programa de pÓs-graduaÇÃo em linguÍstica · 2018-08-28 · em muitas línguas, a classe dos...

153
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA FRANCISCO JARDES NOBRE DE ARAÚJO A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS DE CEARENSES NO SÉCULO XX FORTALEZA 2014

Upload: others

Post on 31-Mar-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

FRANCISCO JARDES NOBRE DE ARAÚJO

A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS

DE CEARENSES NO SÉCULO XX

FORTALEZA

2014

Page 2: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

FRANCISCO JARDES NOBRE DE ARAÚJO

A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS

DE CEARENSES NO SÉCULO XX

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Linguística da Universidade

Federal do Ceará, como requisito para a

obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Linguística

Orientadora: Profa Dr

a Hebe Macedo de

Carvalho

FORTALEZA

2014

Page 3: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências Humanas

A689v Araújo, Francisco Jardes Nobre de. A variação te/lhe em cartas pessoais de cearenses no século XX / Francisco Jardes Nobre de

Araújo. – 2014.

151 f. : il. color., enc. ; 30 cm.

Dissertação(mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de Letras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Linguística.

Orientação: Profa. Dra. Hebe Macedo de Carvalho.

1.Língua portuguesa – Pronomes. 2.Língua portuguesa – Variação. 3.Cartas. 4.Comunicação

escrita. I.Título. CDD 469.555

Page 4: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

FRANCISCO JARDES NOBRE DE ARAÚJO

A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS

DE CEARENSES NO SÉCULO XX

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Linguística da Universidade

Federal do Ceará, como requisito para a

obtenção do título de Mestre. Área de

concentração: Linguística

Aprovada em: ____/_____/_______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________

Profa D

ra Hebe Macedo de Carvalho (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________

Profa D

ra Maria Elias Soares

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________

Profa D

ra Célia Regina dos Santos Lopes

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Page 5: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

AGRADECIMENTOS

A Deus, por minha vida e por tudo que nela vivi.

À FUNCAP, pelo apoio financeiro com a manutenção da bolsa de auxílio.

À SEDUC, pela concessão do afastamento do meu trabalho como professor para a

dedicação exclusiva ao curso.

À Professora Doutora Hebe Macedo de Carvalho, pela valiosa, constante e

paciente orientação desde os primeiros passos nesta pesquisa, pela valorosa contribuição com

suas aulas sobre o uso do programa GoldVarb e pela troca de ideias nos encontros para

estudos de Sociolinguística.

Aos meus professores do Programa de Pós-Graduação em Linguística da

Universidade Federal do Ceará, Maria Elias Soares, Ricardo Lopes Leite, Márcia Teixeira

Nogueira, Márluce Coan e Júlio César Rosa de Araújo, pela grandiosa contribuição na

aquisição de novos conhecimentos e pelas aulas enriquecedoras.

Ao secretário do Programa de PPGL/UFC Eduardo Xavier Ary Andrade, pela

prestatividade, gentileza e troca de informação ao longo dos dois anos em que fui aluno da

Universidade Federal do Ceará.

Ao meu amigo Francisco da Fonsêca, pela valorosa colaboração na procura e

aquisição da maioria das cartas utilizadas nesta pesquisa; também à senhora Elizabeth

Alencar, por ter emprestado as cartas recebidas por seu falecido pai para que eu as analisasse,

e a todos os que contribuíram para a constituição da amostra, emprestando suas cartas, sem

receio de expor sua intimidade ou a de seus entes queridos.

Aos meus colegas de curso, em especial a Júlio César Lima Moreira, com quem

tive mais proximidade por trabalharmos na mesma linha de pesquisa e termos a mesma

orientadora, pela amizade e pelas constantes trocas de ideias e apoio.

Ao meu amigo Ismael Fabrício de Alencar Oliveira, com quem dividi moradia

durante a maior parte do período em que estive afastado de minha cidade para me dedicar ao

curso de Mestrado, pelo incentivo a buscar dar continuidade à minha vida acadêmica, pelo

apoio incondicional, pela troca de ideias e pela companhia constante.

Aos meus pais e aos meus irmãos, por serem a minha família e me darem apoio,

amor e carinho, sempre. Em especial, agradeço ao meu irmão José Jakson Nobre de Araújo e

à sua família, por me receberem em sua casa durante os primeiros meses do curso e por me

darem apoio nos momentos de dificuldades.

Page 6: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

RESUMO

A variação linguística é um fenômeno universal que atinge todos os níveis da gramática

(CAMACHO, 2011). Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos

chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação e a que mais se reorganiza dentro

do sistema (MONTEIRO, 1994), embora esta costume ser constituída por um número

relativamente pequeno de itens gramaticais, formando um inventário fechado. Dentre as

pessoas do discurso, é a 2ª a que mais tem sido codificada de maneira variada, não só na

língua portuguesa, como em diversas outras línguas indo-europeias, nas quais há um sistema

dual de pronomes para a 2ª PESS.: as formas T e as formas V (derivadas, respectivamente, do

uso do tu e do uos latinos) – as primeiras são de uso familiar ou informal, enquanto as outras

denotam polidez e distanciamento. A partir da terceira década do século XX, com o uso de

você (forma V) em variação com tu (forma T), todo o quadro pronominal da língua, incluindo

os possessivos de 2ª PESS, passou a sofrer variação. Partindo do pressuposto defendido pela

Sociolinguística Variacionista, sobretudo com Labov (1978; 1983; 1994; 2008), de que a

variação linguística se dá motivada tanto por fatores internos quanto externos ao sistema, o

presente trabalho busca analisar a variação das formas te e lhe como pronomes de 2ª PESS.

SING., tanto na função de acusativo, quanto na de dativo, no português brasileiro escrito do

século XX. Para isso, utiliza uma amostra de 186 cartas pessoais escritas entre 1940 e 2000,

obtidas numa busca entre os habitantes do município de Quixadá, no Sertão Central cearense.

As cartas coletadas são de pessoas do povo, isto é, não de profissionais da linguagem, tendo

sido trocadas entre amigos ou parentes. Como metodologia, estratifica a amostra em três

períodos do século XX nos quais as cartas foram escritas (anos 1940-50, anos 1960-70 e anos

1980-90) e por gênero da autoria (cartas de homens e cartas de mulheres) e submete os dados

ao programa computacional GoldVarb X para obter dados estatísticos e interpreta esses dados

à luz das teorias da Sociolinguística Variacionista. Os resultados da pesquisa demonstraram

que a variação das formas pronominais te/lhe é condicionada por fatores linguísticos, como a

forma do verbo, a posição do pronome e a presença de forma V antes de te ou lhe, e que,

apesar de mais frequente do que o uso de te, o uso de lhe sofreu declínio ao longo dos três

períodos de tempo analisados.

Palavras-chave: Variação pronominal. Pronome oblíquo de 2ª pessoa. Cartas pessoais.

Page 7: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

ABSTRACT

The linguistic variation is a universal phenomenon that affects all levels of grammar

(CAMACHO, 2011). In many languages, of all the word classes, the pronouns, especially the

so-called personal pronouns, are more inclined to variation and to rearrangement in the

system (MONTEIRO, 1994), although they use to be constituted by a relatively small number

of grammatical items, restricted to a kind of closed inventory. The 2nd

PERS SING is which

more has been coded in a variant way, not only in the Portuguese language, as in many other

Indo-European languages, in which there is a dual system of pronouns for 2nd

PERS: the T-

forms and the V-forms (derived, respectively, from the use of Latin tu and vos) – the first are

used both familiarly and informally, while others denote politeness and distance. From the

third decade of the twentieth century, with the use of você (a V-form) in variation with tu (a

T-form), the entire pronominal frame of the Portuguese language, including the 2nd

PERS

possessive, began to undergo change. Assuming the ideas defended by Variationist

Sociolinguistics, especially with William Labov (1978, 1983, 1994, 2008), that the linguistic

variation occurs motivated by factors both internal and external to the system, this work aims

to analyze the variation of forms te and lhe as 2nd

PERS SING, both in accusative and in dative

function, in Brazilian Portuguese written in the twentieth century. It uses a sample of 186

personal letters written between 1940 and 2000, obtained in a search among the inhabitants of

the town of Quixadá, in the middle of the state of Ceará. The letters are collected from

common people, that is, not from language professionals, having been exchanged between

friends or relatives. As methodology, the sample was stratified into three periods of the

twentieth century in which the letters were written (years 1940’s and 50’s, years 1960’s and

70’s, years 1980’s and 90’s) and gender of authorship (letters from men and letters from

women) and submits the data to the computer program GoldVarb X in order to obtain

statistical results and interpret these results in light of theories of Sociolinguistics Variationist.

The survey results showed that variation of the pronoun forms te/lhe is conditioned by

linguistic factors, such as the form of the verb, the position of the pronoun and the presence of

a V-form before te or lhe, and that, although lhe was more used than te in the letters, its use

has declined over the three periods of time analyzed.

Keywords: Variation pronoun. Object pronoun. Personal letters.

Page 8: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Cartaz com a variação das formas T-V no português cearense.......... 47

Figura 2 – Movimentos dos pronomes de 2ª e 3ª PESS no PB............................... 130

Page 9: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Percentual de te e de lhe em 186 cartas de 1940 a 2000..................... 88

Gráfico 2 – Percentual de uso de te e lhe por remetente e por cartas ................... 96

Gráfico 3 – Percentual de uso de te e lhe por remetente nos três períodos .......... 98

Gráfico 4 – Percentual de lhe nas cartas e como uso categórico por remetente ... 100

Page 10: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Formas T/V em línguas IE.................................................................. 38

Quadro 2 – Situação atual dos pronomes de 2ª PESS SING no PB........................... 48

Quadro 3 – Alterações no sistema de conjugação verbal no PB ocasionado por

mudanças no quadro dos pronomes..................................................

56

Quadro 4 – Alterações no sistema de conjugação nos tempos do subjuntivo e

nos pretéritos do indicativo em algumas variedades do PB

ocasionadas por mudanças no quadro dos pronomes.......................

57

Quadro 5 – Quantidade de cartas por período e gênero da autoria....................... 80

Quadro 6 – Quantidade de cartas por períodos e por remetentes ......................... 81

Quadro 7 – Comparação entre autoria e os remetentes das cartas........................ 81

Page 11: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Ocorrências de te/lhe nas cartas pessoais............................................ 86

Tabela 2 – Ocorrências de lhe por década considerando-se dois períodos .......... 87

Tabela 3 – Ocorrências de lhe nos três períodos .................................................. 87

Tabela 4 – Ocorrências de lhe em cartas de homens e de mulheres..................... 90

Tabela 5 – Uso de te/lhe por remetente............................................................... 94

Tabela 6 – Uso das formas variantes te e lhe por remetentes das cartas ............. 94

Tabela 7 – Uso de te/lhe por carta ....................................................................... 95

Tabela 8 – Uso das formas te/lhe por cartas e por remetentes ............................ 95

Tabela 9 – Uso de te/lhe por remetente nos três períodos ................................... 96

Tabela 10 – Percentual do uso das formas te/lhe por remetente nos três períodos. 97

Tabela 11 – Ocorrências de lhe por carta e como uso categórico por remetentes

em cada período analisado .................................................................

99

Tabela 12 – Atuação do tempo do verbo sobre o uso de lhe.................................. 104

Tabela 13 – Posição do clítico nas cartas pessoais ................................................ 107

Tabela 14 – Atuação da posição do pronome sobre o uso de lhe........................... 108

Tabela 15 – Presença de formas T/V antes da primeira ocorrência de te/lhe ....... 111

Tabela 16 – Atuação da presença de formas T/V sobre o uso de lhe..................... 111

Tabela 17 – Total de verbos por tipo semântico.................................................... 114

Tabela 18 – Atuação do tipo semântico do verbo sobre o uso de lhe.................... 115

Tabela 19 – Atuação dos seis verbos discendi mais recorrentes sobre o uso de

lhe........................................................................................................

117

Tabela 20 – Ocorrências de lhe por função sintática e tipo semântico do verbo... 118

Tabela 21 – Ocorrências de lhe por forma nominal do verbo................................ 119

Tabela 22 – Ocorrências de lhe por forma nominal e estrutura do verbo.............. 122

Tabela 23 – Atuação da estrutura verbal sobre o uso de lhe.................................. 125

Tabela 24 – Atuação da função do pronome sobre o uso de lhe ........................... 127

Tabela 25 – Funções de lhe em cartas pessoais de 1940 a 2000 ........................... 128

Page 12: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACUS acusativo

ADJ ADN adjunto adnominal

ADJ ADV adjunto adverbial

CN complemento nominal

COMP composto

DAT dativo

FEM feminino

FUT futuro

GER gerúndio

IE indo-europeu, indo-europeias

IMPER imperativo

IMPERF imperfeito

INDIC indicativo

INF infinitivo

IP índice de pessoa

MQP mais-que-perfeito

NOM nominativo

OD objeto direto

OI objeto indireto

PA português africano

PART particípio

PB português brasileiro

PE português europeu

PESS pessoa

PERF perfeito

PL plural

POSS possessivo

PRET pretérito

SING singular

SUBJ subjuntivo

SUJ sujeito

VTD verbo transitivo direto

VTDI verbo transitivo direto e indireto

VTI verbo transitivo indireto

Page 13: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO……………………………………………………….…… 13

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ….……………………………………….. 18

2.1 Labov e a Sociolinguística Variacionista: estudos pioneiros …………… 18

2.2 A pesquisa em Sociolinguística: o estudo da variação .............................. 29

2.3 Resumo do capítulo ...................................................................................... 31

3 OS PRONOMES PESSOAIS E A TEORIA T-V...................................... 32

3.1 A complexidade dos pronomes pessoais .................................................... 32

3.2 As formas T e as formas V.......................................................................... 34

3.3 As formas T e V em algumas línguas ........................................................ 34

3.3.1 Francês ......................................................................................................... 39

3.3.2 Espanhol ....................................................................................................... 40

3.3.3 Italiano ........................................................................................................... 41

3.3.4 Alemão ......................................................................................................... 42

3.3.5 Polonês ......................................................................................................... 43

3.3.6 Russo ............................................................................................................ 43

3.3.7 Inglês ............................................................................................................ 44

3.3.8 Português ...................................................................................................... 45

3.4 Tu/te e você/lhe através do tempo .............................................................. 49

3.5 A variação te/lhe em estudos variacionistas e em compêndios

gramaticais ...................................................................................................

54

3.5.1 Estudos variacionistas ................................................................................... 55

3.5.2 Compêndios gramaticais ............................................................................... 63

3.6 Resumo do capítulo ...................................................................................... 64

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................. 66

4.1 As cartas pessoais na pesquisa sociolinguística ......................................... 66

4.2 As categorias de análise ............................................................................... 67

4.2.1 A variável dependente .................................................................................... 68

4.2.2 As variáveis independentes ............................................................................ 68

4.2.2.1 Variáveis extralinguísticas.............................................................................. 69

4.2.2.1.1 Período do século XX..................................................................................... 69

4.2.2.1.2 Gênero da autoria ........................................................................................... 70

Page 14: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

4.2.2.1.3 Remetente ....................................................................................................... 70

4.2.2.2 Variáveis linguísticas...................................................................................... 70

4.2.2.2.1 Tipo semântico do verbo que rege o pronome te/lhe ..................................... 71

4.2.2.2.2 Estrutura do verbo que rege o pronome te/lhe................................................ 72

4.2.2.2.3 Tempo do verbo que rege o pronome te/lhe .................................................. 74

4.2.2.2.4 Forma nominal do verbo que rege o pronome te/lhe ..................................... 75

4.2.2.2.5 Posição do pronome te/lhe em relação ao verbo............................................ 76

4.2.2.2.6 Função sintática do pronome te/lhe ............................................................... 76

4.2.2.2.7 Presença de pronome T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe ........... 77

4.3 A coleta da amostra ..................................................................................... 77

4.4 Estratificação da amostra ............................................................................ 80

4.5 Nossos informantes: os escribas .................................................................. 82

4.6 O tratamento estatístico .............................................................................. 84

4.7 A codificação dos dados ............................................................................... 85

5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ...................................... 86

5.1 Resultados por períodos do século XX ....................................................... 86

5.2 Resultados por gênero da autoria das cartas ............................................. 90

5.3 Resultados por remetente das cartas .......................................................... 93

5.4 Os grupos de fatores selecionados pelo GoldVarb X ................................ 102

5.4.1 A atuação do tempo e da forma nominal do verbo principal....................... 103

5.4.2 A posição do pronome em relação ao verbo ................................................ 106

5.4.3 A presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe......... 109

5.5 Grupos de fatores não selecionados pelo GoldVarb X ............................. 112

5.5.1 A atuação do tipo semântico do verbo........................................................... 113

5.5.2 A atuação da forma nominal do verbo no uso de lhe................................... 119

5.5.3 A atuação da estrutura verbal no uso de lhe................................................. 122

5.5.4 A função sintática do pronome no uso de lhe .............................................. 126

5.6 Resumo do capítulo ..................................................................................... 131

6 CONCLUSÃO .............................................................................................. 132

REFERÊNCIAS............................................................................................ 136

APÊNDICE ................................................................................................... 147

Page 15: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

13

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa aqui apresentada insere-se nos estudos de Sociolinguística

Variacionista e tem como foco a variação linguística das formas oblíquas átonas te/lhe para se

dirigir ao interlocutor na modalidade escrita do português brasileiro, mais especificamente, da

variedade usada no estado do Ceará.

A Gramática Tradicional (GT) apresenta como opções de se reportar ao

interlocutor (2ª pessoa do singular) dois sistemas de pronomes: um familiar, constituído por tu

e seus correspondentes formais te, ti, contigo e teu, e um cerimonioso, constituído por formas

originalmente de 3ª pessoa do singular, como você, o senhor etc. e suas respectivas formas

oblíquas o, lhe, se, si, consigo e o possessivo seu. Todavia, esse uso é apenas um ideal

linguístico, uma vez que, na fala cotidiana e na escrita de gêneros menos monitorados, os dois

sistemas de pronomes alternam-se, de modo que os oblíquos te e lhe encontram-se em

variação em muitas regiões do país, por exemplo, no Ceará.

Nesse estado, alguns trabalhos com pronomes já foram feitos, porém, apesar de

sua profundidade e contribuição com a formação de um banco de dados da fala de Fortaleza,

tais trabalhos estudaram os pronomes na modalidade falada, não na escrita. Assim, esta

permanece sem merecer a devida atenção, embora a variação linguística tenha lugar aí

também, uma vez que as mesmas variações identificadas no uso dos pronomes na fala podem

ser verificadas também na escrita de cartas pessoais.

Esta pesquisa com a variação pronominal te/lhe tem como objetivo geral

descrever e analisar a variação das formas te e lhe como pronomes oblíquos de 2ª pessoa do

singular (2ª PESS SING) em cartas pessoais do século XX escritas por cearenses. De forma mais

específica, objetiva identificar qual dessas formas em variação, nas cartas pessoais, é mais

recorrente no século XX, quais são seus fatores condicionantes e em que medida os fatores

linguísticos condicionam tal variação.

Assim, este trabalho pode ajudar a professores da língua materna a combater o

preconceito linguístico reinante em nossa cultura ao mostrar a fuga das prescrições

gramaticais não como uma deficiência na aprendizagem, mas como o resultado de uma

confluência de fatores de ordem social e pragmática.

Para o estudo da variação te/lhe na modalidade escrita do português, trabalhamos

com o gênero carta pessoal produzido por cearenses no decorrer do século XX, mais

especificamente a partir da década de 1940 até a década de 1990.

Page 16: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

14

A escolha do período mencionado justifica-se por ser a partir da década de 1930

que, segundo Duarte (1993), a forma você passou a concorrer com o pronome tu, o qual, até o

início do século XX, era de uso mais frequente e uniforme (isto é, em consonância com as

formas te, ti, teu). A partir da mencionada década, ter-se-ia acentuado a variação tu/você e,

por conseguinte, ocasionado a variação te/lhe, ou seja, a variação entre as formas oblíquas de

tu e de você.

Já a escolha do gênero carta pessoal como corpus desta pesquisa justifica-se por

ser este um tipo de correspondência entre duas pessoas, sendo inegável, portanto, sua

importância como instrumento para o estudo da linguagem, a qual reflete as relações sociais

entre remetente e destinatário, reveladas, entre outros aspectos, na escolha das formas

linguísticas para se dirigir ao leitor.

Por normalmente ser uma comunicação íntima, a carta pessoal aproxima bastante

a fala da escrita, pois o remetente quer ser reconhecido em seu texto e, através dele, romper a

distância, aplacar a saudade e marcar sua presença. Para Marcuschi (2001, p. 38), há gêneros

que se aproximam da oralidade pelo tipo de linguagem e pela natureza da relação entre os

indivíduos, sendo a carta pessoal e os bilhetes exemplos desses gêneros. Para ele, “um dos

aspectos centrais nesta questão é a impossibilidade de situar a oralidade e a escrita em

sistemas linguísticos diversos, de modo que ambas fazem parte do mesmo sistema da língua.”

Deste modo, muitos aspectos da fala podem ser verificados na escrita em cartas pessoais,

gênero textual que favorece a ocorrência de muitas das variações linguísticas observáveis na

fala.

Além disso, a carta pessoal é um gênero textual que favorece a observação de

diversos fenômenos linguísticos, pois, como defende Lopes (2005, p. 15), a carta, por um

lado, “transmite a inovação e mudança linguística, por outro, conserva fórmulas fixas em que

se perpetuam ‘tipos estáveis de enunciados’, caracterizando-a como gênero discursivo.”

Outra justificativa para o uso de cartas pessoais nesta pesquisa é que, conforme

ressalta Tarallo (2011 [2007]), esse tipo de documento é ideal para a investigação de

mudanças em tempo real, mesmo de curta duração, já que não existem gravações da fala

espontânea de períodos anteriores à década de 1960 (excetuando-se as feitas pelo cinema)

devido à inexistência de gravadores portáteis.

Na constituição do corpus desta pesquisa, deparamo-nos com algumas

dificuldades, sendo a maior delas a relativa escassez com que se encontram cartas pessoais em

poder das pessoas comuns, já que estas costumam desfazer-se de suas correspondências tão

Page 17: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

15

logo elas se tornam sem importância para o presente, talvez por verem nelas algo próprio da

conversa, que é a efemeridade. Quando o assunto é assaz íntimo, as cartas costumam ser

destruídas. Contudo, há quem sinta certa satisfação em compartilhar suas cartas pessoais com

terceiros, por considerá-las ingênuas, engraçadas ou simplesmente saudosas. Tal dificuldade

acarreta o problema dos “maus dados” comentado por Labov (1994, p. 11), o que procuramos

contornar segundo os métodos das pesquisas de variação em documentos escritos, no caso,

em cartas pessoais.

Através da análise de cartas pessoais escritas por cearenses no decorrer do século

XX, a partir da década de 1940, a presente pesquisa pretende descrever e analisar a variação

das formas te e lhe como pronomes oblíquos de 2ª PESS SING em cartas pessoais do século XX

escritas por cearenses, relacionando-a aos fatores linguísticos tipo semântico do verbo que

rege o pronome, tempo e forma nominal do verbo, estrutura do verbo, posição do pronome em

relação ao verbo, função sintática do pronome e presença de forma T ou V antes da primeira

aparição de te ou lhe na carta e aos fatores extralinguísticos período do século XX, gênero da

autoria (ou seja, se a carta foi escrita por homem ou por mulher) e remetente.

Para a análise dos dados, utilizamos o programa GoldVarb X (SANKOFF;

TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), criado como ferramenta de análise sociolinguística. Como

descrevem Sankoff et alii (2005), O GoldVarb X é uma ferramenta metodológica utilizada na

Sociolinguística Variacionista para cálculos estatísticos auxiliares na análise de fenômenos

linguísticos variáveis.

Com base nos resultados apontados pelo Goldvarb X, fizemos uma exposição

detalhada das conclusões sobre o uso das formas variantes te/lhe em cartas pessoais, as quais

podem sinalizar para o que acontece na fala e para uma compreensão do estado atual da

referida variação no português falado no Ceará, pois, segundo Marcuschi (2001, p. 42), “tanto

a fala como a escrita apresentam um continuum de variações, ou seja, a fala varia e a escrita

varia. Assim, a comparação deve tomar como critério básico de análise uma relação fundada

no continuum dos gêneros textuais para evitar as dicotomias estritas.”

O presente trabalho constitui-se, além desta parte introdutória, de mais três

capítulos, organizados a partir de uma perspectiva teórica sobre o uso distinto das formas que

passaram a competir até uma interpretação dos dados fornecidos pelo programa estatístico na

descrição da variação te/lhe na amostra analisada.

O Capítulo 2 apresenta a fundamentação teórica que serve de base para a

pesquisa, discutindo os princípios da Sociolinguística Variacionista, as teorias que norteiam o

Page 18: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

16

estudo da variação linguística e os principais conceitos empregados nesta área de estudos de

interesse para a pesquisa.

No capítulo seguinte, intitulado “Os pronomes pessoais e a Teoria T-V”,

apresenta-se a teoria proposta por Brown e Gilman (1960), que trata da existência de dois

sistemas pronominais empregados na maioria das línguas europeias conforme a relação

existente entre os interlocutores. A teoria, conhecida como Teoria T-V (de tu e vos), explica

as origens do uso das formas pronominais de 3ª PESS SING com valor de 2ª PESS SING, o que

está no cerne da variação te/lhe no português. Aqui, comentamos como a distinção T-V é feita

em algumas línguas indo-europeias e mostramos o que aconteceu com o português quanto a

essa distinção. O objetivo do capítulo é explicar como a forma lhe passou a competir com a

forma te na referência ao interlocutor. Além disso, traça o percurso histórico dos pronomes tu

e você na língua portuguesa a fim de esclarecer como a forma de 3ª PESS SING lhe, usada como

objeto indireto (doravante OI) de você, entrou em variação com te não só nesta função, como

também na de objeto direto (doravante OD) e de mostrar a resistência da forma milenar tu (e

suas formas oblíquas) em algumas regiões do Brasil.

Sendo este um trabalho sobre a variação em cartas pessoais e variação

pronominal, no capítulo denominado “Procedimentos metodológicos”, comentaremos o uso

de cartas no estudo das variações da fala, uma vez que fala e escrita constituem um

“continuum de variações” (MARCUSCHI, 2001, p. 42). Além disso, expomos aqui a

constituição do corpus de cartas coletadas para a análise da variação te/lhe ao longo do século

XX, a partir da década de 1940, e descrevemos a forma como as cartas foram coletadas, onde

aconteceu a coleta, quais os critérios de seleção, qual o perfil dos remetentes e qual sua

relação com os destinatários. Além disso, fazemos uma descrição de como a amostra foi

estratificada conforme a metodologia empregada nas pesquisas de Sociolinguística

Variacionista. Com este capítulo, objetivamos mostrar o procedimento metodológico

empregado na pesquisa.

O último capítulo, “Análise e interpretação dos dados”, contém a análise das

ocorrências das formas te e lhe em variação nas cartas pessoais da amostra a partir dos

resultados fornecidos pelo programa GoldVarb X. Os resultados foram organizados em

tabelas e ilustrados com trechos de cartas da amostra. O capítulo traz, portanto, uma

interpretação desses resultados e quais as conclusões a que podemos chegar a partir deles no

que se refere à variação em questão.

Page 19: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

17

Finalmente, temos as considerações finais do trabalho, em que fazemos uma

retomada dos resultados da análise procurando associá-las às hipóteses que elaboramos na

fase inicial da pesquisa e refletir sobre as possíveis contribuições que este estudo espera

oferecer às frentes de pesquisa sobre variação no português brasileiro e sobre o estado atual da

língua no Brasil.

Page 20: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

18

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

A presente pesquisa desenvolveu-se com base na Teoria da Variação, que

fundamenta a Sociolinguística Variacionista. Embora o estudo da Sociolinguística seja muito

amplo, há alguns conceitos fundamentais dos quais dependem muitas questões abordadas

neste trabalho e dos quais trataremos neste capítulo. Conhecer um pouco da história desse

ramo da Linguística faz-se necessário para a compreensão da natureza desta pesquisa e do

fenômeno aqui analisado.

2.1 Labov e a Sociolinguística Variacionista: estudos pioneiros

Segundo Mollica (2008, p. 9), a Sociolinguística “é uma das subáreas da

Linguística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para

um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais.” Isso significa dizer

que, numa pesquisa sobre como uma dada língua que se estende por um vasto território se

comporta em determinada região deste território, procura-se saber até que ponto as

características sociais da população de tal região interferem nas escolhas linguísticas (por

exemplo, realização de certos fonemas, usos de determinadas palavras, estruturação das

sentenças), configurando, assim, uma comunidade de fala específica.

Para Weinreich, Labov e Herzog (2006), é inviável estudar a língua sem levar em

conta sua heterogeneidade. Para ele,

Nos parece bastante inútil construir uma teoria da mudança que aceite como seu

input descrições desnecessariamente idealizadas e inautênticas dos estados de

língua. [...] será necessário aprender a ver a língua – seja de um ponto de vista

diacrônico ou sincrônico – como um objeto constituído de heterogeneidade

ordenada. Os fatos da heterogeneidade, até agora, não se harmonizaram bem com a

abordagem estrutural da língua. [...] Pois quanto mais os linguistas têm ficado

impressionados com a existência da estrutura da língua, e quanto mais eles têm

apoiado essa observação com argumentos dedutivos sobre as vantagens funcionais

da estrutura, mais misteriosa tem se tornado a transição de uma língua de um estado

para outro. Afinal, se uma língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar

eficientemente, como é que as pessoas continuam a falar enquanto a língua muda,

isto é, enquanto passa por períodos de menor sistematicidade? (WEINREICH;

LABOV; HERZOG, 2006, p. 35).

Com essas palavras, criticam-se os estudos linguísticos em que se propõe uma

clara divisão entre o sistema linguístico em si e seu uso pelos interlocutores. Tal divisão está

na base da dicotomia langue/parole do Estruturalismo clássico e da dicotomia

Page 21: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

19

competência/desempenho do Gerativismo em suas primeiras formulações a respeito da

comunicação humana.

Esta pesquisa com as formas te e lhe no português escrito no Ceará desenvolveu-

se com base na Teoria da Variação, que concebe a língua como um sistema heterogêneo do

qual a variação é parte inerente.

Chama-se variação linguística a possibilidade de uma mesma função ser

desempenhada por formas diferentes. As formas que podem ser usadas umas pelas outras sem

alterar o propósito comunicativo são chamadas de “formas variantes” e o conjunto de

variantes constitui uma “variável linguística” (TARALLO, 2011 [2007], p. 8).

