proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a...

63
Disponibilizado em: http://www.cpdoc.fgv.br REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DESTE CAPÍTULO : Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. ESTOLANO, Alexandre Luiz Degani ; VERONEZI, Antonio. Universidade Guarulhos. In: TRAJETÓRIAS da Universidade privada no Brasil :depoimentos ao CPDOC-FGV /Organizadoras: Luciana Heymann & Verena Alberti. Brasília, DF.: CAPES; Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas/ CPDOC, 2002. v. 2. p. 487-547.

Upload: others

Post on 08-Aug-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Disponibilizado em: http://www.cpdoc.fgv.br

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DESTE CAPÍTULO:

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

ESTOLANO, Alexandre Luiz Degani ; VERONEZI, Antonio. Universidade Guarulhos. In: TRAJETÓRIAS da Universidade privada no Brasil :depoimentos ao CPDOC-FGV /Organizadoras: Luciana Heymann & Verena Alberti. Brasília, DF.: CAPES; Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas/ CPDOC, 2002. v. 2. p. 487-547.

Page 2: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Disponibilizado em: http://www.cpdoc.fgv.br

Informações sobre a entrevista no Portal CPDOC:

Alexandre Luiz Degani Estolano: http://www.cpdoc.fgv.br/historal/asp/idx_ho_ce_popce.asp?cd_ent=624

Antonio Veronezi:

http://www.cpdoc.fgv.br/historal/asp/idx_ho_ce_popce.asp?cd_ent=636

Page 3: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Universidade GuarulhosEntrevistados

Alexandre Luiz Degani EstolanoAntonio Veronezi

Page 4: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

A trajetória da Universidade Guarulhos começa com afundação, em 1969, da Associação Paulista de Educação e Cultura(Apec) e com a autorização do Conselho Federal de Educação (CFE)para o funcionamento dos seis primeiros cursos da Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras Farias Brito, iniciados no ano seguinte.Em 1982 foi aprovada a transformação da Faculdade em CentrosIntegrados em Ensino Superior Farias Brito e, em 1985, o CFE acolheuo projeto que previa sua transformação em universidade. A Uni-versidade de Guarulhos teve seu reconhecimento atestado porportaria do ministro Jorge Bornhausen de 10 de dezembro de 1986.Em 1995, portaria do ministro Paulo Renato Souza aprovou a mu-dança do nome da entidade para Universidade Guarulhos.

488

Page 5: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Alexandre Luiz Degani Estolano Doutor em administração. Iniciou sua carreira na IBM Bra-

sil, antes de ingressar na área de ensino superior. Atuou na Univer-sidade Gama Filho, onde iniciou suas atividades como professor echegou a vice-reitor acadêmico pro tempore (1994-1999), e no Cen-tro Universitário Celso Lisboa (1999). Em 2000, ingressou na Uni-versidade Guarulhos, como pró-reitor acadêmico, tendo assumido aReitoria no ano seguinte. Concedeu-nos uma entrevista de 1h30m,na Reitoria da UnG, no dia 4 de abril 2002.

Fale-nos um pouco sobre suas origens familiares, sua infância.Sou carioca, nascido em 14 de setembro de 1967 no bairro do

Catete, filho de pais cariocas — na verdade, minha mãe, Maria Apa-recida Estolano, nasceu em Além Paraíba (MG), mas veio ainda bebêpara o Rio de Janeiro. Meu pai, Mário Estolano, teve diversas ativida-des, mas foi bancário a maior parte da vida. No final da sua carreira,acabou ficando muito tempo em casa, licenciado, pois teve uma sériede doenças; começou, então, a estudar informática, transformou-seem programador de computadores e escreveu livros na área, emborativesse apenas formação secundária. Há dois anos aposentou-se. Quan-to à minha mãe, só tem o ensino básico, mesmo assim conquistadoatravés de supletivo; nunca teve profissão, sempre foi do lar ou exer-ceu atividades correlatas: foi costureira algum tempo, por exemplo.

489

Page 6: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Por que o senhor escolheu o curso de administração de empresas? Tudo começou na minha infância. Comecei a trabalhar cedo,

pois minha família nunca teve posses; entrei como office boy no BancoItaú, onde trabalhava meu pai. Como era muito ligado a esportes,fazia parte do time de vôlei da agência e comecei a pensar em fazerfaculdade de educação física. E a Universidade Gama Filho era umareferência nacional em educação física, por causa do atletismo. Nofinal de 1985 fiz vestibular.

Na época era necessário fazer um teste de habilidade espe-cífica, composto por 14 ou 15 circuitos ou atividades. Eu estava muitobem treinado, tanto que vinha em primeiro lugar até a antepenúltimaetapa do circuito; estava praticamente aprovado, precisava apenasde quatro ou cinco abdominais para não ter nota zero. E na hora eutive cãibra abdominal; travei na posição de canivete e não conseguifazer mais nada, ou seja, tirei zero. Nisso, o supervisor me disse: “Masnão é possível, você não pode ficar com zero, pois era o primeiro dalista. Vou conversar com o outro supervisor.”

Conversaram e resolveram me dar uma chance, com o bene-plácito dos demais candidatos — eram 150. Aí era uma espécie derepescagem, a natação. Eu tinha tanta certeza de que ia passar — euera um exímio nadador, nadava no Mackenzie, no bairro do Méier, noRio de Janeiro — que não fui preparado para a natação, não levei sun-ga. Estava de short e resolvi pular; caí na água, e o meu calção caiu!Quando fui me dobrar para tentar puxar o calção, a cãibra abdominalvoltou, e os dois professores tiveram que pular na piscina para meresgatar. Novo zero.

Recebi nova oportunidade, a última chance: era corrida, exa-me feito na UFRJ, na ilha do Fundão. Depois de descansar do quaseafogamento, comecei a corrida. Eu tinha que dar um certo número devoltas. Cada candidato carregava um conjunto de plaquinhas comnúmeros e cores diferentes; cada vez que se completava uma volta,uma plaquinha tinha que ser jogada numa caixa. Na segunda ou ter-ceira volta, começou uma ventania e depois um temporal, começou achover granizo. A corrida foi suspensa, e eles pegaram o telefone de

490

Tudo começouna minha in-fância. Comeceia trabalharcedo, poisminha famílianunca teveposses; entreicomo office boyno Banco Itaú,onde trabalha-va meu pai.

Page 7: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

todos para comunicar a data da nova prova. A corrida foi remarcadapara quatro dias depois. Por causa da chuva de granizo, peguei umagripe e no dia da corrida dei duas voltas e caí, quase morto. Resumoda ópera: não passei.

Que história incrível! Para vocês verem. Na época, quando se fazia inscrição para o

vestibular, era preciso indicar várias opções de carreira; escolhi como se-gunda opção administração de empresas porque eu trabalhava embanco. Como não passei na primeira opção, fui fazer administração naGama Filho à noite,muito a contragosto,sempre pensando:“No meio doano tento novamente para educação física.” Assisti a duas ou três aulase abandonei o curso no primeiro semestre. O problema é que, excepcio-nalmente, não houve vestibular para educação física no meio do ano.

O senhor continuou como funcionário do Banco Itaú? Saí do Banco em 30 de abril de 1986. Assim como meu pai, eu

já tinha começado a me interessar por microinformática. Na época,praticamente não existiam softwares brasileiros; não havia planilhaseletrônicas, jogos, nada. Por diletantismo, comecei a me aprofundarna área e a fazer programação de computadores, desenvolvendo siste-mas e adaptando jogos estrangeiros. Com isso, passei a ter uma se-gunda fonte de renda, que cresceu a ponto de se tornar a principal;não valia mais a pena trabalhar no Banco, pois eu trabalhava um nú-mero de horas muito menor e conseguia uma receita maior. Naqueleano tivemos o famoso Plano Cruzado, do Sarney, e os bancos começa-ram um processo de redução. Em 30 de abril consegui ser demitido doBanco Itaú, porque já não me interessava mais.

Não querendo ficar parado, voltei para administração de em-presas — eu tinha abandonado, mas continuava pagando as mensa-lidades. Pedi transferência para o turno da manhã, porque não estavamais trabalhando no Banco, e aí era outro curso: um número reduzidode alunos, professores muito interessados — uma professora em espe-cial, que se chama Teresa, deu três aulas de Teoria Geral da Administra-ção, e foi o que bastou para que eu me apaixonasse por administração.

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

491

Page 8: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

No primeiro ano mesmo, começamos a visitar várias empresas, e eu fuime envolvendo cada vez mais.

O governo Sarney baixara uma medida, autorizando a reaber-tura dos centros acadêmicos e dos diretórios acadêmicos. Houve umamovimentação muito grande, principalmente da parte do PCdoB, o Par-tido Comunista do Brasil, para reestruturar o movimento estudantil. Asede da União Nacional dos Estudantes, a UNE, na rua do Catete, noRio de Janeiro, foi reaberta e foi novamente entregue à diretoria provi-sória da UNE, e eu estava nesse turbilhão. Fundei o diretório de adminis-tração da Universidade Gama Filho e fui seu primeiro vice-presidente.

Fiz vários cursos à tarde, além dos da manhã, e cheguei emjunho de 1989 ao fim do sétimo semestre, em condições de me formar.Aí descobri que para o MEC o período mínimo de cumprimento do cur-rículo era de quatro anos. Tive que fazer mais duas disciplinas eletivas— já no turno da noite — para terminar o curso de graduação.

Ainda trabalhando como autônomo? Trabalhando na área de informática. Fiquei um tempo como

autônomo e depois me empreguei numa empresa chamada PhídiasAgropecuária, que era o braço agropecuário do Grupo Docas, com-posto pelas Docas do Rio de Janeiro, Banco Boavista, Itatiaia Turismoe Phídias Agropecuária. Em 1988, ainda durante a graduação, fui tra-balhar nessa empresa na área de informática, como analista de sis-temas. Não cheguei a passar um ano lá, porque em seguida fui fazero programa de trainee da Shell Brasil. Fui um dos pouquíssimos clas-sificados e trabalhei na Shell Brasil até o final de 1989.

Na área de administração? Era um trainee de administração, mas estava vinculado a

uma área que cuidava de acidentes com caminhões-tanque e comveículos da empresa; tinha a ver com gerência de procedimentos. Foiuma grande escola.

Independentemente de minha movimentação na política es-tudantil, eu era o melhor aluno de administração da Universidade,em termos de créditos acumulados; o diretor, prof. Hélio Duarte do

492

Page 9: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Nascimento, sempre dizia que eu deveria fazer o mestrado. Apaixo-nado por administração, tentei saber qual era o melhor mestrado doBrasil, e me apontaram: ou a USP ou a Escola de Administração deEmpresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, a Eaesp, com lar-ga vantagem para esta última — na época, a Coppead, Coordenaçãodos Programas de Pós-Graduação em Administração, não tinha o pesoque tem hoje.

No final de 1989 fiz a prova do mestrado e nem me preocupeiem procurar emprego, porque eu sabia que ia passar. Mas aconteceuque eu não passei na primeira chamada do mestrado. Comecei aprocurar emprego no Rio de Janeiro e quando tinha conseguido arru-mar uma colocação na área de informática, recebi uma ligação daFundação Getulio Vargas dizendo que alguém havia desistido, e euera o primeiro da fila. Vim desesperado para São Paulo e em 19 de fe-vereiro de 1990 comecei a cursar o mestrado na Eaesp.

O senhor conhecia alguém em São Paulo? Ninguém, e não tinha onde morar. Fiquei no Hotel Concorde,

na rua Sílvia, que no fim de semana é utilizado para outras funçõesque não as de hospedagem, o que me fazia voltar para o Rio de Janei-ro ou ir para São José dos Campos visitar uma tia. Levei essa vida du-rante dois meses, lembrando que em 1990 tivéramos o Plano Collor,que confiscou todas as poupanças. Vim para São Paulo sem dinheiroe sobrevivi com a ajuda de amigos do mestrado, que me empresta-vam dinheiro para eu poder almoçar — era conhecido como o cariocafila-bóia —, pois na época eu não tinha bolsa de estudo.

Foi então que aconteceu um episódios engraçado. Um fun-cionário do Banco do Brasil chamado Sandro Kohler Marcondes, queera recém-casado no Paraná, conseguiu licença do Banco para fazer omestrado e alugou um apartamento em São Paulo; logo em seguida,sua mulher lhe comunicou que estava grávida e que iria continuarno Paraná. Como já havia assinado contrato, ele me convidou parasublocar um dos quartos — era um apartamento mobiliado. Eu falei:“Aceito, mas só vou pagar quando tiver dinheiro.” E logo depois, nessabusca de dinheiro, candidatei-me a membro da Comissão de Bolsas,

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

493

Vim para São Paulo sem

dinheiro esobrevivi com

a ajuda deamigos do

mestrado, queme empresta-vam dinheiro

para eu poderalmoçar —

era conhecidocomo o carioca

fila-bóia —,pois na épocaeu não tinha

bolsa de estudo.

Page 10: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

porque achei que assim seria mais fácil obter uma bolsa de estudos.E foi o que aconteceu!

No período do mestrado, o senhor foi para o Canadá.Sim, em 1991 fui fazer um mestrado-sanduíche, pelo programa

de intercâmbio que a GV tem com aquele país. Voltei um ano depois,com uma namorada, e nos casamos no Brasil: Elena Estolano, cujo nomeoriginal era Elena Anatolievna Iltchenko, porque é ucraniana. Vim parao Rio e continuei na Fundação Getulio Vargas, trabalhando como assis-tente de pesquisa, assistente de professor etc. Fiz alguns trabalhos deconsultoria também, com alguns amigos. Em 1993 a IBM fez um contra-to com a FGV, e nós fomos ser consultores da Fundação dentro da IBM.

No ano seguinte terminou esse contrato e fui efetivado naIBM, indo trabalhar na área de estratégia de recursos humanos. Aíesgotou-se meu prazo para a dissertação de mestrado; tive proble-mas de orientação, fiz o trabalho mas não foi aceito pelo orientador.Isso coincidiu com o nascimento do meu filho, Allex Estolano, em abrilde 1994. Aí refiz a prova do mestrado da Eaesp e passei novamente.

Ainda morando no Rio de Janeiro? Sim, morando no Rio. Em julho de 1994, fui convidado pelo

diretor da Gama Filho, prof. Hélio Duarte do Nascimento, para serprofessor do curso de administração. Mesmo que não tivesse comple-tado o mestrado, eu tinha feito os créditos, e isso valia para eles comouma especialização. Comecei a lecionar e, em setembro, quando oprof. Hélio Duarte do Nascimento morreu, fui convidado a assumir oseu lugar, como coordenador do curso de administração — era o novotítulo. Fiquei na dúvida se aceitaria ou não, porque me exigiria dedi-cação integral. Acabei aceitando e pedi demissão da IBM, de onde saíem 31 de dezembro. No dia 2 de janeiro de 1995 assumi o cargo de co-ordenador na Gama Filho.

Mudei completamente de vida.Tinha experiência em empresamultinacional e passei a dar dedicação exclusiva à área de ensino,que conhecia mal. No início de 1996, desisti novamente do mestradoporque passei direto para o doutorado na Coppead e fiz o doutorado

494

Até hoje consi-dero que ogrande proble-ma na área deensino no Bra-sil é a falta deprofissionaliza-ção na gestão.

Page 11: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

no lugar do mestrado. Dentro da Universidade Gama Filho, acabeifazendo uma carreira muito rápida. Houve uma reformulação na es-trutura da Universidade, em 1998, e eu fui alçado a diretor de instituto— cada instituto englobava uma série de cursos; no meu caso, eramadministração, contabilidade e economia. Eu era diretor de institutoe acumulava com a coordenação do curso de administração. Quandoo vice-reitor acadêmico saiu, fui nomeado vice-reitor acadêmico protempore. Enfim, fiz uma escalada rápida, para minha idade. Mas atri-buo isso a minha formação muito forte em empresas multinacionaisestruturadas. Sempre utilizei esses conceitos e esses princípios paratentar estruturar as atividades das universidades onde trabalhei. Atéhoje considero que o grande problema na área de ensino no Brasil éa falta de profissionalização na gestão.

Que princípios e conceitos o senhor destaca? Muito forte é o cuidado com organização, estrutura, plane-

jamento — não vou nem chamar de planejamento estratégico, masplanejamento das atividades — e gestão eficaz de recursos huma-nos, físicos e de infra-estrutura. São exatamente os quatro pontosque comecei a implantar na Gama Filho. E um processo de desenvol-vimento contínuo. Ou seja, o que encontrei na Gama Filho e tambémna Celso Lisboa — dei aula e ajudei na coordenação da Celso Lisboa 1

— foi a visão que ainda hoje existe em muitos lugares, de que a edu-cação é uma continuidade: o que ensino hoje, vou ensinar amanhã; oque gerencio hoje, vou gerenciar amanhã, e quando as coisas mudamhá um trauma muito grande, porque se espera que tudo continueigual, com as mesmas condições de temperatura e pressão que exis-tiam antes.

