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1 Departamento de Geografia e Meio Ambiente Projeto “Porto Maravilha” e a transformação espacial da Zona Portuária do Rio de Janeiro Aluna: Mayara Rangel Silva Orientador: Alvaro Ferreira Introdução A chamada Zona Portuária é composta pelos bairros principais da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Sua localização foi estratégica durante o desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro e por isso é uma área de suma importância. Tamanha importância pode ser percebida nos seus aspectos econômico, político e aspecto cultural, já que a cidade – até o início do século XVIII – se restringia basicamente a essa região central. A cidade restringia-se basicamente à região do atual centro da cidade até o início do século XVIII, compreendida entre os morros do Castelo, São Bento, Santo Antônio e Conceição. A região era inicialmente procurada apenas por pescadores, que dividiam com algumas chácaras, o paradisíaco cenário, que seria profundamente modificado e mutilado no século XVIII quando a região, conhecida hoje como Zona Portuária, sendo uma das primeiras áreas de expansão urbana da cidade, assumiu com o tempo uma importância cada vez maior (AMADOR, 1992). Toda a zona central do Rio de Janeiro, do Cais do Porto à atual Av. Beira-Mar e da Praça Tiradentes, está assentada sobre uma área de alagadiço aterrado. Este ambiente adverso ao urbanismo exigiu constantes aterros e enchimentos de pântanos, lagoas e até supressão de diversas ilhas, mangues e praias (COELHO, 2007). A presença das enseadas (antes de serem realizados diversos aterros que suprimiram as praias e alinharam o litoral) gozavam de bons ancoradouros onde diversos trapiches se estabeleceram no decorrer do século XVIII. Isso, somado à existência de encostas não tão íngremes como em outras partes da cidade, favoreceram o desenvolvimento urbano da Zona Portuária. Nesse período, os armazéns de escravos foram transferidos para o Valongo, que corresponde à atual Rua Camerino, e diversos trapiches foram implantados na Saúde. O traçado atual das ruas dessa zona lembra, a cada momento, seu traçado primitivo. Não somente no tipo de arruamento, essa zona guarda lembrança de seus primeiros tempos. Algumas construções daquela época são ainda encontradas, mas é, sobretudo nas numerosas ladeiras que ziguezagueiam nos morros que ainda estão ali, a exemplo do Morro da Conceição e parte do Morro de São Bento, que a paisagem do Rio de Janeiro colonial pode mais facilmente ser reconhecida (BERNARDES, 1992). Seu valor histórico é inestimável. A mão-de-obra escrava e operária ocupou o local desde trapiches do sal; lá se instalou o mercado de escravos que se localizava na Rua do Valongo, atual Camerino; lá foram louvados os deuses africanos na Pedra do Sal; lá viveu e trabalhou um grande contingente de escravos e libertos; lá estão as raízes da música popular brasileira (PECHMAN, 1987). As intervenções que ali ocorreram no decorrer do processo de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro foram decorrentes de ações pontuais. Ao longo da história, a zona portuária não se transforma do mesmo modo que o restante da cidade, ou seja,

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Departamento de Geografia e Meio Ambiente

Projeto “Porto Maravilha” e a transformação espacial da Zona

Portuária do Rio de Janeiro

Aluna: Mayara Rangel Silva

Orientador: Alvaro Ferreira

Introdução

A chamada Zona Portuária é composta pelos bairros principais da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Sua localização foi estratégica durante o desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro e por isso é uma área de suma importância. Tamanha importância pode ser percebida nos seus aspectos econômico, político e aspecto cultural, já que a cidade – até o início do século XVIII – se restringia basicamente a essa região central.

A cidade restringia-se basicamente à região do atual centro da cidade até o início do século XVIII, compreendida entre os morros do Castelo, São Bento, Santo Antônio e Conceição. A região era inicialmente procurada apenas por pescadores, que dividiam com algumas chácaras, o paradisíaco cenário, que seria profundamente modificado e mutilado no século XVIII quando a região, conhecida hoje como Zona Portuária, sendo uma das primeiras áreas de expansão urbana da cidade, assumiu com o tempo uma importância cada vez maior (AMADOR, 1992).

Toda a zona central do Rio de Janeiro, do Cais do Porto à atual Av. Beira-Mar e da Praça Tiradentes, está assentada sobre uma área de alagadiço aterrado. Este ambiente adverso ao urbanismo exigiu constantes aterros e enchimentos de pântanos, lagoas e até supressão de diversas ilhas, mangues e praias (COELHO, 2007).

A presença das enseadas (antes de serem realizados diversos aterros que suprimiram as praias e alinharam o litoral) gozavam de bons ancoradouros onde diversos trapiches se estabeleceram no decorrer do século XVIII. Isso, somado à existência de encostas não tão íngremes como em outras partes da cidade, favoreceram o desenvolvimento urbano da Zona Portuária. Nesse período, os armazéns de escravos foram transferidos para o Valongo, que corresponde à atual Rua Camerino, e diversos trapiches foram implantados na Saúde.

O traçado atual das ruas dessa zona lembra, a cada momento, seu traçado primitivo. Não somente no tipo de arruamento, essa zona guarda lembrança de seus primeiros tempos. Algumas construções daquela época são ainda encontradas, mas é, sobretudo nas numerosas ladeiras que ziguezagueiam nos morros que ainda estão ali, a exemplo do Morro da Conceição e parte do Morro de São Bento, que a paisagem do Rio de Janeiro colonial pode mais facilmente ser reconhecida (BERNARDES, 1992).

Seu valor histórico é inestimável. A mão-de-obra escrava e operária ocupou o local desde trapiches do sal; lá se instalou o mercado de escravos que se localizava na Rua do Valongo, atual Camerino; lá foram louvados os deuses africanos na Pedra do Sal; lá viveu e trabalhou um grande contingente de escravos e libertos; lá estão as raízes da música popular brasileira (PECHMAN, 1987).

As intervenções que ali ocorreram no decorrer do processo de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro foram decorrentes de ações pontuais. Ao longo da história, a zona portuária não se transforma do mesmo modo que o restante da cidade, ou seja,

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através do processo ininterrupto de construção, demolição e reconstrução. Lá, não se derrubam casas para levantar arranha-céus. Ao contrário, uma vez estabelecidas, aquelas formas se cristalizam, preservando através da sua imagem o passado da cidade.

Com isso, os bairros portuários ficaram, de certa maneira, à margem da cidade, no tempo e no espaço. No tempo porque enquanto a cidade se modernizava através da verticalização da área central e de bairros, como Copacabana, na Saúde, na Gamboa e em Santo Cristo as formas se cristalizavam, as atividades permaneciam, as tradições se perpetuavam. Marginalizados também no espaço pela sua própria conformação geográfica, à margem até do porto, uma vez que o grande aterro afastou definitivamente os antigos bairros marítimos do mar e as áreas aterradas nunca chegaram a se integrar realmente com as áreas antigas (DELGADO, MARTINS, 2003).

Em decorrência dessa importância histórica, no início dos anos de 1980, foi implementado o Projeto SAGAS - cujo nome é formado pelas iniciais dos três bairros - Santo Cristo, Gamboa e Saúde - impondo para essa área regras imobiliárias diferenciadas. Tal projeto propôs nova legislação que preserva o uso residencial e o patrimônio arquitetônico e cultural da área. Em consequência desse projeto, foi assinado um decreto, em 1985, considerando grande parte dos bairros de interesse para fins de proteção ambiental. No ano seguinte, outro decreto tombou definitivamente 23 edificações e nove pinturas de bares.

Está claro que, nesses bairros, as ruas, as casas, o espaço urbano e o arquitetônico preservam não só as suas formas, mas a vida que se passa dentro delas. Não são casas vazias, mas cheias de vida e integradas. Saúde, Gamboa e Santo Cristo são, pelas suas próprias características, os mantenedores de tradições e de modos de vida que já foram tipicamente cariocas.

Apesar de ser a primeira centralidade da cidade e local, onde ainda hoje, encontra-se o Porto do Rio de Janeiro, o quarto maior do Brasil, na área portuária o processo de degradação permanece. Esse processo se tornou ainda mais intenso na década de 1960, quando, à semelhança das zonas portuárias de outras diversas cidades, iniciou-se um processo de obsolescência de parte de suas áreas e estruturas, em decorrência de mudanças tecnológicas no carregamento, transporte e armazenamento dos produtos (contêineres), embarque e etc. Essas mudanças transformaram também o mercado de trabalho nas áreas portuárias com a diminuição do número de empregados nos portos.

Esses fatores, somados ao abandono por parte do poder público, contribuíram com a obsolescência da área do porto e com o esvaziamento dos bairros vizinhos tanto em suas atividades econômicas relacionadas ao apoio portuário, quanto à infra-estrutura urbana e ao número de moradores na região.

Hoje esses bairros apresentam uma grande atividade comercial e ainda abrigam uma população significativa, em geral de baixa renda. Nesses bairros, estão localizadas ainda pelo menos quatro ocupações por grupos dos chamados sem teto, como por exemplo, as Ocupações Machado de Assis e Zumbi, que trazem novas questões ao debate, sem dúvida político, de como se deve intervir na área.

A denominada revitalização dessa área, que hoje vem atraindo muitos olhares, não é uma novidade e já vem sendo proposta por governos anteriores, porém nunca houve uma situação que permitisse a concretização desse projeto tão grandioso.

No entanto, neste momento, está configurada uma situação política no Rio de Janeiro que abriu novas possibilidades para que o projeto saísse do papel, já que há uma aliança inédita entre os governos Federal, Estadual e Municipal. Com isso, cada ente federativo está comprometido dentro de suas competências a concorrer para a realização do projeto de revitalização, o que tornou o projeto mais real e possível do que os

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projetos anteriores, tanto financeiramente - tendo em vista que parte do projeto está incluído nos orçamentos do PAC, programa federal para acelerar o crescimento econômico - quanto politicamente.

Outro fato que, acreditamos, tenha contribuído para que o projeto saísse do papel foi a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil e a escolha da cidade do Rio de Janeiro para ser sede das Olimpíadas de 2016. Isso porque, assim como ocorreu em Barcelona nas Olimpíadas de 1992, o projeto de candidatura carioca, que tem promovido a cidade diante do Comitê Olímpico, está vinculado à realização da revitalização da zona portuária e a outras obras a ela vinculadas1.

