progresso ou retrocesso? o futuro das relaÇÕes de …

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Natalia de Azevedo Zarife TERCEIRIZAÇÃO PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO DIANTE DO ATUAL CENARIO MUNDIAL Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais / Menção em Direito Laboral, sob orientação do Professor Doutor João Carlos Conceição Leal Amado 2017

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Natalia de Azevedo Zarife

TERCEIRIZAÇÃO

PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO DIANTE DO ATUAL CENARIO

MUNDIAL

Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais / Menção em Direito

Laboral, sob orientação do Professor Doutor João Carlos Conceição Leal Amado

2017

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Natalia de Azevedo Zarife

TERCEIRIZAÇÃO

PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

DIANTE DO ATUAL CENARIO MUNDIAL

(Outsourcing - progress or backward? The future of work relations before the current

global scenario)

Dissertação apresentada à Faculdade de

direito da Universidade de Coimbra, no

âmbito do 2º. Ciclo de Estudos em Direito

(conducente ao grau de Mestre), na Área de

Especialização em Ciências Jurídico

Empresariais – Menção em Direito Laboral,

como requisito parcial para obtenção do

título de Mestre no curso, sob a orientação

do Professor Doutor João Carlos Conceição

Leal Amado.

Coimbra

2017

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2

Às quatro estrelas mais brilhantes:

William Zarife Wermelinger

Anália Augusta Zarife

Amaro Braz de Azevedo

Iracy Vieira de Azevedo

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3

AGRADECIMENTOS

Gratidão é o mais nobre dos sentimentos

Aquele que agradece, reconhece, que, sozinho,

sonhos são efêmeros...

Ao meu pai, William, pelo amor mais incondicional já visto ...

À minha mãe, Guiomar, meu exemplo, fonte de inspiração,

por ser a serenidade que me falta ...

À ambos, por me fazerem acreditar no poder do amor,

na empatia, na realização de grandes sonhos ...

e por, juntos, formarmos uma união indissolúvel...

Ao meu professor e orientador João Carlos da Conceição Leal amado,

pelas palavras de incentivo e

pelo ensinamento transmitido ao longo dessa árdua jornada...

Aos amigos de sempre,

em especial à amiga Manu, pelo companheirismo e parceria,

pelo abraço nos momentos difíceis,

pelos conselhos e pelas alegrias partilhadas...

e aos que Coimbra me deu...

“segredos dessa cidade levo comigo pra vida...”

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4

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar o fenômeno da terceirização no

ordenamento jurídico brasileiro traçando um breve paralelo com a situação do trabalho

temporário em Portugal, determinando seu alcance, suas limitações e sua finalidade, bem

como, buscando concluir, ao final, se a contratação terceirizada pode ser considerada uma

forma de modernização do direito trabalhista, ou se, ao revés, estar-se-ia precarizando os já

escassos direitos do trabalhador.

Para alcançarmos o objetivo final a que se pretende com a pesquisa atual, mister se

faz analisar o cenário econômico atual, a crise mundial e a tão especulada necessidade de

flexibilização e até mesmo de desregulamentação dos direitos trabalhistas.

Atualmente, como é sabido, muitos especialistas, sobretudo os que perfilham a uma

corrente neoliberal, acusam a suposta rigidez da legislação laboral do fracasso e colapso do

sistema capitalista, sem atentarem-se, contudo, para a grande vilã deste cenário, que é a busca

desenfreada pelo lucro.

Isso porque, para se alcançar uma conclusão racional acerca da existência de

progresso ou retrocesso da contratação terceirizada (ou temporária, como no ordenamento

jurídico português), é de suma relevância entender as circunstâncias de sua criação, bem

como a evolução histórica das relações de trabalho, tendo como certo que as normas jurídicas

devem evoluir junto com a sociedade, sob pena de se tornarem, por fim, meras palavras

mortas e ineficazes, capazes de engessar toda uma coletividade.

Objetiva-se, ademais, através de uma reflexão racional, concluir acerca da

valorização social do trabalhador frente ao mercado capitalista globalizado que motiva a

terceirização flexibilizada, não perdendo de vista o ser humano como sujeito de direito a

uma vida digna e não apenas como uma mercadoria.

Palavras-chave: capitalismo, globalização, flexibilização, dignidade, terceirização,

trabalho.

Page 6: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

5

ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze the phenomenon of outsourcing in the

Brazilian legal system by drawing a brief parallel with the situation of temporary work in

Portugal, determining its scope, its limitations and its purpose, as well as seeking, in the end,

whether hiring Can be considered as a form of modernization of labor law, or if, on the other

hand, the already scarce worker rights would be precarious.

In order to reach the final objective of the current research, it is necessary to

analyze the current economic scenario, the world crisis and the so speculated need for

flexibilization and even deregulation of labor rights.

Today, as is well known, many experts, especially those who follow a neoliberal

trend, accuse the supposed rigidity of labor legislation of the failure and collapse of the

capitalist system, without, however, paying attention to the great villain of this scenario,

which is the Unbridled search for profit.

This is because, in order to arrive at a rational conclusion about the existence of

progress or retreat from outsourced contracting (or temporary, as in the Portuguese legal

system), it is of great importance to understand the circumstances of its creation, as well as

the historical evolution of labor relations , With the certainty that legal norms must evolve

along with society, under penalty of becoming, in the end, mere words dead and ineffective,

capable of engulfing a whole collectivity.

It is also intended, through a rational reflection, to conclude about the social

valorization of the worker in front of the globalized capitalist market that motivates a

flexibilization outsourcing, not losing sight of the human being as subject of right to a life

worthy and not just as a merchandise.

Keywords: capitalism, globalization, flexibility, dignity, outsourcing, job.

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6

SIGLAS E ABREVIATURAS

ART – Artigo

CF – Constituição Federal

CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

CLT – Consolidação de Leis Trabalhistas

CNI – Confederação Nacional de Indústria

CRP – Constituição da República Portuguesa

CT – Código do Trabalho

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

NR – Norma Regulamentadora

Nº. – Número

OIT – Organização Nacional do Trabalho

OJ – Orientação Jurisprudencial

ONU – Organização das Nações Unidas

ORT –Organização Racional do Trabalho

PL – Projeto de Lei

TRT – Tribunal Regional do Trabalho

TST – Tribunal Superior do Trabalho

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7

ÍNDICE

Introdução ......................................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 – O surgimento do Direito do Trabalho no mundo: tripalium ao wellfare

state ..................................................................................................................................... 13

1.1 - Gêneses ........................................................................................................................13

1.2 - Pré-história e a divisão do trabalho por sexo ...............................................................13

1.3 - Idade Antiga e a escravidão .........................................................................................14

1.4 - Idade Média e a servidão ..............................................................................................15

1.5 - Idade Moderna e a decadência das corporações de ofício ............................................15

1.6 - Édito de Turgot e a Revolução Francesa .....................................................................16

1.7 - Idade Contemporânea e o liberalismo .........................................................................17

1.8 - Rerum Novarum e Wellfare State ...............................................................................18

1.9 - No Brasil ......................................................................................................................19

1.10 - Em Portugal ...........................................................................................................20

CAPÍTULO 2 – Entre o capital e o trabalho: as formas de produzir lucro.................22

2.1– O que é capitalismo? ...................................................................................................22

2.2 - A tumultuada relação entre trabalho e capital ............................................................24

2.3 - Taylorismo, Fordismo e Toyotismo ...........................................................................28

2.4 - A livre iniciativa e a dignidade da pessoa humana ....................................................30

2.5 - A crise do sistema capitalista e o desemprego estrutural ..........................................34

CAPÍTULO 3 – A globalização e a flexibilização dos direitos trabalhistas................38

3.1 – A globalização ..........................................................................................................38

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8

3.2 – A responsabilidade social da empresa ........................................................................39

3.3 – “Souplesse”: flexibilização dos direitos como solução para a crise............................41

3.4 – Diferença entre flexibilização e desregulamentação ..................................................45

3.5 – Direito ao trabalho digno. O que diz a OIT? ..............................................................46

3.6 – Flexicurity: A solução europeia para a flexibilização dos direitos trabalhistas .........49

CAPÍTULO 4 – A Terceirização da mão-de-obra e seus reflexos.................................52

4.1 - O que é Terceirização? ...............................................................................................52

4.2 - A Terceirização no ordenamento jurídico..................................................................56

4.3 – Terceirização e intermediação de mão-de-obra ........................................................59

4.4 – Tipos de Terceirização...............................................................................................60

4.4.1 – Conforme o prazo de duração .............................................................................60

4.4.2 – Conforme a regularidade (licitude) ou irregularidade (ilicitude).........................61

4.4.2.1 – Regulares .............................................................................................................61

4.4.2.2 – Irregulares............................................................................................................68

4.4.3 – Conforme a obrigatoriedade ..................................................................................69

4.5 – Atividade-meio e atividade-fim ...............................................................................69

4.6 – Da Responsabilidade ................................................................................................72

4.6.1 – Responsabilidade na terceirização regular ou lícita ...........................................72

4.6.2 – Responsabilidade na terceirização irregular ou ilícita ........................................73

4.7 – Efeitos deletérios da terceirização ............................................................................73

4.7.1 – Desigualdade salarial ..........................................................................................74

4.7.2 – A questão do enquadramento sindical ................................................................80

4.7.3 - Segurança, medicina e higiene no trabalho .........................................................89

4.7.4 - Alta rotatividade e a subordinação estrutural ......................................................91

4.7.5 – Dificuldade de aplicação da norma mais favorável. Inaplicabilidade da norma

coletiva firmada pela tomadora .............................................................................93

4.7.6 - Redução dos benefícios legais, jornada excessiva e não progressão na

carreira....................................................................................................................94

4.8 – Subcontratação ou outsourcing no ordenamento português ....................................96

Page 10: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

9

4.8.1 – Trabalho temporário segundo o ordenamento jurídico português .......,.............97

4.9 – Por que terceirizar? Vantagens e desvantagens da terceirização ......,....................100

4.10 – Cooperativas .................................................................................,...................102

4.11 – Terceirização na Administração Pública ..........................................................104

4.12 – Reflexos da Terceirização .................................................................................107

4.13 – PL 4330/2004. Principais pontos de mudança...................................................108

4.13.1 – Quarteirização ...................................................................................................110

4.14 – Terceirização no mundo ....................................................................................111

CONCLUSÃO ................................................................................................................112

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................118

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10

Introdução

Iniciar os estudos acerca de um ramo do Direito compreende, necessariamente,

estudar seu ponto de partida, sua origem, suas causas e seu ponto de interesse social, para

que, então, se possa desenvolver o raciocínio em face de seus princípios norteadores, regras,

abrangências e consequências.

Não há, no mundo jurídico, como se analisar conceitos e aplicações normativas sem

que, antes, se tenha compreendido o real motivo do nascimento da

normatização/sistematização do instituto.

A influência social do Direito do Trabalho sobre a vida do homem é incontestável. É

o trabalho a principal fonte de vida dos seres humanos. É através do trabalho e sua

remuneração que o homem pode conhecer a liberdade, a dignidade e passou a sonhar,

realizar.

Ocorre que, com o desenvolvimento da atividade laboral, com a busca do homem e

seus anseios pelo conhecimento e pela concretização da sobrevivência diária uma

tumultuada e tensa relação passou a surgir.

A convivência humana, por sua própria natureza, sua interação e dependência

acabaram, ainda que naturalmente, fazendo surgir conflitos atualmente potencializados em

larga escala pela globalização e sua acelerada produção visando incessantemente a obtenção

de lucros1.

Esta relação, constituída, então, de um lado, por quem presta serviços e de outro por

quem os contrata, de interesses extremamente opostos, foi, aos poucos, sendo regulamentada

em todo o mundo, representando, atualmente, o ramo jurídico responsável por regulamentar

1 Relevante comentário acerca das dificuldades encontradas no ambiente de trabalho é de Fela Moscovici, pelo

qual: “pessoas convivem e trabalham com pessoas e portam-se como pessoas, isto é, reagem às outras pessoas

com as quais entram em contato: comunicam-se, simpatizam, e sentem atrações, antipatizam e sentem

aversões, aproximam-se, afastam-se, entram em conflito, competem, colaboram, desenvolvem afeto. O

processo de interação humana é constituído através dessas reações voluntárias ou involuntárias, intencionais

ou não- intencionais”. MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal. Rio de Janeiro, 1998, p. 34

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11

tal relação, bem como proporcionar, em larga escala, a paz social e o equilíbrio entre o

trabalho e o lucro.

Respaldados pelo princípio da liberdade de contratar e gerir as fábricas como melhor

entendessem e diante de um Estado liberal, a ganância e o lucro dos burgueses ganhava cada

vez mais espaço frente à desconhecida valorização social do trabalho e do trabalhador.

O Direito do Trabalho, assim como os demais ramos jurídicos, surgiu, como se verá

ao longo deste trabalho, em momento histórico de eclosão da extrema necessidade social de

criar regras reguladoras da prestação de serviço humano, sem as quais ter-se-ia a barbárie, a

exploração desmedida e a perpetuação da coisificação humana.

Neste contexto, viu-se surgir, regulamentar, questionar e decair em credibilidade o

direito laboral.

Questionado atualmente quanto a sua importância por aqueles a quem somente o

lucro e a economia trazem progresso a um Estado, tenta o Direito Laboral sobreviver, se

equilibrar e se enquadrar no contexto explorador do mundo capitalista.

É fato que as ciências jurídicas, como um todo, devem ter mobilidade suficiente para

se enquadrar às necessidades da sociedade que está sempre em constante transição e de

engessado não se pode culpar o Direito do Trabalho, como se vem tentando fazer.

É que o mundo capitalista globalizado, de concorrência desleal, sobretudo para os

países mais pobres, exige tecnologia avançada, capaz de dar respostas momentâneas, de

atender na velocidade máxima aos altos e baixos do mercado financeiro e de criar cada vez

mais lucro.

Neste sistema, que gera o próprio colapso pela superprodução, não se tem mais a

quem culpar pela estagnação lucrativa senão ao trabalhador. Nesta acepção, não importa

quantas novas legislações tentem enquadrar o direito social aos ditames capitalistas (e assim

é tanto no Brasil quanto em Portugal), já que a única resposta pretendida é o retorno à

escravidão humana.

A intenção do presente trabalho funda-se, neste contexto. Nesta linha tênue

compreendida entre a liberdade de iniciativa impulsionadora do lucro a qualquer custo e a

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12

valorização social do trabalho, pois, como se sabe, flexibilizar direitos mínimos da parte

mais frágil da relação irreversível de trabalho é a bandeira da vez.

No ordenamento jurídico brasileiro é a terceirização que vem sendo apontada como

grande possibilidade de salvar as pequenas e grandes empresas da bancarrota, assim como

se visualiza, em Portugal, através da contratação atípica de trabalhadores temporários.

Como será demonstrado a seguir, as modalidades acima citadas, apontadas pelo

mundo econômico como a conservação de milhares de postos de emprego, não passam,

outrossim, de desvalorização, banalização e precarização do trabalho humano em prol da

maior lucratividade. Tanto na esfera estatística quanto lógica, os argumentos utilizados para

convencer tratarem-se tais institutos de modernização não funcionaram.

É que os fins não justificam os meios.

Será demonstrado que os efeitos deletérios das práticas da terceirização não trazem

progresso, eis que não existe futuro não obscuro não precarização da força de trabalho do

próprio destinatário do mercado capitalista.

Seria, de fato, o retrocesso e a assunção de culpa pela crise por parte dos

trabalhadores a única opção para se obter o progresso ou será a exploração a maneira mais

vantajosa economicamente de poder?

É neste contexto que analisamos se a terceirização, tal como proposta e prevista, de

fato, se apresenta como a solução para salvar, da crise, o direito das relações laborais. Se o

cenário econômico é seguro para sustentar a modernização através da flexibilização de

direitos dos trabalhadores ou se a proposta não representa, outrossim, um retrocesso jurídico

cedido ao capitalismo desmedido.

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13

Capítulo 1

O SURGIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO: TRIPALIUM AO

WELLFARE STATE

1.1 Gêneses

A história da criação da Terra e da vida por Deus, tal qual demonstrado no “livro da

criação”, já apresentava, o que se pode chamar, de primeiros registros da organização de

trabalho.

Narra, a obra, que Deus teria levado seis dias para criar o céu e a terra a partir do

nada e que, ao sétimo dia, descansou, santificando-o como dia de repouso.

Ressalta-se, ainda, que, ao sexto dia, Deus criou a humanidade através de Adão, e,

posteriormente, Eva, tendo a estes designados cuidar e se alimentar dos frutos do Jardim do

Éden.

De todos os frutos do Jardim não era permitido a Adão e Eva alimentarem-se do fruto

do conhecimento, porém, assim o fizeram, tendo se alimentado do fruto proibido e sido,

portanto, condenados com o trabalho pesado2.

Deste modo, evidencia-se desde então, na visão cristã, o caráter punitivo do trabalho,

sendo este necessário para a própria subsistência da humanidade, não sendo por outro motivo

sua descendência da palavra tripalium – instrumento feito de três paus aguçados, com pontas

de ferro, que representa, ainda, objeto de tortura.

1.2 Pré-história e a divisão do trabalho por sexo

2 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%AAnesis. Acessado em: 10/04/2017.

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14

Data a época pré-histórica de antes de 4.000 a.C., ou seja, antes mesmo do

desenvolvimento da escrita.

Nesta época os homens viviam em bandos, inicialmente habitando cavernas e

migrando de um para outro lado toda vez que acabam os alimentos de determinado local.

Aos poucos, principalmente a partir do domínio do fogo, o homem passou às

residências fixas e ao cultivo da terra, havendo, já neste período, a divisão de tarefas entre

homens e mulheres, sendo aqueles responsáveis pelo sustento da família e estas pela criação

dos filhos.

Desenvolvendo-se ainda mais, o homem passou à metalurgia, responsável pela

criação de objetos que possibilitaram a especialização da caça e produção de suas

necessidades, surgindo, assim, trabalhos mais especializados.

1.3 Idade Antiga e a escravidão

Com o aumento da produção, alguns integrantes passaram a dominar outros e então

a escravizá-los.

Nesta época, o trabalho, que era visto como castigo, passou a ser associado à ideia

de mercadoria do prestador, contribuindo, assim, para a visão de propriedade do senhor para

com o escravo.

Sendo um objeto e não um sujeito de direito, não recaia sobre o escravo qualquer

direito, menos ainda os trabalhistas, devendo apenas trabalhar, o que constituía uma

atividade sem dignidade3.

A par dos escravos, haviam os artesãos, que eram homens livres e trabalhavam de

forma autônoma, associados em colégios romanos.

Com o aumento da população e da produção alguns senhores passaram a arrendar

mão-de-obra escrava de outros senhores, o que culminou, posteriormente, com o surgimento

3 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 4.

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15

da locatio conductio, contrato semelhante ao de locação de coisas, pelo qual homens de

baixo poder aquisitivo, porém, livres, locavam a outros seus serviços4.

1.4 Idade Média e a Servidão

Do Século V ao XV evidencia-se o período feudal, sendo o trabalho executado pelo

servo da gleba, que, apesar de terem situação bem próxima à dos escravos, eram

reconhecidos como pessoas e não como coisas.

Os senhores feudais davam aos servos proteção militar e política, em razão das

invasões de terras pelo Estado e pelos bárbaros, e, em troca, os servos eram submetidos a

desumanas cargas de trabalho, além de poderem ser encarcerados e maltratados.

A partir do Século X surgiram as corporações de ofício, consistentes em associações

de pessoas especializadas em determinada função, constituídas por mestres, aprendizes e

operários, com objetivo de melhor defender seus interesses e proporcionar negociações mais

eficientes, sem que possa se falar, contudo, ainda, em qualquer direito trabalhista56.

1.5 Idade Moderna e a decadência das corporações de ofício

O crescimento e diversificação das atividades comerciais, bem como a

monopolização por parte dos mestres, aliado ao desenvolvimento do sistema bancário,

inovações nos métodos de produção e surgimento de novas relações de trabalho, levaram à

decadência das corporações de ofício.

4 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 54.

5 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 14ª ed. Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 2. 6 Os aprendizes, destaca-se, eram submetidos a jornadas de trabalho extremamente exaustivas, sendo, em

média, 14 horas de labor diários, como bem lecionada Sérgio Martins, em sua obra. MARTINS, Sérgio Pinto.

Direito do Trabalho. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2007., p. 5.

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16

O surgimento de novas indústrias levou ao enfraquecimento das manufaturas, que,

fizeram surgir novo tipo de organização semelhante ao fabril.

Além disso, viu-se nascer também o trabalho doméstico, pelo qual os artífices, em

suas próprias casas, produziam por encomenda a mando dos empresários, que,

posteriormente, vendiam o produto no mercado.

Observa-se, neste ponto, que a intenção dos empresários era, desde já, introduzir

novas técnicas que possibilitassem a maior obtenção de lucro diante da redução de custos o

quanto fosse possível.

Com a cada vez maior dependência dos operários frente aos empresários, que lhes

forneciam não só a matéria-prima como também ferramentas para o trabalho e, muitas das

vezes, reunidos em oficinas para melhor desenvolvimento da atividade e controle da

exaustiva carga horária, via-se nascer o sistema fabril.

Nesta época, continuavam desumanas as condições de trabalho, uma vez que o

trabalhador não possuía qualquer proteção. O ambiente de trabalho não possuía adequadas

condições sanitárias, tampouco os salários eram justos. As jornadas exaustivas e as

condições precárias davam ensejo à proliferação de doenças, epidemias e criminalidade.

1.6 Edito de Turgot e Revolução Francesa

Em 1776, diante da crise do sistema das corporações de ofício que levou à sua

decadência, frente ao sistema abusivo e subumano com que eram tratados os operários e os

pobres, Turgot introduziu seus seis Éditos, extinguindo as corporações de ofício, na ânsia

por mudanças sociais, tendo sido dispensado em seguida do seu cargo de controlador geral

pela rainha Maria Antonieta7.

O Édito de Turgot, pode-se dizer, deu origem ao que hoje conhecemos como

princípio da livre iniciativa.

7 OLIVEIRA, Silvério da Costa. Reflexões Filosóficas. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2013., p. 145.

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17

Após, com a Revolução Francesa iniciada em 1789 e, posteriormente, espalhada por

toda a Europa, foi instaurado período de grandes transformações, extinguindo-se privilégios

feudais, aristocráticos e religiosos, sob novos princípios da igualdade, liberdade e

fraternidade.

As causas da revolução foram não só sociais como econômicas e foi subdividida em

quatro períodos: Assembleia Constituinte, Assembleia Legislativa, Convenção e Diretório.

O primeiro período, da Assembleia Constituinte, culminou na supressão de direitos

feudais, imunidades e privilégios e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Contudo, apenas em 1791 é que as corporações de ofício e seus abusos foram

suprimidos através do Decreto Dllare, que favorecia a liberdade contratual, tendo, ainda, a

Lei Chapelier, no mesmo ano, proibido o restabelecimento das mesmas, bem como a reunião

de trabalhadores.

1.7 Idade Contemporânea e o liberalismo

Em razão dos princípios advindos do liberalismo contemplado pela Revolução

Francesa, o trabalho se tornou livre, assim como a contratação do trabalho de uma pessoa

em benefício de outra, mediante contraprestação remunerada. Aqui já não há subordinação,

mas um vínculo contratual8.

Se por um lado a Revolução Francesa contribuiu para a história por sua grande marca

ideológica, a Revolução Industrial, também iniciada no Século XVIII ofereceu sua base

econômica para o surgimento do Direito do Trabalho.

É nesta época que a força humana passa a ser substituída pelas máquinas, bem como

a transformação do Estado Liberal (liberdade contratual) em Neoliberal.

A Revolução Industrial trouxe consigo, ainda, enorme legião de desempregados, uma

vez que não havia preparo das pessoas para operarem as máquinas, além das condições ainda

8 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 14ª. ed. Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 3.

Page 19: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

18

desumanas de trabalho, frente a inexistência de regras que regulamentassem as atividades e

a liberdade de contratação sem interferência Estatal.

Neste contexto, a regra do mercado passou a ser a “da oferta e da procura” o que

contribuiu ainda mais para um massacre dos empregadores sob os trabalhadores, haja vista

a imposição de condições subumanas de trabalho e redução drástica das já ínfimas

remunerações9.

É importante salientar que, nesta época, vigorava o liberalismo, que tinha como

principal característica a omissão da intervenção do Estado, indiferente ao massacre social,

em defesa da total liberdade contratual, o que favorecia aos desmandos e crueldades por

parte dos patrões.

1.8 Rerum Novarum e Wellfare State

O delicado momento pelo qual passavam os trabalhadores, diante dos excessivos

danos que os vinham sendo causados, sendo estes morais, físicos e patrimoniais, as injustas

remunerações pelo trabalho prestado e o tratamento indigno, foram responsáveis por gerar

enorme clima de insatisfação.

A insatisfação coletiva gerou o que a doutrina denomina de “questão social”,

consubstanciado na ruptura do modelo liberalista, de não intervenção, passando o ao inicio

do intervencionismo estatal nas relações privadas, visando assegurar vida digna aos

operários.

Diante deste cenário observou-se a crescente união dos trabalhadores em busca de

melhores condições de trabalho, o que acontecia de forma, ainda, clandestina, ate virem a

ser, posteriormente, reconhecidos os Sindicatos oficialmente.

9 Como bem elucida Jorge Leite, “Com uma oferta de mão-de-obra sempre muito superior à sua procura, a

regulação do trabalho pelas leis do mercado traduziu-se na imposição unilateral das respetivas condições de

troca por parte do empregador. O contrato não era, afinal, um acordo entre iguais e a liberdade de uma das

partes pouco mais era do que a necessidade econômica de celebrar o contrato nas condições ditadas pela

outra”. LEITE, Jorge. Direito do Trabalho. Serviço de Ação Social da U.C.: 2003., p.5.

Page 20: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

19

Neste momento, cristianismo e marxismo já se opunham ao liberalismo, em defesa

da dignidade humana e da não opressão a classe trabalhadora10.

Com maior preocupação da Igreja Católica frente aos abusos cometidos em

detrimento à dignidade dos trabalhadores, houve marcante intervenção da mesma através da

Encíclica Rerum Novarum, editada pelo Papa Leão II, que consistia em orientações (sem

obrigatoriedade) sócio filosóficas para intervenção do Estado nas relações laborais11.

Surgiram, então, as primeiras leis de proteção ao trabalhador, que foram,

paulatinamente, abarcando situações das mais às menos precárias e, responsáveis por

proteger os operários frente aos abusos dos empregadores, aos quais, agora, eram

juridicamente subordinados e não mais se encontravam à mercê das leis do mercado.

Em seguida, ao passo que aumentavam as preocupações com o bem-estar social, foi

instituído o Wellfare State, com o condão de frear os abusos do capitalismo e a liberdade

ilimitada do mercado frente aos anseios de melhores condições sociais12.

A partir de então, o Século XX ficou marcado pela constitucionalização dos direitos

trabalhistas, tendo a primeira destas, acontecido no México, em 1917 e, posteriormente, na

Alemanha, em 1919 (Constituição de Weimar).

Nesta seara, também em 1919, foi instituída a Organização Internacional do Trabalho

(OIT), pelo Tratado de Versalhes, com o objetivo principal de expedir convenções e

recomendações no que tange à proteção das relações empregatícias.

Em 1927 foi estabelecido, na Itália, o sistema corporativista, pela Carta Del Lavoro,

que tratou da organização das classes sociais, seu reconhecimento e representação. Este

sistema, é oportuno lembrar, foi adotado por muitos países, dentre os quais, Brasil e Portugal.

