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Anais do XI Encontro do Grupo de Pesquisa Educação, Artes e Inclusão – 22, 23 e 24 de junho de 2015 Florianópolis – CEART/UDESC – ISSN: 2176-1566 42 PROJETO DE PESQUISA EM HISTÓRIA: A PEDAGOGIA WALDORF Suellen de Souza Lemonje – UFSC RESUMO: Não podemos pensar no ensino de História deslocado da formação do professor, que é de fundamental importância se considerarmos a docência como uma prática de pesquisa, e para delimitarmos melhor esse campo, é necessário que pensemos na identidade do professor, os saberes e as práticas docentes. O presente trabalho pretende compreender como os professores de História da Escola Waldorf Anabá constroem o conhecimento histórico com os seus alunos, quais são suas opções metodológicas e estratégias didáticas, visto que essa pedagogia opera com características próprias e distintas das escolas convencionais. Para atingir este objetivo, pretende-se utilizar dois suportes metodológicos oferecidos pela abordagem qualitativa: a pesquisa documental e a etnografia, complementadas os métodos da história oral. 1.1 –A pesquisa no Ensino de História e suas metodologias Quando pensamos na pesquisa do ensino de História e no saber histórico escolar, relacionamos mais de uma área do conhecimento: extrapolamos o conteúdo História e estendemos seu debate também ao campo da Educação 1 . Ao lidar com estes campos de pesquisa, compreendemos que há mais saberes envolvidos, como o ambiente escolar, a consciência histórica dos professores e alunos, saberes educacionais, políticas públicas direcionadas à educação e cultura, os saberes das disciplinas, os saberes curriculares, os saberes da formação profissional, os saberes da experiência, entre outros. O conjunto destes saberes constitui, possivelmente, o que é 1ZAMBONI, Ernesta. Panorama das pesquisas no ensino de história. João Pessoa: Saeculum Revista de História. N 6/7. Jan/dez, 2001.p. 109.

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de junho de 2015 Florianópolis – CEART/UDESC – ISSN: 2176-1566

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PROJETO DE PESQUISA EM HISTÓRIA: A PEDAGOGIA WALDORF

Suellen de Souza Lemonje – UFSC

RESUMO: Não podemos pensar no ensino de História deslocado da formação do professor, que é de fundamental importância se considerarmos a docência como uma prática de pesquisa, e para delimitarmos melhor esse campo, é necessário que pensemos na identidade do professor, os saberes e as práticas docentes. O presente trabalho pretende compreender como os professores de História da Escola Waldorf Anabá constroem o conhecimento histórico com os seus alunos, quais são suas opções metodológicas e estratégias didáticas, visto que essa pedagogia opera com características próprias e distintas das escolas convencionais. Para atingir este objetivo, pretende-se utilizar dois suportes metodológicos oferecidos pela abordagem qualitativa: a pesquisa documental e a etnografia, complementadas os métodos da história oral.

1.1 –A pesquisa no Ensino de História e suas metodologias

Quando pensamos na pesquisa do ensino de História e no saber

histórico escolar, relacionamos mais de uma área do conhecimento:

extrapolamos o conteúdo História e estendemos seu debate também ao campo

da Educação1. Ao lidar com estes campos de pesquisa, compreendemos que

há mais saberes envolvidos, como o ambiente escolar, a consciência histórica

dos professores e alunos, saberes educacionais, políticas públicas

direcionadas à educação e cultura, os saberes das disciplinas, os saberes

curriculares, os saberes da formação profissional, os saberes da experiência,

entre outros. O conjunto destes saberes constitui, possivelmente, o que é

1ZAMBONI, Ernesta. Panorama das pesquisas no ensino de história. João Pessoa: Saeculum Revista de História. N 6/7. Jan/dez, 2001.p. 109.