Comecei a mudar isso, promovendo um processo interno dedesenvolvimento dentro da Universidade; aí surgiram idéias e resul-tados novos. A isso atribuo minha rápida ascensão na Gama Filho,porque em tudo o que era discutido com a mantenedora alguém lem-brava de chamar o prof. Estolano para perguntar. Dos mantenedores,eu não tinha contato com o Paulo Gama, só com o Paulo César e como Luís Felipe.2 Atualmente, a configuração da mantenedora mudou,

1 Refere-se à instituiçãoque atualmente é oCentro UniversitárioCelso Lisboa, situadono Engenho Novo, nacidade do Rio deJaneiro.

2 Paulo César PradoFerreira da Gama,conhecido como PauloGama Filho, é chance-ler da UniversidadeGama Filho. Seusfilhos Paulo CésarPassos Ferreira daGama Filho e LuizFelipe Passos Ferreirada Gama Filho sãovice-chanceler e dire-tor da mantenedora,respectivamente.

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

495

Page 12: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

mas na época era uma coisa muito recorrente:“Precisamos organizaruma Comissão de Avaliação: temos que chamar o prof. Estolano. Pre-cisamos fazer uma pesquisa: temos que chamar o prof. Estolano.”Com isso, acabei ficando como referencial de competência e creditoisso a essa filosofia de trabalho que implantei.

Por que o senhor deixou a Universidade Gama Filho, em 1999? Prefiro não revelar os motivos. Digamos que tenha havido

incompatibilidade com a gestão da mantenedora naquele momento;o fato é que saí e comecei a procurar nova oportunidade. Fiquei comoprofessor da Celso Lisboa, e dedicando um pouco mais de tempo aodoutorado, porque vinha recebendo pressão para concluir a tese. Re-cebi convite de diversas instituições brasileiras, porque sou consultorad hoc do Ministério da Educação para a área de administração deempresas, e nessa função, visitava universidades no Brasil inteiro; aspessoas conheciam o meu trabalho. Fui responsável pela autorizaçãode abertura de novos cursos de administração e por verificação decondições da oferta de funcionamento.

Desde quando o senhor é consultor? Desde a implantação do Provão, em 1996. Ainda sou regis-

trado como consultor mas não aceito mais fazer visitas, por causa daminha agenda, embora ainda seja convidado. Enfim, recebi um conviteatravés de um amigo para vir fazer uma visita à Universidade Guaru-lhos, que eu não conhecia; aqui fui convidado a assumir a Pró-ReitoriaAcadêmica. Julguei a oferta bem interessante e assumi em janeiro de2000. Sem dúvida, era um cargo que me atraía mais do que umacoordenação de curso, porque teria oportunidade de continuar o tra-balho que eu iniciara na Gama Filho. Depois de nove meses na Pró-Reitoria, fui convidado a assumir a Reitoria, cargo que ocupo desde 21de setembro de 2000 — dizem, não tenho certeza, que sou o reitormais jovem do Brasil.

Qual foi o tema de sua tese de doutorado? Planejamento estratégico. Nada a ver com educação, nada a

496

Depois de novemeses na Pró-Reitoria,fui convidadoa assumir aReitoria, cargoque ocupodesde 21 desetembro de2000 — dizem,não tenhocerteza, quesou o reitormais jovem do Brasil.

Page 13: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

ver com empresa de educação. Minha tese foi um estudo de percep-ção sobre a importância do planejamento estratégico nas cem maio-res empresas brasileiras de capital nacional. Fiz uma pesquisa quan-titativa, através de survey, com questionários etc. Não fiz na área deensino de administração porque a Coppead não permitiu, achandoque eu teria que fazer um doutorado em educação para poder fazertal pesquisa. Mas como sempre tive trânsito na área empresarial,acabei fazendo com empresas. Não me perguntem como conseguielaborar uma tese de doutorado sendo pró-reitor, porque esse segre-do eu não conto para vocês, mas entre três e quatro horas da manhã aspessoas são bastante produtivas.

Como o senhor encontrou a Universidade Guarulhos quando foi convidado para ser pró-reitor?Qual era a realidade da Universidade? Nada muito diferente das instituições que visitei pelo Brasil

todo, como consultor; encontrei uma situação de desestruturaçãoadministrativo-financeira, porque a ênfase era dada à área acadêmi-ca, uma despreocupação com eficiência ou eficácia. Então, comecei aimplantar, primeiro na área acadêmica e depois em toda a Univer-sidade, uma linha de trabalho dentro daquela filosofia de gerenciarrecursos e pessoas, de elaborar um planejamento. Nem sempre como ritmo adequado, porque o ensino superior vem sofrendo há trêsanos com taxas de inadimplência muito altas.

Se no passado a margem de lucro líquida das instituições deensino superior era muito alta, hoje já não é mais, devido às exigên-cias feitas pelo Ministério da Educação — certíssimas, aliás. Na época,era possível contratar professores numa faixa salarial mais baixa,mas hoje é preciso ter mestres e doutores, e isso causa forte impactona folha de pagamento. E há uma competição muito maior. Dez, 12anos atrás, São Paulo possuía quatro universidades privadas; hoje, sóna Grande São Paulo existem dez. É preciso investir em infra-estru-tura para se diferenciar, é preciso investir em marketing, coisa quenunca fora preciso fazer; antes só era necessário comunicar as datasdo vestibular, mas não era necessário lidar com mensagens institu-

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

497

Page 14: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

cionais, tentar mostrar as diferenças, seus pontos fortes. Tudo issopassou a interferir nas finanças das instituições. Soma-se a isso ocrescimento das taxas de inadimplência, que desde 1980 se manti-nham em 6% e saltaram para 22%, sobretudo em São Paulo e no Riode Janeiro, situações que conheço melhor.

A que se deve este crescimento? As leis que regulamentam as obrigações financeiras por parte

do recebedor do serviço educacional, ou seja, os alunos, permitemque estes interpretem que não precisam pagar. A última Medida Pro-visória de 2000, que permite uma cobrança um pouco mais efetiva,ainda deixa muitas brechas para que alunos não precisem pagar àinstituição. Por exemplo, fazem um semestre aqui, pegam a documen-tação, transferem-se para outra, e assim por diante, até o diploma. Émuito comum eu participar de reuniões com alunos, tratando deassuntos diversos, como, por exemplo, segurança no campus, aí umestudante se apresenta:“Sou inadimplente, mas me preocupo com asegurança.” É normal eles se apresentarem como devedores. Istoacaba contaminando o mercado e perturbando o ambiente, porque ooutro reclama:“Quer dizer que essa pessoa não é cobrada? Quer dizerque eu também posso estudar sem pagar?”

Mas não é só isso: temos crise econômica, desde 1997, quan-do muita gente entrou na Universidade e muita gente perdeu o em-prego. O crescimento dos índices de desemprego, de 1997 para 1998,e de 2001 para 2002, foi muito grande; assim, os alunos que já esta-vam aqui dentro queriam encontrar uma maneira de continuar. Osistema de crédito educativo, que hoje é Financiamento Estudantil,nem de longe consegue atender à demanda. E finalmente, não tenhodados científicos, mas me parece que a nossa sociedade dá prio-ridade a quem cobra mais rapidamente. Ou seja, eu faço um crediárionas Casas Bahia e estou pagando a universidade. Se atraso as duas, asCasas Bahia me cobram no dia seguinte, enquanto a universidade tal-vez demore uns cinco ou seis dias. Então, prefiro pagar em dia às CasasBahia. Até porque elas podem me tirar o móvel, a geladeira ou a TV, e auniversidade não me tira a educação. E, em princípio, a universidade

498

Page 15: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

não pode colocar meu nome no Serviço de Proteção ao Crédito, o SPC;pode, mas não coloca. Existe uma jurisprudência com relação a isso.

Fora isso, parece-me que há também uma preocupação dasuniversidades com a questão social, ou seja, não posso levar a ferro efogo, pois uma das minhas missões é oferecer educação à sociedade.Se 20% não podem pagar, tenho que encontrar uma maneira de re-duzir meus custos para continuar atendendo a esses 20% e recupe-rar isso no futuro. Atualmente, a inadimplência é cerca de 22% den-tro do mês, mas depois dos processos de negociação, renegociação,cobrança, é possível reduzir para cerca de 12% dentro do ano.

Atualmente, o aumento da concorrência tem um outro im-pacto. Não existe na cabeça dos alunos uma diferença nítida entreuma faculdade e uma universidade. Na nossa tradição cultural, dize-mos sempre:“Vou para a faculdade.” Ou então:“Fiz faculdade na GamaFilho.” Com isso, as faculdades se aproveitam, pois têm uma estrutu-ra muito menor, não têm pesquisa e conseguem praticar preços maisbaixos. E em momentos de crise os alunos são muito suscetíveis apreço. Surge uma concorrência pulverizada, bem mais difícil de ata-car, e acabamos perdendo alunos. Em muitos casos, é preciso reduziro valor das mensalidades. Aqui fazemos uma série de pesquisas, qua-litativas e quantitativas, para saber o que a comunidade pensa da uni-versidade, e uma das respostas é que as mensalidades são muito caras.

Qual é o preço médio de sua mensalidade? Atualmente, 350 reais.Varia de 1.200 reais, nos cursos de odon-

tologia, a 241 reais, nos cursos de licenciatura, que hoje equivalem,praticamente, à metade do número de alunos da Universidade. Amensalidade nestes cursos está 30% abaixo da média do mercado eabaixo do valor das concorrentes aqui em Guarulhos e Região Norteou Leste de São Paulo, inclusive daquelas que são apenas faculdades.A Universidade Guarulhos baixou os preços, mas mesmo assim as pes-quisas têm mostrado que temos uma imagem de universidade cara.

O fato de ser universidade onera as mensalidades? Em alguns cursos não, porque já temos uma estrutura muito

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

499

Surge umaconcorrênciapulverizada,

bem mais difícil de atacar,

e acabamosperdendo

alunos. Emmuitos casos,

é precisoreduzir o valor das

mensalidades.

Page 16: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

grande. Por exemplo, uma faculdade que abra um curso de pedagogiaconsegue matricular 50 ou 60 alunos; nós temos três mil alunos de pe-dagogia. É uma infra-estrutura criada ao longo dos anos, que não neces-sita de investimentos gigantescos, e já foi depreciada contabilmente, oque me permite cobrar mensalidades mais baratas. E mesmo assim con-tinuar investindo em pesquisa,utilizando essas pesquisas nas aulas,e aítendo esse diferencial. Temos trabalhado, inclusive na nossa campanhade marketing externo e interno, a diferença entre universidade e facul-dade, e isso tem gerado alguns resultados positivos.

A ênfase nas atividades de pesquisa contribui para explicitar essa diferença? Sem dúvida, sem dúvida. Ainda utilizamos a qualificação dos

professores, porque temos curso de mestrado, formamos muita genteno nosso curso de pós-graduação, temos programas de incentivo ao es-tudo; quem já é mestre é incentivado, inclusive financeiramente, a fazero doutorado. Temos um plano de carreira bastante consolidado e tenta-mos mostrar que isso faz diferença. Atualmente, 50% do meu corpodocente é mestre ou doutor — uma faculdade não é muito exigida efica no mínimo, nos 33,3%. Com isso, tentamos mostrar as diferenças.

Qual é o perfil do aluno da Universidade Guarulhos? Tenho 60% de alunos de Guarulhos, 25% das Regiões Norte e

Leste de São Paulo e 15% de áreas limítrofes a Guarulhos, como Arujá,Santa Isabel, Franco da Rocha, mas tenho da outra ponta de São Paulo:Taboão da Serra; tenho gente até de São José dos Campos, porque énosso o único curso de medicina veterinária daqui até o vale do Pa-raíba. Mas a concentração é de alunos de Guarulhos. Isso varia muitopor curso, também. Os mais caros e que têm uma percepção maior dequalidade pelo mercado atraem mais pessoas de fora: são medicinaveterinária e odontologia.

Como se distribuem os alunos pelos turnos? Cerca de 65% estudam à noite, menos de 10% à tarde e 25% de

manhã. Quando foi criada, a instituição era 100% noturna; ao longo

500

Temos traba-lhado, inclusivena nossa cam-panha de mar-keting externoe interno, adiferença entreuniversidade efaculdade, eisso tem geradoalguns resulta-dos positivos.

Page 17: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

dos anos, até para se consolidar como universidade, começou a ofe-recer outros cursos, que tinham um perfil claramente matutino. Masem termos absolutos, obviamente, tenho muito mais alunos hoje es-tudando à noite do que há alguns anos. Este percentual que estudade manhã não significa migração de alunos, mas que passamos aoferecer cursos de perfil matutino.

Quando começou o mestrado na Universidade Guarulhos? Em 1990 foram criados os primeiros cursos de mestrado, mas

não sei dizer quais. Em 1995 o prof. Walmor Bolan — depois foi ser pró-reitor da UniABC, a Universidade do Grande ABC, e hoje possui uma fa-culdade isolada própria, na área do ABC paulista — assumiu a Pró-Rei-toria Acadêmica e, junto com o prof. João Catarin Mezomo, reestruturoua pós-graduação, lançando 15 novos cursos de mestrado stricto sensu.Quando assumi a Pró-Reitoria Acadêmica, mudei a estratégia, só permi-tindo a inscrição para novas turmas dos cursos que eu julgava capazesde obter grau 3 na Capes. Esses cursos eram somente quatro: adminis-tração, direito, ciências do movimento e paleontologia estratigráfica, naárea de geologia. Os outros não estão sendo mais oferecidos, porquenão quero mais manter cursos que não sejam recomendados pelaCapes — essa é a estratégia —, e nenhum deles era, até agora.

E o mestrado profissionalizante? Antes de eu ser pró-reitor, tentaram obter a recomendação da

Capes para mestrado acadêmico. Como não conseguiram, abriram al-gumas turmas de mestrado profissionalizante, mas isso também estásuspenso, por enquanto. O curso existe, tenho o corpo docente, mas nãoestou oferecendo turmas novas; a antiga está terminando. Eram váriasturmas, pois foi uma transformação dos cursos de mestrado strictosensu acadêmico para mestrado stricto sensu profissionalizante. Sus-pendemos provisoriamente, e a estratégia agora é oferecê-los comomestrados acadêmicos. E os profissionalizantes nem abrir mais, even-tualmente, exceção feita à área de administração.

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

501

Page 18: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Por que essa decisão de se retirar da área do mestrado profissionalizante? As pesquisas nos mostram que o mercado ainda necessita

da formação de professores. A formação de profissionais, em especialna área de gestão, tem sido feita através desses cursos chamadosMBAs, que são cursos de pós-graduação lato sensu, mais adequadose mais adaptados ao mercado, até porque são de curta duração. As-sim, as instituições que lançaram mestrados profissionalizantes nãotiveram sucesso, a não ser aquelas top de linha, como, por exemplo, aEaesp da Fundação Getulio Vargas, que continua mantendo os mes-trados profissionalizante e acadêmico, destinados a públicos comple-tamente diferentes. Como a Universidade Guarulhos não está situada,no imaginário coletivo, nesse conjunto de universidades top, achamosque não deveríamos lançar esses cursos, pelo menos na situação atualdo mercado. Continuo fazendo pesquisas para tentar identificar omomento certo.

A Universidade Guarulhos também oferece cursos seqüenciais? Sim, lançamos nesse semestre. Foi uma possibilidade aberta

em 1997, 1998. Entendo a oferta de ensino como uma atividade em-presarial, por isso sempre tenho que procurar lançar novos produtos.Hoje existe um segmento de mercado que não é atingido pelos cursosde graduação, não tem interesse porque acha que é uma formaçãomuito longa. Era uma área de mercado que ainda não tínhamos co-berto, mas que atingimos com os cursos seqüenciais.

Nosso curso superior em dois anos é voltado basicamentepara profissionais que já têm uma experiência em sua área e precisamde uma formação rápida, de nível superior. Não é um curso voltadopara o jovem que queira ter uma graduação rápida, não foi desenhadopara isso, embora tenhamos um número reduzido de alunos de 19, 20anos. Desenhamos um curso completamente diferente; não fazemoscomo algumas instituições, que se utilizam de disciplinas da gradua-ção para completar a grade dos cursos seqüenciais. Entendemos quesão cursos para públicos diferentes. Formatamos 15 cursos, oferece-mos ao mercado, mas só conseguimos fechar três.

502

Entendo a oferta de ensino comouma atividadeempresarial,por isso sempre tenhoque procurarlançar novosprodutos.

Page 19: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Quais são eles? Administração de Pequenas Empresas, Administração de Mar-

keting e Gestão de Tecnologia da Informação; para os outros não hou-ve público suficiente. Alguns tiveram alguma demanda, em especialo de gastronomia, mas era um curso caro demais e precisaríamos deum número mínimo de alunos muito alto; acabamos desistindo. Foium teste de mercado.