Aponta-se William Labov como o iniciador de um modelo teórico-metodológico

que norteia o estudo da variação linguística. Embora não tenha sido o primeiro linguista a se

importar com a heterogeneidade da língua, seus estudos sobre determinadas variações no

inglês norte-americano tornaram-se referências para pesquisas posteriores no campo da

variação em diversas línguas do mundo. Para Labov (1972, p. 271), “a variação social e

estilística pressupõe a opção de dizer ‘a mesma coisa’ de várias maneiras diferentes: isto é, as

variantes são idênticas em valor de referência ou verdade, mas opostas em seu significado

social e/ou estilístico.”1

Em 1962, Labov verificou com que frequência o /r/ final ou pré-consonantal era

pronunciado em palavras como guard, bare e beer. A pronúncia do /r/ nesses contextos tem

um considerável prestígio na cidade de Nova Iorque. Labov estudou a fala de assistentes de

vendas em três lojas de Manhattan, analisadas numa escala que considerava a clientela, o

preço e o estilo, sendo Saks a de classe mais alta, Macy a de classe média e Klein’s a de

classe baixa. Cada informante foi abordado de maneira espontânea com uma pergunta casual

destinada a evocar a resposta “forth floor” (quarto andar), – que pode ou não conter a variável

final ou pré-consonantal /r/. Fingindo não ter ouvido direito, o pesquisador obtinha a repetição

da resposta de modo enfático. O estudo concluiu que a frequência de uso da variável de

prestígio, ou seja, /r/ final ou pré-consonantal, variava de acordo com nível de formalidade e

classe social: os assistentes de vendas da Saks usaram mais esse /r/, os da Klein’s utilizaram

menos e os da Macy pronunciavam o /r/ em geral quando se lhes era solicitado repetir. Das

quatro classes analisadas – classe baixa, classe operária, classe média baixa e classe média

1 No original: “social and stylistic variation presuppose the option of saying ‘the same’ thing in several different

ways: that is, the variants are identical in reference or truth value, but opposed in their social and/or stylistic

significance.” (tradução nossa)

Page 22: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

20

alta – foi a classe média baixa a mais suscetível de usar ostensivamente o /r/ pré-consonantal

considerado de prestígio conforme respondiam de forma menos monitorada (4%) ou mais

monitorada (77%). O grupo de classe média alta diferiu menos entre os estilos mais

monitorado e menos monitorado – (19% nas respostas espontâneas e 60% nas repetições com

atenção), o que mostra que o uso estava abaixo do nível de consciência social dos falantes, os

quais mudavam a maneira como falavam menos do que quaisquer outras classes sociais ao

pensarem cuidadosamente sobre como falavam. Todas as três classes inferiores (classe baixa,

classe operária e classe média baixa) mostraram-se mais conscientes do prestígio do /r/ pré-

consonantal e, quando pensavam sobre isso, eram mais propensos a mudar a forma como

falavam para refletir sobre como deviam pronunciar ou como as pessoas “da elite” falam.

Outro estudo importante de variação linguística desenvolvido por Labov foi da

comunidade de fala de Martha’s Vineyard, uma ilha situada a cerca de 3 milhas da Nova

Inglaterra, na costa leste dos Estados Unidos da América, com uma população permanente de

cerca de 6.000 habitantes. No entanto, mais de 40.000 visitantes, conhecidos um pouco

depreciativamente como “os veranistas”, migram para a ilha em cada verão. Em seu estudo,

Labov focou nas realizações dos ditongos /aw/ e /ay/ (como em mouse e mice). Ele

entrevistou uma série de falantes de diferentes idades e grupos étnicos na ilha, e observou que,

entre os falantes mais jovens (de 31 a 45 anos), um movimento parecia estar acontecendo

afastando-se das pronúncias associadas com a norma padrão da Nova Inglaterra, e rumo a

uma pronúncia associada com falantes conservadores e tipicamente vineyardenses – os

pescadores de Chilmark. Os maiores usuários deste tipo de pronúncia eram jovens que

buscavam ativamente identificar-se como vineyardenses, rejeitavam os valores do continente

e se ressentiam da invasão dos visitantes ricos no modo de vida tradicional da ilha. Assim,

esses falantes pareciam estar explorando os recursos do sotaque não-padrão. O padrão surgiu,

apesar de ampla exposição dos falantes ao sistema educacional, de modo que alguns rapazes

universitários educados em Matha’s Vineyard usavam de modo extremamente acentuado as

vogais vernáculas.

Um pequeno grupo de pescadores começou a acentuar uma tendência já existente

em seu discurso. Eles fizeram isso aparentemente inconscientemente, a fim de estabelecer-se

como um grupo social independente, com condição superior aos menosprezados visitantes de

verão. Os outros ilhéus, considerando este grupo como aquele que sintetizava virtudes antigas

e valores a serem imitados, inconscientemente passaram a reproduzir a forma como estes

membros falaram. Para essas pessoas, a nova pronúncia era uma inovação. Como mais e mais

Page 23: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

21

pessoas passaram a falar da mesma forma, a inovação tornou-se gradualmente a norma para

aqueles que vivem na ilha.

Em vez de levar os habitantes da ilha a um nivelamento dialetal, o aumento da

exposição ao padrão linguístico usado na Nova Inglaterra, através dos veranistas, fez com que

os ilhéus acentuassem a pronúncia das vogais vernáculas gerando uma diferença mais

destacada e, assim, um maior nível de variação linguística.

Além desses estudos, uma enorme quantidade de trabalhos em outras

comunidades de fala foi realizada mundo afora, e o modelo de análise linguística proposto por

Labov passou a ser chamado por alguns de “sociolinguística quantitativa”, por operar com

números e tratamento estatístico dos dados coletados. (TARALLO, 2011 [2007], p. 8).

Quanto ao nome Sociolinguística, Labov considera-o redundante, dizendo o

seguinte:

Por vários anos, resisti ao termo sociolinguística, já que ele implica que pode haver

uma teoria ou prática linguística bem-sucedida que não é social. [...] Existe uma

crescente percepção de que a base do conhecimento intersubjetivo na linguística tem

de ser encontrada na fala – a língua tal como usada na vida diária por membros da

ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus

cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos. (LABOV, 2008, p.

13)

Objetivando principalmente analisar e aprender a sistematizar variantes

linguísticas usadas por uma mesma comunidade de fala, Labov, diferentemente de Saussure

ou de Chomsky, assume o “caos” linguístico como objeto de estudo, no qual as variantes

coexistem em seu campo natural de batalha. Para ele,

O estudo da língua na vida cotidiana não pode ir muito longe sem encontrar muitas

ineficiências, falhas de comunicação e mal-entendidos que nos levem à convicção

geral de que a língua não funciona tão bem como gostaríamos que funcionasse. [...]

Mas isso não significa automaticamente que a mudança de geração na comunidade,

refletida em uma série gradual de valores em tempo aparente, irá confundir os

membros dessa comunidade. Tal mudança pode ser considerada equivalente a

adicionar mais uma dimensão – a idade – às principais variáveis da comunidade de

fala: classe social, gênero e estilo contextual. Os falantes normalmente não são

confundidos por essa variação. Se conhecem um valor de uma dimensão da matriz –

digo, o estilo – eles devem ser capazes de identificar a provável classe social do

falante através dos valores da variante. Se a mudança está em andamento, eles

podem ser capazes de ajustar seus julgamentos, levando a idade do falante em

consideração. A mesma lógica se pode aplicar na identificação da categoria

fonêmica de uma mudança sonora em andamento. (LABOV, 2010, p. 21 – Tradução

nossa)2

2 No original: “The study of language in everyday life cannot proceed very far without encountering many

inefficiencies, miscommunications and misunderstandings, which lead us to the general conviction that

Page 24: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

22

Assim, de acordo com Labov, apesar do aparente “caos”, em que as formas

linguísticas coexistem em competição e os enunciados nem sempre são elaborados de forma

ordenada, a comunicação entre as pessoas, através da língua, não é comprometida, pois os

falantes são capazes de reconhecer na pluralidade de fenômenos envolvidos no ato

comunicativo a identidade daqueles com quem interagem e assim ajustam seus julgamentos e

atribuem significado ao que ouvem.

Apesar de ser amplamente reconhecida como um fato, a variação linguística não é

um consenso, pelo menos não quanto aos seus limites dentro do sistema linguístico.

Lavandera (1977), por exemplo, defende que a variação limita-se ao nível fonológico, pois

com elementos não fonológicos (uso de vocábulos e formas de estruturar uma sentença),

embora pareçam referir-se à mesma coisa, apresentam diferenças estilísticas ou mesmo

semânticas. Questionando a teoria de Labov, a pesquisadora diz:

O que questiono é se essa base de clara equivalência semântica pode ser abandonada

para se realizar o mesmo tipo de estudo de variação das unidades sintáticas ou

morfológicas em casos em que tem de ser provado que tais unidades significam ‘a

mesma coisa’ para serem tratados como evidência da variabilidade, e, além disso, se

a equivalência semântica deve, de fato, ser um requisito. (LAVANDERA, 1977, p.

175 – tradução nossa, grifos no original)3

Segundo o ponto de vista de Lavandera, a variação que estudamos neste trabalho,

ou seja, a dos pronomes te e lhe com referência ao interlocutor, não se encontra no mesmo

patamar de uma variação fonológica como a pronúncia do /t/ do pronome te, que tanto pode se

realizar como palatal /tʃ/ no norte do Ceará quanto como linguodental no sul do mesmo

estado, sem que isso implique mudança de significado. Para ela, quando duas ou mais formas

não fonológicas são usadas para se referir ao mesmo referente, há uma nuance significativa ou

estilística presente numa forma que não está presente na(s) outra(s), o que inviabiliza que se

trata de formas equivalentes ou em variação. Para ela,

language does not work as well as we would like it to. (…) But it does not follow automatically that

generational change in the community, reflected in a gradient series of values in apparent time, will confuse

members of that community. Such change might be considered equivalent to adding one more dimension – age

– to the major variables of the speech community: social class, gender and contextual style. Speakers are

normally not confused by this variation. If they know a value on one dimension of the matrix – say, style –

they should be able to identify the probable social class of the speaker by the values of the variant. If change is

in progress, they may be able to adjust their judgments by taking the speaker’s age into consideration. The

same logic might apply to the identification of the phonemic category of a sound change in progress.” 3 No original: “What I will be questioning is whether that ground of clear semantic equivalence can be

abandoned to carry out the same kind of study of variation for syntactic or morphological units which have to

be proven to mean ‘the same’ to be treated as evidence of variability, and, furthermore, whether semantic

equivalence must in fact be a requirement at all.”

Page 25: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

23

unidades além da fonologia, digamos um morfema, ou um item lexical ou uma

construção sintática, cada uma tem, por definição, um significado. Elas não são

como os fonemas que, por definição, não têm qualquer tipo de ‘constância de

referência’, como diz Sapir. [...] Assim, para a análise das variáveis acima do nível

da fonologia não há dúvida de se livrar de significados referenciais. Não se pode

dizer que tais variáveis não têm significados referenciais. No entanto, foi decidido

que, para a definição de uma variável linguística não fonológica, o significado

referencial de todas as variantes deve, necessariamente, ser o mesmo.

(LAVANDERA, 1977, p. 175 – tradução nossa)4

Argumentando que apenas as variantes fonológicas constituem verdadeiros

exemplos de formas em variação, Lavandera insiste em que elementos da morfologia, isto é,

os vocábulos, ou da sintaxe, isto é, as sentenças, por mais que concorram na referência a um

mesmo objeto ou fato, não podem ser considerados equivalentes em todos os aspectos:

Assim, a primeira diferença que pode ser apontada entre as variáveis fonológicas e

não fonológicas é que as variáveis fonológicas das quais se pode dizer que têm

importância social e estilística não precisam ter significado referencial, enquanto que

as variáveis não fonológicas são definidas de modo que, mesmo quando elas

carregam significado social e estilístico, elas também têm significado referencial,

embora este significado referencial seja considerado o mesmo para todas as

variantes. (LAVANDERA, 1977, p. 176 – tradução nossa)5

Em resposta a Lavandera, Labov (1978) explica que

Embora a linguística formal reconheça a existência da informação expressiva e da

informação afetiva, estas estão na prática subordinadas ao que Buhler chamou de

‘significado representacional’, ou o que eu chamarei de ‘estados de coisas’. Para ser

mais preciso, eu gostaria de dizer que dois enunciados que se referem ao mesmo

estado de coisas têm o mesmo valor de verdade, e sigo Weinreich ao limitar o uso de

‘significado’ para este sentido. (LABOV, 1978, p. 7 – tradução nossa)6

4 No original: “units beyond phonology , let us say a morpheme, or a lexical item, or a syntactic construction,

each have by definition a meaning. They are not like phonemes which, by definition, do not have any

‘constancy of reference’ as Sapir said. [...] So for the analysis of variables above the level of phonology there is

no question of getting rid of referential meanings. It cannot be said that such variables do not have referential

meanings. However, it has been agreed that for the definition of a non-phonological linguistic variable the

referential meaning of all the variants must necessarily be the same.” 5 No original: “Thus the first difference which can be pointed out between phonological and non-phonological

variables is that phonological variables which can be shown to have social and stylistic significance need not

have referential meaning, while non-phonological variables are defined so that even when they do carry social

and stylistic significance they also have referential meaning, although this referential meaning is held to be the

same for all variants.” 6 No original: “Though formal linguistics recognizes the existence of expressive and affective information, these

are in practice subordinated to what Buhler called ‘representational meaning’ or what I will call ‘states of

affairs’. To be more precise, I would like to say that two utterances that refer to the same state of affairs have

the same truth value, and follow Weinreich in limiting the use of ‘meaning’ to this sense.”

Page 26: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

24

Com isso, Labov sustenta que não há nenhum problema em estabelecer igualdade

de significado também em variáveis fora do nível fonológico. Tal afirmação pode ser

sustentada conforme a ideia de significado que se assume. Ao contrário de Lavandera, Labov

propõe estreitar a noção de significado, colocando dentro do mesmo ‘pacote’ o valor

representacional e as diferenças estilísticas. É este o posicionamento que adotamos nesta

pesquisa, o de que, embora duas formas linguísticas que se referem à mesma coisa possam

conter matizes significativos diferentes, podem se considerar formas variantes quando

intercambiáveis na maioria dos contextos e quando se referirem ao mesmo estado de coisas.

Ainda sobre essa discussão, Labov (1978) argumenta que

Alinhado com o nosso programa geral de repartir a variação na escolha linguística

entre significado e os vários tipos de significado social, muitas vezes encontraremos

contrastes linguísticos que potencialmente distinguem os estados de coisas, mas

normalmente servem como variantes sociais. (...) Podemos provar que não existem

sinônimos verdadeiros, em um sentido absoluto. Mas exigências estilísticas nos

forçam a substituir uma palavra por outra na fala e escrita, de modo que em qualquer

dada sequência de frases usamos muitas palavras como variantes estilísticas, embora

cada uma tenha a capacidade potencial para distinguir determinados estados de

coisas. (LABOV, 1978, p. 13 – tradução nossa]7

Este bem parece ser o caso das variações nos pronomes pessoais, como as

verificadas no português brasileiro (tu/você, nós/a gente, te/lhe etc.), que partem de

motivações estilísticas, da diferença entre contexto formal e contexto informal, rumo a uma

neutralização semântica.

Para Labov, a Sociolinguística já ultrapassou o estágio em que se buscavam

apenas as motivações sociais (como sexo, idade, classe social etc.) como determinantes das

variações. Defendendo-se de críticas de Lavandera (1977 – v. seção 2.1), que via problemas

em considerar a existência de estruturas sintáticas variantes, Labov afirma que

a discussão da variação de Lavandera parece brotar de um período anterior no estudo

da variação quando a motivação principal era descobrir a motivação social de

determinadas mudanças sonoras, e demonstrar a distribuição ordenada de escolhas

linguísticas em todo o espectro social. Mas desde Labov, Cohen, Robins e Lewis

1968 que a análise da variação tem estado igualmente interessada com as restrições

internas no comportamento governado por regras, e a luz que essas restrições

7 No original: “In line with our general program of apportioning variance in linguistic choice among meaning

and the various kinds of social significance, we will often encounter linguistic contrasts which potentially

distinguish states do affairs but normally serve as social variants. (…) We can prove that there are no true

synonyms, in an absolute sense. But stylistic demands force us to substitute one word for another in speech and

writing, so that in any given sequence of sentences we use many words as stylistic variants, though each has

the potential ability to distinguish particular states of affairs.”

Page 27: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

25

lançam sobre operações cognitivas e o "conhecimento" da gramática. (LABOV,

1978, p. 16 – tradução nossa)8

Destarte, já é comum em Sociolinguística estudar a variação fora do nível

fonológico, uma vez que se entende que, assim como as mudanças sonoras operam na língua a

partir da variação de fones concorrentes, as mudanças vocabulares e de estrutura sintática

seguem o mesmo processo. No Brasil, por exemplo, há muito tempo que vêm sendo feitos

estudos sobre variação linguística fora do nível fonológico, como comprovam os trabalhos de

Soares (1980), Abreu (1987), Fernandes (1997) e Franceschini (2011), só para citar alguns,

sobre o uso de pronomes em variação no português falado em algumas cidades do país.

A substituição do pronome vós por vocês no português, por exemplo, é um caso

de mudança não fonológica que, como toda mudança linguística, atravessou o estágio da

variação, conforme explica Faraco (1991):

[...] nem toda variação implica mudança, mas que toda mudança pressupõe

variação, o que significa, em outros termos, que a língua é uma realidade

heterogênea, multifacetada e que as mudanças emergem dessa heterogeneidade,

embora nem todo fato heterogêneo resulte necessariamente mudança. (FARACO,

1991, p. 13)

A partir dessa afirmação, não podemos sustentar que a variação te/lhe resultará em

uma mudança, em que a forma lhe, inovadora como 2ª PESS, vença a concorrência e elimine te

do uso cotidiano, como aconteceu com vocês em relação a vós, quando aquela forma

substituiu esta na fala cotidiana tanto no Brasil quanto em Portugal. Não objetivando prever

os rumos dessa variação, nosso estudo limita-se a analisar os fatores que favorecem o

emprego da forma lhe como IP de 2ª PESS e como tal fenômeno se desenvolveu na modalidade

escrita ao longo do recorte temporal observado.

Conforme se disse acima, a variação é um requisito básico para a mudança

linguística. Para Weinreich, Labov e Herzog (2006, p. 126), “nem toda variação e

heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança; mas toda mudança implica

variação e heterogeneidade.”9 Para eles, ao estudar esse fenômeno, a Sociolinguística, deve

fornecer respostas para cinco problemas, a saber:

8 No original: “Lavandera’s discussion of variability seems to spring from an earlier period in the study of

variation when the primary motivation was to discover the social motivation of particular sound changes, and

demonstrate the ordered distribution of linguistic choices across the social spectrum. But since Labov, Cohen,

Robins and Lewis 1968, the analysis of variation has been equally concerned with internal constraints or rule-

governed behavior, and the light which these constraints throw on cognitive operations and ‘knowledge’ of the

grammar.” 9 No original: “Not all variability and heterogeneity in language structure involves change; but all change

involves variability and heterogeneity.”

Page 28: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

26

a) o problema dos fatores condicionantes (the constraints problem) – uma

teoria da mudança linguística deve determinar o conjunto de mudanças possíveis e condições

possíveis para a mudança;

b) o problema da transição (the transition problem) – correlacionando a

estrutura linguística variável com fatores da estrutura social, deve-se observar como uma

determinada variante difunde-se entre os diversos segmentos sociais. O problema da transição

refere-se à transferência de uma variável linguística de uma língua ou estado de língua para

outro, ou seja, a difusão ou a propagação de uma variável linguística. Dessa forma, a

distribuição geográfica de um determinado aspecto linguístico depende de dois parâmetros:

em primeiro lugar, do número de locais onde esse aspecto se origina (actuation –

“implementação”) e, em segundo lugar, da medida em que esse aspecto é distribuído com

sucesso numa área relevante da língua (“difusão”).

c) o problema do encaixamento (the embedding problem) – refere-se ao

entrelaçamento das mudanças com outras que ocorrem na estrutura linguística e na estrutura

social. As mudanças linguísticas sob investigação devem ser vistas como encaixadas no

sistema linguístico como um todo e o sociolinguista deve compreender a natureza e a

extensão desse encaixamento.

d) o problema da avaliação (the evaluation problem) – através de testes de

julgamento subjetivo, o sociolinguista deve procurar aferir a reação dos falantes diante dos

valores da variável observada, de modo a se definir a tendência de mudança que essa

avaliação social favoreceria;

e) a questão da implementação (the actuation problem) – O problema da

implementação pode ser colocado da seguinte forma: “Por que as mudanças num aspecto

estrutural ocorrem numa língua particular numa dada época, mas não em outras línguas com o

mesmo aspecto, ou na mesma língua em outras épocas?” (WEINREICH; LABOV; HERZOG,

2006, p.37)10

.

Assim, a grande questão é avaliar se um determinado cenário de variação tende a

se resolver em função de uma determinada variante, efetivando-se a mudança linguística, ou

se as variantes identificadas tendem a se manter no uso linguístico da comunidade, dentro de

uma estratificação específica, o que caracterizaria a variação estável.

10

No original: “Why do changes in a structural feature take place in a particular language at a given time, but not

in other languages with the same feature, or in the same language at other times?”

Page 29: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

27

Como a identificação desses cinco problemas está relacionada ao fenômeno da

mudança, não ao da variação em si, e como esta é uma pesquisa sobre um caso de variação,

não objetivamos, com este trabalho, apontar respostas para os cinco problemas acima, embora

possamos comentá-los superficialmente, com base nos resultados e nas conclusões a que

chegamos.

Relacionado ao quarto problema acima está a noção de prestígio que, embora não

seja um conceito relevante nesta pesquisa, pode-nos ajudar a compreender a relação entre a

variação aqui estudada e alguns fatores condicionadores, como mostraremos adiante, no

capítulo de análise. A certos hábitos de fala é atribuído um valor positivo ou negativo, que é

então atribuído ao falante. Isso pode operar em muitos níveis. Pode ocorrer no nível fonético,

na realização de um fonema em particular, como Labov (2008, p. 63-90) descobriu na

investigação da pronúncia do /r/ pós-vocálico no Nordeste dos EUA, ou numa escala macro,

como na escolha de qual língua usar, como acontece nos vários casos de diglossias que

existem em todo o mundo, dos quais talvez mais conhecido seja o caso do francês e do

alemão em algumas áreas da Suíça. Uma implicação importante da teoria sociolinguística é

que os falantes “selecionam” uma variedade ao fazer um ato de fala, seja consciente ou

inconscientemente.

Em geral, numa variação linguística, ou seja, quando dois ou mais termos estão

em competição, um deles tem prestígio na comunidade de fala, enquanto os demais são

estigmatizados ou considerados “errados”. Em geral, a forma inovadora sofre rejeição, como

comenta Labov (2001):

Todos parecemos estar sofrendo de uma doença linguística que não tem cura, e a

língua, como muito do mundo que nos rodeia, é vista como indo de mal a pior.[...]

Sempre que a linguagem se torna o tema de conversa aberta, encontramos uma

reação uniformemente negativa para quaisquer alterações nos sons ou na gramática

que têm vindo à consciência. As comunidades diferem no modo como estigmatizam

as novas formas de linguagem, mas eu ainda não conheci ninguém que as tenha

saudado com aplausos. Alguns cidadãos mais velhos acolhem as novas músicas e

danças, os novos dispositivos eletrônicos e computadores. Mas nunca se ouviu

ninguém dizer: “É maravilhosa a maneira como os jovens falam hoje. É muito

melhor do que a maneira como conversamos, quando eu era criança.” (LABOV,

2001, p. 6 – tradução nossa)11

11

No original: “We all seem to be suffering from a linguistic disease that has no cure, and language, like so

much of the world around us, is seen as going from bad to worse. (…) Whenever language becomes the overt

topic of conversation, we find a uniformly negative reaction toward any changes in the sounds or the grammar

that have come to conscious awareness. Communities differ in the extent to which they stigmatize the newer

forms of language, but I have never yet met anyone who greeted them with applause. Some older citizens

welcome the new music and dances, the new electronic devices and computers. But no one has ever been heard

to say, “It’s wonderful the way young people talk today. It’s so much better than the way we talked when I was

a kid.”

Page 30: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

28

No caso da variação te/lhe, a segunda forma não é aceita pelos puristas quando

funciona como OD, sendo, inclusive, condenada por algumas gramáticas (TERRA, 1999, p.

224; NASCENTES, 2003, p. 447), que prescrevem o uso desses pronomes apenas em sua

função original prototípica (BAGNO, 2012, p. 765-6).

A teoria de Labov sustenta que as línguas mudam porque variam e as línguas

variam devido à influência de fatores relacionados aos falantes, elementos desprezados pela

primeira grande escola de estudos linguísticos do Ocidente, cujo nome mais emblemático é o

suíço Ferdinand de Saussure. Labov considera que não existe língua independente dos

falantes, mas que são estes que, vivendo em sociedades complexas, hierarquizadas,

heterogêneas, provocam as mudanças nas línguas, o que torna impossível desvincular os fatos

de linguagem dos fatos sociais.

De acordo com a Teoria da Variação, todas as línguas do mundo são sempre

continuações históricas que acompanham as gerações sucessivas de indivíduos. As mudanças

que se operam numa língua ao longo do tempo são resultado da variação entre as formas

linguísticas durante certo período. Seguindo este raciocínio, afirma-se que existem formas

linguísticas variáveis porque as características intrínsecas dos falantes (sexo, idade, etnia) são

variáveis, assim como sua condição social (classe, grupo, relação com o interlocutor,

situação no ato da enunciação). Em outras palavras, a mesma coisa pode ser enunciada de

forma variável (diferente) a depender das características individuais e sociais dos falantes.

Assim, as variações linguísticas são classificadas em três tipos: diacrônicas (quando se dão ao

longo do tempo), diatópicas (as que resultam da variação espacial – pensemos nas diferenças

entre o português usado em Portugal e o usado no Brasil, países em lados opostos do mesmo

oceano) e diastráticas (influenciadas pela estratificação e categoria sociais). Além dessas,

Labov considera a variação estilística, decorrente das adaptações da linguagem ao contexto

imediato durante o ato de fala (LABOV, 1983). A natureza variável da língua é, para a

Sociolinguística Variacionista, um pressuposto fundamental no qual se sustenta e se direciona

a observação, a descrição e a interpretação do comportamento linguístico.

Labov, ao lado de seu colega Martin Herzog e do professor Uriel Weinreich

(orientador de ambos), desenvolveu trabalhos importantes acerca da variação e da mudança

linguísticas. O estudo da variação pronominal entre as formas te e lhe em cartas pessoais de

cearenses no século XX proposto nesta pesquisa se fundamentará, portanto, nas ideias

contidas nesses trabalhos.

Page 31: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

29

2.2 A pesquisa em Sociolinguística: o estudo da variação

A Sociolinguística como um campo distinto da Dialetologia foi lançada através do

estudo da variação linguística em áreas urbanas. Enquanto a Dialetologia estuda a distribuição

geográfica de variação linguística, a Sociolinguística se concentra em outras fontes de

variação, entre elas a classe social.

Para Beline (2011, p. 125), de uma perspectiva variacionista quantitativa, “a

Sociolinguística ocupa-se em desvendar como a heterogeneidade se organiza” e, de uma

perspectiva dialetológica, “a Sociolinguística pode se ocupar mais em estabelecer as fronteiras

entre os diferentes falares de uma mesma língua.”

Estudos no campo da Sociolinguística normalmente coletam uma amostra da

população e entrevistam-na, avaliando a realização de certas variáveis sociolinguísticas. Para

Beline (2011, p. 135), “fazer análises quantitativas de dados linguísticos é a palavra de ordem

da Sociolinguística Variacionista”.

O porquê das análises quantitativas numa pesquisa sobre variação é explicado por

Guy e Zilles (2007, p. 73), que dizem que “a variação linguística, entendida como alternância

entre dois ou mais elementos linguísticos, por sua natureza, não pode ser adequadamente

descrita e analisada em termos categóricos ou estritamente qualitativos.” E justificam que a

dimensão da importância da variação para o entendimento de questões como prestígio e

estigma, comunidade de fala, identidade e solidariedade ao grupo local pode ser demonstrada

pelo uso de métodos estatísticos.

Mollica (2008, p. 27), tratando do papel das variáveis não linguísticas (nível de

instrução, idade, sexo, classe social etc.) sobre o fenômeno da variação, afirma que elas “não

agem isoladamente, mas operam num conjunto complexo de correlações que inibem ou

favorecem o emprego de formas variantes semanticamente equivalentes.” No caso da variável

nível de instrução, a autora diz que falantes de maior escolaridade “tendem a lançar mão de

estruturas de maior prestígio.” Assim também pensa Votre (2008, p. 51), que alega que “[a

escola] atua como preservadora de formas de prestígio, face a tendências de mudança em

curso nas comunidades.” Nesse sentido, o autor defende que a variável escolaridade (ou nível

de escolarização) é um mecanismo de promoção ou de resistência às mudanças.

Como se disse, o estudo das variações linguísticas se dá, normalmente, através de

entrevistas gravadas. Entretanto, quando se busca analisar a variação de formas linguísticas

Page 32: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

30

numa perspectiva diacrônica, em se tratando de períodos mais remotos – dos anos 1960 para

trás –, o único caminho para fazê-lo é através da análise de textos escritos, entre as quais a

literatura e os textos teatrais (PRETI, 2011, p. 325) e as cartas pessoais (ANDRADE, 2011, p.

113). Estas têm o grande mérito de, por se tratar de uma correspondência entre duas pessoas,

trazerem marcas de tratamento dispensado ao destinatário, favorecendo o estudo das variações

entre os pronomes de 2ª PESS, dentre as quais a que nos interessa nesta pesquisa, que é a

variação te/lhe.

Esse estudo de sincronias passadas não é tarefa fácil, pois a escassez de amostras

do vernáculo representa um grande obstáculo, tanto que Labov (1994, p. 11) afirma que “a

Linguística Histórica pode ser pensada como a arte de fazer o melhor uso dos maus dados”.12

Labov chama de maus dados os documentos históricos que, de alguma forma, mostram o

modo como a língua era usada em determinada época porque são ricos por um lado, mas

empobrecidos por outro, pois

Documentos históricos sobrevivem por acaso, não por intenção, e a seleção que está

disponível é o produto de uma série imprevisível de acidentes históricos. As formas

linguísticas em tais documentos são frequentemente distintas do vernáculo dos

autores e, em vez disso, refletem esforços de captar um dialeto normativo que nunca

foi a língua nativa de nenhum falante. Como resultado, muitos documentos são

marcados com os efeitos da hipercorreção, da mistura de dialetos e de erros do

escriba. (LABOV, 1994, p. 11 – tradução nossa)13

Acrescente-se a isso a dificuldade de se conhecerem, através dos documentos

sobreviventes, aspectos sociais dos autores (escribas) e a estrutura social da comunidade nas

quais eles estavam inseridos. Acerca disso, Labov comenta:

Embora saibamos o que foi escrito, não sabemos nada acerca do que foi entendido e

não estamos em condição nenhuma de desenvolver experimentos controlados sobre

a compreensão transdialetal. Nosso conhecimento do que era distintivo e do que não

era é severamente limitada, uma vez que não podemos usar o conhecimento dos

falantes nativos para diferenciar variantes distintivas de não distintivas. (LABOV,

1994, p. 11 – tradução nossa).14

Apesar de tais dificuldades, documentos históricos têm sido amplamente

utilizados em pesquisas sociolinguísticas de caráter diacrônico, pois, como se disse acima, são

12

No original: “Historical linguistics can then be thought of as the art of making the best use of bad data”.

(tradução nossa) 13

No original: “Historical documents survive by chance, not by design, and the selection that is available is the

product of an unpredictable series of historical accidents. The linguistic forms in such documents are often

distinct from the vernacular of the writers, and instead reflect efforts to capture a normative dialect that never

was any speaker’s native language. As a result, many documents are marked with the effects of

hypercorrection, dialect mixture, and scribal error.” 14

No original: “Though we know what was written, we know nothing about what was understood, and we are in

no position to perform controlled experiments on the crossdialectal comprehension. Our knowledge of what

was distinctive and what was not is severely limited, since we cannot use the knowledge of native speakers to

differentiate nondistinctive from distinctive variants.”

Page 33: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

31

as únicas formas que se têm de se conhecer determinado estágio de uma língua de uma época

mais remota.

2.3 Resumo do capítulo

Neste primeiro capítulo desta pesquisa sobre a variação te/lhe em cartas pessoais

escritas por cearenses ao longo do século XX, tratamos da primeira parte de nossa

fundamentação teórica, que consiste de uma exposição sobre o campo no qual se insere este

trabalho, que é a Sociolinguística Variacionista. Para isso, comentamos o surgimento dos

trabalhos pioneiros, desenvolvidos por William Labov, considerado, por isso, o precursor dos

estudos em variação linguística. Apresentamos, em linhas gerais, a natureza destes primeiros

trabalhos e discutimos algumas críticas que o pesquisador recebeu quanto à extensão de seu

método de pesquisa para além da variação em nível fonológico – como é o caso da variação

aqui pesquisada –, bem como os argumentos que ele utilizou para refutá-las.