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necessário saber para ensinar, e somados tornam-se todos conteúdos de

pesquisa para compreender o campo de ensino de História.2

As pesquisas realizadas em nível acadêmico no campo de Ensino de

História são muito recentes, visto que foi a partir da década de 1980 que “a

História ensinada nas escolas e universidade brasileiras tornou-se objeto de

debates e inúmeros estudos, tornando-se um campo de pesquisa de teses,

dissertações e publicações, como livros e artigos especializados”. 3

O processo de transformação da História em disciplina escolar remonta

à França do século XVIII e a luta da burguesia por uma educação pública,

gratuita, leiga, obrigatória e formadora da nacionalidade, pois tinha como pano

de fundo a formação dos Estados Nacionais. Este movimento fortaleceu o

ensino de história atrelado aos conceitos de nação, pátria, nacionalidade e

cidadania4, conceitos estes tão marcantese caros para professores e

pesquisadores do ensino de história, que lutam para desconstruí-los.

Desde a criação da História como disciplina até as últimas décadas do

século XX, a História foi entendida como um espaço de perpetuação e

preservação dos heróis e de uma memória nacional5.O ensino da disciplina de

História tinha um papel civilizatório e patriótico, em que o Estado era o principal

agente histórico, reduzindo a História à classificações cronológicas de dinastias

e fatos políticos, reforçando a visão linear, determinista e eurocêntrica da

História, relatada sem transparecer a intervenção do narrador.

Apesar de a Europa ser a principal referência dos conteúdos ensinados

na disciplina de história no Brasil, pode-se afirmar que, a partir de 1860, as

escolas primárias e secundárias começaram a incluir em seus programas a

história nacional. A disciplina de História ampliou sua intenção não só para

educação moral, mas também para a formação da nacionalidade, já que o

Estado brasileiro organizava-se e precisava de um passado que legitimasse a 2CUNHA, Emmanuel Ribeiro. Os saberes docentes ou saberes dos professores. In: ______. Práticas avaliativas bem sucedidas de professores do ciclo de formação. Tese (doutorado), UFRN: 2003. 3SCHMIDT, Maria Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo:Scipione, 2009. p. 11. 4 “Com sua implantação no Colégio Dom Pedro II, a disciplina foi sustentada por diferentes concepções de História e de tendências historiográficas” Idem. p. 12. 5ZAMBONI, Op. Cit, p. 109.

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sua constituição. Por este motivo, acrescentou-se a ‘História do Brasil’ ao

programa escolar, por meio da construção de narrativas neutras sobre ações

realizadas pelos heróis considerados construtores da nação brasileira 6.

Desta forma, os conteúdos nessa época enfatizavam as tradições de um

passado homogêneo de lutas pela defesa do território e da unidade nacional

brasileira, e também os feitos gloriosos de personagens republicanos, criando

mitos e mártires.É no contexto do final do século XIX que são construídos

alguns mitos da História brasileira, presentes até hoje no ensino.

A periodização obedecia a uma cronologia política marcada por tempos uniformes, sucessivos e regulares, sem rupturas ou descontinuidades. O ensino de História era um instrumento de desenvolvimento do patriotismo e da unidade étnica, administrativa, territorial e cultural da nação. 7

Esse movimento culminou na chamada revolução positivista, que

legitimou, para a História, seu campo de atuação e seu método. As tradições

positivistas visavam a reconstrução histórica do passado de forma neutra e

objetiva, baseada nos documentos oficiais como única fonte de verdade. Esta

corrente tradicional da História estava preocupada com os fatos históricos e

sua comprovação empírica, movida pelo caráter político e econômico,

negligenciando aspectos da cultura e da vida social.

Na área da tradição pedagógica brasileira, podemos considerar este

modelo como “Escola tradicional”, em que a educação é centrada no professor,

que expõe conteúdos de forma fixa, com exercícios repetidos com o intuito da

memorização do conteúdo, como datas, fatos, personagens, sem a devida

problematização e observação do contexto histórico em que estão inseridos.

Neste modelo há uma transmissão de conteúdos, por meio de um aprendizado

moral, disciplinado e forçado, em que o professor não pode ser questionado,

pois é ‘considerado’ autoridade máxima do processo educativo. O aluno, neste

modelo de ensino, é visto apenas como um mero executor de disciplina e

obediência, pronto para memorizar os conteúdos de forma passiva.

