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Projeto: “O Policiamento que a Sociedade Deseja”
Análise das Discussões em Grupo com representantesda Sociedade Civil da Zona Norte de São Paulo
Helder Ferreira
Com intuito de discutir segurança e policiamento, foram realizados três grupos
focais com moradores da Zona Norte da cidade de São Paulo. No primeiro grupo focal,
realizado em 21 de novembro de 2002, do total de 8 participantes, 5 são moradores e
membros de associações de bairros populares e favelas dos distritos municipais de Perus
(Jardim Anhanguera e Morro Doce), Casa Verde e Jaraguá. Há ainda três diretoras de
associações de caráter assistencial que são moradoras de bairros populares da Zona
Norte e trabalham nos distritos de Vila Maria (Parque Novo Mundo), Brasilândia (Vila
Terezinha) e Pirituba (favela do Cantagalo). Estas moradoras estão numa zona cinzenta
entre classe média e popular. Os participantes do segundo grupo focal, ocorrido em 28 de
novembro de 2002, são moradores de bairros populares e favelas do distrito municipal de
Brasilândia (Favela de Vila Penteado e Favela de Vila Brasilândia). Em 18 de dezembro
de 2002, ocorreu o terceiro grupo focal, reunindo moradores de classe média dos distritos
municipais de Tremembé (Jardim Fontalis, Jardim das Pedras) e moradores de classes
média-popular dos Distritos de Tremembé (Vila Albertina) e de Vila Medeiros (Vila
Constança) que participam de associações de moradores e desenvolvem trabalhos
sociais.
Nos grupos focais, as principais diferenças entre os moradores da Zona Norte são
quanto a classe social - se classe média ou popular -, a experiência positiva ao participar
ativamente de um Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) ou não e o fato de ser
parente de policial ou não. Na análise, haverá destaque quando houver indícios de que
estas características são responsáveis por diferenças no discurso.
A análise seguirá os seguintes tópicos: a região Norte segundo os seus moradores,
a atuação da polícia, parcerias entre comunidade e polícia, problemas relativos ao
policiamento e segurança e propostas.
1) A região Norte segundo os seus moradores
Neste primeiro item, os moradores abordaram várias questões relacionadas à
segurança em seus bairros. Elas são as seguintes: drogas (consumo, tráfico e
relacionamento entre a comunidade e os delinqüentes do bairro), outros crimes, o impacto
da ação de delinqüentes sobre as ações comunitárias, crianças e jovens, vigilância
privada, policiamento na área, qualidade da vida urbana (infra-estrutura), teorias sobre a
violência urbana e a questão do zoneamento. Foi possível observar que determinados
problemas são levantados por moradores de certos bairros e não por outros, em parte,
devido a diferenças nas condições existentes nos bairros de classe média, bairros
populares e favelas.
a) Drogas: consumo e tráfico
A questão do consumo, tráfico de drogas e relação entre moradores e delinqüentes
foi abordada espontaneamente pelos moradores da Zona Norte quando foram
estimulados a falar sobre como era a segurança no bairro e quais os problemas
existentes.
Um primeiro ponto de preocupação é a questão do envolvimento de crianças e
adolescentes com as drogas, seja como usuário ou como funcionário do tráfico. O
participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, afirmou que a droga absorve “os
nossos jovens, nossa criançada”. A participante 43, moradora da Vila Constança, disse
que na sua região existem crianças vivendo em famílias que existem usuários de drogas e
que “é um lugar que tem muita criança. Então a criança é mão-de-obra fácil”. A
participante 41, moradora do Jardim Fontales, observou que em algumas áreas pobres
próximas ao seu bairro, enquanto estão os “pais no trabalho, crianças ficam na rua e
compram drogas”: “às vezes na avenida a gente vê criança comprando pedra de crack às
cinco horas da tarde”. A participante 35, moradora da Favela de Vila Brasilândia, chegou
a fazer o seguinte relato: “tem um pequeno lá, deve ter dois anos, põe para carregar a
droga, pelo menos adulto ou a polícia não vê, eu acho um absurdo isso”.
Estes participantes, moradores de bairros populares e favelas, indicam que existe,
em certas áreas, um grande risco de crianças e adolescentes serem levados ao uso de
drogas, e mesmo à filiação ao tráfico de entorpecentes. Alguns participantes disseram
conhecer crianças nesta situação.
Neste sentido, um dos locais em que a presença do tráfico desperta maiores
preocupações é a escola. A participante 42, moradora da Vila Albertina, afirmou que a
diretora de um colégio perto da sua casa “tem até medo de dar aula”. O participante 33,
morador da Brasilândia disse que “onde tem escola tem traficante”. A participante 39,
moradora do Jardim Floresta, defendeu a existência de “um controle na porta das
escolas”. A participante 41, moradora do Jardim Fontales, disse querer que o Governo do
Estado volte a colocar um policial permanente para “intimidar quem entra com droga
através da escola”. O participante 28, morador do Jardim Anhanguera mencionou que tem
conhecimento de “grupos infiltrados em volta das escolas”.
Neste conjunto de relatos se nota a preocupação com a existência de usuários e
traficantes nas imediações das escolas e é comum a reivindicação de um maior aporte de
segurança por parte do Estado.
Um segundo ponto é a questão dos espaços comunitários. Participantes de bairros
populares e favelas também reclamaram da ocupação do espaço comunitário por
pessoas envolvidas com drogas. Um exemplo, é o caso de moradoras de Vila Constança
que reclamaram que a comunidade se juntou e fez uma praça, mas que atualmente não
pode usá-la, devido à ocupação da praça por moradores de rua envolvidos com drogas:
Participante 42 - “O nosso problema no bairro é com drogamesmo. (...) Lá, inclusive, nós temos uma praça com moradoresde rua. A gente não pode fazer melhorias na praça porque elesnão deixam a gente fazer. Eles ameaçam até de morte mesmo.”
Uma terceira questão é a relação que alguns moradores estabelecem com
traficantes e usuários. Alguns participantes se referem à relação que se dá com pessoas
envolvidas com drogas. A participante 43, moradora de Vila Constança e membro de
Conseg, afirmou que em relação a sua associação há um acordo implícito em que
moradores e pessoas envolvidas com drogas reconhecem os espaços um dos outros. De
um lado, moradores não freqüentam uma praça (que foi uma conquista dos moradores),
de outro as pessoas envolvidas com drogas não freqüentam o espaço da associação:
“Vocês não adentram a nossa área e nós respeitamos a sua”. Segundo ela, quando há
pessoas usando drogas “ou fazendo alguma coisa errada” no espaço da entidade, eles se
retiram se ela lhes pede: “‘Puxa! Não faz isso aqui não. Eu estou cheia de criança’”. O
respeito às crianças por parte de pessoas envolvidas com drogas é mencionado pela
mesma participante em outro momento. Falando por que estas pessoas respeitam a
entidade, a participante explicou que isso se deve ao fato de muitos deles quererem que
seus filhos também sejam atendidos na entidade: “Mesmo o pai drogado ele manda o filho
dele pra lá. Porque ele não quer o filho dele ali”. A participante 40, moradora do Jardim
das Pedras, membro do Conseg, chegou a dizer que não tem grandes dificuldades em
lidar com jovens usuários de drogas, por meio do diálogo:
Participante 40 - “O que eu tenho a dizer do Jardim das Pedras...Tem bastante droga. Só que os meninos não mexem comninguém, conheço todos eles. (...) Os meninos, também, como agente já conhece e eu converso muito com eles, troco muita idéiacom eles. Tem noite que numa padaria tem uma faixa de 20meninos. Eu vou lá, sento com eles e converso, porque tem umgaroto fazendo uns bailes, assando um churrasco... Quando foiquinta-feira passada a vizinha me deu uma ligada e eu fui... Muitobem, era uma e meia da manhã e falei: ‘Tudo bem, estou indo já.Você pode ficar na sua janela olhando que eu vou lá’. Fui lá,conversei com eles e não me xingaram. Eu conheço todos, né. Aí,conversei com eles e eles apagaram o fogo e desligaram o rádio.Falou: ‘não dona Fulana, tá limpo! A senhora pediu a genteconcorda.’”
O que fica claro nestes relatos é que certas pessoas conseguem estabelecer
diálogo com pessoas envolvidas com drogas. Tolerando o uso em espaço público,
tratando-os com “respeito” e pedindo colaboração por parte destes jovens, estas pessoas
conseguem evitar atritos maiores. No entanto, se é feita alguma tentativa de retirá-los do
espaço público pelo uso da força, represálias podem acontecer:
Participante 39 - “Já teve vez de eu e meu marido sairmos dedentro da entidade escondidos dentro do carro da polícia.Escondidos lá no fundo, porque a polícia entrou e pegou os caraslá dentro. Aí, ‘foi a Fulana que chamou’ ou ‘foi o (seu marido) quechamou’. Então ó ‘Guenta que nós te pega lá na esquina!’... Entãoo que foi feito? Veio o pessoal da Companhia, nós entramos nocarro, abaixamos e eles nos levaram até em casa. Você vê asituação que é.”
Moradores de favela falaram das relações existentes com traficantes de drogas. A
participante 32, moradora da Favela Vila Penteado, relatou uma situação que ilustra a
importância que tem ser conhecido do traficante local: “porque eu sou conhecida, eu fui
para lá tinha 16 anos”. Há alguns anos, ela costumava se embebedar. Um dia, bêbada, foi
até uma mesa, onde o chefe local do tráfico estava jogando baralho e usando drogas com
outros traficantes. Discutiu com eles, pegou o baralho, rasgou e o jogou num copo com
bebida. No outro dia, ela foi se desculpar com o traficante e se travou um diálogo com as
seguintes falas: “‘Vô, me desculpa o que fiz ali, você sabe a bebida’; ‘por isso que você
não morreu, porque você é amiga’;(...) ‘pode deixar que eu vou te pagar o baralho, pede
desculpas para os meninos por mim porque estava bêbada e vocês são os meus amigos,
não é amigos?’; ‘quase tu ia para o João Bocão’ (morrer)”. Esta mesma participante disse
que atualmente as coisas são diferentes, porque os traficantes são outros: “agora é outra
turma, (...) já não tem mais aquela amizade, o meu nível agora já é outro, é bem
diferente”. Segundo ela, estes novos traficantes são mais violentos e já demonstraram
isso algumas vezes:
Participante 32 - “(...) Você vê, outro dia a gente estava vindo daigreja, só ouvi: ‘pá, pá, pá, fulano morreu’. Por causa do quê? Porcausa de nada. Perto lá do beco, por causa do nada o meninomatou o outro. Entendeu? O filho de uma amiga nossa... (...)Porque a namorada quis ele, aquela coisa, ele foi lá e matou. Umacriança, um menino, um menino pequeno, matou. (...) Se a gentefor discutir, se a gente não conversar primeiro com ele, participarcom eles as coisas acontece. Acontece com certeza. Se ele nãofizer, ele manda fazer... Acontece.”
O que as falas desta participante indicam é que em seu bairro havia um traficante
que era antigo morador e que, por isso, ela conseguia se relacionar melhor. A atual
quadrilha é menos conhecida, formada por pessoas mais jovens e, talvez, por tudo isso
pareça mais violenta. Segundo ela, com a quadrilha atual é necessário ser mais
subserviente, conversar e ”participar com eles as coisas”.
Nesta relação, alguns participantes afirmaram que o tráfico pode fornecer alguns
serviços ou auxílio a moradores, por exemplo, podem impedir a ocorrência de certos
delitos. A participante 31, moradora da Favela de Vila Penteado, mencionou que
antigamente havia “meninos” que praticavam furtos e que atualmente, com a presença de
certos traficantes, “não some nada de lá”. A participante 29, moradora da Brasilândia, fez
o seguinte relato:
Participante 29 - “Onde nós moramos também o acesso é muitodifícil. Quem geralmente manda é o traficante e a polícia tempouco acesso. Uma coisa que eu gostaria de falar: a gente temmais segurança. Não estou dizendo que nós apoiamos otraficante, não é isso. Mas, geralmente, o traficante cuida mais dacomunidade do que a própria polícia. (...) Muitas vezes, algunstraficantes, dependendo, da situação das pessoas da favela, eleaté ajuda. Dá cesta básica, sei lá, ajuda de alguma maneira. Elevai estar lá ajudando ou mandando alguém ajudar, coisa que para
a gente fica difícil conseguir de alguns governantes, por exemplo.Na minha Associação não tem ajuda de nenhum traficante. Mas, agente vê, isso é coisa que a gente pode ficar vendo, observando(...) Quando eu falo que eles, os traficantes, cuidam mais não é sópor causa de dar subsídios para as pessoas que estãonecessitando, mas, se vai ter um tiroteio, e eles já estão sabendo,eles mandam recolher todas as crianças que estão na rua e todomundo entra. Quer dizer, se vem outras pessoas, bandidos deoutras regiões, eles (os políciais) não vão estar pensando nisso,nas crianças, nos adolescentes, na comunidade. Na verdade,quem está dominando mais é o trafico hoje em dia, a polícia nãoestá fazendo mais nada por nós."
Neste relato, é possível perceber que a participante, embora negue qualquer
envolvimento de sua associação com o tráfico, reconhece que os traficantes dominam o
local e prestam auxílio a moradores: cestas básicas para famílias necessitadas, orientam
os moradores quando há “bandidos de outras regiões”. O relato indica que o tráfico local
pode ser mais presente que o Estado, seja na área de assistência social ou de segurança.
No entanto, esta boa relação com traficantes depende do “respeito” que os
moradores têm pelos primeiros. As participantes 32 e 31, moradoras da Favela de Vila
Penteado, afirmaram que um bar da favela teve que fechar porque o dono não
“respeitava” os traficantes e, por isso, acabou sendo roubado inúmeras vezes. A
participante 31, respondendo a questão do que é “respeitar”, disse que “respeitar é não
denunciar”: não dizer a policiais onde há droga escondida, quem é traficante e onde está.
A participante 35, moradora da Favela de Vila Brasilândia, deu indicações de por
que é importante ter este “respeito” pelos traficantes. Segundo ela, “tem que estar ao lado
de traficantes para se proteger, porque a polícia não dá segurança a gente (tem que) ficar
um pouco do lado desses pessoal que são torto por causa que a gente tem o filho da
gente”. A participante 29, moradora da Brasilândia, disse que os traficantes têm suas
normas (“ordem de fechar as portas”, “lei do silêncio”), que não existe policiamento, não
há apoio de governantes e que “a comunidade fica com medo”: “ A lei do silêncio, tem
tudo isso, então a gente que é comunidade fica com medo: a gente não tem apoio
nenhum, de nenhum governante, não tem apoio de ninguém, a gente vai poder apoiar
quem? Ninguém. Não tem policiamento...”. A participante 31 deu explicações de por que
não é possível denunciar as ações de traficantes:
Participante 31 - “A gente sabe. A gente não pode abrir a bocapara falar. Por quê? Porque se a gente falar vai ter problema paragente, porque a gente tem casa, tem filhos, tem família. A gentepensa em tudo isso. Então, às vezes, é por isso que a gente não
denuncia. Uma pessoa vê um matar o outro e tem que ficar quieta,porque se for denunciar... Como no caso que ela está falando: elematou. A gente sabe que ele matou. Ele falou que matou, masquem vai falar alguma coisa? (...) Denúncia anônima, que elesfalam, eu não confio. Por quê? Porque quantas pessoas passamna televisão que a polícia não dá segurança. Eles dão no início, edepois eles abandonam. E como fica a família? Não é terrível? Eumesmo morro de medo...”
Assim, com a falta de segurança por parte do Estado, é importante não ter atritos
com os traficantes, para garantir a própria proteção e a de familiares. O participante 25,
morador da Casa Verde, chegou a dizer que na sua área alguns traficantes tentaram
expulsar moradores de seus apartamentos.
Pode-se notar, que esta relação entre moradores e traficantes se dá em termos
desiguais. Há indícios de que os traficantes têm o domínio de certos locais, por meio de
sua força, e exigem dos moradores a aceitação de sua presença e de suas ações. Além
disso, muitos moradores temem fazer denúncias a policiais que têm relações com os
traficantes. Assim, a força se consolida com o medo dos moradores de acionar a polícia.
Aos moradores cabe conhecer as normas que são impostas, obedecê-las e serem gratos
pelas benesses dadas pelos traficantes, as quais, às vezes, parecem ser maiores que as
do Estado. Isto mostra que a situação descrita por estes participantes é mais grave do
que a vivida por alguns participantes que moram em bairros populares que há presença
de pessoas envolvidas com drogas, disputam-se espaços, mas não parece haver um
domínio pelos traficantes, por meio do uso ou da ameaça da força, de toda a área.
Uma quarta questão é quanto às mortes causadas pelos traficantes que foi tratada
por moradores de favelas e de bairros populares. A participante 43, moradora da Vila
Constança, disse que estavam ocorrendo muitas mortes em sua área (“Segunda-feira
teve, domingo teve, sexta-feira teve, ontem teve”). A participante 42, moradora da Vila
Albertina, disse que por volta de um mês antes da realização do grupo focal, uma pessoa
foi morta em “acerto de contas”. A participante 30, que trabalha na Favela Cantagalo,
afirmou que lá há “18 bocas” e é comum 3 ou 4 pessoas serem assassinadas por mês,
em virtude de disputa entre “gangues”, e que a polícia não vai ao local. A participante 41,
moradora do Jardim Fontales, mencionou que seis meses antes da realização do grupo
focal, no local em que mora, houve uma guerra entre traficantes:
Participante 41 - “Começou acontecer às cinco horas. Três horasda tarde, então, todo mundo ficou apavorado. Na época tinhapolícia direto no Fontales. Agora acabou...”.
Estes relatos indicam que as mortes incomodam os moradores destes locais e,
segundo um participante, é ainda pior quando há combates entre traficantes durante o
dia, porque os moradores correm mais riscos. No entanto, neste caso, a polícia parece
intervir.
Fechando este item, pode-se notar que há diferenças básicas entre as questões que
envolvem o consumo e o tráfico. De um lado, é apontada a ocupação de espaços públicos
por usuários de drogas em bairros populares. O tráfico de drogas, o consumo de drogas
em local público e a venda de drogas em escola incomodam moradores e exigem por
parte deles uma capacidade de se adaptar a essas situações de forma e evitar atritos com
estes atores, sob pena de serem alvo de represálias. De outro lado, há o domínio de
certas favelas por traficantes. A presença policial nestes locais parece ser nula e a
insegurança impede moradores de fazer denúncias.
b) Outros crimes
Os participantes dos grupos focais da Zona Norte abordaram outros crimes além do
tráfico de drogas, quando trataram sobre a questão da segurança em seus bairros e
problemas inerentes a ela.
Dois participantes mencionaram crimes que ocorrem e que são fruto de conflitos
interpessoais. A participante 24, moradora do Parque Novo Mundo, membro de um
entidade assistencial, disse que freqüentemente visita casas em que mulheres contam
que foram vítimas de agressão por parte de seus maridos. O participante 25, morador da
Casa Verde, relatou conflitos entre pessoas comuns:
Participante 25 - “A gente não sabe quem é o bandido no local. Nasemana retrasada, um pai de família deu um tapa na cara dooutro. O cara foi lá, tirou o revolver e deu dois tiros no outro.”
