projeto cura no jornal folha de londrina: 1973-1977

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570 PROJETO CURA NO JORNAL FOLHA DE LONDRINA: 1973-1977 Francielle Sandoval * Orientadora: Profª. Drª. Zueleide Casagrande de Paula RESUMO O Projeto Cura – Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada – foi idealizado e aplicado em um período conturbado para as cidades brasileiras. Elas vinham provando mudanças significativas em seu território advindas do intenso fluxo de migração campo-cidade, que acarretou o crescimento populacional na malha urbana, evidenciando a carência de variados setores urbanos, como o habitacional e de infraestrutura. Nesse contexto, são diversas as estratégias articuladas pelo governo da época a fim de melhorar tal situação e deixar explícita a competência dos militares que estavam à frente do país. Executado em diversas cidades brasileiras durante a década de 1970, a proposta oficial do Projeto Cura era dotar os bairros precários de cidades que contavam com uma situação econômica dinâmica e satisfatória com a infraestrutura adequada. Londrina foi a cidade que obteve maior sucesso com a execução de seu plano piloto, na gestão do prefeito José Richa (1973-1977). Tendo tal questão em vista, pretende-se analisar de que maneira o Projeto e as implicações do mesmo foram abordadas e transmitidas (ou não) para a população da cidade através do jornal Folha de Londrina, um dos veículos de maior circulação e influência na cidade de Londrina e no Paraná. Palavras chave: Londrina, Projeto Cura, Folha de Londrina * Aluna de iniciação científica, modalidade IC/Fundação Araucária.

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Page 1: PROJETO CURA NO JORNAL FOLHA DE LONDRINA: 1973-1977

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PROJETO CURA NO JORNAL FOLHA DE LONDRINA: 1973-1977

Francielle Sandoval∗

Orientadora: Profª. Drª. Zueleide Casagrande de Paula RESUMO O Projeto Cura – Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada – foi idealizado e aplicado em um período conturbado para as cidades brasileiras. Elas vinham provando mudanças significativas em seu território advindas do intenso fluxo de migração campo-cidade, que acarretou o crescimento populacional na malha urbana, evidenciando a carência de variados setores urbanos, como o habitacional e de infraestrutura. Nesse contexto, são diversas as estratégias articuladas pelo governo da época a fim de melhorar tal situação e deixar explícita a competência dos militares que estavam à frente do país. Executado em diversas cidades brasileiras durante a década de 1970, a proposta oficial do Projeto Cura era dotar os bairros precários de cidades que contavam com uma situação econômica dinâmica e satisfatória com a infraestrutura adequada. Londrina foi a cidade que obteve maior sucesso com a execução de seu plano piloto, na gestão do prefeito José Richa (1973-1977). Tendo tal questão em vista, pretende-se analisar de que maneira o Projeto e as implicações do mesmo foram abordadas e transmitidas (ou não) para a população da cidade através do jornal Folha de Londrina, um dos veículos de maior circulação e influência na cidade de Londrina e no Paraná. Palavras chave: Londrina, Projeto Cura, Folha de Londrina

Aluna de iniciação científica, modalidade IC/Fundação Araucária.

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O fenômeno da urbanização no Brasil, durante o período tratado, se

deu de maneira relativamente acelerada e esteve atrelado aos movimentos de

industrialização presentes no país. No presente trabalho, serão abarcadas

rapidamente as duas décadas anteriores ao recorte proposto (meados da década de

1970) a fim de que se tenha conhecimento acerca do panorama urbano que resultou

no contexto de aplicação do Projeto Comunidade Urbana para Recuperação

Acelerada – Cura – em Londrina.

Há uma migração considerável da população do campo para a

cidade e se inicia na década de 1950. Temos, neste período, a ampliação e

aceleração das atividades industriais brasileiras. A política nacionalista e a

consequente tentativa de valorizar o mercado interno impulsionaram esse fenômeno,

fazendo com que as multinacionais voltassem as atenções para o Brasil, conforme

aponta Leal (1990, p. 45)

A intensificação do sentimento nacionalista, o relativo sucesso do processo de substituição de importações realizado por capitais nacionais, obrigou as multinacionais a alterarem sua política de atuação passando a instalar-se diretamente no Brasil.

