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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO PPGE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO REPRESENTAÇÕES DOS PERSONAGENS NEGROS E NEGRAS NA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ SÃO PAULO 2018

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – PPGE

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

REPRESENTAÇÕES DOS PERSONAGENS

NEGROS E NEGRAS NA LITERATURA

INFANTIL BRASILEIRA

MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ

SÃO PAULO

2018

MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ

REPRESENTAÇÕES DOS PERSONAGENS NEGROS E NEGRAS NA

LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Nove de Julho, na linha de Pesquisa Política,

Educação e Culturas, como requisito para

obtenção do grau de Doutor em Educação.

Orientador: Professor Dr. Maurício Pedro da

Silva.

SÃO PAULO

2018

Luz, Mônica Abud Perez de Cerqueira.

Representações dos personagens negros e negras na literatura infantil

brasileira. / Mônica Abud Perez de Cerqueira Luz.2018.

128 f.

Tese (Doutorado) - Universidade Nove de Julho - UNINOVE, São Paulo,

2018.

Orientador : Prof. Dr. Maurício Pedro da Silva.

1. Literatura infantil. 2. Racismo. 3. Realidade virtual. 4. Identidade

negra. 5. Relações raciais.

I. Silva, Maurício Pedro da. II. Titulo.

CDU 37

MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ

REPRESENTAÇÕES DOS PERSONAGENS NEGROS E NEGRAS NA

LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Nove de Julho, na linha de Pesquisa Política,

Educação e Culturas, como requisito para

obtenção do grau de Doutor em Educação,

pela banca examinadora formada por,

_____________________________________________________________________

Professor Dr. Maurício Pedro da Silva – Orientador, UNINOVE/SP

______________________________________________________________________

Professora Dra. Ana Maria Haddad Baptista – UNINOVE/SP

______________________________________________________________________

Professor Dr. João Baptista Borges Pereira – MACKENZIE/SP

_____________________________________________________________________

Professora Dra. Diana Navas – PUC/SP

________________________________________________________________

Professor Dr. Manuel Tavares – UNINOVE/SP

Aprovada em ____/____/______

Para minha avó Nair, que me deixou, dentre muitos

outros, esse grande legado: o entusiasmo pela

literatura.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida.

A minha mãe pelo incentivo.

À minha família que sempre me acompanhou nessa jornada.

Aos meus professores pela dedicação.

A minha amiga Nildes minha gratidão eterna.

Aos meus amigos de todas as horas.

Aos meus filhos, que dão luz à minha vida.

Aos meus pets, parceiros das madrugadas.

“Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho:

os homens se libertam em comunhão.”

Paulo Freire, 1987.

RESUMO

O presente trabalho tem como principal objetivo analisar os discursos veiculados em livros de

literatura infantil a partir de uma perspectiva pós-estruturalista e de alguns apontamentos de

Foucault (2014a, 2014b) sobre a articulação entre o discurso, poder e conhecimento.

Utilizaremos para análise os livros de literatura infantil produzidos após a promulgação da Lei

n.º 10.639/2003, que estabeleceu a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a

obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, buscando compreender

como os discursos e as formas textuais e iconográficas podem ou não trazer uma carga

intencional, estereotipada, naturalizada e constituída do que é ser negro nos dias de hoje.

Discutiremos se o gênero literário infantil pode oportunizar por meio da narrativa, reflexões

acerca das representações do negro e da negra contidas nas obras de literatura infantil sob a

luz das seguintes categorias: oprimido, conscientização e identidade negra. A nossa hipótese

inicial é a de que, após a implementação da Lei n.º 10.639/2003, os discursos sobre os

personagens negros e negras mantêm a operacionalização do racismo na literatura infantil. Do

ponto de vista teórico-metodológico, a pesquisa é qualitativa, de cunho etnográfico.

Debruçaremos sobre vinte e sete obras pertencentes ao arquivo da Biblioteca Municipal Paulo

Duarte (Biblioteca com acervo temático em cultura africana e afro-brasileira), com o intuito

de entender como são representados os personagens negros e negras na literatura infantil;

nosso objeto de estudo. Para a consecução do objetivo, tomamos as representações dos

personagens negros e negras contidos nas vinte e sete obras analisadas ao longo do trabalho.

Destacamos após a pesquisa que dos vinte e sete livros analisados, dois deles apresentam

discurso normativo e preconceituoso; o que demonstra que nossa hipótese inicial não se

confirma.

Palavras-chave: Literatura infantil. Racismo. Identidade negra. Relações raciais.

ABSTRACT

The present work has as main objective to analyze the discourses carried in books of

literature from a post-structuralist perspective and Foucault (2014a, 2014b) on the articulation

between discourse, power and knowledge. We will use for analysis the books of children's

literature produced after the promulgation of the Law 10.639 / 2003, which established the

inclusion in the official curriculum of the school system of the "History and Afro-Brazilian

Culture" theme, seeking to understand how discourses and textual and iconographic forms

may or may not bring a burden intentional, stereotyped, naturalized and constituted of what it

is to be black these days. We will discuss if the children's literary genre can opportunize

through narrative, reflections about the representations of the black and the black contained in

the works of children's literature under the light of the following categories: oppressed, black

conscientization and identity. Our hypothesis that after the implementation of Law 10.639 /

2003, the black and black characters keep the operationalization of racism in children's

literature. Of theoretical-methodological point of view, the research is qualitative, of an

ethnographic nature. We will look at twenty-seven works belonging to the archive of the

Paulo Municipal Library Duarte (a library with a thematic collection in African and Afro-

Brazilian culture), with the to understand how black and black characters are represented in

children's literature; our object of study. In order to achieve the objective, we take the

representations of black and black characters contained in the twenty-seven works analyzed

throughout the work. We highlight after the research that of the twenty-seven books analyzed,

two of them present normative and biased discourse; which demonstrates that our initial

hypothesis does not confirms.

Keywords: Children's literature. Racism. Black identity. Race relations.

RESUMEN

Le présent travail a pour objectif principal d'analyser les discours portés dans les livres de

la littérature d'une perspective post-structuraliste et Foucault (2014a, 2014b) sur l'articulation

entre discours, pouvoir et savoir. Nous utiliserons pour analyse les livres de littérature pour

enfants produits après la promulgation de la loi 10.639 / 2003, qui a établi l'inclusion dans le

programme officiel du système scolaire de le thème "Histoire et culture afro-brésilienne",

cherchant à comprendre comment les discours et les formes textuelles et iconographiques

peuvent ou non apporter un fardeau intentionnel, stéréotypé, naturalisé et constitué de ce que

c'est d'être noir ces jours-ci.Nous discuterons si le genre littéraire des enfants peut

opportuniser à travers le récit, les réflexions sur les représentations du noir et du noir

contenues dans les œuvres de la littérature pour enfants sous la lumière des catégories

suivantes: opprimés, consciencisation noire et identité. Notre hypothèse qu'après la mise en

œuvre de la loi 10.639 / 2003, le les personnages noirs et noirs gardent l'opérationnalisation

du racisme dans la littérature pour enfants. Faire point de vue théorico-méthodologique, la

recherche est qualitative, de nature ethnographique. Nous regarderons vingt-sept œuvres

appartenant aux archives de la Bibliothèque municipale de Paulo Duarte (une bibliothèque

avec une collection thématique en culture africaine et afro-brésilienne), avec comprendre

comment les personnages noirs et noirs sont représentés dans la littérature pour enfants;

notre objet d'étude. Pour atteindre l'objectif, nous prenons les représentations de caractères

noirs et noirs contenus dans les vingt-sept œuvres analysées tout au long de l'œuvre. Nous

soulignons après la recherche que des vingt-sept livres analysés, deux d'entre eux présentent

discours normatif et biaisé; ce qui démontre que notre hypothèse initiale ne confirme Mots-

clés: Littérature pour enfants.

Palabras clave : Racisme Identité noire Relations raciales

Palabras clave: Literatura infantil. Racismo. Identidad negra. Relaciones raciales.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Imagens do livro Joãozinho e Maria ......................................................................... 59

Figura 2 – Capa do livro Betina ................................................................................................... 60

Figura 3 – Ancestrais de Betina ................................................................................................... 61

Figura 4 – Betina e sua avó: importância do penteado ............................................................... 62

Figura 5 – Capa do livro Sonho de Carnaval e alusões ao carnaval .......................................... 63

Figura 6 – Capa do livro O piquenique do Catapimba .............................................................. 64

Figura 7 – Catapimba e seus amigos ............................................................................................ 64

Figura 8 – Capa do livro O amigo do rei ..................................................................................... 67

Figura 9 – Matias........................................................................................................................... 67

Figura 10 – Matias e Ioiô na floresta ........................................................................................... 67

Figura 11 – Capa do livro Bruna e a galinha d´Angola ............................................................. 69

Figura 12 – Bruna e seus amigos com a galinha d‟Angola ........................................................ 69

Figura 13 – O segredo da galinha d‟Angola ................................................................................ 70

Figura 14 – Galinha d‟Angola ...................................................................................................... 70

Figura 15 – Capa do livro Histórias da Preta ............................................................................. 71

Figura 16 – Capa do livro Obax ................................................................................................... 72

Figura 17 – Obax ........................................................................................................................... 72

Figura 18 – Nafisa, amigo de Obax ............................................................................................. 72

Figura 19 – Capa do livro Eusébia Zanza ................................................................................... 73

Figura 20 – Euzébia e seu mundo ................................................................................................ 73

Figura 21 – Euzébia enfeitando-se ............................................................................................... 73

Figura 22 – Capa do livro As tranças de Bintou ......................................................................... 74

Figura 23 – Bintou e seus birotes ................................................................................................. 74

Figura 24 – Bintou e sua família .................................................................................................. 75

Figura 25 – Bintou e sua avó ........................................................................................................ 75

Figura 26 – Capa do livro Peppa ................................................................................................. 76

Figura 27 – Peppa e o crescimento de seu cabelo ....................................................................... 76

Figura 28 – Peppa e a força do seu cabelo................................................................................... 76

Figura 29 – Peppa não gosta de seu cabelo ................................................................................. 76

Figura 30 – Peppa vê um salão de beleza .................................................................................... 76

Figura 31 – Peppa alisa os cabelos ............................................................................................... 76

Figura 32 – Princesa ...................................................................................................................... 78

Figura 33 – Princesa encontra o príncipe..................................................................................... 78

Figura 34 – Capa do livro O Cabelo de Lelê ............................................................................... 79

Figura 35 – Tipos de cabelos ........................................................................................................ 79

Figura 36 – Capa do livro A Cartilha do Amigo ......................................................................... 80

Figura 37 – Amizade não tem cor ................................................................................................ 80

Figura 38 – Respeito às diferenças............................................................................................... 80

Figura 39 – Capa do livro Os ibejis e o carnaval........................................................................ 81

Figura 40 – O carnaval como riqueza cultural ............................................................................ 81

Figura 41 – Capa do livro A caixa de Zahara ............................................................................. 82

Figura 42 – Zahara e suas brincadeiras ........................................................................................ 83

Figura 43 – Zahara e sua avó ........................................................................................................ 83

Figura 44 – Capa do livro Caderno de Rimas do João ............................................................... 83

Figura 45 – Capa do livro Esconde-Esconde .............................................................................. 84

Figura 46 – Leonel e suas descobertas na savana ....................................................................... 84

Figura 47 – Leonel e os animais................................................................................................... 85

Figura 48 – Capa do livro O jovem caçador e a velha dentuça ................................................. 85

Figura 49 – O caçador e a velha dentuça. .................................................................................... 86

Figura 50 – Capa do livro Meu avô africano .............................................................................. 86

Figura 51 – Mapa da África .......................................................................................................... 86

Figura 52 – Vestuário e religião africana..................................................................................... 87

Figura 53 – Culinária, música e dança africana .......................................................................... 87

Figura 54 – Capa do livro Dandara: seus cachos e caracóis..................................................... 88

Figura 55 – Dandara e sua mãe .................................................................................................... 88

Figura 56 – Capa do Livro De grão em grão .............................................................................. 89

Figura 57 – Imagens do livro........................................................................................................ 89

Figura 58 – Capa do Livro Lendas da África Moderna .............................................................. 90

Figura 59 – Histórias de Kikuiu ................................................................................................... 90

Figura 60 – Capa do livro Luana – as sementes de Zumbi ......................................................... 91

Figura 61 – Capa do livro Lendas e Fábulas .............................................................................. 92

Figura 62 – Animais da África ..................................................................................................... 92

Figura 63 – Animais da África ..................................................................................................... 92

Figura 64 – Capa do livro A jornada do pequeno senhor tartaruga.......................................... 93

Figura 65 – Yomi e sua mãe ......................................................................................................... 94

Figura 66 – Contracapa do livro ................................................................................................... 94

Figura 67 – Capa do livro A história dos escravos ..................................................................... 94

Figura 68 – Sobre a África............................................................................................................ 95

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CFE Conselho Federal de Educação

CNE Conselho Nacional de Educação

FNB Frente Negra Brasileira

FNLIJ Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LDB Lei de Diretrizes e Bases

MEC Ministério da Educação e Cultura

MNU Movimento Negro Unificado

PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PNE Plano Nacional de Educação

RCNEI Referenciais Curriculares para a Educação Infantil

SEPIR Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SME Secretaria Municipal de Educação

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 – LITERATURA INFANTIL.......................................................................... 21

1.1 LITERATURA INFANTIL ................................................................................................... 21

1.2 REFLEXÕES A RESPEITO DA HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL ................ 23

1.3 LITERATURA AFRO-BRASILEIRA.................................................................................. 29

CAPÍTULO 2 – QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL ........................................... 35

2.1 HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL ................................................................................. 45

2.2 RACISMO, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO .......................................................... 49

2.3 QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS – LEI N.º 10.639/2003 ................................................... 53

CAPÍTULO 3 – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS DOS LIVROS ................ 56

3.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS LIVROS INFANTIS QUANTO AO

PROTAGONISMO DO PERSONAGEM NEGRO E NEGRA .......................................... 56

3.1.1 Livro Joãozinho e Maria ................................................................................................... 59

3.1.2 Livro Betina ........................................................................................................................ 60

3.1.3 Livro Sonho de Carnaval................................................................................................... 63

3.1.4 Livro O piquenique do Catapimba ................................................................................... 64

3.1.5 Livro O amigo do rei .......................................................................................................... 67

3.1.6 Livro Bruna e a galinha d´Angola ................................................................................... 69

3.1.7 Livro Histórias da Preta .................................................................................................... 71

3.1.8 Livro Obax .......................................................................................................................... 72

3.1.9 Livro Euzébia Zanza .......................................................................................................... 73

3.1.10 Livro As tranças de Bintou.............................................................................................. 74

3.1.11 Livro Peppa ....................................................................................................................... 76

3.1.12 Livro A princesa e a ervilha ............................................................................................ 78

3.1.13 Livro O Cabelo de Lelê .................................................................................................... 79

3.1.14 Livro A Cartilha do Amigo .............................................................................................. 80

3.1.15 Livro Os Ibejis e o carnaval ............................................................................................ 81

3.1.16 Livro A caixa de Zahara .................................................................................................. 82

3.1.17 Livro Caderno de Rimas do João ................................................................................... 83

3.1.18 Livro Esconde-Esconde ................................................................................................... 84

3.1.19 Livro O jovem caçador e a velha dentuça ...................................................................... 85

3.1.20 Livro Meu avô africano ................................................................................................... 86

3.1.21 Livro Dandara: seus cachos e caracóis ......................................................................... 88

3.1.22 Livro De grão em grão, o sucesso vem na mão ............................................................. 89

3.1.23 Livro Lendas da África Moderna ................................................................................... 90

3.1.24 Livro Luana – as sementes de Zumbi ............................................................................ 91

3.1.25 Livro Lendas e Fábulas ................................................................................................... 92

3.1.26 Livro A jornada do pequeno senhor tartaruga ............................................................. 93

3.1.27 Livro A história dos escravos .......................................................................................... 94

3.2 FUNDAMENTAÇÃO ANALÍTICA .................................................................................... 95

3.3 ANÁLISE DA QUANTIDADE DE LIVROS ENCONTRADOS NO ACERVO

COM A TEMÁTICA RACIAL........................................................................................... 106

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 111

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 113

ANEXO A – Histórico e localização da Biblioteca Paulo Duarte ...................................... 120

ANEXO B – Acervo geral da Biblioteca Paulo Duarte ....................................................... 122

ANEXO C – Fotografia da Biblioteca Paulo Duarte ........................................................... 123

ANEXO D – Revisão da Literatura ........................................................................................ 124

15

INTRODUÇÃO

O sol de ontem pode ter se posto, mas

sua luz iluminará os dias que virão.

Provérbio Africano

A definição do tema desta pesquisa origina-se exatamente por essa lacuna: a

invisibilidade dos personagens negros nas histórias infantis é um grande engodo ao dar como

sinônimo os conceitos de diferença e diversidade produzindo um discurso homogeneizado

sobre a identidade, desconsiderando as particularidades dos sujeitos, suas histórias e culturas.

Um país constituído por um povo mestiço, onde o racismo e suas práticas excludentes

perpetuam sorrateiramente desde a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888 até os dias

atuais. O mito da democracia racial1 sustenta uma pseudo-harmonia entre brancos e não

brancos que não existe. Ele surge como um legado da escravidão que levou a um

desenraizamento do povo negro de suas marcas históricas.

Os conceitos utilizados para estudar a questão racial são ambíguos, podendo ser

interpretados diferentemente, como por exemplo o conceito de “raça”2. Mesmo biólogos

afirmando que “raças” não explicam as diferenças existentes entre os homens do ponto de

vista genético, as características fenotípicas são entendidas como diferenças raciais pelos

sujeitos envolvidos nas relações que estabelecem com os outros. Por essa razão, o conceito de

“raça” é utilizado nos estudos que abordam as relações entre brancos e negros no Brasil.

Outro conceito mais abrangente substituir o conceito de “raça” é a etnia, que tem

como objetivo definir uma homogeneidade cultural que distingue um grupo em relação aos

demais; no entanto, é complexo perceber a homogeneidade cultural que distingue um grupo

em relação aos demais.

1 O Mito da democracia racial é a ideia de que haveria no Brasil, ao contrário de outros países como África do

Sul e Estados Unidos, uma convivência pacífica entre as etnias, além do que todos teriam individualmente

chances iguais de sucesso. Conceito derivado da obra de Gilberto Freyre, sociólogo brasileiro dos anos de

1930, responsabilizado pela criação deste “mito” embora não tenha dito ou escrito de forma explícita o

referido conceito. Por meio de sua obra Casa-grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime

da economia patriarcal, teria surgido esta ideia de que no Brasil não há racismo. 2 “Raça”: segundo Quijano (1997), raça são índios, negros e mestiços, advindos do processo de dominação

exercido pela Europa na América, foi de fundamental relevância para o surgimento de um novo padrão de poder mundial – o capitalismo – sendo assim a primeira identidade da modernidade. Surge então uma

necessidade perversa de codificar, de pontuar e classificar as diferenças entre metrópole e periferia, europeus

e nativos da América, enfim, entre conquistadores e conquistados. Toda esta diferenciação vai ser possível a

partir da criação do conceito de raça em seu sentido moderno. Este será constituído a partir da visão europeia,

que utiliza da biologia para buscar sua legitimação. Desta forma, seria natural, dentro do universo dos seres

humanos, que uns seriam “naturalmente” superiores e inferiores em relação aos outros.

16

Nos anos de 1950, Florestan Fernandes3, Roger Bastide, Oracy Nogueira, Thales de

Azevedo, dentre outros pesquisadores, iniciaram uma série de estudos patrocinados pela

Unesco, que tinha como objetivo verificar o suposto caráter democrático das relações raciais

no Brasil, enfatizando um convívio harmonioso entre os diferentes grupos que compunham a

sociedade brasileira nos anos de 1950. Os estudos culminaram na modificação substancial da

interpretação acerca das relações raciais no contexto da sociedade brasileira.

De uma sociedade até então tida como racialmente resolvida, com uma democracia

étnico-racial, como acreditava Gilberto Freyre (2000), Florestan Fernandes (1965) constatou

que os grupos raciais se posicionam de modo diferente no interior da ordem social e que a

distribuição das posições sociais está intimamente relacionada ao preconceito (pré-disposição

para a ação) e à discriminação racial (ação) praticada contra os negros. Assim, quando as

possibilidades abertas pela sociedade capitalista, com seus mecanismos de competição,

permitem a ascensão social de negros, o preconceito de raça e de classe se manifesta.

No Brasil, a desigualdade, além de enorme, tem um forte componente racial.

Os números da PNAD de 2015 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)

divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apontam que os negros

e os pardos representavam 54% da população brasileira, mas sua participação no grupo dos

10% mais pobres era de 75%. No grupo do 1% mais rico da população, a porcentagem de

negros e pardos é de apenas 17,8%. A desigualdade de renda mantém-se constante e a

população permanece segmentada por cor ou “raça”.

A desigualdade não é apenas de renda. Pretos ou pardos estavam 73,5% mais expostos

a viver em um domicílio com condições precárias do que brancos.

Na autorrepresentação popular, é utilizado um sistema relacional baseado no binômio

claro e escuro, onde ser escuro é ser menos enquanto ser claro é ser mais, reiterando o fato de

que o mestiço brasileiro representa essa ambiguidade desde a sua definição.

Estudos sobre negritude e branquitude, como a Tese de Schucman (2012), intitulada

Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na

construção da branquitude paulistana, elucida a construção da categoria branquitude por uma

classe dominante e eurocêntrica, resultante de um racismo estruturado na sociedade

paulistana, apontando os efeitos produzidos nas identidades das pessoas não brancas.

3 Autor da obra A integração do negro na sociedade de classes (FERNANDES, 1965), sustenta a ideia de que

o racismo no Brasil existe e causa sérios prejuízos à sua população negra. A diferença é que o racismo

brasileiro se manifesta como “preconceito de cor”. Ou seja, a identificação entre negro ou mestiço e pobreza

mascara as barreiras que mantêm a população não branca afastada das oportunidades de mobilidade social

abertas pela sociedade capitalista.

17

Munanga (2015) enfatiza a existência de um racismo estruturante na sociedade, que submete

as identidades múltiplas que constituem a população brasileira. Assim, alerta para a

necessidade de buscar o passado desse povo negro: o resgate da identidade afro-brasileira com

ênfase no processo histórico do negro no Brasil, seus valores, culturas ancestrais; luta e muita

resistência. Para Munanga, a busca e afirmação da identidade negra terminaria com alguns

problemas específicos dos negros, como a baixa estima e o complexo de inferioridade.

O conceito de negritude vem designar um movimento surgido na década de 1930 em

Paris, expandindo-se depois para os demais países, contra as práticas de intolerância,

inferiorização e racismo contra os negros e as negras. O objetivo político do conceito de

negritude foi de requalificar o negro e a negra dentro da sociedade nos aspectos: social,

político, cultural, dentre outros4.

O mesmo grito de liberdade deu-se nas Américas e no próprio continente africano. O

conceito de negritude transforma-se em um movimento antirracista, ideológico e político para

a libertação dos negros de um sistema opressor e hegemônico. Por meio da busca de sua

identidade, o negro poderá se livrar do seu complexo de inferioridade e posicionar-se em pé

de igualdade com outros oprimidos não negros, travando uma luta de classes, visto que raça e

classe no Brasil são duas variáveis da opressão na estrutura de uma sociedade de classes. O

ideal de branqueamento5 e o mito da democracia racial foram para Munanga (2015), na obra

Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra,

impeditivos para a organização política, social e de consciência coletiva dos negros. A elite

tentou assimilar as diversas identidades existentes no país de modo eurocêntrico, mesmo com

os movimentos de resistência cultural dos povos oprimidos: indígenas e negros.

Esse trabalho pretende analisar como o personagem negro e sua cultura está sendo

representado na literatura infantil por meio da ótica da contra-hegemonia do poder e de luta

contra a exclusão social, segundo Santos (1998).

Em seu artigo Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira:

desafios, políticas e práticas, Gomes (2011) afirma que a identidade negra é uma construção

social e pessoal, mas que no Brasil a busca pela identidade é afetada pelas variáveis raça e

gênero, dificultando o processo de formação identitária do negro. Aponta os movimentos de

resistência do povo negro e a articulação do Movimento Negro que atualmente denuncia a

neutralidade do Estado frente a toda a desigualdade racial, xenofobia e demais formas de

4 Cabe ressaltar que existe uma bipolarização afrocentrismo/eurocentrismo relativa ao conceito de negritude.

5 Segundo Munanga (2015), o processo de construção da identidade brasileira deveria seguir a elite dominante,

sendo, portanto, baseado no ideal do branqueamento. Tornar-se branco, para alguns negros, era escapar da

discriminação racial, social, da exclusão.

18

intolerância, exigindo dos mesmos políticas afirmativas, representações políticas constituídas

por negras e negros.

A pesquisa descrita na presente tese é de cunho qualitativo e etnográfico.

Desse modo, o objeto desta pesquisa é a análise e discussão das representações sociais

dos personagens negros e negras contidas nos livros infantis publicados após a promulgação

da Lei n.º 10.639/2003, com o intuito de compreender como o processo de construção da

identidade negra acontece dentro desse contexto.

Nosso universo de pesquisa serão os livros a serem analisados, produzidos após a Lei

n.º 10.639 (BRASIL, 2003), com enfoque no protagonismo do povo negro e na cultura afro-

brasileira. Os mesmos fazem parte da Biblioteca Municipal Temática Afro-Brasileira Paulo

Duarte. Assim sendo, o acervo de livros é maior em quantidade para empréstimo aos

associados e também na diversidade de obras voltadas para a temática étnico-racial.