Comentamos, também, os problemas que norteiam a pesquisa em Sociolinguística

Variacionista, sobretudo quando se trata de mudança linguística, que é uma consequência da

variação, embora nem toda variação leve a mudanças no sistema.

Finalmente, expusemos algumas considerações já feitas em estudos anteriores

sobre a variação linguística e os aspectos que a envolvem, ou seja, sobre o que se tem que

levar em conta em uma pesquisa sobre o fenômeno.

No próximo capítulo, apresentaremos a segunda parte de nossa fundamentação

teórica, em que comentaremos as origens da variação te/lhe no português brasileiro, fazendo

relações com outras línguas da família indo-europeia, bem como traçaremos um percurso

histórico das formas variantes. Além disso, comentaremos alguns trabalhos já realizados sobre

variação pronominal em nossa língua.

Page 34: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

32

3 OS PRONOMES PESSOAIS E A TEORIA T-V

Como vimos no capítulo anterior, o pressuposto básico da Sociolinguística

Variacionista é o de que todas as línguas do mundo estão em um contínuo processo de

mudança e que as mudanças que se operam nas línguas ao longo do tempo são resultado da

variação entre as formas linguísticas durante certo período.

Sobre a mudança linguística, Givón (1979, p. 209) sustenta que “a sintaxe de hoje

é o discurso pragmático de ontem” e que “a morfologia de hoje é a sintaxe de ontem.” Com

isso, defende a mudança da língua como um processo que parte de motivações pragmáticas

(portanto, do modo pragmático) até atingir os níveis mais estruturais do sistema (modo

sintático, nível morfológico, nível fonológico).

Assim, quando duas ou mais formas entram em variação, motivações de ordem

pragmática ativam esse processo. Tomando como exemplo as variações pesquisadas por

Labov na década de 1960 – a frequência do /r/ final ou pré-consonantal na fala de vendedoras

de lojas de Nova Iorque e os ditongos na fala dos habitantes da ilha de Martha’s Vineyard –

podemos verificar que fatores de ordem pragmática (o desejo de parecer pertencer a uma

classe social superior – no primeiro caso – e a necessidade de se firmar como pertencente a

uma comunidade – no segundo caso) acionaram o processo de variação, pondo em

competição duas ou mais formas dentro do sistema linguístico. No caso das variações entre os

índices de pessoa (IP), a motivação parece encontrar-se no uso distintivo que se faz dos IPs

decodificando as relações entre os interlocutores e na posterior perda dessa distinção.

Antes de comentarmos a teoria que trata do uso dos IPs como dêiticos sociais em

algumas línguas, inclusive o português, faremos algumas considerações sobre os aspectos

gramaticais importantes inerentes aos pronomes pessoais.

3.1 A complexidade dos pronomes pessoais

O sistema pronominal de uma língua costuma ser apontado pelos estudiosos da

linguagem como o que mais oferece dificuldade de análise e descrição. Monteiro (1994, p. 29)

comenta que, desde a cultura greco-romana, os pronomes têm sido “alvo de reflexões e

equívocos que ainda hoje perduram.” Em muitas línguas, como as românicas (francês,

italiano, português etc.), a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes

pessoais, é a que sofre mais variação e a que mais se reorganiza dentro do sistema, embora

Page 35: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

33

este costume ser constituído por um “número limitado” de unidades (cf. BECHARA, 2003),

isto é, há um número relativamente pequeno de itens gramaticais que podem desempenhar a

função de pronome, restringindo-se a uma espécie de “inventário fechado”. Por exemplo, os

pronomes oblíquos átonos do português atual constituem um conjunto de itens herdados da

língua latina – me, te, se, lhe(s), o(a)(s), nos e vos – ao qual nenhum elemento átono foi

introduzido desde a formação de nossa língua, no séc. XIII.15

Os pronomes reúnem diversas categorias gramaticais (pessoa, número, gênero,

caso) e traços semânticos (determinação, formalidade, posse etc.), além de servirem como

elementos dêiticos, que é uma de suas funções principais. Sua posição em relação ao verbo

varia de língua para língua, mesmo dentro de uma mesma família: em inglês, ocupa sempre a

posição enclítica; em alemão, da mesma família, pode ocorrer em próclise (Ich will dich

lieben!) ou em ênclise (Ich liebe dich!), como também nas línguas românicas, sendo o

português a única que ainda admite, em sua variedade formal, uma terceira posição, a

mesóclise, já abandonada na fala brasileira. Givón (2001, p. 16) dá exemplos em suaíli nos

quais o pronome pessoal insere-se entre o morfema aspecto-temporal e a raiz do verbo (a-li-

ni-ona = ‘Ele(a) me viu’, a-li-ku-ona = ‘Ele(a) te viu’, a-li-mu-ona = ‘Ele(a) o/a viu’ etc.).

Acrescente-se ainda o fato de que, em algumas línguas flexivas, como o latim

(ALMEIDA, 2000, p. 61-2), o espanhol (LLORACH, 2000, p. 73), o italiano (SENSINI,

1999, p. 157), o romeno (COJOCARU, 2003, p. 55) e o polonês (SWAN, 2002, p. 155), os

pronomes sujeitos são preferencialmente omitidos, depreendidos a partir da desinência verbal

(lat.: amo te; esp.: te amo; ital.: ti amo; rom.: te iubesc; pol.: kocham cię;); enquanto em

outras, como o alemão, eles são obrigatoriamente expressos, apesar da desinência (Ich liebe

dich, e não *Liebe dich). O português, conforme a tradição gramatical normativa, deveria

empregar os pronomes sujeitos apenas em casos de ênfase no sujeito (doravante SUJ), para

opor duas pessoas diferentes ou para desfazer ambiguidades (CUNHA, 1986, p. 284-5),

embora estudos mostrem uma tendência a preferir o uso em vez da omissão (MONTEIRO,

1994, p. 133-146).

Tais características tornam os pronomes suscetíveis a uma gama variada de

possibilidades de combinação entre si – como, por exemplo, em português, o uso do te

(pertencente ao paradigma de tu) numa frase em que o sujeito é você (originalmente um

pronome de tratamento, 3ª PESS) por ambos compartilharem o traço [+2ª PESS]; ou, no inglês,

15

Pode-se pensar na entrada do pronome você no quadro dos oblíquos (ex.: Eu vi você), mas você não é um

pronome átono, como me, te, se, lhe etc. Sua forma reduzida (cê) não aparece como complemento sem

preposição, conforme Gonçalves (2008), Andrade (2010) e Loregian-Penkal e Menon (2012).

Page 36: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

34

o uso do reflexivo ourselves (= nos, a nós mesmos) no singular (ourself) quando, em discurso

político, se refere a um só indivíduo, evitando a 1ª PESS SING, o que soaria pedante ou

prepotente, ou no chamado “nursely we” (nós de enfermeira), quando uma enfermeira ou

alguém em função similar, usa a 1ª PESS PL we em substituição a uma forma de tratamento

para a 2ª PESS SING, que, no caso, é o paciente, em frases como “We seem a bit displeased with

ourself, don’t we?” (literalmente, “Nós estamos um pouco desgostoso com nós mesmo, não

estamos?”), exemplo de Joseph (1979, p. 520). Também há a possibilidade de o pronome

pessoal combinar-se sintática ou semanticamente com outras classes de palavras: com

adjetivos, como se verifica, em português, numa frase como “Nós estamos empenhado em

terminar a obra”, em que o pronome de 1ª PESS PL combina-se com um adjetivo de referência

SING quando o falante deseja evitar um tom impositivo ou egocêntrico; e com advérbios (p.

ex.: “Eu aqui não sei de nada.” / “Ele ali não sabe de nada.”).

Apesar de as gramáticas tradicionais determinarem um quadro fechado de

combinações de pronomes, donde se inferem as regras de concordância pronominal, o uso

dessas formas no cotidiano, quer na modalidade falada, quer na escrita, seja no nível formal,

seja no informal, subverte em muitos pontos o que prescrevem as gramáticas normativas e

mostra a dinamicidade de um sistema costumeiramente considerado um inventário fechado.

Assim, formas pronominais caem em desuso (como o thou do inglês e o vós do português),

enquanto outras ganham espaço na língua (como a expressão a gente do português) e outras

passam a competir (como as formas lei, ella e essa, de 3ª PESS FEM SING do italiano); umas

passam a acumular valores distintos (como o você do português, que pode indicar certo grau

de formalidade em algumas regiões, intimidade em outras e indeterminação em alguns

contextos), outras passam a combinar-se a despeito das regras prescritas pelas gramáticas,

como é o caso dos pronomes ditos de 2ª PESS (tu, te, ti, teu etc.) usados com pronomes ditos

de 3ª PESS (se, lhe, seu etc.), em frases como “Tu se acha muito esperto”, em que tu e se são

correferentes.

3.2 As formas T e as formas V

Na maioria das línguas naturais, existe uma distinção entre o que se chama

convencionalmente de pronomes de tratamento polidos e familiares (LYONS, 2011, p. 235)

para se referir ao interlocutor.

Page 37: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

35

O uso dos pronomes pessoais e de outras formas de tratamento revela a influência

do fator “poder” nas interações entre as pessoas. Para Lyons (2011, p. 235), o uso não

recíproco de certos pronomes (tu e o senhor, por exemplo) indica uma diferença de status

reconhecida em muitas sociedades. O autor afirma que em sociedades onde existe o uso não

recíproco, uma pessoa socialmente superior, ou mais poderosa de outra maneira, usará tu para

seus inferiores, mas será tratada por eles por o senhor.

Tal distinção consiste na chamada Teoria T-V, definida por Brown e Gilman

(1960):

O desenvolvimento nas línguas europeias de duas formas de tratamento no singular

começa com o latim tu e vos. Em italiano começou com tu e voi (com Lei eventual e

amplamente substituindo voi); em francês, tu e vous; em espanhol, tu e vos (depois

usted). Em alemão, a distinção começou com du e Ihr, mas Ihr deu lugar a er e

depois a Sie. Os falantes de inglês antes usavam thou e ye e depois substituíram ye

por you. Como convenção, propomos usar os símbolos T e V (do latim tu e vos)

como um designador geral dos pronomes familiar e polido, respectivamente, em

qualquer língua. (BROWN; GILMAN, 1960, p. 254 – tradução nossa).16

Os autores argumentam que o uso dessas formas de tratamento norteia-se por dois

princípios, o de “poder” e de “solidariedade”. Quanto ao primeiro, comentam:

Pode-se dizer que uma pessoa tem poder sobre outra na medida em que ela é capaz

de controlar o comportamento da outra. O poder é um relacionamento entre, no

mínimo, duas pessoas e é não recíproco no sentido de que ambos não podem ter

poder na mesma área de comportamento. O poder semântico é, de forma semelhante,

não recíproco; o superior usa T e é tratado por V. (BROWN; GILMAN, 1960, p.

255 – tradução nossa)17

E sustentam que o poder se baseia em muitos fatores: força física, alto poder

aquisitivo, idade avançada, sexo, papel institucionalizado em uma igreja, em uma repartição

pública ou privada, nas forças armadas ou no interior de uma família.

16

No original: “The European development of two singular pronouns of address begins with Latin tu and vos. In

Italian, they became tu and voi (with Lei eventually largely displacing voi); in French, tu and vous; in Spanish,

tú and vos (later usted). In German, the distinction began with du and Ihr but Ihr gave way to er and later to

Sie. English speakers first used ‘thou’ and ‘ye’ and later replaced ‘ye’ with ‘you’. As a convenience, we

propose to use the symbols T and V (from Latin tu and vos) as a generic designator for a familiar and a polite

pronoun in any language.” 17

No original: “One person may be said to have power over another in the degree that he is able to control the

behavior of the other. Power is a relationship between at least two persons, and is non-reciprocal in the sense

that both cannot have power in the same area of behavior. The power semantic is similarly non-reciprocal, the

superior uses T and receives V.”

Page 38: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

36

As expressões “forma T” e “forma V” foram introduzidas por Brown e Gilman

(1960), com referência às letras iniciais dos pronomes latinos tu e vos. Em latim (ALMEIDA,

2000, p. 137) tu era originalmente o singular, e vos o plural, sem distinção entre honorífico e

familiar. O uso do plural, ao abordar o imperador romano, começou no séc. III d.C. segundo

Sensini (1999, p. 163), ou no século IV d.C., de acordo com Brown e Gilman (1960, p. 252),

os quais apontam como possível razão para o uso de vos para referir-se a uma só pessoa o fato

de haver, muitas vezes, dois ou mais imperadores na mesma época, como os Augusti e os

Caesares e, posteriormente, governantes separados em Constantinopla e em Roma, mas

também o fato de que “a pluralidade é uma metáfora muito antiga e onipresente para o poder”

(BROWN e GILMAN. p. 252). Segundo os autores, esse uso foi estendido para outras figuras

poderosas, como o Papa Gregório I (590-604). No entanto, Brown e Gilman apontam que foi

só entre os séculos 12 e 14 que as normas para o uso das formas T e V foram cristalizadas.

Menos comum, a utilização do plural pode ser estendida para outras pessoas gramaticais, tais

como o “plural de majestade” e o “plural de modéstia” (CUNHA, 1986, p. 286), em que o

pronome nós é usado em vez de eu.

A partir do Renascimento, conforme Sensini (1999, p. 163), por influência dos

espanhóis, que dominavam a maior parte da Península Ibérica e da Itálica e que eram muito

cerimoniosos, ao plural vos acrescentaram-se títulos honoríficos como “Excelência”,

“Senhoria”, “Magnificência” e “Mercê” no tratamento dos socialmente superiores. Como tais

expressões são de gênero feminino e número singular, poderiam ser substituídas pelo pron. de

3ª PESS SING FEM (p. ex.: “Vossa Senhoria me faria a honra de ser meu hóspede?” → “Ela me

faria a honra de ser meu hóspede?”). Em italiano e em alemão, usam-se como forma V

pronomes de 3ª PESS SING FEM, respectivamente, Ella (depois Lei) e Sie, em vez da 2ª PESS PL,

como ocorre nas demais línguas com distinção T-V.18

Em espanhol e em português, a forma

V usada nos séculos XIX e XX deriva de uma expressão de tratamento na 3ª PESS SING FEM,

respectivamente usted (de Vuestra Merced) e você (de Vossa Mercê).

Brown e Gilman argumentam que a escolha da forma T ou V para tratar o

interlocutor é regida por dois fatores: “poder” e/ou “solidariedade”, tendo sido o “poder” o

18

Em alemão, a 3ª PESS FEM SING passou a ser usada como forma de distanciamento, porém combinando-se com

o verbo no plural. Segundo Kunkel-Razum et al. (2009), trata-se de uma dupla estratégia de formalidade: o

singular (Er, “ele” e Sie, “ela”, sempre com iniciais maiúsculas nesse caso) era usado para se dirigir a alguém

socialmente inferior, enquanto o plural (Sie, “eles/elas”) reservava-se aos socialmente superiores. Sie (“ela”),

que fazia referência a um atributo do endereçado, em geral um substantivo abstrato feminino, como Wirtin

(“senhoria”), Gnade (“mercê”), passou a ser empregado como substituto dessas expressões de cortesia (Eure

Lordschaft, “Vossa Senhoria”; Eure Exzellenz, “Vossa Excelência”, Eure Gnaden, “Vossa Mercê” etc.),

acompanhando verbos no plural, como era o costume ao se dirigir a superiores.

Page 39: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

37

fator dominante na Europa até o século XX. Por isso, era comum uma pessoa poderosa usar

uma forma T com seu interlocutor, esperando ser tratado por este com uma forma V.

No entanto, no século XX, a dinâmica mudou em favor da “solidariedade”, de

modo que as pessoas passaram a utilizar formas T para seus conhecidos e formas V em

ambientes de trabalho, com o uso recíproco sendo a norma em ambos os casos. Para Lyons

(2011, p. 235), o uso não recíproco das formas T ou V (por exemplo, uma pessoa trata outra

por T e é tratado por esta por V) tem declinado na maioria das línguas europeias desde o

século XIX, “exceto nos casos de adultos e crianças que não são membros da mesma família e

em um ou outro caso mais especial”. Para o autor,

Isto se explica historicamente em parte pela propalação de atitudes mais igualitárias

ou democráticas nas sociedades ocidentais e, em parte, pela importância crescente

do fator solidariedade, marcada não simplesmente pelo uso recíproco como tal, mas

mais particularmente pelo uso de T. (LYONS, 2011, p. 235).

As regras para uso das formas T e V ainda são muito variáveis de cultura para

cultura. Em francês, por exemplo, a madrasta continua a ser abordada pelo enteado com a

forma V vous, enquanto que em alemão, a madrasta sempre recebe a forma T du do enteado

(FRIEDRICH, 1966,1972). Em russo, interlocutores podem passar da forma V para a forma T

em determinados contextos e voltar a usar V para os mesmos interlocutores noutros contextos.

Isso não é possível em uma conversa entre interlocutores alemães. Uma vez que dois

interlocutores alemães chegam a se tratar por T, eles não voltam para a forma V depois.

Outro uso dessa distinção que ocorre em algumas línguas é a expressão do

“respeito simulado”, que, em geral, é uma forma de expressar desaprovação, evitar que se

tome intimidade ou manter distância num momento de tensão, pelo uso da forma V para se

dirigir a pessoas com quem normalmente se usaria uma forma T, tais como crianças, filhos,

empregados ou cônjuges, situações de que são exemplos (1) e (2) abaixo, extraídos de Soares

(2003, p. 21):

(1) Mulher (para o marido): Isso são horas do senhor chegar?

(2) Pai (para o filho): O senhor faça o favor de nunca mais pegar meu carro sem

minha ordem.

Em decorrência das mudanças sociais apontadas por Lyons (2011), ocorre que,

em algumas línguas, muitas formas pronominais originalmente usadas como V perdem sua

conotação de polidez e passam a ser usadas como forma T, ocasionando variação na

Page 40: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

38

codificação da 2ª PESS e, em muitos casos, mudança linguística através da queda em desuso de

um forma pronominal ou de todos os pronomes de um determinado paradigma.

Dois bons exemplos de mudança linguística decorrente das implicações sociais

relacionadas à distinção T/V são a substituição do pronome de 2ª PESS SING inglês thou pela 2ª

PESS PL you e a substituição do pronome de 2ª PESS PL português vós pela forma de tratamento

vocês (antes uma forma V). Os dois exemplos serão comentados posteriormente, sobretudo o

segundo, que é de especial interesse para este trabalho.

3.3 As formas T e V em algumas línguas

Para ilustrarmos o exposto acima, vejamos o quadro 1, que traz as formas T e as

formas V de 2ª PESS SING em algumas línguas indo-europeias (IE), segundo a tradição

gramatical ou norma padrão das respectivas línguas. As formas são dadas na sequência

nominativo (sujeito), acusativo (objeto direto), dativo (objeto indireto) e possessivo.

As formas V citadas entre colchetes não são usadas em todas as regiões onde se

fala a língua ou não são a forma V predominante.

Quadro 1: Formas T/V em línguas IE

Língua Forma T Forma V

Latim tu, te, tibi, tuus vos, vos, vobis, vester

francês tu, te, toi, ton vous, vous, vous, vôtre

espanhol tú, te, ti, tu [vos, os, os, vuestro]

usted, lo, le, su

italiano tu, ti, te, tuo [voi, vi, vi, vostro]

Lei, La, Le, Suo

português tu, te, ti, teu [vós, vos, vos, vosso]

você, o, lhe, seu

alemão du, dich, dir, dein Sie, Sie, Ihnen, Ihr

polonês ty, ciebie, tobie, twój [wy, was, wam, wasz]

pan, pana, panu,pański

Russo ty, tebya, tebe, tvoy vy, vas, vam, vash

FONTE: http://en.wikipedia.org/wiki/T-V_distinction (adaptado)

Page 41: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

39

Como exposto anteriormente, o uso destas formas no tratamento entre dois

interlocutores varia de cultura para cultura. Vejamos:

3.3.1 Francês

Na maioria das regiões de língua francesa, existe uma rígida distinção T-V. Com

relação à 2ª PESS SING, tu é a forma T, enquanto vous é a forma V, que também é a 2ª PESS PL

tanto como forma T quanto como forma V (HAWKINS; TOWELL, 2013, p. 41). Como

forma de se dirigir ao interlocutor, vous é esperado quando alguém se depara com algum

adulto desconhecido, em circunstâncias normais. Em geral, a mudança de vous para tu é

“negociada” implícita ou explicitamente. Por exemplo, entre casais, durante os primeiros

tempos de namoro, é comum o uso recíproco de V e, após algum tempo, o uso recíproco de T.

Em certas circunstâncias, porém, T é usado mais amplamente. Por exemplo, novas

amizades que estão conscientes de terem algo socialmente significativo em comum (por

exemplo, a condição de estudante ou o mesmo status numa hierarquia) costumam usar T mais

ou menos imediatamente. Em alguns casos, pode haver uma prática explicitamente definida

para a utilização de T e V, como em uma empresa ou entre membros de um partido. Crianças

e adolescentes geralmente usam T para falar com alguém de sua idade, seja conhecido ou não.

Também pode ser usado T para mostrar desrespeito a um estranho, como quando se

surpreende um ladrão ou se xinga um motorista grosseiro na trânsito (HAWKINS; TOWELL,

2013, p. 43).

Em contrapartida, V pode ser utilizado para distanciar-se de uma pessoa com

quem não se quer interagir. Além disso, duas pessoas que usam T em suas interações privadas

podem conscientemente usar V em público, a fim de agir de forma adequada em um ambiente

formal ou profissional, para desempenhar o papel de uma situação construída artificialmente,

ou simplesmente para esconder a natureza de seu relacionamento com os outros.

Nas famílias, V era tradicionalmente usado para tratar os membros mais velhos.

As crianças foram ensinadas a usar V para tratar seus pais, e V foi usado até por volta de 1950

entre os cônjuges das classes mais altas.

Hawkins e Towell (2013) afirmam que, em preces, tu é hoje frequentemente

usado por protestantes referindo-se a Deus. Vous foi usado em orações católicas até o

Concílio Vaticano II, e ainda é usado referindo-se à Virgem Maria (como em português em

“Bendita sois vós entre as mulheres”). Na Louisiana, no entanto, vous é sempre usado para

Page 42: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

40

transmitir um sentimento de respeito e reverência ao orar. Já na Valônia, sua utilização tende

a contextos familiares: vos (variação dialetal de vous) é de uso geral e é considerado informal

e amigável; já ti (variação dialetal de tu), por outro lado, é considerado vulgar, e a sua

utilização pode ser feita como uma expressão de uma atitude agressiva para com a pessoa

tratada. Essa influência da Valônia afeta o uso de tu e vous no francês falado na Bélgica.

No francês falado no Canadá, tu tem uso muito mais amplo do que como forma T

no padrão francês. Ainda há circunstâncias em que é apropriado dizer vous: em uma entrevista

formal (principalmente para um emprego), ou quando se dirige às pessoas de um escalão

muito alto (como juízes ou primeiros-ministros), idosos, clientes ou novos conhecidos em um

compromisso formal. Quando conhecidos se familiarizam um com o outro, podem achar vous

desnecessariamente formal e passar a usar tu com o qual ficam mais à vontade.

Para a maioria dos francófonos no Canadá, vous para a 2ª PESS SING soa pomposo

ou esnobe, e até arcaico. Tu não é forma restrita a amigos íntimos ou a socialmente inferiores.

Há, porém, uma importante minoria que exige a utilização do padrão francês em Quebec,

preferindo ser tratada por vous. Na Radio-Canada (a emissora pública muitas vezes

considerada o baluarte da norma francesa no Canadá), o uso de vous é generalizado, mesmo

entre colegas.

Segundo Lawn (2012), o uso de vous como forma V diminuiu em mídias sociais e

a explicação pode ser a de que tais comunicações on-line favorecem a filosofia da igualdade,

independentemente das distinções formais habituais. Tendências semelhantes foram

observadas com as formas V em alemão, persa, chinês e em italiano.

3.3.2 Espanhol

O vos do espanhol foi utilizado como forma V no período medieval e, segundo

Llorach (2000, p. 76-7), tem persistido em áreas da América Central e do Rio da Prata,

originando o que se chama de voseo, porém como forma T, no lugar do tú. Nessas mesmas

regiões, a forma V é usted. Na Península Ibérica, a diferença de emprego entre tú (forma T –

SING) / usted (forma V – SING) e vosotros (forma T – PL ) / ustedes (forma V – PL) se mantém,

mas na Andaluzia e nas Ilhas Canárias, vosotros foi substituído por ustedes como forma T,

mas está voltando ao uso, conforme Almasov (1974).

No espanhol peninsular, mexicano e peruano, como em italiano, o uso de tú e vos

semelhante ao francês desapareceu no início do período moderno. Nessas regiões, tú é usado

Page 43: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

41

para o tratamento informal e familiar (forma T), enquanto a forma V é usted, que evoluiu a

partir da expressão vuestra merced (caso semelhante ao vossa mercê português – veja nota da

pág. 51).

Na 2ª PESS PL, os falantes de espanhol nas Ilhas Baleares empregam vosotros

como forma T e ustedes como forma V. Na Andaluzia ocidental e Extremadura, ustedes é

usado tanto como forma T quanto como forma V, com verbos na 2ª PESS PL. Nas Américas e

nas Ilhas Canárias, ustedes é usado em todos os contextos e na terceira pessoa.

Para Benavides (2003), a área em torno da capital da Colômbia, Bogotá, preserva

uma forma respeitosa (sumercé) alternativa simplificada de uma contração diferente de

vuestra merced. No espanhol rio-platense, vos foi preservado, mas como um substituto para tú

(forma T, e não como uma forma V); no Chile e na América Central, vos é usado no

tratamento falado e tú é usado na escrita e expressa moderada formalidade, ou seja, tem

essencialmente sua função ligada ao antigo uso de vos.

Conforme Blanco Botta (1982), em Cuba, predomina tú, mesmo dirigindo-se a

alguém a quem se acaba de conhecer.

Segundo Solé (1970, p. 176), em Porto Rico, “o tratamento por tú está vastamente

distribuído e cobre quase todas as categorias sociais. Mesmo nas áreas onde usted prevalece

como regra, as possibilidades do tú são altas e a transição de uma forma para outra é fácil e

frequente.” A autora também afirma haver variação entre tú e usted no Peru, porém, com

tendência de uso para tú como forma T e usted como forma V.

3.3.3 Italiano

Em italiano padrão, a forma V predominante é Lei (literalmente “a ela”, que

surgiu da substituição de expressões de tratamento no feminino, como “Vostra Signoria”,

“Vostra Eccellenza”), sempre com letra maiúscula na escrita. Lei é normalmente usado em

contextos formais ou com estranhos, mas isso implica um sentido de distanciamento,

semelhante ao uso francês de vous. Antes de Lei, usava-se Ella, que hoje soa arcaico como

forma V. Segundo Sensini (1999, p. 163), atualmente, adultos italianos preferem empregar tu

para estranhos com até cerca de 30 anos de idade. Tu é usado reciprocamente entre adultos,

podendo não ser recíproco quando jovens abordam estranhos mais velhos que eles. Os alunos,

em geral, são tratados com tu por seus professores até o final do ensino médio e com Lei nas

universidades. Os alunos podem usar tu com os seus professores na escola primária, mas

Page 44: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

42

mudam para Lei do ensino médio. Além disso, Tu é a forma mais comum de endereço na

internet.

Sensini afirma ainda que, durante a época fascista (1938-1944), fez-se a tentativa

malsucedida de impor pela lei o uso de voi em vez de Lei como forma V, alegando-se que este

soava “burguês” e “afeminado”, sendo voi mais “humano” e viril. Voi, como forma V de 2ª

PESS SING, persiste ainda em dialetos toscanos e continua a ser usado por alguns oradores,

principalmente de dialetos do sul, como uma alternativa a Lei. Além disso, ainda aparece em

livros de instruções e propagandas em que Lei soaria muito distante. Ao contrário do vós

português, como veremos adiante, a 2ª PESS PL do italiano permanece viva tanto como forma T

quanto como forma V (assim como o vous francês).

3.3.4 Alemão

Segundo Schenke e Seago (2004, p. 79), a forma T alemã é du, usado para

crianças, animais e dirigindo-se a Deus, e entre os adultos (ou entre adultos e crianças) que já

mantêm entre si uma relação de intimamente. A forma V é Sie (literalmente “ela”, assim

como ocorre em italiano) e é usada em situações de formalidade, com pessoas que não se

conhecem bem ou com pessoas mais velhas. Crianças dirigem-se a adultos com V e são

tratadas por eles com T.

Schenke e Seago dizem que qualquer pessoa até a idade de dezesseis anos pode

ser tratada como T, com uma tendência para começar a tratar por V crianças com idade de

quatorze anos na região oriental, enquanto os alemães ocidentais tendem adiar esse tratamento

até os dezesseis anos dos adolescentes. É costume crianças e adolescentes usarem V para os

adultos que não são membros da família ou para os amigos da família; já nas ruas e em clubes

esportivos, os mais jovens dirigem-se aos mais velhos com T. Em lojas, bares e em outros

estabelecimentos, para se dirigir a um público mais jovem, está se tornando cada vez mais

comum funcionários tratarem os clientes por T, sendo considerado estranho o tratamento por

V se ambos estiverem em uma mesma faixa etária.

Segundo Bausinger (1979), o uso de T ou V entre dois estranhos também pode ser

determinado pelo ambiente em que eles se encontram. Por exemplo, costuma-se usar T em

pequenos bares e tabernas tradicionais em determinadas regiões, inclusive para as pessoas

mais velhas que seriam alhures tratadas por V. Duas pessoas que se dirigem um ao outro com

T em um pub podem voltar a usar V reciprocamente quando eles se encontrarem na rua, se o

Page 45: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

43

seu conhecimento travado no pub houver sido muito superficial. Durante o famoso carnaval

renano, é habitual para a maioria dos foliões tratar uns aos outros como T. Só no caso de a

diferença de idade ser mais do que uma geração, a pessoa ainda mais jovem pode usar V.

Na cultura alemã, conforme Besch (1998, p. 52), a mudança de tratamento

recíproco de V para T passa por um acordo explícito, sendo, em geral, proposta pelo mais

velho dos dois interlocutores. Caso um dos dois se esqueça do acordo em outra ocasião e

volte a usar V, o outro pode lembrá-lo do acordo dizendo “Nós já combinamos de nos tratar

por du.” Para o autor, na Alemanha, um costume antigo (chamado Bruderschaft trinken,

“beber à fraternidade”) envolve dois amigos compartilhando formalmente uma garrafa de

vinho ou bebendo um copo de cerveja para celebrar o seu acordo de chamar um ao outro por

T em vez de V. No entanto, às vezes, voltar a usar V para com uma pessoa próxima pode ser

um recurso de demonstrar ironia ou retomar o distanciamento, como Soares (1980, p. 84)

aponta para o uso de “o senhor” no português cearense.

3.3.5 Polonês

O wy (“vós”) do polonês permanece como forma V em certas regiões rurais

isoladas, em especial no sul da Polônia. O uso de wy com referência a um só endereçado

antigamente era feito com empregados e serviçais. Além disso, era utilizado (e ainda é entre

veteranos) entre membros do Partido Comunista e do Partido Socialista no lugar de ty para

expressar camaradagem. Segundo Swan (2002, p. 154), este modo de expressão nunca vingou

na Polônia fora desses círculos estreitos. Por isso, considera-se artificial ou dissonante usar wy

por ty, tanto em contextos formais quanto em informais. Para se referir a uma só pessoa em

um contexto formal, utiliza-se, em polonês, o substantivo pan(i), “o(a) senhor(a)”.