Agora estamos envolvidos em outro trabalho, fazendo umasérie de palestras para as escolas de nível médio do município de Gua-rulhos e para representantes da área de recursos humanos e treina-mento das empresas de Guarulhos, mostrando qual é o embasamentolegal no oferecimento desses cursos, por que eles valem, quais são oscursos que efetivamente são aceitos pelo Ministério da Educação epelos conselhos das classes, para tentar reduzir um pouco a resistên-cia do mercado. As reportagens e matérias jornalísticas que têm saído arespeito dos cursos seqüenciais não têm sido muito favoráveis. Diver-sas instituições abriram cursos que acabaram não sendo reconhecidospelo MEC, ou não foram aceitos pelos conselhos das classes. Nosso obje-tivo é trabalhar cursos que têm aceitação no seu conselho de classe ouindependem dele para serem aceitos.

E a especialização lato sensu, existe também na Universidade Guarulhos? Existe aqui também. No momento, estou em processo de re-

estruturação da pós-graduação lato sensu, porque o meu corpo deprofessores entende que ela deve ser destinada unicamente à for-mação de quadros de pesquisa ou de quadros docentes, com uma exce-ção: a área de enfermagem. Tenho um curso de pós-graduação emenfermagem pediátrica, bastante solicitado, que é claramente volta-do para a área profissional. Mas, de forma geral, os demais cursos sãovoltados para a formação de docentes ou de pesquisadores. Esta éuma visão que estou trabalhando para mudar.

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

503

Page 20: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Pelo que estamos observando, sua atuação como reitor está bastante voltada para a reestruturação da pós-graduação.Não apenas isso. Minha atuação volta-se a uma reestrutu-

ração de toda a Universidade: reestruturação administrativa, da gra-duação, da pós-graduação e da pesquisa, da área comunitária e deextensão, e criando a cultura interna de prestação de serviços, não àcomunidade, mas ao mercado. Hoje tenho uma área responsável pelacriação de novos negócios e geração de outras receitas que não avenda de serviços educacionais; atualmente, um percentual de minhareceita não tem nada a ver com graduação ou pós-graduação, masvem dos serviços de consultoria, do aluguel de espaços, da cessão delaboratório para terceiros ministrarem aulas.

Vínhamos fazendo um trabalho assistencialista para a co-munidade, e estou tentando mudar um pouquinho esse perfil. Hojeestamos muito mais próximos das empresas, da Prefeitura de Guaru-lhos; continuamos atendendo as pessoas da cidade, mas dentro deuma perspectiva de parceria e de desenvolvimento da educação, nãosó assistencialismo.

Não quero ser considerado uma entidade assistencialista,mas de desenvolvimento das pessoas, da comunidade. Para mim, éfácil fazer 36 mil atendimentos odontológicos por ano, mas minha in-tenção é fazer um trabalho um pouco mais integrado, num sentidonão-assistencialista. Procuramos uma parceria, por exemplo, com aPrefeitura e com empresas, e a pessoa que nos procura para buscar umtratamento dentário, por exemplo, passa por uma avaliação holística,isto é, uma avaliação psicológica, uma avaliação médico-funcional.Com isso, posso dizer ao município:“Suas políticas de saúde não estãosurtindo o efeito desejado, ou estão surtindo o efeito desejado nessase nessas áreas.” Nossa abordagem passa a ser mais integrada com opoder público e com as empresas, e não somente:“Sou mais um pontode assistência dentro do município para tentar atenuar a pobreza queexiste aqui.” Não é fácil, porque a própria Prefeitura quer continuarsendo assistencialista, sobretudo em anos eleitorais.

504

Vínhamosfazendo umtrabalhoassistencialistapara a comuni-dade, e estoutentandomudar umpouquinhoesse perfil.Hoje estamosmuito maispróximos dasempresas, daPrefeitura deGuarulhos…

Page 21: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

A cultura interna também é difícil de romper? Existe uma cultura interna, sem dúvida. Os próprios man-

tenedores estão mais acostumados à postura assistencialista do queà postura do desenvolvimento. Às vezes, encontro resistência parafazer algumas mudanças aqui dentro.

Como é o relacionamento entre a Reitoria e a mantenedora? Desde 1998, o objetivo da mantenedora era profissionalizar

a gestão. Tivemos como reitor o prof. Manoel Gonçalves, jurista e ex-presidente do extinto Conselho Federal de Educação. Quando che-guei como pró-reitor acadêmico, ele foi meu reitor durante algunsmeses. Aí foi substituído por outro reitor que também não era ligadoà mantenedora, o prof. Sérgio Mantovani, que ficou poucos meses;depois assumi eu, que também não tenho qualquer tipo de vínculocom a mantenedora. 3 Temos um relacionamento bastante profissio-nal e, embora na grande maioria das instituições a gestão acadêmi-co-administrativa seja completamente separada da gestão financei-ra, aos poucos tenho conseguido trazer para mim grande parte dagestão financeira e tentado contribuir para uma estruturação maiorda entidade mantenedora.

No meu modelo de gestão da Universidade a entidade man-tenedora não se envolve nas atividades do dia-a-dia; funciona ape-nas como um board, como é nas grandes corporações. Como acionistasque são, devem cobrar a gestão da Universidade, resultados, metas etc.Minha tentativa é transformar o relacionamento entre mantenedorae Reitoria numa relação profissional. Hoje, a mantenedora não parti-cipa mais do cotidiano das atividades operacionais acadêmicas, masainda participa das financeiras.

Quais são seus projetos para a reestruturação da graduação? Atualmente, a graduação conta com 30 cursos, com 38 habi-

litações. Estou desativando cursos que não têm qualidade ou para osquais não tenho demanda, não consigo contratar professores commaior titulação, não consigo produzir pesquisas nem massa crítica.Estou desativando cursos e criando novos. Estou preocupado com a

3 Manoel GonçalvesFerreira Filho foi reitorda UniversidadeGuarulhos de 1997 a2000, sendo substituí-do por Sérgio NaimeMantovani, queocupou o cargo emregime transitório, defevereiro a setembrode 2000, quando Ale-xandre Luiz DeganiEstolano foi nomeadoreitor.

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

505

Page 22: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

melhoria da qualidade, através da profissionalização da gestão doscursos. Ou seja, quero ter coordenadores gestores e não mais só coor-denadores acadêmicos.

Havia aqui na Universidade diversos centros: Centro de Saúde,Centro de Ciências etc. Acabei com todos eles, ficando com um centroúnico. Estou diminuindo o número de camadas organizacionais, poisquero ter, entre o professor e o reitor, o mínimo de camadas, de ge-rentes, de filtros, para obter uma comunicação mais rápida. Estoucriando novas formas de me comunicar com os funcionários, profes-sores, diretores, gerentes e com os alunos. Utilizo desde jornais até oacesso mais constante à Internet, televisão interna — agregada aocurso de jornalismo, mas com objetivos outros —, boletins internos,aumento significativo do número de reuniões, para demonstrar qualé o planejamento e qual é a estratégia da Reitoria. Além disso, estoutentando desmitificar a Reitoria, começando a dar mais poder aosgerentes de área — que aqui ainda chamamos de encarregados, masque estou progressivamente rebatizando de gerente, substituindopessoas que estão aqui há 30 anos.

Quais são as atribuições desses gerentes de área? Temos na área administrativa e nos órgãos de apoio pessoas

que ocupam cargos de chefia. Por exemplo, temos diversos setores deapoio, como os de compra, computação gráfica, recursos humanos, au-diovisual,ene áreas. Muitas dessas pessoas, já aqui há muito tempo,nãotêm poder de decisão ou de sugestão; qualquer coisa fora do dia-a-diaera encaminhada para a Reitoria, para uma solução. O acúmulo depapel e de processos era gigantesco e não se originava de necessi-dades de alunos, mas de necessidades internas. Nos dois últimos anosvenho tentando acabar com isso. Os novos gerentes têm que ter po-der de decisão, baseado na estratégia da instituição.

Como está organizada a Universidade,em termos de estrutura? Professores e cursos estão vinculados a coordenadores de

curso, e estes ao diretor do Centro de Graduação, que por sua vez vin-

506

Estou dimi-nuindo onúmero decamadasorganizacionais,pois quero ter,entre o profes-sor e o reitor,o mínimo decamadas, degerentes,de filtros, paraobter umacomunicaçãomais rápida.

Page 23: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

cula-se ao pró-reitor acadêmico. Tenho um gerente para a graduação,um para a área de cursos seqüenciais e um para pós-graduação epesquisa. Temos o Conselho de Ensino e Pesquisa e o Conselho Uni-versitário, e fazemos duas reuniões semestrais em cada um. Em insti-tuições comunitárias, como a Fundação Getulio Vargas, e instituiçõespúblicas esses dois Conselhos funcionam como órgãos consultivos edeliberativos também; já nas universidades privadas, eles funcionambasicamente como órgãos homologatórios das decisões da Reitoria eda mantenedora. Por mais que tenha a participação de alunos, pro-fessores, funcionários, acaba não sendo um órgão consultivo, devidoà própria característica da instituição privada.

O que a Universidade Guarulhos almeja para o futuro próximo? Fundamentalmente, quero estar à frente de uma instituição

que seja eficaz e eficiente no relacionamento com os alunos, com seusfuncionários, colaboradores e com a comunidade; e que todos re-conheçam isso. Como conseguirei atingir esse objetivo? Melhorandoa qualidade dos cursos, conseguindo comprovar que o aluno quandosai daqui tem um ganho significativo em sua educação e sua qualifi-cação, independentemente do nível com o qual ele entra aqui. Gostomuito de citar o Cláudio de Moura Castro, que diz o seguinte: “O alu-no que tira A no Provão, tira quando faz o vestibular, não quando vaifazer o Provão. Ou seja, quando o aluno está bem preparado, acabaentrando para as escolas consideradas melhores, as que têm melhorimagem no mercado. Os demais entram para as demais escolas. Qualé a instituição mais eficaz e eficiente? Aquela que pega um aluno óti-mo e o mantém no mesmo nível, ou aquela que pega um aluno pés-simo e dá a ele educação, melhoria na sua qualidade profissional, fazo famoso upgrade no aluno e ele passa a ter uma oportunidade decarreira que jamais sonhou em ter?” São palavras do Cláudio de Mou-ra Castro, não são minhas.

Voltando, gostaria que a sociedade reconhecesse que a Uni-versidade fez esse esforço e teve sucesso. É isso que chamo de eficácia eeficiência no relacionamento com alunos, professores, funcionários,

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

507

Page 24: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

colaboradores e com a comunidade. Esse é o meu objetivo. Para atin-gi-lo tenho que promover uma série de modificações de estrutura, deprocessos e de procedimentos dentro da instituição, em todas as áreas.Tenho que mudar, inclusive, a forma de dar aula, o material de apoioe de suporte às aulas; tudo isso eu preciso alterar.

Não posso mais ignorar os avanços da tecnologia educa-cional, não posso mais acreditar, como fazem muitas instituições,que o professor deve se preparar para ser o melhor professor, e não auniversidade prepará-lo para que ele possa atingir um grau de exce-lência. Hoje em dia, as instituições de ensino superior atribuem aoprofessor o nível de qualidade de ensino dentro de sala de aula, e eunão posso mais admitir isso. Tenho modelos de ensino e de avaliaçãoque podem e devem ser capitaneados pela Universidade e dissemi-nados no meio do corpo docente. E aí o corpo docente, depois de trei-nado, aplicará essas estratégias, esses modelos e técnicas, para conse-guir um resultado melhor. Esse é um dos meus desafios. Tenho vários,mas a mudança da estrutura de ensino talvez seja o maior deles.

Atualmente, os modelos utilizados variam de professor paraprofessor, de curso para curso, e acredito que tenho modelos quepodem ser universalmente utilizados, até para eu conseguir avaliar ainstituição de uma forma mais geral, coisa que hoje ainda não consi-go fazer. No Brasil, só o Grupo Pitágoras, em Belo Horizonte, onde tra-balha o Cláudio de Moura Castro, está utilizando a metodologia daUniversidade de Phoenix, de ensino estruturado, e aí eles têm um pro-cesso formal de avaliação diferenciado. Só que eles têm 200 alunos, eos professores se comprometeram desde o início a trabalhar nessemodelo. Já eu, que tenho 950 professores, preciso promover umamudança cultural, que vai causar um atrito muito grande, vai causarum afastamento de muitos professores; por isso, não posso fazer deuma maneira imediata e abrupta.

Qual é sua opinião sobre o desempenho dos alunos no Provão? Tenho reforçado os projetos pedagógicos dos cursos, porque

não acredito que seja possível montar um cursinho preparatório para

508

Page 25: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

o Provão. O processo educacional não pode se limitar a isso, senãonão precisaremos ensinar mais nada, só o que cai no Provão. Eu tenhotentado trabalhar dessa forma. O MEC entende que os projetos pe-dagógicos devem ser divididos na parte acadêmica em si, na de infra-estrutura e na de qualificação docente. Tenho aumentado progressi-vamente o índice de qualificação docente de cada um dos cursos, aqualidade da infra-estrutura, incluindo sala de aula e biblioteca, e aestrutura do curso, não só o currículo mas a maneira de ensiná-lo, defazer o acompanhamento, atividades extracurriculares e avaliações.

O desempenho no Provão tem sido satisfatório? No ano passado foi muito baixo; é uma situação que não se

muda de um ano para outro, porque o processo educacional dura nomínimo três e no máximo seis anos, no caso do curso de odontologia.Houve um excesso muito grande no número de alunos que ingressouem alguns cursos no passado recente, e hoje estou colhendo os resulta-dos. Por exemplo, cheguei a ter quatro mil alunos no curso de direito, ehoje tenho 2.500; reduzi, deliberadamente, o número de alunos, parater um controle maior sobre a qualidade do ensino. Espero que, com oesforço feito nesse último ano, melhore o resultado do próximo Provão.

Na sua opinião, o vestibular das universidades privadas é mais fácil? O vestibular é idêntico ao das universidades públicas, a linha

de corte é que é mais baixa. Vou explicar. Meu vestibular não diferemuito do da USP, mas para entrar na USP você tem que ter uma mé-dia 8 ou 9, porque o número de vagas é muito reduzido. As universi-dades particulares têm um número maior de vagas. Assim, tenhoque fixar uma linha de corte que permita a entrada de alunos em nú-mero suficiente, mas que não me comprometa a qualidade. Se a médiapara entrar na USP é 6, aqui pode ser 3 ou 2; não pode ser 1 nem zero.Essa é, basicamente, a diferença.

Qual é sua opinião sobre a política de avaliação do MEC? Seria muito confortável para mim dizer que é equivocada.

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

509

… cheguei a terquatro mil

alunos no cursode direito, ehoje tenho

2.500; reduzi,deliberada-

mente, onúmero de

alunos, para terum controle

maior sobre aqualidade do

ensino. Esperoque, com o

esforço feitonesse último

ano, melhore oresultado do

próximoProvão.

Page 26: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Precisamos de avaliação, mas lamentavelmente o resultado dessaavaliação vem sendo utilizado mais de forma política do que paramelhorar a qualidade da educação. Por exemplo, o sistema de avalia-ção das instituições não é só o Provão; é composto pelo Provão, pelaavaliação das condições de oferta e pelos processos de credenciamentoe recredenciamento, ou renovação de reconhecimento de curso, va-mos dizer assim. No dia em que sai o resultado do Provão, toda a im-prensa fica sabendo, mas em nenhum momento a imprensa tem o in-teresse em divulgar o resultado das condições de oferta.

Em diversas universidades públicas, não necessariamente fe-derais, as condições de infra-estrutura e qualificação do corpo docen-te são muito piores do que numa universidade como a nossa, porexemplo. Mas a instituição pública e gratuita é procurada pelos me-lhores alunos, que conseguem tirar uma nota mais alta no Provão, in-dependentemente da qualidade das instalações, da biblioteca, doseu corpo docente. Essa é a crítica que eu tenho a fazer. Hoje há umprograma de avaliação no país, que não existia antes, mas a forma dedivulgação leva a sociedade a fazer uma imagem muito negativa dasinstituições privadas.

Quando encontro alguém do MEC vou logo dizendo: “Vocêsreclamam da minha nota no Provão. Eu já provei que tenho profes-sores de qualidade, tenho aulas todos os dias, tenho uma boa infra-estrutura, uma biblioteca quase impecável, mas tenho um aluno queentrou semi-analfabeto — sabe ler e escrever, mas não consegue lercom a velocidade necessária para eu poder acelerar seu aprendizado.Assim, tenho que reduzir um pouco a velocidade. Ele vai sair daquicom um ganho, talvez não esse que vocês desejam; para isso, ele pre-cisaria ficar aqui estudando o dia todo. Eu estou disposto a dar aulaspara ele o dia todo, mas ele não tem dinheiro para pagar o dia todo.O governo vai ajudar com financiamento estudantil?”