Outrossim, em continuidade ao estabelecimento de melhores condições sociais, em

1948, foi editada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com diversas normas

institucionalizadoras de melhores condições de trabalho, tais como limitação de jornada e

férias remuneradas.

10 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTR, 2011., p. 32 11 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas, 2009., p. 8. 12 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, Saraiva, 2011., p. 85.

Page 21: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

20

1.9 No Brasil

Como visto no cenário mundial, até o Século XIX, o trabalho escravo era o que

predominava na sociedade, caracterizado, principalmente, pelo não reconhecimento do

trabalhador como ser humano, mas sim como mercadoria, que prestava trabalho gratuito e

forçado.

Mundialmente, tem-se que o Direito do Trabalho surgiu em resposta às Revoluções

Francesas e Industrial, no Século XVIII, somente tendo sido elevado ao status constitucional,

com a criação de sua Justiça própria, no Brasil, em 1934, pela respectiva Constituição da

República.

Desde então, algumas leis esparsas foram regulamentadas para consagrar certos

direitos aos trabalhadores, tais como: a estabilidade no emprego após dez anos de serviço, o

salário mínimo, participação nos lucros da empresa, repouso semanal remunerado, dentre

outros.

Somente em 1943 foi compilada a Consolidação das Leis Trabalhistas, quando, a

partir de então, observou-se vasta ampliação do mercado interno e da produção industrial, e,

com isso, o crescimento do número de assalariados.

A partir da sistematização, no texto da CLT, dos direitos mínimos e fundamentais do

trabalhador, tornou-se mais acessível o conhecimento, aos mesmos e aos empregadores, dos

seus direitos.

1.10 Em Portugal

A primeira previsão legal envolvendo direito do trabalho, em Portugal, se deu no

Código Civil de 1867, que, portanto, tratou a relação empregatícia como contrato de natureza

meramente civil.

Page 22: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

21

Somente no final do Século XIX é que se pode considerar o nascimento do direito do

trabalho, com normas de proteção ao trabalhador, o que não era considerado ao tratar-se a

questão como contrato civil.

A partir de 1933 é que foi possível visualizar maior avanço, em Portugal, das

preocupações com a regulamentação de leis trabalhistas. Assim, através do Decreto-Lei

23048 (Estatuto do Trabalho Nacional), surgiu a primeira compilação da história do Direito

do Trabalho português13.

Somente em 2003 foi editado o primeiro Código do Trabalho Português, diante da

necessidade de organização do cenário jurídico laboral em face dos diversos textos

legislativos esparsos, que dificultavam sobremaneira o acesso à justiça, bem como a eficaz

aplicação legal.

Além da necessidade de sistematização das leis esparsas, a edição do Código do

Trabalho tinha finalidade, ainda, de aumentar a flexibilidade da organização do trabalho e

incentivar a contratação coletiva.

Em 2009 o texto de 2003 sofreu uma revisão com intuito maior de combater as

fraudes laborais e a precariedade artificial, compreendidas na devastadora crise financeira

que se iniciou em 2008, levando à necessidade de flexibilização dos direitos trabalhistas.

Desde então, vem o Direito do Trabalho se preocupando com a flexibilização dos

custos do trabalho, haja vista a crise econômica mundial e a necessidade de adequar a esfera

laboral ao novo cenário político empresarial.

13 MONTEIRO, Antonio Fernandes. Direito do Trabalho. Almedina: 2014., p. 35.

Page 23: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

22

Capítulo 2

Entre o capital e o trabalho: as formas de produzir lucro

2.1 O que é o capitalismo?

O sistema capitalista teve início na Europa, durante a transição da Idade Média pra a

Idade Moderna, ao passo que a vida econômica e social era transplantada dos feudos para a

cidade.

Diante do declínio da servidão, observado no meio rural, e as revoltas camponesas

em vista das condições desumanas de vida, pode-se notar a crescente migração para a cidade.

Na cidade, contudo, observava-se a alta do comércio pela burguesia em busca

incessante pelo lucro e, com a economia em franco desenvolvimento, surgem os banqueiros

e cambistas, atividades estas em ebulição devido ao dinheiro em circulação.

Estamos diante, agora, da substituição do modelo de produção feudal pelo capitalista,

sistema econômico predominante, devido às revoluções sociais que marcaram a Idade

Moderna.

É importante recordar, ainda, que o capitalismo podia ser visualizado já na época das

Grandes Navegações, diante do acúmulo de riqueza gerado pelo comércio de especiarias e

matérias-primas dos países colonizados – época esta em que é conhecido como pré

capitalismo -, além das desigualdades geradas desde então, através da exploração.

Evoluindo para a Revolução Industrial, tem-se o acúmulo de riqueza proveniente do

comércio industrial das fábricas, cuja produção multiplicava-se devido a maior utilização

das máquinas, em contraponto ao desemprego, péssimas condições de trabalho e todo tipo

de opressão.

Após a Segunda Guerra Mundial, já no Século XX, temos o surgimento do

monopólio financeiro capitalista, incentivado pelo Estado, caracterizado pelo rápido

crescimento da economia – impulsionado pela globalização - e centralização do capital,

favorecendo, assim, as grandes empresas e a monopolização que persistem até os dias atuais.

Page 24: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

23

O capitalismo, visto, assim, por seus críticos, ao passo que, decerto, provocam largo

crescimento da produção também é o maior responsável pelas contradições entre as classes

burguesa e operária, o que, por consequência, acarreta em crises periódicas ao longo da

história (como exemplo podemos citar a crise do dólar de 1971).

É nítido, nesse sentido, o motivo originário causador do abismo entre as classes. À

medida em que se observa a alta dos preços, proveniente da inflação, o custo de vida também

encarece, desaguando, por seu turno, no desemprego.

Em defesa do capitalismo, Jason Brennan observa que o socialismo possui um viés

moral ao qual a espécie humana, egoísta e gananciosa, não está pronta ou disposta a

funcionar. Prossegue seu estudo acerca da defesa do sistema capitalista atentando para a

utopia dos proclames socialistas, que exigem, de forma inatingível, que o ser humano seja

altruísta e benevolente14.

Em referência a Gerald Cohen, ferrenho defensor do sistema socialista, Brennan cita

seu argumento de que se houver desigualdade entre os indivíduos de uma mesma sociedade,

não será possível viver em comunidade, ao passo que a falta de empatia, naturalmente, gerará

exclusão daquele que se encontra em posição desfavorável15.

Na sociedade moderna, tendo o instinto egoísta e ganancioso do ser humano como

paradgma, é forçoso concluir que, apesar do socialismo representar um modelo mais justo e

solidário, este é de aplicação inviável16.

Tal conclusão pode ser comprovada pelo fato de que não estão dispostos, todos os

seres humanos, a receber idêntica recompensa pelos trabalhos prestados. Isto porque, em

verdade, é tendência humana a ganância por maiores remunerações ou melhores

14 BRENNAN, Jason. Capitalismo. Porque não? Em defesa do capitalismo. Gradiva. Lisboa: 2016., p. 14. 15 Conclui Brennan, tendo em vista a visão socialista de Cohen, que “Se isso é assim, significa que toleramos

o capitalismo apenas porque pensamos que devemos fazê-lo. Toleramos o capitalismo apenas porque

pensamos que não sabemos como fazer o socialismo funcionar da maneira certa. Talvez, tendo em conta

nossas falhas morais e cognitivas, o capitalismo seja um bem. Mas o socialismo seria preferido se os seres

humanos fossem moralmente melhores”. BRENNAN, Jason. Capitalismo. Porque não? Em defesa do

capitalismo. Gradiva. Lisboa: 2016., p. 23. 16 Toma-se, como exemplo, o fracasso econômico, e para a maioria dos doutrinadores, até mesmo social, dos

países que adotaram o sistema socialista, como, por exemplo: União Soviética, Coreia do Norte e Cuba. Deve-

se, ainda, atentar para o fato de que, por outro turno, os países que adotaram o sistema capitalista, tais como:

Estados Unidos da América, Suiça, Hong Kong, apresentaram crescimento econômico-social extremamente

altos.

Page 25: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

24

recompensas quando julgam que seu trabalho ou esforço é mais valioso que do outro, ao que

definem como motivação.

Em meio a várias vertentes sobre vantagens e desvantagens do sistema capitalista,

predominante desde o século XX, é imperioso destacar, com vistas ao presente estudo, as

violentas crises economico-financeiras que acometem o cenário mundial, e, por óbvio,

refletem nas relações de trabalho.

A alta dos preços pela inflação, o favorecimento aos monopólios em detrimento aos

pequenos proprietários resultam no encarecimento desordenado da vida e, com isto, no

desemprego.

Nesse cenário de inflação, prejuízos e desemprego alarmante é que surgem políticas

sociais e reformas, muitas das vezes disfarçadas de boas intenções, na tentativa de conter (ou

convencer) a crise instalada. Isto ocorre, como historicamente pode-se observar, através de

promessas de abertura de postos de emprego, ainda que com piores condições de trabalho.

É em tempos de crise capitalista que, ao que se percebe, os governantes se aproveitam

da ideia de que qualquer direito é melhor que nenhum direito, quando, em verdade, o que se

pretende é que qualquer direito seja suficiente para o apoio da população para maior

obtenção de lucros por parte da minoria monopolista em face da real opressão operária17.

2.2 A tumultuda relação entre trabalho e capital

Tendo visto sucintamente a evolução histórica e imposição do sistema capitalista

mundial, observa-se o nítido intuito deste: maior acúmulo de riqueza através do lucro em

menor tempo possível com aceleramento da produção.

A maior agilidade na produção e, em consequência, na geração de lucro, pressupõe,

como se sabe, maior exploração e opressão da classe operária, em favor dos interesses

17 Ao citar Lenine, bem observa à respeito da ganância pela obtenção de lucros L. Tarassov e K. Ianov:

“enquanto o capitalismo for capitalismo, o excedente dos capitais é consagrado não a elevar o nível de vida

das massas num determinado país, porque daí resultaria uma redução dos lucros para os capitalistas, mas a

aumentar esse lucro pela exportação de capitais para o estrangeiro”. L. TARASSOV; K. IANOV. Os

Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 7.

Page 26: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

25

patronais e do estímulo, pelo Estado, dos supermonopólios – ocasionando, por fim, cada vez

maior abismo entre as classes18.

Assim, com o domínio do sistema capitalista, as formas de produção do lucro

passaram por diversas transformações, tendo sido necessária, por conseguinte, uma reforma

no modelo de organização do sistema trabalhista.

É neste cenário de intensa disputa pela obtenção de lucro e acúmulo de riquezas que

surgem os modelos taylorista, fordista e toyotista (e, atualmente, a terceirização), todos

pensados e executados de modo a acelerar a produção em detrimento à saude mental e física

dos trabalhadores, como se verá detalhadamente a seguir.

Após a Revolução Científica, por exemplo, oberva-se o predomínio da formação

teórica e emprego racional, ao passo que perdem lugar os trabalhadores menos qualificados,

dotados de conhecimento mais empírico do que técnico, assim como aqueles que adquiriram

habilidade no ofício através da prática, tornando inúteis ou até mesmo inservíveis, aqueles

trabalhadores menos qualificados, o que favorece, outrossim, a minoria com melhores

condições financeiras.

Oportuno, por outro lado, destacar também que o processo de concentração e

monopólio financeiro, gerador e perpetuador da cada vez maior distância entre as classes

sociais, é responsável pela maior organização laboral, e, com isto, da maior concentração de

força e alargamento das lutas político econômicas.

Com a qualificação profissional acelerada e o mais acentuado abismo entre

trabalhadores agora qualificados - em especial burgueses -, e não qualificados, começam a

surgir outras questões baseadas ao pagamento pela prestação do trabalho associado às

condições do seu desenvolvimento.

Os novos desentendimentos começam a surgir posto que, se de um lado o

patrão/empresário pretende auferir cada vez mais lucro com menor gasto com a produção,

18 Citando colocação de Leonid Brejnev durante o relatório do Comitê Central do P.C.U.S. ao XXIV Congresso

L. TARASSOV; K. IANOV descrevem que: “face à necessidade de lutar contra o socialismo, os meios

dirigentes dos países capitalistas temem mais do que nunca ver a luta de classes tomar a forma de um

movimento revolucionário de massas. Daí, o desejo da burguesia de recorrer a formas mais dissimuladas de

exploração e de opressão dos trabalhadores, daí a sua tendência para aceitar, em certos casos, reformas parciais

a fim de manter as massas, na medida do possível, sob o seu controle ideológico e político”. L. TARASSOV;

K. IANOV. Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974, p. 09.

Page 27: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

26

por outro lado encontra-se o trabalhador, prestador de mão-de-obra, o qual, através da

prestação de um serviço, pretende ser justamente remunerado, ao ponto que possibilite sua

subsistencia digna.

Desta feita, o que seria, então uma remuneração justa? A quem cabe definir os

parâmtros de uma subsistência justa? Quais seriam os limites entre a lucratividade e o dever

de remunerar? Qual o papel social do empregador perante o mercado de trabalho?

Tais questões, longe de serem abstratas, constituem a origem do eterno impasse entre

a classe dos trabalhadores e dos empregadores. Se, por um lado, se pretende a valorização

do trabalho, por outro o interesse é da ilimitada obtenção de lucro sem intervenção estatal.

Em resposta a tais questionamentos, podemos garantir que, em regra, a classe

trabalhadora é remunerada aquém das suas necessidades normais, frente a vontade dos

patrões em obter lucro, sendo tais pretensões opostas entre si: lucro e justiça social19.

Um exemplo prático seria o disposto no art. 7º, inciso IV da Constituição Federal,

que impõe, como direito do trabalhador, o salário mínimo unificado nacionalmente, cujo

valor deverá ser capaz de atender não só as suas necessidades vitais básicas, como também

de sua família, o que, como é sabido, não acontece20.

Apesar da intensificação do trabalho e de sua cada vez maior exploração, as baixas

remunerações se devem à intelectualização do trabalho, exigida pela maior modernização

das indústrias, em detrimento do rebaixamento salarial e elevado dsemprego da maioria

massiça dos operários que não tem acesso a qualquer estudo.

Na década de 60 a racionalização do trabalho (produção em cadeia), resultou, pela

repetição já inconsciente dos movimentos, no emburrecimento da classe operária, além de

19 Para L. Tarassov e K. Ianov, a força de trabalho depende das faculdades físicas e intelectuais do organismo,

da intensidade de sua utilização, da racionalidade, do nível de formação profissional do trabalhador, bem como

das suas condições materiais e sociais de vida. L. TARASSOV; K. IANOV. Os Trabalhadores e o Capitalismo

Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 80. 20 Art. 7º da CF: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de

sua condição social: IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas

necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,

transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada

sua vinculação para qualquer fim”.

Page 28: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

27

acentuado número de estresse psico traumático, doenças motoras, além de mortes de

trabalhadores, sobretudo diante da falta de segurança no ambiente de trabalho21.

O sistema capitalista, ao que se vê, pretende o lucro a qualquer custo, ainda que às

custas da mínima qualidade de vida ou até mesmo da saúde do trabalhador.

Frente à crise, o Estado, agora regulador e garantidor22, é chamado a regular os

serviços públicos, os salários, condições de trabalho, preços e formação profissional, ao

mesmo tempo em que concilia o mercado com as necessidades sociais, garantindo, assim, o

interesse público.

Isso porque, a partir da eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) o

liberalismo do Estado começou a perder forças, não tendo conseguido superar a crise

financeira causada por tal conflito, o que perdurou até a eclosão da Segunda Guerra Mundial

(1939-1945), quando o agravamento da crise e todo o esforço para recuperação não foi

eficaz, tendo sido evidente que Estado e Sociedade não funcionariam como entes autônomos.

Tal percepção fez nascer o Estado-providência, em substituição ao Estado-liberal.

O até então Estado-liberal caracterizava-se pela não intromissão do Estado nas

necessidades do indivíduo. A liberdade consistia no fato de ser dado a cada indivíduo o poder

de fazer suas escolhas em prol de suas necessidades, enquanto o Estado deveria se incumbir

apenas de garantir as condições necessárias ao exercício desses direitos.

O chamado Estado-providência, nascido da necessidade de intervenção do Estado

frente à crise gerada pelo liberalismo, pressupõe o tipo de organização política-econômica,

no qual este deve agir como agente garantidor da promoção social e organizador da

economia.

21 No final da década de 60 e início da década de 70, o Brasil era considerado o campeão mundial em acidentes

de trabalho, tendo sido, em decorrência, editadas normas reguladoras sobre os serviços especializados em

engenharia de segurança e medicina do trabalho, bem como as comissões internas de prevenção de acidentes

do trabalho – CIPA, em caráter obrigatório. BISSO, E. M. O que é Segurança do Trabalho? São Paulo:

Brasiliense, 1990. 22 No final do Século XX, diante da necessidade de reorganização das tarefas públicas, a forma de intervenção

estatal no domínio econômico, fez surgir a função reguladora da economia, deixando de ser apenas um mero

executor de serviços públicos. Assim confirma Ladeur. KARL-HEINS, Ladeur. Der Staatgegen Die

Gesellschaft. Tubingen, Siebeck, 2006., p. 388.

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28

Assim, frente à tumultuada relação entre capital e trabalho, causada pelo entrechoque

de interesses, passa a ser do Estado (garantidor) a responsabilidade de regular as condições

básicas de vida da sociedade, protegendo o cidadão contra os abusos do poder econômico.

2.3 Taylorismo, Fordismo e Toyotismo

Ainda utilizados em muitas indústrias pelo mundo, o taylorismo, fordismo e

toyotismo representam modelos de produção, apresentando, todos, o mesmo objetivo final:

maior produção e maior lucratividade.

No mundo capitalista, a racionalização dos meios de produção é tida como o meio

mais eficaz de se garantir baixas remunerações. À medida em que se acelera as operações, é

possível, explorar ao máximo, em cadeia de produção, a capacidade laborativa do ser

humano. Isto ocorre uma vez que os movimentos passam a ser executados repetidamente,

num tempo mínimo, tendo, como uma das principais consequências, o emburrecimento

profissional do trabalhador23.

Preconizado por Frederick Taylor, no início do Século XX, o Taylorismo representa

um modelo de produção focado na realização de tarefas com maior eficiência durante o

processo de produção.

Assim, o método desenvolvido pelo engenheiro norte-americano consiste em,

primeiramente, planejar a linha de produção, aplicando-se métodos testados, seguido da

seleção dos operários para realização das funções, devendo serem escolhidos quanto ao

critério da aptidão, ou seja, designando-se para o cargo aquele trabalhador que mais

especializado for para o mesmo.

É importante salientar que o método Taylorista consiste na designação e

aperfeiçoamento do operário tão somente para a função que executa. O trabalhador somente

terá responsabilidade pelo conhecimento estritamente necessário ao processo de execução

23 Como bem definem L. Tarassov e L. Ianov à respeito das cadeias de produção “a cadeia anula, ou quase, o

papel do ato consciente; o que a caracteriza é uma excessiva divisão do trabalho, cadências rápidas, a

monotonia”. L. TARASSOV; K. IANOV. Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa,

Lisboa, 1974., p. 93.

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29

que lhe compete, o que se denomina princípio da singularização das funções, ao passo que,

apenas ao gerente cabe o conhecimento e fiscalização acerca de todo o processo.

Ao gerente cabia, ainda, o controle das jornadas de trabalho dos funcionários, que só

tinham intervalos em horários pré-programados e se submetiam à ORT.

Como forma de superação do taylorismo, não obstante guardarem algumas

similitudes, Henri Ford foi responsável pela organização e implantação do modelo fordista

de produção, tendo como base o princípio da racionalização do trabalho e o controle do

mesmo pelo mercado econômico24.

De forma inovadora, Ford implementa ao modelo taylorista o sistema de linha de

montagem, reduzindo, assim, a perda de tempo útil durante a produção pelos operários.

Conhecido como o modelo japonês de trabalho e organização, Taiichi Ohno elaborou

o modelo toyotista de produção. Tal modelo, baseado em sua experiência como engenheiro

na empresa Toyota, surgiu da necessidade de atender as exigências do mercado frente à

necessidade de expansão dos lucros.

Surgido na década de 70 o sistema tinha como objetivo principal a flexibilização da

fabricação de mercadorias. Deste modo, observa-se a diminuição do número de operários

diante da produção sem estocagem, ao contrário do modelo anterior fordista.

Ou seja, o toyotismo prevalece-se da produção conforme a demanda, sem

acumulação de mercadorias no estoque aumentando-se ou diminuindo-se a fabricação de

forma proporcional ao encomendado, o que acabaria por flexibilizá-la.

Para possibilitar a viabilidade desse sistema, era utilizada a técnica do “just in time”

(em cima da hora), que se baseava na maior agilidade quanto ao fornecimento de matéria

prima, produção e venda, trazendo enorme economia para a empresa.

Importante destacar, quanto ao modelo japonês, a drástica diminuição do número de

trabalhadores, à medida que, contrariamente ao sistema fordista, o mesmo trabalhador

participava de várias etapas do processo produtivo.

24 FERREIRA, Cândido Guerra. Processo de trabalho, tecnologia e qualificação: notas para discussão.

UNICAMP, 2000., p. 07.

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30

Para muitos autores e estudiosos desta área, o modelo toyotista vem sendo apontado

como percursor do sistema da terceirização, pois o foco dos dois modelos está no

fornecimento de serviços, ou seja, maior distribuição de mercadorias que propriamente de

produção.

2.4 A livre iniciativa e a dignidade da pessoa humana

Historicamente, a livre iniciativa teve origem no Édito de Turgot de 1776,

determinando que, deste então, seria livre a qualquer pessoa realizar qualquer negócio ou

exercer qualquer profissão, arte ou ofício, devendo, contudo, munir-se do que era conhecido

como “patente”, pagar as taxas que lhe fossem exigíveis e submeter-se ao regulamento que

lhe fosse aplicável.

O art. 179, XXIV da Constituição Imperial de 1824, no Brasil, assegurava que

nenhum gênero de trabalho ou comércio podia ser proibido, desde que não se opusessem aos

costumes, segurança e saúde dos cidadãos, o que foi reiterado pela Constituição da República

de 189125. Não cabendo ao Poder Público legislar no sentido de controlar a economia, uma

vez que tal interferência poderia ser considerada como um rompimento do equilíbrio das

forças econômicas.

Somente a Constituição de 1937 apresentou, pela primeira vez, a intervenção do

Estado no domínio econômico, onde, até então, prevalecia o liberalismo econômico26.

De acordo com o que se entende por Estado Liberal, cada indivíduo deve ser

responsável por suas próprias escolhas, considerando, para tanto, suas necessidades e o

25 Constituição da República Brasileira de 1891, art. 72, § 24: “é garantido o livre exercício de qualquer

profissão moral, intelectual e industrial”. 26 Constituição da República Brasileira de 1937, art. 135: “Na iniciativa individual, no poder de criação, de

organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a

prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as

deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os

seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação,

representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a

forma do controle, do estimulo ou da gestão direta”.

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31

melhor modo de satisfazê-las, sendo exigido do Estado que proporcione apenas as condições

básicas, permitindo, a cada cidadão, o livre exercício dos seus direitos.

A Constituição Federal de 1988, por fim, adotou a livre iniciativa, tal como

insculpida em seu art. 170, constituindo fundamento da ordem econômica e da República,

que assim prevê:

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme

o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e

prestação;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as

leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

Parágrafo único: é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos

previstos em lei”.

Pode-se afirmar que a liberdade de iniciativa compreende, então, o livre exercício da

atividade econômica, da liberdade de trabalho, ofício, profissão e de contrato. E mais, a

liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da

maneira que entenda ser mais conveniente27.

Muitos autores afirmam ser o princípio da livre-iniciativa, o pilar do capitalismo e,

que, visando este sistema o lucro irrestrito, estaria fadado ao entrechoque com as noções de

dignidade da pessoa humana28.

27 FUX, Luiz, ao reconhecer a repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº. 713.211 de Minas

Gerais. 28 DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Direito do Trabalho: Reflexões atuais. Curitiba: Juruá, 2010. P. 81.

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32

Para outros, o princípio em tela configura nada mais que desdobramento ou projeção

da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição de riquezas. Para

estes autores, a liberdade insculpida no texto constitucional não diz respeito apenas aos fins,

como também aos meios, ao passo que cabe ao empreendedor a escolha do processo ou meio

mais adequado para alcançar a finalidade empresarial almejada29.

Neste caso, seria o princípio da livre iniciativa absoluto? Quais seriam os limites

legais ou morais à liberdade de explorar, produzir e comercializar?

De acordo com o disposto no caput do art. 170 da Constituição Federal, a ordem

econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna, fazendo, assim, com que os

dois princípios se complementem e sejam interdependentes. Isso significa, em outras

palavras, que o capitalismo franqueado pela livre-iniciativa deve coexistir e, até mesmo,

subordinar-se aos preceitos de justiça social e dignidade da pessoa humana.

A Constituição Brasileira de 1988, traz, em seu primeiro artigo, como fundamento

da República, a dignidade da pessoa humana30, que, como se verá adiante, será responsável

por nortear e limitar a atividade econômica, quando gerida com excessos ou de modo

inadequado.

Nesse mesmo sentido, a Constituição Portuguesa de 1976, em seu art. 15, nº. 1 traz a

previsão de igualdade de certos direitos e deveres entre cidadãos portugueses e estrangeiros

e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal. Isto porque a Constituição lusitana

acompanhou a tendência da Declaração Universal dos Direitos do Homem em asseverar a

dignidade como preceito fundamental.

A par da característica de fundamento da República e da tendência mundial ao

estabelecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como norte principal do

29 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997., p. 223. 30

Art. 1º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da

pessoa humana”;

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33

direito, é dever também dos agentes políticos zelar pela sua eficaz aplicabilidade, tendo em

vista sua imprescindibilidade ao convívio social pacífico31.

Na tentativa de definir e delimitar o princípio da dignidade da pessoa humana,

entende-se que por ser tão abrangente e abstrato, não haveria um consenso à tal respeito,

uma síntese. O que se concluiu de imediato foi que nunca foi possível dissociar o homem de

sua dignidade, mesmo que tal atributo ainda não fosse reconhecido como uma qualidade

afeta à pessoa humana.

Desde então, muitos estudiosos do direito e das ciências sociais vêm tentando definir

tal princípio, sem, contudo, pretender delimitar ou estabelecer exatidões.

Do latim, dignitas, tem origem a palavra dignidade, que, como sinônimos, apresenta

virtude, honra, dentre outras. É definida por Plácido e Silva32 como uma base moral que é

atribuída a uma pessoa, seu conceito público e respeito.

Principalmente após as barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial,

quando se observou o extermínio em massa nos campos de concentração, muitos países

atentaram-se para a necessidade de incluir, em suas Constituições, o princípio da dignidade

da pessoa humana.

Em uma visão kantiana, o homem possui uma dignidade ontológica, ou seja, é um

fim em si mesmo, ainda que, atualmente, tenham sido agregadas a essa concepção a tutela

da coletividade, dos interesses individuais e materiais indispensáveis para o exercício de suas

liberdades33.

Em relação ao direito do trabalho, ao que toca o presente trabalho, é forçoso

reconhecer a máxima importância do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez

que, dadas as definições acima apresentadas, é o trabalho que torna o homem mais digno, à

medida que lhe possibilita o pleno desenvolvimento de sua personalidade, origem de sua

valorização como ser humano.

31 Como bem explica Canotilho, J. J, O Estado de direito democrático exige os direitos fundamentais , ao passo

que os direitos fundamentais exigem o Estado de direito democrático. CANOTILHO, J. J. Fundamentos da

Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991., p. 99. 32 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 31ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

33 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade

da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. P. 103.