3.3.6 Russo

Para se dirigir ao interlocutor em russo, a forma T é ty (lit. “tu”) e forma V é vy

(lit. “vós”). As gramáticas de russo (NEKRASOVA, 2002) advertem que o uso de vy para se

referir a uma só pessoa oferece certas dificuldades para estrangeiros, pois, entre pessoas que

não se conhecem, em lugares públicos, uma criança, um adolescente ou um jovem deve tratar

um adulto ou um idoso com V e este deve usar T para tratar a criança, mas pode usar T ou V

para tratar o adolescente ou o jovem; entre adultos, o tratamento deve ser V, de forma

Page 46: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

44

recíproca; entre adolescentes ou jovens, o tratamento pode ser T ou V, mas de forma

recíproca; um adulto de meia-idade trata uma pessoa adulta mais nova do que ela por T, mas

deve ser tratado por esta por V. Ao conversar com uma pessoa íntima, o tratamento é o T

recíproco: entre amigos, irmãos, pais e filhos etc. No ambiente de trabalho, pessoas de mesma

posição social tratam-se de forma recíproca, por T ou V, e entre pessoas de posições sociais

diferentes, deve-se usar V, também de forma recíproca. Em ambiente escolar, alunos se

dirigem a professores com V, mas estes os tratam por T (V também pode ser usado na

universidade). Os alunos tratam-se de forma recíproca com T. Usa-se T também para se

referir a Deus ou a animais de estimação. Nekrasova (2002, p. 62-4) adverte que, se T for

usado para um adulto desconhecido num lugar público, isso pode ser entendido como um

insulto.

3.3.7 Inglês

O inglês moderno não tem uma distinção pronominal do tipo T-V. Segundo

Harper (2002), em estágios anteriores do inglês, thou “tu”, thee “te”/”ti”, thy “teu” (pron.

adj.), thine “teu” (pron. subst.) e thyself “te”/“a ti mesmo” (pron. reflex.) foram as formas T

da 2ª PESS SING, enquanto ye “vós”, you “vos”/”vós”, your “vosso” (pron. adj.), yours “o

vosso” (pron. subst.) e yourselves “vos”/“a vós mesmos” constituíam as formas V (além de

serem também as formas T para a 2ª PESS PL). Por volta de 1600, as formas T, no entanto,

tornaram-se estigmatizadas e desapareceram no inglês falado na maioria das regiões em que a

língua é usada, de modo que a forma V original, you (caso objetivo de ye) passou a acumular

a função de 2ª PESS SING e de 2ª PESS PL. Por esse período, surgiu yourself (com o 2º elem. no

SING – self) para referência à 2ª PESS SING, ficando yourselves (que já existia) de uso exclusivo

para o plural. As antigas formas T sobrevivem no falar dos moradores de Yorkshire, Cumbria,

East Midlands e algumas áreas rurais do oeste da Inglaterra e, principalmente, como

arcaísmos em textos bíblicos (quando, naturalmente, são usadas como formas V, uma vez que

se referem solenemente a Deus). Alguns quakers usaram essas formas até meados do século

XX.

Ironicamente, para um falante do inglês moderno que desconhece a origem da

distinção, o uso de thou (por exemplo, nos rituais religiosos), originalmente um sinal de

intimidade – uma forma T, agora tem conotações de formalidade – uma forma V, devido ao

seu caráter cerimonial.

Page 47: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

45

A neutralidade de you tanto para o singular quanto para o plural fez surgir

expressões que marquem a distinção SING/PL, como y’all, forma contraída de you all (“vocês

todos”), no sul dos Estados Unidos e no inglês vernacular afro-americano; you guys (nos

EUA, particularmente no Meio-Oeste, no Nordeste e na Costa Oeste, no Canadá e na

Austrália, segundo Jochnowitz, 1984), you lot (no Reino Unido, conforme Finegan, 2011),

yous(e) (na Irlanda, na Austrália e em alguns pontos da Grã-Bretanha, de acordo com Wales,

1996) e yousse (BERNSTEIN, 2003) – todas para o plural, reservando-se you para o singular.

3.3.8 Português

Vejamos agora a situação de nossa língua quanto à distinção T-V.

Em português, a forma V foi, durante muito tempo, a 2ª PESS PL vós (FARACO,

1996), o que ainda permanece no discurso religioso, nas orações católicas quando se dirige a

Deus ou à Virgem (CUNHA, 1996, p. 287).

Conforme Cook (1997, p. 4), no português europeu (PE), a distinção T-V faz-se a

partir do emprego distinto de tu (forma T) e você (forma V). Já para o plural, vós, que antes

tanto era forma T quanto forma V, caiu em desuso, sendo substituído em ambas as funções

por vocês. Para situações de maior formalidade, as formas V são o(a)(s) senhor(a)(s). Porém,

a autora argumenta que no português africano (PA), há uma combinação das formas do

paradigma de tu com as do paradigma de você e exemplifica com um trecho de um conto de

1963, “Estória do ladrão e do papagaio”, do escritor angolano Luandino Vieira, em que

aparece o trecho (3):

(3) – Você és bandido, não é?

– Bandido não sou, não senhor!

– Cala-te a boca mas é! Você é bandido... Vamos. (VIEIRA, 2006, p. 23)

No PB, a distinção entre as formas T (tu, te, ti, teu) e V (você, o/a, lhe, se, si, seu)

foi neutralizada a partir da década de 1930, conforme Duarte (1993), de modo que o que antes

era forma V, além de manter o caráter de polidez e formalidade, passou também a ser usado

como forma T, ocasionando não só uma competição entre as formas T como a combinação de

diferentes formas de ambos os paradigmas. Rumeu (2013), que estudou o pronome você em

cartas de uma família carioca escritas em fins do século XIX e na primeira metade do século

XX, também conclui que você passou a ser mais produtivo nos anos 30.

Page 48: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

46

Já para Machado (2006, p. 99), foi a partir de 1918 que você se consolidou como

principal estratégia de referência à 2ª PESS, alterando “substancialmente o comportamento do

preenchimento dos sujeitos ao longo do século XX, visto que a elevação da frequência de uso

das formas plenas está intimamente ligada ao aumento da produtividade do você.”

Tendo você entrado em competição com tu e, assim, adquirido também a função

de forma T em muitas áreas do PB, como na capital paulista (MENON, 2000) e na capital

paranaense (ABREU, 1987), passou-se a recorrer a expressões nominais para substituir as

formas V. As mais frequentes são o(a) senhor(a) (SOARES, 1980, p. 42; COOK, 1987, p. 8;

BAGNO, 2011, p. 752) – na modalidade oral – e Vossa Senhoria (BECHARA, 2003, p. 166;

FERREIRA, 2011, p. 293) – na modalidade escrita em comunicações oficiais, cartas

comerciais, requerimentos, ofícios, etc., “quando não é próprio o tratamento de Vossa

Excelência” (CUNHA, 1986, p. 293). Soares (1980, p. 84-5) afirma que a senhorita ainda é

usado, no português falado em Fortaleza, como forma V em referência a mulheres solteiras.

O que se tem verificado na língua portuguesa usada no Brasil, conforme trabalhos

que comentaremos um pouco mais adiante, é uma situação diferente da que ocorre nas demais

línguas que codificam a distinção T-V (familiaridade/polidez) através de pronomes, como as

exemplificadas acima. Nessas línguas, quando se toma uma forma T para dirigir-se a alguém,

todo o paradigma da forma é usado uniformemente. Por exemplo, em alemão, ao se usar du

(“tu”) para com alguém, na função de sujeito (SUJ), usa-se, por conseguinte, dich (“te”) como

objeto direto (OD), dir (“a ti”) como objeto indireto (OI), e dein (“teu”) como possessivo

(POSS), além de se acrescentar ao verbo a desinência –st da 2ª PESS SING. Não há a combinação

de formas T com formas V numa mesma situação de uso, numa mesma sentença. Tal não

acontece no PB (nem no PA, conforme Cook.).

No PB, não é simples prever qual a forma que alguém utilizará para se dirigir a

outrem em alguns contextos, a partir das relações sociais estabelecidas entre os interlocutores.

O governador do estado do Ceará, Cid Ferreira Gomes, por exemplo, é tratado por uma forma

T por manifestantes que protestavam contra a construção de um viaduto sobre parte do Parque

do Cocó, em Fortaleza, em meados de 2013. A foto abaixo (Fig. 1), obtida durante as

manifestações no local do litígio, em 9 de setembro do referido ano, mostra a ausência de

polidez ao se dirigir ao governador:

Page 49: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

47

Fig. 1: Cartaz com a variação das formas T/V no português cearense

Observe que, no cartaz, o governador do Estado é tratado por tu, mas com o verbo

na 3ª PESS. SING. (como se fosse para você ou Vossa Excelência) – gasta – e depois com o

verbo na 2ª PESS. SING. do imperativo afirmativo – paga (tu!) – em vez de pague (você! /

Vossa Excelência!).

Como mostra Lopes (2007, p. 116), “a implementação de você e a gente no

sistema de pronomes pessoais gerou uma série de reorganizações gramaticais, tanto no

subsistema de possessivos, quanto no de pronomes que exercem função de complementos

diretos ou indiretos.” Para a autora, a combinação entre as formas do paradigma de tu e as

formas do paradigma de você já é tão natural no PB que não se pode mais continuar falando de

“falta de uniformidade de tratamento”, como, frequentemente, alegam alguns gramáticos.

O quadro abaixo mostra a situação real das formas pronominais em uso no PB para

a 2ª PESS SING quanto às funções sujeito (SUJ), complemento não preposicionado (COMPL NÃO

PREP), que pode ser o OD, o OI ou o complemento nominal (CN), complemento preposicionado

Page 50: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

48

(COMPL PREP), que pode ser o OI, o CN ou um adjunto adverbial (ADJ ADV). Em todos esses

casos, a forma prototípica de 2ª PESS (tu, te, ti, teu) concorre com uma forma originalmente de

3ª PESS (você, lhe, se, seu), como mostram os exemplos (todos nossos):

Quadro 2: Situação atual dos pronomes de 2ª PESS SING no PB

Função Forma Exemplos

SUJ tu / você Tu vai(s)? / Você vai?

COMPL NÃO PREP

OD te / lhe / tu / você Eu te/lhe vi. / Eu vi tu/você.

OI te / lhe Isso te/lhe pertence?

CN te / lhe Eu te/lhe sou fiel.

COMPL PREP ti / tu / você Isso pertence a ti/tu/você ?

REFL te / se Tu te vê(s)? / Tu se vê?

POSS teu(s), tua(s) / seu(s), sua(s) Cuida da tua/sua vida!

FONTE: produção do próprio autor

Ao quadro, poderíamos ainda acrescentar o pronome o(a), que ocorre na fala

monitorada de algumas pessoas de maior nível de escolaridade (ex.: “Antônia, eu a vi ontem e

você nem me cumprimentou!” – exemplo nosso).

A variação que aqui estudamos insere no conjunto de variações entre as formas de

2ª PESS SING no PB, como mostra o quadro acima.

No PB, as motivações que levam ao uso de uma forma V são diversificadas,

diferentemente do que acontece em russo ou em alemão comentados anteriormente, em que a

relação entre os interlocutores determina esse uso (um indivíduo mais jovem ou socialmente

inferior dirigindo-se a um mais velho ou socialmente superior; um indivíduo dirigindo-se a

um estranho; etc.). No PB, numa mesma sentença, o enunciador pode referir-se ao seu

interlocutor com um sujeito V (o senhor, por exemplo) e, logo em seguida, usar uma forma T

como complemento verbal, como em “O senhor quer que eu te mostre nossas ofertas?”

(exemplo extraído de BAGNO, 2013, p. 754) ou um verbo na 2ª PESS SING (que caracterizaria

uma forma T), como em “Minha senhora, olha o sinal!” (exemplo extraído de SOARES,

1980, p. 55).

Diversos estudos sobre o PB mostram que a forma T (ora tu, ora você) é variável

ao longo da extensão territorial do país: segundo alguns estudiosos (POMMER, 1984;

CUNHA, 1986, p. 292; FREITAS & SILVA, 1986, p. 237-46) a forma tu predomina em

alguns recantos do país como, por exemplo, em alguns pontos do Rio Grande do Sul, embora

Page 51: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

49

na capital Porto Alegre, a concorrência entre tu e você seja equilibrada, conforme Guimarães

(1979). Tu também é preferido em determinados grupos sociais, como entre os jovens de 15 a

25 anos do norte de Minas Gerais (MOTA, 2008, p. 84) e em Brasília (LUCCA, 2005), e não

ocorre, por exemplo, na capital de São Paulo (MENON, 2000, p. 134) nem em Curitiba

(ABREU, 1987), onde foi substituído por você. No entanto, te predomina em São Paulo e em

grande parte de Minas Gerais, onde tu caiu em desuso. Nessas áreas, conforme Bagno (2013),

não se ouve lhe na fala não monitorada. Ainda há, todavia, uma carência da descrição de

como essa variação ocorre na maior parte do Brasil.

Mais adiante, comentaremos o que se feito acerca da variação te/lhe no PB.

3.4 Tu/te e você/lhe através do tempo

A 2ª PESS SING, aquela a quem se dirige o falante (o remetente, no caso das cartas

pessoais), como se viu, é codificada na maioria das línguas conforme a relação entre os

interlocutores. As formas usadas para denotar distanciamento ou respeito costumam variar ao

longo do tempo, conforme as mudanças nas sociedades, e apresentarem um conjunto bastante

diversificado de formas (SOARES, 1980, p. 56-66). Já as formas usadas na intimidade, em

geral, são menos suscetíveis a mudanças ao longo do tempo, tendendo a conservar-se. É o que

comprova a persistência das formas T provenientes do indo-europeu ao longo da história, não

só no português, como em todas as línguas latinas e eslavas, em que os pronomes de 2ª PESS

SING, inclusive os possessivos, usados na intimidade, iniciam todos com t-, e nas germânicas,

em que iniciam com d-, þ- ou th- (consoantes em que se transformou o t- indo-europeu nessa

família de línguas). 19

A forma portuguesa tu veio do latim tū, e este do indo-europeu *t (BEEKES,

1995; SIHLER, 1995). Ou seja, desde o indo-europeu, “ancestral hipotético (...) de todas as

línguas indo-europeias antigas e modernas” (LYONS, 2011, p. 140), falada na Pré-história,

nas planícies da Rússia no quarto milênio antes de Cristo, que esse pronome vem se mantendo

sem modificações fonéticas drásticas até hoje em português.20

19

Nas línguas latinas: italiano – tu, ti, te, tuo, francês – tu, te, toi, ton, espanhol – tú, te, ti, tu, catalão – tu, te, teu,

romeno – tu, te, tine, tău; nas línguas eslavas: russo – ty, tebya, tebe, tvoy, polonês – ty, tobie, twój, tcheco – ty,

tě, tebe, tvůj, esloveno – tî, t e te , t i ti , tvój etc.; nas línguas germânicas: alemão – du, dich, dir, dein,

dinamarquês – du, deg, din, sueco – du, dig, din, islandês –þú, þig, þér, þín, inglês – thou, thee, thy, thine (hoje

arcaicas ou dialetais). 20

O mesmo não se deu em outras línguas, em que ou a consoante sofreu alteração, como em grego (su), em

proto-germânico (*thu) e nas línguas derivadas, como o alemão (du) e o islandês (þú), ou a vogal foi

modificada, como em sânscrito (twa-m), nas línguas eslavas (ty ou ti) e no francês, que, apesar da grafia tu, a

Page 52: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

50

A persistência fonética e semântica de tu, desde o indo-europeu até o português

moderno, ou seja, desde a Pré-História até os dias atuais, é um caso raro na história das

línguas.

Quanto à forma objetiva te, a história é um pouco diferente:

A forma átona portuguesa te provém de dois étimos latinos: o acusativo

(doravante ACUS) tē e o dativo (doravante DAT) tibi (com síncope do /b/ e crase dos “ii”), com

perda da tonicidade em ambos os casos, daí porque pode ser empregada tanto como OD

quanto como OI. Conforme Coutinho (1976),

A forma ti resultou da analogia com mi. Na língua popular de Portugal, há a forma

tim por influência de mim. Em textos antigos, é às vezes representado por che. A

palatização se dava quando ti era seguido de o, a, donde cho, cha, de que se tirou

depois che. A forma arcaica átona ti deu te, o que explica o emprego desta variação

pronominal como objeto indireto em português. (COUTINHO, 1976, p. 254).

Na verdade, trata-se de duas palavras diferentes, homônimos perfeitos, com

entradas diferentes no dicionário Aurélio:

te1 [Do lat. te, acus. do pron. tu] Pron. pess. Designa a 2ª pess. do sing. dos dois

gêneros, tomada como objeto direto e equivalente a a ti: “E, abrindo as asas para o

eterno abrigo, / Divino Amor, escuta que eu te chamo, / Divino Amor, espera que eu

te sigo (José Albano, Rimas, p. 238); “E te amo como se ama um passarinho morto

(Manuel Bandeira, Estrela da vida inteira, p. 36) (...)

te2 [Dativo do pron. tu; da forma sintética ti (< lat. tibi, *tihi), tornada átona e

confundida com o acus.] Pron. pess. 1. Designa a 2ª pess. do sing. dos dois gêneros,

tomada como objeto indireto e equivalente a a ti: Obedeço-te. [...] 2. Em ti: Alguém

te insultou, te bateu? 3. Para ti: Vou adquirir-te um exemplar daquele romance;

Compraram-te umas lembranças de aniversário.(...). (FERREIRA, 2010, p. 2013)

Todavia, por uma questão de praticidade, consideraremos te (OD, do lat. tē) e te

(OI, do lat. tibi) como uma única palavra, pois é assim a postura adotada pelas gramáticas em

geral e pela maioria dos dicionários da língua portuguesa (ABL, 2008, p. 1224; AULETE,

2011, p. 1317; BUENO, 2009, p. 712; HOUAISS, 2010, p. 746; SACCONI, 2012, p. 1939).

A forma latina tē (fonte do te OD) por sua vez, vem do indo-europeu *tege21

, com

síncope do /g/ e crase dos “ee”; já a forma tibi (que é a fonte do te OI) vem do indo-europeu

*tébhi22

(SIHLER, 1995).

pronúncia da letra “u” é a da vogal anterior fechada arredondada /y/. No inglês, houve tanto a mudança

consonantal quanto a vocálica: thou [ðaʊ]. 21

Fonte do armênio duk’ e do proto-germânico *theke (que deu origem ao gót. þuk, ao escand. þik, ao al. ant.

dih, al. mod. dich, dinam./nor. deg, sueco dig, frísio ant. thi, ingl. ant. þe, ingl. mod. thee [hoje arcaico]), do

albanês të, e do grego se (< te) (BEEKES, 1995).

Page 53: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

51

Nas línguas indo-europeias antigas, a terminação verbal por si só indicava a

pessoa gramatical, dispensando a aparição do pronome sujeito na frase, de modo que os

pronomes na função de sujeito eram menos frequentes do que na função de objeto. A alta

frequência de uso, segundo Bybee (2003), ocasiona a redução fonética. Heine (1993, p. 106)

diz que “uma vez que um lexema é convencionalizado como um marcador gramatical, tende a

sofrer erosão, isto é, a substância fonológica é susceptível de ser reduzida de algum modo e de

tornar-se mais dependente do material fonético circundante”23

. Eis por que te, diferentemente

de tu, sofreu tantas transformações fonéticas ao longo do tempo, tornando-se um clítico

(*tébhi > tibi > tii > ti > te).

Quanto à forma lhe, usada como oblíquo de você (ou de tu), remonta ao latim ĭlli,

passando por *eli, no latim vulgar, li no português arcaico, lhi e, finalmente, lhe. Como

explica Coutinho (1976),

Na linguagem popular de Portugal, ainda se ouve pronunciar li. Em regra, o l se

molha sempre que é seguido de semivogal e vogal (cf. filiu > filho). A palatização,

que a princípio só se dava em tal circunstância, generalizou-se depois. No português

arcaico, aparece o lhe empregado invariavelmente. Esta invariabilidade ainda

permanece na língua atual quando se lhe segue o pronome o, a. Assim, lho, lha,

tanto podem representar lhe + o, lhe + a, como lhes + o, lhes + a. (COUTINHO,

1976, p. 255).

No latim, ĭlli era o dativo do demonstrativo ĭlle, que significava “aquele”. Como

naquela língua não havia um pronome para a 3ª PESS SING a não ser na forma reflexiva (sui,

sibi, se), que, mesmo assim, não possuía nominativo (ALMEIDA, 2000, p. 162), os

demonstrativos costumavam ocupar essa lacuna. Inicialmente, is (“este”), ea (“esta”) e id

(“isto”) passaram a se empregar como substitutos da 3ª PESS SING; depois, no latim vulgar,

segundo Coutinho (1976), o demonstrativo ĭlle (“aquele”), ĭlla (“aquela”) e ĭllud (“aquilo”)

passaram a ser usados tanto como artigo24

, quanto como pronome pessoal. Da forma acusativa

de ĭlle surgiram os art. portugueses ĭllum > ĭllu > elo > lo > o25

e ĭllam > ĭlla > ella > la > a.

22

Fonte do eslavo antigo te ě (que deu em russo, em servo-croata, tobie em polonês etc.) e tave em

lituano. (BEEKES, 1995) 23

No original: “Once a lexeme is conventionalized as a grammatical marker, it tends to undergo erosion; that is,

the phonological substance is likely to be reduced in some way and to become more dependent on surrounding

phonetic material” 24

A passagem de um demonstrativo significando “aquele” para um artigo não se deu apenas em português e nas demais línguas românicas (fr. le, ital. il, esp. el, rom. –ul), mas também nas línguas germânicas: do proto-

germânico *that “aquele”, surgiu o artigo em inglês (þe > the e that antes de vogais no inglês medieval), em

alemão (der, das), em sueco (de, det) etc. (BEEKES, 1995). 25

Na fase arcaica do português, havia outra forma do artigo definido: el, também derivada de ĭllu (ĭllu > ello >

el). A forma el costumava preceder as palavras rei, conde e alcaide (SPINA et al., 2008, p. 66).

Page 54: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

52

Da forma nominativa, surgiram os pronomes de 3ª PESS do caso reto: ĭlle > elle > ele e ĭlla >

ella > ela. Da forma dativa, como se expôs acima, surgiu lhe.

Tendo sido originado do dativo, lhe tinha apenas a função de OI ou CN, como

ainda pregam as gramáticas normativas (CUNHA, 1986, p. 154, 299; TERRA, 1999, p. 121).

Lhe adquiriu o traço [+2ª PESS] ao substituir, na função de OI, as formas de

tratamento que, em geral, são constituídas de expressões formadas por vosso(a) acompanhado

de um substantivo abstrato que designa uma qualidade atribuída à pessoa a quem se dirige de

forma cerimoniosa, como majestade, alteza, excelência, senhoria, graça, mercê etc. O uso

desses tratamentos de cortesia “consistiu em fingir que se dirigia a palavra a um atributo ou

qualidade eminente da pessoa de categoria superior, e não a ela própria.” (SAID ALI, 1964, p.

93).

Como a expressão de tratamento é, em geral, uma locução substantiva feminina,

pode ser substituída pelo pronome ela e por suas formas oblíquas correspondentes:

Isso pertence a vossa senhoria? → Isso pertence a ela? → Isso lhe pertence?

A substituição da expressão de cortesia pela 3ª PESS SING FEM ocorre em alemão

(Sie, “ela”) e em italiano (antes Ella, hoje Lei, “a ela”).

Entre as expressões de tratamento, usava-se, no reino português, vossa mercê26

para se dirigir aos reis de Portugal, durante a dinastia de Borgonha e início da dinastia de

Avis. No século XV, quando os soberanos portugueses adotaram o chamamento

de alteza (vossa alteza), a expressão passou a usada para tratar as principais figuras do Reino,

nas principais casas fora da Família Real, generalizando-se depois como forma de tratamento

adotada pelos fidalgos entre si.

Por esse período, ficou o tu restrito apenas às classes burguesas e populares, sendo

utilizado na nobreza apenas quando existisse grande grau de intimidade, geralmente

intimidade familiar, e de superiores para inferiores (pais para filhos, avós para netos, fidalgos

para criados e populares). Os inferiores em dignidade (sobrinhos para tios, criados para

patrões etc.) respondiam ao tu com que eram tratados na 3ª PESS ela (como se faz hoje em

alemão e em italiano) ou por vós, ou pelo tratamento correspondente à dignidade reconhecida

à pessoa mais importante durante o diálogo (vossa majestade, vossa alteza, etc.).

26

Mercê veio do latim mercedem, ACUS. de merces, “recompensa, salário”, que, no latim vulgar, adquiriu o

sentido de “favor”, “piedade” e, hoje, significa “preço ou recompensa de trabalho”, “paga”; “favor dispensado

ou recebido”; “ato de clemência do poder público que favorece um condenado” (FERREIRA, 2010, p. 1376)

Page 55: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

53

O tratamento por vossa mercê foi, posteriormente, sendo levado para as camadas

populares, como forma V, perdendo seu tom cerimonioso ao mesmo tempo em que, pela alta

frequência de uso, foi se contraindo: vossa mercê > vossemecê > vosmecê > você.27

Dessa forma, os pronomes oblíquos e os possessivos de 3ª PESS, além de

manterem seu uso original, passaram a ser largamente empregados com você e com o(a)

senhor(a), como neste trecho de A Moreninha, de 1844, considerado por alguns como o

primeiro romance brasileiro:

– Não, senhor, nada há aqui que exagerado seja: rogo-lhe que por um

instante pense comigo: se o seu sistema é bom, deve ser seguido por todos, e se

assim acontecesse, onde iria assentar o sossego das famílias, a paz dos esposos, se

lhe faltava a sua base – a constância?

Augusto guardou silêncio e ela continuou:

– Eu devo crer que o senhor Augusto pensa de maneira absolutamente

diversa daquela pela qual se explicou. Consinta que lhe diga: no seu pretendido

sistema, o que há é muita velhacaria; finge não se curvar por muito tempo diante de

beleza alguma, para plantar no amor-próprio das moças o desejo de triunfar de sua

inconstância. (MACEDO, 2007, p. 43)

Já o uso de lhe como OD deve-se, segundo Monteiro (1994), a motivos vários:

estratégia de fuga ao emprego do clítico acusativo, em fase de frança extinção;

manutenção de uma simetria morfossintática com outros pronomes (me, te, se) que

funcionam como objetos diretos; ausência da preposição, o que desestabiliza a

oposição entre os dois tipos de complemento verbal; recurso para se desfazer a

ambiguidade entre as referências à segunda ou à terceira pessoa. (MONTEIRO,

1994, p. 86)

A simetria morfossintática é defendida também por Nascentes (2003), que diz que

Na linguagem corrente, o emprego de lhe dativo se atenuou, usando-se de

preferência as expressões a ele, para ele, a você, para você. É a tendência analítica

da língua. Eis o primeiro passo para o novo valor. Este pronome desvalorizado, por

efeito da analogia [...] foi utilizado para completar uma série, ao lado de me e te. Me

e te servem para acusativo [objeto direto] e dativo [objeto indireto]. A lhe, da

terceira pessoa, dativo, correspondia o, a, para acusativo. Que fez a língua? Para

uniformizar, deu a lhe a função de acusativo e assim ficou: me e te, acusativo e

dativo, e lhe, também, acusativo e dativo. (NASCENTES, 2003, p. 447)

27

Luft (1995, p. 56) apresenta outras formas resultantes da aglutinação de vossa mercê que foram usadas por

escravos ou pelo povo sem escolarização: vossancê, vossuncê, vassuncê e vancê. A expressão também ocorria

em outras línguas românicas nas quais também se aglutinou: vossa mercede > vostede (galego), vuestra merced

> usted (espanhol padrão), sumercé (espanhol dialetal, dos arredores de Bogotá), vuestra mercé > vusté

(aragonês) e vostra mercè > vostè (catalão).

Page 56: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

54

Para o autor, o emprego de lhe como acusativo (ACUS) não é recente, mas remonta

à fase arcaica da língua e se encontra registrado em textos literários e não literários, inclusive

em autores consagrados como Machado de Assis e Adolfo Caminha.

Monteiro (1994) diz que o uso do pronome derivado do dativo (DAT) latino ĭlli

também é usado como ACUS na variedade não padrão do espanhol, em que o DAT le tem sido

usado em lugar do ACUS lo em algumas regiões da fala espanhola.

Sendo assim, lhe (< ĭlli) encontra-se em variação tanto com o DAT te (< tibi)

quanto com o ACUS te (< te).

Tendo-se configurado a variação te/lhe, esta pesquisa analisa sua ocorrência em

cartas pessoais do século XX escritas por cearenses, procurando identificar qual dessas formas

em variação, nas cartas pessoais, é mais recorrente no século XX, quais são seus fatores

condicionantes e em que medida os fatores linguísticos condicionam tal variação.

3.5 A variação te/lhe em estudos variacionistas e em compêndios gramaticais

Antes de tratarmos da variação pronominal te/lhe, que é foco desta pesquisa,

convém que definamos o que é pronome. Para Dubois et al. (1973, p. 489), pronomes são

“palavras que se empregam para reenviar a ou substituir uma outra pessoa já utilizada no

discurso (emprego anafórico), ou para representar um participante na comunicação, um ser ou

um objeto presentes no momento do enunciado (emprego dêitico).” De seu emprego anafórico

veio o termo pronome (< lat. pronomen, de pro- “em substituição a” e nomen “nome”).

Castilho (2012, p. 474) afirma que, do ponto de vista semântico-discursivo, “os

pronomes (1) representam as pessoas do discurso, pelo caminho da dêixis, (2) permitem a

retomada ou antecipação de participantes, pelo caminho da foricidade (anáfora e catáfora).”

A tradição gramatical classifica os pronomes em “pessoal”, “possessivo” etc. e,

destas classificações, interessa-nos a de “pronome pessoal”: “Os pronomes pessoais designam

as duas pessoas do discurso e a não-pessoa (não-eu, não-tu), considerada, pela tradição, a 3ª

pessoa.” (BECHARA, 2003, p. 164).

Como os pronomes pessoais apresentam subtipos, que são definidos em termos de

forma e função, é importante retomarmos essa classificação, e o fazemos conforme Cunha

(1986):

Page 57: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

55

Quanto à função, as formas do pronome pessoal podem ser retas ou oblíquas.

Retas, quando funcionam como sujeito da oração; oblíquas, quando nela se

empregam fundamentalmente como objeto (direto ou indireto).

Quanto à acentuação, distinguem-se, nos pronomes pessoais, as formas tônicas das

átonas. (CUNHA, 1986, p. 278)

Embora tradicionalmente não sejam considerados subtipos do pronome pessoal,

os pronomes “possessivos”, definidos por Bechara como “os que indicam a posse em

referência às três pessoas do discurso” (BECHARA, 2003, p. 166), também são bastante

recorrentes nos trabalhos que envolvem a variação entre as formas originadas da distinção T-

V. No caso do português brasileiro, verifica-se o uso indiferente de teu/seu em correlação com

tu/você, como veremos no Capítulo 4.

3.5.1 Estudos variacionistas

A presente pesquisa insere-se no grupo de estudos sobre a variação em categoria

pronominal no PB, as quais são diversas: eu/mim (como COMPL PREP), teu/seu, o/ele etc.

Todavia, a maioria dos estudos realizados no país acerca de variação pronominal

volta-se para a concorrência nós/a gente e tu/você como sujeitos. Sobre a variação te/lhe, seja

na fala, seja na escrita, não se verificam trabalhos acadêmicos, portanto, até a realização desta

pesquisa, a variação te/lhe em cartas pessoais escritas no Ceará constitui um estudo inédito. O

fenômeno é abordado rapidamente nos artigos, dissertações e teses que investigam o uso de tu

e de você como formas de se dirigir ao interlocutor ou como forma de marcar a

indeterminação, como os que comentamos a seguir.