Mas não, o governo corta o crédito estudantil para aquelescursos que estão com nota D e E no Provão; é completamente incon-gruente, porque parte do princípio de que o curso com D ou E não temqualidade. Não sou contra a avaliação, ao contrário; minha vida profis-sional foi construída à base de avaliação, por isso jamais poderia ser

510

Page 27: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

contra. Agora, ela penaliza o aluno e penaliza a Universidade. Tenhoexcelentes alunos no curso de direito, que não têm condição de pagare que não podem usar o Fies, porque o curso tirou nota E no Provão.

Tenho um curso de comunicação social, que é E no Provão, on-de há excelentes alunos, mas como resolveram opor-se ao Provão, sem-pre entregam a prova em branco — nos últimos dois anos fizeram isso;como aconteceu na UFRJ, na PUC, na Faculdade Cásper Líbero etc. Sóque, quando isso acontece na Universidade Federal do Rio de Janeiro,dizem:“Foi boicote dos estudantes.” Quando é numa universidade par-ticular, a imprensa noticia:“Mais um E da instituição privada.”

Qual é posição da Universidade sobre o recredenciamento periódico? Atualmente, é contra o recredenciamento, pois entende que

a concessão de funcionamento que nos foi dada — não recebemosautorização para funcionamento, recebemos uma concessão — é adeternum. Devemos ser fiscalizados, avaliados, mas em nenhum mo-mento isso deve implicar um descredenciamento da Universidade.Então, acreditamos que no sistema de ensino do país — a última LDBdeixou bastante claro — existem segmentos diferentes; não existeum crescendo, como muitas pessoas querem interpretar. Ou seja, umafaculdade isolada, quando é promovida, passa a faculdade integrada;quando é integrada, ao ser promovida, passa a centro universitário.Nós não entendemos dessa forma, porque isto significa que, se umcentro universitário vai mal, é rebaixado e pode voltar a ser uma fa-culdade isolada.

Não acreditamos que seja essa a interpretação correta dalei. As universidades que foram autorizadas a funcionar, essas sim, po-dem sofrer algum tipo de rebaixamento, mas não as que foram reco-nhecidas, que é o caso da nossa. Como poder concedente, o MEC podeintervir na Universidade, é um direito seu, mas jamais desclassificá-la,rebaixá-la, reduzi-la a alguma outra categoria que não seja universida-de, porque ela nasceu assim. Essa é a visão da Universidade Guarulhos.Não é apenas a minha visão pessoal, é a visão oficial da Universidade,discutida entre Reitoria e mantenedora.

Universidade Guarulhos Alexandre Luiz Degani Estolano

511

Como poderconcedente, o

MEC podeintervir na

Universidade, éum direito seu,

mas jamaisdesclassificá-la, rebaixá-la,

reduzi-la aalguma outracategoria quenão seja uni-

versidade, por-que ela nasceuassim. Essa é a

visão da Uni-versidade

Guarulhos.

Page 28: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Como separar o joio do trigo em matéria de universidade particular? Auto-regulamentação. A publicidade no Brasil não é auto-

regulamentada, as empresas não se juntam e elaboram um códigode ética? Então, precisamos crescer institucionalmente no país e pas-sar a auto-regulamentar os setores. A criação das agências regulado-ras é um primeiro passo para tirar das mãos do governo o controlesobre algumas áreas, e estabelecer um poder regulador. Na área deeducação, o próprio ministro Paulo Renato já cogitou diversas vezes acriação da Agência Nacional de Educação. Poderia ser um primeiropasso, mas eu acho que nem a agência deveria existir; deve existir,sim, uma situação em que nós sejamos estimulados e cobrados a teruma auto-regulamentação, um autocontrole, uma forma de as insti-tuições superiores controlarem a si mesmas e passarem, como acon-tece com os boards de certificação nos Estados Unidos, a certificaraquelas escolas que atingem um nível mínimo de qualidade.

Atualmente, o Ministério faz um censo e pergunta quantoeu faturo, mas eu sou uma empresa privada, não deveria ser obriga-do a dizer ao MEC quanto invisto aqui, porque não existe um padrão.As empresas têm graus diferentes de eficiência. Eu posso ser umfilantropo, embora não seja uma empresa filantrópica, e decidir quenão quero ter lucro. Mas posso ser uma empresa que tem que teruma rentabilidade mínima, para o meu acionista, de 20%, sem des-cuidar obviamente da qualidade, que deve ser avaliada, fiscalizada.Mas não pelo Ministério da Educação. Devo ser regulamentado poruma entidade do mercado, que diga para o mercado: “Esta universi-dade não serve; estamos descredenciando porque não serve.” É umavisão bem diferente da visão atual.

512

Devo ser regulamentadopor uma entidade domercado, quediga para omercado: “Estauniversidadenão serve;estamos des-credenciandoporque nãoserve.” É umavisão bemdiferente davisão atual.

Page 29: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Conte-nos um pouco sobre sua trajetória e como surgiu seu interesse pela educação.Nasci em São Paulo, em 1943. Meu pai, Antonio Giovani Ve-

ronezi, era comerciante, dono de um bar, e minha mãe, Joana Rodri-gues Veronezi, era tecelã nas Indústrias Mattarazzo; ficou um tempofora da tecelagem, depois voltou para sustentar os filhos, porque meupai saiu de casa e não deixou recursos. Éramos três filhos: duas moçasmais velhas, uma casada e uma solteira que ainda morava conosco, eeu, temporão, com nove anos quando meus pais se separaram. Haviauma distância de cinco anos entre cada filho, porque no intervalo ha-via o falecimento de um: nascia um, outro falecia, e assim por diante.

O senhor começou a trabalhar cedo? Ah, muito. Consegui meu primeiro emprego aos 11 anos de

idade — comecei em 28 de fevereiro de 1955 —, como office boy da se-

Universidade Guarulhos

513

Antonio VeroneziBacharel e licenciado em química, professor e empresário,

foi fundador da Apec. Criou e dirigiu diversos estabelecimentos deensino na região da Grande São Paulo e em cidades do interiorpaulista. Foi vice-presidente do Sindicato das Entidades Mantene-doras de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp) (1979-1985), reitor da Universidade Guarulhos (1987-1993) e presidente daAssociação Nacional das Universidades Particulares (Anup) (1989-1995). Presidente da Associação Comercial e Industrial de Guarulhos(1978-1981), fundou o Poli Shopping Center (1989) e o InternacionalShopping Guarulhos (1998). É diretor-presidente da Apec e chancelerda Universidade Guarulhos. Recebeu-nos em seu gabinete naUniversidade, na cidade de Guarulhos, no dia 4 de abril 2002, parauma entrevista de 2h30m.

Page 30: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

cretaria de um colégio na Penha, aqui em São Paulo, o Ateneu Rui Bar-bosa. Antigamente, havia um concurso para admissão ao curso ginasial,e como eu vinha de uma família de poucos recursos, não tive como mepreparar para o exame e não consegui entrar para um ginásio do esta-do. Precisava de, no mínimo, uma média 5 e obtive 4,98. Fui, então, ten-tar o exame de admissão numa escola particular e consegui passar,mas não tinha dinheiro para pagar as mensalidades. Procurei empregopelo meu bairro todo, mas o pessoal ria de mim, achava graça porqueeu era um nanico de 11 anos de idade. Quando eu cheguei à escola e dis-se que não poderia me matricular, o diretor perguntou se eu queriatrabalhar; pediu que minha mãe fosse até lá e me deu o emprego deoffice boy. Passei a trabalhar de manhã e à tarde, e a estudar à noite, degraça. Isso fez com que, muitos anos depois, eu me preocupasse comesse lado social das instituições de ensino e dos estudantes.

Seu curso ginasial foi todo feito no Ateneu Rui Barbosa? Sim, e hoje, por ironia do destino, esta escola nos pertence.

Seu dono, Glady Felix del Buorno Trama, tornou-se meu padrinho decrisma. Na década de 1970, a escola entrou em decadência, por contada expansão das escolas públicas no bairro da Penha. Eu, já então jo-vem, dinâmico, formado, com uma vivência muito forte na represen-tação estudantil e dono de um curso superior aqui em Guarulhos,preocupei-me com o Ateneu; voltei lá e propus a criação de um cursosuperior na escola. Vejam bem, eles poderiam ser — como acabaramsendo — nossos concorrentes, porque é um bairro vizinho aqui deGuarulhos, mas não nos preocupamos com isso: queríamos salvar oAteneu Rui Barbosa.

Na região, outras três escolas passavam por uma crise pareci-da: o Colégio Excelsior, o Colégio Caetano Cortelli e o Liceu Santo Afonso.Juntei as quatro escolas e convenci os proprietários a criarem a Federa-ção de Escolas da Zona Leste de São Paulo, que depois passou a se cha-mar Faculdades da Zona Leste de São Paulo e hoje é a Unicid, Univer-sidade Cidade de São Paulo. O embrião da Unicid foi a minha vontadede criar uma faculdade para desenvolver e salvar o Ateneu Rui Barbosa.

514

Procurei emprego pelomeu bairrotodo, mas opessoal ria demim, achavagraça porqueeu era umnanico de 11anos de idade.

Page 31: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

O atual reitor da Unicid era genro do dono de uma das esco-las, o Liceu Santo Afonso, e não tinha a menor experiência em escola.Um dia, eu o acordei em sua casa e disse: “Vamos para Brasília.” Ele foicomigo, começou a tatear, e hoje é o reitor. Durante esse processo, par-ticipei algum tempo da entidade mantenedora da Unicid, depois meretirei. Hoje somos concorrentes, mas somos mais companheiros; éuma concorrência sadia.

Depois de formado no Ateneu Rui Barbosa,o senhor prosseguiu nos estudos? Sim, fui fazer o curso técnico em química na Escola Técnica

de Química Industrial São Judas Tadeu. Na realidade, eu ia fazer ocurso de contabilidade, mas um casal — prefiro não identificar — meperguntou:“O que você gostaria realmente de fazer?” Naquela época,o sonho de todo garoto era ser médico, engenheiro ou advogado; euqueria ser médico. Eles me disseram: “Então, você vai fazer o científico.Se conseguir terminá-lo, nós lhe pagamos a faculdade de medicina.”E a mãe desse homem, que estava perto, disse:“E eu lhe dou os livros.”Levei minha mãe à casa deles; conversaram e acertaram tudo.

Fiz o científico e, em 1962, quando estava terminando, já fa-zendo o terceiro mês do cursinho pré-vestibular, senti que não agüen-taria mais, financeiramente. Fui até eles:“Não estou mais agüentando.Quando vocês vão começar a me ajudar?” Só que eles tinham se arre-pendido da promessa e disseram: “Não vai dar. Pensamos melhor e vi-mos que não poderemos arcar com essa despesa.”Foi o dia em que maischorei na minha vida; tranquei-me numa sala e chorei muito. Aí, res-pirei fundo, comecei a abrir o jornal e percebi que havia muitas ofertasde emprego para químico. Mas eu detestava química. Pensei bem edecidi: “Vou enfrentar. Vou estudar química e arrumar um emprego,vou ganhar dinheiro.”

Fui à Escola Técnica São Judas Tadeu e me matriculei; vim àMicrolite, aqui em Guarulhos, pedir um emprego de químico — é afábrica das pilhas Rayovac. O sr. Lazlo, chefe do setor de produção daempresa, me entrevistou, e fiz um teste. Aí ele disse: “Vou lhe contar

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

515

Page 32: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

uma coisa: a vaga já foi preenchida. Mas achei você tão interessadoque resolvi entrevistá-lo e acho que você não pode ir embora. Vou aoDepartamento Pessoal ver onde posso encaixar você.” Fiquei espe-rando, ansioso.

Na volta, ele disse: “Existe uma vaga no Departamento de Fa-turamento. Você quer?” Bom, na época eu ganhava no Ateneu poucomais de seis mil — não me lembro da moeda — e me ofereceram 18mil. Aceitei, claro. Só que, nesse caso, o período de trabalho seria inte-gral, o que impossibilitava prosseguir pensando em medicina. Meuobjetivo era entrar naquela empresa, que possuía um setor de quími-ca, um laboratório. Comecei trabalhando no faturamento, fui para oDepartamento de Contas a Pagar, mas sempre de olho no laboratório.

Fui fazendo ambiente, conhecendo as pessoas, comecei a con-versar com os engenheiros: “Quando houver uma vaga, pensem emmim.” Surgiu uma vaga, e o Veiga, meu chefe à época, me disse: “Ve-ronezi, tanta gente já o requisitou, mas eu nunca lhe contei. Só queagora apareceu uma vaga no laboratório, que é a sua área, porque vocêestá fazendo química. Quero saber se você quer.” Claro que aceitei!

Comecei como auxiliar de laboratório e fiquei quatro anostrabalhando em química; aí, eu já estava terminando o curso de quí-mica industrial e ingressando na faculdade, em Mogi das Cruzes.

Acontece o seguinte: quando eu terminava o curso técnicoem química industrial, o Colégio Oswaldo Cruz anunciou a instalaçãodo curso de engenharia química — nessa altura, eu já gostava de quí-mica, porque tive, então, excelentes professores, e me interessei pelacarreira; saiu da minha cabeça a história de estudar medicina. Numprimeiro momento, queria fazer química industrial, ganhar dinheiroe voltar para fazer a escola de medicina. Fiz, portanto, dois colegiais:o científico e o técnico em química, mas gostei tanto de química, queme tornei professor!

Fui ao Colégio Oswaldo Cruz, porque eles anunciavam aabertura de uma escola de química industrial em nível superior e deengenharia química. Fui lá fazer o cursinho preparatório e, quandochegou o momento do vestibular, eles disseram: “Infelizmente, não

516

Fui fazendoambiente,conhecendo aspessoas, come-cei a conversarcom os enge-nheiros: “Quan-do houver umavaga, pensemem mim.”

Page 33: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

conseguimos a autorização do MEC para funcionar, mas em Mogi es-tá abrindo um curso de química.” Fiz o vestibular em Mogi, ingresseie comecei a dar aulas.

Minha vida era assim: eu trabalhava na Microlite, morava noBelenzinho, onde minha mãe trabalhava como tecelã, e toda noite iapara Mogi das Cruzes. Lá, o dono da Universidade de Mogi das Cruzes,o padre Manoel Bezerra de Melo, foi à minha sala perguntar quemgostaria de dar aula de Desenho Geométrico. Eu tinha feito o cursinhocom um professor maravilhoso de Desenho Geométrico, o engenheiroAdilson Pinto Maronte, por isso me senti apto e aceitei a empreitada.

Onde o senhor passou a lecionar? No Colégio de Aplicação da Universidade. Saía dez minutos

antes do término das minhas aulas, dava as duas últimas aulas noColégio de Aplicação, terminava às 23h10 e pegava o trem às 23h25. Iadormir à uma hora da manhã, às 06h30 já estava de pé. Mas não mearrependo.

No terceiro ano de faculdade, eu já lecionava no Ateneu RuiBarbosa, onde criei o curso de química industrial, no colégio em Mogidas Cruzes, e fui chamado para ensinar aqui em Guarulhos no antigoColégio Claretiano, um colégio de padres.

O senhor continuava na Microlite? Não, tinha passado para uma indústria de recuperação de

metais preciosos, a Treves Fábrica de Jóias. Uns clientes dessa fábricaqueriam montar uma empresa, e quando saí da Treves para me dedi-car exclusivamente ao magistério, fui chamado:“Veronezi, queremosque você monte a indústria para nós.” Como aleguei que não tinhatempo, eles me propuseram ficar só na parte da tarde. Eu tinha pas-sado num concurso para ser diretor de colégio do estado à tarde; de-sisti e fui montar a indústria para esse grupo, a Carol Purificação deMetais Preciosos, que depois se desdobrou em Purimil — o dono daCarol se chama Antônio Calegari e é meu amigo até hoje; o da Puri-mil, seu irmão, é José Calegari.

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

517

Page 34: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

O senhor continuava correndo contra o tempo? Sempre. Acordava de manhã e ia para a Penha dar aula; de lá,

vinha para o Colégio Claretiano; saía daqui, pegava um ônibus para oBelenzinho. Passava dez minutos em casa, comia alguma coisa; toma-va um ônibus no largo São José do Belém, ia para o Ipiranga, onde fi-cava a Carol, e trabalhava até 17h30. Às 18h10 pegava o trem para Mogi,dava umas aulas, assistia a outras e voltava para casa. No final de umano, consegui comprar um carrinho. Às vezes, eu ia direto para a escola— isso é uma coisa maravilhosa, que os alunos contam de mim até hoje— dos bailes de formatura, de smoking alugado; dormia dentro do car-ro, e o pessoal me acordava:“Professor!”Vestia o avental e ia em frente.