Nesse sentido, o prefeito Eduardo Paes apresentou ao Comitê Olímpico Internacional (COI), um projeto denominado “Porto Olímpico” através do qual propôs a transferência, da Barra da Tijuca para a Zona Portuária, de grande parte das instalações esportivas e de apoio aos jogos. No entanto, os integrantes do COI negaram o pedido de transferência de parte das atividades esportivas pra Zona Portuária que ficará somente com a parte de logística dos jogos, entre elas a chamada vila de mídia.

Ou seja, pela primeira vez esse projeto foi apresentado como uma realidade, configurando-se um compromisso político e econômico, representando a grande reforma urbana projetada para os próximos anos na cidade do Rio de Janeiro.

No que se refere ao projeto de Revitalização da Zona Portuária, que abrange três bairros completos – Saúde, Santo Cristo e Gamboa – e setores de três outros bairros – Centro, São Cristovão e Cidade Nova - temos que, dentre as ações já anunciadas e/ou efetivadas pela prefeitura podemos citar a derrubada de uma parte do Elevado da Perimetral (entre o Mosteiro de São Bento e a Rodoviária Novo Rio) e a mudança do ponto de atracação dos navios de turismo com a construção de quatro diques que vão ampliar grandemente a capacidade de recepção de grandes navios de passageiros. Além dessas ações mais ostensivas, outras muitas mudanças e muitos investimentos (públicos e privados) foram previstos para a área, dentre eles: a grande mudança no tráfego priorizando automóveis, o que consequentemente acarretará em mudança na circulação de pessoas, e também a futura implantação dos VLTs (Veículos Leves Sobre Trilhos).

Tais ações seriam necessárias para uma segunda etapa do projeto denominado de Porto Maravilha que ocorre sob administração da Operação Urbana Consorciada do Porto do Rio, instrumento previsto pelo Estatuto Urbano, criada pela LC n° 101 (lei n. 10.257/01). Assim sendo, a segunda fase do projeto é custeada por investimentos oriundos dessa Operação Consorciada, sendo formada a partir da economia de capital misto com recursos públicos e privados.

Os recursos públicos, segundo a prefeitura, são provenientes da venda no mercado financeiro de “Certificados de Potencial Adicional de Construção” (CEPACs), que são títulos que dão aos empreendedores direitos construtivos acima dos parâmetros de gabarito previstos em lei (coeficiente de aproveitamento básico), atingindo então o coeficiente de aproveitamento máximo - para terrenos loteados. Com isso, a prefeitura pretende angariar os recursos necessários a instalação de toda infraestrutura que permitiria a constituição de um grande pólo turístico, comercial e residencial.

Para tanto, a prefeitura promoveu, por meio de lei já aprovada e sancionada, a mudança de todo o gabarito imobiliário da região, através da qual autorizou a construção por parte da iniciativa privada de espigões de até 50 andares na região,

1 Nesse sentido Fernanda Sanchez, em seu texto “A (in)sustentabilidade das cidade vitrine criou uma imagem realmente ilustrativa : “ De fato, os governos municipais estão cada vez mais preocupados em transformar a cidade em imagem publicitária e, com tal objetivo seus governantes assemelham-se à figura do caixeiro viajante,abrindo catálogo de venda de seu produto-cidade.

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incluindo trechos dos bairros de São Cristóvão, Cidade Nova, Saúde Gamboa, Caju e Santo Cristo.

Assim sendo, um dos principais meios de viabilizar esse tal projeto foi a Lei Complementar n° 101 de 23 de novembro de 2009. Essa lei, que teve como autor o próprio Poder Executivo, além de modificar a última versão do Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro, autoriza o Poder Executivo a instituir a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio determinando os instrumentos legais necessários à implementação das ações previstas nessa lei.

A OUC do Porto do Rio é, segundo o art. 233-A da Lei Complementar nº16/1992 (criado pela já citada LC n° 101/09), “o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”. Em outras palavras, a OUC que consiste num conjunto de intervenções coordenadas pelo Município e demais entidades da Administração Pública Municipal em parceria com outros atores configurando a atuação mediante parcerias público-privada.

Entre os instrumentos legais que surgem com a aprovação da LC n°101, em seu art. 3° temos a criação e delimitação da Área de especial interesse urbanístico da Região do Porto do Rio onde se concentrarão as ações da Operação Urbana Consorciada. O zoneamento da AEIU está detalhado no Mapa da Área de Especial Interesse Urbanístico2 que foi anexado a seguir. Já os parâmetros de uso e ocupação do solo aplicáveis à área de abrangência, que representa o “filet mignon” da zona portuária, estão contidos no Plano de ocupação da OUC que por sua vez está descrito no Capítulo III da referida lei. A Operação Urbana Consorciada tem por finalidade promover a reestruturação urbana da AEIU, por meio da ampliação, articulação e requalificação dos espaços livres de uso público da região do Porto sendo as principais intervenções também estão previstas no anexo II da LC em questão.

Entre essas ações podemos citar a título de exemplo: 1. Reurbanização de vias existentes, implantação de novas vias e trechos de

ciclovia, considerando pavimentação, drenagem, sinalização viária, iluminação pública e paisagismo, arborização de calçadas e construção de canteiros, contendo uma extensão aproximada de quarenta quilômetros de logradouro e com uma área aproximada de novecentos mil metros quadrados.

2. Demolição do Elevado da Perimetral, com a remoção da estrutura existente no trecho compreendido entre o prédio do Arsenal da Marinha e a Avenida Francisco Bicalho, com extensão aproximada de quatro mil metros.

3. Construção de túnel em substituição ao Elevado da Perimetral partindo das proximidades do prédio do Arsenal da Marinha, passando sob a Praça Mauá e Av. Rodrigues Alves, até a altura do Armazém cinco.

4. Implantação de mobiliário urbano, tais como abrigos para pontos de ônibus, lixeiras, totens informativos, painéis informativos, cabines de acesso à internet, bancos de praças, relógios de rua, bancas de jornal, quiosques de praia, quiosques de venda de flores, cabines para banheiros públicos e bicicletários em uma área aproximada de cinco quilômetros quadrados.

2 Fonte: Mapa elaborado pela autora a partir do programa de Geoprocessamento – ArcGis – com base no Anexo I-A da Lei Complementar n°101/09

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Objetivos

O espaço geográfico, locus da reprodução das relações sociais de produção,

segundo o geógrafo Milton Santos (1985), deve ser analisado através do uso associado das categorias estrutura, processo função e forma. Com isso temos que a estrutura, matriz social onde, no decorrer do processo, as formas e funções são criadas e justificadas, não se desenvolve de forma sincronizada no tempo e no espaço. Logo, se torna inevitável o surgimento de contradições e da ação de diferentes atores sociais que acumuladas originam um processo de transformação na formação social.

Nesse sentido, temos que as relações sociais não prescindem do espaço para ocorrerem e dialeticamente constroem espacialidades. Assim, considerando o espaço vivido e sendo a espacialidade socialmente construída, não é possível ignorarmos as

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diversas lutas simbólicas travadas no espaço urbano, em que está em questão a própria representação de mundo e, mais especificamente, da metrópole.

As áreas metropolitanas brasileiras são, na atualidade, uma das expressões espaciais mais acabadas de nossa formação social refletindo a coerência e as contradições dos sistemas econômico, institucional e ideológico prevalecentes no país (ABREU, 1987). Com a metropolização do espaço não só as práticas espaciais, mas também as identidades dos lugares ficam sujeitas aos códigos metropolitanos. Acreditamos que esse processo guarda ligação com o discurso da associação entre modernização, progresso e desenvolvimento. No entanto, essa tendência de homogeneização, que submete o espaço à lógica do mercado mundial, transformando-o em objeto de troca (mercadoria), não se realiza sem tensões e sem conflitos.

Os lugares são o mundo que eles reproduzem de modo específico individual e diverso. Eles são singularidades, mas também são globais, manifestações da totalidade-mundo, da qual são formas particulares (SANTOS, 2006). Nesse sentido, é possível, conforme nos mostra Massey (2000), pensar em um sentido global do lugar.

Na atual fase do capitalismo, cada vez mais os lugares estão sujeitos à necessidade de criação de novos espaços que atendam às exigências de acumulação que muitas vezes é motivada por lógicas e estratégias em escala mundial. Com a instalação de capitais globalizados, impõe-se sobre o território a adaptação às suas necessidades de fluidez, através de investimentos pesados que acabam por alterar a geografia das áreas escolhidas. Ou seja, a fim de potencializar a eficiência econômica, são introduzidas novas formas modernas de dominação através de técnicas de manipulação cultural.

O city marketing nesse processo vem se apresentando como o principal instrumento de política urbana através do qual se produzem discursos e imagens de uma alternativa para situações de crise vinculados a promessas de manejo de altas tecnologias e da informação (SANCHEZ, 1999).

Tendo tal processo em vista, temos como exemplo e base para esse estudo o chamado Projeto de Revitalização do Porto do Rio, que, como pretendemos demonstrar, está fielmente incluído na reprodução dessa lógica que vem se impondo sobre os espaços. Tal projeto vem sendo idealizado à semelhança de modelos de planejamento urbano implementados em zonas portuárias de outras cidades do mundo como, por exemplo, Barcelona, Portugal e Buenos Aires, o chamado planejamento estratégico que funciona por si como tática internacionalizante.

Tal modelo vem sendo, nas últimas décadas sendo difundido no Brasil e na América Latina pela ação combinada de diferentes agências multilaterais e de consultores internacionais, sobretudo catalães que vêem trabalhando em conjunto com a Prefeitura do Rio de Janeiro (VAINER, 1999). As garantias apresentada pelos difusores do planejamento estratégico estão sempre ligadas à experiência vitoriosa de Barcelona.

No texto “Pátria, Empresa e Mercadoria” (1999) Carlos Vainer busca analisar alguns dos principais porta-vozes, ficando clara a emergência da problemática da competitividade urbana. Para o autor “este projeto de cidade implica a direta e imediata apropriação da cidade por interesses empresariais e globalizados e depende, em grande medida do banimento da política e da eliminação do conflito e de condições do exercício da cidadania” (1999, p. 78).

Se o processo globalização, como veremos, por um lado ocasiona a multiplicação das visões fragmentadas do mundo, por outro, de acordo com os interesses dos atores hegemônicos, origina a necessidade de criação de um discurso unificado em escala global que está intrinsecamente ligado à realidade técnica atual, sendo também por ela sustentado.

