projeto de pós-doutorado – marcia regina carvalho da silva

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES PROGRAMA: MEIOS E PROCESSOS AUDIOVISUAIS LINHA DE PESQUISA: HISTÓRIA, TEORIA E CRÍTICA MARCIA REGINA CARVALHO DA SILVA O SOM DO RETRATO: Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros RELATÓRIO FINAL DE PÓS-DOUTORADO São Paulo 2015

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Page 1: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

PROGRAMA: MEIOS E PROCESSOS AUDIOVISUAIS

LINHA DE PESQUISA: HISTÓRIA, TEORIA E CRÍTICA

MARCIA REGINA CARVALHO DA SILVA

O SOM DO RETRATO:

Análise de narrativas biográficas

em documentários musicais brasileiros

RELATÓRIO FINAL DE PÓS-DOUTORADO

São Paulo

2015

Page 2: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Relatório Final de Pós-Doutorado

O SOM DO RETRATO:

Análise de narrativas biográficas

em documentários musicais brasileiros

Pós-doutoranda:

Profa. Dra. Marcia Regina Carvalho da Silva

Filiação Institucional e titulação:

- Professora e Coordenadora do Curso de Rádio, TV e Internet, da Faculdade

Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM).

- Doutora em Multimeios (Cinema: História e Teoria), pela Universidade Estadual

de Campinas (UNICAMP).

SUPERVISOR:

Prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin

São Paulo

2015

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Relatório final de atividades do projeto de pesquisa pós-doutoral

O SOM DO RETRATO:

Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros

Resumo

Este estudo analisa as formas narrativas de quatro documentários: Vinicius (2005), de Miguel

Faria Júnior; Fabricando Tom Zé (2007), de Décio Matos Júnior; Coração Vagabundo

(2008), de Fernando Grostein Andrade; e, A música segundo Tom Jobim (2011), de Nelson

Pereira dos Santos e Dora Jobim. Esta análise busca investigar como a história da música e

seus personagens são retratados na prática de documentários biográficos, verificando a

pesquisa e reconstituição histórica, a abordagem temática, o estilo, as escolhas estéticas e

técnicas de produção. Os quatro documentários foram selecionados por apresentarem

abordagens biográficas menos convencionais, sem optar por uma montagem cronológica que

articula vida e obra do biografado. Além disso, os filmes trabalham diferentes retratos de

importantes personagens da história da MPB, dado que a Bossa Nova e a Tropicália se

transformaram nas duas principais referências estéticas para a canção popular brasileira.

Vinicius de Moraes e Tom Jobim representam a Bossa Nova, e Tom Zé e Caetano Veloso, a

Tropicália. Com isso, este estudo aspira melhor compreender o uso de entrevistas e

depoimentos, o resgate de diversos materiais de arquivo (músicas, filmes, vídeos, programas

de televisão, fotografias, recortes de jornais, etc.), e a pesquisa histórica sobre personagens da

música brasileira, que qualificam desde a seleção das fontes e a interpretação das informações

nelas inscritas, até a organização e montagem dos dados sonoros e visuais, que na prática do

documentário se dá a partir da elaboração narrativa, de estilo e abordagem, buscando assim

contribuir com uma reflexão sobre o desafio biográfico no cinema brasileiro.

Palavras-chave: Cinema brasileiro; Documentário; MPB; Trilha Sonora; Biografia.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Sumário

1. Introdução....................................................................................................................05

Parte 1 - Resumo da trajetória geral da pesquisa e das atividades

desenvolvidas

2. Descrição das atividades desenvolvidas....................................................................11

2.1. Palestras e comunicações proferidas.....................................................................12

2.2. Participação em eventos, congressos e encontros.................................................12

2.4. Participação em Bancas e comissões julgadoras...................................................13

2.5. Produção Bibliográfica

2.5.1. Livro............................................................................................................13

2.5.2. Artigos em periódicos.................................................................................13

2.5.3. Anais de Congressos...................................................................................13

Parte 2 – Resultados da Pesquisa

3. Documentário, biografia e História...........................................................................14

4. As leituras da Bossa Nova

4.1 Depoimento-arquivo-declamação: análise da narrativa biográfica de Vinicius.....22

4.2 A biografia cantada de A música segundo Tom Jobim...........................................32

5. Tropicália na estrada

5.1 A Tropicália singular de Fabricando Tom Zé .......................................................39

5.2 O silêncio do estrangeiro Caetano Veloso.............................................................51

6. Considerações Finais....................................................................................................61

7. Referências Bibliográficas...........................................................................................67

8. Filmografia...................................................................................................................73

9. Discografia....................................................................................................................74

10. Anexos

10.1 Formulário de apresentação da disciplina “A canção no cinema brasileiro:

documentário, biografia e história”....................................................................................76

10.2 Projeto de Pós-doutorado...........................................................................................80

10.3 Artigo “Voz, canção e história da MPB nos retratos impressionistas de Georges

Gachot” (Revista Contemporânea - UFBA)....................................................................103

Page 5: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

1. Introdução

O documentário musical sobre personagens da história da música é hoje no Brasil

uma produção recorrente em várias mídias e atende a um público consumidor de memórias e

relatos sobre histórias de vida1. Qualquer documentário musical é, de fato, uma produção em

que a música é protagonista e tem papel fundamental em sua construção estrutural e temática.

O documentário biográfico sobre músicos, portanto, torna-se representativo dentro desta

tendência de produção com o enfoque particular da escolha de seus personagens e da

construção narrativa que irá lidar obrigatoriamente com um resgate sobre a história da música,

através da pesquisa musical, registros sonoros e audiovisuais (vídeos, filmes, programas de

televisão) e a reconstituição do percurso do biografado via documentos, depoimentos e

entrevistas.

Nesse contexto, esta pesquisa apresenta uma discussão sobre o desafio biográfico no

cinema, suas abordagens e resultados estilísticos, privilegiando trabalhos que apreendem, por

meio de seus recursos expressivos, as estratégias de investigação histórica engendradas pela

relação entre imagem e som, música e documentário. Com o intuito de se trabalhar com

análise de narrativas biográficas sobre personagens da história da MPB, este estudo investiga

dois gêneros fundamentais que são a Bossa Nova e a Tropicália. Como sintetiza Luiz Tatit, a

Bossa Nova e a Tropicália se transformaram nas duas principais referências estéticas para a

canção popular brasileira:

Tropicalismo e bossa nova tornaram-se a régua e o compasso da

canção brasileira. Por isso, são invocados toda vez que se pede uma

avaliação do século cancional do país. É como se o tropicalismo

afirmasse: precisamos de todos os modos de dizer convincentemente.

Em época de exclusão, prevalece o gesto tropicalista no sentido de

retomar a pluralidade. Em época de excesso de maneirismos

estilísticos e de abandono do princípio entoativo, o gesto bossa-nova

1 A recorrência desta produção pode ser verificada na programação dos últimos anos do Festival Internacional de

Documentários “É tudo verdade” e do Festival Internacional do Documentário Musical “In Edit - Brasil”, primeiro festival

dedicado exclusivamente ao gênero do documentário musical no país, que acontece em São Paulo desde 2009, disponíveis

em: http://www.itsalltrue.com.br e http://www.in-edit-brasil.com. Acessados em 10/09/2013.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

refaz a triagem e decanta o canto pertinente. Ambos os gestos atuam

na própria mente dos compositores e cantores impelindo-os, ao

mesmo tempo, para a diversidade e para o apuro técnico e estético. É

provável que ainda sobrevivam no decorrer do século XXI, como

componentes críticos inerentes ao próprio ofício de composição,

arranjo e interpretação de música popular e como responsáveis pelo

eterno trânsito do cancionista entre o gosto de depuração e o desejo de

assimilação (TATIT, 2004, p. 89).

Na perspectiva da historiografia da canção popular brasileira as transformações da

Bossa Nova e o impacto do movimento da Tropicália, depois da participação de Caetano

Veloso e Gilberto Gil no Festival da TV Record de 1967, se tornaram bases estéticas que

geraram inúmeras investigações na crítica musical e se perpetuaram na cena musical até os

dias de hoje, sobrevivendo às modas da música pop e sertaneja, à explosão do rock ou aos

tímidos novos movimentos musicais como o do mangue-beat nos anos 90.

Esta pesquisa, portanto, se norteia por este recorte temático da história da música

brasileira, ao investigar as leituras da Bossa Nova e da Tropicália em quatro documentários

que formam o corpus do estudo. O primeiro é um retrato de Vinicius de Moraes em Vinicius

(2005), dirigido por Miguel Faria Jr., filme que apresenta vários pocket shows e entrevistas

filmadas à vontade, entrelaçadas por músicas sínteses da obra do cancionista, interpretadas

por uma geração mais contemporânea e diversa em seus modos de interpretação, com o

predomínio de vozes femininas com destaque para Adriana Calcanhoto, Mônica Salmaso e

Mart´nália.

Também para ecoar a Bossa Nova, tem-se A música segundo Tom Jobim (2011),

dirigido por Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, uma produção concebida para retratar o

músico a partir de sua obra musical, sem recorrer a depoimentos, entrevistas e narração,

apostando no material de arquivo para apresentar várias performances musicais que

interpretam as canções do maestro Tom Jobim.

De mesmo método livre de tratamento de enfoque de um músico como personagem, os

tropicalistas Tom Zé e Caetano Veloso são os protagonistas dos documentários Fabricando

Tom Zé (2007), de Décio Matos Jr, cujo fio condutor é a turnê do músico pela Europa em

2005, e Coração Vagabundo (2008), dirigido por Fernando Grostein Andrade, documentário

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

de encomenda que acompanha a turnê de lançamento do primeiro álbum inteiramente em

inglês de Veloso, com entrevistas e imagens intimistas por São Paulo, Nova York, Tóquio,

Osaka e Kyoto, e com os depoimentos especiais de Michelangelo Antonioni, Pedro

Almodóvar e David Byrne para respaldar o sucesso internacional do artista brasileiro. Estes

dois documentários trazem diários íntimos de viagem, com registro audiovisual das turnês,

inclusive em aeroportos, trens e hotéis, como também acompanham ensaios, performances e

encontros musicais, embebidos pelo desafio de retratar os músicos em movimento. Além

disso, enfatizam o atestado de reconhecimento internacional preconizado pelas fontes de

entrevistas.

Diante deste corpus definido, este estudo investiga a pesquisa histórica e a abordagem

apresentadas em cada obra, examinando seu tratamento de estilo e direção. Calcado na análise

fílmica, este estudo coloca em perspectiva a história da música brasileira nas telas do cinema

ao investigar suas narrativas biográficas, o uso da história oral como fonte de pesquisa e

documento, e as apropriações narrativas de materiais de arquivo, num desdobramento do

cinema de arquivo (feito com uma compilação de material encontrado ou de maneira a se

apropriar dos materiais, tornando-os próprios ou convenientes para a construção de novos

discursos, como no gênero found footage), conforme já exposto no Projeto de Pesquisa

(anexo).

Em qualquer análise ou estudo do som e da canção em documentários musicais é

preciso estar atento à presença da voz, que canta e fala em depoimentos, e suas relações com

as paisagens sonoras que também constroem os retratos das personagens. A paisagem sonora

é composição sonoplástica, quando elementos constituintes da sonoridade: efeitos e ruídos,

sons indiciais, silêncio, timbre, amplitude, melodia, textura instalam-se num horizonte

acústico (SCHAFER, 1991), e para isso, são associados, selecionados, captados ou

representados para compor um ambiente acústico.

A voz cantada ao vivo, registrada em discos ou fixada sobre o suporte da película

carrega o universo da oralidade e da performance, palavra esta que, de acordo com Paul

Zumthor (1993; 2010), deve ser entendida como conceito definidor de uma ação complexa

pela qual uma mensagem poética simultaneamente é transmitida e percebida. Zumthor (2007,

p. 9-10) já escreveu sobre o aspecto interdisciplinar de seus trabalhos sobre a voz, apontando

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

o livro Introdução à poesia oral (2010) como um primeiro resultado de sua pesquisa.

Segundo o autor, além da palavra oral se faz necessário estudar e ampliar a perspectiva do

problema da voz e da palavra em seus desdobramentos de produção de sentido e recepção.

Esta possibilidade do uso de paisagens sonoras não foi bem explorada nos

documentários do corpus desta pesquisa. No entanto, levaram-me a investigar o estilo do

diretor Georges Gachot diante do seu desafio de trabalhar com narrativas sobre duas grandes

vozes femininas da história da MPB, Nana Caymmi e Maria Bethânia, análise que se

transformou em artigo durante o período desta pesquisa (CARVALHO, 2014), apresentado

anexo.

Como se sabe, na última década, no Brasil, houve um significativo crescimento de

pesquisas que se dedicam aos aspectos técnicos, estéticos e históricos do uso do som e da

música na linguagem audiovisual, em particular no cinema, mas ainda com pouca atenção

para a produção de documentários. Entre as pesquisas existentes, podem-se destacar os

estudos de Sérgio Puccini sobre a voz no documentário, em seu tratamento de captação e

edição (pesquisa ainda inédita, apresentada nos últimos encontros da Socine – Sociedade

Brasileira de Estudos de cinema e Audiovisual, no Seminário temático de Estudos do Som); a

dissertação de mestrado de Graziela Cruz (2011), uma análise sobre a viagem temporal da

biografia em três documentários brasileiros: Nelson Freire, Vinicius e Cartola – Música para

os olhos; o mapeamento da música nos documentários brasileiros, pesquisa de Guilherme

Maia (2012), que exclui os documentários musicais. Também a pesquisa de doutoramento de

Cristiane Lima, iniciada em 2012, na UFMG, intitulada “Música em cena: um estudo sobre os

componentes sonoros da escritura do documentário brasileiro”, apresentada brevemente em

sua análise sobre Hermeto, campeão (LIMA, 2012), e a dissertação de mestrado de Rubem

Barros “A (re) construção do passado: música, história, cinema” (2011), orientada por

Eduardo Morettin, na ECA-USP, uma análise sobre os usos de material de arquivo,

construção discursiva e resgate historiográfico dos filmes A voz e o vazio: a vez de

Vassourinha (1998), de Carlos Adriano, e Cartola – Música para os olhos (2006), de Lírio

Ferreira e Hilton Lacerda.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

A revista digital de cinema documentário Doc on line

2 dedicou um número especial

sobre o tema “Documentário e Música”, entre os artigos deste dossiê temático destacam-se:

“Um imaginário da redenção: sujeito e história no documentário musical”, de Mariana

Duccini Junqueira da Silva que discute como estratégias narrativas do documentário musical

tratam a “construção biográfica dos sujeitos” e a reposição da memória de um “retrato de uma

época”; “O surgimento do documentário sobre rock ou o rockumentary”, de Pedro Henrique

Trindade Kalil Auad; “Como explicar o ímpeto do documentário musical brasileiro?”, de

Luciano Ramos, que reflete sobre os mais recentes documentários brasileiros; e “Um estudo

da formalidade sonoro-narrativa no documentário musical Titãs - a vida até parece uma

festa”, de Cynthia Schneider.

Levando-se em conta diferentes correlações com estas pesquisas, a hipótese principal

deste estudo é que os documentários Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração Vagabundo e A

música segundo Tom Jobim exibem metodologias narrativas que investigam a história da

música popular brasileira com novas articulações entre a memória e a reconstituição da vida e

obra de um músico. Nesse sentido, as matrizes estéticas destes documentários oferecem um

debate instigante sobre as formas narrativas e modos de representação da prática biográfica,

da historiografia da música popular brasileira e da dimensão sonora e musical no cinema

documentário brasileiro, atravessando o debate sobre memória e história na biografia

audiovisual.

Assim, para melhor apresentar os resultados desta pesquisa, a primeira parte deste

relatório será dedicada à descrição das atividades desenvolvidas, tais como a participação em

encontros e grupos de pesquisa, bem como à apresentação de alguns resultados parciais

obtidos, tais como textos publicados ou encaminhados para publicação, palestras e

comunicações proferidas. A segunda parte pretende apresentar a análise realizada sobre as

narrativas biográficas dos documentários do corpus da pesquisa.

Em Documentário, biografia e história tem-se a apresentação do debate

contemporâneo sobre a biografia no Brasil e dos conceitos fundamentais da teoria da História

2 A revista pode ser acessada em: http://www.doc.ubi.pt/index12.html.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

que serão matizados na análise audiovisual. Em As leituras da Bossa Nova tem-se o

desenvolvimento da análise sobre os documentários Vinicius e A música segundo Tom Jobim.

Em seguida, Tropicália na estrada investiga os retratos de Tom Zé e Caetano Veloso nos

documentários Fabricando Tom Zé e Coração Vagabundo. Por fim, acrescentam-se as breves

considerações finais do percurso da pesquisa, suas referências bibliográficas, filmografia e

discografia.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Parte 1 - Resumo da trajetória geral da

pesquisa e das atividades desenvolvidas

2. Descrição das atividades desenvolvidas

A pesquisa foi conduzida no Departamento Cinema, Rádio e TV da Escola de

Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Com início em novembro de 2013,

realizei pesquisa bibliográfica nas bibliotecas, coleções e acervos da Universidade de

São Paulo, em busca da ampliação da pesquisa de textos e documentos sobre concepção,

produção e exibição dos documentários do corpus de meu estudo, bem como a leitura em

detalhe sobre Biografia e Teorias da História, no entrelaçamento da análise sobre

História e Audiovisual a partir das narrativas dos documentários musicais sobre músicos

da MPB.

Após a revisão e estudo da bibliografia, realizei a análise dos documentários,

contando sempre com a oportunidade de apresentar resultados parciais deste trabalho em

reuniões do grupo de pesquisa coordenado pelo Prof. Dr. Eduardo Morettin (supervisor

de meu estágio pós-doutoral), Seminário “História e Audiovisual”, bem como as

reuniões do Prof. Morettin com seus orientandos de mestrado e doutorado. Também

realizei a proposição de uma disciplina (colocada em anexo) que não se realizou em

virtude da greve ocorrida em 2014. Vale lembrar que durante a pesquisa atravessei um

longo período de greve na instituição, no qual não pude contar com acesso às bibliotecas

e esta possibilidade de ministrar uma disciplina sobre a temática de minha pesquisa pós-

doutoral.

No entanto, o meu projeto de pesquisa beneficiou-se do refinamento do

levantamento bibliográfico realizado na Universidade de São Paulo e do diálogo

intelectual com meu supervisor e colegas pesquisadores. Alguns resultados desta

pesquisa foram apresentados no Encontro da Socine – Sociedade Brasileira de Estudos

de Cinema e Audiovisual, e publicados em textos de Anais de Congressos e artigos,

conforme relação a seguir. Neste período fui contemplada com auxílio para publicação

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

da Fapesp para transformar minha tese de doutorado em livro, pesquisa que tem seus

desdobramentos matizados na análise aqui apresentada.

De acordo com o cronograma de atividades de pesquisa e estágio pós-doutoral

(conforme Projeto anexo), cumpri todas as ações previstas para a elaboração da pesquisa

e redação de seus resultados, adiando apenas a oportunidade de ministrar uma disciplina

concentrada sobre a pesquisa.

Além disso, os resultados finais desta pesquisa serão ainda divulgados durante o

ano de 2015, na forma de participação em simpósios, encontros e congressos, bem como

na publicação de artigos e capítulos de livros, sempre mencionando sua origem como

produção acadêmica desenvolvida na ECA-USP. Entre esta produção em construção

destacam-se o artigo que expõe uma síntese do projeto acrescido da análise do

documentário Fabricando Tom Zé, encaminhado para a Revista Significação, e o artigo

“A história da MPB em documentários musicais: canção, biografia e Bossa Nova”, que

será publicado na Revista Imagofagia, no Dossiê Temático Estudos do Som no Cinema

da América Latina, organizado pelas pesquisadoras Virginia Osorio Flores e Suzana

Reck Miranda, com previsão para publicação em 2016. Também já está agendada para

agosto de 2015 uma apresentação da análise do documentário Fabricando Tom Zé para o

Grupo de Pesquisa que meu supervisor coordena, e coloco-me à disposição para outras

participações e colaborações que possam surgir para a apresentação e debate dos

resultados desta pesquisa e estágio pós-doutoral.

2.1 Palestras e comunicações proferidas

- “A poesia em cena: o som e a letra do documentário Vinicius”, XVIII Encontro da

SOCINE – Sociedade Brasileira de Estudos de cinema e audiovisual. Fortaleza:

Universidade de Fortaleza, 07 a 10 de outubro de 2014.

- Apresentação e debate sobre o Projeto de Pós-doutorado “O som do retrato: análise de

narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros”, Grupo de Pesquisa ECA-

USP, 2014.

2.2 Participação em eventos, congressos e encontros

- XVIII Encontro da SOCINE – Sociedade Brasileira de Estudos de cinema e

audiovisual. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 07 a 10 de outubro de 2014.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

- Palestra “A Economia Criativa e a Indústria Cinematográfica”. Laboratório Novas

Perspectivas de Mercado. SP Cine. FAPCOM, 13 de setembro de 2014.

- Reuniões de orientandos, grupo de pesquisa organizado pelo Prof. Dr. Eduardo

Morettin. São Paulo: ECA-USP, 2014.

2.3 Participação em bancas e comissões julgadoras

- Participação em banca de Guilherme Gustav Stolzel Amaral. Os documentários

musicais brasileiros: uma análise do caso Nelson Freire. Exame de qualificação

(Mestrando em Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som) - Universidade Federal

de São Carlos. 2014.

2.4 Produção Bibliográfica

2.4.1 Livro:

- A canção no cinema brasileiro. São Paulo: Alameda/FAPESP, 2015.

2.4.2 Artigos em periódicos:

- “Voz, canção e história da MPB nos retratos impressionistas de Georges Gachot”. In:

Revista Contemporânea, Dossiê a canção no audiovisual, Salvador: UFBA, v. 12, 2014, p.

360-368.

- “A história da MPB em documentários musicais: canção, biografia e Bossa Nova”. In:

Revista Imagofagia – Dossiê Temático Estudos do Som no Cinema da América Latina. Org.

Virginia Osorio Flores e Suzana Reck Miranda. Previsão para publicação em 2016.

