programa s família: amília · programa saúde da família: uma contribuição à análise de seus...

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i Fundação Oswal Fundação Oswal Fundação Oswal Fundação Oswaldo Cruz do Cruz do Cruz do Cruz Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães Departamento de Saúde coletiva Departamento de Saúde coletiva Departamento de Saúde coletiva Departamento de Saúde coletiva Mestrado em Saúde Pública Mestrado em Saúde Pública Mestrado em Saúde Pública Mestrado em Saúde Pública P rograma rograma rograma rograma S aúde da aúde da aúde da aúde da F amília: amília: amília: amília: uma contribuição à análise de seus uma contribuição à análise de seus uma contribuição à análise de seus uma contribuição à análise de seus princípios e prática princípios e prática princípios e prática princípios e prática Naíde Teodósio Valois Santos Naíde Teodósio Valois Santos Naíde Teodósio Valois Santos Naíde Teodósio Valois Santos Orientador: Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr. Recife, 2005 Recife, 2005 Recife, 2005 Recife, 2005

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Page 1: Programa S Família: amília · Programa Saúde da Família: uma contribuição à análise de seus princípios e prática Naíde Teodósio Valois Santos Dissertação apresentada

i

Fundação OswalFundação OswalFundação OswalFundação Oswaldo Cruzdo Cruzdo Cruzdo Cruz

Centro de Pesquisa Aggeu MagalhãesCentro de Pesquisa Aggeu MagalhãesCentro de Pesquisa Aggeu MagalhãesCentro de Pesquisa Aggeu Magalhães

Departamento de Saúde coletivaDepartamento de Saúde coletivaDepartamento de Saúde coletivaDepartamento de Saúde coletiva

Mestrado em Saúde PúblicaMestrado em Saúde PúblicaMestrado em Saúde PúblicaMestrado em Saúde Pública

P rograma rograma rograma rograma Saúde da aúde da aúde da aúde da F amília:amília:amília:amília:

uma contribuição à análise de seus uma contribuição à análise de seus uma contribuição à análise de seus uma contribuição à análise de seus

princípios e práticaprincípios e práticaprincípios e práticaprincípios e prática

Naíde Teodósio Valois SantosNaíde Teodósio Valois SantosNaíde Teodósio Valois SantosNaíde Teodósio Valois Santos

Orientador: Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.

Recife, 2005Recife, 2005Recife, 2005Recife, 2005

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ii

Fundação Oswaldo Cruz

Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães

Departamento de Saúde coletiva

Programa de Mestrado em Saúde Pública

P rograma Saúde da F amília: uma contribuição à análise de seus

princípios e prática

Naíde Teodósio Valois Santos

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Pública junto ao Departamento de saúde Coletiva/ Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz/ Ministério da Saúde, sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.

Recife, 2005

Page 3: Programa S Família: amília · Programa Saúde da Família: uma contribuição à análise de seus princípios e prática Naíde Teodósio Valois Santos Dissertação apresentada

iii

Naíde Teodósio Valois Santos

P rograma Saúde da F amília: uma contribuição à análise de seus

princípios e prática

Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre no Curso de

Mestrado em Saúde Pública do Departamento de Saúde Coletiva do Centro de Pesquisa

Aggeu Magalhães/ Fundação Oswaldo Cruz/ Ministério da Saúde, pela comissão formada

pelos Professores:

Orientador: ___________________________________________________________

Prof. Dr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.

Departamento de Saúde Coletiva/ CPqAM/ FIOCRUZ

Debatedor: ____________________________________________________________

Prof. Dr. André Monteiro

Departamento de Saúde Coletiva/ CPqAM/ FIOCRUZ

Debatedor: ____________________________________________________________

Prof. Dr. Russel Parry Scott

Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/ UFPE

Recife, 2005

Page 4: Programa S Família: amília · Programa Saúde da Família: uma contribuição à análise de seus princípios e prática Naíde Teodósio Valois Santos Dissertação apresentada

iv

D edicatória

À memória de meus queridos avós, voinha Naíde e voinho Bianor, cujos exemplos de vida e

de dedicação à ciência e às causas do povo estão sempre a me guiar.

Saudades...

Page 5: Programa S Família: amília · Programa Saúde da Família: uma contribuição à análise de seus princípios e prática Naíde Teodósio Valois Santos Dissertação apresentada

v

A gradecimentos

Ao Prof. José Luiz Araújo Jr., pela orientação de cada etapa deste trabalho e pela

disponibilidade de transmitir sua experiência.

A Marta, mãe muito querida e sempre presente, pelo apoio incondicional, sugestões e revisão

do trabalho.

À filhota Mariá, pela compreensão nas tantas horas sem a companhia da mãe e pelo carinho e

tantos bilhetinhos que embelezam minha vida... te amo, beijos, corações, borboletinhas,

florzinhas, fadinhas...

Ao meu pai Dionísio, pelo exemplo de ética e pessoa humana e por tão ricas e proveitosas

discussões sobre as coisas da vida em sociedade.

À minha irmã Marion, pela amizade e sugestões na elaboração do Projeto.

Ao meu irmão Eduardo, que apesar da distância, sempre “aquece” meu coração com sua

doçura.

Ao Professor Russel Parry Scott, pelas contribuições na qualificação do Projeto.

À Coordenação da Pós-Graduação do Departamento de Saúde Coletiva/CPqAM, pelas

condições favoráveis que propiciam ao desenvolvimento da pós graduação e da pesquisa, em

especial ao Prof. Dr. Eduardo Freese de Carvalho, pela atenção em todas as fases do Curso.

Aos colegas da Secretaria de Saúde do Cabo de Santo Agostinho, em especial a Gessyanne,

Janaína e Equipe de Coordenação do Programa Saúde em Casa, pelo apoio ao longo do

Mestrado.

À Equipe Gestora da Secretaria de Saúde do Recife, pela compreensão demonstrada no

momento de conclusão deste trabalho.

Aos colegas do Mestrado, pela amizade e sempre agradável e valiosa companhia.

A todos os entrevistados pela participação, sem a qual não seria possível a realização do

presente estudo.

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vi

R esumo

O presente trabalho aborda o Programa Saúde da Família (PSF) enquanto estratégia política

de mudança do modelo de atenção e da prática de saúde, analisando-a em relação aos seus

princípios emancipadores: o reforço da ação comunitária, a participação e o controle social e

a promoção da cidadania. Considerando que a tradução da política em um dado modo de

trabalhar e modo técnico de intervir é condicionada e determinada no cotidiano dos serviços

de saúde, discute-se como as unidades de saúde da família têm se constituído em espaços de

promoção da saúde e da cidadania. Para o desenvolvimento do estudo, optou-se pela pesquisa

qualitativa no campo das políticas de saúde, utilizando a estratégia de estudo de casos para

analisar a política de reorientação da atenção básica, a partir de um modelo multicausal,

considerando as categorias contexto, conteúdo, atores e processo. Tendo em vista a

diversidade de processos de implementação e uma melhor abrangência da análise de sua

proposta emancipadora, realizou-se uma seleção intencional da amostra, a partir de contextos

municipais e locais favoráveis ao seu desenvolvimento. Desse modo, o estudo prosseguiu em

duas unidades do PSF, uma no município do Cabo de Santo Agostinho e outra no Recife/PE.

Inicialmente, discute-se o contexto da reorientação da Política de Atenção Básica no Brasil,

centrada no PSF, e o conteúdo emancipador contido nas diretrizes do Programa. Em seguida,

observa-se como os atores sociais envolvidos diretamente na rotina de seu funcionamento

compreendem e atuam em relação a este conteúdo. A análise aponta que apesar da presença

ainda marcante da cultura do modelo biomédico, o PSF vem propiciando o olhar e a atuação

dos profissionais de saúde voltados para a realidade de vida das comunidades que estão sob

sua responsabilidade sanitária e o estabelecimento de vínculos com os usuários. Esta

aproximação, por sua vez, tem favorecido o reconhecimento da saúde enquanto direito de

cidadania e a relação com os usuários não apenas como objetos, mas também como sujeitos

das ações; despertado o interesse no cuidar da saúde como bem essencial à qualidade de vida;

permitido o estabelecimento de diálogo e cooperação entre os atores sociais e fortalecido

canais para a participação social. As inovações na prática de saúde parecem emergir do

conflito e dificuldades enfrentados no encontro entre “velhas” e “novas” concepções,

indicando o movimento em direção a mudança de foco, que começa a deixar de ser a doença e

a passar a ser os determinantes da saúde, os sujeitos e seus coletivos.

Palavras-Chave: Programa Saúde da Família; Análise da Política de Atenção Básica; Reforço da Ação Comunitária; Participação e Controle Social; Promoção da Cidadania.

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vii

A bstract

This piece of work approaches the Brazilian Family's Health Program (FHP) which has

become a policy strategy in order to induces changes on the health systems’ organization. The

study focus on its empowerment principles such as: the reinforcement of the community

action, the community participation and social control and the health promotion and

citizenship. Understanding a policy as an agenda for changes, it is conditioned by the

everyday life in the health services. Therefore the Family Health Units (FHU) are assessed in

terms of the role they play in strengthening citizenship and health promotion. For the

development of the study, the option made was by the qualitative research in the field of the

health policies, using the case study strategy to analyze the policy reorientation of the basic

health assistance. It uses a comprehensive model that considers the categories of, context,

content, actors and process. Having in mind the diversity of distinct experiences of policy

implementation in various FHU, the option was for an intentional sample, in order to assure a

most developed situation in terms of the empowerment policy principles. Thus, the study was

conducted in two FHU, one in the municipal district of the Cabo de Santo Agostinho-PE and

another in Recife-PE. Initially, it discusses the context of the reorientation of basic health

assistance in Brazil, centered in the FHP and the possible empowerment content inside the

program guidelines. Soon after, it observes how the actors directly involved in the routine of

its operation understand and act regarding that content. The analysis points out that besides

the still imposing presence of a model based on the biomedical culture, the FHP facilitates a

new approach by the heath professionals enrolled in those teams. They seem to perform more

guided towards life reality of the communities under their responsibility and also they

establish links with the FHU users. This approach has been favoring the recognition of health

as a citizenship right and also it set up a new relation with the members of the community.

Instead of object of their actions, they are now seen more like partners and active subjects in

achieving health as a public good essential to the quality of life. This has allowed the dialog

and cooperation among social actors and established channels for community participation.

The innovations in the health practices seem to emerge from the conflict and difficulties faced

in the encounter between old and new conceptions, indicating a movement towards a focus

change, once on diseases and now increasingly more placed on the health determinants, the

people and society.

Words-key: Family Health Program; Policy Analysis of Basic Health Attention; Community

Action, Community Participation and Social Control; Health Promotion and Citizenship.

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viii

L ista de A nexos

Anexo 1 - Guia para realização das entrevistas............................................................................. 163

Anexo 2 - Termo de consentimento livre e esclarecido................................................................. 164

Anexo 3 - Relação dos documentos coletados............................................................................... 165

Anexo 4 - Relação das atividades acompanhadas......................................................................... 166

Anexo 5 - Relação das entrevista................................................................................................... 167

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ix

L ista de F iguras

Figura 1 - População (%) coberta pelo Programa Saúde da Família, Cabo de Santo

Agostinho, 1999 a 2004.............................................................................................

69

Figura 2 - População (%) coberta pelo Programa Saúde da Família, Cabo de Santo

Agostinho, 1999 a 2004.............................................................................................

112

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x

L ista de Q uadros

Quadro 1 - Distribuição dos recursos federais transferidos para o Piso de Atenção Básica

(PAB) dos estados e municípios. Brasil, 1998 a 2004..............................................

29

Quadro 2 - Distribuição dos recursos transferidos do Fundo Nacional de Saúde para os

estados e municípios. Brasil, 1998 a 2004................................................................

29

Quadro 3 - Modelo de condensação de significados e variáveis de estudo................................. 62

Quadro 4 - Distribuição dos recursos transferidos para o Fundo Municipal de Saúde. Cabo de

Santo Agostinho, 1998 a 2004...................................................................................

69

Quadro 5 - Distribuição dos recursos transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB)

municipal. Cabo de Santo Agostinho, 1998 a 2004..................................................

69

Quadro 6 - Distribuição dos recursos transferidos para o Fundo Municipal de Saúde. Recife,

1998 a 2004...............................................................................................................

113

Quadro 7 - Distribuição dos recursos transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB)

municipal. Recife, 1998 a 2004.................................................................................

113

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xi

L ista de S iglas

ACS Agente Comunitário de Saúde

CLS Conselho Local de Saúde

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

FNS Fundação Nacional de Saúde

GAB Gerência de Atenção Básica

MS Ministério da Saúde

NOAS/SUS Norma Operacional da Assistência à Saúde do Sistema Único de Saúde

NOB/SUS Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde

OMS Organização Mundial da Saúde

PAB Piso de Atenção Básica

PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde

PCCV Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos

PSF Programa Saúde da Família

SARTE Projeto Saúde, Arte e Educação

SIAB Sistema de Informação da Atenção Básica

SUS Sistema Único de Saúde

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xii

S umário

Resumo............................................................................................................................................. vi

Abstract............................................................................................................................................. vii

Lista de anexos.................................................................................................................................. viii

Lista de figuras.................................................................................................................................. ix

Lista de quadros................................................................................................................................ x

Lista de siglas.................................................................................................................................... ix

Introdução....................................................................................................................................... 1

Capítulo 1 - Análise de Políticas Públicas: algumas considerações do método......................... 8

1.1. Análise de políticas no Sistema Único de Saúde....................................................................... 13

1.1.1. Análise da Política de Atenção Básica no Sistema Único de Saúde....................................... 16

Capítulo 2 - Política de Atenção Básica no Sistema Único de Saúde......................................... 20

2.1. Contexto da reorientação da atenção básica pela Estratégia Saúde da Família......................... 32

2.2. Conteúdo emancipador da proposta de mudança do modelo de atenção à saúde...................... 40

2.2.1. Reforço da ação comunitária.................................................................................................. 41

2.2.2. Participação e controle social.................................................................................................. 44

2.2.3. Promoção da cidadania........................................................................................................... 48

Capítulo 3 - Procedimentos Metodológicos.................................................................................. 50

3.1. Desenho do Estudo.................................................................................................................... 51

3.2. Área de Estudo........................................................................................................................... 52

3.3. Seleção da amostra intencional do Estudo................................................................................. 53

3.4. Técnicas de coleta e fontes de dados......................................................................................... 56

3.5. Plano de análise.......................................................................................................................... 60

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xiii

Capítulo 4 – O conteúdo emancipador na implementação municipal da Política de Atenção

Básica: resultados e discussão.................................................................................

64

4.1. Cabo de Santo Agostinho........................................................................................................ 65

O lugar e suas condições de vida............................................................................................... 65

O Sistema Municipal de Saúde e sua gestão.............................................................................. 66

O Programa Saúde da Família................................................................................................... 68

4.1.1. Contexto e atores locais.......................................................................................................... 73

4.1.2. O conteúdo emancipador no cotidiano da unidade de saúde da família: concepções e

práticas....................................................................................................................................

78

4.1.3. Discutindo a implementação à luz do conteúdo emancipador................................................ 103

4.2. Recife......................................................................................................................................... 103

O lugar e suas condições de vida............................................................................................... 109

O Sistema Municipal de Saúde e sua gestão.............................................................................. 110

O Programa Saúde da Família................................................................................................... 112

4.2.1. Contexto e atores locais.......................................................................................................... 116

4.2.2. O conteúdo emancipador no cotidiano da unidade de saúde da família: concepções e

práticas....................................................................................................................................

122

4.2.3. Discutindo a implementação à luz do conteúdo emancipador................................................ 141

Capítulo 5 - Considerações Finais & Recomendações................................................................. 149

Referências....................................................................................................................................... 156

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1

Introdução

O Brasil construiu historicamente um sistema de saúde caracterizado pela centralização

federal, desigualdade de acesso, dicotomia entre ações curativas e preventivas, concentração

dos recursos nas atividades médico-hospitalares, utilização irracional dos recursos

tecnológicos e pela prática dissociada do contexto de vida dos sujeitos, objetos da atenção,

acarretando baixa resolutividade dos problemas de saúde e gerando alto grau de insatisfação

tanto na população, como nos gestores e profissionais de saúde (BARROS, 1997; BRASIL,

2000a; SOUZA, 2000).

O movimento pela defesa de uma profunda reforma desse sistema, que colaborava com a

acentuação das iniqüidades sociais, culminou com a realização em 1986 da 8a Conferência

Nacional de Saúde e com a incorporação no texto constitucional, em 1988, de seus princípios

fundamentais: universalidade do direito à saúde; exigibilidade da ação do Estado para garantir

este direito; multideterminação das condições de saúde; ação multisetorial para compreender e

assegurar a saúde; integralidade e eqüidade na atenção à saúde e a participação e o controle

social, mecanismos regulamentados na Lei Orgânica da Saúde nº. 8142 de 1990.

A luta pela inscrição desses preceitos em um arcabouço teórico-legal, como pontua a autora,

desemboca em outros esforços: a construção de um novo modelo de atenção1 e de práticas de

saúde, orientados pelos pressupostos do SUS, o que envolve, segundo Mendes (1999), as

seguintes mudanças:

1. Concepção do processo saúde-doença: negativa � positiva;

2. Paradigma sanitário: flexeneriano � produção social da saúde;

1 Modelo de Atenção é o modo como o Estado e os serviços de saúde se organizam, produzem e distribuem as ações de saúde (CAMPOS, 1997).

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2

3. Prática sanitária2: atenção médica � vigilância à saúde;

4. Ordem governativa da cidade: gestão médica � gestão social.

O conceito positivo da saúde refere-se à sua concepção como (presença de) bem estar físico,

mental e social, não mais considerada como ausência (conceito negativo) de doença. A saúde

passa a ser considerada como um recurso fundamental para a qualidade de vida e a realização

dos sujeitos sociais. O paradigma da produção social da saúde, baseado na teoria da produção

social3, considera a saúde como um produto resultante de fatores econômicos, políticos,

ideológicos e cognitivos; inserindo-a, enquanto campo do conhecimento, na ordem da

interdisciplinaridade e, como prática social, na ordem da intersetorialidade (MENDES, 1999).

A prática sanitária, orientada pelo conceito de vigilância à saúde, amplia a atenção centrada

no ato médico curativo e adota a combinação de três grandes tipos de ações: a promoção da

saúde, a prevenção de doenças e acidentes e a atenção curativa, proporcionando uma atuação

integral sobre as diferentes dimensões do processo saúde-doença. A proposta da gestão social

se centra na idéia da intersetorialidade, deslocando o lócus da governabilidade da saúde da

secretaria municipal para a prefeitura e na articulação da ação de governo para o

enfrentamento dos problemas de saúde da sua população, sendo papel fundamental do setor

saúde a orientação e integração das ações (MENDES, 1999).

Na construção deste novo modelo de atenção, a implementação do Programa Saúde da

Família (PSF) vem sendo considerada como o primeiro passo significativo para a reorientação

do sistema de saúde, a partir da atenção básica, sendo caracterizado pelo Ministério da Saúde

2 Segundo Mendes (1999, p.241), “a prática sanitária é a forma como uma sociedade, num dado momento, a partir do conceito de saúde vigente e do paradigma sanitário hegemônico, estrutura as respostas sociais organizadas ante os problemas de saúde.” 3 Segundo Matus (1993), a teoria da produção social afirma que, salvo a natureza intocada, tudo o que existe é produto da ação humana na sociedade: tudo o que o ser humano cria a partir de suas capacidades políticas, ideológicas, cognitivas, econômicas, organizativas e culturais.

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3

como uma estratégia de reformulação do modelo de atenção (BRASIL, 1997a; PAIM, 1999a;

SOUSA, 1999).

O PSF propõe inovações no modo de cuidar da saúde que abarcam os eixos apresentados por

Mendes (1999), com mudança do objeto de atenção e da forma de organização do serviço e

das ações: o foco de atenção passa a ser o indivíduo, a família e seu ambiente físico e social e

a atenção à saúde orientada pelo princípio da vigilância à saúde, combinando ações de

promoção, prevenção e cura, desenvolvidas por uma equipe multidisciplinar com

responsabilização sanitária sobre um território definido. A esta equipe cabe realizar amplo

diagnóstico da situação de saúde da população adstrita, é essencial para o planejamento do

enfrentamento dos problemas priorizados, processo no qual a participação popular deve ser

garantida e incentivada (BRASIL, 1997a, 2000a, 2001b).

Afirmando o conceito ampliado do processo saúde-doença, ou seja, considerando como seus

determinantes os fatores sociais, econômicos, político, culturais, subjetivos e biológicos, o

Programa propõe uma prática caracterizada pela alta complexidade tecnológica nos campos

do conhecimento e do desenvolvimento de habilidades e mudanças de atitude, exigindo

modificações significativas na abordagem do indivíduo, da família e da comunidade, bem

como uma atuação integrada dos diversos setores da gestão pública municipal (BRASIL,

1997a, 2000a, 2001b).

Contudo, como argumentado por Schraiber (1997), a passagem de uma intervenção enquanto

“plano” para sua forma “prática/tecnologia” ocorre em dois campos de condicionantes e

determinações, que se expressam e são experimentados na realidade cotidiana: o do trabalho,

que realiza a intervenção proposta com um dado modo de trabalhar e modo técnico de

intervir, produzindo cuidados; o da organização social da produção e distribuição dos

serviços, que se conformam em determinados modelos assistenciais.De acordo com

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4

Vasconcelos (1999a), a mudança do desenho sob o qual opera o serviço não é suficiente para

assegurar transformações práticas, ou seja, mesmo com a introdução de mudanças na

organização do serviço a partir da implantação do PSF, como o trabalho em equipe, a

territorialização e adscrição de clientela, o planejamento local das ações e as atividades com

grupos, são necessárias mudanças no processo de trabalho e na forma de atuar dos

profissionais. Neste sentido, Souza (2000) aponta para a preocupação em relação ao “fazer

diferente”, pois muitas vezes é confundido com a ênfase dada na prescrição de mudanças de

comportamentos e hábitos.

A qualificação dos recursos humanos tem sido um grande desafio para a consolidação do SUS

e do PSF, pois, historicamente, a formação na área da saúde esteve predominantemente

voltada para a doença enquanto objeto de atenção e para o hospital enquanto local de atuação.

Uma formação distante do olhar da saúde como qualidade de vida, com abordagens

descoladas do cotidiano e da realidade das comunidades, considerando apenas como objeto de

atenção os fatores fisiopatológicos do processo saúde-doença, desconhecendo seus

determinantes mais amplos (CAMPOS, 1997).

O redirecionamento da atenção básica, centrado no Programa Saúde da Família, bem como a

proposição de sua indução na reorientação dos demais níveis de atenção, exige um processo

de transformação política e cultural dos atores sociais na arena da saúde, com mudanças de

visão, posturas e práticas, bem como um processo de construção coletiva, o que diz respeito a

espaços de integração de diferentes setores, atores e saberes (SANTOS, 2001).

Considerando o desafio dessas transformações, bem como o entendimento de que os

contextos e processos de implementação das políticas alteram o planejado, são de grande

importância análises que qualifiquem as mudanças e inovações deflagradas a partir do

conjunto de medidas e de normas que conformam a Política Nacional de Atenção Básica, que

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5

vem sendo adotada pelos municípios, no sentido de identificar e explicar possíveis

contradições existentes entre sua teoria e prática.

Soma-se ainda a necessidade de avançar em relação à prática avaliativa que vem sendo

adotada através das normas ministeriais do Pacto de Atenção Básica, que apesar de induzir o

planejamento e o acompanhamento das ações, bem como a articulação intrasetorial para o

cumprimento das metas pactuadas, não aborda questões fundamentais para a análise das

transformações necessárias à construção do modelo de atenção desejado: participativo,

democrático e empoderador.

Desse modo, com o intuito de contribuir para a reflexão acerca da condução da Política de

Atenção Básica e contribuir para o seu aperfeiçoamento, o presente estudo tem o propósito de

analisar aspectos referentes à prática de saúde nas unidades do PSF, em relação aos seus

princípios emancipadores: o reforço da ação comunitária, a participação e o controle social e

a promoção da cidadania.

O reforço da ação comunitária é entendido como o campo prático da promoção da saúde, ou

seja, o “processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de

vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo (OMS, 1986, p.1)”.

A participação e o controle social são direitos constitucionais, fundamentais neste processo,

que estão, como colocado por Bosi (1994), intrinsecamente ligados à tomada de consciência

de que a saúde é um direito da pessoa e um interesse da comunidade.

A promoção da cidadania é entendida, no contexto deste estudo, como o estímulo à

conscientização e ao exercício do direito à saúde, um exercício de cidadania participativa que

se relaciona à prática individual e coletiva de conquista de melhores condições de saúde como

bem essencial à qualidade de vida.

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6

A escolha pelo espaço das relações cotidianas que se estabelecem nas unidades de saúde tem

como objetivo a análise da relação dialética compreensão/prática. Para Bosi, este cotidiano

traz elementos através dos quais os atores sociais constroem suas percepções, ao mesmo

tempo em que representa um espaço de luta e de exercício do poder. Desse modo, e para além

da dimensão técnica, revela a dimensão política das práticas de saúde, fundamental na

apreensão de como as questões relacionadas à promoção da saúde e da cidadania vêm de fato

moldando um novo modelo de atenção, no qual espera-se que os cidadãos sejam sujeitos e

não apenas objeto da ação governamental, ou seja, do fazer política de saúde.

Assim, a investigação em tela tem como objetivo analisar o Programa Saúde da Família

(PSF) enquanto estratégia política de reorganização da atenção básica à saúde, centrada

na mudança do modelo de atenção e da prática de saúde, que traduza seus princípios de

reforço da ação comunitária, de participação e controle social e de promoção da

cidadania. Para realização da análise, tomou-se como objetivos específicos:

���� Analisar como os atores envolvidos com o funcionamento do PSF compreendem e

priorizam práticas voltadas para o reforço da ação comunitária, participação e controle

social e promoção da cidadania;

���� Compreender como gestões municipais do SUS têm se estruturado e atuado no

gerenciamento do PSF, observando a institucionalização de seus princípios de reforço da

ação comunitária, participação e controle social e promoção da cidadania;

���� Comparar a relação da prática do PSF com seus pressupostos teóricos, em especial seu

conteúdo emancipador;

���� Identificar e explicar possíveis distorções entre a prática observada e os pressupostos

teóricos do PSF relacionados ao reforço da ação comunitária, participação e controle

social e promoção da cidadania.

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O estudo, desenvolvido em cinco capítulos, aborda no primeiro capítulo questões

relacionadas ao campo da análise de políticas públicas, especificamente políticas de saúde,

tecendo considerações a respeito dos objetivos e métodos empregados, bem como

observações quanto às avaliações da Política de Atenção Básica.

No segundo capítulo é contextualizada a reorientação da Política de Atenção Básica no

Sistema Único de Saúde a partir da implantação do Programa Saúde da Família, destacando o

conteúdo de sua proposta emancipadora e discutindo questões relativas às unidades tomadas

para análise: o reforço da ação comunitária, a participação e o controle social e a promoção

da cidadania.

O terceiro capítulo expõe os procedimentos metodológicos adotados, sendo em seguida

apresentados no quarto capítulo os resultados e discussão da análise do material empírico, no

que diz respeito à compreensão e prática dos atores sociais que moldam as relações cotidianas

nas unidades de saúde da família, em relação ao conteúdo emancipador do PSF, abordando os

avanços e as dificuldades por eles enunciados na promoção da saúde e da cidadania, bem

como suas sugestões para melhoria do Programa.

Por fim, no quinto capítulo, são tecidas as considerações finais acerca da análise da proposta

emancipadora do PSF e seu funcionamento prático e feitas recomendações para sua

implementação.

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Capítulo 1111

A nálise de Políticas Públicas: algumas considerações do método

O modo de operar de um Estado se traduz no ato de “fazer” políticas públicas, que segundo

Lemieux (1994, apud VIANA, 1997), são tentativas de regular situações que apresentam

problemas públicos, afloradas no interior de uma coletividade ou entre coletividades, que

interfere na repartição de meios entre os atores sociais. O autor utiliza o termo tentativa (de

regulação) para demarcar que o ato de normatizar uma situação pode ser visto de diferentes

formas pelos atores sociais envolvidos com uma determinada política. Essas tentativas

comportam inúmeras decisões, com alto grau de interdependência, podendo ser agrupadas em

três processos distintos (etapas da política): emergência, formulação e implementação.

Viana (1996), em resenha acerca de estudos sobre análise de políticas, cita autores que

incluem em suas fases a avaliação e o reajuste e acrescenta que “[...] em cada uma destas

fases, os atores sociais, presentes em cada política, vão intervir de forma diferenciada e com

pesos específicos, assim como a própria máquina estatal e os critérios e estilos de decisão

também se comportarão de forma diversa.”

A autora destaca que a diversificação da natureza metodológica dos recentes estudos sobre

políticas públicas, nos quais identifica três eixos: o conceito de políticas públicas, as teorias

explicativas sobre os sistemas de proteção social onde essas políticas estão inseridas e o

desenvolvimento particular de uma política; representou um avanço em relação às abordagens

mais descritivas e funcionalistas das políticas, padrão vigente há algumas décadas, permitindo

análises que levaram a uma maior percepção dos elementos que interferem na política, bem

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como do grau, tipo e peso da participação dos diferentes atores na sua formação e suas

estratégias de interação em cada um dos momentos da ação estatal (VIANA, 1997).

Viana (1996) ainda pontua que na análise do desenvolvimento de cada uma das fases das

políticas públicas, modelos explicativos buscaram apreender a dinâmica que as articula,

elaborando-se, em alguns casos, modelos de causalidade entre as diversas variáveis que

interferem no processo: o meio social e político; os atores participantes; as agências estatais e

os conteúdos das políticas – princípios, metas e objetivos.

Na fase de avaliação da política, foram desenvolvidos dois tipos de estudo: a avaliação de

processo e a de impacto. A primeira analisa a implementação de determinada política,

aferindo a adequação entre meios e fins, considerando o contexto em que a política está sendo

implementada: seus aspectos organizacional e institucional, social, econômico e político. Seu

objetivo é permitir correções no modelo de causalidade, visando reorientá-la em função dos

objetivos propostos, possibilitando uma escolha racional entre alternativas que aumentem a

eficiência da política. A avaliação de impacto tem como objetivo medir os resultados dos

efeitos de uma política: determinar se houve modificações e sua magnitude, quais os

segmentos afetados e em que medida e quais foram as contribuições dos distintos

componentes da política na realização de seus objetivos (VIANA, 1996).

No campo de análise das políticas sociais4, dentre elas as de saúde, identifica-se atualmente

três fontes explicativas: a contextualista, a institucionalista e a política. Na primeira, onde se

inserem as abordagens pluralistas e marxistas, a análise centrou-se no contexto externo,

particularmente na estrutura socioeconômica; a institucionalista buscou explicações nos

processos decisionais e organizacionais do aparato público e no ambiente cultural e

4 Segundo Viana (1997) as políticas sociais são expressões de um tipo específico de intervenção estatal, cuja finalidade é proteger os indivíduos contra os riscos inerentes à vida individual e social e (citando a definição de Maingón, 1992) expressam a distribuição e redistribuição de serviços e recursos.

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institucional da política; as que se aproximaram das análises políticas, tentaram esclarecer a

formação dos sistemas de proteção social pelo sistema político através da análise das relações

de poder, do papel dos partidos políticos e da relação capital/trabalho (VIANA, 1997).

A autora assinala que os estudos mais ricos, porém escassos, foram os que combinaram vários

elementos explicativos em um determinado período histórico, utilizando um modelo

multicausal, sendo os estudos de políticas de saúde, que se intensificaram na América Latina a

partir da década de 1980, os que mais avançaram na utilização deste enfoque para explicar as

formulações e implementações de determinadas políticas, identificando questões de ordem

econômica, política, institucional e cultural. Alguns destes estudos procuraram superar a visão

das fases de formulação e implementação apenas como tradução das atividades de decidir e

executar, bem como a dicotomia entre estas duas etapas: ação política�ação administrativa,

respectivamente. Em alguns casos também buscaram superar a tendência de considerar que os

sujeitos da ação governamental são apenas os atores governamentais e os cidadãos objetos

destas ações, centrando-se na identificação dos processos de interação entre estes atores.

Com base no entendimento de Viana (1997), identificamos as proposições de Araújo Jr.

(2000, 2001) no bojo dos modelos multicausais de análise das políticas de saúde. De acordo

com o autor, a análise abrangente das políticas de saúde, resultando no conhecimento e

explicação de sua globalidade, contribui para o aperfeiçoamento da política em questão. Nesta

perspectiva, pontua que devem ser considerados seus discursos oficiais e não oficiais,

explícitos e implícitos e observados seus diversos determinantes, que podem ser de ordem

política, ideológica ou social, ou estarem no âmbito das evidenciais epidemiológicas ou

mesmo de interesses pessoais (ARAÚJO Jr., 2001).

Argumenta ainda que o desenvolvimento de análises de políticas públicas deve permitir o

fortalecimento teórico do campo e o desenvolvimento e aprimoramento no âmbito das

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intervenções públicas do setor. A análise, durante ou após sua implementação da política,

deve ter por objetivo intervir no sentido de formulá-las ou propor políticas diferentes. Desse

modo, o fortalecimento da cultura de análise irá, por sua vez, contribuir para o incremento da

prática de formular políticas baseadas em evidências (ARAÚJO Jr., 2001).

De acordo com esse entendimento, Araújo (2001) propõe trabalhar a análise de políticas

públicas a partir das categorias contexto, conteúdo, atores e processo, propostas por Walt e

Gilson, contribuindo na especificação das mesmas, ou seja, explicitando suas definições e

identificando sub-categorias de análise:

(a) a partir do contexto, caracteriza-se o ambiente social, político e econômico em que a

política é proposta e implementada, entendendo que é histórica e comprometida com

estes contextos, no sentido de modificá-lo ou perpetuá-lo. Esta categoria é

operacionalizada a partir das subcategorias: macro contexto, entendido como os

aspectos políticos, econômicos e sociais da realidade em que se insere e micro contexto,

aspectos do setor aos qual se destina – jurídicos, financeiros, estruturais, organizacionais

(ARAÚJO, 2001);

(b) de acordo com seu conteúdo, significantes que sustentam a política (normas e diretrizes

operacionais), busca-se compreender sua perspectiva e suas possibilidade de impacto,

identificando elementos que apontam, ou não, para mudanças. Nesta perspectiva, pode-

se evidenciar o perfil da política – neoliberal, conservadora, social democrata, socialista,

entre outros (ARAÚJO Jr., 2000, 2001);

(c) quanto aos atores, estes são as pessoas, organizações e instituições de alguma forma

envolvidos no processo da política, desde a sua formulação até sua implementação,

aliados ou opositores. Procura-se então identificar os principais atores, suas posições

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frente à política, como estão mobilizados e suas correlações de forças (ARAÚJO Jr.,

2001);

(d) a análise do processo de uma política pública deve levar em conta, de acordo com

Araújo Jr. (2001) e Viana (1996), a dinamicidade e relações dialéticas inerentes às suas

diversas fases – emergência, formulação, implementação, avaliação e reajuste, que

muitas vezes se dão de forma paralela e articulada. Araújo Jr. argumenta que este

processo pode se dar de diversas formas:

� a depender da distribuição do poder de decisão e controle sobre a política, esta pode

ser pluralista , caso seja compartilhado entre os diversos atores ou elitista, se este

poder de decisão concentrar-se em poucos atores;

� em relação à abertura para o envolvimento dos grupos interessados, a política pode

ser caracterizada como tradicional , se considera apenas os gestores de primeiro

escalão ou participativa , se houver o envolvimento dos implementadores e atores

responsáveis por sua execução em última instância;

� de acordo com sua abrangência, pode ser categorizada como uma política

sistêmica, caso requeira grandes investimentos financeiros e atinja macro estruturas

da sociedade ou setorial, se requer investimentos menores e afeta apenas alguns

setores sociais;

� a depender da forma de contribuição para seu financiamento e distribuição dos bens

e serviços, a política pode ser redistributiva , se há contribuições de valores

distintos e/ou prestação de serviços ou benefícios de modo a remanejar recursos

entre os beneficiários, caso contrário, será distributiva .

� se regular o sistema privado, é caracterizada como regulatória e no caso do poder

público regular suas próprias ações, será uma política auto-regulatória;

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� com relação ao modelo no qual são concebidos seus processos e procedimentos,

este pode ser racional, quando são largamente controlados por técnicos específicos;

incremental, se o processo é adaptativo, encontrando a cada dificuldade novas

estratégias; de miragem mista, caso a política sistêmica atenda ao modelo

incremental e a política setorial ao racional; estratégico, se é centrado em sua

viabilização, com ênfase em pequenas mudanças que possam provocar grandes

transformações.

Ainda na análise do processo, pode-se identificar as estratégias adotadas pelos diferentes

atores para assegurar a viabilidade da política: cooperação, cooptação ou conflito entre

os atores.

1.1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 . A nálise de políticas no Sistema Único de Saúde

No Brasil, o processo de análise das políticas de saúde torna-se bastante complexo,

considerando a implementação do SUS, que rompe com a lógica e o modelo do sistema de

saúde pública adotado até então e requer verdadeiras transformações para sua consolidação.

Barros (1997) enfatiza que a conquista pela inscrição jurídica dos pressupostos do SUS

representa apenas o início de novos movimentos e esforços para implementá-los

concretamente, pois sua constituição efetiva implica em profundas transformações das formas

organizacionais e das práticas cristalizadas através de décadas de vigência de um modelo de

atenção orientado por uma lógica diametralmente oposta.

Segundo Mendes (1999), essa mudança, de um sistema de crenças vigente por um outro

emergente, implica num processo de longa maturação, incidindo em planos político,

ideológico e cognitivo-tecnológico. Tal processo será ainda mais lento se ocorrer em ambiente

democrático, pela negociação entre diferentes atores presentes na arena política da saúde.

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A mudança será política porque envolve distintos atores sociais em situação,

portadores de diferentes projetos devendo, para hegemonizar-se, acumular

capital político. Tem, também, uma dimensão ideológica, uma vez que ao se

estruturar na lógica da atenção às necessidades de saúde da população,

implicitamente opta por uma nova concepção de processo saúde-doença e

por novo paradigma sanitário, cuja implantação tem nítido caráter de

mudança cultural. Por fim, apresenta uma dimensão cognitivo-tecnológica

que exige a produção e utilização de conhecimentos e técnicas coerentes

com os supostos políticos e ideológicos do projeto da produção social da

saúde (Mendes, 1999, p. 241).

Barros (1997) e Bodstein (1997), assinalam que as abordagens realizadas sobre as políticas de

saúde no Brasil, em grande parte, têm se ocupado da crise no sistema de saúde e outros fatos,

que podem sinalizar mudanças na direção da construção efetiva do SUS, estão sendo

esquecidos. Lembram que crise financeira do setor e a problemática da manutenção da rede de

serviços do SUS foram os temas que prevaleceram no debate público, ficando em segundo

plano as lutas pelas transformações mais relevantes: a do modelo de atenção e das práticas

assistenciais.

Bodstein (1997) afirma a necessidade de se recuperar a análise da potencialidade de ações

inovadoras e aponta uma outra preocupação: a tendência ao reducionismo dos discursos

ideológicos, principalmente em um contexto como o brasileiro, de deterioração do alcance e

do sentido da intervenção estatal e das políticas sociais, que muitas vezes aumentam a

desigualdade social, que atribuem, apressadamente, apressadamente, à férrea lógica neoliberal

para a explicação de qualquer fenômeno sócio-político.

Ainda para Bodstein, as análises das políticas de saúde devem considerar os efeitos do

processo de descentralização do SUS, como a redefinição das arenas decisórias e dos

principais atores envolvidos, bem como a capacidade destes atores de formulação de

propostas inovadoras de construção de modelos assistenciais e de modificação no perfil do

atendimento.