Alguns participantes mencionaram o crime de roubo de carro. O participante 37,
morador do Jardim Floresta, bairro de classe média, afirmou que em seu bairro há uma
rua de comércio cercada de várias outras que são utilizadas para se estacionar, onde
muitos carros são roubados. Ele disse desconfiar dos jovens guardadores de carro. A
participante 41, moradora do Jardim Fontales, afirmou que “muitos carros são roubados,
porque é muito fácil ir embora”. Ambas as participantes responsabilizaram áreas vizinhas.
Participante 41 - “Já 2 caminhões foram roubados no meu bairro,dizem que foram os moradores do Jardim Flor de Maio. Doiscaminhões roubados... Fusca, então, meu Deus, nem contoquantos... (...) Então, muitos carros são roubados porque é muitofácil ir embora. Pegou a Fernão Dias: tchau!“ (Jardim Fontales)
Foram mencionados outros tipos de roubo. A participante 41, moradora do Jardim
Fontales, membro do Conseg, foi comunicada por comerciantes de roubos a um depósito
de gás e a um bar em seu bairro, recentemente, cometido por jovens. Nos dois casos,
segundo ela, as pessoas ficaram com medo de denunciar: um chamou a polícia, mas esta
não foi ao local, depois, ele desistiu de registrar ocorrência. O outro chamou a polícia,
esta compareceu, mas ele teve medo de represálias pelos assaltantes. A participante 40,
moradora do Jardim das Pedras, fez referências a um dono de loja que foi assaltado “48
vezes”.
A participante 31, moradora da Favela de Vila Penteado, afirmou que é difícil ocorrer
roubos a casas ou moradores nas ruas do bairro. No entanto, ela tem conhecimento de
roubos a caminhões de entrega e a casas fora da vizinhança. A participante 30, que
trabalha na favela Cantagalo e é moradora de Pirituba, mencionou o furto a uma escola,
em que foi levada, inclusive, uma fotocopiadora, e o freqüente roubo a ônibus e
caminhões que entram na favela. Esta participante disse também que já sofreu 4
seqüestros relâmpagos, mas não deixou claro quais foram os locais em que ocorreram:
“Olha, de 98 para cá, eu fui pega 4 vezes em seqüestro relâmpago; assaltada, eu perdi a
conta”. A participante 38, moradora da Vila Albertina, contou que dias antes da realização
do grupo focal, seu filho sofreu um seqüestro relâmpago e o carro foi levado na Zona
Norte.
Há relatos que abordaram os crimes de maneira geral. Duas participantes, que
fazem trabalho de assistência social, têm um olhar de fora do que acontece na favela
Cantagalo e num conjunto do Cingapura:
Participante 24 - “Eu, como Assistente Social, faço as visitas nosbarracos e também nos predinhos, os apartamentos do Cingapura.Então, essa questão da violência a gente tem percebido queacontece muito também além da questão do homicídio. O próprioCingapura (...), lá sai tiro todos os dias. A Eletropaulo e aTelefônica para entrarem lá tem que entrar identificada, senão,simplesmente, não entra. A polícia entra com muita dificuldade lá.”
Participante 30 - “Em termo de segurança, lá nós não temosmesmo nenhuma. Nenhuma. Não tem nem como falar. Eu voufalar aqui só os problemas que tem lá. A única coisa que vocêsvão ouvir é estupro, bandido que mata bandido porque entrou naárea dele, de pai de família que tem de sair 5 da manhã e se nãopagar pedágio morre e assim sucessivamente...“
Por estes relatos, estes dois locais estão completamente dominados por infratores
que controlam o acesso, cobram pedágios, e onde homicídios e estupros são freqüentes,
expressando a total falta segurança nestes locais. O participante 34, morador da Favela
de Vila Brasilândia, contou um acontecimento em que fica clara a maneira como infratores
de determinados locais podem intimidar testemunhas de seus crimes e se manterem a
salvo de qualquer punição:
Participante 34 - “Há uns tempos eu estava fazendo uns cursos eos próprios jovens deram a dica. Os caras passaram lá no dia queestava fazendo pagamento da bolsa deles. Entraram lá, deutiroteio e não sei o que... Tinha um policial à paisana junto queprendeu um deles e os outros fugiram. Passou um certo tempo e apolícia mandou uma intimação para o pessoal ir fazer oreconhecimento. Mas, antes de ir lá fazer o reconhecimento,vieram as irmãs do ladrão pedindo para a gente não ir fazer oreconhecimento. ‘Mas, como assim?’ (...) Aí, eu pensei comigo:‘Mas como ele tem o nosso endereço se o curso estava sendofeito lá na igreja?’ ‘Como ele tem o endereço da gente?’ Aí o rapazfalou que ele tem nos autos (processo) e lá consta o endereço detodo mundo. Falei: ‘nossa senhora, você fica vendido...” Se vocêchegar e falar: ‘eu conheço isso, aquele outro...’ (...) Se está aliconvivendo com eles como é que eu vou reconhecer ele? Depoissaio, passo perto da casa dele, perto de não sei o que, eu voumorrer.... Por quê? Porque você não tem o dinheiro para mudar eir embora (...)”
Concluindo este item, é possível perceber que há diferenças entre os relatos dos
participantes, de acordo com o local em que moram. Na questão dos roubos, parece que
há alguns bairros (populares e de classe média) em que ocorrem mais roubos de carros e
a pontos comerciais. Em outros locais, em favelas e arredores, os roubos parecem
ocorrer contra serviços de entrega de mercadoria, transporte público e escolas, mas não
contra moradores e seus pequenos pontos comerciais. Alguns participantes indicaram,
também, que nos bairros em que moram conhecem infratores que cometem determinados
crimes, mas que estes parecem acima de qualquer possibilidade de punição. Isto indica
que não são só traficantes que estão, na visão de participantes, atuando impunemente,
mas também outros delinqüentes locais.
c) O impacto da ação de delinqüentes sobre as ações comunitárias
Falando sobre o problema das drogas, moradores da Favela de Vila Brasilândia e
da Favela de Vila Penteado se referiram a uma vigilância exercida por traficantes sobre as
ações comunitárias. O participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, afirmou que
é perigoso participar de uma reunião do Conseg, porque os traficantes podem saber desta
participação e “aí vai falar ‘é ele que está trazendo, é fulano que está trazendo’” a polícia
para o bairro. A participante 32, moradora da Favela Vila Penteado, a qual faz parte da
organização de um mutirão para a construção de casas, disse que há policiais os quais
fazem parte do mutirão e cuja identidade não é revelada – eles não comparecem às
reuniões fardados e nem a organização comenta sobre o fato – “não vou falar ‘fulano é
policial, cicrano é policial’, Deus me livre, porque eu sei quem está ali no meio, quem é
quem”. Esta mesma participante relatou que uma de suas amigas que era Conselheira
Tutelar da Criança e do Adolescente atendeu um caso de espancamento de criança
cometido por um pai sob efeito de drogas. Este pai queria matá-la. Diante disso, o
Conselho Tutelar foi fechado, os Conselheiros tiveram que ficar escondidos durante um
certo tempo. Cabe destacar que, segundo a participante, um Distrito Policial foi procurado,
mas não houve nenhum tipo de auxílio. Neste locais, a presença dos traficantes traz
maiores prejuízos, pois chega a coibir a ação política, social e comunitária de moradores,
como a participação em associação de moradia, Consegs ou Conselho Tutelar da Criança
e Adolescente, diminuindo ainda mais a possibilidade da comunidade reagir aos
problemas de consumo de drogas e violência.
d) Crianças e Jovens
A abordagem de temas ligados a crianças e jovens foi constante nos grupos focais.
Já discutimos aqui as preocupações com a infiltração do tráfico de drogas nas escolas,
com o aliciamento de crianças e adolescentes pelo tráfico, o uso de drogas por jovens
usuários em locais públicos e a desconfiança existente contra os jovens guardadores de
carro. Outro tema importante para os participantes, muitos deles membros de
associações de moradores e entidades que desenvolvem trabalhos sociais, é quanto a
necessidade de se desenvolver atividades com os crianças e jovens, de forma a protegê-
los da influência de infratores. Este tema também surgiu espontaneamente entre os
participantes ao responderem a questão sobre a segurança no bairro em todos os 3
grupos.
O participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia disse que falta espaço na
sua associação para cuidar melhor “da criança pobre”. Segundo ele, há a vontade de
desenvolver trabalhos, mas quando se procura uma Secretaria de Estado para obter
apoio, são pedidos documentos e há todo um processo que acaba por levar os
interessados em desistir da iniciativa. Além disso, faltam espaços públicos para se
desenvolver atividades de lazer, de cultura e de esporte com estas crianças e, com isso,
as crianças e os jovens ficam mais próximos do tráfico de drogas:
Participante 34 - “Hoje em dia, os nossos jovens saem para a rua,nossas crianças saem para rua e o que tem? Nada. Vai ter cidadede tijolo, cidade de concreto, mas não tem nada. Não tem umlazer, vai ter o quê? Chegar na porta do bar e fica jogando jogo.Jogando snooker, jogando... Induzindo por aquelas pessoas comcabeça um pouco mais adiantada, por causa da idade, e que estádiscutindo negócio de droga, participando de drogas e aquilooutro, aquele jovem vai ficar ali absorvendo aquela violência.”
A participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, defendeu também a
existência de cursos para crianças e adolescentes e espaços para lazer. A participante
35, moradora da Favela de Vila Brasilândia, defendeu a existência de meios de
transportes para levá-los a parques durantes as férias: “a gente fica lembrando, as férias
vai começar, a gente não tem dinheiro para levar, eles vão ficar solto ali,”. A participante
31, moradora da Favela de Vila Penteado, criticou a transformação porque passou o
projeto Circo-Escola, o qual, agora atende poucas crianças, e desenvolve poucas
atividades, além de não haver mais a possibilidade se conseguir um emprego aos 14
anos:
Participante 31 - “Há uns 15 anos atrás, você não via umadolescente ali na rua. Não via um grupinho deles porque o CircoEscola tinha horário, acho que uns 3 horário ou 4 horários duranteo dia e ainda tinha a noite também, entendeu? As crianças iamtodas para lá. Quando iam fazendo 14 anos já iam para aSecretaria do Menor, que já arrumava serviço e já empregava. (...)Antigamente, dava gosto ir lá: faziam aquele trapézio, passava natelevisão, apresentavam... Pegava todas as crianças ali do bairroBrasilândia, Guarani, eram muitas crianças.”
Em todos estes relatos, é comum a crítica à falta de espaços e de meios para se
desenvolver atividades com crianças e adolescentes. Há também considerações sobre os
riscos que correm as crianças que estão “soltas” nas ruas.
e) Vigilância privada
A questão da vigilância, ou seja, o trabalho exercido por vigilantes particulares ou
por empresas de segurança privada, foi discutida em todos os grupos focais, sobretudo
no terceiro grupo com participantes de poder aquisitivo mais alto. Um dos pontos
mencionados foi quanto à vigilância a áreas comerciais. A participante 32, moradora da
Favela de Vila Penteado, afirmou conhecer policiais e traficantes que trabalham como
seguranças:
Participante 32 - “Lá no largo da Parada quem cuida dali? É o tio,parente do (Fulano), que é policial, que é onde faz a tal boquinha,lá na Parada. Atrás do Largo da Parada quem faz a segurança?Os Traficantes, bandidos, o marido da (Sicrana), esse parente dooutro que é do Belém... Então, os comerciantes estão pagandopara os bandidos, para os traficantes tomarem conta das lojas,estabelecimentos... Só que, do lado de cá, são os bandidos etraficantes e nessa outra rua são os policiais. Acontece que ospoliciais com eles aqui são amigos... (...) Sim, e é tudo conhecidonosso. (...) Então a polícia faz aquele famoso biquinho extra,naquela rua do lado de cá, onde sobe os ônibus, e ali é otraficante, que também é conhecido nosso. (...) Fazendo o bico,estão fazendo segurança daquelas lojas. Ali ladrão não rouba,ninguém rouba, e se rouba, eles vão atrás e vão pegar. Sabemquem é, descobrem quem são bandidos, entendeu? De um lado épolicial, e do lado de cá, é bandido. É tudo colega, tudoconhecido... (...) Ninguém rouba e é tudo bem vestido. Uma horaque for para o lado de lá, eu te levo e te apresentou um: ‘Oi, tudobem?‘ Bem vestido, tudo bem arrumado, que você olha e pensaque é uma pessoa bem clássica, pessoa finíssima e é umtraficante, é um bandido...”
O relato não traz grandes críticas à atuação da polícia. Entretanto, a participante
não deixou de acentuar a promiscuidade existente: comerciantes contratando “bandidos”
como seguranças, e policiais sendo “amigos” dos traficantes.
Outro ponto discutido foi a vigilância a área residenciais, exercida por guardas de
rua. Este tipo de serviço não parece ser usufruído por pessoas das classes mais baixas. A
participante 24, moradora do Parque Novo Mundo, disse que no seu bairro há uma
“região nobre”, onde as pessoas pagam pelo serviço de vigilância particular, existindo
inclusive guaritas na rua.
Uma das questões discutidas em relação a estes “guardas noturnos” foi quanto a
sua profissionalização. O participante 37 disse que conta com um serviço
profissionalizado e que está satisfeito. Segundo ele, os guardas têm autorização para
trabalhar e fizeram cursos, e, estando preparados para realizar o trabalho, não há
problema em pagá-los. Outros participantes reclamam da falta de profissionalização. A
participante 39, moradora do Jardim Floresta, relata inúmeros problemas enfrentados pela
falta de capacitação destes trabalhadores:
Participante 39 - “Tem gente lá, que não sabe anotar uma placa decarro, que não sabe anotar um número de telefone e não sabenem ler nem escrever (...), que é uma pessoa totalmentedesconectada e dorme a noite inteira”.
A questão da profissionalização foi relacionada ao trabalho policial por alguns
participantes. A participante 40, moradora do Jardim das Pedras, disse que o Delegado
ensina que se deve pedir o “documento” ao guarda noturno.
Alguns consideram também os guardas noturnos suspeitos. A participante 39,
moradora do Jardim Floresta, disse que há duas “guaritas” rivais. Segundo ela, houve
recentemente um furto numa casa vigiada por uma “guarita”, que ela acredita que tenha
sido planejado pelo guarda noturno da outra “guarita”. A participante 40, moradora do
Jardim das Pedras, disse que se recusou a pagar pelo serviço porque antes não havia
roubos na região e agora, com a chegada do guarda noturno, já houve furto de dois
carros e três assaltos a um mesmo bar. O fato de vários guardas noturnos não portarem a
Carteira Nacional de Vigilantes parece aumentar as suspeitas: “Porque o guarda noturno,
olha, eu pedi documento ele não me deu. O delegado manda a gente pedir e eles não
dá”.
Além disso, o próprio fato de os guardas noturnos passarem na casa de moradores
pedindo pagamento parece incomodar alguns deles:
Participante 39 - “Eu tive uma discussão com ele mês passado.Chegou na minha casa pedindo dinheiro. O meu menino ia dar eeu falei: ‘Você não vai dar. Eu não preciso de guarda noturno praolhar. Pra quê?’ O guarda disse: ‘Não, mas a gente olha’. Eu digo‘Não. Você não olha, porque o mês passado foi roubado doiscarros, lá em cima. A mulher que te dá café de noite e sempreestá te ajudando. Isso aí é obra de vocês’.”
Houve uma participante que disse ainda que os guardas noturnos auxiliam a polícia,
ao servirem de informantes em determinados locais que estão “perigosos”:
Participante 42 - “Quando começa a ficar, lá no morro, muitoperigoso, o que eles fazem? Pegam esses guardas: ‘Vem, leve agente lá que você conhece o pedaço tudo’. Então, ele vaiescondido dentro do carro e mostra tudo aquilo.”
Concluindo a discussão sobre a vigilância pode-se dizer que os participantes, de
maneira geral, defendem que os guardas noturnos portem documentos de autorização e
que façam cursos de capacitação. Alguns chegaram, inclusive, a pedir que a polícia ajude
a fiscalizar esta função.
f) Policiamento na área
A questão do policiamento foi abordada espontaneamente pelos participantes ao
tratarem sobre a segurança em seus bairros. Alguns temas ligados ao policiamento já
foram abordados nos itens acima: a preocupação dos moradores em sofrer represálias
por participarem de reuniões de Conseg ou por contribuir na identificação de infratores, a
falta de policiamento em alguns locais e a falta de fiscalização dos guardas noturnos por
parte da polícia. Estes temas apareceram por causa de sua ligação com os outros itens e,
alguns deles, serão novamente discutidos.
Um primeiro ponto abordado foi a questão da qualidade do serviço prestado por
estruturas policiais nos bairros. O participante 37, morador do Jardim Floresta, disse que
seu bairro é privilegiado, porque há um posto policial, que “funciona direitinho”, mas que
não atende todo o bairro. O participante 25, morador da Casa Verde e membro de um
Conseg, disse que há um fácil acesso à polícia, porque o Distrito Policial é próximo. Estes
participantes se mostraram satisfeitos com a presença policial e com o serviço prestado.
Outros participantes criticaram a capacidade da delegacia de auxiliar na segurança do
bairro. A participante 30, que trabalha na Favela Cantagalo, disse que neste local só há
uma delegacia e que não há segurança. Segundo ela, um terreno já foi cedido, mas ainda
não se conseguiu construir um posto policial na favela. A participante 41, moradora do
Jardim Fontales, disse que é preciso melhorar a situação do Distrito Policial mais próximo,
porque num pátio cheio de viaturas, poucas funcionam.
Um outro ponto discutido foi quanto a existência de rondas policiais. Alguns
participantes reclamaram da falta de patrulhamento. A participante 30, que trabalha na
favela Cantagalo, disse que há 8 favelas na região e que a polícia não vai a nenhuma. Se
há infratores atuando, a polícia não vai ao local, e um dos fatores seria a falta de
armamento dos policiais. O participante 23, morador do Jaraguá e o participante 33,
morador da Brasilândia, reclamaram da ausência de ronda de viaturas de polícia nos seus
bairros. O participante 37, morador do Jardim Floresta, bairro que considerou privilegiado,
disse que não tem visto mais viaturas fazendo ronda nos arredores de sua casa. Este
participante destacou a importância da ronda:
Participante 37 - “Durante um bom tempo eles existiam epassavam devagarzinho, olhando, a noite, com farol... Era umacoisa que, além de transmitir segurança para gente, criava umainibição para os ‘outros’.”