A hipótese inicial é a de que existe a operacionalização do racismo nas representações

dos personagens negros e negras contidas nos livros de literatura infantil publicados após a

Lei n.º 10.639/2003.

A relevância da pesquisa está na ampliação da discussão sobre as configurações das

relações sociais entre negros (as) e brancos (as) na literatura infantil, com vistas à promoção

da igualdade e respeito à diversidade.

Serão utilizadas as categorias, a saber: conscientização, oprimido, identidade negra.

A conscientização, na concepção de Paulo Freire (1979), ultrapassa a esfera espontânea

de apreensão da realidade, levando o homem a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como

objeto do cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica para desvelá-la.

Para Paulo Freire (1979, p. 17), “[...] a conscientização é isto: tomar posse da

realidade; por esta razão, e por causa da radicação utópica que a informa, é um afastamento da

realidade. A conscientização produz a desmitologização”.

A segunda categoria a ser utilizada será oprimido6, em Paulo Freire (1987), na obra

Pedagogia do Oprimido, que enfatiza a relação de opressor e oprimido, onde o oprimido está

acostumado com a estrutura de dominação e teme a liberdade por ter medo de assumi-la em

sua plenitude, sofrendo uma dualidade: liberdade ou opressão; desalienar-se ou manter-se

alienado.

6 Oprimidos, para Paulo Freire (1987, p. 47), “[...] são acomodados e adaptados, imersos na própria

engrenagem da estrutura da dominação. Temem a liberdade, enquanto não se sentem capazes de correr o

risco de assumi-la”.

19

A libertação para Paulo Freire é uma escolha dolorosa, uma vez que o homem que

nasce desse “parto” é um homem livre, pois, ao libertar seu opressor, também se faz livre.

A terceira categoria a ser desenvolvida na pesquisa será identidade negra, cunhada por

Munanga (2015) na obra Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus

identidade negra, que salienta a existência do campo ideológico herdado desde a colonização na

categoria mestiçagem. Na tríade negra, branca e mestiça, o autor reitera que o negro era o

componente da raça inferior e o português, apesar de mestiço, não deixava de ser a aristocracia.

A análise de discurso será feita a partir de Foucault, com base nas obras A ordem do

discurso (2014) e A arqueologia do saber (2014), visando, assim, compreender como o discurso

constrói e se manifesta nas obras literárias que compõem nosso universo da pesquisa.

Todo material investigado será organizado em três capítulos. No capítulo 1, intitulado

Literatura infantil, será revisitado o conceito de literatura infantil para alguns especialistas,

bem como a história da literatura infantil, a conceituação de literatura negra e de literatura

afro-brasileira. Os autores que embasarão a pesquisa serão Meireles (1979), Freire (1979),

Cândido (1995), Brasil (1998), Cavalleiro (2000), Coutinho (1997), Jovino (2006), Silva

(2010), Rufino (1941), Lima (2010), Neves (2017), dentre outros.

O capítulo 2, denominado Questão étnico-racial no Brasil, versará sobre as questões

étnico-raciais no Brasil, história do negro, racismo, preconceito, causas oprimidas,

discriminação racial, fragmentação identitária do indivíduo, inferioridade ontológica da raça

negra, o mito da democracia racial, a ideologia do branqueamento, a Lei n.º 10.639/2003 e

suas repercussões na escola e no trabalho educativo, especificamente com a literatura infantil.

Para a fundamentação teórica, serão utilizados os seguintes autores: Fernandes (1965),

Rosemberg (1987), Holanda (1995), Munanga (2003), Nascimento (2003), Ortiz (2003),

Santos (2005), Rodrigues (1998), Ribeiro (2002), Vieira (1954), Hasenbalg (1990), Cavalleiro

(2000), Parreiras (2007), Orlandi (2007), Viana (1938), Souza (1983), Neri (2010), Cunha

(1992), Crochik (1995), Guimarães (2001), Souza (2003), Barbosa (2006), Rosa (2009),

Nascimento (1983).

No capítulo 3, denominado Análise de discurso, utilizaremos conceitos foucaultianos

sobre o discurso como instrumento de análise dos personagens nas narrativas.

Por fim, serão apresentados as considerações finais, o referencial bibliográfico e os

anexos.

20

CAPÍTULO 1 – LITERATURA INFANTIL

A bailarina

Esta menina

tão pequenina

quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré

mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá

Mas inclina o corpo para cá e para lá

Não conhece nem lá nem si,

mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar

e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu

e diz que caiu do céu.

Esta menina

tão pequenina

quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,

e também quer dormir como as outras crianças.

Cecília Meireles (1990)

1.1 LITERATURA INFANTIL

Cecília Meireles considerava que faziam parte da literatura infantil as obras que as

crianças sentiam vontade de ler e as liam com agrado. Entendia ser uma literatura geral,

caracterizada pela literatura oral e escrita, da qual a literatura infantil, com os demais gêneros,

fazia parte. Não era, portanto, conveniente dividir a literatura infantil em aspectos moral,

instrutivo e recreativo, uma vez que ambos os aspectos não eram isolados, estabelecendo entre

si relações fundamentais. De acordo com a autora, na verdade, são as crianças que delimitam

a literatura com a sua preferência, não existindo livros de literatura infantil, mas sim,

apropriados e adequados para as crianças.

21

[...] costuma-se classificar como Literatura Infantil o que para elas (crianças) se escreve. Seria mais acertado, talvez, assim classificar o que elas leem com utilidade

e prazer. Não haveria, pois, uma Literatura Infantil “a priori”, mas “a posteriori”.

(MEIRELES, 1979, p. 19).

[...] em lugar de se classificar e julgar o livro infantil como habitualmente se faz,

pelo critério comum da opinião dos adultos, mais acertado parece submetê-lo ao uso

– não estou dizendo à crítica – da criança, que, afinal, sendo a pessoa diretamente

interessada por essa leitura, manifestará pela sua preferência, se ela satisfaz ou não. Pode até acontecer que a criança, entre um livro escrito especialmente para ela e

outro que o não foi, venha a preferir o segundo. (MEIRELES, 1979, p. 27).

Meireles (1979) defendia que era preciso colocar à disposição das crianças diversos

livros, dotados de valor científico, poético e moral. O livro devia ter assunto útil e agradável

para o aproveitamento do leitor.

A autora acreditava na importância do livro na formação do indivíduo e reiterava que

o livro poderia ser o “melhor” ou o “pior” dos elementos de auxílio à educação das crianças,

sendo, assim, preciso que os responsáveis lessem os livros antes de darem às crianças.

Um livro de literatura infantil, para Meireles (1979), é uma obra literária. Assim, se a

criança, desde cedo, fosse posta em contato com obras-primas, seria possível que sua

formação se processasse de modo mais perfeito.

Para Cecília Meireles (1979, p. 28), a leitura na infância não é um “passatempo” e sim

uma “nutrição”. Era preciso que a criança ocupasse o tempo disponível para leitura com livros

com conteúdo, qualidade e ilustrações que proporcionassem bons momentos de

aprendizagens. Desse modo,

Os livros que mais têm durado não dispunham de tamanhos recursos de atração.

Neles, era a história, realmente, que seduzia, sem publicidade, sem cartonagens

vistosas, sem os mil recursos tipográficos que hoje solicitam adultos e crianças

fascinando-os antes de se declararem, como um amor à primeira vista. (MEIRELES,

1979, p. 33).

Cândido (1995), tratando da formação do homem, coloca a literatura como bem

imprescindível à condição humana, uma necessidade básica que nos torna mais humanizados,

compreensivos e abertos para a natureza, para a sociedade e para o outro semelhante.

Para Cademartori (2010), na sua obra O que é literatura infantil, a conceituação de

literatura infantil é condicionada por sua adjetivação, ou seja, o seu público depende dos

adultos que, não só manipulam o gênero, como também a própria noção de infância, sempre

definindo e redefinindo os comportamentos esperados da criança em função da formação do

adulto. Segundo a autora, a literatura infantil nos possibilita fazer e criar novas experiências,

sejam elas estéticas, éticas, políticas ou sociais.

Desta maneira, a literatura infantil seria capaz de constituir certa autonomia à criança.

Por conta desta importante característica, ela não pode e não deve estar subordinada ao ensino

22

e à escola, pois a escola tem caráter conservador enquanto a literatura é emancipatória, um ato

de reflexão, imaginação e crítica com potencial de contextos e realidades vivenciadas.

A literatura infantil no Brasil possui escritores como Monteiro Lobato, Ziraldo Pinto,

Ana Maria Machado, Angela Lago, Tatiana Belinky, Daniel Munduruku, Ilan Brenman,

Heloísa Prieto, Raquel de Queiroz, Mário Quintana, Érico Veríssimo, Cecília Meireles,

Vinícius de Moraes, Ferreira Gullar, que exprimem em suas obras sensibilidade, que pode

alcançar a todos; adultos e crianças.

Corroboro com Cademartori (2010, p. 16), quando define que

A literatura infantil se caracteriza pela forma de endereçamento dos textos ao leitor.

A idade deles, em suas diferentes faixas etárias, é levada em conta. Os elementos

que compõem uma obra do gênero devem estar de acordo com a competência de

leitura que o leitor previsto já alcançou.

Assim, um texto que possua estrutura e estilo das linguagens verbais e visuais

adequados às experiências das crianças e que desperte o sonho, a fantasia e o nonsense como

subversão ao mundo racional, pode ser considerado literatura infantil.

A literatura infantil é a literatura que estimula a criança a dialogar com narrador e

personagens; a vivenciar uma aventura com as linguagens (verbal, não verbal, ambas) e seus

efeitos de profundo deleite e pela subversão do que já está imposto socialmente.

O escritor e ilustrador André Neves (2010) de Obax reitera que a literatura infantil

serve para aproximar o leitor da fantasia, da imaginação, do devaneio. Para ele, livros para a

infância são aqueles que atingem e encantam não só as crianças, mas também a infância que

habita cada adulto.

Sobre literatura, Neves (2010) coloca: “O que está raso na ideia de literatura para

crianças são alguns livros serem classificados estritamente como meramente „infantis‟,

mesmo quando muitos deles carregam uma potência de percepção da infância dos adultos”.

1.2 REFLEXÕES A RESPEITO DA HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL

De acordo com Afrânio Coutinho (1978, p. 8-9),

A Literatura é um fenômeno estético. É uma arte, a arte da palavra. Não visa a

informar, ensinar, doutrinar, pregar, documentar. Acidentalmente, secundariamente,

ela pode fazer isso, pode conter história, filosofia, ciência, religião. O literário ou o

estético inclui precisamente o social, o histórico, o religioso, etc., porém

transformando esse material em estético. [...] pensando dessa forma, a utilização da

literatura infantil nos meios escolares tem sido amplamente errônea, pois esta

literatura não procura ser pretexto para ensinar conteúdos didáticos, o que tem

ocorrido com frequência no âmbito educacional, mas sim representar a Arte, a

estética literária.

23

A literatura infantil surgiu no século XVII com Fenélon (1651-1715), justamente com

a função de educar moralmente as crianças. As histórias tinham uma estrutura maniqueísta,

demarcando o bem a ser aprendido e o mal a ser desprezado. Naquele momento, a literatura

infantil constitui-se como gênero em meio a transformações sociais e repercussões que

surgiam no meio artístico.

Em 1695, Charles Perrault (1628-1703) traz a público Histórias ou contos do tempo

passado, com suas moralidades, como os Contos de Mamãe Gansa. As histórias: A Bela

Adormecida no bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Gato de Botas, As Fadas, A Gata

Borralheira, Henrique do Topete e O Pequeno Polegar são editados.

Os contos de fada conhecidos atualmente surgiram na França, ao final do século XVII,

com Perrault, que publicou algumas narrativas folclóricas contadas pelos camponeses.

Acredita-se que nesse momento, antes do cunho pedagógico e disciplinar, houve o objetivo de

leitura e contemplação pela mente adulta.

Dentro desse contexto, Perrault trouxe a história moralizadora, normativa e austera

Chapeuzinho Vermelho, dentre outras. A história da menina e do lobo sofreu ainda alterações

por Hans Christian Andersen e pelos Irmãos Grimm.

No século XIX, os livros infantis começavam a se firmar no cenário literário. Autores

começavam a criar histórias mais interessantes para crianças. Alguns livros infantis desse

período mantêm-se populares ainda hoje, como Alice no país das maravilhas, escrito por

Lewis Carroll e publicado na Inglaterra em 1865.

No início do século XIX, muitos livros eram coleções de contos de fadas ou de contos

folclóricos e traziam histórias com criaturas e objetos mágicos que fascinavam as crianças.

Dois irmãos alemães, Wilhelm e Jacob Grimm (conhecidos como os irmãos Grimm),

publicaram em 1812 uma coleção de antigos contos de fadas alemães. Essa coletânea é

conhecida como Contos dos irmãos Grimm.

A obra contém histórias sobre personagens como a Bela Adormecida e Cinderela,

além de muitos outros contos famosos entre os leitores até hoje.

No final do século XIX, no Brasil, ficaram conhecidas as narrativas de Contos da

carochinha (1896).

Alberto Figueiredo Pimentel reuniu no livro 61 contos populares de diversos países. A

obra trazia narrativas de Charles Perrault, dos irmãos Grimm, de Hans Christian Andersen e

de outros autores.

Cabe salientar que, até meados do século XVIII, havia uma separação bastante nítida

do público infantil perante os adultos. Os indivíduos oriundos das classes sociais altas liam os

24

grandes clássicos da literatura e eram orientados por seus pais e preceptores. As crianças das

classes mais populares não tinham acesso à escrita e à leitura, portanto, tomavam contato com

uma literatura oral que era mantida pela tradição de seu povo.

A infância não era vista como um período de formação do indivíduo; pelo contrário, a

criança era vista como um adulto em miniatura.

A literatura infantil, tanto oral quanto escrita, clássica ou popular, que era veiculada

para adultos e crianças, era exatamente a mesma. Dentro desse contexto imposto, poucos

autores se interessavam pela literatura para a educação das crianças, como Perrault e a

Condessa de Ségur, que tinham como preocupação a transmissão de valores morais.

Na segunda metade do século XVIII, as sociedades estavam se industrializando e

novas classes sociais surgiam. Alguns clássicos da literatura, como Cinderela, As mil e uma

noites e Fábulas, foram reeditados para as crianças desse final do século XVIII.

No Brasil, em 1808, com a implantação da Imprensa Régia, o gênero literário infantil

se inicia timidamente com a publicação de alguns livros para crianças. A circulação dos livros

infantis no país é muito precária e vem representada por edições portuguesas.

A literatura infantil brasileira faz sua aparição em território nacional no final do século

XIX. Os primeiros livros infantis brasileiros na República assumem o papel de colaboradores

no processo de escolarização das massas.

Os pioneiros na literatura infantil no Brasil foram Carl Jansen (1823 ou 1829-1889) e

Figueiredo Pimentel (1869-1914). Jansen, nascido na Alemanha, jornalista e professor,

traduziu clássicos da literatura universal como Robinson Crusoé em 1885, As viagens de

Gulliver em 1888, As Aventuras do celebérrimo Barão Munchhausen publicada em 1891 e

Dom Quixote de La Mancha em 1886. Pimentel era brasileiro, jornalista, publicou em 1894

Contos da Carochinha, uma coletânea de contos populares de caráter oral adaptados da

tradição europeia para a tradição brasileira.

No século XX, no Brasil, o primeiro grande marco da literatura infantil brasileira foi A

menina do narizinho arrebitado (1920), do escritor paulista Monteiro Lobato. O livro depois

foi batizado de Reinações de Narizinho (LOBATO, 1931). Era o surgimento da boneca

tagarela Emília, de Pedrinho, do Visconde de Sabugosa, de Dona Benta e de Tia Nastácia,

entre muitos outros personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Alguns autores tomam a obra lobatiana como auge da literatura infantil brasileira e

afirmam a busca da literalidade de nossa literatura infantil, em oposição ao estereótipo

europeu e ao caráter até então moralizante. Em suas obras, Lobato buscou valorizar o

regionalismo brasileiro por meio de narrativas simples e pitorescas.

25

O respeito à cultura do povo brasileiro e a identificação de Lobato com o seu meio,

expresso pela sensibilidade e inteligência, dimensiona e qualifica como marco as suas obras.

Para Coutinho (1997, p. 298), a contribuição de Lobato para a literatura infantil foi

coroada com as obras História do mundo para as crianças (1935), Aritmética de Emília

(1935) e Geografia de Dona Benta (1935). O autor ressalta que Lobato rompeu com os

padrões prefixados do gênero, superando conceitos e pré-conceitos daquele contexto.

Entre 1920 e 1930, Lobato criou um mundo povoado por criaturas, onde se misturam

verdade e fantasia. Isso se deu através dos personagens: Dona Benta, Tia Nastácia, Pedrinho,

Narizinho, Emília e Jeca Tatu.

O Sítio do Pica-Pau Amarelo é uma obra que une a realidade ao mundo imaginário,

colocando em pauta discussões como lutas, problemas ecológicos, sociais.

Em 1944, Lobato publica Os Doze Trabalhos de Hércules. O sucesso da obra

lobatiana possibilitou a difusão de outras obras e novos autores como Érico Veríssimo com as

obras: Aventuras do Avião Vermelho (1936), O Urso com Música na Barriga (1938) e A Vida

do Elefante Basílio (1939).

Nas suas histórias, percebe-se a influência da cultura popular através das histórias

folclóricas que passavam de geração para geração, além da representação ideológica através

de aspectos culturais que obedeciam aos interesses dos grupos dominantes.

Para Cademartori (2010), Lobato criou a estética da literatura infantil, pois seus textos

estimulavam o leitor a ver a realidade por meio de conceitos próprios, criando espaços para

interlocução com o destinatário.

Na década de 1950, Cecília Meireles publica o livro Problemas da literatura infantil.

Para a autora, a literatura infantil tem um aspecto formativo, bem como a noção de que a

literatura infantil é literatura, pois é consagrada pelo público leitor – as crianças.

Os anos de 1970 e 1980 marcaram outro importante boom da literatura infantil. Foi

nesse período que surgiram escritores como Ana Maria Machado, Fanny Abramovich, Lygia

Bojunga, Joel Rufino dos Santos, Marina Colasanti, Sylvia Orthof, Ricardo Azevedo, Ruth

Rocha, Tatiana Belinky e muitos outros. Na poesia, destacavam-se autores como José Paulo

Pais, Roseana Murray e Elias José.

Dos anos 80 até os dias atuais surgiram tendências literárias que abordam o realismo-

denúncia ou romances em série, representados por Stella Carr, Pedro Bandeira e Ana Maria

Machado, que buscam levar os leitores a explorar as relações do cotidiano. A linguagem da

informática, também uma tendência atualmente, exige do leitor a sua interação com o texto

literário como nas obras de Angela Lago.

26

Encontram-se no mercado editorial, diversos livros de literatura infantil que se

anunciam comprometidos com a produção de significados sobre toda e qualquer produção

humana. Se antes havia a exaltação da branquidade, da juventude, de posições fixas

masculinas e femininas, valores cristãos, hoje pode-se encontrar uma literatura infantil

povoada de características e referências de grupos sociais minoritários, que sempre se viram

excluídos ou silenciados nas histórias escritas para o público infantil.

O personagem negro vem ocupando lugar de coadjuvante nas histórias e na vida,

oprimido pelas relações de poder e pelos padrões de beleza dominantes e eurocêntricos. O

personagem negro foi se tornando aos poucos, na literatura infantil, subserviente e conivente

com os saberes dos brancos, gerando um reforço negativo dessa etnia como uma classe

marginalizada e inferiorizada.

Analisar a relação entre literatura infantil e negritude é refletir sobre um contexto de

ausências. Inicialmente porque a própria história da literatura infanto-juvenil ainda está em

construção e, ao tratar a literatura afro-brasileira, a questão é complexa, uma vez que existem

vários problemas referentes à historicidade do personagem negro no Brasil.

A questão da raça, segundo Quijano (1997), é a classificação social da população

mundial de acordo com uma construção mental que expressa a experiência básica da

dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder

mundial, incluindo sua racionalidade específica, o eurocentrismo. Para o autor, foram os

colonizadores que codificaram como cor os traços fenotípicos dos colonizados e a assumiram

como a característica emblemática da categoria racial.

Dalcastagnè (2011), no texto A personagem negra na literatura brasileira

contemporânea, aponta num estudo quantitativo a falta de representação dos personagens

negros na literatura brasileira, além da representação estereotipada, que coloca os personagens

num lugar de submissão.

E afirma:

Ampla pesquisa com romances das principais editoras do país publicados a partir de

1965 identificou quase 80% de personagens brancas, proporção que aumenta quando

se isolam protagonistas ou narradores. Isso sugere outra ausência, desta vez

temática, em nossa literatura: o racismo. Se é possível encontrar, aqui e ali, a

reprodução paródica do discurso racista, com intenção crítica, ficam de fora a opressão cotidiana das populações negras e as barreiras que a discriminação impõe

às suas trajetórias de vida. (DALCASTAGNÈ, 2011, p. 309).

Na literatura infantil brasileira, conforme enuncia Jovino (2006), os personagens

negros e negras parecem ter um espaço muito restrito visto que só aparecem nos livros no

27

final da década de 1920 e início da década de 1930, sendo Monteiro Lobato uma referência

deste período.

Segundo o autor,

É preciso lembrar que o contexto histórico em que as primeiras histórias com personagens negros foram publicadas, era de uma sociedade recém-saída de um

longo período de escravidão. As histórias dessa época buscavam evidenciar a

condição subalterna do negro. (JOVINO, 2006, p. 187).

A cultura, os costumes e o conhecimento dessa população não eram descritos em sua

inteireza e sim de forma pejorativa.

Em 1975, a literatura infantil passa a retratar a sociedade brasileira em seu contexto

social, surgindo assim os personagens negros.

De acordo com Jovino (2006, p. 187-188),

Embora muitas obras desse período tenham uma preocupação com a denúncia do

preconceito e da discriminação racial, muitas delas terminam por apresentar

personagens negros de um modo que repete algumas imagens e representações com as quais pretendiam romper. Essas histórias terminavam por criar uma hierarquia de

exposição dos personagens e das culturas negras, fixando-os em um lugar

desprestigiado do ponto de vista racial, social e estético. Nessa hierarquia, os

melhores postos, as melhores condições, as belezas mais ressaltadas são sempre da

personagem feminina mestiça e de pele clara.

Com certeza é um grande desafio desenvolver na escola atividades que propiciem a

valorização das múltiplas identidades que integram a identidade do povo brasileiro. A

literatura infantil é um campo fértil de afirmação de padrões culturais e de autoafirmação

étnica para a construção de um novo imaginário coletivo sobre o povo negro e sua cultura.

Dentro de toda essa complexidade, não se pode deixar de afirmar que a literatura

infantil é importante na formação da criança em relação ao mundo que a cerca e em relação a

si mesma.

Os livros infantis instigam o imaginário do leitor propiciando uma viagem por lugares

mágicos. Enquanto as leituras divertem, as histórias infantis favorecem o desenvolvimento da

personalidade da criança e ainda a inserem no mundo que passa a conhecer pouco a pouco.

Por meio das narrativas, a criança aprenderá a conviver e a solucionar as situações do dia a

dia, resgatadas pelos valores significativos trazidos pela literatura infantil.

Trabalhar a literatura infantil afro-brasileira contribuirá de modo significativo para

romper com o modelo educacional eurocêntrico e monocultural, que privilegia somente a

cultura hegemônica.

Silva (2010, p. 5) observa que

Uma literatura com proposta de representação do negro, que rompa com esses

lugares de saber, possa trazer imagens enriquecedoras, pois a beleza das imagens e o

28

negro como protagonista são exemplos favoráveis à construção de uma identidade e

uma autoestima. Isto pode desenvolver um orgulho, nos negros, de serem quem são,

de sua história, de sua cultura.

Assim, entende-se que a literatura com temática afro-brasileira contribui para as

reflexões que rompam uma visão construída de desigualdades, permitindo uma visão sob uma

base de valorização da diversidade.

Cavalleiro (2000) e Santana (2006), dentre outros, apontam que a criança negra

geralmente nega-se perante o outro por não perceber sua história e a do seu povo dentro do

que é abordado na literatura infantil, no currículo escolar e nos materiais didáticos.

Dentro da perspectiva da literatura infantil e da negritude, a partir da Lei n.º

10.639/03, o Governo implementou o projeto “A cor da cultura” com o intuito de possibilitar

uma nova visão, para professores e alunos, do continente africano e de suas relações com o

Brasil.

Hoje, autores como Joel Rufino dos Santos, Heloísa Pires Lima, Geny Guimarães,

Júlio Emílio Braz, Inaldete Pinheiro Andrade, Aroldo Machado, Petrovich e Machado,

Rogério Andrade Barbosa, dentre outros, dedicam-se à literatura infanto-juvenil e à negritude,

visando minimizar os estereótipos a que estes sujeitos estão expostos.