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Desse modo, é relevante realizar análises a partir de pesquisas empíricas, que procurem

reconstruir a capilaridade do sistema de saúde, compreendendo as organizações coletivas e a

influência dos interesses que moldam cotidianamente a ação dos sujeitos políticos envolvidos

no processo. Repensar atores, instituições e a forma como determinada política é absorvida e

implementada pela rede de saúde, bem como compreender a diversidade das relações vividas

no dia-a-dia dos profissionais de saúde, da burocracia planejadora e da população usuária, que

consolidam interesses específicos e moldam, na prática, o atendimento e a gestão dos serviços

(Bodstein, 1997).

Barros (1997) assinala que a forma com que as políticas de saúde são adotadas e

implementadas nos diversos e desiguais cenários (social, econômico, político, e cultural) dos

municípios brasileiros, envolve dimensões técnicas, institucionais, econômico-financeiras e

políticas, sendo o ritmo e a natureza das transformações preconizadas pelo SUS, dependentes

das variáveis associadas a cada uma destas dimensões.

Para Barros, a municipalização e a heterogeneidade de situações encontradas nos diversos

municípios brasileiros torna qualquer esforço comparativo das experiências concretas

extremamente complexo e limitado. Já Bodstein (1997) considera que analisar e comparar

experiências gerenciais locais pode revelar mecanismos inéditos de adesão e compromisso

dos funcionários e das organizações populares coletivas.

No campo de investigação das políticas de saúde adotadas pelo Brasil, a adoção do Programa

Saúde da Família (PSF) como estratégia política de reorganização do sistema de saúde, a

partir da Atenção Básica, rompendo com o “esquecimento” da luta por transformações do

modelo de atenção e das práticas assistenciais, torna imperativo o desenvolvimento de estudos

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que contemplem a implementação desta política, enquanto tentativa5 de fazer avançar este

aspecto essencial na construção do SUS.

Entretanto, apesar do Governo Federal vir reforçando seu papel na determinação da política a

ser adotada, através do uso de mecanismos de financiamento e de normas, regulações e

protocolos para implantação e acompanhamento da Política de Atenção Básica6, ainda se tem

um processo avaliativo centrando no impacto de indicadores epidemiológicos ou de produção

de serviços, sem analisar de fato se a prática estabelecida no cumprimento das metas estão

atendendo aos princípios e diretrizes do SUS e da Estratégia Saúde da Família.

1.1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 . A nálise da Política de Atenção Básica no Sistema Único de Saúde

O Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e o Pacto de Indicadores da Atenção

Básica (PPI_AB) têm sido os principais instrumentos de abrangência nacional utilizados para

acompanhamento e avaliação da atenção básica. Conforme exposto por Medina, Aquino &

Carvalho (2000), o Pacto da Atenção Básica, estabelecido através de negociações entre

Secretarias Municipais, Secretarias Estaduais e Ministério da Saúde, representa a intenção dos

gestores em melhorar a qualidade da atenção, bem como inaugura, no cotidiano da gestão do

SUS, uma nova prática: vincula a organização das ações e serviços de saúde à análise do

desempenho de indicadores de saúde, articulando práticas e percepções das distintas áreas

5 O termo tentativa (de regulação) é utilizado para demarcar que o ato de normatizar uma situação, através de uma política pública, pode ser visto de diferentes formas pelos atores sociais envolvidos com uma determinada política (Viana, 1997). 6 Podemos citar dentre eles o Manual para Organização da Atenção Básica (1998), o Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB (1998), o Pacto dos Indicadores da Atenção Básica – PPI_AB (1999), bem como uma série de manuais técnicos que tratam de temas como a implantação da unidade de saúde da família; o treinamento introdutório para o PSF;a educação permanente para as equipes de saúde a família; a saúde do idoso; a saúde do trabalhador; o controle da tuberculose, hanseníase, hipertensão e diabetes; a dermatologia na atenção básica e a saúde da criança.

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técnicas das secretarias de saúde, resultando num esforço coletivo em torno de um mesmo

objetivo.

Por outro lado, como assinalado por Hartz (2000), o monitoramento da reorganização da

Atenção Básica por metas pactuadas com indicadores de morbi-mortalidade e de produção de

serviços, mesmo que necessário, apresenta-se insuficiente para apreender as mudanças

desejáveis e para análise dos componentes inovadores do modelo, como a promoção da saúde

e participação social. Neste sentido, a autora pontua a afirmativa de Greene (1999, apud

Hartz, 2000) que a qualidade de uma intervenção não pode ser captada adequadamente por

um sistema de metas, sem que haja preocupação com os meios para obtê-las e considera a

importância da institucionalização de análises que abordem tais características nas diferentes

instâncias promotoras, coordenadoras e operadoras da Atenção Básica no País.

Schraiber (1997) pontua que o plano ao tornar-se ação e passar para prática, ganha vida social

e submete-se às tensões dos interesses, pontos de vista e valores que estão interagindo no dia-

a-dia de sua realização. Assim, inscreve-se em dois campos de condicionantes que se

expressam e são experimentados na realidade cotidiana: o do trabalho e o da organização

social da produção e distribuição dos serviços, que determinam, respectivamente, sua

execução com um dado modo de trabalhar e de intervir e o desenho do modelo assistencial.

A autora também ressalta em relação à passagem de plano para a prática que “[...] a

articulação teórica de uma dada técnica com certos princípios éticos e políticos, mostrará suas

insuficiências, limites e impropriedades, tanto para realizar-se ética e politicamente como

previsto, quanto para ser competente em garantir a articulação técnica-ética-política

pressuposta (Schraiber, 1997, p.11).”

Desse modo, considerando que os contextos e os atores sociais configuram a política

enquanto prática, a reorganização da atenção básica requer uma análise preocupada com o

Page 31: Programa S Família: amília · Programa Saúde da Família: uma contribuição à análise de seus princípios e prática Naíde Teodósio Valois Santos Dissertação apresentada

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processo de mudança da prática de saúde nos serviços, revelando o rumo das inovações

preconizadas pela Estratégia Saúde da Família .

Reconhecendo a necessidade de qualificar e institucionalizar o processo de avaliação da

atenção básica e de responder à demanda dos municípios por uma melhor integração dos

processos, instrumentos e enorme elenco de indicadores que hoje são produzidos no âmbito

da atenção básica, o Ministério da Saúde criou em 2003 a Comissão de Avaliação da Atenção

Básica (BRASIL, 2003a).

Em seu Relatório Final, publicado em outubro de 2003, a Comissão destaca a pluralidade de

conceitos na literatura e na prática avaliativa, ainda muito incipiente e de caráter mais

prescritivo, burocrático e punitivo que subsidiário do planejamento e gestão. Ressalta que as

avaliações não têm se moldado em processos de negociação, nem se constituem em

instrumentos de suporte ao processo decisório ou de formação dos sujeitos que compartilham

co-responsabilidades e deveriam estar envolvidos: os profissionais de saúde, gestores e

usuários do sistema de saúde (BRASIL, 2003a).

Em relação ao Pacto da Atenção Básica, a Comissão considera que seus indicadores de

resultado não discriminam os efeitos em relação às subdimensões promoção, prevenção e

cura; não expressam a qualidade das práticas gerenciais ou sanitárias, nem revelam a natureza

do trabalho em equipe; são insuficientes para avaliar a necessidade de ampliação do elenco

das ações básicas, como, por exemplo, saúde mental, saúde ambiental e ações intersetoriais de

combate à violência; não avaliam a coerência das práticas desenvolvidas pela atenção básica

com os princípios do SUS, nem revelam experiências exitosas de mudança nos modelos de

atenção e gestão, no sentido da promoção da saúde e qualidade de vida (BRASIL, 2003a).

Assim, diante dos limites do Pacto, a Comissão agrega à proposta de avaliação da atenção

básica estratégias como a elaboração de estudos e pesquisas de abordagem qualitativa, que

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contemplem aspectos relacionados à organização do sistema e serviços e às práticas

desenvolvidas pelos trabalhadores de saúde, com o objetivo de analisar a coerência entre as

práticas implementadas e os princípios da atenção básica, destacando a humanização, a

interdisciplinaridade, o estabelecimento de vínculo e a participação social (BRASIL, 2003a).

Tendo em vista as considerações tecidas a respeito da análise de políticas públicas de saúde e

do atual processo de avaliação da atenção básica, a presente análise tem como objeto a prática

de saúde, buscando compreendê-la a partir de um enfoque multicausal, identificando questões

de ordem econômica, política, institucional e cultural enquanto fonte explicativa, bem como

considerando como sujeitos da ação governamental os atores governamentais e os cidadãos.

Centra-se na identificação dos contextos e processos de interação entre estes atores em relação

ao conteúdo emancipador proposto pelo PSF, procurando desvendar aspectos que apontem

processos de mudança7 que precisem ser explicitados para sua consolidação e/ou reorientação

em função de seus pressupostos.

7 As mudanças são aqui entendidas como mudanças da concepção negativa da saúde, para sua concepção positiva e ampliada; do paradigma sanitário biologicista/flexeriano, para a produção social da saúde; da prática de saúde centrada no médico, na clínica e na cura, para a integralidade entre promoção, prevenção, cura e reabilitação. A mudança da prática com base na concepção da vigilância à saúde não significa negar a importância da clínica médica e da atenção individual curativa, mas sua insuficiência na abordagem do processo saúde-doença e na promoção da autonomia e da qualidade de vida.

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Capítulo 2222

P olítica de Atenção Básica no Sistema Único de Saúde (SUS)

A Atenção Primária vem sendo amplamente difundida pela Organização Mundial de Saúde a

partir da realização da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, em

1978, com o estabelecimento de seus princípios e diretrizes na Declaração de Alma Ata, que

defende a atenção primária como o primeiro nível de contato dos indivíduos, família e

comunidade com o sistema de saúde, a definindo como:

[...] cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias

práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis,

colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade,

mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país

podem manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de

autoconfiança e autodeterminação (OMS, 1978, p.35).

Desde o final da década de 1960, o Brasil já vinha experimentando programas voltados para

expansão da atenção primária à saúde, refletindo o movimento internacional de valorização e

ampliação destes serviços, baseados nos modelos da medicina preventiva e comunitária e nas

proposições racionalizadoras da Organização Panamericana de Saúde, experiências

decorrentes, em grande parte, da iniciativa dos Departamentos de Medicina Preventiva de

Universidades Públicas (Rio Grande do Sul, Paraná, Brasília, Minas Gerais, São Paulo,

Pernambuco). Ao mesmo tempo em que eram vistas como uma adaptação barata e sem

qualidade da medicina para os pobres, que ajudava o Estado a justificar os poucos

investimentos no setor, se conformaram em modelos alternativos que serviram de embrião

para o movimento pela reforma sanitária (TEIXEIRA, 1988; VILAÇA, 1993).

As experiências foram focais e marginais ao Sistema Nacional de Saúde, que vinha

consolidando um modelo assistencial centrado na atenção médica previdenciária,

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especializada, curativa e hospitalar, de alto custo e baixo impacto na resolução dos problemas

de saúde da população. A necessidade de mudança deste modelo foi um dos focos do

movimento pela reforma sanitária brasileira, que apontava sua baixa resolutividade e a

necessidade de utilização racional dos recursos tecnológicos disponíveis, de melhoria do

acesso aos serviços de saúde e de continuidade do atendimento (COSTA, 1998; SOUZA,

2000).

Com a eclosão da crise na Previdência Social, no início da década de 1980, surge a proposta

de um Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE), que abordava

temas como a hierarquização, regionalização, integralidade das ações, participação

comunitária, utilização de pessoal auxiliar. Entretanto, o PREV-SAÚDE não saiu do papel,

sendo então implementado o Plano de Racionalização Ambulatorial, que, segundo Mendes

(1993), se limitou a um programa de atenção médica com claro objetivo político de reduzir, a

baixo custo, as filas da assistência médica previdenciária.

Vasconcelos (1999a) pontua que a idéia de unidades básicas de saúde ofertando assistência

em clínica médica, pediatria e ginecologia-obstetrícia, integradas à rede de serviços de saúde

de média e alta complexidade, tornou-se hegemônica junto aos profissionais envolvidos com a

reforma sanitária, que valorizavam mais as reformas políticas no âmbito das instâncias

administrativas das instituições de saúde, do que a transformação da prática sanitária

tradicional. Apesar de ser impulsionada, na década de 1980, pelas Ações Integradas de Saúde

e, posteriormente, pelo Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, Souza (2000) coloca

que a rede básica tornou-se acessória e desqualificada, devido aos poucos investimentos no

setor e o hospital transformou-se em porta de entrada de um sistema caro, ineficiente e

desumano.

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Para Mendes (1993, p.50), durante a década de 1980 consolidou-se um projeto neoliberal na

saúde, “uma reciclagem da proposta conservadora do modelo médico-assistencial privatista”,

que aparece com clareza nas diversas propostas de atenção primária seletiva, especialmente na

medicina simplificada e nas estratégias de sobrevivência de grupos de risco; bem como na

expansão da universalização do sistema de saúde acompanhada de mecanismos de

racionamento, com queda de qualidade dos serviços, conformando um movimento de

universalismo excludente: incorporação de segmentos sociais mais pobres – que não

conseguem se antepor aos mecanismos de racionamento – e “expulsão” das camadas mais

privilegiadas para o sistema privado da medicina suplementar.

Após a criação do SUS, o Ministério da Saúde lançou em 1991 o Programa de Agentes

Comunitários de Saúde (PACS), com base no corpo doutrinário da atenção primária à saúde

disposto na Declaração de Alma-Ata8, respaldando-se nos resultados alcançados em várias

regiões do país com as experiências de prática de saúde com agentes comunitários. O

Programa propunha-se a funcionar como elo de ligação entre a população e os serviços de

saúde, desenvolver ações básicas através de atividades de promoção da saúde e de prevenção

de doenças, identificando fatores determinantes do processo saúde-doença e a contribuir com

a comunidade no aprender e ensinar a cuidar de sua saúde (BRASIL, 1994).

Entretanto, no entendimento de Paim (1999) o PACS se aproximava de uma reedição da

atenção primária confinada ao “SUS para os pobres”, contemplando basicamente o grupo

materno-infantil e concentrando-se no aleitamento materno e na redução da mortalidade de

menores de 1 ano por doenças infecciosas. A proposta se identificaria com as recomendações

de cunho neoliberal difundidas por agências internacionais, onde as políticas sociais de

8 Declaração da I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários da Saúde, realizada em Alma Ata, na União Soviética, em 1978. Estabeleceu a meta “Saúde para Todos no Ano 2000”, divulgou a proposta de atenção primária à saúde e teceu recomendações que vieram reforçar as idéias emergentes de promoção da saúde (OMS, 1978).

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natureza pública devem estar voltadas para as populações pobres e para as despesas de maior

custo-efetividade, como mecanismo compensatório para manutenção da ordem social,

enquanto os grupos integrados à economia viabilizam suas necessidades através do mercado.

Apesar da identificação do PACS com as propostas neoliberais racionalizadoras, Viana & Dal

Poz (1998) argumentam que o Programa introduziu o enfoque na unidade família e na

intervenção não médica, constituiu-se num instrumento de organização da demanda e

contribuiu para a descentralização e municipalização do sistema de saúde ao exigir alguns

requisitos para a adesão dos municípios, como o funcionamento do Conselho e do Fundo

Municipal de Saúde e a existência de uma unidade básica de referência para o Programa.

Mesmo introduzindo algumas influências na prática e organização dos serviços de saúde, o

PACS, assim como o Programa Saúde da Família (PSF), lançado pelo Ministério da Saúde em

1994, apresentam inicialmente uma forte característica de programas compensatórios para

populações de baixa renda e com alto risco de morte e adoecimento. Os Programas, que eram

gerenciados pela Fundação Nacional de Saúde (FNS), foram prioritariamente implantados na

Região Nordeste, em áreas situadas abaixo da linha da pobreza, incluídas no Mapa da Fome

elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com elevadas taxas de

mortalidade infantil e com difícil acesso aos serviços de saúde. Na priorização dos

municípios, também foi adotado o critério de serem integrantes do Programa Comunidade

Solidária e do Programa de Redução da Mortalidade Infantil, bem como do Polígono da Seca

(GUEDES, 2001).

Albuquerque (2003) lembra que neste período o Banco Mundial divulga o Relatório para o

Desenvolvimento Mundial - “Investindo em saúde”, no qual critica o princípio da

universalidade e da eqüidade como inviáveis diante do necessário ajuste macro-econômico e

propõe que os governos dos países em desenvolvimento reduzam pelo menos à metade os

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gastos com intervenções menos eficazes em termos de custos e dupliquem, ou tripliquem, os

gastos com programas básicos de saúde pública: serviços de assistência à gestante, de

planejamento familiar, controle da tuberculose e das DST e de atendimento a doenças graves

comuns na infância.

Apesar das semelhanças, o Ministério da Saúde nunca assumiu a influência das propostas do

Banco Mundial na formulação do PSF, sendo que, como referido por Albuquerque, é preciso

ter claro que os movimentos não ocorrem isoladamente e sem conflitos, ou seja, nem a

política de saúde no Brasil foi totalmente induzida, nem o Governo Brasileiro implantou o

SUS alheio às discussões colocadas internacionalmente.

Costa (2002) considera relevante a preocupação com a hipótese de que a agenda social

brasileira tenha sido constrangida pelo alinhamento do desenvolvimento nacional à agenda de

internacionalização da economia na década de 1990, que apresentou dentre seus temas

dominantes, a adoção de políticas focalizadas e de proteção seletiva aos grupos mais

vulneráveis aos processos de ajuste no modelo de desenvolvimento.

Na década anterior, essa agenda foi pautada pelos interesses domésticos, expandido o gasto

público e adotando critérios universalistas para a definição de direitos, formalizados na

Constituição de 1988. Entretanto, no decorrer dos anos de 1990, se observou constrangimento

à determinação universalista dos direitos e ao financiamento em áreas sociais de menor poder

de mobilização de interesses, como saneamento, habitação, educação e assistência social,

respaldado pela aceitação equivocada da baixa efetividade do sistema de proteção social

construído na década passada (COSTA, 2002).

Contudo, na arena da saúde, a coalizão de interesses teve capacidade de mobilização e

intermediação, sem alterar os fundamentos da proposta de universalização pela

descentralização. O Governo Brasileiro afirma que vem investindo na construção de um

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modelo de atenção à saúde com identidade institucional própria, denominando de atenção

básica a proposta que corresponderia aos Cuidados Primários em Saúde, na perspectiva de

romper com a visão redutora que se tem da atenção primária enquanto “[...] prestação de

cuidados de saúde a parcelas excluídas da população, apoiadas num padrão de assistência

médica (primária) de limitado alcance, baixa densidade tecnológica e pouca efetividade na

resolução dos problemas de saúde das populações” (BRASIL, 2003, p.7; COSTA, 2002).

Na identificação desse modelo, a atenção básica é definida como “[...] um conjunto de ações

de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde,

voltadas para a promoção, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação”, sendo

pontuado a necessidade de avanço nesta definição (BRASIL, 1999, p.10). O PSF é tido

enquanto estratégia prioritária para construção da identidade do modelo de atenção, como

mecanismo de estruturação da lógica assistencial, de acordo com os princípios e diretrizes do

SUS.

O Programa tem como base a idéia de porta de entrada ordenadora e racionalizadora do

sistema, sintonizada com a realidade e cultura local, bem como a democratização da saúde

(BRASIL, 1997a). Este poder indutor, para dentro do sistema de saúde, é entendido por

Starfield (2002) a partir do potencial da atenção primária em organizar e racionalizar o uso

dos recursos em saúde, tanto básicos como especializados, coordenando a atenção oferecida

por outros serviços e permitindo a entrada no sistema de novas necessidades, por ser mais

adaptável e capaz de responder às necessidades sociais de saúde em constante mudança.

A idéia de uma ampla reorganização do sistema de saúde a partir da adequada estruturação da

atenção básica é reforçada pela afirmação, em publicações do Ministério da Saúde, de que

este nível de atenção é capaz de resolver 80% dos problemas de saúde da população, sendo

que dos atendimentos restantes, a maior parte destina-se aos ambulatórios de especialidades e

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apenas um pequeno percentual necessita do atendimento hospitalar. Deste modo, a atenção

básica organizaria a demanda, criando um fluxo adequado para os demais níveis de atenção,

racionalizando os custos e o uso da tecnologia, possibilitando a melhoria do acesso aos

serviços básicos e de média e alta complexidade, de forma mais equânime e integral

(BRASIL, 2000b, 2001b; SOUZA, 2000).

A partir da Norma Operacional Básica do SUS de 1996 (NOB 96), a atenção básica é

impulsionada no âmbito nacional, com a definição do Piso de Atenção Básica (PAB), o

estabelecimento do PSF como estratégia prioritária da Política Nacional de Saúde para

reestruturação do modelo assistencial e a criação de incentivos para sua ampliação. Até então,

as NOB/SUS anteriores (1991 e1993) não definiam claramente nenhuma proposta de modelo

assistencial e o PACS e PSF eram mantidos através de convênios entre os municípios e a

FNS. Em 2000, a atenção básica passa a constituir um departamento do Ministério da Saúde,

ligado à Secretária de Políticas de Saúde, englobando o PACS e o PSF, que haviam sido

transferidos em 1995 das FNS para a Secretaria de Assistência à Saúde (BRASIL, 1997a;

CONILL, 2002; JORGE, 2003; VIANA; DAL POZ, 1998).

O PAB é formado por uma parte fixa e outra variável: o PAB-Fixo, determinado a partir de

valor estipulado por habitante/ano, possibilitou que os municípios estruturassem seus serviços

de Atenção Básica; ao passo que o PAB-Variável estimulou diversos programas através de

incentivos financeiros para implantação do PACS e do PSF, de assistência farmacêutica

básica e de ações de vigilância sanitária, de vigilância epidemiológica e controle de doenças e

de combate a carências nutricionais. As ações e serviços de saúde, principalmente de Atenção

Básica, passam a ser financiados na lógica per capta e não mais por prestação de serviço,

desvinculando o recebimento de recursos da realização de procedimentos diagnósticos e

terapêuticos, o que amplia as possibilidades de investimentos neste setor por parte dos

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municípios, bem como o desenvolvimento de ações de prevenção de doenças e de promoção

da saúde (BRASIL, 1997b).

No que diz respeito à atuação do Ministério da Saúde para expansão da atenção básica através

do PSF, Marques & Mendes (2002; 2003) argumentam que esta tem se dado através de sua

política de financiamento, vinculando recursos às ações e serviços de Atenção Básica e

priorizando o PSF com incentivos financeiros adicionais, caracterizando a vinculação cada

vez maior dos recursos a programas e ações específicas. Lembram que a Emenda

Constitucional 29 estabelece que, no mínimo 15% do recurso federal destinado à saúde deve

ser aplicado nos municípios, segundo critério populacional, em ações e serviços básicos de

saúde. Segundo os autores, o crescimento percentual do recurso destinado ao PSF foi cerca de

9 vezes maior do que o percentual observado para atenção básica, no período de 1998 a 2001.

Analisando a NOB/SUS-96, Bueno & Merhy (1997) consideram que a política de

financiamento federal para saúde, seguida inclusive por alguns estados, inibiu a autonomia

das Secretarias Municipais na formulação da política de saúde, visto que, diante da escassez

de recursos para a saúde, muitos adotaram programas que lhes acrescentassem recursos

federais (e estaduais), mesmo que não fosse prioridade para a gestão local. Marques &

Mendes (2003) também pontuam que o aumento das transferências para os fundos municipais

e a desvinculação do recebimento dos recursos por procedimento realizado, não foi

acompanhado pela autonomia dos municípios na determinação dos gastos. É interessante

enfatizar que atualmente os municípios recebem cerca de 1/3 dos recursos para custeio do

PSF e acabam por financiarem, em parte, as políticas formuladas na esfera federal (BRASIL

2001b; 2003b).

Contudo, os autores assinalam que o PSF, assim como as NOB e as Normas Operacionais da

Assistência à Saúde no SUS (NOAS), foram processos amplamente debatidos na Comissão

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Intergestores Tripartite, no Conselho Nacional de Saúde e nos Conselhos Nacionais de

Secretários Estaduais de Saúde e de Secretários Municipais de Saúde (CONASS e

CONASEMS, respectivamente), podendo se considerar que estas instâncias de representação

são partícipes da atual política de saúde, mesmo que parte delas tenham discordância, em

algum momento, sobre seu encaminhamento.

De fato, como nos mostra o quadro 1, em 2004 o total de incentivos do PAB-Variável para o

PSF, PACS e Saúde Bucal representou um aumento de 15 vezes do valor repassado para

estados e municípios em 1998. Observa-se também a crescente vinculação dos recursos para a

atenção básica. O PAB-Fixo, que representava em 1998 84,8% do PAB, passou para 39,9% e

o PAB-Variável, que representava 15,2%, em 2004 passou a constituir 60,1% do PAB. Dentre

os incentivos do PAB-Variável, àqueles destinados ao PSF, PACS e Saúde Bucal passaram de

10,4% do PAB em 1998 para 40,9% em 2004.

Em relação ao total de transferências realizadas fundo a fundo, observa-se a crescente

descentralização dos recursos do SUS para estados e municípios, que passou de 3,3 bilhões de

reais em 1998 para 18,2 bilhões em 2004. Nota-se, conforme o quadro 2, que o percentual em

relação ao total de recursos repassados aos fundos estaduais e municipais de saúde, destinado

à atenção básica, vem reduzindo paulatinamente no período de 1998 a 2003, com uma certa

acentuação no ritmo em 2004, período em que foram realizados reajustes para consultas

especializadas e para procedimentos da média e alta complexidade. Paralelamente, observa-se

aumento do percentual em relação ao total de recursos transferidos para a média e alta

complexidade (ambulatorial e hospitalar) e para as ações estratégicas.

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Quadro 1 – Distribuição dos recursos federais transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB) dos estados e municípios. Brasil, 1998 a 2004.

Ano PAB-Fixo PAB-Variável incentivos vinculados ao

PSF, PACS e SB9

PAB-Variável outros incentivos10

PAB (total)

R$ % R$ % R$ % R$ %

1998 1.172.966.920,34 84,8 143.763.058,42 10,4 66.781.755,40 4,8 1.383.511.734,16 100

1999 1.694.775.150,66 72,8 306.590.509,50 13,2 326.823.125,06 14,0 2.328.188.785,22 100

2000 1.742.012.435,28 57,0 655.043.329,14 21,4 657.161.020,47 21,5 3.054.216.784,89 100

2001 1.759.759.555,12 48,6 893.938.793,64 24,7 970.405.314,93 26,8 3.624.103.663,69 100

2002 1.722.673.340,21 43,2 1.266.918.379,80 31,7 1.001.012.323,05 25,1 3.990.604.043,06 100

2003 1.889.362.825,25 41,8 1.686.837.003,28 37,3 944.051.281,98 20,9 4.520.251.110,51 100

2004 2.129.298.533,05 39,9 2.182.496.934,50 40,9 1.023.998.494,21 19,2 5.335.793.961,76 100

PSF= Programa Saúde da Família; PACS= Programa de Agentes Comunitários de Saúde; SB= Saúde Bucal.

Fonte: Ministério da Saúde, 2004.

Quadro 2 – Distribuição dos recursos transferidos do Fundo Nacional de Saúde para os estados e municípios. Brasil, 1998 a 2004.

Média e Alta Complexidade

ambulatorial/hospitalar

Atenção Básica Ações Estratégicas

Total de repasses fundo a fundo

Ano

R$ % R$ % R$ % R$ %

1998 1.829.541.333,24 56,94 1.383.511.734,16 43,06 0,0 0,00 3.213.053.067,40 100

1999 3.574.175.964,74 60,55 2.328.188.785,22 39,44 15.342,09 0,00 5.902.380.092,05 100

2000 4.520.065.416,57 59,68 3.054.216.784,89 40,32 2.372,00 0,00 7.574.284.573,46 100

2001 5.865.457.055,17 60,94 3.624.103.663,69 37,65 135.113.574,09 1,40 9.624.674.292,95 100

2002 6.291.542.311,48 57,77 3.990.604.043,06 36,64 608.049.126,57 5,58 10.890.195.481,11 100

2003 8.341.162.350,87 59,15 4.520.251.110,51 32,06 1.239.330.286,00 8,79 14.100.743.747,38 100

2004 11.559.213.962,51 61,38 5.335.793.961,76 28,33 1.937.628.238,83 10,29 18.832.636.163,10 100

Fonte: Ministério da Saúde, 2004.

9 Para o cálculo foram considerados os seguintes incentivos, vinculados à aplicação no âmbito do PSF e do PACS: PSF estadual e municipal; PROESF (Programa de Expansão da Saúde da Família); PACS estadual e municipal; Adicional PACS; SB; Projeto Similar ao PSF; Adicional PITS (Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde). 10 Para o cálculo foram considerados os demais incentivos que compõem o PAB-Variável: Ações Básicas Vigilância Sanitária; Farmácia Básica; Medicamentos Saúde Mental; Apoio à População Indígena; Epidemiologia e Controle de Doenças; Vacinação Poliomielite; Cadastro Nacional de Usuários do SUS; ANVISA - Taxa de Fiscalização; Descentralização Unidades Saúde FUNASA; TFECD-Adicional; Financiamento Centros Referência Saúde do Trabalhador; Vacinação Contra o Tétano Neonatal; Intensificação Vigilância e Controle da Tuberculose; Saúde no Sistema Penitenciário; Desenvolvimento Ações Contingenciais da Malária; Campanha de Vacinação - Tríplice Viral; Ações de Eliminação da Doença de Chagas; Desenvolvimento Atividades Inquérito Nacional Prevalência do Tracoma; Implantação dos Sistemas SIM e SINASC; Intensificação Ações de Controle da Filariose; Programa Farmácia Popular do Brasil; Farmácia Popular do Brasil; Intensificação Ações Vigilância Controle Hanseníase.

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No que pese a “imposição” do financiamento para a atenção básica e para o “formato” PSF,

há que se ponderar até que ponto a política adotada pelo Ministério da Saúde é adequada ou

não para atender as necessidades locais de saúde, parecendo o problema não ser a indução

para universalização da atenção básica, mas sim o SUS ser confundido com este nível de

atenção, ferindo o princípio da integralidade e acarretando queda de investimento na média e

alta complexidade. Contudo, é preciso refletir acerca da necessidade de uma maior

flexibilidade do financiamento para iniciativas locais, que necessariamente não atendam às

normas estabelecidas para o PSF, mas sejam mais adequadas para determinadas realidades. O

“Incentivo a Projetos Similares ao PSF”, implantado em 2001, representou 0,01% do

montante de recursos vinculados à aplicação no âmbito do PSF e PACS em 2004.

Em relação aos investimentos para ampliação e qualificação da média e alta complexidade,

foram publicadas duas portarias, NOAS/SUS 01/2001 e NOAS/SUS 01/2002, voltadas à

descentralização regionalizada e hierarquizada das ações e serviços de saúde, com vistas a

garantir acesso mais equânime a estes níveis de atenção. O movimento para a implementação

das NOAS, bem como a integração do Departamento de Atenção Básica à Secretaria de

Assistência à Saúde, em 2003, reunindo a gestão nacional da atenção básica à de média e alta

complexidade, podem indicar a possibilidade de avanços no atendimento ao direito de acesso

de forma organizada e articulada a todos os níveis de atenção, visto que a expansão da rede

básica não foi acompanhada pela ampliação do acesso aos demais serviços.

No âmbito da atenção básica, a NOAS/SUS 01/2001 define as atribuições mínimas11 que

deverão ser realizadas pelos municípios em Gestão Plena da Atenção Básica e estabelece o

elenco de procedimentos que constituem a Atenção Básica Ampliada, criando o PAB-

Ampliado (BRASIL, 2001a).

11 Ações de Saúde da Criança; Ações de Saúde da Mulher; Controle da Hipertensão; Controle da Diabetes Melittus; Controle da Tuberculose; Eliminação da Hanseníase; Ações de Saúde Bucal (BRASIL, 2001a).

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De acordo com o balanço das ações realizado pelo Ministério da Saúde, no período 2003 e

2004, ao mesmo tempo em que se fez o reajuste do valor do PAB, foram realizados

investimentos específicos para ampliação do acesso e da qualidade da média e alta

complexidade. Procedimentos da média e alta complexidade, ambulatoriais e hospitalares

tiveram aumento e houve expansão para as unidades públicas do reajuste das consultas

especializadas, que havia sido concedido em 2001 apenas para os prestadores privados. O

acesso aos procedimentos cirúrgicos eletivos de média complexidade foi também ampliado

através do recebimento de projetos para realização das cirurgias, a partir da identificação das

filas de espera. Ressalta-se que desde 1994 os valores dos procedimentos de média

complexidade não eram modificados (BRASIL, 2004).

Neste balanço, são destacados programas e ações para ampliação e qualificação de serviços de

média e alta complexidade em emergência, saúde mental e odontologia. São também

pontuados investimentos na área de transplantes de órgãos e tecidos, que colocam o SUS

como o maior programa público de transplantes de órgãos sólidos do mundo, respondendo por

92% dos procedimentos realizados no país, sendo também responsável por cerca de 36,7%

dos transplantes de medula óssea realizados anualmente no país (cerca de 3 mil). Segundo o

Ministério da Saúde, o processo de criação da primeira rede de bancos públicos de sangue de

cordão umbilical e placentário (Brasilcord), irá permitir redução das filas de espera, economia

de recursos públicos e auxilio no desenvolvimento de pesquisas de ponta (BRASIL, 2004).

Diante do exposto não é possível afirmar que o Brasil vem tomando medidas efetivas para a

construção de um modelo integral de atenção à saúde, que ofereça, a todos, acesso aos

diferentes níveis de atenção. Para tanto, faz-se necessário para uma melhor reflexão, o

aprofundamento na discussão a respeito da relação entre atenção básica e média e alta

complexidade, bem como entre setor público e privado na prestação destes serviços e da

distribuição dos serviços no espaço nacional. Contudo, pode-se observar que a Política

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Nacional de Saúde vem buscando transformar o modelo de atenção, fortalecendo a atenção

básica e o PSF, implantado nos últimos dez anos em mais de 5.500 municípios, investindo em

sua institucionalização, normatização e financiamento.

Acompanhando o número de equipes após uma década de implantação do PSF, observa-se um

crescimento de 328 para 3.083 equipes entre 1994 e 1998, ano em que efetivamente foi

implantado o PAB, chegando a 2004 com 22.335 equipes de saúde da família, prestando

atenção básica a 77 milhões de pessoas, cerca de 43,5% da população brasileira. A

programação até 2006 é ampliar sua cobertura para 100 milhões de pessoas, elevando o total

de equipes de 22 mil para 30 mil. (BRASIL 2001b; 2004).

É importante ressaltar que além da ampliação dos serviços, a Política de Atenção Básica,

através do PSF, propõe ,e vem realizando, mudanças no modelo de atenção, diferentemente

das propostas de valorização da atenção básica na década de 1980, como referido por Paim

(1999) e Vasconcelos (1999a). A prática sanitária preconizada orienta-se pelo conceito de

vigilância à saúde, ou seja, centra-se no território, nos problemas de saúde e na atuação

intersetorial, e recomenda a combinação de ações de promoção da saúde, de prevenção de

doenças e acidentes e da cura e reabilitação, resultando, de acordo com Mendes (1999), numa

atuação integral sobre as diferentes dimensões do processo saúde-doença: determinantes,

riscos e danos. Cabe pontuar, neste momento, que é no âmbito das reflexões acerca do campo

da promoção da saúde que o presente estudo irá abordar a Política de Atenção Básica.

2.1 . 2 .1 . 2 .1 . 2 .1 . C ontexto da reorientação da atenção básica pela Estratégia Saúde da Família

Ao completar sua primeira década de existência, afirma-se que o PSF promoveu uma

expansão significativa do acesso à saúde no Brasil, descentralizou os serviços e vem

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propiciando a prevenção e o tratamento de doenças numa abordagem humanizada, que

considera o contexto familiar e comunitário e a realidade regional, analisando as condições de

risco à saúde e definindo planos terapêuticos (BRASIL, 2004).

Com a implementação do Programa, pretende-se não apenas introduzir novas práticas,

centradas nas propostas de promoção da saúde e de atenção primária, mas superar o modo

historicamente predominante no Brasil de organizar, produzir e distribuir as ações e serviços

de saúde, que esteve orientado pelo paradigma flexeriano e biologicista, centrado na doença,

no hospital e na atenção médica curativa e individual.

O resultado de tal modelo foi um sistema de saúde inadequado para resolução dos problemas

relevantes para a população, oferecendo serviços desvinculados de sua realidade social,

cultural e sanitária. Seu financiamento por prestação de serviços levava ao uso indiscriminado

do arsenal diagnóstico e terapêutico, assim como a fraudes, acrescentando custos crescentes

para sua manutenção, sem garantir a continuidade da atenção, nem o acesso aos exames e

medicamentos solicitados (BRASIL, 2000a; CAMPOS, 1997; SOUZA, 2000).

Além de um modelo caro e pouco resolutivo, sua cultura de enfoque positivista, biologicista e

mecanicista, que tem como fonte básica de explicação a história natural das doenças, exclui,

na abordagem do sujeito e de seu processo de adoecimento, as dimensões do social e do

subjetivo, pois não seriam passíveis de explicação científica por parte da medicina. O

indivíduo é quase sempre tomado como um objeto passivo e dócil às ações de um potente

agente que trata da cura, do qual, por sua vez, é esperada uma suposta neutralidade em relação

às ações e aos procedimentos adotados (CAMPOS, 1997).

Desse modo, é preciso também superar a imagem do sujeito passivo diante de seu estado de

saúde, reduzida a um processo mórbido e desvinculada de sua dimensão social, bem como a

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postura do profissional de saúde alheia aos determinantes sociais do processo saúde-doença e

ao planejamento das ações necessárias para seu enfrentamento.

A denúncia desse quadro e a premência de sua transformação foram questões levantadas pelo

movimento da reforma sanitária brasileira, apoiada nas propostas da atenção primária à saúde

e da promoção da saúde12, movimentos que internacionalmente vêm se consolidando a partir

da década de 1970, que indicam questões importantes na discussão sobre um novo modelo de

atenção para o sistema de saúde.

O entendimento da saúde em sua positividade foi ponto primordial para estes movimentos,

que passam a tê-la como o resultado de um processo de produção social que expressa a

qualidade de vida de uma população. A saúde não é mais vista como um fim, mas sim como

recurso fundamental para a construção de uma vida produtiva e prazerosa, passando a ser

considerada direito do indivíduo e dever do Estado, que é responsável por seus determinantes

mais amplos, a partir da repercussão das políticas públicas que adota sobre a qualidade de

vida (MENDES, 1999; MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000).

Como contribuições importantes da Declaração de Alma Ata identificamos a ampliação do

conceito de saúde, relacionando-a com a qualidade de vida; a responsabilização dos governos

com a saúde de seus povos; a afirmação da importância da intersetorialidade na determinação

da situação de saúde e da necessidade da participação comunitária e individual no

planejamento, organização, operação e controle dos cuidados primários de saúde (OMS,

1978).

12 Na construção do delineamento teórico e metodológico destas propostas, destacam-se os documentos (Declarações e Cartas) elaborados na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma Ata–1978, que serviu de base e impulsionou o movimento emergente em torno da promoção da saúde; nas Conferências Internacionais sobre Promoção da Saúde realizadas em Otawa–1986, Adelaide–1988, Sundsvall–1991, Jacarta–1997, Cidade do México-2000 e São Paulo-2002 e na Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde na Região das Américas, realizada em Santa Fé de Bogotá–1992, que tratou o tema no contexto da América Latina.