Outros participantes, membros de Conseg, de classe média-popular afirmaram que
rondas são realizadas. A participante 40, moradora do Jardim das Pedras, relatou que
atualmente as viaturas estão passando com menos freqüência. O participante 25,
morador da Casa Verde, disse que a segurança está a “60%”, porque a polícia está
sempre fazendo ronda e atendendo ocorrências. A participante 32, moradora da Favela
de Vila Penteado, disse que os policiais estão sempre fazendo ronda na favela. Estes dois
últimos participantes narram atendimentos pessoais pela polícia:
Participante 25 - “Na época mesmo que eu estava para levantar oCentro de Convivência, o cidadão se levantou para querer dar emmim. Eu peguei, liguei, e em menos de 5 minutos ele já estava lá.Eles atenderam assim com uma facilidade.“
Participante 32 - “Na favela, sempre a gente está tendo contatocom as polícias. (Eles) estão passando e, nessa parte, eu nãotenho o que reclamar. Não tenho mesmo. Estão sempre ativos alinas ruas...”
Nota-se assim uma clara diferença entre os relatos dos membros de Conseg e os
dos demais participantes. É possível que, por participarem ativamente do Conseg, estas
pessoas estejam mais sensíveis para os esforços da polícia e, além disso, esta maior
proximidade com os policiais que o Conseg lhes propicia, garante-lhes um tratamento
prioritário por parte dos policiais da região.
Alguns participantes relataram outros tipos de atendimento discriminatório por parte
dos policiais. O participante 25, morador da Casa Verde, disse que a região onde mora é
de classe média e há empresas, escolas e condomínios, “então a polícia é mais ativa”. O
participante 23, morador do Jaraguá, comparou a freqüente circulação de viaturas
policiais numa determinada avenida comercial com um incidente em que uma senhora,
por causa de uma “confusão”, “chamou a polícia lá 3 vezes, eles foram aparecer 2 horas
depois que aconteceu a confusão”. A participante 34, moradora da Favela de Vila
Brasilândia, afirmou que a “segurança policial está mais juntos aos pontos comerciais do
que às famílias”. O que é comum nos relatos destes participantes é que os policiais
priorizam o atendimento dos locais mais ricos da cidade em detrimento dos bairros mais
pobres. Outro tipo de atendimento discriminatório é em relação às pessoas que fazem
trabalho social. Segundo o participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, quando
a polícia sabe que uma pessoa faz um trabalho comunitário, “ele começa a respeitar um
pouco mais”.
A demanda por maior presença de policiamento pode levar moradores de certos
locais a se organizarem. A participante 30, que trabalha na Favela do Cantagalo, disse
que foi organizada uma Caminhada da Paz, a qual em 2002 completou o 3º ano, com o
apoio de comerciantes da região e associações de bairro. Segundo ela, a partir da
Caminhada foi formado um grupo para trabalhar pela construção de um posto policial na
região.
Um último ponto abordado pelos participantes foi a forma como a polícia atua em
alguns bairros. O participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, disse que alguns
policiais que são chamados para fazer a segurança em festas da comunidade não sabem
abordar as pessoas que estão participando da festa e terminam por entrar em conflito
com a comunidade. A participante 35, moradora da Favela da Vila Brasilândia, reclamou
que no local em que mora só há uma rua, onde ficam muitas crianças e que a polícia tem
o hábito de passar por este local em alta velocidade, colocando em risco e assustando as
crianças. Pode-se notar aí que não basta presença e atuação da polícia, mas reivindica-
se o respeito dos policiais aos moradores.
Pode-se notar que os participantes, em geral, defendem a existência de mais
policiamento ostensivo. No entanto, enquanto alguns moradores de bairros de classe
média e membros de Conseg reconhecem maior presença de viaturas, moradores de
favelas e de bairros populares apontam que há um melhor atendimento policial em áreas
comerciais e em relação a membros de entidades sociais.
g) Qualidade de vida urbana
Alguns participantes trataram de questões ligadas à infra-estrutura urbana. O
participante 28, morador do Jardim Anhanguera, disse que a qualidade de vida das
pessoas é prejudicada pela falta de infra-estrutura: “...ruas que não têm um asfalto, que
não têm um saneamento básico completamente, não têm uma rede de esgoto, não temos
nenhum tipo de melhoria naquele setor...”. O participante 23, morador do Jaraguá, falou
sobre problemas de seu bairro, como a falta de esgotos e má qualidade do transporte
público: “o bairro do Jaraguá é o seguinte, é um bairro carente, um bairro periférico, onde
é cercado por CDHU, favelas, esgotos nós não temos, como o cidadão ali falou, é uma
dificuldade, ônibus, transporte é uma droga, entendeu? Você fica 40 minutos no ponto de
ônibus, isso em dia de semana, em final de semana então...(...)”. O participante disse que
estava cansado de procurar vereadores na Câmara Municipal em busca de melhorias
para o bairro. O participante 26, morador do Morro Doce, reclamou da falta de calçamento
de uma rua, os problemas que isso traz para o bairro e a falta de ação da Prefeitura:
Participante 26 - “Como também na hora que chove. Se precisartirar uma pessoa doente, para levar no médico, não tem acesso.Porque, se chover, é aquele negócio, não sobe. E, se não chove,é o que o nosso amigo comentou, a poeira toma conta. Nós temosumas peruas fornecida pela Prefeitura que vai buscar as criançaslá para levar pros EMEI, pro colégio... (....) Aí, o dia que chove, ascrianças ficam sem estudar, porque não tem como ir. E, nos diasque chove nessa beleza de rua que nós moramos, ela é umadescida, a água que sai lá em cima do Morro Dulce embalonaquela descida e vem. Quando ela passa lá onde nós moramos,vem a mil. Então, a pedra brita que a Prefeitura joga na rampa,desce todinha e aterra as casas lá embaixo. As casas lá embaixoenchem tudo de água. Se a gente pede umas máquinas para aPrefeitura, pelo menos para limpar para que se possa tirar algumacoisa. Mas, ninguém vem.”
Alguns participantes apontaram a falta de infra-estrutura para trabalhar com as
crianças e jovens do bairro, assunto já abordado no item sobre crianças e jovens. A
participante 32, moradora da Vila Penteado, por exemplo, afirmou que embora pessoas
tenham interesse não há espaço para trabalhar com as crianças, falta apoio e acaba-se
fechando ruas para se fazer alguma atividade de lazer:
Participante 32 - “A criança pobre, principalmente de favela, agente, presidente de associação, não tem espaço para cuidarmelhor. Você quer ter, mas você não tem, vamos supor, um salãopara cuidar daquela criança. Você quer fazer, mas você não temespaço. (...) Então, isso também impede de fazer um trabalho
amplo. Eles impedem porque podiam juntar e dar um espaçomaior na Zona Norte ou abrir um clube: ‘Dia tal, fica paraassociação tal fazer esse lazer para essas crianças’. Mas, nós nãotemos isso. Fazemos na rua. Fechamos a rua. mas aí eles nãorespeitam. Porque se fecha a rua, os carros não respeitam, elesquerem passar.”
Outros participantes mencionaram relações diretas entre a infra-estrutura e a
segurança pública. O participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, afirmou que
na Brasilândia falta uma praça em quem possam ser realizados encontros públicos e
festas. Segundo ele, esporte também é necessário para o desenvolvimento das crianças,
mas falta participação de órgãos públicos e “a escassez disso aí beneficia mais ele estar
entrando nessa vida”:
Participante 34 - “Porque, hoje em dia, quando se fala ondemoramos, (algumas pessoas dizem): 'Ali, a criança quer assistiruma peça teatral, pega um ônibus, vai no Sesc, ali pertinho.’ OSesc é lugar mais próximo que temos ali. Mas, às vezes, a criançanão tem o dinheiro, não tem condição. Aí, falam: ‘Por que ascomunidades não desenvolvem uma coisa mais próxima?’ Nonosso setor nós temos dificuldade de ter um espaço próprioporque as áreas ali são todas invadidas. Nas áreas municipais, naárea pública, e não tem como construir um órgão nesse sentido,não tem espaço”.
O participante 27, morador do Morro Doce, disse que não há polícia no bairro,
porque é difícil o acesso ao local. O participante 37, morador do Jardim Floresta, por
exemplo, estava preocupado com a sensação de segurança, disse que a iluminação
pública poderia ser melhor. O participante 28, morador do Jardim Anhanguera, apontou
que a falta de acesso a favela impede a chegada de serviços públicos como segurança e
saúde. Este participante afirmou, também, que há falta de fiscalização e vistorias nas
escolas, colocando em risco os alunos: “Eu localizei lá em certas salas, certos becos,
pedaços de madeira, pedaços de ferro, muita coisa, quer dizer, ali tá totalmente um risco,
porque se de repente surge aí uma confusão, alguém pode machucar o outro com um
pedaço de pedra, um pedaço de pau,...”.
h) Teorias sobre violência
Neste item discutiremos diversas teorias que os participantes dos grupos focais têm
a respeito da violência. É importante tratar deste assunto porque essas crenças
influenciam a forma como estas pessoas pensam a questão da segurança, como avaliam
a polícia, como se posicionam em relação a criminosos, pobres, ricos e, em última
instância, como agem para garantir a sua segurança.
Um primeiro ponto é a crença de que os bairros “bons” são contaminados pelos
“ruins”. O participante 37, de classe média, morador do Jardim Floresta, por exemplo,
disse que seu bairro “está ilhado, sitiado por bairros com menor qualificação e aí vem o
pessoal que ela está citando, o tal usuário de droga... então, esse pessoal convive
conosco ali”. Este posicionamento tende a dificultar as possibilidades de relação entre as
populações destes bairros, tornando mais difícil a situação de bairros carentes e favelas.
Outro ponto é a crença de que não há muito o que se possa fazer em termos de
segurança. A participante 43, moradora de Vila Constança, disse que o tráfico de droga
não tem controle e “a droga vai acabar com o mundo”. Pessoas que partilhem deste ponto
de vista dificilmente se interessam em participar de iniciativas na área de segurança.
Um terceiro ponto é a apresentação de causas da violência. Segundo o participante
34, morador da Favela de Vila Brasilândia, a violência é fruto da “sociedade de consumo”.
“quando você vê, quando vai perguntar ‘nossa, o que leva um jovem a matar a mãe, o que
leva um jovem a matar a avó?’ Não é só na periferia, mas é em geral isso aí, então o que
está acontecendo com a nossa sociedade, aonde está o erro? É o capitalismo em
excesso, é a lei do consumo, temos que consumir, temos que ser o máximo”. Para este
participante é necessário a sociedade discutir como devem ser a convivência social e as
formas de se prevenir a violência.
Vários participantes tocaram de diferentes formas numa causa comum para a
violência: a falta de bem-estar (no sentido de vida digna) para crianças e adolescentes.
Um primeiro grupo destacou a questão das dificuldades enfrentadas por certas famílias e
as conseqüências para os filhos. A participante 24, moradora do Parque Novo Mundo e
diretora de entidade assistencial, afirmou acreditar que muitas pessoas se tornam
violentas, porque vieram de famílias desestruturadas e violentas:
Participante 24 - “Quando eu faço entrevista com os moradores derua, eu pergunto assim: ‘Meu filho, por que você foi parar na rua?’‘Olha, eu fui parar na rua porque o meu pai me batia. Aliás, não énem meu pai, é o meu padrasto. Ele me batia e eu fui parar narua. Depois disso comecei a praticar pequenos furtos, fui preso, eujá tenho vários artigos. Estou há alguns anos aí na rua e agoracomo está mais difícil...’, (...) Recentemente eu recebi um rapazque era do Comando Vermelho lá do Rio. (...) Então, eu ouvindo:‘Mas meu filho, conta essa história. Como você foi parar nisso?Você tem pai?’ Muitas vezes a gente faz a entrevista, a folha derosto com o nome do pai: ‘quem é o seu pai?’, ‘Eu nunca conheci’.
‘E a sua mãe?’. ‘Ah, a minha mãe ela já casou com outro, medeixou, me abandonou’.”
As pessoas que partilham dessa visão acreditam que muitos se tornaram
criminosos, porque não tiveram educação, carinho e apoio dos pais, padrastos e
madrastas. Esta crença pode contribuir para neutralizar o estigma de que criminosos e
infratores são irrecuperáveis e para que defendam formas de punição que visem à
recuperação dessas pessoas. A participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado,
falou sobre outra causa para a desestruturação da família e suas conseqüências: “Porque
às vezes o pai está desempregado, a mãe está desempregada, a mãe passa o nervoso
para o filho, o filho quer um doce, a mãe não tem o dinheiro, o pai não tem dinheiro, o filho
já vê o dinheiro ali num lugar mais fácil e já vai lá e cata e aí começam os problemas”.
Nessa visão as dificuldades econômicas enfrentadas pelas famílias e os caminhos “mais
fáceis” para se ter dinheiro acabam seduzindo os adolescentes.
Um terceiro tipo de causa de violência elencado por participantes foi a influência que
exercem os programas de TV e certos tipos de músicas sobre crianças e adolescentes. O
participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, levantou a questão se o fato de a
televisão veicular violência não acaba contribuindo com este problema. A participante 32,
moradora da Favela de Vila Penteado, citou o seriado “Turma do Gueto” da Rede Record,
e a série de filmes do personagem Chuck, “O brinquedo assassino”, como exemplos de
programações que exercem má influência sobre crianças e descreveu como seu filho foi
estimulado pelo filme:
Participante 32 - “O meu filho viciou com aquele filme. Ontemmesmo, não sei o que estava falando com ele, não lembro, foi daárvore de natal, que eu falei para eles: ‘Os meninos vão entrar aí evai ver o que eles vão fazer com a árvore de natal’. Sabe o que elefez? Ele falou: ‘Ele vai entrar e sei o que eu vou fazer com ele. Euvou pegar uma faca e vou furar ele todo com faca’.”
A participante 35, moradora da Favela de Vila Brasilândia, reclamou de letras de
músicas que falam sobre violência: ”Isso só influencia mais, porque é só negócio de
droga, aí eu matei fulano, e a polícia matou cicrano, eu falo, são umas coisas que a
cabeça...”. Em todos estes relatos se nota uma preocupação com o que seria uma forma
de preconização da violência e da revolta, por meio dos meios de comunicação de massa.
i) Zoneamento
A questão do zoneamento foi discutida por apenas um participante da Zona Norte. A
participante 39, moradora do Jardim Floresta, disse que seu bairro é residencial, mas o
zoneamento é desrespeitado e empresas se instalam no local, o que, segundo ela, “vai
atraindo todo tipo de coisa pra dentro do bairro”.
2) A atuação da polícia
Neste item serão apresentadas as experiências particulares e as avaliações que os
participantes fazem de policiais e de Guardas Civis Metropolitanos. Alguns participantes
chegaram a relatar casos espontaneamente, antes mesmo da pergunta sobre qual tem
sido a experiência com a polícia no bairro. É necessário esclarecer que, em alguns casos,
não foi possível saber se o relato estava relacionado a policiais militares ou a policiais
civis, porque em geral, os participantes não identificaram a qual corporação pertencem os
policiais citados.
a) Polícia Militar
Os participantes narraram fatos em que foram atendidos por policiais e
demonstraram o grau de satisfação com o serviço. Um primeiro ponto abordado pelos
participantes foi o atendimento pelo sistema 190, pelo qual qualquer pessoa pode
telefonar para a polícia militar no caso de crime ou ameaça e pedir a presença de uma
viatura.
A participante 39, moradora do Jardim Floresta e irmã de um policial, contou um
caso em que foi bem atendida pela Polícia Militar. Em 2002, sua mãe tinha uma
empregada doméstica que estava furtando objetos, alimentos e dinheiro. Num certo dia,
sua mãe notou a falta de R$50,00 e lhe pediu ajuda. As duas revistaram a bolsa da
empregada e encontraram vários alimentos. Chamaram então a Polícia Militar, uma
policial feminina fez a revista e encontrou os alimentos. No entanto, o dinheiro não foi
encontrado. A policial conduziu a empregada até a rua e disse para ela nunca mais voltar,
senão ela seria presa. Elas passaram o dia revistando a casa e não localizaram o dinheiro
perdido. Às setes horas da noite, quando a participante 39 e seu marido estavam indo
embora, eles viram a empregada se aproximando da casa. A participante ligou novamente
para a polícia, contou o que havia acontecido, disse que tinha medo do que a empregada
poderia fazer contra a sua mãe e pediu que a viatura viesse naquele instante. Segundo
ela, em menos de 2 minutos a viatura chegou e um policial viu a moça procurando a nota
de R$ 50,00 num vaso de planta. Em toda esta história, nota-se a rapidez e o interesse
dos policiais militares em ajudar esta família a resolver o seu problema. Embora a
participante não tenha destacado isso, não se sabe se o fato dela ser irmã de um policial
militar influenciou na qualidade do seu atendimento.
A participante 31, moradora da Favela de Vila Penteado, comparou o atendimento
por policiais militares pelo sistema 190 com a abordagem realizada pelos policiais nas
ruas. Ela contou um caso em que um policial militar veio atender uma vizinha que estava
passando mal e foi em sua casa pedir uma lanterna emprestada. Seu marido o atendeu e
foi tratado muito bem. Segundo ela, isso se deve ao fato de o policial que é designado
pelo sistema, ter seu nome registrado e poder ser identificado se fizer algo errado. Se
essas duas participantes tiveram uma boa experiência com o sistema 190, vejamos agora
um outro tipo de relato.
A participante 32, também moradora da Favela de Vila Penteado, contou que tem
um cunhado que, ao que parece, morou com ela. Este cunhado consumia drogas
constantemente e tinha por hábito querer agredi-la e a seus filhos. Num certo dia, ele
usou droga e deixou um pouco dela à vista. Esta participante, cansada de ter de conviver
com este problema, decidiu chamar a polícia, acreditando que os policiais iriam levá-lo
preso e que ele ficaria nesta condição por algum tempo. Quando os policiais chegaram,
ela recebeu-os, entregou-lhes um cachimbo com a droga e lhes disse que aquilo
pertencia ao seu cunhado e pediu-lhes então que o levassem preso. Para a sua surpresa,
um policial reconheceu o seu cunhado e o chamou pelo nome. Os dois eram amigos. O
policial chamou a participante e lhe disse o seguinte: ‘não faz isso, ele é a sua família, ele
é o seu cunhado, pega isso aí. Como a senhora fez isso e foi comigo, então eu vou deixar
isso para lá, porque ele é meu amigo, mas se fosse outro agora a senhora iria se ferrar,
não faz isso, me dá isso aqui’. O policial pegou o cachimbo e o restante da droga e levou
consigo. Depois que o policial foi embora, os dois voltaram a brigar. A partir daí, ela disse
que perdeu qualquer autoridade sobre ele. Ele começou a desconfiar dela e sempre lhe
dizia: “pode ligar para a polícia, pode ligar, são meus amigos mesmo”. Ela concluiu o
relato dizendo que a partir daí nunca mais procurou a polícia para nenhum tipo de
problema.
O participante 23, morador do Jaraguá, contou que houve, há pouco tempo, uma
“confusão com uns adolescentes” e que uma senhora ligou três vezes para a polícia. Os
policiais só chegaram ao local 2 horas depois. Diante deste atendimento insatisfatório, o
morador concluiu que, “então fica mais fácil você ter proteção do traficante do que da
polícia”.
O que estes quatro relatos mostram, e que outros também o fizeram, é que a
experiência individual com a polícia é importantíssima na formação da visão que a pessoa
tem a respeito desta instituição e na relação que é estabelecida.