Fui levando essa vida e, logo que me formei, por coincidênciaos padres do Colégio Claretiano anunciaram que iriam arrendar a es-cola para se dedicar mais à parte confessional e a uma gráfica enormeque possuíam, a Editora Ave Maria. Eu disse:“Vou juntar alguns profes-sores, e nós arrendaremos a escola.” E assim foi feito: arrendamos a es-cola em 1969. Éramos seis sócios, eu e mais cinco: Varesio Felice, AyltonHeringer, João Prudente do Amaral, Milton Dini Maciel e Ennio Chiesa.

Essa foi a origem da Apec, a Associação Paulista de Educação e Cultura? Isso mesmo. Primeiro arrendamos o colégio, depois nos reu-

nimos e decidimos que eles cuidariam do colégio, no seu cotidiano, eeu trataria da criação da faculdade aqui. Alguns disseram: “Você élouco?!” Foi a primeira de muitas vezes em que fui chamado de louco.Pois bem: fundamos a Apec e criamos as Faculdades Farias Brito, quecomeçaram a funcionar em 1970.

Por que as faculdades levaram o nome de Raimundo de Farias Brito, um filósofo cearense? O problema é que, ao mesmo tempo, outra instituição aqui

da cidade também estava criando uma faculdade de filosofia, as Fa-culdades Integradas de Guarulhos. E era um grupo tido como muitopoderoso. Eu, um garotão — tinha 26 anos, na época —, pensei:“Esse

518

Alguns disse-ram: “Você élouco?!” Foi aprimeira demuitas vezesem que fuichamado delouco. Pois bem:fundamos aApec e criamosas FaculdadesFarias Brito, quecomeçaram afuncionar em 1970.

Page 35: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

pessoal vai nos atropelar, e nosso processo no MEC não vai andar.Como fazer para despistar? Sugeri batizar a Faculdade com um nomeneutro, os demais concordaram, e procuramos o nome de um filósofo.

Pesquisando, aprendi que Farias Brito era o único filósofobrasileiro reconhecido internacionalmente, e decidimos: ”Está aí, va-mos homenagear o Farias Brito, do Ceará.”Todo mundo ia pensar quea nova faculdade seria aberta no Ceará e não chamaria tanto a aten-ção como “de Guarulhos”. Pensei que quando nossos concorrentes per-cebessem, já teria passado. E foi o que aconteceu.

E quando se transformou em universidade o senhor trocou o nome.Sim, porque tínhamos que dar uma posição geográfica à insti-

tuição. Batizamos como Universidade de Guarulhos. As Faculdades Inte-gradas de Guarulhos ainda existiam, com cursos de filosofia, ciências eletras.Não nos preocupamos em sobrepujá-las;preocupamo-nos apenasem criar a nossa. Eles continuam até hoje como faculdades integradas.

Com quantos cursos as Faculdades Farias Brito começaram a funcionar? Com cinco cursos, em 1970: letras, ciências sociais, matemá-

tica, pedagogia e química. Em 1971 vieram biologia, física, psicologia,estudos sociais e geografia.

Por que o senhor decidiu criar uma faculdade naquele momento? Havia demanda para isso? Tínhamos arrendado um colégio que não estava em franca

ascensão; ao contrário, vinha numa trajetória descendente. Com nossachegada, houve um pequeno avanço no colégio, mas ele não era sufi-ciente para avançar. Ao mesmo tempo, o ministro Jarbas Passarinhoconclamava as escolas para que se transformassem em instituições deensino superior, devido à falta de vagas e às constantes greves dos estu-dantes.4 Hoje, discutimos muito com o governo federal: “Vocês noschamaram para cumprir uma missão, para suprir uma deficiência de

4 Até a Reforma Uni-versitária (Lei n. 5.540,de 1968), o ingressonas universidades era feito através deconcurso vestibularcom caráter elimi-natório. Na década de1960, com o aumentosubstancial da de-manda por ensinosuperior, o número decandidatos aprovadosfreqüentementeultrapassava a dispo-nibilidade de vagas,gerando enormescontingentes de can-didatos que, mesmoaprovados no concur-so, não podiam matri-cular-se: eram os “ex-cedentes”. A questãodos excedentes logotransformou-se emuma das principaisbandeiras do movi-mento estudantil emsua luta por reformu-lações no ensino su-perior e foi largamen-te explorada pelaimprensa. Diantedeste quadro, a ges-tão de Jarbas Passari-nho à frente do Minis-tério da Educação(1971-1974) autorizou aabertura de inúmerasinstituições particula-res de ensino superiorque pudessem suprira demanda cada vezmaior de egressos docurso secundário.Ver DHBB e Martins,Carlos Benedito.Ensino superiorbrasileiro: transforma-ções e perspectivas.São Paulo, Brasiliense,1988.

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

519

Page 36: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

vocês e hoje nos colocam como marginais do processo. Vocês não tive-ram competência para assumir a tarefa.” Hoje, nós respondemos por75% do alunado. Não fosse esse chamamento, talvez tivéssemos ficadonos nossos colégios e deixado o ensino superior para o governo.

Atualmente, o governo federal tenta mascarar sua incompe-tência acusando-nos de algumas pequenas deficiências, que realmen-te temos. Afinal, o desenvolvimento do ensino superior particular nopaís é muito recente. Mas se analisarmos bem, o ganho do aluno nu-ma universidade particular é muito maior do que numa universida-de pública, porque o estudante que entra numa escola pública de 3ºgrau já está muito bem preparado; é um aluno que vem dos colégiosparticulares. É quase um aperfeiçoamento, porque ele já tem a baseforte. Nós, da universidade particular, temos que suprir as deficiên-cias do mau ensino que o estudante recebe na escola pública de 1º e2º graus, temos que recuperá-lo e levá-lo à formação. Hoje 65% dosexecutivos de São Paulo saem da universidade particular — eu já sa-bia, e a revista Veja publicou isso no mês passado. 5

Ora, em vez de massacrar a escola particular, como algunsteimam em fazer, por que não a ajudam a melhorar seu nível? Por queo governo não muda o sistema de financiamento da educação? Nos-so país já fez 500 anos e ainda trata a educação como no tempo dacatequese, quando dávamos dinheiro para as igrejas catequizaremos índios. Continuamos a dar dinheiro às “igrejas” — como chama-mos as universidades públicas —, em vez de dar dinheiro ao índio edeixá-lo escolher sua “igreja”. Ou seja, em vez de dar dinheiro às uni-versidades, por que não se dá dinheiro ao estudante para que ele pró-prio escolha sua escola? Com isso, você vai nivelar para cima a quali-dade do aluno que entra nas instituições de ensino e melhorar o nívelde todas. Não tem sentido para um estudante que mora em Presiden-te Prudente, por exemplo, ingressar na Universidade de São Pauloporque é gratuita; ele vem para a USP, às vezes tem moradia gratuita,isso e aquilo, o que dá uma despesa bem maior do que se ele recebes-se o dinheiro lá mesmo e entrasse numa universidade de PresidentePrudente ou da região.

520

5 Revista Veja de20/3/2002. São Paulo,Ed. Abril, ano 35, n. 11,p. 100-103.

Page 37: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Dirão vocês: “E a pesquisa da universidade pública? Ela fazuma pesquisa muito mais profunda, um trabalho de pós-graduaçãomuito mais eficiente.” É verdade. Vamos separar, então, essa verba eentregá-la à universidade pública, para fazer pesquisa e pós-gradua-ção, mas sem deixar de apoiar a universidade particular que as façatambém. O ensino de graduação, entretanto, não pode continuar dessejeito. O aluno da escola particular, mesmo quando recebe o Fies, o Fi-nanciamento Estudantil, é punido; no final do curso, ele tem que res-sarcir o Estado, enquanto o aluno da escola pública não tem qualquercompromisso. Por quê? Ou os dois pagam ou nenhum dos dois paganada! Que tratamento desigual é esse?

Minha filha estudou na USP; é até justo, porque sou um bomcontribuinte de impostos. Mas eu poderia pagar uma universidade pri-vada para ela. É justo a minha filha entrar na Escola Politécnica e nãopagar, e o filho do meu motorista — por hipótese, não é o caso — en-trar na minha universidade e ter que pagar? Não é justo. Além dissotudo, há um congestionamento nas universidades públicas que temde ser evitado. É a própria UNE que diz isso: há alunos na USP há 19,20 anos. Deveriam ser jubilados.

Na sua opinião, a gratuidade do ensino superior deveriaser função da condição socioeconômica do aluno? Certamente. O aluno deveria ter gratuidade aqui, em Ribei-

rão Preto, no Ceará, em escola pública ou particular. Seria fixado umteto: a família que recebesse acima de 30 ou 40 salários mínimos nãoteria gratuidade; o aluno que fosse reprovado uma vez, começaria apagar 50%; na segunda vez, seria jubilado ou pagaria 75%. O que nãoé possível é ficar completamente impune. Eu tenho discutido isso comalguns parlamentares e políticos em geral. O ex-ministro da Justiça,Aloysio Nunes Ferreira, por exemplo, me disse:“Veronezi, pela lei o Es-tado não pode financiar a escola particular.” Eu respondi: “Há umequívoco no seu raciocínio. Não queremos que o Estado financie auniversidade, mas o estudante.” Mas, mesmo que assim fosse, se hou-vesse consenso e a lei impedisse, deveríamos mudar a lei.

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

521

Ora, em vez demassacrar a

escola particu-lar, como al-

guns teimamem fazer, por

que não a aju-dam a melho-rar seu nível?Por que o go-

verno nãomuda o sis-

tema de finan-ciamento da

educação?

Page 38: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

E outra coisa: por que a escola pública custa tão caro? Por-que há um número excessivo de professores que nada fazem. Exis-tem disciplinas de alguns cursos, que prefiro não citar, que têm 16professores para 12 alunos — esse número existe. Graças a Deus, hou-ve uma ameaça de mudança no critério de aposentadoria dos pro-fessores das universidades públicas, que são competentes, e muitosfugiram; aposentaram-se e vieram para as universidades particula-res. Com isso, nosso nível melhorou bastante, porque eles estavamacomodados; isso ajudou muito a escola particular. Houve uma mi-gração boa, muito positiva. Mas foi por acaso, não foi com esse pro-pósito; o governo não pressionou para isso, mas deveria pressionar.

O senhor falou em financiar separadamente a pós-graduação e a pesquisa. Mas segundo a Lei de Diretrizes e Bases a idéia é que haja uma integração entre ensino, pesquisa e extensão.Claro, só que o governo, quando quer mascarar esses fatos e

criar peso estatístico, cria a figura dos centros universitários, porexemplo, dos quais não é exigida nem a pesquisa nem a extensão. Ocentro universitário é uma excrescência do sistema.6 Foi criado por-que o governo precisava de estatísticas positivas, precisava mostrar quemelhorou e, na minha opinião, separar o financiamento não significadesobrigar a universidade particular. Apenas destinar verbas sepa-radamente para que não sejam desviadas ou mascaradas.

A chancela da universidade é mais respeitável que a do centro universitário? Em termos acadêmicos, sim, porque se exige muito mais da

universidade. Mas não em termos sociais, porque o estudante de 18,19 anos não sabe diferenciar uma coisa da outra. O que acontece? Elevai para um centro universitário que, por ter custos menores, podeser mais barato. O centro universitário acaba atraindo o estudante, ea universidade fica penalizada. Agora, quando nosso conjunto de fa-culdades foi transformado em Universidade de Guarulhos não havia

522

6 O Decreto n. 2.207, de15/4/1997, define centrosuniversitários comosendo “instituições deensino superior pluri-curriculares, abrangendouma ou mais áreas doconhecimento, que secaracterizam pelaexcelência do ensinooferecido, comprovadapela qualificação do seucorpo docente e pelascondições de trabalhoacadêmico oferecidas àcomunidade escolar”. Omesmo decreto estendea centros universitáriosautonomia para criar,organizar e extinguircursos e programas deeducação em sua sede edetermina que elespodem usufruir aindade outras atribuições daautonomia universitá-ria, uma vez que cons-tem em seu ato decredenciamento. Essasprerrogativas dos centros universitáriosforam mantidas peloDecreto n. 2.306, de19/8/1997, que revogou o Decreto n. 2.207.Ver Coleção das Leis daRepública Federativa doBrasil, v. 189, n. 4, t. 2.Brasília, ImprensaNacional, 1997.

Page 39: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

essa opção de virar centro universitário. É outra coisa curiosa no Bra-sil: você começa a obedecer a determinada regra e, no meio do cami-nho, a regra muda. Prejudicando quem obedeceu e beneficiandoquem não foi capaz ou não se habilitou.

Se houvesse a figura do centro universitário,na ocasião, a instituição teria optado por esse caminho? Na ocasião seria preferível. Hoje, não; porque mesmo que o

soldo do coronel fosse maior que o do general, este não aceitaria dimi-nuição de patente para receber mais dinheiro. Mas não sei se interes-sam a vocês essas digressões.

Além da trajetória da instituição, nosso interesse é também conhecer a sua visão do sistema educacional.A maioria das pessoas que está na educação superior — não

estou dizendo a totalidade — está lá por vocação, podem acreditarnisso. Aqueles que vieram por mercantilismo são mais recentes e sãopoucos. Vou contar uma historinha. Como já contei, eu estudei no Co-légio São Judas Tadeu. O prof. Mesquita e a d. Alzira, que ainda é viva,não queriam criar uma faculdade — aliás, criaram o colégio no porãocomeçando com um curso de admissão ao ginásio. Fui à casa deles,na Avenida Paes de Barros, convencê-los a criar a faculdade e monteitodo o processo, junto com o saudoso prof. Aloisio Neves, consultor naépoca. O prof. Naddeo, que era o dono do Liceu Santo Afonso, tambémera uma pessoa de vocação. Quando eu o procurei para criar as Facul-dades Integradas da Zona Leste, ele argumentou: “Mas o colégio estáredondinho, por que vou mexer nisso?” Respondi: “Porque, se o senhornão fizer, vem um aventureiro e faz. E o senhor, que é uma pessoacompetente, tem que ocupar esse espaço.” Foi o que eu tinha dito aoprof. Mesquita e foi o que eu disse ao Edson Franco, que era revisor delivros da Editora Abril, e que eu convenci a montar o Cesep, atual Uni-versidade da Amazônia.

Não sei se Edson Franco lhes contou essa história. O ministroJarbas Passarinho me pediu que o ajudasse; aliás, o ministro foi outro

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

523

A maioria das pessoasque está na

educaçãosuperior —

não estoudizendo a

totalidade —está lá por

vocação,podem acredi-

tar nisso.Aqueles que

vieram pormercantilismo

são maisrecentes e

são poucos.

Page 40: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

que me chamou de louco:“Sei que você é o único louco capaz de fazerisso.” Juntei o Edson Franco, o secretário de educação de Belém e oPaulo Batista, que era secretário do Mackenzie; criamos para elesuma sociedade civil em Belém e fomos juntos pedir o colégio das ir-mãs para alugar. Cheguei a ir à casa do Edson, no Ipiranga, convencersua mulher, a Nazaré, a voltar para Belém, porque a cidade precisavade uma escola superior. Assim como eu, outros tantos incentivaramseus colegas no sentido de atender ao chamamento.

Esta movimentação aconteceu na década de 1970? Isso mesmo. Houve um período, entre 1971 e 1978, em que,

por ter discutido com meus sócios na Apec, fiquei afastado da socie-dade. Quando isso aconteceu, recebi inúmeras ofertas de trabalho: aUniversidade Brás Cubas me convidou para ir para lá; a São Judas Ta-deu também me queria, e o pessoal da Zona Leste queria que euficasse na sociedade. Em Bragança Paulista existia uma faculdade dedireito que estava sob intervenção federal. De minha parte, eu procu-rava um desafio. O pessoal de Bragança Paulista me convidou, e eudecidi: “Vou para lá.”

Qual era a razão da intervenção federal? A faculdade era acusada de dar “cursos de fim de semana” —

depois que fui para lá, não deu mais; antes, não vou dizer se isso existiaou não, fica por conta da história. Quando cheguei, ditei as regras: “Ve-nho, mas sob tais condições; o salário pouco importa. Vamos fazer as-sim: quero o salário de um secretário, mais um cruzeiro a mais por cadanovo aluno que eu trouxer para a organização. Está bom?”Concordaram.

Primeira providência, sanear as pendências. Comecei a dar cre-dibilidade à instituição, levando pessoas lá. Houve um fato curiosíssimo,na época. Fiz o prefeito de Bragança convidar a secretária estadual deEducação, Esther de Figueiredo Ferraz, que era membro do ConselhoFederal de Educação,para inaugurar uma escolinha na cidade. 7 Ela faziaseveras críticas à instituição, pelo que eu ouvia. Fiz questão de vir a São

524

7 Ester de FigueiredoFerraz (1915- ) foi mem-bro do Conselho Federalde Educação entre 1970e 1982 e secretária deEducação do estado deSão Paulo entre marçode 1971 e agosto de 1973.Foi ministra da Educa-ção de agosto de 1982 amarço de 1985, tornan-do-se a primeira mulhera ocupar um ministériono Brasil. Ver DHBB.