Page 35: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

34

Por fim, diante do exposto, pode-se concluir que o princípio da livre iniciativa não é

absoluto, mas sim relativo, estando o exercício da atividade econômica condicionado ao

bem-estar da sociedade e limitado pelo bem comum34.

No que toca ao direito do trabalho, a limitação ao princípio da livre iniciativa com

fundamento na dignidade da pessoa humana deverá ocorrer sempre que se observe, ao

avaliar um conflito, o abuso econômico e a obtenção de lucros ilícitos, por intervenção

Estatal.

Importa destacar, por oportuno, que, havendo entrechoque de conceitos

constitucionais, dever-se-á cotejar os bens jurídicos envolvidos para que se chegue a uma

solução equilibrada.

2.5 A crise do sistema capitalista e o desemprego estrutural

Apesar de ter seu início apontado para o século XV, a economia política só foi

enquadrada como ciência no século XVIII, sendo, esta época, marcada pela criação de leis

gerais da economia.

Com a Revolução Industrial, era nítida a ascensão econômica e social da burguesia,

acompanhado de um sentimento de prosperidade advindo pela alta produção nas fábricas.

Ocorre que, são frequentes, nesse modelo, os colapsos econômicos e crises

financeiras, que, como ondas, transformam um clima de euforia e prosperidade em

desemprego, inflação e falências.

Como aponta Marx, as crises do sistema capitalista podem ser entendidas como

inerentes a esse sistema e não algo imprevisível e aleatório. Em regra, ao que se observou, à

época, como fruto da teoria marxista, as transformações tecnológicas são capazes de, durante

décadas, causar depressões sistemáticas.

34 Importante apontamento de Sergio Gomes informa que, em relação aos direitos fundamentais, que, se de um

lado o Estado liberal se preocupou com os direitos civis e políticos dos detentores dos meios de produção, o

Estado social os menosprezou. Assim, os dois modelos limitaram direitos sociais, quando deveriam se

complementar, ou inter-relacionar. GOMES, S. Hermenêutica Constitucional. Curitiba: Juruá, 2010.

Page 36: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

35

Para Marx, o principal crítico do sistema capitalista, o sistema é irracional, uma vez

que a concorrência provocada pelo capitalismo gerava uma superprodução, que não

encontrava o mesmo nível de procura, uma vez que, por outro lado, os operários não

recebiam salários capazes de suportar seu alto custo35.

Sem consumo total da superprodução, observa-se a baixa dos lucros e de

investimentos, acompanhado, então, de desemprego e falências.

Como se observa através do gráfico abaixo, atualmente, dentre os países que adotam

o sistema capitalista, são frequentes as crises econômicas, o que causa, em seguida, o

aumento extraordinário do custo de vida associado ao desemprego em massa36.

35 MARX, Karl. O capital. Crítica da Economia Política. Boitempo Editorial., p. 146. 36 De acordo com L. TARASSOV; K. IANOV: “é fácil de constatar, por pouco que se acompanhe dos

acometimentos mundiais, , que o desenvolvimento da economia capitalista moderna é pontilhado de convulsões

violentas, crises monetárias agudas e altas de preços, que é marcada pela inflação interna e por uma

concorrência cada vez mais encarniçada entre as potencias imperialistas”. L. TARASSOV; K. IANOV. Os

Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de

Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 33.

Page 37: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

36

Tem-se, assim, que tal fenômeno não é totalmente benéfico, sobretudo, considerando

o choque entre a classe burguesa e os operários impulsionado pelo sistema capitalista,

gerando, sem dúvidas, importante mudança estrutural na economia, ao passo que, como dito

anteriormente, são incentivadas, nesse sistema, as fusões de monopólios37.

Assim, o indiscutível aumento da produção trazido pelo modelo capitalista não traz

apenas lucros, aponta a história.

Ademais, o que se observa é que o processo de monopolização, caracterizado pela

desigualdade social, é responsável pela concentração de riqueza nas mãos de uma pequena

minoria, enquanto que todo o resto da população permanece no sistema de exploração, haja

vista, até mesmo, o arruinamento dos pequenos proprietários.

Estudos recentes apontam que, desde a década de 8038, quando a globalização saltou

de forma estratosférica, o que se viu foi o desemprego em massa aliado à forte insatisfação

dos operários pelas precárias condições de trabalho os conduzem à luta pelo aumento dos

direitos sociais, fazendo com que ganhe relevo a democracia.

O desemprego estrutural, como é conhecida a onda de demissões em massa que se

vem observando, oriundo da crescente globalização do mercado, ocorreu por uma série de

fatores, nos quais se incluem a robotização do processo de produção, a informatização, o uso

da internet e, sobretudo, a redução da mão-de-obra através da implementação de tecnologia

substitutiva do trabalho humano.

Diante desse cenário de crise, evidenciado pelo desemprego estrutural, os países em

desenvolvimento tentam conter a eclosão do empobrecimento social protegendo o mercado

interno, sem, contudo, deixar de estimular o investimento estrangeiro em sua economia.

37 Ensinam L. TARASSOV e K. IANOV que as teorias dos ideólogos do imperialismo na tentativa de evitar

ou minimizar o choque entre burguesia e operários resumem-se a substituir a luta de classes pelo que chamam

de cooperação de classes, estabelecida entre as ambas as classes, através da humanização da relação entre

trabalho e capital, das promessas de tornarem-se proprietários, apesar de restar intacta a propriedade privada

dos meios de produção, bem como seus proventos e os monopólios capitalistas. L. TARASSOV; K. IANOV.

Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 11. 38 Um relatório anual de informação social (RAIS), à época, levantou que na década de 80 a indústria

apresentou uma performance negativa ao nível do emprego. A pesquisa aponta uma eliminação de cerca de

2500 vagas de trabalho entre 1980 e 1989, caindo, assim, de 15% para 12% a participação do setor industrial

no estoque de vagas. Bahia Análise e Dados. Salvador: SEI-Informação a Serviço da Sociedade, v. 8, nº. 4,

março/1999.

Page 38: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

37

Cabe relembrar, neste contexto de investimento estrangeiro na economia interna, que,

em muitos casos, grandes multinacionais se aproveitam do baixo custo da mão-de-obra de

países subdesenvolvidos no intuito de baratear os custos da produção, o que, aliado a uma

legislação trabalhista vulnerável ou demasiadamente flexível, abre espaço para exploração e

abusos dos trabalhadores, chegando, até mesmo, ao tratamento em condições análogas à

escravos.

É importante salientar, neste ponto, que o desemprego não é um problema que atinge

apenas os países subdesenvolvidos. A dificuldade mundial de alocar produtivamente todos

que estão em situação de produtividade é mundial, segundo pesquisas recentemente

divulgadas.

Page 39: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

38

Capítulo 3

A globalização e a flexibilização dos direitos trabalhistas

3.1 – A globalização

É sabido que não é recente a ideia de globalizar. Desde as Grandes Navegações, entre

os séculos XV e XVI, o homem passou a estabelecer contato e relações comerciais e culturais

com outros povos39.

Porém, foi no final do século XX que, com a ascensão do neoliberalismo, o processo

de globalização ganhou força.

Com a derrota do sistema socialista e a enorme força do sistema capitalista aliada a

saturação dos mercados internos, grandes empreendedores passaram a buscar ampliar suas

atividades no mercado internacional, ainda mais naqueles territórios ainda devastados pela

crise socialista.

Da abertura dos mercados internacionais, rumo à integração de sistemas, culturas,

produção, economia e trabalho, o mundo passou a ser interligado através das redes de

comunicação, cada vez mais ágeis, diminuindo as fronteiras entre os Estados até então

isolados em seus próprios sistemas40.

A abertura do mercado interno e a galopante revolução tecnológica fizeram com que

as empresas multinacionais direcionassem suas linhas de produção aos países

subdesenvolvidos, onde a mão-de-obra é mais barata e a legislação interna permite maior

exploração.

Assim, o desenvolvimento dessa nova realidade, globalizada, tecnológica e sem

barreiras, afetou claramente as relações de trabalho.

39 Nesse sentido, aponta Luiz Gonzaga que globalização não passa de um termo novo para práticas antigas,

como é o caso do Cristianismo, pelo qual o Papa o reafirma pelo mundo no intuito de reafirmar e unificar a

Igreja Católica. ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo. São Paulo: Memória

Jurídica, 2001, p. 49. 40 CASSAR, Vólia Bomfim. Princípios Trabalhistas, Novas Profissões, Globalização da Economia e

Flexibilização das Normas Trabalhistas. Impetus, Niteroi; 2010., p. 5.

Page 40: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

39

Se, por um lado, muitos Chefes de Estado apontam a globalização como principal

fenômeno responsável pela prosperidade, por outro tal pensamento não se sustenta. Para

muitos especialistas, a globalização é perversa, pois impõe imperativos de economia em

detrimento ao avanço social das populações mais pobres.

A OIT demonstra, através de estudos, a clara preocupação em relação as condições

de trabalho mundiais, que apresentam altos níveis de precarização, que tende a ser agravada

pelo progresso técnico, que, longe de criar postos de trabalho, deteriora ainda mais a atual

situação, ao passo que suprime postos e reduz salários sobretudo daqueles menos

qualificados.

A rapidez das comunicações e da capacidade comercial aumentou ainda mais a

competitividade entre as grandes empresas, que passaram, então, a buscar meios de redução

dos custos de produção, reduzindo o número de trabalhadores, aumentando a jornada de

trabalho e diminuindo os salários41.

Neste contexto, os países de economia mais frágil foram os mais prejudicados pelo

aumento do índice de desemprego, diante da automatização das linhas de produção e da

exigência, cada vez maior, de mão-de-obra qualificada.

Diante, mais uma vez, da crise e da degradação da economia interna, que não teve

condições de sustentar a competitividade internacional, as proteções trabalhistas tornam-se

alvo de questionamentos por aqueles que apontam as políticas sociais como causa da

insustentabilidade econômica e clamam, falaciosamente, por sua flexibilização.

3.2 – A responsabilidade social da empresa

Em todo o mundo, mas, principalmente, no Brasil e nos países subdesenvolvidos, há

extrema dificuldade em implementar direitos fundamentais, sobretudo os sociais.

Tais direitos são extremamente indispensáveis, uma vez que se prestam a estabelecer

igualdades materiais e a manter o mínimo existencial.

41 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, Saraiva, 2013., p. 77.

Page 41: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

40

Já diante de um Estado-providência, imputa-se a este a promoção de políticas

públicas capazes de satisfazer os direitos sociais, tais como saúde, educação e moradia, o

que, muitas das vezes, não se pode alcançar sob alegação de limitação de recursos

orçamentários.

Neste contexto, somente com a cooperação da sociedade e também das empresas, é

que o Estado conseguirá alcançar, de forma eficiente, seus objetivos.

Somente através de políticas de conscientização e concretização dos direitos sociais

é que os Estados alcançarão a redução das desigualdades. Para tanto, existe um esforço

internacional, sobretudo pela ONU, para solucionar problemas econômicos e humanitários.

É através da solidariedade de esforços mútuos (Estado, sociedade e empresariado)

que os interesses privados serão alinhados aos interesses sociais. Tal relação de

complementação exige que as empresas participem de modo a assumirem sua

responsabilidade social, garantindo, por seu turno, incentivos públicos.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo primeiro, reafirma o Estado

Democrático de Direito, fundado, por seu turno, em valores que se complementam, como a

dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Nesse sentido, é de suma importância o papel das empresas no desenvolvimento dos

Estados.

É a empresa que promove a economia, através da circulação de riquezas, da oferta

de empregos, investe em tecnologia e estimula a concorrência, e, é nesta linha que se

encontra sua função social, ou seja, num patamar de agente transformados da realidade na

qual se encontra inserida42.

A própria Constituição Federal dispõe, em seu art. 5º, inciso XXIII o dever do

empresário de observar a função social da propriedade privada, na qual se inclui a

propriedade empresarial.

42 LEAL JÚNIOR, João Carlos. Ensaio sobre o princípio da função social da empresa na Lei 11.101/2005.

Revista Forense nº 409, p. 507.

Page 42: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

41

Representam, ainda, pontos de convergência entre direitos/deveres público-privados

o estabelecimento da valorização do trabalho humano, como fundamento e a dignidade como

finalidade da ordem econômica, a livre concorrência e a redução das desigualdades.

Não sem finalidade estão interligados o trabalhado valorizado e a proteção ao

mercado, pelo que o cumprimento da função social da empresa requer, além da produção de

bens e serviços, a descentralização do lucro, capaz de proporcionais melhores condições ao

trabalho humano43.

São inúmeras as maneiras pelas quais as empresas podem (e devem) contribuir para

a efetivação dos direitos sociais, incentivando o progresso da humanidade e o trabalho justo,

dentre esses meios podemos citar a oportunidade de acesso a planos de saúde, programas de

educação alimentar, incentivo a meio ambiente sadio, fomento à cultura, dentre outros.

Não se pode olvidar que o conceito de eficiência, se considerados somente números,

não é tão passível de resultados lucrativos como quando se considera números ligados ao

bem-estar do trabalhador como ser humano.

Desta feita, é notório que empresas que praticam medidas tendentes à melhoria da

condição do trabalhador com finalidade de alcançar o trabalho justo e digno obtêm resultados

lucrativos muito acima das empresas que tratam seres humano como apenas números, sem

cumprir, por consequência, sua função social.

3.3 “Souplesse”: flexibilização dos direitos como solução para a crise

Como temos observado ao longo do estudo acerca do capitalismo, é fato que este

sistema, focado na obtenção cada vez maior de lucro, é extremamente tendente a crises, dada

sua ambição desenfreada.

43 KEMPFER, Marlene. Segurança humana e o dever jurídico das empresas brasileiras. Estudos em Direito

Negocial. Curitiba: CRV, 2011., p. 206.

Page 43: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

42

O capitalismo, então, globalizado, tornou o mercado de trabalho volátil, competitivo

e culminou por subordinar, de forma cruel, os países subdesenvolvidos aos detentores de

poder econômico internacional.

Ao mesmo tempo, em que se observava a busca cada vez mais alta pelo lucro e a

abertura das fronteiras possibilitavam a exploração dos países mais pobres, a crise

econômica foi inevitável.

Com a superprodução e a baixa demanda, a inflação foi o início de uma depressão

marcada por trabalhadores explorados (sem intervenção estatal) e, agora, desempregados em

massa, além de fábricas falidas.

O fracasso das políticas neoliberais, que dispensam a intervenção do Estado na

economia, em favor da austeridade fiscal, livre comércio, privatizações etc., faz surgir a

necessidade de um Estado regulador, ou Estado-providência44.

O Estado-providência, então, encarregado de limitar o abuso do poder econômico,

passa a regulamentar questões ligadas ao Direito do Trabalho, garantindo, assim, condições

dignas de vida ao trabalhador.

Não obstante o Estado intervencionista ter trazido novamente à tona a prosperidade

produtiva das fábricas, até então entregues à crise, os neoliberalistas não aceitavam sua

intromissão, alegando que a economia é capaz, por si só, de se autorregular ou auto reerguer.

Atualmente, o cenário mundial, sobretudo no que diz respeito às condições e relações

de trabalho, preocupa. Isto porque, como vimos, o sistema capitalista é tendente à crises

inesperadas, que trazem consigo enorme massa de desempregados e depressões financeiras

de prejuízos incalculáveis.

No atual cenário o termo “souplesse” ou “flexibilização”, vem ganhando relevo na

área trabalhista, sem que, contudo, realmente seja estudado seu significado.

Isso porque os que acreditam que o neoliberalismo seria a solução para a crise

econômica mundial culpam os direitos trabalhistas pela eclosão do drástico cenário.

44 Frente à crise, Keynes propôs, como solução, que o Estado tomasse para si a função controladora,

comprovando que o neoliberalismo capitalista não se sustenta. Neste cenário, o Estado passou a empregar os

milhares de desempregados, fazendo com que a economia voltasse a circular pelo novo poder de consumo e

trazendo, novamente às fábricas, a possibilidade de produção e os investimentos.

Page 44: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

43

Apontam, tais autores, que a rigidez das legislações trabalhistas seriam a própria

causa do desemprego45.

Tido por muitos, principalmente economistas, como um novo modelo de

desenvolvimento capaz de atenuar o maior problema gerado pela crise financeira mundial, a

flexibilização não pode ser tida como um regresso à modelos superados e que não mais são

capazes de atender aos anseios sociais.

É sabido que se, atualmente, os trabalhadores possuem direitos que os proporcionam

certa qualidade de vida, tal não foi uma conquista fácil. Ao longo de muitos anos, diz a

história, os trabalhadores foram oprimidos, tratados como escravos e em situações

desumanas e degradantes.

Não obstante a tantas lutas dos trabalhadores, para alcançar alguma dignidade

humana através do trabalho justamente remunerado e, ainda hoje, lutando por condições

salubres de exercício dos seus ofícios, muitos tem apontado a esse conjunto de direitos, tão

arduamente conquistados, a causa da crise econômica mundial46.

Para tanto, apontam os neoliberais como solução para a crise global, o que se vem

chamando de flexibilização dos direitos trabalhistas, prestigiando a autonomia privada

coletiva47 para adaptar a nova situação econômica mundial e das empresas.

Para melhor entender o que vem a ser a flexibilização dos direitos trabalhistas é

essencial entender, por conseguinte, que grande parte das normas trabalhistas são de ordem

45 A legislação trabalhista não mais se ajusta a uma economia que se abre e tem de competir”. Segundo o autor,

há no Brasil, por exemplo, um enorme abismo entre a lei e a realidade no mercado de trabalho, devido ao

conjunto de direitos impostos pela Constituição e pela CLT às empresas. Sendo que estes direitos geram grande

burocracia além de encargos de 103,46% do salário pago ao empregado. PASTORE, José. Flexibilização dos

mercados de trabalho e contratação coletiva. São Paulo: LTr, 1995., p. 1. 46 Em sentido proporcionalmente diverso, Pochmann aponta que não é a mudança na forma de contratar a mão-

de-obra que irá reduzir o desemprego e aumentar os níveis de emprego. Informa, ainda, o autor, que flexibilizar

as relações trabalhistas importará na solidificação da precarização dos postos de trabalho e no que chama de

“desemprego disfarçado”, já que, como aponta, não serão adicionados postos de trabalho. Para finalizar,

lembra, ainda, que a discussão sobre a questão do desemprego no Brasil está concentrada no que tange ao

mercado de trabalho e não na economia em si. POCHMANN, Márcio. Desemprego e políticas de emprego:

tendências internacionais e o Brasil In: OLIVEIRA, Marco Antônio de (Org.). Economia & Trabalho: textos

básicos. Campinas, SP: UNICAMP, 1998, p. 227. 47 Nesse sentido, José Pastore afirma que a livre negociação seria a solução para a crise econômica e criação

de postos de trabalho, ao passo que o excesso de legislação protetiva impede o progresso econômico.

PASTORE, José. Flexibilização dos mercados de trabalho e contratação coletiva. São Paulo: LTr, 1995, p.

15.

Page 45: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

44

pública, visando dar, de fato, efetividade aos princípios sociais e limitar a autonomia da

vontade em busca de proteção ao trabalhador48.

Outro conceito também determinante para corretamente empregar a flexibilização é

o de mínimo existencial, aliado, ainda, à proibição do retrocesso.

Assim, deve-se entender o mínimo existencial como um patamar civilizatório sem o

qual não se pode conceber a vida com dignidade, ou seja, uma espécie de limite à

possibilidade de flexibilização. Condições estas que devem ser estabelecidas pelo poder

Estatal.

Não se pode perder de vista que o objetivo precípuo da flexibilização é manter a

empresa e seus postos de trabalho em situação de grave crise e não o aumento de lucro do

empresário em detrimento a perdas de direitos ou deterioração da qualidade de vida do

empregado/trabalhador.

Outro princípio que importa à limitação da flexibilização dos direitos trabalhistas é a

da proibição do retrocesso social (também conhecido como irreversibilidade dos direitos

sociais). Tal princípio, ainda pouco enfrentado pela doutrina e jurisprudência, informa que,

adquiridos direitos sociais, não se poderá suprimi-los ou delimitá-los, sob pela de

caracterizar um retrocesso social49.

A par disso, na tentativa de se adequar à necessidade de redução dos custos com a

mão de obra, observou-se um cenário de maior contratação de trabalhadores fora do modelo

típico de vínculo empregatício, dando azo a maior contratação do teletrabalho, do

trabalhador por tempo determinado, parcial, dentro outros.

48 Ressalta, nesse sentido, Vólia Bomfim, que alguns direitos trabalhistas são espécie do gênero “direitos

humanos” e que, por isso, constituem cláusulas pétreas, configurando, no entanto, núcleo imodificável da

Constituição Federal de 1988, não sendo permitida sua modificação, sequer por emenda constitucional, no

intuito de prejudicar o trabalhador. CASSAR, Vólia Bomfim. Princípios Trabalhistas, Novas Profissões,

Globalização da Economia e Flexibilização das Normas Trabalhistas. Impetus, Niteroi; 2010., p. 13. 49 Em posição contrária à rigidez deste princípio podemos citar a tese de Canotilho, que em mudança de opinião

a tal respeito afirma que deve-se aceitar a existência de menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário

para todos faz relativizar a proibição ao retrocesso social. Há, inclusive, posicionamento do Tribunal

Constitucional de Portugal (acórdãos 399/2010, 396/2011 e 353/2012), no sentido de relativizar a rigidez da

proibição do retrocesso em tempos de crise, passando a aceitar restrições. Tais posicionamentos resgatam,

sobremaneira, as lições de Alexy e Dworkin, no sentido de que as normas constitucionais devem ser

interpretadas conforme a necessidade da época de sua aplicação. Canotilho, José Joaquim Gomes. Estudos

sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2004, p. 111.

Page 46: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

45

O que pouco se consegue perceber, contudo, é que o Direito do Trabalho já é por

demais flexibilizado.

O princípio maior, da irredutibilidade salarial, é flexibilizado pela própria

Constituição Federal de 1988, quando prevê tal possibilidade, em caráter de exceção, por

convenção e acordo coletivo, assim como a compensação de horários, que flexibilizam a

jornada de trabalho e a possibilidade de dispensa sem justa causa que, até a presente data,

não foi regulamentada sua proteção50.

Flexibilizar ou reduzir direitos trabalhistas não podem significar, por seu turno, a

infração à dignidade da pessoa humana, aos direitos fundamentais do trabalho e a proteção

ao trabalhador.

Em importante análise, Godinho deixa claro seu posicionamento acerca da

possibilidade da flexibilização das leis trabalhistas, desde que mantido o patamar mínimo

civilizatório, defendendo, ainda, a existência de normas de indisponibilidade absoluta (não

passíveis de flexibilização) e relativa (passíveis de flexibilização nos limites necessários e

possíveis)51.

Neste contexto consistente entre analisar a necessidade real de flexibilização de

direitos trabalhistas para manutenção de postas de trabalho, cabe ao Estado estabelecer

parâmetros negociáveis para evitar abuso de direito por parte daqueles que detém

superioridade jurídica (empregadores), sob ameaça da dignidade da pessoa humana do

trabalhador, que, necessitado, passaria a aceitar qualquer oportunidade de sobrevivência.

3.4 – Diferença entre Flexibilização e Desregulamentação

A flexibilização dos direitos trabalhistas pode ser entendida, como visto, como a

necessidade de tornar menos rígida uma norma laboral, a fim de que mais postos de trabalho

possam ser mantidos e encorajados, resolvendo, para os que comungam desta teoria, o

problema do desemprego estrutural que atinge, atualmente, o mundo inteiro.

50 SILVA, Antonio Álvares da. Terceirização: Um trigre de papel. Belo Horizonte: RTM, 2015., p. 18. 51 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012., p. 212.

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46

Por outro lado, tem-se debatido, ainda, acerca da desregulamentação trabalhista, que

em nada tem a ver com flexibilização das normas.

A desregulamentação consiste na supressão de determinadas normas jurídicas

heterônomas, ou seja, advindas do Estado, passando as situações fáticas e concretas a serem

reguladas pelos próprios atores sociais às quais se dirigem, através de uma

desregulamentação negociada.

Haveria, por seu turno, a derrogação das vantagens trabalhistas estabelecidas pelo

Estado e que seriam substituídas por benefícios muito inferiores, sem qualquer observância

aos princípios fundamentais constitucionais52.

Ressalta-se que, a substituição das leis por regras advindas de uma negociação

coletiva representariam, por seu turno, a revogação de direitos constitucionalmente

adquiridos após séculos de opressão da classe trabalhadora.

3.5 – Direito ao trabalho digno. O que diz a OIT?

Criada pelo Tratado de Versalhes em 1919, a OIT tem como convicção primeira a de

que a paz universal só poderá ser alcançada através da justiça social.

Com estrutura tripartite, ou seja, composta por representantes de governos,

trabalhadores e empregadores, é responsável por formular e aplicar normas internacionais

do trabalho, composta por convenções e recomendações.

Em 1944 foi adotada a Declaração de Filadélfia, como anexo da Constituição da OIT,

reafirmando, basicamente, que a paz só é possível se calcada na ideia de justiça social, além

do estabelecimento de quatro princípios básicos, quais sejam: o trabalho deve ser fonte de

dignidade; o trabalho não é uma mercadoria; a pobreza, em qualquer lugar, ameaça a

prosperidade de todos e o direito que compete à todo ser humano de perseguir seu bem estar

material com liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades.

52 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 7ª edição. São Paulo: LTr, 2011, p. 69.

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47

Dos quatro princípios anteriormente destacados, aos quais constituem a base do

objetivo da OIT, qual seja, justiça social e a paz permanente, podemos destacar os que

interessam diretamente ao presente estudo.

Nesse contexto, tem-se que o trabalho deve ser fonte de dignidade, preceitua a OIT.

Isto porque, estima-se que, atualmente, existem cerca de 200 milhões de pessoas em situação

de desemprego e 839 milhões de pessoas em condições não dignas de trabalho, auferindo,

por dia de labor, menos de 2 dólares.

O que se pretende, em verdade, é a elevação da cidadania laboral à uma base

sociológica, que deva ser buscada sem fronteiras, em todos os Estados53.

Merece destaque, ainda, o princípio atinente a não mercantilização do trabalho.

Sabe-se que o sistema capitalista se originou do comércio da força de trabalho

resultante da expropriação dos meios de produção e sujeitou o trabalhador, que a nada tinha

direitos54.

Assim, diante dos novos meios de produção, o trabalhador perde o controle e o

conhecimento do processo produtivo, sobretudo em razão da implementação de máquinas

nesse processo. Por fim, só detinha o trabalhador a propriedade de sua capacidade produtiva,

agora vista como mercadoria, vital, neste cenário, para sua própria sobrevivência.

O capitalismo transformou tudo em mercadoria, quantificada pelo dinheiro. E é

exatamente dessa quantificação do todo que a OIT visa resguardar a figura humana em sua

essência, que é a dignidade.

Apesar de abolidas a escravidão e a servidão, àqueles que não tem mercadorias para

vender, ou seja, que não são donos dos meios de produção, vendem o que lhes pertence: o

raciocínio, sua força de trabalho, suas mãos etc.

53 GHAI, Dharam. Decent Work: objectives and strategies. International Labour Organization 2006., p. 4 54 Alerta Marx para a máxima de que o sistema capitalista retira do trabalhador a propriedade dos seus meios

de trabalho, transformando em assalariados os produtores diretos das mercadorias. MARX, Karl. O capital.

Crítica da Economia Política. Boitempo Editorial, 1985., p. 830.

Page 49: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

48

Em troca de dinheiro, o ser humano quantifica suas aptidões e as vende, agindo como

mercadoria, em troca de salário que possibilite sua existência, transferindo para quem

compra, a propriedade do fruto de sua produção.