6 BRASIL, Op. Cit, p. 20. 7 BRASIL, Op. Cit, p. 22.

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O método utilizado baseava-se em aulas expositivas, e o professor

esperava que o aluno reproduzisse aquilo que foi dito, da mesma forma como

os documentos eram analisados pelos historiadores positivistas, de forma

neutra e reprodutora de fatos, datas, e personagens, em que a periodização

obedecesse a uma cronologia política, marcada por temos uniformes,

sucessivos e regulares, sem rupturas ou descontinuidades.

Os estudos históricos trataram principalmente dos fatos políticos,

militares, diplomáticos e religiosos, tendo como base documentos oficiais, no

entanto, essa concepção de ensino de História modificou-se com as mudanças

nos regimes políticos, nos ideais políticos-partidários que se fizeram presente

tanto nas Leis e Diretrizes Educacionais como nas reformas curriculares da

década de 80, encaminhando-se para outras concepções de Educação e

Ensino.8 Na década de 80, os paradigmas historiográficos, anteriormente propostos por Marc Bloch, e as reflexões da História Nova tornaram-se presentes nas propostas curriculares de História com o aparecimento de novas temáticas a serem estudadas, novas concepções de periodização e propostas metodológicas que entendem o ensino como um campo especial de pesquisa.9

Percebemos que as dimensões do ensino de história no presente se

ampliaram, não mais se reduzindo a reprodução e perpetuação de heróis e

memórias nacionais. “Desta forma, os profissionais do Ensino de História tem

se preocupado em buscar o novo e o universal no cotidiano, recuperando a

memória do homem comum e procurando novos caminhas de concepção de

ensino”10.

O grande marco dessas reformulações concentrou-se na perspectiva de

recolocar os professores e alunos como sujeitos da História e da produção do

conhecimento histórico, enfrentando a forma tradicional de ensino trabalhada

na maioria das escolas brasileiras, a qual era centrada na figura do professor

como transmissor e do aluno como receptor passivo do conhecimento histórico.

8 ZAMBONI, Op Cit, 2001. p. 109. 9Idem. 10 ZAMBONI, OpCit, 2001. p. 110.

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Travou-se o embate contra o ensino factual do conhecimento histórico,

anacrônico, positivista e temporalmente estanque.11

Foi proporcionada uma mudança no foco dessas preocupações, a partir do desenvolvimento das pesquisas, que começaram a se direcionar para o que acontecia dentro da sala de aula, na forma como as metodologias eram propostas e utilizadas pelos professores. E a essa mudança na direção, pode se dar como responsável o aumento de trabalhos relacionados sobre o ensino de história, que debatem sobre as dificuldades encontradas tanto por parte dos professores, quanto pelo aluno.12

Desta forma, os professores de história de escolas públicas e privadas

começaram a desenvolver uma série de experiências em suas salas de aula

retomando novos recursos didáticos, partindo de novas perspectivas teórico-

metodológicas, para melhor utilização de suas estratégias em sala de aula.

“Assim a década de 1980 foi marcada pelos debates acerca de questões sobre

a retomada da disciplina história como espaço para um ensino crítico, centrado

em discussões sobre temáticas relacionadas com o cotidiano do aluno, seu

trabalho e sua historicidade”.13

Assim, acrescentaram-se as pesquisas relatos de experiências, análises

de livros didáticos, a formação do professor de história e suas diferentes

metodologias.

O professor de história quer queira, quer não, em seus planejamentos sempre escolhe uma teoria historiográfica, seja ela positivista, marxista ou dos Annales. Essas teorias podem ser claramente percebidas na ação do docente que produz uma aula de história centrada na narrativa dos fatos, na crítica social ou na reflexão. Esses modelos diferenciados de teorias historiográficas que vão do positivismo até a Nova História,

11 SCHMIDT, OpCit, 2009. p 14. 12MENDONÇA, Dayana M. OLIVEIRA, Hernani R. L. COSTA, Sayonara M. S. O Ensino de História e suas perspectivas metodológicas. Universidade Regional do Cariri- URCA. Disponível em <http://www.ebah.com.br/content/ABAAABUZcAA/ensino-historia-suas-perspectivas-metodologicas> Acessado em 16 mar 2014. 13 SCHMIDT, OpCit, 2009. p 15.