1.3 LITERATURA AFRO-BRASILEIRA

AUTOBIOGRAFIA

EITO que ressoa no meu sangue

sangue do meu bisavô pinga de tua foice

foice da tua violação

ainda corta o grito de minha avó

LEITO de sangue negro

emudecido no espanto

clamor de tragédia não esquecida

crime não punido nem perdoado

queimam minhas entranhas

PEITO pesado ao peso da madrugada de chumbo

orvalho de fel amargo

orvalhando os passos de minha mãe

na oferta compulsória do seu peito

PLEITO perdido

nos desvãos de um mundo estrangeiro

libra... escudo... dólar... mil-réis

Franca adormecida às serenatas de meu pai

sob cujo céu minha esperança teceu

minha adolescência feneceu

e minha revolta cresceu

CONCEITO amadurecido e assumido

emancipado coração ao vento

29

não é o mesmo crescer lento

que ascende das raízes

ao fruto violento

PRECONCEITO esmagado no feito

destruído no conceito

eito ardente desfeito

ao leite do amor perfeito

sem pleito

eleito ao peito

da teimosa esperança

em que me deito

Abdias Nascimento

Buffalo, 25 de janeiro de 1979

Há anos, os afrodescendentes buscam por seu espaço na cultura e na literatura no

Brasil. Mesmo aprisionados, os afrodescendentes sempre manifestaram entre eles sua cultura,

sua arte, sua literatura e sua religião, que perduram até hoje.

No Brasil, somente em meados do século XX, com a publicação de algumas obras de

autores mestiços e mulatos, o negro foi representado na literatura e na arte, por meio de Lima

Barreto, Solano Trindade, Carolina Maria de Jesus, Oswaldo de Camargo, Machado de Assis,

Cruz e Souza.

Os personagens negros só aparecem a partir do final da década de 1920 e início da

década de 1930. Deve-se ressaltar que o contexto histórico em que as primeiras histórias com

personagens negros foram publicadas era de uma sociedade recém-saída de um longo período

de escravidão. Assim, essas histórias evidenciavam a condição subalterna do negro. O seu

papel secundário nas histórias era quase insignificante.

Não existiam nesse período histórias em que os povos negros, seus conhecimentos, sua

cultura e sua história fossem retratados de modo positivo.

Por volta de 1975, é encontrada uma produção de literatura infantil mais

comprometida com outra representação da vida social brasileira. Nesse período, pode-se

conhecer poucas obras em que a cultura e os personagens negros figurem com mais

frequência.

Além de despertar o interesse da criança através do imaginário, Lobato conscientiza

com a sua literatura denunciadora, que envolve fatos políticos-econômicos-sociais.

A sua principal obra, O Sítio do Picapau Amarelo, mostra um Lobato indignado com a

exploração do Petróleo; logo depois surge o livro O Poço do Visconde, que conta a história da

descoberta do Petróleo nas terras do Sítio (mundo fictício), que eram terras de sua família.

30

Não podendo se expor, criou as personagens fantásticas, as quais dizem tudo o que ele pensa

sobre a descoberta, entre elas, Emília, a qual representa a sua voz.

Lobato criou uma obra diversificada, com personagens que unificam o universo

ficcional. No Sítio do Picapau Amarelo, vivem Dona Benta, Tia Nastácia, Tio Barnabé

(personagens adultos) que orientam as crianças (Pedrinho e Narizinho), bem como criaturas

fantásticas que vivem no sítio: Emília, Visconde de Sabugosa, Quindim e Rabicó.

Lobato também valorizou o folclore nacional, Pedrinho e Narizinho viraram

exploradores do universo ficcional, no qual encontram todos os seres fantásticos, o Saci, a

Cuca, a Mula-sem-cabeça, a Iara, o Lobisomem, entre outros, que levam os leitores a

compreenderem um pouco mais da cultura brasileira.

No período que vai de 1945 até a metade da década de 1960, houve um momento de

retrocesso no que diz respeito à criatividade.

O modelo lobatiano foi exaustivamente repetido e as obras desse período

incorporaram os procedimentos da indústria de massa e cultural, incrementado a partir da

década de 1950.

A partir do início dos anos de 1970, inicia-se o chamado boom da literatura infantil

brasileira, ampliando-a ao público escolar e, portanto, consumidor, pelo apoio governamental

em programas de incentivo à leitura, pela diversificação de temáticas.

Destacaram-se, contudo, escritores como Menotti Del Picchia, Malba Tahan, José Lins

do Rego, Viriato Correia, Érico Veríssimo, Vicente Guimarães, Ofélia e Narbal Fontes,

Orígenes Lessa, Lúcia Machado de Almeida.

A partir da década de 1970, esse panorama começou a mudar, motivado pela lei de

reforma de ensino que obrigou a adoção de livros de autor brasileiro nas escolas de 1º grau.

Surgiram escritores como Fernanda Lopes de Almeida, Ruth Rocha, Ana Maria Machado,

Marina Colasanti e Eliardo França. Foram autores que compuseram uma literatura com fortes

traços lobatianos, onde o lúdico, o real e o imaginário eram componentes preponderantes,

além da busca pela linguagem e cultura brasileiras.

Nas décadas de 1980 e 1990, grande foi a expansão da produção literária para a

infância e juventude.

No século XXI, a produção tem tido crescimento realmente significativo, tanto

quantitativa quanto qualitativamente.

Quanto ao personagem negro na literatura brasileira, segundo Brokshaw (apud

CASTILHO, 2011), antes da abolição do tráfico de escravos, era praticamente inexistente.

Existem dois fatores que podem afirmar esse silenciamento: a opinião de alguns escritores da

31

época, que não consideravam os escravos, os negros como seres humanos e o fato de os

escritores precisarem do apoio dos senhores de escravos, pois estavam do lado dos opressores

e não poderiam dar atenção aos oprimidos.

Em 1856, com o surgimento de O Comendador, escrito por Pinheiro Guimarães,

começa a abordagem da temática sobre os humanos em condição escrava. No período do

romantismo, entre os anos de 1836-1881, os escritores estavam voltados para a construção da

identidade nacional, vinculada à imagem do índio como forma de oposição à imagem do

colonizador português, que nesse momento passou a ser mal visto por Gonçalves Dias, na

poesia; por José de Alencar, na ficção.

Com os movimentos abolicionistas e consequente libertação dos escravos, em 1888,

surge a primeira heroína, “embranquecida” escrava, na obra A escrava Isaura, do escritor

romântico Bernardo Guimarães (1997, p. 13): “A tez era como o marfim do teclado, alva que

não deslumbra embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou

cor-de-rosa desmaiada”.

Em 1881, é publicado O Mulato, de Aluísio de Azevedo, que repete procedimento

semelhante ao de Bernardo Guimarães. Apesar de ter como objetivo a denúncia do

preconceito racial, o autor faz do personagem principal um herói mulato: muito fino e que se

tornou um bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra.

Anterior a ele, não podemos esquecer de Gregório de Mattos (1633-1696), o satírico

“boca do inferno”, que de modo irônico retratou os mulatos e suas amantes negras ou

mestiças, reiterando o seu ideal branco de beleza.

O poeta negro João Cruz e Sousa (1861-1897) também não fugiu do processo de

aculturação do negro em suas poesias, deixando transparecer a erradicação do negro.

Em seguida, Castro Alves, que tentou dar voz a uma parcela da população que era

praticamente invisível na literatura.

Existiram poucos que resistiram e combateram a assimilação, como Luís Gama, negro,

ex-escravo, que se tornou advogado e abolicionista. Foi precursor da poesia negra

revolucionária no Brasil, denunciando sempre a ansiedade mórbida da sociedade alva em sua

cor, no branqueamento de seu povo.

Lima Barreto (1881-1922), romancista, retratava o ambiente de subúrbio da cidade do

Rio de Janeiro, região ocupada por muitos afro-brasileiros. No entanto, sua preocupação não

estava na questão racial, mas sim na estrutura de uma linguagem viva, que pudesse falar com

os leitores, diferentemente da proposta pelos acadêmicos europeus.

32

Machado de Assis não conseguiu romper com os padrões eurocêntricos em suas obras

e, assim, conquistou leitores do além-mar.

Um estudo de Arthur Ramos, intitulado O Folclore Negro do Brasil (publicado em

1935), investigou estereótipos sobre o africano na poesia, folclore e prosa. O estudo apontou a

violência manifestada em alguns intelectuais brancos e em outros negros que degradaram a

própria origem étnica. Alguns estereótipos de submissão, preguiça, feiúra física, imoralidade,

sexualidade desenfreada, voluptuosidade foram registrados como: o negro bom, o negro ruim,

o africano, a mulata e a crioula.

A ausência de personagens negros e negras ou a sua marginalização nas histórias

infanto-juvenis acarreta consequências no imaginário social, criando uma realidade distorcida

e preconceituosa, mantendo uma ordem social desigual.

Na década de 1980, surgem livros com novas propostas, cujo objetivo central é romper

com a visão estereotipada dos negros, valorizando suas tradições e também o seu aspecto

físico, porém nem todos os livros tiveram sucesso, reforçando mais o preconceito racial.

Várias pesquisas demonstram a presença desses estereótipos negativos em relação aos

negros na literatura infanto-juvenil. Um estudo de Fúlvia Rosemberg (1980) mostra os

estereótipos raciais presentes na literatura infanto-juvenil produzida no Brasil entre 1950 e

1975, através dos textos e das ilustrações dessas produções. A autora mostra que mulheres,

crianças e não brancos encontravam-se num mesmo patamar de inferioridade face ao modelo

masculino adulto branco, mesmo guardando as devidas diferenças entre mulher negra, criança

não branca e homem não branco.

Com a finalidade de mudar o quadro aparente, ocorreram importantes reformas

curriculares, com questões relativas ao preconceito racial. O marco é a Lei n.º 10.639/2003,

que impõe o ensino obrigatório da História e da cultura afro-brasileiras, incluindo o estudo da

História da África e dos africanos.

As escolas deveriam valorizar a presença, a história, a cultura e a participação dos

negros na construção do país, como também problematizar como se organizam as relações

raciais na sociedade brasileira. A literatura infantil começou a apresentar essa temática racial

em alguns livros, enfatizando o preconceito racial dissimulado e assistemático com o qual

convivemos. Como explicou Fernandes (1972, p. 73),

Os brancos não vitimizam consciente e deliberadamente os negros e os mulatos. Os

efeitos normais e indiretos das funções do preconceito e da discriminação de cor é

que o fazem, sem tensões raciais e sem inquietação social. Restringindo as

oportunidades econômicas, educacionais, sociais e políticas do negro e do mulato,

mantendo-os “fora do sistema” ou à margem e na periferia da ordem social

33

competitiva, o preconceito e a discriminação de cor impedem a existência e o

surgimento de uma democracia racial no Brasil.

Hoje é possível encontrar obras mostrando personagens negras na sua resistência ao

enfrentar os preconceitos, resgatando sua identidade racial, desempenhando papéis e funções

sociais diferentes, valorizando as mitologias e as religiões de matriz africana, como também

encontrar histórias que permitam observar uma ressignificação da personagem negra. Elas

passam a ser personagens principais, cujas ilustrações se mostram mais diversificadas e

menos estereotipadas.

A temática negra é um dos principais fatores que diferenciam a literatura afro-

brasileira das demais. Esta literatura preocupa-se em resgatar a história do povo negro na

diáspora brasileira, passando pela denúncia da escravidão e de suas consequências até a

glorificação de heróis como Zumbi e Ganga Zumba, que foi o primeiro grande líder do

Quilombo dos Palmares, ou Janga Angolana, na Capitania de Pernambuco, atual estado de

Alagoas, Brasil. Zumba era filho da princesa Aqualtune e assumiu a posição de herdeiro do

reino de Palmares e o título de Ganga Zumba.

A literatura afro-brasileira, se utilizada de forma comprometida e com o princípio

básico da desconstrução de estereótipos e preconceitos racistas, pode ser uma grande aliada

no despertar da subjetividade infantil, na formação da identidade étnico-racial e na

valorização da cultura negra. Pode possibilitar a construção de uma educação libertadora,

como propunha Paulo Freire (1989).

Outro traço relevante é a ênfase na importância da figura dos ancestrais, da avó e da

mãe na vida das personagens, como transmissoras de uma cultura de matriz africana com o

intuito de perpetuá-la (DIOUF, 2010).

Aos poucos, há a valorização de outro tipo de beleza e estética, diferentemente do

segundo período em que se valorizava a beleza com traços brancos. As personagens negras

são representadas com tranças de estilo africano, penteados e trajes variados.

Autores como Joel Rufino (1941) e Heloísa Pires Lima (2010) surgem contando a

história dos negros de modo singular, sem estereótipos e, ao mesmo tempo, dando voz à

cultura africana tão calada até então. Utilizam sua criação como arma ou instrumento na luta

contra o racismo e a exclusão.

34

CAPÍTULO 2 – QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL

Lincharam um homem

Li no jornal

Procurei o crime do homem

O crime não estava no homem

Estava na cor da sua epiderme. (Solano Trindade)

Com um modelo de civilização eurocêntrico, branco, civilizado, coube ao continente

africano o peso da selvageria e do homem primitivo. Essa construção ideológica dos negros se

deu culturalmente, mas por detrás estava o racismo científico, pois havia a legitimação da

conquista e da dominação dos africanos e de outras minorias “inferiores”.

A classificação da humanidade em raças hierarquizadas criou a raciologia, uma teoria

pseudocientífica que ganhou força no século XX, legitimando os sistemas de dominação

racial, além de legitimar exterminações de povos futuramente pelo nazismo.

No Brasil não foi diferente e o racismo científico justificou o imperialismo local. A

representação social cristalizada do negro era de um ser boçal, insolente e imoral. Os negros

foram caçados, escravizados e forçados a vir para o Brasil, onde se tornaram escravos.

Segundo Oliveira (2015), na sua obra Qual a cor de sua pele, os negros e as negras

aqui no Brasil foram considerados como pessoas incômodas e invisíveis, sendo, então,

estigmatizados como preguiçosos, folclorizados em seus aspectos culturais, tiveram sua

alteridade negada por aqueles (as) que mais precisavam deles (as).

A participação dos negros no Brasil Colonial aconteceu a partir do momento em que a

experiência colonial portuguesa precisou de um grande número de trabalhadores para

ocuparem as grandes fazendas produtoras de cana-de-açúcar. Uma mão de obra sem custo e

com conhecimento em mineração, agricultura e arquitetura. Os portugueses, ao expandir seus

domínios pela costa africana no século XV, iniciaram o tráfico negreiro, alegando que os

negros poderiam ser assim escravizados, uma vez que pertenciam a uma raça inferior, com

costumes e modos primitivos, e necessitavam, portanto, serem civilizados e cristianizados.

O transporte era feito da África para o Brasil nos porões dos navios negreiros.

Amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil, sendo que

os corpos eram lançados ao mar. Aqui no Brasil, os negros executavam as tarefas sob a

chibata. O castigo legitimava a estrutura colonial escravagista e a subjugação física e moral

fazia com que os escravos introjetassem uma ideia negativa deles próprios. A exploração e a

violência sexual das mulheres negras resultaram em uma prole de mestiços.

35

As péssimas condições de higiene, saúde, má alimentação reduziam o tempo de vida

dos escravos. De acordo com Mattos (2008) alguns africanos eram levados em comboio para

o interior de São Paulo e Minas Gerais, onde eram comprados por tropeiros, configurando

assim o comércio interno.

A procriação entre os negros era estimulada pelos senhores de escravos com o objetivo

de aumentar o número de escravos, de mão de obra e consequente lucro. De um lado, a

demanda econômica buscou justificar a escravidão; de outro lado, o discurso religioso cristão

da época definiu a experiência escravocrata como uma forma de “castigo” que aproximaria os

negros do cristianismo.

Segundo Carvalho (2016) em Liberdade - rotinas e rupturas do escravismo, a força de

trabalho dos negros foi empregada pelo abuso e pela violência. As longas jornadas de trabalho

encurtaram radicalmente os anos vividos pelos escravos.

Ao mesmo tempo, o uso da violência transformou os castigos físicos em um elemento

eficaz na dominação.

Os negros também nunca mostraram ser passivos. Em resposta à violência, muitos

protestavam, outros fugiam, alguns chegavam ao suicídio. Fugitivos, garantindo a sua

sobrevivência e defendendo-se contra o ataque dos capitães do mato, iam para os quilombos,

que representaram as formas mais extremas de resistência do povo negro. O quilombo mais

famoso foi o de Palmares. Sofreu vários ataques e ao fim de cem anos de guerra, em 1694, ele

foi totalmente arrasado e os negros que lá estavam foram massacrados.

Para Machado (1987), a resistência no interior da escravidão, como parece ter optado a

maior parte dos escravizados, também pressupunha a aceitação de normas de convivência

mútua entre senhores e escravizados. A partir desta perspectiva, torna-se necessário analisar a

relação senhor-escravo como não pautada apenas na violência e no conflito, mas também em

diferentes formas de negociação.

A adesão ao catolicismo foi uma das maneiras encontradas pelos negros de aproximar-

se aos valores estéticos dos senhores brancos; possibilitando a criação de diversas irmandades

religiosas de negros, que exerciam o papel da resistência cultural, solidariedade étnica do

grupo e compra da alforria de negros. Às vistas dos senhores, seguiam o catolicismo, mas

dentro das irmandades mantinham o culto aos orixás.

Outros grupos de escravos preferiam aceitar sua condição para não morrer. Os negros

mais claros assimilavam os valores dos homens brancos, como único meio de ascensão social,

liberdade e segurança.

36

Para Munanga (2015), em Rediscutindo a mestiçagem no Brasil, o modelo

antidemocrático e opressor foi também assimilacionista.

Desse modo,

[...] o modelo sincrético, não democrático, construído pela pressão política e psicológica exercida pela elite dirigente, foi assimilacionista. Ele tentou assimilar as

diversas identidades existentes na identidade nacional em construção,

hegemonicamente pensada numa visão eurocêntrica. (MUNANGA, 2015, p. 95).

Sobre a identidade nacional, Munanga (2015, p. 95) destaca que

[...] o processo de construção dessa identidade brasileira, na cabeça da elite pensante e política, deveria obedecer a uma ideologia hegemônica baseada no ideal do

branqueamento. Ideal esse perseguido individualmente pelos negros e seus

descendentes mestiços para escapar aos efeitos da discriminação racial, o que teve

como consequência a falta de unidade, de solidariedade e de tomada de uma

consciência coletiva, enquanto segmentos politicamente excluídos da participação

política e da distribuição equitativa do produto social.

Ao abordar a questão do branqueamento, Darcy Ribeiro (1995), em O povo brasileiro,

substitui a expectativa do branqueamento progressivo da sociedade para a morenização

bilateral que se opera por duas formas: pela branquização dos pretos e pela negrização dos

brancos.

E complementa: “[...] desse modo, devemos configurar no futuro uma população

morena em que cada família, por imperativo genético, terá por vez, ocasionalmente, uma

negrinha retinta ou uma branquinha desbotada” (RIBEIRO, 1995, p. 224).

De qualquer maneira, mesmo admitindo que a miscigenação poderia reafirmar o mito

da democracia racial e camuflar em sua essência a ideologia do branqueamento, faz-se

necessária uma maior reflexão sobre a questão, pois essa análise é limitada frente à verdadeira

formação do povo brasileiro e principalmente ao pressuposto de que somos todos iguais.

Assim, Ribeiro (1995, p. 128) reitera:

O primeiro brasileiro consciente de si foi, talvez, o mameluco, esse brasilíndio

mestiço na carne e no espírito, que não podendo identificar-se com os que foram

seus ancestrais americanos – que ele desprezava –, nem com os europeus – que o

desprezavam – sendo objeto de mofa dos reinóis e dos luso-nativos, via-se

condenado à pretensão de ser o que não era nem existia: o brasileiro.

Nesse contexto da mestiçagem, ser negro possuía vários significados.

O negro, enfim, foi coisificado para atender aos segmentos da raça dominante e

permaneceu condenado a esse mundo que jamais se organizou para tratá-lo como ser humano.

No início do século XX, surge a teoria do branqueamento, acreditando que, com a

miscigenação, o país produziria pessoas mais brancas com superioridade física e cultural.

37

Fanon, nas suas obras Peau Noire, Masques Blancs (2005) e Les Damnés de La Terre

(1961), produz uma crítica radical da colonização por meio de um olhar minucioso sobre as

estratégias de violência, subordinação e desumanização que produzem o colonizado. A

descolonização implicaria anular e reinventar um suposto “sujeito colonial” na sua verdadeira

humanidade.

O olhar crítico de Fanon para a relação entre construções em torno da noção de “raça”,

dos processos de subjetivação e das estratégias de poder colonial tem interpretações

semelhantes àquelas de Foucault (1976) sobre Biopoder e Governamentalidade.

Ambos discutem as implicações políticas da onipresença do corpo: seja envolto em

símbolos culturalmente diversos ou desnudos pelas lentes da biologia genética, como um dos

relevantes dilemas da modernidade.

Para Souza (1983, p. 15),

A sociedade escravista, ao transformar o africano em escravo, definiu o negro como

raça, demarcou o seu lugar, a maneira de tratar e de ser tratado, os padrões de

interação com o branco e instituiu o paralelismo entre cor negra e posição social

inferior.

Paralelamente, as fugas dos negros, as lutas, a resistência e a formação de quilombos

rompiam com as práticas do sistema colonial opressor.

Assim, o modelo escravocrata se constituiu no topo funcional de uma estrutura

socioeconômica que, atendendo aos interesses europeus, legaria aos negros dificuldades

infindáveis de sobrevivência em terras agora lusitanas.

A inserção dos africanos na colônia portuguesa não proporcionou condições sócio-

históricas de igualdade. O elemento cor caracterizou o negro como não cidadão e, assim,

criou-se a representação do povo negro. Sobre a cor, Souza (1983) comenta que a branquitude

já era proprietária da identidade referenciada e legitimada pela sociedade.

A partir da metade do século XIX, a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela

Inglaterra. Interessada em ampliar seu mercado consumidor no Brasil e no mundo, o

Parlamento Inglês aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), proibindo o tráfico de escravos, dando

o poder aos ingleses de abordarem e aprisionarem navios de países que faziam esta prática.

Em 1850, o Brasil cedeu às pressões inglesas e aprovou a Lei Eusébio de Queiróz que

acabou com o tráfico negreiro. A Inglaterra se transformara num país capitalista e buscava

comércios mais amplos, onde a escravidão não caberia mais. Em 28 de setembro de 1871 era

aprovada a Lei do Ventre Livre que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir

daquela data. E no ano de 1885 era promulgada a Lei dos Sexagenários que garantia liberdade

aos escravos com mais de 60 anos de idade.

38

Somente no final do século XIX é que a escravidão foi mundialmente proibida. Aqui

no Brasil, sua abolição se deu em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, feita

pela Princesa Isabel.

Nem mesmo a Lei Áurea (1888) livrou os negros da opressão, do preconceito e do

racismo. A “libertação” dos escravos resultou em uma massa humana de negros que

perambulavam pelas ruas em busca de emprego. A “inferioridade do negro” ressurge nesse

momento com outras categorias embutidas: paganismo e primitividade, que os desclassificam

mais perante os brancos.

De acordo com Cavalleiro (2000, p. 28), “Constata-se que a lei abolicionista não

possibilitou a cidadania para a massa de ex-escravos e de seus descendentes. A partir da

promulgação da lei, os ex-escravos e seus descendentes foram segregados social e

economicamente”.

Segundo Florestan Fernandes (1965), nesse momento, a mulher negra passa a

trabalhar em casas de famílias brancas, sustentando, assim, sua família; enquanto ao homem

restava o ócio, situação que alimentou o imaginário brasileiro onde o homem negro era

apresentado como preguiçoso e desinteressado pelo trabalho. Assim o homem negro recebe

dupla discriminação: “raça” e vagabundagem.

Mesmo depois do período abolicionista, tanto os conceitos de racismo e discriminação

quanto os discursos da “democracia racial” ou “racismo cordial” (CAVALLEIRO, 2000, p.

28-30) escamoteavam uma história já marcada há muitos anos pela desigualdade e reforçada

pela indiferença.

O conceito da “miscigenação racial” buscou criar um modelo social de “assimilação”,

deixando em segundo plano o processo da diáspora africana que não reconhecia os seus filhos

afrodescendentes. Essa exclusão social fez parte de um processo histórico que afetou também

a educação.

O negro e o mulato foram “obrigados” a se identificar com o branqueamento moral,

social e psicológico. Assim, a miscigenação foi uma espécie de mecanismo para a absorção

do mestiço.

Para Carl Degler (1976), na sua obra Nem preto nem branco, o mulato, fruto da

relação de um branco com uma negra, fez com que os homens brancos vissem os negros com

menos estranheza, principalmente quando essa relação gerava filhos libertos, embora tivessem

um status inferior aos filhos brancos, uma vez que, aceitando o branqueamento, houve uma

redução de descontentamento entre as raças.

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Degler (1976) conclui que o papel atribuído ao mulato no Brasil marca a diferença das

relações raciais entre os Estados Unidos, por exemplo. O negro se sentindo aceito não

formava organizações ou protestos radicais.

Houve no Brasil, diferentemente dos EUA, o surgimento de um lugar intermediário

para o homem mestiço, preto, pardo, branco, permeado por preconceito e discriminação

contra o negro. Aqui, as conversas sobre o racismo ainda são evitadas, enquanto nos EUA as

relações entre negros e brancos têm sido marcadas pela violência, preconceito de origem e

segregação racial, principalmente no sul do país.

Na África do Sul, a partir da década de 1940, o racismo se manifestava explicitamente,

sob forma do apartheid, onde a maioria branca detinha o poder em detrimento aos direitos da

minoria negra.

No Brasil, o racismo é fruto de uma essência histórica de discriminação e de negação

dos direitos dos negros enquanto cidadãos brasileiros.

