de partida. Esses objetivos e mudanças posteriores

podem ser registrados em contrato, de forma a proteger os interessados.

Conforme Cross (2000), cada objetivo deve ser escrito em uma sentença simples,

capaz de ser entendida e negociada por todos interessados, ou seja, clientes, investidores,

membros do time de projeto. Ainda conforme o autor, o processo de esclarecimento pode

iniciar com a pergunta: “o que se quer dizer com tal declaração”? Por exemplo, se o objetivo

declarado pelo cliente é o de obter uma máquina ferramenta segura, é possível expandir

essa sentença para significar:

Baixo risco de machucar o operador;

Baixa chance de o operador cometer erros;

Baixo risco de danificar a peça ou a ferramenta;

Interrupção automática de operação em caso de sobrecarga.

Uma lista como essa pode ser facilmente obtida através do raciocínio em cima do

problema, da discussão com o time de projeto ou perguntando diretamente ao cliente.

Segundo Cross (2000), uma dica para montar a lista é fazer as perguntas: “o que se

deseja alcançar com esse objetivo?”, “como atingi-lo?”, “quais os objetivos implícitos estão

por traz da declaração do cliente?”, “qual o real problema a ser resolvido?”.

A medida que se analisa a lista de objetivos, pode-se notar que alguns deles não são

realmente objetivos, mas sim meios de se alcançá-los. Como por exemplo, a interrupção

automática em caso de sobrecarga é uma forma de se evitar danos a peça ou a ferramenta.

Desse modo a lista acima pode ser classificada em diferentes níveis. Alguns membros da

equipe podem discordar da classificação. Entretanto, o mais importante é conseguir uma

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 20-59

lista que seja consensual entre a maioria dos membros. Além disso, o mais importante

desse exercício é o fato de se forçar o raciocínio, pensando de forma mais clara sobre os

fins e os meios de atingi-los.

Tendo como base as considerações acima, pode-se montar um diagrama hierárquico de

relação entre os objetivos, mostrado na figura 7. Esse diagrama é denominado de árvore de

objetivos. Ela é uma das primeiras ferramentas a ser aplicada no desenvolvimento de

produtos. É importante observar que descendo na árvore deve-se fazer a pergunta “como?”,

e ao subir deve se perguntar “por quê?”.

Figura 7 – Diagrama hierárquico (árvore) dos objetivos de um projeto

Fonte: adaptado de Cross (2000)

Diferentes pessoas podem desenhar diferentes árvores de objetivos, e até mesmo

desenhar diferentes níveis, partindo dos mesmos objetivos, dependendo da experiência que

elas tenham com o assunto. Todavia o mais importante desse tipo de processo é permitir a

organização das ideias, ou de afiar sua própria percepção sobre o problema, ou também de

alcançar um consenso do time. Esse padrão é temporário e pode mudar a medida que o

projeto evolua no tempo.

Estabelecendo Funções

Após o esclarecimento dos objetivos do projeto, os engenheiros tem o hábito de pensar

na solução potencial para resolvê-los. Contudo esse procedimento limita a criatividade, pois

possíveis alternativas não são nem consideradas, deixando de lado a chance de se obter o

melhor produto possível. Desse modo, recomenda-se como próximo passo não pensar na

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 21-59

solução potencial, e sim em quais funções ela poderia ter. Um meio de se fazer isso é

através do método de análise de funções.

Conforme Cross (2000), o ponto central do método de análise de funções é se

concentrar em o que deve ser alcançado por um novo design e não como alcançá-lo. Para

isso, inicialmente entende-se o produto como uma caixa preta, onde “entradas” são

transformadas em “saídas desejáveis” (figura 8). A caixa preta contém todas as funções

necessárias para essa transformação. Nesse ponto é importante se perguntar sobre as

entradas e saídas, tanto desejáveis quanto indesejáveis, e também qual o próximo passo de

transformação.

As entradas e saídas podem ser geralmente classificadas como fluxos de energia,

materiais ou informações. Outros exemplos são: comandos do usuário, elementos do meio

ambiente, situações inesperadas, etc.

Figura 7 – Diagrama de conversão de entradas em saídas (caixa preta)

Fonte: adaptado de Cross (2000)

O próximo passo consiste na divisão da função em subfunções e tarefas intermediárias,

de forma a facilitar a composição do sistema como um todo. Não há uma forma sistemática

de se fazer isso, pois a análise depende de diversos fatores, tais como os tipos de

componentes disponíveis, a experiência dos engenheiros, etc. (CROSS, 2000, p.79).

Ao especificar as subfunções deve se padronizar a forma de expressão, utilizando, por

exemplo, verbos tais como “mover carga”, “amplificar o sinal”, “limpar resíduos”, entre

outros. É muito importante analisar nesse processo a compatibilidade entre diferentes

subfunções. A compatibilidade pode ser funcional, geométrica ou de materiais. Como

resultado dessa análise a caixa preta se torna transparente, onde pode ser observado o

relacionamento entre as diversas partes do sistema (figura 8). Recomenda-se o uso de

diferentes tipos de linhas (espessura, cor) para separar os diferentes tipos de fluxo

existentes no sistema.

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 22-59

Figura 8 – Diagrama de conversão de entradas em saídas (caixa preta)

Fonte: adaptado de Cross (2000)

Quando se faz a análise dos subsistemas a equipe pode chegar a conclusão de que o

contorno do sistema deve ser redesenhado. As limitações se encontram nas políticas de

gerenciamento ou requisitos dos clientes. Diferentes contornos podem ser feitos,

representando diferentes soluções ou produtos.

Definindo as subfunções (ou subsistemas) pode-se posteriormente definir componentes

apropriados para realizá-los. Esses podem ser dispositivos mecânicos, componentes

eletrônicos ou pessoas que realizam determinadas tarefas. Um ponto interessante sobre os

componentes eletrônicos é que eles podem substituir o que antes era realizado por

dispositivos mecânicos, ou mesmo por mão humana.

A análise de funções é útil no ponto em que ela foca em funções, deixando o meio físico

de alcançá-las para estágios posteriores do projeto.

Cross (2000), traz um exemplo simples do diagrama de funções que se refere a uma

máquina de lavar roupas. Como se sabe o objetivo da mesma é o de transformar roupas

sujas em limpas, como mostra a figura 9.

Figura 9 – “Caixa Preta” para uma lavadora de roupas

Fonte: adaptado de Cross (2000)

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 23-59

Além da lavagem da roupa, pode-se querer adicionar funções tais como secar e até

passar as mesmas. Assim, as entradas e saídas podem ser listadas como mostrado na

figura 9.