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35

O movimento internacional em torno da promoção da saúde também levantou importantes

questões teóricas e metodológicas, considerando que este campo vai além do setor saúde,

constituindo-se numa atividade eminentemente intersetorial e recomenda cinco campos

centrais de ação para sua realização: elaboração de políticas públicas saudáveis; criação de

ambientes favoráveis à saúde; reforço da ação comunitária; desenvolvimento de habilidades e

atitudes pessoais favoráveis à saúde e reorientação do sistema de saúde na direção da

concepção da promoção da saúde (OMS, 1986).

O documento pontua a importância das estratégias de promoção da saúde se adaptarem às

realidades locais, tendo como referencial seus diversos sistemas sociais, culturais e

econômicos. Para a reorientação do sistema de saúde, enfatiza a importância de superar o

modelo biomédico, centrado na doença e na assistência médica curativa e individual, bem

como os serviços serem sensíveis às necessidades culturais do indivíduo e respeitá-las,

considerando-o integralmente e estabelecendo meios de comunicação com os demais setores –

sociais, políticos e econômicos. São fundamentais transformações profundas que envolvem a

formação e a prática dos profissionais e a organização e financiamento dos sistemas e serviços

de saúde. Contudo, a responsabilidade pela promoção da saúde é de todos: dos próprios

indivíduos, dos grupos comunitários, dos profissionais de saúde, das instituições e serviços

sanitários e dos governos (OMS, 1986).

No Brasil, a necessidade do Ministério da Saúde em elaborar um projeto nacional de

reorientação da Atenção Básica, impulsionada, segundo Viana & Dal Poz (1998), pelas

demandas de secretários municipais de saúde por apoio financeiro para efetuar mudanças na

forma de operação da rede básica, como a expansão do PACS para outros tipos de

profissionais, culminou na formulação da proposta do PSF que tem no seu ideário os

princípios e recomendações dos cuidados primários em saúde e da promoção da saúde.

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Em 1994, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o “Ano Internacional

da Família”, é apresentado o PSF com o objetivo de “contribuir para a reorientação do modelo

assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema Único

de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação da unidade básica de saúde, com

definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população” (BRASIL, 1997a, p.

10). O Programa foi posteriormente tido como estratégia política “[...] plenamente sintonizada

com os princípios da universalidade e da eqüidade da atenção e da integralidade das ações e,

acima de tudo, voltada à permanente defesa da vida do cidadão” (BRASIL, 2000a, p. 9).

De acordo com Viana & Dal Poz (1998), o PSF é considerado por vários autores como uma

estratégia de reforma incremental13 do SUS, por apontar mudanças importantes nas formas de

alocação de recursos e remuneração das ações de saúde e de organização dos serviços e das

práticas assistenciais no plano local.

Quanto ao financiamento do Programa, que inicialmente se deu através de convênios com

repasses baseados na produção de serviços, com a NOB/SUS-98 passou a ser realizado

através de incentivos, repassados fundo a fundo, para a implantação e manutenção das equipes

de saúde da família, valor que varia de acordo com a faixa de cobertura populacional do

Programa. As contradições geradas entre sua forma inicial de financiamento, que privilegia a

doença, e a concepção do PSF, que adota a saúde enquanto qualidade de vida e a integralidade

das ações para promovê-la, fortaleceram o debate em torno das modalidades de financiamento

do setor saúde, que refletiram nas formulações da NOB/SUS-96 (BRASIL, 2001b; 2003b).

13 Reforma incremental, ou reforma da reforma, é definido por Viana & Dal Poz (1998) como um conjunto de modificações no desenho e operação da política, podendo ocorrer, separada ou simultaneamente, nas formas de organização dos serviços (mudanças no sistema e nas unidades prestadoras), nas modalidades de alocação de recursos e formas de remuneração das ações ou, ainda, no modelo de prestação de serviços. Ressaltamos neste desenho e operação da política a prática de saúde, que será, dentre outros aspectos, determinada pela formação e educação permanente dos recursos humanos e pelas condições das relações de trabalho.

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Para o município ser qualificado e receber os incentivos financeiros, faz-se necessário a

elaboração da proposta de implantação ou expansão do Programa, que é submetido à

apreciação da Secretaria Estadual de Saúde, Comissão Intergestores Bipartite e Ministério da

Saúde, bem como vincula-se a alimentação mensal do SIAB e ao atendimento das normas e

diretrizes para organização e funcionamento do Programa (BRASIL, 2001b).

Em relação à organização do serviço, o PSF enfatiza seu caráter substitutivo, enquanto opção

de modelo de atenção, substituindo as unidades básicas tradicionais pelas unidades de saúde

da família. Recomenda-se que não deve ser adotado como um programa especial para

clientelas específicas. Suas unidades devem compor o sistema local de saúde, atendendo aos

princípios da integralidade e da hierarquização, como componentes articulados com todos os

níveis, inseridas num fluxo de referência e contra-referência com as unidades de maior

complexidade, a fim de garantir a integralidade e a resolutividade da atenção (BRASIL,

1997a; 2000a).

Estabelece o trabalho em equipe multidisciplinar, com equipe mínima formada por médico,

enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde, vinculados a uma

unidade básica de saúde e atuando numa área de abrangência definida, com clientela adstrita,

trabalhando 8 horas diárias e 40 horas semanais (BRASIL 1997a; 2000a; 2001b).

Quanto à mudança de prática, o PSF requer dos profissionais repensar valores e

conhecimentos, bem como desenvolver novas habilidades, de forma a ampliar a complexidade

das ações e aumentar suas possibilidades de atuação. Suas atribuições fundamentais envolvem

o planejamento das ações; a vigilância à saúde, isto é, as ações de promoção da saúde e de

prevenção, cura e reabilitação de doenças e outros agravos; trabalho interdisciplinar em

equipe e abordagem integral à família. Destaca ainda que a atuação das equipes deve estar

pautada, dentre outras, nas seguintes diretrizes:

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� Família e espaço social como núcleo básico de abordagem;

� Humanização da prática de saúde com o estabelecimento de vínculo entre os profissionais

de saúde e população;

� Atuação dos profissionais fora dos muros da unidade de saúde;

� Responsabilização sanitária pelo território de abrangência;

� Estabelecimento de prioridades a partir da realização do diagnóstico sanitário local e

definição de estratégias e metas para sua superação;

� Democratização do conhecimento do processo saúde-doença, da organização dos serviços

e da produção social da saúde;

� Coordenação, participação e/ou organização de grupos de educação para saúde;

� Estímulo à participação da comunidade no planejamento, execução e avaliação das ações;

� Fomento à participação e controle social, através de trabalho educativo com a comunidade

envolvendo os conceitos de cidadania, de direito à saúde e as suas bases legais;

� Incentivo à organização da comunidade para o efetivo exercício do controle social;

� Reconhecimento da saúde como um direito de cidadania e expressão da qualidade de vida;

� Desenvolvimento de ações intersetoriais e estabelecimento de parcerias com organizações

formais e informais existentes na comunidade para o enfrentamento conjunto dos

problemas de saúde (BRASIL, 1997a, 2000a, 2001b).

Este é o nível de atenção, como entendido por Mendes (1999), de menor densidade e maior

complexidade tecnológica no sistema de saúde, pois deve utilizar poucos recursos no que se

refere a equipamentos diagnósticos e terapêuticos, ao mesmo tempo em que incorpora

instrumentos tecnológicos vindos das ciências sociais e humanas na compreensão do processo

saúde-doença e na intervenção coletiva e individual.

Considerando que as orientações pospostas no PSF são capazes de induzir a estruturação do

SUS, a partir da organização da atenção básica nos sistemas municipais de saúde e do

fortalecimento dos princípios de universalidade, acessibilidade, integralidade e eqüidade, o

Ministério da Saúde o vem denominando de Estratégia Saúde da Família, considerando-o

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como o principal eixo de indução da identidade do modelo de atenção que se busca construir

no SUS. A mudança de denominação para Estratégia Saúde da Família relaciona-se à

necessidade de afirmação de sua proposta de gestão, organização e práticas de saúde como

modos de operar os princípios e diretrizes do SUS, superando a idéia de programa, ou seja, de

ações com tempo determinado para iniciar e finalizar (BRASIL, 2003b)

A incorporação de diretrizes da Estratégia Saúde da Família na definição da atenção básica é

observada no Documento Final da Comissão de Avaliação da Atenção Básica, publicado em

outubro de 2003, quando sua conceituação é ampliada no intuito de “oferecer bases explícitas

para a formulação e implementação de propostas” para sua expansão e qualificação, bem

como para seu monitoramento e avaliação:

Atenção básica é um conjunto de ações de saúde que englobam promoção,

prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. É desenvolvida através do

exercício de práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas,

sob a forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios

(território-processo) bem delimitados, pelas quais assumem

responsabilidade. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa

densidade, que devem resolver os problemas de saúde das populações de

maior freqüência e relevância. É o contato preferencial dos usurários com o

sistema de saúde. Orienta-se pelos princípios de universalidade,

acessibilidade (ao sistema), continuidade, integralidade, responsabilização,

humanização, vínculo, eqüidade e participação social. A atenção básica deve

considerar o sujeito em sua singularidade, complexidade, inteireza e inserção

sócio-cultural, além de buscar a promoção de sua saúde, a prevenção e

tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam

estar comprometendo suas possibilidades de viver de modo saudável

(BRASIL, 2003, p.7).

Podemos considerar que o PSF, nas suas dimensões atuais, é uma experiência singular na

história da saúde pública brasileira, que após uma década de existência se firmou como

estratégia permanente do SUS, na perspectiva de influir em todo o sistema a partir da

reorganização da atenção básica, organizando-o para melhor atender, de forma integral, às

necessidades de saúde da população. Contudo é preciso ter claro quais as dificuldades

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vivenciadas em sua implementação, identificando os nós críticos a serem enfrentados. Entre

os pontos críticos levantados durante a realização da II Mostra Nacional de Saúde da Família,

realizada em junho de 2004, podemos destacar: a melhoria e adequação da formação

profissional; a desprecarização das relações de trabalho; a criação de equipes matriciais de

apoio, com a inclusão de outras categorias profissionais e a institucionalização da avaliação e

do monitoramento (RADIS, 2004). De fato, é preciso compreender como esta proposta está

sendo caracterizada na prática cotidiana das equipes de saúde e em que medida os

mecanismos utilizados para sua implantação e implementação tem induzido, ou não, o

estabelecimento de uma nova prática de saúde.

2.2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 . C onteúdo emancipador da proposta de mudança do modelo de atenção à saúde

Como pilares orientadores da Estratégia Saúde da Família, e, por conseguinte, da atenção

básica, identificamos o paradigma da determinação social da saúde, o conceito de vigilância à

saúde e as propostas de atenção primária e de promoção da saúde. Neste ideário em que vem

sendo formulada, destacamos o reforço da ação comunitária como um eixo transversal, que se

comunica e estrutura com os demais.

Esse eixo é a concepção central da promoção da saúde e tem como perspectiva a constituição

dos serviços e ações de saúde em espaços de construção de sujeitos ativos na busca por

melhores condições de saúde para realização de seus projetos de vida. Precisam, para tanto,

reconhecer o que lhes afeta e a capacidade de ter acesso ao poder para transformar sua

realidade. Para Donato & Mendes (2003), tornar-se sujeito significa tomar consciência de sua

prática social, do que fazem, vivem, aprendem e sentem no seu dia-a-dia.

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Poderíamos também destacar como campos igualmente estruturantes para o desenho do

modelo de atenção que se pretende estruturar com a implementação da Estratégia Saúde da

Família, a integralidade e a intersetorialidade. Todavia, reconhecemos que o ponto de partida

desse desenho está na abertura democrática dos espaços dos equipamentos de saúde para as

famílias e comunidades, proporcionando o apoio necessário para o desempenho de suas

responsabilidades e desenvolvimento de suas potencialidades, fortalecendo-as, sem substituí-

las (Brasil, 2000a; CONASEMS, 2004).

Optamos, assim, por eleger o reforço da ação comunitária como categoria a ser investigada no

presente estudo, reconhecendo seu papel nuclear e diferenciador na Política de Atenção

Básica. Por sua vez, o fortalecimento dos indivíduos e seus coletivos na busca por melhores

condições de saúde e de vida, implica, dentre outras questões, na participação e controle da

comunidade no setor saúde e, por conseguinte, no estabelecimento de espaços de cidadania.

2.2 .1 .2 .2 .1 .2 .2 .1 .2 .2 .1 . R eforço da ação comunitária

Na Carta de Ottawa14, a promoção da saúde é definida como o “processo de capacitação da

comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior

participação no controle deste processo”, que se dá através de ações comunitárias concretas e

efetivas na identificação das prioridades, na tomada de decisão e na construção e

implementação de estratégias. O centro deste processo é o “incremento do poder das

comunidades – a posse e o controle dos seus próprios esforços e destino”, o que vem sendo

denominado de empowerment (OMS, 1986, p. 1 e 3).

14 A Carta de Ottawa é o documento da I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada em 1986, em Ottawa, Canadá.

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A Declaração de Jacarta15 (OMS, 1997, p.3) afirma que a “promoção da saúde efetua-se pelo

e com o povo, e não sobre e para o povo”, ressaltando a importância do direito de voz e do

fortalecimento da habilidade das pessoas para agir, como da capacidade de grupos ou

comunidades para influenciar os determinantes da saúde. Além do reforço da atuação

individual, Martins Jr. (2003) ressalta como fundamental a intensificação do apoio social na

conquista por melhores condições de saúde, que requer a capacidade de aglutinar pessoas com

a mesma visão de mundo, aspirações e motivações.

O autor, em reflexão a respeito do termo empoderamento, neologismo da língua portuguesa

para empowerment, considera o desconforto ideológico da idéia de empoderar – “dar poder

a”, visto a tendência histórica à dominação na sociedade. Sendo assim, uma pessoa concede

seu poder a outra, sendo, então, factível de “tirar o poder” concedido, bem como delimitar seu

espaço – concessão sob controle.

Defende o “[...] reconhecimento do poder existente, mas ainda não exercido, disseminado na

estrutura social [...]”, concepção mais alinhada ao que se vem desenvolvendo no campo da

promoção e à compreensão, aqui trabalhada, da saúde relacionada a valores como

solidariedade, cidadania, participação e revalorização ética da vida. Sugere então o termo

“apoderamento” – “ad-poderamento”, ou seja, “trazer o poder mais próximo de si”, dinâmica

que só poderá ser compreendida com base na dialética consenso/conflito, competência

profissional/sabedoria leiga, instituições hierárquicas/círculos comunitários (MARTINS Jr.,

2003, p.27).

O reforço da ação comunitária, ou o “apoderamento” coletivo, como refere, implica na

transformação do relacionamento tradicional e hierárquico entre profissionais e indivíduos, de

15 A Declaração de Jacarta é o documento da IV Conferência Internacional de Promoção da Saúde – Novos Protagonistas para uma Nova Era: Orientando a Promoção da Saúde no Século XXI, realizada em Jacarta, na Indonésia, em 1997.

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fornecedor/cliente. Requer, como colocado por Donato & Mendes (2003), o reconhecimento

da insuficiência do paradigma biomédico para a resolução dos problemas de saúde e o

estabelecimento de uma relação educativa, que supere o modelo de transmissão de

conhecimentos, pautado em concepções de projetos sociais que tendem à manutenção e

alienação.

Em contraposição a essa compreensão, está o projeto educativo dialógico, onde os distintos

conhecimentos, dos profissionais e da comunidade, sejam transformados em novos

conhecimentos e em estratégias de superação dos problemas. Uma educação para a

transformação, pela construção coletiva de novos conhecimentos, pela conscientização e pela

libertação. Isso requer o acesso contínuo à informação e às oportunidades de aprendizagem

sobre as questões de saúde, bem como o estabelecimento de sistemas flexíveis de reforço da

participação popular na gestão da saúde (DONATO & MENDES, 2003).

Em torno do reforço da ação comunitária, a Estratégia Saúde da Família ressalta a importância

do relacionamento equipe de saúde/comunidade com base no diálogo permanente entre

distintos saberes, técnico e popular, e o estabelecimento de vínculos de confiança e de co-

responsabilidade no cuidar da saúde. As equipes de saúde são responsabilizadas em

democratizar o conhecimento acerca da produção social da saúde, do processo saúde-doença e

da organização dos serviços, trabalhando a saúde como direito dos cidadãos e em estimular a

participação da comunidade no planejamento, execução e avaliação das ações, bem como sua

organização para o efetivo exercício do controle social. Enquanto atividades, dentre outras,

lhes são atribuídas a realização de reuniões com a comunidade para discussão de assuntos

relacionados a sua situação de saúde e de grupos de educação em saúde voltados à

recuperação da autoestima, troca de experiências, apoio mútuo e melhoria do autocuidado,

utilizando-se da simbologia da cultura local (BRASIL, 1997a, 2000a, 2001b).

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Como entendido por Bosi (1994) no que tange à construção do direito à saúde, o reforço da

ação comunitária se dará pela tomada de consciência de que a saúde é um direito do cidadão e

um interesse da comunidade e pela participação popular como mecanismo fundamental neste

processo de conscientização e de “apoderamento”.

2.2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 . P articipação e controle social

O SUS foi a primeira política pública no Brasil que adotou constitucionalmente a participação

social como um de seus princípios, sendo institucionalizada, em seu arcabouço jurídico, com

a implantação dos Conselhos de Saúde, órgãos deliberativos do SUS, que se inscrevem no

movimento de reforma democrática do Estado, na busca do controle das políticas de saúde

pelos diversos segmentos sociais. Como nos mostra Carvalho (1995), a idéia de participação

social, se associa a de controle social, sendo na atualidade entendida como o controle do

Estado pela sociedade.

Em seu trabalho sobre participação cidadã e controle social, o autor apresenta as diferentes

concepções acerca da participação na saúde, desde as primeiras intervenções estatais no

campo sanitário, no século XVII. Neste período, o controle social designava o controle do

Estado sobre a sociedade e desta sobre os indivíduos. O objetivo era o fortalecimento do

próprio Estado moderno, sendo os indivíduos tomados como alvos passivos, sujeitos a

intervenções de caráter compulsório e o Estado o detentor exclusivo da verdade técnica e do

poder decisório e executivo. É com este perfil teórico que se desenvolve no Brasil o

sanitarismo campanhista.

No início do século XIX, o poder de coerção foi substituído pela capacidade de provocar

adesão dos indivíduos às ações, no sentido do autocuidado e do cuidado voluntário com o

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próximo. Eram as propostas norte-americanas de combate à pobreza e às doenças, que se

deram com base no desenvolvimento comunitário. Entretanto, Carvalho ressalta que os fatores

determinantes dos riscos sanitários são encarados como questões de natureza técnica, e não

política, e o social aparece como variável, mas não como determinante do processo de

produção e distribuição dos riscos à saúde. No Brasil, as experiências focais da proposta da

Medicina Comunitária foram criticadas pelo movimento da reforma sanitária, pois se

mostravam extremamente frágeis no momento em que ameaçavam a manutenção do status

quo ou representavam reivindicações organizadas para instituições governamentais.

A partir do referencial teórico marxista, a participação transcende o caráter instrumental em

prol de objetivos técnico-sanitários, para um objetivo em si mesmo, voltado para organização

e fortalecimento popular no enfrentamento do Estado, sendo cada vez mais valorizada no

nível das decisões, e não apenas das ações. O Estado é tido como representante dos interesses

da burguesia, atuando para manutenção de sua ordem de mercado e a segmentação social é

vista como determinante do processo de adoecimento. A categoria comunidade, grupamento

considerado, teoricamente, homogêneo e portador de uma identidade comum e espírito

solidário, é substituída pela categoria povo, referida a parcela da população excluída do

acesso a bens e serviços (CARVALHO, 1995).

A proposta de participação popular, dominante no período autoritário, vai sendo requalificada

com o processo de democratização do Estado, deixando de ser referida apenas aos setores

sociais excluídos pelo sistema, passando a reconhecer a diversidade de atores e interesses

colocados na arena social. Carvalho pontua que a participação começa a utilizar-se da

categoria sociedade e ter como base a universalização dos direitos e a ampliação da

concepção de cidadania e de Estado, considerado como arena política de interesses

contraditórios que lutam por prevalecer sobre questões socialmente relevantes.

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Na Estratégia Saúde da Família, a noção de participação apresenta tanto a característica

pedagógica, para a comunidade e profissionais de saúde, como a dimensão de facilitadora da

organização social e do controle sobre as políticas públicas. Observa-se a ênfase dada a

participação não apenas em nível das ações, como também das decisões, a participação não

apenas para contestação, mas também para construção de propostas de melhoria das

condições de saúde e de vida (BRASIL, 2001a).

A Estratégia, em conformidade com a NOB/SUS-96, ressalta a criação de vínculos dos

serviços com os seus usuários, privilegiando os núcleos familiares e comunitários, para uma

efetiva participação e controle social. Atribui às equipes de saúde da família garantir espaços

para o efetivo controle e participação da comunidade em todas as etapas do trabalho – do

diagnóstico de área e identificação de prioridades, ao planejamento, execução e avaliação das

ações (BRASIL, 1997a, 1997b, 2000a, 2001b).

A descentralização da gestão do SUS para os municípios, bem como a lógica de organizar e

operar os serviços de saúde mais próximos das realidades locais, envolvendo seus diversos

atores sociais, são passos importantes, visto que oferecem condições à participação, como

colocado por Goya (2003, p.53), torna-se um “instrumento básico do poder local, através do

qual os indivíduos manifestam-se enquanto sujeitos do espaço em que vivem, planejando e

decidindo”. Para além do campo das decisões, a participação da comunidade pode também se

conformar em mecanismo de indução e regulação das políticas públicas e suas ações.

No que tange a indução e regulação das políticas públicas, Carvalho (1995) alerta que no caso

brasileiro, a realidade da exclusão social e de um Estado historicamente clientelista e

privatizado, o controle social termina por adquirir um enfoque altamente fiscalizador, onde

parece ser mais importante vigiar e impedir as transgressões por parte do Estado, do que

induzi-lo a agir. Por outro lado, Jacobi (2002) e Valla (1992) argumentam que a participação

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popular também pode ser concebida como garantia de execução eficiente de programas de

compensação social, no contexto neoliberal de ajuste estrutural, contrariamente à sua

concepção de organização e fortalecimento popular no enfrentamento do Estado para

conquista de direitos sociais.

Para a constituição da participação social enquanto possibilidade de ampliação da cidadania,

de acordo com Jacobi, é preciso superar os padrões de relação clientelista, meritocrático e de

interesses, criados historicamente no Estado brasileiro, que se relaciona à fragilidade do

tecido associativo, onde a visão imediatista do benefício predomina em detrimento de uma

concepção abrangente de indução de políticas públicas. Irá depender do acesso às

informações, do estímulo à participação ativa, baseada na construção coletiva de estratégias e

na co-responsabilização, bem como da permeabilidade das propostas populares junto à

administração pública. É necessário transformações qualitativas na relação Estado/sociedade

civil, o fortalecimento do espaço público e a abertura da gestão pública à participação social

na elaboração de suas políticas.

Para Goya (2003), os conselhos municipais e locais de saúde, estruturas formais do poder

local, assumem neste contexto um papel relevante, que podem vir a ser espaços de formação

de consensos e pactuação, não “puramente” de decisão, que passaria a ser realizada de forma

compartilhada, co-responsabilizada, entre as diferentes forças que atuam no território.

Para além dessas estruturas formais, a Estratégia Saúde da Família enfatiza a

institucionalização de espaços de participação da comunidade no cotidiano do serviço de

saúde, através da garantia da participação no planejamento, execução e avaliação das ações e

do estabelecimento de uma relação educativa, com responsabilidade pela democratização do

conhecimento. Segundo Vasconcelos (1999b), a relação educativa entre os serviços de saúde

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e a população se dá por duas interfaces: os grandes meios de comunicação de massa e a

convivência cotidiana nos serviços de atenção primária à saúde.

È no cotidiano dos serviços de atenção básica que o presente estudo se debruça, observando

como as unidades de saúde da família têm se constituído, ou não, em espaços de

fortalecimento da ação comunitária e de promoção da cidadania, através do reconhecimento

da saúde enquanto direito do cidadão, do estabelecimento de diálogo e mediação entre os

sujeitos que vivem e atuam no território e da garantia de canais para a participação e controle

social.

2.2 .3 .2 .2 .3 .2 .2 .3 .2 .2 .3 . P romoção da cidadania

A promoção da cidadania na proposta da Estratégia Saúde da Família é considerada uma

atribuição das equipes de saúde, responsabilizadas pelo reconhecimento da saúde como um

direito de cidadania e expressão da qualidade de vida, sendo seu papel discutir de forma

permanente com a comunidade, e na própria equipe, o conceito de cidadania e das bases

legais que legitimam os direitos de saúde (BRASIL, 1997b, 2000a).

Considerando que a Estratégia propõe, para conquista do direito a melhores condições de

saúde, o reforço da ação comunitária e, diretamente ligado a este processo, como mecanismo

fundamental para seu desenvolvimento, a participação da comunidade em todas as etapas do

trabalho da equipe de saúde, entendemos que a promoção da cidadania será, antes de tudo,

conseqüência do reforço da capacidade técnica e política dos indivíduos e seus coletivos,

através da troca horizontal de informações e conhecimentos entre profissionais e comunidade,

a respeito de questões de saúde e de cidadania, e da pactuação e co-responsabilização na

perspectiva da construção de soluções no enfrentamento de seus problemas de saúde.

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Assim como entendido por Bosi (1994), ressaltamos que a construção de uma consciência do

direito a saúde e desta como recurso fundamental para realização dos projetos de vida,

portanto objeto de luta e conquista, ela é gradual e alimenta-se de experiências vivenciadas na

realidade cotidiana. A autora argumenta que o espaço micro da prática participativa,

representado por relações cotidianas, como as que se estabelecem nas unidades de saúde,

torna-se estratégico para o desenvolvimento da relação dialética conscientização/participação,

pois representa um espaço de luta, de exercício de poder.

Trabalhar a saúde como direito do cidadão e enquanto produto de uma construção social,

recurso essencial para qualidade de vida e realização dos atores sociais, requer o compromisso

com o exercício da cidadania, bem como o estabelecimento de uma relação de trocas e de

confiança entre profissionais e comunidade. Segundo Ferraz (1998), ao se tratar a saúde como

qualidade de vida, a mudança do olhar e do agir são inevitáveis na construção desse novo

paradigma e conseqüentemente uma nova cultura será também construída a partir dele.

Entretanto, temos que questionar como se dará esse movimento, considerando, como

colocado por Jacobi (2002), o complexo processo de construção da cidadania no Brasil, num

contexto de grandes desigualdades, perpassado pela cultura da dominação, da tutela, do

clientelismo e da manipulação, herdada dos quatro séculos de regime colonial escravagista e

reforçada pela repressão ao exercício da cidadania durante o regime de ditadura militar. Neste

cenário, o autor argumenta que é necessário, para a constituição dos sujeitos sociais ativos, a

transformação destas práticas sociais, tendo na participação um componente essencial, bem

como o acesso às informações técnicas necessárias para subsidiar suas reivindicações, ponto

primordial no entendimento de Valla (1992).

Consideramos que a proposta da Estratégia Saúde da Família tem um grande potencial de

“despertar” os cidadãos, apoiada na concepção de ampla mobilização em prol da saúde, com

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base na autonomia dos sujeitos e seus coletivos. Para tanto, exige novos valores e posturas dos

profissionais, que vão de encontro à formação e à prática dominante. Requer uma atuação que

tem como base a escolha política pelo enfrentamento dos determinantes mais amplos da saúde

e de contribuição para o reforço da ação comunitária, mediando o estabelecimento de

parcerias entre organizações formais e informais existentes na comunidade e de ações

intersetoriais no enfrentamento conjunto dos problemas de saúde.

Para Bosi (1994, p. 447), “o papel dos profissionais de saúde na relação cotidiana com os

usuários [...], longe de se revestir de um significado meramente técnico (assistencial) se

inscreve numa prática pluridimensional, dentre as quais se destaca a dimensão política”.

A respeito de uma nova cultura na saúde, orientada pelo seu entendimento positivo e sua

determinação social, temos que considerar o desafio de construir uma prática transformadora

e emancipadora num contexto de orientação da formação dos profissionais de saúde na

concepção biologicista, que não questiona a medicalização e individualização dos problemas

de saúde coletiva e que concebe os pacientes como sujeitos que foram incapazes de cuidar de

sua saúde, sendo necessário, para ajudá-los, prescrever medicações e condutas saudáveis.

Desse modo, espera-se a contraposição da abordagem que tradicionalmente vem se

desenvolvendo, que “privilegia conselhos e normas para o indivíduo, fazendo com que o

acesso à saúde seja um esforço individual e, conseqüentemente, uma responsabilidade

individual”, atuando com base na proposta de relacionar o processo saúde-doença da

população com as suas condições de vida e trabalho (VALLA, 1992, p.31).

Diante da cultura e das práticas hegemônicas em nosso país, a proposta de um modelo de

atenção básica, comprometido com a promoção da cidadania e orientado pelos princípios do

reforço da ação comunitária e da participação e controle social, é bastante audaciosa e requer

um acompanhamento voltado para a qualidade das inovações por ela desencadeada.

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51

Capítulo 3333

P rocedimentos M etodológicos

3.1 .3 .1 .3 .1 .3 .1 . D esenho do Estudo

Pelo fato do objeto de estudo, a mudança16 da prática de saúde em relação ao conteúdo

emancipador do PSF, referir-se a um fenômeno social complexo e dinâmico, que requer a

análise da interação de diferentes variáveis na compreensão de seu processo, que envolve

mudança de valores, de habilidades e da cultura dos serviços, a escolha foi pelo método

qualitativo. Por se tratar de uma investigação empírica sobre um fenômeno que não pode ser

dissociado de seu contexto e que requer a observação de vários elementos simultaneamente,

emprega a estratégia do estudo de caso, indicado por Yin (1994) e Víctora (2000) para

questões de como ou por que ocorre um determinado fenômeno contemporâneo da vida real e

para quando o investigador tem pouco controle sobre os eventos.

De acordo com Yin, a validade do estudo de casos se dá pelo modelo teórico e não pelo

processo amostral, ou, como colocado por Denis & Champagne (1997), sua potência

explicativa encontra-se na profundidade de sua análise, não no número de unidades

analisadas, apoiando-se na coerência da estrutura das relações entre seus componentes.

Pontuam que o estudo de múltiplos casos oferece maior confiança aos resultados da pesquisa,

sendo cada caso considerado como uma entidade única submetida a uma análise particular.

16 As mudanças são aqui entendidas como mudanças da concepção negativa da saúde, para sua concepção positiva e ampliada; do paradigma sanitário biologicista/flexeriano, para a produção social da saúde; da prática de saúde centrada no médico, na clínica e na cura, para a integralidade entre promoção, prevenção, cura e reabilitação. A mudança da prática com base na concepção da vigilância à saúde não significa negar a importância da clínica médica e da atenção individual curativa, mas sua insuficiência na abordagem do processo saúde-doença e na promoção da autonomia e da qualidade de vida.

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Optou-se por realizar a investigação em dois municípios, considerando que diferentes

experiências locais podem revelar a diversidade de mecanismos de compromisso com a

política, mas, devido à heterogeneidade de situações encontradas, comparar as mesmas

poderia tornar a análise complexa e, ao mesmo tempo, limitada, considerando, contudo,

interessante realizar observações transversais que possam revelar aspectos a serem

considerados na avaliação/reajuste da política em nível federal, estadual e/ou municipal.

Desse modo, o estudo em tela refere-se a uma pesquisa qualitativa no campo das políticas de

saúde, que utiliza a estratégia de estudo de casos para analisar o processo de implementação

da Política de reorientação da Atenção Básica

3.2 .3 .2 .3 .2 .3 .2 . Á rea de Estudo

Tendo em vista que a diversidade de contextos poderá enriquecer a análise proposta, optou-se

por desenvolvê-lo em dois municípios de Pernambuco: Cabo de Santo Agostinho e Recife. A

escolha para a pesquisa de campo levou em conta a aproximação previa da pesquisadora com

o funcionamento do PSF nos municípios, bem como alguns aspectos que, previamente,

indicavam um contexto favorável ao seu desenvolvimento: entre 7 e 10 anos de experiência

na sua implementação; o PSF (enquanto opção por modelo de atenção) e a participação social

como prioridades das gestões municipais; o desenvolvimento de propostas de educação em

saúde voltadas para o fortalecimento da cidadania e a localização dos municípios na Região

Metropolitana do Recife, apresentando, assim, maior facilidade em relação à disponibilidade e

qualificação de recursos humanos.

Ao mesmo tempo, trata-se de municípios de diferente porte, que apresentam características

distintas na organização da gestão do Programa, bem como em sua própria organização social,

possibilitando diferentes cenários e, assim, o enriquecimento da análise.

Page 66: Programa S Família: amília · Programa Saúde da Família: uma contribuição à análise de seus princípios e prática Naíde Teodósio Valois Santos Dissertação apresentada

53

A escolha dos municípios buscou identificar situações favoráveis à reorientação do modelo de

atenção à saúde, especificamente às práticas de saúde preconizadas, com vistas a reduzir

aspectos que sabidamente dificultam sua implementação, como seu emprego focalizado e

voltado primordialmente para a captação de recursos e não para mudança de modelo de

atenção ou a dificuldades em relação à disponibilidade de profissionais de nível universitário.

Assim, permite uma análise mais aprofundada de questões consideradas fundamentais para as

mudança desejadas: reforço da ação comunitária, participação e controle social e promoção da

cidadania.

Considerando a opção explícita da Política de Atenção Básica pela participação ativa dos

sujeitos envolvidos em sua operacionalização nos serviços de atenção básica, entendemos que

os espaços de negociação entre estes sujeitos – as unidades de saúde da família – são lócus

privilegiados para análise de sua implementação, na perspectiva da relação dialética entre

diretrizes político-ideológicas/práticas cotidianas.

3.3 .3 .3 .3 .3 .3 .3 . S eleção da amostra intencional do Estudo

A seleção da amostra buscou atender, como colocado por Minayo (1994), os critérios de uma

abordagem qualitativa, que deve preocupar-se com o aprofundamento e abrangência da

compreensão da política, definir claramente o grupo social mais relevante para a pesquisa e

privilegiar os sujeitos sociais que detêm os atributos que o investigador pretende conhecer, de

modo que a escolha do lócus e do grupo de observação e informação contenha o conjunto

das experiências e expressões que se pretende objetivar com a pesquisa.

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O lócus da pesquisa de campo

As unidades de saúde da família e suas áreas de abrangência foram selecionadas como lócus

da pesquisa de campo, considerando, como argumentado por Schraiber (1997), que a

passagem de uma intervenção enquanto “plano” para sua forma “prática/tecnologia” a

inscreve em dois campos de condicionantes – o do trabalho e o da organização social da

produção e distribuição dos serviços, que se expressam e são experimentados na realidade

cotidiana. Dessa forma, o espaço onde se dão as relações cotidianas na execução da Política

de Atenção Básica é estratégico para análise da sua implementação.

Em cada município foi identificada uma equipe de saúde que, de acordo com a coordenação

municipal do PSF, apresentava aspectos favoráveis para o desenvolvimento da proposta junto

à comunidade. A escolha junto às coordenações municipais se deu devido a sua maior

aproximação com as equipes de saúde, pela vivência do dia-a-dia da implementação do

Programa. Para a seleção, foi solicitado que identificassem contextos e sujeitos “supostamente

favoráveis” ao desenvolvimento da proposta, de modo a permitir um melhor aprofundamento

e análise da potencialidade das estratégias adotadas em provocar mudanças no modelo de

atenção, especificamente na prática de saúde.

Foram assim identificadas pelas coordenações as equipes de saúde da família que, dentro de

cada contexto, melhor representava a política adotada pelo município, atendendo aos aspectos

priorizados pelo gestor. Foi também considerado o tempo de atuação dos profissionais no

Programa e na localidade selecionada, tendo em vista que permite inferir sobre o grau de

consolidação e aprimoramento de novos conhecimentos e habilidades, bem como o grau de

conhecimento e entrosamento com a comunidade.

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55

O grupo de observação e informação: os sujeitos da pesquisa

Considerando a necessidade de compreensão das práticas e atitudes dos diversos sujeitos

presentes nos espaços da Política de Atenção Básica, configuraram enquanto grupo de

observação e informação os coordenadores do PSF, os profissionais das equipes de saúde da

família e a população por elas atendida. A análise procurou apreender suas concepções e

práticas, ambigüidades e potencialidades, quanto aos aspectos aqui ressaltados para a

reorientação da atenção básica através da Estratégia Saúde da Família.

Em busca de representar a diversidade dos sujeitos envolvidos na formulação e

desenvolvimento local da Política, foram identificados em cada município:

� O gestor diretamente responsável pelo gerenciamento do PSF, no caso a coordenação do

Programa, que vivencia no dia-a-dia os conflitos decorrentes das dificuldades em

estabelecer as diretrizes políticas do Programa diante das demandas por atendimento nos

serviços de saúde e dos recursos disponíveis para a mudança da organização e da operação

dos serviços;

� Um representante de cada categoria profissional da equipe de saúde da família

selecionada, considerando a equipe mínima preconizada pelo Ministério da Saúde:

médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde (ACS). A

inclusão dessas categorias visa aprofundar em que medida cada profissional, diante de

suas atribuições na equipe, compreende e prioriza práticas voltadas para o reforço da ação

comunitária, participação e controle social e promoção da cidadania. A escolha do agente

de saúde se deu a partir da observação direta do trabalho desenvolvido pela equipe e teve

como critério a percepção, pela pesquisadora, de seu envolvimento com o Programa e com

a mobilização da comunidade;

� Um usuário da unidade de saúde da família selecionada, integrante de alguma

organização da comunidade ou do Conselho Local de Saúde (CLS). A identificação foi

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56

realizada durante o trabalho de campo, tendo como critério ser atuante na comunidade e

participar das atividades realizadas pela equipe de saúde. Esses critérios foram

considerados com vistas a identificar o grau de envolvimento de lideranças comunitárias

com o Programa, indicativo da atuação dos profissionais de saúde no território de sua

responsabilidade.

3.43.43.43.4 . T écnicas de coleta e fontes de dados

A pesquisa de campo utilizou-se de dados primários e secundários, coletados no período de

julho a dezembro de 2004, trabalhados da seguinte forma:

Dados primários

a. Observação direta

A utilização desta técnica teve por finalidade apreender como as unidades de análise estão

sendo incorporadas e trabalhadas no cotidiano do PSF, ou seja, o entendimento de como os

princípios de reforço da ação comunitária, participação e controle social e promoção da

cidadania se concretizam neste cotidiano.

Foram realizadas visitas às unidades de saúde da família e comunidades, buscando

compreender a diversidade das relações vividas no cotidiano dos profissionais de saúde e da

população usuária, que consolidam interesses específicos e moldam, na prática, o atendimento

e a gestão dos serviços. As impressões acerca das motivações, posições, interesses e conflitos

dos sujeitos foram registradas no diário de campo, sendo posteriormente organizadas

conforme as variáveis e unidades de análise.

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57

Inicialmente, foram feitos em cada unidade a observação de sua rotina e o reconhecimento de

sua área de abrangência. Num segundo momento, se prosseguiu com a identificação do agente

comunitário e do usuário para realização das entrevistas e com o acompanhamento das

atividades coletivas realizadas pela equipe na unidade de saúde e na comunidade, conforme a

relação abaixo descriminada:

Cabo de Santo Agostinho

� Reunião do Conselho Local de Saúde;

� Reunião da equipe com a comunidade;

� Reunião para educação continuada dos ACS;

� Reunião para educação continuada da equipe;

� Grupo de mulheres - educação em saúde;

� 1 turno de visita domiciliar com ACS 1;

� 2 turnos de visitas domiciliares com ACS 2;

� 1 turno de visita domiciliar com médica;

� 2 turnos de visitas domiciliares com enfermeira.