O racismo existe no Brasil e se apresenta de modo camuflado, assumindo formas de

intolerância, ações de violência e ações camufladas de segregação e marginalização. Aqui não

houve distinção entre liberdade absoluta, havendo espaço na sociedade para o homem livre,

meio livre e escravo.

Refletindo sobre o comportamento dos mestiços, talvez como hoje ainda aconteça,

estes estariam em uma grande armadilha ao não assumir a sua identidade negra.

O preconceito contra os mestiços e negros não se limita ao campo da ideologia. Cabe-

nos ressaltar a Carta Lei de 1808 que os afasta da propriedade da terra e impõe justiça

específica para os pardos e mulatos, acirrando o preconceito já existente.

Para Viana (1938), existe o mulato inferior e o mulato superior, sendo que o mulato

resultado do cruzamento do branco com o negro do tipo inferior é um mulato inferior e

incapaz de ascensão, condenado a viver nas camadas mais degradadas da sociedade. No

contraponto, o resultado do cruzamento entre branco e negro do tipo superior é um ariano

pelo seu caráter e inteligência, tendo todas as chances de ascensão social, colaborando para a

civilização do país.

O então militante da Frente Negra Brasileira (FNB) e intelectual negro Abdias do

Nascimento, formado em Contabilidade e Economia, fez-se porta-voz desse mundo afro-

brasileiro. Viajou por diversos lugares como Argentina, Andes e Amazônia e reencontra seu

interesse por teatro, fundando em 1944 o Teatro Experimental do Negro (TEN). Cabe

ressaltar que o objetivo do TEN foi de resgatar os valores da pessoa e da cultura negro-

africana, negados pela sociedade vigente.

40

O TEN tinha como atores os menos favorecidos e a população mais sofrida pela

discriminação (pela raça e classe): operários desqualificados, desempregados, empregadas

domésticas e frequentadores de terreiros. Nas peças teatrais, os oprimidos, de um modo geral,

tinham a possibilidade, naquele momento, de tornarem-se heróis e pessoas com credibilidade.

O TEN, em sua antologia Dramas para negros e prólogo para brancos, inicia-se na

dramaturgia brasileira. Além dos espetáculos, o TEN ministrava cursos como o de História da

África, ensinava a ler e a escrever.

O TEN denunciava todas as formas de racismo implícitas ou não na sociedade naquele

momento. Também era um polo de resistência cultural à opressão da brancura. Por meio de

atendimentos psicológicos, buscava tirar o negro do complexo de inferioridade que a própria

sociedade o condicionava.

No TEN foi fundado, em 1945, o Comitê Democrático Afro-brasileiro.

Nas décadas de 1950 e 1960, Abdias militou exaustivamente pelo movimento negro.

Com o golpe de 1964, a militância negra enfrentou forte repressão. A promulgação do

AI-5, em 1968, proibiu oficialmente a militância negra antirracista no Brasil, levando muitos

ao exílio.

Abdias exilou-se nos EUA. Voltando ao Brasil mais tarde, fundou o Instituto de

Pesquisas e estudos afro-brasileiros e realizou o 3° Congresso de Cultura Negra das Américas.

Em 1982, Abdias foi eleito Deputado Federal pelo Rio de Janeiro sob a luta contra o racismo.

Em 1991, Abdias Nascimento tornou-se Senador, contribuindo com vários projetos

para inserir o negro na sociedade e oficializando o dia 20 de novembro como Dia da

Consciência Negra.

Abdias Nascimento (1978) descreve, na sua obra O genocídio do negro brasileiro, que

uma das formas do genocídio se deu pelo estupro da mulher negra, dando origem ao sangue

misto: mulato, pardo, moreno, pardavasco, homem de cor. Outros mecanismos de genocídio

ocorriam em paralelo, como, por exemplo, o processo de aculturação do negro para obter

prestígio social; o não reconhecimento dos brancos da cultura africana; a alienação da

identidade negra pelos sistemas educacionais; a impossibilidade de exercer a religiosidade em

locais públicos e que só puderam ser preservadas pelo sincretismo religioso.

Todos esses foram vítimas de discriminação racial e preconceito, devido à

ambiguidade de cor e de classe.

Sobre a democracia racial, Nascimento (1978, p. 18) reitera ser um instrumento da

hegemonia branca brasileira que mascara sempre um processo genocida e complementa que

41

[...] o negro vem sendo o preso político mais ignorado desse país. Por ser negro, por praticar suas tradições de origem – isto é, por razões políticas –, até hoje ele é vítima

predileta da violência policial. O negro é o primeiro a ser preso, escolhido a dedo em

batidas e buscas violentas. Tal arbitrariedade confirma o dito popular: “branco

correndo é atleta; preto correndo é ladrão”.

Dados de 1995 do Instituto Datafolha comprovaram que, apesar de 89% dos

brasileiros afirmarem que existe preconceito de cor contra negros, somente 10% confirmam

que possuem um pouco ou muito preconceito. Entretanto, de forma indireta, 87% dos

entrevistados concordam inteira ou parcialmente com enunciados preconceituosos em relação

aos negros.

Desse modo, os brasileiros sabem haver, negam ter, mas demonstram, em sua maioria,

preconceito contra negros, segundo Rodrigues (1998).

A pesquisa revelou o que reiterava Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (1995, p.

12): “[...] o brasileiro está distante de ter uma noção ritualista da vida, sendo cordial e

colocando sempre o privado acima do coletivo”.

Há um racismo velado que se efetiva em palavras e atos, especialmente em contextos

de inferiorização do outro, situações de conflito, disputas, desconfianças, ameaças

hierárquicas, opressão e medo por parte dos opressores de perda de poder em relação ao outro

classificado como negro. O racismo atual deriva das teorias evolucionistas do século XIX, que

influenciaram áreas do conhecimento como a Biologia e as Ciências Sociais, hierarquizando

os homens por meio da raça.

Para Hasenbalg (1982), o racismo científico acaba se justificando pelas suas práticas

racistas na sociedade, promovendo a discriminação e espalhando o preconceito contra os

negros. Assim,

[...] a raça como atributo é historicamente elaborada, continua a funcionar como um dos critérios mais importantes na distribuição de hierarquia social. Em outras

palavras, a raça se relaciona fundamentalmente como um dos aspectos de

reprodução das classes sociais, isto é, a distribuição dos indivíduos nas posições da

estrutura de classes, as dimensões distributivas na estratificação social.

(HASENBALG, 1982, p. 90).

O preconceito de marca, centrado na aparência, na cor, permite a assimilação e a

mestiçagem visando ao branqueamento da população, uma vez que muitos negros preferiram

se casar com companheiros de pele mais clara, gerando filhos que teriam menos

probabilidades de sofrer com o racismo. Contudo, a despeito de décadas de crescimento

econômico, as disparidades sociais permanecem.

Leon Crochik (1995) entende o preconceito como um subproduto do racismo

manifestado por meio de atitudes hostis nas relações interpessoais. Para Crochik, o

42

preconceito é um julgamento negativo que sinaliza a intolerância, o ódio irracional ou a

aversão a indivíduos pertencentes a uma determinada raça.

Os estereótipos, segundo Crochik (1995), impedem a reflexão sobre o mundo real,

além de seus conteúdos serem mecanismos sociais que visam manter certo status quo de

determinado grupo social.

Cabe-nos ressaltar que, diante de todo esse contexto, os movimentos negros se

articulavam, buscando seus direitos legais negados e solapados desde a escravidão.

De acordo com Pereira (2011), no artigo Diversidade e pluralidade: o negro na

sociedade brasileira, o Movimento Modernista exaltou a negritude brasileira, como, por

exemplo, Menotti Del Picchia com o seu poema Juca Mulato, Di Cavalcanti com a

glorificação estética da mulata em suas obras, dentre outros.

Em 1924, com a criação do jornal O Clarim da Alvorada, associações negras puderam

apresentar suas reivindicações, que assumiram cunho político-ideológico.

Em 1930, foi fundada a Frente Negra Brasileira, por Arlindo Veiga dos Santos, e tinha

como proposta a integração e ascensão do povo negro à estrutura de classes, estimulando o

trabalho, o estudo, dentre outros. A Frente Negra criou o jornal A Voz da Raça, canal de

expressão da ideologia e política do povo negro e, em 1936, ela foi transformada em Partido

Frente Negra Brasileira. Em 1937, com o golpe que instituiu o Estado Novo e a ditadura, o

Partido da Frente Negra Brasileira foi fechado por Getúlio Vargas.

Na tentativa de combater o racismo e também para reconhecer sua existência, foi

criada, em 1951, a Lei que tornou contravenção penal a recusa de hospedar, servir, atender ou

receber cliente, comprador ou aluno por preconceito de raça ou de cor, a “Lei Afonso

Arinos”. Posteriormente, com a Constituição Federal de 1988, a Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro

de 1989, tornou o racismo um crime inafiançável.

Na década de 1950, Bastide e Florestan Fernandes realizaram a primeira pesquisa de

cunho social sobre a questão racial no Brasil.

Cabe ressaltar que, no período pós-ditadura de 1965 a 1985, reapareceram outros

grupos oriundos de movimentos sociais a favor dos negros, como o Movimento Negro

Unificado (MNU), fundado em 1978, dentro de um ideal marxista, com o objetivo de lutar

contra o preconceito e a discriminação raciais, redefinir a beleza e a estética do corpo negro,

eliminar os quarenta rótulos utilizados no país para remeter ao negro, além de tentar unificar

os vários grupos de negros.

43

A partir de 1980, negros ligados à militância negra passam a discutir os problemas por

meio das ações. Surgem grupos negros como o Ilê-Ayê e o Olodum, valorizando a cultura

racial por meio da música.

Em 2003, foi promulgada a Lei n.º 10.639, para que as escolas passassem a ensinar

história e cultura afro-brasileira, incluindo temas como: história da África e dos africanos, a

luta dos negros no contexto brasileiro e sua contribuição nas diversas áreas da história e da

cultura do Brasil. Em 2004, foi publicada a Resolução n.º 01/04, do Conselho Nacional de

Educação, que estabelece as diretrizes curriculares nacionais para nortear as políticas de

educação para a população negra brasileira.

A Lei n.º 10.639/2003, sobre ensino de história e cultura afro-brasileira, é uma ruptura

no ciclo educacional que perpetua o racismo. Propõe que as crianças aprendam uma nova

história: realista e respeitosa, a partir de conteúdos sobre as lutas de libertação que o negro

trava até os dias atuais, em busca dos seus direitos de cidadão.

Mesmo sendo um passo para reduzir as injustiças e emancipar muitos jovens das

lentes opressoras com que aprenderam a ver o mundo, o sentimento de exclusão das crianças

negras é reforçado nas instituições escolares pela mordaça ideológica que os separa e os

divide entre seres superiores e inferiores, tendo como pano de fundo a cor da pele.

Alguns rituais pedagógicos reforçam a opressão e a discriminação. Desse modo, o

racismo é sentido, mas pouco debatido.

Na educação infantil, esses mecanismos de inculcação são perversos e enfatizam a

“naturalização” da desigualdade e da “inferioridade” racial.

O silêncio em relação ao tema faz com que a criança perca a capacidade crítica de

avaliar o mundo que a cerca, além do que essa despreocupação com a convivência multiétnica

promove a formação de indivíduos preconceituosos e discriminadores. É um racismo

“silencioso” que passa a existir e estabelece as formas de relações sociais.

Muitas imagens presentes em materiais didáticos apresentam o negro como uma

caricatura, impedindo um autorreconhecimento da criança negra consigo própria e uma

identificação com sua vida.

Desse modo,

Durante muitas décadas, os negros e negras foram retratados nas histórias infantis, como figuras ingênuas, escravos, serviçais, subalternos, desempregados, órfãos,

abandonados, como coadjuvantes da ação [...]. Quando eram mulheres, apareciam

como cozinheiras ou lavadeiras, geralmente gordas, vistas como crias da casa [...].

Esses estereótipos são transmitidos tanto através da linguagem verbal, quanto da não

verbal, através das ilustrações (PARREIRAS, 2007, p. 43).

44

O racismo no Brasil é uma espécie de inimigo invisível, que age de maneira cruel

sobre aqueles que possuem pele negra. O negro, em consequência desse racismo velado, fica

impedido de construir uma cidadania plena, tornando-se alvo fácil de situações de violência,

fruto de um mecanismo de dominação de classe.

O silêncio no espaço escolar surge como uma estratégia de evitar o conflito étnico-

racial. Da mesma maneira, pode influenciar a socialização das crianças, reafirmando nas

crianças negras suas posições de inferioridade, diante das crianças brancas, tendo por base de

classificação a cor da pele.

A escola deverá contribuir para que princípios constitucionais de igualdade sejam

viabilizados, principalmente no que se refere às questões da diversidade cultural.

Contudo, o fato é que o preconceito racial e a discriminação se proliferam nas escolas,

por meio de mecanismos pedagógicos e da materialização da prática cotidiana, que exclui dos

currículos escolares a história de luta dos negros na sociedade brasileira.

Sobre esse fato, Cavalleiro (2000, p. 35) reitera:

É flagrante a ausência de um questionamento crítico por parte das profissionais da

escola sobre a presença de crianças negras no cotidiano escolar. Esse fato, além de

confirmar o despreparo das educadoras para se relacionarem com os alunos negros

evidencia, também, seu desinteresse em incluí-los positivamente na vida escolar.

Interagem com eles diariamente, mas não se preocupam em conhecer suas

especificidades e necessidades.

O silêncio, a omissão, a posição do branco de superioridade nas relações frente ao

negro cria uma representação desse povo estigmatizada, desumanizada, depreciada,

pejorativa, como apontam os pesquisadores Silva (1991) e Rosemberg (1985).

2.1 HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL

A participação dos negros no Brasil Colonial surgiu a partir da necessidade colonial

portuguesa de buscar um grande número de trabalhadores para as grandes fazendas produtoras

de cana-de-açúcar.Assim, estabeleceu-se o tráfico negreiro, uma vez que era impossível

naquele momento escravizar os índios.

Para favorecer o tráfico negreiro, o governo brasileiro deu aval a esse tipo de

atividade, permitindo o comércio de seres humanos, que eram capturados na África e trazidos

em grandes embarcações para serem vendidos no Brasil.

Os primeiros negros chegaram ao Brasil por volta de 1580, para trabalhar nessas

lavouras de cana-de-açúcar.A minoria branca existente nessa região (a classe dominante

45

socialmente) justificava essa condição de comércio humano através de ideias religiosas e

racistas que afirmavam a sua superioridade e os seus privilégios. As diferenças étnicas

funcionavam como barreiras sociais. Também a demanda econômica justificava de certo

modo a escravidão africana, definindo a experiência escravocrata como um tipo de castigo.

Pela escravidão adquiriram a liberdade do pecado, ou seja, do paganismo para obedecer ao

Deus Supremo, uma vez que “[...] nenhuma liberdade finita pode ser mais livre de restrições

que o consentimento para que seja exercida a infinita liberdade” (VIEIRA, 1954, p. 26-27).

A força de trabalho dos negros foi sistematicamente empregada pela lógica do abuso e

da violência. A mão de obra negra foi amplamente utilizada em outras atividades como na

mineração e nas demais atividades agrícolas que ganharam espaço na economia entre os

séculos XVI e XIX.

Do século XV ao século XIX, a escravidão foi responsável, em todo o continente

americano, pelo trânsito de mais de 10 milhões de pessoas e pela morte de indivíduos que não

sobreviveram aos maus-tratos vivenciados já na travessia marítima.

A escravidão negra foi implantada durante o século XVII e se intensificou entre os

anos de 1700 e 1822, sobretudo pelo grande crescimento do tráfico negreiro. O comércio de

escravos entre a África e o Brasil tornou-se um negócio muito lucrativo. O apogeu do afluxo

de escravos negros pode ser situado entre 1701 e 1810, quando 1.891.400 africanos foram

desembarcados nos portos coloniais.

Schulz (2013) aponta que a crise financeira da abolição ocorreu gradativamente. Em

1871, quando a Lei do Ventre Livre determinou que nenhum escravo nasceria no Brasil; ou

1880, quando começou a campanha abolicionista.

Nem mesmo com a independência política do Brasil, em 1822, e com a adoção das

ideias liberais pelas classes dominantes, o tráfico de escravos e a escravidão foram abalados.

Neste momento, os senhores só pensavam em se libertar do domínio português que os

impedia de expandir livremente seus negócios pelo mundo afora.

Existiram centenas de “quilombos” dos mais variados tipos, tamanhos e durações. Os

“quilombos” eram criados por escravos negros fugidos que procuravam refazer nesses

espaços as tradicionais formas de associação política, social, cultural e de parentesco

existentes na África. O “quilombo” mais famoso, pela sua duração e resistência, foi o de

Palmares.

Assim, a história do negro no nosso país sempre foi marcada pelo sofrimento e pela

luta. Os negros encontraram no Brasil um local de repressão, opressão, onde o trabalho

escravo se tornara algo bastante fecundo. Outros precursores do processo de libertação da raça

46

são: Chico-Rei, André Rebouças, Luís Gama, José do Patrocínio, Aguinaldo Camargo,

Sebastião Rodrigues Alves, Fernando Góes, José Correia Leite.

Segundo Neri (2010), nosso processo de escravidão foi muito prejudicial aos negros

no Brasil. A situação que negros e negras encontraram foi de repressão, opressão e trabalho

escravo: um ambiente favorável para incutir nesse povo a semente da inferioridade na cultura,

estética e religião.

Vianna (1922) reitera que o mestiço representaria um estágio no processo de

arianização7 da população.

A obra de Florestan Fernandes (1965), A integração do negro na sociedade de classes,

faz uma reflexão sobre a existência do racismo vinculado à mercantilização escravista no

Brasil. Para o autor, o abolicionismo não conduziu os brancos a uma política de amparo ao

negro e ao mulato. Na prática, a discriminação e a submissão da população negra aos brancos

continuaram na vida cotidiana. E explica:

[...] os negros e mulatos não ameaçam a ordem social instituída pela Abolição e pela República, pois nem chegavam a pôr em causa os fundamentos materiais e morais

em que ela repousava. Partiam de dois pressupostos: 1- que essa questão fora

resolvida no âmbito da situação de interesses e dos valores da “raça dominante”; 2-

que uma minoria desorganizada e impotente, como a “população de cor”, devia se

concentrar na luta pela conquista efetiva das oportunidades e garantias sociais

legalmente consagradas pelo sistema vigente (FERNANDES, 1965, p. 11).

Assim, a ideologia econômica, política e jurídica que regia as vidas das pessoas era

constituída pela raça dominante.

Mesmo quando a sociedade de classe se converte em um sistema social aberto ao

negro e esse é incorporado ao mercado de trabalho, na grande maioria das vezes, são-lhe

destinadas as ocupações mais precárias e inferiores.

Entre os próprios negros começou a haver discriminação, porque qualquer homem

negro que conseguisse superar a rotina do desemprego, da miséria e da ignorância começava a

evitar os outros negros que se acomodavam com a dita vadiagem, tornando-se opressor de seu

igual.

A luta dos negros por um espaço na sociedade foi desumana, pois estavam sozinhos e

“abandonados à própria sorte”.

O Estado não propôs nenhum plano de assistência que visasse à inclusão dos ex-

cativos na nascente sociedade de classes.

7 Arianização é um conceito cunhado por Vianna (1922) para denunciar o aumento quantitativo da população

branca no Brasil devido ao processo de mestiçagem e da corrente migratória.

47

A abolição da escravatura libertou os negros “oficialmente”, mas na prática a

discriminação e a submissão da população negra aos brancos continuavam na vida cotidiana.

Uma vez ignorados também pela República, que se preocupou mais em trazer milhares

de imigrantes europeus com o indisfarçável objetivo de promover o branqueamento da

população brasileira, os negros e os mulatos acabaram por ser preteridos pelos imigrantes no

mercado de trabalho.

Os negros tiveram que suportar subempregos por causa da discriminação da população

branca, discriminação essa que Fernandes (1965) atribui à falta de ética de trabalho de uma

parte da população negra.

Eles precisavam competir com a quantidade de libertos existente, com o imigrante

mais bem estruturado, contra o preconceito de cor e de classe que decaía sobre seus ombros

pela sua recente história de escravidão.

Sobre a existência do preconceito, Fernandes (1965) reitera que, mesmo antes de

dialogar com o branco, o negro precisava conhecer a si mesmo e vencer as resistências, para

poder reconhecer a sociedade e transformá-la. Apontou que o negro responde ao branco e a

todas as pressões sociais com serenidade ou veemência. E exemplifica Fernandes (1965, p.

504): “[...] a afirmação de que no Brasil não existe preconceito contra o negro é uma balela. O

preconceito existe. O que não existe, claramente, do ponto de vista legal, é uma discriminação

racial, de resto existem as restrições e uma acentuada intolerância contra o negro”.

Em sua obra, Fernandes tenta demolir arquétipos sobre a democracia racial construída

pelos intelectuais brancos pertencentes a esse mundo.

O autor aponta a fala da falsa consciência do negro. De acordo com o autor, a vontade

de “pertencer ao sistema”, muitas vezes, levou os próprios negros a negligenciar as questões

raciais e a estabelecer uma convivência tácita com a “raça dominante”, o que representou,

também da parte deles, uma tentativa de anular os conflitos, deixando de trazer à tona as

fragilidades do “mito da democracia racial”.

Nas palavras de Fernandes (1965, p. 338), “[...] o empenho de pertencer ao sistema

confinou o horizonte cultural do negro e do mulato, concentrando suas ambições e aspirações

sociais”.

No nível econômico, poucas foram as mudanças que vieram com a emancipação

nacional do Brasil e com a formação da ordem capitalista comercial. Contrariamente, na nova

ordem, a produção escravista foi mantida como a base material do sistema.

48

Nem os proprietários nem os imigrantes podem ser responsabilizados diretamente pela

exclusão dos negros e mulatos da participação nos papéis socioeconômicos importantes, seja

como agentes ou beneficiários na vida urbana.

A realidade social que experimentaram no cativeiro e que viveram na pós-abolição

dificultou a adaptação ao modelo capitalista que se desenvolvia rapidamente.

O cativo sempre representou um perigo constante. Por esta razão, sempre foi afastado

da vida social organizada e, uma vez distante, não teve preparação necessária para sua futura

imersão em uma sociedade urbana com características competitivas, onde ele não era ator

protagonista e nem mesmo coadjuvante.

Como Fernandes (1965, p. 222) destaca, “[...] o que há de ruim com os fracos é que

eles não possuem força suficiente para se unirem, com o objetivo de combater as razões de

sua fraqueza”.

Para Fernandes, o povo brasileiro sempre foi mantido num controle social impedindo-

o de se tornar sujeito. Segundo ele, somente quando o povo brasileiro se tornar sujeito, haverá

mais igualdade social. O autor reitera que foram precisos quase três quartos de século para

que o negro e o mulato encontrassem em São Paulo perspectivas comparáveis àquelas com

que se defrontaram os imigrantes e seus descendentes.

2.2 RACISMO, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO

Existe uma diferença peculiar entre racismo, preconceito e discriminação. A

construção do racismo é histórica. Assim, se contrapõe à ideia de igualdade entre os homens.

Para Hasenbalg (1982), o conceito de racismo científico se propaga na sociedade

contemporânea, justificando-se pelas práticas racistas que promovem a discriminação e o

preconceito, prejudicando o negro. Se a finalidade de classificar a espécie humana em raças

era explicar a diversidade dos povos, os biologistas reiteram que tal classificação não atendeu

aos objetivos fundantes e, além disso, a eleição de alguns critérios como cor da pele para

denominar raça branca, amarela e negra instaurou o racismo enquanto ideologia e instrumento

de dominação e exploração do ser humano “mais fraco”.

O racismo institucional possibilita perceber o preconceito, mesmo quando vivenciado

por uma pessoa específica, na automação de um atendimento aparentemente igualitário, mas

vem carregado de conceitos preconcebidos movidos por desejos de superioridade e de

dominação. Enfrentar o racismo institucional significa enfrentar um fenômeno instituído

histórica e socialmente e, no Brasil, o Estado foi o principal agente de segregação racial, com

49

legislações e uso da força de Estado para reprimir e restringir o acesso da população negra a

todos os bens.

O racismo, segundo Ellis Cashmore (2000),

[...] é um fenômeno ideológico complexo cujas manifestações, embora variadas e diversas, estão ligadas à necessidade e aos interesses, de um grupo social conferir-se

uma imagem e representar-se. O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes

fundadas em preconceitos raciais, comportamentos discriminatórios, disposições

estruturais e práticas institucionalizadas que atribuem características negativas a

determinados padrões de diversidade e significados sociais negativos aos grupos que

os detêm, resultando em desigualdade racial, assim como a noção enganosa de que

as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente justificáveis. O

elemento central desse sistema de valores é de que a “raça” determina o

desenvolvimento cultural dos povos. Deles derivaram as alegações de superioridade

racial. O racismo, enquanto fenômeno ideológico submete a todos e todas, sem

distinção, revitaliza e mantém sua dinâmica de evolução da sociedade e das

conjunturas históricas.

Para Munanga e Gomes (2004, p. 179)

[...] o racismo se define como: [...] um comportamento, uma ação resultante da

aversão, por vezes, do ódio, em relação às pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como cor da pele, tipo de cabelo, formato

de olho etc. Ele é resultado da crença de que raças ou tipos humanos superiores e

inferiores, a qual se tenta impor como única e verdadeira.