Entradas Saídas

Roupas Sujas (Estágio 1) Roupas limpas, sujeira

(Estágio 2) Roupas secas, água

(Estágio 3) Roupas passadas

As subfunções e os meios de alcançá-las podem ser listadas como se segue:

Subfunções Essenciais Meios de Alcançar as subfunções

Desgrudar a sujeira Adicionar água e detergente

Separar a sujeira das roupas Agitar

Remover a sujeira Enxaguar

Remover a água Centrifugar

Secar as Roupas Soprar com ar quente

Roupas passadas Aplicar pressão

O diagrama de blocos, com as principais entradas, e também as entradas secundárias é

mostrado na figura 10. O desenvolvimento desse tipo de máquina seguiu um processo de

expansão como pode ser notado pelos contornos. As primeiras versões simplismente

separavam a sujeira da roupa. Posteriormente foi adicionada a centrifugação para eliminar

parte da água, promovendo uma pré-secagem. A secadora completa veio depois. No futuro

será possível obter roupas completamente passadas. Se bem que, devido à utilização de

tecidos sintéticos, essa função seja dispensável no futuro (lembrem-se das necessidades

reais vs. declaradas descritas no capítulo 1).

Função Desdobramento da Qualidade (QFD)

Uma ferramenta poderosa no desenvolvimento de projetos (não só de produtos) é a

Função Desdobramento da Qualidade, também conhecida como QFD (do inglês Quality

Function Deployment). Conforme Yang e El Haik (2008), a QFD é uma ferramenta de

planejamento que relaciona uma lista de expectativas, requisitos e necessidades dos

clientes com requisitos funcionais de projeto. Geralmente em uma pesquisa de mercado

(VOIC – Voice of Customer) os clientes definem um produto com suas próprias

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 24-59

terminologias, que carregam pouco ou nenhum significado técnico. A função do QFD é

decifrar essas características fornecendo dados para os Engenheiros trabalharem no

projeto.

Figura 10 – Diagrama de funções para uma lavadora de roupas

Fonte: adaptado de Cross (2000)

Para Baxter (1998) chegar a especificações de projeto que reflitam as necessidades do

cliente é um problema complexo (envolve vários estágios), nebuloso (sem fronteiras bem

definidos) e multifatorial (diversas variáveis). Além disso, existem diversas atividades

simultâneas e não apenas sequenciais. Com isso enfatiza-se a assim a importância das

ferramentas de desenvolvimento de produtos e em especial a QFD.

Como foi dito, e ainda segundo Baxter (1998) o desdobramento da função qualidade

(QFD) transforma necessidades em parâmetros técnicos, como por exemplo, se o

consumidor quer um biscoito tostado, isso é convertido em temperatura do forno e tempo de

cozimento.

A QFD, também conhecida como “Casa da Qualidade”, é mostrada de forma genérica

na figura 11. Antes de detalhar os aspectos da QFD é importante dizer que, segundo Yang e

El-Haik (2008), ela deve ser utilizada no desenvolvimento dos quatro domínios do projeto

axiomático (citado no capítulo 2), como mostra a figura 12. Na primeira etapa, pretende-se

entender melhor as necessidades do cliente (NCs), transformando-as em requisitos

funcionais na segunda etapa. Na terceira etapa os requisitos funcionais são transformados

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 25-59

em parâmetros de projeto, que por sua vez se tornam variáveis de processo na quarta

etapa.

Figura 11 – Função Desdobramento da Qualidade (QFD)

Fonte: adaptado de Yang e El-Haik (2008)

Preenchimento da Casa da Qualidade

Para exemplificar a confecção da QFD, adota-se nesse texto o mesmo exemplo usado

por Baxter (1998) que mostra o caso de uma empresa a qual busca o desenvolvimento de

um novo percevejo de papel. Essa empresa fez uma pesquisa de mercado onde os clientes

indicaram três requisitos: 1) O percevejo deveria ser de fácil penetração; 2) O pino não

deveria dobrar; e 3) deveriam ser baratos.

O preenchimento da casa da qualidade é feito por etapas. Apesar de diferentes autores

apresentarem certas variações, a primeira etapa, sem dúvida, consiste no preenchimento

dos atributos dos clientes (por quês?). Segundo Yang e El-Haik (2008), as necessidades

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 26-59

dos clientes podem ser obtidas através de uma pesquisa de mercado. Entretanto os clientes

apresentam seus argumentos de maneira difusa, querendo várias coisas ao mesmo tempo.

Para clarear essas informações, pode-se usar como uma das ferramentas a árvore de

objetivos, discutida anteriormente nesse capítulo. É importante também indicar qual a

importância para o cliente de cada atributo.

Figura 12 – Aplicação da QFD ao longo do processo de desenvolvimento de um produto

Fonte: adaptado de Yang e El-Haik (2008)

O segundo passo, de acordo com Baxter (1998), consiste na conversão das

necessidades do consumidor em características técnicas do produto (como fazer?). Para

cada “por quê?” deve exisitr um ou mais “como fazer?”, descrevendo meios de atingir a

satisfação do cliente. Como exemplo Yang e El-Haik (2008) citam que se o cliente quiser um

carro “legal”, isso pode ser traduzido em um design diferente da lataria, o estilo dos bancos,

baixos ruídos, menos vibrações. Nesse estágio, apenas requisitos que possam ser medidos

e controlados devem ser inseridos.

No terceiro passo deve-se determinar as relações entre os “por quês?” e os “como

fazer?”, indicando a intensidade da relação entre os mesmos. Esse procedimento determina

a matriz de conversão. Geralmente se usa símbolos para indicar as relações, pois eles são

práticos de se entender. Como exemplo pode-se usar ● para uma forte relação (9,0

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pontos), ○ para uma relação moderada (3,0 pontos) e ▽ para uma relação fraca (1,0

pontos). A figura 13 mostra como fica a matriz após a conclusão dos três primeiros passos.

Figura 13 – QFD Matriz de Conversão

Fonte: adaptado de Baxter (1998)

O quarto passo consiste em multiplicar a importância para o cliente pela pontuação

obtida na matriz de conversão, somando-se os valores para cada parâmetro de projeto.

Para o Diâmetro da Cabeça, por exemplo, se obtém 6 X 3+8 X 9 = 90 pontos. A figura 14

mostra os resultados obtidos para os diferentes parâmetros de projeto. É importante

também calcular a importância relativa de cada parâmetro, como forma de priorizar os mais

importantes. A dificuldade técnica para trabalhar cada um deles é outra informação

importante para o time de projeto, devendo também ser pontuada em uma escala de 0 a 5,

por exemplo.

Figura 14 – Peso ou importância de cada atributo de projeto

O quinto passo consiste em fixar metas quantitativas através da comparação do produto

da empresa com os produtos dos concorrentes (Benchmarking). Obtêm-se assim metas

quantitativas para cada parâmetro técnico. Esses números são muito importantes, pois

permitem a equipe de Engenharia trabalhar nos projetos das diferentes alternativas de

produtos. A figura 15 mostra esses parâmetros técnicos. Nesse processo de comparação

pode-se indicar a direção de melhoria, indicada na figura 13.