Recife

� Reconhecimento de área e visitas domiciliares com grupo de ACS;

� Reunião de equipe – rotina semanal;

� Reunião da equipe PSF com equipe local de Saúde Ambiental;

� Grupo de adolescente – educação em saúde;

� Grupo de idosos – educação em saúde;

� 1 turno de visita domiciliar com ACS 1;

� 2 turnos de visitas domiciliares com ACS 2;

� 1 turno de visita domiciliar com médica.

b. Entrevistas semi-estruturadas

A entrevista é uma técnica importante que permite a troca de informações, subsidiando a

compreensão das concepções dos sujeitos da pesquisa acerca dos temas investigados. O

pesquisador deve conhecer previamente os aspectos que deseja investigar (categorias) e a

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partir deles formular pontos a serem tratados na entrevista (variáveis). Foi empregada a

técnica da entrevista semi-estrutura, ou guiada, que combina perguntas estruturadas e abertas,

onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, utilizada

particularmente para descobrir aspectos de uma determinada experiência que produzem

mudanças nas pessoas expostas a ela (MINAYO, 1994; RICHARDSON, 1989).

Segundo Minayo (1994, p.99), visando apreender o ponto de vista dos atores sociais previstos

nos objetivos da pesquisa, o roteiro de entrevista deve conter poucas questões, servindo como

um instrumento para orientar uma “conversa com finalidade”, funcionando como um

facilitador de abertura da comunicação. O roteiro deve contribuir para ampliar e aprofundar a

comunicação, e não cerceá-la, e para “emergir a visão, os juízos e as relevâncias a respeito

dos fatos e das relações que compõem o objeto, do ponto de vista dos interlocutores”, enfim,

suas atitudes, valores e opiniões.

Desse modo, as entrevistas tiveram por finalidade apreender como os sujeitos sociais, que

realizam a passagem da Política enquanto princípios e diretrizes para sua forma prática-

tecnologia, compreendem e priorizam práticas voltadas para o reforço da ação comunitária,

participação e controle social e promoção da cidadania, ou seja, como realizam a intervenção

proposta com um dado modo de trabalhar e modo técnico de intervir, produzindo e

distribuindo cuidados.

As entrevistas foram registradas em fitas de audio e posteriormente transcritas, sendo

utilizado para o seu desenvolvimento um guia com temas (anexo 1). Em cada município

configurou entre os entrevistados o coordenador, os profissionais das equipes de saúde da

família por eles selecionada e os usuários do PSF identificados pela pesquisadora, conforme a

relação abaixo:

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Cabo de Santo Agostinho

� Coordenadora do PSF;

� Médica;

� Enfermeira;

� Agente comunitária de saúde;

� Usuária (Conselheira do CLS).

Recife

� Coordenadora da Atenção Básica;

� Médica;

� Enfermeira;

� Auxiliar de enfermagem;

� Agente comunitária de saúde;

� Usuária (Presidente da Associação de Moradores).

No município do Cabo de Santo Agostinho não foi possível realizar entrevista coma a auxiliar

de enfermagem, pois se encontrava de licença médica. É interessante mencionar o fato, não

programado, que todos os sujeitos entrevistados foram do sexo feminino.

Dados secundários

c. Documentos de gestão

Com vistas a apreender como os temas centrais da pesquisa estão inseridos no discurso

institucional e quais as estratégias gerenciais a eles relacionados, foi realizada coleta e análise

de conteúdo de documentos municipais que abordam a Política de Atenção Básica, tais como:

Planos Municipais de Saúde, Relatórios de Gestão e Relatórios de Conferências Municipais

de Saúde, descritos no anexo 3.

d. Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB)

Foi feita coleta e análise quantitativa de dados dos relatórios do SIAB, utilizados para

caracterizar o perfil do PSF municipal e da equipe de saúde selecionada, bem como observar

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como algumas atividades importantes para as estratégias de reforço da ação comunitária e de

promoção da cidadania estão configurando as agendas de trabalho dos profissionais de saúde:

as atividades de educação em saúde com grupos, de visitas domiciliares por categoria

profissional e reuniões realizadas pelos agentes comunitários de saúde com a comunidade.

Optou-se, desse modo, pelo estudo de caso pautado na triangulação de métodos, fontes e

dados, visando uma melhor apreensão do objeto de pesquisa, pela compreensão de vários

pontos de vista sobre a realidade estudada, como colocado por Hartz (1999), não por sua

justaposição, mas pela integração realizada pelo pesquisador em torno da lógica de um

referente comum.

3.5 .3 .5 .3 .5 .3 .5 . P lano de Análise

Segundo Minayo (1994), a expressão mais comumente usada para referir-se ao tratamento dos

dados de uma pesquisa qualitativa é análise de conteúdo, que segundo Bardin (1979, p.42)

pode ser definida como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter,

por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição das mensagens, indicadores

(quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de

produção e recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”. Para a autora, consiste em

explicitar e sistematizar o conteúdo das mensagens e de sua expressão, a partir de um

conjunto de técnicas.

Nesse momento de tratamento e análise do material da pesquisa qualitativa, Minayo (1994)

alerta que os pesquisadores costumam enfrentar três grandes obstáculos: a “ilusão da

transparência”, ou seja, o perigo da compreensão espontânea; a magia dos métodos e das

técnicas, esquecendo-se da fidedignidade às significações presentes no material e a

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dificuldade no momento da articulação entre teorias e conceitos e os dados coletados na

pesquisa de campo.

O entendimento das inovações induzidas pela atual Política de Atenção Básica teve como

objeto de análise a compreensão e atuação dos atores envolvidos na mudança de prática em

relação aos seguintes princípios da Estratégia Saúde da Família, tomados como unidades de

observação: reforço da ação comunitária, participação e controle social e promoção da

cidadania. Princípios interdependentes, que se articulam para a abertura democrática dos

serviços e conquista de melhores condições de saúde pela comunidade.

Para a operacionalização da análise do material da pesquisa, as informações do diário de

campo, das entrevistas individuais e dos documentos de gestão foram sistematizados a partir

da análise temática de seu conteúdo, organizadas e apresentadas de acordo com as variáveis

abaixo descritas e discutidas em torno das unidades de observação:

� características da gestão municipal do PSF;

� aspectos destacados como questões relevantes do modelo de atenção proposto pelo PSF;

� o enfrentamento dos problemas de saúde pela comunidade atendida pelo PSF;

� comunicação e integração entre equipe de saúde da família e comunidade;

� o controle social no programa saúde da família;

� relação entre PSF e cidadania;

� dificuldades e desafios do modelo de atenção proposto pelo programa saúde da família;

� sugestões para melhoria do PSF.

Para o desenvolvimento da análise temática, foi empregado o modelo de condensação de

significados proposto por Kvale (1938):

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Quadro 3 –.Modelo de condensação de significados e variáveis de estudo

Identificação

� Município

� Fonte de dados (diário de campo, entrevista ou documento)

� Pergunta de pesquisa

Unidades Naturais

� trechos do material de pesquisa: fala,

registro de campo, documento

Temas/assuntos centrais

� análises do pesquisador sobre o discurso

do entrevistado

Descrições essenciais para responder a pergunta de pesquisa

� interpretação realizada pelo pesquisador acerca das questões comentadas pelo

entrevistado

Fonte: adaptado de Kvale (1938).

No modelo exposto acima, as unidades naturais são relativas a trechos da fala do

entrevistado, que respondem às perguntas da pesquisa. Os temas centrais dizem respeito à

definição do assunto pelo pesquisador acerca das variáveis de pesquisa e as descrições

essenciais para responder a pergunta de pesquisa se referem à interpretação do pesquisador

acerca da resposta dada pelo entrevistado.

Considerações éticas

Na presente pesquisa foi mantido o anonimato dos sujeitos selecionados para a realização do

trabalho de campo, bem como o sigilo dos dados. Preliminarmente à realização das

entrevistas, foi apresentado aos entrevistados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(anexo 2) e explicitado a natureza e o objetivo do estudo, os motivos da escolha do segmento

e do sujeito para a entrevista, bem como informado que a qualquer momento poderiam ser

solicitados esclarecimentos. Para a gravação dos depoimentos, foi solicitada a autorização do

entrevistado.

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Etapas do estudo

A investigação consistiu nas seguintes etapas:

� Realização de levantamento bibliográfico para construção do referencial teórico;

� Elaboração dos instrumentos de coleta dos dados;

� Seleção da amostra intencional do estudo;

� Realização da pesquisa de campo: observação direta, entrevistas semi-estruturadas e

coleta de dados secundários (documentos municipais e dados do SIAB):

� Apresentação da pesquisa para os gestores municipais (objeto, objetivos e forma de

participação dos atores no estudo) e sondagem do interesse em participar do estudo;

� Definição, em conjunto com os gestores diretamente responsáveis pelo PSF, da

equipe de saúde da família para a realização da observação e das entrevistas, a partir

dos aspectos levantados no estudo;

� Deslocamento aos locais selecionados para a realização da observação direta e das

entrevistas. A observação do cotidiano da equipe de saúde da família de cada

município se deu em duas etapas:

- Visita para observação geral do cotidiano das equipes e unidades de saúde;

- Visitas direcionadas para observação de atividades com grupos e de atividades

realizadas fora da unidade de saúde, durante o período de 4 semanas;

���� Realização da análise dos dados coletados conforme as categorias e plano de análise.

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Capítulo 4444

O conteúdo emancipador na implementação municipal da Política de

Atenção Básica: resultados e discussão

Neste capítulo serão apresentados aspectos relacionados ao contexto, conteúdo, atores e

processo de implementação da Política de Atenção Básica nos municípios selecionados para a

pesquisa, que possam revelar como a proposta emancipadora da Estratégia Saúde da Família

está se dando no cotidiano dos serviços de atenção básica.

As considerações partiram da pesquisa documental, de acordo com os textos constantes no

anexo 3, da observação realizada junto às equipes de saúde da família identificadas para a

pesquisa de campo, conforme atividades listadas no anexo 4, e das entrevistas semi-

estruturadas com os atores selecionados (anexo 5).

Para cada um dos municípios, são descritas algumas características do lugar e de suas

condições de vida, bem como do sistema municipal de saúde e de sua gestão. Quanto às

equipes de saúde da família identificadas para a pesquisa de campo, são apresentados aspectos

do contexto de sua área de abrangência e dos atores locais entrevistados, sendo, em seguida,

expostas suas idéias e como se colocam em relação aos conteúdos frisados como indutores da

proposta emancipadora do PSF: o reforço da ação comunitária, a participação e controle

social e a promoção da cidadania.

Desse modo, como descrito nos procedimentos metodológicos, as informações obtidas

durante a pesquisa de campo tiveram por objetivo analisar a prática relacionada ao conteúdo

emancipador da política adotada para a reorganização da atenção básica, buscando-se

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compreender o entendimento e a atuação de sujeitos que no seu cotidiano modelam a atenção

à saúde nas unidades do PSF.

4.1 .4 .1 .4 .1 .4 .1 . C abo de Santo Agostinho

O lugar e suas condições de vida

O Cabo de Santo Agostinho localiza-se na Mesorregião Metropolitana do Recife,

Microrregião de Suape. Corresponde a 20% da área da Região Metropolitana do Recife e

abarca a maior parte do Complexo Industrial e Portuário de Suape. Está entre os dez

municípios mais populosos do estado de Pernambuco, com estimativa para 2004 de 163.493

habitantes, sendo 88% urbana e 12% rural16.

De acordo com os dados do censo IBGE_2000, apresenta 20% da população maior de 15 anos

analfabeta. Contudo, possui atualmente 89 escolas municipais de ensino fundamental I e II e

segundo a Secretaria Municipal de Educação, todas as crianças de 7 a 14 anos estão na escola.

Setenta e quatro porcento da população vivem com até 2 salários mínimos e 4% declara não

ter rendimentos. A Esperança de Vida ao Nascer é de 69 anos, o Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH) é 0,706 e a medida de desigualdade da distribuição de renda, o Índice de

GINI, é de 0,523517 (documento 7).

No território coberto pelo PSF, cerca de 90% dos domicílios são de tijolos e têm acesso à rede

de energia elétrica, 83% estão ligados à rede geral de abastecimento de água e 88% têm

16 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2004. 17 Os índices variam de 0 a 1, quanto mais próximos de 0, indicam melhor qualidade de vida da população

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acesso à coleta pública do lixo. Contudo, em 17% dos domicílios o destino das fezes e urinas

é a céu aberto e em 30% não há tratamento da água para consumo humano18.

Para melhor compreender e administrar as diferenças, o Governo Municipal dividiu o

território em nove áreas político-administrativas, que foram agrupadas em quatro regiões para

facilitar a integração, a intersetorialidade e o controle social, instituindo-se uma Secretaria

Regional para cada uma, destinada a coordenar as políticas públicas no território, adequando-

as às necessidades locais, bem como facilitando a participação social (diário de campo 1).

O Sistema Municipal de Saúde e sua gestão

O município implantou o PSF em 1997, localmente denominado de Programa Saúde em Casa,

e habilitou-se em Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde em 1998, que no momento

deste estudo era composto, na atenção básica, por 33 unidades com 34 equipes de saúde da

família e 8 equipes de saúde bucal, 3 equipes do PACS, 3 unidades básicas tradicionais e 2

centros de saúde (documento 7).

A atenção especializada opera através de dois centros de referência em saúde da mulher; dois

centros de apoio psicossocial (infantil e adulto); um centro de referência em IST/AIDS; uma

policlínica com urgência e emergência 24 horas; uma maternidade e um hospital geral. Esses

serviços oferecem, através da central de marcação de consultas, diversas especialidades.

Possui laboratório de análises clínicas (24 horas), laboratório de citopatologia e de

baciloscopia, serviço de radiologia e ultrassonografia e assistência farmacêutica. O centro de

vigilância ambiental conta com laboratório de entomologia e realiza exames para

esquistossomose e filariose (documento 7).

18 Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.

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Dentre os objetivos explicitados pela gestão, pode-se destacar “contribuir para a

implementação das ações do Plano de Governo, que buscam melhorar a qualidade de vida,

garantindo os direitos do cidadão através de um novo modelo de desenvolvimento

autosustentável, com justiça social apoiada por uma política de saúde coerente com os

princípios e diretrizes do SUS”; implantar ações voltadas para a promoção da saúde e

contribuir para o aperfeiçoamento do efetivo controle social. Para tanto, elegeu prioridades

como a adoção do PSF, o desenvolvimento e implantação de uma política de recursos

humanos, a contribuição para a elevação da consciência sanitária e o aprimoramento da

participação social ao nível de conselhos de saúde (documento 1, p. 4, grifo nosso).

Em relação à participação e ao controle social, o Município apresenta como avanços na gestão

da saúde o aumento de 162,5% no número de reuniões do Conselho Municipal de Saúde e a

implantação de 17 Conselhos Locais de Saúde (documento 2). As Conferências Municipais de

Saúde também estão se dando de forma descentralizada, com plenárias por Regional,

possibilitando uma participação mais abrangente e o aprofundamento das discussões em cada

território. Além das Conferências, a Secretaria de Saúde vem ampliando a incorporação das

deliberações da população, discutindo aspectos da saúde em reuniões temáticas do Orçamento

Participativo e adotando seus indicativos como prioridade de gestão(diário de campo 1).

No que diz respeito aos aspectos financeiros, pontua que o Fundo Municipal de Saúde recebe

atualmente 16% do orçamento do Tesouro Municipal, bem como destaca o incremento de

27% nas transferências do Fundo Nacional de Saúde no período 1997 a 2003 (documento 8).

A respeito do modelo municipal de saúde, ressalta que os avanços alcançados foram

construídos a partir de um “jeito novo de caminhar”, com a participação popular através dos

Conselhos Locais e Municipal de Saúde e de comitês municipais, bem como com das ações

articuladas e integradas com: Educação; Cultura e Turismo; Programas Sociais; Imprensa;

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Limpeza Urbana; Meio Ambiente; Desenvolvimento Econômico e Secretarias Regionais, que

periodicamente coordenam colegiados regionais para articulação política entre lideranças

comunitárias e representantes dos diversos setores dos serviços públicos municipais, incluindo

as equipes e supervisores do PSF(documento 8).

A articulação intersetorial também acontece formalmente nos Conselhos de Assistência Social

e de Direitos da Criança e do Adolescente; Comitês da Agenda 21 e de Combate ao Trabalho

Infantil e na Câmara Temática sócio-cultural do Plano Estratégico de Desenvolvimento

Sustentável – Cabo 2010 (documento 8).

O Programa Saúde da Família

Conforme documentos da Secretaria Municipal de Saúde, o PSF foi adotado em 1997 com o

objetivo de reorganizar o modelo de atenção básica, revertendo a lógica hospitalocêntrica e

promovendo a inclusão de grupos populacionais sem acesso aos serviços do SUS, realizando

uma discriminação positiva e atingindo grupos submetidos a um maior risco de adoecimento e

morte, relacionado às precárias condições de vida. O reordenamento do modelo teve como

diretrizes a ampliação do acesso e da resolutividade das ações, a revalorização da

integralidade na atenção, a mobilização da comunidade para o autocuidado e elevação da

consciência sanitária, bem como o desenvolvimento de ações intersetoriais para a promoção

da saúde (documentos 2 e 3).

As equipes de saúde da família encontram-se distribuídas em 7 das 9 áreas político-

administrativas do município e cobrem 82,3% da população (134.528 pessoas/34.820

famílias)19. A figura 1 apresenta a expansão do PSF no Município.

19 Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.

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Figura 1

População (%) coberta pelo Programa Saúde

da Família no Cabo de Santo Agostinho, 1999 a

2004. Fonte: Ministério da saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.

Em relação ao total de recursos repassados ao Fundo Municipal no período de 1998 a 2004

(quadro 4), o maior aumento percentual do montante destinado à atenção básica ocorreu entre

2000 e 2002, coincidindo com o período de expansão mais acentuada (figura 1). Nos anos

seguintes (2003 e 2004) observa-se que foram feitos investimentos também na expansão da

média e alta complexidade.

Quadro 4 – Distribuição dos recursos transferidos para o Fundo Municipal de Saúde. Cabo de Santo Agostinho, 1998 a 2004.

Média e Alta Complexidade

ambulatorial/hospitalar

Atenção Básica Ações Estratégicas

Total de repasses fundo a fundo

Ano

R$ % R$ % R$ % R$ %

1998 3.592.953,25 66,10 1.842.760,65 33,90 0,00 0,00 5.435.713,90 100,00

1999 4.440.863,86 60,11 2.947.490,41 39,89 0,00 0,00 7.388.354,27 100,00

2000 4.259.460,73 51,86 3.954.318,68 48,14 0,00 0,00 8.213.779,41 100,00

2001 4.751.127,59 51,31 4.457.722,10 48,14 51.508,31 0,56 9.260.358,00 100,00

2002 4.933.682,49 50,32 4.547.097,20 46,38 324.197,91 3,31 9.804.977,60 100,00

2003 6.169.976,16 52,38 5.209.912,16 44,23 398.842,89 3,39 11.778.731,21 100,00

2004 7.098.460,03 53,38 5.737.749,72 43,15 461.881,02 3,47 13.298.090,77 100,00

Fonte: Ministério da Saúde, 2004.

Quanto às partes fixa e variável do PAB (quadro 5), houve entre 1998 e 2004 um acréscimo

de 5,3 vezes no valor do PAB-Variável para o PSF/PACS/Saúde Bucal, representando cerca

da metade do PAB a partir de 2000.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, no período de 1997 a 2004 ampliou-se em

1.700% o número de consultas nas especialidades básicas, tendo os investimentos em apoio

diagnóstico ampliado em 1.418% o quantitativo de exames de análises clinicas. Dentre outros

avanços apresentados, destaca-se a redução das internações hospitalares em crianças e adultos

12,6

82,379,080,2

56,0

36,9

1999 2000 2001 2002 2003 2004

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(38% e 27%, respectivamente), sendo de 61% a redução nas internações por acidente vascular

cerebral e de 34% por diabetes. Houve queda de 62% na taxa de mortalidade infantil e de

11,8% de partos em adolescentes e aumento nas taxas de detecção de tuberculose (81%) e de

hanseníase (130%), acompanhado de redução de cerca de 80% nas taxas de abandono do

tratamento (documentos 7 e 8).

Quadro 5 – Distribuição dos recursos transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB) municipal. Cabo de Santo Agostinho, 1998 a 2004.

Ano PAB-Fixo PAB-Variável incentivos vinculados ao PSF, PACS e SB20

PAB-Variável outros incentivos21

PAB (total)

R$ % R$ % R$ % R$ %

1998 1.201.558,30 65,20 572.283,35 31,06 68.919,00 3,74 1.842.760,65 100,00

1999 1.475.567,49 50,06 1.102.499,98 37,40 369.422,94 12,53 2.947.490,41 100,00

2000 1.499.640,00 37,92 1.950.713,66 49,33 503.965,02 12,74 3.954.318,68 100,00

2001 1.536.486,00 34,47 2.189.997,90 49,13 731.238,20 16,40 4.457.722,10 100,00

2002 1.560.048,00 34,31 2.371.066,68 52,14 615.982,52 13,55 4.547.097,20 100,00

2003 1.789.521,00 34,35 2.771.792,00 53,20 648.599,16 12,45 5.209.912,16 100,00

2004 1.975.140,00 34,42 3.016.480,00 52,57 746.129,72 13,00 5.737.749,72 100,00

PSF= Programa Saúde da Família; PACS= Programa de Agentes Comunitários de Saúde; SB= Saúde Bucal.

Fonte: Ministério da Saúde, 2004.

No âmbito da gestão, o PSF compõe a Gerência de Atenção Básica e agrega uma

coordenadora, quatro supervisoras, uma apoiadora em medicina clínica e uma equipe de

educadores (assistente social, psicóloga, educadora física e educador popular) que executam o

Projeto Saúde, Arte e Educação (SARTE), junto às equipes e comunidades (documento 5 e 6).

Este grupo é responsável pelo acompanhamento e monitoramento sistemático das equipes e

por sua articulação com demais instâncias da Secretaria de Saúde, coordenando, juntamente

20 Para o cálculo foram considerados os seguintes incentivos, vinculados à aplicação no âmbito do PSF e do PACS: PACS, adicional PACS, PSF, SB, PROESF (Programa de Expansão da Saúde da Família). 21 Ações Básicas Vigilância Sanitária; Ações Combate Carências Nutricionais; Farmácia Básica; Epidemiologia e Controle de Doenças; Vacinação Poliomielite; Cadastro Nacional de Usuários do SUS; TFECD - Adicional; Incentivo às Ações de Controle da Tuberculose; Intensificação Vigilância e Controle da Tuberculose; Campanha de Vacinação - Tríplice Viral; Intensificação Ações Vigilância Controle Hanseníase.

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com a Gerência de Vigilância à Saúde, o fórum de discussão e acompanhamento do Pacto

Municipal de Atenção Básica22 (diário de campo 1).

Ainda entre as atribuições apresentadas para a equipe de coordenação do Programa, podemos

referir a articulação e realização de ações intersetoriais com demais secretarias municipais

para promoção da saúde e o estímulo à participação comunitária através do apoio e

acompanhamento das reuniões das equipes de saúde da família com a comunidade e da

formação dos Conselhos Locais de Saúde (documento 5).

Em relação ao SARTE, observa-se que suas atividades estão dirigidas, principalmente, à

educação permanente das equipes de saúde da família, no que diz respeito à execução de

atividades coletivas, como: diagnóstico dos equipamentos e atores sociais locais, bem como

da relação da equipe com os mesmos; comunicação equipe/comunidade; discussão e

planejamento de grupos, reuniões e mobilizações com a comunidade; trabalho que vem sendo

orientado pela concepção da educação popular em saúde (documento 6 e diário de campo 1).

De acordo com a agenda padrão dos profissionais do PSF, utilizada como base para o

planejamento das atividades em cada localidade, de acordo com o perfil da área, estão

contemplados: 1 reunião mensal com a comunidade; de 2 a 4 turnos semanais por profissional

para visitas programadas (exceto o agente de saúde que realiza visitas diariamente) e cerca de

16 atividades com grupos por equipe/mês (documento 6).

No que diz respeito aos indicadores de produção relacionados a tais atividades em 2004, a

média mensal de visitas por família é 1,1; de visitas registradas pelos médicos e enfermeiros é

25; registradas pelos auxiliares de enfermagem é 22 e pelos agentes comunitários de saúde é

185. A média mensal de atividades educativas com grupos registradas pela equipe de

22 O termo “Municipal” foi adotado pelo fato de incluir, ao leque de indicadores pactuados junto à Secretaria Estadual e Ministério da Saúde, outros indicadores pactuados ao nível municipal.

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profissionais de nível universitário e médio é de 4,6 e pela equipe de agentes comunitários de

saúde é de 3,9, ou seja, cerca da metade do esperado a partir das agendas de trabalho23.

Como contraponto e indicativos da necessidade de investimentos na implementação do PSF,

vale registrar alguns aspectos relativos às deliberações aprovadas na V Conferência Municipal

de Saúde “Saúde, qualidade de vida, participação democrática, com inclusão social – Desafios

para o fortalecimento do SUS”, realizada em fevereiro de 2003. Ao mesmo tempo em que

apontam a necessidade de ampliação do Programa no município, bem como de algumas ações

desenvolvidas, como o SARTE, também revela a necessidade de maior fiscalização e

melhoria da qualidade da atenção, da integração dentro do sistema municipal, das relações e

condições de trabalho, da comunicação e divulgação de informações e da mobilização da

comunidade:

� Ampliação das equipes de saúde da família e de saúde bucal;

� Estabelecimento de ações intersetoriais para fortalecimento das ações de saúde e melhoria

da qualidade vida (lazer, educação, infra-estrutura urbana, etc.);

� Melhoria da qualidade e resolutividade da assistência;

� Melhoria da humanização do atendimento;

� Melhoria da integração entre os serviços e profissionais de saúde da rede municipal;

� Implantação de Política de Recursos Humanos para desprecarização das relações e

condições de trabalho;

� Elaboração de plano de capacitação para os profissionais (incluindo o SARTE para todas

as equipes de saúde do PSF);

� Maior autonomia do Conselho Municipal de Saúde;

� Ampliação e capacitação dos Conselhos Locais de Saúde (com maior comprometimento

das Secretarias Regionais na sua implantação);

� Fiscalização do PSF; 23 Fonte: Ministério da saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004. Para cálculo das médias mensais foi dividido o total do procedimento pelo número de equipe e por 11 meses, devido às férias anuais de 30 dias.

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� Melhoria da divulgação e da informação sobre os serviços de saúde prestados pelo

Município e das ações do Conselho Municipal de Saúde;

� Melhoria do material e método de divulgação de temas de saúde junto à população;

� Adequação das unidades de saúde da família para o desenvolvimento de trabalho com

grupos;

� Melhoria da interação entre lideranças e profissionais do PSF e PACS;

� Mobilização da comunidade para participação mais ativa no novo modelo de atenção, no

que se refere à prevenção de doenças e promoção da saúde, potencializando as ações do

PSF (documento 4).

4.1 .1 .4 .1 .1 .4 .1 .1 .4 .1 .1 .C ontexto e atores locais

A coordenação do PSF é exercida por uma enfermeira com pós-graduação e experiência de

assistência e de supervisão em Saúde da Família. A coordenadora considera como ações

fundamentais para o desenvolvimento da Estratégia Saúde da Família, sem prejuízo para os

aspectos curativos e de reabilitação, a prevenção de doenças e a promoção da saúde. Na

identificação da equipe de saúde da família para a pesquisa de campo, a mesma considerou as

ações de mobilização e a integração com a comunidade, o trabalho em equipe e seu tempo de

implantação (entrevista 1 e diário de campo 1).

A localidade identificada compreende 1.072 famílias. São 3.940 pessoas cadastradas, sendo

92,9 % usuárias do SUS (sem plano privado de saúde). Das pessoas maiores de 15 anos,

83,6% são alfabetizadas e 83,2% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola. Quanto à

situação de moradia e saneamento, 99,7% dos domicílios são de tijolos, 99,4% tem acesso ao

abastecimento de água pela rede pública, sendo que 22,7% apresentam o despejo de fezes e

urina a céu aberto. Trinta e cinco porcento das famílias não realizam tratamento de água no

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domicílio, 99,2% têm acesso à coleta pública de lixo e 96,2% à energia elétrica (documento

10).

O perfil de infra-estrutura urbana apresenta-se um pouco melhor do que a média municipal,

com exceção do esgotamento sanitário, apresentando extensas áreas com caneletas a céu

aberto. Chama atenção o dado de 16,8% de crianças de 7 a 14 anos fora da escola, se

compararmos com a informação da Secretaria Municipal de Educação de que todas as

crianças nesta faixa etária estão na escola. Contudo, este fato pode estar associado ao registro

inadequado feito pela equipe ou a problemas no processo de informatização dos dados

(SIAB), o que, em ambos os casos, indica que esta não é uma informação que vem sendo

priorizada pela equipe ou pela gestão, o que compromete a visão ampla da saúde e da

cidadania.

Em 2004, no que diz respeito aos indicadores de produção relacionados às visitas

domiciliares, observa-se que a equipe registrou, em média, 1,06 visitas/família/mês; a médica

registrou 38,6 visitas/mês; a enfermeira 15,3; a auxiliar de enfermagem 15,8 e as agentes

comunitárias de saúde 182. Em relação às atividades com grupos, o registro de reuniões das

agentes de saúde apresentou dados inconsistentes, sendo registrado pelos profissionais de

nível universitário e médio uma média de 3 atividades/mês (documentos 11 e 12). Este perfil

revela que a médica apresenta uma média de visitas acima da municipal, sendo que a

enfermeira e a auxiliar de enfermagem apresentam médias inferiores. Quanto ás atividades

com grupos, o registro encontrado também foi inferior à média municipal.

A equipe atua na área há cerca de 6 anos, sendo oriunda do PACS, implantado há 10 anos. É

composta por médica, enfermeira, auxiliar de enfermagem e 7 agentes comunitárias de saúde,

sendo há cerca de 2 anos incorporada a equipe de saúde bucal, com odontólogo e auxiliar de

consultório e mais recentemente uma auxiliar administrativa. Durante o período de

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75

observação, a auxiliar de enfermagem encontrava-se de licença, não configurando, portanto,

entre os atores entrevistados (diário de campo 1).

A médica tem experiência anterior em unidade básica tradicional e iniciou sua atuação no PSF

há 5 anos, nessa equipe. Fez curso introdutório para o Programa, mas considera insuficiente

para compreender a Política de Saúde (entrevista 2). A enfermeira iniciou sua atuação

profissional no PACS, há 7 anos, nessa mesma localidade. Refere ter decidido trabalhar na

saúde pública durante sua formação, influenciada pela reforma sanitária, com a implantação

do SUS e do PSF (entrevista 3).

A agente comunitária de saúde, identificada para a realização da entrevista e

acompanhamento das visitas domiciliares, iniciou sua experiência no PACS há 10 anos e

considera seu trabalho “complexo por lidar com pessoas”. Recentemente foi eleita como

presidente do Conselho Local de Saúde, mas considera que ainda precisa acumular muitos

conhecimentos para desenvolver tal função. A enfermeira (ex-presidente) foi a principal

incentivadora, pois acredita no seu potencial para mobilizar as pessoas e buscar medidas para

qualificar o Conselho (entrevista 4 e diário de campo 1).

A usuária entrevistada é viúva, 77 anos, hipertensa, diabética e gosta de freqüentar e se

colocar durante as atividades coletivas desenvolvidas pela equipe. Está sendo convidada para

ser conselheira e foi a única comunitária que participou da reunião do Conselho Local para

discutir a necessidade de sua reestruturação, que hoje só conta com os representantes do

governo e dos trabalhadores (entrevista 5).

Dentre seus equipamentos sociais, observa-se uma escola municipal de ensino fundamental,

creche, abrigo de idosos, igreja evangélica e associação de moradores, bem como a existência

do Conselho Local de Saúde. Em relação às lideranças e movimentos locais, não se observou

nenhuma articulação mais sistemática, com exceção da creche, que foi reaberta com

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influência de ações desenvolvidas pela equipe. Também há integração com a Secretaria

Regional, que por sua vez articula no território as ações com as demais Secretarias Municipais

(diário de campo 1).

Quanto ao abrigo de idosos e à associação de moradores, a interação se dá basicamente na

utilização de seus espaços para atividades com grupos. A igreja evangélica nunca foi

procurada para parcerias e, segundo a equipe, a ausência da participação da associação de

moradores é devida ao desinteresse de seu presidente pelo trabalho do PSF, tendo sido

convidado diversas vezes, inclusive para as discussões e composição do Conselho Local de

Saúde (diário de campo 1).

Nas visitas domiciliares observou-se boa integração da comunidade com as profissionais e,

apesar da médica e da enfermeira realizarem visitas direcionadas por problemas trazidos pelas

agentes de saúde, procuram, a partir da compreensão da dinâmica das famílias, orientar suas

intervenções. A agente comunitária de saúde consegue realizar um acompanhamento mais

integral, abordando tanto questões relativas à prevenção de doenças como à promoção da

saúde, como, por exemplo, educação, drogas no ambiente escolar, alimentação, atenção e

cuidado com idosos, sendo marcante a demanda por escuta de problemas de ordem

emocional, bem como o cuidado com que trata dessas questões (diário de campo 1).

A agente de saúde também coordena atividades educativas com a comunidade, como as ações

de promoção nutricional com crianças e mães beneficiadas ou candidatas à Bolsa

Alimentação. As atividades envolvem tanto questões relacionadas à aquisição de alimentos

saudáveis com os recursos que as famílias dispõem, bem como o preparo e aceitação de

alimentos: “elas dizem que os meninos não comem isso, não comem aquilo... e aqui, tanto

eles como elas comem! [...] fazemos o grupo do chuchu, o grupo da batatinha... e aí

preparamos junto a sopa e todos gostam”. Apesar da desenvoltura das agentes, a que foi

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selecionada para a entrevista verbaliza que é preciso todas assumirem essas atividades, pois

sempre fica ao seu encargo planejar e organizar sua execução (diário de campo 1).

De fato, notou-se diferença na qualidade das visitas realizadas por outra agente de saúde, que

atua há cerca de 1 ano no Programa, direcionadas para procedimentos específicos, como

tomada de medicação, marcação de consultas, pesagem de crianças, sem abordar a família, ou

mesmo o indivíduo, de forma mais integral (diário de campo 1).

A médica e a enfermeira também desenvolvem atividades coletivas e educativas, sempre

estimulando a discussão a respeito de questões relacionadas à prevenção e à promoção, pois

muitos participantes tendem a direcionar a fala para consultas individuais ou centrarem em

aspectos curativos. Também utilizam o lúdico como estratégia facilitadora, para descontração

e maior envolvimento, bem como para demonstrar que é possível e prazeroso brincar e rir

juntos, estimulando o lazer (diário de campo 1).

Durante atividade com um grupo de mulheres, a maioria idosas, foi interessante observar a

preocupação da médica em refletir sobre a importância de enfrentar algumas dificuldades por

elas colocadas, para melhoria da sua qualidade de vida. No caso da insatisfação de algumas

em não saber ler, discute a possibilidade de freqüentarem o curso de alfabetização para

adultos, oferecido nas escolas municipais (diário de campo 1).

Também vale ressaltar a fala da enfermeira, durante atividade de educação continuada para as

agentes de saúde, a respeito de mulheres da comunidade, com condições financeiras e

familiares precárias que não utilizam métodos contraceptivos disponíveis. Diante da

colocação de algumas agentes de se tratar de “desleixo” ou irresponsabilidade, pondera a

respeito do direito reprodutivo, que deve ser de todos, independente da classe social, e da

necessidade de estimular as pessoas a refletirem sobre suas condições, desejos e projetos de

vida, no lugar de culpá-las (diário de campo 1).

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Apesar da preocupação explicitada pela equipe de saúde a respeito da qualidade da

comunicação e de seu desprendimento no preparo das atividades com a comunidade,

observou-se durante a realização de reunião para discutir modelo de atenção e prioridades do

PSF, que as agentes comunitárias utilizam muitos termos técnicos e até abreviações, bem

como produzem cartazes com textos longos e imagens pequenas, que não são exploradas nas

falas (diário de campo 1).

A melhoria da comunicação estava sendo trabalhada com o apoio do SARTE, discutindo-se

os motivos e as angustias trazidas pela equipe em relação à dificuldade de se fazer entender e

de facilitar a compreensão acerca do modelo de atenção proposto pelo PSF. No processo de

reflexão e descobertas, a técnica do SARTE pontua que tanto a comunidade como a equipe

estão enfrentando um processo de mudanças (diário de campo 1).

4 .1 .2 .4 .1 .2 .4 .1 .2 .4 .1 .2 . O conteúdo emancipador no cotidiano da unidade de saúde da família:

concepções e práticas

Neste item são apresentadas as idéias expressas nas falas da coordenadora e das profissionais

da equipe de saúde da família, a partir da análise das entrevistas e do diário de campo,

relacionadas ao entendimento das diretrizes políticas e operacionais do PSF e à tradução, em

modos de operar, do conteúdo de sua proposta emancipadora. Do mesmo modo, são expostas

as idéias que revelam a percepção e a relação da usuária com este novo modelo de atenção à

saúde.

São descritos os aspectos que destacaram em relação às características da gestão municipal do

PSF e do modelo de atenção à saúde proposto pelo Programa; ao enfrentamento dos

problemas de saúde pela comunidade atendida; à comunicação e integração entre equipe de

saúde da família e comunidade; ao controle social e relação entre PSF e cidadania. Por fim,

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79

são apresentadas as questões que pontuaram enquanto dificuldades e desafios do modelo

proposto, bem como as sugestões para melhoria de sua implementação.

Características da gestão municipal do Programa Saúde da Família

A coordenadora refere que a gestão municipal tem investido no acompanhamento das equipes

de saúde da família, tanto no monitoramento, como na sensibilização e apoio aos

profissionais. Afirma que esse trabalho de aproximação do nível central com as equipes e

comunidades tem tido um impacto muito forte, pois ao mesmo tempo em que os profissionais

conseguem reconhecer os avanços e as limitações, se sentem estimulados e com segurança a

desenvolverem as ações preconizadas (entrevista 1).

Por sua vez, a médica e a enfermeira pontuam que a gestão investe na capacitação dos

profissionais e no acompanhamento sistemático das equipes, com discussões acerca dos

processos e agendas de trabalho e da avaliação dos indicadores de saúde, bem como com

reuniões colegiadas, espaços onde se trocam informações e experiências, o que estimula a

busca por soluções de problemas comuns (entrevistas 2 e 3).

Estas profissionais consideram que o município vem trabalhando o crescimento e a

qualificação do PSF, tanto das atividades individuais como das coletivas, o que acham

positivo, pois revela a importância dada à participação da comunidade no Programa.

Ressaltam que as equipes são apoiadas na construção da relação com a comunidade, através

da supervisão e do SARTE, o que tem ajudado as reuniões e os grupos, bem como as próprias

consultas, pois muitos profissionais não sabem como atuar, desenvolver projetos ou mesmo se

comunicar com a comunidade (entrevistas 2 e 3).

[...] nem todo mundo nasceu pra fazer grupo [...] atuar junto à comunidade,

pra você passar as informações de uma forma mais entendível [...] de repente

eu me vejo com muita dificuldade quando abro um livro de medicina,

procurando um tema pra passar pra eles [...] de repente esse facilitador [...]

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80

ele minimiza esse problema [...] nessa parte ele tem chegado, me facilitado o

chegar junto a comunidade, tanto na reunião, até na consulta mesmo

(entrevista 2).