A essência do preconceito reside na negação do homem negro e dos não brancos para

executar o domínio dos brancos sobre os demais.

Segundo Cunha (1992), o racismo é uma ideologia que reproduz, na consciência social

coletiva, falsas verdades sobre os negros. Nessa medida, o racismo atribui inferioridade a uma

determinada raça e se baseia nas relações de poder que se legitimam pela cultura hegemônica,

segundo Munanga (1996).

O preconceito, para Grochik (1995), é subproduto do racismo. Apresenta-se como uma

atitude hostil nas relações interpessoais, ou seja, um julgamento negativo e prévio em relação

a indivíduos pertencentes a outras raças. O preconceito mantém a discriminação étnica na

medida em que o preconceituoso não concebe o contato com os negros na vida social. Como

conceber o preconceito num país negro?

Dados apontam que a população negra brasileira, que já era a maior fora da África,

ultrapassou a casa dos 100 milhões de pessoas, de acordo com o estudo sobre o período 2000-

2003, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, dados de 2013).

A maior parte desses indivíduos sobrevive nas condições mais adversas; as chances de

ascensão social são poucas. Existem privações no trabalho, moradia, lazer, educação.

50

A democracia racial no Brasil é uma ideologia. Segundo Nascimento (1983), a

democracia racial é um instrumento da hegemonia branca brasileira, que tem por objetivo

mascarar um processo genocida.

Para Nascimento (1983, p. 28), há

[...] uma fachada despistadora que oculta e disfarça a realidade de um racismo tão

violento e destrutivo quanto aquele dos Estados Unidos ou da África do Sul [...].

Não se resolvem problemas utilizando-se o método do avestruz: o método de ignorar

a realidade concreta metendo a cabeça na areia.

No Brasil, o racismo foi denominado como “racismo colonial” e revela a luta velada

contra o inimigo invisível. O negro é impedido de construir sua cidadania plena e sempre está

desprotegido frente às situações de violência.

Algumas manifestações que comprovam essa discriminação étnica no Brasil são:

salários mais baixos, se comparado aos salários dos brancos; ausência de mobilidade social;

desigualdade econômica, social, cultural e educacional.

Rosemberg (1987), por exemplo, constatou, a partir de dados extraídos da Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 1982), do IBGE, que o aluno negro, em

comparação ao aluno branco, apresenta índice maior de exclusão e reprovação escolar.

Oliveira (1972), relatando as intervenções na educação realizadas pelo Movimento

Negro Unificado em 1978, ressalta a atenção para o sofrimento das crianças negras ao

evidenciar o sentimento de exclusão na maioria delas.

Oliveira (1994), em pesquisa realizada com profissionais da Educação Infantil, aponta

a existência de práticas racistas e discriminatórias nas relações interpessoais, seja ela adulto-

adulto ou adulto-criança. Enfatiza a necessidade da discussão da temática étnica na educação

infantil que possibilite o desenvolvimento e a inserção social dos cidadãos na sociedade

brasileira.

Na obra A integração do negro na sociedade de classes, Fernandes (1965) explica a

existência do preconceito racial na sociedade capitalista competitiva do Brasil. O autor

levanta algumas concepções para a discriminação baseado em dois argumentos: o primeiro

seria uma espécie de resíduo, ou seja, a sobrevivência de padrões arcaicos de relações sociais

moldadas durante a escravidão e com vistas a desaparecer devido ao desenvolvimento da

sociedade capitalista; o segundo argumento para a existência da discriminação aconteceria

pela inadequação do negro à sociedade competitiva, resultado de sua falta de preparo para as

profissões que se abriram no período pós-escravidão.

Fernandes (1965, p. 545-546) destaca, na sua obra, as funções do preconceito de cor e

como o preconceito de cor opera dentro da sociedade dos brancos para com os negros:

51

“Manter o negro em seu lugar”, ou seja, combinar distância social e desigualdade racial de modo a impedir o acesso do “negro” a posições e papéis sociais concebidos

como “apanágio do branco”. Isso exclui o “negro” do horizonte cultural do branco

como um igual (condição em que só aparece, parcial ou totalmente, como exceção

que confirma a regra); alternativamente, projeta-o nesse horizonte como

subordinado e dependente;

Manter o negro na linha, ou seja, agindo em consonância com as normas,

expectativas de comportamento e valores sociais decorrentes da disposição do “branco” em “manter o negro em seu lugar”. Em consequência, trata-se da aplicação

de técnicas de controle social direto ou indireto que visam a manter o

comportamento manifesto do “negro”, nas relações com os “brancos” ou em

situações de que estes participam, dentro de limites tolerados e prefixados

convencionalmente.

Fernandes afirma que o dilema racial brasileiro é um fenômeno social de natureza

sociopática e que só poderia ser resolvido por meio de processos que desobstruíssem a ordem

social competitiva fundada na desigualdade racial.

Souza (2003) se fundamenta em Fernandes (1965) para falar da transição da ordem

escravocrata para a livre. Na nova sociedade, faltavam ao negro as condições sociais e

psicossociais que possibilitavam o sucesso no social.

Para o autor,

Faltava-lhe o aguilhão da ânsia pela riqueza [...]. A ânsia em libertar-se das

condições humilhantes da vida anterior, tornava-o, inclusive, especialmente

vulnerável a um tipo de comportamento reativo e ressentido em relação às demandas da nova ordem. Assim, o liberto tendia a confundir as obrigações do contrato de

trabalho e não distinguia a venda da força de trabalho da venda dos direitos

substantivos à noção de pessoa jurídica livre. Ademais, a recusa a certo tipo de

serviço, a inconstância no trabalho, a indisciplina contra a supervisão, o fascínio por

ocupações "nobilitantes", tudo conspirava para o insucesso nas novas condições de

vida e para a confirmação do preconceito. (SOUZA, 2003, p. 44-45).

Sendo a reprodução de um hábito precário a causa da inadaptação e marginalização

desses grupos, o problema não seria a cor da pele. Para Souza (2003) , não havendo

preconceito de cor, o problema seria a improdutividade do negro para enfrentar a

sociedade.

Cabe salientar que uma nova historiografia expande a ideia de coisificação do escravo,

revelando o outro lado dos cativos que agiam e reagiam, encontrando meios para escapar da

situação de objeto até então imposta. Assim, o modelo construído por Fernandes (1959), que

via certa patologia na personalidade do escravo, acaba sendo revisto, apontando a carência da

vida familiar como item essencial para sua humanização.

Outras pesquisas no Brasil apontaram para a existência da resistência dos escravos,

opondo-se à alienação dos mesmos, que foi pensada inicialmente.

52

2.3 QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS – LEI N.º 10.639/2003

Além de “muitos estudos dos livros”, a pessoa educada é capaz de produzir

conhecimento e necessariamente, respeita os idosos, as outras pessoas, o meio

ambiente. Empenha-se em fortalecer a comunidade, na medida em que vai

adquirindo conhecimentos escolares, acadêmicos, bem como outros necessários para

a comunidade sentir-se inserida na vida do país. (SILVA, 2000, p. 78-79).

A partir da década de 1990, a luta dos movimentos sociais criou um conjunto de

estratégias por meio das quais os segmentos populacionais considerados diferentes passaram a

destacar politicamente suas singularidades, cobrando que estas fossem tratadas de maneira

justa e igualitária.

Uma das conquistas dos movimentos negros na educação foi a promulgação das Leis

n.º 10.639/2003 e n.º 11.645/2008, que alteraram os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases

(LDB), tornando obrigatório o ensino da temática história e cultura afro-brasileira e indígena

nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio das redes pública e privada do país,

apontando, por meio das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais

e do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas, as ações a serem executadas

pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis e modalidades, cabendo aos mesmos

orientar e promover a formação de professores e professoras, além de supervisionar o

cumprimento dessas diretrizes. As alterações propostas na Lei n.º 9.394/1996 (Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional) pela Lei n.º 10.639/2003 geraram ações do governo

brasileiro para sua implementação.

O Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para

Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e

Africana por meio do Parecer CNE/CP n.º 03 de 2004, estabelecendo as orientações de

conteúdos a serem trabalhados em todos os níveis e modalidades de ensino.

Posteriormente, a Lei n.º 11.645/2008 veio corroborar a proposta trazida pela Lei n.º

10.639/2003, reconhecendo que os indígenas e os negros convivem com o preconceito, com a

submissão e opressão.

A meta do governo desde 2003 objetivava a construção de uma escola plural,

democrática, de qualidade e que pudesse combater o preconceito, o racismo e a

discriminação, respeitando e valorizando as diferenças da nossa cultura, trabalhando a

discussão da diversidade desde a infância.

A educação das relações étnico-raciais tem por objetivo divulgar e produzir

conhecimentos, atitudes, posturas e valores que enfatizem a pluralidade étnico-racial,

53

capacitando desde cedo as crianças a interagir, respeitar as diferenças e valorizar as

identidades.

No tocante à leitura de literatura na educação infantil, após a promulgação da Lei n.º

10.639/2003, a literatura se abriu para um processo de reformulação buscando distanciar-se da

visão do negro como objeto ou como produto estereotipado.

Heloisa Pires Lima, Rogério Andrade Barbosa, Valéria Belém, Nilma Lino Gomes,

Heloisa Pires Lima, Lucílio Manjante, Adriana Morgado, Carla Maia de Almeida, Arlene

Holanda, Geranilde Costa, dentre outros, são autores que vêm contribuindo na construção de

uma literatura infantil significativa dentro da temática étnico-racial.

Entende-se que a literatura infantil trabalha com as representações. Assim, nosso

interesse na questão étnico-racial está na análise dos personagens negros e negras desses

livros produzidos após a implementação da Lei n.º 10.639/2003, levantando as categorias:

oprimido,conscientização e identidade negra, além das imagens: protagonistas afro-

brasileiros, suas narrativas, análise de discurso presente ao abordar a questão das diferenças

culturais identitárias, concepções que as histórias desenvolvem; existência do empoderamento

do sujeito afro-brasileiro; valorização dos sujeitos afro-brasileiros, sua identidade, bem como

das culturas de matriz africana.

Hall (2006, p. 13) destaca que a identidade está relacionada com a transformação na

“modernidade tardia”, especificamente ao processo de mudança identificada como

“globalização” e o “impacto sobre a Identidade cultural”.

Hall (2006) identifica três concepções de identidade, que são: sujeito do iluminismo;

sujeito sociológico; e sujeito pós-moderno. Para o pesquisador, o sujeito do iluminismo tem

como centro do eu a identidade de uma pessoa, dotada de razão, consciência e ação, sendo

uma concepção individualista do sujeito e de sua identidade; o sujeito sociológico era

constituído na relação com “pessoas importantes para ele” (HALL, 2006, p. 11), mediando os

valores, os sentidos e os símbolos (cultura), isto é, a identidade é construída entre o eu e a

sociedade, e preenche o espaço entre o “interior e o exterior, entre o mundo pessoal e o

mundo público” (HALL, 2006, p. 11); e, por fim, o sujeito pós-moderno é aquele que não tem

identidade fixa, essencial ou permanente, sendo que essa “Identidade torna-se celebração

móvel, formada e transformada” (HALL, 2006, p. 11-12). A identidade plenamente unificada,

completa, segura e coerente é uma fantasia.

O conceito de identidade não pode ser entendido por apenas uma definição, uma vez

que sua construção está associada ao meio em que o indivíduo está inserido.

Munanga (1994, p. 177-178), ao falar sobre identidade, reitera que

54

[...] a identidade é uma realidade sempre presente em todas as sociedades humanas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico sempre selecionou

alguns aspectos pertinentes de sua cultura para definir-se em contraposição ao

alheio. A definição de si (autodefinição) e a definição dos outros (identidade

atribuída) têm funções conhecidas: a defesa da unidade do grupo, a proteção do

território contra inimigos externos, as manipulações ideológicas por interesses

econômicos, políticos, psicológicos, etc.

Entendemos que o processo de construção da identidade étnico-racial no Brasil é

complexo, pois os discursos relacionados à miscigenação e cultura geram polêmicas e criam

novos paradigmas.

Munanga (2009) declara que “[...] não é fácil definir quem é negro no país”; o que

corroboramos, uma vez que o Brasil se estruturou com a miscigenação étnico-cultural, além

do desejo do branqueamento com o intuito de evitar a ascensão da população negra.

Para Munanga (2004, p. 52), “[...] os conceitos de negro e branco têm fundamento

étnico-semântico, político e ideológico, mas não biológico. [...] Trata-se de uma decisão

política”.

Para Gomes (2005), o conceito de identidade pode ser entendido de duas maneiras

distintas: singular, que se refere ao eu, e plural, quando aparece como recurso para a criação

de um nós coletivo. E reitera:

A identidade não é algo inato. Ela se refere a um modo de ser no mundo e com os

outros. É um fator importante na criação das redes de relações e de referências

culturais dos grupos sociais.

Indica traços culturais que se expressam através de práticas linguísticas, festivas, rituais, comportamentos alimentares, tradições populares e referências civilizatórias

que marcam a condição humana. (GOMES, 2005, p. 41).

O conceito de etnicidade não é algo fechado; pelo contrário, o conceito é uma entidade

relacional, pois está sempre em construção no contexto de relações e conflitos intergrupais.

Para Luvizotto (2009, p. 32), em Etnicidade e identidade étnica, “A etnicidade é uma

entidade relacional, pois está sempre em construção, de um modo predominantemente

contrastivo, o que significa que é construída no contexto de relações e conflitos intergrupais”.

Quando tratarmos do material disponibilizado nas bibliotecas, tanto os livros didáticos

quanto os paradidáticos, sabemos que vêm sofrendo críticas por parte do Movimento Negro

Brasileiro e também pelos educadores e pesquisadores da área.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira (BRASIL, 2004) ressaltam a

importância da comunidade escolar na indagação e críticas acerca dos livros recebidos,

visando à correção e renovação, visando à valorização e à promoção da igualdade racial.

55

CAPÍTULO 3 – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS DOS LIVROS

A partir da seleção dos noventa e três livros que versavam sobre o tema étnico-racial e

cultura africana, foi iniciada a investigação sobre quais livros poderiam ser objeto de análise,

segundo as categorias: oprimido, conscientização e identidade, levantadas previamente.

Para nossa orientação, foi utilizado o arquivo informatizado da Biblioteca Municipal

Temática Afro-brasileira Paulo Duarte que trouxe as seguintes informações: título do livro,

autor, ano de publicação, tema abordado, a partir da busca pelos termos: literatura infantil,

relações raciais, preconceito e diversidade étnica.

Ao final do levantamento bibliográfico do acervo, foram selecionados 27 livros que

pudessem contemplar, naquele momento, nosso universo de pesquisa (os livros com a

temática étnico-racial) e objeto de estudo (representações sobre o personagem africano, afro-

brasileiro e sua cultura).

3.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS LIVROS INFANTIS QUANTO AO

PROTAGONISMO DO PERSONAGEM NEGRO E NEGRA

Dos noventa e três livros então selecionados, foram encontrados 27 livros que traziam

claramente as características étnicas e raciais que contemplavam os personagens negros,

características étnicas e raciais (fenotípicas) como traços físicos: cor da pele, tipo de cabelo,

olhos, nariz, boca, como protagonistas das histórias, suas culturas, hábitos, crenças;

vivenciando situações corriqueiras do dia a dia.

Os livros:

Joãozinho e Maria, de Cristina Agostinho e Ronaldo Simões Coelho, ilustrado

por Walter Lara. Belo Horizonte: Mazza, 2013.

Betina, de Nilma Lino Gomes, ilustrado por Denise Nascimento. Belo

Horizonte: Mazza, 2009.

Sonho de Carnaval, de Pedro Bandeira, ilustrado por Tatiana Paiva. São Paulo:

Moderna, 2012.

O piquenique do Catapimba, de Ruth Rocha, ilustrado por Mariana Massarani.

São Paulo: Salamandra, 2010.

O Amigo do Rei, de Ruth Rocha, ilustrado por Cris Eich. São Paulo:

Salamandra, 2009.

56

Bruna e a galinha d´Angola, de Gercilda de Almeida. Rio de Janeiro: Pallas,

2004.

Histórias da Preta, de Heloisa Pires Lima, ilustrado por Laura Beatriz. São

Paulo: Companhia das Letrinhas, 2010.

Obax, de André Neves, ilustrado por André Neves. São Paulo: Brinque Book,

2010.

Euzébia Zanza, de Camila Fillinger. São Paulo: Girafinha, 2006.

As tranças de Bintou, de Anna Sylviane Diouf. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify,

2010.

Peppa, de Silvana Rando. São Paulo: Brinque Book, 2009.

A princesa e a ervilha, de Hans Christian Andersen. Rio de Janeiro: Travessa,

2011.

O Cabelo de Lelê, de Valéria Belém, ilustrado por Adriana Mendonça. 2. ed.

São Paulo: Ibep Nacional, 2012.

A Cartilha do Amigo, de Bettu Milan, ilustrado por Daniel Kondo. São Paulo:

Editora de Cultura, 2012.

De grão em grão, o sucesso vem na mão, de Katie Milway. São Paulo:

Melhoramentos, 2008.

Lendas da África Moderna, de Heloisa Pires Lima e Rosa Maria Andrade,

ilustrado por Denise Nascimento. Rio de Janeiro: Elementar, 2010.

Luana – as sementes de Zumbi, de Oswaldo Faustino e Aroldo Macedo. São

Paulo: FTD, 2007.

Os ibejis e o carnaval, de Helena Theodoro, ilustrado por Luciana Justiniani

Hees. Rio de Janeiro: Pallas, 2009.

A jornada do pequeno senhor tartaruga, de Inge Bergh e Inge Misschaert,

ilustrado por Kristina Ruell. Tradução de Cristiano Zwiesele do Amaral. São

Paulo: Pulo do Gato, 2014.

Lendas e Fábulas, de Rogério Barbosa, ilustrado por Ciça Fitipaldi. São Paulo:

Melhoramentos, 2011.

A história dos escravos, de Isabel Lustrosa, ilustrado por Maria Eugênia. São

Paulo: Companhia das Letras, 2008.

A caixa de Zahara, de Adriana Morgado. Rio de Janeiro: Zit, 2016.

Esconde-Esconde, de Ramón Aguirre. São Paulo: Vergara & Riba, 2015.

57

O jovem caçador e a velha Dentuça, de Lucílio Manjate. São Paulo: Capulana,

2016.

Meu avô africano, de Carmen Lúcia Campos. São Paulo: Panda Books, 2010.

Caderno de rimas do João, de Lázaro Ramos. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.

Dandara: seus cachos e caracóis, de Maía Suertegaray, ilustrado por Carla

Pilla. Porto Alegre: Mediação, 2017.

Antes da análise dos livros, cabe ressaltar que para a concretização de um texto

narrativo são necessários elementos da narrativa, como personagem, espaço, tempo, enredo.

Para essa pesquisa, o interesse se volta às representações sociais8 atribuídas aos

personagens negros e negros na literatura infantil.

Para Cândido et al. (2010), o personagem é um ser fictício, mas pode vir a se tornar

extensão do ser humano. Quanto à classificação dos personagens, estes são definidos como

personagens de costumes ou personagens de natureza. Os personagens de costumes trazem

características de personalidade marcadas, que podem influenciar o desenrolar das ações na

narrativa. Quanto aos personagens de natureza, Cândido et al. (2010) reiteram que se

constroem ao longo do enredo, justamente por não trazerem características identificáveis logo

no início do texto.

E reiteram Cândido et al. (2010, p. 54-55):

Não espanta, portanto, que a personagem pareça o que há de mais vivo no romance; e que a leitura deste dependa basicamente da aceitação da verdade da personagem

por parte do leitor.

[...] há afinidades e diferenças essenciais entre o ser vivo e os entes de ficção, e as

diferenças são tão importantes quanto as afinidades para criar o sentimento de

verdade, que é a verossimilhança.

Brait (1985), na sua obra A personagem, evidencia que a personagem pode ser

classificada a partir da sua relação com o narrador, pois para ela o personagem pode aparecer no

texto como o ser que vive a história (personagem) e ao mesmo tempo o que narra todo o enredo

(narrador), podendo ser o inconsciente ou como um observador que acompanha e conhece a

história dos demais personagens. Assim, Brait (1985) classifica o narrador em primeira pessoa

como o personagem que é a câmera; está no plano da narrativa e o narrador em terceira pessoa

como se fosse uma câmera que finge os registros e constrói os personagens.

A partir das 27 obras publicadas, foi possível verificar a existência de quatro principais

tendências. Na primeira, a temática étnico-racial, estabelece a diferença e o preconceito

8 Representação social: conceito utilizado nessa pesquisa cunhado por Moscovici na década de 60 . Esta teoria

vem explicar e compreender a realidade social dentro de uma dimensão histórico- crítica.

58

sofrido por ser negro, onde se desenvolve as ações dos protagonistas, buscando a constituição

de uma sociedade menos preconceituosa por meio da valorização da cultura africana e da

ancestralidade do povo negro. Enquadram-se, nessa categoria, os livros O cabelo de Lelê,

Betina, Bruna e a galinha d angola, Histórias da Preta, Obax, Joãozinho e Maria, As tranças

de Bintou, Euzébia Zanza, A caixa de Zahara, Dandara e seus cachos e caracóis.

Em uma segunda tendência, é explorada a temática da diferença étnico-racial que se

dilui no tratamento conferido à diversidade e à diferença. Os livros que representam essa

segunda tendência são: A cartilha do amigo, O piquenique de Catapimba, A princesa e a

ervilha, Caderno de rimas de João, Esconde- esconde, A jornada do pequeno senhor tartaruga.

Uma terceira tendência evidencia a importância da cultura negra, da ancestralidade,

dos costumes. Os livros Os ibejis e o carnaval, O jovem caçador e a velha dentuça, Meu avô

africano, De grão em grão o sucesso vem na mão, Lendas da Áfrika moderna, Luana e as

sementes de Zumbi, Sonho de Carnaval, A História dos escravos, Bichos da Áfrika que

contemplam a força, a resistência e a luta do povo negro para a libertação.

A quarta tendência aponta para o preconceito e racismo de marca: a não aceitação de

si e a subordinação ao outro. Os livros são: O amigo do rei e Peppa.

3.1.1 Livro Joãozinho e Maria

59

Figura 1 – Imagens do livro Joãozinho e Maria 9

Logo de início, a história e os desenhos dão entrada num universo que privilegia esse

segmento étnico. A partir da representação dos corpos e dos cabelos dos personagens negros,

o livro apresenta referências à estética negra, valorizando a beleza dos personagens.

Os protagonistas são crianças tipicamente brasileiras, trazendo elementos do nosso

imaginário para contrapor fisicamente a outra versão europeia – João e Maria – onde os

protagonistas são brancos de olhos claros; uma visão europeia da estética da beleza.

As imagens rompem com o etnocentrismo, valorizando a raça negra, sem estereótipos.

O livro reforça a ideia do protagonismo dos oprimidos – agora humanizados – e, ao

mesmo tempo, desconstrói visões rotuladas e eurocêntricas onde o negro jamais poderia

ocupar o protagonismo de uma história infantil.

Apresenta elementos para visibilizar o que havia sido ocultado por muito tempo na

literatura infantil, dando visibilidade aos oprimidos e audibilidade às suas vozes, promovendo

uma arqueologia dos saberes ausentes e silenciados. A linguagem como mediação universal

do ser humano, leva ao desvelamento e a promoção dos saberes silenciados. Para Foucault

(2014): “o modo de utilizar a linguagem em uma cultura e em um momento dados está

intimamente ligado a todas as outras formas de pensamento” (2014, p. 543)

A história é narrada em terceira pessoa.

3.1.2 Livro Betina

9 Em relação à fonte das imagens dos 27 livros selecionados e pesquisados, todas as figuras que seguem são

reproduções de partes das obras originais realizadas pela autora.

60

Figura 2 – Capa do livro Betina

A história de Betina possibilita a aceitação de si e do outro, a partir da história passada

de geração para geração e do valor à própria identidade. Evidencia que a cabeça que pensa e

se recorda pode e deve usar tranças; um penteado que requer mãos habilidosas de uma avó e

alegria ao reafirmar seus valores ancestrais.

O livro aborda a lição do penteado que Betina aprendeu com a amorosa avó, e a avó

aprendeu com a mãe dela, que aprendeu com outra mãe, que tinha aprendido com uma tia. Só

que Betina espalhou a lição para filhas e filhos, mães e avós que não eram os dela. Ela abriu

um salão de beleza diferente e ficou conhecida em vários lugares do país.

Betina retoma a sua origem por meio do penteado, resgatando seus antepassados

(avós) e os valores dos mesmos. Betina, em vários momentos, assume a primeira pessoa da

narrativa.

Betina constrói a sua identidade racial quando toma consciência das diferenças

oriundas dos processos históricos, culturais, sociais, regionais e religiosos.

61

Figura 3 – Ancestrais de Betina

Figura 4 – Betina e sua avó: importância do penteado

Betina manifesta seu posicionamento político ao identificar-se com o grupo

étnico-racial de sua avó.

62

3.1.3 Livro Sonho de Carnaval

Figura 5 – Capa do livro Sonho de Carnaval e alusões ao carnaval

O livro conta a história de Mariínha, criança que adorava ver os preparativos da escola

de samba e tinha um sonho: sair de porta-estandarte. Participava sempre dos preparativos do

carnaval, com muita astúcia e alegria. Tempo vai e vem e a menina, agora, uma moça linda e

cheia de atributos, consegue realizar seu sonho da infância.