O ser humano produz e vende sua força de trabalho, quantificada em dinheiro, porque

o sistema capitalista instituído não permite que cada pessoa produza tudo aquilo que é

necessário para a própria sobrevivência. Como única saída para obter o que não pode

produzir e permitir, então, sua sobrevivência e de sua família, o ser humano transforma em

moeda de troca as suas aptidões55.

O lucro, tão prezado pelo sistema capitalista, consiste em investir dinheiro numa

mercadoria (força de trabalho originária) que, posteriormente, será novamente transformada

em dinheiro, mas, agora, acrescida de valor excedente.

O produto da força de trabalho empenhada pelo trabalhador pertence, então, ao

empresário, que paga pela produção, geralmente considerada em razão da quantidade de

trabalho investida ou do tempo à disposição da realização56.

O entrechoque de interesses entre as classes sociais, donos da produção e operários,

esta justamente no pagamento pela força de trabalho frente à cada vez maior necessidade de

obter lucros. Neste contexto, a classe detentora dos meios de produção e, por isso, do

dinheiro, procurará pagar menos pela produção, reduzindo o tempo de disposição do

operário (precarização do trabalho) para, por fim, obter resultados mais consistentes.

Ocorre que, o trabalho não deve ser visto apenas como o gasto da força de trabalho

para busca de moeda de troca que possibilite a sobrevivência.

É o princípio da dignidade da pessoa humana que justifica o intuito protetivo do

Direito do Trabalho e ressalta o valor social (e não apenas econômico) do trabalho como

fundamento da ordem econômica e social.

55 Em relação ao pressuposto de que a força de trabalho não é mercadoria, alerta Marx para o fato de que se o

sistema adotado for o capitalismo a força de trabalho será mercadoria, inevitavelmente, representando, assim,

fonte de lucro. 56 A lógica do sistema, aponta Marcio Viana, é transformar trabalhador em emprego e empregado em

consumidor. Diante dessa lógica entende-se que, na realidade, as crises financeiras são geradas pelo colapso

do próprio sistema superprodutivo e capitalista. VIANA, Marcio Tulio. Para entender a Terceirização. São

Paulo: LTr: 2017., p. 31.

Page 50: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

49

Devemos lembrar que antes da CLT, era o Código Civil (de 1916) que regulamentava

os contratos de trabalho, através da expressão “locação de serviços”.

Assim como o princípio da dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho

foi elevado ao nível de Princípio Constitucional Estruturante57 e submetendo a tal princípio

a ordem econômica, não ao contrário. Deve ser entendido, assim, que os valores do trabalho

humano têm prioridade sobre todos os valores expostos numa economia de mercado,

devendo ser priorizado, sempre, o ser humano, se houver entrechoque entre este e o capital58.

É função do Estado garantir que o trabalhador seja avaliado apenas em seu aspecto

econômico, garantindo-lhe uma existência digna. Deve ser tratado, afirma Ana Gomes, como

um elemento social e não como um valor59.

A exploração da atividade econômica praticada pela globalização capitalista,

agravada pela alta influência tecnológica, tornou o homem um mero instrumento de trabalho,

passando a tratar o capital com superioridade em relação à dignidade humana. Assim, cabe

ao Direito do Trabalho, através do fomento à valorização do trabalho, proteger a figura

humana do trabalhador.

3.6 – Flexicurity: A solução europeia para a flexibilização dos direitos trabalhistas

Como visto, o acelerado processo da globalização, acentuado pelo alto progresso

tecnológico e a intenção cada vez maior de redução dos custos da produção para obter maior

lucratividade, resultou no desemprego em massa dos trabalhadores.

57 Art. 1º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV - os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa”. BRASIL. Constituição [1988]. Constituição da República Federativa

do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em:

www.planalto.gov.br. Acesso em: 04/07/2017. 58 SILVA, Luis Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001., p.

764. 59 GOMES, Ana Virgínia Moreira. A aplicação do princípio protetor no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,

2001., p. 44.

Page 51: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

50

Diante da crise econômica mundial e do cenário de desemprego que atinge a maioria

dos países, inclusive europeus, muito se tem discutido acerca das soluções ou métodos de

atenuação dos seus estragos.

Destaca-se que, na Europa, o desemprego é, em maior parte, estrutural, ou seja,

aquele causado pela substituição da mão-de-obra humana por máquinas, tamanho o

progresso tecnológico.

Outro fator que, aliado a alta tecnológica contribui para o forte desemprego europeu

é a migração das linhas de produção das grandes empresas para países com menor custo de

mão-de-obra e legislações trabalhistas mais flexíveis, permanecendo no território europeu

apenas sua sede.

A pressão imposta pelo sistema capitalista e o mercado internacional globalizado

ensejam, então, a incessante busca pelo maior lucro possível, representando as condições de

vida dos trabalhadores fator irrelevante.

Ocorre que, como já podemos observar ao longo da história, o desemprego maciço,

as péssimas condições de trabalho, e a preocupação apenas com o lucro levam a economia

ao colapso, além de marginalizar o trabalhador e desencadear, por fim, uma série de

problemas sociais.

A solução neoliberal para a crise econômica e, falaciosamente, para geração de novos

postos de trabalho seria, então, a flexibilização dos direitos trabalhistas, aos quais alegam

tratar-se da origem do esgotamento de todo o sistema.

A flexibilização dos direitos trabalhistas representa, em apertada síntese, já que o

assunto já foi amplamente discutido anteriormente, um modo de amenizar a rigidez de certas

normas jurídicas laborais no intuito de preservar, por fim, a manutenção dos postos de

trabalho e evitar demissões em massa.

Percebendo, então, neste cenário de flexibilização dos direitos dos trabalhadores,

que, sem qualquer rigidez, não era possível conter o aumento do desemprego, e que, por

outro lado, tal medida seria a única possível para manter a competitividade no mercado

capitalista global, passou a União Europeia a discutir formas de atenuar a marginalização e

o descontentamento da classe operária.

Page 52: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

51

Neste ínterim, vem sendo discutida a flexisegurança, surgida da conciliação de

propostas proporcionalmente antagônicas, tais como a flexibilização dos direitos trabalhistas

frente ao mercado de trabalho e a segurança dos trabalhadores em situação de desemprego60.

Em termos gerais, a flexisegurança consiste em incentivar a mobilidade no emprego,

desburocratizando a contratação de trabalhadores e tornando sem ônus o despedimento,

porém, compensando o trabalhador através de seguro-desemprego em altos valores aliado a

políticas públicas de realocação no mercado de trabalho61.

É importante ressaltar, neste contexto, que uma das formas de flexibilizar a legislação

trabalhista aqui tratadas, consiste na vinculação dos salários aos resultados e da jornada de

trabalho à produção, deixando à mercê do mercado de capitais a dignidade do trabalhador.

Outra questão de grande relevância para o tema consiste em atentar-se para o fato de

que a flexibilização dos direitos trabalhistas em prol da “sobrevivência” das empresas

culminará em rombo aos cofres públicos. Isto porque, sobrecarregando o seguro-

desemprego, os ônus do despedimento facilitado serão suportados pelo Estado, cabendo ao

empresariado apenas o lucro.

É certo que a medida aqui proposta não é passível de resultados positivos em países

nos quais a realidade dos cofres públicos já é catastrófica. Tanto no Brasil quanto em

Portugal há muito se discutem reformas capazes de diminuir os gastos públicos (além da

corrupção), não sendo, de fato, plausível, implementar medidas ainda mais onerosas, o que,

por fim, culminará apenas por marginalizar a situação dos trabalhadores.

60 Nessa direção é o “Livro Verde sobre Relações Laborais da União Européia”, editado em novembro de 2006,

que propugna pela “modernização do Direito do Trabalho para fazer frente ao desafio do século XXI”. Em

igual sentido mencione-se também a Diretiva n. 21 da União Européia que objetiva “promover a flexibilidade

combinada com segurança”. 61 DALLEGRAVE Neto, José Affonso. Flexisegurança nas relações de trabalho. O novo debate europeu.

Disponível em: www.calvo.pro.br/media/file/.../jose.../jose_dallegrave_neto_flexiseguranca. Acessado em:

10/06/2017.

Page 53: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

52

Capítulo 4

A Terceirização da mão-de-obra e seus reflexos

4.1 - O que é Terceirização?

Do latim tertius (terceiro), como adjetivo, indica a posição, ou o lugar de coisas, ou

de pessoas, que vêm a seguir do segundo, ocupando, assim, numa ordem determinada, o

número três.

Tal denominação é empregada, também, para indicar uma ordem, ou hierarquia,

sendo, em regra, inferior ao segundo e ao terceiro.

Juridicamente, terceirização remete à existência de pessoa estranha à relação jurídica

ou àquela que não participou do contrato, que nele não interviu, não tendo, assim,

responsabilidade pelas obrigações derivadas do mesmo62.

Como mencionado em capítulo anterior, muitos estudiosos imputam à globalização e

a cada vez maior interação eletrônica o surgimento da necessidade de terceirizar63. Isto

porque a velocidade da comunicação e a agilidade na tomada de decisões, terão enorme

responsabilidade sobre a alta dos lucros das grandes multinacionais.

É oportuno relembrar que, com menos investimento e custo da produção, observa-se

o fortalecimento da competitividade do produto junto ao mercado externo, não obstante, por

seu turno, desague na consequente flexibilização e a té mesmo revogação de muitos direitos

trabalhistas, como sugerem alguns doutrinadores.

62 “Pessoa estranha a uma relação jurídica, ou, em matéria processual, quando é um estranho à demanda

ajuizada. Em sentido lato, terceiro revela sempre o estranho ao ato, ao contrato ou à demanda. Destarte, não

se confundem o terceiro, em referência ao contrato, ou ato jurídico e o terceiro em relação à demanda

ajuizada. Relativamente aos contratos, terceiro é aquele que não participou do contrato, ou não teve nele

qualquer intervenção, pelo que, não sendo parte, não se liga nem é responsável por quaisquer das obrigações

derivadas do mesmo contrato. É um completo estranho De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico. 31ª edição.

Rio de Janeiro: Forense. 63 A esse respeito, Alice Monteiro de Barros sustenta que a relação de trabalho típica não é mais compatível

com a necessidade da empresa moderna de adaptar a um processo econômico competitivo. Como consequência

passou-se a recorrer a modalidades de emprego mais flexíveis, dentre elas a terceirização.

Page 54: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

53

Mais especificamente em relação ao Direito do Trabalho no Brasil, o termo

terceirização remete ao ato de transferir as atividades secundárias do tomador de serviços a

uma empresa de terceirização, especializada no serviço64, culminando na interferência de

estranhos na própria relação jurídica e não na relação processual.

Também é conhecida, a terceirização, como desverticalização, exteriorização,

subcontratação, filialização, reconcentração, focalização, parceirização, colocação de mão-

de-obra, intermediação de mão-de-obra, contratação de serviço, contratação de trabalhador

por interposta pessoa, marchandage ou horizontalização65.

Em Portugal não se fala em terceirização, não representando, naquele país, um fato

social alarmante, haja vista o entendimento da preponderante livre iniciativa, mas são

utilizados termos como subcontratação e outsourcing em referência ao mesmo fenômeno.

Para melhor compreensão do instituto em questão é de suma importância o

entendimento da sua razão de ser. Em relação à necessidade de terceirizar, não basta falar-

se apenas em redução dos custos da mão-de-obra, mas sim em especialização66.

No âmbito empresarial é consenso a importância da comunicação e reciprocidade

entre empresas, justamente pelo fato de não poderem, ou de não ser viável, que produzam

tudo necessário para seu bom funcionamento por conta própria. Neste ponto, é, sob o prisma

empresarial, necessária a subdivisão ou desagregação, no intuito de especialização – para

alguns, “especialização flexível” - e racionalização dos serviços.

Assim, delegando-se a terceiros a prestação de serviços (atividade-meio) que não

sejam sua finalidade principal (atividade-fim), possibilita-se que haja maior

64 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

p. 357. 65 A horizontalização, afirma Arnaldo Sussekind, é caracterizada pela produção de bens ou serviços mediante

contratação de pessoas físicas ou jurídicas especializadas em determinados segmentos da empresa contratante.

SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2016., p. 141. 66 Em verdade, aponta Marcio Tulio Viana, somente na análise do caso prático exposto a julgamento é que se

poderá analisar se o serviço prestado é ou não especializado. VIANA, Marcio Tulio. Para entender a

Terceirização. São Paulo: LTr: 2017., p. 35.

Page 55: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

54

especialização67, foco e, por consequência, melhor produção referente ao objetivo ou

finalidade social pretendida68.

Os que incentivam a prática da terceirização, encontram na maior eficiência e

especialização da prestação de serviços o cerne da argumentação favorável. Isto é, havendo

delegação, ou terceirização, daqueles serviços que não constituem a finalidade da empresa,

esta pode se aprimorar e, inclusive, baixar os custos da produção em relação à sua atividade

final.

Também neste ponto se faz necessário citar a insegurança jurídica que vem sendo

notada, sobretudo pelos julgadores, ao serem instados a decidir sobre a licitude ou não de

uma terceirização em cada caso concreto.

É que, para tal análise, é primordial que se verifique se a atividade desenvolvida pelo

trabalhador pode ser enquadrada como atividade-meio ou fim de determinada empresa, o

que requer enorme cautela.

Representando, assim, uma análise, muitas das vezes, subjetiva, muitos

doutrinadores vêm reconhecendo licitude na terceirização da atividade-fim com base no

princípio da livre concorrência, incerto no art. 170 da Constituição Federal69.

A relação de trabalho terceirizada, ao que se entende, passaria a ser trilateral,

contrariando o requisito da bilateralidade típica do contrato de trabalho70. Trata-se, portanto,

da introdução do trabalhador, por empresa interposta, especializada, na dinâmica empresarial

67 Jorge Luiz Souto Maior critica, neste ponto, a Súmula 331 do TST, que, utilizada na tentativa de regular o

instituto da terceirização não traz como requisito o termo especialização de serviços, que seria, ao que se

entende, a ideia básica de sua criação. Disponível em

http://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/a_terceiriza%C3%87%C3%83o_sob_uma_pers

pectiva_humanista..pdf. 68 Em interessante análise, Washington Luiz da Trindade aponta que a atividade-fim de uma empresa é aquela

cujo objetivo foi registrado na classificação socioeconômica, destinado ao atendimento das necessidades

sociais. TRINDADE, Washington Luiz da. Os caminhos da terceirização. Jornal Trabalhista. Brasília, 1992.,

p. 904. 69 Art. 170 da Constituição Federal de 1988 “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano

e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,

observados os seguintes princípios”. 70 Em sentido contrário, Antonio Alvares da Silva assevera que não há interferência na relação de trabalho e

seus elementos básicos, permanecendo a prestação de trabalho mediante salário. Prossegue, ainda, salientando

que não o local onde o trabalho é prestado não importa para fins de caracterização da relação de trabalho.

SILVA, Antonio Alvares. Terceirização: Um tigre de papel. São Paulo: RTM, 2015., p. 12.

Page 56: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

55

da empresa tomadora de serviços, sem, contudo, que haja qualquer tipo de vínculo ou

obrigação empregatícia desta com o trabalhador.

Os laços justrabalhistas, repisa-se, mantém-se entre o trabalhador e a empresa

interposta, não havendo qualquer vínculo daquele para com a empresa tomadora de

serviços71, - o que Antônio Alvares da Silva aponta como “pequena sinuosidade”72 -, além

da relação obrigacional, e não trabalhista, entre as duas empresas. Entende, neste sentido,

Maurício Godinho Delgado, que exista uma dissociação entre as relações econômicas e

justrabalhistas.

Vólia Bomfim Cassar, em posicionamento claramente contrário à terceirização alerta

para a crescente condição de subempregos em consequência à redução dos já escassos

direitos trabalhistas, bem como da “sonegação do vínculo com quem é seu real empregador”,

chegando a apontar que tais atos representariam a negativa de uma vida digna ou do mínimo

existencial ao trabalhador” e, prossegue, salientando a não coincidência do empregador real

com o formal diante da relação trilateral entre trabalhador, prestador de serviços e tomador73.

Entende-se, assim, tratar a terceirização de uma espécie de empreitada, em que a

empresa tomadora celebra com outra pessoa física ou jurídica um contrato pelo qual esta

última (prestadora), se encarrega da produção de um serviço, que a própria tomadora deveria

executar para um cliente.

Tal relação trilateral74 funciona de forma que a empresa prestadora de serviços coloca

seus trabalhadores nas empresas tomadoras ou clientes, servindo, assim, de intermediadora

entre o tomador e os trabalhadores.

Cabe ressaltar, no entanto, que a subcontratação de empregados se apresenta como

exceção, tendo em vista a contrariedade à finalidade, princípios do direito e função social.

Desta feita, deve ser interpretada de forma também restritiva, já que, em regra, os contratos

são bilaterais.

71 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 435. 72 SILVA, Antonio Alvares. Terceirização: Um tigre de papel. São Paulo: RTM, 2015., p. 31. 73 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 389. 74 Diferente posicionamento à respeito da trilateralidade da relação é apresentada por Sayão Romita, que

entende que não existe uma relação trilateral, mas apenas bilateral entre empresa prestadora e tomadora, não

tendo o empregaodo da empresa prestadora qualquer relação. ROMITA, Arion Sayão. Globalização da

Economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997., p. 294.

Page 57: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

56

Há quem distinga, ainda, a terceirização interna da terceirização externa, salientando,

como faz o professor Marcio Tulio Viana, que na primeira forma haveria a introdução, na

empresa tomadora, de trabalhadores externos e, na segunda forma, descentraliza etapas de

seu ciclo produtivo (empresa “vazia”)75, tratando-se, de um fenômeno circunstancial

periférico.

Doutrinadores e julgadores divergem, no entanto, a respeito do tema, que, por

flexibilizar em enorme escala os direitos trabalhistas, que já não são muitos, acaba por

representar verdadeira precarização do trabalho humano, isso porque, na maioria das vezes,

o que há é uma verdadeira simulação, já que a maioria dos trabalhadores subcontratados são,

na realidade, empregados diretos das empresas tomadoras.

À respeito da simulação e fraude à legislação trabalhista observa-se, na prática, que

grande parte das empresas se utiliza da contratação do trabalhador através de empresas

interpostas com finalidade de baratear os custos da contratação, mas, recebendo o

trabalhador, todavia, ordens da tomadora de serviços, o que seria vedado.

Por fim, interessa ao direito do trabalho e, neste sentido, no ordenamento português

ou brasileiro, o fato do trabalhador prestar serviços ao tomador, embora possua relação

jurídica com a empresa prestadora de serviços, o que reflete verdadeira relação triangular.

A relação existente, contudo, entre a empresa prestadora de serviços e a tomadora é

de direito civil, consubstanciada num contrato de natureza civil ou comercial, de nada

influenciando no contrato trabalhista existente entre os trabalhadores e aquela primeira.

Por outro lado, como já dito, o contrato de trabalho estabelece-se entre o trabalhador e a

empresa prestadora de serviços, ou intermediadora, de modo que não exista subordinação

(jurídica) direta dos trabalhadores à empresa tomadora.

4.2 - A Terceirização no ordenamento jurídico

75 VIANA, Marcio Tulio. Disponível em https://blogdaboitempo.com.br. O Autor cita, ainda, como exemplo

de terceirização interna, a contratação, pela empresa tomadora, de serviços que constituam sua atividade-meio,

não havendo nada produzido ou comercializado pela empresa prestadora, apenas os próprios trabalhadores e,

de terceirização externa, a externalização de fases do seu próprio ciclo produtivo, que, juntamente com os

trabalhadores, seriam lançados para fora da empresa.

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57

Inicialmente, cumpre esclarecer que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer

menção ao termo terceirização, vindo este a compreender uma inovação jurisprudencial

atualmente disciplinada pela Súmula 331 do TST.

Criticada por muitos doutrinadores, a Súmula 331 foi criada pela jurisprudência no

intuito de preencher a lacuna legislativa, contendo, porém, flagrante criação de direitos e

deveres, o que, à princípio, deveria ser declarado inconstitucional, já que o julgador deve

agir secundum legem e não, apropriando-se da função legislativa, atuar positivamente.

Não obstante, atualmente tramita no Congresso Federal o Projeto de Lei 4330, que dispõe

sobre a contratação de forma terceirizada e irrestrita, encontrando-se, no entanto, aprovado

pela Câmara dos Deputados e ao aguardo de apreciação pelo Senado Federal.

O referido projeto de lei tem como objetivo principal dispor sobre o contrato de prestação

de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes e vem sendo ferrenhamente

criticado por muitos doutrinadores e julgadores, haja vista a pretensão de ampliação da

possibilidade de terceirizar serviços irrestritamente, ao passo que, como se verá adiante, esta

não é a regra, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro.

Paralelamente, foi sancionada de forma sorrateira e com velocidade extrema a PL

4302/1998, que tem como premissa básica a possibilidade de terceirização ampla, no campo

da terceirização temporária, passando a vigorar a Lei 13429/2017 desde 31/03/2017.

Cumpre destacar que o Projeto de Lei, agora sancionado, vem sendo muito criticado e

temido pelos defensores do Direito do Trabalho, tendo em vista, notadamente, seu menor

rigor em relação à responsabilização das empresas contratantes/tomadoras.

Assim, como será melhor explicado adiante, o Projeto de Lei 4330 (ainda pendente de

análise pelo Senado Federal) estabelece responsabilidade subsidiária entre a empresa

tomadora e a contratada, ao passo que, o Projeto de Lei 4302, sancionado e transformado na

Lei 13429/2017, impõe também a responsabilização subsidiária entre ambas as empresas,

mas apenas no que diz respeito ao trabalhador temporário.

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58

Antes mesmo de se discutir acerca dos benefícios e malefícios deste tipo de contratação,

é importante entender o que é ou não atualmente permitido pelo ordenamento jurídico

brasileiro, com base no entendimento vigente.

Desta feita, como se verá adiante, a terceirização pode ocorrer, de forma legal,

temporária ou permanentemente.

Em sendo temporária, é adotada para atender demanda eventual, autorizada pela Lei

6.019/74 (terceirização para substituição de pessoal regular e permanente, tanto para

atividade-fim quando para atividade-meio76), alterada pela Lei 13.429/2017, ou seja, só é

permitida a intermediação de mão-de-obra do trabalhador temporário nos casos citados, no

período máximo de cento e oitenta dias, em relação ao mesmo tomador, que poderão ser

prorrogados por mais noventa dias, consecutivos ou não, satisfeitos os requisitos necessários

para tanto7778.

Por outro lado, a Lei 7.102/83 cuidou de regular a terceirização dos serviços de vigilância

em agências bancárias e transporte de valores, o que deve, obrigatoriamente, ocorrer através

de empresa interposta/especializada e pode ocorrer de forma permanente.

Não se pode negar que, não obstante as duas legislações acima citadas, o fato é que a

jurisprudência muito tem legislado à respeito da terceirização, fazendo às vezes, não é

demais dizer, de legislador ordinário, que, por seu turno, permaneceu até aqui inerte79.

76 Deve-se frisar, neste ponto, tendo em vista importante apontamento feito por Arnaldo Sussekind, que a

licitude apenas dessas duas hipóteses afasta ou torna ilícitas a hipótese de prestação de serviços ou de

empreitada de obra, tal como disciplinadas pelo Código Civil. Explica, ainda, que tais contratos se justificam

por sua própria natureza e finalidade, sendo o poder de comando da empresa contratada e não da contratante.

SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2016., p. 143. 77 Lei 6.019/74, art. 2º: “trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa

de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à

necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços”. 78 Lei 6019/74, art 10º: “Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de

emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário. § 1o O contrato de

trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não poderá exceder ao prazo de cento e oitenta

dias, consecutivos ou não. § 2o O contrato poderá ser prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não,

além do prazo estabelecido no § 1o deste artigo, quando comprovada a manutenção das condições que o

ensejaram”. 79 Um bom exemplo de criação de direito por parte da jurisprudência, ou, em outras palavras, de ativismo

judicial exarcebado por parte dos julgadores seria o estabelecimento de restaurantes; preparação de alimentos;

segurança; assistência de máquinas e equipamentos; médica, jurídica ou contábil, dentre outras, são passíveis

de terceirização.

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59

Por fim, mesmo diante das legislações citadas, bem como do Projeto de Lei ainda em

trâmite no Senado o que se pode concluir que há em comum em todas essas diretrizes é a

falta de técnica do legislador (e da jurisprudência ao editar a Súmula 331 do TST). Tal

concepção fica evidente ao submeter a legislação ao caso concreto, no momento do seu real

julgamento, haja vista a quantidade de interpretações subjetivas geradas, o que culmina, por

seu turno, na permanência da insegurança jurídica digna da falta de legislação.

4.3 Terceirização e intermediação de mão-de-obra

Inicialmente, devemos destacar que muitos autores diferenciam a terceirização da

intermediação da mão-de-obra.

Como visto, o conceito de terceirização abrange apenas a contratação de uma outra

empresa que lhe preste serviço especializado, não importando, para a empresa tomadora, a

pessoa do trabalhador que executará o contrato, tanto é assim que o trabalhador pode ser

livremente substituído pela prestadora. Desta feita, infere-se que não se admite, na

terceirização, a subordinação direta e a pessoalidade.

Como visto anteriormente, a OIT, através da Declaração de Filadélfia veda o

tratamento do trabalhador como mercadoria, não podendo, assim, ser intermediado, sob pena

de caracterizar afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Ou seja, a terceirização de serviços especializados é permitida em nosso ordenamento

jurídico, não sendo permitida, outrossim, a intermediação da mão-de-obra.

Importa relembrar, neste contexto, que há apenas um caso no qual é permitido a

intermediação, que é o caso da contratação de trabalhadores temporários, nos casos e formas

legalmente previstos. Neste caso, entende-se que o que há é realmente uma intermediação

da mão-de-obra e não de um serviço específico e especializado, não sendo considerado, por

Page 61: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

60

muitos, uma espécie de terceirização80. Tal conceito equivaleria ao que outra parte da

doutrina reconhece como terceirização de trabalhadores81.

Ocorre que, é muito corriqueira a terceirização simulada, ou seja, a contratação de

empregados, através de empresa interposta, fazendo com que, na realidade, tais empregados

possuam vínculo de fato com a empresa tomadora82 dos serviços e não com a empresa

intermediadora, já que é com àquela que o trabalhador mantém os requisitos da pessoalidade

e subordinação direta.

Em nome do princípio da primazia da realidade, norteador do direito do trabalho,

deve-se analisar, no caso concreto, para quem, de fato, o empregado presta serviços com

subordinação e pessoalidade, sendo ilícita a mera intermediação de mão-de-obra.

Por fim, entende a doutrina majoritária que, em se tratando de intermediação ilícita

de mão-de-obra, o que caracteriza, inclusive, crime contra a organização do trabalho, a

responsabilidade pela quitação dos créditos trabalhistas pode ser considerada solidária, uma

vez que seriam instados a responder todos os que participaram da cadeia fraudulenta83.

4.4– Tipos de terceirização

4.4.1– Conforme o prazo de duração:

Um contrato de terceirização pode ser ajustado de forma permanente ou temporária.

A terceirização temporária é aquela regulamentada pela Lei 6019/74 e tem a finalidade

de atender a uma demanda eventual ou de urgência.

80 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização como intermediação de mão-de-obra. São Paulo: Papyrus,

2014., p. 84. 81 MIZIARA, Raphael. A terceirização produzida pela Lei 6019/74. Revista da Academia Brasileira de Direito

do Trabalho, nº. 20. São Paulo: LTr, 2015., p. 94. 82 Súmula 331, I do TST: “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o

vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo nos casos de trabalhador temporário”. 83 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2014., p. 368.