Na metade da década de 1950 toma frente do país o presidente

Juscelino Kubitschek. Impulsionado pelas ideias de desenvolvimento da economia

brasileira, estimulou a industrialização, em especial a automobilística, e

proporcionou a abertura do mercado brasileiro ao capital internacional.

O crescente número de indústrias, ofertas de trabalho e suposta

melhoria na qualidade de vida tornaram-se atrativos para a esfera carente do

campo, que não possuía visões otimistas do futuro. Para se ter ideia, o contingente

populacional rural em 1950 era de 33.161.506 habitantes, contra 18.782.891

habitantes urbanos; já em 1960 esse número cresce para 31.303.034 habitantes,

com a população rural girando em torno de 38.767.423 (LEAL, 1990). Apesar de a

população do campo ainda ser maior que a urbana em 1960, percebe-se que de

uma década para outra houve um aumento significativo dos habitantes das cidades.

Essa inversão populacional fica mais evidente a partir da década de 1970, período

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em que a população urbana ultrapassa a rural: temos 41.054.053 habitantes no

campo e 52.084.984 habitantes nas cidades.

O sonho de uma vida melhor na cidade, entretanto, nem sempre se

tornava realidade. Devido à rápida expansão populacional urbana em virtude da

crescente industrialização, os migrantes se deparavam com um cenário caótico,

desprovido de infraestrutura, saneamento básico, dificuldades de locomoção, entre

outros. Isso pode ser atribuído ao fato de que os governantes dos pólos industriais

estavam interessados em atender às necessidades para as instalações das

indústrias, não na acomodação e qualidade de seus trabalhadores.

De início esse não foi um fator de preocupação, pois a massa

campesina que vinha se instalando nas cidades ainda estava imersa no universo

precário da zona rural, sendo assim acredita-se que não possuíssem grandes

expectativas a serem alcançadas. Estas, segundo o “argumento oficial”, não

possuíam qualificação necessária para se integrar à cidade, sendo assim marginais

em potencial. Cabia “ao Estado ’recuperá-los para a civilização’, através de

programas sociais dentre os quais se destaca o habitacional”, conforme observam

Andrade e Azevedo (1982, p. 44).

Essa postura pacífica, entretanto, não é permanente. Com o passar

do tempo, maior adaptação e outras gerações instalando-se na cidade, a população

já não aceita passivamente as precárias condições ás quais são submetidas e

movimentos sociais começam a ser organizados. No contexto de desenfreado

aumento populacional urbano e organização de movimentos sociais, é instaurada a

ditadura militar que conduziria o Brasil por vinte e um anos. A questão urbana, até

então considerada como de menor importância frente a outros setores da sociedade,

é objeto de interesse dos militares, pois a deficiência urbana poderia conduzir a

população a se rebelar contra o governo. Temos, assim, a repressão contra todo e

qualquer tipo de organização que reivindicasse por melhorias na qualidade de vida.

São criados, então, órgãos a níveis federal, estadual e municipal com

o objetivo de pensar, coordenar e solucionar as deficiências da malha urbana

brasileira.

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O principal órgão criado pelo governo militar foi o Banco Nacional da

Habitação – BNH – alguns meses após a ascensão dos mesmos ao poder. Fundado

a partir da lei nº 4.380 de 21 de agosto de 1964, tinha como objetivo inicial “prover a

construção e a aquisição de casa própria, especialmente pelas classes de menos

renda” (ANDRADE e AZEVEDO, 1982, p. 61). Atuando como órgão central dos

Sistemas Financeiros de Habitação e do Saneamento, não cabia ao banco,

entretanto, atuar diretamente no financiamento, compra e venda ou construção de

habitação. Esta função ficaria a cabo dos agentes executivos do sistema.