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Tal processo tem implicações ainda mais perversas se levarmos em consideração que hoje a técnica, que ganha força pela sensação de que tudo dela depende, é sem dúvida mais aceita do que compreendida (SANTOS, 2006). Esse pensamento que se propõe único e universal trata-se de um discurso ideológico que, em sua vertente urbana, configura políticas de promoção e legitimação de certos projetos de cidade com base na figura da cidade-modelo.

Assim sendo, podemos apresentar como um objetivo de ordem geral a intenção de melhor compreender o processo de Metropolização da cidade do Rio de Janeiro e como que em prol do chamado desenvolvimento muitas práticas se legitimam, colocando em questão toda a história, tradição e objetivos de grande parte da população da cidade que continua à margem dos benefícios trazidos pela desejada modernidade. Essa relação se torna ainda mais contraditória, tendo em vista que o lugar da reprodução das relações de produção é também o cotidiano do trabalho e do lazer, que se encontra extremamente ligado ao consumo; ou seja, os tempos livres são cada vez mais comercializados e os hábitos da cidade estão cada vez mais modificados.

O espaço torna-se cada vez mais o meio de reprodução das relações sociais; sendo hierarquizado, objeto de investimentos públicos e privados, reserva de valor ou mesmo deixado ao acaso e abandonado, nesse caso passando de uma situação à outra. Talvez a grande batalha deva centrar-se na necessidade de romper com a ocultação e buscar desvelar essa dominação do espaço.

Além disso, diante da constatação de que três dos bairros que estão incluídos nos projetos apresentados (Gamboa, Saúde e Cidade Nova) juntos apresentam pelo menos 30 mil habitantes, segundo estatísticas apresentadas pelo IPP no ano 2000, o objetivo desse trabalho tem sido tentar inferir em qual medida esses moradores estão tendo a oportunidade da participar tanto da elaboração quanto da execução desse projeto que sem dúvidas afetará diretamente seus modos de vida. Tal análise será realizada tendo em vista que a participação popular não se apresenta como uma opção para a administração publica já que a chamada “Gestão Democrática da Cidade” é reconhecida pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal n° 10.257) como um dos princípios fundamentais da gestão urbana.

Diante disso, em um primeiro momento buscou-se analisar os movimentos sociais no contexto de metropolização da cidade do Rio de Janeiro com um enfoque multidimensional, que permita a análise de diversos aspectos e formas de expressão de ações coletivas. Além disso, é necessário que tal análise seja feita de forma multiescalar, de maneira que se possa perceber a interação do global com o local e suas resultantes. É importante considerar, segundo Lefebvre (1972, p. 30), o nível inferior – o da aldeia, do bairro – e o nível macro – o do urbano –, e entre ambos no ponto de ataque está a população.

Assim, o processo analisado não se limita à cidade do Rio de Janeiro já que diversos governos locais vêm investindo expressivos recursos em projetos de revitalização de áreas. A arquiteta Fernanda Sanchez (1999, p. 162), nesse sentido, afirma que

“a revitalização e a renovação urbanas, quando tornadas espetáculo da cidade que se apresenta em sintonia com os impulsos globais, constroem a referência simbólica de uma possível convivência e complementaridade entre a cidade competitiva e a cidade sustentável. (...) A própria noção de revitalização é a representação carregada de valor: acaso sugere que no espaço “revitalizado” não haveria antes nenhum tipo de vida social, recriada agora mediante gesto do planejador?”

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Com isso busca-se a análise crítica de um procedimento corrente e desastroso, do qual Lefebvre (1972) já nos chamava atenção: implementam-se as necessidades, as funções, os lugares, os objetos sociais, num espaço supostamente neutro, indiferente, objetivo e depois disso se estabelecem os vínculos.

Projetos como esse podem desencadear os denominados processos de gentrificação, através dos quais se promove práticas de reapropriação de espaços pelo mercado através de operações urbanas que lhe conferem novo valor econômico e simbólico, geralmente orientando-os para o consumo residencial ou de serviços das camadas médias (SANCHEZ, 1999).

Em seguida, nosso objetivo maior é analisar as mudanças que tais projetos poderão trazer para essa população, assim como para pequenos empresários que ali têm seu negócio comercial ou ainda para grupos sociais ou culturais que ali atuam tendo em vista que a problemática do espaço vivido se apresenta como um aspecto essencial de um conhecimento da realidade urbana.

Em outras palavras nosso objetivo é entender a produção e concepção deste espaço em contraposição com o que este espaço representa na perspectiva do espaço vivido.

A tendência é que se produza uma verdadeira esquizofrenia, já que os lugares escolhidos acolhem e beneficiam os atores da racionalidade dominante, mas também permitem a emergência de outras formas de vida. Porém, as ações no território e no lugar têm um papel ativo na formação da consciência, que surge a partir de contra-racionalidades, as quais do ponto de vista da racionalidade dominante são chamadas de irracionalidades (SANTOS, 2006, p. 114).

Isso porque, as imagens esplendorosas representadas nas simulações das obras (Figuras 3 e 4)3, que segundo o discurso indicam o renascimento de uma área, possivelmente não correspondem ao sentimento de espoliação por parte dos cidadãos, que veem na empreitada da revitalização uma séria ameaça à sua forma de vida social e à sua identidade urbana4. Foi possível essa forma de abordagem devido à observação de experiências anteriores, tidas como bem sucedidas, em que tais processos em geral produzem novas seletividades e afastamentos sociais.

Acreditamos na importância dessas ações já que a instauração de um pensamento único, que é reforçado na avaliação de cada projeto de modernização urbana feita com base em conjunto de parâmetros arbitrários, dificulta a formação de um pensamento crítico. No entanto, está claro que a análise crítica nos permite refletir acerca do papel das imagens hegemônicas, tendo o desafio de romper com a aparente unanimidade e propondo então novas leituras e interpretações.

Corroboramos com Santos (2006, p 158), ao apontar que o principal papel dos intelectuais, nesse novo momento, seria:

“muito mais do que promover um simples combate às formas de ser da nação ativa – tarefa importante, mas insuficiente, nas atuais circunstâncias -, devendo empenhar-se por mostrar analiticamente, dentro do todo nacional a vida sistêmica da “nação passiva” (na verdade é ativa) e suas manifestações de resistência a uma conquista indiscriminada do espaço social pela chamada nação ativa (na verdade passiva) “5.

3 Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/ipp/ 4 Além de Sanchez (1999) essa discussão também é trazida pelo projeto “Made in Barcelona”, um projeto integrado por pesquisadores do Departamento de Geografia da Universidad Autônoma de Barcelona juntamente com ativistas sociais, que vêm desenvolvendo trabalhos em bairros atingidos pelas grandes operações urbanísticas e ambientais que antecedem o “Fórum das Culturas – Barcelona 2004”. 5 Tomemos o caso do Brasil. É mais que uma metáfora pensar que uma das formas de abordagem da questão seria considerar, dentro da nação, a existência, na realidade de duas nações. Uma nação passiva e

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Diante disso, vários questionamentos foram feitos no sentido de aferir a que medida esse projeto vem sido concebido com a participação popular e se vem incluindo de fato as demandas e necessidades da população que ali vive; e principalmente se a forma como tal espaço está sendo representado e pensado pelos gestores do projeto apresenta relação com os anseios dessa população.

Para tanto, temos que analisar de que forma esse canal entre sociedade civil e poder público se constitui e se há de fato abertura por parte do poder público para receber tais demandas. Por outro lado, como foi dito, um dos objetivos fundamentais dessa pesquisa consiste em observar as formas de mobilização por parte dos moradores e grupos que ali atuam e em que medida essas mobilizações se deram pela iminência do início da Revitalização da Região. Figura 3: Representação do projeto Figura 4: Representação do Projeto para a para Praça Mauá Rua Barão de Tefé.

Tendo isso em vista num sentido mais geral se pretendeu discutir a Zona Portuária do Rio de Janeiro no contexto do processo de metropolização da cidade e as transformações que esse espaço vem sofrendo e irá sofrer nos próximos anos – assim como os efeitos desse processo que está em curso. Tais objetivos se justificam na medida em que as imagens esplendorosas nas simulações das obras previstas pelo projeto “Porto Maravilha, possivelmente, não correspondem, conforme citado anteriormente, ao sentimento de espoliação por parte dos cidadãos.

uma nação ativa. Do fato de serem as contabilidades nacionais globalizadas - e globalizantes-, a grande ironia é que se passa a considerar como nação ativa aquela que obedece cegamente os desígnios globalitários, enquanto o resto acaba por constituir desse ponto de vista a nação passiva. Serão mesmo adequadas essas expressões? Ou aquilo a que desse modo, se está chamando de nação ativa seria, na realidade, a nação passiva, enquanto a nação chamada passiva seria, de fato, a nação ativa? (SANTOS, 2006, p 156)

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Metodologia e Procedimentos Acreditamos que pensar as cidades e o urbano a partir do debate marxista,

obviamente não de forma dogmática, e de sua associação com o reconhecimento dos interesses de classe ainda contribui bastante para desvelar a realidade. O pensamento dialético parte da compreensão dos processos, dos fluxos e das inter-relações, por isso somente é possível entender os atributos (qualitativos ou quantitativos) daquilo que se almeja estudar através da compreensão dos processos e relações que aquilo venha a internalizar.

Portanto, é preciso esclarecer que trabalhamos, no que concerne ao método, a partir daquilo que denominamos materialismo histórico dialético. Procuramos valorizar a associação histórico-geográfico, que tem como objetivo explicitar a necessidade de tomar parte na dialética o espaço e o tempo. Estaremos buscando as tensões, os conflitos; os momentos em que se encontram homogeneização e fragmentação, aproximações e afastamentos, ordem e desordem, acomodação e inquietação, conformação e inconformismos, imobilismos e (re)ação (FERREIRA, 2007, 2011).

Nessa linha, Henri Lefebvre, outro autor referencial nesta pesquisa, em seu livro intitulado “Espaço e Política”, busca elaborar uma teoria sobre a problemática do espaço tendo como base o processo de reprodução das relações sociais de produção; enfoque que o diferencia das demais ciências que pensam o espaço. Segundo ele, nos designados centros a reprodução desse processo se realiza em cada atividade social inclusive naquelas que parecem mais indiferentes, como os lazeres, a vida cotidiana, o habitar e o habitat, o uso do espaço.

Falando da problemática do espaço Henry Lefebvre (1972) mostra a necessidade de abordagem de questões particulares como, por exemplo, a da profissão. Isso porque a problemática do espaço rejeita a separação entre o arquiteto e o urbanista, pois se estes dividem o espaço, o fazem como os demais agentes do espaço, sendo diferente apenas a escala de atuação de cada um. Na do primeiro prevalece a escala micro e para o urbanista a escala macro. Eles o recortam, o retalham, cada um a sua maneira e desde então a fragmentação parece teoricamente justificada. A partir daí, o global escapa, foge.