2.4.3 Anais de Congressos:

- “Música e Documentário: os retratos impressionistas de Georges Gachot”. In: Anais de

Textos completos do XVII Encontro da SOCINE - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema

e Audiovisual, 2014, São Paulo: SOCINE, 2014, p. 476-484.

- “Tom em recortes: memória e biografia em A música segundo Tom Jobim”. In: Anais de

Textos completos do XVI Encontro da SOCINE - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema

e Audiovisual, 2013, São Paulo: SOCINE, 2013, p. 345-353.

- “A biografia como escrita da história da MPB: análise da narrativa audiovisual do

documentário Vinicius”, In: Anais do XXII ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA –

“HISTÓRIA: DA PRODUÇÃO AO ESPAÇO PÚBLICO”, ANPUH-SP, Santos-SP:

Universidade Católica de Santos, UNISANTOS, de 01 a 04 de setembro de 2014.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Parte 2 - Resultados da Pesquisa

O SOM DO RETRATO: Análise de narrativas biográficas

em documentários musicais brasileiros

3. Documentário, biografia e História

Com diferentes formas de registrar, narrar e divulgar trajetórias de vida, os

documentários biográficos são “lugares” onde a memória social é conservada e construída.

Como se sabe, o biografismo mudou muito através dos tempos, desde a configuração do

gênero a partir de um discurso coeso e artificial, que Pierre Bourdieu chamou de “ilusão

biográfica” (BOURDIEU, 2005), até as suas diferentes abordagens e tendências narrativas ao

longo da história do panorama editorial (DOSSE, 2009), que já ganhou diferentes reflexões

teóricas, tal como o debate da função narrativa do discurso histórico (AVELAR, 2010, p. 161)

e a construção da prática jornalística dos perfis e mesmo seus desdobramentos narrativos na

produção de documentários.

É interessante notar que o aumento de produção de documentários biográficos

acompanha o forte mercado editorial brasileiro de publicação de biografias. O sucesso

editorial das biografias se dá, sobretudo, por seu estilo narrativo envolvente, mais próximo à

prática jornalística (VILAS BOAS, 2002) do que da abordagem histórica, como já analisou

Benito Bisso Schmidt (1997). Também existem muitas relações e tensões entre a biografia e a

escrita da História, como analisou Alexandre de Sá Avelar, ao apontar o desafio de se falar de

personagens entrelaçando subjetividades, afetos e modos de ver (2010, p. 166).

A historiadora Mary Del Priore afirma que segundo Marc Ferro a biografia foi

fortemente influenciada pelos estudos sobre a vida privada dos indivíduos, que permitiram

revelar as complexas relações entre vida privada e vida pública. Já o historiador Le Goff

apontou que a introdução do gênero biográfico na história atual é um instrumento útil e

suplementar usado pela História Cultural, como uma maneira “de continuar a fazer história

por outros meios”.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Ainda segundo Mary Del Priore:

Le Goff é o melhor exemplo do que propunham os historiadores

franceses ao reinventar a biografia. Na tradição do espírito dos

Annales, ela deve se instaurar por uma “questão” e se formular como

um caso de “história-problema”. Como toda narrativa de vida, ela

precisa se submeter a uma cronologia de fatos, mas, contrariamente, à

vida – ao destino –, é “uma construção feita de acasos, hesitações e

escolhas” que permitem ao biógrafo, segundo Le Goff, escapar a tal

ilusão biográfica fustigada por Bourdieu. (PRIORE, 2009, p. 10)

A autora afirma que o indivíduo é, ao mesmo tempo, ator crítico e produto de sua

época, e seu percurso ilumina a história pela iniciativa voluntária do observador que propõe

uma análise da sociedade na qual o personagem está inscrito, e no percurso do personagem

que ilustra, por sua vez, as tensões, conflitos e contradições de um tempo, todos essenciais

para a compreensão do seu contexto histórico.

Para Momigliano (1993), a biografia nasce no século V antes de Cristo, embora não se

tenha evidências seguras para informar se não foi praticada antes, em vista da falta de

documentos. A biografia surge inscrita em pinturas de vasos, em tragédias, comédias e

dramas como nos relatos de viagens, que esboçavam fragmentos biográficos. E no século IV,

o gênero se difunde pelo Ocidente. Ainda segundo o autor, a principal função das biografias

na Antiguidade era a de construir modelos de conduta, códigos morais para serem seguidos,

além de propiciarem a elaboração de uma memória, em geral, exemplar para a posteridade. Já

para Dosse (2009, p. 123-51) o surgimento do gênero não é tão importante, mas sim sua

difusão pelo Ocidente junto a noção de indivíduo. Assim, os dois autores apontam

historicamente as características que aproximam e distanciam história e biografia.

Como já apontou Diogo Roiz:

Não obstante a pluralidade de formas de se narrar a vida de um

indivíduo que poderia ser agrupada nas biografias, as décadas iniciais

do século passado vislumbraram, com maior regularidade, os modelos

de biografias que se cerceavam em narrativas cronológicas e lineares,

nas quais se circunstanciava a vida de um indivíduo como começo,

meio e fim previamente definidos, além de procurar deduzir dos

exemplos morais, das especificidades físicas e emocionais, e das

anedotas singulares, o conjunto de qualidades (e defeitos) que faziam

Page 16: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

16

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

parte do caráter e da personalidade do biografado. (ROIZ, 2011, p.

126)

Assim como Bourdieu já havia apontado o debate sobre a “ilusão biográfica”, nas

tentativas de se descrever uma vida de modo cronológico e linear, e em vista disso propor o

estudo das trajetórias dos indivíduos em meio aos campos que percorreriam o pesquisador

Giovanni Levi, em “Os usos da biografia” (texto de 1989), buscou pensar a biografia

enquanto um espaço, lugar de tomada de decisões, onde transparecessem as tensões entre a

racionalidade dos sistemas sociais e a possibilidade de uma liberdade de ação dos indivíduos.

Sobre o biografismo no Brasil, o pesquisador Wilton Carlos Lima da Silva aponta que:

A produção bibliográfica do biografismo brasileiro tradicionalmente

vincula-se a uma humanização da história e a criação de uma

pedagogia moral e cívica, com um volume relativamente tímido –

quando comparado com outros biografismos nacionais – de obras que

a partir de metodologias e enfoques semelhantes na produção

historiográfica, no romance histórico, nas memórias pessoais, na

literatura escolar e nas biografias no sentido estreito do termo. Mas a

reconstrução de uma trajetória individual (quer de outro ou própria)

significa também a percepção de uma rede de relações a partir da idéia

de individualidade, com diferentes temporalidades (o ontem e o hoje),

vínculos e pertencimentos que dizem respeito tanto sobre quem se

escreve, quem escreve e para quem se escreve. (LIMA DA SILVA,

2009, p. 153-154).

Recentemente, o tema da biografia ganhou grande repercussão crítica quando artistas

biografados e biografáveis discutiram publicamente, com debates em jornais e programas de

televisão, sobre os processos de autorização e controle de expressão para as tendências

biográficas e seus autores. O ano de 2013 foi marcado pela polêmica protagonizada pela

empresária Paula Lavigne, ex-esposa de Caetano Veloso, representante de vários músicos,

entre eles Gilberto Gil, Milton Nascimento, Djavan, Chico Buarque e outros, que se uniram

para criar o “Procure Saber”. Inspirados pelo processo judicial e criminal de Roberto Carlos

contra o jornalista Paulo César de Araújo, autor do livro Roberto Carlos em detalhes, o

coletivo chamou a atenção e debate público sobre a necessidade de autorização prévia para a

publicação de biografias.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

O famoso processo de 2007 resultou no acordo em que o cantor Roberto Carlos

conseguiu que o livro fosse recolhido das livrarias, tivesse a venda proibida, e que a editora

Planeta não mais editasse o livro, abandonando o autor a sua própria sorte. Paulo Cesar de

Araújo publicou a história polêmica sobre sua batalha em torno da proibição do livro, desde

sua pesquisa que embasou a redação da biografia até as controversas guerras judiciais, em O

réu e o rei: minha história com Roberto Carlos, em detalhes (2014).

Além disso, Roberto Carlos ganhou fama, no período do processo, de “inimigo das

biografias não autorizadas”, quando decidiu queimar os livros (fato não confirmado). O

processo gerou inúmeros manifestos e discussões sobre as biografias, biógrafos e biografados.

O jornalista Geneton Moraes Neto, por exemplo, publicou no Jornal O Globo (13/05/07) que

“Roberto Carlos manchou para sempre a própria biografia ao dar esta demonstração de

absurda intolerância”. O jornalista Elio Gaspari afirmou que “Roberto Carlos corre o risco de

se transformar numa fracassada celebridade da história da censura” (Folha de São Paulo,

006/05/2007). Em junho de 2007, a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, programou

a mesa “A vida como ela foi”, composta por Paulo César de Araújo, Ruy Castro e Fernando

Morais, autores que já tiveram livros proibidos pela Justiça.

Entretanto, segundo Paulo César de Araújo: “não demorou muito para que a versão

integral da biografia chegasse à rede” (2014, p. 351). Assim, vários sites disponibilizaram a

biografia. Como disse Ancelmo Gois, em sua coluna de O Globo (11/05/2007), Roberto

Carlos “tem tomado o maior olé na internet. Agora, Roberto Carlos em detalhes circula pela

rede, enviado por e-mail”. 3

Em abril de 2008 foi definido o Projeto de Lei n. 3378/08, conhecido como “Lei das

Biografias” de Antônio Palocci, protocolado na Câmera dos Deputados, em Brasília. Em

2013, o debate retorna com força, quando a lei foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff,

e publicada no Diário Oficial da União. Como afirmou o compositor Abel Silva: “em

cinquenta anos de carreira, Roberto só se pronunciou sobre política cultural duas vezes, em

ambas a favor da censura” – como aponta Paulo César de Araújo (2014, p. 429), o compositor

3 O site do jornal O Globo reuniu vários textos publicados por editores e escritores rebatendo os argumentos dos músicos,

disponível em http://oglobo.globo.com/infograficos/batalha-biografias/. Acessado em 15/02/2015.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

se refere ao apoio de Roberto Carlos à proibição do filme Je vous salue Marie (1985), de

Jean-Luc Godard, e da proibição de sua biografia Roberto Carlos em detalhes.

Além do “Procure Saber”, e sua posição contra a comercialização de uma biografia

não autorizada, por não considerar justo que só biógrafos e seus editores lucrem com isso, e

nunca o biografado e seus herdeiros, pipocaram manifestações a favor da liberdade da

publicação de biografias no Brasil, como na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, já citada por

Paulo César de Araújo:

Naquele dia, Ruy Castro, eu e o deputado federal Alessandro Molon,

relator do projeto de lei, participamos de um debate na Bienal do

Livro do Rio. Na abertura da mesa, Ruy Castro leu um documento

intitulado “Manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura às

biografias”. Organizado pelo sindicato Nacional dos Editores de

Livros, o manifesto trazia a assinatura de 48 nomes da elite intelectual

do país. A Academia Brasileira de Letras, por exemplo, estava em

peso ali com as assinaturas de Afonso Arinos de Melo Franco,

Candido Mendes de Almeida, Sergio Rouanet, Eduardo Portella,

Arnaldo Niskier, Carlos Heitor Cony, Nélida Piñon, João Ubaldo

Ribeiro e outros imortais; também assinaram o manifesto historiadores

como Boris Fausto e Mary Del Priore; jornalistas como Zuanir

Ventura e Roberto Pompeu de Toledo, além do ensaísta Silviano

Santiago, o antropólogo Roberto DaMatta, o cartunista Ziraldo, o

cineasta Nelson Pereira dos Santos, o escritor Luis Fernando

Verissimo e o poeta Ferreira Gullar (ARAÚJO, 2014, p. 429).

De fato, muitas biografias já passaram por processos e perseguições no Brasil,

segundo o jornalista Cristiano Bastos:

O que grande parte do público não sabe é que dezenas de biografias

foram impedidas de serem realizadas nos últimos anos; outras

simplesmente foram retiradas das prateleiras mediante ordem judicial.

Uma delas, Noel Rosa – uma biografia, de João Máximo e Carlos

Didier, chegou a atingir status de mitológica. (BASTOS, 2013, p.48)

A repercussão da polêmica chegou à Feira do Livro de Frankfurt, maior evento

editorial do mundo, na palestra de Laurentino Gomes, autor do livro 1808 (São Paulo: Editora

Planeta, 2007) o Brasil estava se tornando o país da “biografia chapa-branca”. Esta avaliação

parece bastante pertinente também para esta pesquisa, conforme análise dos documentários

nos capítulos seguintes.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

No entanto, o pesquisador José Geraldo Vinci de Moraes afirma como as biografias

são fundamentais para a história da MPB, em suas palavras:

A produção historiográfica da música popular urbana moderna

acompanhou, em um movimento de mimetização, a tendência

predominante das biografias e a descritiva de gêneros existentes nas

interpretações da “boa música”. No entanto, os problemas e distorções

existentes nessa área foram aprofundados pelo fato de os

pesquisadores realizarem suas obras sem clareza metodológica, de

modo amadorístico e precário, e muitas vezes sem apoios

institucionais e financeiros (VINCI de MORAES, 2000, p. 207-208).

Como destaca Benito Schmidt (1997, p. 3-21), com base no Catálogo de publicações

brasileiras, em 1994 o gênero biográfico havia tido um crescimento de 55% em relação ao

período de 1987, alcançando “as vendagens dos manuais de autoajuda e dos livros escritos por

magos, anjos e esotéricos em geral” (1997, p. 3). Desde aquele período, o gênero biográfico

não deixou de ter destaque no mercado editorial brasileiro. Além da publicação constante de

biografias, feitas tanto por amadores quanto por profissionais (jornalistas, cientistas sociais e

historiadores), que dimensionariam não apenas a renovação do gênero como também sua

maior aproximação com os estudos históricos (com o uso regular de fontes para se inquirir a

trajetória de vida de um indivíduo), conquistando o público especializado, que viria a se

complementar com o geral.

Ainda segundo o autor, um conjunto de editoras têm se dedicado a esse tema, como no

caso do grupo Record (em que se encontram agrupadas as editoras Record, Civilização

Brasileira, José Olympio, Difel, Bertrand Brasil, dentre outras), do Rio de Janeiro, ou da

Editora Paz e Terra (que conta com 24 títulos em seu catálogo do gênero biográfico), de São

Paulo, as editoras da Fundação Getúlio Vargas; da Unicamp; e da Companhia das Letras,

visto que elas tiveram a preocupação de organizarem coleções tanto para o público

especializado quanto o geral, com a escrita de especialistas na área de Ciências Humanas e

Sociais.

Deste percurso editorial nasce às biografias audiovisuais, o que se tornou uma

produção recorrente em várias mídias, principalmente na prática do documentário que elege

temas e personagens da história da música brasileira. No cinema e na televisão, o

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

documentário biográfico tem espaço e público garantido. A recorrência desta produção não é

recente, mas evidencia uma forma discursiva de valoração, apontando aqueles que devem ser

memoráveis na história da música brasileira.

Este desafio da escolha dos personagens dos documentários brasileiros de temática

musical também já foi analisado por Mariana da Silva:

O documentário de temática musical, em nossa visada, não se refere a

propostas exclusivas de divulgação/promoção comercial de

determinados artistas, conforme uma limitada (porém operacional)

perspectiva afim aos videoclipes ou aos registros de turnês. Tratam-se

de narrativas audiovisuais em longa-metragem que articulam em sua

tessitura representações sobre os sujeitos sociais que constroem e

sobre os aspectos histórico-culturais das épocas retratadas.

Assumimos, pois, como especificidade narrativa recorrente desses

filmes: a construção biográfica dos sujeitos segundo uma

revelação/redenção e a reposição, algo salvacionista, de uma memória

acerca de acontecimentos emblemáticos de nossa história –

dispersando-se na direção de uma construção identitária do referido

momento histórico (“o retrato de uma época”). (SILVA, 2012, p. 7)

Nesse sentido, a escolha dos protagonistas para as biografias se dá pela eleição de

expoentes culturais de uma época que são legitimados pelas entrevistas e pelo material de

arquivo resgatado e editado, fixando a ideia de que os personagens retratados transcenderam o

âmbito comercial da música, convertendo-se em expoentes simbólicos da cultura brasileira a

partir da história da música popular. Além disso, uma biografia não é apenas uma narrativa da

vida do biografado, é também uma narrativa da relação entre o biógrafo e o biografado. E,

para que ela possa acontecer, é preciso que haja liberdade para a produção do documentário

biográfico, dado que a biografia não é gênero factual, e sim, um gênero impuro, que tem sua

parte de criatividade na produção da narrativa audiovisual.

Esta prática não é exclusiva dos documentários biográficos sobre personagens da

MPB, mas evidencia um método de representação da história da MPB que monta e desmonta

documentos e fontes, trabalho que não é exclusivo do historiador, e que para o documentarista

e o espectador se revela fundamental para a interrogação sobre a história hegemônica da

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

cultura brasileira, aberta a dialética da memória, vulnerável a todos os usos e manipulações, às

continuidades temporais, às evoluções e relações dos personagens e tendências da arte.

Segundo Huyssen (2000), no trabalho em que aponta para o nascimento de uma

cultura da memória e sua expansão global, o “boom da memória”, teria trazido consigo

também uma espécie de “comercialização em massa da nostalgia” sendo um de seus

resultados o crescimento das biografias.

Para Michael Pollak (1989), a memória é formada por lembranças e esquecimentos.

Segundo o autor as “memórias subterrâneas” se colocam em oposição a uma “memória

oficial”. Assim, certas lembranças são transmitidas de geração a geração pela oralidade, longe

de serem esquecidas, e se constituem como resistência aos discursos oficiais. Ainda segundo o

autor, a memória coletiva, diferente das subterrâneas, não pode ser construída arbitrariamente,

ou seja, precisa ser “enquadrada”, deve “satisfizer a certas exigências de justificação”. Isso

gera um reenquadramento constante frente às demandas do presente. Em suas palavras:

O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material

fornecido pela história. Esse material pode sem dúvida ser

interpretado e combinado a um sem-número de referências associadas;

guiado pela preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais,

mas também de modificá-las, esse trabalho reinterpreta

incessantemente o passado em função dos combates do presente e do

futuro (POLLAK, 1989, p. 10).

Diante desta perspectiva teórica, este estudo pretende desenvolver a análise dos quatro

documentários musicais sobre personagens da MPB: Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração

Vagabundo, e A música segundo Tom Jobim.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

4. As leituras da Bossa Nova

4.1 Depoimento-arquivo-declamação: análise da narrativa biográfica de Vinicius

Vinicius de Moraes talvez seja mais conhecido por suas letras de canções do que por

sua poesia. No entanto, o poeta foi admirado e festejado por sua geração, ao lado de Carlos

Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Além disso, Vinicius foi um dos poetas

brasileiros mais traduzidos no mundo. Segundo Eucanaã Ferraz:

Vinicius de Moraes (1913-80) é o caso típico do artista que, ao longo

do tempo, foi sendo sobreposto à própria obra. Fala-se muito do poeta,

mas lê-se insuficientemente sua poesia; sabemos de cor alguns de seus

versos antológicos, mas não raro estancamos ali, sem seguir adiante,

ou, se avançamos com a atenção devida, nem sempre nos arriscamos

em textos menos consagrados; ao ouvir suas canções, somos tomados

por uma tal beleza que nos parece desnecessário pensar sobre elas;

repetimos uma série de opiniões de tal modo cristalizadas que

parecem prescindir do confronto com a apreciação crítica da obra

(FERRAZ, 2008, p. 8)

Tal como sua célebre afirmação, concedida em entrevista para Clarice Lispector: “Não

separo a poesia que está nos livros da que está nas canções”, Vinicius conciliou por um bom

tempo a poesia, a letra de música e sua carreira no Itamaraty, que o permitia sustentar suas

mulheres e filhos. Não à toa, ganhou o apelido de “poetinha”, às vezes carinhoso, outras

pejorativo ao sugerir um poeta menor pela escolha de escrever letras de canções (HOMEM;

LA ROSA, 2013, p. 13-16).

Segundo Marcos Napolitano e Maria Clara Wasserman (2000), o debate sobre as

origens da música urbana, sobretudo aquela produzida e canalizada para o consumo na cidade

do Rio de Janeiro, se intensificou nos anos 30, num momento em que o nacional e o popular

eram categorias de afirmação cultural e ideológica por excelência. Foi neste período, em

1928, com Haroldo Tapajós que Vinicius compôs sua primeira música, “Loira ou morena”,

gravada em 1932, um ano antes da sua iniciação literária com Caminhos para Distância, de

1933 (SANT‟ANNA, 2004, p. 41). Mas foi com “Se todos fossem iguais a você”, primeira

parceria da dupla Tom Jobim e Vinicius de Moraes, canção feita para a peça Orfeu da

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Conceição, que Vinicius entrou para a história cultural do Brasil. A peça foi um marco para o

teatro brasileiro e projetou a dupla internacionalmente (HOMEM; LA ROSA, 2013). 4

Segundo Jairo Severiano (2008, p. 329) usava-se, desde os anos 30, o termo “bossa

nova” para designar um jeito novo, engenhoso, diferente, de fazer qualquer coisa.5 O trio João

Gilberto, Vinicius de Moraes e Tom Jobim consagraram o novo estilo, a maneira de tocar,

harmonizar e cantar a composição, demonstrado no primeiro LP de João Gilberto, intitulado

Chega de saudade (canção-título de Vinicius de Moraes e Tom Jobim), álbum que Tom

Jobim participa também como diretor musical, arranjador e pianista. Assim se fez o

movimento bossa nova, considerado a primeira reviravolta musical criada a partir da canção

popular, entre os anos 1958 a 1963.

O novo estilo de canção e de artista se consagrou pelos personagens Tom Jobim e João

Gilberto, acompanhados por Vinicius de Moraes, Carlos Lyra e Nara Leão. Para Luiz Tatit

(2004), no domínio da interpretação, a bossa nova representou a mudança da modulação da

potência da voz do pulmão e das cordas vocais para o microfone, amplificador e equalizador

de frequências, conquistando a atenção do ouvinte pelas sutilezas da palavra cantada e da voz.

A Bossa Nova também marcou o surgimento de outro pensamento musical, voltado para a

valorização da mistura dos gêneros musicais brasileiros com as tendências modernas da

música internacional como o jazz e o pop.