O BNH atuou apenas com medidas habitacionais até os anos finais

da década de 1960. Percebeu-se que construir casas não bastava, também era

necessário dotá-las de infraestrutura. Em 1967 é criado o Fimaco – Programa de

Financiamento de Material de Construção – medida que acabou beneficiando o setor

da construção civil e garantindo maior segurança as atividades do mesmo. Um ano

depois é instituído o Finasa – Programa de Financiamento para o Saneamento –

primeiro programa na área de saneamento. O programa deu origem ao Planasa –

Plano Nacional de Saneamento – que viria em 1970.

Andrade e Azevedo (1982) refletem sobre as criações de programas

urbanos pelo BNH e nos dizem que, mais do que ampliar suas atividades ou prover

ações que o Estado não realizava, “é preciso não perder de vista que o BNH tem

necessidade de fazer girar o seu dinheiro, o que pode levá-lo, ansiosamente, a

procurar novos programas” (p. 82). Ou seja, não se pode perder de vista que o

órgão central de política habitacional – e urbana – era um banco, dotado de normas

e políticas padronizadas, que caracterizam o Plano Nacional de Habitação. Esse é

um dos pressupostos que não devem ser esquecidos quando se pensa no Projeto

Cura.

Paralelamente aos desenrolares urbanos explicitados acima, temos a

cidade de Londrina, que de certa forma também acompanhou o cenário nacional.

Emancipada na década de 1930, ficou marcada pela ação da Companhia de Terras

do Note do Paraná e seus panfletos publicitários que exaltavam a fertilidade das

terras roxas do norte do Paraná, referindo-se a região como “Eldorado”, a fim tanto

de atrair compradores para o local, como para angariar mão-de-obra barata para a

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cultura agrícola que vinha se expandindo, conforme aponta Arias Neto (2008). Com

isso, “Londrina vai ganhando fama de ser um local onde se encontra trabalho e se

pode produzir. Assume também o status de cidade planejada e organizada

urbanisticamente” (JANUZZI, 2005, p. 89). A cidade igualmente serviu como palco

do fenômeno migratório campo-cidade que ocorrera no Brasil entre os anos de 1950

e 1970, porém não pelas atividades industriais como nas cidades de grande porte –

São Paulo, por exemplo. Já na década de 1940, impulsionada pelos lucros do

mercado cafeeiro, a população da cidade começa a crescer de maneira expressiva.

Januzzi (2005, p. 91) nos aponta que

Todo tipo de negócio prosperava em Londrina: hotéis, pensões, bares, casa comerciais. A cidade tinha 878 estabelecimentos comerciais, 45 hotéis e pensões, quatro cinemas, 154 consultórios e escritórios de profissionais liberais. A urbanização crescia em toda a região.

Nos anos de 1950, Londrina já despontava no cenário nacional como

importante cidade do interior do país (TAVARES, 2001, p. 62). Nesse período

começou-se a pensar na organização urbana da cidade, uma vez que o intenso fluxo

populacional que vinha ocorrendo acabaria por gerar uma desorganização

urbanística. No início da década são estabelecidas normas para o uso do solo

urbano, dentre elas o Código de Obras – Lei 281 de 26 de janeiro de 1955 – que

postulava que toda e qualquer obra e/ou modificação a ser realizada na cidade teria

antes que passar pela aprovação da administração do município. Temos também a

implantação da Lei 133, elaborada pelo urbanista Prestes Maia que tinha como

objetivo disciplinar o crescimento urbano, para que este não se desse sem a

infraestrutura necessária. Apesar de ser uma proposta significativa e que traria

benefícios aos bairros onde fosse implantada, a aplicação da lei resultou em

medidas de segregação sócio-espacial. Sobre tal questão, o arquiteto e urbanista

Nestor Rezente1 nos diz que

1 Esta referencia encontra-se no texto intitulado: Segregação socioespacial nas cidades da Região Metropolitana

de Londrina – Paraná – Brasil, publicado pela Revista de Arquitetura e Urbanismo: Arquitexto de outubro de

2011. Ver site: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.137/4099> Acesso em 27 fev 2012 as

15h:03mim.