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Figura 15 – QFD Parâmetros Técnicos

Fonte: adaptado de Baxter (1998)

No sexto passo preenche-se a matriz de planejamento, pontuando o produto da própria

empresa e os produtos dos concorrentes em relação aos requisitos do cliente. Durante essa

etapa, a equipe deve se perguntar: “como o nosso produto pode ser modificado, ou como

um novo produto pode ser desenvolvido para refletir as intenções do cliente?”. A figura 16

mostra a matriz de planejamento desenvolvida para o exemplo apresentado.

Figura 16 – QFD Matriz de Planejamento

Fonte: adaptado de Baxter (1998)

Finalmente a última etapa consiste em preencher o telhado da casa, que representa as

relações entre os “como fazer?”. Essas relações indicam se os parâmetros têm sinergia (a

melhora de um melhora o outro), ou conflito (a melhora de um piora o outro). O

desenvolvimento de um produto geralmente traz diversos conflitos sobre os quais se deve

estabelecer critérios de priorização. Assim o telhado da casa, em conjunto com a

importância relativa de cada parâmetro ajuda o time a escolher qual o melhor caminho a ser

tomado em caso de impasse. O ideal, obviamente, seria eliminar esses conflitos,

maximizando os dois parâmetros sujeitos ao impasse, pois se foram listados pelo cliente são

importantes para o mesmo. Para resolver isso existem algumas filosofias, tais como o

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projeto axiomático e a Teoria das Soluções Inventivas (TRIZ) que buscam o

desacoplamento entre os parâmetros conflitantes. A figura 17 mostra a casa completa para

o exemplo apresentado.

Figura 17 – QFD completa para o exemplo apresentado

Fonte: adaptado de Baxter (1998)

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4. DESENVOLVENDO A CRIATIVIDADE

No capítulo anterior foram mostradas ferramentas para obter parâmetros de projeto

confiáveis, que realmente representem as necessidades do cliente. Entretanto, o trabalho

não para por aí. É necessário criar alternativas de projeto e para obter um produto realmente

diferenciado, combinando de forma correta parâmetros conflitantes de projeto, é necessário

te um componente essencial: a criatividade. Como disse Baxter (1998), ela representa o

coração do design em todos os estágios do projeto. Entretanto ela não é fácil de obter, não

é um processo controlado, onde se tem uma boa ideia sempre que necessário. Cita-se o

exemplo de Arquimedes, que por volta de 230 AC se deparou com um problema imposto por

Heiro, o tirânico governador da Siracusa e seu protetor.

Heiro havia entregado a Arquimedes uma coroa que ele suspeitava ter sido adulterada

com prata. O problema era muito complexo pois, apesar dos filósofos da época conhecerem

o cálculo de volume de formas geométricas simples, a coroa tinha uma geometria complexa,

somente possível de se discretizar com os modernos softwares de CAD tridimensionais.

Arquimedes estava se debatendo com o problema a vários meses quando de repente

resolveu se banhar. Quando entrou na banheira de repente ele teve um estalo, o volume de

água deslocado era equivalente ao volume do seu corpo imerso na água. Diz a lenda que

ele ficou tão feliz que saiu nu pelas ruas gritando: Eureca, Eureca (achei, achei)! Pois é,

essa história representa um fato interessante: a inspiração de repente surge do nada! Na

verdade, o mais correto de se dizer é que ela surge do nada, mas depois de muito se pensar

no problema, com já dizia Thomas Edison: “é necessário 99% de transpiração para 1% de

inspiração”.

A criatividade é algo tão importante na sociedade, desde os primórdios, que alguns

psicólogos e filósofos dedicaram a sua vida estudando-a. Conforme Baxter (1998) nas

últimas décadas surgiram as mais variadas ferramentas prometendo desbloquear as mais

obstruídas pessoas e organizações. Mas será que elas funcionam ou a criatividade seria um

dom natural? Os pscicólogos acreditam que sim, a criatividade pode ser estimulada. Sendo

assim, esse capítulo apresenta algumas dessas ferramentas. Todavia não se deve esquecer

de que a criatividade, que o processo de ser criativo, deve ser praticado frequentemente, de

forma a “treinar os neurônios” acostumando-os a pensar diferente dos outros.

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 31-59

Etapas da Criatividade

Embora os mecanismos da criatividade não sejam totalmente conhecidos, conforme

Baxter (1998), estudos indicam que o processo criativo ocorre por etapas, sendo as

mesmas: inspiração inicial, preparação, incubação, iluminação e verificação.

A inspiração inicial é o primeiro sinal que surge na mente. Uma ideia que deve ser

investigada para se tornar uma solução efetiva.

Na fase de preparação há um esforço mental e de busca de conhecimentos diretamente

relacionados com o problema, e também outros não tão relacionados, mas que ampliem a

capacidade imaginativa. Conforme Baxter (1998, p. 58) a preparação exige resposta a

várias questões:

1) Qual é exatamente o problema que você está querendo resolver?

2) Por que esse problema existe?

3) Ele é parte específica de um problema maior ou mais amplo?

4) Solucionando-se esse problema maior, a parte específica também será solucionada?

5) E vez disso, seria melhor atacar primeiro a parte específica?

6) Qual a solução ideal para o problema?

7) O que caracteriza essa solução ideal?

8) Quais são as restrições que dificultam o alcance dessa solução ideal?

A incubação é o processo na qual a mente fica imersa em várias ideias tentando

associá-las ou combiná-las com o problema a ser resolvido. Acreditam os estudiosos que

mesmo quando a mente não está trabalhando conscientemente no problema, o

subconsciente atua na solução. Na iluminação ocorre o grande salto que leva a resolução

do problema. Muitas vezes elas não tem a ver com um processo racional e lógico, como por

exemplo, na invenção do Post-it da 3M.

A verificação se destina a por a ideia em pratica, traçando esboços que comprovem a

execução física da ideia.

Princípios para Geração de Ideias

De acordo com Baxer (1998), a geração de ideias é o coração do pensamento criativo.

Entretanto na maioria das vezes as pessoas acabam procurando soluções em um domínio

limitado, de acordo com o conhecimento técnico das mesmas, pois essa região é mais

confortável. Para evitar esse problema, expandindo as possibilidades, existem diversas

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ferramentas (algumas delas serão apresentadas a seguir nesse capítulo) que podem ser

agrupadas em três grandes categorias:

Expansão do problema: procuram ampliar as possibilidades de solução direcionando o

pensamento para além do domínio do problema. Desse modo procura-se sair da mesmice e

da zona de conforto das pessoas que tendem a procurar pequenas variações dos mesmos

princípios.

Redução do problema: as técnicas dessa categoria tem foco no produto (e por isso são

chamadas de reducionistas) onde se procura modificar algumas características do mesmo,

modificando-se algumas funções e características.