Um segundo ponto abordado por um participante foi em relação ao policiamento
preventivo. A participante 40, moradora do Jardim das Pedras, membro de um Conseg,
mencionou que havia um bom trabalho com a Polícia Militar em seu bairro, onde foi
colocada uma base comunitária móvel durante uns 2 meses. O trabalho foi interrompido,
mas ela pretende conversar com o capitão da área para que este policiamento volte a ser
feito. O participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, elogiou o policiamento que
é realizado na Avenida Parapuã. Segundo ele, se há dez anos eram assaltados cinco,
seis comerciantes por dia, hoje há um “convívio”, 3 ou 4 policiais andam a pé pela
avenida, falam com os comerciantes, pois há uma base comunitária móvel. Estes
participantes se mostraram mais satisfeitos.
Outros participantes cobraram mais atenção por parte da polícia. A participante 43,
moradora da Vila Constança, disse que sua associação possui uma área pública com
cerca de 15 mil metros quadrados, cedida pelo Governo do Estado por 98 anos, e que
chega a fazer eventos que contam com a circulação de até oito mil pessoas num dia.
Segundo ela, os policiais só vão ao local aos fins de semana se for enviando um ofício e,
mesmo assim, os policiais estacionam o carro na porta da entidade e não entram no local,
porque não há autorização do capitão, sob alegação que os policiais não podem ficar a
serviço da entidade. A participante afirmou ainda que, mesmo quando ocorre algum
“probleminha”, os policiais se recusam a entrar. O que estes relatos indicam é que quando
o policiamento preventivo, ostensivo e comunitário é realizado os moradores e
comerciantes se sentem mais seguros.
Um último ponto que pode ser discutido é a relação que os participantes, familiares
de policiais militares, têm com a Corporação. Um primeiro caso já foi narrado acima pela
irmã de um policial, a respeito dos furtos cometidos por uma empregada doméstica. A
participante 40, mãe de uma policial, contou que ficou dois meses no Hospital da Polícia
Militar do Barro Branco, acompanhando sua filha que acabou falecendo e reclamou, sem
explicar como, que foi maltratada lá dentro: “teve um coronel e um major que quis pisar
em cima de mim lá dentro”. Ela chegou a dizer a um coronel: “Olha, eu tinha uma imagem
muito bonita de vocês, mas a imagem de vocês acabou”. A participante 39, moradora do
Jardim Floresta e irmã de policiais, narrou que numa certa ocasião, um policial foi
chamado para atender uma ocorrência de um rapaz que estava “cantando pneu do carro
pra cima e pra baixo”. O policial viu o rapaz sair com o carro com os pneus cantando, foi
até o rapaz, agrediu-o e amassou o seu carro. A participante viu, foi até a casa de sua
mãe e telefonou para a polícia: “Eu vi isso, isso e isso. Sou fulana de tal, irmã de fulana
de tal e fulana de tal e eu não aceito”. Segundo ela, se a Polícia Militar faz isso, ela está
“denegrindo” a imagem de sua família. O rapaz foi punido e atualmente não ocupa mais o
mesmo cargo. Estes relatos indicam que a relação de familiares de policiais militares é
muito próxima da Corporação. Os familiares tendem a usar sua posição para garantir um
melhor atendimento por parte da polícia. O atendimento a eles parece ser melhor do que
a população em geral, embora nem sempre todos estejam totalmente satisfeitos, como se
viu acima.
b) Polícia Civil
Neste item iremos tratar das experiências que os participantes narraram de sua
relação com a Polícia Civil e também do que já ouviram dizer sobre a ação da polícia.
Nota-se que, tal como em relação à Polícia Militar, as experiências têm influências sobre o
grau de satisfação dos participantes. Um tema já foi tratado, ou seja, a pressão de
participantes para que a polícia civil faça a fiscalização do trabalho com os
vigilantes/guardas noturnos.
O segundo tema é o atendimento no Distrito Policial. Alguns participantes
reclamaram abertamente da demora no atendimento para o registro de ocorrências. O
participante 23, morador do Jaraguá, disse que já teve de esperar 4 horas para registrar
um Boletim de Ocorrência. A participante 40, moradora do Jardim das Pedras, disse que
discutiu com um delegado numa reunião do Conseg, dizendo a ele que as pessoas não
querem registrar ocorrências no Distrito Policial, porque o atendimento é demorado:
“chega lá, nove horas, vai sair nove horas da noite, e ele falou que era mentira”. Segundo
ela, o delegado ainda disse que não iria mais à reunião, porque estava perdendo seu
tempo. A participante 41, moradora do Jardim Fontales, também disse que conhece
morador que não foi ao Distrito Policial registrar ocorrência pela demora para ser
atendido. A participante 38, moradora de Vila Albertina e membro de Conseg, disse que,
para fazer um boletim de ocorrência de roubo de carro num DP fora de sua região, foram
necessárias 4 horas. Segundo ela, os policiais alegaram que a espera se deveu ao fato
de eles terem de registrar 2 casos de prisão em flagrante.
O atendimento do Distrito Policial também foi criticado por outros motivos. O
participante 37, morador do Jardim Floresta, bairro de classe média, contou que oito
meses antes do grupo focal, enquanto levava sua esposa ao médico, uma Kombi bateu
em seu carro e uma passageira da lotação se feriu. Às nove da manhã, um policial foi
chamado e atendeu a ocorrência, e ela foi atendida rapidamente no Hospital. Por volta de
11:00, eles chegaram à delegacia para registrar o BO, mas só foram liberados às 17:30.
O participante precisou ir ao banheiro, mas o mesmo estava desativado. Num corredor
havia pessoas sentadas e esperando, “mais uns 7, 8 casos”. O policial militar que os
acompanhava teve que esperar todo o tempo também, não podendo entregar seu
relatório e atender outras ocorrências. Enquanto isso, três policiais conversavam e não
atendiam ninguém. Sem banheiro e ficando tanto tempo sem comer, ele disse que uma
pessoa só vai registrar uma ocorrência no DP se for um caso de morte. Ele concluiu esta
parte do relato, dizendo que “ É a pior humilhação que uma pessoa pode passar se
precisar deles”. Este participante disse ainda que, numa outra ocasião, conversou com
alguns colegas delegados. Perguntou a eles se eles faziam “a turma trabalhar”. Os
delegados lhe responderam que “ninguém trabalha, ninguém faz nada e não se atende
ninguém”. O participante, depois de conversar com os delegados, termina culpando os
escrivães pela demora de atendimento:
Participante 37 - “Quer dizer, que se ficar em cima do escrivão elefaz 4 (BO) e se não ficar em cima ele faz um? Quer dizer, é umvagabundo, Ok? Porque ele tem que fazer, tem que cumprir opapel dele. Então, não é só por 2 ou 3, não. É um que trabalhe.Porque uma ocorrência, por exemplo, no meu caso ou num casode morte, de acidente, se está escrito ele copia. É 15 minutos.“
A participante 29, moradora de Brasilândia criticou o atendimento do DP, dizendo
que é uma humilhação. Segundo ela, se você vai num DP registrar um Boletim de
Ocorrência, “Você é mal atendido, você é humilhado, você não tem direito a nada, quando
na verdade, você tem direito a tudo, porque você paga impostos, você tem direito como
cidadão e você não é reconhecido como cidadão, você não é nada para ninguém”. A
participante 30, moradora de Pirituba, disse que foi assaltada num farol na região em que
mora, tendo sido levado o pagamento dos funcionários da entidade em que trabalha. Ela
foi em quatro DPs, pois em cada um lhe diziam que ela deveria registrar o boletim de
ocorrência em outro. No último, ela chegou às 4 horas da manhã e lhe disseram que ela
deveria voltar no outro dia pela manhã. Ela não aceitou, bateu no portão, acordou o
delegado, disse que era líder comunitária e estudante de direito. Segundo ela, só foi
atendida porque disse quem era e não por ela ser cidadã e precisar de auxílio. A
indignação nestes relatos é pelo fato de não se ter os direitos reconhecidos.
Alguns participantes admitiram que são bem atendidos nos DPs porque participam
do Conseg. A participante 39, moradora do Jardim Floresta, irmã de policial militar e
membro de Conseg, disse que é sempre bem atendida no DP da sua região, porque “tem
influência pelo Conseg”, conhece o delegado e outras autoridades. Segundo ela, no caso
da empregada que havia furtada a sua mãe, ela só começou a ser bem atendida no DP
depois que deixou claro que conhecia o delegado. O diálogo com os policias teria sido o
seguinte:
Participante 39 - “Falei: ‘Então, semana que vem eu vou ter umareunião com o doutor Fulano’. Aí, eles falaram: ‘Então, elogia agente. Porque assim quem sabe a gente ganha um carguinho!’.‘Só que, quando eu cheguei aqui, você não fez nada de elogio pramim. Você só começou a olhar pra minha cara com olhosagradáveis quando eu falei que conhecia o seu patrão, senão vocênão ia olhar. Você ia me deixar aqui condenada a esperar até ahora que você quisesse olhar os meus olhos azuis e isso não écerto’”.
A participante 38, moradora da Vila Albertina, membro de Conseg, contou que
alguns meses antes do grupo focal, esteve no DP de sua região para registrar uma
ocorrência, sobre o desaparecimento de sua irmã. Havia muitas pessoas para fazer
ocorrência no plantão, ela procurou o delegado e ele disse que não poderia atendê-la no
cartório e lhe pediu que fizesse a ocorrência em sua casa por meio da internet. Este relato
confirma a maior facilidade que os membros do Conseg usufruem nos DPs.
Neste relato, há também um outro ponto importante, as possibilidades de agilizar o
atendimento. Um dos instrumentos é a Internet. A participante 43, moradora de Vila
Constança, disse que já presenciou várias pessoas registrando boletins de ocorrência
num Infocentro. A participante 38 disse que numa reunião do Conseg, na semana de
realização do grupo focal, a nova delegada do DP afirmou que o problema foi resolvido.
Ela acredita que tenham sido colocados mais escrivães.
Outro tipo de crítica ao atendimento do DP é mais grave, pois envolve corrupção e
abuso de autoridade. A participante 35, moradora da Favela de Vila Brasilândia, contou
que em certa ocasião, um irmão dela que possui problemas mentais desapareceu e, por
isso, ela foi até um DP junto com sua irmã. A participante desconfiou que os policiais
haviam usado maconha, pois estavam com olhos “arregalados”. No diálogo que foi
travado, segundo ela, os policiais faltaram com respeito, foram agressivos (“xingando”) e
colocaram “medo na gente” :
Participante 35 - “‘A gente está atrás do meu irmão’. (...) ‘Aqui élugar de vim procurar?’. (...) ‘Não, é que o meu irmão saiu, ele temproblema de cabeça e a gente está procurando em alguns lugares’(....)”.
A participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, contou que foi a um DP,
em certa ocasião, devido a um problema (não ficou claro qual) e disse que o Delegado e
os investigadores pareciam estar bêbados: “parecia que estava tudo doido, só queria
saber de dinheiro, e tinha que ter dinheiro, entendeu?”. Neste relato é sugerido que têm
ocorrido tentativas de extorsão por parte dos policiais. Outro participante (25), morador da
Casa Verde, membro de Conseg, fez o relato de um caso que ocorreu em sua família.
Alguns dias antes do grupo focal, o cunhado do participante, sob efeito de drogas (álcool
e possivelmente outras), deu 5 facadas no pai, 3 no irmão e cortou também a mãe num
município da Grande São Paulo. A polícia socorreu o pai, que estava gravemente ferido, e
o levou ao Hospital. O cunhado fugiu para São Paulo. No outro dia, quando o participante
estava em casa, seu cunhado chegou. O participante olhou pelo olho mágico e chamou a
polícia. Em 5 minutos a polícia chegou, localizou uma faca em sua bolsa e o levou para o
DP. O participante foi levado em outra viatura para não ser reconhecido. O delegado ligou
para o DP do município onde ocorreu o caso. Como o crime ocorreu lá, ele deveria ser
transferido. Além disso, se não fosse apresentada uma vítima, ele seria solto. O
participante teve então que se mostrar e ir junto com o seu cunhado na viatura para a
outra cidade. Desse DP, o participante foi com 2 policiais à casa do cunhado que havia
sido esfaqueado para buscá-lo para depor. Segundo ele, no caminho os policiais “mexia
com as mulheres, e eu só observando, aí parou, olhou para a escola, é, ‘vamos ver essa
molecada aí, não liga não que a gente aqui é todo mundo doido, nem adianta ligar para a
Secretaria da Segurança’ e eu só olhando, ‘pode ligar para denunciar que aqui é todo
mundo doido’”. Quando falaram com a vítima, ela se recusou a depor e eles voltaram ao
DP. No caminho, os policiais se comportaram da mesma forma. Por sorte, segundo ele,
ao chegar no DP, sua sogra estava lá, e prestou depoimento. Quando ele foi dar seu
depoimento, a delegada lhe comunicou que seu cunhado seria solto. Ele não conseguiu
entender por que seu cunhado não ficou preso, temia por sua própria segurança e por
isso discutiu com a delegada:
Participante 25 - “’Sua sogra mesmo falou que ele não é violento’.Eu digo: ‘Bom, mas o que é ser violento? Um homem chegar e dar5 facadas num pai, se ele não desse, se ele desse 1 tudo bem? Aínão tinha a intenção de matar? Mas ele deu 5, minha senhora! Oirmão, ele furou 3 vezes. A mãe, ele cortou 2 vezes’. Aí é ela queresolve. Eu disse ainda: ‘A Senhora vai perguntar para uma mãese pode prender o filho? Eu não vou dar depoimento nenhum.Perdi meu tempo aqui, 5 horas aqui perdido. Eu vou me embora’.‘Ah, não, mas...’, Eu disse: ‘Eu não tenho que dar nada, a Senhoravai soltar ele’. Agora, eu só espero que ele vá para lá, agora,tentar me matar porque eu entreguei, denunciei ele. Eu vou serpreso porque eu não vou esperar ele me matar.’ Eu ainda faleipara ela: ‘Eu sou uma pessoa evangélica mas eu não vou esperarele me matar. Eu tive o trabalho de trazer, os policiais queimaramgasolina de lá para cá, até aqui, e vai voltar’”
No final, ele diz que os policiais de São Paulo lhe atenderam bem, levando-o à outra
cidade, para realizar a prisão em flagrante, mas chegando lá, acabou sendo solto.
Nota-se que, em geral, os participantes estão insatisfeitos com as dificuldades
existentes para os cidadãos serem atendidos nos Distritos Policiais. Há, no entanto,
membros de Conseg que obtiveram mais facilidades no atendimento. Em contrapartida,
moradores de favela apontaram desrespeitos e tentativas de extorsão.
c) Guarda Civil Metropolitana
Muito pouco se pode dizer sobre a Guarda Civil Metropolitana, a qual possui uma
atuação mais limitada à capital e tem um menor contingente. O fato de não ter havido
nenhuma pergunta direta sobre as suas ações deve ter colaborado para que praticamente
não houvesse menção dos participantes dos grupos focais. Apenas um participante fez
uma menção pouco contundente. A participante 30, moradora de Pirituba e que trabalha
na Favela Cantagalo, afirmou que nas Caminhadas, da qual sua entidade participa e
organiza, a Guarda Civil Metropolitana têm feito o trabalho de policiamento.
d) Relação polícia comunidade
Neste item, estão reunidas as experiências individuais dos participantes, quer
quando solicitaram ajuda à polícia, quer quando observaram a atuação de policiais nas
ruas. Nestes relatos, nem sempre é possível identificar a qual corporação pertence o
policial. É possível que alguns casos se refiram também a guardas civis metropolitanos.
Há ainda relatos sobre a ação de policiais que participam em Consegs.
Alguns participantes, membros de Conseg, relatam casos de uma boa relação com
a polícia. A participante 38, moradora da Vila Albertina, membro de Conseg, afirmou que
o capitão da polícia militar e o delegado da polícia civil ligados ao Conseg são muito
“atenciosos, atendem todos os chamados”. Outros chegaram a dizer que conseguiram de
certa forma conter alguns abusos. A participante 41, moradora do Jardim Fontales,
membro do Conseg, mencionou que, por volta de 2 anos antes do grupo focal, havia um
problema com os policiais no bairro, porque eles se aproximavam dos locais onde havia
garotos e os agredia. Um tenente da Polícia Militar foi questionado sobre o problema e
ensinou-lhes como agir nesses casos, o que solucionou o problema:
Participante 41 - “Quando a polícia estiver atuando mal no bairro,você chega até ela e conversa: Se identifica como líder, que vocêsestão acompanhando o trabalho, não peça pra que ele pare otrabalho, só fale que você vai acompanhar, porque ele vai mudar ocomportamento, ele vai atuar corretamente. Porque ele não vaiquerer pegar a folga dele para responder por isso. Vocês têm quefazer a denúncia de que ele atuou mal”.
A participante 43, moradora da Vila Constança, membro de Conseg, disse que
costuma receber queixas de abuso policial e já chegou a “tomar (...) atitude”: “às vezes,
chegar no guarda e pedir para ir mais devagar, porque não é bem assim”. A participante
41, membro do Conseg também narrou um fato em que conseguiu o afastamento de um
policial. Em torno de 4 meses antes da realização do grupo focal, a polícia foi chamada no
seu bairro, porque um jovem estava usando droga em um bar no bairro. Segundo ela,
ligaram tantas vezes à delegacia que um policial apareceu no bar, com arma em punho e
agrediu repetidamente o jovem, frente a mãe e a tia, dona do bar. Surgiu o rumor que
atribuía a esta pessoa o telefonema à polícia. A participante conversou com a família do
jovem e teve dificuldades de obter a identificação do policial, devido ao medo de
represálias:
Participante 41 - “‘Vocês vão me dar o nome. Porque ele nãopoderia estar atuando, poderia ser quem fosse ele não poderia...’,aí o pai dele falava, ‘Eu não vou te dar porque se eu der o nomedesse policial o meu filho vai morrer, (...)’. Eu falei ‘Você vai medar o nome do policial porque eu vou levantar na delegacia’. Aí eleme pediu ‘Você quer que eu me ajoelhe nos teus pés e te peçapelo amor de Deus porque se você for falar, fazer alguma coisacontra esse policial, o meu filho vai morrer! Eu não quero que omeu filho morra, eu não quero (...)’”.
Apesar das dificuldades a participante conseguiu a identificação do policial. O
policial passou por avaliação e em 15 dias foi afastado da polícia. Segundo ela, os
próprios colegas “deram graças a Deus por ele ter sido afastado”
Outros participantes mencionaram que certas entidades dispõe de um bom
atendimento pela polícia. A participante 43, moradora da Vila Constança, membro de
Conseg, disse que “toda vez que eu precisei da polícia dentro da entidade ou fora da
entidade, eu sempre fui atendida rapidinho”. Ela elogiou a atuação do Batalhão da Polícia
Militar da região e disse que sua entidade, por ter um Infocentro do Governo do Estado,
tem um sistema de alarme ligado diretamente a delegacia da região. O participante 37,
morador do Jardim Floresta, disse que há um respeito da polícia com a entidade, mas que
o atendimento às pessoas é ruim.