Page 41: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Paulo buscar pessoalmente a profa. Esther, com quem já tinha umaamizadezinha anterior, e quando ela se deu conta, estava na porta daFaculdade de Direito de Bragança, que ela tanto criticava. Ela reclamou:“Veronezi, isso é uma traição.”Eu respondi:“Tem um objetivo. Quero quea senhora continue criticando esta faculdade de direito, mas depois deconhecê-la.” A secretária desceu do carro, percorreu as instalações. Aí eudisse:“Professora, o plano de trabalho é este, nós estamos tomando taise tais providências. O diretor é Nelson Carrozzo, de quem a senhoragosta.” O resultado foi que ela saiu de lá com outra idéia.

Em 1972 criamos a escola de medicina em Bragança, a Facul-dade Bandeirante de Medicina, a última a ser autorizada pelo Conse-lho Federal de Educação — as outras, depois, foram só por meio deimposição da autonomia universitária. E a profa. Esther foi decisivapara a autorização, dizendo: “Estamos autorizando o funcionamentodesta escola” — está nos anais do Conselho — “porque sabemos quequem está à testa desta organização é o Veronezi, que merece o nos-so respeito e a nossa admiração.” Falou publicamente. Eu saí todo or-gulhoso da sessão.

Criamos essa escola de Bragança, a de Itatiba e as FaculdadesSanto Antônio. Até que o dono dessa organização — era o Instituto deEnsino Superior da Região Bragantina e hoje se chama UniversidadeFranciscana e pertence aos padres franciscanos — começou a desvir-tuar o projeto. Eu tinha uma proposta educacional, mas vi que a coisaestava indo mais para um lado mercantil, deixando de lado a quali-dade. Um determinado dia, desencantado, fui a ele e pedi demissão,sem mais nem menos. Ele me perguntou: “Para onde você vai?” Res-pondi:“Para lugar nenhum. Estou cansado da educação da forma comoestá. Vocês não querem fazer uma coisa séria, e eu não quero maisficar na educação deste jeito.” Fui embora.

Na época, meu sogro tinha uma loja de ferragens e estava pen-sando em fechar, porque queria descansar. Juntos, meu cunhado e eupegamos essa loja de ferragens, a Casa Poli; transformamos em PoliShopping, o primeiro shopping da cidade de Guarulhos. Mexemostanto com a cidade que, em 1976, fui eleito presidente da Associação

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

525

De minha par-te, eu procura-va um desafio.

O pessoal deBragança Pau-

lista me con-vidou, e eu

decidi: “Vou para lá.”

Page 42: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Comercial. Nessa época, criei uma revista chamada Revista da ACIG(Associação Comercial e Industrial de Guarulhos), que teve algunsnúmeros publicados. Cansado de ficar na Associação Comercial de-pois de dois mandatos, propus que houvesse uma eleição e não mecandidatei. Como sabia que meu sucessor faria mau uso da revista,comecei a imaginar uma revista cujo nome tivesse a mesma sonori-dade, fosse parecida mas mantida de maneira privada. Resultado,passei a editar a Revista Siga — era Siga Esportes, Siga Lazer, SigaCultura, Siga Política. A revista existiu durante 20 anos, cobrindo a vi-da cultural da cidade e a revista da Associação Comercial acabou.

Nesse meio-tempo, eu continuava recebendo convites paravoltar para a área da educação, mas recusei todos, porque não eramsérios. A própria Esther de Figueiredo Ferraz, quando se encontrava comminha mulher no cabeleireiro, dizia:“O Veronezi precisava voltar. Falecom ele.” Mas eu recebia os recados e resistia, porque estava meio de-siludido, magoado. Em 1978, meus antigos sócios nas Faculdades Fa-rias Brito foram ao Poli Shopping me chamar de volta: “Veronezi, pre-cisamos de você.” Pensei 30 segundos e aceitei. Vim aqui e disse:“Tudobem, aceito mas quero assumir o comando. Nada de colegiado. Eu to-mo as decisões, e vamos tocar a vida.” Aceitaram, e eu voltei em 1979.

Logo depois o senhor foi eleito vice-presidente da Amesp, a Associação das Mantenedoras do Ensino Superior de São Paulo? Sim, por causa das lides todas. Minha primeira proposta foi

transformar a Associação em sindicato; junto com o presidente, Luís Pau-lo Schiavon, levamos a cabo o projeto. O primeiro presidente do Sindicatofoi Ernani Bicudo de Paula, atual reitor da Universidade São Marcos. Eufui o primeiro vice-presidente. Tinha bom trânsito com todos, pela ami-zade, pelo companheirismo que tínhamos em Brasília. As coisas erambem diferentes, naquela época; os procedimentos eram completamentetransparentes, um ajudava o outro ostensivamente, claramente. Se umainstituição estava em dificuldades, a outra corria para ajudar; não éra-mos concorrentes e sim parceiros defendendo o sistema como um todo.

526

Page 43: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Na sua opinião, isto mudou hoje em dia? Mudou bastante, infelizmente. Nós somos um sistema e de-

veríamos funcionar como tal, e não ficar colidindo. No Rio de Janeiro,sobretudo, virou uma selva, as pessoas estão se digladiando pelo aluno.São Paulo ainda não chegou a esse ponto. Aqui em Guarulhos, porcausa da proximidade, temos 60% de alunos da capital; a maioriavem de lá, em busca de qualidade.

Por que essa diferença entre Rio e São Paulo? Acho que falta um pouco de ética a algumas instituições do

Rio — não me peçam para citar; vocês poderão identificar facilmente.Faltou um pouco de ética de procedimento; as pessoas avançarammuito para o lado comercial. Algumas instituições não procuraramconquistar o aluno por sua qualidade. Há uns seis ou sete anos, fize-mos um anúncio institucional, que terminava com um slogan: “Uni-versidade Guarulhos, certeza na qualidade do ensino.” Isso calou fun-do em muitas escolas.

Aqui em São Paulo, apenas duas escolas se digladiam poralunos: a Unip, Universidade Paulista, e a Uniban, Universidade Ban-deirante de São Paulo. As outras ficam tentando diminuir essa coli-são, porque tem espaço para todo mundo. Eu me orgulho de ser umaespécie de catalisador desses entendimentos, não deixando que a guer-ra se declare. Sou amigo do João Carlos Di Gênio, da Unip, e sou amigodo Heitor Pinto Filho, da Uniban; converso com os dois. Não me pergun-tem qual dos dois tem razão, porque eu não vou responder. Afinal, cadaum tem seu motivo para proceder desta ou daquela forma.

Vejam o Di Gênio, por exemplo; se ele disser que tem cincoamigos, tenho certeza de que vai dizer que um deles sou eu. Quem fez oprojeto da universidade dele fui eu, com muito orgulho. Queriam lhecobrar uma fábula de dinheiro, mas eu disse:“O que é isso, João?! Vo-cê não vai pagar coisa nenhuma! É uma questão de filosofia, e vocênão pode aceitar o prato pronto. Tem que discutir.” Fiz o primeiro es-tatuto e o primeiro regimento de sua universidade. Ele é uma pessoainteligentíssima, merece o sobrenome que tem.

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

527

No Rio deJaneiro,

sobretudo,virou uma

selva, as pessoas estão

se digladiandopelo aluno.

Page 44: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

O senhor redigiu os estatutos de outras universidades também? Cedi meus documentos para outras instituições. O estatuto

da nossa Universidade foi redigido por mim, não copiei de ninguém.Quando algumas me pediam para ter o meu projeto como espinhadorsal, eu cedia. Di Gênio foi o único que me chamou um mês depois:“Veronezi, quero almoçar com você.” Lembro como se fosse hoje; fuiao Hotel Nacional, e ele chegou com o estatuto e o regimento debaixodo braço. Foi logo perguntando: “Por que você incluiu isso e isso noregimento?” Eu respondia. E ele: “Por que você incluiu isso aqui noestatuto?” Ele sabe das coisas.

Heitor reclama porque o Di Gênio teve o privilégio de criarescola onde queria, e as outras não puderam. Eu lhe disse:“Olhe, Hei-tor, também fui atingido por isso, mas não posso me queixar.” O queaconteceu foi que houve um decreto, que durou apenas 60 dias, au-torizando a abertura de uma mesma escola em vários lugares; todomundo podia fazer. O Di Gênio foi esperto — talvez ele próprio tenhasugerido esse decreto —, estava atento e fez. O decreto foi extinto,mas ele criou dentro da lei. Não podemos condená-lo por isso, mesmoque tenha sido prejudicado. Ora bolas, eu que tivesse lido a lei! Po-dem ter baixado o decreto para beneficiar o Di Gênio, mas não podiamevitar que outros se beneficiassem. Aproveitou quem estava atento.

Na sua opinião, as instituições privadas de ensino superiorsão mais dependentes dos homens que as dirigem? São, e vou dizer por quê. Infelizmente, algumas instituições

se povoam de familiares e criam um sistema muito doméstico de ad-ministrar. Se a família for competente, isso dá certo, mas é a exceção.O problema é que as pessoas priorizam a segurança familiar em lugarda competência. Vou dar o exemplo aqui da nossa organização. Fi-quei como reitor até 1993, quando percebi que já não me julgava maiscompetente para dirigir academicamente a Universidade de Guarulhos.Podia continuar dirigindo a Associação, que é a entidade mantene-dora, mas não tinha mais condições de me dedicar à Universidade

528

Se a família forcompetente,isso dá certo,mas é a exce-ção. O proble-ma é que aspessoas priori-zam a segu-rança familiarem lugar dacompetência.

Page 45: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

tanto quanto deveria, sendo reitor. Então, tinha que escolher alguémpara assumir esse papel.

É isso que tenho aconselhado as organizações a fazer: buscarno sistema gente competente para gerenciar academicamente suasinstituições, porque elas cresceram mais do que nós. Quando tínhamosuma “faculdadezinha”, tudo bem, íamos levando. Agora, quando se temum universo,é preciso estar atento todo dia, todo o tempo. A pessoa temque ter muito preparo e muita atenção. Ora, existem as questões admi-nistrativas: paga, recebe, compra, supre; mantém, que é o papel da enti-dade mantenedora. Além disso, há os problemas acadêmicos: cursos,pós-graduação, representatividade acadêmica externa. Não é possívelalguém fazer isso tudo. É preciso contratar profissionais competentes edar-lhes liberdade de ação. O que nos leva a outra questão: não adiantacontratar e esmagar; é preciso dar liberdade. É claro que há um risco.

Depois que o senhor deixou a Reitoria, quem assumiu? Saí em 1993, como contei a vocês, e meu sucessor foi o prof.

Henrique Luiz Varesio, já falecido; era o “último dos moicanos”que ficouaqui, filho de um dos sócios iniciais, Varesio Felice. A sociedade inicialmudou bastante. O Ennio já tinha falecido, e seu filho, que participouum pouco, retirou-se porque se interessava mais por publicidade. O Mil-ton estava muito cansado, doente, e disse:“Não quero mais saber disso.Quero só dar aulas.” Saiu. O Prudente também saiu; agora está dirigin-do uma faculdade aqui na cidade. O Aylton foi para Fortaleza. O Varesioainda está vivo; seu filho Henrique faleceu e sua nora, Alayde Cremoni-ne Varesio, esposa do Henrique, permanece aqui como minha sócia.

Mas enfim, o Henrique e eu decidimos terceirizar, digamosassim, a Reitoria; ficarmos na mantenedora. Contratamos um homemmuito competente, com um currículo maravilhoso, que não deu certo,porque tinha ocupações das quais não conseguiu se livrar. Para ten-tar de novo, contratamos Alexandre Estolano como pró-reitor acadê-mico e colocamos na Reitoria uma “prata da casa”, o Sérgio Mantova-ni, que já tinha sido tudo aqui, até aluno. Quando sentimos que oEstolano estava pronto, nós o nomeamos reitor.

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

529

Page 46: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Voltando um pouco: o senhor retornou à sociedade em1979, e em 1982 a Faculdade se transformou em CentrosIntegrados. O objetivo já era tornar-se uma universidade? Quando criamos os primeiros cursos, já pensávamos em

universidade, por isso pedimos autorização para abrir cursos em to-das as áreas; não nos restringimos aos cursos de ciências humanas, oque seria muito mais cômodo. É como todo mundo começa: adminis-tração, direito, geografia, história, letras, pedagogia. Nós não; pensa-mos assim: “Se queremos chegar lá, temos que começar da maneiracerta.”Vejam que não criamos inicialmente o curso de direito, que foicriado muito depois. Como já existia uma escola de direito na cidade,não vimos necessidade de criar outra logo no início.

Na área de saúde, começamos logo com psicologia, depoispsicologia clínica e enfermagem. Após a transformação em universi-dade vieram veterinária, nutrição e fisioterapia.

Houve alguma tentativa de integrar outras instituições? Tentamos, mas sem sucesso. Em 1985 chegamos a chamar as

duas outras instituições existentes na cidade — uma de direito e admi-nistração e uma de filosofia — para criar um bloco só:“Vamos criar umaúnica universidade. Nós ficamos com os cursos de ciências exatas, por-que já estamos preparados; a Vila Rosália, que já tem o curso de direito,fica com as ciências humanas; e a FIG, Faculdades Integradas de Gua-rulhos, que é menorzinha, fica com os cursos da área de educação.”

Discutimos, discutimos, discutimos. Começamos a perceberque queríamos avançar, e eles queriam nos segurar. Até que, numa de-terminada reunião, eu disse:“Já decidimos. Conversei com os conselhei-ros que estão nesse projeto, e alguns já disseram:‘Veronezi, esse pessoalestá demorando muito, por que não vão vocês?’ Então, vamos.” Em umareunião, questionei uma decisão final de nossas pretensas parcerias,que resolveram que “montar uma universidade será muito oneroso.”Ti-nham alguma razão, mas pelo lado comercial, não pelo institucional.

Se a integração tivesse tido sucesso, hoje seríamos um gigan-te. Temos aqui na Universidade Guarulhos 16.500 alunos, a FIG deve

530

Quando criamos osprimeiros cursos, já pensávamos emuniversidade,por isso pedimos autorizaçãopara abrir cursos em todas as áreas…

Page 47: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

ter uns três mil, e o pessoal da Vila Rosália, uns seis mil. Então, tería-mos hoje uma universidade com 25 mil estudantes, mais flexibilida-de e um negócio mais estruturado. Não foi possível, mas tudo bem.Agora já criamos a Unidade V.

O que é a Unidade V? Estamos na Unidade I, onde fica a Reitoria. A Unidade II é o

nosso centro de educação física, centro desportivo, que estamos reto-mando, depois de um período de dificuldades financeiras. A UnidadeIII fica em São Paulo e só tem cursos de pós-graduação, com especiali-zação. A Unidade IV é o Hospital Veterinário, aqui em Guarulhos. E aUnidade V é o campus da Phillips, onde antigamente havia uma fá-brica, em frente ao shopping, que nós — eu, o shopping, vamos dizerassim — compramos para uma expansão futura, e hoje está cedido àUniversidade. Abriga parte da graduação, com 1.500 alunos, mais daárea de ciências humanas.

Em 1985, o senhor iniciou o processo de transformação em universidade junto ao ConselhoFederal de Educação. Como foi a tramitação? Quando criamos os Centros Integrados, já pusemos neles a

estrutura de universidade. O que a comissão de acompanhamentofez foi analisar se estávamos, de fato, implantando aquilo que propu-semos na carta-consulta e que já vínhamos fazendo. Costumo dizer,exageradamente, que a universidade começou de fato em 1970, masse fosse mais comedido, diria que ela começou em 1982, com a modi-ficação para Centros Integrados, não em 1985. O passo para ser univer-sidade foi muito pequeno, foi quase uma questão de ordem burocrá-tica, porque já dispúnhamos do centro de pesquisa — somos centrode excelência em geologia, por exemplo. Judite Garcia, que dirigenosso Centro de Geologia, foi nossa aluna, fez mestrado, doutorado eestá aqui desde jovem. Para vocês terem uma idéia da qualidade des-se Departamento, o pessoal da USP vem usar o nosso equipamento,na área de geologia, e trocar idéias com nosso pessoal.