Segundo Zuza Homem de Mello: “em nenhum outro período equivalente compôs-se,

cantou-se, tocou-se, gravou-se e ouviu-se tanta música inédita”, e esta imensa produção

impulsionou o sucesso internacional, ainda segundo o produtor musical “não foi um artista

brasileiro que fez sucesso, foi o nosso ritmo” (MELLO, 2008, p. 11). E o interesse pela Bossa

4 Orfeu da Conceição estreou em 25 de janeiro de 1956 no Teatro Nacional do Rio de Janeiro com músicas de Tom Jobim e

cenários de Oscar Niemeyer. A história baseava-se na tragédia grega do mito de Orfeu, músico da Trácia que, com sua lira,

tinha o poder de encantar os animais e criar comunhão entre o homem e a natureza. A peça, ao ser adaptada para a favela

carioca, aposta nas associações com o carnaval e as belezas naturais do Rio de Janeiro. Além da peça de teatro, Orfeu da

Conceição virou filme (1959), dirigido pelo francês Marcel Camus. Para o filme premiado, Vinicius de Moraes e Tom Jobim

colaboraram ainda em “Felicidade” e “Frevo”; Luís Bonfá colaborou em “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu”, sendo

que Elizeth Cardoso e Agostinho dos Santos dublaram as vozes nas canções. Além disso, o filme traz imagens reais do

carnaval de 1958. No entanto, segundo Sérgio Augusto, o editor francês embolsou os direitos das músicas, disponível em:

www.orfeunegro.net/Orfeu_files/SergioAugusto, acessado em 15/10/2008. 5 No caso do movimento musical, Severiano relata que a expressão surgiu em um show realizado no início de 1958, no Grupo

Universitário Hebraico do Brasil, sediado no bairro carioca do Flamengo, em que os jovens músicos e compositores foram

anunciados como “um grupo bossa nova”.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Nova foi, e talvez ainda seja tão grande, que durante vários anos a canção “Garota de

Ipanema” (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) foi a segunda mais executada no mundo,

perdendo apenas para “Yesterday”, dos Beatles (HOMEM; LA ROSA, 2013, p. 54). Rumo ao

cinema, a canção inspirou o filme de Leon Hirszman, Garota de Ipanema (1968).

As canções de Vinicius de Moraes transitam por diferentes décadas, trazendo sua

trajetória musical para as telas do cinema brasileiro e internacional. Vinicius fez parceria com

Pixinguinha para a composição da trilha musical do filme Sol sob lama (1963), de Alex

Vianny. E além de “Garota de Ipanema”, outras canções inspiraram filmes, como Eu sei que

vou te amar (1984), dirigido por Arnaldo Jabor; e, a releitura de Cacá Diegues de Orfeu da

Conceição em Orfeu (1999), com direção musical de Caetano Veloso.6

Vinicius de Moraes não foi apenas poeta e antes de dedicar-se por inteiro a música foi

crítico de cinema7, cronista de jornais e funcionário público exercendo a função de diplomata

pelo Itamaraty. As constantes viagens para o exterior não o impediram de garantir uma ampla

produção musical vivenciando importantes momentos políticos no Brasil.

Vinicius de Moraes nasceu em 1913 e morreu em 1980. Viveu a maior parte da vida

no Rio de Janeiro e morou alguns anos em Los Angeles, Paris, Montevidéu e Roma,

atravessando duas guerras mundiais. Não foi um poeta social, e muitas vezes foi acusado por

isso. Entretanto, estudou literatura na Inglaterra e produziu textos de gama variada de

direções e estilos. Segundo o poeta e pesquisador Affonso Romano de Sant‟Anna:

Fez a “Quinta Elegia” com versos de vanguarda imitando os telhados

das casas do bairro londrino de Chelsea e misturando português com

inglês; fez versos dentro da métrica e dicção populares como

“Operário em construção”; os seus primeiros poemas são neo-

simbolistas, e, ao meio da obra, faz um Livro de Sonetos num estilo

6 Na adaptação contemporânea de Cacá Diegues, o morro carioca é dominado pela violência, pelo narcotráfico e pela

criminalização. Assim, a dureza do rap e do hip hop quebra a língua na elaboração das letras e substitui as quebras de ritmos

dos sambas no percurso do endurecimento da realidade social dos morros e das favelas, paisagens de inúmeras estórias do

cinema brasileiro. 7 Vinicius de Moraes foi crítico de cinema nos jornais A Manhã (1941), no Suplemento Literário de O Jornal (1944), Última

Hora (1951) e outros. Curiosamente, o letrista escreveu crônicas sobre cinema que proclamavam seu gosto pelo cinema

mudo: “arte muda, filha da imagem, elemento original de poesia e plástica infinitas; meio de expressão total em seu poder

transmissor e sua capacidade de emoção” (crônica “Credo e Alarme”, publicada em A Manhã, em agosto de 1941). Ver esta e

outras crônicas de cinema de Vinicius de Moraes organizadas por Carlos Augusto Calil, em O cinema dos meus olhos, 1991.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

clássico-romântico. Em música todos os gêneros e ritmos: aí estão os

sambas afro-brasileiros (ou afro-baianos) compostos com Baden

Powell (“Canto de Ossanha”, 1966 e “Berimbau”, 1964); as marchas

ranchos como “Marcha de Quarta-Feira de Cinzas”, 1964, com Carlos

Lira, as canções-recitativos como o “Samba da Benção”, 1964, e as

canções e sambas compostos com Tom Jobim. Mas, ainda, que seus

textos retratem tanto o falar moderninho de Ipanema e o coloquial

carioca, aí permanece sempre um tom “literário” indisfarçável que

estava em “Poema dos Olhos da Amada” (1954), que faz parte tanto

de seus discos como de sua Antologia Poética. (SANT‟ANNA, 2004,

p. 41).

Vinicius criou ao longo da vida imensa produção de poemas, crônicas, ensaios, peças

de teatro, ficção, letras de canções. Tornou-se um dos personagens mais importantes da

história da MPB, sendo letrista de econômicas palavras centradas no verbo e no substantivo,

utilizando-se de vocabulário reduzido e simples, em versos curtos que reforçam o jogo sonoro

estruturalmente ligado ao ritmo e à melodia (SANT‟ANNA, 2004, p. 42-43).

Vinicius de Moraes foi, sobretudo, um letrista, como já declarou Tom Jobim, Vinicius

conhecia “a música da palavra” (FERRAZ, 2008, p. 49). O poeta compôs com Tom Jobim,

Baden Powell, Carlos Lyra (que diferente da maior parte dos jovens da Bossa Nova, tinha

preocupações e militância políticas, sendo um dos fundadores do CPC, Centro Popular de

Cultura, e filiado ao PCB, Partido Comunista Brasileiro), Pixinguinha, Adoniran Barbosa,

Ary Barroso, Edu Lobo, Antonio Maria, Chico Buarque e Toquinho. Como já escreveu José

Castello (1991, p. 13): “a lista é longa e à primeira vista ameaçadora, porque reúne imensa

disparidade de temperamentos, estilos, classes sociais, humores, gerações”. Vinicius foi um

artista plural até no nome, como enfatiza a piada do escritor Sérgio Porto: “se não fosse seria

Vinicio de Moral” (CASTELLO, 1991, p. 14).

A realização do documentário Vinicius contou com total apoio da família, o que

evidentemente produz um impacto na narrativa do documentário, com sua adesão afetiva

como linha interpretativa da história do personagem8. Susana Moraes queria fazer um filme

sobre o pai. Desse modo, tornou-se coprodutora e liberou o acesso a todo arquivo de

8 Vários outros documentários surgem da memória dos familiares, carregados de emoção, nostalgia, saudade e subjetividades

que determinam a construção da narrativa sobre os personagens, misturando o público e o privado, comprometendo a leitura

sobre a obra do biografado.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

fotografias, textos, documentos e imagens de arquivo familiar. A partir de conversas com as

filhas de Vinicius, Miguel Faria Jr., que foi casado com Susana, opta pela produção de uma

cinebiografia bastante intima, reveladora da proximidade entre biógrafo e biografado, mas

sem cair em ressentimentos causados pela inconstante e desregrada vida do personagem

protagonista.

As transformações políticas e culturais do país, principalmente os novos rumos da

sociedade em termos de comportamento e espaço urbano são retratadas no filme em cenas e

fotos da cidade do Rio de Janeiro. Um importante capítulo da história da MPB é abordado no

documentário pela voz que canta, conta e recita os versos do poeta.

O filme começa e termina contextualizando espacialmente a vida do personagem

retratado, com cenas de Ipanema e uma carta a Vinicius, escrita pelo cronista Rubem Braga e

narrada pelo ator Ricardo Blat, já imprimindo o tom saudosista e colocando em pauta a

representativa relação do poeta com a beleza da natureza e da mulher carioca.

Na abertura do filme, as cenas do mar e da praia são articuladas com a canção “Se

todos fossem iguais a você”, primeira parceria da dupla Tom Jobim e Vinicius de Moraes,

interpretada por Renato Braz, sobre cenas aéreas noturnas da orla do Rio de Janeiro. O

documentário, então, revela um camarim onde os atores Camila Morgado e Ricardo Blat

declamam um poema acompanhados por um violão ao fundo. Os atores puxam a cortina e a

câmera revela o violonista Yamandú Costa, em um palco de uma boate recriada para

reconstruir a memória dos anos 50, interpretando “Valsa de Eurídice”. A atriz entra no palco e

explica a música, tema da peça Orfeu da Conceição, escrita por Vinicius de Moraes, e começa

a narrar sua biografia pelo seu nascimento no Rio de Janeiro em 1913. A narradora sai de

cena, mas sua narração em voz off acompanha fotos e imagens do Rio antigo, destacando a

relação dos dados biográficos do personagem com as transformações ocorridas na cidade ao

longo dos anos.

Assim, o documentário enfatiza a ideia dos bastidores colocando o palco como espaço

para a encenação da vida e da obra de Vinícius de Moraes. A narrativa do filme se estrutura

com a edição de encenações conduzidas pelos atores Ricardo Blat e Camila Morgado, que

relatam passagens da vida de Vinicius de Moraes e interpretam cartas e poemas, como o

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

“Soneto da Fidelidade”. Essa moldura em tom ficcional é responsável pela condução narrativa

recheada com vários números musicais que apresentam algumas de suas canções síntese em

registros desiguais, da técnica apurada de Monica Salmaso para interpretar “Insensatez”

(parceria com Tom Jobim) à descontração popularesca de Zeca Pagodinho para cantar “Pra

que chorar” (parceria com Baden Powell). A escolha dos intérpretes evidencia a ideia de

revisitar a obra de Vinicius através da seleção de intérpretes de uma nova geração em busca

de novos públicos.

A narrativa e abordagem do documentário contam a vida de Vinicius de Moraes

através de suas canções e poesias, e também opta pela convenção da narração off e da

entrevista para apresentar o personagem ainda pela memória de familiares, amigos e

parceiros. Os afetos e a subjetividade tornam o documentário saudosista, principalmente

quando edita trechos de depoimentos e imagens de arquivo do próprio personagem, entre as

inúmeras histórias sobre o poeta.

Os vários depoimentos possuem um tom de “causos”, mesmo na voz do próprio

Vinicius, e com as entrevistas contemporâneas filmadas como se fosse de casa, quando o

elenco de entrevistados revira a memória para revelar as características da personalidade e

comportamento do poeta, e suas relações de amizade, amores e parcerias musicais. Os

depoimentos foram, portanto, gravados como uma conversa bem-humorada e emocionada

entre amigos. O documentário contou com os testemunhos sobre Vinicius de Antônio

Cândido, Caetano Veloso, Carlos Lyra, Carlinhos Vergueiro, Chico Buarque, Ferreira Gullar,

Edu Lobo, Francis Hime, Georgiana de Moraes, Gilberto Gil, Luciana de Moraes, Maria

Bethânia, Maria de Moraes, Miúcha, Susana Moraes, Tônia Carrero e Toquinho.

Ao analisar este tratamento do documentário chama atenção uma grande valorização

da história oral. O depoimento oral pontua e tangencia assuntos como índices testemunhais

dos envolvidos, construindo um mosaico temático pelas vozes que falam, cantam, narram ou

deixam escapar outras qualidades e significados a partir de sua entoação. Trata-se, portanto,

da “voz do documentário”, para utilizar a expressão de Bill Nichols:

Por voz, refiro-me a algo mais restrito que o estilo: aquilo que, no

texto, nos transmite o ponto de vista social, a maneira como ele nos

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

fala ou como organiza o material que nos apresenta. Nesse sentido,

“voz” não se restringe a um código ou característica, como o diálogo

ou o comentário narrado. Voz talvez seja algo semelhante àquele

padrão intangível, formado pela interação de todos os códigos de um

filme, e se aplica a todos os tipos de documentário. (NICHOLS, 2005,

p.50).

Assim, a voz ultrapassa a palavra, não está limitada apenas ao que é dito verbalmente,

mas, a voz abrange vários mecanismos que o diretor dispõe para apresentar seu argumento,

transmitir um ponto de vista, ressignificar o passado, exprimir sentimentos e interpretações,

na consolidação de diferentes modos de representação e abordagens a partir de várias vozes,

como já analisou, para a prática radiofônica, Carmen Lucia José (2003; 2013).

Além disso, as imagens visuais não contribuem muito para a construção da biografia,

parece que sem elas a apresentação do personagem a partir dos depoimentos e de sua música

permanece. É como se estivéssemos escutando um documentário para rádio. Assim como

tantos outros documentários, como já analisei, por exemplo, em Lóki (CARVALHO, 2012B),

Vinicius perpetua a ideia do corte do documentário a partir da voz, paradoxo da edição atenta

a trilha sonora, que coloca as imagens como complementares, muitas vezes libertando os

olhos com a construção do discurso calcado no som, principalmente com a palavra através da

voz, como já apontou Michel Chion (2008, p. 139).

Os usos do recurso da entrevista e da montagem de material de arquivo são os

principais pontos de sustentação da estrutura discursiva do documentário. A insistência da

edição de várias entrevistas encadeadas, assim como já analisou Jean-Claude Bernardet

(2003), não indica um enriquecimento de estratégia narrativa para a prática contemporânea de

documentários, ao contrário, demonstra um apelo repetitivo de um mesmo procedimento, que

se sustenta também com a ênfase da ilustração via material de arquivo. Em contrapartida, vale

lembrar que Jean-Louis Comolli (2008, p. 86) alerta que mesmo com esta inflação e repetição

da fórmula da entrevista, sua prática não significa apenas um recurso fácil, banal e sem

desafios.

Entretanto, mesmo sob o risco do encadeamento dos relatos orais da memória e da

saudade dos depoentes, o filme consegue reunir materiais de arquivo que documentam a

história do poeta e, com ela, a história da música popular no Brasil e seu contexto

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

cronológico. Para isso, o documentário utiliza-se da alternância entre narrações em off sobre

cenas e fotos de arquivo, gravações nas quais aparece o próprio Vinicius e outros intérpretes,

depoimentos de amigos e familiares, declamações de poesias pelos atores, interpretações

musicais na boate reconstituída, leitura de poesias e interpretação de músicas pelos amigos e

parceiros entrevistados.

Uma leitura da história do Brasil é evocada dentro do filme pelas imagens de arquivo,

como em cenas de manifestações contra a ditadura militar dos anos 60, período também de

transformação na canção brasileira e nas letras e parcerias de Vinicius de Moraes, e a

irreverência presente nas praias e a revolução nos costumes dos anos 70, em sua vida em

Salvador até a maratona de shows realizados ao lado de Toquinho, quando Vinicius já

começava a dar sinais de cansaço e envelhecimento.

O documentário se apropria de várias imagens existentes ao mostrar trechos de outros

documentários sobre o poeta, como o francês Les carnets Brésiliens (1966), feito para

televisão pelo diretor Pierre Kast, realizado no Brasil em 1963, em que Vinicius interpreta

"Canto de Ossanha". Outra fonte audiovisual é o média-metragem Vinicius de Moraes: Um

rapaz de família (Brasil, 1980), feito pela filha Susana, com cenas da intimidade de Vinicius.

Além destes, utiliza-se imagens do filme Pista de grama (Brasil, 1958), de Haroldo Costa, no

qual João Gilberto acompanha ao violão Elizete Cardoso que canta "Eu não existo sem você".

Os encontros com os parceiros são elementos importantes para a narrativa cronológica

e seleção musical, revelados com arquivos de performances no palco em shows, o início do

trabalho de cancionista ao lado de Tom Jobim, a força da voz colada no ritmo dos afro-

sambas de Baden Powell, ou mesmo as novas interpretações da parceria com Carlos Lyra com

“Coisa mais linda”, na voz de Mariana Moraes, e “Pau-de-arara”, na voz de Sérgio Cassiano,

e ainda, “Vida tem sempre razão”, composição em parceria com Toquinho, na voz de

Mart‟nália.

Além da obra do artista, o filme também apresenta a sua vida privada, fala de seus

amores e dos nove casamentos entrelaçando a as duas trajetórias. Para o retrato mais intimo, o

documentário expõe um pouco os sentimentos das filhas Susana, Georgiana, Luciana e Maria

de Moraes sobre o lado controverso do pai em relação às mulheres, contando o sofrimento dos

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

vários casamentos, das paixões e desamores. Discute a felicidade, a visão política sobre o

Brasil e o comportamento boêmio do poeta em relatos e opiniões. Assim como os

relacionamentos amorosos e de amizade, o uísque ganha destaque nos depoimentos, imagens

e histórias.

Para a escrita da biografia de Vinicius de Moraes a narrativa mistura e investiga as

relações da vida privada e a pública, a história do indivíduo e sua obra. Alternando as

interpretações de sua obra poética, dos versos, letras e melodias, com sua trajetória de vida

pessoal composta pelos elementos da bebida, as várias paixões e casamentos, os laços de

amizade, os desafios da emoção e da sensibilidade para a elaboração do texto poético e a

procura de novos e jovens parceiros para a continuidade da composição de suas canções.

Nesse sentido, não existiria melhor forma de narrar à vida de Vinicius de Moraes do

que por diferentes vozes que cantam e declamam os seus versos, enfatizando a memória

desvelada pela voz. Com uma biografia autorizada pela família, o filme Vinicius resgata pela

memória oral um tempo e uma experiência sociocultural que extrapola a vida do personagem

biografado. Assim, o diretor consegue narrar um pouco a biografia de Vinicius de Moraes

com certo clima de boemia, saudando os encontros com amigos e o espírito inquieto

característicos do estilo de vida do biografado. Como já escreveu Carlos Drummond de

Andrade: “Vinicius é o único poeta brasileiro que viveu como poeta”.

Assim, o documentário Vinicius inaugurou a moda da produção de documentários

musicais biográficos sobre personagens da MPB, com extensa acolhida da crítica e público.

Entretanto, o filme inicia também uma forte tendência de produção e consumo de

“enquadramentos da memória” através de um “filme-testemunho”, como já discutiu Pollak:

Se o controle da memória se estende aqui à escolha de testemunhas

autorizadas, ele é efetuado nas organizações mais formais pelo acesso

dos pesquisadores aos arquivos e pelo emprego de „historiadores da

casa‟. Além de uma produção de discursos organizados em torno de

acontecimentos e de grandes personagens, os rastros desse trabalho de

enquadramento são os objetos materiais: monumentos, museus,

bibliotecas, etc. (POLLAK, 1989, p. 10).

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

A memória é, dessa forma, guardada com base em referências e recordações pessoais.

No entanto, sem desvalorizar a importância e o encantamento da memória oral que se registra

e edita na produção do documentário, podem-se indagar várias contradições, limites e tensões

permeadas pelo afeto e a subjetividade na construção da narrativa e no trabalho de pesquisa e

conhecimento histórico.

Na construção deste retrato na forma de filme, o diretor escolheu deixar a análise de

lado, sem percurso crítico sobre a obra e suas fontes, privilegiando a fluidez da narrativa e os

sabores da intimidade a partir da apropriação das imagens domésticas do biografado e das

conversas com seus amigos e familiares.

Toda a sua trajetória é tratada no filme, desde o percurso de poeta moderno, que

segundo depoimento de Antônio Candido, possuía perfeição formal para falar do cotidiano, os

seus textos como dramaturgo, o trabalho e as viagens como diplomata, o ofício de crítico de

cinema e cronista, e, principalmente, os seus cantos e composições impulsionados pela paixão

pela vida boemia e pelas mulheres. O personagem surge como mito de um tempo por sua

inquietude e sedução em versos e atitudes. Sempre bem acompanhado, Vinicius iniciou sua

obra musical com canções sentimentais ao lado de Tom Jobim, passou pela reviravolta do

candomblé, com a música de capoeira de Baden Powell, mergulhou na melancolia ao lado de

Carlos Lyra e, em fase derradeira, fez o resgate de sua obra e despedida dos palcos ao lado de

Toquinho.

Este estilo narrativo do filme evidencia a necessidade de um debate sobre o lugar da

biografia como possibilidade de uma escrita da História. Neste caso específico, trata-se de

discutir os limites e potencialidades da narrativa biográfica sobre Vinicius de Moraes em

relação à escrita da história da MPB. O filme constitui (assim como os livros e a história oral)

uma forma interessante e válida para se representar o passado, suscitando com isso novos

modos de se refletir sobre sua forma narrativa e pesquisa histórica.

O discurso, nesse caso, não tem função de prova explicativa e objetiva. No entanto, o

discurso busca mostrar os músicos (e o compositor célebre), como testemunhas, como

reflexos, como reveladores de uma época e de sua produção musical. A biografia não se

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

apresenta como a história de um indivíduo isolado, e sim como a história de uma época vista

através de um indivíduo e de um grupo de indivíduos.

Este documentário biográfico também revela a falsa oposição entre indivíduo e

sociedade, quando afirma que o indivíduo não vive só. Dado que a história do biografado é

narrada “numa rede de relações sociais diversificadas”. Assim, como já analisou Del Priore

(2009, p. 10), “a biografia permite uma abordagem histórica” assumindo a legitimidade do

“fatiamento da história”. Pensando nisso, talvez seja possível afirmar que o documentário

conta uma história da MPB a partir da história de pessoas, de seus intérpretes e compositores.