As parcelas recortadas neste vasto campo pelas especialidades – que são reforças pelo crescimento ilimitado do quadro sociopolítico do capitalismo que nelas se apóia – implicavam no ocultamento da escala global, o deixando-a na sombra criando um campo cego. Nesse sentido um dos objetivos principais nesse esforço de teorização seria buscar onde se pode situar no espaço e no tempo a possibilidade do desvelar, sendo assim, necessário superar a fragmentação articulando os níveis micro e macro.

A ação da burocracia estadista, o ordenamento do espaço segundo as exigências do modo de produção capitalista, tendo como prática essencial fragmentação do espaço para a venda e para a compra seriam pontos fundamentais de análise e é através desse enfoque que buscamos analisar o processo que vem ocorrendo na aérea onde se concentra nossa pesquisa.

Diante disso, além da análise bibliográfica foi imprescindível para a realização desse estudo, além do acompanhamento dos desdobramentos na elaboração e execução do projeto, a constante observação empírica através da realização de trabalhos de campo não só na área de estudo como também nas reuniões realizadas por diferentes setores da sociedade para o debate do projeto.

Para um melhor entendimento sobre o processo sobre o qual nos debruçamos realizamos uma análise sobre sua perspectiva jurídica no que se refere à política urbana adotada pelo Estado brasileiro. Nesse sentido, temos que o Estatuto da Cidade (Lei

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n°10.257) felizmente tratou de reunir, por meio de um enfoque holístico, em um mesmo texto, diversos aspectos relativos ao governo democrático da cidade, à justiça urbana e ao equilíbrio ambiental apresentando as diretrizes do desenvolvimento urbano e sobre a propriedade privada da terra e imóveis, o planejamento e a gestão urbanos (MARICATO, 2010).

Um ponto fundamental para os fins desse estudo é que o Estatuto da Cidade e as leis infraconstitucionais que regulamentam a política urbana se pretendem legítimos por associar às decisões do poder público, no âmbito do planejamento da cidade, a participação popular, seja por instrumentos diretos como o plebiscito ou referendo, seja através das associações civis, conselhos, fóruns ou outros instrumentos que privilegiem a gestão democrática da cidade. A esse respeito o dispositivo mais significativo no Estatuto da Cidade é já citado o art. 2°, II que contempla a “gestão democrática da cidade” como uma diretriz da política urbana. Tendo esse dispositivo em vista, concluímos que a participação da sociedade civil, que nunca teve a atenção merecida nas ações de política urbana, foi finalmente contemplada com a promulgação da lei n° 10.257/01.

O cerne de tal dispositivo reside, portanto na gestão democrática no que se refere à instituição, implementação e acompanhamento dos projetos e ações urbanísticas. Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho (2005) “gestão significa administração, ou seja, adoção das providências necessárias à conservação e controle de determinados bens e interesses”.

Nesse sentido, a adoção da gestão democrática exclui a tradicional gestão exclusiva do Poder Público, aquela que, por não ser ouvida a sociedade civil, acabou por ensejar uma série de descalabros na ordem urbanística. Se um plano urbanístico resulta apenas de pareceres técnicos elaborados em gabinetes de autoridades administrativas, as ações que dele resultarem não representarão, seguramente, os anseios das comunidades (FILHO, 2005).

Além de ser apontada como uma diretriz a ser seguida, à Gestão Democrática da Cidade é dedicada um capítulo do Estatuto da Cidade (Capitulo IV, art. 43-45) cuja análise irá, sem dúvidas, nos auxiliar na resposta das questões que se colocam no âmbito desse estudo monográfico.

Não obstante, hoje, depois de quase dez anos do advento do EC está claro que a simples previsão legal de determinadas garantias não representa a real efetividade desses direitos principalmente no Brasil onde os problemas urbanos e sociais são estruturais e onde não se faz valer direitos básicos como o direito à cidade e à moradia legal.

O que vemos é que a tradição liberal de gestão do interesse público no Brasil e, em especial, na cidade do Rio de Janeiro, fundada na universalização desmotivada da aplicação da supremacia do interesse público sobre o privado vem fortemente prejudicando a construção coletiva, participativa, do planejamento urbano (ARAÚJO, 2008).

Assim, diante do sentido atribuído por Marx ao “produto-mercadoria” podemos falar nas “cidades-mercadoria”. Este produto, como demonstramos, através da circulação simbólica, se mostra aparentemente terminado e traduzido em imagens urbanas, tornando difícil a identificação de seu processo de construção.

Tendo isso em vista, seguindo o caminho de Marx, direcionar o olhar para a gênese da mercadoria - no caso a “cidade-mercadoria”- nos permite revelar os sistemas sociais, econômicos e culturais, os arranjos de poder, as hierarquias e os jogos de interesse que compareceram para construí-la. Lefebvre (1972, p.33) reforça o pensamento de Marx quando, tendo o espaço como produto social, afirma que o

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processo de produção do espaço esta está vinculado a grupos particulares que se apropriam dele (o espaço) para geri-lo e explorá-lo. Sendo assim, a análise crítica seria um meio de definir “como e de acordo com qual estratégia determinado espaço constatável foi produzido (...)”.

Conclusão O projeto “Porto Maravilha” se encontra em fase avançada de execução. Os

resultados desse estudo nos permitiram ter um rico panorama sobre o processo de metropolização da cidade do Rio de Janeiro e também sobre a principal reforma urbana que ocorrerá na cidade nos próximos tempos – que trará mudanças não só para a região diretamente afetada e seus atuais habitantes como para toda a cidade do Rio de Janeiro.

No entanto, é importante que se diga que o processo é recente e, mais do que isso, atual e que por esse motivo as conclusões são parciais e que seria de grande valia que tais pontos continuassem sendo pesquisados.

Apesar de ser uma das primeiras centralidades da cidade e local, onde ainda hoje, encontra-se o Porto do Rio de Janeiro, o quarto maior do Brasil, na área portuária o processo de degradação permanece.

Esses fatores, somados ao abandono por parte do poder público, contribuíram com a obsolescência da área do porto e com o esvaziamento dos bairros vizinhos tanto em suas atividades econômicas relacionadas ao apoio portuário, quanto à infraestrutura urbana e ao número de moradores na região.

Hoje esses bairros apresentam uma grande atividade comercial e ainda abrigam uma população significativa que, aos poucos é retirada direta ou indiretamente. Tais habitantes são, em geral, de baixa renda. Muitos trabalham na própria região central, já que 46% dos cerca de 5445 trabalhadores portuários, residem na própria região portuária, sendo que os demais residem na Baixada Fluminense e na Zona Oeste (SILVEIRA, 2012 apud. CASIMIRO, 2005).

Além disso, ainda existem pelo menos quatro grupos de resistência dos chamados sem teto, como por exemplo, as Ocupações Quilombo das Guerreiras, Chiquinha Gonzaga, Zumbi dos Palmares que estão localizadas em ocupações, quase na sua totalidade, em imóveis público da região trazendo novas questões ao debate, sem dúvida político, de como se deve intervir na área.

Outra peculiaridade da região diz respeito à questão fundiária já que segundo dados contidos na audiência pública do Projeto Porto Maravilha no que se refere à propriedade dos terrenos (área plana) 62% pertencem à União, 6% ao Município, 6% ao Estado e 25% dele são de propriedade privada.

Enquanto, cada vez mais, um número maior de famílias passa a habitar essa região, diversos lotes e edifícios encontram-se ociosos, dentre os quais, muitos deles são edifícios públicos que ficaram vazios em decorrência da transferência da sua atividade para Brasília ou devido à reestruturação do Estado, que abriu mão de algumas de suas atribuições, delegando-as para a iniciativa privada.

São diversos imóveis – terrenos e prédios – abandonados, que formam verdadeiros vazios urbanos numa das áreas da cidade mais bem servidas de infraestrutura urbana, o Centro da Cidade, como se pode ver na Figura 16.

Paralelamente a essa situação, quando analisamos os dados referentes ao índice de desenvolvimento humano (IDH- um índice que utiliza parâmetros de escolaridade,

6 Visto em: http://www.chiqdasilva.com/site/index.php?option=com_content&view= article&id=56:imgtxt01&catid=3:textos&Itemid=4, visitado dia 10 de outubro de 2010.

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expectativa de vida e PIB per capta) constatamos que a I Região Administrativa que corresponde à região Portuária, onde se concentrarão a maioria das ações do Projeto “Porto Maravilha”, está em 24° no ranking de 32 RA do Município do Rio de Janeiro7 (Tabela 1). Figura 01: Levantamento dos vazios urbanos e do uso residencial da RA do centro

7 Fonte: Dados Básicos: IBGE: Tabela- Microdados dos Censos Demográficos de 2000.

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Tabela 01: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH), por ordem de IDH, segundo as regiões administrativas - 2000

Ordem segundo o IDH

Região Administrativa

Esperança de vida ao nascer (em anos)

Taxa de alfabetização de adultos (%)

Taxa bruta de frequência escolar (%)

Renda per capita (em R$ de 2000)

Índice de longevidade (IDH-L)

Índice de educação (IDH-E)

Índice de renda (IDH-R)

Índice de Desenvolv. Humano Municipal (IDH)