A enfermeira menciona a importância da instituição da supervisão, que no município vem

desenvolvendo um acompanhamento sistemático das equipes, fazendo a ponte com a

Secretaria de Saúde, pois o retorno de questões da rotina através de seu núcleo gestor ficaria

comprometido. Além desse aspecto, ressalta sua importância na melhoria da qualidade da

atenção, pois estimula a reflexão acerca do trabalho em equipe, da prática adotada e dos

resultados alcançados:

[...] porque às vezes eu acho que a gente está muito centrado no trabalho do

dia-a-dia, que não para pra refletir [...]. Trabalhando, eu sei que eu estou,

mas “Para onde é que eu vou?”. Então, essa parte da supervisão vir, discutir

com a gente, parar... “O que é que eu estou fazendo?”, “Será que realmente

vai ter um fruto ou eu estou trabalhando só pra dar conta de uma demanda?”

(entrevista 3).

Contudo, refere-se ao distanciamento do núcleo gestor do cotidiano das equipes, à medida que

o Programa vem crescendo, como um ponto negativo, pois provoca um clima de insegurança

entre os profissionais, que não sabem se realmente é conhecida a realidade que vivenciam no

dia-a-dia do serviço (entrevista 3). Também aponta como dificuldades, juntamente com a

médica, as falhas no abastecimento de insumos e a rotatividade de profissionais, que

terminam por comprometer o vínculo que vem sendo construído com a comunidade

(entrevistas 2 e 3).

Aspectos relevantes do modelo de atenção proposto pelo Programa Saúde da Família

Para a coordenadora, o PSF impulsiona as ações de promoção e de educação em saúde, que

praticamente inexistiam, bem como o planejamento, monitoramento e avaliação das ações de

saúde. Considera que a delimitação da clientela e a proximidade e vínculo com a comunidade

vem permitindo e favorecendo o olhar para além da doença, a percepção da realidade de vida

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dos indivíduos e de seu sentimento de cidadania, ao mesmo tempo em que vêm possibilitando

aos profissionais planejar suas intervenções e trabalhar a mobilização social e a cidadania:

[...] levar informações, estimular as pessoas exercerem a sua cidadania. Eu

acho que essa questão da mobilização social, que é uma das características

da Estratégia Saúde da Família, eu acho que é fundamental, na hora que você

tem uma população adscrita – porque nenhum outro modelo ia conseguir

fazer isso, se você não tem um vínculo, se você não consegue dar

seguimento às suas ações. [...] o papel da equipe do Saúde da Família é

muito mais do que dar aquele estalo” (entrevista 1).

Também é referido pela coordenadora que a comunidade que dispõe de uma equipe de saúde

que trabalhe a mobilização e a cidadania, vai ser muito mais orientada. No entanto, acredita

que mesmo as equipes cujos profissionais não possuem um perfil adequado, beneficiam de

certa forma a comunidade, atendendo a algumas de suas necessidades nunca antes

trabalhadas: “[...] principalmente o ouvir, o respeitar, o conhecer pelo nome – que parece ser

tão simples, mas que é tão importante... Se sentir gente mesmo! (entrevista 1)”.

A médica e a enfermeira mencionam pontos semelhantes em relação à prática de saúde,

destacando que o PSF trouxe para os profissionais de saúde a possibilidade de conhecer os

determinantes sociais do processo saúde-doença e desenvolver uma abordagem intersetorial,

envolvendo, por exemplo, saneamento, lixo e encostas. Também pontuam o vínculo entre

profissionais e comunidade, que permite o conhecimento do contexto e da história das

pessoas, a priorização dos problemas a partir de suas necessidades e o estabelecimento de uma

relação de confiança (entrevistas 2 e 3):

[...] porque de repente você começa a chamar o seu paciente de fulano de tal!

[...] começa a conhecê-lo profundamente, assim... na sua totalidade, assim...

familiar, como pessoa [...] como vinculado a outras pessoas da casa [...] você

começa a conhecer a família profundamente [...] é uma porta que se abre

para ele [...] sabe que vai ser bem recebido, ele sabe que ele vai ser

priorizado, quando houver necessidade realmente dele procurar o serviço [...]

uma maior facilidade ao acesso, tanto à unidade de saúde da família, como

aos [outros] serviços (entrevista 2).

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Em relação ao vínculo, a médica e a enfermeira ressaltam que permite a realização de ações

voltadas para a descoberta e incentivo dos potenciais dos sujeitos da comunidade e de sua

autovalorização:

Esse ano eu disse: “não!... vamos fazer uma coisa diferente”. [...] fez sorteio

para fazer escova [...] unhas. [...] a gente fazia palestras de câncer de mama,

câncer de colo de útero e... pegou fez diferente. [...] veio um pessoal daqui

do bairro mesmo, que sabia fazer limpeza de pele, apresentou seus produtos

[...] mostrou qual era o seu trabalho [...] da própria comunidade. [...] e a

Feira de Talentos [...] que mexeu com eles. Trouxe os talentos do próprio

bairro, quem sabia bordar... Então a gente olhou as mulheres. [...] fez umas

brincadeirinhas pra elas pagarem prendas. Elas acharam o máximo [..] eu

acho que mexeu com elas. [...] deixou de pensar só na doença e mexeu com

essa parte dela do se cuidar, que a gente... a gente só se preocupa com a

mulher, de fazer a prevenção [...] ver se a pressão está boa. [...] e a gente

mudou, fez um encontro diferente pra ela se cuidar, olhar pro espelho e

poder se ver no espelho. [....] de início, a idéia [da feira de talentos] era

trabalhar com os adolescentes [...] a gente viu outras pessoas muito felizes

também, podendo mostrar aquilo que eles sabiam fazer. [...] a gente [...] tão

preocupada com a Área de Saúde, que a gente não tem jeito! Olha pra

pessoa, primeiro vê se o geral dela está... [se o corpo está bem], pra poder

ver o “dentro” dela (entrevista 3).

[...] a feira de talentos foi pra trazer o jovem [...] fazer com que ele olhasse

pra dentro de si e procurasse alguma outra coisa, um brilho [...] mostrar pra

ele, que ele tem o seu valor, tirá-los da ociosidade [...] mostrar outros

caminhos [...] esse é outro espaço [...] que a gente trabalha [...] tanto na

escola, como o jovem, assim, de uma forma em geral (entrevista 2).

A proximidade com a comunidade também é tida para a enfermeira como um facilitador da

comunicação, devido ao conhecimento que se tem da história de vida e familiar das pessoas:

Aqui, a gente quando olha o prontuário dele [...] você já tem uma historinha.

[...] você sabe mais ou menos como é a vida dele. E você visita. Então [...]

é... como se a gente não tivesse um padrão pra dar informação. Acho que

numa assistência lá [em uma unidade tradicional], você tem um padrão de

dar uma informação. Quando você chega aqui, você não tem um padrão. Pra

cada paciente que você está atendendo, você tem uma comunicação

diferente. [...] então, essa é a diferença, de eu saber a situação que aquela

pessoa vive em casa e não... não só socialmente, não só financeiramente, às

vezes até a parte da convivência, lá da família (entrevista 3).

Page 96: Programa S Família: amília · Programa Saúde da Família: uma contribuição à análise de seus princípios e prática Naíde Teodósio Valois Santos Dissertação apresentada

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A equipe24 pontua que o PSF conseguiu incentivar as pessoas a cuidarem mais da saúde, pois

“[...] depois que a gente começou a trabalhar no Programa [...] começou a conversar com as

pessoas [...] começou a ver a mudança delas, porque eram pessoas que [...] não é que não

tinham nem condições... mas não tinham interesse [...] (entrevista 3)”. Ao mesmo tempo,

refere que a unidade tradicional não dava conta das ações básicas e não era referência nem

para o PACS, nem para a população de seu entorno, que esperava agravar um quadro de saúde

para ir a uma emergência (entrevistas 2, 3 e 4).

[...] mesmo tendo uma unidade de saúde, ela era muito falha [...]. As crianças

só vinham fazer vacina na campanha [...] a porta do Posto fechava com um

monte de gente, tudo angustiada e a gente dizendo: “Venham amanhã,

durante a semana, que a gente faz”. Só que não era uma garantia, porque...

aqui não funcionava. [...] e na campanha quem trabalhava eram justamente

as duas auxiliares que trabalhavam de segunda à sexta feira [...] (entrevsita

3).

Para a agente de saúde o PSF foi essencial na sua formação e autoestima enquanto

profissional, pois foi delineando seu papel de:

[...] mobilizar a comunidade, acompanhar os doentes, orientar as famílias

[...] proteger a saúde [...] perceber o ambiente [...] saber de cada pessoa,

aquele problema, que chegue na casa e vá se preocupar desde o cachorro até

outra coisa qualquer. [ Desse modo, as pessoas] passaram a valorizar o

agente de saúde, porque eles sabiam que estávamos capacitados pra entrar na

sua casa, dividindo com ele tudo que lhes afeta, seja um problema de

doença, afetivo ou outro (entrevista 4).

Também destaca que o PSF aproximou o serviço das pessoas, que passou a vê-las não apenas

como doentes, mas como cidadãos, na perspectiva de promover a saúde:

[...] não se preocupa só com quem vai medicar ou [...] fazer exame, a gente

se preocupa também com o lado psicológico de todo mundo, até porque a

gente cria uma certa afinidade. [...] esse lado humano de tratar as pessoas, de

estar querendo sempre resgatar essa cidadania, de estar olhando a pessoa

24 Quando as falas da médica, da enfermeira e da agente comunitária de saúde apresentaram as mesmas idéias centrais, estas foram referidas no texto como da equipe de saúde da família, mesmo as entrevistas tendo sido realizadas individualmente, pois revelam concepções que dão identidade a equipe.

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como uma ‘pessoa’ e não como uma doença. [...] de trazer uma qualidade de

vida, de trazer um certo alento [...] (entrevista 4).”

A agente de saúde ainda ressalta como avanços: o trabalho em equipe, o acompanhamento

das pessoas, a melhoria da qualidade da assistência e o acesso da comunidade à informação

sobre saúde. Afirma que a Gestão Municipal vem tendo a preocupação em responsabilizar-se

pela qualidade do acompanhamento e do cuidado com as famílias e que, mesmo a situação

não sendo perfeita, houve muitos avanços e a população foi bastante beneficiada (entrevista

4).

A usuária reforça a colocação da equipe quanto ao falta de identificação e de interesse da

comunidade pela unidade de saúde quando funcionava com o modelo tradicional. Afirma que

anteriormente ao PSF nunca havia ido ao Posto de Saúde da comunidade, que fica perto de

sua casa:

Porque antes, naquele Posto eu nunca fui [apesar de ser muito perto de sua

casa]. Mas eu não achava que aquele Posto era um posto! Está entendendo?

[...] Tudo meu era na Mista [hospital] ou na Cohab [policlínica]. Aí quando

chegou, pronto. Aí foi outra coisa. Vinha logo nas portas, puxando a gente

tudinho pra lá... Eu sou vou pra Cohab ou pra Mista quando a doutora

manda. Agora eu não preciso ir lá. Faz tempo que... Deixei de ir (entrevista

5).

Também pontua a melhoria da qualidade na relação com os profissionais de saúde,

principalmente o médico:

Porque naquele tempo, a gente ia pro médico, tudo bem, a gente falava no

médico. [...] eu ficava até nervosa [...] me dava vontade até de chorar [...]. E

agora, pra mim, o médico é um amigo meu. [...] já passei por muitas

doenças, muitos médicos, muitos hospitais, por tudo. [...] pra mim, o Posto

hoje é uma coisa que... Deus o livre, Meu Deus, que nunca venha a fechar

esse Posto (entrevista 5).

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Considera que o ‘posto’ hoje é uma referência e deseja que nunca venha a fechar, pois o

identifica como sendo da comunidade e que atende bem às pessoas, que devem “[...] procurar

o lugar da gente. [...] Porque no lugar da gente, a gente tem mais fôlego (entrevista 5)”.

O enfrentamento dos problemas de saúde pela comunidade atendida pelo Programa

Saúde da Família

A coordenação e a equipe de saúde referem que a comunidade começa a perceber que cada

pessoa tem responsabilidade com sua saúde e não apenas o governo ou o profissional, bem

como a reconhecer seus direitos enquanto cidadãos e, por exemplo, não mais encarar a morte

de um filho por asfixia ou diarréia como uma coisa “natural”. Estão mais ativas no cuidado

cotidiano com a saúde, demonstrando maior interesse “de nos chamar para falar ou ver algo”,

de realizar uma consulta ou pegar uma medicação, bem como aceitando melhor o trabalho

educativo: “hoje as mães que não saem com uma receita, aceitam as orientações!” (entrevistas

1, 2, 3 e 4)

A agente de saúde relaciona esta mudança ao fato de passarem a ter acesso a informações e

serviços de saúde de qualidade, pois antes não havia conhecimento sobre cuidados básicos e

direitos relacionados à saúde e quando se conseguia atendimento, era de má qualidade

(entrevistas 4).

Com relação à co-responsabilização no cuidado com a saúde, a agente pontua que passaram

um bom tempo marcando consultas e levando medicação, “era aquela coisa, as pessoas

estavam se acomodando demais... demais” e não queriam enfrentar nenhum obstáculo para se

cuidar. Assim, a equipe passou a restringir essas atividades para as pessoas que realmente têm

dificuldade de acesso e a colocar seus limites, pois há as que ainda depositam toda a

responsabilidade nos profissionais (entrevista 4)”.

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Tem um [idoso] que todo dia aqui de manhã, vem tomar o remédio. A

pressão dele nunca mais descontrolou. [...] a equipe sentou, reuniu, falou

com a família, mas não teve jeito. Então se teve a idéia [...] ele realmente

vem, quer dizer, ele estava preocupado com a saúde dele, só que ele não

tinha aquela pessoa que chegasse juntinho. [...] a gente tenta realmente [...]

tirar essa dependência, mas não é fácil. [...] porque eles se agarram... Eu não

sei se é o social deles, que eles estão assim... desacostumados com as

pessoas cuidando deles, que quando ele encontra alguém que se preocupa

com a saúde deles, aí eles vão e... é um apoio, não sei se é essa a visão que

eles têm (entrevista 3).

A enfermeira também refere que a equipe está trabalhando para diminuir essa dependência,

oferecendo o serviço, mas também cobrando a participação dos indivíduos como pegar a

medicação na data correta ou freqüentar atividades de educação em saúde. Também realiza

reuniões para discutir a questão junto às famílias e cria mecanismos que possam facilitar as

orientações, como, por exemplo, cartazes instrutivos para tomada correta da medicação

(entrevista, 3).

A usuária coloca que anteriormente ao PSF as pessoas só procuravam o médico “[...] era

porque já estava quase morto e hoje ninguém pode sentir mais uma dorzinha no dedo que já

chega lá onde está a doutora, e a doutora já vai atender. Às vezes é coisa que nem precisa, faz

um chazinho e fica bom. Mas não, corre pro médico!”. Assim, retrata bem a situação

apresentada pelas profissionais: ao mesmo tempo em que há um melhor acesso aos serviços e

uma maior preocupação com o cuidar da saúde, há também uma transferência da

responsabilidade do cuidado para a equipe de saúde da família (entrevista 5).

Quanto ao acesso a informação e a forma como as pessoas estão encarando as questões de

saúde, a usuária refere que:

Mudou, porque... quer dizer, a gente vivendo com quem sabe é outra coisa”.

É mesmo que estar estudando. Porque se eu estou conversando com você

[...] eu estou aprendendo. Mesmo assim é com a doutora e com o Posto. [...]

Na minha casa, tudo mudou [...]. Eu sou outra coisa, que já estou com 77

anos e sou uma velha. [...] minha família é outra coisa. [...] pode vir outro

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tempo melhor, viu, mas eu não tenho o que dizer de hoje não. Eu aprendi no

Posto e fico ligada aqui, ó [na tv]! Quando vejo passando lá, vejo passando

aqui... eu digo: ‘eu já vi isso no Posto já’. [...] eu sabia lá o que era saúde

nem nada! Nem eu me interessava quando tinha saúde... (entrevista 5).

Comunicação e integração entre equipe de saúde da família e comunidade

A coordenadora pontua que a proposta do PSF tem como base a troca de informações entre

os diferentes atores, imprimindo uma visão de que o usuário e os profissionais não são

indivíduos tão distantes. Entretanto, essa comunicação com a comunidade ainda não está

suficiente para intervir no processo saúde-doença e a intervenção das equipes ainda se dá de

forma muito individual, refletindo a visão que os profissionais têm, que no lugar da família,

enxergam apenas seus membro:

[...] essa comunicação entre... a comunidade, ao meu ver ela ainda é

individual. Embora hoje, se formos avaliar até pelos próprios indicadores

que temos, [...] eles também estão sendo voltados ao individual. Individual,

quando eu coloco é: como é que é esse relacionamento com a família? [...]

embora seja cadastrada aquela família, naquela rua, a visão é muito

individualista; em vez de ‘família’, é de ‘a criança que tem lá’, ‘a gestante

que tem lá’, ‘o idoso que tem lá’ [...] visão individual – que eu considero

extremamente importante, [...] mas essa visão mesmo ‘dessa família’, o que

é essa família, o que é que esse contexto familiar vai representar nisso

(entrevista 1).

Expõe que a relação com alguns desses grupos (crianças, gestantes, idososo) se dá de maneira

mais aprofundada, enquanto que há outros que o PSF ainda não conseguiu se aproximar,

como os alcoolistas. Desse modo, como também colocado pela agente de saúde, não são

todos da comunidade que entendem o trabalho da equipe e a comunicação se dá melhor com

os que freqüentam mais o serviço (entrevista 1).

A coordenadora refere ainda que há equipes que conseguem ter um olhar diferenciado e

tentam ampliar as ações, envolvendo, por exemplo, os homens. Contudo, também pontua ser

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necessário que a aproximação também se dê no coletivo da comunidade e entre seus

membros:

Que não é só uma aproximação de uma consulta, dentro de um consultório,

de uma visita, mas uma aproximação mais coletiva, onde todos vão poder

contribuir; não só a equipe, mas também tem a contribuição daquele vizinho,

que sempre também via de uma forma diferente aquele outro, e que também

pode contribuir [...] (entrevista 1)

A equipe coloca que as agentes comunitárias são a principal ponte com a comunidade, pois

estão diariamente nas casas, mas que os canais de comunicação se dão desde o atendimento

no consultório, pois existe a liberdade de conversar com o profissional para “além das queixas

físicas”, até o próprio contato com as pessoas na rua e acontece de forma mais coletiva nas

atividades com grupos, nas reuniões e no Conselho Local de Saúde (entrevistas 2, 3 e4).

As profissionais da equipe também ressaltam que estes espaços coletivos são pontos de

partida para se organizar e discutir os problemas, onde se incentiva o olhar crítico, a reflexão

e a fala. Por terem esta importância, têm procurado algumas estratégias para aumentar o

interesse da comunidade em participar, como reduzir a duração das reuniões para que não

fiquem cansativas (entrevistas 2, 3 e4).

A agente de saúde pontua que a equipe tem procurado abordar durantes suas atividades a

organização da rede de saúde e seus níveis de atenção, bem como aumentar a participação da

comunidade em seu processo de trabalho, facilitando um melhor conhecimento do PSF,

inclusive de suas limitações, e a contribuição na superação das dificuldades, pois percebem

que parte das insatisfações é devida ao não entendimento do Programa e do papel dos

profissionais (entrevista 4).

Menciona ainda que a resolução de problemas relacionados ao atendimento à comunidade

depende, em grande parte, do acolhimento feito pela equipe, pois muitas vezes o que tem

maior importância é o esclarecimento da situação, pois as pessoas se sentem respeitadas:

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Naquele momento... se não tem... Ave Maria! [...] diz que a gente não fez

nada, “o Posto não presta, o Posto não tem nada”. Aí a gente volta

novamente. Vamos ver o que foi que aconteceu [...]. A gente começou a

perceber que esse “não fazer nada” para as pessoas era a falta de

entendimento do que é nossa função.[...] a gente passou sempre a querer

esclarecer [...] do PSF, urgência, emergência, o que é o serviço de saúde, o

que é do enfermeiro, o que é do médico [...] sempre dizendo que eles têm

essa abertura pra falar, [...] mudar, [...] participar [...] como a pessoa está de

fora, é muito fácil dizer o que faria e acontecia. [...] a gente trouxe algumas

pessoas para fazerem parte desse processo e realmente elas viram [...] a

gente fazia uma coisa, aí mudava, “não é assim”, aí mudava, “não é assim”,

aí mudava [...] então percebeu que realmente não dava pra agradar todo

mundo e que a gente estava tentando. Mas tinha que vir alguém de lá pra ver

isso aqui dentro (entrevista 4).

Entretanto, na fala da médica ainda aparece com contradição a concepção de que as

dificuldades em relação à compreensão do Programa e à aceitação das ações de prevenção e

de promoção por parte da comunidade, se dão por conta de suas limitações de entendimento

(entrevista 2). Estas dificuldade já são focadas pela enfermeira e pela agente de saúde, e em

alguns momentos pela própria médica, como conseqüência da cultura do modelo hegemônico

centrado no médico, na cura e no hospital (entrevistas 2, 3 e4).

Contudo, a médica pontua que para o enfrentamento da situação é importante trabalhar a

comunicação, utilizando, por exemplo, o teatro de rua, pois considera que através do lúdico a

informação é transmitida com maior facilidade. Refere que a equipe já encenou algumas

peças e tiveram um impacto muito bom, pois a população verbalizou “como é bom entender

como as coisas se dão (entrevista 2)”.

A usuária revela que se sente a vontade para falar com os profissionais da equipe, não tendo

mais o nervosismo e medo que tinha antes para falar com um médico. Refere não saber se há

um caminho certo para falar, mas que, independente disto, nas reuniões coloca o que está

bom, o que está ruim e como acha que deveria ser:

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Olha menina, vou te ser bem franca, visse... Caminho eu não sei se tem.

Agora, quando eu quero falar, eu falo. Quando tá faltando, quando tá alguma

coisa, eu digo mesmo na reunião: “não podia ser assim”, “não dava pra ser

assim, não?” (entrevista 5).

O controle social no Programa Saúde da Família

Para a agente de saúde, as pessoas “hoje elas têm mais consciência daquilo que é oferecido e

quando falta, elas têm é que reclamar e estão reclamando porque sabem que tinha (entervista

4)”. A coordenadora acredita que se um gestor resolver acabar com o PSF, terá uma pressão

contrária da comunidade, que está mais crítica em relação ao serviço de saúde, pois já tem, de

alguma forma, um canal para verbalizar, o que não havia anteriormente. Mesmo acreditando

que o PSF é um ótimo caminho para o controle social, expõe sua preocupação com sua

sustentabilidade:

Estamos no processo inicial de construção mesmo. [...] Isso está me

preocupando muito [...] eu posso dizer até angustiada com isso, com a

sustentabilidade disso. Quando você coloca do controle social, é... eu sinto

que o caminho é esse. Mas que... eu considero que ainda estamos um pouco

distante disso [...]. Mas assim, existem alguns desafios, algumas etapas que a

gente precisa resolver [...]. Eu acredito que estamos... eu sou muito positiva,

eu tenho certeza que estamos no caminho certo [..] (entrevista 1).

Assim, expõe que o controle social ainda é incipiente e se dará lentamente, pois as

transformações efetivas nos serviços de saúde são muito recentes e apenas a Estratégia Saúde

da Família não será suficiente para modificá-lo. Considera que esse é um dos desafios para a

sustentação da proposta e que uma das etapas que precisam ser superadas “[...] é a

identificação e adaptação do profissional à Estratégia”:

[...] me incomoda um pouco, sempre as pessoas colocarem como

justificativa a formação, eu considero que tem uma importância muito forte,

mas tem outro fator que pra mim é extremamente importante, que é se

identificar com esse tipo de trabalho. [...] hoje você está dentro de uma

equipe do Saúde da Família, você até sabe suas atribuições, mas você ainda

não percebeu o desafio do objetivo que você tem ali. [...] É óbvio que estou

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generalizando, existem outras situações diferentes, de que já... a visão já está

muito mais ampla [...]. Quando eu coloco essa questão do profissional, é que

eu entendo que ele é quem vai poder estimular essa comunidade... E na hora

que esse profissional, ele não se identifica com aquilo, o processo é muito

mais lento, até que aquela comunidade [...] consiga exercer esse controle

social (entrevista 1).

A equipe, por sua vez, coloca que têm estimulado a comunidade a participar do trabalho

desenvolvido, avaliando e sugerindo reajustes para sua melhoraria (entrevistas 2, 3 e 4).

É tudo o que a gente quer, que as pessoas usem essa abertura, que usem

esses direitos adquiridos por eles, que realmente venham falar, mas não pra

seu vizinho, para a equipe, que atua aqui como Saúde, que a gente que vai,

realmente, fazer o reajuste, ver o que é que dá pra mudar, o que dá pra

melhorar realmente (entrevista 4).

Para a médica, a comunidade de alguma forma tem se colocado durante as reuniões, o que é

um avanço “[...] essa postura da comunidade [...] ela busca, ela vem resolver, ela vem discutir

[...] mesmo que ela venha pedir a ambulância, mais ela chega [...] nem que seja para ouvir a

explicação [...] (entrevsita 2)”. Entretanto, a participação ainda é pequena, o que frustra a

equipe, bem como a dificuldade de compreensão da comunidade acerca do controle social

(entrevistas 2, 3 e 4 e diário de campo1).

A enfermeira credita essa dificuldade ao fato de não compreenderem o Programa:

[...] então, na parte do Conselho Local de Saúde eu vejo uma dificuldade

muito grande [...] acham que participar do Conselho de Saúde é fiscalizar o

Posto [...] se resumisse só nisso. Isso também faz parte [...] mas essa parte do

participar eu acho que tem falhas [...] acho que o Programa foi jogado [...]

eles tinham um tipo de assistência e de uma hora pra outra mudou e a cabeça

deles ficou com aquele outro lado ainda: a parte de hospital, a parte da

medicina realmente curativa. Então essa parte de Controle Social fica difícil

[...] a gente não via esse outro lado de estar cobrando, de ver assim: “Por quê

são tantas consultas?”, “Por quê são tantos exames de prevenção?”, “O que

foi que aconteceu?”. Quer dizer... essa parte deles realmente participarem

[...] até do próprio interesse de estar sabendo o que foi feito no Posto o ano

todinho. Eu sei que eu vejo a médica chegar, a enfermeira, de 8 horas já está

aqui, ás 5 horas vão embora, mas o que foi que eles fizeram? Então eu acho

que essa participação deveria, assim, existir da parte deles (entrevista 3).

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Desse modo, sente que a equipe tem mais preocupação de mostrar o que fez, do que a

comunidade em tomar conhecimento e debater ou indagar sobre o PSF. Quanto a isso faz a

seguinte reflexão:

Eu acho que é a miséria, tira um pouco, eu acho, que a esperança das

pessoas... de ver aquela mesmice. Às vezes... A própria vida que elas

tiveram, política. Vivem abaixo da politicagem, atrás de um... de um pão.

Atrás de uma cesta básica [...] as pessoas se acomodaram com esse nível e a

gente está tendo uma mudança e eles não estão percebendo essa mudança

todinha. Continuam do mesmo jeitinho [...] Eu acho que eles ficaram meio

perdidos. Devido ao... como eles foram englobados na sociedade. Eles foram

tão esquecidos, tão machucados, foi...tão pisados, que [...] assim, deixa eles

pararem de viver. Se tiver comida está bom, se não tiver... também está bom.

Se os meninos estiverem em casa, maravilha, mas se tiver na rua também

não tem problema não. Então, se estão na escola, ótimo. Mas também, se não

tão na escola, não tem... Então, essa falta de perspectiva, sabe? Eu mesmo eu

fico assim, às vezes eu digo, “eu acho que a miséria tirou um pouco isso das

pessoas, a esperança” (entrevista 3).

Em relação ao Conselho Local de Saúde, a equipe refere estar havendo dificuldades em

preencher as vagas destinadas aos usuários, bem como em conseguir uma participação mais

ampliada, pois apenas um grupo se interessa. Considera que o Conselho ainda não entende

seu papel e que focaliza sua atuação fiscalizadora, sem conseguir realmente avaliar e ser

propositivo (entrevistas 2, 3 e 4 e diário de campo 1).

As profissionais apontam que é preciso maior envolvimento do Conselho Municipal de Saúde,

no sentido de expor para a comunidade o que é o Conselho Local, para que possa discutir e

enfrentar os problemas de saúde. A agente de saúde ainda pontua que é preciso capacitar os

conselheiros, para que possam entender seu papel e seu valor para a comunidade, pois “se eu

não sei o que eu estou fazendo ali, por que eu vou querer estar ali?! Né?!” (entrevistas 2, 3 e 4

e diário de campo 1).

A usuária reforça a fala da equipe de saúde ao referir que se coloca nas reuniões, quando quer

reclamar ou fazer sugestões, mas também coloca que “tem gente que fala, mas você sabe, tem

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gente que, quando chega num lugar, não tem boca pra falar. [...] Só fala por detrás (entrevista

5)” e acha melhor se acomodar com os problemas do que tentar mudar. Entretanto, ao mesmo

tempo em que:

Acho esse Posto daí bem controlado. [...] quando a gente fala, sempre eles

prestam atenção ao que a gente está falando, pra ver se eles conseguem fazer

de outro jeito, que a gente quer. [...] explica o que está acontecendo, o que é

que está faltando, o que é que estão pensando em fazer... [refere que] “já

tentei falar pra mudar muitas coisas, nada acontece” (entrevista 5).

Acredita que se a comunidade se unisse e fosse procurar os gestores, conseguiria alguma

solução para os problemas, como por exemplo, para o horário da coleta de sangue:

Eu acho que dava pra todo mundo que precisa, ir atrás dos maiores pra

mudar esse horário. [...] os chefes da Saúde, os administradores da Saúde.

[...] É porque tem gente que está ‘morrendo com o peso’ e está achando

‘maneiro’. [...] E você sabe que uma andorinha só não faz verão. Se eu for

só, só eu falar, aí vai todo mundo fazer o que? Quando não der uma vaia –

que não é um comício, mas vai ficar falando: ‘aquela fulana só quer ser’. [...]

Eu vejo muito isso. [...] se fosse uma maioria – porque uma minoria você

sabe que é o mais fraco, não é? – que fosse lá e fosse pedir pra ter uma

solução nesse problema, eu acho que tinha (entrevista 5).

Quanto ao Conselho Local de Saúde, sabe que existe e que já se falou dele em reunião com a

comunidade, entretanto, não deu atenção ao assunto e não sabe como funciona, nem para que

serve.

O Programa Saúde da Família e a cidadania

A coordenadora considera que a vinculação da clientela e a responsabilização sanitária

imprimem um papel fundamental à Estratégia Saúde da Família: possibilitar à equipe de

profissionais, a partir de um olhar diferenciado sobre os problemas de saúde, desenvolver um

leque diversificado de ações e atividades com a comunidade, voltadas para a cidadania e para

os direitos e deveres dos cidadãos, incluindo sua co-responsabilidade com a saúde (entrevista

1).

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Entende que o tema da mobilização social precisa ser trabalhado junto às equipes, seja através

de momentos de discussão com os profissionais, abordando como têm percebido o movimento

da comunidade e como têm trabalhado a questão da cidadania, seja na garantia e

monitoramento de espaço para atividades coletivas em suas agendas de trabalho:

[...] dentro da própria agenda do profissional, proporcionar um espaço que,

aqui no município, a gente dá o nome de reunião com comunidade [...].

Então toda equipe, ela tem garantido nessa agenda [...] a gente considera

importante e a gente monitora e faz com que realmente funcione. A gente

acredita que essa questão da mobilização da comunidade, ela tanto pode ser

feita estimulando numa consulta, num atendimento domiciliar, mas, mais

ainda, num momento mais coletivo, num momento onde a comunidade está

participando. Que aí também a gente entende que esse espaço que hoje é

proporcionado, que inclusive a gente estimula e a gente monitora, é um

espaço de construção mesmo, que a proposta não é a equipe sentar, falar de

cidadania [...], mas sim, abrir uma problematização mesmo, deixar com que

a comunidade possa evoluir (entrevista 1).

Por outro lado, é realizada através do SARTE uma ação de educação continuada com as

equipes de saúde, abordando-se questões como educação popular, cultura, comunicação,

grupos e trabalho em equipe, a partir de um processo de reflexão de sua vivência, sendo

estimuladas, orientadas e apoiadas para o desenvolvimento de atividades coletivas (diário de

campo 1).

Para a médica, o PSF, por facilitar o acesso a uma política pública, estimula que o cidadão

lute pelo direito à sua saúde. Além disso, considera que:

Você mostrar ao cidadão que ele tem direitos e que ele também tem deveres,

é isso que a gente faz aqui também, acho que alguma coisa deve ficar...

nessas reuniões que a gente sempre está teclando [...] o quanto é importante

ele ter essa preocupação, avançar, ter uma melhor qualidade de vida e fazer

uso do direito que tem, enquanto comunidade, enquanto cidadão [...] o

direito a uma vida melhor [...] à saúde, à escola, ao atendimento no posto, à

saúde de um modo geral [...] até ao lazer, ao social mesmo, à comunicação

[...] (entrevista 2).

Page 108: Programa S Família: amília · Programa Saúde da Família: uma contribuição à análise de seus princípios e prática Naíde Teodósio Valois Santos Dissertação apresentada

95

Destaca o trabalho que desenvolvem com os idosos, pessoas que se acostumaram "[...] a ter

pouquinho, a ser roubado durante a vida todinha e quando ele chega no final da vida, ele

chega com tão pouco, que com aquele pouco ele se conforma”. Assim, a preocupação é que

possam viver experiências diferentes, como uma tarde de lazer, onde “agente estimula

justamente o contrário, que ele tem que lutar [...] ganhar seu espaço [...] procurar outras

alternativas de vida, isso tanto na alimentação, como na saúde, como no esporte, existem os

limites, a gente mostra isso (entrevista 2)”.

A enfermeira menciona que as pessoas ainda precisam acordar para a cidadania e que o PSF

estimula a cidadania ao despertar nas pessoas o prazer de se cuidar, desenvolvendo um

processo educativo, de reflexão acerca da responsabilidade de cada um no cuidar de si, de

como se dão os problemas, o que cabe à própria pessoa e ao coletivo dos moradores, o que

cabe ao governo e o que já se conseguiu mudar, “porque às vezes, as pessoas chegam... ‘está

do mesmo jeito como era!’ e eu faço ‘mas, espere aí, faz 6 anos que eu estou aqui e eu já vejo

tanta coisa diferente (entrevista 3)”.

Coloca ainda que este seria um primeiro patamar, “você indiretamente fala com ele sobre o

cidadão, de ele se cuidar [...]”, para depois abordar a questão da cidadania diretamente, não

mais apenas através da saúde, mostrando “olhe, você é cidadão, você tem direito, você tem o

dever – não é nem mais o direito – de modificar a situação onde você vive” e não apenas

reclamar ou até mesmo contribuir para degradá-la:

Tem um canal, que quando começa a entupir, o pessoal [da prefeitura] está

trabalhando pra tirar as sujeiras que a própria comunidade coloca lá e ela

mesma reclama porque está entupido. [...] Teve uma época que a gente teve

um Conselho que realmente estava bem atuante e a gente chegou a conversar

com eles, justamente essa parte do canal. Eles mesmos vão colocando, a

própria comunidade, que tinha até cadeira dentro do canal. Quem foi que

jogou a cadeira? O vizinho [...] “Eu não faço, mas o meu vizinho faz”. Aí

tem aquela coisa de atrito. Como é que vai conversar com o vizinho? Então

foram coisas que a gente já colocou, eles já colocaram , então a gente já teve

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esse espaço [...] eles sabendo que realmente a culpa não é exclusivamente do

sistema (entrevista 3).

A agente de saúde considera que no PSF as pessoas estão exercitando sua cidadania:

Porque existe uma democracia, existe porque cada pessoa, ele tem assim... o

seu espaço pra falar, pra se expor [...] você pode optar e opinar como esse

serviço vai ser passado pra você. Então, se eu tenho esse poder, eu estou

sendo cidadão, eu estou tendo consciência de que eu posso interferir

indiretamente ou diretamente no processo que está existindo dentro da minha

comunidade (entrevsita 4)”.

Menciona ainda que a equipe de saúde procura incentivar a participação efetiva da

comunidade e olhar para os indivíduos como cidadãos, despertar nas pessoas seus direitos e

também deveres, mostrando que eles podem e devem ter responsabilidades com eles mesmos

e com seus familiares.

A gente dá as orientações [...] o instrumento, cada pessoa tem que saber usar

em seu próprio benefício e não esperar que a gente faça tudo sozinha [...]

tem que ver os direitos e deveres das pessoas e não carregar elas no braço

[...] esclarecer que a gente sozinha não pode fazer muita coisa não

(entrevista 4).

A usuária coloca que já conversou sobre o SUS nas reuniões com a equipe de saúde, mas não

entende como é, só sabe que é o que a comunidade tem. A respeito de cidadania refere que

“[...] eu conheço pouco, mas só o jeito da gente ser atendido, já se considera a gente ser uma

cidadã. [...] você se deslocar da sua casa e vir pra gente conversar, já estou me sentindo uma

cidadã. [..] se chega um agente de saúde na minha porta, eu já estou me sentindo uma cidadã

(entrevista 5)”.

Algumas dificuldades e desafios do modelo de atenção proposto pelo Programa Saúde da

Família

Mesmo considerando que a formação na área da saúde é um obstáculo para o

desenvolvimento da proposta do PSF, pois está centrada na técnica do procedimento clínico, a

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coordenadora aponta que as mudanças proporcionadas pelo Programa já causaram um grande

impacto na qualidade dos serviços prestados à comunidade. Entretanto, enfatiza que é preciso

ter consciência do grande desafio que é trabalhar a demanda reprimida e ao mesmo tempo a

escuta e a mobilização (entrevista 1).

Lembra que “[...] o nosso país, a nossa cultura não é de mobilização” e que alguns

profissionais ao chegarem na comunidade sentem um impacto tão forte, que pensam em

desistir do trabalho:

[...] se fala tanto em formação do profissional [...] que tem um grande peso,

mas não é só isso. [...] o que é ter perfil pra estar no Saúde da Família? [...]

como é que hoje eu vou estar estimulando uma comunidade pra realizar isso,

onde a minha prática não é essa? [...] esse é um primeiro desafio: tentar fazer

com que os profissionais não só se sensibilizem quanto a essa prática, mas

que possam incorporá-la realmente. Então assim... a minha preocupação...

claramente é que na prática a gente ainda tem uma distância [...] no sentido

de mobilização da comunidade [...] de estimular a população a exercer a sua

cidadania (entrevista 1).

A médica refere-se ao número elevado de famílias e de pessoas com problemas de saúde, o

que dificulta o estabelecimento de vínculo com todos, bem como a dificuldade da comunidade

em aceitar e aderir às atividades de prevenção e de promoção. Correlaciona esta dificuldade

ao “nível intelectual” da comunidade que, acostumada com o modelo tradicional, não

compreende as diretrizes do Programa, sendo preciso falar continuamente para ver se “infiltra

a informação”, procurando estabelecer uma linguagem que a comunidade compreenda

(entrevista 2).

[...] eu me lembro que chegou o final de ano, que a gente trabalhou,

trabalhou o ano inteiro, a gente olhou pra trás e a comunidade perguntava:

“E a ambulância?” “E a emergência?” “E a injeção no Posto?”. Quer dizer,

eles não entendiam que medicina a gente estava fazendo. Não entendiam

porque a gente fazia aquelas reuniões de grupos, pra atender ao hipertenso,

ao diabético, pra fazer uma cobertura à mulher [...]. Isso aí fez a gente sentir

muito [...]. O que a gente tentou fazer diferente foi enfocar justamente o que

era o Programa [...] (entrevita 2).