Duas participantes afirmaram não ter nenhuma reclamação em relação à polícia. A
participante 40, moradora do Jardim das Pedras, mãe de policial é uma delas. A outra é a
participante 38, moradora da Vila Albertina e membro de Conseg, que elogiou muito o
capitão que participa do Conseg.
Os participantes que demonstraram estar satisfeitos com a atuação da polícia
possuem uma ou mais das seguintes características:
- ter um contato regular com policiais;
- ser parente de policial;
- participar ativamente das atividades dos Consegs e ter uma experiência positiva.
Há vários relatos críticos a atuações de policiais. Estas podem ajudar a entender
certos motivos para insatisfações com as corporações.
Um primeiro tipo de relato é quanto a certos policiais que colocam em risco a
integridade de denunciantes. A participante 30, moradora de Pirituba e que trabalha na
favela Cantagalo, disse que participava de reuniões do Conseg e que fez uma denúncia
confidencial sobre tráfico de armas que acontecia na região de sua entidade “e as
pessoas ficaram sabendo”. Em outro caso, isto se deu por causa de corrupção. A
participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, membro de Conseg, contou que
uma de suas vizinhas decidiu denunciar à polícia dois vizinhos que roubavam carros. Um
dos presos possuía um irmão policial. Segundo a participante 31, também moradora da
favela, este policial negociou a troca de um Gol da família pela informação sobre quem
havia feito a denúncia. A vizinha se mudou para Santos, “porque eles iam matar ela,
foram na casa dela” (participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado).
Um segundo tipo de atuação criticada é quanto a abordagem violenta realizada
pelos policiais. Alguns participantes falaram sobre isso espontaneamente, tendo sido, na
maioria das vezes, testemunhas oculares dos acontecimentos. A participante 41,
moradora do Jardim Fontales, membro de Conseg, disse que seu marido lhe contou que
um mês antes do grupo focal ele viu um policial chegar à comunidade, descer da viatura,
colocar uma arma na barriga de um jovem e colocá-lo na viatura. O jovem é cobrador de
perua de lotação, honesto e conhecido no bairro. A participante disse que se estivesse
naquele momento iria falar com o policial, “Porque nós não podemos, nós queremos a
polícia aqui, mas não queremos ela atuando dessa forma. Porque senão vai afastar a
polícia da comunidade. Vai ter essa distância. Ninguém vai querer ver a polícia, porque
ela tratou, um menino, mal”. Esta participante indica claramente que se os policiais não se
portam bem, fica comprometido o trabalho de aproximar polícia e comunidade.
O participante 23, morador do Jaraguá, contou indignado que soube que um de
seus amigos foi abordado por policiais, enquanto ia ao colégio buscar seu filho, às 0:30.
Os policiais chegaram a apontar uma escopeta para a cabeça dele. A participante 31,
moradora da Favela Vila Penteado, disse que, dias antes do grupo focal, viu um policial
revistar e agredir um jovem. Era meia noite e meia, o jovem estava chegando em casa do
trabalho, quando um policial chegou até ele e pediu documentos do carro. O jovem disse
que morava na casa da frente. O policial, segundo ela, parecia estar desconfiado que o
carro não pertencia ao jovem e que ele havia mentido sobre morar logo ali. O policial
mandou o jovem descer do carro, deu uma coronhada nele, colocou contra um muro, deu
outra pancada e o jovem caiu no chão. Depois disso, o policial foi embora. Segundo ela,
“todo mundo na rua ficou nervosa com a polícia”. A participante 32, moradora da Favela
de Vila Penteado, se referindo a esse mesmo caso, disse que acredita que o policial
estava drogado.
A participante 31, contou outro caso que ocorreu com seu filho, também
presenciado por ela. Em certa ocasião, policiais revistaram-no duas vezes, uma seguida a
outra, na rua de sua casa. Na segunda abordagem, seu filho disse ao policial que ele já o
havia revistado. O policial respondeu agressivamente, deu-lhe uma cabeçada e um tapa.
Ela acabou se envolvendo numa discussão com o policial:
Participante 31 - “O meu filho disse: ‘Mãe, a senhora não estávendo isso?’ Eu falei: ‘O que filho?‘. A polícia olhou assim para aminha cara. ‘O que foi?’ Mas eu não vi a polícia agredir. Eu só vina hora que ele falou: ‘Mãe, a senhora não está vendo isso?’ Eufalei: ‘O que foi?’ Aí a polícia começou a xingar ele. Eu falei: ‘Mas
o senhor não tem direito de fazer isso com ele. Ele não estámaltratando o senhor, não está falando nada com o senhor’. Aí,ele começou a xingar e mandou a gente calar a boca e foiembora.”
Ao concluir a narrativa, a participante perguntou que segurança ela pode ter e o que
se pode fazer. Ela disse que não consegue ver como reagir à violência policial, pois,
segundo ela, se fizerem uma reclamação quanto ao acontecido, dirão que é mentira. Além
disso, fazer isto é perigoso, porque, como em outros casos, os policiais podem voltar e
matá-los. Esta participante também afirmou que tem medo da polícia, embora tenha
reconhecido que nem todos os policiais são como esses.
A participante 32 relatou também que recentemente policiais estiveram nas ruas
próximas a sua casa. Segundo ela, eles estariam bêbados ou sob o efeito de outras
drogas, “eles passaram uma coisa tão negativa para nós”. Havia muitas crianças e
mulheres na rua e os policiais chegaram armados, dizendo: “todo mundo para dentro,
para dentro, entra para dentro”. A participante defende ao final do relato que policiais não
podem entrar assim em favelas, porque “eles não têm que entrar assim, (...) porque
favela, é criança”.
A participante 35, moradora da Favela de Vila Brasilândia, disse que a polícia não
respeita as pessoas. Ela contou um fato que ocorreu com ela no dia anterior ao grupo
focal. Estava sendo realizada uma festa de aniversário em sua casa, os policiais entraram
em sua casa, talvez por alguma denúncia de ação de traficantes na favela. Fizeram os
homens ficarem com as mãos para cima, encostados a parede e os revistaram com
chutes e “agressividade”. A participante travou o seguinte diálogo com os policiais:
Participante 35 - “’Escuta, você acha que se eu tivesse droga aquieu ia estar sossegada, com um monte desses jovens todos aqui,de braços cruzados’, (...) ‘aqui é uma festa, ninguém estámexendo com droga, ninguém tem nada, estão só bebendo e sedivertindo’(... ), ele falou ‘a senhora é folgada’, eu falei ‘lógico,estou na minha residência, você não vem com papel dizendo quevai revistar, você vai revistando tudo coisa que eu não tenho’”.(Vila Brasilândia)
O participante 37, morador do Jardim Floresta, disse que policiais não têm respeito
pelo ser humano. Por ter um "título" não atende os cidadãos e ainda reprime quem
reclama: "não atende ninguém e ainda fica nervoso se você olha feio e ainda é
autoridade.(...) Se falar grosso dá cadeia. Então é isso que incomoda o povo". O que fica
patente em todos estes relatos é a revolta contra a violência praticada por policiais, a
qual, no conjunto dos relatos, atinge principalmente os homens jovens de periferia, mas
que viola também domicílios.
Outro tipo de insatisfação manifestada é quanto a corrupção de policiais. A
participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, citou um caso de um policial, o
marido de uma mulher conhecida por ela, o qual costumava apreender revolver e outros
pertences de "bandidos", e dividia com outros policiais, sem levar o que foi apreendido
aos delegados de polícia. Segundo ela, a própria mulher do policial lhe contava o que
acontecia. Ela generalizou este comportamento para a polícia:
Participante 32 - "Porque existe, quando eles pegam um bandidocom bastante dinheiro, bastante coisa, eles não levam até odelegado, eles não levam até onde tem que ir, eles dividem entreeles e abafa por ali e acabou, às vezes até solta o bandido, nemvai estar preso."
Para além da questão de causas de satisfação/insatisfação com a polícia, há dois
outros temas importantes: o medo na relação polícia-comunidade e a preocupação com a
imagem da polícia.
Alguns participantes trataram do medo que têm da polícia. A participante 31,
moradora da Favela de Vila Penteado, explicou que tem medo da polícia porque
presenciou muitos casos de abusos cometidos pela polícia na sua rua:
Participante 31 - "Porque eu já vi muita coisa aqui na rua, eu játive assim na minha pele mesmo, o caso dos meus filhos, umsenhor também que foi chutado, ele até faleceu, sem mais oumenos só porque estava bebendo, o policial mandou levantar amão ‘não vou levantar’, ‘levanta a mão’, começou a chutar ohomem, derrubou o homem no chão e chutou, aí eu fiquei olhandopara o policial e ele falou ‘quer anotar a placa da viatura, podeanotar, toma a caneta marca’, eu falei ‘não, moço, não vou anotar’,ele falou ‘marca, você não está olhando, marca’, eu fiqueimorrendo de medo..."
A participante 29, moradora de Brasilândia, afirmou também que tem medo da
polícia, porque, segundo ela, "muitas vezes a polícia abusa do poder que tem o policial
abusa do poder que tem, às vezes, humilha um trabalhador que não tem nada a ver. (...)
Que não deve nada e às vezes eles não estão nem à procura de ninguém, sabe, mas pra
abusar do poder mesmo. (...) Geralmente ele aborda quem não tem nada a ver". Neste
relato nota-se que a participante defendeu que policiais humilham pessoas honestas, que
não são "bandidos", pela simples disposição de abusar de seu poder.
Outro medo que foi mencionado pelos participantes é o de policiais em relação à
comunidade. O participante 27, morador do Morro Doce, falando de como os policiais
costumam chegar a determinados locais de forma agressiva, disse que isso é causado
pelo medo que os policias têm pelo risco que estão correndo.
A participante 41, moradora do Jardim Fontales, membro de Conseg, afirmou que
em certos locais a polícia chega a um bairro com medo da população e a deixa com
medo. No entanto, ela acredita que isso pode ser superado. Segundo ela, um policial lhe
contou que certa vez, num bairro, 10 moradores ajudaram os policiais a arrastar uma
perua da polícia que quase havia tombado: "Eu falei 'Está vendo como a população ajuda!
Falta vocês estarem aqui, parar e conversar mais com as pessoas. Falta isso também,
eles têm medo de vocês, vocês também'”.
Relacionada ao medo em relação à polícia está a questão da imagem e alguns
participantes trataram deste tema. A participante 29, moradora da Brasilândia, defendeu
que as crianças quando brincam de "polícia e bandido", todos querem ser bandidos:
"Porque já tem essa concepção de policial corrupto, da polícia não proteger, não dar um
subsídio que a população, que a comunidade necessita".
O participante 25, morador da Casa Verde, membro de Conseg, disse que se as
pessoas vêem policiais chegando em suas comunidade "esculachando" "quem é bandido
e quem é trabalhador", se filhos vêem pais sendo acuados por policiais e não vêem
"bandidos" fazendo o mesmo, se "ele só vê a polícia vir batendo em todo mundo aí e
dando tiro para lá e para cá, ele fica com medo. Ele cria uma imagem que a polícia é ruim,
que não está ali para proteger ele, está ali para matar quem quer que seja. Então, é isso
aí". No entanto, se o policial é "mais ativo junto à comunidade, está fazendo sempre
aquela ronda, está sempre ali conversando, trabalhando, porque tem policial que faz isso
aí, ainda existe em escola, o policial vê uma criança entrando na escola: e aí, meu amigo,
tudo bem? A criança se sente bem, 'o policial falou comigo, quero ser polícia'". Isto indica
que as experiências que as pessoas têm com policiais determinam a imagem que terão
de toda a corporação. A participante 41, moradora do Jardim Fontales, membro de
Conseg, contou "um caso que limpou bem a imagem da polícia no nosso bairro”. Segundo
ela, um menino de 8 anos foi atingido por uma carga de ferro que estava sendo
descarregada na rua. O menino foi atingido na cabeça e quebrou a perna. Os policiais
que estavam por lá naquela ocasião "só pediram um pano e colocaram o menino na
viatura, foi até o jipe, e saiu...". Segundo ela, "aquilo deixou a imagem da polícia bem boa
ali no bairro, deixou aquele acontecido, né, e eles não é só pra isso, não vão só lá
também buscar o bandido, eles estão ali para ajudar também".
Nestes relatos, nota-se uma importante preocupação de membros de Conseg com a
imagem da polícia junto aos moradores. Tais membros também dependem de que esta
relação esteja boa para mais facilmente implementarem as decisões do Conseg. No
entanto, não foram só eles que relataram uma experiência exitosa no sentido de construir
uma melhor relação. A participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, disse que
em seu bairro foi organizada uma festa junina nas ruas e foi pedida a presença de
policiais. Para que tudo transcorresse bem, a participante avisou as pessoas do bairro
que a polícia havia sido chamada para estar presente na festa e ajudar na segurança.
Concluindo, há dois pontos a destacar. O primeiro é que os relatos indicam que a
relação com os policiais parece variar de grupo para grupo. Membros de entidades, de
associação de moradores e, sobretudo, parentes de policiais e membros de Conseg
tendem a ter uma melhor relação com os policiais (principalmente aqueles que os
conhecem) que as pessoas comuns. No entanto, estas pessoas também podem perceber,
principalmente por ver o que acontece com outras pessoas ou por terem experiência com
policiais desconhecidos, que certos policiais, impunemente, colocam em risco a
integridade física de denunciantes, extorquem infratores, abordam violentamente pessoas
comuns, causando medo em moradores e prejudicando a imagem da própria polícia. O
segundo ponto é que más experiências no atendimento de policiais militares chamados
pelo sistema 190, no atendimento prestado por policiais civis no Distritos Policiais, e nas
abordagem realizadas por policiais nas ruas tendem a atingir negativamente a imagem da
polícia e podem gerar medo e desconfiança na população.
3) Parcerias entre a comunidade e a polícia
Neste item serão tratadas as relações que são estabelecidas entre pessoas da
comunidade e policiais com o objetivo de melhoria da segurança local. Houve menção ao
Proerd da Polícia Militar realizado em escolas, mas os relatos colocaram os Consegs
como um dos principais espaços em que são construídas estas relações.
a) Conseg
Há entre os participantes, membros de Conseg que estão muito satisfeitos com o
funcionamento do Conselho. A participante 38, moradora da Vila Albertina, afirmou que o
Capitão e a Delegada que estão no Conseg em que participa são “muitos atenciosos,
atendem a todos os chamados”. O participante 25, morador da Casa Verde tem uma
experiência singular com policiais que merece ser descrita. Em 1997, o participante se
mudou para o bairro onde mora, no qual eram freqüentes ocorrências de homicídio, tráfico
de drogas e "guerra entre facção deles mesmos". Em 1998, o participante fundou e se
tornou presidente de uma associação e começou a participar de Consegs de sua região.
A partir daí, embora com medo de ser descoberto pelos traficantes (sendo apontado por
algum policial corrupto, por exemplo), começou a pedir policiamento para o bairro.
Segundo ele, no começo, traficantes eram presos num dia e no outro dia já estavam de
volta ao bairro, "porque tem policiais que eles estão junto com os traficantes, ou dá até
apoio a eles, dão segurança aos traficantes". O participante citou vários trechos de
diálogos que teve com altas autoridades policiais da região, em que mostrou o início do
trabalho com policiais:
Participante 25 - “‘Olha, eu estou vindo aqui, agora eu quero verresultado. E outra, esse negócio da gente estar vindo aqui, nãovou dizer todos os policiais, porque dentro de, na caixa de maçãsempre tem duas podres, ou três ou quatro, eu espero que euesteja aqui não esteja pondo a minha cabeça a prêmio", 'olha dr.,capitão, eu estou aqui para ver se o senhor vai me ajudar, onegócio está demais. (...) A gente é ameaçado todos os dias, égente com escopeta, com 380, é com...'. Então ele me deu otelefone dele, da sala dele e disse, 'qualquer coisa toca para mimque eu mando os policiais da minha confiança pra fazer asegurança, continue participando, denuncie, faça ligação anônima'(...)'Olha, o Sr. tem que saber quem traz nas reuniões, assimcomo nós também temos essa preocupação de ficar restrito, entãoo Sr. tem que ver quais são os policiais que devem trazer nessasreuniões'.”
Apesar de todos os receios e precauções necessárias, o participante disse que o
trabalho conjunto começou a dar certo: "Eu ligava para o Capitão, falava a situação e ele
ia lá e enquadrava, foi gente presa, foi, sabe, e eu tinha o andamento". Num caso, por
exemplo, denunciou traficantes que estavam tentando expulsar famílias de apartamentos
e a polícia agiu. Segundo ele, a área acabou sendo "limpa", também como conseqüência
das ações dos traficantes que se matavam uns aos outros: "hoje em dia só tem
praticamente os ‘nóia’".
O participante contou também que fez abaixo-assinados para conseguir um Posto
Comunitário no local. Segundo ele, foi recusado porque o bairro fica à beira da marginal
Tietê, o que colocaria os policiais em situação de risco. Tentaram conseguir também uma
base comunitária móvel, mas como só havia 2 veículos na região não obtiveram. No
entanto, foi feito outro abaixo-assinado e se conseguiu que fosse levada a iluminação
pública ao local.
O que se nota neste caso, é que o participante, apesar de desconfiar de alguns
policiais, decidiu trabalhar em conjunto com a polícia, mesmo se arriscando. Além disso,
mesmo não tendo obtido tudo o que reivindicou, ele se mostrou satisfeito com os
resultados alcançados até o momento.
A participante 24, moradora do Parque Novo Mundo, deu também um exemplo de
um trabalho de policiais ligados ao Conseg. Segundo ela, policiais militares da Companhia
de sua região têm se preparado (inclusive "fora do horário do expediente") para fazer um
trabalho de prevenção contra a droga em escolas. Disse também que quando os policiais
reclamam da falta de instrumentos de trabalhos, empresários que participam do Conseg,
oferecem cartuchos de impressora e contratação de uma pessoa para fazer o conserto
dos computadores.
Nos grupos focais, alguns participantes demonstraram insatisfação com o resultado
do trabalho dos Consegs. São participantes que tentaram ou têm tentado trabalhar com o
Conseg, mas estão frustrados. O participante 23, morador do Jaraguá, membro da
diretoria do Conseg, disse que não "agüentou trabalhar com o Conseg":
Participante 23 - "Porque delegado só reclama, capitão sóreclama, o comandante da polícia metropolitana só reclamatambém, que não tem viatura, que ele não tem homem, então eujá falei com o Capitão, 'olha, eu vou tirar dinheiro do meu bolsopara comprar viatura para vocês, porque eu pago imposto, eutenho direito de ser protegido por vocês'. (...) aí a gente começa afalar muita coisa, eles falam que a gente é revoltado, 'você érevoltado, hein?'"
O participante indica que para ele não é aceitável o argumento de policiais que
dizem que a polícia não tem instrumentos para agir.