1 Copacabana 77,76 98,51 107,97 1631,44 0,879 0,990 1,00

0 0,956

2 Lagoa 76,83 98,32 103,74 2228,78 0,864 0,989 1,00

0 0,951

3 Botafogo 76,52 98,57 113,07 1498,20 0,859 0,990 0,99

3 0,947

4 Tijuca 74,73 97,99 107,10 1184,43 0,829 0,987 0,95

4 0,923

5 Barra da Tijuca 72,69 96,62 94,91 1694,12 0,795 0,961 1,00

0 0,918

6 Vila Isabel 75,19 97,77 104,53 1005,99 0,836 0,985 0,92

7 0,916

7 Centro 76,12 97,58 99,24 633,36 0,852 0,981 0,85

0 0,894

8 Santa Teresa 74,06 96,05 94,09 573,48 0,818 0,954 0,83

3 0,868

9 Méier 71,58 97,25 96,98 619,89 0,776 0,972 0,84

6 0,865

10 Ilha do Governador 72,66 96,07 91,97 616,28 0,794 0,947 0,84

5 0,862

11 Irajá 73,93 97,20 89,11 450,26 0,815 0,945 0,79

3 0,851

12 Jacarepaguá 71,78 95,40 89,13 527,72 0,780 0,933 0,81

9 0,844

13 Rio Comprido 71,36 95,75 87,80 482,20 0,773 0,931 0,80

4 0,836

14 Madureira 72,59 96,81 88,74 388,22 0,793 0,941 0,76

8 0,834

15 Inhaúma 71,82 96,91 89,66 400,37 0,780 0,945 0,77

3 0,833

16 Ramos 71,68 95,83 84,56 427,62 0,778 0,921 0,78

4 0,828

17 Ilha de Paquetá 74,06 94,22 67,66 457,61 0,818 0,854 0,79

5 0,822

18 São Cristovão 71,39 94,60 84,71 363,41 0,773 0,913 0,75

7 0,814

19 Realengo 70,39 96,23 88,64 339,73 0,756 0,937 0,74

6 0,813

20 Penha 69,74 95,44 83,75 360,33 0,746 0,915 0,75

5 0,805

21 Anchieta 70,23 96,40 86,17 310,10 0,754 0,930 0,73

0 0,805

22 Campo Grande 68,71 95,49 85,51 304,24 0,728 0,922 0,72

7 0,792

23 Bangu 69,81 95,02 83,79 287,03 0,747 0,913 0,71

8 0,792

24 Portuária 69,59 92,58 74,90 283,60 0,743 0,867 0,71

6 0,775

25 Pavuna 67,41 94,66 81,04 247,90 0,707 0,901 0,69

3 0,767

26 Cidade de Deus 67,35 93,56 81,10 207,56 0,706 0,894 0,66

3 0,754

27 Santa Cruz 65,99 93,56 80,13 212,21 0,683 0,891 0,66

7 0,747

28 Guaratiba 67,12 90,74 74,37 234,37 0,702 0,853 0,68

4 0,746

29 Rocinha 67,91 87,90 69,50 219,95 0,715 0,818 0,67

3 0,735

30 Jacarezinho 66,30 92,20 75,68 177,98 0,688 0,867 0,63

8 0,731

31 Maré 66,03 89,46 68,76 187,25 0,684 0,826 0,64

6 0,719 Complexo do Alemão 64,38 89,07 72,04 177,31 0,656 0,834

0,637 0,709

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Tendo em vista o exposto, no que se refere à região do Porto do Rio vimos que nos últimos 30 anos muito se debateu sobre os rumos da região portuária do Rio de Janeiro, no entanto nenhuma ação efetiva havia sido realizada até então, principalmente por parte do poder público.

Com isso, essa área se tornou um grande desafio para a administração municipal. Nesse período, ocorreram muitos grupos de trabalho nesse âmbito que resultaram na proteção legal dos bairros estudados, bem como em muitos decretos, projetos, ideias que originaram algumas legislações e acordos, sem, todavia, qualquer resultado prático. O que se viu como resultado foi um intenso processo de degradação e esvaziamento econômico, especialmente em nossa área de estudo que por outro lado continuou abrigando uma população tradicionalmente identificada com o lugar. Dessa forma, diante da maneira como o projeto “Porto Maravilha” vem sendo divulgado e executado pelo poder público, em parceria com grandes agentes privados, está claro que ele se alinha aos interesses de grandes atores econômicos, estando vinculado a grandes projetos internacionais. A partir desse contexto, temos que outros códigos provenientes de outros atores sociais insatisfeitos com o senso comum reprodutor de clichês oficiais têm encontrado dificuldades para ganhar espaço e expressão.

O chamado projeto de Revitalização da Zona Portuária, que concebe aquele espaço como se fosse neutro, vazio e ausente de vida vem tomando cada vez mais forma. O importante, segundo o discurso que sustenta essas decisões políticas, é que tais intervenções motivem dinâmicas transformadoras, alavancas para o desenvolvimento, ainda que a resultante para tais espaços reforce a fragmentação social.

Falamos em fragmentação social, pois o que vemos é que essa região, na verdade, representa uma grande centralidade para um grande número de pessoas que ali moram, trabalham, consomem e circulam, tendo seus próprios usos dos espaços urbanos e seguindo sua lógica. No entanto, a lógica que deveria acompanhar a necessidade dos habitantes da região é totalmente ignorada. Muitos deles tem sofrido sérios transtornos que vão desde a locomoção na área, por conta das obras impensadas, até as remoções forçadas.

Nesse sentido, um dos grandes teóricos do Direito à Cidade, o sociólogo e filósofo Henri Lefebvre (1972) aponta que o direito à cidade inclui também o direito de acesso a essa centralidade, propriedade essencial do espaço urbano, e, portanto, a recusa de se deixar afastar da realidade urbana por uma organização discriminatória e segregadora. Mas não é só isso. O direito à cidade inclui o direito à reunião e ao encontro na medida em que os objetos e os lugares devem estar de acordo com a necessidade de vida social e de um centro. Nesse contexto, Lefebvre (1972, p. 32) conclui que o “direito à cidade significa, portanto, a constituição ou reconstituição de uma unidade espaço temporal, de uma reunião, no lugar de uma fragmentação”.

Tendo isso em vista, a partir da espacialização do projeto Porto Maravilha, realizada e elaborada através de dados oficiais retirados da lei complementar n° 101 e outras fontes extraoficiais como jornais e entrevistas, foram possíveis perceber a dimensão e a complexidade das intervenções propostas assim como a inevitabilidade de seus efeitos.

Como vimos, se num primeiro momento o projeto dependeu de recursos públicos para ocorrer, a segunda fase, como já foi dito, depende, sobretudo da iniciativa privada. Sendo assim, o projeto apenas incorpora uma antiga tendência de expansão da área central de negócios em direção ao entorno do Píer Mauá. A prefeitura somente viabilizaria essa tendência concentrando seus esforços financeiros em conservar as áreas públicas localizadas nesse trecho. O restante da área, com localização menos

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privilegiada, dependerá de iniciativas de longo prazo que dependem de futuros interesses do capital privado em realizar parcerias com a prefeitura, assim como promover a ocupação da área de forma mais densa.

Além disso, o projeto também segue com uma proposta de verticalização da ocupação da área a partir da venda dos terrenos, em sua grande maioria, de propriedade pública através dos já citados Cepacs. Segundo a proposta, os recursos angariados seriam revertidos para a própria área.

Teoricamente essa medida seria capaz de proporcionar uma rápida ocupação da área. No entanto, geraria um conjunto arquitetônico de porte incompatível com a paisagem urbana local. Acrescenta-se a isso um enorme incremento do número de automóveis na região, o que gera um grande impacto para a malha viária local.

No que se refere ao uso habitacional, a prefeitura propôs a execução do projeto “Novas Alternativas” em larga escala na área, por intermédio de desapropriações e de iniciativas do capital imobiliário. As obras visarão à reforma de edificações preservadas e também tuteladas em ruínas ou subutilizadas. Com isso, estima-se um acréscimo de cerca de 30 mil habitantes na área, o que é preocupante, fora outros problemas decorrentes dessa proposição como, por exemplo, a preservação desse conjunto arquitetônico, o que não se resume à manutenção de sua fachada.

É necessário, todavia, que se debata a elaboração e a realização desse projeto de maneira séria e contundente, com a participação de todos os atores envolvidos, assim como a realização de um estudo profundo destinado a avaliação dos impactos na região. No entanto, mesmo com o material superficial e técnico disponibilizado pela prefeitura, ou a partir das notícias tendenciosas através da qual a mídia apresentou o Projeto Porto Maravilha, podemos constatar a relação de tal projeto urbanístico, posto como prioritário pela prefeitura, e as necessidades da instalação de novas formas que atendam à demanda de fluidez para expansão do capital. Não foi à toa que no decorrer das entrevistas realizadas e nas reuniões de moradores, tal projeto fosse referenciado através do termo “revitalização do capitalismo”.

Nessa revitalização novos espaços são produzidos através das festejadas PPPs (parcerias público-privadas), além de produzirem novas seletividades e afastamentos sociais, promovendo repetição em série de modelos tidos como bem sucedidos, produzindo espaços públicos que não passam de cenários para uma sociabilidade fictícia que, por sua vez, produzem estetização das relações sociais (SANCHEZ, 1999).

Contudo, tal estratégia, que é estruturada verticalmente, em escala mundial, não está tão somente ligada a práticas, mas também à produção e propagação de um discurso carregado de ideologia, que se por um lado está relacionado aos interesses dos atores hegemônicos que atuam em diferentes escalas, por outro se propõe único, com tendência homogeneizante. Tais discursos e suas imagens correspondentes são instrumentos fundamentais para a promoção e legitimação desses novos projetos de cidade nas quais a cultura e o lazer mercantilizados são promovidos como polos de atratividade turística geradores de renda.

Nesse sentido é fundamental apontarmos que tais noções e modelos não são dados objetivos e consensualmente aceitos e sim noções socialmente construídas. Nos dizeres de Lefebvre (1972) “tais projetos parecem claros e corretos porque são projeções visuais sobre o papel e sobre um plano de um espaço, dede o início, postiços”.

No entanto, como já foi dito, o território não é um dado neutro. Além disso, cada lugar apresenta sua singularidade e se desenvolve de forma específica. Nos bairros sobre os quais estamos nos debruçando nessa pesquisa não seria diferente.

Como pudemos ver, Saúde, Gamboa e Santo Cristo apresentam em sua história fatos notórios, que muitas vezes se confundem com a própria história da cidade do Rio

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de Janeiro. Esses espaços, até hoje representaram fragmentos testemunhas de resistência, por um lado, e esquecimento, por outro, frente à tendência de homogeneização. São testemunhas de ritmos diferentes de desenvolvimento do capital e de organização da vida social.

O espaço, portanto, se apresenta como mediato e imediato. Isso porque por um lado pertence á uma ordem próxima, a ordem da vizinhança, e uma ordem distante, a sociedade, o Estado (LEFEBVRE, 1972). Tais interesses divergentes deveriam a principio encontrar unidade na atuação do Estado. Entretanto, dessa forma, a resultante da intervenção nesses espaços e dos jogos de poderes que surgem a partir delas é imprevisível.

No entanto, com a análise experiências anteriores e pela evidente desigualdade de forças a tendência é de aumento das desigualdades espaciais, das seletividades e consequentemente da segregação.