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acreditamos que influenciam nas práticas didático-pedagógicas no ensino de história (...) O importante é que o professor, pela concepção marxista ou dos Annales possibilite que os alunos não fiquem por fora da história, mas sintam-se sujeitos e parte dela.14

As novas experiências desenvolvidas nas escolas demandaram a

criação de espaços nos cursos de graduação voltados à reflexão sobre a

prática do ensino de história. Como exemplo, foram criados nas instituições de

ensino superior laboratórios de ensino para atender as demandas da área.

Portanto, a formação de professores do ensino de história passa a ser objeto

de reflexão e pesquisa nos meios acadêmicos15.

Segundo Zamboni, não podemos pensar no ensino de História

deslocado da formação do professor, que é de fundamental importância se

considerarmos a docência como uma prática de pesquisa, e para delimitarmos

melhor esse campo, é necessário que pensemos na identidade do professor,

os saberes e as práticas docentes.

O professor mediador deve proporcionar condições para que os

estudantes construam o conhecimento, fazendo com que se percebam sujeitos

do processo de aprendizado. Desta forma, a relação pedagógica ganha um

enfoque plural, cabendo ao professor dar ao aluno as ferramentas para

aprender a pensar historicamente, e enxergar-se também como sujeito da

história, atuante no seu tempo.

É sabido que o ensino de história tem adquirido grandes mudanças nos últimos anos. Já não é mais admissível que um historiador desenvolva suas aulas presos a definição de datas, conceitos formados, ou seja, uma aula que não atinge os objetivos propostos que é de formar indivíduos de visão crítica perante os fatos históricos. O professor de História deve se preocupar com: Por que ensinar? O que ensinar? Como selecionar os conteúdos? Que metodologia seria a mais

14MENDONÇA, Dayana M. OLIVEIRA, Hernani R. L. COSTA, Sayonara M. S. Op. Cit, 15Disponível em <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/42/art04_42.pdf>

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adequada para o entendimento dos alunos, ou seja, como fazer?16.

Dentro desta perspectiva pretende-se analisar de que forma o

conhecimento histórico escolar é construído em diferentes sistemas de ensino,

neste caso em uma escola que se baseia na filosofia Waldorf. Sendo as

pesquisas realizadas em nível acadêmico no campo de Ensino de História

muito recentes, principalmente, quando voltadas para o professor e suas

estratégias metodológicas, este trabalho pretende investigar o professor como

sujeito de pesquisa, imerso em um mundo de escolhas metodológicas e

didáticas.

- A pedagogia Waldorf

O século XX foi marcado por novos e diferentes movimentos

pedagógicos, que repensaram a estrutura da escola tradicional moderna e

buscaram uma nova forma de pensar a educação, visando estimular a

autonomia na escolha do aprendizado e desenvolver as capacidades humanas.

Ainda hoje muitas escolas refletem as estruturas tradicionais políticas e

econômicas de nossa sociedade ao estimular a disciplina, a obediência e o

controle da conduta. Ao tratar os estudantes em sala de aula como grupos

homogêneos, que devem apresentar resultados iguais, acabam por adequá-los

à um sistema rígido de ensino, visando o mundo de trabalho para melhor servir

ao sistema econômico vigente. 17

A pedagogia Waldorf, idealizada pelo filósofo e educador austríaco

Rudolf Steiner, em 1919, propõe um novo modelo educativo fundamentado na

ação, na liberdade da criança e na construção autônoma da aprendizagem.

Seu intuito é desenvolver as capacidades humanas por meio do auto

16 SENA, Adailson dos Santos. Desafios para formação e prática docente no ensino de história. Disponível em http://www.webartigos.com/articles/48642/1/DESAFIOS-PARA-FORMACAO-E-PRATICA-DOCENTE-NO-ENSINO-DE-HISTORIA/pagina1.html#ixzz1RvMKbbCY. Acessado em 12 jul 2011. 17Reflexão do documentário “A Educação Proibida”. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=-t60Gc00Bt8> Acessado em 23 fev 2014.

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descobrimento, autonomia, segurança pessoal, experiências artísticas,

científicas e humanísticas.