Page 62: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

61

Já a terceirização pactuada de forma permanente é contínua, não possuindo o requisito

da eventualidade ou urgência para sua valida

4.4.2 - Conforme a regularidade (licitude) ou irregularidade (ilicitude)

4.4.2.1- Regulares:

Como anteriormente mencionado, atualmente, as formas lícitas de terceirização do

trabalho representam exceção ao modelo clássico bilateral, que é o da contratação direta da

prestação de serviços.

Conforme artigos 2º e 3º da CLT, em regra, o contrato de trabalho tem como

requisitos básicos a pessoalidade, a onerosidade, a subordinação, a não-eventualidade e a

prestação por pessoa física, não havendo, por consequência, como se falar em validade de

um contrato, no qual estejam presentes tais premissas, sem, contudo, responsabilidade

jurídica do tomador dos serviços em relação ao prestador.

Não obstante, pode-se falar, assim, em quatro casos excepcionais nos quais os

requisitos acima mencionados, ainda que presentes (variáveis a cada caso), não signifiquem,

de plano, a existência de vínculo trabalhista com o tomador de serviços. Tais casos

encontram-se presentes, como se verá em seguida, em quatro situações excepcionais de

licitude na terceirização admitidas pelo ordenamento jurídico, sendo eles:

I – Contratação de trabalho temporário84.

Tal situação encontra-se regulada pelo item I da Súmula 331 do TST e pela Lei

6.019/74.

O item 1 da Súmula 331 do TST informa que é ilegal a contratação de trabalhador

por empresa interposta, sendo reconhecido o vínculo empregatício juntamente ao tomador

de serviços, salvo nos casos regulados pela Lei 6019/74, ou seja, do trabalho temporário.

84 A relação estabelecida por essa lei é triangular, afirma Sussekind, pela qual a empresa fornecedora de mão-

de-obra delega o poder de comando à sua cliente, que dirigirá a prestação de serviços dos trabalhadores

vinculados à contratada. Sussekind, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 2016., p. 142.

Page 63: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

62

Já a Lei 6019/74 prevê a possibilidade de terceirização temporária no caso de

necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora

ou de necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços da empresa.

Cabe ressaltar, no entanto, que, apesar da Súmula 331 do TST prever que são, ainda,

requisitos da terceirização lícita, a inexistência de pessoalidade e subordinação direta entre

trabalhador e o tomador de serviços – visto que tal relação é mantida entre trabalhador e

empresa contratada ou interposta -, no tocante ao item I, da contratação temporária, tais

requisitos não são exigidos.

A impossibilidade de exigência dos mesmos é óbvia, uma vez que os trabalhadores

temporários terceirizados, neste caso, são diretamente inseridos no estabelecimento da

tomadora, de forma a encontrar-se plenamente integrado na dinâmica da mesma, ainda que

em caráter temporário.

Importante mencionar, neste ponto, que no caso de falência da empresa de trabalho

temporário, que é a prestadora de serviços, empregadora aparente, há previsão legal (art. 16

da Lei 6019/74) no sentido de contemplar responsabilidade solidária do tomador de serviços

pela remuneração, indenizações e contribuições previdenciárias referente ao tempo em que

o empregador esteve sob suas ordens.

Em relação a Lei 6019/74 é necessário mencionar que, encontra-se em vigor, desde

31/03/2017, a Lei 13429/20017 que alterou e acrescentou alguns dos seus dispositivos.

A terceirização do trabalho temporário nas hipóteses previstas pela lei, como o

próprio nome diz, se refere a um trabalho com prazo determinado.

O prazo de prestação do trabalho era, segundo a Lei 6019/74, de três meses, no

máximo. O período foi, então, recentemente, majorado pela nova Lei 13429/2017, passando

a vigorar o máximo de 180 dias, consecutivos ou não, prorrogável por até 90 dias.

Cabe aqui, informar que, cumpridos os prazos legalmente estabelecidos, o

trabalhador só poderá ser recolocado à disposição da mesma empresa tomadora de serviços,

de forma temporária, após 90 dias do término do contrato anterior.

Não obstante a alteração acima descrita, esta não foi a mudança mais significativa e

divergente trazida pela Lei 13429/2017. A inovação mais preocupante diz respeito ao

Page 64: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

63

disposto no seu art. 9º, § 3º, no que tange à extensão do contrato de trabalho temporário à

atividade-fim85.

Ocorre que, o trabalho temporário previsto pela Lei 6019/74 já era, de fato, possível

de ser realizado na atividade-fim do tomador, uma vez que as hipóteses contempladas para

contratação (necessidade transitória de substituição de pessoal e acréscimo extraordinário

dos serviços) induziam ao trabalho na atividade preponderante da empresa contratante,

fazendo as vezes de trabalhador direto.

Desta feita, muito alarde se tem feito pela inclusão do referido dispositivo, que passa

a regulamentar uma hipótese de licitude da terceirização do trabalho temporário que, de fato,

já existia, não passando, nesse mister, de meras especulações.

Outra inovação trazida pela Lei 13429/2017 no que tange à licitude da terceirização

do trabalho temporário diz respeito ao disposto no art. 4º -A86, que passa a prever que a

empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a

prestar serviços “determinados e específicos”.

É notória a intenção do legislador, ao incluir este artigo, de afirmar a necessidade de

delimitação e especificação dos serviços que serão desenvolvidos pelo trabalhador, não

podendo haver contrato genérico, sob pena de ilicitude da terceirização.

Fica evidente, também neste artigo, que não importa, à terceirização de trabalho

temporário se a função será exercida na atividade-meio ou atividade-fim da empresa

tomadora, mas sim a delimitação e especificação da tarefa a ser realizada.

Por todo o exposto, conforme previsão do art. 4º-A, § 2º da Lei 13429/2017, não há

que se falar em configuração de vínculo empregatício entre os trabalhadores das empresas

prestadoras e as contratantes, qualquer que seja o ramo, desde que a terceirização seja

considerada lícita, ou seja, cumpridos os requisitos e exigências legais.

85 Art. 9º da Lei 13429/2017: “O contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a tomadora de

serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade fiscalizadora no estabelecimento da tomadora de

serviços e conterá; § 9º: O Contrato de Trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de

atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços. 86 Art. 4º-A. “Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a

prestar à contratante serviços determinados e específicos”.

Page 65: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

64

II - Contratação de serviços de vigilância:

A situação em comento encontra-se regulada pela Lei 7.102/83 e item III da Súmula

331 do TST e representa o segundo caso excepcional em que é aceita a contratação de forma

terceirizada.

Inicialmente, a previsão legal apenas citava a terceirização dos serviços de vigilância

no segmento bancário, tendo, posteriormente, a mencionada súmula, generalizado a previsão

para contratação dos serviços de vigilância, ainda que por particulares, por empresas

interpostas, especializadas.

Atualmente, a contratação de serviços de vigilância patrimonial representa,

juntamente ao segmento bancário, uma das principais formas de contratação. Isso porque,

devido à especialização das empresas prestadoras de tais serviços, a experiência vem

mostrado ser mais vantajosa a contratação terceirizada que a de forma direta.

Importa salientar, neste caso especifico, a distinção entre vigilante e vigia proposta

por Mauricio Godinho Delgado, segundo o qual o vigia pode ser empregado não

especializado, que se vincula ao próprio tomador; já o vigilante, que por ser membro de

categoria diferenciada, submete-se a regras próprias.87

Também não há que se confundir o serviço de vigilância com o de porteiro, que, por

sua vez, tem a função apenas de controlar o acesso e fluxo de entradas e saídas em

condomínios, sem qualquer poder/dever de reação, tampouco uso de armas, assim como o

vigia88.

Outra importante observação em relação à exceção para contratação de serviços de

vigilância se refere a especialidade. Em outras palavras, é requisito essencial para a licitude

87 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 449. 88 Pode-se citar, como requisitos concretos para que não haja confusão entre tais funções, bem como para evitar

casos de desvio de função, os requisitos indispensáveis aos prestadores de serviço de vigilância, tais como:

deve o profissional ser maior de idade, além de obrigatoriamente ter sido aprovado em curso de formação de

vigilante, sendo que a aprovação e regularidade deve constar na Carteira de Trabalho e Previdência Social

(CTPS). Também deve o profissional ter sido aprovado em exame médico de saúde física e mental, bem como

em exame psicotécnico. A imposição de que o vigilante não tenha antecedentes criminais é outro requisito que

serve para qualificar a profissão regulamentada. Em relação ao vestuário, o vigilante também apresenta

características próprias, sendo exigido que deverá utilizar uniforme especial fornecido pela empresa

empregadora que estiver vinculado. A vestimenta deverá incluir apito com cordão, emblema da empresa e

plaqueta de identificação autenticada pela empresa a que estiver vinculado. O uniforme será adequado às

condições climáticas da localidade em que for prestar os serviços.

Page 66: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

65

desta contratação que a empresa prestadora/contratada seja especializada em serviços de

vigilância, além de possuir capacitação específica para tanto, sob pena de caracterizar-se

uma simples locação de mão-de-obra, o que é vedado por nosso ordenamento jurídico89.

Além da exigência de especialização da empresa contratada para licitude da

terceirização dos serviços de vigilância, é essencial, ainda, que não exista subordinação

jurídica direta e pessoalidade do tomador de serviços em relação ao trabalhador. Tais

requisitos somente existirão entre o trabalhador e a empresa prestadora de serviços, sendo

esta sua real empregadora. Caso a regra não seja observada, ou seja, presentes a subordinação

jurídica e a pessoalidade junto ao tomador de serviços, será considerada ilícita a

terceirização.

Quanto à responsabilidade pelas verbas trabalhistas, havendo licitude na

terceirização, esta se dá de forma subsidiária para o tomador de serviços, ou seja, havendo

descumprimento dos deveres contratuais por parte da prestadora de serviços, o tomador

responderá subsidiariamente pelo que não for pago.

Em relação ao Projeto de Lei 4302 recentemente aprovado e transformado na Lei

13429/2017, nada foi alterado no que tange à terceirização dos serviços de vigilância, pelo

que tal exceção continua, ao que tudo indica, a ser regida pela Lei 7102/83 e pelo item III da

Súmula 331 do TST.

III – Contratação de atividades de conservação e limpeza:

Prática prevista na Súmula 331, item III do TST, que autoriza a subcontratação de

atividades de conservação e limpeza.

Nos mesmos moldes já citados quando tratamos acerca da terceirização de serviços

de vigilância, a contratação por empresa interposta dos serviços de conservação e limpeza,

89 Nesse sentido, destaca-se importante comentário de Paulo Moraes, segundo qual: “a exigência de serviços

especializados impõe-se justamente para coibir fraude. Dela decorre que a prestadora de serviços tem que ser

uma empresa especializada naquele tipo de serviço; que tenha uma capacitação e uma organização para a

realização do serviço que se propõe e, no caso de contratação indireta bipolar, que seja o prestador de serviços

um especialista naquele mister. Disto decorre que o objeto do ajuste é a concretização de alguma atividade

material especializada e não o mero fornecimento de mão-de-obra”. MORAES, Paulo Douglas Almeida.

Contratação Indireta e Terceirização de Serviços na Atividade-Fim das Pessoas Jurídicas: Possibilidade

Jurídica e Conveniência Social. Monografia. Faculdade de Campo Grande, 2003., p. 101.

Page 67: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

66

regulada pela Súmula 331, III do TST, também representa uma exceção à regra da

bilateralidade contratual.

Contudo, para que a contratação tenha validade, se enquadre inteiramente à previsão

sumular e, portanto, não seja considerada ilícita, alguns requisitos devem ser respeitos.

Assim como previsto para a contratação dos serviços de vigilância, a empresa

prestadora de serviços de limpeza e conservação deve ser especializada, sob pena de

caracterizar a rechaçada locação de mão-de-obra.

Outro requisito essencial para validade e licitude da terceirização de serviços de

limpeza e conservação é a inexistência da pessoalidade e subordinação direta para com a

empresa tomadora dos serviços, mantendo-se como empregador real do trabalhador a

empresa emprestadora.

Desta feita, presentes os requisitos da relação de emprego, configurar-se-á o vínculo

entre o trabalhador e a empresa tomadora (empregadora aparente enquanto válida a

terceirização), em respeito aos princípios protetivos.

Assim como no caso anteriormente apresentado, neste tipo de subcontratação

também de verifica a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora pelas verbas

trabalhistas não quitadas pela real empregadora (empresa prestadora de serviços), nos casos

de validade e licitude da terceirização.

Em relação à recente legislação (Lei 13429/2017) que modificou alguns artigos da

Lei 6019/74 pode-se garantir que nenhuma alteração foi feita no tocante à contratação

terceirizada de serviços de limpeza e conservação.

IV – Contratação de serviços especializados relacionados à atividade-meio do

tomador:

A última exceção à regra da bilateralidade contratual trabalhista é a terceirização de

serviços correspondentes à atividade-meio da empresa tomadora, conforme disposição

expressa do item III da Súmula 331 do TST.

Page 68: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

67

É certo que não existe um rol taxativo que preveja expressamente, em nosso

ordenamento jurídico, quais atividades encontram-se abarcadas por tal tópico, ou seja, quais

atividades podem ser consideradas como de meio para determinado tomador, sendo

necessário verificar, no caso em concreto, se estas correspondem ou não à atividade-fim do

tomador90.

Ocorre que, a função de verificar e determinar, na prática, se a atividade a ser

contratada por terceirização pode ser considerada ou não como atividade-meio é genérica e

abstrata, gerando, com isso, infindáveis discussões processuais à respeito da licitude de sua

realização. Oportuno destacar, outrossim, que tais distinções e parâmetros serão melhor

explicados em tópico seguinte, cabendo, neste ponto, apenas entender que é lícita a

contratação, através da terceirização, de trabalhadores ligados à atividade-meio do tomador.

Assim como nos dois tópicos anteriores, para determinar a licitude da contratação

através de terceirização da atividade-meio há de se observar, ademais, se a empresa

prestadora se trata de empresa realmente especializada e com capacitação específica na

atividade para a qual foi contratada.

Outro pressuposto para a licitude dessa contratação é, como nos demais casos (exceto

o da contratação terceirizada de trabalho temporário), o da inexistência de subordinação

jurídica e de pessoalidade, uma vez que, presentes tais requisitos, poderá ser considerada

ilícita a terceirização, fazendo com que o vínculo jurídico seja considerado junto à tomadora.

A nova Lei 13429/2017 também nada dispõe acerca deste item, pelo que, ao que tudo

indica, continuará regulado pelo item III da Súmula 331 do TST.

Por fim, em relação à responsabilidade pelo pagamento das dívidas trabalhistas, e,

sendo considerada lícita a contratação terceirizada para realização de atividade-meio, esta é

da prestadora de serviços de forma direta, e, subsidiária, em relação à tomadora de serviços

pelos créditos por aquela não quitados.

90 Conforme explica Godinho, “atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais

e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços (...)”.90 Classifica, por

outro lado, as atividades-meio, como sendo “aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se

ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõem essa dinâmica ou

contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São,

portando, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços”. DELGADO,

Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P., 450.

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68

4.4.2.2 - Irregulares

O ordenamento jurídico pátrio prevê, como já visto, que, existentes os requisitos da

relação de emprego, quais sejam: subordinação jurídica, habitualidade, onerosidade e

pessoalidade (arts. 2°, caput, e 3°, caput, CLT), o empregador responderá pela relação de

trabalho91.

Assim, em regra, a responsabilidade direta pelo pagamento das verbas trabalhistas,

com base na bilateralidade contratual, é do empregador real, ou seja, daquele à quem o

empregado presta serviços e desde que presentes os requisitos da relação empregatícia.

Ocorre que, na trilateralidade contratual característica da contratação de forma

terceirizada, de forma excepcional, o pagamento dos créditos trabalhistas são feitos pelo

empregador real, que, contudo, não coincide com aquele à quem, de fato, o serviço é

prestado.

As hipóteses de terceirização lícita, no entanto, estabelecem a relação justrabalhista,

como já visto, entre o trabalhador e a empresa interposta, representando, outrossim, exceção

à regra da bilateralidade contratual, constituindo, por fim, como ilícitas, todas as práticas não

previstas pela Súmula 331 do TST, pelas Leis 6019/74, 7102/83 e 13429/2017.

É importante atentar-se, neste tópico, para, uma vez sendo excepcionais os casos de

licitude da terceirização, quais atos ou pressupostos invalidariam a contratação por não se

enquadrarem aos casos regulamentados.

Importante se faz, ainda, destacar a existência do já comentado projeto de lei (PL

4330/2004), que se encontra na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania e que propõe

a admissão de terceirização em qualquer nível e independente da atividade e cumprimento

de requisitos, pondo fim, porém, a tal classificação sobre irregularidade ou regularidade da

contratação.

91 “Irregular é a terceirização que, embora a lei não a proíba (por isso não é ilícita), viola princípios básicos

de Direito do Trabalho ou regras administrativas”. CASSAR, Volia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição.

Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 389. (?)

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69

4.4.3– Conforme a obrigatoriedade

Existem situações nas quais a própria legislação impõe que a contratação de

trabalhadores seja feita de forma terceirizada.

A única hipótese constante do ordenamento jurídico brasileiro de contratação

terceirizada obrigatória é a do serviço de vigilância, conforme regulamenta a Lei 7102/1983,

sendo, nos demais casos, opcionais, desde que se enquadrem, por seu turno, nos casos de

terceirização lícita acima expostos.

4.5 – Atividade-meio e Atividade-fim

Aponta o Código Civil que a empresa é uma atividade econômica, profissionalmente

exercida, para produção e circulação de bens ou serviços.

Já a profissão remete a realização de determinadas tarefas, bem como a consecução

contínua de atos a ela referentes.

A partir do momento que o ser humano se especializa em determinado ato, e o faz

com habitualidade de repetições, determinará uma profissão. A profissão é, por si, capaz de

reunir indivíduos que pertençam à mesma especialização e que, portanto, agregam-se

tecnicamente entre si. Como exemplo da agregação de indivíduos pertencentes à mesma

profissão/especialização podemos citar os sindicatos.

Já para o Código Civil, a profissão recai como um elemento da empresa. Neste caso,

a atividade econômica permanente é precedida de atos tendentes à geração de produção e

riqueza.

A empresa, então, é formada pela organização de bens e profissionais com intuito de

produção e lucro.

Como visto acima, a definição do que vem a ser uma atividade-meio e uma atividade-

fim é de suma importância ao presente estudo, uma vez que, em regra, é tal caracterização

responsável por definir a licitude ou não de uma terceirização.

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Em regra, apenas a atividade-meio é passível de ser terceirizada e compreende a

externalização ou internalização de serviços não inerentes à atividade-fim do tomador.

A atividade-fim de uma empresa corresponde à produção e circulação de bens e

serviços, direcionados ao seu objetivo constante de seus atos constitutivos, sendo, neste

sentido, a jurisprudência dominante92.

Contrário à conceituação e distinção entre atividade-meio e atividade-fim que a

doutrina majoritária tende a apontar, Viana entende que tal separação é infundada. Para o

autor, é impossível realizar a distinção entre tais atividades uma vez que a finalidade de uma

empresa são os bens e serviços que resultam de sua atividade e são gerados pelos meios

fornecidos pelo estabelecimento empresarial (compreendido como o complexo de bens

organizado, para o exercício da empresa, pelo empresário, conforme artigo, 1142 do Código

Civil). Não deve ser imposta, todavia, uma hierarquia entre os bens gerados, não havendo

elementos capazes de defini-los como de meio ou fim93.

Resta evidente que a distinção entre os institutos propostos é de difícil execução e

que, mais ainda, dividem opiniões na doutrina e jurisprudência.

Como anteriormente mencionado, o capitalismo globalizado, aliado ao crescimento

tecnológico, exige que a empresa concentre esforços e especialização para uma prestação

mais adequada e eficiente de serviços, possibilitando, por fim, resultados mais lucrativos e

de melhor qualidade.

Atualmente, a empresa não sobrevive sem que se destaque por sua eficiência,

objetivando, todavia, sua atividade final, que é a obtenção de lucros.

Se for considerado o fator especialização para enquadrar o trabalhador como de

serviço especializado ou não, e, por isso, enquadrado na licitude ou ilicitude da contratação

terceirizada, tão que ser analisadas provas, nos casos concretos postos à julgamento, do que

seria ou não especialização externa à dada atividade empresarial.

92 Assim afirma Vólia Bomfim, ao julgar o Recurso Ordinário 7271320105010015 a ela submetido no TRT/RJ,

junto à Segunda Turma, senão vejamos: “a atividade fim de uma pessoa jurídica se comprova formalmente

pelo objeto social constante de seus atos constitutivos (contrato social)”. 93 VIANA, Marcio Tulio. Para entender a Terceirização. São Paulo: LTr: 2017, p. 38.

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71

Porém, tratando-se não de serviços terceirizados por especialização, mas por

pertencerem à prática de uma atividade-meio, ainda assim, o objetivo final da atividade

empresária seria o da busca pelo lucro.

Alguns especialistas classificam a atividade empresarial em grupos, sendo eles:

- Atividades - meio de apoio: não agregam valor diretamente ao negócio do tomador

de serviços. São serviços necessários, mas não essenciais e citam, como exemplo, o serviço

de vigilância, de limpeza, transporte, dentre outros.

- Atividades - meio essenciais: são os serviços vinculados ao fornecimento de

matéria-prima, que fazem parte do processo produtivo e, por isso, influenciam no resultado

final da produção.

- Atividade-fim: está diretamente relacionada ao negócio. É o objetivo empresarial.

Concluem, então, após a classificação das atividades empresariais que, a primeira

hipótese, das atividades-meio de apoio, há possibilidade de terceirizar, sendo, na segunda

hipótese, facultativa e na última proibida94.

A clássica distinção entre atividade-meio e atividade-fim necessária à verificação da

licitude da contratação terceirizada, como já dito, é demasiadamente subjetiva. Não é por

outro motivo, ao julgar questões postas perante a Justiça do Trabalho, nas quais se discute

sua legalidade, não há consenso entre os julgadores.

Gustavo Filipe classifica a atividade-meio como sendo aquela de mero suporte, que

não integra o núcleo essencial da atividade do tomador; enquanto a atividade-fim seria a que,

de fato, o compõe95.

A classificação do que seria, de fato uma atividade-meio ou fim ainda é muito

subjetiva e abre margem para interpretações diversas mesmo diante de casos idênticos, o que

proporciona verdadeira insegurança jurídica.

94 REIS, Jair Teixeira dos. A terceirização vista pela auditoria fiscal do trabalho. Revista Jurídica Consulex,

nº. 359, 2012, p. 13. 95 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2014., p. 361.

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72

Nesse sentido, muitos juristas vêm julgando improcedente pedidos de

reconhecimento de vínculo direto com a tomadora de serviços, em razão da nulidade da

terceirização por exercício ilícito, na realidade, de atividade-fim, sob o fundamento, por seu

turno, do princípio da livre iniciativa, já que não existem parâmetros balizadores dos

conceitos de atividade-meio e fim.

Em contraponto, em situações idênticas, outros julgadores entendem que

interpretação restritiva, concedendo o vínculo com a empresa tomadora em razão da

declaração de nulidade da contratação terceirizada, sob fundamento do princípio da

dignidade da pessoa humana.

O fato é que, sem que haja uma disciplina legal capaz de definir objetivamente

atividade-meio e atividade-fim, não será possível garantir a segurança jurídica de tais

relações, ficando à mercê do julgador sua caracterização.

4.6 – Da Responsabilidade

4.6.1 – Responsabilidade na terceirização regular ou lícita

Segundo dispõe a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, em se tratando de

terceirização regular ou lícita, ou seja, dentro dos limites previstos pela súmula e legislação,

a responsabilidade do tomador de serviços pelo vínculo trabalhista é subsidiária.

Como é sabido, a solidariedade não se presume, posto que deve decorrer de lei ou da

vontade das partes. Desta forma, não haveria como estabelecer-se responsabilidade solidária

no caso da terceirização licita, já que as leis autorizadoras não preveem tal medida.

O que ocorre é que, mesmo no caso da terceirização regular, o tomador de serviços

pode ser responsabilizado, ainda que de forma subsidiaria, uma vez que falhou ao bem

fiscalizar o cumprimento dos preceitos trabalhistas por parte da empresa terceirizante,

enquadrando-se, tal conduta, em ato ilícito na modalidade abuso de direito.

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73

4.6.2 – Responsabilidade na terceirização irregular ou ilícita

No caso da terceirização ser considerada ilícita ou irregular, o vínculo empregatício

se formará com o tomador de serviços, fazendo com que a responsabilidade entre tomador e

empresa terceirizante seja solidária.

Como visto, a solidariedade não se presume, decorrendo de lei ou da vontade das

partes, sendo, neste caso, advinda tanto da legislação civil quanto trabalhista, uma vez que

desfeita a fraude consequente da terceirização irregular, o vínculo trabalhista se formará

junto ao tomador (empregador real), não se podendo ilidir a responsabilidade do

intermediador (empregador aparente), pela fraude, conforme dispõem os arts. 186, 927 e 942

do Código Civil, bem como os arts. 2°, 3° e 9° da CLT.

Importante salientar, ainda, que havendo mais de um tomador de serviços, não haverá

responsabilidade solidaria entre eles, devendo cada qual responder limitadamente pelo

período que figurou como real empregador.

4.7 – Efeitos deletérios da terceirização

Como definido anteriormente, a terceirização é um instrumento que vem sendo

amplamente utilizado pelos empresários em todo o mundo no intuito de reduzir os custos e,

paralelamente, aumentar a produção.

Muitos especialistas, sobretudo voltados para o crescimento econômico, apontam o

fenômeno como único caminho possível para que as empresas sobrevivam ao mercado

capitalista e glibalizado.

Ocorre que, na maioria das vezes, o que se observa é a contratação

simulada/fraudulenta através de intermediação de mão-de-obra, responsável por precarizar

sobremaneira as condições de trabalho.

Devemos ter em mente, nesse contexto, que a OIT proíbe o tratamento do trabalhador

como mercadoria, o que significa a desvalorização social do trabalho e, muitas vezes, sua

redução à condição análoga a de escravo.

Page 75: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

74

Analisaremos, então, neste tópico, os principais itens preocupantes no cenário da

contratação terceirizada, pelos quais se pode considerar a preocupação relativa ao presente

estudo.

4.7.1 – Desigualdade salarial

A onerosidade é um dos requisitos da relação empregatícia. Por seu turno, significa

dizer que não é gratuito o trabalho, correspondendo ao mesmo uma remuneração.

. Nos termos do art. 457 da CLT, o salário pode ser entendido como a quantia que é

paga pelo empregador diretamente ao trabalhador em decorrência do contrato de trabalho

firmado.

Em relação ao valor do salário, sua quantificação será feita de acordo com a política

salarial adotada por determinado ordenamento jurídico, dispondo a Constituição da

República do Brasil à respeito de suas formas de reajuste e aumento, bem como sobre o valor

mínimo necessário à uma vida digna para o trabalhador e sua família96.

Na mesma esteira, é de suma importância relembrar que, para o Direito do Trabalho,

o princípio constitucional da igualdade encontra diversas aplicações, tratando-se, por seu

turno, da notória necessidade de pacificação social diante deste ramo tão conflituoso97.

Assim, traz ainda a Constituição Federal, em seu art. 7º, XXX, a previsão específica

de adoção de diferentes salários, exercício de função e critério de admissão em razão do

sexo, cor, idade ou do estado civil.