A partir da realização de sucessivos trabalhos de campo à região estudada para que pudéssemos conhecer melhor as singularidades desses lugares, tanto no que se refere ao seu processo histórico quanto a sua situação atual, pudemos ainda observar a maneira como o projeto vem sendo elaborado por parte do poder público, como vem sendo apresentado para os diferentes interessados e como tem sido as possíveis reações por parte dos grupos e moradores locais.

Tendo isso em vista, nos deparamos com duas principais formas diferentes de organizações coletivas que se originaram frente à preocupação com a iminência da concretização do Projeto de Revitalização da Região Portuária. O primeiro se denominava “Porto Cultural”. Com esse nome os diferentes grupos ligados a atividades culturais localizadas no bairro, entre blocos de carnaval, escolas de música, grupos de teatro entre outros, assim como algumas associações de Moradores, como, por exemplo, a do Morro da Conceição, se reuniram para debater o Projeto buscando formas de se inserir nas ações por ele apresentada.

Entre os grupos que estão participando podemos citar a escola de percussão “Batucadas Brasileiras”, o Afoxé Filhos de Gandhi, o bloco carnavalesco Vizinha Faladeira, o grupo de teatro chamado “Grande Companhia de Mystérios e Novidades” e etc.

Até aqui, algumas entrevistas e questionários indicaram que mais se debateu do que se chegou a conclusões, e que alguns impasses entre os enfoques no desenvolvimento cultural de alguns grupos e as demanda por parte dos moradores tem engessado as reuniões. No entanto consideramos, ainda assim, fundamentais e enriquecedores tais espaços de debate, que com o tempo podem gerar ações que representem a contrarracionalidade do lugar.

Paralelamente, encontramos outro grupo que se reunia no Centro Cultural José Bonifácio (há quase dois anos fechado para reforma) com o nome de “Reunião de Moradores e Gestores da Região Portuária”. Esse grupo, por sua vez, é formado por aproximadamente trinta pessoas, entre elas parte integrante dos grupos culturais que atuam na região, ativistas sociais, integrantes das ocupações de sem-teto existentes na região e antigos moradores dos bairros, que moram ali entre dez e quarenta anos.

Durante as reuniões que pudemos acompanhar, observamos a preocupação recorrente com a força tanto econômica quanto política dos atores envolvidos no projeto de revitalização. O sentimento mais geral que se pode sentir nos depoimentos é de insegurança, já que o projeto de forma alguma foi esclarecido para essa parte dos interessados, que há anos e diariamente produzem tais espaços.

O medo era que os custos desses empreendimentos fossem socializados com a valorização dos bairros, inviabilizando a permanência dessa população que

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tradicionalmente ocupou a região fazendo desses espaços o locus de reprodução de suas vidas. Isso realmente aconteceu. Um questionário foi respondido por, até o momento, 25 pessoas, e dentre os pontos negativos foram citadas a alta nos preços imobiliários e as remoções diretas e forçadas de moradores.

Um dos pontos que mais chama atenção é a preservação da memória dos bairros, onde, entre outras coisas, nasceu a primeira escola de samba chamada Vizinha Faladeira, o Clube de Regatas Vasco da Gama e onde está localizado um cemitério de escravos que hoje faz parte do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), criado e mantido por uma moradora da Gamboa.

Diante da aparente inevitabilidade da implantação do projeto de revitalização e da força dos agentes que estão sendo chamados a participar desse projeto surgiu a ideia da criação do denominado “Conselho de Gestores da Região Portuária”, que seria um instrumento através do qual seria possível unificar as demandas para que, a partir de representações locais, se tentasse integrá-las aos projetos para a região. Nesse caso a unificação das demandas em cada área (saúde, educação, trabalho, lazer e etc.), através do debate entre membros do conselho e outros moradores, seria fundamental para que tais reivindicações apresentassem peso social frente o poder público.

Outro ponto muito importante apresentado durante as reuniões do conselho foi que a partir dessa representação seria possível a criação de um canal com o poder público através do qual se conseguisse a exposição clara dos programas do projeto Porto Maravilha.

Nesse sentido, alguns pontos recorrentes nas entrevistas e nas reuniões foram primeiramente a unilateralidade por parte do poder público que na elaboração do projeto em poucos momentos chamou a população e seus representantes locais a participar. Sendo assim, do pouco que se divulgou dos projetos não há menção aos moradores e suas demandas e nem aos grupos que lá atuam; o que reforça a ideia de que o resultado de tais intervenções tenda à exclusão social.

Além disso, há certa indignação quanto aos projetos elaborados e discutidos em governos anteriores, que se por um lado foram feitos com o dinheiro público, por outro não foram aproveitados no projeto atual.

Essas tentativas de mobilização por essa parte da população desses bairros caracterizariam o que Milton Santos (2006) chama de solidariedade horizontal, que se fazem historicamente e se fortalecem no cotidiano a partir de um debate interno, que levariam a ajustes inspirados na vontade de reconstruir, em novos termos a própria solidariedade horizontal.

No entanto, essa solidariedade horizontal correria o risco de ser sufocada pela constituição de uma solidariedade vertical que se constituiria entre os atores hegemônicos excluindo qualquer possibilidade de um debate local eficaz.

Um dos impasses que pudemos observar foi o preconceito existente por parte dos moradores em relação a ocupações, o que faz com que aqueles que lutam contra o processo de exclusão acabem por ter ideias segregadoras. No entanto, ainda assim, tais mobilizações seriam fundamentais, pois mais uma vez citando Milton Santos (2006, p. 133),

“é dessa forma que na convivência com a necessidade e com o outro, se elabora uma política, a política dos de baixo, constituída a partir das suas visões de mundo e dos lugares. Trata-se de uma política de novo tipo, que nada tem a ver com a política institucional”. Mesmo assim, é necessário destacar que mesmo com a mobilização dessa parte

dos moradores e dos grupos que atuam nos bairros é evidente que a participação popular

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nesse processo de debate é relativamente baixa, estando a maioria dos moradores inertes e alheios às propostas de reestruturação dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Isso somado ao grande desenvolvimento das técnicas de informação faz com que haja o crescimento exponencial do individualismo de forma que os indivíduos passem a estar mais centrados em si próprios, em seus desejos e interesses ligados à saúde, educação e lazer...

As demandas não estão mais organizadas em torno de um principio central. Esse ponto, sem dúvidas, é mais um ponto fundamental nesse estudo sobre os movimentos sociais no contexto da globalização.

Outro ponto que tem nos chamado atenção é que grande parte dos movimentos sociais que hoje atuam estão reivindicando questões restritas ao local, muitas vezes se esgotando quando logram sua demanda. Infelizmente, hoje encontramos uma séria dificuldade de relacionar problemas da escala local, que atingem as pessoas no âmbito do lugar, com ações que se passam pela escala global e que se irradiam das grandes centralidades.

Por outro lado, os movimentos de contestação de caráter global se apresentam cada vez mais virtuais e restritos a manifestações de indignação e apoio através de abaixo-assinados na Internet.

Como pretendemos demonstrar, no desenvolvimento desse estudo, a escala global e local estão hoje profundamente relacionadas e muitas ações que ocorrem em locais distantes trazem grandes consequências para o local e, daí, surgem todas as transformações que o processo de metropolização vem originando.

O que vem ocorrendo é naturalização de determinadas práticas que mitigam a percepção das fraturas sociais – que são também espaciais – e que podem contribuir para formação de movimentos de luta. Estamos falando da luta pela apropriação do espaço a partir da busca de racionalidades alternativas. Ribeiro (2005, p. 421) afirma que tais racionalidades ainda estão em processo de sistematização, mas que ensaios dessa sistematização são identificáveis na repetição de formas de apropriação espacial por distintos atores políticos e movimentos sociais.

Nessa repetição, é possível reconhecer sintomas de que se encontra em germinação uma outra cidade (SANTOS, 2000), bem diferente daquela imaginada pelos que anseiam pela materialização, no país, da face luxuosa, gestora e contemplativa da cidade global.

A primeira fase do projeto incluía somente o bairro da Saúde e seria de responsabilidade da secretaria de urbanismo, o que justificaria a não inclusão de ações em outras áreas, como, por exemplo, saúde ou educação. No entanto, ficou evidente que os documentos técnicos ou políticos de maior difusão não apresentam preocupações em qualificar com rigor as noções e conteúdos que trabalham.

Sempre quando questionados pelos moradores, os administradores do projeto alegavam serem técnicos e não políticos e, portanto, não estariam aptos a responder determinadas questões. O projeto foi apresentado como pronto e fechado, não havendo possibilidades de propostas e modificações.

Ou seja, a apresentação do projeto foi realizada, no entanto o debate e a apreciação das demandas da população mais uma vez não foi possível. Nesse sentido, constatamos que infelizmente os conflitos sociais gerados pela imposição de uma reestruturação urbana e as questões trazidas por movimentos de resistência são minimizados e esvaziados de seu conteúdo político na linguagem oficial sobre a cidade (SANCHEZ, 1999).

Aqui cabe ressaltar mais uma vez que a possibilidade de participação popular no debate acerca de projetos dessa magnitude não constitui uma discricionariedade por

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parte do poder público. Pelo contrário, o Estatuto da Cidade e o plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro preveem explicitamente que só assim se poderia construir um espaço de fato democrático que atenda aos anseios e demandas da população.

De acordo com um entendimento legal, a gestão democrática da cidade envolve três fases da política urbana: a formulação, a execução e o acompanhamento. No que se refere ao projeto “Porto Maravilha” especificamente podemos dizer, apesar da Lei Complementar Municipal n° 101, que delimita as principais ações do projeto, já ter sido aprovada na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro a partir do projeto de lei 25/2009 de iniciativa do Executivo, está na fase de formulação.

Isso porque, uma das emendas feitas ao projeto, ao nosso ver a mais importante, determinou que a implantação da Operação Urbana Consorciada do Porto do Rio está sujeita à prévia elaboração de Estudo de Impacto de Vizinhança (art. 35 da LC n° 101). No entanto, sabemos, por observações empíricas, que várias obras e intervenções foram iniciadas, assim como alguns processos licitatórios antes mesmo da realização daquele estudo.