Tendo como inspiração estudos sobre Goethe, Rudolf Steiner

desenvolveu seus estudos sobre teosofia, e mais tarde fundou a Antroposofia

(1913), uma ciência espiritual que tem como característica o conhecimento do

homem, da natureza e do universo que o cerca, sendo uma das opções de

conhecimento capaz de dar respostas comprobatórias no campo do

relacionamento do homem com o seu mundo.18

A primeira escola Waldorf surgiu na Alemanha e hoje elas formam uma

rede de ensino em crescimento nos cinco continentes, incorporando a cultura

de cada país. A Pedagogia Waldorf é voltada tanto para a esfera cognitiva

(pensar), como para o âmbito emocional (sentir) e o prático manual (querer),

para que, assim, crianças e jovens possam desenvolver-se de forma ‘sadia e

integral’, sem adequar-se à um modelo rígido.

O ensino em nossa sociedade materialista foca no aspecto intelectual do

ser humano e não valoriza as outras partes que são essenciais para o nosso

bom desenvolvimento, que são: a nossa vida de sentimentos (emoções,

estética e sensitividade social), nossa força de vontade (a habilidade para fazer

as coisas) e nossa natureza moral (ser transparente sobre o certo e o errado).

Somos incompletos sem a visão do desenvolvimento integral do ser humano.

Nas escolas Waldorf o ensino teórico é sempre acompanhado pelo prático, com grande enfoque nas atividades corpóreas (ação), artísticas e artesanais, de acordo com a idade dos estudantes; o cultivo das atividades do pensar, inicia-se com o exercício da imaginação, do conhecimento dos contos, lendas e mitos, até gradativamente atingir-se o desenvolvimento do pensamento mais abstrato, teórico e rigorosamente formal, mais ou menos na época de ensino médio. Essa não exigência de atividades que necessitam de um pensar abstrato muito cedo é também um dos grandes diferenciais em relação à outros métodos de ensino. Nessa concepção predomina o exercício e desenvolvimento de habilidades e não do mero acúmulo de informações, cultivando a ciência, a arte e os valores morais e espirituais necessárias ao ser humano. 19

18SETZER, Waldemar. Uma Introdução Antroposófica à Constituição Humana. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~vwsetzer>.

19 Site oficial da Federação das Escolas Waldorf no Brasil. Disponível em <http://www.federacaoescolaswaldorf.org.br/pedrs.htm> Acessado em 19 mar 2014.

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Sendo assim, os assuntos práticos e artísticos desempenham um papel

fundamental para conseguir o preparo para a vida no mundo real, e não no

sistema de produção de conhecimento.

O movimento Waldorf trouxe ao Brasil em 1956 o foco no

desenvolvimento humano e nas atividades manuais. Um objetivo central do

Ensino Waldorf é estimular o desenvolvimento saudável da imaginação e

criatividade em seus alunos. “Segundo esta filosofia, o ser humano deve

buscar a resposta que seu interior é capaz de realizar, pois todos nascemos

com predisposições e capacidades que ao longo do tempo se

desenvolverão”.20

No início do século passado, Rudolf Steiner retomou a idéia grega que

dividia a vida humana em dez períodos de sete anos (ou setênios) e as

fundamentou para o ensino aplicado à Pedagogia Waldorf.Do período entre a

infância e adolescência dá-se importância aos três primeiros setênios, nas

faixas de 0 a 7 anos, de 07 a 14 anos e de 14 a 21 anos. No entanto, essas

etapas não são rígidas, permitindo alunos de diferentes idades na mesma sala,

respeitando sua evolução natural nas atividades realizadas, sem trata-los como

grupos homogêneos.

Nas Escolas Waldorf não há repetições de ano e nem atribuição de

notas, a avaliação é feita em uma espécie de relatório com observações do

desenvolvimento do aluno. Nos oito primeiros anos, cada classe tem um

professor responsável para acompanhar o desenvolvimento da criança, e do

nono ao décimo-segundo ano, o acompanhamento dos jovens é feito por

tutores e os vários professores das demais disciplinas. No décimo-segundo

ano, quando finalizam seus estudos nas Escolas Waldorf, os jovens

apresentam um trabalho de pesquisa com um tema de sua preferência, como

em uma monografia.