Pelas vozes em cena, as canções mais conhecidas e as raras imagens de arquivo de cunho

doméstico, o filme constrói um retrato de Vinicius de Moraes nos enlaces da trajetória de sua

vida pública e privada, nos encontros e desencontros entre História e biografia.

4.3 A biografia cantada do documentário A música segundo Tom Jobim

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim nasceu em 25 de janeiro de 1927, no Rio

de Janeiro, e faleceu em 1994, em Nova York. O músico começou sua carreira profissional

como pianista em 1951. Segundo Jairo Severiano (2008, p. 300), Tom Jobim tocou na Rádio

Clube e em casas noturnas de Copacabana. Em 1953, gravou sua primeira canção

“Incerteza”, uma parceria com Newton Mendonça, mas o primeiro sucesso aconteceu no ano

seguinte com “Teresa da Praia” e o álbum Sinfonia do Rio de Janeiro, em parceria com Billy

Blanco (1924-2011), na canção nota-se a leveza da letra e muitos dos elementos que iriam

caracterizar o gênero Bossa Nova.

A obra de Tom Jobim resgata os temas da modernidade, brasilidade e da natureza,

principalmente das paisagens do Rio de Janeiro e da Mata Atlântica. Assim como Villa-

Lobos, Jobim conhecia a música de concerto tanto quanto as canções dos compositores

populares da primeira metade do século XX o que lhe proporcionou uma experiência

importante para o desenvolvimento de sua carreira como compositor e arranjador.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

O encontro de Tom Jobim com Vinícius de Moraes impulsionou grande impacto para

o ambiente de música popular da época, segundo a biografia de Sérgio Cabral:

Tom foi chamado à mesa e ouviu de Vinícius uma longa explanação

sobre o Orfeu da Conceição, uma história grega adaptada aos morros

cariocas e que teria um elenco todo formado de mulheres e homens

negros. Jobim (...) só teve uma pergunta a fazer a Vinícius: „Tem um

dinheirinho nisso?‟, o suficiente para ser advertido por Lúcio Rangel:

„Como é que você tem coragem de falar em dinheiro, numa hora

dessas, com o poeta? (CABRAL, 1997, p.102).

A parceria de Vinicius de Moraes e Tom Jobim se iniciou com o espetáculo teatral

Orfeu da Conceição, pontuado por temas incidentais compostos por Tom e canções da dupla,

que aliavam o conhecimento de teoria musical de Tom e a poesia moderna de Vinicius.

Também fizeram sucesso as canções do álbum Canção do amor demais (1958), de Elizete

Cardoso, no qual Tom Jobim foi responsável pelos arranjos, regência e piano, atribuindo um

tratamento orquestral para o disco.

De 1963 a 1994, a vida de Tom Jobim dividiu-se entre o Brasil e os Estados Unidos,

com a realização de shows e discos, segundo pesquisa de Jairo Severiano (2008, p, 342), neste

período, Jobim “compôs cento e poucas músicas, que, somadas às que fizera antes, perfazem

aproximadamente 230 composições gravadas”. Entre os álbuns mais festejados destacam-se

as muitas parcerias e encontros de Tom Jobim com músicos do Brasil e do mundo, como em

Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim (1967), Elis & Tom (1974) e Miúcha e

Antonio Carlos Jobim (1977).

Como já exposto no capítulo anterior, à historiografia básica produzida sobre a Bossa

Nova inclui as trajetórias de Vinicius de Moraes e de Tom Jobim, ao lado de João Gilberto,

para evidenciar como o gênero musical ganhou a caracterização primordial de modernizar a

música popular brasileira. Nessa historiografia, destacamos os ensaios biográficos de Ruy

Castro (1999; 2001) e Sérgio Cabral (1997), que repercutem a análise de Tom Jobim como

um compositor moderno e eminentemente bossanovista, com seus arranjos eruditos para letras

leves da canção popular.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Entretanto, a Bossa Nova nunca foi unanimidade, e o jornalista e historiador José

Ramos Tinhorão9 confirmou-se ainda nos anos 60 como um dos críticos mais contundentes do

gênero e da produção musical de Tom Jobim, além de fomentador de inúmeras polêmicas

com as vanguardas concretista e tropicalista. Os livros de Tinhorão possuem um tom crítico

bastante provocativo e focam a análise da falta de autenticidade da Bossa Nova, com seus

traços de estrangeirismos. Neste sentido, para o jornalista, Tom Jobim possuía uma obra

musical afastada dos referenciais da “brasilidade”, que se enraizava na produção musical das

classes sociais mais populares.

O documentário A música segundo Tom Jobim (2011), dirigido por Nelson Pereira dos

Santos10

e Dora Jobim, é uma produção singular no seu contexto histórico de produção. O

filme retrata o músico a partir de sua obra musical, sem recorrer a depoimentos, entrevistas ou

narração, apostando na compilação de um vasto material de arquivo com várias performances

musicais que interpretam as canções do maestro Antônio Carlos Jobim.

Trata-se de uma produção de colagem que conta a história de Tom Jobim como

músico. O seu retrato é construído através de suas canções como “Garota de Ipanema”,

“Águas de março”, “Corcovado”, “Dindi”, “Luiza”, “Insensatez”, entre outras canções

consagradas ao Rio de Janeiro, às mulheres e à natureza. Para mostrar a música, o

documentário resgata as interpretações e performances de Gal Costa, Elizeth Cardoso, Jean

Sablon, Agostinho dos Santos, Pierre Barouh, Alaíde Costa, Henri Salvador, Gary Burton,

Silvia Telles, Gerry Mulligan, Ella Fitzgerald, Sammy Davis Jr, Judy Garland, Vinicius de

Moraes, Errol Garner, Pat Hervey, Elis Regina, Adriana Calcanhoto, Nara Leão, Maysa,

Fernanda Takai, Nana Caymmi, Diana Krall, Oscar Peterson, Sarah Vaughan, Cybele e

Cynara, Carlinhos Brown, Jane Monheit, Stacey Kent, Birgit Brüel, Milton Nascimento, Lisa

9 Com o passar dos anos, Tinhorão desenvolveu uma obra importante e pioneira no estudo da música popular brasileira, com

a incorporação de grande número de fontes primárias, tanto documentais como sonoras, reunindo um importante acervo de

discos, partituras, periódicos, livros e fotos, hoje disponível no Instituto Moreira Salles. 10 Nelson Pereira dos Santos já havia realizado filmes sobre Tom Jobim, como Tom Jobim, um Homem Iluminado, baseado

no livro de Helena Jobim (1996) e o especial para a TV Manchete, com entrevistas com o músico, com o mesmo título A

música segundo Tom Jobim (1984). Também produziu A Luz de Tom (2012), com mais um retrato do maestro através dos

relatos de três olhares femininos: o da irmã Helena Jobim, e das ex-mulheres Thereza Hermanny e Ana Lontra Jobim.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Ono, Paulo Jobim, Miúcha, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Paulinho da

Viola, entre outros.

A música segundo Tom Jobim é mesmo musical. A montagem deste documentário se

constrói na colagem de performances musicais, quando por meio de várias versões e

regravações de canções identifica-se o sucesso internacional e a dimensão de como a música

de Tom Jobim se espalhou pelo mundo ao longo de sua trajetória de vida. Dessa maneira, o

ponto de corte do documentário está na música, na montagem de uma programação musical

ou seleção de um elenco de músicas e/ou canções devidamente articuladas para cumprir um

modo de representação do percurso da obra artística de Tom Jobim. O resultado desta

proposta evidencia uma montagem quase radiofônica em sua estrutura, mas audiovisual pelas

suas performances em vídeo.

O filme também apresenta recursos narrativos visuais importantes quando destaca logo

em sua abertura imagens de fotos que revelam o Rio de Janeiro e sua época, ainda em preto e

branco - do acervo fotográfico do documentarista Jean Manzon (SADLIER, 2012, p. 158) -,

iniciando o filme também pelo começo da carreira do músico, com a fotografia de Newton

Mendonça, seu primeiro grande parceiro e amigo desde a adolescência, seguido de retratos de

ordem íntima com os registros de sua família, recurso ainda utilizado em outros trechos do

filme, sem caracterizar um uso de divisão cronológica.

O roteiro é dividido em três grandes temas: o Rio de Janeiro, mulheres (musas) e

natureza, que são cantados nas músicas de Tom Jobim e apresentados com rico material de

arquivo, do acervo da família e principalmente de diversos acervos de televisão, com imagens

da TV Cultura, Rede Globo, Bandeirantes, RAI, BBC, NHK e outras. Além disso, observa-se

o uso do Youtube, ferramenta bem conhecida de compartilhamento de vídeos pela Internet,

adorada pelos novos realizadores e estudantes como fonte primordial de pesquisa, nem

sempre confiável já que permite que qualquer usuário coloque um vídeo, original ou editado,

quase sempre sem respeitar os direitos autorais.

Na composição deste mosaico antropofágico, os diretores demonstram que a

informação é musical, oposta a inflação verbal da prática das entrevistas e depoimentos. Com

isso, a proposta estética se torna bem afinada ao próprio pensamento circular da obra de Tom

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Jobim, de suas conhecidas travessuras no processo de mistura, assimilação e reinvenção na

composição musical, sob influência da música estrangeira, como a adoção dos acordes

dissonantes largamente empregados nos improvisos do jazz norte-americano ou seu vasto

conhecimento da história da música erudita, como já foi analisado por Cacá Machado:

Regravar, reinterpretar, assim como reutilizar fragmentos melódicos,

rítmicos e harmônicos de um tema em outro, são constantes na obra de

Tom Jobim. São também indicativos de uma característica de

personalidade e musicalidade: o pensamento circular. Em cada giro,

Tom traz uma nova experiência. (MACHADO, 2008, p. 51)

Vale lembrar ainda a importância de Tom Jobim para a Bossa Nova e seu jeito novo e

engenhoso de fazer música. Segundo Frederico Coelho e Daniel Caetano:

A música, como se sabe, é a única das artes que dispensa o uso de

ícones, personagens e falas; a música se faz através do som, não

importando se este som ganha algum sentido inteligível. A música,

portanto, depende de uma relação puramente estética – e qualquer

discussão moral e ética surge de contextos externos a ela (...). Para

vivenciar a experiência musical, basta ouvir com atenção e

sensibilidade (COELHO; CAETANO, 2011, p. 12)

Nesse sentido, o mosaico musical do documentário parece provar uma total sintonia

entre forma narrativa e o próprio entendimento da linguagem musical de Tom Jobim.

Segundo Nelson Pereira dos Santos (SADLIER, 2012, p. 158), os direitos autorais, de

propriedade e de reprodução representam a parte mais cara do documentário, algo em torno de

70% do orçamento total. No entanto, mesmo com a importância dada ao material de arquivo

coletado, o filme não apresenta os créditos das performances musicais. Assim, não indica os

títulos das canções, quem são os seus intérpretes ou qualquer referência da fonte do material

resgatado, o que é prática convencional de produção na televisão. Esta escolha de direção

talvez incomode a maioria dos espectadores que se assustam com a liberdade e com o desafio

de uma postura ativa no reconhecimento das imagens, de seus intérpretes e canções, aguçando

a curiosidade, memória e sensibilidade tal como a percepção musical, que muitas vezes não

carece de palavras e nomes.

Dessa maneira, o documentário deixa fluir, sem interferência, o efeito encantatório e

sedutor da música, constituindo-se de um filme para se ver e cantar – o que muito se nota,

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

mesmo nas salas de cinema. De mesmo modo, a estética proposta abandona a ancoragem do

“eu” na narrativa, sem fabricação de herói, tipo ou exaltação da personalidade, e de qualquer

apresentação informativa do personagem e sua vida para construir uma biografia musical.

A música segundo Tom Jobim é uma biografia de uma vida artística, é um

documentário que revela o músico pela sua música e não pelo seu cotidiano e sua intimidade

da vida privada. Não é à toa que o filme se inicia e termina com aplausos para Tom Jobim, os

quais podem ser estendidos para Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, por colocarem a

música como protagonista de um documentário musical.

Ao analisar o filme evidencia-se que contar uma história de vida é pesquisar e se

apropriar de memórias, registros, imagens, músicas. Como se sabe, a obra do maestro Tom

Jobim já foi estudada e dissecada por diversos livros, artigos e biografias, tanto escritas

quanto audiovisuais (cinema e televisão). No entanto, o documentário pretende-se musical, e

parece se associar a ideia de Walter Benjamin, em sua afirmação que discute que articular

historicamente o passado não significa necessariamente conhecê-lo como ele de fato foi, mas

sim apropriar-se de reminiscências (BENJAMIN, 1994, p. 224). Assim, o documentário

reconstrói uma experiência vivida com nova forma de narratividade que nasce da obra

musical em questão. Além disso, pode-se lembrar das palavras do poeta Carlos Drummond de

Andrade quando diz “um Nazaré e um Tom dispensam colocação didática na história da

música brasileira” (MACHADO, 2008, p. 8).

Assim, o que parece relevante em A música segundo Tom Jobim é justamente a sua

forma de apresentar uma biografia que não é didática, informativa e calcada na palavra falada,

e sim focada na palavra cantada, na música cantada de Tom Jobim. O filme traz um resultado

original em sua estrutura e abordagem, como também na maneira como desafia o espectador

em sua recepção.

Afinal, o documentário convida o espectador a escutar a obra de Tom Jobim com o

corpo, maneira de se ouvir música, já classificada por J. J. Moraes (1991) e utilizada como

referência para a análise dos sons no cinema (CARVALHO, 2008). Esta maneira de ouvir

música permite sentir na pele a vibração do dado sonoro, de cada voz que canta Jobim à sua

maneira, com diferentes interpretações e línguas. Característica esta que evidencia como o

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documentário sobre personagens da história da música pode surpreender o espectador com

uma nova relação entre imagem e som, instigando novas percepções para a trilha musical de

cinema.

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5. Tropicália na estrada

5.1 A Tropicália singular de Fabricando Tom Zé

Tropicalismo ou Tropicália define um movimento musical com a produção de Gilberto

Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Capinam, Torquato Neto, Gal Costa, Rogério Duprat e os

Mutantes, entre os anos de 1967 e 1970, e também um conjunto de manifestações culturais

por meio do corpo, da voz, da roupa, das letras, danças e diálogos de experiências estéticas

diversas que incluíam o teatro e as artes plásticas. Todas estas manifestações culturais

repercutiam o gesto antropofágico de Oswald de Andrade na concepção cultural sincrética, na

pesquisa de técnicas de expressão, humor corrosivo e atitude anárquica, numa percepção

carnavalesca do mundo, como já analisou Celso Favaretto, em seu livro Tropicália, alegoria,

alegria, publicado em 1979. Na análise de Celso Favaretto:

Em nenhum momento os tropicalistas perderam de vista o seu objetivo

básico: desde o simples uso de instrumentos eletrônicos, ruídos e

vozes em Alegria, Alegria e Domingo no parque, o emprego de

recursos aleatórios e seriais, a incorporação do grito por Gal Costa e

até a trituração da melodia por Gilberto Gil, mantiveram-se fiéis a

linha evolutiva, reinventando e tematizando criticamente a canção.

(FAVARETTO, 2000, p. 41)

Segundo José Ramos Tinhorão:

O movimento denominado tropicalismo ou tropicália, surgido em São

Paulo no fim da década de 60 por iniciativa de compositores baianos

herdeiros da repercussão da bossa nova carioca nos meios

universitários de Salvador, constituiu a tentativa de – como definiria o

próprio líder do grupo, Caetano Veloso – obter “a retomada da linha

evolutiva da tradição da música brasileira na medida em que João

Gilberto fez”11

. (TINHORÃO, 1998, p. 323).

As canções tropicalistas demonstraram um discreto uso de procedimentos típicos da

poesia concreta, como a sintaxe não discursiva, a verbi-voco-visualidade e a concisão

vocabular (FAVARETTO, p. 51). No entanto, como já descreveu Zuza Homem de Mello “à

11 No debate intitulado “Que caminho seguir na música popular brasileira”, promovido pela Revista Civilização Brasileira

sob coordenação do músico Airton Lima Barbosa, e publicado no n. 7 da mesma revista, maio de 1968, p. 375-385

(TINHORÃO, 1998, p. 345).

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estridência da guitarra e à adoção do pop foram acrescentados a comunicação de massa, a

abertura do cafona, o auditório do vale-tudo e as vestes espalhafatosas. Eram os elementos da

geratriz de uma estética: a estética tropicalista” (MELLO, 2003, p. 303).

O tropicalista Antônio José Santana Martins, Tom Zé, surgiu na cena musical

brasileira antes do período do Tropicalismo, quando participou do álbum manifesto do

movimento, de 1968, Tropicália ou Panis et Circencis, com a canção “Parque industrial

(Made in Brasil)”, álbum “destinado a figurar entre os dez discos fundamentais da música

brasileira” (MELLO, 2003, p. 306). Favaretto define o álbum com as seguintes palavras:

Suma tropicalista, este disco integra e atualiza o projeto estético e o

exercício de linguagem tropicalistas. Os diversos procedimentos e

efeitos da mistura aí comparecem: carnavalização, festa, alegoria do

Brasil, crítica da musicalidade brasileira, crítica social, cafonice -,

compondo um ritual de devoração. (FAVARETTO, 2000, p. 78).

Tom Zé foi trazido para o movimento por Caetano Veloso, quem o convenceu a se

mudar para a cidade de São Paulo. Segundo Carlos Calado, em seu livro Tropicália: a

história de uma revolução musical (1997):

Foi após uma projeção de Moleques de Rua, o curta-metragem de

Alvinho Guimarães, que Caetano e Tom Zé se conheceram

pessoalmente, apresentados pelo jornalista Orlando Senna (que mais

tarde veio a se tornar cineasta). Nessa época, Tom Zé já era uma

figura popular em Salvador, principalmente no meio universitário,

graças às canções satíricas e irreverentes que compunha, incluindo

alguns trabalhos no CPC. (CALADO, 1997, p. 38).

Tom Zé estudou música na Universidade Federal da Bahia com professores ligados à

vanguarda, como Hans Joachim Koellreutter, Ernst Widmer e Walter Smetak, e participou da

montagem da peça Nós, Por Exemplo, no Teatro Castro Alves, e Arena canta Bahia, no

Teatro de Arena, musical dirigido por Augusto Boal em São Paulo, em 1965. Segundo Herom

Vargas:

Todas essas experiências forjaram parte do seu gosto apaixonado pela

experimentação e pela busca constante da invenção. Seus

procedimentos básicos estavam na junção de repertórios e sons já

conhecidos, mas por ele tocados em novas circunstâncias e novas

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

relações. Quanto ao repertório, lançava mão desde canções da tradição

nordestina, que conhecia da infância, até o rock e a música de

vanguarda; quanto aos elementos musicais, utilizava tanto os

instrumentos tradicionais como os novos instrumentos

eletroeletrônicos e alguns objetos e práticas sonoras do cotidiano

(bacia com água, gargarejos, palmas, gritos, furadeira, esmeril,

enceradeira etc.). (VARGAS, 2012, p. 283).

No tropicalismo, Tom Zé participou do grupo de baianos até o período de exílio de

Caetano e Gil, sem perder sua identidade. Ainda segundo Carlos Calado:

Descontada uma certa diferença de idade e algumas peculiaridades

geográficas, Tom Zé vinha do mesmo universo cultural de Caetano e

Gil. Antônio José Santana Martins nasceu em Irará, no sertão baiano,

em 11 de outubro de 1936. Os baiões de Luiz Gonzaga e os xaxados

de Jackson do Pandeiro também animaram boa parte de sua

adolescência, junto com os cantores e cantoras popularizados pelos

programas da Rádio Nacional. Porém, talvez pelo fato de a luz elétrica

só ter chegado em Irará em 1949, o que realmente marcou Tom Zé foi

o folclore da região, das cantigas dos violeiros aos sambas de roda das

lavadeiras. (CALADO, 1997, p. 40).

Em 1968, Tom Zé foi premiado no Festival da TV Record com a música “São São

Paulo, Meu amor”, colocou “2001”, composição em parceria com Rita Lee, em quarto lugar

no mesmo evento, e gravou seu primeiro disco, Tom Zé – Grande Liquidação, que tematiza a

vida urbana brasileira em música e texto renovadores, obtendo assim considerável sucesso até

o álbum Todos os olhos, de 1973, quando a crítica e o público não compreenderam sua

linguagem inovadora, afastando o músico dos meios de comunicação.

O trabalho experimental de Tom Zé em seus discos da década de 1970 – Todos os

olhos (1973), Estudando o samba (1975) e Correio da Estação do Brás (1978) evidenciam a

desconstrução da poética eloquente da canção tradicional por meio de ironias, neologismos e

jogos de palavras, bem como pela busca de ruídos e sonoridades de instrumentações não

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

usuais, com sinos, buzinas, despertadores, eletrodomésticos e ferramentas industriais, que

serão desenvolvidas também em suas obras posteriores.12

Em 1973, vale lembrar, Caetano Veloso lança também o álbum Araçá Azul, que pelo

alto grau de experimentalismo tem um grande número de devoluções, sendo retirado do

catálogo da gravadora (e relançado em 1987). Assim, para a rebeldia musical do período, Tom

Zé e Caetano Veloso trouxeram experimentos sonoros, subvertendo parâmetros de qualidade

musical consolidados no universo da MPB, explorando novas possibilidades de composição e

arranjo e desconstruindo a forma canção.

O pesquisador Santuza C. Naves (2010) define o trabalho de Tom Zé como “canção

crítica”, aquela que põe em questão as capacidades da canção ser entendida por sua

interferência em seu contexto, ao comentar criticamente os elementos que a constituem.

Assim, a singularidade de sua composição ocorre no âmbito interno da canção, na

materialidade de sua linguagem, e nas relações com os campos culturais em que germina. A

ousadia empregada na tropicália singular de Tom Zé não foi bem recebida pelo público,

custando-lhe “anos de exclusão do cenário „oficial‟ do país, num período em que, além de

tudo, as empresas de gravação haviam eliminado o risco de seus investimentos musicais”

(TATIT, 2004, p. 238).