Digressão do problema: procuram estimular o pensamento lateral, estimulando a

bissociação, ou seja, a associação de duas ideias ridículas ou absurdas. Esse tipo de

recurso é muito utilizado no humor, entretanto algumas vezes funciona na engenharia. Um

exemplo, citado por Baxter (1998) é o da plataforma de lançamento de aeronaves em porta-

aviões que foi inspirado na pista de salto de skis.

Brainstorming

O Brainstorming, também conhecido como “tempestade de ideias” foi criado para se

obter o maior número possível de ideias para resolver um problema (lembre-se que criar um

produto é similar a resolução de um problema). Essa técnica refere-se a uma sessão rápida,

com duração de 10 a 15 minutos, onde um grupo, composto por um líder com membros

regulares e outros convidados, expressam diversas ideias a respeito de um determinado

tema. Cabe ao líder apresentar o problema e direcionar a reunião de forma a preservar, de

acordo com Bralla (1996), as seguintes regras:

Nenhum comentário negativo é permitido durante a seção. Todas as ideias são

bem vindas.

Ideias aparentemente tolas, ou cômicas são aceitas, desde que tragam o som da

inovação.

Quanto mais ideias melhor, o volume mais diferença.

Os participantes são encorajados a conectar ideias de outros, formando bases

para a solução.

Avaliação das ideias não pode ser feita enquanto a sessão não for encerrada.

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Segundo Baxter (1998), o brainstorming é mais efetivo quando é planejado de

acordo com as seguintes etapas:

Orientação: onde se determina a verdadeira natureza do problema. Aqui

devem ser estabelecidos critérios de aceitação.

Preparação: consiste em reunir dados sobre o problema, como outros

produtos existentes, concorrentes, matérias disponíveis, processos de

fabricação.

Análise: avalia-se as duas etapas anteriores decidindo-se se é interessante

prosseguir.

Ideação: consiste na geração das ideias propriamente ditas.

Incubação: quando o volume de ideias geradas diminui, é importante

interromper a sessão estabelecendo uma pausa de um ou dois dias. Nesse

momento, a iluminação pode ocorrer.

Síntese: as ideias são combinadas de forma a se alcançar a solução.

Verificação: nessa etapa as ideias são julgadas conforme os critérios

previamente estabelecidos.

É importante obsevar que as etapas do Brainstorming, postas dessa forma, são

bem similares às etapas projeto apresentadas no capítulo 2, até a seleção da melhor

alternativa. Desse modo, as ferramentas tais como a árvore de objetivos e o diagrama

de funções servem de base para a orientação e a preparação do Brainstorming.

Sinética

Na Sinética busca-se juntar coisas diferentes. Ela se destina a solução de problemas

inovadores e por isso tem membros de áreas bem distintas à do tema a ser desenvolvido.

Por exemplo, pode-se convidar biólogos, músicos, geógrafos para uma sessão onde se

pretende resolver um problema de engenharia.

A base da Sinética está no fato de que o ser humano tende a transformar o estranho em

familiar, o que leva a soluções conservadoras. Para evita isso a ferramenta incentiva a

transformação do familiar em estranho, através das seguintes analogias (BAXTER, 1998, p.

68):

Analogia pessoal: onde a pessoa se coloca no lugar do mecanismo, processo ou

objeto que se pretende criar.

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Analogia direta: onde são feitas comparações com coisas reais. Por exemplo, no

estudo do movimento das patas de um inseto para se criar máquinas que andem em

solos acidentados.

Analogia simbólica: onde se usa objetos impessoais para descrever o problema,

como o de uma corda indiana que sai do cesto, na tentativa de resolver um problema

de elevação.

Analogia fantasiosa: nesse caso deixa-se a imaginação voar livremente, sem

restrições até físicas, como por exemplo imaginando um mecanismo sem a ação das

leis da gravidade.

Um exemplo interessante de sinética é dado por Baxter (1998), onde um grupo tenta

resolver o problema de um telhado, o qual deve ser claro no verão para dispersar o calor e

escuro no inverno para reter o calor. Um dos membros lembra-se do linguado, um tipo de

peixe que fica branco quando nadando sobre a areia branca, ficando escuro quando

nadando sobre o lodo. Conforme o esclarecimento de um dos especialistas, esse fato

acontece devido ao movimento de pigmentos negros para a superfície da derme do

linguado. Dito isso, um dos membros tem uma ideia de fazer um telhado preto, com

pequenas bolinhas de plástico embutidas nele. Quando o sol incide sobre o telhado, as

bolinhas se expandem vindo para a superfície do mesmo, clareando a sua cor como em

uma pintura impressionista. Abstrato, mas funciona.

MESCRAI

O MESCRAI é uma abreviação de Modifique, Elimine, Substitua, Combine, Rearranje,

Adapte, Inverta. Em inglês a técnica é conhecida como SCAMPER (Substitute, Combine,

Adapt, Modify / Mirror / Distort, Put to other purposes, Eliminate, Rearrante / Reverse).

De acordo com Silverstein (2009), o MESCRAI é uma técnica que utiliza perguntas

diretas, de forma a melhorar o produto existente. Por exemplo, ele levaria a combinação de

dois elementos de barbear o creme e a lâmina. Essas soluções poderiam ser combinadas

em uma única, formando uma lâmina que soltaria creme enquanto a pessoa estivesse se

barbeando.

Ainda conforme Silverstein (2009) para usar essa técnica é necessário antes esclarecer

bem o serviço a ser feito, através de algumas ferramentas, como as já apresentadas no

capítulo 3 dessa apostila. O quadro 1 traz um resumo das perguntas que podem ser feitas.

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Quadro 1: Resumo das perguntas a serem feitas no MESCRAI

M Modifique Modifique parte, ou totalmente o produto. Se você se forçar a ter novas ideias, usualmente irá aparecer um novo produto, processo ou serviço.

As seguintes perguntas podem ser feitas: o que acontece se eu exagerar um conceito ou componente? O que acontece se o processo for modificado de alguma forma?

E Elimine Eliminar peças, além de ajudar na busca da solução, também ajuda na redução de custos, obtendo-se um produto mais enxuto.

As seguintes perguntas podem ser feitas: o que acontece se forem eliminadas peças do produto, processo, problema? Como mais eu poderia alcançar a solução sem ser da maneira normal de se fazer isso?

S Substitua Parte, ou todo o produto, pode ser substituído por algo diferente? Ao pensar nisso o cérebro é forçado a ter novas ideias.

As perguntas típicas são: o que pode ser substituído para alcançar um incremento? E se eu trocar essa peça por outra, qual o efeito? O que posso trocar em termos de lugar, tempo, materiais ou pessoas?

C Combine Pense em combinar duas ou partes do produto, ou processo para criar outros diferentes, ou obter sinergia.

Quais dispositivos, materiais, processo, pessoas, produtos, ou componentes podem ser combinados? Onde é possível obter sinergia?

R Rearranje Nesse caso pode-se tentar modificar a posição de peças ou elementos.

As perguntas típicas são: quais elementos são passíveis de se mudar de posição? Seria possível ganhar espaço, rigidez com essas mudanças?