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(...) o novo já nasce perpetuando situações passadas que se queria eliminadas porque as pressões do capital imobiliário retiram daquele documento legal as exigências infraestruturais para os espaços direcionados aos segmentos de baixa renda sob o argumento de que os custos da produção dos espaços elevariam os preços do solo negociados com os consumidores. Apesar de editar normas técnicas que agiam a favor do interesse coletivo, a referida lei consagra a distinção espacial das classes sociais.

E sobre a configuração do espaço urbano da cidade após a medida

Ela divide Londrina em zonas de uso e ocupação urbana em acordo com as classes sendo que a zona destinada a abrigar as “classes superiores” (17) é o centro da cidade. Nela proíbe-se a construção de casas de madeira consideradas como símbolos do atraso. Numa paisagem cravada por edificações em madeira (matéria prima abundante na região) as casas de tijolos sintonizam o progresso e a modernidade promovendo a diferenciação do seu proprietário. (REZENTE, 2011, s/p)

Ou seja, a lei, que inicialmente visava melhorar a estrutura do solo

urbano, ficou a mercê do setor imobiliário, acabando por moldá-la da maneira que

lhe convinha, dando outro direcionamento ao crescimento da cidade e alterando

algumas configurações que já existiam.

Esse não é um fenômeno isolado. Outras leis e projetos com o intuito

inicial de organizar a malha urbana e assim beneficiar a vida dos moradores do local

resultaram em medidas de segregação. Os moradores, ora eram expulsos do local

onde moravam para que obras fossem feitas, ora eram forçados a sair por não

poderem arcar com os preços dos impostos, que se elevaram em decorrência das

intervenções realizadas no local. Com isso, esses ambientes foram sendo moldados

para classes sociais mais elevadas, enquanto os antigos moradores ficaram com a

opção das regiões periféricas da cidade.

Em 1960 é possível perceber a derrocada da cultura cafeeira e o

tardio ingresso ao processo de industrialização (se comparada com a tendência dos

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principais centros urbanos) de Londrina. A erradicação do cultivo de café foi liderada

pelo Grupo Executivo de Erradicação do Café – GERCA. Vários proprietários

perderam suas terras e mudanças significantes vinham ocorrendo. O êxodo rural é

crescente. Londrina contava com uma população de 134.821 mil habitantes, sendo

77.382 mil (57, 40%) a população urbana e 57.439 mil (42, 60%) a rural. Órgãos

regionais e municipais, seguindo as diretrizes nacionais de habitação e urbanismo,

são implantados:

No Estado do Paraná foi criada a COHAPAR – Companhia de Habitação do Paraná para atender a questão habitacional no estado. A COHAB – Companhia de Habitação foi criada na esfera local para atender os municípios que fossem interessados em desenvolver políticas habitacionais e a construção de casas. A COHAB-LD de Londrina foi criada pela Lei Municipal nº 1.008 de 26 de agosto de 1965, de acordo com as diretrizes e normas da Lei Federal nº 4.380 de 21 de agosto de 1964. (BORTOLOTTI, 2007, p.109)

Regulamentações quanto ao uso e ocupação do solo foram

aprovadas pela Câmara Municipal, tal como a Lei nº 660 de 20 de outubro de 1961

que “não permitia a localização de novas construções de máquinas de café, arroz e

algodão em áreas residenciais, estabelecendo o prazo para que fossem

transferidas” (Bortolotti, 2007, p.109). Também em meados dessa mesma década,

um plano diretor passou a ser visado em Londrina – elaborado em 1968 pela

Assessoria de Planejamento (ASPLAN) e analisado em 1971 – e, junto com ele,

demais propostas de zoneamento para a cidade.