63

A obra enfatiza a presença de personagens negros desprovidos de estereótipos, que

lutam por suas conquistas individuais.

Mariínha divulga as riquezas do povo africano (as danças, o samba, os tambores e os

ritmos) aos leitores infantis. Nesse momento, a protagonista narra a história na primeira

pessoa.

3.1.4 Livro O piquenique do Catapimba

Figura 6 – Capa do livro O piquenique do Catapimba Figura 7 – Catapimba e seus amigos

64

Catapimba reúne seus amigos para fazer um piquenique na represa em um domingo.

Cada amigo leva uma coisa para comer, beber e brincar. A diversão é total e descobrem o

quanto é bom ter amigos.

O livro não traz o negro estereotipado; pelo contrário, Catapimba é o elemento

integrador e aglutinador do grupo de amigos, conforme o texto abaixo:

65

66

Catapimba estabelece diálogo, durante a narrativa, com seus colegas.

As figuras trazem uma visão positiva do negro: o personagem principal da história é

um garoto alegre, articulado, esperto, inteligente, perspicaz e muito bem vestido.

A ilustração traz, na representação dos colegas do protagonista, características físicas

bem definidas, como a pele branca, os cabelos diferentes, o formato dos rostos, criança

oriental.

67

3.1.5 Livro O amigo do rei

Figura 8 – Capa do livro O amigo do rei Figura 9 – Matias

Figura 10 – Matias e Ioiô na floresta

O livro fala sobre a escravidão e sobre a amizade: uma amizade que seria impossível

naquela época. Um menino escravo e o filho do dono da fazenda.

Matias era escravo de Ioiô. Ioiô era menino também. Do tamanho de Matias.

Quando Ioiô nasceu na casa da fazenda, Matias, o escravo, estava nascendo na

senzala.

E os dois cresceram juntos. Muito amigos, brincavam de tudo que menino brinca.

Mas quando brigavam, como todo menino briga, Ioiô tinha sempre razão. Ioiô era o

patrão.

68

A aceitação de Matias e sua submissão ao seu amigo patrão era a condição

naturalizada naquele tempo da escravidão.

A história tenta “naturalizar” algumas características particulares que remetem às

condições históricas e redes de relações de poder.

A história é narrada em terceira pessoa inicialmente.

Mais tarde, estabeleceu-se um diálogo entre o protagonista e seu amigo.

Matias, às vezes, contava a Ioiô:

– Sabe, Ioiô? Eu não vou ser escravo sempre, não. Um dia eu vou ser rei...

Ioiô ria:

– Como é isso, Matias?

– É o que os escravos dizem... Que lá na nossa terra meu pai era um grande rei. E eu

vou ser rei, também.

Ioiô não acreditava:

– Só vendo.

Matias insistia:

– Vai chegar o meu dia...

E um dia... Matias e Ioiô fizeram não sei o quê, que não deviam e não podiam fazer.

O pai de Ioiô ficou zangado. Deu uma surra nos dois. Matias não ligou, estava acostumado.

Mas Ioiô ficou sentido, zangado.

– Vamos embora, Matias. Vamos!

– Tem medo não, Ioiô?

Ioiô não tinha.

E os dois saíram. Entraram pela mata. A mata era perigosa. Mas não para Matias.

Em cada curva havia uma indicação. Matias entendia:

– É por aqui.

E, em cada clareira, encontravam alimento.

E, quando escurecia, encontravam uma fogueira.

E os dois dormiam encolhidos, junto ao fogo.

Viajaram assim, muitos dias. Até que um dia, eles viram a mata toda enfeitada.

Tambores tocavam ao longe. E de repente... gente!

Guerreiros imponentes, pintados, enfeitados, armados...

– Ai, que medo!

Ioiô quis correr. Mas os guerreiros se curvavam e falavam:

– Dunga tará sinherê! – Salve o nosso rei!

E sabe quem era o rei? O rei era Matias.

E Matias e Ioiô foram carregados até a aldeia. Uma aldeia diferente...

Aldeia de escravos fugidos, um quilombo.

O povo da aldeia saudava seu rei:

– Dunga lá! Salve o Rei! Saruê!

E Matias sorria e pensava:

– Chegou o meu dia...

E chegaram outros dias. E Matias era rei e o que ele queria todos faziam.

E Ioiô era amigo do rei – quase rei...

Mas a saudade chegou. E entrou no coração de Ioiô.

Ioiô quis voltar para casa, e o rei Matias consentiu.

Matias e seus guerreiros levaram Ioiô pelos mesmos caminhos. E quando viram ao

longe a fazenda de Ioiô, Matias se despediu:

– Um dia a gente se encontra, quando meu povo não for mais escravo.

E Matias voltou para a sua aldeia e muito lutou por sua gente. Para que ninguém

fosse escravo, nunca mais. Muitos lutaram também, lado a lado.

Muitos negros, mulatos e brancos.

E entre eles Ioiô, o amigo do rei.

69

Apesar da hierarquização de raças, o livro tenta trazer uma mensagem sobre respeito e

esperança. Deixa um incentivo aos movimentos organizados, minoritários ou não, pois eles

podem realmente ajudar na construção de uma sociedade mais igualitária.

3.1.6 Livro Bruna e a galinha d´Angola

Figura 11 – Capa do livro Bruna e a galinha d´Angola

Figura 12 – Bruna e seus amigos com a galinha d‟Angola

O livro mostra o universo mítico africano representado pela galinha d‟Angola e sua

relação com a criação do universo.

O livro traz o conceito de ancestralidade e o valor das artes e da oralidade na

transmissão da cultura africana.

70

Começa a narrativa em terceira pessoa. Depois, Bruna, a protagonista, envolve seus

amigos e a galinha Conquém, estabelecendo um diálogo.

– Com quem que eu vou brincar?

Me sinto tão sozinha!

– Não fique triste, menina.

Siga a Conquém, que novas amigas você fará!

Esse era o canto de vovó Nanã, que conhecemos na história Bruna e a galinha

d'Angola. Vovó Nanã morava em uma aldeia africana e, depois que veio para o Brasil, passou

a ensinar muitas coisas sobre a África para Bruna, sua netinha.

O livro conta lendas africanas, trata dos antepassados, valoriza a cultura africana.

As imagens revelam a beleza da raça.

Figura 13 – O segredo da galinha d‟Angola Figura 14 – Galinha d‟Angola

71

3.1.7 Livro Histórias da Preta

Figura 15 – Capa do livro Histórias da Preta

Na primeira parte do livro, Preta, uma menina brasileira descendente de africanos e

europeus, apresenta-se e reflete sobre si e o modo como se vê e como é vista pelos outros.

Ela vai refletir sobre a cor da sua pele e concluir que não é preta nem branca, e sim

„marrom‟: “E fui aos poucos descobrindo que eu era a Preta marrom, uma menina negra. […]

ser negro é muito mais do que ter um bronze na pele”.

O livro nos remete a Freire (1979), quando trabalha o conceito de conscientização

enquanto processo de construção da consciência crítica, que desvela a realidade e possibilita

compreender o mundo.

Nos seis capítulos seguintes, serão conhecidas algumas histórias sobre a África, sobre

o candomblé e sobre os africanos que vieram ao Brasil como escravos, além de algumas

considerações sobre o preconceito que assola a sociedade brasileira, não se restringindo ao

racismo contra os negros.

Quanto ao racismo, Foucault (1976) reitera que é o meio de introduzir um mecanismo

que decidirá quem deverá morrer e viver. Esse corte entre a vida e a morte, ao longo da

história, já aconteceu entre brancos e negros; cristãos e judeus; gordos e magros; saudáveis e

sedentários.

72

3.1.8 Livro Obax

Figura 16 – Capa do livro Obax

Obax apresenta aldeias do oeste africano, onde as tribos ainda mantêm características

étnicas que as diferem do restante da região. Esses costumes são ressaltados na manifestação

artística.

A arte é feita pelas mulheres das tribos, que usam lama e pigmentos naturais feitos a

partir de plantas colhidas na própria região.

Figura 17 – Obax Figura 18 – Nafisa, amigo de Obax

73

3.1.9 Livro Euzébia Zanza

Figura 19 – Capa do livro Eusébia Zanza

Figura 20 – Euzébia e seu mundo Figura 21 – Euzébia enfeitando-se

74

Euzébia é uma simpática menina cheia de sensibilidade e imaginação. Em sua

aventura imaginária, mesmo sem sair do seu quarto, ela zanza por uma montanha onde

encontra borboletas, abelhas e sabiás.

Entrelaça flores amarelas para fazer uma coroa, encontra um castelo e viaja pelos

quatro cantos do mundo contando suas aventuras.

O livro possui cores vivas. Os desenhos e as colagens de Euzébia Zanza são criativos e

levam o leitor a viajar com ela na sua imaginação.

3.1.10 Livro As tranças de Bintou

Figura 22 – Capa do livro As tranças de Bintou Figura 23 – Bintou e seus birotes

75

Figura 24 – Bintou e sua família Figura 25 – Bintou e sua avó

A narrativa inicia em primeira pessoa. Bintou é a protagonista. Mostra a passagem da

infância para a adolescência. Bintou era uma menina que queria ter birotes, mas somente as

moças os tinham.

O livro enfoca a beleza da raça negra em cada fase da vida e retrata os costumes

africanos, dentro de um contexto cultural específico, um momento universal – a passagem da

infância para a adolescência: uma espécie de ritual.

Faz um resgate da cultura africana e afro-brasileira e da beleza negra.

Por meio da linguagem verbal e não verbal, a história contada neste livro valoriza o

povo negro.

76

3.1.11 Livro Peppa

Figura 26 – Capa do livro Peppa Figura 27 – Peppa e o crescimento de seu cabelo

Figura 28 – Peppa e a força do seu cabelo Figura 29 – Peppa não gosta de seu cabelo

Figura 30 – Peppa vê um salão de beleza Figura 31 – Peppa alisa os cabelos

77

Peppa é narrado em terceira pessoa. A protagonista Peppa nasceu com o cabelo mais

forte do mundo, resistente como fios de aço.

O cabelo de Peppa é tão forte, que ela consegue fazer „coisas incríveis‟ com ele, como

arrastar o berço pesado, o carrinho de feira.

Parece fantasmagórico e estereotipado. Peppa faz de tudo para mudar os cabelos.

Peppa quer ser branca. Não se aceita como é. Nega a sua raça, seus traços.

O livro Peppa, de Silvana Rando, não parece ser uma boa referência para nossas

crianças. Ele nos estimula ao racismo e sorrateiramente detona com a autoestima de nossas

crianças negras e de pele clara com cabelos crespos, que buscam o branqueamento como

forma de aceitação.

O uso de ferramentas de marcenaria para cortar e alisar os cabelos de Peppa é

absolutamente descabível.

O livro Peppa pode levar a criança negra a

a) baixa autoestima;

b) desumanização;

c) baixa autoconfiança, pois ele reafirma práticas racistas e discriminatórias.

Percebe-se nele a desumanização que Freire (1996, p. 20) coloca na obra Pedagogia

da Autonomia: “[...] a desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua

humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam”.

O livro apresenta claramente a negação da identidade negra, a destruição da

ancestralidade e a manipulação, via mídia, da consciência identitária, como reitera Munanga

(2009, p. 12):

[...] poder-se-á dizer, em última instância, que a identidade de um grupo funciona

como uma ideologia na medida que permite a seus membros se definir em

contraposição os membros de outros grupos para reforçar a solidariedade existente

entre eles, visando a conservação do grupo como entidade distinta. Mas pode

também haver manipulação da consciência identitária por uma ideologia dominante

quando considerada a busca da identidade como um desejo separatista. Essa manipulação pode tomar a direção de uma folclorização pigmentada despojada de

reivindicações políticas.

78

3.1.12 Livro A princesa e a ervilha

Figura 32 – Princesa Figura 33 – Princesa encontra o príncipe

A princesa e a ervilha é um dos primeiros contos do dinamarquês Hans Christian

Andersen, datando a primeira publicação de 1835. Foi adaptado em 2011, com personagens

negros. As ilustrações trazem a riqueza e os costumes do povo africano.

Relata a história de um príncipe que desejava se casar com uma princesa de verdade,

mas ele estava tendo dificuldade em encontrá-la.

A narrativa se inicia em terceira pessoa, estabelecendo mais tarde um diálogo entre os

personagens.

Certa noite de muita tempestade, bateu à porta do castelo uma moça, dizendo-se uma

verdadeira princesa. Devido às condições do tempo, muita chuva e a moça toda molhada, a

rainha a convidou para dormir no castelo. Antes, porém, colocou uma ervilha na cama em que

a moça iria dormir e, por cima dela, vários colchões e cobertas.

No dia seguinte, ao perguntar à moça como ela tinha passado a noite, recebeu como

resposta que a noite tinha sido péssima, porque alguma coisa a havia machucado. Com esta

resposta, a jovem comprovou ser uma verdadeira princesa, pois somente uma verdadeira

princesa poderia ter a pele tão sensível, e casou com o príncipe.

A história reforça a importância de falar sempre a verdade; de aceitar-se; valorizar sua

cultura e tradições.

79

3.1.13 Livro O Cabelo de Lelê

Figura 34 – Capa do livro O Cabelo de Lelê Figura 35 – Tipos de cabelos

O conteúdo foi elaborado a partir de uma menina negra dotada de cabelos cheios de

rebeldes cachinhos: “[...] joga pra cá, puxa pra lá. Jeito não tem, jeito não dá”.

Narrativa quase sempre em primeira pessoa. De onde vêm tantos cachinhos? De tanto

“cismar” nesta pergunta ela resolveu procurar a resposta num livro, pois toda pergunta exige

resposta [...]” (p. 9-10).

As gravuras retratam a beleza negra e a autoestima da garota. Lelê descobre um livro

sobre a África e passa a conhecer a sua herança africana e a valorizá-la.

Lelê já sabe que em cada cachinho existe um pedaço de sua história.

As personagens Lelê, Fael e Manu vivenciam inicialmente o preconceito que deprecia

a cultura negra. Aos poucos, elas identificam o seu pertencimento racial, reconhecem o seu

valor e saem da condição de oprimidos.

80

3.1.14 Livro A Cartilha do Amigo

Figura 36 – Capa do livro A Cartilha do Amigo

Figura 37 – Amizade não tem cor Figura 38 – Respeito às diferenças

Essa história fala de amizade, cumplicidade e respeito.

O respeito às diferenças que, no conjunto, fazem a riqueza do nosso Brasil.

Descreve diversos personagens, suas etnias, características físicas e psicológicas e

enfatiza a colaboração e a atenção ao outro.

A história é narrada em terceira pessoa.

A estética do livro se volta para o menino negro de cabelo crespo como

empoderamento corpóreo.

Os traços de negritude na valorização da estética negra rompem com a estética

colonial.

81

3.1.15 Livro Os ibejis e o carnaval

Figura 39 – Capa do livro Os ibejis e o carnaval Figura 40 – O carnaval como riqueza cultural

A história é narrada pela avó de Neinho e Lalá, que apresenta o carnaval.

O livro é rico em detalhes no texto e nos desenhos.

A cultura negra é mostrada o tempo todo como uma cultura de valor e respeito aos

ascendentes.

O carnaval é retratado como uma das festas brasileiras mais importantes.

O negro é visto como protagonista dessa festa.

82

3.1.16 Livro A caixa de Zahara

Figura 41 – Capa do livro A caixa de Zahara

Zahara uma garota feliz, moleca e bagunceira perde seus pais e muitos amigos em um

conflito em seu país. Mesmo assim, Zahara não deixou de se interessar pelas coisas do mundo

e guardava tudo que gostava em uma pequena caixa.

Morava com sua avó, que lhe ensinava tudo sobre a vida, além das canções.

Zahara passou a guardar tudo na caixinha: sonhos, fantasias, histórias, memórias,

personagens, coisas da natureza, até que a caixinha se encheu.

Zahara não sabia como fazer. Onde guardaria tudo isso?

Aos poucos, ela descobriu, com as conversas de sua avó, que o melhor a fazer era

libertar tudo que estava na caixa e guardar na sua memória e no seu coração.

A caixa ficou pequena para tanta coisa que Zahara gostava. Sem ela, o mundo se abriu

e Zahara passou a viver todos os seus sentimentos.

Uma história rica em detalhes. Com narrativas em terceira e primeira pessoa.

Enfatiza o respeito aos mais velhos; o cuidado da menina com sua avó e a busca de

suas tradições.

83

Figura 42 – Zahara e suas brincadeiras Figura 43 – Zahara e sua avó

3.1.17 Livro Caderno de Rimas do João

Figura 44 – Capa do livro Caderno de Rimas do João

84

Conta a história do menino João que escolheu fazer um caderno de uma maneira

diferente e agradável.

Assim, João brinca com as palavras e com as rimas.

Faz um jogo de palavras.

O livro é rico em cores vibrantes.

3.1.18 Livro Esconde-Esconde

Figura 45 – Capa do livro Esconde-Esconde

Leonel é um bebê que vive no continente africano.

Enquanto ele brinca, apresenta paisagens e características de animais africanos.

De uma maneira tranquila, o pequeno Leonel descobre o mundo brincando.

Figura 46 – Leonel e suas descobertas na savana

85

Figura 47 – Leonel e os animais

3.1.19 Livro O jovem caçador e a velha dentuça

Figura 48 – Capa do livro O jovem caçador e a velha dentuça

Um caçador belo, filho de uma família humilde e de princípios rígidos, decide

ir a floresta para desposar uma mulher.

Conta a lenda que na floresta havia uma velha que matava os jovens,

arrancando-lhes os corações em uma dentada.

A velha, vendo o moço, foi atrás dele, tentando matar-lhe com várias

armadilhas.

O moço está com seus cães e conseguiu escapar da velha, que dizia a ele:

GUEGUEMO-GUEMO

NAGUEMULELA-NGOLIGUEMULAMO

86

Com os meus dentes vou cortar...

Um dos cães consegue segurar os enormes dentes da velha e parte-os.

Logo, a velha morre.

O jovem caçador volta a sua aldeia levando consigo os dentes da velha.

A floresta ficou bela novamente.

O moço casou-se na aldeia e se tornou um grande caçador.

O livro apresenta palavras como azagaia, canídeo, embondeiro, mbila e palhota

(cultura africana).

Figura 49 – O caçador e a velha dentuça

3.1.20 Livro Meu avô africano

Figura 50 – Capa do livro Meu avô africano Figura 51 – Mapa da África

87

Conta a história de uma menina que descobre a África por meio de seu avô Zinho:

onde fica Luanda, Nigéria, Angola, Egito; como se vive na África e quais são os costumes dos

africanos.

Descobre que a África é um continente com muitos países.

O livro conta sobre os escravos, a abolição, os costumes e as religiões trazidas da

África para o Brasil e que permanecem até hoje.

Figura 52 – Vestuário e religião africana

Figura 53 – Culinária, música e dança africana

88

3.1.21 Livro Dandara: seus cachos e caracóis

Figura 54– Capa do livro Dandara: seus cachos e caracóis Figura 55 – Dandara e sua mãe

Os cabelos da Dandara são lindos, com muitos cachos e também caracóis,

Mas ela queria que seus cabelos fossem lisos, como os das princesas dos contos de

fada.

Quem disse que cabelos lisos são mais bonitos, Dandara? Dizia sua mãe.

Os cachos e caracóis da Dandara contam a história de sua família, de seus avós e

antepassados maternos e paternos. Descobre a mistura de raças: seu pai é negro e sua mãe é

branca. Entende a razão de seus cachos.

Dandara se conscientiza de sua beleza e descobre nos seus cabelos a sua raça e passa a

aceitá-los como são.

As figuras do livro são bastante coloridas.

Os personagens bem delineados, com suas características mais marcantes.

Enfatiza o respeito à diferença. Ao mesmo tempo, valoriza a cultura africana, os traços

negros como riqueza.

89

3.1.22 Livro De grão em grão, o sucesso vem na mão

Figura 56 – Capa do Livro De grão em grão Figura 57 – Imagens do livro

O livro traz a força e a coragem de um garoto que, de grão em grão de milho, tornou-

se um grande e respeitável homem no mundo dos negócios, nunca esquecendo sua origem.

O livro enfoca a atenção e o respeito a sua mãe, a importância do trabalho, o

rompimento com preconceitos de classe.

As imagens iconográficas e narrativas representam de modo positivo o negro e sua

cultura.

90

3.1.23 Livro Lendas da África Moderna

Figura 58 – Capa do Livro Lendas da África Moderna Figura 59 – Histórias de Kikuiu

O livro apresenta contos e recontos da África, como a história da menina Kikuiu, que

ajudou a salvar o Quênia das fendas que se abriam no chão e tragavam tudo, e de Madiba, que

procurava resolver todos os conflitos pelo caminho da paz entre os povos.

O conteúdo do livro é significativo, pois relaciona e contextualiza o continente

africano.

91

3.1.24 Livro Luana – as sementes de Zumbi

Figura 60 – Capa do livro Luana – as sementes de Zumbi

A menina Luana acorda no meio da noite com o som dos tambores que a chamam de

“esperança de Palmares”, “esperança das sementes de Zumbi”. Lembra do que aprendeu sobre

quilombo.

Depois ela toca seu berimbau mágico e se transporta para Palmares, na época em que

era liderado por Zumbi.

Faz o resgate da identidade africana e possibilita a construção de um novo imaginário

coletivo sobre a África, os africanos e os afro-brasileiros.

92

3.1.25 Livro Lendas e Fábulas

Figura 61 – Capa do livro Lendas e Fábulas Figura 62 – Animais da África

Figura 63 – Animais da África

Esse volume, da série Bichos da África, conta duas fábulas: na primeira, uma mosca

tenta ajudar a cobra, mas sem querer cria uma confusão tão grande que chega a incendiar a

mata! Já na segunda, uma tartaruga e um leopardo caem na mesma armadilha. Conta histórias

e costumes da África.

Os animais da floresta são retratados com fotos e os demais desenhos da história são

ricos em detalhes.

93

3.1.26 Livro A jornada do pequeno senhor tartaruga

Figura 64 – Capa do livro A jornada do pequeno senhor tartaruga

Yomi adoece gravemente e precisa ser examinado por um médico do hospital da

cidade distante. Com o filho nos braços, a mãe de Yomi inicia a longa viagem: a pé, de

burrico, de caminhonete, de carro.

O trajeto parece não ter fim.

Para distrair e encorajar o filho, a mãe conta a história do pequeno senhor tartaruga,

que realiza uma perigosa jornada em busca da realização de um sonho.

Enfatiza a luta pela vida, por meio da alusão à tartaruga, que a mãe de Yomi propõe a

ele para que chegue à cidade, onde será tratado por um médico.

94

Figura 65 – Yomi e sua mãe Figura 66 – Contracapa do livro

3.1.27 Livro A história dos escravos

Figura 67 – Capa do livro A história dos escravos

95

Figura 68 – Sobre a África

O avô, como um griô, conta ao neto como os escravos vieram para o Brasil. Relata

todo o sofrimento do seu povo e também toda a força, os movimentos, a resistência e a luta

para a sua libertação.

3.2 FUNDAMENTAÇÃO ANALÍTICA

Foi realizada uma análise interpretativa dos dados, apoiada no referencial teórico e na

análise temática de conteúdo do material coletado (textos e gravuras) que permitiu um novo

olhar quanto à realidade educativa e aos aspectos da afirmação da identidade racial.

A presente tese corrobora com Fernandes (1965, p. 544) quando afirma que o

preconceito de cor absorve funções sociais e funções latentes. As funções sociais manifestas

do preconceito de cor e de classe podem ocorrer entre os brancos e entre os negros.

A análise textual em especial do livro Peppa apresenta o acatamento tácito e explícito

de um código moral e social de uma ideologia dominante. A personagem Peppa é levada a

absorver de maneira ingênua a ideologia racial dominante para as categorias de classe e de

cor.

Ela mostra uma necessidade de se ajustar aos padrões do branco, tangenciando o

conceito de raça. Ela quer apagar uma de suas marcas raciais: seu cabelo. Acredita num ideal

de beleza imposto pela sociedade por meio de cartazes e propagandas.

96

Nesse momento, entra em um salão de beleza e alisa o seu cabelo, buscando ser aceita

socialmente pelos seus algozes.

Fernandes (1965) aponta, em sua obra, as funções latentes presentes entre os brancos e

entre os negros.

E assim descreve: “[...] entre os brancos inculcar a cor da raça dominante como

símbolo e fonte de posição social, de prestígio e de poder” (FERNANDES, 1965, p. 552).

É exatamente o efeito dos cartazes e propagandas sobre Peppa.

E o autor discorre algumas funções latentes entre os negros, das quais pode-se destacar

[...] converter a ascensão social num processo de desligamento da condição de

“preto” e, em sentido muito amplo, de branqueamento social, anulando pela base a

importância que ela poderia ter para a minoria “negra”. (FERNANDES, 1965, p.

552).

Para Foucault (2014a, p. 20), na obra A ordem do discurso, “[...] existem,

evidentemente, muitos procedimentos de controle e de delimitação do discurso”. Assim, a

personagem Peppa aceita um discurso normativo que define o padrão de um cabelo, por

exemplo, indo contra si mesma.

A protagonista toma para si o discurso da beleza “ariana” sem entender seu sentido e

sua eficácia. Peppa aceita o discurso pronto, perpetuando mesmo e integrando esse discurso.

Para Foucault (2014b), na obra A arqueologia do saber, o importante é como se dá a

articulação acerca do que pensamos, dizemos e fazemos caracterizando determinado período.