A Adapte Pense em quais peças poderiam ser adaptadas para resolver o problema, ou como a natureza do produto, ou processo poderia ser modificada.

Algumas perguntas que podem ser feitas são: qual parte do produto poderia ser trocada? E se as características de um componente forem alteradas?

I Inverta Alguma parte do processo, produto ou serviço poderia ser invertida, ou trabalhar em uma ordem diferente?

As perguntas típicas são: como posso alcançar o efeito oposto? E se a ordem for invertida? É possível inverter a posição de determinado componente?

Fonte: adaptador de Silverstein (2009)

Para exemplificar a aplicação da técnica, pode-se observar a figura 18, onde o

MESCRAI foi utilizado para uma trava de portas.

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Figura 18 – Exemplo de uso do MESCRAI para uma trava de portas

Fonte: Baxter (1998)

Diagrama Morfológico

De acordo com Cross (2000), a maior parte do trabalho de design consiste em

modificações dos produtos existentes, pois, na maioria dos casos, os clientes desejam

variações dos mesmos, ao invés de grandes inovações. Desse modo, fazer variações em

temas existentes consiste em uma grande fonte de criatividade. Um simples exemplo vem

do número de possíveis arranjos que podem ser conseguidos com formas quadradas,

montadas umas ao lado das outras:

Número de quadrados Número de possíveis arranjos

2 1

3 2

4 5

5 12

...

16 13.079.255

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 37-59

O diagrama morfológico explora essas possíveis combinações, e encoraja o projetista a

buscar novas combinações, explorando novos princípios. Ainda citando Cross (2000), a

Morfologia é a ciência de estudo da forma, assim a análise morfológica consiste em uma

análise sistemática da forma que uma máquina ou produto pode assumir, envolvendo assim

a arquitetura do mesmo.

O primeiro passo para montar o diagrama morfológico consiste no estabelecimento das

funções do produto, o que pode ser feito através do diagrama de funções, apresentado no

capítulo anterior. Se o produto for muito complexo pode-se montar listas separadas para as

subfunções. Como mostrado anteriormente a combinação de soluções varia de forma

exponencial com o número de componentes, desse modo é importante limitar cada

diagrama com um número de funções de 4 a 8, caso contrário o mesmo se torna não

gerenciável.

O segundo passo consiste em montar uma tabela, onde a coluna mais a esquerda

representa as funções (ou subfunções) do produto, e as colunas subsequentes,

posicionadas à direita consiste em possíveis componentes ou meios de se atingir essas

funções/subfunções. Essa tabela representa o diagrama morfológico em si. É importante

observar que não existe uma relação entre os elementos de cada coluna. A separação

através de linhas verticais é apenas uma conveniência, como se separa elementos em uma

lista. Não um número limitante para os elementos da coluna à direita. Pode haver três meios

de atingir uma função, quatro, cinco, ou mais. O limite consiste no conhecimento do grupo,

ou na tecnologia disponível no momento. Entretanto, também é importante limitar os meios

existentes pelo mesmo motivo citado anteriormente, não gerar um diagrama muito extenso e

pouco gerenciável. Uma forma recomendável de se listar “meios” (componentes) é através

de uma reunião com o grupo. Pode-se usar também de outras técnicas, como por exemplo,

o Brainstorming. A combinação de ferramentas de projeto é sempre recomendável com o

intuito de maixmizar os resultados.

O quadro 2 mostra um exemplo de diagrama morfológico para um ventilador. Existem 6

linhas, com 3 possibilidades na primeira, 2 na segunda, 2 na terceira, etc. Portanto o número

total de combinações para esse sistema é: . Um número bem

grande de possibilidades que podem ser exploradas pela equipe de projeto. Uma possível

alternativa é marcada em verde. Nesse ponto surge a questão: diante de tantas alternativas,

como escolher a melhor? O próximo capítulo apresenta algumas ferramentas utilizadas para

se fazer essa seleção.

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 38-59

Quadro 2 – Exemplo de um diagrama morfológico

Funções A B C

1. Circular o ar

Número de pás 3 4 2

Formato das pás Elípticas Elípticas

recortadas

2. Acionar o sistema Motor AC Motor DC

3. Proteger o sistema Grade fixa Grade removível Grade removível

giratória

4. Ajustar Velocidades

Interruptor Interruptor Deslizante

Push Button Seletor Giratório

Número de velocidades

2 3

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 39-59

5. SELECIONANDO ALTERNATIVAS

Uma vez estabelecidas as alternativas de projeto, através dos métodos criativos, o

Engenheiro se vê diante da tarefa de selecionar a melhor entre elas, ou até mesmo,

classificar as três melhores, de modo a se desenvolver diferentes protótipos. É importante

ter em mente que a quantidade de protótipos depende do custo dos mesmos e do tipo de

projeto. Para desenvolver um avião, por exemplo, não se podem fazer vários protótipos, pois

o custo seria inviável. O mesmo vale para uma peça pequena, tal como as utilizadas em

implantes ortopédicos, pois cada uma é única, conforme as dimensões do indivíduo onde

serão instaladas. Assim, fazer vários protótipos também seria inviável, pois aumentaria

muito o custo do implante. Tendo isso em vista, o objetivo desse capítulo é o de apresentar

um procedimento consistente para resolver essa questão.

Matriz de decisão

De acordo com Kaminski (2000), uma das formas de se obter sistematicamente a

melhor alternativa de projeto é através da matriz de decisão (exemplificada no quadro 3).

Nessa matriz as linhas correspondem aos critérios de projeto, e as colunas as alternativas

desenvolvidas.

Para construir a referida matriz é necessário inicialmente estabelecer pesos para cada

critério de projeto, os quais foram definidos na fase inicial do desenvolvimento. Esses pesos

também podem ser encontrados na função desdobramento da qualidade. Esses pesos

variam conforme o tipo de projeto. Por exemplo, em um vaso de pressão a segurança deve

ser priorizada em relação à utilização de componentes padrões. Para um telefone acontece

o contrário, ou seja, é necessário padronizar as peças para reduzir o custo de fabricação.

A próxima etapa consiste em dar notas para cada alternativa de projeto. Essas notas

podem ser atribuídas de forma intuitiva pelos membros da equipe. Entretanto, para alguns

produtos é necessário fazer isso de forma mais consistente, assim faz o uso de modelos, ou

até mesmo protótipos. Procura-se assim diminuir o risco, principalmente em produtos que

envolvem a segurança dos usuários.

A seleção de cada alternativa será feita através da nota obtida pela soma geral das

notas parciais, multiplicadas por cada peso.

É importante ressaltar que: a utilização de um número excessivo de atributos não

melhora necessariamente o resultado da análise. Isso porque pode haver uma correlação

entre os mesmos, provocando uma ponderação relativa inadequada. A utilização de

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 40-59

componentes padrões, juntamente com o custo de fabricação, é um exemplo clássico

destes fatores correlacionados.