Galves (2001) afirma que, no PB, o pronome lhe praticamente só é utilizado como

corresponde a você, na 2ª PESS do discurso, e não mais como originalmente uma forma de 3ª

PESS correspondente a ele. Além disso, observa que a alternância entre as formas dativas

te/lhe resulta da generalização de você, como forma de tratamento no português falado em

grande parte do Brasil.

Chagas (2011) diz que o sistema dos pronomes pessoais do português vem

sofrendo alterações desde algum tempo quando a gente passou a concorrer com nós e a

expressão vossa mercê (hoje você) passou a concorrer no singular com tu e no plural com vós,

sendo esta a que já foi praticamente eliminada da língua falada, tanto no Brasil como em

Portugal. O autor alega – e discordamos dele quanto a isso – que o pronome tu foi perdido em

muitas regiões do Brasil no caso reto, embora preserve ainda bem vivas suas formas oblíquas

Page 58: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

56

(te, ti – esta menos do que aquela) e possessivas (teu, teus, tua, tuas), e acrescenta que, apesar

de se conservar sem ser ameaçado em certos contextos, o pronome nós enfrenta a forte

concorrência da expressão a gente. As mudanças no sistema pronominal português, sobretudo

no Brasil, não se encerram aí. O autor também comenta que o clítico átono de 3ª PESS

exclusivamente acusativo (o, a, os, as) se perdeu na língua falada, sendo substituído pela

forma tônica (ele, ela, eles, elas) e que o oblíquo nos, quando reflexivo, vem sendo

substituído por se, talvez por influência de a gente (que concorda com formas de 3ª PESS) e

também por questões prosódicas, no caso, para evitar a difícil articulação após uma consoante

sibilante (nós nos...). Quanto à forma lhe e a concorrência de lhe e o(a) com te, o autor nada

comenta.

Paiva e Duarte (2009) afirmam haver neutralização entre as formas tu e você em

várias regiões do território nacional e que, em grande parte do país, você substituiu

completamente tu. Como consequência dessa substituição, ou neutralização, e da substituição

de vós por vocês, assim como da concorrência entre nós e a gente, o número de oposições

entre as formas verbais, no presente do indicativo, caiu de seis para três (v. Quadro 3 –

paradigma 1), que podem passar a apenas duas nos casos em que a marca de concordância da

3ª PESS PL encontra-se ausente (v. Quadro 3 – paradigma 2), como mostramos a seguir:

Quadro 3: Alterações no sistema de conjugação do presente do indicativo no PB ocasionado

por mudanças no quadro dos pronomes

Paradigma padrão Paradigma 1 Paradigma 2

eu amo eu amo eu amo

tu amas tu

ama

tu

ama

você ama

você você

ele(a) ele(a) ele(a)

nós amamos a gente a gente

vós amais nós nós

vocês amam vocês amam

vocês

ele(a)s ele(a)s ele(a)s

FONTE: produção do próprio autor.

No presente e no pretérito imperfeito do subjuntivo, bem como no pretérito

imperfeito do indicativo, as marcas desinenciais chegam a desaparecer em alguns falares

brasileiros, de modo que uma única forma verbal é usada para todas as pessoas (v. Quadro 4 –

Page 59: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

57

paradigma 1). No pretérito perfeito do indicativo, a distinção desinencial se mantém, embora

diferentemente do padrão (como mostram as entrevistas apresentadas por Farias, 1999) – v.

Quadro 4 – paradigma 2:

Quadro 4: Alterações no sistema de conjugação nos tempos do subjuntivo e nos pretéritos do

indicativo em algumas variedades do PB ocasionadas por mudanças no quadro dos pronomes

Paradigma 1 Paradigma 2

(PERF INDIC) (PRES SUBJ) (IMPERF SUBJ) (IMPERF INDIC)

eu

ame

eu

amasse

eu

amava

eu amei

tu/você tu/você tu/você tu/você

ele(a) ele(a) ele(a) ele(a) amô

a gente a gente a gente a gente

nós nós nós nós amemo

vocês vocês vocês vocês amaro

ele(a)s ele(a)s ele(a)s ele(a)s

FONTE: produção do próprio autor.

Para essas autoras, tal condição seria em si mesma suficiente para determinar a

direção da mudança no sentido de SUJ vazio (“oculto”, na nomenclatura tradicional) para SUJ

preenchido, tal qual ocorreu em outras línguas, como o inglês, o francês etc. Ainda conforme

as autoras, as mudanças operadas no sistema pronominal do português repercutem em outros

pontos, relacionando-se a outras mudanças, como a das formas de realização do DAT, porém

não se alongam ao tratar do uso de lhe como pronome de 2ª PESS.

O DAT nos pronomes de 3ª PESS em português, bem como o ACUS dessa pessoa, é

mostrado por Gomes (2003) como tendo sido alterados pela redução dos pronomes do NOM. A

autora considera, em se estudo, o desaparecimento do tu e do vós, que teriam sido substituídos

por formas de 3ª PESS – você, a gente – o que nossa pesquisa mostra ser um equívoco quanto

ao pronome tu. Para ele, o clítico exclusivo do ACUS de 3ª PESS (o e suas flexões) encontra-se

em vias de desaparecimento e o clítico exclusivo do DAT de 3ª PESS (lhe) já passou para

referência à 2ª.

Sales (2007) estudou os aspectos linguísticos e sociais no uso dos pronomes

pessoais em cartas pessoais baianas e afirma que, no corpus de seu trabalho (dados do século

XX), “observa-se a produtividade do clítico lhe [como pronome de 2ª PESS] como ACUS e

como DAT, de modo que as construções só ocorrem como complementos de VTDs ou com

Page 60: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

58

verbos transitivos diretos e indiretos (VTDIs), mas nunca com transitividade só indireta. O uso

de lhe ACUS sugere ser este parte da gramática dos informantes.” (p. 66) A autora acrescenta

que esse pronome, mesmo na função de OI (que é sua função prototípica), só ocorre com

referência ao interlocutor (2ª PESS), não havendo, na amostra analisada, ocorrências de lhe

como pronome de 3ª PESS.

Souza (2012) estudou cartas pessoais dos séculos XIX e XX, escritas entre os

anos de 1870 e 1970, tanto por cariocas, quanto por moradores do Rio de Janeiro, e afirma

que, “com relação à expressão do sujeito (nula ou plena), o você ocorreu preferencialmente

como forma expressa, ao passo que o tu foi empregado preferencialmente como sujeito nulo”

(p. 136). Segundo a autora, a concorrência tu/você só começou a partir da década de 1930,

“quando os dados do tu pleno começam a salpicar numa carta ou outra” e “a forma você teria

seguido a tendência de aumento do preenchimento e o tu seguido a queda do sujeito nulo” (p.

137). A autora conclui que o pronome você, nas cartas analisadas, era “utilizado para

destinatários e contextos específicos, podendo marcar contraste ou individualização, sendo

empregado para atenuar pedidos e ordens” e que foram as mulheres que passaram a empregar

você nas situações em que antes se usava apenas tu. Como em alguns trabalhos comentados

anteriormente, este também não foca a variação te/lhe.

Semelhantes são as conclusões de Silva (2011), que, analisando cartas entre um

casal de namorados do Rio de Janeiro da década de 1930, concorda que tu foi suplantado por

você por volta da década em que as cartas foram escritas e que tal mudança parece ter sido

conduzida pelas mulheres, levando-se em conta o contexto da época, em que as mulheres

deviam manter distância dos seus interlocutores, fazendo, para isso, o uso da forma você, que,

dada sua origem (vossa mercê), “guarda um resquício de indiretividade”. Como a variação

te/lhe não era o foco de seu estudo, a autora não se pronuncia quanto ao uso de lhe como 2ª

PESS.

Estudos variacionistas com foco em alguma cidade ou comunidade específica do

país sobre variação pronominal têm sido realizados nas cinco regiões:

No Sul, destacamos o trabalho de Loregian-Penkal (2004) que, com base numa

amostra de língua falada em Florianópolis, Porto Alegre e Ribeirão da Ilha, conclui que tu

predomina na maioria dos contextos, aparecendo o você preferencialmente como

indeterminador. Arduin (2005) estudou a variação dos possessivos teu/seu em algumas

cidades da região sul (Blumenau, Chapecó, Flores da Cunha, Florianópolis, Lages, Panambi,

Porto Alegre e São Borja).

Page 61: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

59

Ainda no Sul, Franceschini (2011) abordou a variação tu/você em Concórdia (SC)

e afirma que lá os falantes mais jovens apresentam uma maior probabilidade de uso da forma

inovadora você, já os mais velhos fazem um maior uso de tu; além disso, os falantes com

maior nível de escolaridade empregam mais você, diferentemente dos menos escolarizados,

que preferem tu. A autora acrescenta ainda que, em relação aos fatores linguísticos, a

determinação do referente mostrou-se o fator mais significativo, indicando um favorecimento

do pronome você com referentes indeterminados, e, com referentes determinados, um maior

uso do pronome tu. Limitando-se a tratar de tu e você como SUJ, a autora não faz nenhuma

referência às formas oblíquas te e lhe, que também se encontram em variação tanto quanto tu

e você.

No Sudeste, destaca-se a pesquisa de Mota (2008, p. 83) sobre o fenômeno da

variação tu / você em São João da Ponte (MG) e concluiu que a forma tu é hoje, naquela

cidade, “uma marca do grupo de faixa etária de 15 a 25 anos, e é também um fenômeno da

zona rural.” Sua análise mostrou que, embora esteja presente em todas as faixas etárias, a

forma tu é predominante entre os jovens, o que contraria o que ocorre em outros pontos do

país, onde a forma você é a inovação. Para isso, a autora explica que “A comparação entre

São João da Ponte e municípios vizinhos mostra que aquele município, diferentemente dos

demais, ficou marginalizado do desenvolvimento industrial.” A autora conclui, a partir do fato

de se ter mantido o tratamento por tu no município pesquisado, enquanto os vizinhos, mais

urbanizados e desenvolvidos o perderam, que essa variante linguística seria um vestígio de

um modo de falar rural. Quanto à forma pronominal usada como complemento verbal, a

autora afirma que “a variante preferida é o ‘te’. O uso da forma átona não constitui uma

especificidade da fala do município de São João da Ponte, pois outros municípios mineiros

também a usam.” (p. 64). O trabalho também não foca a variação te/lhe, de modo que o

pronome lhe nem sequer é mencionado na pesquisa.

Além do trabalho de Mota, outros que investigam a variação tu/você no Sudeste

são o de Modesto (2007) em Santos (SP), o de Paredes e Silva (2003) e o de Lopes (2008),

ambos na fala carioca contemporânea.

No Centro-Oeste, Lucca (2005) investigou o uso da 2ª PESS na fala de jovens

brasilienses e concluiu que os jovens de Brasília tendem a usar o tu em situações informais,

cotidianas, familiares de intercâmbio linguístico entre pares solidários, enquanto você tende a

aparecer quando se discutem temas familiares, como forma de o falante ajustar-se ao tema

sobre o qual a conversação se encaminha.

Page 62: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

60

Dias (2007), que desenvolveu uma pesquisa sobre o uso de tu no português falado

na capital federal, afirma que esse pronome tem retornado à fala de Brasília com bastante

ocorrência entre os falantes mais jovens, de ambos os sexos, sobretudo quando interagem com

interlocutores de mesma faixa etária. Quanto ao uso de lhe como correferente de tu (e,

portanto, em variação com te), a autora nada afirma.

Andrade (2010), que também estudou a variação entre os pronomes de 2ª PESS na

capital federal, concluiu que os IPs mais recorrentes na fala brasiliense são tu e você, que

apresenta a variante cê. Para a autora, o pronome tu, no português falado em Brasília, é mais

frequente na fala de homens, em interrogativas, com referência específica, em relações

simétricas e fora da função de sujeito, enquanto o pronome você, ao contrário, prevalece na

fala de mulheres, em frases não interrogativas, com referência genérica e em relações

assimétricas. Quanto à forma reduzida cê, é mais comum “em falas reportadas, em posição de

sujeito, em orações interrogativas e em relações assimétricas” (p. 119). Quanto ao pronome

lhe, a autora não faz menção, embora seu trabalho não se limite à função de SUJ, e a função

sintática tenha sido um dos fatores controlados na pesquisa, de modo que apresenta resultados

da ocorrência das três formas como complemento verbal (ACUS e DAT), sem, no entanto,

configurar o pronome lhe entre eles.

No Norte, destaca-se o trabalho de Martins (2010) sobre a variação tu / você em

Tefé (AM). O autor chegou a conclusões semelhantes ao trabalho de Mota (2008): naquele

município, quanto mais jovem o falante, mais frequente é o uso de tu. Você é mais frequente

em situações de contato com pessoas menos íntimas e nas referências genéricas. O trabalho

também não foca a variação te/lhe, mas apenas às formas tu/você como SUJ. No entanto, o

autor chega a comentar que te, na amostra analisada, é usado, em geral, quando o SUJ. é tu, e

não você (p. 93). O uso de lhe não é comentado no trabalho.

Além desse trabalho, há o de Soares e Leal (1993) sobre as formas de tratamento

produtivas em interações comunicativas travadas, em Belém, entre pais (professores e

funcionários da Universidade Federal do Pará) e os seus respectivos filhos. A forma tu

mostrou-se, ao lado de o senhor, bastante produtiva, sendo a primeira preferida pelos filhos de

professores e a segunda pelos filhos de funcionários. Os pais, ao se dirigirem aos filhos,

utilizam tu.

No Nordeste, temos Oliveira (2003), para quem o pronome lhe como clítico de 2ª

PESS para verbos transitivos diretos (VTDs) ocorre em diferentes regiões do país, sendo mais

frequente no português falado no Nordeste. A autora analisou dados do Projeto para a História

Page 63: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

61

do Português Brasileiro (PHPB) e constatou que há um alto índice de lhe com VTDs nos dados

da Bahia (séc. XIX), o que, para ela, pode fundamentar a hipótese de que houve

recategorização do clítico dativo lhe, levando-o a ser usado no lugar de o e, posteriormente,

de te.

Também no Nordeste, Gomes e Gonçalves (2007), ao estudarem sobre a

realização do pronome lexical (designação usada pelas autoras para o ele) de 3ª PESS como OD

em Vitória da Conquista (BA), afirmam que a forma oblíqua átona o caiu em desuso para o

falante do PB, que prefere a forma ele, porém afirmam que, ao lado de ele, ocorre, embora de

forma rara, o uso de lhe, que deixou de ser usado apenas como OI, conforme recomendam as

gramáticas normativas. O estudo, no entanto, limita-se aos usos de formas da 3ª PESS como

OD, não considerando, portanto, a ocorrência de lhe como pronome de 2ª PESS.

Em seu estudo sobre o português afro-brasileiro, Lucchesi e Mendes (2009), que

coletaram uma amostra da fala vernácula das comunidades rurais afro-brasileiras isoladas de

Barra e Bananal, no Município de Rio de Contas, na região da Chapada Diamantina, no

interior do Estado da Bahia, afirmam que, “como decorrência da introdução de você, usa-se

lhe, com referência à 2ª pessoa, tanto na função canônica de OI, quanto no uso não padrão

como OD: eu vô lhe contá (OI); eu já lhe vi (OD)” (p. 481). Para os autores,

Esses fatos, observados na amostra de fala analisada, são comuns a todas as

variedades do PB, incluindo a sua norma urbana culta. Entretanto, alguns fatos do

português afro-brasileiro com relação à flexão de caso com a 2ª pessoa do singular,

que podem ocorrer em outras variedades populares e rurais do PB, não se verificam

na norma culta. A manutenção de tu em variação com a forma inovadora você na

função de sujeito está relacionada com o uso da forma oblíqua te, para as funções de

OD e OI: eu vô te levá po Cinzento; não te dô a conta, mas não se registraram as

formas tônicas ti e contigo. Por outro lado, o uso do pronome do caso reto tu na

função de OD e complemento oblíquo (e.g., só num já matei tu, num falei com tu),

encontrado na amostra, aponta para um quadro de variação no português afro-

brasileiro, e em muitas variedades populares do PB, que se relaciona com a mudança

crioulizante de eliminação da flexão de caso dos pronomes pessoais.” (LUCCHESI;

BAXTER; RIBEIRO, 2009, p. 482).

Portanto, segundo os autores, a variação te/lhe é frequente entre os falantes das

comunidades de afrodescendentes analisadas. Quanto ao uso de lhe, afirmam que “na amostra

analisada também não ocorreram lhe(s) com referência à 3ª pessoa” (p. 482).

Ainda na região Nordeste, Almeida (2009) estudou a variação te/lhe como ACUS

na fala de Salvador (BA) e concluiu que, naquela capital, há um uso bastante equilibrado das

variantes te e lhe no tratamento do interlocutor e que lhe alterna entre o DAT e o ACUS. Nessa

pesquisa, a faixa etária foi selecionada como um fator importante para a explicação da

Page 64: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

62

variação entre os dois pronomes. Para a autora, tal variação caracteriza-se como uma mudança

em curso na capital baiana, em direção à forma te e as mulheres têm se mostrado líderes nesse

processo. A autora conclui, também, que lhe é mais frequente em situações de fala monitorada

e que entre os falantes de 45 a 55 anos,

“existe uma discreta diferenciação no uso das variantes, prevalecendo te para as

relações solidárias e lhe para as não solidárias. (...) O decréscimo de lhe entre os

indivíduos de 25 a 35 anos nas relações de menor envolvimento pode dever-se à

tendência à informalidade que se observa nos dias atuais e que leva o falante a optar

por uma forma que traduza melhor essa informalidade.” (ALMEIDA, 2009, p. 173)

Scherre (2011), após comparar diversos estudos variacionistas sobre o uso de tu e

de você no PB – Loregian-Penkal (2004) e Ramos (1989) para a região Sul; Oliveira (2005;

2007) para a região Nordeste; Martins (2010) para a região Norte; Paredes Silva (2004) e

Lopes et alii (2009) para a região Sudeste; Lucca (2005), Dias (2007) e Andrade (2010) para a

região Centro-Oeste –, conclui, acerca do uso dessas formas quanto ao gênero, que,

o uso mais frequente de TU por parte das mulheres (caso das localidades das regiões

Sul, Nordeste e Norte), quando esse pronome for um traço mais geral ou de fácil

registro e marcar a identidade geográfica dos falantes. Por outro lado, associamos o

uso menos frequente de TU por parte das mulheres (caso das regiões Sudeste e

Centro-Oeste), quando esse pronome for um traço menos geral ou de difícil registro

e não marcar a identidade geográfica dos falantes, mas, sim, essencialmente,

interação solidária ou de maior proximidade entre os falantes (logo, os homens estão

à frente, quando esse pronome for um traço mais específi co, marcando relações

solidárias entre grupos mais coesos). (SCHERRE, 2011, p. 135).

Dos trabalhos sobre variação pronominal realizados no Ceará, é importante citar

as conclusões de Soares (1980, p. 88-9), que, utilizando dados da capital, afirma que, em

Fortaleza, existe um sistema ternário de pronomes e formas pronominalizadas para o SUJ,

constituído por tu, você e o(a) senhor(a), sendo, porém, o uso de tu generalizado, mas sua

coocorrência com as desinências verbais –s e –ste é variável, “motivada por fatores como

grau de instrução, formalidade e atenção.” A autora afirma, inclusive, que o uso desse

pronome junto a verbos na 3ª PESS SING “é usado até por pessoas cultas numa linguagem

descuidada.” Quanto à combinação de tu com te, ti e teu e de você com lhe, se e seu, o

trabalho mostra que a manutenção das formas do mesmo paradigma (a “uniformidade de

tratamento” defendida pela gramática tradicional) se dá “quase categoricamente, mesmo pelas

pessoas menos instruídas”. A autora constata que essa “uniformidade” é quebrada na fala

Page 65: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

63

fortalezense com o uso de se com tu em frases reflexivas, como em “Tu se cortou?” (exemplo

de SOARES, 2003, p. 23).

Coelho (2003) também realizou estudo variacionista com dados de Fortaleza,

dedicando-se à sínclise (posição em relação ao verbo) dos pronomes no português falado na

capital cearense e concluiu que nem a idade nem o sexo têm papel importante na colocação

dos pronomes átonos na fala dos fortalezenses, que, de modo geral, preferem a próclise, que é

a tendência nacional. Como o foco de seu trabalho é a colocação dos pronomes, não há, em

sua pesquisa, conclusões sobre o uso de te/lhe.

3.5.2 Compêndios gramaticais

Estudos de variação não são contemplados pela gramática tradicional, pois, sendo

normativa, a gramática tradicional busca o uniforme, o padrão, o ideal linguístico. Entretanto,

existem divergências entre os gramaticistas quanto ao tratamento dado ao pronome lhe.

Algumas gramáticas normativas, como já foi comentado, restringem o uso de lhe à 3ª PESS,

limitando-o à função dativa (OI ou CN de verbos/nomes regidos pela preposição a ou para),

como se verifica em Cunha (1986, p. 154, 299) e em Terra (1999, p. 121). Outras admitem o

uso de lhe como 2ª PESS, desde que esta seja representada por você na função de SUJ, mas

insistem em conservá-lo como DAT, como se verifica em Rocha Lima (2012, p. 387-8) e em

Ferreira (2011, p. 288-9). Além do uso dativo referente a ele(a) ou você, lhe é apontado em

todas as gramáticas normativas também como substituto do possessivo seu/sua, em frases

como “Beijou-lhe a testa” (= “Beijou sua testa”), o que também acontece com os outros

oblíquos átonos, com exceção de o e se. Para Terra (1999, p. 120) e Ferreira (2011, p. 301-2),

por exemplo, lhe, neste caso, seria um ADJ. ADN. Já para Cunha (1986, p. 301) e Cury (2001,

p. 55), a função do pronome continua sendo de OI, mas com sentido possessivo. Bechara

(2003, p. 181) reconhece ainda a função de ADJ. ADV. para “os pronomes pessoais átonos, na

forma de objeto indireto”, o que inclui o lhe, em casos como “Tudo lhe girou em volta”

(=“Tudo girou em volta dele”).

Castilho (2012, p. 479), de orientação funcionalista, não reconhece lhe como

pronome de 2ª PESS, apenas de 3ª, embora admita seu uso como ACUS, relacionando esse uso

ao desaparecimento de o e à semelhança com as formas me e te, que tanto podem ser dativas

quanto acusativas.

Page 66: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

64

Bagno (2012, p. 753-6) reconhece lhe como pronome de 2ª PESS, mesmo quando o

SUJ é tu e diz que “a apropriação por parte de você de amplos terrenos de emprego de tu levou

à indiferenciação dos índices de pessoa do caso oblíquo, que se aplicam sem distinção tanto a

tu quanto a você”. O autor complementa que a escolha de lhe ou de te para o caso objetivo

está associado à “origem geográfica do falante” e que o uso de lhe é bastante frequente no

Norte e no Nordeste, “mesmo nas comunidades linguísticas em que o sujeito mais empregado

é tu”. No Sul e no Sudeste, segundo Bagno, te predomina independentemente de o SUJ. ser tu

ou você. Por fim, o autor assegura que “lhe, na língua falada, só se refere ao alocutor, isto é, à

pessoa a quem eu se dirige, e jamais à não-pessoa referida no discurso”, ou seja, à 3ª PESS.

Como se disse anteriormente, poucos estudos com foco na variação te/lhe no PB

foram feitos, sendo inéditas pesquisas sobre essa variação em cartas pessoais. No entanto, as

obras acima mencionadas servem como justificativa para a realização desta pesquisa uma vez

que, além de apontar para a existência do fenômeno no PB (no caso de alguns dos estudos de

variação acima), revelam divergências quanto ao pronome lhe (no caso dos compêndios

gramaticais) e lacunas que devem ser preenchidas com novos estudos, como o que fizemos

aqui.

3.6 Resumo do capítulo

Neste capítulo, discutimos, em linhas gerais, aspectos semânticos e funcionais que

envolvem os pronomes pessoais, o que os torna uma classe suscetível a variações, e

apresentamos a Teoria T-V proposta por Brown e Gilman (1960). A teoria, que trata da

codificação da polidez através de expressões pronominais em muitas sociedades europeias,

esclarece as origens do uso das formas pronominais de 3ª PESS SING com valor de 2ª PESS

SING, justamente o que acontece na variação te/lhe no português. Comentamos como a

distinção T-V é feita em algumas línguas indo-europeias e mostramos o que aconteceu com o

português quanto a essa distinção. Além disso, traçamos o percurso histórico dos pronomes na

função de SUJ tu (que, em português, permanece basicamente igual à primitiva – e hipotética –

forma pré-histórica indo-europeia *t ) e você (que surgiu da aglutinação de uma expressão de

cortesia – Vossa Mercê – e passou a ocupar o espaço preenchido por tu em várias regiões do

Brasil) a fim de esclarecer como a forma de 3ª PESS SING lhe, usada como OI de você, entrou

em variação com te não só nesta função, como também na de OD e de mostrar a resistência da

forma milenar tu (e suas formas oblíquas) em algumas regiões do Brasil. Apresentamos

Page 67: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

65

alguns trabalhos realizados sobre a variação tu/você, da qual a variação te/lhe é uma

consequência, e como o pronome lhe tem sido considerado nestes trabalhos, embora não fosse

este o foco.

No próximo capítulo, explicitaremos como procedemos na realização desta

pesquisa sobre a variação te/lhe em cartas pessoais, quais os critérios e conceitos adotados,

quais os fatores levados em conta e o porquê de cada um.

Page 68: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

66

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para compreender os aspectos da variação entre as formas te/lhe no português

escrito no Ceará do século XX, fizemos uma pesquisa de caráter documental, tendo como

corpus 186 cartas obtidas numa busca entre os habitantes do município de Quixadá, no Sertão

Central cearense.

4.1 As cartas pessoais na pesquisa sociolinguística

Trabalhos sobre gêneros da modalidade escrita, sobretudo cartas pessoais,

revelam sua importância no estudo das variações e mudanças linguísticas.

Seara (2006) defende que a autenticidade das relações sociais, culturais e pessoais

encontra seu testemunho de forma ímpar nas cartas, as quais traduzem o cotidiano e a

vivência, em determinada época, de uma sociedade. Para a autora, o passado memorizado, o

presente vivido e o futuro, esperado e desejado, podem ser encontrados no desenvolvimento

das cartas, que é, portanto, lugar de temporalidade múltipla, pois “encerra esta mistura de

tempos diversos: o da história passada, o da seleção da informação, o da escrita, o do envio,

da recepção, da leitura e da releitura”. (SEARA, 2006, p. 23).

Chagas (2011) afirma que os textos escritos são importantes quando pretendemos

ter uma noção das mudanças de alguma língua num período mais extenso ou mais distante do

atual. Porém o pesquisador deve estar preparado para interpretar o que está registrado nos

textos de sincronias pretéritas e em que medida eles retratam a língua falada naquele período,

pois, apesar de ser algo conhecido que as línguas mudam, tanto em sua forma falada quanto

em sua forma escrita, a modalidade escrita é sempre mais conservadora do que a falada. Por

normalmente ser regulada por regras socialmente estabelecidas e estáveis, como os acordos

ortográficos e as gramáticas normativas, a modalidade escrita de uma língua causa a

impressão de se encontrar em um estado normalizado, estagnado, o que leva a achar que

certas mudanças linguísticas ocorrem em bloco e em saltos, coisa com que nem todos os

teóricos concordam. Assim, a nossa percepção da ocorrência de mudanças linguísticas é, em

certa medida, filtrada pelo contato com textos escritos.

Silva (2011) diz que cartas pessoais, assim como outros corpora de língua escrita

são importantes fontes de investigação dos resultados de mudança em tempo real ou mesmo

em tempo real de curta duração, ficando a cargo do pesquisador decidir o quanto vai

retroceder na língua para fazer sua análise. Dependendo do veículo a ser utilizado como

Page 69: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

67

recorte da língua, o pesquisador pode fazer um recuo de séculos (cujo resultado será em

tempo real) ou apenas de décadas (o que dará um resultado de tempo real de curta duração).

Andrade (2011) defende que a carta converte-se num espelho da conversação face

a face, porém deve apresentar uma escrita própria, entre a elegância oratória e a conversação

familiar. A autora defende ainda que a comunicação por cartas busca estabelecer uma relação

entre pessoas ausentes, servindo de nexo informativo em um momento de separação espaço-

temporal e cumprindo uma finalidade comunicativo-interacional. Para ela, é a relação

estabelecida entre os interlocutores que garante a eficácia de uma carta, que deve encerrar

confidencialidade e, desse modo, “as cartas são um retrato da sociedade de seu tempo, porque

revelam e desvelam não só o missivista, mas também seu destinatário numa prática social que

os instanciam no momento da enunciação.” (ANDRADE, 2011, p. 34).

Tais considerações acerca de cartas pessoais reiteram a importância das cartas

como forma de conhecimento da fala de uma determinada população em determinado período

de tempo, uma vez que é um gênero textual que se situa no limiar entre fala e escrita

(MARCUSCHI, 2001).

Sabendo que o corpus desta pesquisa é constituído de 186 cartas, conheçamos

agora detalhes metodológicos do trabalho.

4.2 As categorias de análise

Tagliamonte (2006, p. 10) afirma que formas diferentes de se dizer mais ou menos

a mesma coisa podem ocorrer em todos os níveis da gramática de uma língua, em todas as

variedades linguísticas, em todos os estilos, dialetos e registros de uma língua, em todos os

falantes, frequentemente até na mesma frase no mesmo discurso e que as escolhas que os

falantes fazem entre formas linguísticas alternativas de se comunicar a mesma coisa muitas

vezes fornecem informações extralinguísticas importantes.

Conforme Mollica (2008), a existência de formas linguísticas alternativas

(variantes) se dá em todas as línguas, o que faz da variação linguística um fenômeno

universal. Quando formas diversas de se codificar determinada função ou de se estabelecer

determinada relação entre as funções concorrem num mesmo período de tempo de uma

língua, tem-se um fenômeno variável ou uma variável linguística. Tecnicamente, essa variável

é chamada de variável dependente, pois não ocorre de modo aleatório, mas em decorrência de

um grupo de fatores (ou variáveis independentes) de natureza social ou estrutural. A autora

Page 70: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

68

atribui à Sociolinguística a tarefa de “diagnosticar as variáveis que têm efeito positivo ou

negativo sobre a emergência dos usos linguísticos alternativos e prever seu comportamento

regular e sistemático” (MOLLICA, 2008, p. 10-11).

Labov (1994, p. 26) afirma que existem variações devidas a fatores sociais, como

o sexo, a classe social, o grupo social e a etnia, e variações devidas a fatores internos, como a

tonicidade, a entonação, o desenvolvimento segmental, a ordem das palavras e a estrutura

oracional.

Guy e Zilles (2007, p. 75) mostram que a relação entre a variável dependente e

a(s) variável(is) independente(s) é de causalidade, ou seja, quando um falante seleciona uma

dentre duas ou mais formas concorrentes, ele o faz por causa de determinados fatores que

podem estar ligados às suas características intrínsecas (idade, sexo, raça etc.) ou extrínsecas

(classe ou grupo social, contexto de uso etc.), bem como à estrutura linguística. O emprego de

determinada forma em vez de sua concorrente não modificará, por exemplo, o sexo ou a idade

do falante nem o moverá de sua posição social, mas o sexo do falante ou seu nível de

instrução condiciona o emprego dessa forma em vez da outra.

Seguindo o mesmo pressuposto, Tarallo (2011 [2007], p. 36) afirma que “a cada

variante correspondem certos contextos que a favorecem” e chama esses contextos de “fatores

condicionadores”.

Na pesquisa aqui proposta, foram adotados estes parâmetros:

4.2.1 Variável dependente

Como já foi exposto, nossa pesquisa analisa a variação entre os pronomes te/lhe

em cartas pessoais escritas por cearenses ao longo do século XX. Esta variável depende de

alguns fatores (variáveis independentes), os quais especificamos a seguir.