96 Art. 7º da CF/1988: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria

de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas

necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,

higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo

vedada sua vinculação para qualquer fim”; 97 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3º edição. São Paulo: Saraiva,

2004., p. 52, afirma que, sendo a igualdade um direito de ordem fundamental integrante dos direitos humanos

de segunda geração e, sendo o direito à equiparação salarial a concretização do princípio da igualdade na esfera

dos direitos sociais, poder-se-ia concluir que a equiparação salarial representaria a aplicação dos direitos

humanos fundamentais no plano trabalhista.

Page 76: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

75

No plano internacional, a Convenção 117 da OIT, promulgada pelo Decreto

66.496/1970, prevê a supressão de qualquer tipo de discriminação entre os trabalhadores por

motivos de raça, cor, sexo, crença e filiação sindical, inclusive no tocante à remuneração.

A própria CLT dispõe, em seu artigo 5º a concretização do princípio da igualdade

salarial, prevendo, assim, que a todo trabalho de igual valor corresponderá idêntica

retribuição salarial.

Já o art. 461 dispõe sobre a equiparação salarial, no intuito de tornar justa e pacífica

a contratação dos trabalhadores, bem como sua convivência na estrutura empresarial e prevê,

dentro do que informa o artigo anteriormente citado, as linhas delimitativas desta

regulamentação.

Desta feita, em relação à estrutura empresarial aliada ao direito fundamental à

isonomia de condições, bem como à previsão, por lei federal, de equiparação de salários,

muitos questionamentos e problemas começaram a surgir em relação ao trabalho

terceirizado.

A problemática está no fato de que, como vimos, os trabalhadores terceirizados são

empregados contratualmente vinculados à empresa prestadora de serviços e não à empresa

tomadora. Tal assertiva impõe que, sendo empregados diretos da empresa prestadora, ou

seja, sendo esta sua real empregadora, também será esta a responsável pela quitação de seus

salários e demais créditos trabalhistas.

Assim, na prática, visualiza-se que não há previsão legal que imponha a isonomia

salarial entre trabalhadores diretos da empresa tomadora e os terceirizados, tendo em vista

tratarem-se de diferentes empregadores reais em cada caso.

O já mencionado artigo 461 da CLT não deixa dúvida quanto à inaplicabilidade da

igualdade salarial entre trabalhadores contratados diretamente pela empresa tomadora de

serviços, como empregados de seu quadro próprio, e empregados contratados diretamente

pela empresa prestadora de serviços, ao prever como um dos requisitos para tanto que o

trabalho seja prestado para o mesmo empregador.

Ocorre que a intenção do legislador, à época da regulamentação acerca da

equiparação salarial não foi de excluir o trabalhador terceirizado, - ou seja, o contratado por

interposta pessoa, uma vez que tal instituto é recente e carente de regras específicas -, mas

Page 77: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

76

dos trabalhadores comuns, contratados diretamente por seus empregadores, mas sem

qualquer conexão entre os mesmos.

Apenas uma exceção é resguardada no caso em análise, que é a do trabalhador

terceirizado temporário, uma vez que estes estão inseridos diretamente na dinâmica

empresarial, podendo exercer, até mesmo, sua atividade-fim, dado aos motivos que levam a

sua contratação (necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da

empresa tomadora ou de necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços da

empresa), não importando, entretanto, se a terceirização é regular ou não.

Conforme leciona Vólia Bomfim98, “o trabalhador terceirizado receberá a

remuneração ajustada com seu empregador (empresa interposta) e seu labor será no

horário determinado pela interposta pessoa, assim como o enquadramento sindical”, e

complementa “por isso, não há que se falar em equiparação salarial entre trabalhadores

terceirizados e os empregados da empresa tomadora de serviços, já que não possuem o

mesmo empregador aparente, mesmo com o preenchimento dos demais requisitos do art.

461 da CLT”.

De acordo, ainda, com o Juiz Heriberto de Castro, em ementa citada por Vólia

Bomfim, em sua obra, “não há que se falar em equiparação de salário do empregado

contratado pela empresa prestadora de serviços com o daqueles que laboram na tomadora,

dos quais se exigiu prévia aprovação em concurso público (...). É inaplicável, ainda, à

hipótese vertente, o art. 12, “a”, da Lei 6019/74. Este preceito legal cuida tão-somente do

contrato temporário, não se afigurando possível a extensão de suas disposições ao contrato

de prestação de serviços, sob pena de afronta ao princípio isonômico invocado”.99

Nos demais casos anteriormente citados, os quais representam exceções à proibição

da contratação de trabalhadores terceirizados, situação contrária ocorre no caso de ser

reconhecida a irregularidade da terceirização.

Isto porque, em sendo declarada nula a contratação por terceirização, o vínculo

empregatício será reconhecido diretamente com a empresa tomadora dos serviços, passando

98 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 413. 99 TRT/MG – RO- 11844/02 – Rel. Designado: Juiz Heriberto de Castro. DJ/MG 14/12/2002, citado por

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 413

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77

a ser considerado, o trabalhador, empregado direto desta empresa, sendo, então, garantida a

isonomia para com os trabalhadores de seu quadro próprio, se pleiteada.

Conforme expõe o Juiz Paulo Maurício Ribeiro Pires, em julgamento junto ao TRT

da 3ª Região, “reconhecido o vínculo com a tomadora, segue-se que incide sobre o pacto

todas as normas relativas à efetiva categoria profissional, a fim de que se possam corrigir

as distorções havidas, sendo a mais frequente a da isonomia salarial, ou salario

equitativo”.100

Importante mencionar, contudo, a existência de corrente minoritária que aponta a

necessidade de se garantir a todos os trabalhadores terceirizados (não só aos temporários

regidos sob a Lei 6019/74101) isonomia de tratamento, inclusive em relação a igualdade

salarial, em relação aos empregados diretos do tomador de serviços.

Isto porque, justamente por trata-se de um instituto novo no direito do trabalho, a

terceirização carece de regulamentação própria, razão pela qual muitos autores citam a

existência, até mesmo, de uma lacuna legislativa nesse sentido, não podendo, neste caso, a

interpretação jurisprudencial restringir direitos não limitados pela lei, o que acarretaria,

sobretudo numa arguição de inconstitucionalidade102.

A Constituição Federal, em seu art. 7º, XXXII trata, ainda, da proibição de distinção

entre profissionais, o que, por seu turno, tornaria inconstitucional a interpretação tendente a

considerar lícita a diferença salarial e o tratamento diferenciado entre terceirizados e não

terceirizados.

100 TRT/MG – RO- 16865/00 – Rel. Designado: Juiz Paulo Mauricio Ribeiro Pires. DJ/MG 20/11/2000, citado

por CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 413. 101 Alerta Vólia Bomfim para o cuidado que se deve ter ao afirmar que os salários devem ser iguais, uma vez

que o empregado do tomador, muitas vezes, pode contar com valores agregados em razão da antiguidade na

empresa, o que não justificaria a equiparação. Propõe, como solução, que o salário do empregado terceirizado

seja calculado de forma proporcional ao que seria pago, na empresa tomadora, para o trabalhador em início de

carreira ou considerando-se o piso da categoria do tomador. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Impetus: Niterói. 2009. p. 942. 102 Isso significa que o fenômeno tem evoluído, em boa medida, à margem da normatividade heterônoma

estatal, como um processo algo informal, situado fora dos traços gerais fixados pelo Direito do Trabalho do

país. Trata-se de exemplo marcante de divórcio da ordem jurídica perante os novos fatos sociais, sem que se

assista a esforço legiferante consistente para se sanar tal defasagem jurídica. DELGADO, Maurício Godinho.

Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2012., p. 417.

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78

Ainda que pequena parte da doutrina e estudiosos do direito questionem a ilegalidade

da diferença salarial entre os trabalhadores terceirizados e não terceirizados, cabe destacar o

caso dos trabalhadores terceirizados que trabalhem para a Administração Pública.

Em tais casos, como veremos a diante, ainda que a terceirização venha a ser

considerada ilícita, não haverá formação de vínculo empregatício com o tomador de serviços

(Administração Pública), em razão da exigência constitucional expressa no art. 37 da CF de

que tal apenas será feita através de aprovação em concurso público.

Nestes casos, o que se observa, na prática, é que empregados contratados por

empresas interpostas (terceirizados) e empregados diretos da Administração Pública,

trabalham lado a lado, nitidamente em idênticas situações, mas fazendo jus, por outro lado,

a salários diferenciados.

No intuito de dirimir a injusta situação desses trabalhadores, o TST decidiu, através

da Orientação Jurisprudencial 383, - agindo nitidamente como legislador ordinário -, que

ainda que seja impossível o reconhecimento de vínculo empregatício junto à tomadora de

serviços, quando tal for a Administração Pública, porém, sendo considerada ilícita a

contratação, farão jus, os trabalhadores terceirizados, pelo princípio fundamental da

isonomia, às mesmas condições salariais dos trabalhadores diretamente contratados,

devendo ser observada, para tanto, a identidade de funções103.

Tem sido corriqueiro, porém de forma ainda tímida, que os julgadores, ao apreciarem

casos de diferenças salariais entre trabalhadores terceirizados e contratados diretamente pela

tomadora, utilizem, de forma análoga, o artigo 12 da Lei 6019/74 que protege o trabalhador

temporário, dando margem, por fim, a mais discussões à tal respeito.

Por fim, ante a inexistência, até o presente momento, de legislação que ponha fim à

celeuma, a regra é a de que, sendo considerada lícita a terceirização e não se tratando de

103 OJ 383. TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA

TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974. (mantida) - Res. 175/2011,

DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente

da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados

terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador

dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019,

de 03.01.1974.

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79

trabalhador temporário, não há que se falar em comunicação entre os padrões remuneratórios

das empresas tomadoras e prestadoras de serviços104.

Há de se atentar, no entanto, para que, segundo pesquisas recentes, os trabalhadores

terceirizados ganham salário menor que os trabalhadores não terceirizados. De acordo com

os estudos, a diferença salarial chega a ser de 25%, o que ocasionaria uma precarização do

trabalho humano, bem como a criação de trabalhadores de uma subclasse105, como se

depreende da tabela adiante.

Na mesma esteira, aponta pesquisa feita pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo

– Estado brasileiro com maior quantidade de contratações por terceirização -, que os

empregados terceirizados recebem cerca de 1/3 a menos que os trabalhadores diretamente

104 DELGADO, Marcelo Godinho, sustenta que: “ há claros preceitos constitucionais e justrabalhistas

brasileiros que, lidos em conjugação sistemática entre si e com os aspectos acima apontados, indicam na

direção da comunicação remuneratória entre o contrato do trabalhador terceirizado e o padrão prevalecente

para os empregados da mesma categoria da empresa tomadora dos serviços. Preceitos constitucionais e legais

que, em síntese, favorecem à aplicação do salário equitativo mesmo em situações de terceirização lícita”.

Afirma, ainda, que os direitos garantidos ao trabalhador regido pela Lei 6019/74 devem ser estendidos a todos

os trabalhadores terceirizados, tendo em vista que, se este contrato, que é de curta duração, possui isonomia de

tratamento, tal interpretação também deve ser aplicada aos casos de terceirização permanente.

105 CUT. Terceirização e desenvolvimento – uma conta que não fecha”. Disponível em: www.cut.org.br.

Acessado em: 10/07/2017.

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80

contratados, não fazendo jus, ainda, a outros direitos, tais como participação nos lucros e

auxílios106.

4.7.2 – A questão do enquadramento sindical

Conforme ensina Vólia Bomfim, pode-se considerar uma relação de trabalho a partir

de uma ótica individual, tendo-se, assim, por bases, situações reais e não hipotéticas,

envolvendo um contrato, em regra, bilateral, entre empregado e empregador, que definirão,

desde logo, direitos e obrigações; ou sob o ponto de vista coletivo e, portanto, abstrato,

através do qual generaliza-se ou se pretende prever aspectos passíveis de ocorrerem numa

relação de emprego concreta. 107

Já Luciano Martinez define o direito coletivo do trabalho como uma vertente própria

do direito do trabalho responsável por regular, tendo, para tanto, princípios específicos, a

106 Dados fornecidos pelo DIEESE. Disponivel em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017. Acessado

em: 10/07/2017. 107 CASSAR, Volia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 977.

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forma de organizar e atuar das entidades coletivas, com o objetivo de melhorar as condições

de trabalho do empregado individual.108

Pode-se constatar, por fim, que a dinâmica social leva o trabalhador à organizar-se

em associações, pelas quais apoiam-se e reivindicam novas condições de trabalho.

A organização, então, de trabalhadores em prol de melhores condições de trabalho

culminou, como se sabe, no surgimento dos sindicatos, que, atualmente, apresentam-se como

a base de sustentação do Direito Coletivo.

Nas palavras de Otávio Bueno Magano, o Direito Coletivo é o ramo descentralizado

do Direito do Trabalho que regula a organização sindical, negociações e convenções

coletivas de trabalho, bem como os modos de solução de tais conflitos.109

Conforme insculpido pelo art. 5º. XX da Constituição Brasileira, o princípio da

liberdade sindical diz respeito ao direito dos trabalhadores e empregadores se associarem

livremente a um sindicato visando a promoção dos seus interesses ou dos grupos que os

representem, sem qualquer intervenção do Estado.

O princípio em tela é regulado pela Convenção 87 da ONU, ainda não ratificado pelo

Brasil, não obstante, não se sustente mais o modelo sindical controlado pelo Estado e sim

pautado pela democracia e pluralismo nas relações sindicais.

O sistema adotado pelo Brasil foi o da unicidade sindical, ou seja, apenas é possível

a criação de um sindicato, representativo da mesma categoria, por território (art. 8º da

Constituição Brasileira)110.

Pode-se dizer, assim, que o princípio representa um direito subjetivo público, que

veda a intervenção do Estado na criação e funcionamento do sindicato.

Ensina Gustavo Filipe Barbosa Garcia, que “a organização sindical, assim, passa a

ser pautada na liberdade de fundação, organização, filiação, administração e atuação dos

108 MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do

trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 599 109 MAGANO, Otavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 1993, p. 11. 110 Art. 8º CRFB – “É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: II - é vedada a criação

de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou

econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados,

não podendo ser inferior à área de um Município”.

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82

entes sindicais, mantendo o diálogo e a boa-fé nas suas relações, de modo a alcançar a

dignidade e a justiça social”.111

Contrariamente ao sistema na unicidade adotado pelo Brasil, o sistema Português é

o da pluralidade, ou seja, não há limitação de criação sindical por base territorial, podendo

ocorrer em qualquer nível, conforme Convenção 87 da ONU e art. 55º § 2º da Constituição

Portuguesa112.

Nas palavras de Maurício Godinho, o princípio da autonomia sindical informa a

capacidade de autogestão da qual é dotada a organização sindical, não sendo possível, neste

ínterim, qualquer interferência Estatal. Determina, então, a livre estruturação interna do

sindicato, “sua livre atuação externa, sua sustentação econômico-financeira e sua

desvinculação de controles administrativos estatais ou em face do empregador”113

Assim, a autonomia sindical ou coletiva privada, é um poder conferido aos atores

sociais, inseridos nas relações coletivas, de estabelecer normas coletivas de trabalho, que

serão aplicadas a tais relações.

O termo "sindicato" deriva do latim syndicus, que é proveniente do grego sundikós,

com o significado do que assiste em juízo ou justiça comunitária.

Historicamente a dinâmica social leva o trabalhador à organizar-se em associações

nas quais apoiam-se e reivindicam novas condições de trabalho.

Essa tendência associativa diz respeito, sobretudo nos países Ocidentais, à

polarização, encontrando-se, de um lado, a solidariedade e defesa e revolta contra o modelo

capitalista e de outro a burguesia.

Nesse contexto, com a Revolução Industrial ocorrida no Século XVIII, se

desenvolvem as primeiras organizações sindicais, percebendo, o trabalhador, que seus

interesses eram mais fortemente buscados quando reunidos em grupos.

111 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

P. 1241. 112 Art 55º, 2. “No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação,

designadamente: a) A liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis”. 113 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 1332..

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83

Assim, a organização de trabalhadores em prol de melhores condições de trabalho,

culminou, como se sabe, no surgimento dos sindicatos, que, atualmente, apresentam-se como

a base de sustentação do Direito Coletivo.

Os Sindicatos, atualmente, são vistos como entidades associativas permanentes que

representam trabalhadores vinculados por laços profissionais comuns, e visam defender seus

interesses, bem como solucionais seus conflitos coletivos, em busca de melhores condições

de vida e trabalho.

As funções comumente estabelecidas aos sindicatos são as de negociação,

assistência, arrecadação, colaboração com o Estado, representação dos interesses da

categoria ou individuais de seus integrantes.

O art. 511 da CLT aduz que: “é licita a associação para fins de estudo, defesa e

coordenação de seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como

empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais,

exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões

similares ou conexas”.

Como visto anteriormente, os sistemas brasileiro e português divergem no que tange

a adoção, pelo primeiro, da unicidade sindical e pelo segundo da pluralidade, tal como a

Convenção 87 da ONU, pelo que, o princípio da liberdade de associação culmina por

esbarrar, no Brasil, na vedação da criação de mais de uma organização por base territorial,

que não pode ser inferior à área de um Município.

Adotam, ainda, os sistemas, o princípio da liberdade de filiação, pelo qual ninguém

é obrigado a filiar-se ou manter-se filiado, estando tal regra prevista no art. 8º da CRFB e

art. 55º, item 2, b da CRP.

Importante mencionar, no entanto, que o sistema sindical brasileiro é organizado em

categorias, conforme art. 8°, incisos II, III e IV da Constituição Federal de 1988, senão

vejamos:

“II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau,

representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será

definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área

de um Município.

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84

III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,

inclusive em questões judiciais ou administrativas.

IV – a assembleia-geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional,

será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical

respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.

Ressalta-se, por fim, que as categorias podem ser profissionais ou econômicas,

conforme representem trabalhadores ou empregadores, respectivamente e que, em Portugal,

não é permitida a sindicalização patronal, apenas profissional.

De acordo com o art. 511, §§ 1° e 2° da CLT, pode-se depreender o conceito das

categorias:

“§ 1° - a solidariedade de interesses econômicos dos que

empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico

que se denomina categoria econômica.

§ 2° - a similitude de condições de vida oriundas da profissão ou

trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em

atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar

compreendida como categoria profissional”.

Conforme explica Gustavo Filipe, à respeito das categoriais, estas podem ser

definidas pela reunião de pessoas com interesses profissionais comuns, resultante de uma

identidade de condições atreladas à atividade econômica que desempenham.114

Desta feita, denomina-se categoria profissional, a dos empregados, bastando, para

tanto, que preste serviços a empregador inserido em determinado setor da economia. Insta

salientar, neste ponto, que é irrelevante, aqui, a função especificamente exercida,

considerando-se, por fim, a categoria do empregador.

Por outro lado, a categoria dos empregadores é denominada econômica, representada

pelo vinculo decorrente da solidariedade de interesses econômicos daqueles que

desempenham atividades idênticas, similares ou conexas.

114 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

P. 1262.

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85

Como se pode observar, o enquadramento sindical se dá de acordo com a atividade

preponderantemente desenvolvida pelo empregador, com fulcro no que dispõe o art. 581, §

1° da CLT:

“quando a empresa realizar diversas atividades econômicas,

sem que nenhuma delas seja preponderante, cada uma dessas

atividades será incorporada à respectiva categoria econômica

(...)”.

De acordo com Maria do Rosário Palma Ramalho, sobre o modelo Português de

associação, observa que a associação através de sindicatos se determina pela defesa dos

interesses profissionais dos trabalhadores aos quais representa. Não há mais no CT de 2003,

diz a autora, delimitação à associação por categorias, podendo ter a amplitude que os

trabalhadores determinarem, ainda que não vinculadas a uma categoria profissional115.

Como regra geral, pode-se dizer que o enquadramento sindical se dá de acordo com

a atividade econômica única ou preponderantemente exercida pelo empregador,

independente da função exercida pelo empregado.

Como visto anteriormente, um trabalhador é membro de determinada categoria

simplesmente porque exerce determinada profissão, sendo, o enquadramento sindical, por

seu turno, automático e natural, o que não acontece, por outro lado, com a filiação sindical,

que se consubstancia em ato volitivo do trabalhador.

O enquadramento sindical em Portugal, vale lembrar, ocorre de acordo com a regra

do art. 444 do Código do Trabalho, pelo que este ocorre não de acordo com a atividade

preponderante do empregador, mas de acordo com a atividade desenvolvida pelo

empregado116.

115 RAMALHO, Maria do Rosario Palma. Tratado de Direito do Trabalho, parte III. Almedina, 2015. 116 Art 444 do Código do Trabalho – Liberdade de Inscrição

1 – No exercício da liberdade sindical, o trabalhador tem o direito de, sem discriminação, se inscrever em

sindicato que, na área da sua atividade, represente a categoria respectiva.

2 – Pode manter a qualidade de associado o trabalhador que deixe de exercer a sua atividade, mas não passe a

exercer outra não representada pelo mesmo sindicato ou não perca a condição de trabalhador subordinado.

5 – O trabalhador não pode estar simultaneamente filiado, a título da mesma profissão ou atividade, em

sindicatos diferentes.

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A problemática que envolve a dificuldade de enquadramento sindical dos

trabalhadores terceirizados gira em torno, portanto, da regra geral de ambos os institutos:

terceirização e enquadramento sindical.

Isso porque, pela regra geral, o enquadramento sindical se dá de acordo com a

atividade econômica única ou preponderantemente exercida pelo empregador, independente

da função exercida pelo empregado, sendo que, no caso do trabalho terceirizado, o

empregador real é o tomador de serviços, sendo a prestadora a empregadora formal.

Neste caso, dificulta-se, então, o enquadramento sindical da referida classe, o que

culmina pelo enfraquecimento de suas reivindicações decorrentes de dificuldades de

associações.

Como bem expõe Maurício Godinho Delgado, é fato notório que a contratação

terceirizada desorganiza, de forma perversa, salienta, a atuação sindical, retirando-lhe o que

mais lhe compete, que é uma atuação eficaz. No caso da terceirização, com a pulverização

da força de trabalho, torna-se inviável a aglomeração finalística de trabalhadores117.

Há, neste tópico, forte divergência doutrinaria e jurisprudencial.

Juristas de renome entendem que o enquadramento seguirá o da regra geral, ou seja,

se dará de acordo com a atividade única ou preponderante da empregadora (neste caso, a

prestadora de serviços).

Estes estudiosos entendem, por consequência, que o trabalhador enquadrado na

categoria sindical da atividade econômica da empregadora (prestadora de serviços) não tem

direito aos benefícios obtidos pelo sindicato representativo da categoria na qual encontra-se

enquadrada a tomadora de serviços, ainda que em seu estabelecimento exerça integralmente

suas atividades.

Nesse sentido, advoga Vólia Bomfim Cassar, para quem “o trabalhador terceirizado

receberá a remuneração ajustada com seu empregador (empresa interposta) e seu labor

será no horário determinado pela interposta pessoa, assim como o enquadramento

sindical”118.

117 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 479. 118 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niteroi. 2009, p. 413.

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87

Ocorre que, imputar ao trabalhador enquadramento sindical da empresa prestadora

de serviços, significa reprimir a atuação sindical e contrariar os princípios e ideais que regem

o direito coletivo119.

Nas palavras de Maurício Godinho Delgado, um dos poucos juristas a enfrentar

veementemente a questão, a formação de um sindicato de trabalhadores terceirizados, que

prestam serviços a múltiplos tomadores de serviços, integrantes, portanto, a seguimentos

extremamente díspares, é um contrassenso120.

Isto porque a criação de um sindicato dos trabalhadores terceirizados abrange, como

dito, uma infinidade de segmentos, contando com empregados de diferentes profissões, sem

qualquer similitude entre os mesmos.

Tal agremiação está em total confronto com a ideia de Sindicato, que possui como

principal característica a unidade, ou seja, a reunião de indivíduos com interesses comuns,

com estilos de vida ao menos similares, que estejam em busca de melhores condições de

trabalho para a categoria.

Em decorrência, seria ilógico reunir num mesmo sindicato pessoas com diferentes

formações, que, decerto, não possuem o mesmo estilo de vida e menos ainda possuem os

mesmos interesses, descaracterizando, portando, a ideia de unidade sindical prevista

constitucionalmente.

Portanto, nota-se, nesse sentido, um grave desrespeito ao direito constitucional dos

trabalhadores (também os terceirizados, por óbvio) de associarem-se em sindicatos e por ele

serem representados, conforme dispõe o já citado art. 8°, II da Constituição Federal de 1988.

Por outro lado, de forma contrária entendem outros, no sentido de que o

enquadramento sindical poderá se dar junto à empresa tomadora dos serviços, fazendo jus,

até mesmo, aos direitos obtidos pelos sindicatos aos quais esta encontra-se filiada.

Nesse sentido posiciona-se Maurício Godinho Delgado, em importante colocação

que faz em sua obra, para o qual a vinculação laboral do trabalhador terceirizado se encontra

119 Neste sentido, João Reis ensina que tenta, o liberalismo econômico, enfraquecer a representação sindical

através do sindicato, no objetivo último de estabelecer maiores poderes patronais na relação laboral. REIS,

João Carlos Simões. O direito laboral português na crise atual. Disponível em: www.periodicos.unipe.br.

Acessado em: 11/07/2017. 120 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 479.

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88

junto à tomadora de serviços e não à mera intermediadora. Levando-se em consideração esta

última não será possível, de fato, representar os interesses do trabalhador.121.

Aponta, assim, o supracitado jurista, importante questão em crítica à tese de que os

trabalhadores terceirizados deviam ser representados por um sindicato das empresas

prestadoras de serviços terceirizados, uma vez que não haveria comunhão de interesses entre

os representados, como exposto no art. 511, § 2° da CLT.

Enfatiza, ainda, o ilustre doutrinador, com propriedade, que “a real categoria

profissional desse obreiro é aquela em que ele efetivamente se integra em seu cotidiano de

labor”122.

Ora, não há como se vislumbrar atuação sindical representativa de profissionais

provenientes de vários segmentos, cada qual com distintos interesses e reivindicações.

Imperioso se faz destacar, ainda, outra importante observação feita por Mauricio

Godinho, para o qual havendo contratação de trabalhadores de forma terceirizada, é na

empresa tomadora e não na prestadora, onde se encontra realmente a similitude pelo trabalho

em comum (similares ou conexas), posto que, é naquela empresa que se encontra seu

cotidiano e é deste cenário que deveria advir seu efetivo sindicato123.

Por fim, salienta-se que, apenas através do adequado enquadramento sindical poder-

se-á garantir plena aplicação não só das garantias legais apontadas pela Consolidação das

Leis Trabalhistas, no que tange ao direito de agremiação por categorias, como também às

garantias constitucionais de liberdade sindical e direito à representação.

Finaliza, ainda, Delgado, afirmando que adotado o enquadramento baseado na real

função atribuída ao obreiro, junto à empresa tomadora, é que será possível proporcionar uma

eficaz representatividade do trabalhador, culminando no fim da problemática suscitada. 124

Questão indiscutível, porém, gira em torno de ser considerada ilícita a terceirização

de serviços, isto é, não estar de acordo com os requisitos legais.

121 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 479. 122 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 479. 123 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 480. 124 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. P. 480.

Page 90: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

89

Em tais casos, o contrato será considerado nulo e, portanto, o vínculo empregatício

se dará diretamente com o tomador de serviços, razão pela qual, o enquadramento sindical

também acompanhará a atividade econômica única ou preponderante do tomador, de forma

indiscutível.