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

531

Page 48: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Há alguma explicação para a geologia ter tido esse desenvolvimento? Vocação. Não adianta equipar um baita laboratório e não ter

quem use. Costumo dizer que quando existe a demanda,você responde.Vou contar uma passagem da minha vida que espelha esse

comportamento. Quando criamos a Escola de Medicina de BragançaPaulista, eu a dirigi por algum tempo. Até que um professor exigiu ca-dáver fresco para poder ensinar aos alunos, dizendo:“O cadáver precisareagir e sangrar; preciso ter cadáver fresco. Como vamos fazer?” Respon-di: “Não sei. Não me consta que alguma escola tenha isso.” Fui ao Insti-tuto Médico Legal de São Paulo, convenci o pessoal a ceder cadáveres pa-ra a faculdade, compramos um carro frigorífico e fizemos um convênio:a Escola de Medicina de Bragança faria autópsias para o IML de SãoPaulo — o índice de acidentes e atropelamentos de madrugada émuito grande. O cadáver chegaria à faculdade às 07h30, oito da manhãe estaria liberado às 10h30, 11h; ao meio-dia a família já estaria com o ca-dáver. Cheguei todo feliz para o professor:“Conseguimos. Está tudo OK:fechamos o convênio.” Aí ele me disse:“Esqueci de lhe dizer que mudei omeu projeto e não vou precisar mais.” Eu retruquei:“Desculpe, mas vocêvai usar os cadáveres, ou está despedido e eu vou contratar um profes-sor que use. Você provou para mim que era necessário, agora vai fazer.”

Para dirigir competentemente uma instituição, é preciso teralguém que goste do que faz. Esta instituição, por exemplo, talveznunca se tivesse transformado numa universidade se eu não estives-se à frente, com uma equipe entusiasmada. Quando meus sócios fica-ram sozinhos, a instituição progrediu um pouco pela própria inércia.Não que eles não se esforçassem ou fossem incompetentes. Mas fal-tava vocação. A transformação só aconteceu depois que eles foramme chamar, porque sentiram que o projeto inicial ficou um pouco àderiva. Tem que ter quem toque. Eu digo isso até ao ministro, digo atodo mundo do MEC: “Vocês se preocupam se a instituição tem pré-dio, livro etc., mas têm que se preocupar com quem vai dirigir.”

532

Eu digo isso atéao ministro,digo a todomundo do MEC:“Vocês se preocupam se a instituiçãotem prédio,livro etc.,mas têm que se preocuparcom quem vai dirigir.”

Page 49: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Mas como o MEC poderia avaliar quem dirige? Tem que gastar tempo, assumir a responsabilidade e procu-

rar alguém que tenha o perfil. Comece a pensar e gaste tempo. Porque foi o Estolano o escolhido para ser reitor da Universidade de Gua-rulhos? Porque ele tinha uma história na Universidade Gama Filho,na Estácio de Sá. Já estávamos de olho nele. Agora, como o Ministérioda Educação poderia interferir no processo? Outro dia, eu disse aoministro:“Para evitar a excessiva interferência das famílias nas insti-tuições privadas de ensino, faça uma exigência: para assumir Chan-celaria, Reitoria e Pró-Reitoria tem que ter grau universitário.” O mi-nistro Paulo Renato respondeu: “Mas isto é óbvio!” Eu insisti: “Óbviopara o senhor. O sujeito bota o filho, bota a tia para receber o salárioe acha que pode fazer tudo. Ele é o reitor, nomeia um irmão comovice-reitor, o outro como pró-reitor acadêmico… Ora, para ser pró-reitoracadêmico, então, deveria ser exigido, no mínimo, pós-graduação.”

Não exigem nada disso. Se, em vez de exigir que tenhamoslaboratórios maravilhosos, exigissem titulação acadêmica para osdirigentes, seriam corrigidas inúmeras distorções que existem por aí.

Quando criamos a Associação Nacional das Universidades Par-ticulares, a Anup, existia uma universidade que ninguém queria trazer:“Temos que separar o joio do trigo.” Eu discordei, porque o julgamentoera precipitado, não havia uma avaliação técnica: “Se começarmos atratar todo mundo de maneira igual, vamos nivelar por cima. Então, va-mos trazer todo mundo, agir como se todo mundo fosse igual, depois agente vê. Se, de fato, os procedimentos não forem condizentes, toma-remos providências.”Não deu outra. Aquela universidade mostrou com-petência, e hoje é maravilhosa, é um dos melhores centros de zootecniae ensino florestal; podemos até citar o nome: Universidade de Marília.

Se eu sofrer um acidente no interior, não me levem para hos-pital, levem-me para a clínica de medicina veterinária deles. Estoufalando sério! Nós temos aqui o curso de veterinária, mas admitopara vocês: o da Universidade de Marília é uma das melhores escolasdo país. Tem um centro de produção de alimentos como vocês não ima-ginam. O dono, Márcio Mesquita Serva, era produtor de livros para con-

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

533

Page 50: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

curso público e criou um curso preparatório para esses concursos.Quando eu estava nessa organização, de Bragança Paulista, um dia meaparece o Márcio, que eu conhecera em Brasília: “Veronezi, posso colarem você? Não quero nada, só trabalhar ao seu lado durante seis meses.”Durante seis meses ele ficou comigo, depois comprou uma faculdade— ou criou — e foi embora. Hoje, é dono de uma universidade.

Antes da transformação em Universidade de Guarulhos, o alunado dos Centros Integrados Farias Brito era basicamente noturno? Sim, a maioria. Nos cursos de ciências humanas, até pelo per-

fil, o aluno trabalha de dia e estuda à noite. Os cursos das áreas deciências da saúde e de exatas é que têm um alunado que freqüentamais o período diurno, mas esses são mais recentes.

O senhor destacaria alguma questão como tendo sido mais problemática no processo de transformação em universidade? Foi uma passagem natural. Nossa maior dificuldade residia

na desorganização: não mantínhamos em dia a memória da institui-ção. Muita coisa que não julgávamos que poderia ser útil tinha sidoperdida. A comissão chegava e perguntava:“Vocês fizeram isso? Ondeestá?” Resposta: “Fizemos sim, mas não conseguimos encontrar osdocumentos.” Confesso que não éramos burocraticamente bem orga-nizados. A nossa situação acadêmica era boa, a nossa administraçãoera boa, mas a nossa documentação era muito mal organizada. Essetalvez tenha sido o maior entrave.

Quantas visitas foram feitas? Em dois anos a comissão nos visitou 11 vezes. E houve tam-

bém muita discussão, porque a própria comissão era plural. Tinha oprof. Antonio Carbonari Neto, que era matemático; a profa. Lucia He-lena Lodi, que era socióloga, e a profa. Estela dos Querubins, de Brasí-

534

Nossa maiordificuldaderesidia na desorganização:não mantínha-mos em dia amemória dainstituição.

Page 51: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

lia, que era pedagoga, se não me engano; até entre eles havia discor-dâncias quanto à filosofia a ser implementada. E eu discutia perma-nentemente com eles, porque considerava que não deveria implemen-tar alguma coisa que já não fosse da vontade do nosso corpo interno.Corrigir e dirigir, tudo bem; mas mudar o nosso rumo, não. Havia en-tre nós uma convicção — acho que essa é a palavra — do que quería-mos, e isso gerou alguma discussão. Mas não foi tanta porque, com-parado ao de outras universidades, nosso processo foi rapidíssimo.Por conta daquela preparação anterior, não saímos da condição de fa-culdades isoladas para a universidade; houve um encaminhamento,foi um crescimento natural.

O prof. Carbonari era da Universidade São Francisco, não era? Sim. Quando nós o conhecemos, ele tinha 26 anos, era pro-

fessor de matemática recém-formado. Eu era diretor de planejamentodo Instituto de Ensino Superior da Região Bragantina e tinha um pro-blema em Itatiba; chamei-o: “Carbonari, você será o diretor da Escolade Engenharia de Itatiba.” E ele foi.

Entre 1987, quando ocorreu o reconhecimento daUniversidade de Guarulhos, e 1993, o senhor foi seu primeiro reitor, como nos contou. Quais foram as principais iniciativas de sua gestão? Para falar a verdade, não senti uma grande transformação

em minhas atividades tradicionais; para mim, era uma coisa natural.E digo mais: eu imaginava que o reitor fosse ser o prof. João Ciprianode Freitas, então diretor-geral das Faculdades Farias Brito. Eu aindaestava em Brasília, quando eles me telefonaram e disseram paracomprar o jornal O Estado de S. Paulo. Estava lá, em matéria de 2 dedezembro de 1986, que faço questão de ler para vocês: “Universidadede Guarulhos Farias Brito se transforma. Em reunião do Conselho Fe-deral de Educação, no dia 1º de dezembro de 1986, foi aprovado oreconhecimento da Universidade de Guarulhos. Explica-se. O MEC,

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

535

Page 52: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

em janeiro de 1986, aprovou, através de parecer favorável, atransformação dos Centros Integrados de Ensino Superior FariasBrito em Universidade de Guarulhos. A partir de então, a instituiçãopassou a receber visitas periódicas, quase semanais, de uma comis-são de especialistas nomeada pelo MEC que acompanhou a implan-tação do novo modelo. Esta comissão, composta pelos profs. Estelados Querubins, Lucia Helena Lodi e Antonio Carbonari Neto terminouseus trabalhos em setembro último, concluindo, em seu relatóriofinal, pelo reconhecimento da Universidade, uma vez que, segundo aComissão, ‘a entidade já estava em condições de funcionar como tal’.Em novembro, a Câmara Especial de Educação se reuniu em Brasíliae, com base nos relatórios e nas visitas realizadas, concluiu por estara instituição em condições de funcionar de acordo com a nova estru-tura. No dia 1º de dezembro último, reunido em sessão plenária, oConselho Federal de Educação aprovou o voto da Câmara Especial ejulgou estar a Farias Brito em condições de funcionar na qualidadede universidade. O reitor da Universidade de Guarulhos, escolhidopor seus companheiros, é o prof. Antonio Veronezi. Os dirigentes daUniversidade são os seguintes professores: Antonio Veronezi, AyltonHeringer, Henrique Luiz Varesio e João Cipriano de Freitas.”

Sua escolha foi uma surpresa? Completa. Eu não sabia de nada, nem tinha esse objetivo. Fui es-

colhido por eles, cheguei aqui no dia seguinte, fizeram todas as homena-gens e tal.Aquelas comemorações naturais… E continuamos a tocar a vida.

Em 1995, uma portaria alterou o nome da instituição:retirou o “de” Guarulhos e fez modificações de estatuto.O senhor pode falar um pouco sobre isso? Meu primeiro discurso no Conselho Universitário dizia que

todos nós aprenderíamos a fazer uma universidade. Dizia que tínha-mos que contar com todo mundo, os membros escolhidos para o Con-selho Universitário, e assim foi feito. Anos depois, foi preciso adaptaro estatuto às modificações que a vivência foi trazendo. Baixamos por-

536

Page 53: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

tarias, publicamos editais, mas chegou uma hora em que tivemos queajeitar a casa. E foi o que fizemos. Com a perspectiva de montar uni-dades fora de Guarulhos, tiramos a palavra “de” Guarulhos, para queela fosse Universidade Guarulhos e não Universidade de Guarulhos.Mas os campi fora da sede acabaram não sendo permitidos.

Quando foi implantada a pós-graduação stricto sensu? Em 1992 foram defendidas as primeiras dissertações de mes-

trado, mas em 1995 foram implantados novos programas. Aí o reitorjá não era eu, de modo que não tenho registros muito precisos a esserespeito. Não sei se foi na gestão de Henrique Luiz ou se o reitor já eraManoel Gonçalves Ferreira Filho. Nesse momento, eu era apenas man-tenedor, e é aquela história: se você fica se intrometendo, os outros nãoconseguem trabalhar.

Uma vez, li um livro de Laurence Peter, chamado Todo mun-do é incompetente. O subtítulo é “inclusive você”. Ele trata das com-petências das pessoas: todos nós temos competências limitadas. Euprocuro ter muita visão a esse respeito. Meu filho mais velho, Ales-sandro Poli Veronezi, estudou administração na Getulio Vargas, depoisfez mestrado e MBA no Canadá. Tem muito boa cabeça para finanças,em que é muito mais competente que eu. Por isso, entreguei a ele asquestões financeiras do grupo: a mantenedora, o shopping… Dono debanco, gerente é com ele; não quero saber.

O senhor tem mais dois filhos, não é isso? Isso mesmo: Victor Poli Veronezi é o político: cuida da admi-

nistração, sabe lidar com as pessoas. Já foi vereador, mas se desencan-tou com a vida pública, como achamos que iria acontecer; infelizmentepara a cidade, felizmente para ele. É uma pena quando as pessoas com-petentes e corretas saem da política.

Tenho também uma menina, Ana Beatriz Poli Veronezi, quefez Escola Politécnica e, aos 23 anos, foi dirigir a construção da fábricada Audi em São José dos Pinhais, no Paraná. Ficamos boquiabertos quan-do recebemos a notícia. Ela foi escolhida entre 50 engenheiros porque

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

537

Com a perspec-tiva de montarunidades forade Guarulhos,

tiramos apalavra “de”

Guarulhos,para que ela fosse

UniversidadeGuarulhos e

não Universi-dade de

Guarulhos.Mas os campi

fora da sedeacabaram não sendo

permitidos.

Page 54: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

tem, além da competência, domínio completo do alemão — acho queessa foi a sua vantagem. Ela ficou lá um ano e meio, voltou, casou-se eagora está dando aulas no mestrado da Poli. Nunca imaginamos, nemeu nem minha mulher, que ela fosse seguir carreira docente, porqueela gosta mesmo é de construção. Tanto que, com o shopping, ela se de-liciou: comandou a construção de uma das alas do shopping — juntocom a empresa contratada, lógico.

A que partido pertencia seu filho? Ao PFL, Partido da Frente Liberal, de cujo diretório municipal

sou presidente, desde sua fundação. Fui para o PFL pelas mãos do de-putado Jorge Maluly Neto, 8 médico do interior, uma pessoa com quemeu tinha afinidade. Identifiquei-me com as pessoas do partido, comoCláudio Lembo, atual reitor da Universidade Mackenzie, presidentedo diretório estadual. Como todo partido, tem pessoas boas e pessoasmás, mas gosto de sua linha política. Sempre defendemos o capitalis-mo; acho que o mundo tem que se direcionar pelo capital e pelo tra-balho. Temos que ser democratas e capitalistas. Lembro-me de umafrase, acho que de um francês:“Todo jovem que não é comunista nãotem coração; e todo adulto que não é democrata não tem inteligên-cia.” É mais ou menos isso.

Quando jovem, eu participava de lutas estudantis, fui dire-tor da UNE, participei do movimento estudantil em Mogi das Cruzes.Peguei os anos bravos: 1966, 67, 68, imaginem. Tinha dois grandesamigos: José Serra e Walter Bareli, que foi ministro do Trabalho e hojeé secretário do Trabalho de São Paulo; ambos são socialistas por con-vicção. Eu sou capitalista, e nós três discutíamos essas teses tomandocerveja no bar; eles não mudaram nem eu, e nós continuamos amigos.E cada um foi tendo sucesso na sua área.

Sustento o seguinte: a pessoa que trabalha mais, conquistamais e empreende mais tem que ter esse reconhecimento pelo traba-lho que realiza. Essa história de dividir tudo e um trabalhar mais e ooutro trabalhar menos não é comigo. Eu sempre soube que o homemnão vale pelo que ele tem, mas pelo que faz.

538

8 Jorge Maluly Neto(1931- ), médico eadvogado, exerceudiversos mandatoscomo deputadoestadual de São Paulo(entre 1967 e 1975), efoi secretário deRelações do Trabalhodo estado de SãoPaulo (1975-1979),durante o governo dePaulo Egídio Martins.Eleito deputado federal em 1979, vemsendo reeleito desdeentão. Ver DHBB.

Page 55: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

O senhor teve uma trajetória de atuação em várias áreas. Fundou, por exemplo,em 1995, o jornal A Tribuna de Guarulhos.Isso mesmo. Havia um político, nesta cidade, que é dono de

jornal até hoje. Como só havia veículos de comunicação de sua pro-priedade, a cidade só ouvia e lia o que ele queria. Pensamos: “Vamosacabar com essa festa.” Montamos o jornal, que era semanal e passoua ser diário, e que começou a publicar as verdades da cidade. Quandoa política local foi saneada, interrompemos a publicação do jornal,porque o objetivo tinha sido atingido. Instituímos troféus, premiandopessoas da cidade; o primeiro chamou-se Troféu Paulo Francis, depois,Hermano Henning, e assim por diante. Na verdade, o jornal atuoucomo um instrumento de equilíbrio político.

O senhor já foi candidato a algum cargo eletivo? Sim, a deputado federal em 1986; tive quase 78 mil votos e fi-

quei como suplente, mas nunca cheguei a assumir. Eu me candidateipara mudar algumas questões básicas da educação brasileira. No to-cante ao financiamento, por exemplo, acho que há muita distorção,muito desvio de dinheiro público, gastos mal feitos. Está na hora deprivilegiar o estudante pobre, não a instituição. A instituição públicanem sempre é pobre; às vezes, é pública e é rica. Talvez não precisetanto do dinheiro quanto o estudante. Então, está na hora de passaro financiamento direto para o estudante que precisa. Além disso, can-didatei-me para poder participar da Comissão de Educação da Câmarados Deputados porque, às vezes, seus membros não conseguem defen-der bem alguns interesses, pois não têm a vivência do setor. Sem tri-buna, a pessoa fica um pouco sem instrumento.