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A coordenadora, a enfermeira e a agente de saúde pontuam com mais ênfase que essa

dificuldade se dá devido ao modelo de atenção historicamente baseado na medicina curativa e

nas policlínicas e hospitais, tendo que se entender que não será de uma hora para outra que a

população irá compreender o PSF, pois as mudanças foram muitas (entrevistas 1, 3 e 4).

Considerando que as pessoas que freqüentam mais a unidade de saúde da família já percebem

que a preocupação não é apenas em fornecer uma medicação, mas também em melhorar sua

qualidade de vida, como, por exemplo, maior acesso à informação; apontam como solução o

estabelecimento de discussões com a comunidade a respeito do sistema de saúde, o que está

diferente e o que avançou (entrevistas 1, 3 e 4).

Entretanto, ressaltam que há dificuldade em conseguir participação da comunidade nos grupos

e nas reuniões e que são sempre as mesmas pessoas que freqüentam estes espaços. Em relação

a esta questão, a médica refere que talvez o problema esteja na falta de interesse da

comunidade ou no poder de persuasão dos agentes comunitários de saúde na hora do convite,

e, assim como a enfermeira, acredita ser necessário trabalhar mais no processo educativo, que

é longo e difícil.

[...] estar chamando a comunidade, estar se reunindo com ela [...] é difícil, a

gente chama, mas não vêm. [...] o caminho é esse mesmo: estar conversando

com eles e insistindo realmente, mostrando [...] o que a gente já ganhou. [...]

me doeu... a pessoa chegar e dizer assim: “Mas a Saúde está do mesmo jeito

que foi há não sei quantos anos atrás”. Olhei assim... e disse: “Não é. Eu

cheguei estava desse jeito e hoje em dia já está dessa forma”, quer dizer, as

pessoas não enxergavam. Mas o caminho é esse [...] estar falando, falando,

mostrando (entrevista 3).

A enfermeira também menciona a dificuldade em relação à articulação com outros setores,

pois a equipe de saúde da família propicia uma abertura para se falar dos diversos problemas

enfrentados no território, mas não há a segurança do retorno de algum encaminhamento

necessário, o que termina desacreditando a própria equipe perante a comunidade:

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[...]o canal entope, mas não tem aquela preocupação de procurar “Qual é o

setor que eu vou fazer uma queixa que realmente vai dar resposta aquilo ali

pra mim?”. Aí chega numa reunião daqui com a gente, ele pega e coloca.

Então a gente... bom, mas é uma abertura. Eles já estão colocando alguma

situação que não é da... só da área do Posto. [...] É uma porta que foi aberta,

mas ela não é totalmente aberta. Porque foge também do controle da gente,

porque a partir do momento que a gente chamou o outro setor pra vir, a

gente está entregando a esse setor e a gente não tem essa... esse retorno desse

outro setor pra poder dar resposta. Então eu acho que de um... de um jeitinho

a gente também fica desacreditado perante eles (entrevista 3).

A agente de saúde também aponta como dificuldade, apesar do reconhecimento por parte

Governo e da comunidade de sua importância, o fato de não ser recompensada do ponto de

vista salarial pelas responsabilidades que lhe são atribuídas (entrevista 4).

As dificuldades colocadas pela usuária referem-se à demora na substituição dos médicos, à

irregularidade no fornecimento de alguns medicamentos e ao horário de funcionamento da

coleta de sangue (entrevista 5).

Sugestões para melhoria do Programa Saúde da Família

A coordenadora expõe que a sustentabilidade da Estratégia Saúde da Família está relacionada

ao esforço de oferecer uma clínica de maior resolutividade, sem deixar a mobilização e o

controle social para segundo plano, pois para realmente haver uma melhoria da qualidade da

atenção à saúde, estes precisam ser processos paralelos e não gradativos (entrevista 1).

Também considera que as competências dos profissionais das equipes de saúde da família

precisam ser melhor discutidas, principalmente as do agente comunitário de saúde, e que boa

parte do sentimento de sobrecarga está relacionada à deficiência na organização do serviço.

Desse modo, afirma ser necessário maior investimento na questão gerencial, tanto para os

profissionais como para os gestores, bem como um olhar diferenciado quanto à capacitação

dos profissionais como única solução para melhoria do processo de trabalho (entrevista 1).

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A coordenadora pontua ainda que os níveis federal e estadual deveriam estar mais junto dos

municípios, contribuindo não apenas na implantação do PSF, mas fundamentalmente na sua

sustentação. Todavia, ressalta que é preciso compreender que um maior apoio dessas

instancias não pode significar que o município fique a espera por demandas, pelo contrário,

que ouse a traçar novos caminhos, novas estratégias de enfrentamento dos problemas, sem

perder de vista as diretrizes do Programa e envolvendo nesta construção os profissionais da

ponta, que não estão apenas para executar, mas sim para construir junto (entrevista 1).

Nesse aspecto, considera que o acompanhamento mais próximo das equipes de saúde da

família contribui não apenas para a viabilização de novas estratégias de trabalho em seus

territórios, mas também contribui para a construção de estratégias ao nível municipal:

[...] é o que a gente vem tentando fazer. Tudo o que é inclusive planejado pra

ser discutido mais amiúde, mais próximo das equipes, isso é planejado em

conjunto com a equipe. Então, na hora que... tudo vai ser abordado, que vai

ser discutido, inclusive o que se traz como produto, ela serve como... de

subsídio inclusive pra elaboração de estratégias que não sejam só locais, só

equipe a equipe, mas gerais (entrevista 1).

Pontua ser fundamental apoiar, divulgar e estimular a troca de experiências de promoção da

saúde desenvolvidas pelas equipes, pois considera essencial estar trazendo algo novo “[...] é

altamente mobilizador pra equipe, quanto praquela comunidade [...] se não existe esse apoio e

esse estímulo, a tendência é virar rotina [...] de acordo com a rotina, nós não conseguimos

enxergar impactos e a proposta principal da Estratégia é a gente identificar sim, impactos

(entrevista 1)”.

Para a médica, são necessários cursos de especialização para que os profissionais entendam

mais da política de saúde e dos pactos de indicadores, através não apenas de “pinceladas”. A

sugestão é uma escola de saúde pública para os profissionais do próprio município e dos

municípios vizinhos. Também comenta a importância de reforçar os colegiados com os

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profissionais, para uma maior troca de informação e um melhor debate das questões

(entrevista 2).

A enfermeira lembra a importância do trabalho voltado para a própria equipe, pois os

profissionais precisam também se enxergar e serem considerados como cidadãos e como seres

humanos com anseios e limites, inclusive de responsabilidade sobre o que acontece na área:

Teve uma coisa na área... aí a gente já se vê apontada. “Quem foi o

culpado?”, “Quem pegou no paciente?”, “Quem tratou?”. Então essa parte

aí, da gente se trabalhar. [...] Aqui tinha muito problema com álcool [...] e

uma vez chegamos angustiadas pra uma colega... “Meninas, sentem aí!”,

“Vocês não são Deus!”. Quer dizer, mas aquela preocupação, essa parte

realmente precisa se trabalhar o cidadão na gente, o ser humano, o ser

pessoa, mesmo sendo profissional a gente é gente, a gente é pessoa humana.

Então, essa parte aí, ela poderia ser melhor trabalhada (entrevista 3).

Considera que o tema da cidadania precisa ser melhor desenvolvido junto aos profissionais de

saúde, que terminam limitando sua abordagem aos serviços oferecidos e ao estímulo à

responsabilização de cada pessoa no cuidado com a saúde, o que considera insuficiente.

Refere ser “[...] muito importante a gente passar um pouquinho dessa fase e trabalhar de

forma mais direta”, das pessoas saberem que para as coisas acontecerem também é preciso de

sua ação, que “[...] depende dele muita coisa [...]. Tem que dizer suas necessidades e tem que

também dar algumas soluções”. Nesse sentido, aponta que é preciso “[...] jogar a pergunta pra

outra pessoa, para ela parar e refletir: o que é que eu posso fazer? (entrevista 3)”.

Para tanto, também coloca ser fundamental os profissionais terem “[...] uma preparação pra

passar isso pra eles, pra eles despertarem realmente [...]. Porque não é chegar... você tem o

direito!”, mas também o que fazer diante dele. Pontua ainda a importância de amadurecer o

trabalho educativo com os grupos, para que se possa alcançar resultados positivos:

[...] saber trabalhar com o grupo pra chegar no ponto. Eu vejo essa

necessidade. [...] se eu for trabalhar, vai ser na intuição [...] aí você vai ter

aquele receio, de não ter a parte técnica. Aí você dá um deslize, e termina...

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mesmo querendo ajudar, pode ser que você termine atrapalhando, não é?

(entrevista 3).

A agente de saúde coloca a necessidade dos profissionais aprenderem melhor a escutar e

abordar questões ligadas à angústia, a relações humanas, pois a comunidade precisa e pede

um agente de saúde que não fale e veja apenas questões de doença:

[...] eu queria que tivesse uma capacitação específica, pra gente entender

melhor esses problemas pessoais que as pessoas têm, essa ansiedade [...].

Desse desabafo, essas coisas todas [...] às vezes a gente assim, “Pôxa, será

que realmente eu posso falar isso assim?" [...] uma capacitação dirigida

assim, para as relações humanas [...] problemas que todo mundo tem e todo

mundo joga pra gente, sempre espera que a gente vá lá e diga [...] ou que a

gente simplesmente escute (entrevista 4).

Também ressalta ser preciso aprofundar sobre o SUS e a política de saúde, bem como sobre as

responsabilidades de cada esfera de governo, para que se possa entender suas possibilidades e

limites, “[...] é uma coisa que eu gostaria de ter conhecimento: o SUS, o que é que o SUS

paga? [...] Por que acontece assim? [...] Por que a gente não pode ter mais especialista?

(entrevista 4)”.

Assim como a enfermeira, aponta que é preciso o PSF estar ligado a outros setores do

Governo para que se possa abordar questões como, por exemplo, a desnutrição, dando suporte

com os recursos existentes, pois há programas sociais que nem sempre chegam em quem de

fato precisa (entrevistas 3 e 4).

[...] tem gente que eu fiquei até pensando: não sei por quê está querendo,

porque realmente tem condições [...] e ela tem esse benefício?! Outras

pessoas... esse menino mesmo que eu fui lá ver [...] ele não tem benefício

nenhum [...] eu estou tentando conseguir uma cesta básica através de outros

contatos, que eu sei a necessidade, como aquele outro que eu acabei de vir

de lá. São pessoas que... ela não tem emprego, tem uma filha que tem

problemas mentais, não tem um marido, não tem uma renda fixa, vive de

ajuda dos familiares. [...] eles não têm renda nenhuma. [...] Mas meu Deus

do céu! Por que essas pessoas não estão sendo beneficiadas? Elas realmente

precisam, eu sei disso, eu sei! Elas não precisam me dizer isso não

(entrevista 4).

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Se não há uma melhor articulação entre os setores do Governo, questiona seu papel de apenas

ficar registrando, por exemplo, que há uma criança desnutrida na comunidade:

“eu realmente não me conformo de estar pesando uma criança que eu sei que

ela está de baixo peso [...]. E aí? O que é que eu vou fazer por essa criança

que não tem o que comer? Aí eu vou continuar pesando? Vou continuar

avisando? [...] eu acho que isso também é um papel do PSF” [ter de fato

alguma resolutividade sobre o problema] (entrevsta 4).

Para a usuária o que poderia melhorar no PSF seria o espaço da unidade de saúde, que

deveria ser ampliado para que não fosse preciso arrumar ou alugar outros locais para fazer

reuniões ou festas. Também refere que o salário dos profissionais da equipe deveria melhorar,

pois considera que é muito baixo (entrevista 5).

4.1 .3 .4 .1 .3 .4 .1 .3 .4 .1 .3 . D iscutindo a implementação à luz do conteúdo emancipador

A responsabilização sanitária por um território definido, que vem possibilitando a

aproximação dos profissionais com a realidade vivida pela população e a criação de vínculos

com a comunidade, bem como o estabelecimento da co-responsabilização pelo cuidado com a

saúde, são ressaltados pelas entrevistadas como pontos fundamentais para a construção de um

modelo de atenção democrático, empoderador e resolutivo.

Os esforços do governo municipal para a implementação de tal modelo puderam ser

observados tanto na expansão como na qualificação do PSF, que vem envolvendo ações

direcionadas a operacionalização de seu conteúdo emancipador. O acompanhamento das

equipes de saúde tem procurado institucionalizar canais de participação e controle social,

através de espaços de integração entre comunidade, profissionais e gestores, tais como:

reuniões da equipe de saúde e/ou gestores com a comunidade; grupos de convivência;

reuniões colegiadas dos gestores com profissionais do PSF; implantação dos Conselhos

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Locais de Saúde; descentralização das plenárias da Conferência de Saúde por Regional;

colegiados das Secretarias Regionais; Plenárias do Orçamento Participativo.

Através das atividades de educação continuada, o acompanhamento das equipes de saúde da

família também envolve questões como a relação com a comunidade e seus equipamentos

sociais, a comunicação, a formação e planejamento de grupos e reuniões, bem como o

desenvolvimento do próprio trabalho em equipe, que também requer o respeito à diversidade

e a construção coletiva das ações.

Porém, ainda que tomadas como prioridades de gestão, a democratização dos serviços, a

mobilização da sociedade e a elevação da consciência sanitária, através da melhoria do acesso

à informação e da comunicação em saúde, aparecem na Conferência Municipal de Saúde

como pontos ainda frágeis do PSF. Esta fragilidade é revelada pela equipe de saúde da

família, que mesmo empenhada, enfrenta dificuldades no estabelecimento dessa nova prática

de saúde, tanto relacionadas à cultura historicamente predominante nas relações entre

governo, serviços de saúde e sociedade, como às suas próprias limitações técnicas.

Contudo, o enfrentamento das dificuldades vem estimulando a equipe, até mesmo exigindo, o

questionamento a respeito de sua prática e de suas contribuições efetivas na melhoria da

qualidade de vida da comunidade, possibilitando a adoção de novas e diferentes posturas.

Quanto ao reforço da ação comunitária, observa-se que as profissionais entrevistadas vêm

investindo em proporcionar maior acesso à informação e melhor entendimento dos

determinantes do processo saúde-doença. Destaca-se ainda o incentivo da autoestima dos

sujeitos e da comunidade, conforme recomendações da Carta de Ottawa25 e da Declaração de

25 OMS (1986).

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Jacarta26, investimentos que segundo Bosi (1994) são fundamentais para a conscientização e

construção da saúde enquanto direito de cidadania.

Também têm procurado romper com o padrão paternalista na relação com a comunidade,

pautando a co-responsabilização com a saúde, de cada um e do coletivo, ao expor os limites

da equipe no cuidado com a saúde, ao trabalhar as ações de prevenção e de promoção, bem

como ao estabelecer espaços de participação social na gestão do serviço de saúde.

Assim, pode-se entender que caminham em direção a aspectos fundamentais no

estabelecimento de um novo modelo de atenção, como mencionado por Donato & Mendes

(2003) e Jacobi (2002): acesso a oportunidades de aprendizagem; estabelecimento de espaços

para participação social na gestão do serviço; co-responsabilização e construção coletiva de

estratégias.

Apesar das colocações da usuária espelharem os esforços aqui mencionados e o fato de haver

uma maior preocupação da comunidade com a saúde e um melhor conhecimento de seus

direitos, indicando a real possibilidade do PSF resultar em melhorias na qualidade de vida das

pessoas, observou-se, tanto no acompanhamento do cotidiano da equipe, como nas

entrevistas, que a cultura do modelo centrado no médico e na atenção curativa ainda está bem

presente, principalmente nas pessoas que acessam com menor freqüência a unidade de saúde

da família.

As falas da coordenadora e das profissionais da equipe apontam para o desafio de avançar na

mobilização em prol da saúde, diante do enfrentamento da cultura paternalista e fisiologista

bem como das precárias condições de vida da população, conforme exposto por Jacobi

(2002). Apontam, dessa forma, que para o reforço da ação comunitária é preciso intervir de

forma articulada com outros setores e desenvolver habilidades técnicas que demandam

26 OMS (1997)

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aproximação com temas como mobilização e comunicação social, cultura, cidadania, políticas

públicas e SUS.

Dessa forma, expõem as fragilidades da Estratégia Saúde da Família, quanto à formação e

identificação dos profissionais de saúde para atuar nesta proposta emancipadora, que por sua

vez requer a mudança da ordem governativa da cidade, da gestão médica para a gestão social,

como apontado por Mendes (1999), ou seja, é imprescindível o estabelecimento da

intersetorialidade no enfrentamento dos problemas de saúde da população, um outro grande

desafio para a gestão das políticas públicas.

Ainda é importante pontuar a fragilidade no estabelecimento de sistemas flexíveis de

participação social na gestão da saúde e de permeabilidade às propostas populares junto à

administração pública, questões indicadas por Donato & Mendes (2003) e Jacobi (2002) como

fundamentais na constituição dos sujeitos sociais.

Tais processos ainda são incipientes, visto que a abertura de espaços de participação social

pela equipe do PSF parece estar limitada às questões específicas da área da saúde e, mais

ainda, da unidade de saúde da família. Esta limitação pode ser relacionada à própria

dificuldade dos profissionais em incorporar novos conhecimentos e habilidades, bem como

em estabelecer articulações intersetoriais e discutir o SUS de uma forma mais sistêmica,

ressaltando em suas falas a necessidade de enfocar o PSF quando a comunidade quer discutir

o direito à ambulância, à emergência ou à medicação.

Embora as profissionais entrevistadas assinalem o entendimento de que mobilizar de forma

mais abrangente a comunidade significa transformar a cultura da

“ambulância/hospital/remédio” e de submissão à qual historicamente esteve submetida, assim

como pontuado por Donato & Mendes (2003) e Jacobi (2002), há o sentimento de que falar

destas necessidades indica o desinteresse ou descaso em relação ao trabalho do PSF, ou

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mesmo que a falta de compreensão do modelo proposto se deve à incapacidade intelectual da

população.

Por outro lado, se considerarmos os aspectos levantados por Carvalho (1995), mesmo que de

forma limitada, a equipe de saúde vem procurando qualificar os espaços de interação com a

comunidade, incentivando sua participação não apenas na reivindicação de melhorias no

acesso à atenção individual, mas também refletindo a respeito de suas condições de saúde e da

importância de agir para sua melhoria, seja contribuindo com sugestões para a qualidade dos

serviços prestados, seja através de seu envolvimento na prevenção de doenças e na promoção

da saúde, incentivando a ação coletiva para conquista de melhores condições de vida.

Entretanto, outro aspecto a ser destacado é que a participação da comunidade não vem se

dando através de suas lideranças ou grupos representativos, o que identificamos como mais

um obstáculo que se soma para a realização de uma melhor mobilização social, visto que,

como lembrado por Martins Jr. (2003), além do reforço da atuação individual, é fundamental

a intensificação do apoio social na conquista por melhores condições de saúde.

Como mencionado pelas entrevistadas, o controle social aparece ainda incipiente, apesar da

maior consciência do direito à saúde e dos canais para reivindicações e propostas. Consideram

que isto se deve e ao fato das mudanças serem muito recentes e pouco discutidas com a

sociedade.

A dificuldade da atuação mais propositiva do Conselho Local de Saúde e de preenchimento

das vagas destinadas aos usuários, remete à situação exposta por Carvalho (1995), que na

realidade social e política brasileira o controle social termina adquirindo um enfoque

altamente fiscalizador, onde parece ser mais importante vigiar e impedir as transgressões por

parte do Estado, do que induzi-lo a agir. Nesse sentido a usuária refere que as pessoas

parecem não acreditar que podem modificar alguma coisa, já a equipe expõe sua impressão de

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que há mais interesse dos profissionais e do governo em compartilhar, do que da comunidade

em tomar conhecimento e participar.

Quanto à promoção da cidadania, é reforçada a idéia de que o PSF tem favorecido aos

profissionais o olhar através do paradigma da produção social da saúde, percebendo como as

condições de vida e o sentimento de cidadania interferem na sua determinação.

Conseqüentemente, como posto por Ferraz (1998), tem induzido a uma atuação direcionada

aos indivíduos, e não à doença, considerando suas histórias de vida e valorizando a

importância da adoção de uma atitude mais ativa na conquista de melhores condições de

saúde e de uma vida prazerosa.

Como exposto nos discursos das entrevistadas, a cidadania vem sendo estimulada ao se

qualificar o acesso à política de saúde, ao despertar a responsabilidade e o prazer de se cuidar

e ao possibilitar canais onde se possa participar e opinar a respeito dos serviços prestados.

Para a usuária, o exercício da cidadania já se estabelece quando há espaços de troca com os

profissionais de saúde, através dos quais, cada indivíduo pode expor suas idéias e se sentir

respeitado e acolhido.

Entretanto, a promoção da saúde e da cidadania parece ainda estar moldada, como posto por

Valla (1992), pela abordagem tradicional que privilegia orientações para o autocuidado, ou o

cuidado com o familiar, o que termina reforçando que a saúde é um esforço individual,

limitando a concepção a respeito da cidadania.

Contudo, é importante mencionar que mesmo diante dos esforços e dos avanços descritos

pelas entrevistadas, as mesmas reconhecem que ainda é preciso “falar e fazer diferente” para

conseguir, de fato, realizar uma mobilização ampla em prol da saúde e avançar na promoção

da cidadania, com participação e controle social.

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Em relação ao apoio necessário à implementação do PSF, além da necessidade da Secretaria

Estadual e do Ministério da Saúde estarem mais próximos dos municípios, contribuindo para

a qualificação e sustentação do Programa, é colocada a importância da qualificação

profissional e principalmente de sua escolha política em construir um novo modelo de

atenção, que implica no convívio e na troca com “o diferente”, no enfrentamento da cultura

paternalista e não participativa e no desempenho de um papel educador e emancipador.

Ainda é referido que a superação das dificuldades não está limitada ao PSF ou ao setor saúde,

sendo pontuada a importância do governo municipal avançar na ação integrada entre seus

diversos setores, para que se possa melhor utilizar os recursos existentes na resolução de

problemas que afetam diretamente a saúde, pois nem sempre são bem empregados, devido à

desarticulação dentro da gestão.

Está claro que a superação das dificuldades não está limitada à própria Estratégia ou ao setor

saúde, como também nem depende apenas da formação dos profissionais, mas principalmente

de sua escolha política em construir um novo modelo de atenção, que implica, inicialmente,

no convívio e na troca com “o diferente”, no enfrentamento da cultura paternalista e não

participativa e no desempenho de um papel educador e emancipador.

4.2 .4 .2 .4 .2 .4 .2 . R ecife

O lugar e suas condições de vida

O Recife tem cerca de 1,5 milhões de habitantes (estimativa IBGE 2004) e aproximadamente

490 favelas, representando 15% de sua área total e 25% de sua área ocupada. Nesse contexto

urbano, destacam-se as Zonas Especiais de Interesse Social, que agregam cerca de 80% dessas

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110

favelas e 40% da população recifense, proporcionando estabilidade no que se refere à posse

da terra e assegurando a implantação de infra-estrutura e serviços urbanos (documento 13).

De acordo com os dados do censo IBGE_2000, o município apresenta 10% da população

maior de 15 anos analfabeta e 11% dos chefes de família declaram não ter rendimentos. No

território atendido pelo PSF, cerca de 92% dos domicílios são de tijolos, 99% têm acesso à

rede de energia elétrica e 95% estão ligados à rede geral de abastecimento de água e têm

acesso à coleta pública do lixo. No entanto, 14% apresentam destino de fezes e urinas a céu

aberto e 52% das famílias não realizam tratamento da água no domicílio27.

O Sistema Municipal de Saúde e sua gestão

O município habilitou-se na Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde em 1998, tendo

implantado o PSF em 1994. Está dividido em 6 Distritos Sanitários, com autonomia

administrativa e características específicas quanto à organização política e da rede de serviços,

que vem sendo ampliada com as equipes de saúde da família e de saúde bucal e com a

implantação e implementação das policlínicas e serviços de pronto-atendimento por Distrito,

visando, além da expansão da oferta, a melhoria do acesso aos serviços e a integralidade do

processo de reorganização do sistema municipal (documentos 13 e 15).

No que diz respeito aos aspectos financeiros, vem sendo garantido um aumento do repasse do

orçamento municipal para saúde, que cresceu de menos de 5% em 2000 para 15% em 2004

(documento 16).

O Sistema Municipal de Saúde encontra-se constituído por 199 equipes de saúde da família e

88 equipes de saúde bucal, distribuídas em 91 unidades do PSF; 28 unidades básicas

tradicionais; 107 equipes do PACS; 11 policlínicas, 12 unidades especializadas de referência,

27 Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.

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111

2 maternidades; 2 hospitais municipais pediátricos; 13 unidades da rede hospitalar

complementar, sendo 7 hospitais psiquiátricos; 13 centros de apoio psicossocial; 1

Laboratório Municipal de Análises Clínicas; 1 Centro de Vigilância Ambiental e 9 pólos do

Programa Academia da Cidade.

A Secretaria de Saúde apresenta como diretriz política a implantação de um modelo de

atenção à saúde, com base na cidadania e voltado para a construção de uma cidade saudável:

integrada, democrática, com espaços comuns de inclusão social, em que todos possam ter

acesso aos serviços básicos e solidária, que valorize a vida de seus habitantes e a oportunidade

de desenvolver suas habilidades (documento 15).

Dentre as propostas para uma efetiva defesa da cidadania, aponta a reorganização e

transformação da prática de saúde para além da assistência, tendo como eixos norteadores a

integralidade das ações e a responsabilidade sanitária com os seus munícipes, bem como a

reorganização da rede de atenção básica, a partir de equipes de saúde da família, trabalhando

com a Vigilância e a Promoção da Saúde (documento 15).

A Gestão Participativa também é apresentada como marca da gestão, pois considera que para

as mudanças serem legítimas e consistentes, é fundamental a consolidação de uma forma

democrática de governar, com efetivo controle social sobre a gestão pública, através de

mecanismos de participação popular, como as Conferências Municipais de Saúde e os canais

de participação dos vários níveis de governo na discussão e implementação das políticas de

saúde, com a descentralização do planejamento e da gerência dos serviços (documento 15).

Os investimentos nos espaços de participação e controle social vêm se dando por meio da

garantia das reuniões periódicas do Conselho Municipal de Saúde; da capacitação dos

conselheiros; da realização das plenárias da Conferência Municipal de Saúde por

microrregiões e Distritos Sanitários e da criação dos Conselhos de Saúde Distritais e de

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112

Unidades de Saúde, buscando capilarizar a articulação com os atores sociais e a integração

das ações no território. Para ampliar a incorporação das deliberações da população, vem

buscando fortalecer outros espaços de participação direta, como o Orçamento Participativo,

incluindo seus pleitos na pauta de planejamento das ações (documentos 15 e 16).

A gestão também aponta importantes ações voltadas para a qualificação da atenção a saúde,

como o Curso de Especialização em Saúde da Família, em parceria com as Universidades

Federal e Estadual de Pernambuco e a implementação do Programa de Humanização. Na área

da gestão de pessoal, destaca o processo de implantação do Plano de Cargos, Carreiras e

Vencimentos (PCCV), a Mesa Permanente de Negociação para Desprecarização do Trabalho

e a realização de Concurso Público (documento 15).

O Programa Saúde da Família

As equipes de saúde da família cobrem 36,2% da população (533.844 pessoas/121.865

famílias)28, com cobertura diferenciada nos 6 Distritos Sanitários, variando de pouco mais de

30% a cerca de 62%29. A figura 2 apresenta a expansão do PSF no Município.

Figura 2

População (%) coberta pelo Programa Saúde

da Família no Recife, 1999 a 2004.

Fonte: Ministério da saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.

Em relação ao total de recursos repassados ao Fundo Municipal de Saúde (quadro 6),

observa-se que no período de 1998 a 2004 houve uma inversão na programação dos recursos

para os diversos níveis de atenção: a ligeira predominância para a atenção básica em 1998,

passa a ser observada na média e alta complexidade em 2004.

28:Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004. 29 Fonte: Secretaria de Saúde do Recife/Diretoria Executiva de Atenção Básica, 2004.

2,0

36,2

21,118,5

14,6

5,5

1999 2000 2001 2002 2003 2004

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113

Quanto aos recursos do PAB (quadro 7), observa-se que os incentivos para ampliação da rede

básica através do PSF/PACS/Saúde Bucal, entre 1998 e 2004, apresentaram um acréscimo de

11,6 vezes, tendo o valor percentual do PAB-Fixo, que representava mais de 90% do PAB em

1998, reduzido pela metade em 2004.

Quadro 6 – Distribuição dos recursos transferidos para o Fundo Municipal de Saúde. Recife, 1998 a 2004.

Média e Alta Complexidade

Atenção Básica Ações Estratégicas

Total de repasses fundo a fundo

Ano

R$ % R$ % R$ % R$ %

1998 20.130.510,87 45,99 23.638.893,13 54,01 0,00 0,00 43.769.404,00 100,00

1999 36.566.589,67 55,86 28.897.181,15 44,14 0,00 0,00 65.463.770,82 100,00

2000 35.079.706,54 53,15 30.920.541,84 46,85 0,00 0,00 66.000.248,38 100,00

2001 39.323.700,46 50,90 36.373.056,62 47,08 1.561.546,84 2,02 77.258.303,92 100,00

2002 40.938.707,22 48,50 39.693.453,99 47,02 3.778.643,71 4,48 84.410.804,92 100,00

2003 49.570.218,65 51,63 43.415.566,79 45,22 3.032.356,50 3,16 96.018.141,94 100,00

2004 61.377.781,94 52,75 51.840.533,45 44,55 3.145.576,68 2,70 116.363.892,07 100,00

Fonte: Ministério da Saúde, 2004.

Quadro 7 – Distribuição dos recursos transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB) municipal. Recife, 1998 a 2004.

Ano PAB-Fixo PAB-Variável incentivos vinculados ao

PSF, PACS e SB30

PAB-Variável outros incentivos31

PAB (total)

R$ % R$ % R$ % R$ %

1998 21.768.356,28 92,09 1.672.499,99 7,08 198.036,86 0,84 23.638.893,13 100,00

1999 23.747.300,44 82,18 3.136.031,96 10,85 2.013.848,75 6,97 28.897.181,15 100,00

2000 23.747.304,00 76,80 3.391.140,78 10,97 3.782.097,06 12,23 30.920.541,84 100,00

2001 23.747.304,00 65,29 5.821.817,49 16,01 6.803.935,13 18,71 36.373.056,62 100,00

2002 23.556.724,40 59,35 8.739.003,31 22,02 7.397.726,28 18,64 39.693.453,99 100,00

2003 23.891.610,00 55,03 12.240.695,33 28,19 7.283.261,46 16,78 43.415.566,79 100,00

30 Para o cálculo foram considerados os seguintes incentivos, vinculados à aplicação no âmbito do PSF e do PACS: PACS, adicional PACS, PSF, SB, PROESF (Programa de Expansão da Saúde da Família). 31 Ações Básicas Vigilância Sanitária; Ações Combate Carências Nutricionais; Farmácia Básica; Epidemiologia e Controle de Doenças; Vacinação Poliomielite; Cadastro Nacional de Usuários do SUS; TFECD - Adicional; Incentivo às Ações de Controle da Tuberculose; Intensificação Vigilância e Controle da Tuberculose; Campanha de Vacinação - Tríplice Viral; Intensificação Ações Vigilância Controle Hanseníase; ANVISA - Taxa de Fiscalização; Financiamento Centros Referência Saúde do Trabalhador; Vacinação Contra Tétano Neonatal; Realização Levantamento Índice Rápido - AEDES AEGYPTI.

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114

2004 24.073.908,24 46,44 19.408.716,00 37,44 8.357.909,21 16,12 51.840.533,45 100,00

PSF= Programa Saúde da Família; PACS= Programa de Agentes Comunitários de Saúde; SB= Saúde Bucal.

Fonte: Ministério da Saúde, 2004.

Na estrutura organizacional da Secretaria de Saúde, o PSF compõe a Diretoria Executiva de

Atenção Básica no nível central, também correspondendo às diretorias que gerenciam a

atenção básica nos Distritos Sanitários, responsáveis pela coordenação das demais unidades e

programas no âmbito da atenção básica. A Diretoria Executiva de Atenção Básica agrega as

Coordenações de Controle da Tuberculose, Controle da Hanseníase, Saúde Bucal, Vigilância

Nutricional, Reabilitação Baseada na Comunidade, Educação Popular em Saúde e Ações

Intersetoriais, sendo que esta conformação nos Distritos se dá de maneira variada (diário de

campo 2).

A Diretoria encontra-se ligada à Diretoria Geral de Atenção à Saúde, a qual agrega outras

coordenações que também gerenciam ações no PSF, como Saúde Mental, Saúde da Criança e

do Adolescente, Saúde do Idoso e Saúde da Mulher. Entretanto, não estão estabelecidos

espaços sistemáticos de articulação, planejamento e avaliação da Política Municipal de

Atenção Básica entre as instâncias centrais da Secretaria de Saúde, nem entre estas e os

Distritos Sanitários, bem como fóruns para discutir o Pacto Municipal da Atenção Básica

(diário de campo 2).

No que diz respeito ao acompanhamento e suporte às equipes de saúde da família, o

município vem investindo na implantação dos gerentes de território no nível distrital,

responsáveis em monitorar, acompanhar e articular todas as unidades de saúde de uma

determinada área, mas que além de estarem em processo de definição de funções e processos

de trabalho, vêm atuando de maneira diferenciada em cada Distrito (diário de campo 2).

O município também vem discutindo a implantação de equipes de retaguarda para o PSF, com

a proposta de estabelecer 1 para cada 10 equipes de saúde da família, composta por

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115

nutricionista, fisioterapeuta, psiquiatra/psicólogo, sanitarista e educador popular. No entanto,

sua implantação de fato não ocorreu, tanto pela falta de pessoal, como pela desarticulação

referida anteriormente, havendo a atuação de alguns profissionais nos Distritos, ou para

algumas poucas equipes, de maneira isolada, sem constituir equipe. Também observa-se a

deficiência de intervenções conjuntas do PSF e do Programa Academia da Cidade na

promoção de atividades físicas (diário de campo 2).

No que diz respeito às atividades das equipes de saúde da família fora do consultório ou da

unidade de saúde, observa-se que em 2004 foi registrado uma média mensal de 1 visita

domiciliar por família, sendo que os médicos registraram 19,7 vistas/mês, o enfermeiro 18,9,

o auxiliar de enfermagem 13,4 e o agente comunitário de saúde 120. A média mensal de

atividades educativas com grupos, registrada pela equipe de profissionais de nível

universitário e médio é de 7,6 e pela equipe de agentes comunitários de saúde é de 3,2, ou

seja, foram registradas por equipe, em média, 11 atividades mensais com grupos32.

No entanto, Albuquerque (2003) pontua que a gestão não vem valorizando de fato as ações de

promoção da saúde e termina por incorporar, na prática, o modelo assistencialista, com ênfase

no cumprimento de metas de produção de visitas, consultas e coleta de exames. Dentre as

deliberações da VI Conferência Municipal de Saúde “Recife Saudável: o desafio da

integralidade e do comando único do sistema de saúde”, realizada em agosto de 2003,

também podemos observar a necessidade de maior qualificação, acompanhamento e

monitoramento do PSF, inclusive no que diz respeito às ações educativas, bem como de

democratizar a informação e os serviços e melhorar a comunicação e a humanização:

� Ampliar a cobertura do PSF;

32 Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004. Para cálculo das médias mensais foi dividido o total do procedimento pelo número de equipes de saúde da família e por 11 meses, devido às férias anuais de 30 dias.

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116

� Realizar concurso público para os profissionais do Programa;

� Qualificar e monitorar as equipes do PSF e criar fóruns periódicos de discussão com os

profissionais;

� Garantir estrutura das unidades do PSF que permita atividades de prevenção e promoção;

� Capacitar profissionais para desenvolvimento de ações educativas, individuais e coletivas;

� Implementar o Programa de Educação Popular em Saúde, ampliando espaços de

articulação entre profissionais e movimentos sociais;

� Garantir que a marcação de consultas seja discutida entre equipe de saúde e comunidade;

� Fortalecer o Projeto de Humanização e sensibilizar os profissionais para o acolhimento e

abordagem humanizada das famílias;

� Criar mecanismos de divulgação do SUS e da Política Municipal de Saúde, ampliando os

espaços de democratização da informação;

� Implementar os Conselhos de Saúde Distritais, garantindo espaço físico, informação

territorializada e outros recursos necessários ao seu funcionamento;

� Implementar o controle social na programação e prestação de contas dos recursos

financeiros da saúde;

� Implantar Ouvidorias de Saúde e garantir caixas de sugestões em todas as unidades de

saúde, com fluxo estabelecido entre conselho gestor e/ou distrital, unidade de saúde e

comunidade;

� Fortalecer o papel do profissional de saúde como divulgador do controle social;

� Fortalecer as parcerias com entidades e instituições da sociedade civil para prevenção de

doenças e promoção da saúde (documento 14).

4.2 .1 .4 .2 .1 .4 .2 .1 .4 .2 .1 . C ontexto e atores locais

A escolha do Distrito Sanitário para a pesquisa de campo levou em consideração sua história

de organização dos movimentos populares, além de ser uma das localidades onde foram

implantadas as primeiras equipes de saúde da família no município, atualmente apresentando

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117

uma cobertura de cerca de 43% de sua populaçãol33. Ainda considerou o fato do gestor

distrital ter experiência anterior em gerência direta do PSF e em educação popular em saúde,

o que representa um fator favorável à implementação do Programa (diário de campo 2).

A coordenação distrital do PSF é exercida por uma assistente social, com experiência de

atendimento de ponta e gerência em atenção básica, anterior à implantação do Programa. Na

escolha da equipe de saúde da família para a pesquisa de campo, levou em consideração o

desenvolvimento de atividades coletivas de mobilização e promoção da saúde e sua interação

com as organizações comunitárias (entrevista 6 e diário de campo 2).

O território identificado abrange 4 comunidades e 783 famílias, são 3.313 pessoas

cadastradas, sendo 96,3% usuárias do SUS (sem plano privado de saúde). Dos maiores de 15

anos, 91,2% são alfabetizadas e 89,2% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola. Quanto à

situação de moradia e saneamento, 93,2% dos domicílios são de tijolos, 99,4% tem acesso ao

abastecimento de água pela rede pública, 99,2% têm acesso à coleta pública de lixo e 99,7% à

energia elétrica. Cerca de 55,2% das famílias não realizam tratamento de água no domicílio.

O perfil é semelhante ao observado para as demais áreas cobertas pelo PSF, com exceção do

destino dos dejetos, que apresentou aproximadamente o dobro (22,4%) de casas com despejo

de fezes e urina a céu aberto (documento 17 e diário de campo 2).

No que diz respeito aos indicadores de produção relacionados às visitas domiciliares, observa-

se que a equipe registrou em 2004 uma média de 1 visita/família/mês; a médica registrou 20,2

visitas/mês, a enfermeira 14,5, a auxiliar de enfermagem.20,4 e as agentes comunitárias de

saúde 106,3 vistas/mês. Em relação às atividades com grupos, a equipe apresenta uma média

de 9,2 atividades/mês, sendo 4,9 registradas pelas agentes comunitárias de saúde. O registro

de visitas domiciliares pela enfermeira e agentes de saúde apresentou-se inferior ao observado

33 Fonte: Secretaria de Saúde do Recife/Diretoria Executiva de Atenção Básica, 2004.

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para o município, contudo, a média mensal de vistas por família é a mesma. Em relação aos

grupos realizados pela equipe, também se observou registro inferior à média municipal

(documentos 18 e 19).

A equipe de saúde da família, implantada há 10 anos, oriunda do PACS, é composta por

médica, enfermeira, auxiliar de enfermagem, 6 agentes comunitárias de saúde, auxiliar de

serviços gerais, sendo incorporada, mais recentemente, uma auxiliar administrativa (diário de

campo 2).