O artigo 35 citado anteriormente determina ainda nos seus parágrafos subsequentes outros pontos fundamentais para a execução da gestão democrática. Entre eles podemos citar: a listagem das questões que devem, obrigatoriamente e no mínimo, ser avaliadas no EIV (art. 35,§ 1°, incisos I à VIII); a necessidade da publicidade dos documentos integrantes do EIV (art. 35, § 3°); a possibilidade de o EIV indicar necessidade de modificação no programa básico de ocupação da área e de ajustes em parâmetros urbanísticos definidos na mesma lei (art. 35, § 5°); e o fato de que o Plano da Operação Urbana Consorciada, o Programa Básico de Ocupação da Área e a implementação da cobrança das respectivas contrapartidas serão iniciadas somente após a conclusão e aprovação do Estudo de Impacto de Vizinhança da OUC.

No que se refere ao que vem sendo observado, o que vem ocorrendo não é a ausência do Estado ou sua diminuição frente aos agentes econômicos. O que vem ocorrendo é a omissão quanto ao interesse da população, por um lado, e por outro, seu fortalecimento ao serviço da economia dominante (SANTOS, 2006).

Com isso, vemos que a cidade virtual criada a partir desses modelos utópicos pode revelar-se uma máscara para a especulação e para os grandes investimentos, empreendimentos. Ou o que é pior, o estimulado civismo urbano pode encobrir o desprezo pela participação substancial do cidadão (SANCHEZ, 1999).

Reiteramos a importância da mobilização da população mais interessada e, também, que a população da cidade como um todo esteja atenta a esses acontecimentos. Ainda que o projeto tenha sido apresentado pronto e fechado, há possibilidade de participação popular no debate que leve à construção de um espaço que de fato corresponda ao sentimento de grande parte da sociedade e não só às necessidades e interesses de um pequeno grupo.

Como afirma Ferreira (2011, 2007), é comum ouvir comentários de que não há mais movimentos sociais, ou que não passam de meros ativismos sem maiores pretensões. Não compactuamos com tais afirmações, pois acreditamos que os espaços de representação são construídos no cotidiano e que por mais que os movimentos pareçam estar perdidos em um grande labirinto (construído, muitas vezes, a partir das representações de uma ordem distante do lugar), é justamente na busca das tensões entre os diversos agentes e atores que produzem o espaço urbano que encontraremos o melhor caminho não só para a análise dos conflitos sociais, mas também para a transformação do estado de coisas atual. Por tais motivos apresentados nessa exposição é que pretendemos dar prosseguimento a esse estudo.

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Nesse sentido, vimos que Direito à Cidade se manifesta como forma superior dos direitos. Nesse sentido, inclui também o direito de acesso a essa centralidade, propriedade essencial do espaço urbano, e, portanto, a recusa de se deixar afastar da realidade urbana por uma organização discriminatória e segregadora.

Ao invés de pensar a democracia direta e a democracia representativa como formas antagônicas, é possível concebê-las como formas complementares, embora diversas, de expressão e defesa de legítimos interesses dos cidadãos.

Alianças deste tipo fortalecem o combate principal, que tem como alvo o processo de despolitização da cidade e de seus promotores. E perda eventual de algumas prerrogativas legais, cada vez mais formais e menos substantivas, terá como contrapartida a reafirmação da política, compreendida como a ação e debate públicos em torno ao interesse coletivo, sempre necessariamente contraditório e conflituoso (VAINER, 2010).

A pressão dos interesses dominantes para subjugar a cidade a seus interesses privados se defronta com a resistência daqueles que querem afirmar seus anseios de democracia cidadã, justiça social e responsabilidade social. Para estes últimos, o único caminho possível é o da ação coletiva, da política, da construção de espaços públicos e processos democráticos no qual se encontrem e confrontem, de maneira aberta e legítima, todos os planos e projetos. Sua força está no debate público e aberto, nas formas múltiplas de participação e ação coletiva (VAINER, 2010).

Hoje os investimentos do governo local derivam mais explicitamente das regras do mercado. Em lugar da razão política acompanhar a economia, ela agora se curva inteiramente diante dela. Os arquitetos elaboram os planos não a partir das significações percebidas e vividas pelo morador habitante usuário do espaço, mas a partir do fato de habitar concebido por eles (LEFEBVRE, 2009).

Realiza-se um projeto sem crítica nem autocrítica, e esse projeto realiza, projetando-a na prática, uma ideologia, a ideologia do tecnocrata. Necessário o programático não basta. A cidade se transforma no decorrer da execução. Apenas a força social capaz de se investir a si mesma no urbano, no decorrer de uma longa experiência política, pode se encarregar da realização do programa referente à sociedade urbana (LEFEBVRE, 2009).

Mais do que isso, a Operação Urbana Consorciada da Companhia de Urbanização do Porto e do Consórcio de Empreiteiras não assume nenhum compromisso com o atendimento dos direitos fundamentais de 1ª e 2ª geração (direitos sócio-políticos): participação, saúde, educação, moradia, alimentação e assistência social. Todavia, em relação aos direitos de 3ª geração (direitos culturais e ambientais), o EIV considera prioridade a oferta de sofisticados equipamentos culturais e projetos paisagísticos.

O aumento da área verde e de permeabilidade em relação à área total do empreendimento é louvável. Também são louváveis os investimentos em abastecimento de água, esgoto sanitário, drenagem, iluminação pública, distribuição de gás e serviços de telecomunicação. Porém, a tremenda discrepância entre zero investimento em educação e saúde, quase zero em moradia e 565 milhões de reais em cultura e lazer para turistas exige que pensemos de forma crítica as prioridades estabelecidas no projeto de transformação da região do Porto do Rio.

Tais reuniões aqui citadas foram feitas ao começo do projeto e da pesquisa e não se conseguiu um acompanhamento frequente. Com as manifestações que ocorreram em todo o Brasil em 2013, muitas reuniões dos grupos de resistência sobre as obras do Porto foram adiadas ou não ocorreram, pois diversos grupos aderiram às lutas de

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movimentos contra as remoções, contra o preço da passagem, etc. Porém, um questionário recente8 (feito no mês de julho de 2014) corrobora a permanência de diversas questões. A falta de consulta à população por parte do poder público a fim de atender às necessidades dos moradores da área se manteve. A resposta para a pergunta “Você foi consultado por alguma instância do governo para conversar sobre as obras?” foi unânime entre as 25 pessoas: “Não”. A maior parte das pessoas (43%) trabalha no Centro, tendo sofrido diretamente os impactos das mais recentes alterações, dentre elas: a implosão de maior parte da Perimetral; o fechamento de uma das mais intensas vias de circulação na área que é a Avenida Rodrigues Alves; as intensas obras que tiram a calçada dos pedestres; a falta de ordenamento na sinalização para o tráfego de carros; a intensificação na circulação do trânsito e engarrafamentos que duram mais tempo, entre outras mudanças. Como 40% dos questionados alegaram que utilizam ônibus como meio de transporte, não fica difícil entender a frustração e o estresse por conta das diversas alterações confusas no trânsito, agravando os engarrafamentos.

Os moradores da área também tem sofrido diretamente. Diversos vídeos extraoficiais e independentes foram postados no YouTube e em outras mídias, marcando a veracidade da expulsão de diversos moradores de suas casas, após terem seus muros marcados com as siglas da Secretaria Municipal de Habitação (SMH) – muitas vezes sendo interpretada como “Saia do Morro Hoje”. Cabe explicitar que as casas foram demolidas, pois estavam “no caminho” das obras de “revitalização”, como foi o caso da construção de um teleférico no Morro da Providência – e foram violenta e agressivamente retiradas de lá. De acordo com os relatos, muitas não tiveram tempo nem de retirar seus pertences, sendo a casa demolida impiedosamente. Uma pessoa questionada alegou conhecer uma família vítima da remoção forçada providenciada pela SMH e relatou sobre a pequena indenização dada à família, abaixo do valor do mercado. Além disso, outros habitantes sofrem o processo de gentrificação por conta do encarecimento do preço imobiliário nessa área. Muitas respostas demonstraram perceberem o aumento do preço dos imóveis. Um morador do bairro da Saúde atestou o aumento do preço de seu aluguel, segundo o mesmo, o valor triplicou.

Dos 25 questionados, apenas 4 não acreditam que sua vida tenha sido diretamente afetada com as obras na Zona Portuária e apenas 1 aprova totalmente as transformações na região. Porém, também fica corroborado que a maior parte da população esteve alheia às mobilizações dos grupos de resistência, tendo unanimidade a reposta negativa sobre participação em reuniões sobre o assunto. Apesar disso, apenas uma pessoa não acha importante acompanhar as transformações que ocorrem na cidade, e 12 pessoas conhecem ao menos outras cinco que estão engajadas e interessadas sobre o assunto.

Nesse sentido, continuaremos atentos aos impactos reais que serão possíveis observar e o grau de engajamento e mobilização da população que mantém relação com o local. Voltaremo-nos também, dando maior atenção para a questão da mobilidade, acreditando ser também esse um ponto alarmante.

Anexo 01- “O cotidiano”: questionário realizado em julho de 2014

8 O questionário foi anexado ao final da pesquisa. Foi elaborado especificamente para a pesquisa e realizado através de ferramenta do Google na Internet. O questionário foi uma opção alternativa à dificuldade de conseguir entrevistas e à imprevisiblidade das reuniões. Responderam ao questionário, até o presente momento, 25 pessoas. O anexo é um resumo das respostas. Logo, se as respostas são iguais não aparecem mais de uma vez.

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Resumo

Idade

33/ 39/ 22/ 24/ 25/ 28/ 31/ 19/ 17/ 21/ 49/ 45/ 47/ 53/ 50

Bairro onde mora

Copacabana/ São Cristóvão/ Tijuca/ Saúde/ Urca/ Botafogo/ Catete/ Irajá/ Andaraí/ Gamboa/ Praça da Bandeira/ Ilha do Governador/ Jardim Botânico/ São Cristóvão/ Bangu/ Itanhangá/ Lagoa/ Jacarepaguá/ Laranjeiras

O local onde você mora é:

Alugado 5 20%

Quitado 17 68%

Financiado 3 12%

Sua renda mensal é de:

1 salário mínimo 1 4%

2 a 4 salários mínimos 10 42%

Acima de 4 salários mínimos 13 54%

Trabalha como...

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Carteira assinada 9 36%

Informal 16 64%

Você trabalha em que parte da cidade do Rio de Janeiro? (Marque mais de uma opção se tiver mais de um trabalho)

Centro 12 43%

Zona Sul 10 36%

Zona Norte 4 14%

Zona Oeste 1 4%

Trabalho em outro município 1 4%

Sua vida foi afetada de alguma forma com as obras na Zona Portuária do Rio de Janeiro?