O documentário Fabricando Tom Zé é uma biografia cujo fio condutor é a turnê de

Tom Zé pela Europa em 2005, com uma câmera que segue o músico pelas ruas e shows pelas

cidades de Paris, Viennes, Turim, Roma e Montreux. O estilo narrativo do documentário de

Décio Mattos Jr. encontra diálogo com os documentários Lóki, de Paulo Henrique Fontenelle,

sobre Arnaldo Baptista, em sua turnê em Londres com o “resgate de reconhecimento do

artista” em âmbito internacional, conforme já analisei em “O rock desligado de Lóki”

12 Antes do documentário de Décio Matos Jr, as experimentações de Tom Zé foram retratadas no documentário Tom Zé, ou

Quem Irá Colocar Uma Dinamite na Cabeça do Século? (2000), dirigido por Carla Gallo, produção que investiga as diversas

sonoridades retiradas de objetos do cotidiano e de materiais de construção (caixa de fósforos, furadeira, martelos etc.),

materiais já utilizados pelos concretistas franceses dos anos 1940, e que Tom Zé incorpora na música popular. Além disso,

aborda o conceito do tempo na música e a performance do artista.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

(CARVALHO, 2012); como também em Coração Vagabundo, que será analisado a seguir, e

Nasci para bailar – João Donato: Havana-Rio (2009), da cineasta Tetê Moraes, filme que

registra uma viagem a Cuba de João Donato e seu trio formado por Robertinho Silva (bateria),

Luiz Alves (contrabaixo) e Ricardo Pontes (sax e flauta). Estes documentários trazem diários

íntimos de viagem das turnês dos músicos, com imagens em aeroportos, estação de trens e

hotéis, e também registros de ensaios, performances e encontros musicais. Estas produções

são narrativas de registro e making of das apresentações musicais dos biografados, mas

extrapolam o enfoque de extra para o DVD do show dos músicos. Dado que também podem

ser considerados documentários biográficos por suas narrativas centradas nos personagens,

mesmo sem criar retratos convencionais de apresentação de vida e obra, mas sim perseguindo

seus personagens com a câmera para revelar um pouco sua história de vida a partir de um

recorte temporal que percorre diferentes espaços determinados pela música e pelo trabalho de

um músico.

O filme sobre Tom Zé tem a moldura e o protagonismo do registro da turnê em

desenvolvimento, misturando vídeo e animação para construir um olhar sobre a trajetória do

músico. O próprio título do documentário Fabricando Tom Zé, apesar do gerúndio, parece um

bom título, pois enfatiza a ideia de construção e inacabamento, da obra e do artista. O discurso

narrativo do filme é promovido pelo personagem, em seu elogio a sua constante inovação,

renovação e novas experimentações. Esta ideia de construção permanente do artista retratado

pode ser observada pela forma com que a narrativa fílmica se elabora, desde a abertura,

apresentando vida e obra, homem e artista até a recorrente fala do próprio artista, que se

autoflagela e vitimiza em vários depoimentos autobiográficos que relatam como ele sempre

foi “péssimo músico”, e que só é único por usar enceradeiras em sua música. Como já

escreveu José Geraldo Couto (2007), o documentário “não sufoca seu retratado sob o peso da

homenagem, mas, ao contrário, colhe-o no contrapé, como uma contradição andante, "com

defeito de fabricação" (título de um CD seu), com alguns parafusos a menos ou a mais”.13

13 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1307200715.htm. Acessado em 14/02/15.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

A ênfase na história de vida narrada pelo próprio biografado revela um relato

autobiográfico voltado para a câmera, a qual tom Zé se dirige diretamente em várias vezes

durante o filme sem criar um diálogo com o diretor ou com o público, mas sim com o próprio

equipamento. O documentário, portanto, narra a história de vida de Tom Zé reconstituindo o

seu passado a partir do seu relato sobre sua vida. Assim, a ênfase narrativa discorre da forma

de entrevista a partir de Tom Zé e de sua presença na tomada, deixando claro o que está em

jogo e de onde sai a enunciação, ao sabor da reflexão teórica sobre a imagem-câmera e sua

tomada, no eixo da valoração ética da intervenção da câmera como articuladora do discurso

fílmico, desenvolvida por Fernão Ramos (2008). Trata-se do personagem em situação de

entrevista, quando o seu relato e suas pequenas ações determinam a edição do documentário,

“sob o risco” da memória, da fala e da encenação do próprio artista. Segundo Jean-Louis

Comolli:

(...) a peculiaridade do documentário não está na forma ou na estrutura

narrativa (nesse sentido, ele de fato não é diferente da ficção), mas sim

no lugar (no espaço e no tempo) que ele reserva às falas, aos gestos e

aos corpos do outro (enfim, à mise-en-scène do sujeito filmado), à

mise-en-scène do cineasta e, enfim, ao embate de quem filma e quem

é filmado. (COMOLLI, 2008, p. 48).

No entanto, para o tratamento sonoro do filme, a escolha é convencional. Segundo

Sérgio Puccini (2009) destacam-se cinco possibilidades para o som no documentário: som

direto (na filmagem, em entrevistas, depoimentos, dramatizações e em tomadas em locações);

o som de arquivo (filmes, entrevistas, programas de rádio e TV, discursos, entrevistas etc.);

voz over (narração sobreposta às imagens durante a montagem); efeitos sonoros (sons criados

na fase de edição que ajudam a criar ambientação para as imagens) e a trilha musical ou

sonora (compilada, adaptada ou original).

Nesse sentido, o documentário Fabricando Tom Zé usa predominantemente o som

direto da entrevista, contando com os depoimentos da mulher de Tom Zé, e sua produtora,

Neusa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, David Byrne, o crítico musical Tárik de Souza, o

produtor musical Kid Vinil, e os integrantes de sua banda, entre outros. Assim, o

documentário apresenta poucas brechas para o som de arquivo e as canções, que ganham

destaque nas performances registradas nos shows. Nestes momentos a música não é

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protagonista, mas sim o sujeito filmado em ação, no exercício de sua atividade como músico,

revelando o personagem em seu desempenho, tangenciando uma “evidência do sensível”

(Comolli, 2008).

Neste debate, Jean-Claude Bernardet foi uma dos primeiros pesquisadores de cinema

que alertaram para alguns problemas advindos dessa nova tendência do documentário calcado

na entrevista e no depoimento. Bernardet, no capítulo “A entrevista”, presente na segunda

edição do livro Cineastas e imagens do povo (2003), comenta que esse método de abordagem,

que privilegia os depoimentos, não significou um enriquecimento das estratégias narrativas

para a prática contemporânea de documentários, mas acabou virando uma mania e um ato

quase automático e apelativo de repetição de um mesmo procedimento.

Também Consuelo Lins e Cláudia Mesquita já apontaram entre as consequências

estéticas dessa técnica privilegiada, com a dominância do “verbalizável”, a fraca capacidade

de observação de situações reais em transformação, a repetição de uma mesma configuração

espacial (aquela típica da entrevista) e a ausência de relação entre os personagens – em função

do enfoque centrado na interação entre cineasta e entrevistado. (2008, p. 30). Em

contrapartida, como já escrevi anteriormente, Comolli (2008, p. 86) alerta que mesmo com

esta inflação e repetição da fórmula da entrevista, sua prática não significa um recurso sem

desafios.

Além disso, sabe-se que a gravação de entrevistas em vídeo não reserva muitas

brechas para a inventividade no que tange ao posicionamento e movimentos da câmera,

captação do áudio e uso de microfones e escolha de enquadramentos. Há a restrição do plano

médio, primeiro plano e close up, sempre atento a direção do olhar do entrevistado. Pode-se,

às vezes, mostrar o corpo todo de quem fala, mas com isso corre-se o risco de reduzir o

tamanho do entrevistado em relação ao quadro e ao espaço que ocupa. Detalhes habituais

também criam ritmo para a fala, como as incansáveis mãos que balançam conforme a

entoação da voz. No entanto, qualquer peripécia da câmera sem tripé pode assustar o

entrevistado, deixando-o desconfortável ou desconcentrando-o de seu pensamento e

organização do discurso e relato. Mas é na captação de entrevista que se valoriza o relato, a

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opinião, a visão de mundo das fontes e dos personagens, dando voz ao outro e permitindo

quem é filmado de se expressar.

Mesmo com o predomínio da entrevista, chama atenção à abertura do filme, pois antes

de se ver e ouvir o show e os aplausos em Paris, e a fala de Tom Zé, o que se escuta é a voz.

A vocalização é o primeiro elemento sonoro do filme, para anunciar a letra “Tô te explicando

pra te confundir. Tô te confundindo pra te esclarecer”. Em seguida, o primeiro depoimento é

de Tom Zé, sobre o show que vimos e ouvimos antes e sobre o seu cansaço de “fazer shows”.

Com isso, o primeiro elemento do filme é a voz.

Com toda a sua bagagem de cultura oral de Irará, sua terra natal, Tom Zé herdou a

capacidade performática que coloca o corpo no centro da música, na declamação das letras

das canções, no jogo vocal como instrumento. Paulo Celso da Silva e Miriam Cristina Carlos

da Silva também apontam a importância do corpo para a performance de Tom Zé:

Desta tradição oral, contadora de histórias e não letrada, Tom Zé

herdou a capacidade performática que coloca o corpo no centro da

música, somada à poesia, declamada e quase dissonante em relação

aos instrumentos que a acompanham. O corpo, somado aos acessórios,

ao figurino e ao cenário, traz uma performance levada ao extremo

também pelos demais tropicalistas, que fizeram de suas apresentações

uma explosão complexa de signos, em que todos os elementos são

elementos de sentido: Estes recursos permitiam enfatizar o efeito

cafona e o humor, contribuindo para o impacto das construções

paródico-alegóricas, essenciais à constituição das imagens

tropicalistas. (SILVA; SILVA, 2012, p. 236).

Esta abertura apresenta bem o estilo narrativo do documentário e suas escolhas diante

do desafio biográfico colado no corpo do personagem protagonista. A narrativa do

documentário se desdobra sobre a memória de Tom Zé desde o começo de sua carreira,

quando integrou o movimento tropicalista, até o seu sucesso na Europa, representado pelos

shows que atravessam toda narrativa, desde os aplausos em Paris, às vaias em Viennes

(França), quando o músico tenta cantar em francês, até a briga com o técnico de áudio no

Festival de Montreaux. Desta memória também se destaca o período de esquecimento sobre o

músico, que só se findou com a “descoberta” de seu talento pelo olhar estrangeiro de David

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Byrne, produtor musical e líder da banda nova iorquina Talking Heads, que, nos anos 1990,

ou seja, após quase vinte anos de ostracismo, considerou Tom Zé um representante da

autêntica música brasileira ao se apaixonar pela modernidade do álbum “Estudando o samba”,

de 197614

.

Como se sabe, após o apoio de David Byrne e o subsequente reconhecimento pela

crítica musical internacional, Tom Zé ganhou destaque e exposição através da mídia

internacional e passou a acumular certo capital cultural, o que permitiu que ele se legitimasse,

reconquistasse seu espaço no mercado brasileiro e recolocasse seu nome na cultura brasileira.

Tatit comenta sobre isso:

(...) era como se o mundo tivesse se curvado diante da singularidade

de uma criação que escancarava a imperfeição e a incompletude como

qualidades alternativas à eficácia do produto “bem acabado” para

consumo. Era como se os “defeitos” assegurassem uma dinâmica

cultural perdida nos acabamentos “perfeitos” do mercado sonoro. E,

de quebra, Tom Zé personificava o Brasil – sem qualquer estereótipo

de “autenticidade” regional – seguindo acintosamente uma trilha

própria, construída nos vãos desprezados pelas iniciativas

internacionais (TATIT, 2004, p. 238-239).

No documentário, Tom Zé retorna a sua cidade natal. Visita vários lugares de

referência de sua vida em Irará: sua casa, o comércio de seu pai, e a sua escola, onde conversa

com os alunos. Nesta viagem às origens, se revela a paisagem da infância e as histórias da

linguagem sonora e do ritmo que ajudam o artista a enfrentar a lógica discursiva da escola

tradicional e as dificuldades de uma vida humilde. Não à toa, Tom Zé é retratado ao longo do

documentário, nos depoimentos, como um gênio, criativo e inovador, como também um

sujeito que atua como jardineiro e ganha dois salários mínimos para cuidar do jardim do

prédio onde mora em São Paulo.

14 Byrne convidou Tom Zé para gravar nos Estados Unidos em 1990, lançando, anos depois, uma coletânea e dois discos

inéditos do artista no mercado internacional; respectivamente, The Hips of Tradition (1992) e Fabrication Defect (1998), que

conquistaram elogios fervorosos da crítica especializada norte-americana.

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Dessa forma, o documentário pretende fazer alusão a ressignificação do artista,

abordando a ideia de “fabricação” deste músico “feio, pobre, baiano, filho da puta”, como o

próprio biografado se define. Também a contribuição de Tom Zé para a Tropicália é um

elemento muito enfatizado na narrativa, o músico paulistano Arnaldo Antunes, por exemplo, o

define como “o mais paulista dos nordestinos da Tropicália”, assim como Caetano e Gilberto

Gil reconhecem o seu abandono após o período de exílio, quando se “abriu uma vaga no

Tropicalismo”.

No documentário, Caetano Veloso fez um mea culpa em relação ao ostracismo do

compositor baiano, nas suas palavras:

Por que? Por que ninguém disse nada? Por que? No nosso caso dos

colegas artistas, é uma pergunta pertinente, que a própria pessoa se

faz, assim. Bom, eu sei que aquilo era interessante, que era bom,

agora, e que tava assim meio, ali, e eu não fiz nada. É evidente que

todo mundo tem a sua dose de egoísmo, entendeu, às vezes podia ser,

mais fácil não ter esse complicador que era o Tom Zé, entendeu, algo

de mesquinho talvez, inconscientemente, na atitude nossa.

Enquanto Gilberto Gil responsabilizou o próprio Tom Zé pelo seu isolamento:

Quando nós voltamos de Londres [do exílio], eu e Caetano, Tom Zé já

tava recluso. Já tinha entrado em outra, não houve nem como retomar

aquela associação da Tropicália, porque já havia, da parte dele

próprio, uma outra... Era diferente se ele, por exemplo, quando nós

chegamos, eu e Caetano, se ele tivesse chegado lá em casa, e dito: Oi e

aí! Vamos lá! Vamos... a gente teria retomado. Mas Tom Zé se

recolheu mesmo

Na mesma linha, o crítico Arthur Nestrovski avalia que Tom Zé “não era de fato um

tropicalista”, apesar de não explicar tal afirmação. Depois do sucesso internacional, comenta-

se a retomada de sua experimentação ao incluir enceradeiras no álbum “Defeito de

fabricação”, como comenta Kid Vinil, produtor do disco, e a sua trilha para balé ao trabalhar

para o Grupo Corpo, em 1997, em parceria com José Miguel Wisnik, e com Santagustin, em

2002, em parceria com Gilberto Assis, como lembra Rodrigo Perderneiras, diretor do Grupo

Corpo. As sessões de gravação do álbum “Estudando o pagode” revelam o músico em seu

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processo de criação e gravação, ao lado de Jairzinho Rodrigues, que afirma que “a fita cassete

é o Pro Tools de Tom Zé”.

Da intimidade, Neusa revela como Tom Zé nunca deixou Irará15

, revela como o artista

fica nervoso e inquieto quando escreve e reescreve suas canções, e conta como o músico ficou

doente quando as gravadoras e o público não mais se interessavam pelo seu trabalho. De

material de arquivo, têm-se as imagens do Festival da TV Record e várias entrevistas de Tom

Zé na MTV brasileira repercutindo o sucesso no exterior promovido por David Byrne. Além

disso, o filme mostra várias capas de discos e jornais para pontuar momentos marcantes da

carreira do artista e da repercussão dos shows que são acompanhados pela equipe de gravação

do documentário.

O documentário se constitui assim como um lugar privilegiado para observar a

construção da memória, em especial a memória privada e individual carregada de

subjetividade e recordação. Nesse sentido, parece relevante recuperar o esforço de

compreender o conceito de memória de Sônia Maria de Freitas em seu estudo sobre história

oral, segundo a pesquisadora:

Aristóteles distingue mnemê (memória) – faculdade de conservar o

passado – e mamnesi (reminiscência) – faculdade de evocar

voluntariamente esse passado por um esforço intelectual. Platão, por

sua vez, emprega a imagem da memória como impressão, traços

depositados e gravados em nós (FREITAS, 2006, p. 53).

Em Fabricando Tom Zé a memória é elemento fundamental para a elaboração da

narrativa, tanto de um esforço intelectual no discurso da fala, no relato do passado e na

avaliação da experiência vivida, quanto nas impressões e sentimentos que extrapolam o

discurso e se revelam no rosto, no gesto, na inquietude do corpo do sujeito que é entrevistado.

15 Assim como Caetano Veloso também sempre revive sua raiz em Santo Amaro da Purificação, sua cidade natal.

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Para se entender o documentário é preciso, então, levar em conta que cada testemunho

é uma versão do que aconteceu e toda biografia possui um enfoque, evidenciando a escolha

do documentário em narrar a história de Tom Zé pela sua própria memória e história oral.

Assim, buscam-se outras fontes com entrevistas e materiais de arquivo que são editados para

complementar os aspectos apresentados pelo biografado.

Como já escreveu Guy Gauthier:

O interesse não está na verdade – a não ser para a pesquisa histórica -,

mas no próprio funcionamento da memória, considerada uma

manifestação da vida que funda a personalidade e o imaginário dos

indivíduos e grupos. Sua força é, ao mesmo tempo, sua fraqueza, pois

ela dinamiza a ação em detrimento da busca intratável da verdade. A

história é conhecimento, o documentário é memória; a testemunha é

raramente libertada de suas lembranças, e tenta, no mais das vezes,

revisitá-las. (GAUTHIER, 2011, p. 245).

Nesse sentido, com a mistura de retrato e diário de viagem, Fabricando Tom Zé

enquadra um método prático de narrar uma breve história de seu personagem com um ponto

de vista pessoal do biografado, que constrói o discurso em sua fala e na relação com a câmera,

elementos que se evidenciam na montagem do documentário. Assim a fabricação discursiva

do documentário é quase autobiográfica, colada no relato da experiência do protagonista, no

seu corpo, na sua memória e voz.

A singularidade da criação de Tom Zé no documentário está centrada na constante

exploração dos “defeitos”, de sonoridades “imperfeitas”, do “péssimo músico” com uma

postura de rebeldia explícita ao fetiche da perfeição. Pode-se dizer que, ao renegar padrões

estéticos da canção de massa, em que a música deve ser apenas agradável, e ao rebelar-se

contra a interpretação sem falhas e sem lacunas, Tom Zé assume uma postura de

desconstrução da canção que se manifesta no conteúdo das letras, nos arranjos, na maneira de

interpretar, promovendo rupturas e criando sua particularidade como artista. Parece ser

relevante, portanto, quando ao final do filme, a animação coloca a sombra maior que o

homem, enfatizando a grandeza do biografado e seu legado.

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Diante desta análise, pode-se afirmar que a prática biográfica de Fabricando Tom Zé

se movimenta pelo seu depoimento, mas também pelo complemento de entrevistas, o registro

de shows e bastidores, muitas vezes com clara influência da técnica do cinema direto, e

imagens de performances musicais, colocando em cena o músico em ação.

5.2 O silêncio do estrangeiro Caetano Veloso

Em sete de agosto de 1942, dia de São Caetano, nasce Caetano Emanuel Vianna Telles

Velloso, em Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano, filho de José Telles Velloso,

agente postal telegráfico, e Claudionor Vianna Telles Velloso (dona Canô).

Como explica Luiz Tatit (1995, p. 264), Caetano Veloso é um artista da

independência, do “poder não fazer”, mais que da liberdade do “poder fazer”. Também

Guilherme Wisnik aponta que:

Caetano Veloso é, certamente, uma das mais “inexplicáveis”

personalidades brasileiras. Não apenas por ser um artista polêmico e

camaleônico, cuja força sempre esteve na capacidade de escapar às

classificações e desautorizar chaves convencionais de interpretação,

mas também por se tratar de alguém que não cansou de se auto-

explicar ao longo dos seus quarenta anos de vida artística (iniciada em

1965), a ponto de parecer esgotar tudo o que de novo se poderia dizer

ao seu respeito. (WISNIK, 2005, p. 8)

Caetano Veloso ao longo de sua trajetória sempre atacou a autonomia da canção ao

misturar outros elementos em sua composição - ruídos, referências estéticas, diferentes estilos

musicais, encenação. Desde o tropicalismo o artista impõe a canção um caráter conceitual

construtivo, enfatizando como a música popular brasileira se dá em um campo de

cruzamentos e justaposições. Com isso, a obra de Caetano Veloso permanece “em estado de

explicação”, como uma prosa poética “essencialmente elíptica e antinarrativa”, como já

analisou Guilherme Wisnik (2005, p. 9).

Assim, ainda segundo o autor, Caetano sempre “contrabandeou” registros múltiplos e

dissonantes, incorporando versos de Waldick Soriano em “Pecado Original”, aderindo ao pop

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romântico de Morris Albert, ao gravar “Feelings” no álbum Foreign Sound, e Peninha, com

“Sonhos” e “Sozinho”. E, ao mesmo tempo, dialogar com Gregório de Matos em “Triste

Bahia”, Oswald de Andrade em “Escapulário”, Augusto de Campos em “Pulsar”, Maiakósvki

em “O amor”, Haroldo de Campos em “Circuladô de fulô”, Castro Alves em “O navio

negreiro”, e tantos outros.

Na análise de Carlos Rennó:

(...) Caetano elevou a letra de música ao status de poema, como só

fazem aqueles, poucos e muito bons, que fazem da canção uma

modalidade de poesia – cantada. Só que o fez com tal engenho e arte

que sua singular contribuição o projeta no contexto mesmo da canção

mundial. Aqui, agora, ele figura entre aqueles que sempre foram seus

pares, embora nem sempre soubessem e alguns talvez ainda teimem

em duvidar (Caetano não será jamais uma unanimidade): entre os

Porter, os Gershwin, os Dylan e os Lennon e McCartney. (RENNÓ,

2002, p. 51-52).

Nesse sentido, Caetano Veloso se configura como um importante personagem da

história da música brasileira, como letrista, provocador das sonoridades das palavras e dos

sentidos da música cantada.