A médica atua na equipe há pouco mais de 1 ano, tem pós-graduação a nível de mestrado, é

docente em saúde pública e está cursando a Especialização em Saúde da Família.

Anteriormente ao PSF, atuou como médica geral comunitária, atendendo a famílias,

realizando visitas domiciliares e trabalho com grupos e lideranças locais, tem experiência em

gestão pública na área de promoção social (entrevista 7).

A enfermeira compõe a equipe há 7 anos e está cursando a Especialização em Saúde da

Família. Sua formação foi voltada para área hospitalar, na qual ainda trabalha (entrevista8). A

auxiliar de enfermagem iniciou sua atuação profissional na equipe de saúde da família, desde

a sua implantação. Os cursos que realizou foram a respeito de questões técnicas de sua área,

nunca tendo participado de nenhum sobre política de saúde ou PSF (entrevista 9).

A agente comunitária de saúde, identificada para a realização da entrevista e

acompanhamento das visitas domiciliares, está na equipe há 3 anos e cobre famílias das duas

localidades mais afastadas da unidade de saúde. Quando era usuária utilizava pouco a unidade

de saúde, devido à distância, tomando conhecimento do que realmente era o Programa quando

passou a vivenciá-lo no dia-a-dia, como integrante da equipe (entrevista 10).

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119

A usuária entrevistada é funcionária pública municipal e já exerceu diversas vezes a

presidência da associação de moradores da comunidade onde se localiza a unidade de saúde

da família. Tomou conhecimento do PSF há 10 anos, quando, no papel de liderança

comunitária, coordenou a mobilização para solicitar a implantação do Programa, que até 2001

funcionava numa unidade móvel e atendia a localidades mais distantes, onde atualmente

existe outra unidade de saúde da família (entrevista 11).

Dentre os equipamentos sociais presentes no território, observamos uma escola municipal de

ensino fundamental e médio, uma igreja católica, três associações de moradores, bem como a

existência, na localidade onde se situa a unidade de saúde da família, de duas associações

organizadas pela classe média e de intelectuais, que desenvolvem trabalhos sociais e culturais

(diário de campo 2).

Apesar da equipe desenvolver ações junto às organizações locais, estas são mais freqüentes na

comunidade onde se localiza a unidade de saúde, tanto pela proximidade física, quanto pelo

fato de sua associação de moradores ter sido responsável pela mobilização para implantação

do PSF e sempre ter acompanhado seu cotidiano. A enfermeira também pontua o grave

problema da violência e falta de segurança nas demais localidades, que às vezes leva a equipe

a freqüentá-las menos (diário de campo 2 e entrevistas 8, 9, 10).

Já a agente comunitária de saúde, identificada para a entrevista, considera que o PSF precisa

dar mais atenção às comunidades que tem sua organização mais frágil: “[...] aqui eu tenho um

líder comunitário, mas que não tem associação, o que dificulta muito a ajuda social, então eu

vejo aqui como a mais carente, a que precisa de mais atenção (entrevista 10)”.

Observou-se que algumas profissionais se articulam mais freqüentemente com as lideranças

locais, mas a equipe de saúde, mesmo atuando na área há 10 anos, não realiza reuniões

periódicas com a comunidade. Recentemente, com a chegada da médica, foram planejadas

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reuniões por microárea, mas que não vêm ocorrendo com a freqüência desejada (diário de

campo 2).

Nas visitas domiciliares, notou-se que a médica procura abordar a família de forma mais

integral, não apenas problema de saúde que a levou, e estabelecer compromissos de cuidado

entre familiares. Durante todo o período de observação desta pesquisa, não ocorreu visita

programada pela enfermeira. As visitas realizadas pela auxiliar de enfermagem são

basicamente direcionadas a procedimentos técnicos, como curativos. Entre os agentes de

saúde, pôde-se notar diferenças quanto à integralidade da abordagem, que pareceu relacionar-

se com sua interação com os movimentos comunitários (diário de campo 2).

Quanto às atividades com grupos, observou-se que a médica vem planejando e realizando

atividades com diferentes grupos etários, envolvendo trabalhos manuais e cuidados com o

meio ambiente. Também vem procurando articular os agentes de saúde ambiental e as

diferentes organizações locais no seu desenvolvimento, bem como instituições formadoras,

através de campo de estágio para alunos da área da saúde. São exemplos desse movimento o

Projeto de Educação Popular em Saúde e Meio Ambiente e as Feiras de Saúde e Cultura,

tendo estas, além do aspecto educativo, o objetivo de valorizar o potencial histórico, artístico

e culinário do bairro, bem como o aspecto da geração de renda, estimulando a estruturação de

uma “feirinha típica” (diário de campo 2 e entrevista 7).

O Distrito Sanitário vem incentivando e apoiando a coordenação de grupos de convivência

pelos agentes de saúde, que têm registrado mais atividades coletivas com a comunidade do

que a média municipal. Este apoio é dado através de capacitação e planejamento do trabalho

com grupos de idosos e adolescentes, na perspectiva da educação popular em saúde,

estimulando a reflexão a respeito dos problemas de saúde e da necessidade de sua organização

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121

para o enfrentamento destes problemas, o que envolve a atuação deste grupo como

multiplicadores de informação na comunidade (diário de campo 2 e entrevista 10).

Contudo, o trabalho é recente e necessita de um maior amadurecimento, inclusive da postura

dos agentes de saúde, que ainda ocupam muito tempo de fala, tecendo comentários e

explicações, sem conseguir estabelecer uma dinâmica que facilite as trocas entre o grupo

(diário de campo 2).

Em relação ao trabalho em equipe, percebe-se um certo conflito entre seus membros, sendo

colocado por alguns agentes a importância de estar com o “coração aberto à sabedoria dos

outros”, pois sempre as duas partes que interagem precisam aprender, se referindo tanto à

relação com a comunidade, como entre a equipe (diário de campo 2 e entrevista 10).

Consideram que há idéias interessantes trazidas pelo grupo, mas que precisam ser

amadurecidas e construídas no seu coletivo, para que não gerem o trabalho alienado e tenham

continuidade e resultados; ou mesmo que se comprometa ações já iniciadas, implantando-se

outras, sem consolidá-las (diário de campo 2 e entrevista 10)

No que diz respeito à articulação intersetorial, mesmo considerando que os agentes

comunitários de saúde têm conseguido impactar em questões como registro civil, crianças na

escola, voto consciente, resgate da história do bairro, solidariedade no cuidado com o

próximo, etc., uma agente ressalta a necessidade de uma melhor articulação do PSF com

outros setores do governo e da sociedade (diário de campo 2).

Por conta da atuação do Programa envolver aspectos como cidadania, trabalho, educação e

violência, e outros setores não conseguirem garantir o acesso a serviços essenciais, ou mesmo

por fazerem uma abordagem inadequada junto à comunidade, pontua que terminam criando

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122

resistência ao trabalho desenvolvido pelos agentes de saúde, citando, por exemplo, o caso do

Conselho Tutelar (diário de campo 2).

4.2 .2 .4 .2 .2 .4 .2 .2 .4 .2 .2 . O conteúdo emancipador no cotidiano da unidade de saúde da família:

concepções e práticas

Características da gestão municipal do Programa Saúde da Família

A coordenadora, a médica e a enfermeira pontuam que a gestão municipal vem investindo na

ampliação e qualificação do PSF, na perspectiva de promover uma abordagem integral do

cidadão em seu contexto e nos diferentes níveis de atenção (entrevistas 6,7 e 8). A agente de

saúde também pontua o investimento na qualificação profissional, inclusive em relação às

ações de saúde coletiva, mas expõe que não há garantia de resolutividade dos problemas

quando estes precisam de outro nível de atenção, pois além da sobrecarga do próprio

município, este ainda atende a demanda de outros (entrevista 10).

A enfermeira menciona que os agentes de saúde estão com um número de famílias apropriado

para se realizar um bom acompanhamento, entretanto, a médica refere diferenças na

organização do serviço entre Distritos Sanitários e Diretorias. Pontuam deficiências na

garantia de adequada infra-estrutura para as unidades de saúde – estrutura física, insumos,

equipamentos e manutenção, bem como apoio insuficiente para se trabalhar a mobilização da

comunidade ou atividades educativas, quer seja material ou informação, atividades que

exigem formação e habilidade: “a gente vê muito o colega se esforçando para fazer o máximo

que pode, mas continua aquele albinho seriado, aquela reunião formal (entrevistas 7 e 8).”

Embora a médica considere que a gestão tem oferecido suporte em relação ao

desenvolvimento do trabalho em equipe, observou-se que este se dá mais ao nível individual,

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do que no coletivo da equipe (entrevista 7 e diário de campo 2). A agente de saúde também

menciona melhorias no suporte à realização de grupos pelos agentes de saúde, investimento

do Distrito Sanitário em projetos de capacitação que vem possibilitando o crescimento do seu

papel enquanto profissional, “[..] no grupo está crescendo, porque a gente era um pouco

restrito, tinham os grupos, mas não com a visão que a gente tem hoje. Então este é um apoio,

[..] (entrevista 10)”.

Com relação à articulação para o enfrentamento de problemas que dizem respeito a outros

setores do governo, a médica, assim como mencionado por uma agente de saúde, refere que

não se tem integração, nem garantia de que a equipe de saúde será escutada e respaldada:

Passei ontem, estavam drenando o esgoto na água pluvial. Está errado. Eu

me coloquei enquanto médica do Saúde da Família, coloquei todo o absurdo

que estava sendo feito ali e pedi que eles parassem e eles pararam. Só que

hoje vem a resposta da liderança que fez o contato [...] vai ter que continuar,

porque não tem outra alternativa, senão pára a obra. E aí? O que a gente vai

fazer? Eu tenho que conversar, inclusive com os agentes de saúde ambiental,

porque acho que isso deve ser levado à Vigilância à Saúde. [...] Eu não

concebo a gente não parar esta obra e continuar fazendo mal... [...] eu vou

ser escutada pelo Distrito... agora se vai haver o respaldo para parar a obra e

a Secretaria de Saneamento para dar a solução... é difícil responder... eu não

sei realmente (entrevista 7).

A usuária, por sua vez, faz referência à importância de se investir na interação da Secretaria

de Saúde com a comunidade:

Eu acho que poderia ser bem melhor. Porque os moradores não sabem nem

que tem o Distrito. Eu acho isso uma falha muito grande, os moradores não

terem conhecimento do Distrito... tem quando a gente diz: “qualquer coisa

vá ao Distrito, se não resolver”... é uma orientação nossa! Mas dele ter

conhecimento, numa unidade que já existe há quase onze anos! Não tem!

Como também o pessoal do Distrito, os funcionários, não conhecem as

comunidades. Eu acho isso uma falha muito grande. Eu acho que se tivesse

esse contato, eu acho que até mesmo o Programa melhorava (entrevista 11).

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Aspectos relevantes do modelo de atenção proposto pelo Programa Saúde da Família

A coordenadora refere que o PSF trouxe a real aproximação do serviço de saúde da

comunidade, a responsabilização da equipe de profissionais pelo território, a intervenção a

partir do diagnóstico de sua realidade e a organização da rede (entrevista 6). Além destes

aspectos, a enfermeira menciona que “[...] não tem aquela necessidade de ter quantidade e sim

qualidade”, permitindo uma atenção diferenciada, com continuidade e estabelecimento de

vínculos entre profissionais e comunitários, o que traz mais confiança, ajudando na

compreensão dos problemas e contribuindo para uma melhor intervenção:

Eu acho que neste sentido as pessoas ficam mais abertas, até para contar seus

problemas e a confiança é muito importante [...] às vezes seu problema não

precisa nem de uma medicação, às vezes só uma conversa, um momento que

você dedica a essa pessoa, já resolve o problema dela (entrevista 8).

A enfermeira e a agente de saúde consideram que a aproximação com a comunidade tem

permitido ao PSF responder à necessidade de escuta das pessoas, pois a equipe atua como um

assistente social ou psicólogo, sendo considerada como uma “mãe”, que ouve e procura ajudar

(entrevistas 8 e 10). Entretanto, a auxiliar de enfermagem restringe esta aproximação à

relação médico�paciente:

É bem melhor, né? Porque assim, é bom pro paciente como para o médico

também, o acompanhamento é bem melhor para os pacientes, porque a gente

vai num posto normal, um dia é um médico outro dia é outro médico, no PSF

não, é o mesmo médico, que já te conhece sabe sua história (entrevista 9).

A agente refere que “está se humanizando mais, trabalhando com mais dedicação, com mais

amor... coisa que a gente via assim, individual, aquele profissional era dedicado, mas não era

um trabalho conjunto e hoje a gente vê como um trabalho conjunto”. Relaciona bastante o

PSF à solidariedade, “vejo desta forma, eu vejo porque estou vivenciando a cada dia... de

ajudar... agora mesmo eu estava pedindo para arrecadar roupas para poder doar para uma

família”, mas considera que o Programa ainda tem muito o que desenvolver (entrevista 10).

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Apesar da agente de saúde pontuar que o Programa tem possibilitado o acesso de muita gente

aos médicos e mudado a vida de algumas pessoas, a coordenadora faz a ressalva de que a

população não tem a oportunidade de escolha do profissional que irá atendê-la, mas, por outro

lado, considera que os problemas podem ser superados com a mobilização junto aos gestores:

[...] aquela comunidade... suas lideranças... elas saberem que aquela equipe

está ali e... pode não estar... a equipe tem que ter clareza também dessa...

linha de mão dupla... de que ela está numa comunidade e aquela comunidade

se mobiliza, aquela comunidade está organizada. A organização daquela

comunidade tem que ser considerada, saber que a comunidade está ali pra

estar atenta realmente ao que está acontecendo [...] (entrevista 6).

Para a médica, o PSF oferece “[...] o embasamento que você precisa para dizer: ‘não, essa

doutora não está fazendo... blá, blá, blá.... numa sala de recepção da unidade’. Então ele

permite que a gente veja a saúde como a gente acredita, como um todo” e possibilita a

ampliação das atividades coletivas (entrevista 7).

Em relação a essa ampliação, a auxiliar de enfermagem menciona que a diversificação dos

grupos e da temática abordada é importante para esclarecer sobre questões de saúde,

principalmente informações para prevenção (entrevista 9). Já a médica faz referência às

atividades para implantação da unidade de saúde – as reuniões para discutir com a

comunidade o modelo de atenção proposto, bem como o planejamento de sua chegada, pois

quando bem desenvolvidas, o PSF funciona bem. Nas áreas onde anteriormente havia uma

unidade tradicional e o Programa não é bem debatido com a comunidade existe maior

dificuldade de compreendê-lo, inclusive pelos profissionais da equipe, a ansiedade pela

consulta permanece e as atividades de educação em saúde ficam em segundo plano (entrevista

7).

A usuária, assim como a agente de saúde, pontua a importância do PSF para pessoas de baixa

renda:

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[...] teria visitas nas casas e eu achei muito interessante pras pessoas de baixa

renda [...] o atendimento ao povo, porque é muito difícil você conseguir uma

vaga lá fora para um médico e facilitou muito na questão do atendimento, na

marcação [...] de ter acesso ao médico, até porque a gente mesmo se

acomodava e não ia ao médico. Ia mesmo quando tinha crise renal ou pra ter

nenê, só mesmo, não procurava a prevenção, nada, nada (entrevista 11).

Considera que o acesso é facilitado também pelo fato de haver o atendimento de outros

profissionais, não sendo tudo centrado no médico, como em outras unidades e ressalta a

qualidade da atenção:

[...] embora a estrutura não fosse de primeira [quando a unidade funcionava

na unidade móvel], mas o atendimento era muito bom [...] bem melhor,

porque ela se identifica com as famílias, passa a conhecer melhor [...] cada

um tem um problema, tem suas ignorâncias, a dificuldade de fazer um

tratamento e ela conhece e trata mesmo como se fosse da família [...] e se

torna uma pessoa da família (entrevista 11).

O enfrentamento dos problemas de saúde pela comunidade atendida pelo Programa

Saúde da Família

A coordenadora e a médica acreditam que as pessoas percebem, e faz diferença, quando a

equipe do PSF trabalha a saúde de forma ampliada, esclarece seus direitos e deveres, as trata

com humanidade, compreendendo suas histórias de vida: passam a adoecer menos e a cuidar

da saúde de uma forma mais integral (entrevistas 6 e 7).

Eu acho que eles se cuidam melhor [...] os pacientes que têm acesso ao

Programa Saúde da Família, onde estão sendo trabalhadas outras questões

[...] passam a ver a saúde de outra forma e buscam outras coisas para o

equilíbrio [...] faz um diferencial... eu acredito demais! Por isso que eu luto

para que a gente qualifique cada vez mais a atenção que é dada no PSF,

porque [...] muda a forma do pensar [...] do viver [...] de abordagem de

problemas e adoece menos, quando você tem esta ligação direta com o PSF

funcionando direitinho. [...] de você ser visto como um ser humano,

holisticamente, com seus defeitos e suas qualidades, seus dramas, suas

vivências... [...] aquele que está inserido num Programa como esse aqui, ele

vem com milhões de outras questões e o outro não, vem só para o remédio,

vem só para aquela assistência e quem está inserido sabe que ali ele vai

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encontrar outras respostas, ele trabalha a família de outra forma... eu acho

que é muito diferente (entrevista 7).

Contudo, a coordenadora pontua que grande parte das queixas feitas ao Distrito Sanitário

continua a ser em relação à ausência dos profissionais e ainda se valoriza muito a consulta

médica, pois é um processo compreender que o atendimento às suas necessidades de saúde

não está apenas dentro do consultório médico (entrevista 6).

A enfermeira, a auxiliar de enfermagem e a agente de saúde enfatizam que a mudança no

cuidado é devida ao acesso à informação sobre saúde (entrevistas 8, 9 e 10).

[...] porque a gente tem um processo de prevenção contínua. A informação

chega a ele diariamente. Ele não vai saber daquela informação só ao nível de

rádio e televisão, recebe a informação diariamente na sua casa [...] e outra

vantagem também é que alguma dúvida que ele venha a ter, ele pode vir a

nós e também tirar essa dúvida em relação á saúde, ao saneamento, ao que

faz com uma doença “x” [...] a gente nota as mudanças, mas se for levantar a

nível geral, ainda são pequenas e [o que se propõe] é uma mudança enorme,

não é? [...] as mudanças ainda foram poucas, foram muito gratificante, mas

poucas. Porque o caminho é muito longo. Já se vê as pessoas se preocupando

mais com a saúde, procurando logo atendimento quando há algum problema,

famílias cuidando da água parada, dos entulhos, do local de colocar o lixo,

pois sabem o que isto pode acarretar (entrevista 8).

O descuido de alguns é visto pela agente de saúde como conseqüência das preocupações com

a vida, principalmente as mulheres, que são geralmente as provedoras e cuidadoras da família.

Também destaca o aspecto cultural, pois é muito difícil conscientizar, “[...] um dia ela chegar

e entender, aquilo entrar dentro dela e ela começar a fazer [...] acho que a melhor forma da

gente educar é a gente demonstrar no dia-a-dia (entrevista 10)”. Por outro lado, a auxiliar

pontua que “[...] com tanto esclarecimento do agente de saúde, do médico, enfermeiro, do

próprio auxiliar também, tem uns que não ligam, não estão nem ai (entrevista 9)”.

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A usuária afirma que há um melhor cuidado com a saúde por parte da comunidade, tanto pelo

maior conhecimento acerca dos cuidados e dos direitos, quer seja em relação à consulta, ao

exame ou ao medicamento, bem como por um melhor acesso ao serviço de saúde.

Mudou e muito! Porque antigamente dava um chá, ficava apelando pra não ir

pro hospital, até por conta da dificuldade. Hoje as mães cuidam de fazer a

prevenção, seja em vacina, seja em prevenções no colo do útero.... É em

todos os sentidos a prevenção.... mais cuidados. Hoje, quando os meninos

adoecem, correm de imediato pro posto, porque sabem que tem um médico

de plantão, tem um enfermeiro, tem um auxiliar de enfermagem, tem um

agente de saúde que ajudam (entrevista 11).

Comunicação e integração entre equipe de saúde da família e comunidade

A coordenadora menciona que “[...] em algumas unidades do Saúde da Família, a gente vê

claramente essa relação mais próxima da comunidade com a equipe, em reuniões periódicas,

na formação dos grupos [...] reunião com o conselho de moradores”, mas que em outras isto é

mais frágil. Refere ser necessário investir nos profissionais, que muitas vezes se sentem:

[...] perdidos na comunidade, com medo da comunidade, porque eles não

têm essa formação, minha gente! Não têm! Ele saiu de um consultório pra

ser colocado dentro do PSF e achar que pode fazer a mesma coisa. [...] Não

consegue a articulação que tem que ter com a equipe... é um grande desafio...

conseguir trabalhar em equipe... se não consegue compartilhar conhecimento

enfermeiro, médico, auxiliar, ACS... todos com suas ignorâncias e saberes,

como é que vai conseguir com a comunidade? É muito complicado, sabe? A

gente não consegue isso de uma hora pra outra não (entrevista 6).

Entretanto, percebe que mesmo sendo competente em realizar um diagnóstico participativo, o

profissional pode considerar a comunidade “[...] num nível inferior... alguém que está

precisando dos ‘seus’ conhecimentos e não está respeitando nunca o conhecimento daquela

população... a famosa troca de saberes”. Assim, enfatiza que “é uma questão de concepção

política... por mais que a gente capacite, se ele não tiver essa opção de trabalhar com saúde

pública, ele não vai conseguir ser o profissional [...] dentro da proposta do Programa

(entrevista 6)”.

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A agente de saúde e a médica referem que os agentes comunitários são o principal canal de

comunicação. Mas também mencionam que são necessários investimentos para melhoria da

comunicação entre equipe e comunidade:

[...] nem todo mundo tem coragem de expressar o que sente. Então eu acho

que o problema maior está aí. Enquanto eu dou abertura pra ele chegar pra

mim e falar alguma coisa, eu acho que essa abertura... eu acho que ele não

tem pra chegar a outras pessoas e falar. [...] mas esse espaço eles vão

conquistar (entrevista 10).

A caixa de sugestões é lembrada pela agente, para que as pessoas possam demonstrar o que

pensam sobre os profissionais, se estão atingindo suas expectativas e a médica cita a

importância de se buscar aliados para fortalecer os canais com a comunidade, reportando-se

às representações comunitárias como importantes parceiras (entrevistas 7 e 10).

A médica ainda enfatiza que em todos os espaços deve-se falar sobre o modelo proposto pelo

PSF, que funcionará de fato quando todos perceberem sua missão:

[...] enquanto esta missão não estiver clara e a gente que trabalha nela se

fizer entender por todos os veículos que tiver na área... eu acho que o

Programa não vai funcionar bem, tem que ser a população entendendo, saber

o que vai buscar, o que vai cobrar... (entrevista 7).

Para a auxiliar de enfermagem, os espaços para a equipe discutir o PSF com a comunidade

não acontecem mais porque a maioria já tem conhecimento:

[...] acontecia antes, mas como a maioria da população já tem o

conhecimento do que é o PSF, como é o Programa... aí hoje não tem esse

contato. [...] A gente fazia palestras, para falar do programa nas

comunidades. [...] eles falavam...faziam perguntas, davam as opiniões deles

(entrevista 9).

Mas pontua a interação com as associações comunitárias, principalmente com a do local onde

se situa a unidade de saúde, que ajuda a organizar reuniões, bazares e outras atividades, bem

como convida a equipe para fazer palestras sobre saúde em cursos que oferece (entrevista 9).

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São tidos pela enfermeira como os principais espaços de comunicação entre equipe e

comunidade, as visitas domiciliares e principalmente os grupos. As trocas nestes espaços

dizem respeito a questões preventivas, onde se procura trabalhar na perspectiva de serem

multiplicadores de informação: "[...] até mesmo porque palestra não funciona legal... [...] é

uma palestra, mas ao mesmo tempo não fica só a gente falando, mas que tenha aquela troca de

informação, o que é que todos acham... e tirando as dúvidas deles (entrevista 8)”.

A respeito da postura da comunidade, a usuária considera que “[...] antigamente cada um era

consciente do que estava recebendo, de que estava bem melhor, dos seus direitos, mas eram

mais acomodados, eles faziam mais receber [...]” e atualmente, por conta do modo como as

ações vêm sendo desenvolvidas, estão participando mais das atividades promovidas pela

equipe de saúde.

Hoje, de um ano e meio pra cá, eu percebo que a comunidade está

participando mais das ações do posto [...] antes participava menos, mas tinha

tudo que tem hoje, é como se ficasse em casa esperando, recebia, mas não se

mobilizava, não participava de nada, dos planejamentos. Hoje eu percebo

assim, que a unidade está trazendo mais aprendizado pra dentro da unidade,

seja criança, adolescente, idoso [...] acho que é mais por conta da médica [...]

conversando, atraindo... fez uma reunião aqui uma vez, eu acho que a turma

se agradou e começou a freqüentar. Ela trouxe uma pessoa pra fazer

trabalhos manuais e as senhoras daqui, muito ociosas... e eu acho que daí

começou a chamar atenção (entrevista 11).

A usuária, presidente de uma das associações comunitárias, refere que vem ocorrendo maior

envolvimento da demais associações comunitárias, tanto na elaboração de estratégias de ação,

como no apoio à sua execução, a exemplo do bazar e da biblioteca da unidade de saúde da

família, bem como das Feiras de Saúde e Cultura:

Antigamente as comunidades dos bairros vizinhos que eram atendidos no

posto de saúde se articulavam muito [...] hoje a coisa se estendeu, as pessoas

de classe média alta procuram ajudar, as entidades formadas, hoje são mais

de três... procuram colaborar. Antigamente não [...] era apenas a associação

de moradores [...] e a unidade que trabalhavam em prol da comunidade. Hoje

não, melhorou bastante, hoje tem muitos voluntários (entrevista 11).

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O controle social no Programa Saúde da Família

A coordenadora menciona que no Distrito Sanitário tem apenas uma unidade do PSF com

Conselho Local de Saúde e pondera que não existe controle social formal, mas que há um

controle na medida em que a comunidade se organiza para cobrar algumas questões, seja na

unidade de saúde ou no Distrito. Considera que este é um processo de aprendizado tanto para

a comunidade como para as equipes de saúde, sendo necessário oferecer subsídios a ambos:

[...] eu acho que cabe à gente... que está na gestão...estar trabalhando com

essas equipes...trabalhando a própria população [...] fazer a articulação[...]

identificar... na comunidade quem pode estar puxando essa discussão...

porque se a gente for esperar que isso surja do profissional, da grande

maioria... isso não vai acontecer. Eu acho que muitas vezes ela vem do outro

lado, ela vem como exigência da comunidade (entrevista 6).

Entretanto, expõe que a participação social “muitas vezes ela vem do outro lado, ela vem

como exigência da comunidade”, quando esta é politizada, mobilizada, inclusive para solicitar

o PSF, o que acontece muitas vezes através do Orçamento Participativo. Porém, quando a

comunidade não é organizada, a colaboração da equipe no fortalecimento de sua autonomia

dependerá muito da formação e da concepção política dos profissionais da equipe de saúde

(entrevista 6).

Para a médica, “[...] a população precisa acordar mais para o poder que ela tem de estar dentro

de uma unidade”:

[o controle social acontece] muito pouco, porque passa ainda por essa

questão do entendimento. Na hora que a população perceber... a gente está

tentando isso aqui... na hora que a gente cria reuniões e fóruns mensais para

se discutir, para fazer o planejamento conjunto, pra que se fiscalize... eu acho

que é um caminho pra isso [...] (entrevista 7).

Menciona que a equipe convidou as distintas lideranças comunitárias para participarem do

planejamento das ações, com o objetivo de incorporar seus valores e as necessidades que

consideram prioritárias, bem como facilitar o entendimento e monitoramento das ações.

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Apesar das disputas por espaços de poder, pontua que pela primeira vez estas lideranças

sentaram para construir juntas um projeto de enfrentamento dos problemas para melhoria da

qualidade de vida (entrevista 7).

A enfermeira considera o controle social ainda precário, sendo necessário um melhor

entendimento do PSF e maior interação entre equipe e comunidade. Aponta que ainda se foca

o atendimento curativo, e, por outro lado, reclama-se de problemas gerenciados por outros

setores, como lixo e esgoto, sendo seu encaminhamento geralmente um processo lento

(entrevista 8).

Pondera, contudo, que apesar de terem feito reuniões por microrregiões “para esclarecer o

Programa, a minha função, a função da médica, a função da agente de saúde [...] o que temos

para oferecer, o que podemos e o que não podemos fazer, nossos limites”, elas não têm uma

freqüência, o que considera importante, pois as pessoas que mais criticam não participam

destas discussões e geralmente são problemas que surgem pela falta de informação (entrevista

9).

Por outro lado, a auxiliar de enfermagem menciona que nunca conversou na equipe sobre

Conselho de Saúde e assim como a agente de saúde, expõe que a comunidade não fala o que

pensa das ações desenvolvidas, nem dá sugestões, o que considera que seria muito bom.

Juntamente com a enfermeira, referem que as reclamações são geralmente feitas à liderança

local, às vezes às agentes de saúde, mas raramente à enfermeira ou à médica, ou em espaços

de reunião e de grupos (entrevistas 8, 9 e 10).

Um outro aspecto levantado pela agente de saúde é a dificuldade que os moradores que

residem mais distantes têm para freqüentar a unidade de saúde, o que compromete a

participação nas ações e no exercício do controle social (entrevista 10).

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A usuária, liderança comunitária, afirma atuar como ponte entre profissionais e comunidade.

Refere funcionar como um “comunicador” dos elogios e reclamações, encaminhando as

questões colocadas pela comunidade e retornando com alguma informação da equipe de

saúde. Também menciona que orienta a procurarem o Distrito Sanitário, caso não consigam

resolver o problema com a equipe de saúde (entrevista 11).

O Programa Saúde da Família e a cidadania

A médica acredita que o PSF pode ser “[...] uma estratégia libertadora, de dar autonomia, das

pessoas perceberem a saúde de outra forma”. Para tanto, refere ser preciso construir um

modelo de atenção à saúde onde:

[...] você vai discutir com as pessoas uma visão mais ampla de mundo, de

autonomia, de cidadania, quais são os determinantes de saúde e de doença e

onde é que a gente, juntos, equipe de saúde e comunidade, podemos estar

interferindo para que isso mude. Esse é o modelo que eu acredito! (entrevista

7)

Considera que incentivar a cidadania envolve o reconhecimento da história e habilidades da

comunidade, elevar sua autoestima e criar espaços para geração de renda.

[...] esse potencial da comunidade precisa ser entendido, para que ela aflore

sua identidade cultural. [...] pra mim essa é a grande missão do PSF, estar

junto, cuidando das pessoas e deixando com que elas aflorem enquanto

cidadãs, que têm direito a um espaço, respeitando a sua identidade. [...] é

muito bonito e gratificante você ver que senhoras que eram tidas como

bichinhos do mato na comunidade, estão vindo dizer: “Doutora, não sabia

que podia fazer tanta coisa e ainda ganhar meu dinheirinho”. Isso liberta!

[...] esta é a grande missão: cuidar das pessoas, qualificando a vida, dando

independência e respeitando o perfil de cada comunidade (entrevista 7).

Contudo, pontua mais uma vez que "[...] para isso, as pessoas que estão na ponta têm que ser

extremamente qualificadas e terem claro essa missão... que eu acho que hoje é a grande

dificuldade”, ter esta clareza, ter criatividade e gostar do que faz.

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É por isso que a gente aqui inventa tanta coisa, porque a gente tem uma coisa

criadora de cidadania, de libertação e de construção de um modelo com uma

qualidade de vida [...] se eu não acreditasse nisso, se fosse meramente uma

pessoa que fosse enquadrada num modelo que limita, eu não estaria aqui

(entrevista 7).

Para a enfermeira, “[...] como tudo na vida da gente, a gente tem que ter consciência da nossa

cidadania. A gente como profissional, o comunitário como paciente, porque se não, não

funciona não”. Coloca que muitas pessoas desconhecem o significado da cidadania, tema que

vem sendo trabalhado nas atividades coletivas, discutindo-se direitos e também deveres,

direito a decidir as melhorias para sua comunidade, a escolher, a votar, bem como a ter a

equipe de saúde na comunidade, ajudando, orientando, educando e prevenindo (entrevista 8).

A agente de saúde pontua que começou a perceber melhor a relação entre o PSF e cidadania a

partir da capacitação para se trabalhar com grupos de adolescentes e idosos, feita pelo Distrito

Sanitário. Agora sabe da importância de abordar este tema, de conhecer os deveres e também

os direitos dos cidadãos.

Eu conversava muito pra que eles buscassem o que fosse melhor pra

comunidade, se eles não estavam satisfeitos [com as ações da associação de

moradores e seu presidente], eles tinham que lutar pelos objetivos que eles

queriam para comunidade. Então essa foi a minha interferência,

conscientizar eles que eles tinham direitos, que tinham poder de voto, poder

de modificar e falar, que eles realmente poderiam ir muito mais além. Essa

foi minha contribuição [para uma nova eleição de presidente da associação

de moradores], independente da minha amizade com a liderança, eu passei

isso para as pessoas, que eles tinham que lutar e batalhar (entrevista 10).

Para a auxiliar de enfermagem o PSF favorece a cidadania quando as pessoas sabem a quem

se dirigir para cobrar seus direitos, o que não acontece em uma unidade tradicional, pois não

se sabe quem são seus responsáveis. Entretanto, não considera que a consciência desses

direitos está relacionada às ações desenvolvidas pela equipe de saúde (entrevista 9). A

coordenadora, por sua vez, acredita que a população, independente do PSF, reconhece seu

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direito à saúde e cobra do profissional se este “não contribuir para efetivar sua cidadania”

(entrevista 6).

A usuária relaciona cidadania a organizar os documentos e “orientar e ajudar a pessoa a ter

seus direitos”. Expõe sua dificuldade em compreender sua relação com o serviço de saúde e,

deste modo, algumas atividades desenvolvidas pela equipe. No entanto, vem tentando estar

aberta para este novo olhar.

Sou um pouquinho cafona, da antiga, acho que devia ser assim: saúde,

saúde! Cuidar da saúde! Mas ao mesmo tempo eu estou [...] querendo mudar

de opinião. É que vejo que [cidadania] faz parte também da saúde [...] mas

ainda não está muito claro na minha cabeça [...] porque sou um pouco

resistente à mudança, mas eu também tenho consciência lá no fundo que isso

faz parte também [...]. Para mim saúde é estar bem com a cabeça, bem com

você mesmo [...] mas o que é mais preciso hoje [...] é haver um respeito...

[...] quando você tem o respeito um pelo outro, quando procurar a união, um

ajudar o outro, assim a cabeça começa a funcionar melhor (entrevista 11).

Concorda que existe essa relação, mas expõe a dificuldade, também colocada pela médica, de

conciliar atividades coletivas com a demanda por consultas, ponderando que:

[...] deveria caprichar no lado da saúde mesmo, deveria ter a médica e algum

grupo que fizesse esse trabalho. Agora, a médica seria pra consultar, pra

tratar... e depois podia estar reunindo com esse grupo [...] eu acho que o

médico tem que fazer parte [...] mas teria que ter um grupo para ajudá-la,

porque deveria ter mais consultas [...] a demanda é muito grande e se a

médica fica sentada oito horas no consultório, vai ter paciente sim! Porque

acho que não é só curar uma dor no estomago, uma dor nos rins, uma dor de

cabeça... até mesmo conversar com o médico... eu acho que faz a gente ter

saúde, pela questão da confiança que a gente deposita no médico [..] e esse

da Família a gente tem um envolvimento maior... às vezes a gente precisa até

conversar mesmo... um problema... é como se ele fosse não só médico de

curar só a dor... é também um tipo psicólogo. Eu acho que o médico da

família deveria ter este preparo... e que acho que já tem... pelo

desenvolvimento aqui da coisa como está crescendo, eu acho já tem

(entrevista 11).

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Algumas dificuldades e desafios do modelo de atenção proposto pelo Programa Saúde da

Família

A coordenadora considera que já houve avanços e que o PSF “[...] vem incrementando a

discussão acerca da relação dos profissionais com a comunidade [...]”, mas pondera que a

mudança de atitude “[...] não se dará apenas pela entrada no Programa, mas se dará enquanto

um processo a partir da compreensão de sua proposta”. Pontua que “[...] ainda há muitas

queixas do atendimento, que o profissional não olhou para o indivíduo na hora da consulta.

Ele ainda vê a doença e não o cidadão que está sofrendo naquele momento (entrevista 6)”.

Essa mudança miúda, ela não acontece de uma hora pra outra... e não vai

acontecer por vontade só daquele profissional. Porque eu estou no PSF hoje,

minha relação com a comunidade é diferente. [...] Agora, eu acho que a

gente vem conseguindo conquistar, a gente vem conseguindo fazer uma

discussão com os profissionais pra que, exatamente, essa relação se

modifique. Se você tem a compreensão da proposta do PSF, essa relação, ela

se modifica ao longo de sua entrada, mas eu acho que, de imediato, não

(entrevista 6).

Aponta ainda a autogestão das equipes de saúde da família como um grande desafio, tanto nas

questões administrativas, quanto nas de trabalho em equipe, dificultada ainda por uma postura

muito corporativa. Para seu enfrentamento, menciona que os Distritos Sanitários vêm

estruturando gerências por microrregiões, que têm por objetivo orientar e apoiar as equipes, e

articular Distrito Sanitário, unidades de saúde, organizações governamentais e não-

governamentais e lideranças locais. Também se espera que tenham um grande papel na

discussão do controle social, tanto com as equipes de saúde, como com a comunidade

(entrevista 6).

A médica também pontua o problema da formação e da mudança de atitude dos profissionais,

inclusive do agente de saúde, que têm dificuldade em trabalhar os determinantes mais amplos

do processo saúde e doença, não compreendem como se consegue realizar atividades para

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137

mobilização e permanecem com a preocupação da produção de consultas, o que não irá mudar

a situação de saúde da comunidade, que sofre com doenças psicossomáticas devido ao

estresse, consumo de álcool na família, tristeza, desemprego etc., sendo necessário

desenvolver uma nova abordagem (entrevista 7).

Afirma ser preciso trabalhar o desenvolvimento de habilidades, atividades corporais,

estimular o lazer e a autoestima, ajudando as pessoas a se sentirem melhor e enfrentarem os

problemas com menos sofrimento – práticas aceitas pela comunidade, que verbaliza a

satisfação em ser ouvida e bem recebida (entrevista 7).

A médica sente-se respaldada pelo Distrito para desenvolver tais ações, mas refere ser

complicado se toda equipe não incorporar uma nova prática, bem como conciliar a

necessidade efetiva que a comunidade tem hoje de consultas, com a formação de espaços de

discussão para identificação conjunta de problemas e soluções, processo lento, mas

verdadeiro, de construção de um modelo de atenção à saúde participativo e empoderador

(entrevista 7).

Para a enfermeira, trabalhar com a comunidade é difícil, muitos ainda têm resistência em ir à

unidade, além da dificuldade que ainda existe em abordar alguns grupos, como os portadores

de transtornos mentais e alcoolistas. Por outro lado:

[...] acham que como a gente está aqui sempre, a gente está sempre a

disposição [...] nós temos nossos limites [...] geralmente, devido até a ligação

tão forte com a gente, eles acham que a gente tem que resolver tudo da vida

deles (entrevista 8).

Considera que um dos grandes perigos do PSF “[...] é criar o paternalismo, porque a gente

fica muito próximo, a unidade é deles [...] a gente está aqui por causa deles [...]eu acho que é

falta até de conhecimento realmente da própria comunidade do que é o Programa em si”,

questão que deve ser trabalhada nas atividades de educação em saúde (entrevista 8).