4.2.2 Variáveis independentes

No caso da variação entre as formas te e lhe, consideramos como fatores

condicionadores aspectos relacionados ao remetente da carta e aspectos ligados ao contexto

linguístico em que o pronome é usado. Ao primeiro grupo de fatores, chamamos variáveis

extralinguísticas (que corresponde ao elemento “socio” do termo “sociolinguístico”); ao

segundo, variáveis linguísticas. Especificamos quais são elas nas subseções seguintes:

Page 71: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

69

4.2.2.1 Variáveis extralinguísticas

Como se trata de uma pesquisa a partir de um conjunto de cartas acidentalmente

disponíveis, não nos foi possível levar em conta diferentes aspectos ligados ao falante, no

caso, ao remetente, como a faixa etária, o nível de instrução, a profissão etc. Assim, as cartas

foram estratificadas em apenas dois fatores extralinguísticos: o período em que a carta foi

escrita e o gênero da autoria (carta escrita por homem ou carta escrita por mulher).

Controlamos também o remetente das cartas como um grupo de fatores, com o objetivo de

investigar a distribuição da variação das formas te/lhe em cada remetente, ou seja, qual a

tendência de uso categórico de cada uma das formas da variação em estudo e qual o

percentual da variação entre os remetentes.

4.2.2.1.1 Períodos do século XX

Quanto ao fator tempo, as cartas estão estratificadas nos seguintes períodos:

a) décadas de 1940 e 1950;

b) décadas de 1960 e 1970;

c) décadas de 1980 e 1990.

Ao se considerar o fator tempo, ou seja, década do Século XX, preferimos dividi-

lo em três períodos, seguindo critérios histórico-sociais e levando-se em conta aspectos

relativamente demarcados da história do nosso país: o primeiro período compõe-se dos anos

1940 e 1950, décadas de profundas mudanças econômicas e sociais, com o fim da Era Vargas

e com a política desenvolvimentista de Kubitschek; o segundo período compõe-se dos anos

1960 e 1970, décadas da repressão militar e instauração da censura; e o terceiro período

compreende os anos de 1980 e 1990, décadas de redemocratização e consolidação de uma

moeda forte, o que condiciona novas mudanças socioeconômicas.

Page 72: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

70

4.2.2.1.2 Gênero da autoria

Quanto ao gênero da autoria, as cartas foram estratificadas em:

a) cartas escritas por homens.

b) cartas escritas por mulheres.

Levamos em conta o gênero da autoria, partindo do pressuposto comum na

Sociolinguística de que homens e mulheres se expressam de maneira diferente, o que

influencia na ocorrência das formas variantes. Um dos pioneiros em pesquisa quanto às

diferenças entre homens e mulheres ao se expressarem foi Fisher (1958), segundo o qual as

mulheres tendem a conservar as formas linguísticas, evitando as inovações, enquanto os

homens tendem a manifestar um estilo mais independente, sem muito envolvimento com seu

interlocutor (TANNEN, 1990). Sendo assim, remetentes do sexo feminino tenderiam a usar

te, e não lhe, por ser esta a forma mais antiga na língua no tratamento à 2ª PESS SING e

remetentes do sexo masculino tenderiam a evitar te, que indicaria mais aproximação e

intimidade (MONTEIRO, 1994).

4.2.2.1.3 Remetente

Em uma amostra de 186 cartas, contabilizamos 86 remetentes, dos quais 39 são

homens e 47 são mulheres. Alguns escreveram cartas durante as décadas de 1940 a 1980,

outros apenas uma ou duas cartas em todo o período abrangido pela pesquisa.

Apesar de fazerem parte de uma mesma comunidade de fala, os usuários de uma

língua nem sempre se comportam da mesma maneira ante um fenômeno de variação

linguística. Para uns, uma determinada forma é categórica, ou seja, é sempre a forma

selecionada; para outros, a variação é bastante verificável, seja favorecendo uma forma, seja

favorecendo outra.

4.2.2.2 Variáveis linguísticas:

Como te e lhe são pronomes oblíquos átonos, portanto, clíticos, prendem-se ao

verbo que o rege. Partimos, então, da hipótese de que aspectos ligados ao verbo são fatores

condicionadores da escolha por um ou outro pronome; por isso, trabalhamos com os seguintes

grupos de fatores:

Page 73: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

71

a) tipo semântico do verbo regente;

b) estrutura do verbo regente;

c) tempo do verbo regente;

d) forma nominal do verbo regente;

Além desses, trabalhamos com três outros grupos de fatores ligados aos

pronomes:

a) função sintática do pronome te/lhe;

b) posição do pronome te/lhe em relação ao verbo;

c) presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe.

Esses grupos de fatores são detalhados a seguir:

4.2.2.2.1 Tipo semântico do verbo que rege o pronome te/lhe

Diversos estudiosos têm proposto diferentes classificações para os verbos a partir

de seus traços semântico-pragmáticos, como apontam Tavares e Freitag (2010). Das

classificações apontadas pelas autoras, optamos pela de Scheibman (2000), que agrupa os

verbos em nove categorias, a saber:

verbos de cognição (cognitivos): os que descrevem alguma atividade mental, como

conhecer, saber, pensar, lembrar, esquecer, decorar etc.

verbos de atividade corporal: os que descrevem gestos ou interações corporais, como

comer, beber, dormir, fumar etc.

verbos existenciais: os que expressam existência ou acontecimento, como ser, acontecer,

ocorrer, estar, haver etc.

verbos de sentimento (sentimentais): os que indicam emoção, desejo, como sentir, querer,

desejar, necessitar etc.

verbos materiais: os que se referem a ações ou atitudes concretas ou abstratas, como fazer,

ir, ensinar, trabalhar, usar, brincar etc.

verbos de percepção (perceptivos): os que indicam percepção ou atenção, como olhar, ver,

ouvir, encontrar etc.

verbos possessivos/relacionais: os que indicam posse ou pertinência, como ter, possuir,

pertencer, condizer etc.

Page 74: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

72

verbos relacionais: os que se expressam uma característica do ser, como ser, parecer,

tornar-se, ficar etc.

verbos dicendi: os que indicam ações verbais, como dizer, falar, perguntar, exclamar,

prometer etc.

Para classificar o verbo que rege o pronome pessoal oblíquo (no caso, te ou lhe),

levamos em conta o contexto. Por exemplo, o verbo dar pode ser classificado como “verbo

material” em “dar um presente” e como “verbo dicendi” em “dar uma notícia”, uma vez que,

aqui, ele se refere a uma atitude verbal, equivalente a “contar”, “dizer”.

4.2.2.2.2 Estrutura do verbo que rege o pronome te/lhe

Quando falamos da estrutura do verbo que exige os pronomes te e lhe, estamos

nos referindo à forma com que esse verbo é enunciado, se em uma única palavra (forma

simples) ou em mais de uma (locução verbal). Sendo em mais de uma, temos um caso de

locução verbal, que tanto pode ser um tempo composto para o qual se tem uma forma simples

equivalente, como tinha feito, que equivale a fizera, quanto um sintagma incapaz de ser

expresso em uma só forma verbal em nossa língua, como deviam ter feito.

As gramáticas normativas do português costumam chamar de locução verbal o

“conjunto formado por um verbo auxiliar seguido de um verbo principal em uma forma

nominal” (TERRA, 1999, p. 143). Esse conceito engloba tanto o de “tempo composto” quanto

o de “perífrase verbal” ou “conjugação perifrástica”. É esta a escolha de Pontes (1973) ao

estudar os verbos auxiliares em português, rejeitando a separação entre “tempo composto” e

“conjugação perifrástica”, preferindo a expressão mais geral “locução verbal” – termo que

adotamos nesta pesquisa.

Conforme Pontes (1973), não se tem claro o inventário dos verbos auxiliares do

português. Cunha (1986, p. 372) menciona os auxiliares “mais comuns”, referindo-se aos que

são usados nos chamados tempos compostos (aux. + part), que são os verbos haver, ter, ser e

estar, embora acrescente verbos como ir, vir, andar, ficar etc. entre os auxiliares em alguns

exemplos de locuções verbais. O autor também adverte que “como não há uniformidade de

critério linguístico para determinação dos limites da auxiliaridade, costuma variar de

gramático para gramático o elenco de verbos auxiliares.” (CUNHA, 1986, p. 380).

Page 75: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

73

Por essa razão, optamos, na codificação dos dados, pela classificação de Bechara

(2003, p. 230-2), que divide os auxiliares em:

auxiliares de tempos compostos – ter, haver e ser, que formam o PRET. PERF. COMP. INDIC.

(“Tenho/Hei cantado”, “São passados três meses”), o PRET. M.Q.PERF. COMP. INDIC.

(“Tinha/Havia cantado”), o FUT. DO PRES. COMP. INDIC. (“Terei/Haverei cantado”), o FUT.

DO PRET. COMP. INDIC. (“Teria/Haveria cantado”), o PRET. PERF. SUBJ. (“Tenha/Haja

cantado”), o PRET. M.Q.PERF. SUBJ. (“Tivesse/Houvesse cantado”), o FUT. COMP. SUBJ.

(“Tiver/Houver cantado”), o INF. COMP. (“Ter/Haver cantado”) e o GER. COMP.

(“Tendo/Havendo cantado”).

auxiliares da voz passiva analítica – ser, estar, ficar (“Sou amado por...”, “Estou tomado

por...”, “Fiquei rodeado por/de...”).

auxiliares acurativos – “determinam com mais rigor os aspectos do momento da ação

verbal que não se acham bem definidos na divisão geral de tempo presente, passado e

futuro” (BECHARA, 2003, p. 231), podendo indicar:

a) o início da ação (começar a, pôr-se a, meter-se a),

b) a iminência da ação (estar para/por, pegar a),

c) a continuidade da ação (continuar (a), ficar),

d) o desenvolvimento gradual da ação ou sua duração (estar (a), andar, vir, ir),

e) a repetição da ação (tornar a, voltar a, costumar) e

f) o término da ação (acabar de, parar de, cessar de, deixar de).

auxiliares modais – “determinam com mais rigor o modo como se realiza ou se deixa de

realizar a ação verbal” (BECHARA, 2003, p. 232), podendo expressar:

a) necessidade: haver de, ter de, precisar.

b) obrigação: ter de, dever.

c) possibilidade: poder.

d) vontade ou desejo: querer, desejar, odiar, abominar.

e) tentativa ou esforço: buscar, pretender, tentar, ousar, atrever-se a.

f) consecução: conseguir, lograr.

g) aparência: parecer.

h) movimento para realizar um intento futuro próximo ou remoto: ir.

i) resultado: vir a, chegar a.

auxiliares causativos – expressam o fato de que o sujeito do verbo causa a realização da

ação, sem realizá-la com suas próprias mãos: fazer, mandar, deixar, permitir.

Page 76: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

74

auxiliares sensitivos – expressam o fato de que o sujeito do verbo percebe, através de um

dos sentidos, a ação expressa pelo verbo principal: sentir, ouvir, ver, observar.

Em resumo, este grupo de fatores compreende dois tipos:

a) forma simples

b) locução verbal

Com “locução verbal”, englobamos o que tradicionalmente se chama de “tempos

compostos” e “conjugação perifrástica”, considerando como auxiliares os tipos de verbos

mencionados acima.

4.2.2.2.3 Tempo do verbo que rege o pronome te/lhe

Cunha (1986) chama de tempo verbal “a variação que indica o momento em que

se dá o fato expresso pelo verbo.” (CUNHA, 1986, p. 368).

Ao longo da amostra, detectamos usos dos tempos verbais diferentes de sua

conotação prototípica, que seria o presente expressando fatos concomitantes ao momento em

que se escreve, o pretérito expressando fatos anteriores à redação da carta e o futuro

expressando eventos posteriores a esta. Encontramos usos do presente do indicativo com, por

exemplo, o valor de futuro, como em (4) e (5):

(4) Amanhã vamos passar o dia no Oiteiro. (REGO, 1965, p. 62)

(5) Volto a semana que vem. (ANDRADE, 1955, p. 315)

Na codificação dos dados, classificamos esses casos conforme a tradição

gramatical (ou seja, nos exemplos acima, como presente do indicativo mesmo, e não como

futuro do presente).

Em resumo, esse grupo de fatores está assim constituído:

a) pretérito perfeito (PRET PERF);

b) pretérito imperfeito do indicativo (PRET IMPERF INDIC);

c) pretérito imperfeito do subjuntivo (PRET IMPERF SUBJ);

d) presente do indicativo (PRES INDIC);

e) presente do subjuntivo (PRES SUBJ);

Page 77: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

75

f) futuro do presente do indicativo (FUT PRES);

g) futuro do pretérito do indicativo (FUT PRET);

h) futuro do subjuntivo (FUT SUBJ).

4.2.2.2.4 Forma nominal do verbo que rege o pronome te/lhe

Como o verbo a que se prende o pronome nem sempre se encontra numa forma

finita, precisamos também considerar as formas nominais, as que constituem as locuções

verbais (que compreende tanto os “tempos compostos” quanto as “conjugações perifásticas”).

Para Cunha (1986, p. 456), “as formas nominais do verbo identificam-se pelo fato

de não poderem exprimir por si nem o tempo nem o modo. O seu valor temporal e modal está

sempre em dependência do contexto em que aparecem.”

São três as formas nominais do português: o infinitivo (INF), o gerúndio (GER) e o

particípio (PART). Com exceção do PART, essas formas podem aparecer constituindo uma

locução verbal ou isoladamente. Em qualquer caso, quando o verbo se encontra numa forma

nominal, é sempre a forma que rege o pronome oblíquo.

Assim, podemos nos defrontar com o seguinte questionamento: numa locução

verbal a que se prende o pronome oblíquo, o fator que condiciona a escolha desse pronome é

o fato de ser uma locução verbal ou a presença da forma nominal? Entretanto, decidimos

manter essa distinção de fatores pelas seguintes razões: primeiro, porque saber que o pronome

está numa locução verbal não é saber qual a forma nominal do verbo que o rege – a forma é

composta (locucional), mas o verbo pode estar no INF (vou te/lhe contar), no GER (estou te/lhe

contando) ou no PART (tinha te/lhe contado); depois, porque existem muitas ocorrências do

pronome te/lhe com formas nominais soltas, isso é, sem constituírem locuções com outros

verbos.

Esse grupo de fatores, portanto, compreende:

a) infinitivo (INF);

b) gerúndio (GER);

c) particípio (PART).

O imperativo, por ser um modo verbal e por não aparecer regendo te/lhe na

amostra analisada, não configura neste grupo de fatores.

Page 78: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

76

4.2.2.2.5 Posição do pronome te/lhe em relação ao verbo principal

Como já mencionamos, os pronomes oblíquos átonos da língua portuguesa

prendem-se aos verbos que os regem e podem ser usados antes ou depois destes. Numa fase

anterior da língua, ocorria também a intercalação do pronome à forma verbal no futuro do

presente ou no futuro do pretérito. A essas posições, dá-se, respectivamente, o nome de

próclise, ênclise e mesóclise.

Embora a próclise (“anteposição ao vocábulo tônico”28

– BECHARA, 2003, p.

588) seja a preferida no PB (CASTILHO, 2012, p. 303; MONTEIRO, 1994, p. 187), a ênclise

(“posposição ao vocábulo tônico” – BECHARA, 2003, p. 587) ainda é usada

“espontaneamente em fórmulas fixas (danou-se, deixe-me ver, parece-me) ou em textos

falados e escritos submetidos à monitoração estilística” (BAGNO, 2012, p. 741). A mesóclise

(“interposição ao vocábulo tônico” – BECHARA, 2003, p. 588), que, como bem explica

Bagno (2012, p. 742), nada mais é do que “a ênclise de um IP ao INF verbal: falar-te hei, falar-

te ia” e não tem ocorrência no PB, a não ser por força da tradição escolar.

Nesta pesquisa, partimos do pressuposto de que a possibilidade de anteposição ou

posposição do pronome ao verbo em português seja um fator que influencia na escolha de

uma das formas em variação. Por isso, esse grupo de fatores compreende:

a) a próclise;

b) a ênclise.

Como a mesóclise só apareceu uma única vez em nossa amostra (caso que

comentaremos posteriormente), não será considerada neste grupo.

4.2.2.2.6 Função sintática do pronome te/lhe

Quanto à função sintática do pronome em questão, utilizamos a nomenclatura

empregada na designação de caso, conforme Monteiro (1994, p. 84): acusativo, que expressa

o ser que sofre a ação indicada pelo verbo, e dativo, que exprime a função gramatical de

complemento de atribuição, de interesse e fim.

Optamos por esta nomenclatura para não deixarmos de fora ocorrências do

pronome como neste exemplo de Terra (1999, p. 226):

(6) Caminhar a pé lhe era saudável.

28

Na aposição dos pronomes oblíquos átonos a um vocábulo tônico, este, no PB, é o verbo.

Page 79: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

77

Ocorrências semelhantes a essa foram encontradas em nossa amostra, as quais

comentaremos no capítulo de análise.

O fator função sintática do pronome te/lhe compreende, portanto:

a) acusativo (ACUS);

b) dativo (DAT).

4.2.2.2.7 Presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe

Estudando a variação na concordância de número em português, alguns autores

têm dado atenção ao paralelismo linguístico (SCHERRE; NARO, 1997; VIEIRA, 1997).

Poplack (1980, p. 63), ao estudar o espanhol de Porto Rico, constata que um marcador conduz

a outro mais, e o cancelamento de um marcador conduz a outro cancelamento. Ela diz que “a

presença de uma marca de plural antes de um token favorece a retenção de marca neste token,

enquanto a ausência de uma marca precedente favorece o apagamento. O efeito maior é

produzido quando uma precede imediatamente o token .”

Considerando que a gramática tradicional recomenda o paralelismo pronominal

(FARACO; MOURA, 2005, p. 222; FERREIRA, 2011, p. 291), resolvemos considerar como

um fator que influencia a escolha por te ou lhe a presença de uma forma originalmente V

(você, o[a] senhor[a], consigo, seu[s]/sua[s]) ou T (tu, ti, contigo, teu[s]/tua[s]) ou a

ausência dessas formas antes da primeira ocorrência de te ou lhe.

Este grupo de fatores, portanto, compreende:

a) presença de forma T antes da primeira ocorrência de te/lhe;

b) presença de forma V antes da primeira ocorrência de te/lhe;

c) ausência de formas T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe.

4.3 A coleta da amostra

Segundo Marconi e Lakatos (2011, p. 49-55), cartas constituem dados de fontes

primárias, pois são compilados pelo autor, não sendo transcritos de outras fontes. A aquisição

delas, conforme as autoras, dá-se em domicílios particulares, sendo documentos cuja

importância reside no fato de que são escritos na própria linguagem do autor. As cartas

pessoais usadas nesta pesquisa foram escritas por cearenses ao longo do século XX, período

Page 80: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

78

em que a comunicação por cartas no Brasil atingiu seu ponto máximo com a atuação das

instituições que melhoraram o sistema de distribuição de correspondências e encomendas no

país (o Departamento de Correios e Telégrafos [DCT], criado em 1931, e a Empresa

Brasileira de Correios e Telégrafos [ECT], criada em 1969) e com o crescimento da

população alfabetizada.

As cartas usadas como corpus nesta pesquisa foram obtidas, como já citado

acima, com a colaboração de cidadãos do município cearense de Quixadá. As buscas se

concentraram em uma só cidade para facilitar a identificação de informações a respeito dos

remetentes e dos destinatários. Para a composição do material a ser analisado, as cartas

deveriam:

a) pertencer ao gênero “carta pessoal” (ficando, portanto, fora dessa compilação

as “cartas comerciais”, as “cartas de leitor”, as “cartas de protesto”, as “cartas

circulares” e aquelas que fazem parte de jogos ou correntes)29

e

b) ser escritas por pessoas do povo, ou seja, não por profissionais da linguagem

ou autoridades com intenção formal ou profissional.

Como cartas pessoais, estas deveriam ser trocadas entre parentes, amigos,

namorados, noivos ou cônjuges e ser escritas tanto por/para homens quanto por/para

mulheres, tanto por/para jovens quanto por/para adultos.

Nessa busca, foi obtida uma quantidade bastante diversificada de

correspondências: algumas de pessoas mais habituadas à leitura e, portanto, que escreviam

com certa preocupação estilística, conscientes de estarem usando uma modalidade diferente

da fala, como as cartas produzidas por alguns pastores ou seminaristas; outras foram escritas

por pessoas de baixa escolaridade e apresentam muitas marcas da oralidade e desvios da

ortografia oficial. Em todas, porém, o uso dos pronomes te/lhe não segue exatamente as

prescrições da gramática normativa, mesmo nas cartas de pessoas com mais escolaridade. Por

conta disso, nenhuma dessas cartas foi desconsiderada por se aproximar ou por se afastar da

norma padrão . Todas as 186 cartas coletadas, por serem cartas pessoais, foram aproveitadas

na constituição de nossa amostra.

29

No período em que era intensa a comunicação por cartas, desenvolveu-se o hábito de escrever cartas em

corrente, isto é, com cópias para diversos destinatários, com a recomendação de que novas cópias daquela

carta fossem feitas e enviadas a novos destinatários, os quais deveriam enviar de volta uma das cópias para

cada remetente, multiplicando assim o número de cópias de modo a não quebrar a corrente. O objetivo era

puramente lúdico, apenas para verificar a aceitabilidade do destinatário no jogo bem como promover a

interação entre os escritores de cartas. Algo semelhante faz-se hoje nas redes sociais como o Facebook e nos

aplicativos de celulares como o WhatsApp.

Page 81: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

79

Como alerta Labov (1994, p. 11), os documentos históricos (neste caso, as cartas)

sobrevivem por acaso, não por intenção, e a seleção que está disponível é o produto de uma

série imprevisível de acidentes históricos. Infelizmente, por se tratar da junção de um material

já produzido e o único disponível, não foi possível coletar, na mesma proporção, cartas que

representassem os mais diversos segmentos da sociedade cearense nem diferentes relações

sociais, bem como as sucessivas décadas do século XX. Assim, têm-se, por exemplo, mais

cartas de pessoas que mantinham com seus destinatários uma relação simétrica (de igual para

igual, como amigos, cunhados, primos, irmãos e cônjuges) do que de pessoas que mantinham

uma relação assimétrica (de poder, como pai e filho, patrão e empregado, tio e sobrinho etc.);

mais cartas escritas por homens do que por mulheres; mais cartas escritas por adultos do que

por jovens; mais cartas escritas a partir da segunda metade do século XX do que nas décadas

anteriores; as cartas dos anos 1940 aos anos 1960 são predominantemente de adultos para

adultos, enquanto as cartas escritas a partir dos anos 1970 até o ano 2000 são principalmente

de jovens para jovens. Tais características inviabilizam um equilíbrio na quantidade de itens

que compõem cada célula representativa dos diversos segmentos que envolvem a amostra

(década, sexo do remetente, idade do remetente, relação remetente/destinatário etc.), por isso,

a maioria das características sociais teve de ser desconsiderada, restando-nos apenas os fatores

período em que a carta foi escrita e gênero de autoria da carta, além de se considerar o

remetente individualmente.

As correspondências foram entregues diretamente ao pesquisador e constituem

material inédito em qualquer tipo de análise, não tendo sido, portanto, retiradas de seus

envelopes e desdobradas para outro fim que não fosse a leitura do destinatário ou das pessoas

com quem este compartilhou o assunto.

Após a coleta das cartas, que se deu através de conversas com diversos moradores

da cidade de Quixadá, foram colhidas as informações sobre os autores dos documentos (de

onde eram, qual a faixa etária quando escreveram as cartas, qual a relação que mantinham

com o destinatário, qual o sexo e qual o nível de instrução). Os informantes desses dados

foram os responsáveis pelo acervo, em geral, parentes do destinatário, como a Sra. E. B. de

A., filha do Pr. J. A. de M., a qual mantém em seus arquivos cartas destinadas a seu pai, com

quem morou até o falecimento dele, aos 92 anos de idade, conhecendo, portanto, detalhes das

relações sociais mantidas entre ele e os remetentes das cartas. Também é o caso da Sra. M. F.

S. N., que guarda correspondências trocadas entre os membros da família de seu marido e que

deu as informações básicas sobre os autores dessas cartas. Os outros acervos são dos próprios

Page 82: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

80

destinatários, os quais, melhor do que ninguém, sabem informar com mais segurança os dados

sobre as pessoas que escreveram para elas.

As cartas foram digitalizadas para o formato .pdf, impressas, organizadas em

ordem cronológica, conforme a data utilizada pelo remetente, catalogadas com a letra C

seguida de um número de três dígitos, de 001 a 186, e encadernadas para facilitar o manuseio

durante a pesquisa.

Coletadas as cartas, estas foram digitalizadas de forma a conservar o máximo

possível suas características naturais e manter a legibilidade dos documentos. Em seguida, as

cartas digitalizadas foram arquivadas para leitura e identificação das ocorrências das formas

variantes te/lhe.

4.4 Estratificação da amostra

A amostra é composta por 186 cartas estratificadas por década e gênero da autoria

(carta de homem, carta de mulher). Outra forma de estratificação, como, por exemplo, por

idade ou por escolaridade, foi inviabilizada pelo fato de se tratar de um material cuja coleta se

deu conforme o que se tinha disponível e não conforme um planejamento do pesquisador.

Também por esta razão, não foi possível equilibrar todas as células da divisão da amostra,

como se verifica no quadro seguinte:

Quadro 5: Quantidade de cartas por período e gênero da autoria:

Cartas Períodos Gênero da autoria

186

1) 40/50 – 26 masc.: 14

fem: 12

2) 60/70 – 80 masc.: 40

fem: 40

3) 80/90 – 80 masc.: 40

fem: 40

O quadro acima mostra uma distribuição das cartas da amostra conforme o gênero

da autoria: cartas escritas por homens e cartas escritas por mulheres, o que não significa dizer

que os números apresentados correspondam à quantidade de pessoas (remetentes), mas, sim, à

quantidade de cartas.

Page 83: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

81

Quanto aos remetentes, as 186 cartas foram escritas por 86 pessoas diferentes,

conforme mostra o quadro seguinte:

Quadro 6: Quantidade de cartas por períodos e por remetentes

Períodos Cartas por período Cartas por autoria

Masc. Fem.

1940-1950 26 14 12

1960-1970 80 40 40

1980-1990 80 40 40

Total 186 94 92

O quadro 6 traz uma comparação entre a quantidade de cartas por autoria e a

quantidade de remetentes envolvidos na amostra.

Quadro 7: Comparação entre autoria e os remetentes das cartas –

Gênero Quant. Total

Autoria masculino 94

186 feminino 92

Remetente masculino 39

86 feminino 47

Pelo quadro acima, vemos que a quantidade de remetentes não condiz com a

quantidade de cartas. Isso porque não há nenhuma relação entre o número de pessoas

envolvidas na produção das cartas e a quantidade de cartas produzidas, havendo indivíduos

que de quem conseguimos apenas duas ou três cartas (em alguns casos, apenas uma carta) e

indivíduos de quem obtivemos mais de 20 cartas. Em média, teríamos 2 cartas por remetente.

Nas próximas seções, vamos conhecer um pouco sobre o programa GoldVarb X,

que nos dará o suporte estatístico da análise, e sobre a codificação das cartas e das ocorrências

que serão lançadas no programa.

Page 84: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

82

4.5 Nossos informantes: os escribas

A amostra aqui analisada compõe-se de 186 cartas provenientes de vários acervos.

Todas as cartas foram coletadas no município de Quixadá, no interior do Ceará, a 167km da

capital Fortaleza.

Quixadá é um município de médio porte, com uma população de 83.990 mil

habitantes30

, sendo o décimo município mais populoso do Ceará e o primeiro da Mesorregião

dos Sertões Cearenses. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de

2010 apontam que o município tem o maior PIB do interior do estado.

Tendo-se emancipado em 1870, o município tornou-se um ponto de passagem

para quem se dirigia do litoral ao sul do estado e vice-versa. A estrada de ferro e a estação

ferroviária no centro da cidade favoreciam a circulação de pessoas e a troca de

correspondências.

Após uma busca por cartas pessoais entre os habitantes da cidade, conseguimos

coletar 186 correspondências, das quais:

81 pertencem ao acervo de dona E. B. de A, a maioria destinadas ao pai da

proprietária, o pastor J. A. de M., nascido em Crato (CE), no ano de 1899 e falecido em

Quixadá (CE) no ano de 1991. Tendo sido um dos principais difusores da Assembleia de

Deus no interior do estado do Ceará e um dos mais atuantes evangelizadores de seu tempo, o

pastor tinha uma rede de contatos muito ampla e costumava receber cartas de diversos

amigos, em geral, gente de sua mesma faixa etária, que lhe pediam conselhos ou favores. As

cartas são das décadas de 1940 a 1980. Além das cartas destinadas ao pastor, o acervo conta

com outras trocadas entre alguns membros da família.

46 pertencem ao acervo do Sr. F. B. da F. Nascido em 1954, em Quixadá, o

proprietário do acervo, que é funcionário público, professor aposentado, conserva cartas que

recebeu nas décadas de 1970 e 1980, sobretudo de um colega de ginásio, de iniciais J. E. C.

F., conterrâneo, de sua mesma idade, quando este, após o término do curso, aos 21 anos,

mudou-se para São Paulo e manteve contato através de cartas, de 1975 a 1984.

25 cartas são do acervo de M. F. S. N., que guarda as missivas trocadas entre os

membros da família N., que, saindo de Quixadá, onde nasceram e se criaram, enviaram cartas

para os que permaneceram na cidade, sendo a maioria de autoria do Pe. F. C. S. N., nascido

em 1946 e falecido em 1994. Os demais membros da família são (os que escreveram cartas):

30

Fonte: IBGE, disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil>

Page 85: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

83

J. E. (em algumas cartas, Z.), nascido em 1956; W. N., nascido em 1948; L. N., nascida em

1950; M. N., nascida em 1958; A. N., nascida em 1959 e falecida em 2013; e R. N., nascida

em 1960.

8 cartas são do acervo de F. J. N. A., todas da década de 1990 (com exceção de

uma de 1988). Nascido em 1974, o dono do acervo recebeu a primeira carta aos 13 anos de

uma amiga, quando ele se mudou para Fortaleza e ela permaneceu em Quixadá. No início da

década de 1990, o jovem, então com 17, 18 anos, trocou cartas com outra amiga, ex-colega de

escola, de mesma idade. Depois, já de volta a Quixadá, trocou cartas com um amigo que se

mudou de lá para Fortaleza.

7 cartas, das décadas de 1980 e 1990, são do acervo de S. D., que nasceu em

1972, concluiu o Ensino Médio (então 2º Grau), na adolescência, em 1989, em Quixadá, e

separou-se dos colegas de escola, os quais foram para outras cidades, algumas até em outros

estados. Seus colegas tinham a mesma idade que ela. Há também cartas destinadas a sua mãe,

H. D., de uma das amigas de S. D.

7 cartas são do acervo de S. M., moradora de Quixadá, trocadas entre sua sogra

M. G. e dois namorados que moravam em duas outras cidades do Ceará, durante o começo da

década de 1970, além de uma carta de G. H. para sua esposa C. M., mãe da detentora do

acervo, e de outra carta de uma sobrinha de C. M. para um tia.

3 cartas são do acervo de M. G., natural de Limoeiro do Norte, mas residente em

Quixadá desde o início dos anos 1980. São cartas recebidas de duas amigas.

2 cartas foram cedidas por S. A., professora da EEM Coronel Virgílio Távora,

Quixadá, das quais uma é de um filho para os pais e outra é de uma cunhada da mãe de S. A.