Quadro 3 – Exemplo de Matriz de decisão para seleção da melhor alternativa

MATRIZ DE DECISÃO

ATRIBUTO Peso

Alternativa A Alternativa B Alternativa C Alternativa D Alternativa E

nota nota x peso

nota nota x peso

nota nota x peso

nota nota x peso

nota nota x peso

Segurança 0,12 5 0,60 9 1,08 5 0,60 8 0,96 6 0,72

Utilização de componentes padrões

0,08 3 0,24 10 0,80 6 0,48 10 0,80 8 0,64

Simplicidade, facilidade de manutenção

0,10 2 0,20 10 1,00 7 0,70 9 0,90 3 0,30

Durabilidade 0,10 4 0,40 8 0,80 7 0,70 8 0,80 2 0,20

Aceitação pública 0,18 9 1,62 6 1,08 8 1,44 9 1,62 6 1,08

Confiabilidade 0,20 6 1,20 7 1,40 6 1,20 7 1,40 4 0,8

Custo de fabricação 0,03 1 0,03 10 0,30 0,09 2 0,06 2 0,06

Investimento necessário

0,04 1 0,04 10 0,40 4 0,16 8 0,32 2 0,085

Desempenho 0,15 3 0,45 8 1,20 5 0,75 8 1,20 6 0,90

SOMA 1,00 4,78 8,06 6,12 8,06 4,78

Fonte: adaptado de Kaminski (2000)

Uso de Modelos

Conforme foi dito anteriormente, em casos onde a segurança e a integridade física do

ser humano estão envolvidas, é importante fazer análises mais detalhadas antes de pontuar

algum atributo de projeto. Para isso deve-se fazer o uso modelos, que podem ser

classificados em diferentes tipos, descritos a seguir.

Modelos Descritivos: Permitem o entendimento do sistema, como por exemplo, o

desenho em corte de um motor, ou de uma máquina, como mostra a figura 19.

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 41-59

Figura 19 – Modelo descritivo de uma máquina-ferramenta convencional

Modelos Estáticos / Dinâmicos: Relacionados com a grandeza dimensional de

“tempo”.

Modelos Determinísticos / Probabilísticos: Relacionados com modelos preditivos.

Uma grande aplicação destes modelos é nos sistemas de prevenção de falhas de

rolamentos, eixos ou outros elementos rotativos através do monitoramento de

vibrações.

Os modelos ainda podem ser classificados em:

Modelos Icônicos: consistem em esquemas, fluxogramas, diagramas, desenhos,

perspectivas, maquetes, protótipos obtidos através da prototipagem rápida. São

utilizados em todas as fases do projeto.

Modelos Analógicos: Protótipos em escala reduzida de Navios, Prédios, etc. São

utilizados para ensaios físicos.

Modelos Simbólicos: Relações matemáticas que descrevem as leis físicas ou

químicas que regem o funcionamento do produto.

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Ferramentas Computacionais

O trabalho de desenvolvimento de modelos atualmente foi facilitado pelo advento das

ferramentas computacionais. O uso dessas ferramentas evita a construção de protótipos

reais, ajudando assim a reduzir os custos no desenvolvimento de projetos. Entretanto, para

usar os softwares de maneira adequada, deve-se ter em mente o efeito “GIGO”, do inglês

Garbage In Garbage Out, ou seja, se entra lixo sai lixo. Assim é necessário que os

projetistas tenham uma base sólida nos fundamentos físicos e matemáticos. Desse modo

eles conseguem entender e analisar criticamente os resultados obtidos.

O desenvolvimento de modelos, de forma geral, conta com o auxílio de softwares que

podem ser classificados em três grandes grupos:

CAD: Computer Aided Design – Desenho Auxiliado por Computador;

CAE: Computer Aided Engineering – Projeto Auxiliado por Computador;

CAM: Computer Aided Manufacturing – Manufatura Auxiliada por Computador.

Como o próprio nome indica, cada uma destas classes de programas destinam-se a uma

etapa diferenciada no desenvolvimento do produto.

A união dos diversos recursos relacionados a automação industrial, e ao sistema de

informações forma o CIM: Computer Integrated Manufacturing, ou Sistema Integrado de

Manufatura (ver figura 20).

As siglas adicionais significam:

CAT – Computer Aided Testing – Teste Auxiliado por computador;

FMS – Flexible Manufacturing System – Sistemas Flexíveis de Manufatura;

MRP – Material Requeriment Planning – Planejamento das Requisições de

Material;

CNC – Computer Numeric Control – Controle Numérico Computadorizado.

Análises dos Modelos

Uma vez desenvolvidos os modelos pode-se fazer uma série de análises com os

mesmos. Com isso obtêm-se dados numéricos, importantes para a avaliação técnica do

produto.

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Figura 20 – Elementos constituintes do sistema integrado de manufatura

Análise de Sensibilidade

O sistema a ser estudado pode ser descrito como um conjunto de variáveis

denominadas de “Parâmetros de Projeto”. Estes podem ser dimensões críticas,

propriedades físicas e/ou químicas, estados do sistema, entre outros.

A análise de sensibilidade é feita através da descrição do sistema de forma simbólica

(equações matemáticas), variando os parâmetros de entrada e observando os parâmetros

de saída.

Nesta análise deve-se focar nos parâmetros que afetam criticamente o desempenho. A

simulação através de equações é mais conveniente do que a verificação experimental, pois

é mais econômica.

Os principais resultados provenientes da análise de sensibilidade, cujo algoritmo se

encontra na figura 21, são:

Conhecimento mais aprofundado do produto;

Indicação de adequabilidade das especificações adotadas;

Avaliação preliminar quantitativa do desempenho do produto.

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Figura 21 – Fluxograma para a análise de sensibilidade

Análise de Compatibilidade

Todo produto é composto por conjuntos, cada um reúne um subconjunto que se

compõe de vários elementos. Para haver um funcionamento harmonioso é preciso uma

interação harmoniosa entre os subconjuntos e também entre os elementos de cada

subconjunto. Existem diversos tipos de compatibilidade, listadas a seguir:

Compatibilidade Funcional: As saídas Yi do sub-sistema Ssi devem ser aceitas com

entradas Xj do sub-sistema SSj.

Compatibilidade dos Materiais: Os materiais a serem utilizados devem ser

compatíveis entre si, de modo a garantir um menor desgaste ou degradação dos

mesmos.

Compatibilidade Dimensional: Deve-se garantir que os diversos subsistemas possam

ser montados entre si, através da correta adequação das dimensões.

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 45-59

Análise de Estabilidade

Todo produto está sujeito a alterações em suas variáveis de entrada, devido ao meio

que o circunda. Estas alterações podem ser de ordem catastrófica, tais como:

um terremoto em um edifício;

turbulências na asa de um avião;

um grande buraco na pista afetando o sistema de suspensão do carro;

um grande aquecimento, entre outros.