A participante 24, moradora do Parque Novo Mundo, membro do Conseg, relatou
que o Conseg do qual participa não é organizado, o Delegado Titular, embora seja
obrigatória sua presença, não comparece às reuniões e envia um delegado de plantão
("ele vai alcoolizado"). Quanto a Companhia da Polícia Militar, a participante afirmou que
há um novo Capitão que "não tem a mesma visão comunitária" do anterior. Segundo ela,
quando ela liga para a Companhia ou envia um ofício, mesmo se identificando como
membro do Conseg, não consegue falar com ele e nem receber um retorno.
Para além da questão da satisfação ou insatisfação com a ação dos Consegs,
alguns participantes fazem determinadas análises sobre o seu funcionamento. A
participante 24, moradora do Parque Novo Mundo, afirmou que há delegados e capitães
"que se envolvem" e outros que não. A participante 29, moradora de Brasilândia concorda
e afirmou que "depende muito do profissional, (...), que está no comando disso, depende
da consciência dessa pessoa". Estas participantes percebem que o funcionamento e
eficiência dos Consegs podem ser prejudicados de acordo com o envolvimento das
autoridades policiais.
Uma outra questão é quanto a possibilidade de a participação da comunidade
fortalecer o Conseg e pressionar os policiais a responderem melhor às expectativas. A
participante 24, moradora do Parque Novo Mundo, disse que o presidente do Conseg em
que participa, tem defendido que com a mobilização da comunidade, de empresários, "aí
sim o Delegado, o Capitão ele vai fazer alguma coisa”. No entanto, esta participante
reconhece limites. Segundo ela, mesmo quando são reunidos vários membros da
comunidade e é reivindicada a implantação de base comunitária, ou ao menos, policiais
patrulhando a pé as ruas da região, a resposta é negativa, sob o argumento que não há
efetivo policial suficiente. A participante 30, moradora de Pirituba e que trabalha na favela
Cantagalo, afirmou que sua associação é ativa, já fez passeatas, fechou ruas e até o
momento não conseguiu um posto policial na região.
Os Consegs enfrentam limites e dificuldades para obter uma ampla participação de
moradores e associações. Um dos participantes reclamou da falta de interesse de
moradores e policiais, segundo o participante 25, morador da Casa Verde, poucas
pessoas têm interesse de fazer este “trabalho voluntário”, participar das reuniões do
Conseg. Assim, alguns Consegs “funcionam”, outros não. A participante 24, discorrendo
sobre a possibilidade de um trabalho da polícia mais próxima da comunidade, disse que
essa possibilidade é freada pela imagem que a polícia tem junto à população.
Um grande problema parece ser o receio de se participar dessas reuniões. A
participante 42, moradora da Vila Albertina, disse que o número de pessoas que participa
do Conseg de sua região é mínimo, porque as pessoas têm "medo". A participante 32,
moradora da Favela de Vila Penteado, disse que o Conseg "é um trabalho muito bom,
muito bonito, mas eu principalmente me preocupei em participar". Suas preocupações têm
ocorrido porque estar nessas reuniões pode fazer com que "eles" (traficantes, infratores)
pensem que quando ocorre uma invasão policial, "batida nas favelas", seja pela indicação
dos participantes do Conseg. A participante 41, moradora do Jardim Fontales, que é
membro de Conseg, chegou a dizer que, se os membros têm receio de divulgar
determinadas "coisas", o que se poderá dizer da população em geral. Segundo ela, em
determinada reunião no seu bairro para se discutir a necessidade de se asfaltar as ruas
do bairro, um morador falou sobre a questão da segurança: “É, nós não temos que cuidar
só de asfalto, não. Nós temos que cuidar também porque senão aqui vai virar igual o Rio.
Nós temos que tomar conta, porque senão os bandidos vão tomar conta”. Outro morador
interveio e disse para ele ter cuidado porque "o bandido pode estar aqui no meio de nós”.
Então, com receio, ela tomou a palavra e disse "bandido do bairro" cuida do bairro para
que nenhum morador seja roubado e chame a polícia. Depois disso, ela conversou com
este primeiro morador e lhe pediu para que não tocasse neste assunto.
A participante 43, moradora da Vila Constança, relatou uma tentativa que fez de
atrair pessoas para uma reunião de Conseg. Ela abriu sua instituição para uma reunião, o
capitão havia lhe pedido para convidar "o pessoal da comunidade". Fez convites e
começou a distribuí-los, inclusive para comerciantes do bairro. Segundo ela, muitas
pessoas se recusavam a aceitar o convite: “Quando eu comecei a distribuir os convites
falaram que eu era louca e que eu estava querendo morrer. Eu falava que era uma coisa
boa, que ‘o pessoal do CONSEG vai vir para conversar’. As pessoas falavam que não iam
e que eu estava querendo morrer". Diante dessa reação, ela resolveu parar de entregar
os convites. Na reunião compareceram umas 10 pessoas que haviam sido convidadas.
Foi combinado na reunião, que quem quisesse fazer denúncia, poderia fazê-lo por escrito,
entregando ao delegado. Alguém fez uma denúncia sobre o uso de drogas numa praça
pública, no dia seguinte à reunião, a polícia veio ao local e "levou todo mundo". Após essa
denúncia, a participante disse que passou "uma semana de um inferno total": pessoas
passando em frente de sua casa à noite e gritando ameaças, seus filhos sem poder sair,
mudança de trajeto para ir para casa para evitar favelas da região. Todos estes
participantes tendem a indicar que o trabalho dos Conseg é prejudicado pela própria
insegurança que existe nos bairros.
Uma participante também indicou o Conseg como um espaço de discussão sobre
formas de se prevenir a violência. A participante 24, moradora do Parque Novo Mundo,
tem defendido nas reuniões que é necessário “trabalhar com a família”:
Participante 24 - “A mãe que passa o dia inteiro trabalhando e ofilho fica na rua, mas vamos tentar trabalhar de alguma forma essafamília que é composta por 2 pessoas, ou que seja 5 filhos, dediferentes pais, e aquela mãe que deixa os 5 filhos no cruzamentopedindo dinheiro, vamos tentar trabalhar, através de cesta básica,através de visita, através de um trabalho”
Segundo ela, os policiais também tendem a dizer que a questão da segurança não é
só responsabilidade policial, mas que é uma “questão social”. Esta participante discorreu
ainda sobre o livro “Vidraças Quebradas”, de um criminalista norte-americano,
demonstrando que o próprio ambiente e a infra-estrutura influenciam no problema da
violência:
Participante 24 - “Naquela pracinha que está toda, ou naquelacasa que está toda abandonada, escura, logicamente lá vai ser umcovil de ladrões, aquela praça que está totalmente abandonada,com mato crescendo, o que vai acontecer? Vai juntar morador derua e de fato isso, eu falei assim, olha, tem um, tem realmenteuma lógica nisso, lá no meu bairro, lá no Parque Novo Mundo temuma praça abandonada e que está cheia de morador de rua,bebendo e usando drogas, é lá na favela que está escurinho, nãotem a questão da iluminação, as ruas estão, não tem saneamentobásico, o que tem lá? Tem os moradores logicamente, mas tem, lána esquina tá quem? Estão os usuários de drogas, traficantesficam batendo papo até tarde da noite, então eu vejo querealmente...”
Todos estes pontos discutidos a respeito dos Consegs indicam o quanto a
participação de moradores nessas reuniões contribui para que eles se tornem informados
a respeito das questões de segurança pública e possam fazer avaliações críticas da
atuação destes próprios Conselhos.
Comparando os diferentes relatos, é possível notar limites e possibilidades dos
Consegs: aproximação de policiais e moradores que participam, trabalho em conjunto
entre membros e policiais (denúncias, prisões, e programas de prevenção de uso de
drogas), a falta de confiança entre moradores e policiais, as dificuldades de obter mais
viaturas e policiais, policiais não comprometidos em apoiar a comunidade e os Consegs,
medo de moradores de participar de reuniões do Conseg e desconfiança em relação a
policiais.
4) Problemas apontados no policiamento existente e propostas de mudança
Neste quarto item iremos abordar problemas que os participantes elencaram como
sendo responsáveis pela redução da qualidade do policiamento e as propostas que eles
mencionaram para a melhoria do policiamento. Embora tenham sido feitas questões sobre
como os participantes desejavam que fossem o contato entre a polícia e os moradores do
bairro e o policiamento ideal, e outra sobre o que pode ser feito (a curto, médio e longo
prazo) para alcançar este policiamento, alguns se anteciparam e, ao falar sobre a
situação no bairro, disseram como gostariam que fosse o policiamento. Os participantes
abordaram inúmeras questões e apresentaram várias propostas para os problemas
encontrados.
Os participantes fizeram diferentes propostas para que o policiamento seja
aperfeiçoado. As diferenças podem ser ilustradas pela discussão provocada a partir da
fala de um dos participantes que não acreditava em mudanças a partir de propostas que
viessem da população para o governo, porque não acredita na capacidade do Estado de
se sensibilizar pelas demandas da população. A polícia pertence ao poder público e este
não se comporta em relação à sociedade, como o mercado faz com os consumidores:
Participante 37 - “No nosso caso vamos dizer o que nósqueremos, mas não temos meio de pressão para dizer pro... prodono do...a gente não compra o serviço da polícia: ‘Olha eu nãoquero, eu não vou comprar o serviço dessa polícia. Eu não voucomprar’. ‘Eu também não quero comprar o serviço da polícia’, eaí... não tem como. Não tem como fazer pressão! (...) Não tem. Areunião, olha, ela não dá em nada. Você vai fazer um relatório, tal,vai levar, o relatório chega lá em cima simplificado e não vai servirpra nada. A pressão é o seguinte: ‘Eu não compro o serviço’. Aíresolve tudo.”
A esta visão cética a mediadora lembrou que em países como a Inglaterra e o
Canadá a polícia também é pública. A partir daí, vários participantes intervieram. O
participante 37, disse que nestes países a polícia é tratada como empresa privada, em
que “tem gente profissional que resolva tecnicamente as coisas”. O participante 39,
morador do Jardim Floresta, afirmou que nesses países o “tolerância zero” vale “tanto
para polícia quanto para bandido”. A participante 43, moradora de Vila Constança, disse
acreditar que o problema não está na polícia, mas nas leis. A participante 40, moradora
do Jardim das Pedras, mãe de policial, disse que o problema está nos “direitos humanos”.
Como em geral, não houve entre os participantes dos três grupos um consenso
claro de quais propostas devem ser feitas a curto, médio ou longo, por isso, a opção foi
apresentar as propostas e mostrar as diferenças existentes entre os participantes que as
defenderam.
I) ausência de polícia e lentidão no atendimento X maior presença policial
A questão da ausência de polícia e lentidão no atendimento já foi discutida no item
sobre experiência com a polícia. No entanto, alguns participantes, mesmo sem ter
relatado experiências, emitiram comentários quanto a estas questões. Um dos pontos
abordados foi a falta de atendimento policial.
Para alguns participantes há um atendimento diferencial. Este problema gerou
indignação em alguns participantes, pois, segundo eles, há pessoas e empresas que por
sua posição e poder são atendidas, enquanto outros não são. O participante 34, morador
da Favela de Vila Brasilândia, demonstrou acreditar que a polícia atende melhor “o poder
financeiro” (empresários) e defendeu um policiamento de mesmo nível: “Na televisão,
manchete, ‘Barateiro foi assaltado, não sei o que, não sei o que’, para eles não interessa,
para a polícia não interessa, então eles querem fazer bonito, o que eles têm que fazer?
Um policiamento bem feito ali naquela região, aí vai fazer naquela região por que não faz
em todas, um policiamento comunitário geral, não só onde tem o poder financeiro?”. O
participante questionou porque nas comunidades não se tem “policiamento igualzinho que
tem lá na Parapuã”, onde há investimentos privados: “lá é diferente, lá tem um posto
volante, fazem uma espécie de policiamento comunitário ali, porque eles não têm base
comunitária ... aí eles fazem policiamento comunitário e eles andam ali de ponta a ponta,
3, 4 policiais, entra dentro do comércio, fala com os comerciantes...”. O participante 25,
morador da Casa Verde, afirmou também que nestes bairros há mais verbas nos distritos
policiais, enquanto “quando é um local, uma delegacia, um distrito desses eles mandam
menos, desde quando é um lugar mais necessário, mais necessitado, que tinha que
investir em mais policiais, investir em mais Delegacias, preparar mais o policial e ele não
prepara”. A participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, lembrou de casos, em
que policiais atuaram bem, por causa, segundo ela, de posição e “dinheiro”: “você viu, eu
gosto muito do governador, eu amo de paixão a esposa do governador, mas você viu o
que aconteceu no assalto do filho dele, o que aconteceu com o filho dele. Da morte do
segurança, foi na mesma noite, pegou... por quê? Era governador (...) você não viu o caso
da filha do Silvio Santos, por quê? Dinheiro, quanto não correu por ali por trás que
ninguém viu (...) mas é isso que eu estou te falando, nós não temos (...) é porque nós não
temos para bancar”.É corrente entre estes participantes a idéia de que aqueles que têm
recursos para pressionar a polícia conseguem ter bom atendimento, enquanto que os que
não possuem nenhum recurso não conseguem ser bem atendidos.
O problema no atendimento pode dar-se com o Distrito Policial mais próximo. O
participante 37, morador do Jardim Floresta afirmou que as pessoas que vão ao DP
devem ser atendidas imediatamente. Segundo ele, se há falta de escrivães, deveria-se
contratar mais e qualificá-los melhor. A participante 30, moradora de Pirituba e que
trabalha na Favela Cantagalo, defendeu uma melhor infra-estrutura nos Distritos Policiais.
Outros participantes abordam a falta de policiais militares nos bairros. A participante
32, moradora da Favela da Vila Penteado, defendeu a existência de um posto policial em
sua favela. O participante 25, morador da Casa Verde, defendeu a existência dos Postos
Comunitários. Segundo ele, a Secretaria de Segurança Pública tem alegado que se
coloca em risco a vida do policial que fica no posto. No entanto, ele argumentou que se os
policiais correm risco, em pior situação está a população. A participante 30, moradora de
Pirituba disse que, por falta de policiamento, há locais em “que você não direito de ir e
vir”. A participante 38, moradora da Vila Albertina, defendeu que na sua área volte a ser
realizado, por meio do Conseg, um policiamento a pé. O participante 34, morador da
Favela de Vila Brasilândia, disse que “tem que ter um policiamento preventivo também
nas comunidades, acho que seria a curto prazo o início”. A participante 39, moradora do
Jardim Floresta, irmã de policiais, defendeu a ronda policial como forma de inibir a ação
de traficantes.
O que é comum nestes relatos é a defesa de uma maior presença e capacidade de
atendimento por parte da polícia aos bairros e favelas, mais afetados pela criminalidade
mais violenta
II) atendimento violento e autoritário X ação voltada para a comunidade
Uma segunda questão tratada é quanto a problemas identificados na relação com a
comunidade. Os problemas quanto ao comportamento de policiais já foram discutidos no
item sobre as experiências com a polícia. Entre as conseqüências, foram indicados o
medo da população em relação à polícia e a má imagem dos policiais junto à população.
Por isso, trataremos aqui das propostas apresentadas pelos participantes.
- mudança de comportamento na abordagem policial e no atendimento ao cidadão-
A participante 31, moradora da Favela de Vila Penteado, defendeu que a polícia deve ser
“mais estruturada” para, quando for abordar uma pessoa, “não chegar com agressividade
como a polícia mesmo chega”. O participante 25, morador da Casa Verde disse que as
crianças aprendem a ter uma má imagem da polícia, por causa da violência dos policiais:
“ele só vê a polícia vir batendo em todo mundo aí e dando tiro para lá e para cá ele fica
com medo. Ele cria uma imagem que a polícia é ruim, que não está ali para proteger ele,
está ali para matar quem quer que seja”. A participante 30, moradora de Pirituba e que
trabalha na Favela Cantagalo, defendeu que os policiais tenham respeito pelos cidadãos
que eles abordam, ao fazerem rondas e atenderem pessoas nas delegacias ou pelos
chamados telefônicos.
- treinamento para se relacionar com a comunidade - O participante 25, morador da
Casa Verde, defendeu que, a médio prazo, o policial seja treinado para se inserir na
comunidade: andar pelo bairro e se envolver com a população, fazer trabalhos nas
escolas.
- realizar reuniões com moradores - O participante 33, morador da Brasilândia
defendeu que os policiais ouçam as propostas da população. A participante 35, moradora
da Favela de Vila Brasilândia, disse acreditar que se os policiais passassem a se reunir
com pais e mães na comunidade e mudasse “modo deles agirem”, muitas crianças e
adolescentes não se envolveriam com drogas. O participante 28, morador do Jardim
Anhanguera, defendeu que, a curto prazo, os policiais se aproximem das comunidades
para dar apoio, atenção e discutir projetos de longo prazo. A participante 41, moradora do
Jardim Fontales, propôs que os policiais se aproximem mais das comunidades, que os
delegados conversem com moradores e não só façam reuniões com entidades. Com isso,
segundo ela, será possível reduzir o medo que existe, de lado a lado, entre a população e
a polícia. No entanto, ela demonstrou uma preocupação de os policiais se tornarem
amigos de traficantes e ficarem com medo de atuar. Segundo ela, os policiais têm que ser
alternados. A participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, propôs que os
policiais se reunissem, a curto prazo, com presidentes de associação e com o Conselho
Tutelar da Criança e Adolescente, para ver as dificuldades das entidades e realizar um
trabalho conjunto. Para ela, os policiais poderiam ir à comunidade, apresentar o trabalho
que eles pretendam fazer. Reforçando a proposta da participante 32, o participante 34,
morador da Favela de Vila Brasilândia, defendeu a reunião do “comando da polícia” e a
comunidade para ver o que é possível melhorar e para que os policiais possam resgatar
sua imagem junto à população. Propôs que seja criado outro mecanismo que não o
Conseg, pelo qual, os traficantes podem identificar pessoas que participam e que são
responsabilizadas quando policiais atuam nas favelas. No diálogo entre policiais e
comunidade, os moradores deveriam ter oportunidade de alertar os policiais quanto ao
risco para as crianças frente às viaturas que passam em alta velocidade pelas ruas das
favelas:
Participante 34 “É de unificação da comunidade com opoliciamento, porque precisa conscientizar que estão errados,‘meu amigo o que estão fazendo aqui está errado, vocês passamaqui e estão dando desrespeito, se você atropela alguma criançaaqui a sua imagem vai ficar denegrida da polícia’, como vai falar‘um policial atropelou tal criança porque veio passando aqui a 50,60 por hora, o que aquela criança não vai imaginar daquela políciadaqui para frente, que a polícia é maldita, que a polícia é isso, queé o mal da sociedade e aí começa o atrito”.