No filme Coração Vagabundo a produtora e ainda esposa de Caetano Veloso, Paula

Lavigne, chama o diretor para espreitar a porta do banheiro entre aberta. Lá dentro o

protagonista faz a barba, nu. Em seguida, com a tela em black ouvimos “É proibido proibir”

de 1968, com o conhecido desabafo de Caetano Veloso sob vaias do estudantes durante o

Festival da Canção. O novo material, de 35 anos depois, revela Caetano num quarto de hotel.

Essa é a apresentação da abordagem do documentário, que registra a turnê do álbum “A

Foreign Sound” (2004), com um repertório variado de músicas norte-americanas, cujo show

de lançamento é apresentado em Nova York, no emblemático Carnegie Hall. Assim, o jovem

diretor Fernando Grostein de Andrade filma conversas, ensaios e passeios pelas ruas de Nova

York, Tóquio, Osaka, na turnê norte americana e japonesa do álbum durante 2004 e 2005.

O momento fundamental de desestabilizar consensos pela força vocal de Caetano

Veloso contra a plateia universitária aparece no filme sem imagem, sem resgate de material de

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arquivo, sem uma contextualização qualquer. Apenas para marcar a diferença entre os tempos,

da juventude irreverente do personagem e de sua maturidade contemporânea ao registro.

No material de divulgação do filme e em alguns textos de jornais16

, repete-se que a

intenção da produção era gravar um making of para o DVD com o concerto ao vivo, mas a

produtora Paula Lavigne transformou o projeto no documentário lançado em 2008. A ideia

era criar “uma viagem musical com Caetano Veloso” com as interpretações de canções de seu

novo disco, mais um confronto com sua vontade de misturar as línguas portuguesa e inglesa,

na interpretação e também em sua composição. O filme entrou para o ranking dos 20 filmes

de maior público ficando na 12ª posição, pois em sua primeira semana de exibição, foi visto

por 7.256 espectadores.17

Nos bastidores, Caetano é tietado por brasileiros ilustres internacionalmente, como

Gisele Bündchen, e outros famosos no país, como a atriz Regina Casé.

A proposta declarada de Grostein Andrade era fazer um documentário intimista, um retrato

quase em primeira pessoa do músico. Mas não se pode esquecer que a produtora do filme é a

ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne, e que o fim do casamento aconteceu durante as

filmagens. A câmera flagra alguns episódios dessa separação, como o músico pedindo o

telefone de Gisele Bündchen, numa possível brincadeira, e as cenas que revelam o artista

aborrecido, triste e cansado. Como está anunciado na canção “O Estrangeiro”, do álbum

homônimo (1989), o sujeito que canta se encontra “menos estrangeiro no lugar que no

momento”.

Curiosamente, tem-se uma relação não apenas com esta canção, mas também com este

disco, que na avaliação de Guilherme Wisnik:

No pesadelo impressionista de “O Estrangeiro”, sob a àspera massa de

acordes em arpejos percussivos que não encontram repouso, o

isolamento involuntário do sujeito que canta revela um doloroso

16 Ver, por exemplo, BEZZI, Marco, “Coração vagabundo mostra Caetano Veloso na intimidade”, in: Jornal da Tarde, 16 de

julho de 2009; CALIL, Ricardo, “Documentário traz Caetano quieto”, in: Folha de São Paulo, 24 de julho de 2009; Release

do filme, disponível em https://coracaovagabundofilme.wordpress.com/about/, acessado em 20/11/2013. 17 Dados do Informe de Acompanhamento do mercado da Ancine, semana 30, de 24 a 30 de julho de 2009, disponível em:

http://www.ancine.gov.br/media/SAM/Informes/2009/SAM47.pdf. Acessado em 20/11/2013.

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amputamento histórico: o fim das utopias existenciais, estéticas,

morais, sexuais, sociais, políticas de sua geração. Isto é, o

desaparecimento do motor criativo e ideológico da sua arte surgida no

ambiente contracultural dos nos 60, que originou o movimento hippie,

o tropicalismo, a rebeldia do rock e as agitações estundantis em maio

de 68 em Paris. (WISNIK, 2005, p. 17)

A análise acima é sobre o disco, mas também descreve o documentário Coração

Vagabundo em seu retrato de Caetano Veloso, quando o isolamento do sujeito revela o

distanciamento do tempo histórico e das características que marcam o início de sua carreira

musical.

Entre os entrevistados, aparecem os fãs internacionais do músico, como David Byrne

(fundamental também no filme de Tom Zé) e o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que

comenta a cena de Caetano em seu longa-metragem Fale Com Ela (2002) cantando

“Cucurucucú Paloma” (Tomas Mendez Sosa), canção que integra o disco Fina Estampa - ao

vivo, de Caetano Veloso, do ano seguinte de Fina Estampa (1994), álbum dedicado ao

cancioneiro hispano.

Ao contrário de tantos outros documentários contemporâneos ao seu lançamento, que

se aprofundam em seus personagens resgatando suas performances musicais, Coração

Vagabundo é quase um filme institucional. Nele, o que vemos na tela é o Caetano Veloso que

todos conhecem, sem muito acrescentar à imagem do mito que carrega. Por outro lado, o

documentário registra momentos singulares. Como quando Caetano revela estar triste por

questões pessoais (e o documentário foi gravado durante o período de sua separação com

Paula Lavigne) e diz preferir não falar sobre o assunto. O artista que nunca se cansa de falar,

que tem uma opinião sobre tudo, fica enfim em silêncio.

A opção de construir o filme como sendo um documentário observacional, isto é sem a

presença do realizador-diretor frente à câmera, garante maior foco e destaque na figura de

Caetano, apesar do próprio músico conversar com o diretor em vários momentos do filme.

Assim se faz um retrato de Caetano, sem um método investigativo sobre sua vida e obra, mas

como o registro de momentos da viagem por diferentes cidades para a apresentação e

apreciação de seu trabalho como intérprete, que também revela a sua opinião sobre a música.

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Esta abordagem narrativa muito se parece com a análise anterior sobre Fabricando Tom Zé,

apesar que Tom Zé fala com a câmera e Caetano com o diretor.

Nesse sentido, o filme não se estrutura com elementos definidores de uma biografia

convencional, revelando apenas um recorte do lado artístico do cantor, incluindo ensaios para

a turnê, bastidores, a relação de Caetano com o público (e do público com ele) e como o

músico se atenta para a repercussão crítica de seu trabalho. Todos estes fatores garantem ao

documentário uma perspectiva muito pessoal e permitem que Caetano se exponha e se

construa como personagem, dando voz ao documentário no relato, na sua própria avaliação e

abordagem sobre si.

Percebe-se assim que o documentário busca o modo observativo de representação,

conforme classificação de Bill Nichols (2005), evitando o comentário, a encenação e a

pesquisa histórica, com o pretexto preguiçoso de registro da turnê. Há no filme imagens

contemplativas que acompanham o ritmo de viagem do cantor. Nesse sentido, Caetano

“comanda” a narrativa fílmica, pois é através dos seus depoimentos que se determina a ordem

das imagens na tela, entrecortada pelas mudanças de cidade, com as viagens de trem e os

passeios pelas ruas e restaurantes. Não se utiliza números musicais, tal como em tantos outros

documentários, mas as canções aparecem em vários momentos da narrativa, sem muita

clareza de suas escolhas, parecendo seguir o gosto dos fãs que encontram Caetano no

caminho.

O documentário possui uma estrutura narrativa quase sem metodologia, sem optar

pela pesquisa musical e de dados biográficos que apresentem o personagem e contextualizem

o mito entorno dele. Talvez para o público que pouco conheça a prosódia barroca de Caetano,

continue a desconhecer a importância do compositor baiano que alterou os rumos da história

da música popular brasileira com o movimento tropicalista, já contextualizado anteriormente

nesta pesquisa.

Uma cena interessante é quando Caetano responde a provocação de Hermeto Pascoal

que, em uma entrevista, o chama de “musiquinho” atacando-o por ter afirmado que as

melhores músicas populares são a norte-americana e a cubana. Mas para Hermeto, a melhor

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música popular é a brasileira. Este desentendimento é bastante curioso dado que Hermeto

Pascoal tornou-se um dos músicos brasileiros mais cultuados na cena internacional,

especialmente entre apreciadores do jazz, pela riqueza dos inusitados improvisos, como

comenta o próprio Caetano no filme. Segundo Carlos Calado (NESTROVSKI, 2002, p.111-

112), Hermeto “combina ritmos tradicionais do nordeste – baião, frevo, xaxado – com

elementos jazzísticos e liberdades rítmico-harmônicas que o aproximam da música

experimental. (...) Ironicamente, a música de Hermeto sempre foi mais valorizada no

exterior”.

O fato de o próprio perfilado ser o “guia” do filme garante ao músico um ambiente

confortável para que possa se expor com naturalidade e discursar sobre vários temas que

cercam o seu universo musical: o tropicalismo, a relação com a crítica, suas inspirações, sua

rejeição pelo obscurantismo e a religião, seu sentimento de “sub-desenvolvido”, sua origem

em Santo Amaro, sua experiência com a fala em língua inglesa.

Curiosamente a relação com a língua inglesa também nos leva a pensar sobre o seu

exílio. No entanto, Caetano revela que falou e ouviu pouco inglês quando morou em Londres

por viver rodeado de brasileiros. Mas é inegável que sua canção “London, London” (1971)

está ligada à língua, o inglês, e ao tema da letra, como a expressão clara do conflito com o seu

exílio. O que desperta interesse, como já apontei numa análise sobre o filme Durval Discos

(CARVALHO, 2007), são as palavras do próprio Caetano Veloso sobre o seu processo

criativo de compor canções em inglês:

É uma loucura escrever letra de música na língua dos outros. A gente

nunca sabe se está dizendo o que está dizendo. Na verdade, eu sou

irresponsável o bastante para viver e, quando escrevo em inglês, não

faço se não brincar com as formas familiares de letra de música

americana, misturando-as com uma espécie de tradução para o inglês

de algumas idéias e bossas que eu trouxe de minha experiência com a

native tongue (língua nativa). Mas acontece que, além de

irresponsável, eu sou muito curioso. De modo que não me é difícil

escrever estas letras de música em inglês: o que me enlouquece é a

curiosidade de saber o que elas dizem” (FRANCHETTI e PÉCORA,

1981, p. 57).

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A experiência de exílio aparece em momentos diferentes de sua obra, como já foi

autoanalisado em Verdade Tropical (1997), o livro de memórias e reflexões de Caetano

Veloso sobre as circunstâncias culturais do período do tropicalismo, sua prisão e exílio,

revisitado em Estrangeiro, álbum de 1989, em Tropicália 2, de 1993, disco em parceria com

Gilberto Gil para a comemoração aos 26 anos do movimento, além do show Circuladô (1992)

entre outras referências mais discretas.

Algumas canções ganham destaque na narrativa do filme como reveladoras de temas

importantes para o personagem retratado, “Asa Branca” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira)

revela o lirismo cortante da cultura do nordeste brasileiro, e reaparece de forma marcante em

sua obra, como já analisou Guilherme Wisnik:

“Asa Branca”, em particular – a mais perfeita canção do exílio, que

fala de alguém que se vê forçado a abandonar o sertão castigado pela

seca, deixando guardado ali seu coração como promessa de volta -,

marca o momento inaugural de sua hoje tão consagrada vocação de

intérprete criador. (WISNIK, 2005, p. 37).

Tema recorrente da nostalgia de tempos e lugares, desde suas primeiras canções. Vale

notar que em seu primeiro álbum Domingo (1967), que contém a primeira gravação de

“Coração Vagabundo”, Caetano escreve: “A minha inspiração não quer mais viver da

nostalgia de tempos e lugares, ao contrário, quer incorporar essa saudade num projeto de

futuro”.

Curiosamente, também Caetano fez várias canções sobre cidades: “London, London”

(Londres), “Manhatã” (Nova York), “Sampa” (São Paulo), “Flor do cerrado” (Brasília),

“Paisagem inútil” (Rio de Janeiro), “Beleza pura” (Salvador), “Aracaju” (Aracaju), “Trilhos

urbanos” (Santo Amaro). De família de classe média modesta, de uma cidade do interior da

Bahia, Caetano viveu intensamente as experiências de choque com as grandes cidades, de

Salvador e São Paulo, longamente reelaboradas em suas composições. No filme, Caetano

revela sua sensação de “sub-desenvolvido”, seu embate com o provincianismo brasileiro,

sensação que se faz diante da cidade, de uma entrevista para a TV, do show de canções que

não são de sua terra, mas que fizeram parte de sua história e memória musical, resquício da

colonização brasileira.

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Em várias imagens das cidades que percorre, em passeios e nos próprios

deslocamentos de trem, ouvimos suas músicas e trechos de seus relatos. Não escutamos os

sons das cidades, as paisagens sonoras não são captadas e dão lugar a continuidade da edição

de canções e depoimentos sobre si de Caetano Veloso.

No caminho para Osaka, por exemplo, tem-se imagem de dentro do trem que se

associam a canção inserida, quando se ouve “I‟m the silence...”, os passageiros dormem. Em

outras cenas, ouvimos uma de suas canções mais famosas, “Terra” (1978) que teve como

mote a emoção de uma experiência vivida ainda na cadeia: “Quando eu me encontrava preso/

Na cela de uma cadeia/ foi que eu vi pela primeira vez/ As tais fotografias/ Em que apareces

inteira/ Porém lá não estavas nua/ E sim coberta de nuvens/ Terra, Terra/ Por mais distante o

errante navegante/ Quem jamais te esqueceria?”. Além de “Leãozinho” e “vivo, vivo, vivo,

i‟m alive...”

Caetano brinca ainda, ao final da edição do documentário, que é filmado muitas vezes

trocando de roupa. Cenas que às vezes irritam os espectadores diante da atitude um pouco

juvenil do diretor para enfatizar seu registro de intimidade, mas que também carrega a

importância do corpo na trajetória de Caetano. Nas palavras de Guilherme Wisnik:

Toda a política mais afiada, presente no modo como Caetano lê o

mundo e o tensiona, passa não por uma análise político-econômica das

estruturas sociais, ou pelo alinhamento artístico a alguma “causa”

derivada de injunções ideológico-partidárias, mas por uma estética das

relações humanas, cujo motor é essencialmente erótico (WISNIK,

2005, p. 91).

O erotismo e o corpo são questões fundamentais para os tropicalistas, com a ruptura da

liberação do comportamento e da performance do corpo, deflagrada e cristalizada nos palcos,

tanto como procedimento para o teatro como para a interpretação e construção do espetáculo

para a música.

Além disso, a performance do corpo e da voz sempre balizou a produção musical

brasileira, em todos os seus períodos e fases. O pesquisador Luiz Tatit (2004) descreve as

raízes da canção desde meados do século XVIII, na faixa popular dos batuques africanos nas

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rodas musicais. Deste mesmo período, o autor lembra que inúmeras pequenas peças cômicas

eram levadas ao teatro, que incorporava danças e canções populares, difundindo o gênero já

conhecido como lundu, e a nova melodia do canto que passava a descrever sentimentos

amorosos, muitas vezes convertidos em refrãos. Assim, o canto sempre foi uma dimensão

potencializada da fala e do corpo, desde as declarações lírico-amorosas dos seresteiros ao

teatro musicado.

Interessante resgatar a cena do documentário em que ele afirma: “Eu sou o cara que

está aqui”. Será mesmo possível conhecer um personagem da MPB através de um show e de

um monólogo sobre si? Neste filme não se tem o risco da memória de um mosaico de

depoentes que resgatam a vida e a obra de um músico, e sim a construção de um enunciado

em primeira pessoa, observado por uma câmera que registra e observa os relatos

autobiográficos de Caetano Veloso.

A memória aqui é um elemento constituinte do sentimento de identidade, na qual

Pollak já desenvolveu interessante análise, em suas palavras:

Ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de

negociação, de transformação em função dos outros. A construção da

identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em

referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de

credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros.

Vale dizer que memória e identidade podem perfeitamente ser

negociadas e não são fenômenos que devam ser compreendidos como

essências de uma pessoa ou de um grupo. (POLLAK, 1992, p. 5).

O resultado de Coração Vagabundo é uma experiência agradável, resquício de

qualquer produto “chapa-branca”, mas doce ao exibir o artista de talento e importância

inconteste com leveza e ingenuidade. A produção se alinha como já analisou Luiz Tatit (2002,

p. 266-273), à singularidade do trabalho do cancionista Caetano Veloso pelo viés da

“iconização”, procedimento oposto à narrativa, que tende a construir imagens através de

metáforas sensitivas. Dessa maneira, este músico com mais de setenta anos, grisalho e de

cabelos aparados que, à primeira vista, em nada lembra aquele representante da

geração hippie tropicalista, tenta abordar sua visão sobre si, mas não percebe que sozinho não

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revela ao espectador dados históricos sobre sua produção artística através dos anos, nem

tampouco permite compreender como esta obra ainda carrega os seus traços jovens de

rebeldia e inovação.

Além disso, a narrativa autobiográfica do documentário carrega uma ligação tanto com

a história quanto com a ficção. Dado que a autobiografia se estrutura como relato construído a

partir de uma relação pessoal percebida como autentica, resultado de uma experiência de vida,

mas também de uma narrativa que recorta aspectos e vicissitudes da memória e reflexão,

recordação e crença, revirando escolhas subjetivas, fragmentos de lembranças e

esquecimentos organizados na fala.

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6. Considerações Finais

A biografia nunca teve fronteiras bem delimitadas e padronizadas. Uma biografia

é um relato de uma vida, uma narrativa sobre a história de uma pessoa, um registro

histórico da memória pessoal e coletiva de alguém, de um indivíduo em sua

singularidade. Segundo Peter Burke “podemos encontrar biografias, se não, como já foi

dito, em todas as épocas e países, ao menos em muitas épocas e períodos” (1997, p. 83).

A intenção de construção de um discurso próximo da verdade é uma das marcas

da produção de um documentário. Este discurso também é primordial para a elaboração

de biografias. As duas práticas se definem pela interpretação dos fatos reais que se

tornam narrativas. Como se sabe, os vários aspectos de uma vida não cabem numa

narrativa linear. Nesse sentido, as narrativas biográficas são repletas de possibilidades e

escolhas de abordagem e estilo.

Também o documentário é resultado de um processo criativo do diretor,

desenhado por várias etapas de pesquisa, seleção, comandadas por escolhas, recortes,

variadas fontes e pensamentos, marcados pela apropriação subjetiva do real feita pelo

realizador audiovisual. Como já escreveu Ismail Xavier “no documentário

contemporâneo, temos visto uma variedade de caminhos na construção do „personagem‟

(...) dependendo do método e dos materiais mobilizados pelo cineasta, nem tudo o que se

mostra de uma personagem se reduz a entrevistas” (MIGLIORIN, 2010, p.65).

A partir da análise dos documentários Vinicius, A música segundo Tom Jobim,

Fabricando Tom Zé e Coração Vagabundo pode-se demonstrar como a história da

música popular brasileira ultrapassa formas de representação convencionais, lançando

novos desafios para a leitura e escrita de sua história por meio da prática biográfica no

cinema. Com diferentes abordagens sobre os personagens retratados, tem se vestígios da

história da Bossa Nova e da Tropicália através das histórias de vida de seus

protagonistas.

Estes filmes exibem metodologias narrativas que investigam a história e a

música com novas articulações entre a memória e a reconstituição do percurso de um

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músico. Para isso, revelam diferentes recursos como o da entrevista e do depoimento,

destacando a história oral e a memória dos indivíduos como instrumento de

reconstituição do passado, investigam materiais de arquivo (audiovisual, fotografias,

capas de discos e de jornais, etc.), selecionam as canções que consagraram os seus

biografados e se colocam reféns da memória autobiográfica respaldando o discurso do

retrato pelo relato do personagem. Com isso, pode-se afirmar que a música nem sempre é

protagonista nos documentários biográficos, colocando a fala ainda como recurso

predominante para se conhecer a história de um músico.

De maneira geral, nas narrativas de documentários biográficos, os usos do

recurso da entrevista substituíram a prática dominante da narração como fio condutor da

estrutura discursiva do documentário. É a palavra, principalmente através da entrevista

que apresenta um tema, ponto de vista, relato, opinião, análise ou divagação. Desse

modo, é predominante o uso do som direto, originário das entrevistas e depoimentos, e

do som de arquivo, de filmes, programas de televisão e músicas, para se construir

diferentes abordagens sobre perfis. Antes, na história do documentário, a narração e o

comentário eram criticados por ganhar importância desmedida na produção documental,

por sua capacidade de manipular o sentido das imagens e da edição da realidade

registrada em vídeo. Hoje a entrevista é um dos recursos primordiais para ilustrar,

fundamentar e legitimar a narrativa.

O “cacoete da entrevista”, expressão de Jean-Claude Bernardet (2003), esconde,

muitas vezes, o “falar de” do documentário, ou seja, o fato que esta produção representa

outras pessoas. Em termos de linguagem, nada se experimenta ao encadear cabeças

falantes num tedioso processo de repetição e mesmice, sem novos desafios do encontro

com o outro ou o de se pensar e discutir, em imagens e sons, diferentes aspectos sobre

temas e personagens. A entrevista é uma forma possível, mas não deveria se tornar

modelo hegemônico, mesmo com sua simplicidade e baixo custo, ou sabendo o valor de

uma boa conversa na apuração de relatos, análises e opiniões.

Entretanto, a entrevista também é uma forma distinta de encontro social. Ela

difere da conversa corriqueira e do processo mais coercitivo de interrogação, quando

cineastas, radialistas e jornalistas usam suas técnicas para juntar relatos diferentes numa

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única história. Assim, a voz do diretor emerge da tecedura das vozes participantes e do

material que trazem para sustentar o que dizem.

Além da voz, os materiais de arquivo também legitimam os retratos ou se

transformam em seu elemento primordial de abordagem poética, tal como em A música

segundo Tom Jobim, filme que não se utiliza da memória da fala e sim da memória

musical, a música em si é o recurso do retrato do maestro.

Além da entrevista, os retratos de Tom Zé e Caetano Veloso possuem

enunciação em primeira pessoa, tornando-se autobiográficos, na medida em que

comandam o foco narrativo. Assim, o acesso ao passado é mediado pelo próprio

personagem, que conduz a reconstituição dos vínculos dos acontecimentos de vida e obra

do passado a partir da fala do tempo presente da tomada, da gravação da produção.