O objetivo da análise de estabilidade é verificar se o sistema irá responder

adequadamente a essas variações acidentais, de modo a voltar ao seu equilíbrio original,

sem que haja danos irreparáveis. Na figura 22 pode-se observar o fluxograma da análise de

estabilidade, o objetivo é o de definir faixas de valores para os parâmetros de modo a

assegurar um sistema estável.

Figura 22 – Fluxograma da análise de estabilidade

Otimização

Consiste na escolha da melhor combinação de parâmetros para melhorar o

desempenho do produto. Como exemplo pode-se citar:

a. Maior resistência com menor peso Vigas “I”

b. Maior desempenho, menor consumo de combustível Cabeçote de

alumínio, rodas de liga leve.

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Atualmente os softwares de CAE vêm com rotinas de otimização incorporadas, com

o objetivo de tentar calcular a melhor combinação entre as variáveis de projeto. Este é um

assunto extenso, pois existem vários artigos publicados na área de otimização de sistemas

mecânicos, não é simples a “união de duas características conflitantes do projeto”.

Ensaios Experimentais

Agregam uma maior confiabilidade às analises feitas, a desvantagem é que demandam

maior tempo e maiores custos. Assim é essencial que os ensaios e testes sejam

cuidadosamente planejados.

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6. TEORIA DAS SOLUÇÕES INVENTIVAS

A Teoria para Resolução de Problemas Inventivos, ou TRIZ (um anacronismo russo), foi

criada, conforme Rajesh e Philip (2008) e também Demarque (2005), por Genrich Saulovich

Altshuller e seus colegas, na antiga União Soviética. Os estudos foram iniciaram por volta de

1946 e continuaram por 50 anos até a morte de Altshuller em 1998.

Segundo Demarque (2005), a TRIZ pode ser classificada como uma filosofia, pois seu

objetivo é o de encontrar a solução ideal para um determinado problema, considerando o

campo de conhecimentos atual, ou seja, a medida que esse avança, também se amplia a

capacidade da teoria. O conhecimento agregado nessa filosofia é extenso, além dos limites

propostos para essa apostila. Desse modo o objetivo desse capítulo é o de apresentar

alguns conceitos introdutórios. Mais informações devem ser buscadas nos autores aqui

citados.

Objetivos da TRIZ

A resolução de problemas técnicos permeia toda a ciência, e particularmente a

engenharia.

Na grande maioria dos casos, os problemas caem em contradições a serem resolvidas,

ou seja, a melhoria de uma variável piora outra variável: se aumenta a potência do motor,

aumenta o consumo, se aumenta a resistência mecânica, aumenta o peso. As invenções

têm como objetivo resolver esses conflitos, combinando sem perdas os fatores conflitantes.

Sendo assim elas serviram como ponto de partida para Altshuller. O que havia de comum

nas invenções? Seria possível extrair um padrão de pensamento, capaz de ser reproduzido

para alcançar novas soluções? Com esse pensamento, de acordo com Demarque (2005)

Altshuller e sua equipe pesquisaram duzentas mil patentes, e classificaram quarenta mil

como inventivas. Com isso, esses pesquisadores extraíram as bases da teoria, cujos

principais objetivos são, conforme Rajesh e Philip (2008):

Criar soluções potenciais de design.

Resolver contradições de projeto.

Aumentar as opções de projeto.

Ampliar o caminho tecnológico com vários princípios.

Superar a inércia psicológica.

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Demarque (2005) também cita outros objetivos importantes, visados pelos criadores da

TRIZ:

O método deveria propiciar o caminho para a solução ideal.

Consistir em um procedimento simples, passo a passo.

Ser facilmente reproduzível por qualquer um em qualquer lugar.

Livre acesso a base de dados tecnológica.

Ampliação gradual da base de dados tecnológica.

A TRIZ também busca o alcance da idealidade, que é definida como sendo a razão entre

todas as funções desejadas pelas funções indesejadas, como mostra a equação 1.

(1)

Conforme Demarque (2005), as funções desejadas representam as funções primárias e

secundárias do sistema, bem como as auxiliares que dão suporte para as outras duas. Já as

funções indesejadas podem expressar o custo do produto, o espaço ocupado, o ruído, a

energia consumida, os recursos necessários, os resíduos poluentes, entre outros.

Os sistemas de engenharia naturalmente evoluem para a idealidade, ou seja, estão cada

vez menores, mais baratos, consumindo menos energia, menos poluentes e assim por

diante. Ainda citando Demarque (2005), um exemplo se encontra nos petroleiros. No início a

relação peso-carga transportada era de (50%) para (50%). Atualmente essa relação está em

(2%) para (98%). Outro exemplo são as bicicletas que no passado pesavam em média 25 kg

e atualmente pesam 12 kg, agregando mais funções, maior resistência e maior conforto. Os

notebooks também podem ser citados, pois evoluíram para o ultrabook, mais leve, com

maior duração da bateria, processadores mais potentes. Um último exemplo são os

celulares. Esses tiveram o peso reduzido para aproximadamente 1/3 dos primeiros modelos,

e além disso agregando muito mais funções.

A definição de idealidade gera um conceito interessante, que é o do sistema ideal. Um

sistema é considerado ideal quando ele realiza suas funções sem mesmo existir. Pensando

bem, o mercado não busca o produto / sistema e sim as funções realizadas por eles.

Necessita-se do aquecedor, ou do calor gerado pelo mesmo? Necessita-se do aparelho de

telefone, ou da comunição a longa distância?

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O conceito de sistema ideal gera uma pergunta interessante: é possível alcançá-lo na

prática, ou trata-se de utopia? A Ideation International Inc (2004), citada por Demarque

(2005), traz um exemplo mostrando que a idealidade pode sim ser alcançada na prática.

O exemplo refere-se ao teste de ligas metálicas em ambientes ácidos. Antigamente as

ligas eram colocadas em um recipiente que continha o ácido (figura 23a). Entretanto o uso

de ácidos cada vez mais fortes estava danificando os recipientes com muita rapidez. A

solução ideal seria colocar o ácido em contato com o recipiente, sem necessitar desse

último, como exemplifica a figura 23b. Isso seria possível na prática? A resposta é sim, e

mostrada na figura 23c, onde a amostra se tornou o próprio recipiente, como mostra a figura

23c.

Figura 23 – Exemplificação da idealidade

Fonte: Demarque (2005)

Princípios da TRIZ

Conforme foi dito Altshuller e sua equipe consideraram inventivas as soluções que

resolviam ao menos uma contradição. Sendo assim eles classificaram as contradições em

dois grupos:

Contradições Técnicas: representam aquelas onde a melhoria de um parâmetro

piora outro parâmetro qualquer. Como exemplo pode ser citado o aumento da

potência do motor de um carro que aumenta o consumo de combustível do mesmo.

Também o aumento de resistência mecânica de uma estrutura é conseguido com o

aumento do peso da mesma.