A participante 32, moradora da Favela da Vila Penteado, afirmou que seria
necessário preparar a comunidade para a vinda dos policias e se fazer uma reunião para
que os policiais conheçam as pessoas da comunidade e declarem “o que eles vão estar
fazendo aqui com a gente”. A participante defendeu que estes policiais comunitários
estejam presentes na comunidade, ajudando os moradores em suas reivindicações junto
ao Estado, sem se colocar acima deles e “conscientizando” crianças e jovens envolvidos
com drogas:
Participante 32 - “não precisa brigar, o menino está ali cheirando adroga, não vai lá dar um tapa na cara da criança, senta aqui comele, conversa com ele, explica para ele, fala as coisas para ele,conscientiza a cabecinha dele, quem é a sua mãe, o seu pai... (...)vai lá a família, pára o carro ali na frente da casa (...) por que oseu filho está fazendo isso, o que está faltando em você, o queestá acontecendo com você? Porque às vezes o pai estádesempregado, a mãe está desempregada, a mãe passa onervoso para o filho, o filho quer um doce, a mãe não tem odinheiro, o pai não tem dinheiro, o filho já vê o dinheiro ali numlugar mais fácil e já vai lá e cata e aí começam os problemas e apolícia tinha que estar junto com a gente, ajudando, apoiando,incentivando”.
- melhoria de relacionamento com a comunidade - O participante 25, morador da
Casa Verde, disse que antes de participar do Conseg, “o policial entrava lá, ‘bota a cara
para dentro vagabundo’, para pai de família, ele não queria saber quem era quem, ele
chegava atirando para todo lado, entendeu?”. Segundo ele, o policial deve estar
preparado, “conhecer a necessidade da comunidade (...), o policial tem que trabalhar
junto com a comunidade, (...) ser amigo”. O participante 37, morador do Jardim Floresta,
defendeu que, a curto prazo, a polícia melhore seu relacionamento com a comunidade. A
participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, propôs que os policiais, ao invés
de “prender, de bater, de pegar na frente, matar e tal”, de chegar na comunidade com
armas na mão, “atropelando o cachorro”, que fosse instalado um posto policial, em que os
policiais se portassem como “amigos”, trocassem informações, ensinando, aprendendo,
apoiando as crianças. O participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, disse que
se existir uma polícia comunitária sempre presente, “vai chegar uma época que aquele
traficante ou pára com a atividade dele ou vai embora”. A presença da polícia será capaz,
segundo ele, de impedir as ações de traficantes. Esta polícia deve ser preventiva, ouvir e
conviver bem com a comunidade, estando próxima também das entidades sociais.
- levar informações e cursos para a comunidade - A participante 29, moradora da
Brasilândia, propôs um policiamento preventivo, em que a polícia se aproxime da
população levando informações, “dando cursos em escolas”, para que se estabeleça a
confiança na polícia e a população perca o medo. O participante 34, morador da Favela
de Vila Brasilândia, elogiou o programa de prevenção de uso de droga realizado por
policiais e propôs a ampliação deste trabalho para outras pessoas da comunidade, como
forma de prevenir a violência por meio da conscientização das pessoas. Disse também
que os policiais deveriam visitar as comunidades, dar palestras e desenvolver atividades
físicas com as crianças, para que estar possam “começar a admirar o trabalho do policial”.
Estes participantes defenderam um tipo de policial que não use de agressividade
com os cidadãos, que ajude a formar e informar as pessoas do bairro e que estabeleça
um trabalho de cooperação com a comunidade. A preocupação dos moradores com o
bem estar da comunidade leva à defesa de uma atuação policial que seja mais próxima e
“conscientizadora” do que repressora.
III) impunidade de policiais X punição
No item sobre as experiências em relação à atuação da polícia, há vários relatos
sobre corrupção e violência policial. A partir disso, alguns participantes abordaram a
questão da impunidade de policiais. A participante 31, moradora da Favela de Vila
Penteado, disse que conhece “muito policial drogado, que vai lá, que pega, que usa e que
a gente sabe” e que eles deveriam ser afastados. Segundo ela, um policial que não está
sob o efeito de drogas, “ele vê, uma pessoa é drogada, ele não vai chegando, batendo
logo”. O participante 28, morador do Jardim Anhangüera, mencionou o caso do delegado
que compareceu bêbado numa reunião de Conseg, e defendeu a existência de punição
para policiais que “dá pontapé na gente, principalmente nos bairros pobres’ e que não
atendem aos cidadãos ”com educação”.
O participante 37, morador do Jardim Floresta, relacionou o fato de os policiais
serem funcionários públicos com os problemas existentes no serviço prestado por
policiais. Segundo ele, como funcionário público: “Ele não quer ser treinado, ele está lá e
quer o salário dele, luta, faz greve pelo salário e não sei o quê. Quebra o carro pra não ter
que sair, porque sabe que ele vai se expor.(...) E a mesma é a delegacia, aquela turma
que dorme lá, porque sabe que tem o emprego garantido. (...) E se eu olhar feio eu vou
preso”. Desinteresse, boicote ao trabalho, danificação de patrimônio público, todos estes
problemas, segundo ele, se devem à estabilidade de emprego e a possibilidade de punir
cidadãos que reclamam.
A participante 39, moradora do Jardim Floresta e irmã de um policial, contrapôs-se a
esta fala e afirmou que os policiais, se matam alguém, são presos. Como exemplo ela
citou um caso de agressão que envolveu sua irmã:
Participante 39 - “A minha irmã é militar e o ex-marido dela émilitar. Ele se engraçou e deu uma surra nela. Ele estárespondendo na justiça militar e na justiça civil porque a justiçamilitar leva para a civil. Eles não abafam o caso (...).”
Em contrapartida, a participante 41, moradora do Jardim Fontales e membro de
Conseg, lembrou-lhe que nem sempre policiais militares são punidos: “Mas naquele caso
da favela Naval que matou o Joãozinho o cara não está preso”.
Alguns participantes fazem propostas para a punição de policiais com mau
comportamento. O participante 37, morador do Jardim Floresta, defendeu que policiais
que fizerem “coisa errada”, sejam afastados, investigados, respondam processo e sejam
presos: “É um emprego como outro qualquer”. Neste sentido, ele defende o fim da
estabilidade: “Precisa simplesmente acabar com a estabilidade. Aí vira tudo gente
boazinha”. A participante 24, moradora do Parque Novo Mundo, propôs que a médio
prazo seja feita uma triagem na polícia para se retirar certos policiais: “A gente vai, a
própria corporação, o capitão sabe disso, quem serve, quem não serve, a própria
comunidade sabe quem é o policial bom ou não, aquele que sai batendo no pessoal”. O
participante 28, morador do Jardim Anhangüera disse que prefeitura e Governo do
Estado, em conjunto, poderiam investigar estas autoridades. Segundo ele, poderiam ser
colocadas câmeras para filmar delegacias e o Secretário de segurança se encarregaria de
punir os policiais:
Participante 28 - “poderia colocar até filmagem em certos pontos,às vezes, por exemplo, tem uma delegacia que se vai lá fazer opedido, (...) e não chega na hora certa, teria que ser registradotudo, ‘está aqui Secretário tome providência, o senhor está lá paracorrigir’, mesmo que não está dando bom salário para eles, mascorrige porque quem sofre somos nós!”.
Alguns participantes se referiram diretamente à Corregedoria de Polícia. A
participante 29, moradora da Brasilândia, afirmou que as denúncias contra policiais não
levam a resultados: “que você liga para fazer denúncia e nada acontece. Ou seja, você
não acredita mais na Corregedoria, não acredita mais na polícia”. A participante 43,
moradora da Vila Constança, disse que como um funcionário comum, o policial tem que
ser “mandado embora” e “arcar com o que fez”, não resolve ser afastado pela
Corregedoria. A participante 29, moradora da Brasilândia, defendeu que a médio prazo a
Corregedoria puna policiais corruptos: “que funcionasse a Corregedoria, que você liga
para fazer denúncia e nada acontece”.
Em geral, os participantes defenderam punição (e até demissão) para policiais que
trabalham pouco, que cometeram homicídios e que agridem pessoas. Alguns propõem
também uma atuação mais eficiente da Corregedoria.
IV) Gerenciamento das polícias e planejamento das atividades policiais
Alguns participantes se preocuparam com a qualidade do policial que está
chegando às ruas. Dois participantes discutiram a questão da admissão. O participante
37, morador do Jardim Floresta, chamou a atenção para a necessidade de garantir a
admissão de “cidadãos bons, honestos”, lembrando os inúmeros testes que fez para ser
contratado na empresa em que trabalha. A participante 39, moradora do Jardim Floresta,
por exemplo, defendeu que a “falta de emprego” tem levado pessoas sem “vocação” a se
tornarem policiais. A participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, defendeu que
sejam investigadas a vida dos candidatos dos concursos para a polícia e que sejam
escolhidos os que possuem “mais formação”.
Alguns participantes abordaram espontaneamente a questão do treinamento. O
participante 37, morador do Jardim Floresta, foi enfático: “Tem que ser treinado, tem que
ser preparado, qualificado”. A participante 39, moradora do Jardim Floresta, irmã de
policial, afirmou que na Polícia Militar, os soldados são treinados por 6 meses, antes de
trabalhar em qualquer área. Além disso, segundo ela, “eles são muito bem preparados
para isso”.
Alguns participantes discutiram pontos gerenciais do funcionamento das
organizações policiais. A participante 30, moradora de Pirituba apontou o problema da
alta rotatividade de delegados: “no mesmo tempo que eu reclamo deles eu não posso
cobrar deles, como que eu vou cobrar dele, eu vou lá e falo com o delegado, o delegado
some, aí vem outro”. A participante 41, moradora do Jardim Fontales, preocupada com a
demora de atendimento em Distritos Policiais, defendeu que os policiais sejam pagos por
produtividade. Tratando da questão de que certos policiais são vistos nos Distritos
Policiais conversando, enquanto várias pessoas estão sendo atendidas, lembrou que nem
todos os policiais podem atender os casos e disse que é necessário se verificar as
funções que ficam mais sobrecarregadas “para estar qualificando ou trocando esse
funcionário”. A participante 43, moradora da Vila Constança, e o participante 37, morador
do Jardim Floresta, defenderam que os policiais recebam novos treinamentos com mais
freqüência. O participante 37 defendeu ainda que a polícia funcione como uma empresa
privada, com o pagamento feito por produção e avaliação de pessoal. Este participante
defendeu, também, que a polícia tem que ser administrada como uma empresa privada,
contratando profissionais capacitados que coletem informações e utilizem técnicas
possíveis para atingir os objetivos. A participante 30, moradora de Pirituba, que trabalha
na Favela Cantagalo, defendeu que os policiais tenham armamento e viaturas. O
participante 25, morador da Casa Verde, propôs que os policiais sejam reciclados e que
se acompanhe a ficha de cada policial. A participante 32, moradora da Favela de Vila
Penteado, defendeu que os policiais trabalhem longe dos locais em que moram, para não
ser conhecido e conhecer traficantes e usuários contra os quais precise atuar.
Alguns participantes, membros de Conseg, trouxeram para a discussão as
reclamações de policiais em relação às vítimas que não registram ocorrências e os
prejuízos causadas para certas companhias e delegacias, quando da divisão de viaturas.
A participante 38, moradora da Vila Albertina, e a participante 43, moradora de Vila
Constança, lembraram que certas Companhias sofrem com falta de viaturas porque
ocorrências não são registradas naquela região. A participante 38, moradora da Vila
Albertina, pediu que seja alterada a norma que divide o número de viaturas por região,
segundo o número de ocorrências. A participante 41, moradora do Jardim Fontales,
contou a discussão que teve um delegado sobre o problema e relacionou a falta de
registro de crimes com o atendimento nas delegacias:
Participante 41 - “delegado, o delegado até questionou com agente assim, ‘não tem viatura porque o governo não sabe dasituação’, porque nós resolvemos, nós decidimos montar um grupopara pedir mais viaturas pra lá. Porque realmente não tem. Eledisse: ‘Não tem viatura porque não tem BO, não tem registro denada. A população não vai’. Eu falei: ‘Mas como que você querque a população vai na delegacia se ele vai chegar lá e vai perdero dia inteiro de serviço sentado num banco’.”
A participante 43 apontou outro problema que é o registro homicídios de uma região
em outra delegacia, o que causa mais distorção na distribuição dos recursos:
Participante 43 - “Vila Constancia tem 8 assassinatos em 10 dias.Você concorda que é um número absurdo? (...) Oito assassinatosem dez dias é um número pra assustar qualquer um, só que se vocêfor na nossa delegacia não tem 8 registrado. Na DP é outro bairro...não é Vila Constancia, não é Vila Gustavo. Então vai ser dado que oJaçanã é onde tem maior índice de ocorrência quando essasocorrências aconteceram na Vila Constancia.”
O que se nota nestas afirmações é que os participantes têm um considerável
conhecimento do funcionamento das corporações policiais, o que lhes permite, inclusive,
sugerir propostas para a melhor gestão dos recursos.
V) Salário, treinamento e condições de trabalho
Vários participantes apontaram problemas relacionados ao que percebem como
falta de condições para os policiais realizarem a atividade policial e fizeram propostas:
- condições de vida e salários – Alguns participantes, como o participante 25,
morador da Casa Verde, falaram sobre as más condições de vida de policiais. A
participante 43, moradora da Vila Constança, disse que conhece um policial que mora
numa favela e defendeu que sejam melhoradas “as condições de vida desse profissional”:
“Garanto que todo mundo que está em uma favela queria ter pelo menos uma casinha
decente, não precisava ser casa grande, não; um quarto, sala e cozinha que é pra ele
poder entrar e poder falar: ‘é minha casa’. Todo mundo gosta de um endereço. Esse que
eu conheço não tem endereço. Ele mora na rua 2”. Ela defendeu que seja dada uma
“ajuda de custo”: “que ele possa dar alguma coisa para aquele filho dele”. Com isso, ela
disse acreditar que as reclamações e a corrupção será reduzida. O participante 28,
morador do Jardim Anhanguera, disse que há “aquele meio de revolta, de irritação” e que
policiais são obrigados a fazer bicos:
Participante 28 - “às vezes, tem policial que às vezes ele estádrogado, que trabalha bêbado, às vezes ele não faz um ótimoserviço, porque, coitado, às vezes a família dele ficou lá e ele,‘caramba, eu estou trabalhando 16 horas por dia, e, às vezes, aminha mulher ficou lá não tem 10 reais para comprar 1 quilo decarne, porque eu ganho 600 reais, eu tenho que esperar vencer omês ou a quinzena, e, às vezes, não posso fazer um bico’, muitosfazem bico porque é obrigado a ter mais um trabalho, quer dizer,na rua de maneira irregular, colocando a sua própria vida em risco,porque se ele vai fazer um plantão numa loja, em outro ponto,numa lotérica ou algo assim, ele está colocando em risco, porcausa do ambiente da loja, que é o expediente dele, então nãocritico ele pela razão, ele é isso, é aquilo porque ele tem umaconduta ruim, não, isso já vem por causa do próprio Governo,então eu acredito que isso é a questão que tem o policial comessa capacidade”.
Este participante relaciona ainda o uso de droga e de álcool e deficiência no
trabalho, aos baixos salários e à necessidade de se fazer “bico” e trabalhar várias horas
por dia. A responsabilidade por essa situação é do governo. Segundo ele, o governo não
dá aos policiais, “salário mais digno”, “armamento mais adequado”. O participante
também disse acreditar que as comunidades, a população, têm que se unir para cobrar do
governo e apoiar os bons policiais.
A tônica dos grupos focais foi apontar os baixos salários e defender melhores
remunerações. A participante 29, moradora de Brasilândia, a participante 31, moradora da
Favela de Vila Penteado e o participante 23, morador do Jaraguá, disseram que os
policiais são mal remunerados e deveriam ganhar mais. O participante 25, morador da
Casa Verde, disse que o aumento salarial deve ser feito a curto prazo, como forma de
melhorar o desempenho de cada policial: “para ver se ele trabalha com mais intensidade,
faz o serviço dele como deve ser”. O participante 37, morador do Jardim Floreta, propôs
que seja feito um estudo para avaliar o cargo de cada policial, verificando
“responsabilidades e riscos”, tal como numa empresa privada, e então se estabelecer um
salário. O participante 27, morador do Morro Doce, comparou a polícia brasileira com a
dos Estados Unidos. Ele relacionou a corrupção aos baixos salários: “hoje um policial nos
Estados Unidos ganha 4.000 dólares, você sabe disso, não pode se comparar com o
Brasil, o cara encontra o cara na rua, cheio de grana, ele vai dispensar?”.
- melhor preparação e estrutura de trabalho – O participante 28, morador do Jardim
Anhanguera, disse que conhece um investigador de polícia que estudou apenas até a 5ª
série e que o Estado poderia ter garantido o complemento deste estudo. Esta falta de uma
melhor formação escolar também, para ele, faz com que subordinados procurem
superiores para registrar ocorrências. Acrescentou também que o policial deve ser bem
treinado, como por exemplo para se defender nos tiroteios com “bandidos”: “numa
reportagem eu vi um policial trocando tiro com o bandido. Sabe como o policial estava se
defendendo do tiroteio do bandido? Com as mãos no rosto, tem que se defender com a
arma, então quer dizer, não estava bem preparado”. A participante 30, moradora de
Pirituba, também falou em revolta dos policiais. Segundo ela, “não tem estrutura”, como
exemplo ela utilizou o caso da sua região, onde há apenas duas viaturas (e
freqüentemente uma está em manutenção). O participante 23, morador do Jaraguá disse
que o policial deve ter melhor preparação e estrutura de trabalho. O participante 37,
morador do Jardim Floresta, defende que os policiais devem ter melhores condições para
trabalhar: “tornar uma profissão digna, respeitosa”.
- atendimento psicológico e médico – A participante 40, moradora do Jardim das
Pedras, falou sobre o stress no trabalho: “Eu tive 2 filhos polícia. A minha menina que se
foi e um menino que saiu. O meu mais novo não agüentou”. Vários participantes
defenderam a importância de acompanhamento psicológico para os policiais. A
participante 31, moradora da Favela de Vila Penteado, sugeriu que os policiais se reúnam
com psicólogos, ao menos uma vez ao mês, por causa do stress que passam e para
“poder saber tratar as pessoas”. A participante 41, moradora do Jardim das Pedras, disse
que é necessário que os policiais que já atuam há muito tempo passem por avaliação
psicológico, “Porque eles já passaram por vários problemas, que só eles mesmos sabem”.
O participante 33, morador da Brasilândia, afirmou que o policial que trabalha na rua
precisa de acompanhamento psicológico. A participante 39, moradora do Jardim Floresta
e irmã de policial discordou de outros colegas do grupo focal 3, “porque eu acho que a
gente não pode só condenar, a gente tem que elogiar o que é certo”. Segundo ela, todo
ano os policiais militares são submetidos a avaliação de saúde, e a cada 6 meses, há
avaliação psicológica. A participante contou ainda que sua irmã foi afastada e tratada,
durante 2 anos, no departamento psiquiátrico da Polícia Militar. No entanto, esta mesma
participante, reclamou das filas e dos atrasos no atendimento do Hospital da Polícia Militar
de São Paulo
VI) Mudanças estruturais e legais
Alguns participantes identificaram problemas na atuação policial e defenderam
mudanças de caráter legal.