Nestes dois documentários a música não se torna elemento dominante na trilha sonora,

dado que o recurso principal é mesmo a fala focalizando o músico que fala de si.

Nesse sentido, pode-se afirmar que os documentários biográficos contam uma

história da MPB a partir da história de pessoas, de seus intérpretes e compositores, tal

como na análise de Vinicius, quando pelas vozes em cena, as canções mais conhecidas e

as imagens de arquivo de cunho doméstico, o filme coloca em cena a poesia recitada,

cantada e contada, para construir um retrato de Vinicius de Moraes nos enlaces da

trajetória de sua vida pública e privada, percurso fundamental para se compreender a sua

obra.

O retrato a partir da obra musical, a entrevista, os materiais de arquivo que

ilustram o passado, o processo de construção das lembranças dos sujeitos são questões

centrais no debate sobre a memória e a história na produção de narrativas biográficas

audiovisuais. Contudo, as biografias destes documentários representam, interpretam e

recriam os personagens a partir de abordagens estilísticas nem sempre atentas as fontes

de pesquisa histórica.

Percebe-se, portanto, que estes filmes carregam características similares a vários

recentes documentários sobre músicos da MPB projetando-se como novos lugares de

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produção de discurso sobre a história da música popular, nos quais a memória musical

está problematicamente delimitada pelos “enquadramentos da memória” (expressão

cunhada por Pollak, 1989) dos seus personagens.

Como já analisou Arnaldo Contier:

A bibliografia sobre a História da Música no Brasil durante o

século XX, tem se revelado, sob o nosso ponto de vista, muito

restrita, "frágil" teoricamente, não apresentando uma visão mais

abrangente das possíveis conexões entre arte e sociedade. Em

geral, as análises sobre a produção artística privilegiam a vida e a

obra dos autores considerados mais significativos, sem contudo

tecer comentários mais profundos sobre o caráter simbólico da

linguagem musical, marcadamente instrumental, ou os aspectos

textuais da canção popular ou erudita e suas possíveis

vinculações com o contexto histórico, propriamente

dito.(CONTIER, 1988, p. 77)

Nesse sentido, pode-se discutir o documentário biográfico como fonte do

conhecimento histórico e como agente desta escrita da história. Afinal, o documentário é

“um instrumento poderoso para os rearranjos sucessivos da memória coletiva”

(POLLAK, 1989), e apesar de não trabalhar os retratos biográficos com rigor histórico, é

capaz de resgatar, preservar, conservar, registrar e arquivar algo da memória social que

ficará para o futuro.

Assim, os documentários aqui analisados são “documentários de memória”, como

já descreveu Guy Gauthier, uma espécie de “mergulho no passado por intermédio das

testemunhas ou da pesquisa dos indícios. Questão de distância, mais uma vez; fica-se

mais perto dos vivos e mais longe dessas testemunhas mudas que são os objetos e os

lugares” (GAUTHIER, 2011, p. 213).

O que não impede que esta produção tenha considerado em suas narrativas a

construção histórica e às tramas da biografia. Dado que ambas acionam as fronteiras com

o real e sua representação audiovisual, acionando estratégias de apropriação e leituras

das fontes orais com os testemunhos e as fontes de documentos comprobatórios, como os

registros em áudio e audiovisual, as fotografias, jornais, entre outros.

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Nesse sentido, a biografia como objeto de estudo permite a discussão sobre os

vínculos sociais e históricos que se relacionam com a forma como o personagem teve sua

obra e sua trajetória retratada, investigando sua vinculação com diferentes grupos e

movimentos e a produção editorial, acadêmica e jornalística existente. A biografia na

prática do documentário como objeto de análise oferece muitas questões a serem

respondidas: os limites da representação, as relações entre público e privado, as ligações

entre a narrativa, seu contexto histórico e a memória particular dos indivíduos.

Como já escreveu Hagemeyer, “a relação entre representação e verdade, bem

como a questão de narratividade, não estão presentes apenas na origem da História, mas

também nas origens do audiovisual” (2012, p. 114). Assim, fica evidente a importância

do debate sobre a construção de sentido na narrativa biográfica de documentários

musicais, quando ao combinar imagens, entrevistas, trilhas e materiais de arquivo, cria-se

um encadeamento de argumentos dentro de um fluxo temporal.

Todos estes questionamentos apontados anteriormente denunciam os riscos da

ilusão biográfica, não no sentido em que Bourdieu analisa a sua narrativa, mas no que

tange o fato de que o biógrafo oferece uma visão de mundo, tributária a sua percepção e

leitura, tal como já discutiu Dosse (2009, p. 284-285).

Ainda nas palavras de François Dosse:

À maneira do discurso do historiador que se apresenta, no dizer

de Roland Barthes, como um “efeito do real”, o gênero

biográfico traz em si a ambição de criar um “efeito do vivido”.

Daí a importância da retórica, do modo de narração escolhido

para conseguir restituir carne e forma a figuras desaparecidas.

Mas em sua era hermenêutica o biógrafo já não tem a ilusão de

fazer falar a realidade e de saturar com ela o sentido. Ele sabe

que o enigma biográfico sobrevive à escrita biográfica. A porta

permanece escancarada para sempre, oferecida a todos em

revisitações sempre possíveis das efrações individuais e de seus

traços do tempo. (DOSSE, 2009, p. 410).

De fato, a construção de uma biografia exige o diálogo com as diferentes formas

de controle simbólico do tempo, da memória e da individualização nas sociedades

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humanas, na busca de traduzir uma experiência de vida e com suas relações com a

cultura. Dessa maneira, as narrativas biográficas dos documentários brasileiros parecem

distantes da análise sobre a sociedade na qual se insere e não permitem melhor

compreender a História da música popular brasileira a partir de seus protagonistas,

colocando em dúvida a sua dimensão de fonte histórica.

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Durval Discos. (Brasil, 2002). Longa-metragem. Sonoro. Ficção. Direção de Anna Muylaert.

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Fale com ela (Hable con Ella, Espanha, 2002). Longa-metragem, Ficção. Direção de Pedro

Almodóvar.

Eu sei que vou te amar (Brasil, 1984). Longa-metragem. Ficção. Direção de Arnaldo Jabor.

Canção inspiração para o roteiro de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Garota de Ipanema (Brasil, 1967). Longa-metragem. Ficção. Direção de Leon Hirszman.

Música de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Seleção de músicas do filme lançada em disco

pela Philips.

Les carnets Brésiliens (França, 1966). Documentário de televisão. Direção de Pierre Kast.

Lóki: Arnaldo Baptista (Brasil, 2009). Documentário de televisão produzido pelo Canal

Brasil. Direção de Paulo Fontenelle.

Luz de Tom, A. (Brasil, 2012). Longa-metragem. Documentário. Direção de Nelson Pereira

dos Santos.

Música segundo Tom Jobim, A. (Brasil, 1996). Programa Especial para a TV Manchete.

Direção de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim.

Música segundo Tom Jobim, A. (Brasil, 2011). Longa-metragem. Documentário. Direção de

Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim.

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74

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Nasci para bailar – João Donato: Havana-Rio. (Cuba, Brasil, 2009). Documentário.

Direção de Tetê Moraes.

Orfeu do Carnaval (França, 1959). Longa-metragem. Ficção. Direção de Marcel Camus.

Música de Antônio Carlos Jobim.

Orfeu (Brasil, 1999). Longa-metragem. Ficção. Direção de Carlos Diegues. Trilha original de

Caetano Veloso. Seleção das músicas do filme lançada em disco pela Baratos Afins.

Pista de grama (Brasil, 1958). Longa-metragem. Ficção. Direção de Haroldo Costa. Músicas

de Tom Jobim.

Sol sobre a lama (Brasil, 1963). Longa-metragem. Ficção. Direção de Alex Viany. Música de

Vinicius de Moraes e Pixinguinha.

Tom e a Bossa Nova (Brasil, 1993). Documentário. Direção de Walter Salles Jr.

Tom Jobim, um Homem Iluminado. (Brasil, 1996). Direção de Nelson Pereira dos Santos.

Tom Zé, ou Quem Irá Colocar Uma Dinamite na Cabeça do Século? (Brasil, 2000).

Documentário. Direção de Carla Gallo.

Vinicius (Brasil, 2005). Longa-metragem. Documentário. Direção de Miguel Faria Jr. Direção

musical de Luiz Cláudio Ramos.

Vinicius de Moraes (Brasil, 1970). Curta-metragem. Documentário. Direção de David Neves.

Canções de Vinicius de Moraes.

Vinicius de Moraes: um Rapaz de família (Brasil, 1980). Média-metragem. Documentário.

Direção de Susana de Moraes.

9. Discografia

CARDOSO, Elizete. Canção do amor demais. Festa, 1958, LP.

Garota de Ipanema – Trilha sonora do filme. Vários intérpretes. Philips, 1967, LP.

GILBERTO, João. Chega de saudade. Odeon, 1959. LP.

JOBIM, Tom. Sinfonia do Rio de Janeiro – Antonio Carlos Jobim e Billy Blanco.

Continental, 1954, LP.

______. Orfeu da conceição – Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes. Odeon, 1956,

LP.

______. Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim. Reprise, 1967, LP.

______. Elis & Tom. Philips, 1974, LP. Trama, 2004, CD.

______. Miúcha e Antonio Carlos Jobim, RCA Victor, 1977. BMG, 2001, CD.

______. Antonio Brasileiro. Som Livre, 1994, CD.

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75

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

MORAES, Vinicius. Brasília: Sinfonia da Alvorada. Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Columbia, 1960, LP.

________. Os Afrosambas de Baden e Vinicius. Forma, 1966, LP.

________. Toquinho e Vinicius. RGE, 1971, LP.

________. Tom, Vinicius, Toquinho, Miúcha. Ao vivo no Canecão. Som Livre, 1977, LP.

VELOSO, Caetano. Domingo – Gal e Caetano Velloso. Philips, 1967, LP.

________. Araçá Azul. Phonogram, 1973, LP.

________. Estrangeiro. Som Livre, 1989, LP.

________. Circuladô. Polygram, 1991, CD.

________. Circuladô Vivo. Polygram, CD duplo.

________. Tropicália 2 – Caetano Veloso e Gilberto Gil. Polygram. 1993, CD.

________. Fina estampa. Polygram, 1994, CD.

________. Fina Estampa – ao vivo. Polygram, 1995, CD.

________. A Foreign Sound. Universal Music, 2004, CD.

TROPICÁLIA ou Panis et Circencis – Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil,

Mutantes, Nara Leão, Rogério Duprat, Tom Zé. Philips, 1968, LP.

Vinicius – Trilha sonora do filme. Biscoito Fino, 2005. CD.

ZÉ, Tom. Tom Zé. Rozemblit, 1968. LP.

_______. Todos os Olhos. Continental, 1973. LP.

_______. Estudando o Samba. Continental, 1976. LP.

_______. Fabrication Defect. Luaka Bop / WEA, 1998. CD.

_______.Com defeito de Fabricação. Trama, 1999. CD.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

10. Anexo

10.1 Formulário da disciplina proposta

CÂMARA CURRICULAR DO CoPGr FORMULÁRIO PARA APRESENTAÇÃO DE DISCIPLINAS

SIGLA DA DISCIPLINA: NOME DA DISCIPLINA: “A canção no cinema brasileiro: documentário, biografia e história” PROGRAMA/ÁREA: Nº DA ÁREA: VALIDADE INICIAL (Ano/Semestre): Nº DE CRÉDITOS: Aulas Teóricas: Aulas Práticas, Seminários e Outros: Horas de Estudo: 18h DURAÇÃO EM SEMANAS: 6 DOCENTE(S) RESPONSÁVEL(EIS): 1. Docente Usp, n.º Eduardo Victorio Morettin Docente externo. Data de obtenção do título: Instituição: 2. Docente Usp, n.º Marcia Regina Carvalho da Silva Docente externo. Data de obtenção do título: 16/12/2009 Instituição: UNICAMP 3. Docente Usp, n.º Docente externo. Data de obtenção do título: Instituição: CUSTOS REAIS DA DISCIPLINA: R$ (Apresentar, se pertinente, orçamento previsto para o exercício, em folha anexa)

PROGRAMA

OBJETIVOS: OBJETIVOS GERAIS: A disciplina “A canção no cinema brasileiro: documentário, biografia e história” tem por objetivo investigar as figurações da escrita da história, apontando as possibilidades do gênero biográfico na narrativa audiovisual, que envolve seleção, descrição, interpretação e análise de uma trajetória individual, como forma de apreensão do passado. Este curso pretende discutir o papel da dimensão sonora e musical nas narrativas biográficas de documentários sobre personagens da música popular brasileira. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Contribuir para os Estudos do Som no Cinema e Audiovisual, e História do Cinema Brasileiro, com uma pesquisa interdisciplinar que procura compreender aspectos teóricos, estéticos e históricos em que estão em pauta as relações entre trilha sonora e documentário. Verificar quais as funções narrativas e expressivas do tratamento sonoro e musical nos documentários, ampliando o estudo sobre a importância do uso da canção no cinema, e também da voz, investigando a força do relato oral para a abordagem histórica, e as relações do som com outros elementos formais que constroem a proposta estética audiovisual de um documentário. Investigar em particular as noções de biografia na prática do documentário, buscando compreender a representação de personagens que são figuras reais e os modos como às obras contam suas histórias. Refletir sobre as formas narrativas da prática do documentário biográfico nos enlaces teóricos da História, Memória, apropriação de material de arquivo e prática de entrevista para a reconstrução do passado. JUSTIFICATIVA: O interesse em focalizar este estudo da prática dos documentários musicais no Brasil nasce de um desdobramento de minha pesquisa de doutorado, intitulada A canção popular na história do cinema

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

brasileiro (2009). Nela, procurei sintetizar, de maneira transversal, um mapeamento histórico da importância da canção popular no cinema brasileiro, com uma perspectiva historiográfica que se desenvolve através da periodização das relações entre música e cinema, e a escolha de alguns exemplos de filmes singulares que configuram tendências ou novas possibilidades de lidar com a linguagem audiovisual do cinema. Nesta nova etapa de pesquisa focalizo o meu interesse pelos estudos do cinema documentário, e em particular sobre sua trilha sonora e seu biografismo. Assim, a partir desta minha pesquisa de Pós-doutoramento, este curso pretende evidenciar a importancia dos estudos do som na produção de documentários no Brasil, nos enlaces entre história da música e história do cinema, investigando o desafio de se trabalhar com biografias de músicos a partir da perspectiva teórica das trajetórias do biografismo em narrativas audiovisuais. CONTEÚDO (EMENTA): 1. Estudos do som no cinema: conceitos fundamentais. 2. Panorama histórico da canção no cinema brasileiro. 3. Documentário musical e Biografia no cinema e na televisão. 4. A escrita da história da MPB em narrativas audiovisuais. 5. Bossa Nova e Tropicália na análise de narrativas biográficas. BIBLIOGRAFIA AMADO, J.; FERREIRA, M.M. (org.) Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV,

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Page 80: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

80

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

PROGRAMA: MEIOS E PROCESSOS AUDIOVISUAIS

LINHA DE PESQUISA: HISTÓRIA, TEORIA E CRÍTICA

MARCIA REGINA CARVALHO DA SILVA

O SOM DO RETRATO:

Análise de narrativas biográficas

em documentários musicais brasileiros

PROJETO DE PÓS-DOUTORADO

São Paulo

2013

Page 81: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

81

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Projeto de Pós-Doutorado

O SOM DO RETRATO:

Análise de narrativas biográficas

em documentários musicais brasileiros

Proponente:

Profa. Dra. Marcia Regina Carvalho da Silva

Filiação Institucional e titulação:

- Professora e Coordenadora do Curso de Comunicação Social, habilitação em

Rádio, TV e Internet, da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação

(FAPCOM).

- Doutora em Multimeios (Cinema: História e Teoria), pela Universidade Estadual

de Campinas (UNICAMP).

SUPERVISOR:

Prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin

São Paulo

2013

Page 82: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

82

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

O SOM DO RETRATO:

Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros

Resumo

Este estudo pretende analisar o papel da dimensão sonora e musical em documentários sobre

personagens da música popular brasileira. Para isso, examinará as formas narrativas de quatro

documentários: Vinicius (2005), de Miguel Faria Júnior; Fabricando Tom Zé (2007), de Décio

Matos Júnior; Coração Vagabundo (2008), de Fernando Grostein Andrade; e, A música

segundo Tom Jobim (2011), de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim. Esta análise buscará

investigar como a história da música e seus personagens são retratados na prática de

documentários biográficos, verificando a pesquisa e reconstituição histórica, a abordagem

temática, o estilo, as escolhas estéticas e técnicas de produção. Os quatro documentários

foram selecionados por serem representativos por suas abordagens biográficas menos

convencionais, sem optar por uma montagem cronológica que articula vida e obra do

biografado. Os filmes trabalham diferentes retratos de importantes personagens da MPB,

Vinicius de Moraes e Tom Jobim representam a Bossa Nova, e Tom Zé e Caetano Veloso, a

Tropicália. Com isso, este estudo aspira melhor compreender o uso de entrevistas e

depoimentos, o resgate de diversos materiais de arquivo (músicas, filmes, vídeos, programas

de televisão, fotografias, recortes de jornais, etc.), e a pesquisa histórica sobre personagens da

música brasileira, que qualificam desde a seleção das fontes e a interpretação das informações

nelas inscritas, até a organização e montagem dos dados sonoros e visuais, que na prática do

documentário se dá a partir da elaboração narrativa, de estilo e abordagem, buscando assim

contribuir com uma reflexão sobre o desafio biográfico no cinema brasileiro.

Palavras-chave: Cinema brasileiro; Documentário; MPB; Trilha Sonora; Biografia.

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83

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Sumário

1) Introdução.........................................................................................05

2) Objeto

2.1 Assunto e problema da Pesquisa..........................................09

2.2 Justificativa............................................................................10

3) Quadro Teórico de Referência........................................................11

4) Objetivos............................................................................................15

5) Procedimentos Metodológicos.........................................................16

6) Plano de Trabalho............................................................................17

7) Cronograma das Atividades da Pesquisa.......................................18

8) Referências Bibliográficas...............................................................19

9) Filmografia principal ......................................................................23

Page 84: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

84

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

8. Introdução

O documentário musical sobre personagens da história da música é hoje no Brasil

uma produção recorrente em várias mídias e atende a um público consumidor de memórias e

relatos sobre histórias de vida18

. Qualquer documentário musical é, de fato, uma produção em

que a música é protagonista e tem papel fundamental em sua construção estrutural e temática.

O documentário biográfico sobre músicos, portanto, torna-se representativo dentro desta

tendência de produção com o enfoque particular da escolha de seus personagens e da

construção narrativa que irá lidar obrigatoriamente com um resgate sobre a história da música,

seja através da pesquisa musical, registros sonoros ou audiovisuais (vídeos, filmes, programas

de televisão) e a reconstituição do percurso do biografado via documentos, depoimentos e

entrevistas.

Nesse contexto, esta pesquisa pretende refletir sobre o desafio biográfico no cinema,

com a particularização do estudo da linguagem sonora dos documentários musicais, suas

abordagens e resultados estilísticos, privilegiando trabalhos que nos permitam apreender, por

meio de seus recursos expressivos, as estratégias de investigação histórica engendradas pela

relação entre imagem e som, música e documentário.

Para a definição do corpus desta pesquisa optei por trabalhar apenas com

documentários biográficos que elegeram personagens da história da MPB, em particular de

dois gêneros fundamentais que são a Bossa Nova e a Tropicália.

18 A recorrência desta produção pode ser verificada na programação dos últimos anos do Festival Internacional de

Documentários “É tudo verdade” e do Festival Internacional do Documentário Musical “In Edit - Brasil”, primeiro festival

dedicado exclusivamente ao gênero do documentário musical no país, que acontece em São Paulo desde 2009, disponíveis

em: http://www.itsalltrue.com.br e http://www.in-edit-brasil.com.

Page 85: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

85

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Como sintetiza Luiz Tatit, a Bossa Nova e a Tropicália se transformaram nas duas

principais referências estéticas para a canção popular brasileira:

Tropicalismo e bossa nova tornaram-se a régua e o compasso da

canção brasileira. Por isso, são invocados toda vez que se pede uma

avaliação do século cancional do país. É como se o tropicalismo

afirmasse: precisamos de todos os modos de dizer convincentemente.

Em época de exclusão, prevalece o gesto tropicalista no sentido de

retomar a pluralidade. Em época de excesso de maneirismos

estilísticos e de abandono do princípio entoativo, o gesto bossa-nova

refaz a triagem e decanta o canto pertinente. Ambos os gestos atuam

na própria mente dos compositores e cantores impelindo-os, ao

mesmo tempo, para a diversidade e para o apuro técnico e estético. É

provável que ainda sobrevivam no decorrer do século XXI, como

componentes críticos inerentes ao próprio ofício de composição,

arranjo e interpretação de música popular e como responsáveis pelo

eterno trânsito do cancionista entre o gosto de depuração e o desejo de

assimilação (TATIT, 2004, p. 89).

Diante deste contexto temático da história da música brasileira, selecionei quatro

documentários que retratam personagens importantes da Bossa Nova e da Tropicália com

abordagens menos convencionais. O primeiro é um retrato de Vinicius de Moraes em Vinicius

(2005), dirigido por Miguel Faria Jr., filme que apresenta vários pocket shows e entrevistas

filmadas à vontade, entrelaçadas por músicas sínteses da obra do cancionista, interpretadas

por uma geração mais contemporânea e com o predomínio de vozes femininas com destaque

para Adriana Calcanhoto, Mônica Salmaso e Mart´nália.