Na década de 1970 tais fenômenos acentuaram-se ainda mais. O

constante aumento populacional de Londrina (nesse período a cidade passou a

contar com 215.576 mil habitantes, sendo 156.352 mil [72,53%] moradores da

cidade, contra 59.224 mil [27,47%] moradores do campo) acarretou o

desenvolvimento de favelas nas áreas periféricas e o constante déficit habitacional

vinha se acentuando. Apesar de ter sido criada em meados de 1960, é somente na

década de 1970 que a COHAB-LD passa a atuar de fato, junto com a concretização

da grande “virada” na expansão urbana (FRESCA, p. 246).

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É nesse contexto que o Projeto Cura foi aplicado. Ele foi criado pelo

BNH – Banco Nacional de Habitação – no âmbito da política nacional de

saneamento, oriundo do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), instituído em

1970. A partir de 1971, as atividades foram expandidas para outras áreas do

planejamento urbano. A aplicabilidade desse projeto em muitas cidades brasileiras

tem uma proposta de sanear essas espacialidades e lhes dar condições de

empreender um aceleramento urbano também, assim como o intuito de gerar

emprego e crescimento para o país. Entretanto esse projeto é proposto dentro de

um governo de ditadura cuja prática era de imposição e vigilância e os estudos

existentes apontam que a demanda urbana foi levada em conta a partir dos

interesses de expansão urbana dos poderes locais em concomitâncias com os

nacionais. Sobre o projeto, Bortolotti (2007, p. 137) argumenta que

Os investimentos retornavam através da cobrança de impostos e da contribuição de melhorias à população. Este tipo de projeto era diferente de outras intervenções urbanas pela preocupação financeira e econômica, e não uma proposta de alcance social.

Ou seja, os bairros “contemplados” com a aplicação do projeto não

eram necessariamente os que possuíam infraestrutura precária, mas sim aqueles

localizados em regiões estratégicas da cidade, com fluxo significativo e potencial de

ascensão dentro do plano urbano, visando tanto o benefício econômico/comercial da

cidade, quanto a quitação do empréstimo realizado pelo BNH para o projeto.

Os bairros selecionados para a execução do projeto piloto foram

Higienópolis, Jardim Quebec e o Parque Guanabara. Os posteriores, que fariam

parte do plano plurianual foram Jardim Bandeirantes, Jardim Leonor, Jardim

Alvorada, Vila Nova e Jardim Shangri-lá, todos localizados na zona oeste da cidade,

região caracterizada pelas atividades industriais. A equipe técnica, composta por

profissionais de Londrina (porém coordenada por profissionais do BNH), foi

estruturada com áreas diversificadas: João Baptista Bortolotti (arquiteto e urbanista

coordenador responsável), Sadao Utyama (engenheiro2), Alice Yatiyo Asari

2 Não foi possível ter conhecimento sobre a área específica de atuação dentro da engenharia.

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(geógrafa) e Hely Bretâs Barros e Panayotes Saridakis (arquitetos urbanistas). Eles

eram os responsáveis por identificar as áreas que se adequassem aos pressupostos

do BNH para a execução do projeto. Depois de selecionadas, eram feitos

levantamentos sobre as características físicas do bairro, perfil dos moradores, faixa

de renda por área, parâmetros aplicados para a seleção das áreas e vários outros

elementos pertinentes.

Os moradores eram notificados através de cartas e visitas da equipe

e por vezes do prefeito – José Richa sobre o que viria a ser realizado, questionados

sobre as principais carências do local e orientados inclusive a não venderem seus

terrenos (caso do Parque Guanabara, bairro mais carente do projeto piloto), o que

não poderia ser assegurado, uma vez que, com a melhoria da infraestrutura,

pavimentação, saneamento básico e demais obras realizadas, era inevitável que

ocorresse a valorização dos imóveis do local, até porque o retorno financeiro era

inevitável para que a dívida com o BNH fosse sanada. Os moradores, entretanto,

nem sempre podiam arcar com tais despesas e acabavam por dispor de seu imóvel

optando por pagar o aluguel com o objetivo de não arcar com as despesas

proporcionadas pelas melhorias. Entretanto, o aluguel trazia também uma

implicação, o aumento dos preços, como aponta o próprio Bortolotti (2007, p. 138-

139):

Havia uma grande preocupação com o retorno dos investimentos e da possível necessidade de expulsão dos antigos moradores de baixa renda. O desafio era conduzir o impacto dos investimentos para que o pagamento fosse feito sem que a valorização dos imóveis prejudicasse a população já existente nestas localidades. (...) Este tipo de “expulsão da população” é fato consolidado na vida das cidades. Com as melhorias urbanas, muitas famílias se sentem excluídas e buscam as periferias, onde aumenta a distância do trabalho e a dificuldade de acesso aos equipamentos públicos, além da perda da competitividade do mercado.