- menores limites à atuação policial e proteção legal - Alguns participantes, que têm
um contato próximo com policiais, defenderam menores limites à ação policial. A
participante 43, moradora da Vila Constança, disse que policiais têm de suportar
provocações de adolescentes, contra os quais não podem “falar” ou “encostar a mão”,
pois senão são processados. Sua proposta para a questão é difusa, disse que o policial
deve “poder se impor”. A participante 39, moradora do Jardim Floresta e irmã de policiais,
apoiada no grupo focal pela participante 40 (mãe de policial), citou uma situação em que
Policial Militar é morto por ter sido identificado como policial e a existência de policiais que
não colocam suas fardas para secar em varal para se proteger. Segundo ela, se a polícia
(militar ou civil) “é uma autoridade que ela tenha realmente autoridade para exercer a
função dela”. Ele propõe algo próximo à tese da “legítima defesa da sociedade”, para
salvaguardar os policiais de punição contra homicídio de “bandidos”:
Participante 40 “Se ela matar um pai de família injustamente elatem que ser presa, condenada e tem que mofar na cadeia comoqualquer um de nós, se fizer isso tem que pagar. Mas se ela for láe matar um bandido, um traficante, um estuprador ou umseqüestrador... (...) O infeliz vai responder e vai ficar 30 anos nacadeia na detenção porque matou um bandido. Um cara que tá lá,assolando com a família, acabando com a família, pondo o seufilho na droga... porque condenar um pessoal desse?!”
A participante 43, moradora da Vila Constança e a participante 39, moradora do
Jardim Floresta e irmã de policiais, atacaram os “Direitos Humanos”. Esta última disse
que “urgente acabar com Direitos Humanos. Metralhar Direitos Humanos!”. A participante
acusou “o órgão de Direitos Humanos” de criticar a polícia quando morre um bandido, e
não se interessar pelo policial militar que morre quando “defendeu a comunidade e a
integridade física, catou um seqüestrador ou um estuprador ou qualquer outra coisa
horrorenta que existe e matou”. A participante citou ainda o caso do Coronel Ubiratan e
acusou pessoas ligadas aos Direitos Humanos pela condenação:
Participante 39 - “Que nem o coronel Ubiratan Guimarães, que sópegou 600 anos de cadeia! 600 anos de cadeia! Por quê? Porqueentrou em confronto dentro da detenção e matou 111 meninobonzinho, que tão lá porque são tudo anjinho. E os DireitosHumanos foi lá e condenou ele a 600 anos de cadeia! Tudo bemque não cumpre nem 30, mas ele está lá se defendendo comopode”.
Frente a esta discussão, uma participante afirmou discordar do que havia sido
defendido pelas duas primeiras mulheres.
- unificação das polícias - Alguns participantes defenderam a unificação das
polícias. O participante 25, morador da Casa Verde propôs que a mudança ocorra a longo
prazo. O participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, afirmou que a curto prazo
deve haver a unificação. Segundo ele, um comando único melhoraria a relação entre o
policial militar que prende e a Polícia Civil que recebe o caso. A participante 30, moradora
de Pirituba e que trabalha na Favela Cantagalo, propôs que sejam unificadas as Polícias
Civil e Militar e a Guarda Civil Metropolitana. Segundo ela, o atendimento melhoraria,
“daria mais resultado, porque há uma rivalidade entre esses comandos (...) que quando
você vai numa delegacia você acha barreira, o policial militar ele prende e leva até a
delegacia, chega lá ele entrega. E o de lá é que vai tomar os procedimentos, dali ele toca
o barco para frente”.
- redução da idade mínima para a imputabilidade penal - Alguns participantes se
aproximaram da questão da maioridade penal. A participante 43, moradora de Vila
Constança, membro de Conseg, afirmou que acredita na impunidade de adolescentes:
“Se você tiver um problema com um de menor não adianta chamar a polícia, porque não
vai acontecer nada. Deixa o de menor te roubar, fazer...”. Ela propôs a revisão do Estatuto
da Criança e do Adolescente. A participante reconheceu ser contra o ECA, porque falta
“autonomia para o policial agir”: “você (policial) não pode fazer isso porque é de menor,
não pode fazer isso porque é de menor, não pode fazer”. A participante 39, Jardim
Floresta, irmã de policial, membro de Conseg, e a participante 41, moradora do Jardim
Fontales, afirmam que os infratores adultos utilizam adolescentes. Segundo a participante
39, infratores adultos têm tanta confiança na impunidade de adolescentes que “o de maior
empurram o bagulho para o de menor? Porque o de menor não vai preso”.
- facilidades para a soltura de detidos - Dois outros participantes discutiram o
problema de infratores que são detidos e depois libertos. A participante 42, moradora da
Vila Albertina, indicou um desestímulo para o policial: “Porque o policial arrisca a vida dele
pra prender... não e quando o policial sai da delegacia o bandido já está solto”. O
participante 23, morador do Jaraguá, defendeu que há “brechas” nas leis: “a justiça
prende o ladrão, a polícia prende o cidadão, o ladrão, o assassino, o que for, se ele
arruma um bom advogado amanhã ele está solto”.
VII) Considerações sobre governo e Estado
Alguns participantes trataram de problemas que afetam o Estado, de maneira geral,
ou Governos, de maneira particular, e que podem trazer conseqüências para o
funcionamento das estruturas policiais.
- falta de compromisso - Um dos problemas seria a falta de compromisso com a
coisa pública. O participante 37, morador do Jardim Floresta, defendeu que as pessoas
que assumem cargos públicos, principalmente “na segunda esfera de mando” não se
“engajam”, porque não sabem quanto tempo ocuparão aquele cargo: “Não existe uma
relação que leva a idéia do dono até o fim, até que se concretize”. O participante 37,
morador do Jardim Floresta, criticou ainda a compra dos off road da marca Land Rover.
Segundo ele, este carro é muito mais caro que os similares nacionais e houve fechamento
de uma fábrica da Toyota no Brasil, por falta de encomenda: “Primeiro, custa muito mais
caro. Segundo, tirou emprego do brasileirinho e nós estamos falando daquele cara que
está matando, porque não tem emprego”. A participante 41, moradora do Jardim Fontales,
apoiou as assertivas, dizendo que a manutenção dos similares nacionais é mais barata.
- falta de ação - Alguns participantes criticaram decisões ou apontaram uma suposta
falta de ação de secretários de segurança pública e governadores de Estado. Outro
participante criticou as autoridades que detêm o poder sobre os policiais. Quando
perguntado porque a polícia hoje não é como os participantes disseram que gostariam
que fosse, o participante 33, responsabilizou as autoridades superiores: “acho que é
quem manda, se a ordem vem de cima, fazer uma coisa eles vão fazer, com certeza
debaixo não vai ser”. A participante 32, moradora da Favela de Vila Penteado, criticando a
corrupção policial e defendendo mudanças, responsabilizou o Secretário de Segurança
Pública, por não corrigir as falhas e elogiou o governador: “você está vendo aí quanta
coisa boa está acontecendo pelo governo, mas e o secretário está aonde para ver isso
aí?”.
Houve críticas também à falta de trabalho educativo das unidades da FEBEM. A
participante 24, moradora do Parque Novo Mundo, criticou a FEBEM, porque numa
unidade que procurou desenvolver uma atividade, não havia proposta de trabalho com
jovens:
Participante 24 - “Quando várias vezes eu entrei para fazertrabalho evangelístico lá na FEBEM os meninos não tinhamtrabalho, ficavam o dia inteiro trancados, ‘mas não falaram quetem oficinas profissionalizantes aqui?’ ‘Ah, é para outras unidades
porque aqui não’. Então quer dizer, eles ficam o dia inteiro lá,tramando fugas, rebeliões, como que vai se recuperar?”
- corrupção - Outro problema tratado foi a corrupção existente no Estado. Alguns
participantes se detiveram à corrupção existente nas corporações policiais, como já vimos
ao tratar das experiências dos moradores em relação a atuação da polícia. A participante
32, moradora da Favela de Vila Penteado, relatou a relação entre um infrator e policiais
na sua favela:
Participante 32 - “então ele já é conhecido e toda vez que a políciaia lá ele tinha que dar dinheiro para polícia, cinco mil, dez mil,quinze mil, tinha que dar dinheiro, então aquilo ali viciou o policiale o policial pegou o bandido, pegou o dinheiro do bandido, ele vailá se preocupar comigo que eu não tenho dinheiro, não tenhonada para dar para ele, eles querem mais que eu morro”.
A participante concluiu que, quando o policial se corrompe, ele deixa de se
preocupar com os moradores. O participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia,
falou sobre “banda podre” da polícia e sugeriu a possibilidade de contaminação dos novos
policiais:
Participante 34 - “quando ele entra na escolinha ele já sabe quetem aquele valor quando vai prestar concurso público, ele nãosabe que aquele valor que ele vai ganhar, que é isso que ele vaiprestar, não sei o que. Aí o que acontece? No decorrer, dentro donegócio lá da organização, da corporação tem aquela bandapodre, mas tem esse outro lado aqui, tem aquele lado bemnormal”.
O participante 25, morador da Casa Verde, relacionou os baixos salários à
corrupção. Segundo ele, os traficantes podem subornar policiais, que “ganha pouco” para
não atuar e não prender funcionários do tráfico. Ele acrescentou que a população teme
denunciar traficantes a policiais, pois estes podem ter ligação com traficantes.
Além disso, o participante defendeu que há juízes e advogados também envolvidos
com traficantes e que falta vontade ao Governo (não especificou qual) para atuar contra
traficantes, como o “Fernandinho Beira Mar”.
A participante 24, moradora do Parque Novo Mundo, tratou da corrupção em termos
gerais. Lembrando da crise no governo Fernando Henrique Cardoso, quando o
Procurador Geral da República contradisse ao Ministro da Justiça e foi contra a
intervenção no Estado do Espírito Santo, a participante afirmou que a corrupção vem de
cima e é necessário que o presidente reúna-se com os governadores para acabar com a
corrupção e o crime organizado.
O participante 27, morador do Morro Doce, lembrou dos casos noticiados de
corrupção envolvendo a Sudene e a governadora Roseana Sarney, e defendeu o
combate à corrupção, porque assim “o dinheiro sobra para investir na educação”.
- mau funcionamento do sistema penitenciário – O participante 27, morador do
Morro Doce, defendeu que os presos trabalhem nas cadeias, podendo “ocupar a cabeça”
e gerando renda para sua família: “Quando ele sai algemado com a mão para trás, ali vai
um ladrão e ficou três em casa, porque os três filhos dele vão passar fome em casa,
porque não têm quem sustenta ele lá, é isso que acontece”. A participante 30, que
trabalha na Favela Cantagalo, criticou a lei, dizendo que os detentos têm muitos direitos.
O participante 25, morador da Casa Verde, falou também da corrupção nos presídios e a
falta de autoridade dos diretores:
Participante 25 - “Porque se dentro do sistema prisionário entratodo tipo de coisa ali dentro, o Diretor do sistema está aonde, quenão está vendo isso? Eu li um artigo, que o preso lá, ele quer umaprostituta, ele manda trazer, paga lá, entra. Quer televisão? Eletem tudo lá dentro, por que ele vai sair dali de dentro? Ele estácomandando a própria ...(...) O próprio presídio ali dentro, cadê oDiretor? Não é o diretor que manda? (...) PCC e o ComandoVermelho.(...) Eles que mandam”.
Alguns participantes fizeram propostas que, segundo eles, deveriam ser
implementadas pelo governador. A participante 39, moradora do Jardim Floresta e irmã
de policiais, propôs que o governador, a médio prazo, faça “um resgate da imagem da
Polícia Militar”. Segundo ela, a imagem da Polícia Militar é para “defender”. A participante
41, moradora do Jardim Fontales, e a participante 40, moradora do Jardim das Pedras,
mãe de policial, disseram que o governador precisa ouvir da população, a qual vive os
problemas no dia a dia:
Participante 41 - “Ele é o governador e o senhor é nomeadosecretário da segurança. O governador nomeou ele porque eletem estudo e capacidade pra fazer isso. (...) Não... é... isso... foinomeado. Só que é o seguinte, na casa do secretário nunca houveproblema, só vê essas coisinhas que chegam na delegacia. Quemtem que agir, gente, somos nós. Foi o que eu acabei de falar:somos nós! Eles estão fazendo esse fórum aqui e pode ser tiradouma documentação e mandar diretamente para o governador. (...)Eles têm que ouvir de nós que somos da periferia, a história dela,a história dele, o caso dele é um, o meu caso é outro, o caso dela
é outro... se nós que estamos aqui, sempre nos reunimos, nóssempre estamos nos vendo, nós sim sabemos o problema, eu seio problema que ela tem, eu sei o problema que ele tem... Agora, ogovernador vai saber lá se ninguém leva isso pra ele? pra elepassar isso para o secretário dele. Se o secretário não tiver agindonós vamos chegar lá (‘Ó, o secretário não tá funcionando’)?. Nósnão somos funcionários, nós podemos fazer isso”.
Segundo esta participante, é necessário haver mobilização, preparar documentos e
levar as reivindicações ao Governo do Estado.
A participante 43, moradora de Vila Constança, acredita que o governador tem o
poder para produzir melhoras: “Se o governador falar “Eu quero a melhor policia de São
Paulo, o que que eu preciso pra ter essa melhor policia”, ele vai fazer”.
VIII) Propostas de ação pública sem caráter policial-penal
Alguns participantes tocaram em questões que, embora não relacionadas a polícia,
podem ter influência na questão da segurança. Vários participantes trataram de trabalhos
de caráter social que podem ter influência na redução e prevenção da violência.
- trabalho com famílias – a participante 24, moradora do Parque Novo Mundo,
defendeu que haja ações com famílias em que os filhos ficam na rua para pedir dinheiro.
O trabalho seria por meio de cesta básica, visitas. Segundo ela, para isso as entidades
sociais precisam de apoio.
- “secretaria para as comunidades” – a participante 32, moradora da Favela de Vila
Penteado, disse que é difícil as entidades obterem cadastro para recebimento de cesta
básica e de leite. No passado, sua entidade conseguiu porque teve “padrinho”. Por isso,
ela defende que exista uma secretaria para as comunidades. Esta secretaria deveria
facilitar a obtenção de documentos necessários às entidades.
- reservas de vagas nas universidades públicas para as entidades -
Participante 32 - “o filho do pobre, o filho do pobre não pode fazeruma faculdade, tem que pagar, ter um espaço para o filho dopobre fazer de graça, gratuito, aqui a USP, tinha que ter umespaço para gente, ele tinha que dar um espaço. Na associaçãotem quantas pessoas estudam, qual o grau de escolaridade?‘Dona Fulana, a senhora é presidente da associação, vamos dardez vagas para senhora ‘, vou lá pegar dez vagas, mandaraquelas pessoas fazer a faculdade.”
- espaços para a comunidade – a participante 32, moradora da Vila Penteado,
elogiou o Projeto Circo-Escola, lançado pelo governador Orestes Quércia, em que eram
envolvidas muitas crianças e os pais podiam ser “conscientizados”. O participante 34,
morador da Favela de Vila Brasilândia, afirmou que não há espaço no seu bairro para as
entidades desenvolverem atividades.
- serviços públicos em geral – o participante 23, morador do Jaraguá, falou sobre
problemas de seu bairro: a falta de esgotos e má qualidade do transporte público.
- educação da população – a participante 30, que trabalha na Favela Cantagalo,
argumentou que não basta as lideranças cobrarem das autoridades, é necessário formar
as pessoas nas escolas, nas associações, para que elas saibam seus direitos e tenham
sua próprias iniciativas. Segundo ela, “a partir do momento que o povo souber quais são
os direitos e deveres dele”, haverá cobrança sobre as autoridades para que implementem
projetos mais rapidamente. A participante 35, moradora da Favela de Vila Brasilândia e
que trabalha no projeto Jovem Cidadão, disse que é preciso primeiro oferecer uma
vantagem para atrair as pessoas a participarem de projetos para, com o tempo, se poder
conscientizá-las quanto à cidadania e a respeito de questões sociais: drogas, lixo, etc. A
participante 29, moradora da Brasilândia, defendeu que se as pessoas fossem bem
educadas, aprendendo sobre seus direitos e sobre o que é proibido, “o índice de
criminalidade cairia muito”. Segundo ela, o governo deve investir mais em educação.
- trabalho com jovens e crianças – alguns participantes destacaram a necessidade
de se ter atividades que ocupem jovens e crianças e lhes dêem possibilidade de lazer e
educação. O participante 34, morador da Favela de Vila Brasilândia, preocupado com o
envolvimento de jovens e crianças com as drogas, afirmou que há cursos de
profissionalização, de conscientização e ação de ONGs, mas que isso não tem sido
suficiente. O participante 37, morador do Jardim Floresta, defendeu que as entidades
sociais devem levar às crianças e jovens usuários de drogas: “Instrução, orientação
profissional, educação”. A participante 41, moradora do Jardim Fontales, disse que é
impossível “acabar com a droga”, e que, por isso, é necessário ocupar as crianças e
impedir que elas fiquem em contato com as pessoas envolvidas com drogas. A
participante 29, moradora da Brasilândia, defendeu que falta ao governo investir nas
entidades para que elas possam dar apoio às crianças das comunidades. Segundo ela,
há em sua entidade uma criança, cujo pai está preso, que afirmou que quando crescer
quer ser infrator (“bandido igual ao meu pai”) e que lhe faltam psicólogos para trabalhar
com essa criança. A participante 35, moradora da Favela de Vila Brasilândia deu o
seguinte exemplo de transformação de jovem, a partir de um projeto de conscientização:
Participante 35 - “tinha um menino lá que entrou com a gente paraestar participando da atividade, o ‘Fulano’, quando ele começou, éum guarda-roupa, tinha 18, 19 anos, ele entrou na sala de aula,aquela violência, que ia jogar cadeira, não sei o que, fiquei meioassustada, falei ‘meu pai do Céu, um cara desse tamanho falarque vai jogar cadeira, vou tocando’, aí vai trabalhando, vaiconhecendo, vai vendo o que ele gosta de fazer, o que gosta dediscutir para poder chegar no seu objetivo. Depois de um certotempo você vê a transformação que ele teve aquele jovem de umasimples oportunidade que você deu, aí tem falhas, mas falhas todoser humano tem, mas vai ter que corrigir aos poucos, aí você vêaonde foi capaz de chegar aquele jovem com uma pequenainjeção de ânimo que você encaminhou e outros mais...”
- participação política - Vários outros participantes discutiram a importância da
participação política dos moradores para se melhorar a segurança dos bairros. O
participante 33, morador da Brasilândia, reclamou que poucos se interessam em discutir a
questão da segurança e que, de maneira geral, ninguém procura ir atrás de justiça
quando um filho é espancado. A participante 41, moradora do Jardim Fontales, contou
que na última reunião do Conseg, decidiu-se que as lideranças comunitárias vão agir
politicamente, deixando de lado as diferenças existentes entre as filiações partidárias,
para ter mais viaturas e policiais na área. A participante 24, moradora do Parque Novo
Mundo, que também é membro de um Conseg, defendeu a necessidade das pessoas se
organizarem e terem “persistência, perseverança com os policiais”. O participante 25,
morador da Casa Verde, membro de Conseg, disse que cabe as lideranças cobrar ações
dos Governantes.