2 cartas pertencem a M. L. A. M. L., de Quixadá: uma enviada por seu pai,

quando este se encontrava no Pará, trabalhando nas minas, e escreveu à mulher; outra da

mulher, portanto mãe de M. L. A. M. L., ao marido, com um anexo incluso, uma carta de M.

L. A. M. L. ao pai.

1 carta foi cedida por M. F. C., senhora quixadaense nascida na década de 1950, e

trata-se de uma carta de seu sobrinho, que saíra de Quixadá para estudos religiosos em

Quixeramobim, cidade vizinha.

1 carta de R. F., quixadaense, que foi amiga íntima da escritora Raquel de

Queiroz (1910-2003), recebida de um ex-aluno seu que se mudou de Quixadá para São Paulo

para estudos religiosos.

Page 86: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

84

1 cartas de um amigo residente em Quixeramobim, cidade vizinha a Quixadá,

cedida pela destinatária, a estudante universitária M. L., quixadaense.

1 cartas de um namorado que saíra de Quixadá para Fortaleza, cedida pela

destinatária I. G., funcionária pública da EEM Abraão Baquit, Quixadá.

1 carta de um filho, jovem que saíra de Quixadá para Itaquaquecetuba (SP), nos

anos 1980, escrita para sua mãe e cedida por H. Q., irmão do remetente.

As 186 cartas da amostra têm 86 autores diferentes, 39 do sexo masculino e 47 do

sexo feminino, como se expôs anteriormente. O anexo I traz mais informações sobre as cartas.

4.6 O tratamento estatístico

Para a análise dos dados, utilizamos o programa GoldVarb X (SANKOFF;

TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), criado como ferramenta de análise sociolinguística. Como

descrevem Sankoff et alii (2005), O GoldVarb X é uma ferramenta metodológica utilizada na

Sociolinguística Variacionista para cálculos estatísticos auxiliares na análise de fenômenos

linguísticos variáveis.

O programa é uma versão da principal ferramenta quantitativa usada nos últimos

40 anos, que é o Programa de Regra Variável (VarbRul), em suas diversas versões. O

VarbRul mede o efeito relativo dos fatores das variáveis independentes ou grupo de fatores,

projetando pesos relativos associados a cada fator de cada variável independente em

sucessivas análises (TAGLIAMONTE, 2006; GUY; ZILLES, 2007), os quais, “na prática, são

frequências corrigidas” (SCHERRE; NARO, 2010, p.74). Os pesos relativos são calculados

tomando a média de uma dada variante como referência, o seu input, e são grandezas que se

situam entre zero e um. Os efeitos de favorecimento ou não favorecimento das variantes da

variável dependente analisada, medidos pelos pesos relativos, devem ser observados em

função de sua hierarquia dentro da cada etapa de análise pelo programa e não em termos de

suas grandezas absolutas (SANKOFF, 1988). A última versão do VarbRul para o ambiente

Windows denomina-se GoldVarb X.

Os resultados apontados pelo programa forneceram evidências que comprovaram

ou refutaram as hipóteses da pesquisa. O GoldVarb X converteu as ocorrências analisadas em

dados estatísticos para ser interpretados. Com base nos resultados apontados pelo Goldvarb X,

foi feita uma exposição detalhada dos resultados sobre o uso das formas variantes te/lhe na

comunicação escrita, os quais podem sinalizar para o que acontece na fala e para uma

Page 87: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

85

compreensão do estado atual da referida variação no português falado no Ceará, embora não

seja a modalidade falada o foco de nossa pesquisa.

4.7 A codificação dos dados

Antes de se fazer a análise, as cartas digitalizadas foram etiquetadas com um

código de identificação, que consiste da letra C (de carta) e um número que corresponde à

sequência temporal, ou seja, as cartas mais antigas foram enumeradas primeiro, seguido pela

data de emissão, por exemplo, C053-07.1.1940. Assim, quanto mais alto o número da carta,

mais recente é sua data de emissão.

As ocorrências das formas te e lhe foram transcritas ipsis litteris, conservando-se

o trecho do enunciado no qual o pronome aparece, para um arquivo do Word. Foi tido o

cuidado de se considerar a grafia ti no lugar do te, átono, como sendo uma ocorrência válida

desse pronome, como ocorre no trecho (7) transcrito abaixo:

(7) Eu estou ti avisando mas fique firme [C014-12.2.1949]

Da mesma forma, foram consideradas válidas as diversas grafias não oficiais para

o pronome lhe encontradas nas cartas, como nos trechos abaixo:

(8) eu peço a Deus que esta va li encontrar gozando perfeita saúde [C033-

3.8.1966]

(9) eu lhi enviei uns vec. para sua meditação [C055-21.11.1973]

(10) Quero le aprezentar o portador destas poucas linhas [C111-14.7.1980]

Feitas estas observações, passemos agora à análise dos dados, o que será

detalhado no Capítulo 5.

Page 88: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

86

5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Passemos agora à análise os dados que o programa Goldvarb X nos forneceu a

partir das ocorrências dos pronomes em variação te e lhe em 186 cartas pessoais escritas por

cearenses durante o século XX.

Convém aqui relembrar os grupos de fatores observados como possíveis

condicionadores da variação:

1. Fatores extralinguísticos:

a) o período (década do século XX a partir de 1940);

b) o gênero da autoria;

c) o remetente.

2. Fatores linguísticos:

a) tipo semântico do verbo a que se liga o pronome;

b) tempo do verbo a que se liga o pronome;

c) forma nominal do verbo a que se liga o pronome;

d) estrutura do verbo (simples ou em locução verbal);

e) posição do pronome em relação ao verbo;

f) função sintática do pronome;

g) presença de forma V ou T antes da primeira ocorrência de te/lhe.

Os resultados serão apresentados nas subseções a seguir.

5.1 Resultados por períodos do século XX

Como explicamos, analisamos as ocorrências de te e de lhe em 186 cartas pessoais

escritas por cearenses entre 1940 e 2000. Nestas cartas, as ocorrências desses pronomes

somaram-se 481, das quais 245 foram de lhe e 236 de te, como mostra a tabela abaixo:

Tabela 1: Ocorrências de te/lhe nas cartas pessoais

Pronome Ocorr./Total %

lhe 245/481 50,9

te 236/481 49,1

Page 89: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

87

A tabela mostra um equilíbrio entre as duas formas em variação no corpus

analisado, o que nos leva a concluir que se trata de uma competição bastante acirrada de duas

formas linguísticas pela mesma função, que é a 2ª PESS SING no caso oblíquo. A forma te, na

amostra analisada, apresenta 49,1% de uso e a forma lhe 50,9%. Esse fato corrobora a

informação de Bagno (2012) de que lhe é muito frequente no Norte e no Nordeste, mesmo nas

comunidades linguísticas em que ainda se emprega muito tu como SUJ, que é o caso do Ceará

(SOARES, 1980).

Tendo havido um desequilíbrio entre as quantidades de cartas do primeiro período

(1940/1950 – apenas 26) e as dos demais períodos (1960/1970 – 80 cartas; 1980/1990 – 80

cartas), resolvemos realizar, posteriormente, rodadas separadas: uma com as 26 cartas das

décadas de 1940 e 1950 e outra com as 160 cartas das quatro décadas posteriores. O resultado

foi que lhe mostrou-se mais usado tanto no primeiro período quanto nos demais, embora a

concorrência com te seja muito acirrada em toda a extensão temporal analisada.

Tabela 2: Ocorrências de lhe por década considerando-se dois períodos

Períodos Ocorr./Total %

1940-50 38/71 53,5

1960-90 207/410 50,5

Já analisando a ocorrência de lhe nos três períodos, percebemos uma queda

gradual de seu uso ao longo do século XX nas cartas pessoais da amostra, como podemos

verificar na tabela 3:

Tabela 3: Ocorrências de lhe nos três períodos

Períodos Ocorr./Total %

1940-50 38/71 53,5

1960-70 108/206 52,4

1980-90 99/204 48,5

Esse mesmo resultado pode ser visto de forma mais clara no gráfico 1, que traz o

percentual de uso das duas formas nas 186 cartas escritas ao longo dos três períodos

analisados:

Page 90: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

88

Gráfico 1: Percentual de te e de lhe em 186 cartas de 1940 a 2000:

Inicialmente, havíamos suposto que, nas décadas de 40 e 50, lhe como forma de 2ª

PESS era pouco frequente porque, conforme o estudo de Duarte (1993), a suplantação de tu (do

qual te é a forma objetiva) por você (cuja forma objetiva é lhe) começa a ocorrer a partir da

década de 1930 e, na amostra que observamos do Corpus Compartilhado Diacrônico: cartas

pessoais brasileiras, organizado por Oliveira e Lopes (2007), nas 97 cartas trocadas por um

casal de noivos do Rio de Janeiro entre os anos 1936 e 1937, são raríssimas as ocorrências de

lhe no lugar de te. Entretanto, em nossa amostra, ao contrário do que acontece nas cartas

fluminenses, lhe revelou-se bastante usual já na década de 1940, aparecendo em 53,5% das

ocorrências de pronome oblíquo átono de 2ª PESS, o que representa quase a metade do total,

contradizendo nossa hipótese. Já ao se considerar as duas décadas (1940 e 1950), percebemos

que, na amostra, lhe foi mais usado do que te, com 53,5% das 71 ocorrências de pronome

oblíquo.

Havíamos presumido também que, nas décadas de 60 e 70, lhe como forma de 2ª

pessoa apresentava frequência tão alta quanto a antiga forma te, como consequência da

reanálise iniciada décadas antes. A análise confirmou nossa hipótese, uma vez que a

frequência de lhe é muito próxima da de te, sendo um pouco mais alta do que esta (52,4%).

Também havíamos presumido que, nas décadas de 80 e 90, lhe predominava sobre

te, pois tendo lhe assumido o traço [+2ª pessoa], haveria uma tendência crescente ao seu

46,5

47,6

51,5

53,5

52,4

48,5

42

44

46

48

50

52

54

56

1940-1950 1960-1970 1980-1990

te

lhe

Page 91: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

89

emprego no lugar de te. No entanto, a análise mostrou que te foi mais usado do que lhe,

ficando este abaixo da metade das ocorrências de pronome oblíquo, com 48,5%.

Esses números corroboram a afirmação de Bagno (2012, p. 765)31

, quando ele diz

que “o lhe [de 2ª PESS] tem uma distribuição que poderíamos chamar de regional, porque não

é em todas as variedades do PB que ele ocorre com frequência, sendo mais comum em alguns

falares nordestinos (Bahia e Ceará, por exemplo).” Ao usar o termo “regional”, o autor refere-

se ao fato de o lhe predominar em algumas regiões, o que nada tem a ver com urbano ou rural.

Embora o lhe de 2ª PESS seja frequente no Ceará, como mostram os dados obtidos

através das cartas pessoais escritas por cearenses, essa forma não fez com que te fosse

eliminado dessa variedade regional, tampouco se tornasse esporádico. Ao contrário, a

variação te/lhe, no Ceará, revela-se, através da amostra analisada, muito acirrada, sobretudo a

partir da década de 1960, quando há uma pequena redução da frequência de lhe.

Numa mesma carta da década de 1940, o remetente alterna o uso de te e de lhe

como índices de 2ª PESS em contextos muito semelhantes, como mostram os trechos (11) e

(12) abaixo:

(11) pessu-te desculpa dos Eros e da letra. [C003-29.4.1941]

(12) pessu-lhi que procuri juntar as cartas que estão cauzando aperreio ahi entre

os crentes. [C003-29.4.1941]

A mesma alternância se verifica numa carta de 1992, em que a remetente ora usa

lhe, ora usa te na referência ao destinatário:

(13) preciso lhe vê, falar coisas que não dão nas cartas e também a saudade é

demais. [C174-9.12.1992]

(14) te agradeço por tudo [C174-9.12.1992]

Em linhas gerais, os resultados por período apontam para uma variação estável

entre as formas te/lhe no português cearense, com uma pequena queda do emprego da forma

lhe e retorno da forma antiga canônica nas últimas décadas do século XX.

31

Em sua Gramática pedagógica do português brasileiro (Parábola, 2012), Bagno utiliza dados do projeto

NURC-Brasil e recorre às pesquisas de Nívia Lucca (2005) e Dias (2007) – sobre a variação tu/você em

Brasília; Vera Paredes Silva (2003), sobre tu/você no Rio de Janeiro; Lucchesi et al. (2009) sobre o português

afro-brasileiro; Lopes (2005); Omena (2003) sobre nós / a gente; Sá; Cunha; Lima; Oliveira (org.) (2005)

sobre a língua falada culta no Recife; Scherre (1988) sobre a variação na concordância nominal; além de

pesquisas suas com textos jornalísticos.

Page 92: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

90

5.2 Resultados por gênero da autoria das cartas

Como explicamos anteriormente, devido às dificuldades de montarmos células

equilibradas de acordo com as características sociais dos remetentes por se tratar de um

corpus constituído de um material acidentalmente disponível, consideramos então as cartas

em vez das pessoas. Assim, num total de 186, temos 86 remetentes diferentes, o que

equivaleria a, em média, 2 cartas por remetente. Entretanto, há muitos casos de remetentes

que só escreveram uma única carta e de remetentes que escreveram nove cartas ao longo das

quatro décadas.

Por essa razão, em vez de controlarmos o fator sexo, consideramos a autoria: se a

carta foi escrita por homem ou por mulher. Destarte, das 186 cartas, 94 foram escritas por

homens e 92 foram escritas por mulheres. A recorrência a qualquer um dos dois pronomes

oblíquos átonos com valor de 2ª PESS apareceu mais em cartas de homens (269 ocorrências ou

55,9%) do que em cartas de mulheres (212 ocorrências ou 44,1%), tendo-se recorrido à forma

lhe conforme mostra a tabela 4 a seguir:

Tabela 4: Ocorrências de lhe em cartas de homens e de mulheres

Gênero

da autoria Ocorr./Total %

masculino 139/269 51,7

feminino 106/212 50,0

Antes de realizarmos nossa pesquisa, presumíamos que, nas cartas de mulheres,

lhe seria menos usado como pronome de 2ª PESS, pois, conforme Fisher (1958), as mulheres

tendem a conservar as formas linguísticas, evitando as inovações, como esse uso de lhe,

enquanto remetentes do sexo masculino usariam mais lhe como pronome de 2ª PESS, pois os

homens tendem a manifestar um estilo mais independente, sem muito envolvimento com seu

interlocutor (TANNEN, 1990), por isso evitam te, que indicaria mais aproximação e

intimidade (MONTEIRO, 1994).

Para Labov (2001), em situações de variação estável, os homens usam com maior

frequência formas não padrão e as mulheres tendem a preferir formas prestigiadas. Uma

inversão dessa tendência pode ser explicada como indicação de que uma nova variante está se

implementando na língua: na maior parte das mudanças linguísticas em curso, as mulheres

são as que mais utilizam as formas inovadoras, mesmo que essas formas sejam

Page 93: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

91

desprestigiadas pela sociedade. A esse fenômeno, o sociolinguista chama de “paradoxo do

gênero” (gender paradox) e explica que:

(I) Quando se trata de mudanças vindas de cima (changes from above), as

mulheres utilizam mais as formas de prestígio do que os homens.

(II) Quando se trata de mudanças vindas de baixo (changes from below), as

mulheres são as líderes da mudança linguística, o que significa que quando as mudanças

começam, as mulheres são mais rápidas do que os homens ao utilizar a nova variante.

Para Labov, a explicação para isso reside no fato de que a maioria das crianças

aprende os rudimentos de sua língua materna com mulheres (mães, babás, professoras de

creche e de ensino básico), o que faz com que as mudanças que têm liderança feminina sejam

mais rápidas, em detrimento das mudanças comandadas pelos homens.

No caso da variação aqui analisada, que, como vimos na seção anterior, constitui

um caso de competição equilibrada, em que há quase não há diferença entre a frequência de

ocorrência das duas formas em variação: a diferença no uso das formas variantes por cartas

escritas homens e por mulheres foi mínima, tendo a forma lhe sido usada um pouco mais em

cartas de homens (0,50) do que em cartas de mulheres (0,49).

Observa-se, em (15), que, na carta de autoria masculina, lhe é preferível a te,

embora este ocorra em algumas frases:

(15) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza da sua rezidência (...)

Zeca passo agora contarte algo de alguma couza da minha vida ministerial (...) O Juvito tem

lhe escrito? (...) Zeca eu te envio esta minha fotografia, que terei quando estava no Pará;

pesava 75 Kilos. (...) Iracema vai lhe escrever algumas cousas (...) todos nós lhe saudamos

em nome do Senhor Jesus. [C002-5.10.1940]

Já em (16), numa carta de autoria masculina de 1966, o uso de lhe é categórico:

(16) Hontem tive a honra, de receber a sua missiva de 25 do p. p. aqual com prazer respondo-lhe

(...) o que houve foi falta de concideração, e de espírito cristão, em lhe julgarem (...) se a

igreja em Fortaleza, lhe chama-se para pastoria-la (...) A sua querida irmã Ernestina lhe

espera (...) para lhe dar um abraço, que amuitos anos deseja (...) e lhe oferecer uma

feijoada. (...) Desculpe em ter lhe tomado o tempo. [C034-3.8.1966]

O mesmo se dá em (17), carta da década de 1980, também de autoria masculina:

(17) quero lhe falar de um assunto (...) quero lhe dizer que não quero que esta carta venha trazer

inimizade entre nós dois (...) quero lhe dizer que ando um tanto preocupado (...) Já lhe fiz

algum mal? (...) Será que em algum momento não lhe fui útil? (...) Será que no futuro

também não posso lhe servir em alguma coisa? (...) Gostaria de lhe assegurar que sou

candidato (...) e queria lhe pedir como irmão o seu apoio (...) Mas gostaria também de lhe

propor um pacto (...) peço-lhe uma coisa (...) Eu até lhe sujeria uma coisa muito importante

(...) Eu lhe asseguro que não falarei mal de você, ok? (...) Será que isso não lhe serviu ao

menos de favor? (...) Lembro novamente a você a sujestão que lhe faço. [C162-30.6.1988]

Page 94: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

92

Os trechos (16) e (17) são de remetentes que mantêm com seus respectivos

destinatários uma relação simétrica: o da carta C034 é de um pastor, acima de 50 anos, para

outro pastor, cunhado seu. O assunto gira em torno de assuntos relacionados ao trabalho

pastoral, mas a carta finaliza num tom de informalidade, mesmo assim lhe prevalece. Já a

carta C162 é de candidato a vereador para seu irmão, que manifestou opiniões desfavoráveis à

candidatura; por isso, predomina um tom de distanciamento, favorecendo o uso de lhe.

Nas cartas de autoria feminina de nossa amostra, por sua vez, ocorre com mais

frequência te do que lhe, como mostram trechos de uma carta da década de 1940 em (18), da

década de 1970 (19) e da década de 1990 (20):

(18) Zéca a muito que te escrevo e não me respondes. (...) Esperamos a resposta

desta, para poder te remeter uns retratos. (...) Os meus filhos te pedem a

bençam. [C004-11.11.1943]

(19) mais vou te explicar (...) queria já te escrever da Bahia (...) tem tanta coisa

pra te contar (...) Ezequias pede que ao te escrever mandasse um abraço (...)

Minhas cunhadas gostaram tanto da senhora e te acharam bonita (...) te

mandam abraços [C088-9.10.1978]

(20) estou te escrevendo para saber tuas notícias (...) é a terceira carta que te

escrevo (...) acho até que as outras teriam te chocado (...) porque te quero

bem (...) vou te falar que já estou de férias (...) Vou te dizer só mais outra

coisa [C178-9.12.1993]

Casos contrários também são verificados na amostra. Em (21), te é preferido na

carta de autoria masculina e, em (22), lhe na carta de autoria feminina:

(21) Espero que esta te encontre com saúde e que a mesma te faça sentir-se um

pouco mais feliz (...) Querida eu ti peço desculpas por não ter ido mas em

casa (...) teu esposo, que não te esquece. [C038-19.1.1970]

(22) eu lhe quero como você realmente é e não como queres ser (...) e depois

mandarei lhe dizer ok? (...) Na próxima carta mandarei lhe dizer uma coisa

muito importante (...) Mais um grande beijo daquela que não te esquece e

que te admira [C059-9.8.1974]

Page 95: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

93

A análise da amostra comprovou nossa hipótese, embora a diferença entre o uso

de lhe em cartas de homens e em cartas de mulheres não seja realmente significativa, como

mostram os pesos relativos da tabela 4. Conclui-se, portanto, que, na amostra analisada, a

variação te/lhe não é determinada pelo gênero da autoria da carta, pois houve um equilíbrio

quase perfeito entre os gêneros: lhe ocorreu em cartas de homens com uma diferença de

apenas 0.01 a mais que em cartas de mulheres.

Vejamos, agora, como se deu a realização da variação te/lhe por remetente.

5.3 Resultados por remetente das cartas

Quanto ao uso variável de te/lhe por remetente, nossa hipótese inicial era a de que

a forma lhe seria mais usada pelo conjunto dos indivíduos do que a forma antiga, visto que o

Ceará localiza-se na região do país em que o lhe como 2ª PESS é bastante frequente (BAGNO,

2012, p. 753-6). Embora duas ou três cartas em que se usou uma forma variante por duas ou

três vezes não possam garantir que, na fala do indivíduo que a escreveu, a outra forma

variante não ocorra, supúnhamos que haveria remetentes que empregariam apenas uma das

formas, que esta seria, portanto, de uso categórico para tais remetentes. Nesse sentido, nossa

hipótese era a de que o uso categórico de lhe fosse superior ao uso categórico de te e inferior

ao uso das duas formas em alternância pelo mesmo remetente. Os resultados confirmaram

nossas hipóteses.

Para expormos como a variação te/lhe acontece no indivíduo, isto é, em relação

aos 86 remetentes, apresentamos o resultado num quadro com dois grupos:

1) uso categórico, que compreende:

a) a quantidade de indivíduos que usaram apenas te;

b) a quantidade de indivíduos que usaram apenas lhe;

2) uso variável, que compreende:

a) a quantidade de os indivíduos que usaram de forma igual te e lhe (te = lhe);

b) a quantidade de os indivíduos que usaram mais te do que lhe (+ te);

c) a quantidade de os indivíduos que usaram mais lhe do que te (+ lhe).

O resultado está exposto na tabela seguinte:

Page 96: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

94

Tabela 5: Uso de te/lhe por remetente

Uso das formas por

remetente te/lhe Total

Uso categórico Apenas te 21/86

Apenas lhe 47/86

Uso variável

+ te 10/86

te = lhe 6/86

+ lhe 2/86

Observando a tabela 5, percebemos um fato curioso: apesar de lhe ter sido

amplamente usado de forma categórica (47 dos 86 indivíduos só usaram lhe), esta forma

pronominal não predominou quando a variação ocorreu no indivíduo: apenas dois remetentes

que usaram te/lhe de forma variável deu preferência a lhe.

Somando-se o número de remetentes que usaram lhe de forma categórica (47)

com os que usaram a variação te/lhe (18), percebemos o uso de lhe por 65 indivíduos em suas

cartas pessoais, o que significa dizer que esta forma foi usada por 75,6% dos remetentes da

amostra.

O uso das formas variantes te e lhe pelos 86 remetentes das 186 cartas da amostra

pode ser conferido na tabela abaixo:

Tabela 6: Uso das formas variantes te e lhe por remetentes das cartas

Uso das formas

te/lhe

Quantidade de

remetentes %

Categórico 68/86 79,1%

Variável 18/86 20,9%

A tabela acima revela que, na amostra, a quantidade de remetentes que usaram

apenas uma das variantes (ou só te ou só lhe) foi maior do que a quantidade de remetentes que

fizeram uso variável desses pronomes.

Será que esse resultado seria igual se comparássemos o uso dos pronomes nas 186

cartas? Vejamos. Para isso, procedemos da mesma forma, isto é, dividimos as cartas em dois

grupos:

Page 97: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

95

1) uso categórico, que compreende:

a) a quantidade de cartas em que se usou apenas te;

b) a quantidade de cartas em que se usou apenas lhe;

2) uso variável, que compreende a quantidade de cartas em que se usaram tanto te

quanto lhe.

A tabela seguinte mostra esse resultado:

Tabela 7: Uso de te/lhe por carta

Uso das formas por carta te/lhe Total

Uso categórico apenas te 74/186

apenas lhe 83/186

Uso variável te/lhe 29/186

A tabela mostra que, assim como entre os remetentes, o uso de te e lhe nas cartas

aconteceu mais de forma categórica (157 cartas, sendo 74 em que só aparece te e 83 em que

só aparece lhe) do que de forma variável (apenas 29 cartas).

Comparando-se os dois resultados, temos a tabela 8 abaixo:

Tabela 8: Uso das formas te/lhe por cartas e por remetentes

Uso de

te/lhe

Quantidade

de remetentes %

Quantidade

de cartas %

Apenas te 21 24,5 74 39,8

te/lhe 18 20,9 29 15,6

Apenas lhe 47 54,6 83 44,6

Total 86 100,0 186 100,0

Apesar de o uso categórico de lhe predominar tanto no resultado por remetente

quanto no resultado por cartas, o percentual desse uso apresenta leves diferenças: 54,6% dos

remetentes utilizaram lhe de forma categórica e lhe apareceu de forma categórica em 44,6%

das cartas. O gráfico 2 dá-nos uma visão melhor da comparação desses resultados:

Page 98: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

96

Gráfico 2: Percentual de uso de te/lhe por remetentes e por cartas

Pelo gráfico 2, notamos que a forma lhe foi preferida pelos 86 remetentes que

escreveram as 186 cartas de nossa amostra e que, por conta disso, encontramos mais cartas em

que aparece só o pronome lhe do que só o pronome te ou ambos em variação.

A tabela abaixo mostra como a variação por remetente aconteceu ao longo do

recorte temporal compreendido pela pesquisa, isto é, quantos remetentes fizeram uso

categórico e quantos fizeram uso variável em cada período estudado:

Tabela 9: Uso de te/lhe por remetente nos três períodos

Usos

Períodos

Apenas te te/lhe Apenas lhe

Total de

remetentes

por

período

1940-1950 5 4 9 18

1960-1970 8 8 21 37

1980-1990 8 6 17 31

Total de

remetentes

por uso

21 18 47 86

Pela tabela acima, percebemos que a variação te/lhe ocorreu em cada um dos

períodos analisados, assim como em cada um desses períodos houve quem só usasse te e

quem só usasse lhe. Como o número de remetentes varia por período, é preciso estarmos

39,8

15,6

44,6

24,5

20,9

54,6

0

10

20

30

40

50

60

te te/lhe lhe

cartas

remetentes

Page 99: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

97

atentos quanto a um aumento ou declínio do uso categórico ou variável de te ou de lhe por

remetente em cada um desses três períodos. Assim, do total de 86 remetentes tem-se a

seguinte distribuição:

Nas décadas de 1940-1950, 28% dos remetentes usaram apenas te, enquanto 50%

usaram apenas lhe, tendo os demais 22% usado os pronomes de forma alternada. Há de se

considerar que as cartas desse período são, em sua maioria (com exceção de apenas duas),

escritas por senhores e senhoras acima de 30 anos. Os remetentes que utilizaram apenas te

eram todos femininos, sendo uma delas irmão do destinatário de suas cartas.

Nas décadas de 1960-1970, o uso categórico da forma te caiu: 21,5% dos

remetentes usaram apenas esse pronome, enquanto o uso categórico da forma lhe teve um

aumento: 57% o usaram de forma exclusiva. Os dois pronomes foram usados de forma

alternada na mesma medida em que te foi usado de forma categórica: por 21,5% dos

remetentes.

Já nas décadas de 1980-1990, te voltou a ser usado mais vezes de forma

categórica: 25,8% dos remetentes usaram apenas esse pronome, enquanto o uso categórico da

forma lhe caiu: 54,8% usaram esse pronome de forma exclusiva. A alternância entre as duas

formas ocorreu em 19,4% dos remetentes. Vejamos estes percentuais na tabela10:

Tabela 10: Percentual de uso das formas te/lhe por remetente nos três períodos

Períodos Apenas te te/lhe Apenas lhe

1940-1950 28% 22% 50%

1960-1970 21,5% 21,5% 57%

1980-1990 25,8% 19,4% 54,8%

O gráfico 3 abaixo mostra o uso de te e de lhe pelos 86 remetentes das cartas

escritas ao longo dos três períodos analisados:

Page 100: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

98

Gráfico 3: Percentual de uso de te e lhe por remetente nos três períodos

Pelo gráfico, podemos ver que lhe foi mais usado pelos 86 remetentes e que a

variação entre as duas formas ocorreu nos três períodos analisados, porém com uma pequena

redução ao longo do tempo.

As tabelas e os gráficos apresentados nesta seção nos mostram que:

a) a forma lhe foi a forma mais usada pelos 86 remetentes da amostra ao longo

dos três períodos analisados;

b) o uso variável de te/lhe por remetente mostrou-se em declínio ao longo dos

três períodos analisados;

c) nas décadas de 1960 e 1970, o uso categórico de te deu-se, na amostra, na

mesma proporção (21,5%) que seu uso em variação com a forma lhe entre os

remetentes do período;

d) o uso categórico de lhe pelos 86 remetentes foi verificado nos três períodos,

ocorrendo com metade dos remetentes do primeiro período e com mais da

metade dos remetentes do segundo e do terceiro períodos, embora tenha

havido uma queda no número de remetentes que fizeram uso categórico de lhe

no último deles. Em outras palavras, lhe, como pronome de 2ª PESS, teve um

aumento de uso nos anos 1960 e 1970, mas sofreu declínio nos anos 1980 e

1990, enquanto a antiga forma te, que teve uma queda de uso nas décadas de

28%

21,50% 25,80%

50%

57% 54,80%

22% 21,50% 19,40%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

1940-1950 1960-1970 1980-1990

te lhe te/lhe

Page 101: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

99

1960 e 1970, voltou a ser mais usada de forma categórica nas décadas de 1980

e 1990, embora ainda em menor frequência do que lhe.

e) uma vez que temos muitas cartas de jovens abaixo de 25 anos durante as

décadas de 1980 e 1990, conforme mencionamos na seção 4.3, página 75,

esses resultados vão ao encontros dos apontados por Almeida (2009) quando

estudou a variação te/lhe como ACUS na fala de Salvador (BA) e concluiu que

o uso do pronome lhe tem entrado em declínio entre os indivíduos mais jovens

e que te tem ressurgido como forma cada vez mais usada.

Tratemos agora apenas da forma lhe nas cartas, comparando o total de ocorrências

desse pronome nos três períodos analisados e seu uso categórico em cada um desses períodos.

A tabela abaixo apresenta o percentual de uso da forma lhe por carta (186) e por remetente

(86):

Tabela 11: Ocorrências de lhe por carta e como uso categórico por remetente em cada período

analisado

Períodos Por carta

Uso categórico

por remetente

Ocorr./Total % Rem./Total %

1940-50 38/71 53,5 9/18 50

1960-70 108/206 52,4 21/37 57

1980-90 99/204 48,5 17/31 54,8

total 245/481 50,9 47/86 54,7

A partir da leitura da tabela, percebemos que, nas cartas, a forma lhe foi caindo ao

longo dos três períodos, ao contrário de seu uso categórico por remetente, que teve um

aumento no segundo período (de 50% para 57%), porém uma queda no terceiro (de 57% para

54,8%).

Page 102: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

100

Gráfico 3: Percentual de lhe nas cartas e como uso categórico por remetente

As tabelas e os gráficos dos resultados por remetente revelam-nos detalhes

interessantes da variação te/lhe nas cartas cearenses do século XX, os quais não

conseguiríamos perceber sem controlarmos o remetente como um grupo de fatores.

É importante ir além da análise do todo, no caso, as cartas, pois, conforme Menon,

Loregian-Penkal e Fagundes (2013, p. 334), “se tratarmos só da variação na comunidade – só

do todo – as diferenças podem se diluir e não conseguem dar uma explicação ao fenômeno da

variação e ao da mudança, caso esta esteja acontecendo.”