Neste tópico importa salientar que o ordenamento jurídico português não discute

acerca da licitude ou ilicitude da terceirização, isto porque não há limitações em tal

ordenamento, como ocorre no direito brasileiro.

O modelo português, como visto, adota o enquadramento sindical segundo a

atividade realmente exercida pelo trabalhador e não pela atividade preponderante do

empregador (art. 444 do Código do Trabalho), como no Brasil, pelo que, neste caso, os

trabalhadores terceirizados não devem se filiar ao sindicato da empresa prestadora de

serviços (intermediadora), mas sim, seguirem sua real atividade.

Contudo, insta salientar, por ora, que, em suma, a categoria sindical do empregado,

em regra, se dá tendo em vista a atividade desenvolvida por seu empregador.

Tratando-se, entretanto, de trabalhador terceirizado, o enquadramento, à primeira

vista, seguirá a atividade da empresa prestadora de serviços (empregadora aparente), da qual

é empregado, e não à da empresa tomadora de serviços (empregadora real).

4.7.3 – Segurança, Medicina e Higiene no Trabalho

O respeito às normas de segurança e higiene no trabalho são de obediência

imperativa. A regra se encontra insculpida no art. 7º, XXII e XXVIII da Constituição

Federal, que preceitua, desta forma, como direitos sociais, a redução dos riscos do trabalho

e seguro contra acidentes a cargo do empregador.

O art. 156 da CLT também contempla a necessidade de fiscalização, pelas Delegacias

Regionais do Trabalho de normas se segurança e medicina do trabalho.

Também a NR 17 dispõe, em seu item 1.7, à respeito da responsabilidade do

empregador cumprir as legislações pertinentes às questões de segurança e medicina do

trabalho.

Page 91: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

90

Ocorre que, cabe ao empregador zelar pela observância de tais normas, através de

criação de um ambiente de trabalho saudável e sem riscos à saúde e a segurança do

trabalhador.

No caso de terceirização de serviços os trabalhadores não se encontram vinculados à

empresa tomadora de serviços, mas à empresa prestadora, apesar de exercerem suas

atividades, no mais das vezes, no estabelecimento das empresas tomadoras.

Assim, a quem caberia o dever de observância das normas relativas à saúde, higiene

e segurança dos trabalhadores?

Restou comprovado, recentemente, o aumento de mortes de trabalhadores no

ambiente de trabalho, além da observância do fato de que a maior parte desses trabalhadores

eram terceirizados125.

O aumento significativo de acidentes e mortes de trabalhadores, em maioria

terceirizados, é crescente, dizem as pesquisas, o que leva a uma enxurrada de ações judiciais

na Justiça no Trabalho objetivando reparação civil.

Deve-se lembrar, ainda, que o alto número de acidentados no trabalho prejudica, por

outro lado, o já saturado sistema previdenciário, que, por seu turno, terá que cobrir o sustento

desses trabalhadores através de pensões e auxílios.

O fato da maior parte dos acidentes de trabalho ocorrerem entre trabalhadores

terceirizados, leva à concluir que não há qualquer interesse da empresa tomadora de serviços

em zelar pelas normas imperativas aqui citadas, uma vez que não se sentem responsáveis

pelos riscos correntes aos trabalhadores, que, por sua vez, estão juridicamente vinculados à

empresas que não observam o dia-a-dia de labor desses operários.

É importante ter em mente, inclusive, que a maioria das empresas prestadoras de

serviços não possuem capital suficiente para arcar com os custos dessas condenações, nem

no que tange à próprias verbas trabalhistas, menos ainda em relação à indenizações civil,

que são muito mais altas.

125 É expressivo o número de acidentes fatais dentre os trabalhadores terceirizados. Tal fato deve-se não só pela

falta de fiscalização, mas também pela corrida atrás da redução de custos pelo lucro, em total desrespeito aos

Direitos Humanos.

Page 92: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

91

Sabe-se que a Súmula 331 do TST impõe a responsabilidade subsidiária da empresa

tomadora de serviços no que tange à responsabilidade pela quitação das verbas trabalhistas,

não ocorrendo da mesma forma, contudo, em se tratando de condenação decorrente de

responsabilidade civil por acidente de trabalho.

Nestes casos, cumpre ao empregador comprovar que cumpriu todas as normas

atinentes à segurança e saúde do trabalhador (posto que cabe também ao trabalhador agir

conforme orientações do empregador), e, em não conseguindo obter tal comprovação, ter-

se-á a responsabilidade solidária126 entre empregador e tomador de serviços quanto à

eventuais condenações127.

Mais uma vez conclui-se que a terceirização precariza, desvaloriza e reduz o

trabalhador à condições desumanas e tendentes a pôr em risco sua saúde física, mental e

emocional.

4.7.4 – Alta rotatividade e a subordinação estrutural

Como é sabido, a relação de emprego é uma espécie do gênero relação de trabalho e

se verifica quando presentes os requisitos da onerosidade, pessoalidade, não eventualidade,

trabalho por pessoa física e a subordinação.

O requisito da subordinação é um dos mais importantes e determinantes para definir

a relação empregatícia, sendo, muitas vezes, mascarado numa terceirização simulada.

O conceito de subordinação jurídica pode ser tido como a prestação de serviço por

conta e risco de outrem, com quem se mantém dependência hierárquica ou jurídica128.

Assim, trata-se a subordinação de sujeição de uma pessoa em face de outra, na qual em razão

126 MELO, Raimundo Simão. Terceirização de serviços e direitos sociais dos trabalhadores. LTr, 2017., p. 84. 127 Cabe salientar que não é pacífica, na jurisprudencia, a condenação solidária do tomador de serviços em

relação à condenações por acidente de trabalho. A evolução, nesse sentido, caminha em prol da

responsabilização solidária tendo em vista a necessidade de se estender a todos que tiram proveito da prestação

de serviços (todos envolvidos na mesma cadeia produtiva), bem como no que tange a insubsistencia economica

recorrente das empresas prestadoras de serviços, culminando, muitas das vezes, em impossibilidade de

reparação. 128 DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Responsabilidade Civil no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007.,

p. 66

Page 93: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

92

de um contrato de trabalho, aquela compromete-se a cumprir o poder de direção empresarial

desta129.

A sujeição a que refere diz respeito ao fato do trabalhador receber ordens diretas do

empregador ao qual submete sua força de trabalho no intuito de cumprir os objetivos da

empresa na qual está inserido.

Havendo contratação de trabalhador terceirizado, sabe-se que a relação de

subordinação não se forma entre tomador e trabalhador, com quem não possui qualquer

vínculo.

Já a subordinação estrutural diz respeito á real inserção do trabalhador na dinâmica

do tomador. Isto é, ampliando-se o leque do instituto em questão, vislumbra-se a necessidade

de integrar o trabalhador terceirizado ou que não faz parte da estrutura jurídica da empresa

tomadora, na dinâmica dos seus serviços.

A não integração do trabalhador na organização empresarial gera desânimo para o

labor e não comprometimento com os objetivos da empresa, o que desagua, inclusive, no

insucesso da iniciativa empresarial no mercado.

A dificuldade de inserir o trabalhador na estrutura empresarial se deve também ao

fato da alta rotatividade de trabalhadores terceirizados. Isto ocorre devido à não pessoalidade

característica das relações terceirizadas. Em tais situações há contratação do serviço a ser

prestado e não do ser humano trabalhador em si.

Tal assertiva relava, então, que, como o que se considera para a contratação

terceirizada é o serviço realizado, não importa por que trabalhador ou por quantos isso se dê,

este pode ser substituído ou remanejado conforme interesse da empresa contratada.

A substitutividade do trabalhador leva ao entendimento de tratar, o ser humano, como

uma mercadoria, uma vez que suas condições pessoais, habilidades e entendimentos não

importam para quem está recebendo o serviço.

129 DELGADO, Maurício Gordinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012. p. 301

Page 94: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

93

Na maioria dos casos de contratação terceirizada, o trabalhador, que já se sabe, pode

ser facilmente substituído, não se integra na estrutura empresarial, que, por seu turno, sequer

reconhece o ser humano como tal, mas como uma peça do seu ciclo produtivo.

Convém ressaltar, ainda, a incongruência de objetivos políticos no que diz respeito à

necessidade de aumentar a arrecadação previdenciária, ao que alega saturada, paralelamente

com a pretendida alta rotatividade de trabalhadores.

É que, explica-se, a alta rotatividade induz maiores despedimentos, tanto é assim que

esses também, pretendem seus idealizadores, deve ser flexibilizado, o que leva, em

consequência, a maior despesa dos cofres da segurança social com seguro desemprego, o

que, devido sua saturação, seria insubsistente.

4.7.5 – Dificuldade de aplicação da norma mais favorável. Inaplicabilidade da

norma coletiva firmada pela tomadora.

É sabido que é cada vez maior a contratação terceirizada (ou por empresa

agenciadora) pelas grandes empresas.

Ocorre que, deste modo, pode-se verificar a presença, na mesma empresa, de

trabalhadores efetivos e terceirizados, lado a lado.

Convém relembrar, neste contexto, que os trabalhadores efetivos pertencem ao

quadro empregatício da empresa tomadora, enquanto os trabalhadores terceirizados

encontram-se vinculados à empresa prestadora de serviços (ou agenciadora), pelo que estão

sujeitos a empregadores diversos.

Neste ínterim, deve-se considerar que trabalham, lado a lado, trabalhadores

pertencentes a estatutos diferenciados, sujeito a regras diferenciadas e, portanto, submetidos

a uma situação de desigualdade.

Restou comprovado (já demonstrado em item acima), que o trabalhador terceirizado

recebe, em média, salário 30% menor que o empregado diretamente contratado pela

empresa.

Page 95: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

94

Diante, ainda, do também já citado enfraquecimento sindical, os trabalhadores

perdem a capacidade de negociação por melhores condições, o que, por fim, acaba também

por precarizar seus direitos e submetê-los ao mercado capitalista.

Neste ponto, é preciso esclarecer, as normas coletivas firmadas pela empresa

tomadora não se aplicam aos empregados terceirizados, o que gera ainda mais desigualdade

entre estes e os trabalhadores diretamente contratados.

4.7.6 – Redução dos benefícios legais. Jornada excessiva e não progressão na

carreira.

Como temos visto, se, por um lado, pretende a empresa uma terceirização ampla com

flexibilização de direitos, tal acepção não é interessante para o trabalhador.

Inúmeras pesquisar apontam que os trabalhadores terceirizados estão sendo seus

benefícios diminuídos em larga escala, o que reflete não só a precarização do trabalho como

num empobrecimento em massa.

Como já visto, os trabalhadores auferem, em regra, salário 30% menos que os

trabalhadores diretamente contratados pelas empresas. A lógica do sistema terceirizado

explica a diminuição salarial. É que não faria sentido, num intuito de redução de lucros, que

a empresa tomadora pagasse à empresa prestadora valores idênticos aos que pagaria em sua

folha normal de salários, acrescida, ainda, de encargos, impostos e da parcela de lucro

pretendida pela empresa contratada.

Assim, por um valor mais atrativo, a empresa tomadora contrata o fornecimento de

serviços junto à empresa contratada, que, por sua, vez, antes de pagar os trabalhadores a ela

vinculados, ainda retira sua margem de lucro e todos os seus custos.

Matematicamente, não há como se depreender qualquer benefício a ser concedido ao

trabalhador. O que há é redução de benefícios, cada vez maior.

Sob ameaça de perda de postos de trabalho, as empresas vêm assegurando, ainda,

que o trabalhador cumpra jornadas excessivas e exaustivas, sem qualquer pagamento a mais

por isso.

Page 96: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

95

Aliado a essa realidade, com o também enfraquecimento dos sindicatos, tem em vista

a dificuldade de filiação trazida pela terceirização, a luta por melhores condições também

tem se exaurido.

Estudos recentes apontem, inclusive, que em relação à jornada de trabalho, os

trabalhadores terceirizados trabalham cerca de 3h a mais que os trabalhadores diretamente

contratados. Ademais, devido ao fato da maioria das terceirizações se concretizarem no

estabelecimento da empresa tomadora, não há qualquer fiscalização da exploração que vem

acometendo os empregados130.

Outro problema enfrentado pelos trabalhadores terceirizados é a impossibilidade de

progressão na carreira, visto que, como não fazem parte dos quadros de trabalhadores da

tomadora não terão, por sua vez, acesso a progressão de carreira, caracterizado pelo aumento

salarial de acordo com o tempo de trabalho e qualificação. Isso ocorre porque na

terceirização o empregado mantém vínculo com empresa prestadora que não é a

consumidora final dos serviços do obreiro, não tendo sequer interesse em qualifica-lo ou

motivacioná-lo.

O que se depreende dos trabalhadores terceirizados e a condição degradante e

emburrecedora de trabalho, sem qualquer expectativa de integração ou progressão

130 http://www.diap.org.br/index.php/noticias/integras/25061-cut-dieese-dossie-sobre-a-terceirizacao. Acesso

em 07/07/2017.

Page 97: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

96

profissional. O trabalhador é tratado como fornecedor de mão-de-obra, sendo apenas mais

um item da etapa produtiva e não pelas suas habilidades pessoais.

Enfim, como visto dos principais problemas trazidos pela terceirização, podemos

concluir sobre os efeitos deletérios trazidos por essa prática. Se, por um lado, a terceirização

é tida por muitos como modernizadora do processo produtivo, por outro, deve-se observar

os efeitos danosos em relação aos trabalhadores. Enfatiza-se, outrossim, que tais efeitos,

longe de serem especulativos, são comprovações estatísticas de desigualdade, acidentes,

sobrejornada, enfraquecimento sindical e exploração.

4.8 – Subcontratação ou Outsourcing no ordenamento português.

No ordenamento jurídico português não é comum encontrarmos referência ao termo

terceirização.

Em tal ordenamento, o mesmo fenômeno é conhecido como subcontratação de

serviços, ou, ainda, outsourcing, como vem sendo chamado.

Raros são, ainda, os estudos à respeito dessa questão, que, diferentemente do Brasil,

já não possui restrições, podendo ocorrer em qualquer atividade.

Não obstante, a definição e caracterização ocorrem tal qual no ordenamento

brasileiro, devendo-se entender a subcontratação como o fato de alguém atribuir à um

terceiro a execução de certo serviço mediante pagamento, sendo o serviço a ser executado

necessário à atividade do contratante.

Ou seja, trata-se da operação através da qual uma empresa confia à outra a tarefa de

executar para si, de acordo com um caderno de encargos ou requisitos pré-estabelecidos,

uma parte ou a totalidade dos atos de produção de bens ou determinadas operações

específicas.

É possível encontrar, ainda, neste ordenamento jurídico, a expressão “organização

em rede”, sendo a subcontratação uma espécie desta, que, como define Federico Butera,

Page 98: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

97

aplicar-se-á sempre que haja descentralização das atividades de uma empresa central para

subcontratadas131

Através deste mecanismo o empresário executa a sua atividade de forma indireta, ou

seja, se beneficia do serviço prestado por um trabalhador, sem, contudo, assumir a posição

de empregador.

Cabe salientar, que, em Portugal, vem sendo comumente chamado de outsourcing o

fato da empresa concentrar-se nas suas competências centrais, externalizando às empresas

especialistas o que considera periférico132.

Nos países europeus, como um todo, considera-se a terceirização possível de forma

plena e irrestrita com base no princípio da livre iniciativa, que permite ao empresário

conduzir e gerir sua atividade da forma que entender mais benéfica.

4.8.1– Trabalho temporário segundo o ordenamento jurídico português

O Decreto 260/2009 trata da regulação do exercício e licenciamento das agências

privadas de colocação e de trabalho temporário.

O objetivo da regulamentação é melhor atender às necessidades do mercado

globalizado, sem, contudo, perder de vista os direitos trabalhistas. Desta feita, sua

abrangência corresponde às empresas que são responsáveis apenas por aproximar oferta e

procura de trabalho, não havendo que se falar, neste caso, em qualquer vínculo de emprego,

bem como às empresas que empregam trabalhadores para servir à outras tomadoras

(utilizadoras) do serviço.

Há de se recordar, aqui, que Portugal é signatário da Convenção 181 da OIT, que,

também reconhecendo a necessidade de flexibilizar a legislação trabalhista em prol de

131 BUTERA, Federico. La Metamorphose de L`Organisation. Paris, 1990. 132 “A cada vez maior variedade e complexidade do mercado, assim como as cada vez maiores variedades e complexidades das tecnologias disponíveis dificultam a possibilidade de uma empresa se posicionar em todas as frentes, conduzindo, de forma natural, a uma especialização de suas atividades”. Azevedo, Américo Lopes. Novos Modelos de Negócio. Disponível em http://www.spi.pt/documents/books/ecommerce/cenmn. Acessado em 13/06/2016.

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98

assegurar os direitos sociais dos trabalhadores, adotou a convenção sobre as agências de

emprego privadas.

No presente tópico não nos alongaremos acerca das agências privadas de colocação,

tendo em vista a inexistência de relação jurídica entre estas e os trabalhadores, os quais são,

por elas, aproximados das ofertas de trabalho.

Importante destacar que, os contratos normais ou típicos de labor, tem como

requisitos a pessoalidade, a duração sem termo certo e a inserção completa do trabalhador

na estrutura empresarial. Tendo esse modelo padrão sido com enorme frequência substituído

pelos contratos à termo certo, ou por prazo determinado (outsiders), tudo no intuito de

adequar a empresa moderna aos padrões globalizados.

Referindo-nos a esse novo (precário) modelo de contrato, de forma atípica, torna-se

necessária a apreciação destas novas modalidades.

O art. 53 da CRP garante aos trabalhadores a segurança no emprego, proibindo o

despedimento sem justa causa, bem como por motivos políticos ideológicos. Deixa claro, o

referido artigo, a intenção de que a regra laboral seja a da contratação sem prazo

determinado, ou seja, sem precariedade. Isto porque, não havendo razões suficientes para

celebração do contrato a termo certo, o que a prática laboral aponta é uma enorme

vulnerabilidade e desmotivação do trabalhador em relação ao labor.

Ainda em relação aos contratos por prazo determinado, os casos excepcionais nos

quais são admitidos no ordenamento jurídico português são: satisfação de necessidade

temporária da empresa, pelo tempo estritamente necessário. Nesse contexto, aponta Leal

Amado que, havendo necessidade transitória da contratação, poderá haver contratação

temporária, ao passo que, sendo permanente a necessidade, tal contratação deverá

corresponder ao contrato típico, de prazo indeterminado, ao qual denomina standard133.

O art. 140, nº 4 do Código do Trabalho Português acaba por permitir, por outra

vertente, que contratos a prazo determinado sejam celebrados em necessidades permanentes

da empresa. Deste modo, são permitidos os contratos precários em casos de lançamento de

nova atividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou

133 AMADO, João Carlos Conceição Leal. Contrato de Trabalho – Noções Básicas. Almedina, 2016., p. 70.

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99

estabelecimento de empresa com menos de 750 trabalhadores e para fomento de contratação

de trabalhadores em busca do primeiro emprego, ou em casos de desemprego de longa

duração. Deve-se atentar, ainda, no que diz respeito a esta modalidade de contrato atípico,

para os requisitos formais de sua existência, que não cabe aqui se alongar.

Outra modalidade de contrato de trabalho atípico é o já citado e preocupante trabalho

temporário.

Assim como tratamos no modelo de contratação terceirizada de trabalhador

temporário, no Brasil, no modelo português o contrato atípico de trabalho temporário

também pressupõe a existência de uma relação trilateral, contrariando, por seu turno, a regra

da bilateralidade comum aos dois ordenamentos.

Também no caso português, visualiza-se, neste modelo, a existência de uma empresa

utilizadora (tomadora) que contrata uma empresa prestadora, através de um contrato de

prestação de serviços a lhe ceder trabalhadores. Estes trabalhadores, outrossim, manterão o

vínculo laboral para com a empresa prestadora de serviços através de um contrato de trabalho

e não terão qualquer tipo de vínculo para com a empresa utilizadora134.

Destaca-se, ainda, no contexto do trabalho temporário, entre o trabalhador e a

empresa prestadora, que este pode ser por prazo determinado ou indeterminado. A

temporariedade diz respeito apenas à atividade para o qual é cedido junto à empresa

tomadora/utilizadora.

Em relação ao poder disciplinar, observamos que no modelo de contratação

terceirizada temporária, no Brasil, tal prerrogativa cabe, apenas no caso do trabalho

temporário (Lei 6019/74), à empresa tomadora, uma vez que este trabalhador será inserido

no contexto de sua atividade. Por outro lado, no ordenamento português tem-se situação

134 Leal Amado considera que, nesta relação, é claramente visualizado o tratamento do trabalhador como

mercadoria. Salienta, contudo, que deve haver uma posição mais concreta do legislador a este respeito,

conquanto se garanta, no mínimo, tratar-se a prestadora de empresa financeiramente subsistente. Cabe ressaltar,

neste ínterim, que um dos princípios da OIT, como visto oportunamente, é a proibição da utilização da força

de trabalho como mercadoria, o traduz nítida desvalorização social do labor. AMADO, João Carlos Conceição

Leal. Contrato de Trabalho – Noções Básicas. Almedina, 2016., p. 100.

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100

inversa. Neste caso, o poder disciplinar será exercido pela própria empresa prestadora, sendo

o poder de direção sim exercido pela utilizadora.

Como se vê, o contrato de trabalho temporário flexibiliza a relação laboral, porém,

precariza, o trabalho humano135.

À rigor, segundo o ordenamento jurídico português, tem-se, ainda, como modelo

atípico de contrato de trabalho, o labor a tempo parcial, também surgido como uma hipótese

de flexibilização da mão-de-obra, assim como o trabalho intermitente, figuras às quais não

cabem, no presente trabalho, maiores explanações.

4.9- Por que Terceirizar? Vantagens e Desvantagens da Terceirização

Historicamente, a necessidade de maior produtividade por menores custos para

possibilitar competitividade junto ao mercado externo, devido à globalização e forte crise

econômica mundial, teve como consequência imediata a flexibilização e até revogação de

alguns direitos trabalhistas.

Neste cenário, a terceirização surgiu como forma de amortização dos gastos buscada

pelos empresários, que poderiam, assim, aumentar seus lucros, o que, por outro lado, restou

por culminar em tendente precarização do trabalho, tendo em vista o abuso de direito por

parte destes empregadores.

E não é só! A partir da Segunda Guerra Mundial houve demasiado aumento de

produção na indústria bélica, ante à necessidade de manter o fornecimento de armamento

aos países conflituosos.

Neste passo, a indústria percebeu que não era vantajoso do ponto de vista econômico,

a não especialização, ou seja, que sua forma de produção estivesse voltada para vários setores

135 Importante reflexão a tal respeito é trazida por João Reis, ao estabelecer que corresponde a uma escolha o

modo como se pretender reger e direcionar o direito do trabalho. Para o autor, a flexibilidade das relações

laborais não pressupoem, em regra, a adoção do trabalho temporário, assim como maior facilidade para

cessação do contrato não induz à maior empregabilidade. Reis, João Carlos Simões. O direito laboral português

na crise atual. Disponível em: www.periodicos.unipe.br. Acessado em: 11/07/2017.

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101

concomitantemente, sendo necessário que seu foco estivesse voltado para a produção de

material bélico enquanto as atividades secundárias seriam exercidas por outras empresas136.

A justificativa para a terceirização de mão-de-obra encontra respaldo justamente na

vantagem auferida pelas empresas que poderão concentrar-se em suas atividades-fim.

A possibilidade de especialização e produção apenas no que agrega valor ao ramo

empresarial faz com que a empresa se torne mais competitiva no mercado de trabalho e, com

isso, obtenha mais lucros.

Ao terceirizar a atividade-meio, a empresa tomadora não precisa mais envidar

esforços no sentido de controlar funções que não lhe trarão lucros diretos, além da baixa

capacidade para controlar serviços que não são de sua especialidade, tornando o resultado

pouco proveitoso e de alto custo.

Ademais, e, principalmente, visualiza-se a redução dos custos, o que reflete,

diretamente, na alta dos lucros do empresariado. Isso porque, a substituição dos custos da

mão-de-obra por contratos de prestação de serviços traz, na prática empresarial, severa

redução, uma vez que, além de livrarem-se da irredutibilidade dos encargos trabalhistas, os

empresários passam a comprar resultados móveis, conforme suas necessidades

momentâneas e não enraizados em seu corpo interno137.

Frente à realidade empresarial, entendem alguns autores que a flexibilidade de

direitos trabalhistas para obtenção de lucros maiores é o objetivo de qualquer empresa, pelo

que melhor se poderá, inclusive, responder aos anseios do mercado com preços mais

competitivos de seus produtos.

A contratação de serviços e não de pessoas traz inúmeras vantagens empresariais

desde a despreocupação com gerência e controle de pessoal pela tomadora até a redução de

despesas com futuras ações trabalhistas, sendo as empresas prestadoras responsáveis diretas

pela quitação das verbas.

136 Castro, Rubens Ferreira de. A terceirização no Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros, 2000., p. 75. 137 Hermes, Gustavo Cauduro. A terceirização e os riscos jurídico-trabalhistas dos contratos de prestação de

serviços. Justiça do Trabalho, ano 18, nº. 2016, dezembro 2001., p. 26.

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102

Paga-se, na terceirização, por um resultado. Contrata-se o serviço (de limpeza, de

vigilância, de advocacia, de manutenção..) e não a pessoa (o faxineiro, o vigilante, o

advogado, o mecânico...).

Por outro lado, alguns riscos decorrentes da contratação terceirizada devem ser

considerados.

Como já anteriormente estudado, é sabido que o vínculo empregatício do trabalhador

terceirizado se dá com a empresa prestadora de serviços e não com o tomador. Ocorre que,

tal premissa se baseia na licitude da terceirização, que tem como requisitos primordiais a

inexistência de pessoalidade e de subordinação direta para com o tomador.

Havendo, no entanto, quebra de tais requisitos, ou seja, restando caracterizada a

pessoalidade e/ou a subordinação direta junto ao tomador, o vínculo empregatício poderá, se

requerido, ser reconhecido junto àquele, pelo que haverá responsabilidade do tomador pelas

obrigações contratuais trabalhistas.

E não é só. Deverá ser observado, ainda, se a atividade ou serviço é passível de ser

contratada por terceirização.

Sendo constatada qualquer falha ou quebra nos requisitos para a validade da

contratação terceirizada, poderá ser a tomadora de serviços subsidiariamente

responsabilizada pelas verbas trabalhistas daqueles trabalhadores postos a sua disposição.

Cabe ressaltar, no entanto, que, constatada a ilicitude da contratação terceirizada,

recairão sobre a empresa tomadora tanto o vínculo empregatício quanto a responsabilidade

pela quitação das verbas que lhe dizem respeito, em nome do princípio da primazia da

realidade, o que se faz no intuito de evitar contratações fraudulentas.

4.10– Cooperativas

O corporativismo é um meio de organização surgido no Século XX, como meio

alternativo de produção, com vistas à ideia de ajuda mútua, sem objetivo de lucro, mas

Page 104: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

103

destinado a um fim econômico em benefício dos que elas integram, sendo o sócio também

usuário.

É uma sociedade de pessoas e possui natureza civil, o que pressupõe a inexistência de

sujeição ao regime da falência.

Alguns requisitos, portanto, determinam a licitude de uma organização cooperativa, tais

como: a adesão voluntária (livre associação), a autonomia (não pode haver subordinação

caracterizando relação de emprego), existência de um objetivo comum (o sócios são os

donos do negócio, não havendo que se falar em relação de emprego), a autogestão e limitação

de cotas (capital social limitado, inacessível a terceiros).