A escola escolhida para a realização desta pesquisa chama-se “Escola

Waldorf Anabá”, ela está localizada no município de Florianópolis, no bairro

Itacorubi. Criada em 1980, esta escola oferece Educação Infantil e Ensino

Fundamental. Na Educação Infantil, tudo é ensinado por meio do brincar, da

20EMANUEL, Teresa C. O. A pedagogia Waldorf. Monografia apresentada como pré-requisito de conclusão do curso Pedagogia, habilitação em Gestão Escolar, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Veiga de Almeida. Rio de Janeiro, 2002.

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imitação e da imaginação, fortalecendo assim a criança como um todo. No

Ensino Fundamental, as matérias não são abordadas apenas de maneira

intelectual. A música, o desenho, a pintura, o teatro, a poesia e outras

atividades ampliam o alcance dos temas que formam o currículo.21

Com um número crescente de estabelecimentos de ensino Waldorf, em

abril de 1998 foi fundada a Federação das Escolas Waldorf no Brasil, que tem

como um dos objetivos, consolidar esta pedagogia na sociedade

brasileira. Embora reconhecida como entidade pública federal e estadual, as

Escolas Waldorf não recebem auxílio governamental, possuindo uma entidade

mantenedora que recebe doações e mensalidades dos alunos para cobrir

custos, mas isso não impede que qualquer cidadão brasileiro que compactua

com os princípios Waldorf, funde sua escola com fins lucrativos.22

A proposta de trazer a tona essa breve apresentação de uma

abordagem pedagógica holística, é resultado de uma inquietação pessoal da

autora. Tive oportunidade de conhecer uma escola Waldorf quando realizei

intercâmbio na Universidade De Colônia, na Alemanha, para estudar História.

Ao entrar em contato com uma pedagogia que estimula as capacidades de

criação do ser humano, indaguei-me de que forma os professores de História

propõe a construção do conhecimento histórico em uma pedagogia

diferenciada, visto que minha formação em História adequa-se ao modelo

tradicional de ensino. Que metodologia do ensino de história é selecionada

pelos professores da escola Waldorf? Qual sua concepção de tempo histórico?

De Fontes históricas? De memória?

Estes três conceitos são de fundamental importância quando se trata do

Ensino de História, pois para o aluno enxergar-se como sujeito histórico, é

importante ter noção do tempo que se insere, buscar informações nas

diferentes fontes, à medida que movimentos historiográficos permitiram a

ampliação de fontes, e também das metodologias de pesquisa, como a história

oral, da qual o conceito de memória se insere.

21Site oficial da Escola WaldorfAnabáDisponível em <www.anaba.com.br> Acessado em 19 mar 2014. 22MIZOGUCHI, Shigueyo Miyazaki. Federação da EscolasWaldorf no Brasil. Disponível em: <http://www.sab.org.br>. Acesso em: jul. 2002.

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Se a filosofia Waldorf não trabalha com campos disciplinares, como ela

opera conceitos fundamentais para o a construção do conhecimento histórico?

Como ela organiza por meio de diretrizes, textos norteadores e propostas,

estratégias didáticas especificas para o trabalho com a história escolar? Como

a história escolar ensinada nessas escolas dialogam com as discussões e

legislação cobrada das demais redes como o diálogo com os PCNS, as LEIS

10639 e11645/2008? Como ela transita entre essas obrigatoriedades prescritas

na legislação e a liberdade preconizada pela antroposofia?

Como o passado histórico é narrado, discutido e trabalhado no decorrer das

aulas? Que estratégias são utilizadas? Estas e outras questões estão ainda em

processo de pesquisa de campo, e serão amadurecidas e debatidas ao longo

da pesquisa de mestrado.

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de junho de 2015 Florianópolis – CEART/UDESC – ISSN: 2176-1566

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CURRICULO RESUMIDO: Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na linha Sociologia e História da Educação. Graduada em história pela mesma universidade, atuou como bolsista do Programa de Educação Tutorial (2009-2011); fez intercâmbio na Universidade de Colônia-Alemanha (2011-2012); e participou do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID (2012-2014). Seus estudos e pesquisas concentram-se sobretudo nas questões relacionadas ao Ensino de História. http://lattes.cnpq.br/4079752215346159