O tema “Cura” era recorrente nos meios de comunicação. A Folha de

Londrina, considerado como principal jornal da época, na região, se preocupou em

noticiar quase que diariamente os assuntos relacionados ao andamento do projeto.

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O jornal, fundado em 1947 pelo catarinense João Milanez e o jornalista Correia

Neto, ganhou renome no decorrer do tempo e conquistou grande alcance de

circulação, chegando à capital paulista no início da década de 1970. Com perfil

empresarial, possuía ligações com empresários e personalidades, até mesmo

religiosas, da cidade.

Sobre o conteúdo veiculado a respeito do Cura, no jornal, notou-se

que este possuía características ora neutras, ora positivas na abordagem do projeto.

O recorte de jornal a seguir pode dar uma ideia da repercussão do Cura:

Figura 1 – Fonte: Folha de Londrina, 16/12/1975. Acervo: CDPH

A notícia acima trata sobre a visita feita pelo prefeito José Richa e

técnicos do projeto ao Jardim Bandeirantes e a Vila Nova. Apesar de o foco ser a

visita do prefeito aos bairros, o corpo do texto nos fornece elementos positivos sobre

o projeto, mesmo que indiretamente, como pode ser constatado nessa passagem:

“(...) o chefe do Executivo pediu a opinião dos presentes, observando que poderiam

se manifestar ‘contra ou a favor’. Mas segundo nota da assessoria do prefeito, ‘todos

foram favoráveis, inexistindo qualquer problema’”. Em nenhum momento do texto há

menções que possam remeter a algum aspecto do negativo do projeto.

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A seguir, outra nota com estrutura semelhante à especificada acima:

Figura 2 – Fonte: Folha de Londrina, 28/09/1976. Acervo CDPH

Também é possível perceber que a manchete, elemento em maior

destaque no texto, não induziu a qualquer julgamento positivo. Entretanto, o texto

fornece alguns elementos que, mais uma vez, remetem a valores positivos, como na

passagem: “Os resultados foram muito elogiados pelo BNH, através de técnicos que

vieram inspecionar as obras, compreendendo a pavimentação, implantação de meio-

fio, sarjetas, saneamento de vales, etc.” Além do mais, o próprio conteúdo da nota

diz respeito à visita de técnicos da prefeitura de Aracaju à Londrina, a fim de

observarem a execução do Cura e tomarem as medidas implantadas pela cidade

como exemplo, ou seja, os resultados do projeto em Londrina foram indicados como

bem sucedidos e vantajosos.

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O próximo recorte do jornal aborda os encargos acarretados pelo

projeto:

Figura 3 – Folha de Londrina, 16/09/1977. Acervo: Biblioteca Municipal de Londrina

Como já explicitado na manchete, a nota tratou sobre os impostos

referentes ao Cura, tanto os que diziam respeito à prefeitura, quanto aos repassados

para a população. O texto utilizado foi pontual, abordando os valores referentes ao

projeto, seguido de uma breve explicação acerca do Cura feita pelo Secretário da

Fazenda, Jonas Leite Chaves. O ponto a ser frisado em relação ao recorte acima é

sobre justamente os encargos acarretados à população. Nota-se que alternativas

foram oferecidas aos moradores para que pudessem arcar com os impostos

provenientes do projeto, uma vez que os mesmos poderiam não ter como quitar com

as dívidas. No trecho: “O Secretário observou também que a Prefeitura é obrigada a

cobrar tributos aos beneficiários do projeto CURA, lembrando, ao mesmo tempo,

que os compromissos assumidos com o BNH estão sendo saldados rigorosamente

em dia”, além de enaltecer o suposto benefício advindo do projeto, o fato negativo,

que seria os tributos pagos pela população em decorrência do Cura, é seguido por

um aspecto positivo, que seria a quitação da dívida junto ao BNH. Ou seja, mesmo

que tenha sido necessário abordar uma questão de caráter negativo (tributos), ela foi

cercada de outras questões tratadas de maneira positiva.