De mesmo método livre de tratamento de enfoque de um músico como personagem, os

tropicalistas Tom Zé e Caetano Veloso são os protagonistas dos documentários Fabricando

Tom Zé (2007), de Décio Matos Jr, cujo fio condutor é a turnê do músico pela Europa em

2005, e Coração Vagabundo (2008), dirigido por Fernando Grostein Andrade, documentário

que acompanha a turnê de lançamento do primeiro álbum inteiramente em inglês de Veloso,

com entrevistas e imagens intimistas por São Paulo, Nova York, Tóquio, Osaka e Kyoto, e

com os depoimentos especiais de Michelangelo Antonioni, Pedro Almodóvar e David Byrne

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86

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

para respaldar o sucesso internacional do artista brasileiro. Estes dois documentários trazem

diários íntimos de viagem, com imagens das turnês, inclusive em aeroportos e hotéis, como

também registram ensaios, performances e encontros musicais, embebidos pelo desafio

biográfico de retratar os músicos em movimento.

Por fim, A música segundo Tom Jobim (2011), dirigido por Nelson Pereira dos Santos

e Dora Jobim, trata-se de uma produção concebida para retratar o músico a partir de sua obra

musical, sem recorrer a depoimentos, entrevistas ou narração, apostando no material de

arquivo para apresentar várias performances musicais que interpretam as canções do maestro

Tom Jobim.

Diante deste corpus definido, esta pesquisa pretende investigar de maneira crítica a

pesquisa histórica e a abordagem apresentada em cada obra, examinando seu tratamento de

estilo e direção. Calcado na análise fílmica, este estudo se deterá numa reflexão sobre as

noções de personagem na prática do documentário, colocando em perspectiva a história da

música brasileira nas telas do cinema. Em mesma medida, existe a necessidade de se verificar

o uso da história oral como fonte de pesquisa e documento e investigar as apropriações

narrativas de materiais de arquivo com novos arranjos contemporâneos, num desdobramento

do cinema de arquivo (feito com uma compilação de material encontrado ou de maneira a se

apropriar dos materiais, tornando-os próprios ou convenientes para a construção de novos

discursos, como no gênero found footage).

Como se sabe, na última década, no Brasil, houve um significativo crescimento de

pesquisas que se dedicam aos aspectos técnicos, estéticos e históricos do uso do som e da

música na linguagem audiovisual, em particular no cinema. Entretanto, pouca atenção tem

sido dada à contextualização desta interface na produção de documentários.

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87

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Entre as pesquisas existentes, podem-se destacar os recentes trabalhos de Sérgio

Puccini sobre a voz no documentário, em seu tratamento de captação e edição (pesquisa ainda

inédita, apresentada nos últimos encontros da Socine – Sociedade Brasileira de Estudos de

cinema e Audiovisual, no Seminário temático de Estudos do Som); a dissertação de mestrado

de Graziela Cruz (2011), uma análise sobre a viagem temporal da biografia em três

documentários brasileiros: Nelson Freire, Vinicius e Cartola – Música para os olhos, sem, no

entanto, estudar em detalhe o tratamento sonoro e musical destes filmes; o mapeamento da

música nos documentários brasileiros, pesquisa de Guilherme Maia (2012), que exclui os

documentários musicais.

Entre as pesquisas que parecem travar um dialogo mais direto com o projeto

apresentado aqui, pode-se destacar a pesquisa de doutoramento de Cristiane Lima, iniciada

em 2012 na UFMG, intitulada “Música em cena: um estudo sobre os componentes sonoros da

escritura do documentário brasileiro”, apresentada brevemente em sua análise sobre Hermeto,

campeão (LIMA, 2012), e a dissertação de mestrado de Rubem Barros “A (re) construção do

passado: música, história, cinema” (2011), orientada por Eduardo Morettin, na ECA-USP,

uma análise sobre os usos de material de arquivo, construção discursiva e resgate

historiográfico dos filmes A voz e o vazio: a vez de Vassourinha (1998), de Carlos Adriano, e

Cartola – Música para os olhos (2006), de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda.

Levando-se em conta a possibilidade de diferentes correlações com estas pesquisas,

acredito ser relevante analisar como os documentários Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração

Vagabundo e A música segundo Tom Jobim trabalham a história da música popular brasileira

ultrapassando formas de representação convencionais, ao lançar novos horizontes para a

prática biográfica no cinema, com abordagens menos padronizadas sobre os personagens

retratados, sem apresentar sua história de vida de maneira cronológica e linear. Estes filmes

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88

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

exibem metodologias narrativas que investigam a história e a música com novas articulações

entre a memória e a reconstituição do percurso de um músico.

O presente projeto representa uma continuidade com minha pesquisa de doutorado,

defendida na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 2009, em que me

preocupei em elaborar um mapeamento histórico da importância da canção popular no cinema

brasileiro, focalizando as relações históricas entre música e cinema. A partir deste panorama,

pretendo agora delimitar meu estudo sobre a prática documental ao investigar em detalhe

narrativas e resultados estéticos através da análise fílmica, examinando, sobretudo a maneira

como os filmes abordam contextos e acontecimentos passados, os modos como montam suas

narrativas entrelaçando memória individual e história pública, a vida privada e sua

historicidade, na seleção de várias vozes e imagens para construir um retrato no presente e

rememorar o passado em fragmentos.

Para Walter Benjamin, articular historicamente o passado não significa

necessariamente conhecê-lo como ele de fato foi, mas sim apropriar-se de reminiscências

(BENJAMIN, 1994, p. 224). Pensando nisto, arrisco afirmar que na prática de produção de

documentários musicais existe a possibilidade de se reconstruir experiências vividas com

novas formas de narratividade que nascem da obra musical em questão.

9. Objeto

2.1 Assunto e problema da pesquisa

O documentário musical brasileiro contemporâneo parece privilegiar a palavra

falada, suporte da memória e da tradição oral, como principal elemento da trilha sonora e de

construção de sua narrativa. Assim, algumas questões norteiam esta pesquisa: por que apenas

as palavras da fala e da narração podem reconstruir o passado? Qual é o valor do arquivo

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

audiovisual? Qual é o papel da música no documentário biográfico musical? Qual é a melhor

forma de se conhecer a história de um músico?

Estas questões estimulam uma investigação sobre o uso de entrevistas e depoimentos,

e do resgate de materiais de arquivo (músicas, filmes, programas de televisão, fotografias,

recortes de jornais, etc.), que poderão elucidar melhor o interesse por este acesso ao passado

através da pesquisa histórica sobre personagens da música brasileira. Desse modo, parece

relevante avaliar os processos de construção da linguagem e de seu contexto histórico na

interpretação e produção de sentido da produção de documentários biográficos, que

qualificam desde a seleção das fontes e a interpretação das informações nelas inscritas, até a

organização e montagem dos dados sonoros e visuais, a partir da elaboração narrativa e de

estilo dos filmes.

Nesse sentido, parece pertinente investigar em detalhe as matrizes e propostas

estéticas dos documentários Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração Vagabundo, e A música

segundo Tom Jobim a partir da análise fílmica que poderá elucidar questões relativas às

formas narrativas e modos de representação da prática biográfica, da historiografia da música

popular brasileira e da dimensão sonora e musical no cinema documentário.

9.2 Justificativa

O interesse em focalizar este estudo da prática dos documentários musicais no Brasil

nasce de um desdobramento de minha pesquisa de doutorado, intitulada A canção popular na

história do cinema brasileiro (2009). Nela, procurei sintetizar, de maneira transversal, um

mapeamento histórico da importância da canção popular no cinema brasileiro, com uma

perspectiva historiográfica que se desenvolve através da periodização das relações entre

Page 90: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

90

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

música e cinema, e a escolha de alguns exemplos de filmes singulares que configuram

tendências ou novas possibilidades de lidar com a linguagem audiovisual do cinema.

Outra motivação direta se dá diante de minha prática docente como professora e

orientadora de diversos projetos experimentais para vídeo e televisão, que colocam em prática

o debate sobre novos projetos de produção de documentários e o seu cotejo com a História do

Cinema. Nessa minha trajetória percebi que apesar do crescimento do interesse pelos estudos

do cinema documentário, pouco se discute sobre sua trilha sonora e sua pluralidade de formas

narrativas. Assim, os resultados que venham a ser obtidos com esta nova pesquisa talvez

possam elucidar certas questões relevantes sobre a produção do documentário no Brasil, nos

enlaces entre história da música e história do cinema, do desafio de se trabalhar com

biografias de músicos e do estudo da trilha sonora na prática audiovisual.

10. Quadro Teórico de Referência

A biografia traz a ilusão de um acesso direto ao passado. As narrativas biográficas,

de maneira geral, tentam ordenar acontecimentos de uma vida, na ilusão de tecer estórias com

início, meio e fim, com um discurso coeso, o que Pierre Bourdieu chama de “ilusão

biográfica” compondo um “relato coerente de uma sequencia de acontecimentos com

significado e direção” (BOURDIEU, 2005, p. 185). Para Bourdieu, o biógrafo é cumplice

desta ilusão, da reconstrução narrativa que carrega um efeito de real e extrai a lógica do tempo

na organização linear de uma história de vida.

Para o pesquisador sobre biografias jornalísticas Sergio Vilas Boas, a biografia pode

pegar emprestado diversas ferramentas da História, Sociologia, Psicologia, Jornalismo, entre

outras áreas de conhecimento. O importante, segundo o autor, é o fazer biográfico, na medida

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

em que contempla pesquisa, documentação, interpretação e recursos narrativos. Em suas

palavras:

Em rigor, biografia é a compilação de uma (ou várias) vida(s). Pode

ser impressa no papel, mas outros meios, como o cinema, a televisão e

o teatro podem acolhê-la bastante bem. Por enquanto, não há

certificados epistemológicos para o fazer biográfico. (...), o que

interessa é a escrita e o autor, a criação e a publicação, o personagem e

sua interpretação (VILAS BOAS, 2002, p. 18).

Nesse sentido, é importante lembrar que a biografia carrega um caráter hibrido e

impuro, com a possibilidade de diferentes abordagens e tendências narrativas ao longo da

história do gênero, conforme já analisou François Dosse (2009) ao abordar o panorama

editorial.

O documentário também implica uma complexidade de processos, técnicas,

tecnologias, narrativas e registros em imagens e sons que permitem várias abordagens,

leituras e percepções. Por isso, para a confecção desta análise serão levados em conta os

estudos do campo documentário a partir do cinema e seus diversos recortes.

Bill Nichols (2001), por exemplo, estabelece modelos paradigmáticos de

representação do documentário, apresentando uma categorização abrangente, que pretende dar

conta da produção documental desde seus primórdios e que toma como base os diversos

aspectos ligados à realização, à recepção e às características intrínsecas das obras. Nichols

propõe uma divisão determinada por certos “padrões organizatórios dominantes”, a partir da

premissa de que o documentário não é uma "reprodução", mas sim uma "representação" de

algum aspecto do mundo histórico e social do qual compartilhamos. Esta representação é

criada na forma de um argumento sobre o mundo, o que pressupõe uma perspectiva, um ponto

de vista, ou seja, uma maneira de organizar o material que irá compor o filme ou vídeo.

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92

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

O documentário contemporâneo já foi analisado, por diversos autores, como mais

criativo ao trabalhar uma nova maneira de enunciação em primeira pessoa e mais diverso ao

misturar suportes de captação de imagem e som, ampliando definitivamente a produção de

documentário feito em vídeo, em particular com a tecnologia digital, como já mapearam

Consuelo Lins e Cláudia Mesquita (2004). Entretanto, nota-se que muitos filmes abusam do

recurso da entrevista e do depoimento, como já criticou Jean-Claude Bernardet (2003).

Mesmo levando-se em conta que a prática da biografia é recorrente e convencional na

história do documentário, esta forte tendência de produção ainda instiga análises, em

particular, uma reflexão manifesta sobre o “retratar” e sua atitude particularizante e dialógica,

que reverbera negociações entre quem filma e quem é filmado, questionamento também

levantado por Cláudia Mesquita sobre os documentários ensaísticos (2010), e que para esta

pesquisa, pretendo estender para a prática de biografias de compositores e intérpretes da

música brasileira.

Desse modo, verdade e narrativa tecem o realismo da biografia o que instiga uma

investigação sobre sua reconstituição histórica: os fatos, acontecimentos, fontes (orais,

escritas e visuais) e o contrato do “realizador-biógrafo” com o biografado. Assim, com uma

análise de documentários singulares, esta pesquisa buscará contribuir para a reflexão sobre a

particularização do enfoque no cinema documental brasileiro, criada, principalmente, a partir

da edição e apropriação de materiais de arquivo audiovisual e pela valorização da história e

memória oral, realizada pelas lembranças e redes de memória coletiva que se tecem pela

somatória de experiencias individuais levadas em conta como fontes históricas, debate

importante de historiadores como Pierre Nora e Jacques Le Goff, na análise das relações entre

História e Memória, reflexão que deve ganhar novos enlaces ao longo de minha pesquisa.

Page 93: Projeto de Pós-Doutorado – Marcia Regina Carvalho da Silva

93

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Além disso, como se trata de documentários musicais, a análise estrutural e funcional

da trilha sonora se torna importante. Assim, para se estudar o entrelaçamento do som e

imagem no documentário será necessário resgatar alguns autores dos estudos do som, com

destaque para obra inconteste de Michel Chion e a recente revisão teórica da relação música e

cinema de Suzana Reck Miranda.

Para o debate de trilha sonora, é importante lembrar que a própria montagem de um

documentário se dá, de maneira geral, pela voz. É a palavra, principalmente através da

entrevista e pelo recurso da narração que apresentam os temas dos documentários. Desse

modo, é através do som direto, originário das entrevistas e depoimentos, e do som de arquivo,

de outros filmes e programas de televisão que se tem a construção de vários retratos de

músicos.

Segundo Sérgio Puccini (2009) destacam-se cinco possibilidades para o som no

documentário: som direto (na filmagem, em entrevistas, depoimentos, dramatizações e em

tomadas em locações); o som de arquivo (filmes, entrevistas, programas de rádio e TV,

discursos, entrevistas etc.); voz over (narração sobreposta às imagens durante a montagem);

efeitos sonoros (sons criados na fase de edição que ajudam a criar ambientação para as

imagens) e a trilha musical ou sonora (compilada, adaptada ou original).

Mas para os documentários musicais tem-se a trilha musical como protagonista, e ela

pode ser usada como elemento narrativo e expressivo importante. Outro dado fundamental é o

próprio percurso da canção no cinema brasileiro, que também ganha destaque nos

documentários e estimula uma análise em detalhe de seus usos e funções na prática biográfica

do cinema.

Para a análise da história da MPB nas narrativas dos documentários, será fundamental

o resgate historiográfico da canção das pesquisas de Marcos Napolitano e Luiz Tatit, e dos

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94

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

panoramas da história da MPB de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. Além destes

autores de referência básica, as análises fílmicas serão elaboradas com um cotejo da

bibliografia específica sobre Bossa Nova e Tropicália, e várias biografias dos personagens

abordados, com amplo levantamento bibliográfico.

11. Objetivos

4.1 Objetivo Geral

O objetivo geral desta pesquisa é analisar as formas narrativas de documentários

musicais biográficos brasileiros. Para isso, serão desenvolvidas as análises dos documentários

Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração Vagabundo, e A música segundo Tom Jobim. Este

estudo buscará investigar como a história da música e seus personagens são abordados no

cinema, examinando a pesquisa e reconstituição histórica e temática, o estilo, as escolhas

estéticas e as técnicas de produção.

4.2 Objetivos Específicos

1- Contribuir para os Estudos do Som no Cinema e Audiovisual, e História do

Cinema Brasileiro, com uma pesquisa interdisciplinar que procura compreender aspectos

teóricos, estéticos e históricos em que estão em pauta as relações entre trilha sonora e

documentário.

2- Verificar quais as funções narrativas e expressivas do tratamento sonoro e musical

nos documentários, ampliando o estudo sobre a importância do uso da canção no cinema, e

também da voz, investigando a força do relato oral para a abordagem histórica, e as relações

do som com outros elementos formais que constroem a proposta estética audiovisual de um

documentário.

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95

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

3- Investigar em particular as noções de biografia na prática do documentário,

buscando compreender a representação de personagens que são figuras reais e os modos como

às obras contam suas histórias.

4- Refletir sobre as formas narrativas da prática do documentário biográfico nos

enlaces teóricos da História, Memória, apropriação de material de arquivo e prática de

entrevista para a reconstrução do passado.

12. Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa possui como base uma perspectiva analítica ao investigar as formas

narrativas e modos de se retratar os personagens tecendo entrelaçamentos teóricos e reflexivos

sobre o ato biográfico na produção documental. Este estudo buscará examinar a trilha sonora

(música, efeitos e vozes) das obras, com particular atenção para a contribuição da canção,

com suas diferentes sonoridades e performances, e para a força da voz e do relato oral que se

configuram como principal foco narrativo para a reconstituição histórica da prática

documental por meio dos depoimentos.

Para isso, será fundamental investigar a pesquisa, angulação, fontes, eixo de

abordagem e de interpretação a partir da análise dos filmes e como estes apresentam

documentos, correspondências, fotos, diários, memórias/ lembranças e recordações de

amigos, familiares, conhecidos que conviveram direta ou indiretamente com o biografado -

em entrevistas e depoimentos, uso de narração, créditos, diversos materiais de arquivo

audiovisual (de cinema, vídeo e televisão), seleção de músicas e canções, e outras formas de

reconstituição e análise do perfil de cada personagem. São, portanto, fontes primárias os

documentários biográficos sobre personagens da história da música selecionados; e, são

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

fontes secundárias os textos e documentos que possam elucidar aspectos de sua concepção,

produção e exibição.

13. Plano de Trabalho

Desenvolvi o projeto de pesquisa intitulado “O som do retrato: análise de narrativas

biográficas em documentários musicais brasileiros” para realizá-lo num período de dois anos.

Apesar de não me afastar de meu emprego como professora e coordenadora do curso de

Comunicação Social, habilitação em Rádio, TV e Internet na Faculdade Paulus de Tecnologia

e Comunicação, tenho autonomia e flexibilidade para programar os meus horários de trabalho,

com no máximo doze horas semanais em sala de aula, no período noturno, e demais horas de

coordenação do curso, produção e pesquisa. Por isso, optei pela pesquisa de pós-doutorado

sem auxílio de bolsa, mas com bastante disponibilidade para a atividade de pesquisa e demais

atividades desenvolvidas na ECA-USP.

Para o desenvolvimento deste projeto de Pós-doutorado pretendo pesquisar e

estudar em detalhe o conceito de biografia nos enlaces do debate sobre História e Memória,

apropriação de materiais de arquivo e pesquisa histórica. Esta revisão bibliográfica será

seguida pela análise fílmica dos documentários, centrada na discussão sobre o papel da

dimensão sonora e musical nas formas narrativas de Vinicius (2005), de Miguel Faria Júnior;

Fabricando Tom Zé (2007), de Décio Matos Júnior; Coração Vagabundo (2008), de Fernando

Grostein Andrade; e, A música segundo Tom Jobim (2011), de Nelson Pereira dos Santos e

Dora Jobim.

Esta análise buscará investigar como a história da música e seus personagens são

retratados na prática de documentários biográficos, verificando pesquisa e reconstituição

histórica, abordagem temática, estilo, escolhas estéticas e técnicas de produção. Os quatro

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

documentários foram selecionados por serem representativos por suas abordagens biográficas

menos convencionais, sem optar por uma montagem cronológica que articula vida e obra do

biografado. Assim, para a realização destas análises será fundamental a possibilidade de me

integrar ao Grupo de Pesquisa “História e Audiovisual: circularidades e formas de

comunicação”, liderado pelo Prof. Dr. Eduardo Morettin, que indico para supervisor.

Além disso, com atenção às diversas vertentes da discussão estética e histórica sobre

filmes brasileiros, pretendo desenvolver dentro da ECA-USP, várias atividades ligadas a esta

pesquisa, contando com a oportunidade de propor disciplinas concentradas para o

departamento de cinema da ECA, junto a meu supervisor, a partir do desdobramento de minha

pesquisa de doutorado “A canção popular na história do cinema brasileiro” e depois com a

apresentação e debate dos resultados parciais alcançados ao longo desta nova pesquisa.

Também me coloco à disposição para publicar os resultados de minha pesquisa em

periódicos ligados ao Programa, como a Revista Significação, colaborando ainda na sua

própria editoração, como parecerista por exemplo. Além de apresentar estes mesmos

resultados em encontros científicos, como Seminários, Encontros e Congressos, internos e

externos da instituição, conforme cronograma abaixo.

7. Cronograma das Atividades de Pesquisa e Estágio Pós-doutoral

Ações 2013

Novembro Dezembro

Refinar o levantamento

bibliográfico.

Pesquisa de textos e documentos

que possam elucidar aspectos

sobre concepção, produção e

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

exibição dos documentários.

Ações 2014

Janeiro Fevereiro Março Abril Maio

Revisar o estudo da literatura.

Pesquisar textos e documentos

sobre concepção, produção e

exibição dos documentários.

Colaborar em diversas atividades

do Programa e participar do

Grupo de Pesquisa “História e

Audiovisual: circularidades e

formas de comunicação”.

Ministrar disciplina concentrada

sobre a pesquisa.

Ações 2014

Junho Julho Agosto Setembro Outubro

Analisar criticamente os

documentários.

Colaborar em diversas atividades

do Programa e participar do GP

“História e Audiovisual:

circularidades e formas de

comunicação”.

Apresentar os resultados parciais

da pesquisa em encontros e

congressos, como INTERCOM,

SOCINE, etc.

Ações 2014

Novembro Dezembro

Analisar criticamente os

documentários.

Colaborar em diversas atividades

do Programa.

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Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva

Ações 2015

Janeiro Fevereiro Março Abril Maio

Colaborar em diversas atividades

do Programa e participar do GP

“História e Audiovisual:

circularidades e formas de

comunicação”.

Ministrar disciplina concentrada

sobre a pesquisa.

Redigir os resultados da pesquisa

e análise fílmica.

Ações 2015

Junho Julho Agosto Setembro Outubro

Finalizar a pesquisa e redigir o

Relatório Final.

Publicar os resultados da pesquisa

em Revistas do Programa entre

outras.

Apresentar os resultados da

pesquisa em palestras e eventos

científicos.

8. Referências Bibliográficas

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8. Filmografia principal - corpus da pesquisa

A música segundo Tom Jobim (2011), dir. e Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim.

Coração Vagabundo (2008), dir. Fernando Grostein Andrade.

Fabricando Tom Zé (2007), dir. de Décio Matos Jr.

Vinicius (2005), dir. de Miguel Faria Jr.