A arqueologia busca definir os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a

regras.

O procedimento arqueológico caracteriza o domínio do “ser-saber”. O saber

representado pelas ciências do homem e o poder pelas relações históricas. O saber é aquilo

que podemos falar em uma prática discursiva. É o espaço em que o sujeito pode tomar

posição para falar dos objetos de que se ocupam seus discursos. É também o campo dos

enunciados em que os conceitos aparecem, definem-se, aplicam-se e se transformam.

Peppa contesta os seus cabelos e sua raça. Busca um referencial de beleza branco, de

seu opressor. Faz alguns movimentos para entender a razão de seus cabelos com cachos.

Quanto à obra O Amigo do Rei, o discurso da submissão do negro já está imposto.

Foucault (2014b), na obra A arqueologia do saber, reitera que quem detém o

conhecimento detém o poder, estabelecendo a relação de opressão.

Sendo assim, ao negro, como “biologicamente” inferior, cabe ouvir e respeitar o

branco.

97

Nos demais 25 livros analisados, o discurso do personagem principal reflete a sua

visão de mundo, do povo negro, e as construções ideológicas dentro de um contexto sócio-

histórico e cultural.

O orgulho em ser negro, em afirmar sua identidade negra perante o mundo, em sair da

condição de oprimido, libertando o opressor, e em mostrar o valor da sua cultura está presente

nas obras: Betina, de Nilma Lino Gomes, ilustrado por Denise Nascimento; Joãozinho e

Maria, de Cristina Agostinho e Ronaldo Simões Coelho, ilustrado por Walter Lara; Sonho de

Carnaval, de Pedro Bandeira, ilustrado por Tatiana Paiva; O piquenique de Catapimba, de

Ruth Rocha, ilustrado por Mariana Massarani; As tranças de Bintou, de Anna Sylviane Diouf;

O Cabelo de Lelê, de Valéria Belém; Obax, de André Neves, ilustrado por André Neves;

Bruna e a galinha d´Angola, de Gercilda de Almeida; Histórias da Preta, de Heloisa Pires

Lima, ilustrado por Laura Beatriz; A princesa e a ervilha, de Hans Christian Andersen;

Euzébia Zanza, de Camila Fillinger; A Cartilha do amigo, de Bettu Milan, ilustrado por

Daniel Kondo; De grão em grão o sucesso vem na mão, de Katie Milway; Lendas da África

Moderna, de Heloisa Pires Lima e Rosa Maria Andrade, ilustrado por Denise Nascimento;

Luana – as sementes de Zumbi, de Oswaldo Faustino e Aroldo Macedo; Lendas e Fábulas, de

Rogério Andrade Barbosa, ilustrado por Ciça Fittipaldi; Histórias africanas para contar e

recontar, de Rogério Andrade Barbosa, ilustrado por Graça Lima; Os ibejis e o carnaval, de

Helena Theodoro, ilustrado por Luciana Justiniani; A jornada do pequeno senhor tartaruga,

de Inge Bergh e Inge Misschaert, ilustrado por Kristina Ruell; A história dos escravos, de

Isabel Lustrosa, ilustrado por Maria Eugênia; A caixa de Zahara, de Adriana Morgado;

Esconde-Esconde, de Ramón Aguirre; O jovem caçador e a velha Dentuça, de Lucílio

Manjate; Meu avô africano, de Carmen Lúcia Campos; Caderno de rimas do João, de Lázaro

Ramos, Dandara: seus cachos e caracóis, Maía Suertegaray.

As imagens iconográficas e as imagens narrativas mostram representações positivas do

negro e do afro-brasileiro, sem visões estereotipadas. Este fato foi evidenciado nas obras:

Histórias da Preta, Obax, Betina, Meu avô africano e A caixa de Zahara.

Os conteúdos dessas obras são capazes de estimular, na criança negra, o orgulho de si

própria e de seu pertencimento étnico, além da afirmação da identidade cultural.

Cabe ainda reiterar que, na obra O Cabelo de Lelê, de Valéria Belém (2012), o texto

verbal conversa a todo o momento com o texto visual. A ilustração antecipa, de certo modo, a

problemática de Lelê: por que seu cabelo é assim? O livro relaciona os aspectos fenotípicos dos

personagens em busca da ancestralidade. Enfatiza o protagonismo de Lelê quando se utiliza de

um livro sobre a África para resolver seu conflito.

98

As ilustrações deste livro são muito significativas: quando Lelê está descalça, enfatiza

a tentativa de a personagem buscar suas origens por meio do contato com o chão ou com a

terra. Os cabelos de Lelê são mais que moldura de seu rosto: emolduram as histórias, os traços

de identidade do povo africano e do povo afro-brasileiro.

Em dado momento, o texto verbal diz:

“– Lelê não gosta do que vê”.

“– Joga o cabelo pra lá, puxa pra cá”.

“– Jeito não dá, jeito não tem”.

Diante da dúvida, a menina busca respostas em seu livro Países Africanos, onde a

África é evidenciada como um continente centralizado. Lelê vê no livro cinquenta tipos de

cabelos diferentes, que são marcas identitárias de seu povo. Versos e imagens convergem para

um mesmo local, um mesmo povo: os negros.

Lelê entende então o porquê de seus cabelos serem desse modo e se envaidece, pois

tem na veia sangue dos negros e carrega consigo seus costumes e tradições.

Existe, nessa obra, a ressignificação em torno do simbolismo criado acerca da palavra

negra e do povo africano.

Outra obra que não se pode deixar de mencionar, por sua grandeza e resgate da cultura

africana, é Obax, cujo autor também elaborou as ilustrações. A capa do livro chama a atenção

de todos pelo título na cor vermelha, como se fosse espelhado e a imagem de uma menina

negra pequena que tem o diâmetro de sua cabeça maior que seu corpo. É uma narrativa da

destemida menina africana Obax, que caminha pelas savanas em busca de aventuras e retorna

para a sua aldeia contando às crianças as suas experiências vivenciadas. O livro relata a caça

aos ovos de avestruz, a corrida com os antílopes, a amizade com as girafas, a luta contra os

bravos crocodilos e a chuva de flores. Muitos acreditam nas suas histórias e se divertem, mas

a maioria das crianças e dos adultos não se sensibiliza com as narrativas de Obax e não

acreditam na chuva de flores.

Obax foge da aldeia muito triste. No caminho, tropeça em uma pedra e a pedra vira um

elefante, o Nafisa, que sai com Obax pelas savanas. Durante os passeios, veem chuva de

flores, de algodão, de pedras e de folhas.

Obax fica feliz, pois agora tem um amigo que poderá confirmar a chuva de flores.

Voltando para casa, no dia seguinte, busca Nafisa e ele vira uma pedra. Sem ninguém para

confirmar suas histórias e peraltices de menina, Obax fica triste e enterra a pedra do lado de

sua casa, na aldeia.

99

Naquele lugar nasceu um baobá imenso com galhos e flores. Todos passam a acreditar

em Obax.

A menina traz a África em seus passeios, em sua imaginação. Talvez seja esta a

resposta ao desenho de sua cabeça representada maior que o corpo: lá tinha muita

criatividade, muita emoção e muita sensibilidade. O autor evidencia os aspectos fenotípicos

do povo africano.

Quanto à história e cultura africana e afro-brasileira, os livros abarcam de modo

positivo as tradições religiosas e culturais (mitos e lendas) nas obras literárias infantis:

Histórias Africanas para contar e recontar, de Rogério Andrade Barbosa, ilustrado por Graça

Lima; De Grão em grão o sucesso vem na mão, de Katie Milway; Bichos da África, volume 1,

Lendas e Fábulas, de Rogério Andrade Barbosa, ilustrado por Ciça Fittipaldi; Os Ibejis e o

carnaval, de Helena Theodoro, ilustrado por Luciana Justiniani; Luana – as sementes de

Zumbi, de Oswaldo Faustino e Aroldo Macedo; Lendas da África Moderna, de Heloisa Pires

Lima e Rosa Maria Andrade, ilustrado por Denise Nascimento; A jornada do pequeno senhor

tartaruga, de Inge Bergh e Inge Misschaert, ilustrado por Kristina Ruell, que trazem a

vivência do povo negro na sua ancestralidade. Os livros analisados trazem a história africana,

apresentam questões religiosas, as danças e as contribuições dos negros para a sociedade.

O continente africano é evidenciado enquanto tal, com todas as suas riquezas e

especificidades, em textos e gravuras.

Esses livros trazem referências para a constituição da identidade do povo negro, por

meio da ancestralidade.

Para Hall (2006), a criança forma sua identidade ao longo do tempo por meio de

processos inconscientes. Assim, a construção da identidade se inicia na infância e sofre

influência de todos os referenciais com os quais ela irá se deparar. Deste modo, tendo a

possibilidade de conhecer outros mundos e outras realidades, as crianças desenvolverão

capacidades de crítica e de questionamento dos sistemas dominantes impostos.

Para analisar o discurso contido nessas vinte e três obras, dentro da concepção

foucaultiana, foram explorados ao máximo os materiais, pois estes estão imbuídos de

produção histórica e política, onde as palavras são também construções, uma vez que a

linguagem também é constituída de práticas.

Para Foucault (2014a), o discurso é uma materialização de ideologias e simboliza o

poder, passando a ser então o objeto desejado. Esse poder de escravizar ou libertar, incluir ou

discriminar é dado ao homem como produto de suas relações discursivas, perpassadas de

ideologias.

100

Na análise empírica da pesquisa, pode-se constatar a existência de uma produção de

livros infantis após a promulgação da Lei n.º 10.639/2003, que atende os pressupostos da

referida Lei. A temática da pluralidade cultural é valorizada. As obras infantis pesquisadas,

apesar de serem poucas, propiciam a vivência, a negritude, a preservação e a valorização da

cultura afro-brasileira e africana, enfatizando o princípio da igualdade racial e perpetuando os

conhecimentos ancestrais às novas gerações.

Dos vinte e sete livros analisados, apenas dois destes apresentam marcas de racismo

contra o personagem negro e negra. São eles:

a) O Amigo do Rei, de Ruth Rocha, ilustrado por Cris Eich (2009), que enfoca a

hierarquização das raças;

b) Peppa, de Silvana Rando (2009), que reitera a branquitude.

Entende-se que o racismo, ainda hoje, é um dos grandes problemas que marcam

profundamente as relações sociais no Brasil.

Para Quijano (1997), “[...] o racismo mesmo que não seja a única manifestação da

colonialidade do poder ele é, sem dúvidas, a mais perceptível e onipresente”.

A ideia de raça e principalmente as relações sociais fundadas a partir dos traços

fenotípicos legitimados pela biologia criaram identidades sociais novas e subalternizadas.

Desse modo, colonizadores oprimiam colonizados, destituindo-os até da própria identidade

cultural.

Essa nova reestruturação social se associou aos papéis de cada um na estrutura de

poder e de trabalho. A servidão coube aos “diferentes”, e o poder e o capital aos

colonizadores.

Para o autor, talvez a única saída para fugir dessas amarras coloniais e eurocêntricas

seria a desobediência epistêmica, ou seja, substituir a geopolítica de Estado de conhecimento,

pela geopolítica e a política de Estado de pessoas, línguas, religiões, subjetividades, conceitos

econômicos e políticos.

Retomando as categorias de análise dessa pesquisa, reiteramos que a relação entre

opressor e oprimido na leitura da chamada “democracia racial” justificou o emprego da força

por meio da confraternização racial, miscigenação benéfica e harmônica, apaziguadora das

tensões sociais.

Esse novo contexto iria enfrentar determinadas atitudes contrárias à ordem vigente,

identificando qualquer revolta de caráter social como uma exceção à regra e, principalmente,

como um agente desestabilizador da nação.

101

Florestan Fernandes (1965), em sua obra A Integração do Negro na Sociedade de

Classes, desmistifica a teoria da democracia racial, desmantelando a ideia de uma sociedade

que integra negros e brancos, povo e elite de forma igualitária.

Num contexto mais amplo, Paulo Freire (1987) repensou não só o modo de se gerir a

educação assim como o modo de agir nas relações de nossa sociedade para não nos

transformarmos nos próprios opressores.

Na questão da escravidão, a relação de violência em todas as suas formas fez com que

homens, mulheres e crianças em quase sua totalidade fossem afastados de suas origens e

culturas, destruindo o que daria a essas populações a continuidade dentro da necessidade de

sua própria razão. Dessas populações foram “roubadas” diversas marcas de composição de

suas culturas, do idioma à arte, de suas organizações sociais até seus modos de pensar e agir

segundo seus próprios critérios, forçando escravizados a se comporem de outra cultura de

maneira obrigatória.

Dentro de um processo de colonização desses povos, foram arrancados de suas crenças

e verdades de modo que suas culturas fossem sendo extintas para a valorização e aceitação de

seus opressores que, tirando-lhes verdades e trazendo as suas verdades, puderam controlar e

alienar o oprimido.

A prática e a cultura de dominação do povo negro, desde o tráfico negreiro para o

Brasil, geraram opressão, desumanização como viabilidade ontológica e como realidade

histórica, devido à hierarquização das raças pelas ciências.

A desumanização é produzida pela violência do opressor aos oprimidos. Nesse

contexto, a luta pela humanização do povo africano e afrodescendente, bem como a busca

pela sua afirmação como pessoas se dá no momento em que libertam a si próprios e aos

opressores, que os fazem ser menos.

O lutar de modo autêntico de um oprimido liberto é a busca pelo ser mais. Significa

exatamente a possibilidade que se apresenta ao homem concreto de deixar de ser coisa, de se

humanizar. Essa possibilidade é fundamental na experiência humanística de Paulo Freire. O

compromisso radical com o homem concreto não pode ser passivo: ele é práxis, inserção na

realidade e conhecimento científico desta realidade.

É um momento de dualidade, pois o oprimido quer ser mais e, ao mesmo tempo, teme

essa conquista, devido às ideias introjetadas nele pelos opressores.

A libertação do oprimido é dolorosa e bastante similar a um parto, segundo Paulo

Freire (1987), e inicia no momento em que o oprimido se conscientiza de sua posição na

sociedade e luta pela humanidade roubada.

102

A denúncia do racismo pela sociedade marca o início de um processo de superação das

formas de preconceito e discriminação através de práticas emancipatórias e de resistência

utilizadas por professoras e professores como estratégias para a transformação da realidade.

Sendo assim, Paulo Freire (1987, p. 42-43) reitera a

Denúncia de uma realidade desumanizante e anúncio de uma realidade em que os

homens possam ser mais. Anúncio e denúncia não são, porém, palavras vazias, mas

compromisso histórico. A percepção ingênua ou mágica da realidade da qual

resultava a postura fatalista cede seu lugar a uma percepção que é capaz de perceber-

se. E porque é capaz de perceber-se enquanto percebe a realidade que lhe parecia em

si inexorável, é capaz de objetivá-la.

Outro pensamento de Paulo Freire que compartilhamos é que não há neutralidade e

sempre temos uma posição: ou estamos do lado do opressor ou do oprimido. Toda ação é

política, então, a questão da discriminação e de sua erradicação é uma posição que temos que

tomar, é uma atitude que precisamos exercitar. Se lutamos por uma sociedade justa, se nossa

opção é libertadora, devemos trabalhar pela equidade, pela convivência com o diferente e não

por sua negação.

Para que haja uma real descolonização das mentes é preciso a práxis e começarmos

por nós mesmos; cada um deixando para suas gerações experiências de amorosidade, de

respeito a todos os seres da natureza. É sem dúvida uma construção coletiva, com a

desnaturalização dos preconceitos, dos desrespeitos, partindo para uma construção de sujeitos

que buscam a sua conscientização, descobrem seu inacabamento e procuram ser mais; ou seja,

saem do senso comum, exercitam a reflexão.

Só assim, com a libertação do negro, poderíamos pensar no fim da oposição negro-

branco, já que existe uma contradição que é baseada no poder que um polo detém sobre o

outro.

A libertação é um processo histórico e coletivo; portanto a libertação do negro é

também a libertação do branco, no sentido de que é o fim da dominação que sustentava a

relação e o surgimento da significação social do que é “ser negro” e “ser branco”.

Alguns livros analisados reportam a questão do oprimido, como por exemplo:

a) O Amigo do Rei, de Ruth Rocha (2009), ilustrado por Cris Eich;

b) Peppa, de Silvana Rando (2009); pois segundo Paulo Freire (2006), a consciência

não precede o mundo e o mundo não precede a consciência do mundo humano,

mundo cultural, imbricado de significações construídas e desconstruídas

constantemente pela atividade humana. E somente pode ser nessa ação dialética

que ocorre a tomada de consciência do mundo pelo homem.

103

Outro aspecto importante na compreensão freiriana de consciência é sua finalidade,

pois toda consciência é sempre consciência de alguma coisa.

Assim, o homem não se define pelo reflexo simples e direto do mundo que o rodeia e

nem é definido por sua vontade ideal totalmente apartada de sua realidade. O homem se

projeta pela síntese da relação dialética consciência-mundo: uma relação complexa de mão

dupla, na qual a realidade vivenciada pelo homem tem o poder de condicioná-lo, mas não de

determiná-lo, já que ele tem a possibilidade de, refletindo de modo crítico, atuar sobre essa

realidade e modificá-la, terminando por modificar a si mesmo.

A tomada de consciência que se dá com a aproximação espontânea da realidade,

captando dados e assimilando causalidades, para Paulo Freire (2006), na obra

Conscientização: Teoria e Prática da Libertação, é apenas um desenvolvimento ingênuo e

não crítico de tomada de consciência.

A consciência crítica surge por meio da investigação, problematização, reflexão e

ação, a apreensão da causalidade autêntica.

Assim, a conscientização consiste no desenvolvimento crítico da tomada de

consciência. É o processo de superação da esfera espontânea de apreensão da realidade

(consciência ingênua), alcançando uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto

cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica (consciência crítica), que

corresponde ao desejo de compreender e apropriar-se da realidade que o circunda, atuando na

sua transformação.

A consciência abre-se para o processo de hominização: uma superação dialética das

contradições que pertencem ao ser humano.

O racismo é uma mazela histórica, cuja raiz de amargura se encontra na própria

natureza humana.

O Brasil nunca enfrentou a intolerância racial explícita e nem leis de segregação racial

como acontece por exemplo nos EUA. Mas a questão racial e seus desdobramentos sempre

estiveram presentes em nossa história, assumindo formas específicas.

O racismo que se desenvolveu entre nós e que ainda está arraigado em nossa cultura se

manifesta de maneira camuflada, que por vezes assume formas estéticas aceitáveis

socialmente, mas que possui em sua essência uma razão histórica de discriminação e negação

dos direitos do negro, enquanto cidadãos brasileiros.

O racismo não é um problema do negro somente, mas um problema de todos nós,

cidadãos brasileiros, que só possuímos essa cultura diversa por causa da contribuição dos

afrodescendentes. A superação do racismo só será possível quando o povo brasileiro

104

compreender que essa luta é de todos nós, pois aquilo que fere a dignidade de um grupo acaba

ferindo a dignidade de todos, sem distinção.

A realidade desumanizante não pode ser mudada sem que o homem tenha consciência

de sua essência mutável. É necessário fazer do processo de conscientização a base para a

educação problematizadora e crítica, para que essa possa gerar uma ação de reflexão que

permita ao indivíduo comprometer-se com a transformação do meio em que está inserido e

com sua própria transformação.

A respeito da categoria conscientização, elencamos os seguintes livros analisados:

a) A jornada do pequeno senhor tartaruga, de Inge Bergh e Inge Misschaert (2014),

ilustrado por Kristina Ruell;

b) O Cabelo de Lelê, de Valéria Belém (2012);

c) O piquenique do Catapimba, de Ruth Rocha (2010), ilustrado por Mariana

Massarani;

d) As tranças de Bintou, de Anna Sylviane Diouf (2010);

e) A princesa e a ervilha, de Hans Christian Andersen (2011).

Quanto à categoria identidade negra, nós nos apoiamos em Munanga (2015), segundo

o qual a identidade negra não surge da tomada de consciência de uma diferença de

pigmentação ou de uma diferença biológica entre populações negras e brancas e/ou negras e

amarelas. Ela resulta de um longo processo histórico que começa com o descobrimento, no

século XV, do continente africano e de seus habitantes pelos navegadores portugueses,

descobrimento esse que abriu o caminho às relações mercantilistas com a África, ao tráfico

negreiro, à escravidão e, enfim, à colonização do continente africano e de seus povos.

Em Negritude: Usos e sentidos (1986) e Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil:

Identidade Nacional versus a Identidade Negra (2015), Munanga faz uma tentativa para

cercar as noções de alteridade e identidade em torno do conceito de negritude, resultado do

contexto colonial, apontando que um dos objetivos fundamentais da negritude era a afirmação

e a reabilitação da identidade cultural, da personalidade própria dos povos negros.

Partindo da problemática da negritude, Munanga buscou entender as dificuldades que

os afrodescendentes encontram para afirmar politicamente sua identidade cultural, mas as

suas tentativas de explicação esbarravam-se sempre na mestiçagem.

A partir dessa questão, passou a estudar a formação da identidade negra no Brasil

dentro da proposta da formação da identidade nacional, cujo processo passaria pela

eliminação das diversidades étnicas e biológicas.

105

Os estudos de Munanga o levaram a entender que a negritude, no contexto africano,

assim como o ideal do branqueamento, no contexto brasileiro, tinha um denominador comum:

ambos eram resultado de um racismo universalista, que buscou assimilar os africanos e seus

descendentes brasileiros numa cultura considerada como superior. A assimilação se daria por

meio da falsa mestiçagem cultural e da miscigenação, alienação que leva à negação da própria

humanidade.

Sabemos também que a opressão dos povos dominados deu origem a uma cultura de

valorização da identidade negra.

Francisco (2006, p.144) defende que

[...] implica reconhecer a existência da cultura negra e, por

isso, compreender as ações e o sentido das ações do negro brasileiro,

na construção de sua identidade, afirmação política e resistência que o

revelam como sujeito social e histórico.

Dentro dessa categoria estão as obras:

a) Joãozinho e Maria, de Cristina Agostinho e Ronaldo Simões Coelho (2013),

ilustrado por Walter Lara;

b) Sonho de Carnaval, de Pedro Bandeira (2012), ilustrado por Tatiana Paiva;

c) Bruna e a galinha d´Angola, de Gercilda de Almeida (2004);

d) Histórias da Preta, de Heloisa Pires Lima (2010), ilustrado por Laura Beatriz;

e) Obax, de André Neves (2010), ilustrado por André Neves;

f) Euzébia Zanza, de Camila Fillinger (2006);

g) A Cartilha do amigo, de Bettu Milan (2012), ilustrado por Daniel Kondo;

h) De grão em grão o sucesso vem na mão, de Katie Milway (2014);

i) Lendas da África Moderna, de Heloisa Pires Lima e Rosa Maria Andrade (2010),

ilustrado por Denise Nascimento;

j) Luana – as sementes de Zumbi, de Oswaldo Faustino e Aroldo Macedo (2007);

k) Os ibejis e o carnaval, de Helena Theodoro (2011);

l) A história dos escravos, de Isabel Lustrosa (2010), ilustrado por Maria Eugênia;

m) A caixa de Zahara, de Adriana Morgado (2016);

n) O jovem caçador e a velha Dentuça, de Lucílio Manjate (2016);

o) Meu avô africano, de Carmen Lúcia Campos (2010).

106

3.3 ANÁLISE DA QUANTIDADE DE LIVROS ENCONTRADOS NO ACERVO COM A

TEMÁTICA RACIAL

Cabe-nos ressaltar que, dentre os 93 (noventa e três) livros encontrados, apenas 27

(vinte e nove) livros contemplavam nosso objeto de estudo: personagens negros e negras e

cultura africana e afro-brasileira. O restante foi descartado pelos seguintes motivos:

a) 51 (cinquenta e três) livros eram da disciplina de História;

b) 12 (doze) livros foram publicados antes de 2003 (ano da publicação da Lei n.º

10.639);

c) 03 (três) livros eram de Literatura Juvenil: Macunaíma (1928), de Mário de

Andrade); O Mulato (1881), de Aluísio de Azevedo; e Quarto de Despejo (1960),

de Carolina de Jesus.

Dentre as 27 (vinte e sete) obras literárias analisadas, 25 (vinte e cinco) obras atuam

numa perspectiva de ruptura com os padrões eurocêntricos. Reiteram traços marcantes da

cultura afro-brasileira como, por exemplo, o respeito aos mais velhos (ao griô que é o

guardião da memória histórica do povo), à ancestralidade, à religiosidade; a relação humana

positiva com a natureza e, principalmente, a aceitação do personagem quanto a sua raça e

traços fenotípicos.

Os personagens são protagonistas das histórias e buscam sua vocação ontológica de

humanizar-se.

Esses livros favorecem as crianças a questionarem as suas identidades étnico-raciais à

medida que trazem para o centro as histórias e as raízes africanas. Fazem com que as crianças

negras se identifiquem com o personagem e se aceitem de maneira positiva, não recorrendo ao

branqueamento como forma de escamotear sua raça para serem aceitas na sociedade.

De um modo geral, esses livros desconstroem a ordem harmoniosa e contraditória

ditada pela democracia racial, que é abordada também por Schwarcz (2001), ao analisar a

mestiçagem de nosso povo e as políticas de branqueamento posteriores à abolição da

escravatura, realizadas no Brasil no início do século XX. Ele afirma que foi produzido um

racismo à brasileira: com diferenças raciais e com diferenças na coloração da pele, as quais

acabam por demarcar desigualdades sociais reconhecidas na intimidade.