Contradições Físicas: são aquelas onde um parâmetro deve assumir dois estados

diferentes ao mesmo tempo. Um licor para rechear um chocolate, por exemplo, deve

ser ao mesmo tempo quente, para permitir uma maior fluidez, e frio para não derreter

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o chocolate. A velocidade de acionamento do airbag deve ser ao mesmo tempo

rápida para proteger contra a colisão e lenta para não machucar o passageiro, ao

invés de protegê-lo. A ampola de um remédio deve ser ao mesmo tempo quente,

para permitir o seu fechamento com tampa e fria para não danificar o conteúdo.

Com o intuito de facilitar a busca de contradições e os princípios inventivos utilizados

para resolver as mesmas, Altshuller e sua equipe definiram 39 Parâmetros de Engenharia

(PEs), e classificaram 40 Princípios Inventivos (PIs). Os PEs e os PIs foram organizados em

uma tabela, denominada de matriz de contradições, exemplificada na figura 24. O

cruzamento de um parâmetro de engenharia que se deseja melhorar (colocados nas linhas),

com aquele deteriorado (colocados nas colunas), resulta nos Princípios Inventivos mais

utilizados para resolver essa determinada contradição.

Figura 24 – Esquema da Matriz de Contradições

As listas dos PEs, PIs, e a matriz de contradições podem ser encontradas nos anexos

da dissertação de mestrado de Eduardo Demarque, disponível em

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3149/tde-28102005-120800/pt-br.php (acesso

em 03 de maio de 2013). Esse conteúdo é muito extenso e por isso não foi inserido nessa

apostila.

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Os criadores da TRIZ também classificaram 76 soluções padrão, também disponíveis

na dissertação do Demarque. Com essas soluções é possível resolver um problema

inventivo usando o algoritmo mostrado na figura 25.

Figura 25 – Fluxograma para uso das soluções padrão

A TRIZ é composta por uma série de outras definições, técnicas, fluxogramas que

auxiliam nos objetivos propostos pela mesma. Recomenda-se a leitura das referências

bibliográficas para um maior aprofundamento no assunto.

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7. CICLO DE VIDA DO PRODUTO

Um conceito muito citado atualmente é o do Ciclo de Vida do Produto, ou, em inglês

Product Life Cycle (PLC). Esse conceito, oriundo do marketing, procura explicar com base

no cliclo de vida biológico o comportamento de um produto no mercado. Ele é muito

importante, pois define ciclos de inovações, ou seja, quando uma empresa deve lançar um

novo produto para se manter competitiva no mercado.

A figura 26 mostra a representação de como a vida de um produto se desenvolve. Após

o seu desenvolvimento ele é lançado no mercado. Nesse estágio o volume de vendas é

pequeno e o preço é alto.

Figura 26 – Ilustração do Ciclo de Vida de um Produto

Na próxima fase, a de crescimento o volume de vendas cresce e o preço cai. Isso

chama a atenção de possíveis concorrentes, os quais desenvolvem soluções similares para

tomar parte do mercado.

No estágio de maturidade a empresa tem um grande volume de vendas. Embora o

preço tenha caído um pouco, devido a forte pressão da concorrência e a introdução de

novas inovações. Se o projeto do produto foi bem feito, a empresa pode lucrar bastante

entre os estágios de crescimento e maturidade, recuperando assim parte do dinheiro

investido.

No declínio as margens reduzem bastante, devido à redução no volume de vendas, bem

como ao preço baixo. Nesse momento a empresa que se planejou bem já deve ter

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preparado um novo produto para ser lançado, iniciando assim um novo ciclo. O modelo

antigo é descontinuado, e os volumes de produção caem. A empresa deve decidir se

compensa para a mesma fabricar internamente peças de reposição para o modelo antigo,

ou se deixa a cargo de um fornecedor externo.

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Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 54-59

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Edição. John Wiley & Sons, 2000.

DEMARQUE, EDUARDO. TRIZ – Teoria para a Resolução de Problemas Inventivos

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Mestrado, Universidade de São Paulo, 2005. Disponível em

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3149/tde-28102005-120800/pt-br.php, acesso

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Structures - Applications in Robots, Machine Tools, and Automobiles. Editora Oxford

University Press, 2006.

Page 56: Projeto_Produto_2013

Projeto de Produto – Marcelo Eurípedes da Silva – Página 56-59

APÊNDICE 1 - TRABALHO

Tema

Projetar um robô movimentar uma carga máxima de 400g de um ponto a outro. A

estrutura do robô deve ser a mais leve e de menor custo possível.

Critérios de Avaliação

o Protótipos: reais* ou virtuais.

o Apresentação: modelos icônicos, descritivos, preditivos, estáticos, dinâmicos,

analógicos ou simbólicos.

o Critérios de Projeto: conformidade com os critérios de projeto.

o Documentação técnica: qualidade das informações, desenhos, análises feitas, atas

de reuniões, aplicação das ferramentas de projeto, lições aprendidas, etc.

* Os grupos não irão perder pontos por não apresentar protótipos reais.

Desafio

Os grupos que apresentarem protótipos reais irão concorrer a um prêmio. O primeiro

colocado irá ficar com nota 10 na disciplina (independente da nota das provas) e mais um

brinde. O segundo colocado irá ficar nota 10 na disciplina (independente da nota das

provas).

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APÊNDICE 2 – Algumas sugestões para o trabalho

Nessa seção são apresentadas algumas sugestões para usar as ferramentas de projeto no

trabalho proposto.

Árvore de Objetivos

Figura 27 – Árvore de Objetivos para o robô (sugestão)

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Nota: A árvore de objetivos também pode ser desenhada na horizontal, quando for

conveniente.

Para montar a árvore de objetivos, é importante inicialmente buscar uma definição para

Robô. Uma definição interessante é trazida pelo dicionário Oxford, citado por Lee e Suh

(2006): “Um robô é um manipulador multifuncional reprogramável, projetado para mover

materiais, peças, ferramentas, ou dispositivos especiais, através de movimentos variados, e

programados para desempenhar várias tarefas”.

Diagramas de funções

Para o diagrama de funções, primeiramente faz-se o diagrama de blocos geral,

mostrado na figura 28. Depois existem diversas opções, mostradas nas figuras 29, 30 e 31.

Usando de abstração o aluno conseguirá enxergar que as diferentes formas de se montar o

diagrama de funções podem levar a diferentes configurações de robô.

Figura 28 – Diagrama geral de funções do robô

Figura 29 – Diagrama de funções do robô – opção 1

Figura 30 – Diagrama de funções do robô – opção 2

Figura 31 – Diagrama de funções do robô – opção 3

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Função Desdobramento da Qualidade (QFD)

Finalmente uma sugestão para a QFD é mostrada na figura 32. Esse é a QFD mais

geral, dentre várias que podem ser feitas para abstrair números para resolver o problema.

Figura 32 – Sugestão para a QFD referente ao projeto do robô