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Uma das dificuldade pontudas pela agente de saúde refere-se à questão salarial:

[...] não é nem por causa do salário, porque eu acredito assim... que muitos...

como eu, estou porque... tem crescido e a gente se apega muito ao que faz, a

gente tem amor, porque na realidade eu tenho que fazer faxina no final de

semana para poder completar minha renda [...] no lugar de estar me

divertindo, me distraindo [...] para no começo da semana estar na batalha de

novo [...] (entrevista 10).

A agente também expõe o problema da garantia da continuidade do atendimento na atenção

especializada, assim como a usuária, que coloca a demora para marcação da consulta, bem

como para entrega de resultados de exame, estando mais fácil obter uma medicação ou marcar

uma cirurgia, o que “[...] está assim... mesmo tirando o sentido do povo de fazer os exames...

eu acho que isso está sendo muito ruim pra unidade (entrevista 11)”.

Sugestões para melhoria do Programa Saúde da Família

Para implementar o PSF, a coordenadora refere a necessidade de protocolos clínicos e de

definição dos fluxos e parâmetros de atendimento, bem como a realização de planejamento, a

construção de indicadores e a avaliação das ações junto com a comunidade (entrevista 6).

A médica menciona que a gestão precisa ter muita atenção em relação ao perfil dos

profissionais, além de sua qualificação, e aponta a necessidade de “fazer uma revisada no

papel do agente comunitário de saúde [...] ele entrou na rede por um caminho, se perdeu no

meio do caminho e hoje está tentando se resgatar [...] precisa se qualificar mesmo (entrevista

7)”.

Em relação ao trabalho de mobilização da comunidade, a médica considera ser preciso

esclarecer os padrões de produção que se espera de uma equipe de saúde da família, inclusive

das atividades de saúde coletiva, legitimando-as para que sejam incorporadas de fato:

Eu acho que o PSF não tem isso muito bem definido... Produção é consulta?

Produção é atividade educativa? Produção é reunião com grupo? [...] já

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139

participei de ‘N’ reuniões à noite... E isso não conta nada? E ai? Eu faço

porque eu gosto muito desse trabalho, outro profissional vai dizer “eu dou

plantão à noite, não vou poder”. Então, porque esse espaço não pode ser

colocado na dinâmica da implantação do Programa? [...] E tem que ser uma

coisa porque a doutora gosta, porque a doutora se dispõe [...] eu tenho tido

todo respaldo, mas tem pessoas que [...] se sentem tolhidos e cobrados se não

fizerem aquele cronogramazinho fechado. Como resolver isso? Eu não sei.

Eu acredito que vem muito de formação (entrevista 7).

Apesar de enfatizar a necessidade de padronizar e legitimar atividades de saúde coletiva,

ressalta que não pode haver o estabelecimento de cronogramas rígidos:

[...] na verdade eu acredito muito no Programa, não no modelinho fechado,

que está no papel [...] mas ele como um lócus de cidadania. [...] já estou

interferindo no saneamento, na escola, na nutrição... tem um monte de

coisas.... na relação com as lideranças. Então hoje a gente está permeando

em tudo que permeia na comunidade (entrevista 7).

Pontua, assim, a importância das instituições formadoras ampliarem o olhar para a saúde e

incentivar os profissionais a se posicionarem diante dos desafios que irão enfrentar. Para esse

aprendizado, as vivências na comunidade são extremamente interessantes, pois estimulam a

percepção para além da patologia, bem como a criatividade na resolução de problemas

(entrevista 7).

A médica refere ainda a necessidade de melhoria da infra-estrutura para as unidades de saúde,

pois algumas chegam a ser insalubres e é preciso cuidar para que o PSF seja o “cantinho da

saúde” da comunidade, o mais humano e harmônico possível, bem como do fortalecimento da

articulação dos profissionais da rede de atenção básica à de referência:

[...] eles não têm a menor noção do que é o PSF, isso é muito ruim, porque a

gente perde o elo de ligação. [...] ainda é comum chegar para gente e dizer:

‘eu voltei para senhora porque lá o médico disse que o PSF não entende

nada, mas eu confio na senhora’... e volta pra gente (entrevista 7).

Outra questão que levanta para se pensar é a lotação dos profissionais de nível universitário,

quando possível, perto do seu local de residência, pois considera que interfere na percepção e

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na relação com a comunidade, na sua qualidade de vida e, portanto, interfere positivamente

em seu trabalho (entrevista 7).

A sugestão feita pela enfermeira para melhoria do PSF refere-se a necessidade de um melhor

apoio de retaguarda às equipes de saúde da família, tanto no que diz respeito ao suporte

técnico, como ao atendimento nas áreas de assistência social, psicologia e fisioterapia, bem

como o apoio ao próprio trabalho em equipe (entrevista 8). Neste sentido a auxiliar de

enfermagem refere a incorporação de um odontólogo, bem como de mais um médico para que

as consultas não se acumulem por conta das ausências deste profissional durante cursos e

reuniões (entrevista 9).

Além do atendimento odontológico, agente de saúde pontua que os gestores devem

administrar melhor os recursos para que os municípios tenham condições de garantir a

continuidade do atendimento à sua população, sem sobrecarregar outros. Lembra que ainda

hoje, nos grandes hospitais, as pessoas precisam ir de madrugada, ou mesmo dormir, para

tentar um atendimento: “eu acho que o Governo Federal deveria pensar bastante nisso, pra

poder melhorar mais ainda, porque eu acho que um está ligado ao outro. Aí o Programa da

Família vai, faz sua parte, mas não tem... ali parou, porque não tem a outra continuidade

(entrevista 10)”.

Também enfatiza que “[...] na seleção de profissionais deveria ter critérios mais sérios, mais

rigorosos [...] tem ainda muito o que crescer e ainda falta assim... a humanização e o amor à

profissão [...] só vai dar mais frutos se colocarem mais profissionais dedicados e com amor”.

Refere que muitas vezes o problema que se coloca não é especificamente de saúde, mas

social, e o profissional precisa estar preparado para enfrentar questões como a fome e as

drogas. Se for para ser humanizado, é preciso apoiar as pessoas, quer seja no campo

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emocional e moral ou mesmo material, através de recursos como alimento e roupa, pois

muitas vezes não se pode ficar a espera da ajuda do Governo (entrevista 10).

A usuária considera que a Prefeitura deveria utilizar seus terrenos para construir unidades de

saúde próprias e melhores, bem como oferecer mais serviços, como psicologia, odontologia e

assistência social. Menciona que os próprios funcionários da sede da Prefeitura, que “são

muitos e com desvio de função”, poderiam ir para as unidades, inclusive para ajudar a

desenvolver “o trabalho de cidadania” (entrevista 11).

Sabe que não é fácil, mas quando é melhor para o povo, tem que ser feito, “[...] porque é

muito difícil e a gente não tem condições pra bancar [...] encaminha, mas a gente não tem

antes de seis meses a consulta [...] tudo com muita dificuldade. A gente sabe que pode ser

melhor. Pelo menos eu tenho consciência [...] a Prefeitura hoje pode dar melhor a gente

(entrevista 11)”.

4.2 .3 .4 .2 .3 .4 .2 .3 .4 .2 .3 . D iscutindo a implementação à luz do conteúdo emancipador

A construção de um modelo de atenção à saúde que valorize a vida dos cidadãos e a

oportunidade de desenvolver suas habilidades é adotada como diretriz política pela Secretaria

de Saúde, que apresenta a reorganização da atenção básica a partir do PSF e a gestão

participativa dentre as estratégias para a defesa da cidadania.

A gestão vem investindo na ampliação da atenção básica através do PSF, havendo contudo

significativas variações na cobertura do Programa entre os Distritos Sanitários, bem como

dificuldades na garantia de continuidade do atendimento na rede especializada. Também tem

feito investimentos na qualificação da atenção, como o Curso de Especialização em Saúde da

Família para todos os profissionais de nível universitário e, no Distrito Sanitário selecionado,

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a capacitação dos agentes comunitários para a formação de grupos de convivência com idosos

e adolescentes.

Embora a qualidade da atenção também esteja sendo incrementada com a melhoria das

condições de trabalho, a partir do estabelecimento do fórum permanente de negociação com

os trabalhadores e da implantação do PCCV, a realização de Concurso Público não abrangeu

cargos para o PSF e são mencionadas deficiências na garantia de infra-estrutura para o

funcionamento das unidades de saúde.

Em relação ao acompanhamento sistemático das equipes de saúde da família, apesar da

coordenadora apontar que tem se discutido com os profissionais do PSF questões relativas à

necessidade de transformação da relação entre profissionais/serviços de saúde �

usuários/comunidade, não aparecem nas falas das entrevistadas a orientação ou apoio

sistemático da gestão ao desenvolvimento das atividades de saúde coletiva e de mobilização

social. Também chama atenção as colocações a respeito da necessidade da gestão legitimar

tais atividades, mesmo a equipe se sentindo respaldada pelo Distrito Sanitário para

desenvolvê-las.

Quanto à gestão participativa, aponta-se o fortalecimento dos mecanismos de participação

popular para o controle social através da garantia das reuniões periódicas do Conselho

Municipal de Saúde, da capacitação dos conselheiros de saúde e da capilarização da

articulação com os atores sociais, a partir da descentralização das plenárias da Conferência de

Saúde por microrregiões dos Distritos Sanitários, da criação dos Conselhos de Saúde

Distritais e de unidades de saúde, bem como da incorporação das deliberações do Orçamento

Participativo na pauta de planejamento das ações.

Entretanto, a implantação de conselhos nas unidades do PSF não foi adotada como prioridade,

existindo no Distrito estudado apenas uma unidade com Conselho Local. Também não foi

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contextualizada nos depoimentos a existência de fóruns periódicos para discussão da Política

de Atenção Básica entre os Distritos Sanitários ou entre gestores e profissionais de saúde, nem

a existência de espaços de integração da Saúde com demais áreas do governo e da sociedade.

As dificuldades e obstáculos levantados nas falas também aparecem nas deliberações da

Conferência Municipal de Saúde como questões que ainda precisam de maiores

investimentos, como a qualificação, acompanhamento e monitoramento do PSF, destacando-

se as ações educativas; o estabelecimento de fóruns com profissionais do PSF; a

democratização da informação e dos serviços, bem como o fortalecimento de parcerias com a

sociedade para prevenção de doenças e promoção da saúde.

No que diz respeito às diretrizes da Estratégia Saúde da Família, são mencionadas como

fundamentais para a transformação do modelo de atenção a responsabilização por um

território definido e a intervenção a partir do diagnóstico de sua realidade, possibilitando uma

atenção de qualidade, com continuidade e estabelecimento de vínculos de confiança entre

profissionais e usuários, permitindo a real aproximação entre serviço de saúde e comunidade.

A usuária também destaca a melhoria do acesso ao serviço, que é facilitado pelo fato do

atendimento não ser centrado no médico, havendo a efetiva atuação de outros profissionais.

Em relação ao reforço da ação comunitária, a equipe de saúde da família tem conseguido

envolver diferentes grupos sociais (idosos, adolescentes, mulheres) e entidades comunitárias

em ações de promoção da saúde, que buscam no coletivo a reflexão acerca dos determinantes

dos problemas de saúde. Estas ações visam a organização e articulação destes grupos na

identificação de soluções para o enfrentamento dos problemas, bem como potencializar, ou

mesmo aflorar, suas habilidades. Também têm sido feitos investimentos para atuarem como

multiplicadores de informações e mobilizadores da comunidade, onde o cuidado com o meio

ambiente aparece com ênfase.

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A usuária menciona que a equipe (destacando a atuação da médica) tem conseguido atrair as

pessoas e proporcionar mais aprendizado nas atividades de saúde que desenvolve, o que tem

levado a assumirem uma postura mais participativa, inclusive tirando algumas da ociosidade,

pois mesmo conscientes de seus direitos e tendo acesso ao que tem hoje, estavam muito

acomodadas.

Parece que esta equipe tem conseguido atuar no reforço da ação não apenas dos indivíduos,

mas também de seus coletivos, bem como ampliado as discussões para além das orientações

com o autocuidado, reforçando a articulação e o apoio social, questões destacadas por Martins

Jr. (2003) e Valla (1992) como fundamentais no “apoderamento” da comunidade para

conquista de melhores condições de saúde.

Entretanto, observa-se que há na equipe visões e atuações bem diferenciadas e mesmo

contraditórias em relação às atividades coletivas. Estas, em alguns momentos, são tidas como

espaços para discussão a respeito da mudança do modelo de atenção, do planejamento e

avaliação das ações e dos direitos e deveres dos cidadãos; em outros, como espaços

destinados a “explicar” à comunidade o funcionamento do PSF e como cuidar melhor de sua

saúde, lembrando as dificuldade mencionadas por Donato & Mendes (2003) no

estabelecimento de trocas e parcerias verdadeiras com a comunidade, bem como o aspecto

levantado por Valla (1992) de enfocar a saúde como uma conquista particular, substituindo

problemas coletivos por individuais.

Contudo, a usuária afirma que está havendo uma maior preocupação com a saúde por parte da

comunidade, tanto pelo melhor conhecimento acerca dos direitos e dos cuidados, bem como

por um melhor acesso e acolhimento do serviço de saúde. Nas falas de algumas profissionais

é colocado que essa preocupação vem se ampliando para além do remédio, pois começam a

mudar a forma de ver a saúde e de enfrentar os problemas.

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As contradições e diferenças no entendimento das ações coletivas refletem-se também na

compreensão da mudança de postura da comunidade: por um lado, e de acordo com o

entendimento de Donato & Mendes (2003) e de Jacobi (20020, percebe-se que este é um

processo lento e difícil, tanto pelas questões culturais em relação à supervalorização da

consulta e do atendimento médico curativo, como pelas preocupações do dia-a-dia com a

própria sobrevivência; por outro, há o sentimento de que as pessoas não mudam porque não

valorizam as informações que são passadas pelos profissionais de saúde.

Além do trabalho com os grupos de educação em saúde, os canais de comunicação com a

comunidade se dão mais através de suas lideranças. Se por um lado este é um aspecto

importante na mobilização social, por outro parece haver uma fragilidade no estabelecimento

de espaços mais ampliados da participação comunitária, como reuniões ou a formação do

Conselho Local de Saúde, para discussões a respeito do sistema e dos problemas de saúde.

É provável que a interação com as lideranças locais esteja relacionada com a própria história

de mobilização da comunidade para a implantação do PSF, que imprime uma dinâmica

diferenciada, inclusive entre as quatro comunidades de sua área de abrangência: a articulação

com as entidades comunitárias para o planejamento e desenvolvimento de ações é mais

intensa na localidade onde surgiu o movimento em prol do PSF, do que nas demais. É

interessante frisar que essa localidade conta com três entidades representativas atuantes e que,

como pontuado pela coordenadora, a participação social muitas vezes vem como exigência da

comunidade.

Mas observa-se que a equipe, primordialmente na figura da médica, vem estimulando a

colaboração e cobrando a co-responsabilização dessas lideranças no desenvolvimento das

ações de saúde coletiva, pois as considera importantes parceiras no fortalecimento de canais

de comunicação e participação da comunidade, o que vem, inclusive, estabelecendo uma

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relação de cooperação entre elas, que representam distintas classes e grupos sociais e que

disputam espaço de poder no território.

No que diz respeito ao controle social, mesmo o Conselho Distrital de Saúde tendo sido

mencionado apenas pela gestora e sem a instituição do controle formal na unidade de saúde da

família, este vem de alguma forma acontecendo através de uma das lideranças comunitárias,

que assume um papel de mediadora entre comunidade, equipe de saúde e Distrito Sanitário.

Chama atenção o destaque dado ao fato das pessoas não verbalizarem suas opiniões

diretamente à equipe de saúde, e quando isso acontece, se dá mais com as agentes de saúde;

bem como a fala de que estas batalham um espaço nas reuniões de equipe para defenderem os

interesses da comunidade junto à médica e à enfermeira.

As entrevistadas reconhecem essa fragilidade, mas centram sua superação na melhoria da

compreensão dos profissionais e da comunidade acerca da proposta do PSF. Também há o

entendimento de que as críticas ao trabalho da equipe de saúde são devidas ao

desconhecimento do funcionamento do Programa, o que pode limitar a abertura dos espaços

para discutir a saúde de uma forma mais ampla e sistêmica. Contudo, mencionam a

importância de melhoria da articulação entre os serviços básicos e as unidades de referência,

bem como dos diversos setores do governo, visto a necessidade de responder a problemas de

saúde cuja resolução não está sob a gestão da saúde.

O exercício do controle social, como pontuado pela coordenadora, é um processo de

aprendizado para ambos os lados, no qual a gestão deve investir, tanto oferecendo subsídios à

comunidade e favorecendo articulações e mobilizações, como discutindo a questão junto às

equipes de saúde. No entanto a usuária menciona que apesar da descentralização da estrutura

organizativa da Secretaria de Saúde, a comunidade desconhece o Distrito Sanitário, bem

como seus técnicos desconhecem a realidade das comunidades, o que considera um obstáculo

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para o avanço da participação e do controle social, bem como para melhoria dos serviços

prestados.

Essas observações evidenciam a fragilidade no estabelecimento de espaços de participação

social e de permeabilidade das propostas populares junto à administração pública, questões

relevantes como exposto por Donato & Mendes (2003) e Jacobi (2002). Também demonstram

os obstáculos ao estabelecimento de canais de comunicação e de formação de consensos entre

os atores que atuam no território, aspecto importante destacado por Goya (2003), que parece

associar-se à questão da luta entre classes sociais.

Quanto à promoção da cidadania, apesar das dificuldades apontadas, pode-se mencionar que

vem acontecendo ao se trabalhar junto à comunidade seus deveres e direitos, tanto em relação

aos serviços de saúde, como ao direito a decidir as melhorias para sua comunidade, inclusive

através do voto. Também é colocado pelas profissionais a incorporação dos valores e

prioridades da comunidade no planejamento das ações, através de suas lideranças e a resposta

que o PSF vem dando à necessidade das pessoas serem ouvidas, reconhecendo suas vivências

e compreendendo suas qualidades e limitações.

Ainda se pode mencionar o destaque dado pela médica à promoção da autonomia dos sujeitos,

ao se discutir a saúde de uma forma mais ampla, identificando seus determinantes e como a

equipe de saúde e a comunidade podem atuar conjuntamente para melhoria das condições de

saúde. Destaca ainda, como de fundamental importância, as ações dirigidas para o estímulo da

autoestima da comunidade, valorizando o desenvolvimento de suas habilidades e de seu

potencial cultural, inclusive para geração de renda.

É interessante a repercussão desse trabalho na liderança comunitária, que expõe seu dilema

em aceitar a participação dos profissionais de saúde em atividades de mobilização social.

Dilema que relaciona à necessidade de melhor compreender a relação entre saúde e cidadania,

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mas principalmente à dificuldade da equipe em atender à demanda por consultas. Considera

que deveria haver outros profissionais, como assistentes sociais, para ajudar a realizar as

atividades de mobilização, sem comprometer o tempo dedicado às consultas, pois a demanda

não é apenas para cuidar da dor física, mas também da mente.

De um modo geral, os discursos para implementação do PSF apontam a importância da

adequada formação dos profissionais e de sua postura política junto à comunidade na

superação da cultura do modelo biomédico e paternalista, o que requer o desenvolvimento de

habilidades no que diz respeito a atividades de saúde coletiva e de promoção da saúde, como

ao enfrentamento de situações como a fome e as drogas.

Desse modo, colocam que as instituições formadoras precisam ampliar o olhar para a saúde e

incentivar os profissionais a se posicionarem diante dos desafios que irão enfrentar, sendo

fundamental a vivência de experiências nas comunidades. Também é ressaltada a necessidade

da gestão estar atenta ao perfil profissional e de rever suas atribuições, inclusive as do agente

de saúde, bem como o incremento da capacidade de autogestão das equipes do PSF.

Em relação às melhorias necessárias para qualificar a atenção à saúde, ainda se menciona que

é preciso garantir infra-estrutura para os serviços e implantar os protocolos e parâmetros de

atendimento, inclusive das atividades de saúde coletiva, legitimando-as. Também se refere um

melhor apoio de retaguarda às equipes, tanto em relação ao atendimento nas áreas de

assistência social, psicologia, fisioterapia e odontologia, bem como ao fortalecimento da

articulação com os demais serviços do sistema de saúde.

Nesse ponto, levanta-se a responsabilidade dos gestores, inclusive federais, em investir na

garantia da integralidade e continuidade do atendimento, pois apenas o PSF não atende às

necessidades da população. A usuária acredita não ser um processo fácil, mas considera que é

preciso, bem como possível, o governo municipal oferecer um serviço de melhor qualidade.

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Capítulo 5555

C onsiderações F inais & R ecomendações

... a percepção que em mim se acumulava a respeito da trajetória do PSF... poderia resumir essas transformações, qualificando-as como autênticos saltos de qualidade; como passagens do sonhado ao concreto, do normativo-duro à dialética do possível; da teorização ao empirismo; do movimento para a realidade para o movimento a partir da realidade; da construção técnico-política à construção social.

Flávio de Andrade Goulart (Experiências em Saúde da Família: cada caso é um caso?, 2002)34

O presente estudo teve como propósito analisar, no cotidiano das unidades de saúde da

família, como os atores compreendem e produzem práticas de promoção da saúde e da

cidadania, observando os pressupostos teóricos do Programa. Cabe lembrar que, ciente da

heterogeneidade entre profissionais e serviços, a seleção intencional da amostra considerou

contextos favoráveis à implementação da proposta emancipadora do PSF, como a adoção da

promoção da cidadania e da reestruturação da atenção básica através do PSF como prioridades

de governo, bem como a identificação de equipes do Programa que venham desenvolvendo

ações voltadas para a mobilização da comunidade. Tal escolha teve como propósito permitir,

no âmbito da abordagem qualitativa, um melhor aprofundamento e abrangência da análise a

respeito de suas possibilidades e entraves.

Ainda é importante mencionar que o estudo dos dois casos não teve por objetivo

comparações, mas sim ampliar o leque de experiências que podem revelar a diversidade de

mecanismos de compromisso com a política de reorientação do modelo de atenção à saúde,

34 GOULART, Flávio A. de Andrade. Experiências em Saúde da Família: cada caso é um caso ? Tese de Doutorado apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ, Rio de Janeiro/RJ, 2002. 387 p.

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considerando, contudo, interessante realizar observações transversais que possam revelar

aspectos a serem considerados na avaliação-reajuste da política.

Serão pontuados inicialmente os obstáculos à reorientação das práticas de saúde, que foram de

certa forma identificados de maneira semelhante pelos sujeitos da pesquisa nos dois

municípios. Um dos principais desafios colocados é a necessidade de desenvolvimento de

pessoal para atuar no PSF, pois mesmo modificando as estruturas e diretrizes operacionais, é

preciso mudar convicções e posturas diante do prestar serviços de saúde.

Assim, destaca-se a premência da incorporação dos “novos” paradigmas da saúde pelas

instituições de ensino e serviços no processo de formação e qualificação dos profissionais,

para que estes possam, não apenas de maneira intuitiva, desenvolver novas práticas e relações

com os usuários e outros profissionais na produção do cuidado em saúde, voltado para sua

defesa como um direito de cidadania e bem essencial à qualidade de vida.

Mesmo se identificando o desenvolvimento de ações voltadas para a promoção da saúde e da

cidadania, por parte das profissionais entrevistadas, a necessidade de qualificação técnica para

se avançar no estabelecimento de uma nova forma de atuar é exposta como uma limitação,

visto o desafio de se trabalhar autonomia, participação e cidadania num contexto marcado por

precárias condições de sobrevivência, pela desmobilização social e pela cultura paternalista e

fisiologista historicamente presente na relação entre Estado e Sociedade.

Pode-se acrescentar os obstáculos ao estabelecimento de espaços flexíveis para participação

comunitária e da permeabilidade do PSF, e do setor saúde, às suas reivindicações e propostas,

devido à ênfase dada pelas equipes de saúde à necessidade de focar as discussões em torno

dos aspectos relacionados ao âmbito da unidade de saúde da família, que estão sob sua gestão,

de maneira contraditória ao discurso da necessidade de abordar integralmente a saúde.

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Ainda há entraves que dizem respeito à permeabilidade das reivindicações da comunidade e

da equipe de saúde junto aos demais setores governamentais, bem como ao desenvolvimento

de intervenções intersetoriais, mesmo onde há espaços instituídos para esta articulação. Para

de fato haver a co-responsabilização por melhores condições de saúde é preciso a adequação

de fluxos que permitam que as informações de saúde sirvam de critérios de decisão para

intervenções conjuntas.

Faz-se necessário que o setor saúde se responsabilize em ampliar a discussão a respeito da

produção social da saúde junto às demais instâncias governamentais, bem como estabeleça

problemas prioritários a serem discutidos e enfrentados em conjunto, possibilitando a criação

e fortalecimento de mecanismos de integração – questão que também precisa ser estabelecida

como prioridade de gestão.

Além dos aspectos levantados, identifica-se a importância de aprimorar o acompanhamento

das equipes de saúde da família, tanto no que diz respeito à organização do processo de

trabalho (agendas de trabalho, padronização de procedimentos coletivos etc.) e ao

monitoramento e avaliação das ações, como à sua educação permanente, de modo a agregar

conhecimento formal às práticas do trabalho cotidiano, através de sua reflexão crítica.

Este também foi um ponto no qual observaram-se diferenças entre os casos analisados. Onde

o acompanhamento das equipes é mais estruturado, notou-se uma melhor organização do

processo de trabalho e amadurecimento da atuação em equipe, com as intervenções e

avaliações partindo do coletivo dos profissionais, aspecto que por sua vez tem seus reflexos

na sustentabilidade de suas ações.

O fortalecimento da gestão participativa com a inclusão de técnicos da Secretaria de Saúde e

profissionais do PSF na avaliação e implementação da Política de Atenção Básica também

vem acontecendo de forma distinta nos dois municípios. Onde esta participação estava mais

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presente, observou-se seu reflexo na importância dada à riqueza da influência recíproca em

relação a criatividade nas intervenções das equipes e da gestão.

É neste cenário desafiador, com diferentes níveis de organização do PSF e de atuação em

equipe, que afirmamos a presença de discursos e práticas inovadoras no campo da promoção

da saúde e da cidadania no cotidiano das unidades de saúde da família, que apesar dos

obstáculos e limitações mencionados, parecem trilhar um caminho possível para a

transformação da cultura hegemônica do modelo centrado no atendimento médico e na visão

biologicista do processo saúde-doença, ainda marcadamente presente no seu dia-a-dia.

Um aspecto fundamental que se pode ressaltar é a decisão política, por parte dos atores

sociais, em atuar na Estratégia Saúde da Família com a perspectiva de mudar sua prática e

contribuir para melhoria da situação de saúde das comunidades. A inovação parece emergir da

vontade de superar as dificuldades que afloram do encontro entre “velhas” e “novas”

concepções no campo das relações entre profissionais�usuários, serviço�comunidade e

saúde�gestão municipal, como no âmbito do trabalho em equipe, ou seja, das relações entre

as diferentes categorias profissionais.

Ou seja, os conflitos resultantes dos esforços de gestores, profissionais e usuários em traduzir

o conceito positivo e ampliado do processo saúde-doença, o paradigma da sua produção social

e da gestão social da saúde, vêm levando à reflexão a respeito do impacto de suas práticas nas

condições de saúde e na felicidade dos indivíduos, propiciando sua transformação.

Tais concepções não aparecem com a mesma clareza, nem com igual profundidade e

intensidade entre os atores sociais ou entre os serviços de saúde, bem como os processos de

reflexão crítica e de inovação de suas práticas. Mas é inegável que a implantação das unidades

de saúde da família vem induzindo movimentos de transformações do cuidar da saúde

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153

influenciados por este ideário e favorecidos pela aproximação dos profissionais com os

usuários e a vida da comunidade.

De alguma maneira é evidente nos depoimentos a presença de conceitos e práticas que podem

ser relacionados ao conteúdo emancipador do PSF:

� reforço da ação comunitária – importância dada à necessidade de proporcionar maior

acesso à informação, subsidiando a comunidade no pensar o processo saúde-doença a

partir de seus determinantes mais amplos, identificando as responsabilidades dos diversos

sujeitos sociais neste processo (indivíduo/comunidade/profissional/gestor); discutir o

modelo de atenção à saúde com a comunidade, tanto para compreensão da proposta do

PSF e mudança de prática por parte dos usuários como dos profissionais, técnicos e

gestores; do cuidar da saúde extrapolando a medicação ou os procedimentos preventivos,

desenvolvendo ações de promoção da saúde;

� participação e controle social – preocupação em romper com o padrão paternalista na

relação com a comunidade, através do estabelecimento de co-responsabilidades no cuidar

da saúde; incentivar a organização da comunidade para o enfrentamento dos problemas de

saúde, bem como estabelecer e qualificar espaços de participação no serviço de saúde, não

apenas fiscalizadora, mas também propositiva; capilarização dos espaços de participação e

controle social;

� promoção da cidadania – agir direcionado aos indivíduos e suas histórias de vida, não à

doença, e de modo a despertar a responsabilidade e o prazer de se cuidar; valorizar a

escuta e a fala; possibilitar canais onde se possa participar e opinar a respeito dos serviços

prestados pela equipe; incentivar a auto-estima dos indivíduos e da comunidade, a partir

do reconhecimento e desenvolvimento de suas habilidades, inclusive na geração de renda;

estimular a solidariedade.

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154

Estas concepções e práticas, mesmo que operacionalizadas com limitações e contradições,

parecem indicar que essas equipes de saúde da família começam a interagir com os usuários

entendendo que estes não são apenas os que procuram por atendimento na unidade de saúde,

mas todos aqueles que vivem na sua área de abrangência sanitária; na perspectiva de lhes

oferecer o cuidado à saúde como um direito de cidadania; considerando-os não apenas como

objetos, mas também como sujeitos das ações de saúde.

Vale registrar as dificuldades no estabelecimento de canais de comunicação e troca com a

comunidade e entre a própria equipe, o que em alguns momentos parece estar relacionado ao

conflito entre classes sociais, como na idéia da dificuldade intelectual da comunidade para

assimilar ou aceitar novos conhecimentos e práticas; na fala de que as agentes de saúde

batalham espaços junto à médica e à enfermeira para defenderem os interesses da comunidade

e na dificuldade da população fazer reivindicações ou reclamações junto a estas categorias

profissionais.

Além da superação das dificuldades, já mencionadas, e da necessidade de melhor apoio das

esferas estadual e federal na sustentabilidade do PSF, através do estímulo ao desenvolvimento

de novas práticas assistenciais e gerenciais, avançar na implementação da proposta

emancipadora da Estratégia Saúde da Família requer a revisão de suas diretrizes operacionais

quanto à incorporação dos distintos saberes necessários a uma atenção integral, tanto da área

da saúde como de ciências humanas e sociais, a exemplo da psicologia, assistência social,

antropologia, sociologia, educação, comunicação e artes.

Produzir novas práticas para uma atenção multi e interdisciplinar na promoção da saúde e na

prevenção/cura/reabilitação de doenças e agravos, voltadas para a autonomia e cidadania dos

sujeitos, demanda a colaboração entre profissionais dessas distintas áreas e das equipes de

saúde da família no enfrentamento dos problemas identificados; tanto através do apoio técnico

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155

e educação continuada, como de intervenções junto à comunidade, famílias e indivíduos e do

apoio ao estabelecimento de parcerias governamentais e não-governamentais para

desenvolvimento de intervenções intersetoriais.

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163

A nexo 1

GUIA PARA REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS

Procedimentos preliminares:

� Agendamento e confirmação da data, horário e local da entrevista;

� Checagem do material necessário: gravador de audio, fitas cassete devidamente rotuladas e identificadas, roteiro da entrevista, cópia do Projeto de Pesquisa, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, diário de campo, caneta esferográfica.

� Explicação para o entrevistado de como será conduzida a entrevista, informando que a qualquer momento pode ser solicitado esclarecimentos;

� Explicação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;

� Solicitação de autorização para gravar a entrevista.

Temas e perguntas para desenvolvimento das entrevistas:

1. Experiência do entrevistado com o PSF;

2. Melhorias e problemas que o PSF trouxe para o modelo de atenção à saúde;

3. Prática cotidiana da atenção à saúde no PSF: características, melhorias e problemas;

4. Forma como as pessoas enfrentam seus problemas de saúde, comparando o atendimento na unidade de saúde tradicional e no PSF;

5. Relação entre o PSF e a comunidade: canais de comunicação existentes, facilidades e dificuldades de comunicação entre equipe de saúde e comunidade;

6. Controle social sobre as ações do PSF: manifestações, Conselhos Locais de Saúde;

7. Relação entre PSF e cidadania;

8. PSF e Gestão Municipal: características, dificuldades e facilidades;

9. Sugestões para melhoria do PSF (a nível federal, estadual, municipal e local);

Os temas funcionarão como guia para a entrevista e se adequarão ao perfil do entrevistado

(gestor, profissional de saúde ou usuário), bem como ao andamento da entrevista e alguns

temas poderão ser mais aprofundados de acordo com a receptividade do entrevistado. Todos

os temas estarão contidos nas entrevistas, sendo que os 3 últimos estão mais dirigidos aos

gestores e profissionais de saúde.

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164

A nexo 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO *

Eu, ___________________________________________________________________,

declaro estar de acordo com minha participação no estudo sobre o tema Programa Saúde da

Família (PSF) e ciente de que tal participação poderá consistir em responder a perguntas em

uma entrevista e/ou disponibilizar documentos e/ou acompanhar a equipe de pesquisa em

visita à instituição gestora do PSF ou a unidades do PSF. Tais procedimentos têm por objetivo

levantar informações necessárias ao estudo e colaborar com a análise da Política de Saúde

adotada pelo Governo Brasileiro. Estou informado de que poderei ter acesso prévio aos temas

que serão abordados durante a entrevista, bem como da apresentação pública dos resultados

desta pesquisa, sendo meu nome ou qualquer outra forma de identificação mantidos em total

sigilo. Minha participação é voluntária e poderei deixar de participar a qualquer momento,

sem que isto acarrete qualquer prejuízo a minha pessoa.

Qualquer esclarecimento será realizado através do contato com Naíde Teodósio Valois

Santos, pelo endereço Av. Moraes Rego, s/n, Campus da Universidade Federal de

Pernambuco, caixa postal nº 7472, Recife, Pernambuco, cep: 50670-420, tel: (81) 21012617;

endereço eletrônico: [email protected].

_______________________________ , _____ de _________________ de 2004

_______________________________

Assinatura do Participante

* O presente documento consta de duas vias, a primeira ficará em posse da pesquisadora e a segunda

em posse do participante.

FIOCRUZ

Ministério da SaúdeCentro de Pesquisas

AGGEU MAGALHÃES

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165

A nexo 3

RELAÇÃO DOS DOCUMENTOS COLETADOS

Os quadros abaixo apresentam a documentação coletada na pesquisa de campo. Alguns documentos

do Município do Cabo de Santo Agostinho referem-se a apresentações, em meio eletrônico (Microsoft

PowerPoint), destinadas a seminários e/ou reuniões de Governo ou do Conselho Municipal de Saúde,

que foram consideradas de interesse para o levantamento e a análise de informações.

Documentos Cabo Título

Documento 1 Plano Municipal de Saúde, 1997.

Documento 2 Programa Saúde em Casa: saúde para todos. Uma estratégia para melhoria da qualidade da atenção básica de saúde, 1997.

Documento 3 O PSC passo a passo, 1998.

Documento 4 Relatório da V Conferência Municipal de Saúde. Saúde, qualidade de vida, participação democrática, com inclusão social – Desafios para o fortalecimento do SUS, 2003.

Documento 5 Atribuições da equipe de coordenação do Programa Saúde me Casa e Programa de Agentes Comunitários de Saúde, 2003. Documento do Microsoft PowerPoint.

Documento 6 Relatório de gestão: Gerência de Atenção Básica, 2003.

Documento 7 Modelo de Atenção do SUS-Cabo, 2004. Documento do Microsoft PowerPoint.

Documento 8 Sistematização Modelo de Atenção, 2004. Documento do Microsoft PowerPoint.

Documento 9 Relatório de gestão: Gerência de Atenção Básica, 2004

Documento 10 Relatório SIAB-Cabo/USF 1: consolidado das famílias cadastradas, 2004.

Documento 11 Relatório SIAB-Cabo/USF 1: série histórica da produção, 2004

Documento 12 Relatório SIAB-Cabo/USF 1: série histórica das informações de saúde, 2004.

Documentos Recife Título

Documento 13 Plano Municipal de Saúde, 2002.

Documento 14 Relatório Final da 6ª Conferência Municipal de Saúde. Recife saudável: o desafio da integralidade e do comando único do sistema de saúde. 2003.

Documento 15 Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde, 2003..

Documento 16 Marcas da Gestão. Balanço 2003.

Documento 17 Relatório SIAB-Recife/USF 2: consolidado das famílias cadastradas, 2004.

Documento 18 Relatório SIAB-Recife/USF 2: série histórica da produção, 2004.

Documento 19 Relatório SIAB-Recife/USF 2: série histórica das informações de saúde, 2004.

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166

A nexo 4

RELAÇÃO DAS ATIVIDADES ACOMPANHADAS

Durante a pesquisa de campo foram realizadas, inicialmente, visitas às localidades selecionadas para

observação da rotina das unidades de saúde da família e reconhecimento de sua área de abrangência,

num segundo momento, acompanhado algumas atividades coletivas desenvolvidas na unidade de

saúde e na comunidade, conforme os quadros abaixo:

Diário de campo 1 Cabo

Descrição

Atividade 1 Observação livre da rotina da USF 1

Atividade 2 Reconhecimento de área de abrangência da USF 1

Atividade 3 Reunião do Conselho Local de Saúde

Atividade 4 Reunião da equipe com a comunidade

Atividade 5 Reunião para educação continuada dos ACS

Atividade 6 Reunião para educação continuada da equipe

Atividade 7 Grupo de mulheres - educação em saúde

Atividade 8 1 turno de visita domiciliar com médica

Atividade 9 2 turnos de visita domiciliar com enfermeira

Atividade 10 1 turno de visita domiciliar com ACS 1

Atividade 11 2 turnos de visita domiciliar com ACS 2

Diário de campo 2 Recife

Descrição

Atividade 12 Observação livre da rotina da USF 2

Atividade 13 Reconhecimento de área de abrangência da USF 2

Atividade 14 Reconhecimento de área e visitas domiciliares com grupo de ACS

Atividade 15 Reunião de equipe – rotina semanal

Atividade 16 Reunião da equipe PSF com equipe local de Saúde Ambiental;

Atividade 15 Grupo de adolescente – educação em saúde

Atividade 16 Grupo de idosos – educação em saúde

Atividade 17 2 turnos de visitas domiciliares com ACS 2

Atividade 18 1 turno de visita domiciliar com ACS 1

Atividade 19 1 turno de visita domiciliar com médica

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167

A nexo 5

RELAÇÃO DAS ENTREVISTAS

Durante a pesquisa de campo foram identificados os atores locais para realização das entrevistas,

conforme os quadros abaixo:

Entrevistas Cabo* Descrição

Entrevista 1 Coordenadora PSF

Entrevista 2 Médica USF 1

Entrevista 3 Enfermeira USF 1

Entrevista 4 Agente Comunitária de Saúde USF 1 (Presidente do CLS)

Entrevista 5 Usuária USF 1 (conselheira do CLS)

* Não foi possível realizar entrevista com auxiliar de enfermagem, pois se encontrava de licença médica

Entrevistas Recife Descrição

Entrevista 6 Coordenadora Atenção Básica

Entrevista 7 Médica USF 2

Entrevista 8 Enfermeira USF 2

Entrevista 9 Auxiliar de Enfermagem USF 2

Entrevista 10 Agente Comunitária de Saúde USF 2

Entrevista 11 Usuária USF 2 (liderança formal da comunidade)