Dentre as diversas formas possíveis de cooperativas (produção, consumo e crédito), não

se encontra a de trabalho, legalmente prevista, estando presente, apenas no art. 442 § único

da CLT a impossibilidade de existência de vínculo entre os associados, não se podendo,

então, negar sua existência.

São conhecidas assim cooperativas de trabalho, tais como: de produção coletiva,

organizações comunitárias, de profissionais liberais autônomos e de mão-de-obra.

No presente capítulo nos concentraremos em tratar do ponto que interessa ao trabalho,

que seria o relativo às cooperativas de mão-de-obra.

Desta forma, a preocupação existente em relação à cooperativa em questão se deve ao

fato da instituição mascarar uma real relação de emprego.

Neste caso, observa-se corriqueiramente nas cooperativas de mão-de-obra o

descumprimento dos requisitos para sua licitude anteriormente elencados (adesão voluntária,

autonomia, objetivo comum, auto-gestão, continuidade, integralidade e viabilidade).

O que acontece, nos casos em que se verifica tratar-se de cooperativa de mão-de-obra

fraudulenta, é a mesma relação entre tomador e cooperativados da empresa prestadora de

mão-de-obra. Não há, em tais casos, prestação de serviços eventuais e autônomos, mas

fraude à legislação trabalhista.

Devemos recordar, todavia, que o direito do trabalho (assim como os demais ramos) é

norteado pelo princípio da boa-fé, sendo repugnado qualquer tipo de fraude ou simulação

Page 105: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

104

que venha a transgredir ou desvirtuar o direito dos trabalhadores, gerando nulidade absoluta

dos atos atingidos.

A criação de cooperativas de mão-de-obra simuladas e fraudulentas consistem, assim,

no objetivo de burla ao sistema protetor inerente ao direito do trabalho, no intuito de

precarizar o trabalho, uma vez que, pretendendo o reconhecimento de uma simples prestação

de serviço, mascara-se uma real relação de emprego.

4.11- Terceirização na Administração Pública

A Constituição da República de 1988, informa, em seu art. 37, II, que a investidura

em cargo ou emprego público depende da aprovação em concurso público de provas ou de

provas e títulos138.

Em razão da exigência constitucional da aprovação em concurso público para

investidura em cargo ou emprego público, a Súmula 331 do TST prevê, em seu item II, que,

havendo contratação irregular de trabalhador mediante empresa interposta (terceirização),

não haverá que se falar em formação de vínculo empregatício junto à Administração Pública.

Ainda assim, a possibilidade de contratar terceiros para a realização de atividades-

meio do sistema produtivo está presente na esfera privada ou pública, como ocorre na

contratação de serviços de limpeza, vigilância e serviços temporários.

No âmbito da Administração Pública, o Decreto-Lei 200/67 regulou a necessidade

de descentralização da execução de atividades pela Administração Federal139, bem como, no

138 Art. 37, II da CF: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº

19, de 1998), II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso

público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego,

na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre

nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”. 139 Art. 10 do Decreto-Lei 200/67: “A execução das atividades da Administração Federal deverá ser

amplamente descentralizada”.

Page 106: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

105

intuito de conter o inchaço da máquina pública, a previsão de delegação da realização de

matérias executivas, o que será feito de maneira indireta, mediante contrato140.

Posteriormente, em 1993, foi editada a lei de licitações (Lei 8666), estabelecendo

normas sobre licitações e contratos no âmbito da Administração Pública, devendo, em todo

caso, antes mesmo de realizar qualquer contratação, motivar seu ato.

Importante salientar, neste ponto, que também em relação à Administração Pública,

encontram-se presentes os requisitos para licitude da terceirização, quais sejam: inexistência

de subordinação e pessoalidade, no intuito, apenas, de economicidade e especialização.

Também (e mais ainda) no que tange à terceirização nos quadros da Administração

Pública, é necessário atentar-se aos requisitos de sua legalidade. Isto porque, prevê o item

IV da Súmula 331 do TST que, o inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do

real empregador (empresa contratada) implicará a responsabilidade subsidiária do tomador,

o que se aplica até mesmo à Administração Pública141.

Não observados atentamente pela Administração Pública o real cumprimento das

obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada e, por seu turno, havendo

condenação subsidiária ao pagamento das verbas inicialmente de responsabilidade desta, o

objetivo de redução de custos imputado aos cofres públicos não será atingido, mas, pelo

contrário, o que haverá será ainda maior oneração.

Nesse ponto é de salutar importância mencionar o embate jurídico acerca da

possibilidade ou não de desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine)142

no âmbito da administração pública em relação às licitações e contratos administrativos.

140 Art. 10, § 7º do Decreto-Lei 200/67: “Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento,

coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina

administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas,

recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa

privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução”. 141 Súmula 331 do TST, item IV: “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador,

implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto

aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das

sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título

executivo judicial”. 142 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica consiste em importante instrumento para coibir abuso

de direito. Isto porque, havendo desvio de função da pessoa jurídica, haverá, também, incongruência entre a

finalidade perseguida e o conteúdo da forma utilizada. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial –

Volume II. 11ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2008., p. 152.

Page 107: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

106

A par de inexistirem, no ordenamento jurídico pátrio, dispositivos legais que

autorizem a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em âmbito

administrativo, tal não constitui óbice à sua utilidade prática, uma vez que os princípios

constitucionais que fundamentam o regime jurídico público, possuem indubitável força

normativa143.

Aplicando concretamente a normatividade constitucional dos princípios da

legalidade, moralidade, indisponibilidade e supremacia do interesse público, o Superior

Tribunal de Justiça julgou, recentemente, um recurso em mandado de segurança

reconhecendo a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica na esfera

administrativa por evidente fraude à lei e abuso de forma144.

Conclusivamente, há de se destacar, em relação a possibilidade de desconsideração

da personalidade jurídica em âmbito das licitações e contratos administrativos, seu viés

positivo no sentido de coibir a instituição de sociedades com objetivo de prejudicar e fraudar

terceiros, eis que, antes de onerar os cofres públicos, seria necessário atingir o patrimônio

dos sócios da empresa fraudulenta.

Deve-se lembrar que, em relação ao projeto de lei 4302 recentemente transformado

na Lei 13429/2017, nada foi mencionado no que concerne à Administração Pública,

permanecendo a terceirização, neste caso, regida pela Lei 8666/93 (lei de licitações).

O art. 71 da Lei 8666/93 proíbe a responsabilização automática da Administração

Pública145 pelo inadimplemento da empresa contratada em relação às verbas trabalhistas,

pelo que permanece a responsabilidade subsidiária.

Ainda em relação à nova Lei 13429/2017, já em vigor, vem se discutindo acerca da

sua aplicabilidade no que tange à Administração Pública, uma vez que a referida legislação

143 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo,

Malheiros: 2010., p. 344. 144 Superior Tribunal de Justiça – RMS 15166 / BA – Relator: Ministro CASTRO MEIRA – SEGUNDA TURMA

– DJ 08.09.2003 p. 262. 145 Art. 71. “O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais

resultantes da execução do contrato. § 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos

trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu

pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e

edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis”.

Page 108: PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE …

107

modifica apenas alguns artigos da Lei 6019/74 (terceirização de trabalho temporário) e não

é clara no que tange à sua extensão ao serviço público.

A dúvida e preocupação dizem respeito à abertura de possibilidade de contratação,

pela nova Lei, de trabalhadores terceirizados na atividade-fim da empresa tomadora, o que,

no caso de ser esta a Administração Pública, encontra barreira na exigência constitucional

de concurso público para investidura.

4.12- Reflexos da Terceirização

Vólia Bomfim Cassar, em posicionamento claramente contrário à terceirização alerta

para a crescente condição de subempregos em consequência à redução dos já escassos

direitos trabalhistas, bem como da “sonegação do vínculo com quem é seu real empregador”,

chegando a apontar que tais atos representariam a negativa de uma vida digna ou do mínimo

existencial ao trabalhador”146.

A empresa tomadora dos serviços, além de pretender beneficiar-se com a redução de

custos da produção objetivando maior obtenção de lucro, aproveita-se da contratação

terceirizada pretendendo, também, reduzir sua responsabilidade em razão da legislação

trabalhistas.

Como visto anteriormente, é crescente o número de acidentes e mortes no trabalho

sobretudo dentre trabalhadores terceirizados. O empresariado busca, historicamente, o lucro

exacerbado ainda que às custas da dignidade e da vida do operário.

Toda essa prática, expressa no atual modelo de terceirização, culmina num grave

empobrecimento da população. Na busca desenfreada por qualquer trabalho, ainda que sem

qualquer condição digna.

E assim, mais a mais, os reflexos da terceirização vão criando uma legião de

subempregos, subtrabalhadores e subclasses, no sentido de precarizar, em todos os níveis, o

direito trabalhista tão arduamente construído.

146 CASSAR, Volia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª edição. Editora Impetus: Niterói. 2009. P. 389.

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108

Em larga escala e a longo prazo teremos trabalhadores fragmentados, sem identidade

profissional, desmotivados e emburrecidos pelo próprio sistema.

4.13- PL 4330/2004. Principais pontos de mudança.

Atualmente o tema em debate vem ganhando maior visibilidade não só pelo crescente

número de ações judiciais na Justiça do Trabalho envolvendo fraudes nas contratações

terceirizadas como pela tramitação no Congresso da PL 4330, também conhecida como

projeto da terceirização.

O referido projeto, como se sabe, vem causando grande impacto no mundo jurídico,

dividindo opiniões de doutrinadores e julgadores acerca das mudanças pretendidas147.

De acordo com a PL 4330, não haveria mais qualquer proibição no que tange à

contratação de trabalhadores terceirizados, explica-se: se, atualmente, só é permitida a

contratação de trabalhadores terceirizados nas situações permitidas por lei e/ou em se

tratando de atividade-meio do tomador. Se transformado em lei o projeto, passar-se-á a

autorizar a contratação, de forma terceirizada, em qualquer ramo de atividade, sendo estas

de meio ou fim148.

O alargamento da possibilidade de terceirização para qualquer ramo de atividade é a

principal mudança prevista pelo projeto de lei, havendo, contudo, de se analisar as diversas

nuances da reforma.

Vale ressaltar que, como visto anteriormente, a terceirização, atualmente,

compreende uma situação de extrema exceção, tendo em vista que contraria as principais

regras e princípios historicamente desejados e pregados pelo Direito Laboral.

O contrato de trabalho que sempre foi bilateral passaria desordenamente a

trilateralidade (nos casos em que efetivada a terceirização) e o vínculo empregatício passará

147 O ponto mais nevrálgico do PL 4330/04, aponta Teixeira dos Reis, é a possibilidade de terceirização da

atividade-fim, dos serviços finalísticos que justificam a existência da empresa. Não haverá qualquer limite à

terceirização nem à precarização. REIS, Jair Teixeira dos. A terceirização vista pela auditoria fiscal do

trabalho. Revista Jurídica Consulex, nº. 359, 2012, p. 15.

148 http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/04/27/quadro-pl-4.330

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109

a se dar junto a uma empresa interposta e não mais com o tomador, onde, em regra, o

trabalhador presta o serviço.

Consta, assim, do referido projeto, em seu §2º, art 4º que “o contrato de prestação

de serviços pode versar sobre o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou

complementares à atividade econômica da contratante”. Em rápida análise, pode-se

assegurar que o projeto pretende possibilitar a terceirização da atividade-fim da empresa.

Neste caso, não seria mais necessária a distinção que hoje se faz entre o que

compreenderia atividade-meio e fim dentro de uma empresa. Se ambas as atividades

passarem a ser passíveis de contratação terceirizada, não mais importará a função a ser

desenvolvida na cadeia produtiva.

Ocorre que, se, para muitos, a subtração dos termos representaria um avanço, por

representarem insegurança jurídica, tal não se resolverá. É que o projeto de lei prevê, todavia,

que poderá haver terceirização de qualquer atividade à empresa especializada e que preste

serviços determinados e específicos.

Ora, a insegurança jurídica que tanto se debate da dificuldade de balizamento dos

termos atividade-meio e atividade-fim permanecerá, apenas sendo substituída pela celeuma

de se determinar quais seriam os serviços especializados e o que consistiria determinação e

especificidade.

No campo prático há previsão de que a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas

não honradas se deem de forma subsidiária, ou seja, a empresa tomadora só será aciona e

responsabilizada após esgotarem-se todos os recursos de cobrança em relação à empresa

contratada.

O que se conclui do referido projeto é que a prática da terceirização ilegal, com intuito

de reduzir os custos da mao-de-obra e até mesmo de tornar inexequíveis as condenações, é

nítido da permissibilidade de terceirizações irrestritas e indiscriminadas, de forma sucessiva,

o que dificultará sobremaneira a percepção dos créditos trabalhistas e precarizará, ainda

mais, o trabalho.

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110

4.13.1 – Quarteirização

O art. 2º, § 1º do PL 4330, informa que “a empresa prestadora de serviços contrata

e remunera o trabalho realizado por seus empregados, ou subcontrata outra empresa para

a realização desses serviços”.

Há previsão, assim, de quarteirização, que consiste na possibilidade da empresa

contratada para a prestação dos serviços também poder contratar outra empresa terceirizada

que complementará a produção ou desempenhará toda a atividade terceirizada. Isso porque,

não consta, no artigo acima citado, qualquer limitação quanto ao tema.

Outra teoria aponta que a quarteirização consistiria na contratação, pela empresa

tomadora de serviços, de uma empresa responsável pela administração e gerenciamento da

atividade terceirizada a uma empresa prestadora. Nesse caso, outra nomenclatura utilizada

para a mesma situação seria a de “gestão facilitada”149.

É certo que, se, por um lado a empresa tomadora de serviços tem o objetivo de obter

cada vez mais lucro dentro de um sistema capitalista globalizado, por outro, tal majoração

de resultados não é sadia para o trabalhador.

Para que se possa aumentar a lucratividade e especializar a produção, tem-se utilizado

formas amplamente combatidas pela jurisprudência, como a terceirização e quarteirização.

É que em tais casos, vê-se diminuir mais a mais os direitos dos trabalhadores, além do seu

afastamento da estrutura empresarial e precarização do labor.

O trabalhador do Século XXI, terceirizado e, por que não, quarteirizado, é apenas

mais um número na cadeia produtiva e não um ser humano prestador de serviço socialmente

valorizado.

Não é demais ressaltar, que a cada afastamento do trabalhador em relação ao tomador

através da intermediação de mão-de-obra, o que se tem é maior margem para sonegação de

direitos trabalhistas e burlas à legislação através de contratos simulados.

149 FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. Terceirização de Serviços e Direitos Sociais Trabalhistas. Revista

LTr. p. 22.

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111

4.14 - A Terceirização no mundo

Como se sabe, os Estados Unidos adotam uma política econômica liberal, pelo que

se observa ínfimo controle e intervenção do Estado e isso reflete, indubitavelmente, na

proteção e regulamentação dos direitos trabalhistas.

O fato de não possuir uma Consolidação de Leis trabalhistas naquele país, não

significa, contudo, a inexistência de regras. Existem, atualmente, algumas legislações de

nível federal que estabelecem regras mínimas sobre pagamentos dos trabalhadores, que, cabe

dizer, diferentemente do Brasil, é contabilizado por hora de trabalho e não de forma mensal

fechada, bem como sobre as horas extras por eles prestadas.

Em relação especificamente ao trabalho terceirizado, os Estados Unidos não fazem

qualquer distinção entre atividades-meio e atividades-fim, sendo permitida a irrestrita

terceirização, o que se dá devido a política liberalista econômica adotada.

Outros países, tais como Alemanha, China150, Noruega, Suécia, Bélgica e Colômbia,

também não fazem qualquer distinção entre quais atividades podem ou não serem

terceirizadas, sendo tal decisão de livre escolha pelas empresas.

Um estudo realizado pela Confederação Nacional de Indústria (CNI) aponta que, com

a aprovação do texto da PL 4330/2004, pendente de apreciação pelo Senado Federal, o Brasil

seja igualado a tais potências.

Do ponto de vista do setor privado, sobreposto nos países de política econômica

liberal, a decisão sobre terceirizar ou não deve ser tomada pela empresa, em nome do

princípio da livre iniciativa.

150 Dentre os países Asiáticos é notória a precarização do trabalho, chegando-se ao tratamento em condição

análoga a de Escravos. Aponta Marcio Tulio uma reportagem retirada do jornal Estado de São Paulo, de autoria

do jornalista Jamil Chade, que países como Bangladesh são extremamente fornecedores de mercadorias (neste

caso, têxteis), contando com uma legião de quatro milhões de trabalhadores para suprir a demanda do mercado.

Ocorre, que, aponta a matéria, 90% desses trabalhadores ganham apenas cerca de um dólar por dia. Isso ocorre

devido a alta flexibilidade da legislação trabalhista, sendo o menor salario mínimo mensal do mundo. Viana,

Marcio Tulio, ob. Cit., p. 61.

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112

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo precípuo analisar detalhadamente o tema da

terceirização, sua conceituação, características principais, modalidades, enquadramento

legal e seus efeitos, para, ao final, concluir acerca da sua importância ou reflexos positivos

ou negativos no cenário atual.

Para tal, necessário se fez analisar, historicamente, o contexto social em que nasceu

e foi institucionalizado o Direito do Trabalho. Notamos, a partir de tal estudo, que este ramo

jurídico nasceu e se expandiu de diferentes formas nos países capitalistas, podendo ser

caracterizado por fases.

Como visto no início do estudo acerca da evolução histórica do Direito Laboral, os

autores apontam como marcos principais o “Manifesto Comunista” de Marx e Engels,

publicado em 1848; a Encíclica Católica Rerum Novarum, de 1891; a formação da OIT e

Constituição Alemã, em 1919 e a Constituição Mexicana, de 1917151.

Anteriormente à constitucionalização laboral, o que existiam eram manifestações e

legislações esparsas, ainda muito primitivas, tais como as do início do Século XIX, que

visavam diminuir a exploração do trabalho da mulher e do menor, nada no sentido de originar

a criação de um ramo jurídico próprio.

O final do Século XIX foi marcado, ainda, pela crescente força sindical e das

negociações coletivas nos países europeus, em resposta a arbitrariedade e a todo tipo de

exploração e abuso que vinha oprimindo a classe trabalhadora, o que culminou, ainda, com

a edição da Encíclica Rerum Novarum, através da qual a Igreja Católica recomenda a

regulação das Leis Trabalhistas.

O Século XX, então, foi marcado pelo início da constitucionalização do Direito do

Trabalho, o que se deu de forma inaugural pelas duas Constituições mencionadas, a Alemã

e a Mexicana.

151 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTR, 2012., p. 90.

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113

Foi no Século XX, então, que o Direito do Trabalho conheceu sua autonomia, sendo

sua normatização através da atuação coletiva dos trabalhadores, de forma negocial, ou

através da formulação de regras Estatais.

Após a Segunda Guerra Mundial, no final do Século XX, o direito do trabalho já se

encontrava constitucionalizado e institucionalizado, sendo o Estado responsável pela

promoção social e organizador da economia.

Nesse momento, após séculos de escravidão, exploração e toda sorte de abusos,

passou a ser incentivado o valor do trabalho, a dignidade da pessoa humana, os princípios

fundamentais e a luta por justiça social.

A partir da década de 80, no entanto, observou-se a crescente crise econômica

mundial que fez se instalar a inflação e o desemprego, acentuados ainda, pela alta

tecnológica, que robotizava, cada vez mais, o trabalho.

A crise gerada pela automação dos meios de produção, que culminavam no

fechamento de diversos postos de trabalho fez com que muitos autores falassem, inclusive,

numa futura sociedade sem trabalho152.

Diante do cenário de crise, do fechamento de diversos postos de trabalho e da

substituição constante de trabalhadores por máquinas, levando à sua irrelevância no processo

produtivo, acompanhamos o surgimento de modalidades atípicas de contrato de trabalho.

Aliado a isso, a efetivação da globalização econômica, caracterizada pela expansão

do mercado internacional, aumento da concorrência e bens de produção e consumo originou

uma transformação do capitalismo liberal, em consequência da evolução tecnológica e da

rapidez das comunicações153.

A busca incessante pela maior obtenção de lucro pelo menor custo possível de

produção, um dos pilares da globalização capitalista, causa ainda maior abismo entre as

152 De acordo com Leonel Moura, o aumento do desemprego não é uma situação conjuntural e sim uma

mudança de paradigma civiizacional, uma vez que a sociedade agora organizada em torno do trabalho caminha

para a irrelevância deste. Prossegue o autor afirmando que é ilusão imaginar que uma retomada econômica será

a solução para o desemprego, já que caminhamos para a desvalorização do trabalho humano no processo

produtivo. MOURA, Leonel. A sociedade sem trabalho. Disponível em

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/leonel-moura/detalhe/a_sociedade_sem_trabalho.

Acessado em 26/06/2017. 153 GONÇALVES, Reinaldo. Globalização financeira e globalização produtiva. A nova economia

Internacional: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1998., cap. 7.

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114

classes burguesa e operária, ao passo que contribui, junto com a automação industrial, para

o crescente desemprego.

Nesse cenário, formas atípicas de trabalho, que não aquelas baseadas no contrato

bilateral, com subordinação jurídica, habitualidade, pessoalidade e onerosidade começam a

surgir.

Isso porque os adeptos do neoliberalismo passaram a pregar, então, diante da crise

aliada ao desemprego em massa (desemprego estrutural) a necessidade de flexibilizar os

direitos dos trabalhadores, alegando, neste ínterim, que o excesso de garantias previstas nas

legislações é que seriam responsáveis pela instauração da crise econômica.

Uma das formas, então, de flexibilizar as relações trabalhistas, no ordenamento

jurídico brasileiro, no intuito de acelerar a obtenção de lucro com menor custo foi através da

contratação de trabalhadores de forma terceirizada. Já em Portugal, como visto, apesar de

não se discutir à respeito do tema da terceirização, também foram criadas formas de

flexibilização dos direitos trabalhistas através do modelo de contratação atípico, no que

corresponde, especificamente, ao trabalho temporário.

O tema é polêmico e divide opiniões de especialistas, não havendo que se falar na

existência de qualquer pacificação neste sentido.

Tanto no Brasil quanto em Portugal encontramos, por um lado, aqueles que acreditam

tratarem-se os institutos (terceirização e trabalho temporário, respectivamente) de formas

mais modernas de contratação, ao que se acompanha a evolução tecnológica e as

necessidades do mundo globalizado. Os adeptos desta linha de pensamento, sobretudo

neoliberais, fundamentam na livre iniciativa a licitude da medida flexibilizadora, uma vez

que não cabe ao Estado restringir a forma como o empresário ou dono do meio de produção

administra e gere sua cadeia produtiva.

Por outro lado, encontram-se os que acreditam que a terceirização, assim como o

trabalho temporário na forma prevista pelo ordenamento jurídico português, não são o único

caminho possível para solucionar a crise econômica mundial. Tais adeptos entendem que os

direitos trabalhistas já se encontram por demais flexibilizados que os efeitos deletérios de

tais modalidades de contratação ferem o princípio maior da dignidade da pessoa humana.

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115

Como se percebe, o cenário mundial aponta para uma crise de existência do direito

do trabalho, através da qual os neoliberais defendem sua flexibilização e até mesmo

desregulamentação, sob a máxima de que qualquer emprego é melhor que nenhum emprego.

Acreditando, no entanto, que exista progresso na terceirização.

No presente trabalho concluímos e perfilhamo-nos ao entendimento daqueles que

acreditam tratarem-se as modalidades de contratação flexibilizada já citadas (terceirização

no ordenamento jurídico brasileiro e trabalho temporário no português) de formas, em regra,

de retrocesso social.

Salvo os casos legais expostos de contratação terceirizada dos serviços de vigilância;

da possibilidade de terceirização temporária (no caso de necessidade transitória de

substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora ou de necessidade

resultante de acréscimo extraordinário de serviços da empresa); dos serviços especializados

relacionados à atividade-meio do tomador e dos serviços de conservação e limpeza e, mesmo

assim, com ressalvas, não pode ser a terceirização considerada uma forma de modernização

e progresso da legislação laboral.

As ressalvas aqui mencionadas dizem respeito à subjetiva e, portanto, vulnerável,

definição de atividade-meio e atividade-fim, que como visto em momento oportuno, por falta

de definição concreta, acaba por gerar inúmeras decisões judiciais diversas, dando azo,

inclusive, a interpretações de cunho pessoal e culminando, por fim, na insegurança jurídica.

Da mesma forma, não existe parâmetro concreto capaz de definir o que seriam atividades

especializadas, pelo que, sem um posicionamento nítido do Poder Legislativo, tais

denominações acabam por perpetuar injustiças.

Também o ordenamento jurídico português apresenta termos de definição subjetiva,

tais como, atividades de necessidade permanente ou transitória, com a finalidade de justificar

a possibilidade da contratação atípica temporária e, assim como no caso de nomenclaturas

indefinidas no Brasil, sofre inúmeras críticas.

Vistas tais ressalvas, cabe salientar que, mesmo em relação aos casos independentes

dessas definições, outras medidas deveriam ser tomadas para que a flexibilização já existente

não culmine em mais precarização e desvalorização social do trabalho. Para tanto, caberia

ao Legislador comprometer-se com os direitos sociais de forma a eliminar as consequências

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116

deletérias dessas medidas, proibindo diferenças salariais, prevenindo mortes e acidentes de

trabalho, reformulando os meios de sindicalização e exigindo maior fiscalização quanto à

consistência financeira das empresas prestadoras, bem como a solidariedade das empresas

tomadoras quanto a responsabilidade pelos créditos trabalhistas.

Porém, o que se vê é o rumo do direito laboral em direção à precarização, à

desvalorização, à desigualdade e ao aviltamento da dignidade da pessoa humana. O trabalho

precário acentua ainda mais o abismo entre classes, desmotiva o trabalhador e lhe rouba a

autoestima gerada pela produtividade do trabalho valorizado.

O ser humano produz, não apenas para vender sua força de trabalho e suas

habilidades em troca de dinheiro para sobreviver, mas também para se sentir útil, para

satisfazer suas necessidades ideológicas e criativas. É a sensação de auto estima, fruto do

trabalho que motiva o ser humano, que o dignifica numa existência produtiva. Por todos

esses motivos, o valor social do trabalho está acima das crises do mercado financeiro, que é

no campo dos estudos monetários que deverá se resolver (através da redução da carga

tributária, por exemplo). A livre iniciativa está limitada pelo princípio maior que é o da

dignidade da pessoa humana. Está a serviço deste e não ao contrário.

Ademais, à despeito da falaciosa ideia de que qualquer direito e qualquer trabalho

são melhores que nenhum direito ou nenhum trabalho é que observamos a banalização dos

casos legalmente previstos como exceção154 (contratações atípicas) e, por consequência,

reduzimos, ao longo do tempo, o direito de todos os trabalhadores em troca de maior lucro

para o empresariado155.

É neste sentido que ruma, então, uma sociedade em direção ao trabalho, em regra,

precário, aumentando ainda mais o abismo social entre as classes, onde os donos da produção

154 AMADO, João Carlos Conceição Leal. Contrato de Trabalho – Noções Básicas. Almedina, 2016., p.

98/102. 155 “Os índices de desemprego atingiram 5% da PEA nessa época. Hoje, mais de 4 anos de vigência desta

legislação flexível, o índice de desemprego em Portugal aumentou para pouco mais de 8%. Conclusão: a nova

lei flexível não serviu de mecanismo eficiente para o combate ao desemprego”. Como bem informa

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continuarão dominando e explorando a classe trabalhadora, que, cada vez mais oprimida e

explorada, aceita o que lhe cabe, por ser melhor que nada.

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