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Por último:

Figura 4 – Fonte: Folha de Londrina, 21/09/1976. Acervo: CDPH

Agora é nítido o caráter positivo atribuído ao projeto, mesmo que o

“enaltecimento” tenha partido do BNH e não diretamente do jornal. O termo positivo

aparece no local de maior destaque da notícia – a manchete – e é reforçado ao

longo do texto.

As notas e a reportagem em destaque são instrumentos para

exemplificar o que foi encontrado ao longo da pesquisa no jornal Folha de Londrina3.

A dualidade neutra/positiva segue nos demais conteúdos selecionados que abordam

em específico o Projeto Cura. Sobre esse entrelaçamento entre a cidade veiculada

nos meios de comunicação e a cidade real, vale nos remeter a Certeau; Giard e

Mayol (1996, p. 200) quando nos dizem que

Já há muito tempo o poder político sabe produzir relatos a seu serviço. A mídia melhor ainda. Os próprios urbanistas tentaram produzi-los artificialmente nos novos conjuntos: assim na Defense, ou no Vaudreuil. Com toda razão. Sem eles, os bairros novos permanecem desertos. Pelas histórias de lugares, eles se tornam habitáveis. Habitar é narrativizar. Fomentar ou restaurar esta narratividade é portanto também uma tarefa de restauração. É preciso despertar as histórias que dormem nas ruas que jazem de vez em quando num simples nome, dobradas neste dedal como as sedas da feiticeira.

Ou seja, o ato de habitar, viver em lugar, é uma forma de narrativa

sobre o espaço e diversos atores o fazem, inclusive o historiador4. Moradores, bem

3 Foram levantadas em torno de 1200 notas, reportagens e matérias sobre o Projeto Cura. Tal material foi obtido

através de projetos de iniciação científica elaborados há três anos sobre a cidade de Londrina retratada no jornal

Folha de Londrina. 4 Não foram encontradas narrativas históricas produzidas por historiadores a esse respeito (Projeto Cura em

Londrina) e nesse período, portanto, fizemos uso das narrativas de arquitetos e urbanistas, de geógrafos,

sociólogos entre outros.

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como o poder público e os meios de comunicação, com os mais diversos objetivos, e

estudiosos do tema. A cidade fala por si só e também é objeto de narrações. Relatos

são feitos por todos aqueles que a habitam, porém os que tomam maiores projeções

têm como autores pessoas que detém o poder de divulgá-los amplamente. Poder

público e órgãos de comunicação são exemplos de relatores que expandem suas

narrativas e as coloca como verdade absoluta. Os urbanistas também o fazem,

porém através de elementos da cidade com o intuito de pensar sua espacialidade e

dinâmica.

Diante do exposto, foi possível concluir que o Projeto Cura, como

medida de uma política urbana, foi objeto de presença constante no jornal Folha de

Londrina, e abordado de maneira que seus aspectos positivos fossem afirmados por

variados elementos presentes nos textos referentes a ele, o que demonstra um

alinhamento desse veículo de comunicação com as políticas defendidas pelos

militares. O sucesso de execução obtido pela cidade, bem como os benefícios que o

Cura vinha acarretando são reforçados ao longo das edições do jornal dotando de

uma imagem positiva tanto o projeto – e, assim, o BNH, órgão financiador

coordenado pelo governo militar da época – quanto a gestão da cidade e o técnicos

responsáveis pela execução do Cura em Londrina.

Page 15: PROJETO CURA NO JORNAL FOLHA DE LONDRINA: 1973-1977

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