Schwarcz (2001) corrobora a ideia de que, ainda que o conceito raça já tenha sido

desconstruído do ponto de vista biológico, ele continua ainda a ser um potente conceito

descritivo e analítico das relações sociais.

107

Nesses livros analisados, a criança, ao se apropriar das narrativas, reconhece

elementos de sua etnia e tradição, podendo viver momentos de satisfação. Deve-se reiterar

que esses livros contribuem para o empoderamento das crianças negras inferiorizadas e

oprimidas, possibilitando a relação entre as diferentes culturas e povos.

As características marcantes desses livros propiciam:

a) a valorização da memória do povo negro, sua cultura e imagem;

b) a presença de contos africanos e da tradição africana;

c) que as temáticas abordadas dialoguem com as reflexões presentes sobre racismo e

identidade brasileira;

d) a presença de elementos que compõem a identidade do negro;

e) a aproximação dos valores, costumes e hábitos do povo africano;

f) uma reflexão para as crianças não negras de valorizar e respeitar a diversidade;

g) um universo mítico africano e as relações com o universo.

Dos 27 (vinte e sete) livros analisados, 2 (dois) deles apresentam como personagens

principais crianças que não se aceitam como negras. O traço mais marcante é o cabelo e a cor.

Assim, buscam o embranquecimento, transformando o que mais lhes incomoda, obedecendo a

um apelo dominante.

Pela análise das gravuras, as personagens se identificam com a cultura e estética

branca, desqualificando assim ao mesmo tempo a cultura e a estética negra.

O oprimido é desumanizado pela realidade objetiva da opressão e pela internalização

da imagem do opressor, que o faz um ser duplo. Deste modo, o opressor se desumaniza e, ao

desumanizar o oprimido, não se importa com o seu bem-estar.

A libertação dos escravos por meio da abolição da escravatura não representou sua

liberdade como homens e mulheres, ficando também seus proprietários presos aos seus

escravos. Segundo Paulo Freire (1987), na obra Pedagogia do Oprimido, somente uma

relação dialógica pode superar o autoritarismo e a opressão. Para Freire, o diálogo é a

historicização; um movimento constitutivo da consciência que se abre para a infinitude.

O livro O Amigo do Rei tenta romper uma hierarquia de raças, invertendo o rumo da

história. Apesar do esforço da autora, a questão racial é naturalizada e não há um movimento

de reflexão sobre a temática racial.

Quanto ao livro Peppa, o adendo de que a protagonista se vê encantada pelos cabelos

lisos que um salão de beleza poderia proporcionar-lhe, fica evidente a domesticação, que é um

fenômeno que leva a pessoa à adaptação aos valores vigentes, criando uma atitude de

internalização dos valores dominantes, sem questionamentos que contestem o sistema. A

108

personagem perde a sua subjetividade e capacidade de construção de um pensamento crítico

sobre si, sobre a sua história, sua ancestralidade.

A definição de si (autodefinição) e a definição dos outros (identidade atribuída) não se

expressam no texto. A personagem não assume a sua identidade.

Como salienta Fanon, em sua obra Pele Negra, Máscaras Brancas, escrito na década

de 1940 e publicado em 1952, a cultura europeia, hegemônica e opressora, impôs ao negro um

desvio existencial. Daí a necessidade de estudar sobre os problemas enfrentados pelo negro e

jamais buscar entender o negro como problema.

Textualmente, a obra Peppa coloca:

Peppa nasceu assim: linda e cabeluda. Bem no alto da cabeça, lá estava ele!

Um chumaço de cabelo preto e volumoso.

Ah! Mas não era qualquer cabelo não...

Tratava-se do cabelo mais forte do universo! Resistente como fios de aço.

Graças a ele, Peppa era capaz de coisas incríveis!

O tempo foi passando, Peppa foi crescendo e seu cabelo também.

Ela adorava dias de ventania, dias de feira, brincar de cabo-de-guerra, e dias de

mudança.

Mas detestava quando sua mãe cortava um fio de seu cabelo para fechar o pacote de

biscoitos!

Um belo dia, Peppa andava pela rua quando de repente... Oh! Na frente de um salão

de beleza havia o seguinte cartaz:

TRATAMENTO INTENSIVO!

ALISAMOS E TRATAMOS QUALQUER TIPO DE CABELO, INCLUSIVE O SEU!

SATISTAÇÃO GARANTIDA OU SEU DINHEIRO DE VOLTA.

Ai, ai... Peppa mal dormiu naquela noite, pensando no cartaz. A foto não saía de sua

cabeça.

Ficou imaginando como ficaria de cabelo macio e lisinho...

O dia amanheceu e Peppa estava determinada!

Pegou suas economias e foi correndo para o salão de beleza.

A cabeleireira, um pouco espantada, avisou que daria muito trabalho, mas era

possível, sim, obter um ótimo resultado.

E que trabalho! Foram dezesseis horas e quarenta e oito minutos.,.

Ufa! Agora sim. Seu cabelo estava incrível!!

Ela mal podia acreditar...

Peppa saiu do salão com um enorme sorriso, uma enorme sacola de produtos para o

cabelo e a parte chata da história: uma enorme lista de proibições!

É isso mesmo! Pra manter as madeixas lisinhas e reluzentes, Peppa estava proibida

de:

- NADAR NA PISCINA

- ANDAR DE CAVALO - ENTRAR NO MAR

- SALTAR DE PARAQUEDAS

- ANDAR DE MONTANHA-RUSSA

- ROLAR NA GRAMA

- TOMAR CHUVA

- TRANSPIRAR DEMAIS

- PULAR DEMAIS

- CORRER DEMAIS

- RIR DEMAIS

- ABRIR E FECHAR A PORTA DA GELADEIRA MAIS DE DEZ VEZES AO

DIA...

109

Ai que pena...

Peppa mal mexia o pescoço.

Parecia mais uma múmia.

E tudo foi ficando muito chato...

Os dias de ventania, um transtorno.

A feira, um tédio.

A vida de Peppa já não era mais a mesma...

Então, o verão chegou com tudo!

Era um dia de muito calor, daqueles em que você é capaz de fritar um ovo no

asfalto, de tão quente.

Peppa estava muito, mas muito irritada!

Era um calor que começava lá no dedão dos pés e subia até as orelhas.

Insuportável! Peppa foi ficando cada vez mais vermelha, mais nervosa, e sentiu uma vontade

louca de...

Sair correndo (gritando é claro), pulando e...

TCHIBUUUMMM!!!

Lá se foi o cabelão liso e sedoso de Peppa...

A obra Peppa legítima a ação do poder soberano e do biopoder.

Segundo Foucault (1976), o racismo é um elemento importante na articulação e

utilização do biopoder para subjugar e matar vidas.

A obra aponta a domesticação de outro ser humano constitui uma negação do humano

em sua plenitude. Dela resulta a acomodação, a não integração, a não produção de discursos.

Quanto à identidade, Munanga, nas obras intituladas Negritude: Usos e sentidos

(1986) e Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra

(2015), o autor mostra que um dos objetivos fundamentais da negritude no contexto africano é

a afirmação e a reabilitação da identidade cultural, da personalidade própria dos povos negros

e que o ideal do branqueamento no contexto brasileiro tem cunho racista. Essa negritude não

aparece no livro Peppa, mas sim os sinais de branqueamento.

Munanga (2015) reitera que entre negritude e branqueamento há um denominador

comum: ambos são resultados de um racismo universalista, que quer assimilar os africanos e

seus descendentes brasileiros numa cultura considerada como superior, alienando e negando a

própria humanidade.

O não reconhecimento da identidade do “outro” pode aprisionar alguém num modo

reduzido. As pessoas interiorizam a imagem de inferioridade contra elas forjada,

permanecendo incapazes de sair dessa situação de baixa estima de si. Um exemplo é o livro

Peppa.

Para Foucault (1976), o racismo é um elemento constitutivo do biopoder, uma

estratégia surgida no final do século XIX, que culminou no nazismo. A guerra das raças torna-

se racismo de Estado quando o Estado retoma da soberania clássica o direito de vida e de

110

morte sobre seus súditos. Cria-se uma espécie de aparato da tecnologia disciplinar do corpo

que irá instaurar uma biopolítica da população, com o intuito de regenerar a raça por meio da

eliminação das raças inferiores, da sub-raça, da mestiçagem, dos indivíduos anormais, dos

degenerados, para a normalização dos comportamentos. A morte do outro possibilita a vida sã

e a purificação da raça.

Assim, para Foucault, o racismo está ligado à tecnologia do poder. Portanto, o racismo

é ligado ao funcionamento de um Estado que é obrigado a utilizar a raça, a eliminação das

raças e a purificação da raça para exercer seu poder soberano.

O funcionamento da sociedade por meio do biopoder implica inclusive no direito de

morte e na manutenção do racismo.

As três técnicas de poder estudadas por Foucault – a disciplinarização (tecnologia de

controle, sobretudo, dos corpos adestrados), a normalização (controle positivo do

comportamento e do pensamento, sobretudo de maneira individualizante) e o biopoder

(controle da população) – mantêm-se nos diferentes tempos de emergência histórica e seu

modo de funcionamento.

111

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta tese teve como objetivo analisar as representações dos personagens negros e

negras contidas nos livros de literatura infantil produzidos após a publicação da Lei n.º

10.639/2003. Foram utilizadas as categorias: oprimido, conscientização e identidade negra.

Para a análise das discussões presentes nos livros analisados, foram utilizados os conceitos

foucaultianos: discurso, poder e conhecimento.

A definição de tal periodização teve em vista a implementação da referida Lei na

produção literária, em torno da inclusão no currículo oficial da rede de ensino a

obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira.

A nossa hipótese era a de que após a implementação da Lei n.º 10.639/2003, os

discursos sobre os personagens negros e negras operacionalizavam o racismo.

Do ponto de vista teórico-metodológico, a pesquisa foi de cunho qualitativo e

etnográfico.

Após análise de vinte e sete obras pertencentes ao arquivo da Biblioteca Municipal

Paulo Duarte (Biblioteca com acervo temático em cultura africana e afro-brasileira), com o

intuito de entender como são representados os personagens negros e negras na literatura

infantil a partir de uma perspectiva pós-estruturalista e de alguns apontamentos de Foucault

(2014a) sobre a articulação entre o discurso, o poder e o conhecimento, foi possível constatar

que os personagens negros tornaram-se mais frequentes, com descrição das características

físicas e cognitivas dos mesmos e de sua relação com os personagens brancos, além de sua

inserção no espaço social e a reafirmação da cultura africana e afro-brasileira.

Destaca-se a construção de referências estéticas e culturais voltadas para a

compreensão dos significados da composição racial da população, temática que pouco ecoava

nas obras endereçadas ao público infantil antes da promulgação da legislação e, raramente,

quando apresentavam personagens negros e negras, estavam ligados à exclusão e submissão

ao branco, relembrando o passado escravocrata.

Uma questão recorrente a ser apontada nesses livros analisados é a valorização do

fenótipo (cabelo crespo) e a associação de seus estereótipos à beleza, possibilitando o

fortalecimento da autoimagem positiva dos personagens negros e negras.

Outros livros analisados mostram naturalmente a diversidade do povo brasileiro.

Outro aspecto a evidenciar é a questão da raça que emerge de forma positiva nos

discursos narrativos.

112

A literatura infantil brasileira apresenta atualmente algumas obras que valorizam a

identidade, a cultura, a religião e os contos de tradição africana. Nessas obras, o personagem

negro ocupa, muitas vezes, o papel de protagonista.

Nesse contexto, a literatura infantil passa a atuar como uma das ferramentas no

combate ao preconceito e à discriminação racial no Brasil, uma vez o discurso literário

denuncia a atual condição do negro na sociedade e afirma um sentimento positivo de

valorização da história, da identidade, dos aspectos éticos e estéticos do povo negro.

Diante das análises dos livros infantis e a representação dos negros e das negras,

entendemos que a nossa hipótese inicial de que o racismo estava operacionalizado nas obras

de literatura infantil com temática étnico-racial após verificada não se confirmou, pois se, por

um lado, o conhecimento e o reconhecimento das diferenças apresentadas em vinte e cinco

obras dentre as vinte e sete obras pressupõem outro paradigma de conhecimento, que tem

como ponto de partida a ignorância como colonialismo e o conhecimento como solidariedade,

por outro lado, as outras duas obras perpetuam o racismo por meio de um discurso normativo

eurocêntrico e preconceituoso.

113

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SCHULZ, J. A crise financeira da abolição. São Paulo: Edusp, 2013.

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Histórico, Geográfico e Etnológico do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922. p. 21.

120

ANEXO A – Histórico e localização da Biblioteca Paulo Duarte

HISTÓRICO DA BIBLIOTECA

Em 12 de julho de 1980, foi inaugurado o Centro Cultural do Jabaquara, um núcleo de

atividades culturais integradas, que abrigava uma casa de cultura, um teatro e duas

bibliotecas: a Biblioteca Pública Paulo Duarte e a Biblioteca Infantil do Centro Cultural do

Jabaquara.

Em agosto de 1989, foi proposta a fusão das duas bibliotecas, tendo em vista o atendimento

de crianças e adultos num mesmo espaço, através de um projeto piloto. A junção foi sendo

gradativamente implantada, mas, em julho de 1993, com a mudança do governo municipal e a

não efetivação do projeto, elas foram novamente separadas.

A Biblioteca Paulo Duarte foi a primeira biblioteca da rede a criar um núcleo de atividades

destinadas à terceira idade, em 1985, organizando e arquivando todo o material recebido sobre

o assunto. Durante dez anos, o núcleo cresceu e se fortaleceu de tal forma que, em 7 de abril

de 1995, o prefeito Paulo Maluf assinou o decreto de criação do Centro de Documentação do

Idoso (CDI), anexo à biblioteca.

O projeto arquitetônico do prédio do Centro Cultural do Jabaquara, arrojado e moderno serviu

mais tarde como modelo para o Centro Cultural São Paulo. Nessa mesma área encontra-se a

Casa do Sítio da Ressaca, tombada pelo Patrimônio Histórico, por ser uma construção de taipa

e pilão do século XVIII.

Em 1999, a Biblioteca Infantil do Centro Cultural do Jabaquara foi denominada Biblioteca

Infanto-Juvenil Dr. Joaquim José de Carvalho, em homenagem ao médico, pedagogo,

jornalista e escritor que fundou a Academia Paulista de Letras. As Bibliotecas Paulo Duarte e

Dr. Joaquim José de Carvalho foram unificadas em outubro de 2005 passando a denominar-se

apenas Biblioteca Paulo Duarte: Temática em Cultura Afro-brasileira.

Legislação referente à biblioteca:

Biblioteca Dr. Joaquim José de Carvalho

Criação: Decreto n. º 17.535, de 14 de setembro de 1981

Inauguração: 12 de julho de 1980

Denominação: Decreto n.º 37.853, de 11 de março de 1999

Biblioteca Paulo Duarte

Criação: Decreto n.º 17.535, de 14 de setembro de 1981

121

Inauguração: 12 de julho de 1980

Denominação: Decreto n.º 21.778, de 24 de dezembro de 1985

Junção e nova denominação: Decreto n.º 46.434, de 6 de outubro de 2005

122

ANEXO B – Acervo geral da Biblioteca Paulo Duarte

Acervo geral

A Biblioteca Paulo Duarte conta com um acervo de aproximadamente 57 mil exemplares que

é constituído por livros de literatura e informação, revistas, atlas, multimídia, etc. Possui

documentação sobre o bairro do Jabaquara e conta com o Centro de Documentação do Idoso

que dispõe de livros, artigos de jornais e revistas. Possui mais de 2 mil livros no seu acervo

temático de Cultura Afro-brasileira.

Todo acervo de livros pode ser encontrado no catálogo online do Sistema Municipal de

Bibliotecas.

123

ANEXO C – Fotografia da Biblioteca Paulo Duarte

124

ANEXO D – Revisão da Literatura

Optamos por fazer o levantamento na CAPES por essa instituição disponibilizar textos

completos de artigos nacionais e resumos de documentos de todas as áreas do conhecimento,

dissertações e teses de várias universidades brasileiras. Realizamos um levantamento das

dissertações de mestrado e das teses de doutorado produzidas em nível nacional, considerando

a contextualização histórica regional, a configuração institucional das universidades, com o

objetivo de verificar quantas pesquisas realizadas no âmbito das universidades brasileiras

estão direcionadas à criança negra e à literatura infantil étnica e/ou negra.

Com relação às produções de teses de doutorado realizadas no Brasil, destacamos que

São Paulo é o estado que mais produziu pesquisas com ênfase na criança negra e na literatura

infanto-juvenil étnica (80%).

AUTOR TEMA RESUMO TRABALHO/

UNIVERSIDADE

ANO

Sylvia da

Silveira

Nunes

Racismo contra

negros: um estudo

sobre o preconceito

sutil.

O racismo está presente

na sociedade e se

manifesta de modo

sutil, deixando marcas,

estereótipos.

Descritores: negros,

ciganos, preconceito,

racismo.

Tese de Doutorado

FEUSP

2010

Edson

Lopes

Memória e

movimento negro:

um testemunho

sobre a formação

do homem e do

ativista.

Testemunho de um

ativista do movimento

social: seus conflitos,

dificuldades. Formação,

memória, movimento

negro, imprensa.

Descritor: ativista.

Tese de Doutorado

FEUSP

2014

Denise

Carreira

Soares

Igualdades e

diferenças nas

políticas

educacionais: a

agenda das

diversidades nos

currículos.

Políticas de diversidade

educacional e sua

contribuição para o

reconhecimento e a

superação do racismo

no Governo Lula.

Descritores: currículo,

diferenças, educação,

movimentos sociais.

Tese de Doutorado

FEUSP

2015

125

Ramatis

Jacinto

O negro no

mercado de

trabalho em São

Paulo pós-

abolição.

A diminuição do

emprego dos negros

libertos frente à

migração.

Descritores: racismo,

marginalidade, mercado

de trabalho.

Tese de Doutorado

FEUSP

2012

Antonio

Cesar

Rodrigues

Lins

Corpos e culturas

invisibilizados na

escola.

A exclusão do negro e

invisibilidade

constatada em pesquisa

nas aulas de educação

física.

Descritores: racismo,

aulas de educação

física, insurgência

multicultural.

Tese de Doutorado

FEUSP

2013

Mauro

Torres

Siqueira

Pensamentos,

sentimentos e

preconceitos entre

jovens da periferia

de São Paulo.

A pesquisa aponta o

racismo praticado com

jovens da periferia e o

conflito racial existente

entre os jovens.

Descritores: jovens,

preconceito,

sentimentos.

Tese de Doutorado

FEUSP

2015

Valéria

Maria

Queiroz

A construção da

cidadania em livros

de História.

Como se dá a

construção da cidadania

nos livros didáticos de

História da 1ª a 4ª série

do Ensino

Fundamental.

Descritores: cidadania,

identidade, história.

Dissertação de

Mestrado

Unicamp

2005

Raphael

Acioli

A moléstia da cor

na obra de Lima

Barreto.

Como o autor lidou

com as questões raciais

e o combate as mesmas

em suas obras e consigo

mesmo.

Descritores:

preconceito,

afrodescendente,

discriminação.

Dissertação de

Mestrado

Unicamp

2002

Célia

Marinho

Azevedo

O negro livre no

imaginário das

elites.

Visão do negro livre

pela elite,

representações,

coisificação do outro.

Descritores: escravo,

liberdade, mercado de

trabalho.

Dissertação de

Mestrado

Unicamp

1985

Maria Elena

Viana

Culturas,

realidades e

O preconceito dentro da

escola.

Tese de Doutorado

Unicamp

2003

126

Souza preconceito racial

no cotidiano

escolar.

Descritores: racismo,

preconceito, diferentes

culturas.

Renilson

Rosa

Ribeiro

Colônia(s) de

identidades:

discurso sobre a

raça nos manuais

de História do

Brasil.

Como as identidades

são trabalhadas nos

livros de História.

Dissertação de

Mestrado

Unicamp

2004

Wlamyra

Ribeiro de

Albuquerqu

e

A exaltação das

diferenças:

racialização,

cultura e cidadania

negra.

Como os negros são

vistos na Bahia, diante

do multiculturalismo.

Descritores: Bahia,

raça, etnia, cidadania.

Tese de Doutorado

Unicamp

2004

Marcio A

da Silva

Discutindo

aspectos

conceituais da

teoria de Florestan

Fernandez sobre a

questão racial no

Brasil.

Trabalho desenvolvido

por Florestan e o

conceito de mito da

democracia racial.

Descritores: racismo,

mito, cordialidade.

Dissertação de

Mestrado

Unicamp

2004

Tamyris P.

Bonilha

O não-lugar do

sujeito negro na

educação

brasileira

Analisa as razões da

exclusão da população

negra da escola:

racismo velado e

biologizante.

Descritores: racismo,

negros, exclusão

escolar.

Dissertação de

Mestrado

Unicamp

2012

Carline

Feitosa

Aqui tem racismo. Representações sociais

e das identidades das

crianças negras na

escola.

Descritores: racismo,

preconceito,

subordinação, sujeira.

Dissertação de

Mestrado

Unicamp

2012

Lucia Aires

Toledo

Criança negra e

literatura infantil:

(des)construção da

identidade

Analisar contos infantis

e se trazem ou não

contribuições para as

crianças negras.

Descritores: racismo,

literatura, identidade.

TCC – Unicamp

2011

Flávio

Santiago

O meu cabelo é

assim... igualzinho

ao da bruxa, todo

armado.

Construção de

estereótipos na

sociedade que se

cristalizam no coletivo.

Descritores: racismo,

crianças, preconceito.

Dissertação de

Mestrado

Unicamp

2014

Elaine

Soares

A escola e suas

facetas no processo

Quais relações a escola

estabelece com as

Dissertação de

Mestrado

2012

127

de

embranquecimento

crianças negras de

modo a ressaltar a

negritude como

atributo.

Descritores: negritude,

raça, escola.

Unicamp

Nara M.

Moretti

As relações raciais

na educação

infantil

Análise sobre as

relações raciais no

momento do brincar.

Descritores: educação

infantil, brincar,

relações étnico-raciais.

TCC Unicamp

2011

Tania

Aparecida

Lopes

Professoras negras

e o combate ao

racismo na escola

Análise do interior da

escola: reforça ou não

preconceitos.

Descritores: racismo,

discriminação, negação

de direitos.

Dissertação de

Mestrado

UFP

Maria

Cristina

Dantas Pina

A escravidão no

livro didático de

História do Brasil

Analisa como a

escravidão vem sendo

trabalhada nos livros.

Busca estabelecer

relações entre o

conteúdo e a história.

Descritores: escravidão,

história, cultura,

contexto social e

político.

Tese de Doutorado

Unicamp

2009

Daniela

Amaral

Silva

Freitas

Literatura infantil

dos kits literatura

afro-brasileira da

PBH.

Analisa os kits

entregues pela

prefeitura de Belo

Horizonte às escolas da

rede municipal, visando

atender a Lei n.º

10.639/2003 e n.º

11.645/08.

Descritores:

literatura infantil,

resistência, estereótipo.

Tese de Doutorado

UFMG/Educação

2014

Luciana

Araujo

Figueiredo

A criança negra na

literatura

brasileira: uma

leitura educativa.

Como são construídas

as relações entre

crianças negras e

crianças não brancas e o

estudo das identidades

étnicas no Brasil.

Descritores:

literatura infantil,

identidades, leitura.

Dissertação de

Mestrado

UFGD/Educação

2010

Luiz

Fernando de

Personagens

negras na

Analisa as personagens

negras na literatura

Dissertação de

Mestrado

2006

128

França

literatura infantil

brasileira.

infantil brasileira: da

manutenção à

desconstrução do

estereótipo.

Descritores:

personagens, negro,

literatura infantil.

UFMT/Educação

Daniela

Lemmertz

Bischoff

Minha cor e a cor

do outro: qual a

cor dessa mistura?

Investiga a maneira

como a literatura

infantil, com temática

afro-brasileira, pode

discutir conceitos de

diferenças raciais e

problematizar

conceitos.

Descritores:

infâncias, literatura

infantil, diferenças.

Dissertação de

Mestrado

UFRGS

2013

Rita Maria

Knop

Antes, era uma vez,

hoje, essa é a sua

vez.

Discute a questão da

invisibilidade do negro

na literatura infanto-

juvenil.

Descritores:

literatura infantil,

imagens do negro,

leitura crítica.

Dissertação de

Mestrado

PUC – MG/ Letras

2010

Gilmara

Aparecida

Dadie

Personagens

negros,

protagonistas nos

livros de educação

infantil: do acervo

de uma escola:

estudo da educação

infantil do

município de SP.

Investiga os livros do

acervo de uma

biblioteca de uma

escola municipal de

educação infantil e o

protagonismo negro

nesses livros.

Dissertação de

Mestrado

USP/Educação

2013

Francilene

do Carmo

Cardoso

A biblioteca

pública na (re)

construção da

identidade negra.

Estuda as

representações do negro

no acervo.

Descritores: memória,

identidade negra,

biblioteca pública.

Dissertação de

Mestrado

Universidade

Federal Fluminense

2011

Lia Vainer

Schucman

Entre o encardido,

o branco e o

branquíssimo.

Analisa a ideia de raça

e o significado da

branquitude.

Descritores: racismo,

raça, branquitude,

psicologia social.

Tese de Doutorado

USP/Psicologia

2012