Não/ Sim, o trânsito piorou muito/ Sim, o trânsito tornou-se caótico./ Sim, me mudei da minha residência na Penha para uma república em Botafogo por encontrar dificuldades de deslocamento tanto para o trabalho quanto para a faculdade. Depois comprei o imóvel no Catete.

De 0 a 5, dê seu grau de aprovação para as transformações na Zona Portuária e bairros da região. (0 para “Discordo totalmente” e 5 para “Concordo totalmente).

0 1 4%

1 2 8%

2 5 20%

3 13 52%

4 3 12%

5 1 4%

Está satisfeito com as mudanças que estão ocorrendo?

25

0 1 4%

1 5 20%

2 2 8%

3 12 48%

4 4 16%

5 1 4%

Você tem percebido pontos negativos, alguma atitude tomada indevidamente por parte das autoridades de respeito, para que as obras aconteçam? Relate.

Não./ Sim, a retirada de casas./ Sim, desvio de verba. A falta de informação, e o modo autoritário como as autoridades impõem o poder./ Sim, ausência total de preocupação com o bem-estar da população local/ A falta de planejamento é nítida, basta observar o transtorno do trânsito na cidade desde o começo dos projetos que ali estão sendo executados corrupção/ FALTA DE PLANEJAMENTO PARA QUE A POPULAÇÃO SE LOCOMOVA SEM TRANSTORNOS E SURPRESAS DIÁRIAS/ Falta de consulta a sociedade carioca./ Sim. Um ponto negativo, na minha opinião, é a questão do trânsito no Centro. Tem mais cones do que carros por lá. Claro que este não é o problema, mas sim a confusão com a mudança nos itinerários dos ônibus e também na sinalização. Atravessar por lá está mais desafiante do que antes./ Sim, a desapropriação de casas e o tombamento da perimetral foram desnecessários a meu ver./ Sim. Simplesmente fazem as obras, e não planejam modos eficientes de remanejar o transito. Despejos, remoções e priorização do uso corporativo. próximo a minha residência ocorrem explosões para abertura de um duto para escoamento da água da praça da bandeira para a costa no caju. As explosões estão causando rachaduras nas casas ao redor da área de explosão e nada será feito a respeito./ Pra quem mora na ZP não há pontos negativos. Éramos excluídos seremos incluídos./ Derrubada e fechamento de vias antes de aprontar as alternativas para o tráfico/ Falta de divulgação das mudanças de trânsito.

Você foi consultado por alguma instância do governo para conversar sobre as obras?

Sim 0 0%

Não 25 100%

Participou de alguma reunião sobre o assunto? Onde?

Não.

O que você acha que vai melhorar na área depois que as obras terminarem?

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A estrutura da área, com mais saneamento básico, e melhorias urbanísticas. Melhor infraestrutura, valorização paisagística e aumento da oferta de serviços área de lazer, ciclovia nada./ Acredito que a mobilidade no Centro da cidade ficará melhor, sem dúvidas, mas com maiores gastos com a criação dos "VLTs". Outra melhoria que é bem nítida é a instalação do Teleférico da Providência de forma total, a mobilidade dos moradores da comunidade será bem melhor. trânsito e urbanismo/ O visual da zona portuária. Pontos turísticos, empresariais/ Somente a paisagem/ O fluxo de mercadorias, de turistas e transporte./ a zona portuária vai se tornar habitável/ A valorização das propriedades do local e só/ Velocidade do translado e revitalização de um local há muito abandonado./ Espero que ao término das obras o trânsito flua melhor./ Espero que a mobilidade da cidade melhore./ Estética./ NADA/ Acessibilidade, Serviços a estética/ Trânsito/ Nada

Algumas pessoas tiveram suas casas marcadas pela Secretaria Municipal de Habitação (SMH) e tiveram de sair de suas casas. Você conhece alguma pessoa com quem esse fato ocorreu? Pode nos contar um pouco sobre?

Não conheço./ Não conheço pessoas, mas confirmo a informação. Até porque cheguei a acompanhar a demolição de algumas casas, por morar nas proximidades./ Sim. Receberam uma pequena indenização, abaixo do valor de mercado do imóvel

Você esteve presente em alguma manifestação ultimamente? Se sim, qual?

Não./ Sim./ Várias. Na manifestação contra o aumento de preço dos ônibus./ Sim, manifestações contra grandes eventos e remoções./ Sim,manifestação pela valorização do profissional de educação.

Quantas pessoas você conhece que estão engajadas e interessadas sobre o assunto acerca da zona portuária?

Nenhuma 7 32%

Uma 3 14%

Mais de cinco 12 55%

Você sentiu alguma diferença no preço dos imóveis na região da Zona Portuária? Comente, se puder.

Não tenho conhecimento no assunto/ NÃO/ sim, com a expectativa das obras os preços do local subiram/ Os valores aumentaram/ Não, mas obviamente terá um aumento/ Sim/ Não, não pesquiso muito sobre valores desta região/ Sim, os preços sofreram

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significativo aumento , com a construção de condomínios. Dentro do que me foi possível observar, indiscutivelmente há a valorização das casas no morro com a construção do teleférico da Providência./ Sim.Tanto nos alugueis dos imóveis, quanto no valor das mercadorias./ Não sei./ Sim, os preços aumentaram muito./ Não sei o que mudou nessa questão./ Não sei responder./ Meu aluguel triplicou Comentam que de modo geral os preços estão exorbitantes.

Você acha importante acompanhar as transformações que acontecem na cidade? Por quê?

Sim. Todos temos que estar atentos ao que acontece em nosso redor. É um exercício de cidadania./ SIM. TODOS DEVEM ENTENDER AS MUDANÇAS E CONSEQUENCIAS DAS OBRAS DA CIDADE. APESAR DE DIZEREM QUE HÁ UM PLANEJAMENTO, A POPULAÇÃO TB DEVERIA SER CONSULTADA./ Fundamental, pois somos diretamente afetados - positiva e negativamente. Sim. Todos deveriam participar e ajudar nas decisões que implicam mudanças tão grandiosas/ NÃO/ Sim, moramos na cidade, temos de nos informar e nos posicionar para a construção de um melhor espaço urbano./ Sim, com certeza. Porque nós fazemos parte da cidade e como cidadãos devemos participar dos acontecimentos que ocorrem na cidade./ Sim. Porque fazem parte da história da cidade./ Sim, para saber como transitar pela região e os benefícios que as obras trarão./ Sim, direitos do cidadão/ Sim, as chances de mentirem para nós é imensa/ sim pois precisamos estar atentos a tudo que afeta nosso dia a dia/ Sim, qualquer mudança desse porte afeta direta e indiretamente a vida de todos. sim, para inferir positiva ou negativamente sobre o assunto Sim, modernização/ Sim, pois conhecendo as transformações podemos saber das possibilidades que temos dentro da nossa sociedade seja ela em moradia, transporte, educação, saúde, entre outros. Suponho que as transformações estão. ou pelo menos deveriam estar, ligadas diretamente ao crescimento das possibilidades citadas e na melhoria das que já existem. sim, tais transformações são feitas com dinheiro público e devem atender a população de forma geral/ Sim , porque é o local onde eu moro, onde o dinheiro do imposto que eu pago é gasto, e acredito que seja de estrema que tais mudanças tragam melhorias para a vida da população./ Sim, porque a cidade é nossa. As mudanças que ocorrem fazem parte da nossa história, é parte do que contaremos para nossos netos./ sim. tem muita coisa pra melhorar.

Qual meio de transporte você mais utiliza? (É possível marcar mais de uma opção)

Ônibus 19 40%

Carro particular 8 17%

Metrô 15 31%

Trem 1 2%

BRT 0 0%

Van 2 4%

Barcas 3 6%

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O que gosta de fazer no seu horário de lazer?

ir ao cinema, teatro, jantar fora, caminhar, ler, praia, pedalar, praticar esportes, jogar on-line, museus, festas, conhecer mais a cidade, estudar, ficar com meu namorado, ouvir música, fazer trilha, estar com os amigos e familiares, parques, nadar, fotografar, jogar bola.

Você acompanha algum meio de notícias?

Jornal 18 23%

Televisão 17 21%

Site dos jornais 20 25%

Páginas no facebook 20 25%

Blog 3 4%

Outros 2 3%

Referências

1- ARANTES, Otília, MARICATO, Ermínia, VAINER, Carlos, A Cidade do Pensamento Único: Desmanchando Consensos, 2 Ed., São Paulo: Vozes, 2004.

2- ABREU, Maurício de A. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. 4. Ed. Rio de Janeiro: IPP, 1987, p. 16-25.

3- ARAÚJO, Marinella Machado, SOARES, Gabriela Mansur, CAMPOS, Mariana H. Maurício. Gestão Democrática das Cidades: a CF de 1988 é Efetiva? In: Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, Ibdu Ed. Magister, Manaus, 2008.

4- ARAÚJO, Marinella Machado, SOARES, Gabriela Mansu, SOUZA, Thais Louzada, Governança Participativa de Áreas Públicas: em que avançamos da Constituição de 1988 ao Estatuto da Cidade? In: Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, Ibdu Ed. Magister, Manaus, 2008.

5- BASTOS, Paulo de Mello, Planos Diretores e Participação Popular seu significado atual. In: Temas de Direito Urbanístico V.5, MP São Paulo, Ed. Imprensa Oficial, São Paulo, 2007.

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9- FILHO, José dos Santos Carvalho Filho. Comentários ao Estatuto da Cidade. Ed. Lumens, Rio de Janeiro, 2005.

10- LEFEBVRE, Henri. Espaço e Política. Editoraufmg, Belo Horizonte, 1972

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11- MARICATO, Ermínia. A Especificidade das cidades Periféricas, (In) O Estatuto da Cidade comentado. São Paulo: Aliança das Cidades, 2010.

12- MASSEY, Doreen. Um sentido global do lugar. In: ARANTES, Antonio A. (org.) O espaço da diferença. São Paulo: Papirus, 2000, p.176-185.

13- PECHMAN, Roberto Moses. (Org.). História dos Bairros – Saúde, Gamboa, Santo Cristo – Zona Portuária. Rio de Janeiro, Ed Índex, 1987

14- SANCEZ, Fernanda, MOURA, Rosa. Cidades-modelo: espelhos de virtude ou reprodução do mesmo? Cadernos IPPUR, n. 02, Ano XIII, ago-dez 1999.

15- SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 13 ed., Rio de Janeiro: Record, 2000.

16- VAINER, Carlos Bernardo. Cidade de Exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro. In Anais do ENANPUR, 2010, Rio de Janeiro.