Atualmente, é possível discutir a política educacional para oensino superior sem discutir os processos de avaliação?

Antes que alguém falasse disso, na minha gestão como presi-dente da Anup, entre 1989 e 1995, montamos o Paiub, Projeto de Ava-liação das Instituições Universitárias no Brasil. Identificamos as duasmaiores sumidades em avaliação do mundo; eram dois alemães que

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

539

A instituiçãopública nemsempre é po-

bre; às vezes, épública e é

rica. Talvez nãoprecise tanto

do dinheiroquanto o es-

tudante.

Page 56: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

trouxemos para o Brasil para discutir esse tema conosco por mais deuma semana. Já naquela época estávamos preocupados com isso.Quando o ministro Paulo Renato assumiu e seu pessoal nos chamoupara uma reunião, eu disse:“Cadê o Paiub? Vocês vão jogar no lixo to-do o nosso trabalho de tantos anos?! Quero que vocês o tomem pelomenos como base para iniciar a conversa.” Aí o pessoal recuperou umpouco isso e veio com essas questões, como o Provão etc.

Em que o Paiub é diferente do Provão? Ele passava também pelo Provão, mas já havia outras ques-

tões que pesavam na avaliação: instalações físicas, qualidade do pessoalinterno da instituição, o avanço conseguido por ela. Por exemplo: temosuma instituição dourada, maravilhosa; se há cinco anos ela já era dou-rada, não melhorou em nada. Outra instituição era toda enferrujada,e cinco anos depois está prateada. Quem trabalhou mais? Eram ques-tões dessa natureza que discutíamos também. Em relação ao Provão,há uma coisa que até hoje ninguém engole: o fato de o aluno não terresponsabilidade sobre a prova que faz. Tivemos casos aqui de estu-dantes cujas turmas inteiras se reuniram às vésperas do Provão, parafazer a “Festa do Provão”: o pessoal bebeu até as seis da manhã e àsnove foi fazer o Provão. É uma enorme falta de sensibilidade e de res-ponsabilidade.

Infelizmente, as pessoas só se movem por interesse imedia-to e financeiro. Num dos nossos cursos, propusemos o seguinte: se ti-rassem A, ganhariam as duas últimas mensalidades do curso; se tiras-sem B, uma mensalidade e mais o diploma em pergaminho. O pes-soal tirou B. Agora, não podemos ficar comprometendo o orçamentoda instituição, porque vamos falsear os dados. Há instituições que fa-zem preparação para o Provão. Quando alguém faz isso, está confes-sando que não ofereceu um curso decente de graduação.

Uma comissão de avaliação veio aqui e ficou tentando nos cor-romper, através dos coordenadores de cursos, vendendo serviços:“O pla-no pedagógico do curso não está muito bom, mas conhecemos um pes-

540

Page 57: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

soal que dá assessoria e o ajuda a instalar o plano pedagógico. Fazemoso reconhecimento por um ano ou dois e depois voltamos.” Pedi aoscoordenadores que trouxessem a proposta escrita e levei para ummembro do Conselho Nacional de Educação. Houve uma tentativa decontemporizar, reconhecendo o curso por prazo curto. Não aceitamos.Declarei a algumas pessoas: “A vida inteira eu me portei de maneiradecente, e não vou mudar agora. Se quiserem reconhecer o curso, muitobem; se não quiserem, não reconheçam.” Fomos obrigados a chegar aesse ponto.

A composição das comissões de avaliação também deve ser revista? Sim, porque é uma questão de moralização. Já dissemos isso

ao secretário de Ensino Superior da época; dissemos isso a todo mun-do que tinha algo a ver com o processo, e eles reconhecem que é ver-dade. Costumamos dizer — e isso vale para todas as instituições deensino:“Nós, que somos donos das instituições de ensino, ficamos nainstituição todo o tempo. O professor entra, demite-se, sai quandoquer; o aluno se forma, se transfere. Nós não temos como fazer isso.”Não dá para botar uma placa: “Vende-se”, ou dizer: “Não quero maisbrincar.” Nós temos responsabilidade. Se a instituição for mal, osmais afetados somos nós; por isso, mais que qualquer estudante ouprofessor desta instituição, queremos que ela vá bem e nos esforça-mos para isso o tempo todo. Às vezes, tomamos caminhos errados?Claro que sim; mas nunca com dolo ou intuito de errar ou enganar al-guém. São erros naturais de quem age.

Que outros problemas o senhor aponta no Provão, além dafalta de responsabilidade do aluno em relação ao resultado? Fazer o Provão pela curva de Gauss é uma maluquice. Pode-

se ter uma instituição com bom conceito que tirou 2, desde que a ou-tra tenha 0,5 ou 1, ao mesmo tempo em que se pode ter uma institui-

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

541

Costumamosdizer — e isso

vale para todasas instituições

de ensino:“Nós, que

somos donosdas institui-

ções de ensi-no, ficamos na

instituiçãotodo o tempo.

O professorentra, demite-se, sai quandoquer; o aluno

se forma, setransfere. Nós

não temoscomo fazer

isso.” Não dápara botar

uma placa:“Vende-se”, ou

dizer: “Nãoquero mais

brincar.”

Page 58: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

ção que tirou 8 e seja D. Isso não existe. A regulamentação do Provãotinha que ter uma base de nota: 4, 6, 8 ou 10. E a nota individual seriaregistrada no certificado de conclusão de curso — não precisa ser nodiploma. Ou o aluno teria que cortar um pedaço do certificado, oupassaria a respeitar mais o Provão. O próprio pessoal da UNE concor-da com isso, mas não pode concordar publicamente, porque boa partedos alunos não quer que isso aconteça.

Já está crescendo no mercado de trabalho a tendência a privilegiar os egressos de universidades com conceito A ou de pedir a nota do Provão.Pode ser, mas até agora a Universidade é que tem sido preju-

dicada. Vejam bem: se há uma avaliação da escola dizendo que temoslaboratórios excelentes, biblioteca maravilhosa, professores acima damédia, damos papinha na boca do estudante, cafezinho para o pro-fessor… Ora, não podemos fazer o Provão pelo aluno! Outra pessoaque deveria ter responsabilidade nisso é o professor. Deveria ser visto:quem foi o professor dessa turma? É claro que ele é contratado pelainstituição, mas não podemos ser prejudicados por um mau desem-penho e os verdadeiros responsáveis ficarem no anonimato, protegi-dos pela lei.

Querem ver outra coisa que está errada no Provão? Por hipó-tese, temos um aluno do curso de direito reprovado em Direito Cons-titucional III e IV, está em dependência e não vai se formar. Mas eletem direito de se inscrever no Provão porque está no último ano, nãoimporta que tenha 25 dependências, a decisão é dele. A instituição nãopode impedir. Aí ele se inscreve no Provão contra a nossa orientação;a prova versa sobre Direito Constitucional III e IV, e ele vai mal. Resul-tado, estão reprovando alguém que já reprovamos. Ele faz o Provão por-que acha que pode fazer as dependências de manhã, à tarde, à noite,de madrugada. Ilude-se, diz ao pai e à mãe que vai se formar e vai lá fa-zer a maldita prova, contribuindo para derrubar a média da escola eprejudicando os colegas no seu conceito global.

542

Page 59: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

De qualquer forma, o aluno não recebe o diploma porque está em dependência.Mas derruba a média da escola! Não é penalizado em nada;

daqui a seis meses, faz o Provão novamente. Vamos pensar em outrahipótese: o professor aprovou o aluno que não sabia nada; ele fez oProvão e foi reprovado. Quem errou: nós ou o professor? Nós o contrata-mos por seus títulos: ele era maravilhoso — todo mundo nos disse —,vimos seus documentos, cartas de referência e o contratamos.

Mas a universidade deve acompanhar permanentemente seu corpo docente.Até aí, Inês é morta, já se passaram dois anos.

Qual é sua opinião sobre o recredenciamento periódico? É um tema bastante polêmico, do ponto de vista jurídico; já

temos, inclusive, pareceres. Existem as instituições reconhecidas e ascredenciadas. Estas foram credenciadas por tempo determinado; cincoanos, por exemplo. Já o reconhecimento, sob a legislação antiga, nãotinha prazo. Quem nos perguntou, antes de sermos reconhecidos comouniversidade, se o aceitaríamos por um prazo determinado, e que pra-zo? Ninguém. Então, por que temos que aceitar agora? Não aceita-mos. Uma instituição que é reconhecida não tem que ser recredenciada,pois ela não foi credenciada, foi reconhecida; são situações jurídicasdiferentes.

Essas que foram credenciadas, que se recredenciem até seremreconhecidas, pois seu credenciamento foi feito por prazo determina-do. Se não têm maturidade suficiente — o governo pensa assim —para ter um reconhecimento efetivo e permanente, claro que vamosconcordar. Agora, para as universidades reconhecidas, não aceitamoso recredenciamento. Façam avaliação periódica, suspendam um curso,por esta ou aquela razão. Mas não podem mexer no reconhecimentoda Universidade. Já recebemos vários pareceres de juristas e estamosprontinhos para a guerra.

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

543

Vamos pensarem outra

hipótese: oprofessor

aprovou oaluno que nãosabia nada; ele

fez o Provão efoi reprovado.

Quem errou:nós ou o

professor?

Page 60: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

Quais são as perspectivas para o ensino superior e como osenhor vê a Universidade Guarulhos nesse cenário? Educação é um processo dinâmico. Garantir alguma coisa,

ninguém pode; pode-se ter a vontade de fazer, mas existem questõesque fogem ao nosso alcance. Vou exemplificar. Quando o mercado deconstruções está em ebulição, as escolas de arquitetura caem de qua-lidade, porque os arquitetos vão todos para a construção e abando-nam as escolas; quando o mercado está em baixa, consegue-se con-tratar os grandes arquitetos para ensinar nas escolas de arquitetura.Isso vale também para outras profissões.

Evidentemente, queremos dar a melhor qualidade de ensinopossível para o nosso alunado; mas, para isso, é necessário que ele te-nha uma base melhor. Aí entra aquilo que foge, de novo, ao nosso al-cance:o melhor preparo do aluno. O pressuposto é o de que todo mundoque chega à universidade tem todo o conhecimento básico, mas a esco-la pública de primeiro e segundo graus não tem dado esse suporte —há escolas particulares horríveis também. O aluno chega desprepara-do, e nós recebemos um material humano difícil de trabalhar.

Já discutimos essa matéria com o reitor da USP, e lhe pergun-tamos se ele conseguiria ter os mesmos resultados com o nosso alu-nado. Ele disse que gastaria mais tempo, mas teria. Falamos: “Então,o senhor está querendo dizer que vai lhe dar o colegial de novo.” É issoque a gente vem tentando fazer. Infelizmente, tem um aditivo nessaconversa que as pessoas mascaram: existe o interesse financeiro —se ele não é mercantilista, é comercial. A universidade particular nãopode cercear todos os seus alunos no ingresso, senão fecha. E filosofi-camente também não deve, porque é como dizer, num hospital, quenão vai aceitar o paciente porque ele está doente. O colégio atestaque ele sabe e lhe deu um diploma: vamos ver se ele sabe mesmo. Eleentra e não sabe; patina, passa fica um, dois anos e desiste.

Outra avaliação que fazemos, bem sinteticamente: vale mais oaluno que não tem nenhum ano de universidade ou o que tem umano ou dois e depois desiste? Melhor o que tem um ou dois anos, mes-

544

Page 61: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

mo que ele desista no meio do caminho, pois já vai ter recebido umpouco mais. Só que a instituição de ensino particular não pode sertão rigorosa no seu ingresso porque ela não se sustentaria e não da-ria oportunidade. Se formos excessivamente rigorosos no nosso vesti-bular, as outras escolas vão acabar aceitando os estudantes, e vamosfechar as portas; vamos deixar de prestar nosso serviço, que conside-ramos muito bom, porque o aluno vai fugir da nossa escola. Então,não aceitamos ser chamados de picaretas, quando recebemos o estu-dante que não estava tão bem preparado quanto o que entrou paraa universidade pública. Mas é do que nos chamam: “Esse pessoal sópensa no lado mercantilista.” Ouvimos isso o tempo todo. Mas temosque sustentar nossa Universidade. Seria muito bom que pudéssemosnão ter essa preocupação. Mesclem os estudantes, dêem-nos alunossustentados pelo governo — esses preparados — e vocês verão como agente vai longe. Nossa perspectiva é sempre positiva, pois acreditamosnaquilo que fazemos. Acreditamos que isso vá melhorar dia após dia. Acurto prazo, é impossível; vamos mudar é a médio e longo prazos.

No passado, ninguém acreditava que as escolas particularesde segundo grau fossem alcançar a qualidade que têm hoje, porqueantigamente quem tinha qualidade eram as públicas.Todos nós já qui-semos estudar numa escola pública, porque a qualidade era muitomelhor. Com as universidades vai acontecer a mesma coisa, porque ogoverno não tem competência para cuidar da qualidade; o governonão acompanha, não cobra. E, graças a Deus, os professores bem pre-parados das escolas públicas estão vindo para as universidades par-ticulares; com isso, estamos melhorando nossa qualidade. Estamos dei-xando o superávit, o lucro, em terceiro plano e estamos preocupadosem mostrar que somos capazes. Queremos ter lucro suficiente apenaspara nos manter, tocar e melhorar; tendo isso, vamos em frente.

Está na hora de o governo, em vez de se limitar a apontar nos-sos erros, começar a nos ajudar a corrigi-los, até porque há sérias dis-torções de ordem fiscal. Quando alguns homens do governo vêem umauniversidade particular com incentivo fiscal, tacham de “pilantrópi-

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

545

Se formosexcessivamen-

te rigorosos no nosso

vestibular, asoutras escolas

vão acabaraceitando os

estudantes, evamos fechar

as portas…

Page 62: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

ca” — algumas têm o certificado de filantropia e não pagam impos-tos. Então, o governo espreme a receita das universidades, colocandotodas na vala comum, e aquelas que têm de fazer frente aos impostosse vêem estranguladas, porque não enganaram o governo pegandoesses certificados frios que existem por aí. As instituições sérias vêmtomando paulada há muito tempo.

O modelo japonês também é muito interessante e poderiaser adotado por aqui. Lá no Japão as universidades apresentam umprojeto qüinqüenal; findo o prazo, recebem a auditoria de uma comis-são, que diz:“Você cumpriu suas metas; por isso, vai continuar receben-do 50% do valor da mensalidade. Já a outra não cumpriu, então vamosbaixar para 30%. Para esta terceira universidade, que foi além, vamos au-mentar para 70%.” É assim que funciona. As instituições recebem in-centivos de acordo com o que produzem.

Há algum tempo o BNDES abriu um programa de apoio à infra-estrutura de instituições privadas de ensino; várias universidades particulares se candidataram, e algumas conseguiram ver aprovados seus projetos. Este seria um caminho? É um caminho, não há dúvida. A Universidade Guarulhos não

apresentou projeto, porque na ocasião não estávamos habilitados.Por coincidência, ainda ontem andamos revendo o esboço de proje-tos que fizemos na época. Esse é realmente um caminho, mas aindaé pequeno, porque a disponibilidade é muito curta. É melhor do quenada, mas não é alguma coisa significativa, não. Eles dão dinheiropara você fazer quadras de esportes, isso e aquilo, só que você temque pagar, lógico.

Mas não estamos falando de empréstimo. Vamos voltar àque-la pergunta: por que o aluno da universidade pública recebe dinheiropara o financiamento do seu estudo e não tem que devolver nada,enquanto o aluno que recebe dinheiro do Fies tem que devolver no finaldo curso? Que critério maluco é esse?! Na escola particular, o estu-

546

Page 63: Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a ...cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1320_Universidades12.pdf · Eu tinha tanta certeza de que ia passar — eu era um

dante pode ficar inadimplente durante um ano, enquanto o Fies pededois avalistas — não é só um, não. Não podemos pedir avalista aqui,não podemos pegar o nosso aluno e exigir que nos pague; temos queficar amargando 20%, 30% de inadimplência. O governo não nos dá ins-trumentos para cobrar pelo serviço que prestamos, mas o governo co-bra; cobra de uns e não cobra de outros. Essas distorções são terríveis.Se colocarmos essa casa em ordem, sobrará dinheiro.

Universidade Guarulhos Antonio Veronezi

547

Na escola par-ticular, o estu-

dante podeficar inadim-

plente duranteum ano,

enquanto o Fies pede dois

avalistas…