Analisar o comportamento dos indivíduos quanto a uma variação permite

averiguar o quanto o usuário da língua reflete o comportamento do grupo e vice-versa.

Como estamos trabalhando com cartas, vamos tomá-las como sendo o todo (186

cartas em que houve 481 ocorrências de um dos pronomes em variação – te ou lhe). Note-se

que, quando analisamos o uso de lhe pelos remetentes das 186 cartas, o resultado se deu de

forma diferente de quando analisamos o uso de lhe no total de cartas: do total de 481

ocorrências, a forma lhe foi mais usada (50,9%) e seu uso de forma categórica ocorreu com

54,7% dos 86 remetentes, porém o número de ocorrências de lhe foi caindo ao longo dos três

períodos, assim como também caiu o número de remetentes que fizeram uso categórico de lhe

ao longo desses mesmos períodos, embora tenha havido um acréscimo desse número no

período intermediário.

53,5

52,4

48,5

50

57

54,8

44

46

48

50

52

54

56

58

1940-50 1960-70 1980-90

uso nas cartas

uso categórico por

remetente

Page 103: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

101

A análise por remetente também nos permitiu comprovar que, sim, há escribas em

que o uso de uma determinada forma variante parece ser categórico, predominando em uns a

forma lhe, em outros te. Além disso, há remetentes que oscilam entre as formas variantes

te/lhe, também ora predominando a escolha por lhe em uns e a escolha por te em outros.

Dos 86 remetentes, J. E. S. N. foi o que mais usou lhe, sendo este categórico nas

cartas deste remetente, como comprovam os trechos de suas duas cartas selecionadas para esta

rodada:

(23) como mandei lhe chamar e você não veio (...) Eu mandei lhe chamar

exatamente para acerta esse negócio [C114-11.10.1980]

(24) Com estas poucas linhas quero lhe falar de um assunto (...) quero lhe dizer que não quero

que esta carta venha trazer inimizade entre nós dois (...) quero lhe dizer que ando um tanto

preocupado (...) Já lhe fiz algum mal? (...) Será que em algum momento não lhe fui útil?

Será que no futuro também não posso lhe servir em alguma coisa? Gostaria de lhe assegurar

que sou candidato (...) e queria lhe pedir como irmão, o seu apoio (...) Mas gostaria também

de lhe propor um pacto (...) peço-lhe uma coisa (...) Eu até lhe sujeria uma coisa muito

importante. (...) Eu lhe asseguro que não falarei mal de você, ok? (...) Será que isso não lhe

serviu ao menos de favor? (...) Lembre-se da sujestão que lhe faço no início desta carta (...)

[C162-30.6.1988]

Note que o remetente usa lhe indiscriminadamente como OD (“mandei lhe

chamar”), como OI (“quero lhe falar”) e como CN (“não lhe fui útil?”).

Dentre os que fizeram uso categórico de te, destacamos o autor das cartas C093 e

C105, cujos trechos transcrevemos abaixo:

(25) Deus te dê felicidade (...) que a virgem mãe de Deus te cubra com o manto

(...) Deus te dê paz e paciência e te conserve sempre o mesmo que conhecia

quando colega de aula. [C093-7.5.1979]

(26) mamãe e todos te envia um feliz natal (...) Francisco o que posso dizer-te, e que Deus

ilumine teus passos (...) também te envio uma pequena lembrança (...) tudo que posso dizer-

te, o que representa pra mim, é como fosse um irmão (...) já mais esquecerei te prometo,

que sempre seremos amigos fieis. [C105-25.12.1979]

Tais ocorrências, porém, não trazem nada de inovador quanto ao uso de te, pois,

como dissemos antes, não é uma só forma usada tanto para o ACUS quanto para o DAT, mas

dois homônimos de étimos diferentes: quando o remetente escreveu “te conserve”, usou o te

derivado do acusativo latino tē; quando escreveu “te dê”, “te envia”, “dizer-te” e “te

prometo”, usou o te derivado do dativo latino tibi.

Como já foi dito, a variação te/lhe mostrou-se acontecer no remetente em 47 dos

86 remetentes selecionados (54,7%). Interessante é que, apesar de o uso categórico de lhe ser

maior do que o uso categórico de te, entre os remetentes que fizeram uso variável das duas

Page 104: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

102

formas (18/86 ou 21%), te predomina sobre lhe. Exemplo disso ocorre nas cartas C171 e

C174, da mesma remetente:

(27) eu queria poder está aí e até ser uma pessoa em que pudesse fazer você esquecer quem tanto

te magoou (...) O que eu puder fazer para ti ajudar eu estou aqui (...) um dia você irá

encontrar alguém que realmente te ama (...) quero lhe mostrar que não devemos nos

desesperar (...) estou aqui para te ajudar (...) Te Adoro meu amigo [C171-28.8.1992]

(28) Espero que esteje bem, que Deus lhe acompanhe (...) Não lhe escrevi antes pois estou um

pouco ocupada (...) pois como lhe falei, não temos uma pessoa para investir. Preciso saber

+ ou – a data que você está aqui, preciso lhe vê (...) queria lhe pedir se possível mandasse

para mim duas letras de música (...) te agradeço por tudo (...) te adoro [C174-9.12.1992]

A situação oposta, ou seja, lhe predominando na variação individual, pode ser

verificada nos trechos das seguintes cartas do mesmo remetente:

(29) Você não imagina como lhe esperei na agência e como fiquei triste por ver que não vinhas.

(...) Quero que desculpes o que escrevi naquele enderêço ou melhor naquele papel que lhe

entreguei. (...) Não sei bem o que eu faria se algum dia eu te reencontrasse (...) como é que eu

sendo esquecida não consigo te esquecer. (...) não sei se era de tristeza ou se era vontade de te

ver, mas quando te vi percebi que não era tristeza. (...) Não destrua o enderêço que lhe dei,

você irá precisar dele, quando eu voltar para o enderêço que lhe dei avizarei (...) Peço-lhe

inúmeras desculpas se com a chegada desta você fique aborrecido (...) peço-lhe por tudo que

você mais preza não deixe de me escrever. (...) Francisco já que vou custar a ver-lhe isto é só

vou ver-lhe em dezembro. [C058-5.8.1974]

(30) eu lhe quero como você realmente é e não como queres ser (...) Quanto a escolha que você

me fala pensarei bem e depois mandarei lhe dizer ok? (...) Na próxima carta mandarei lhe

dizer uma coisa muito importante (...) Mais um grande beijo daquela que não te esquece e

que te admira. [C059-9.8.1974]

Como mostram Menon, Loregian-Penkal e Fagundes (2013), a análise da variação

no indivíduo deixa claro que se pode considerar o todo, porém sem se esquecer das partes

fundamentais que o compõem e permite verificar se a ortogonalidade que a rodada geral

apresenta também existe na amostra individualizada. Ao se considerar o indivíduo, no nosso

caso, os remetentes, obtemos uma descrição mais confiável para dar conta do comportamento

da variável em estudo.

5.4 Os grupos de fatores selecionados pelo GoldVarb X

Dos nove fatores controlados, o programa GoldVarb X selecionou três como

favoráveis à variação te/lhe: a atuação do tempo verbal ou da forma nominal, a posição do

pronome em relação ao verbo e a presença de forma V ou T antes da primeira ocorrência do

pronome. Vejamos os resultados para cada um desses fatores.

Page 105: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

103

5.4.1 A atuação do tempo do verbo que rege o pronome te/lhe

Como explicamos anteriormente, consideramos o tempo do verbo conforme a

tradição gramatical. Assim, em (31) e (32), os verbos mandar e contar têm valor de futuro,

mas, morfologicamente, encontram-se no tempo PRES INDIC:

(31) Mande uma foto sua que eu te mando a minha, tá? [C077-18.11.1977]

(32) quando as férias chegar te conto tudo [C181-?-1-1995]

Os trechos acima exemplificam o uso do PRES INDIC “para indicar um fato futuro

próximo e de realização tida como certa”, conforme Cipro Neto e Infante (2004, p. 182).

Da mesma forma, em (33), o verbo sugerir encontra-se no tempo PRET IMPERF

INDIC, mas seu valor é de PRES, uso apontado por Cipro Neto e Infante (2004, p. 183) como

comum “tanto na linguagem coloquial como na literária”:

(33) Eu até lhe sujeria uma coisa muito importante: se você não puder falar POR

mim, não fale DE mim não. [C162-30.6.1988]

Alguns tempos verbais, por terem ocorrido apenas uma ou duas vezes na amostra,

sofreram nocautes. Para eliminarmos os nocautes encontrados pelo programa, resolvemos

reunir os pretéritos PERF e IMPERF INDIC num só grupo (PRET INDIC). Por ter ocorrido apenas

uma vez, retiramos da rodada o FUT SUBJ, de modo que temos apenas resultados apenas para o

FUT PRES INDIC.

Antes de fazermos a análise da amostra, levantamos algumas hipóteses sobre a

atuação desse grupo de fatores sobre o uso de te/lhe:

Verbos no PRES INDIC levariam com menos frequência ao uso de lhe, por ser o

tempo verbal que, em seu uso primordial, enuncia um fato atual, isto é, que ocorre no

momento em que se fala (CUNHA, 1996, p. 429) ou que acontece habitualmente

(BECHARA, 2003, p. 276), de modo que, numa carta, aproxima remetente e destinatário,

pondo-os em um mesmo espaço cronológico, o que poderia refletir numa sensação de

aproximação no espaço físico e, daí, o pronome que serve melhor à codificação da

aproximação entre as pessoas é o te, e não o lhe, o que remete à antiga distinção T/V.

Verbos no PRES SUBJ e no PRET SUBJ também ocasionariam com menos frequência

o uso de lhe, pois indicam desejo, hipótese, concessão, dúvida, conforme Cunha (1996, p.

443-452), contextos reveladores de uma relação de aproximação ou de intimidade entre os

Page 106: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

104

interlocutores, o que favorece o uso de te, por ser este um pronome próprio de 2ª PESS (forma

T), não tendo, ao longo da história da língua portuguesa, se revestido de polidez (forma V).

Verbos nos PRET INDIC e verbos no FUT PRES INDIC, por sua vez, levariam com

mais frequência ao uso de lhe, por remeterem a momentos distantes no tempo, o que pode

refletir na consciência do distanciamento no espaço entre remetente e destinatário, daí o

favorecimento ao uso de um pronome de conotação menos íntima, como o lhe.

A tabela 12 mostra os resultados da análise:

Tabela 12: Atuação do tempo do verbo sobre o uso de lhe

Tempo verbal e forma

nominal Ocorr./Total % P. R.

PRES INDIC 75/157 47,8 .45

PRET PERF e IMPERF INDIC 24/41 58,5 .63

FUT PRES 5/11 45,5 .49

PRES SUBJ 7/34 20,6 .26

PRET SUBJ 2/3 75 .73

Pela leitura da tabela, podemos ver que quase todas as nossas hipóteses quanto à

relação entre tempo verbal e pronome oblíquo de 2ª PESS se confirmaram: lhe foi menos

frequente com verbos no PRES INDIC (0,45) e menos ainda no PRES SUBJ (0,26). Predominou

com verbos no PRET INDIC (0,63), mas, ao contrário do que supúnhamos, foi menos usado com

verbos no FUT PRES INDIC (0,49) e mais usado com o PRET SUBJ (0,73).

Com o PRES INDIC, predominou te, como nos exemplos abaixo:

(34) Comunicu-te o recebimento de sua carta [...] Pessu-te ler esta carta a todos

quanto se interesarem saber dos acontecidos.[..] No mas espera tambem

novos mensageiros que te mando junto a esta. [C001-7.1.1940]

(35) mamãe e todos te envia um feliz natal [...] Francisco o que posso dizer-te, e

que Deus ilumine teus passos [...] também te envio uma pequena lembrança

[...] tudo que posso dizer-te, o que representa pra mim, é como fosse um

irmão [...] já mais esquecerei te prometo, que sempre seremos amigos fieis.

[C105-25.12.1979]

Page 107: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

105

Embora lhe também tenha tido alta frequência com esse tempo verbal, como em:

(36) e eu sabendo que não lhe encontro em Quixadá neste dia, deixo para ir só no

dia 17 [...] espero lhe encontrar em casa [...] Saudo-lhe com o versículo 33

de Romanos do capítulo II [C013-2.5.1949]

Com o PRES SUBJ, a forma predominante foi te, como nos trechos:

(37) Espero que esta te encontre com saúde e que a mesma te faça sentir-se um

pouco mais feliz [C038-19.1.1970]

(38) peço a Deus que ele te ajude a por em prática os teus planos [C078-

12.7.1977]

(39) Deus te dê felicidade [...] que a virgem mãe de Deus te cubra com o manto

[...] Deus te dê paz e paciência e te conserve sempre o mesmo que conhecia

quando colega de aula [C093-7.5.1979]

Exemplos de lhe com este tempo verbal podem ser verificados em:

(40) sempre orando para que o Senhor lhe dê vitória no seu trabalho [C015-

4.1.1952]

(41) Espero que esta lhe encontre gosando saúde [C042-16.6.1971]

(42) pedimos ao nosso bondoso Deus que lhe conceda uma outra oportunidade

[C043-16.7.1971]

Com o PRET INDIC (PERF ou IMPERF), lhe foi a forma predominante, como nas

ocorrências abaixo:

(43) Você não imagina como lhe esperei na agência [...] Quero que desculpes o

que escrevi naquele enderêço ou melhor naquele papel que lhe entreguei.

[...] Não destrua o enderêço que lhe dei [...] Quando eu voltar para o

enderêço que lhe dei avizarei [C058-5.8.1974]

(44) Mas tudo por causa de fuxicos que lhe contaram [C072-7.5.1977]

(45) peço encarecidamente que não comente nada sobre o que eu lhe falei [C119-

1.1.1981]

(46) Eu até lhe sujeria uma coisa muito importante: se você não puder falar POR

mim, não fale DE mim não. [C162-30.6.1988]

Page 108: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

106

Nas poucas ocorrências de FUT PRES (11 ao todo), lhe ocorreu em quase metade

delas, todas transcritas abaixo. Note-se que, em todas as cinco ocorrências de lhe com o FUT

PRES, sua função sintática é a prototípica, ou seja, o DAT, o que apontaria para um uso

conservador do lhe com uma forma verbal conservadora, cada vez menos usada no PB (cf.

CALLOU; ELEUTÉRIO; OLIVEIRA, 2005):

(47) o irmão João li mandará o cartão della como prova [C070-14.2.1965]

(48) o mais eu lhe direi quando eu for aí [C049-2.1.1973]

(49) Jacinta aí lhe contará tudo [C121-29.1.1981]

(50) Pergunte a Valda que ela lhe dirá o porquê [C129-14.6.1981]

(51) Depois eu lhe escreverei melhor, agora mesmo estou presça [C186-

20.8.1987]

Quanto às três ocorrências de PRET SUBJ em toda a amostra – transcritas abaixo –,

lhe foi usado em duas:

(52) se a igreja em Fortaleza, lhe chama-se para pastoria-la [C034-3.8.1966]

(53) Telefonei pra Rejane e disse pra ela que lhe dissesse que nós não havíamos

gostado da carta [C126-13.5.1981]

(54) Não sei bem o que eu faria se algum dia eu te reencontrasse [C058-

5.8.1974]

5.4.2 A posição do pronome em relação ao verbo

Sendo te e lhe pronomes oblíquos átonos, sua articulação na fala depende do

verbo que o rege, como se o pronome fosse uma sílaba deste. Vocábulos assim são chamados

de “clíticos”, porque, conforme Dubois et al. (1973, p. 112-3), “dependem, quanto à

acentuação, das palavras que os seguem ou os procedem, ou dentro das quais eles se põem.”

Tanto é que, em italiano (SENSINI, 1999, p. 160-1) e em espanhol (LLORACH, 2000, p. 46),

os pronomes cognatos equivalentes a te e lhe são escritos junto ao verbo no INF, no GER e no

IMPER (ital./esp.: amarti/amarte, dicendole/diciéndole, Lavati!/Lávate!), num só vocábulo

gráfico. Em francês, na posição proclítica, o pronome equivalente a te aglutina-se com o

verbo quando este inicia por vogal (HAWKINS e TOWELL, 2013, p. 56), como em je t’aime.

Uso semelhante pode se verificado na escrita da próclise em português, por pessoas de baixa

escolaridade, como mostra o trecho (58) de uma carta de 1973, em que o pronome te foi

Page 109: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

107

escrito junto ao verbo amar, como uma sílaba dele, inclusive com a letra “i” representado a

vogal átona do pronome.

(55) até gritarei para o mundo que tiamo [C051-2.4.1973]

No romeno, o pronome te (acusativo) e ţi (dativo) juntam-se ao verbo avea

(“haver”) no PRET PERF COMP INDIC. em próclise, caso em que recebe um hífen, como em “Te-

a ascultat şi ţi-a răspuns” (= “Te escutei e te respondi”) (AUGEROT, 2000, p. 59). Nessa

língua românica, o hífen também é usado com a ênclise ao IMPER (59), como acontece

também em francês (60) e em português (61) – estes exemplos são traduções do romeno.

(56) Aminteşte-ţi! (AUGEROT, 2000, p. 146)

(57) Souviens-toi!

(58) Lembra-te!

No PB, a posição natural é a próclise, como conclui Coelho (2003). Todavia, por

força da escolarização, a ênclise costuma aparecer em textos escritos, mesmo nos menos

formais como as cartas pessoais. A tabela 10 mostra a incidência de próclise e de ênclise nas

cartas de nossa amostra, confirmando a supremacia daquela nas cartas pessoais escritas por

cearenses.

Tabela 13: Posição do clítico nas cartas pessoais

Posição do

pronome Ocorr./Total %

Próclise 371/481 77,1

Ênclise 110/481 22,9

Podemos dizer que a persistência da ênclise é um exemplo de conservadorismo no

PB, pois as gramáticas normativas continuam a prescrever a colocação dos pronomes oblíquos

átonos conforme a tradição lusitana (BECHARA, 2003, p. 587), já que, no PE, a prosódia leva

os pronomes a se prenderem encliticamente ao verbo.

Destarte, supomos que sendo o lhe de 2ª PESS uma forma inovadora, sua

frequência de uso se dá mais com a próclise, que é a posição menos conservadora. No entanto,

os dados mostraram estarmos equivocados: em todas as ocorrências de ênclise (110), a forma

lhe prevaleceu sobre a forma te:

Page 110: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

108

Tabela 14: Atuação da posição do pronome sobre o uso de lhe

Posição do

pronome Ocorr./Total % P. R.

ênclise 77/110 70 .70

próclise 168/371 45,3 .43

Alguns exemplos mostram esse uso de lhe de forma bastante conservadora:

(59) Comunico-lhe o recebimento de Vossa carta. [C003-29.4.1941]

(60) Peço-lhe abenção [C146-1.8.1983]

(61) Mando-lhe um beijo e um abraço [C164-6.6.1989]

(62) Quero pedir-lhe mil desculpas por não escrever [C159-6.8.1992]

(63) Há muitas coisas que gostaria de contar-lhe. [C179-29.6.1994]

Encontramos ocorrências de ênclise em nossa amostra em contextos em que a

gramática tradicional prescreve a próclise, como em:

(64) almejo que esta va-te encontrá disfrutando bôas felicidades [C005-

15.10.1944]

(65) muito teria que dizer-lhe [C040-25.3.1971]

(66) desculpe em não escrever-te a mais tempo [C133-13.8.1981]

Quanto à mesóclise, não a levamos em conta devido a inexistência dessa posição

nas cartas de nossa amostra, a não ser em uma única, em que um remetente tenta usar uma

mesóclise, como se mostra em (67), mas acopla o pronome te (escrito ti) ao verbo haver, o

que caracterizaria uma próclise ao auxiliar, contradizendo a afirmação de Bagno (2012, p.

742), que diz que a mesóclise é “a ênclise de IP ao infinitivo verbal”.

(67) mande dizer o preço da despesa que fizesse com a sertidão e pagar tiei.

[C010-23.6.1948]

Sendo esta a única ocorrência de mesóclise, resolvemos excluir essa posição

dentre os fatores que interferem na escolha dos pronomes te ou lhe.

Page 111: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

109

Em resumo, com este grupo de fatores, o uso de lhe foi favorecido pela ênclise

(0.7), embora os casos de próclise sejam mais abundantes. O pronome ocorreu em 45,5% dos

casos de próclise e em 70% dos casos de ênclise. Fato interessante é que, das 110 ocorrências

de ênclise, lhe aparece em 77 delas, de modo que, destas 77 ocorrências, o pronome tem a

função de DAT – que é sua função original – em 70. Isso nos leva a concluir que o uso de lhe

na posição conservadora em relação ao verbo (ênclise) está associado à função conservadora

do pronome (DAT).

5.4.3 A presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe

O último grupo de fatores que favorece a variação te/lhe analisado aqui foi

também selecionado pelo programa como um dos mais fortes, que é a presença de uma forma

pronominal T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe.

Em muitas cartas, o remetente emprega uma forma originalmente V ao iniciar seu

texto, como nos exemplos abaixo:

(68) Francisco, saudades de você. [C063-18.2.1975]

(69) Presado irmão Zeca a paz do Senhor seja comsigo e todos de sua família

[C023-23.6.1948]

Outras vezes, o remetente emprega expressões de cortesia, verdadeiras formas V,

como em:

(70) o motivo desta cartinha é apenas saber de vossa excelência algo a cerca do

trabalho do Senhor ai no Municipio de Quixadá. [C039-17.3.1971]

(71) Como passa, bem? é que êu desejo é Que esta Carta var encontrar o Senhor

com tôdos que li sercam todos com Saúde [C060-18.12.1972]

(72) Graças e paz de nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vós [C089-

6.11.1978]

Em (73), a remetente emprega um subentendido vós, depreendido pela terminação

do verbo, com o valor de singular, uma vez que utiliza teus, da 2ª PESS SING, como

correferente – note-se, com isso, a mudança de V ([vós] estejais) para T (teus) no mesmo

período:

Page 112: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

110

(73) Faço votos a Deus para que estejais com saúde juntamente com a irmã

Mariinha e todos os teus filhos. [C009-3.5.1948]

Já em outras, emprega uma forma T, como em:

(74) A paz do Senhor reine eternamente em teu coração. [C023-24.7.1948]

(75) Conseição, Saudades de ti. [C038-19.1.1970]

Em (76), o tu está implícito:

(76) São meus votos ao Criador, que ao receberes esta estejes com saúde [C099-

3.10.1979]

Finalmente, em outras, não se emprega forma pronominal alguma antes da

primeira ocorrência de te/lhe, como em:

(77) Comunicu-te o recebimento de sua carta [C001-7.1.1940]

(78) O fim desta é perdir-lhe um grande favor além dos que já me fez [C027-

16.9.1961]

Seguindo o raciocínio de Scherre e Naro (1997) e de Poplack (1980), para os

quais a presença de uma marca favorece o surgimento de outras formas marcadas, resolvemos

verificar a influência da presença de uma forma pronominal antes da primeira ocorrência de

te/lhe nas cartas de nossa amostra. Para isso, associamos a cada carta um código referente à

presença ou à ausência de uma forma pronominal V ou T antes do uso de te/lhe:

V – presença de uma forma V ou tida inicialmente como tal (você, seu[s]/sua[s], consigo,

o[a] senhor[a])

T – presença de uma forma T (tu, ti, contigo, teu[s]/tua[s])

Ø – ausência de quaisquer pronomes antes da primeira ocorrência de te/lhe.

A hipótese que tínhamos antes de realizarmos as rodadas era a de que os

remetentes tenderiam a usar lhe em vez de te quando, no início da carta, empregam uma

forma V ou tida inicialmente como tal, pois lhe adquiriu o traço [+2ª PESS] quando passou a

ser usado como oblíquo de você, então forma V portuguesa. Usando uma forma T, o

remetente usaria te, e não lhe, devido ao princípio do paralelismo defendido por Paiva e

Scherre (1999, p. 214), que consiste na “repetição de elementos de mesma natureza ou de

natureza semelhante”. Não usando nenhuma forma pronominal de 2ª PESS antes de te/lhe, a

Page 113: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

111

forma predominante seria te, uma vez que a carta pessoal é uma correspondência entre duas

pessoas geralmente próximas e as formas T (das quais te sempre foi uma) são as que mais

carregam o caráter de aproximação e intimidade.

A tabela abaixo mostra o percentual de recorrência a uma forma T ou V logo no

início das cartas:

Tabela 15: Presença de formas T/V antes da primeira ocorrência de te/lhe

Forma presente

antes da primeira

ocorrência de te/lhe

Ocorr./Total %

T 17/186 9,1

V 89/186 47,8

Ø 80/186 43

Como se pode perceber, a recorrência a uma forma V (você, seu, o senhor etc.)

ocorre em quase metade das cartas da amostra, enquanto uma pequena parte delas apresenta o

uso de uma forma T (o que seria de se esperar, já que são cartas pessoais, entre amigos ou

parentes próximos).

Quanto à atuação dessa presença ou ausência de forma T/V sobre o uso de lhe,

observemos a tabela seguinte:

Tabela 16: Atuação da presença de formas T/V sobre o uso de lhe

Forma

antecedente Ocorr./Total % P. R.

T 6/41 8,5 .14

V 138/238 49,5 .58

Ø 101/202 42 .48

Um cuidado especial se deve ter ao ler a segunda coluna da tabela 17. Das 186

cartas analisadas, 89 apresentam uma forma V antes da primeira ocorrência de te/lhe, de

modo que a forma V antecede te ou lhe 238 vezes, já que, em uma mesma carta, podemos ter

vários ocorrências de te/lhe. Assim, dessas 238 vezes, lhe foi usado em 138 (0,58). O

Page 114: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

112

pronome também foi bastante usado sem que houvesse formas T ou V antecedentes (0,48) e

quase não foi usado quando o remetente empregou uma forma T antes (0,14).

Os dados sugerem que a presença de uma forma T inibe o aparecimento de lhe,

que é favorecido quando se usa uma forma V ou nenhuma forma (Ø), o que comprova as

constatações de Scherre e Naro (1997) e de Poplack (1980) sobre a influência da presença de

uma marca sobre a ocorrência de outras e sustenta a ideia do paralelismo morfossintático. Há

de se notar, porém, que te apareceu muito mesmo quando se usou antes uma forma V

(50,1%), o que sugere a persistência dessa forma pronominal apesar da diminuição do uso de

tu como sujeito.

Nossas hipóteses quanto a esse fator só não se confirmaram quanto ao uso de lhe

na ausência de quaisquer formas T ou V, quando julgávamos que te predominaria, ao

contrário do que ocorreu.

Os exemplos a seguir ilustram o que acabamos de expor:

(79) Prezado Irmão M. R. / Paz seija com tigo / Comunicu-te o recebimento de sua carta (...)

Pessu-te ler esta carta a todos quanto se interesarem saber dos acontecidos. (...) No mas

espera tambem novos mensageiros que te mando junto a esta. [C001-7.1.1940]

Note-se, na carta acima, que o princípio do paralelismo é quebrado com o uso do

possessivo, mas a presença da forma T tigo (oficialmente contigo) condiciona o aparecimento

dos sucessivos te ao longo da carta.

(80) Prezado irmão Z., a paz do Senhor Jesus seja com sigo e toda a sua família. É com sublime

prazer e emoção na nossa alma que lanço mão da minha rude penna para lhe responder a

sua emissiva cartinha (...) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza

da sua rezidência (...) Z., passo agora contarte algo de alguma couza da minha vida

ministerial (...) O J. tem lhe escrito? (...) Z. eu te envio esta minha fotografia, que terei

quando estava no Pará; pesava 75 Kilos. (...) I. vai lhe escrever algumas cousas (...) todos

nós lhe saudamos em nome do Senhor Jesus. [C002-5.10.1940]

Na carta acima, o uso das formas V sigo (consigo) e sua condicionam o

predomínio de lhe, embora te também ocorra.

5.5 Grupos de fatores não selecionados pelo GoldVarb X

Vejamos agora os outros fatores que, embora não selecionados pelo GoldVarb X,

fornecem-nos informações importantes sobre a variação te/lhe, permitindo-nos conhecer

Page 115: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

113

melhor como esse fenômeno linguístico se manifestou nas cartas de nossa amostra. Os quatro

grupos de fatores não selecionados foram:

a) A atuação do tipo semântico do verbo;

b) A atuação da forma nominal do verbo;

c) A atuação da estrutura verbal;

d) A função sintática do pronome te ou lhe.

5.5.1 A atuação do tipo semântico do verbo

Conforme mostramos na subseção 4.2.2.2.1 da página 70, utilizamos a

classificação de Scheibman (2000) ao considerarmos o tipo semântico do verbo como fator da

variação te/lhe em nossa análise.

Para classificarmos um verbo conforme a proposta de Scheibman, temos,

obviamente, por se tratar de uma classificação semântica, de considerar o contexto. Um verbo

como “dar”, por exemplo, pode ser considerado um verbo material em (81), por se referir a

uma ação ou atitude concreta ou abstrata, mas é verbo discendi na expressão “dar notícia”,

bem como “dar uma informação”, por expressar uma atividade verbal e equivaler a “dizer”,

“contar”, “falar”, como em (82) e (83):

(81) mas nosso DEUS é poderoso pode dar-lhe saúde para me ajudar [C026-

29.6.1958]

(82) Hoje estou te escrevendo esta cartinha a fim de dar-te as minhas notícias.

[C020-1.3.1955]

(83) Olha amigo o endereço que te dei do Frade não é mais o mesmo [C069-

19.9.1976]

O mesmo se pode dizer do verbo “mandar”: material em (84) e discendi em (85):

(84) o irmão João li mandara o cartão della como prova [C032-14.02.1965]

(85) ela manda lhe lembranças [C049-2.1.1973]

A classificação de Scheibman apresenta nove tipos diferentes de verbos, porém,

para eliminarmos os nocautes ocasionados durante as rodadas no Goldvarb X, fizemos um

amálgama de dois desses tipos, a saber: amalgamamos os verbos de atividade corporal (os que

descrevem gestos ou interações corporais, como abraçar, empurrar etc.) com os verbos de

Page 116: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

114

atividade material (os que expressam ações ou atitudes concretas, como fazer, escrever etc.)

devido à aproximação semântica entre os dois tipos promovida pelo traço [+ação]; e os verbos

possessivos/relacionais (os que indicam posse ou pertinência, como ter, possuir, pertencer,

condizer etc.) com os verbos relacionais (os que se expressam uma característica do ser, como

ser, parecer, tornar-se, ficar etc.) devido ao traço [+atributivo] comum aos dois tipos. Quanto

aos verbos existenciais (os que expressam existência ou acontecimento, como ser, acontecer,

ocorrer, estar, haver etc.), por terem ocorrido apenas uma vez em toda a amostra, resolvemos

desconsiderá-lo, já que não encontramos traços semânticos comuns a outros tipos.

A tabela 17 mostra a percentagem de ocorrências de verbos conforme o tipo

semântico na amostra analisada:

Tabela 17: Total de verbos por tipo semântico

Tipo semântico

do verbo

Verbos

nas cartas Ocorr./Total %

Dicendi

dizer, falar, contar,

comunicar, declarar,

perguntar, etc.

176/481 36,6

Materiais fazer, escrever, dar,

conceder, abraçar, etc. 163/481 33,9

Sentimentais amar, estimar, gostar,

querer, desejar, etc. 55/481 11,4

Perceptivos ver, encontrar,

reencontrar 33/481 6,9

Relacionais ter, pertencer, dever 28/481 5,8

Cognitivos conhecer, esquecer,

julgar, achar 25/481 5,2

Existenciais ser, acontecer 1/481 1

Antes de fazermos nossa análise, havíamos levantado a hipótese de que verbos

que expressam sentimento (desejar, querer, esperar, amar etc.) e os que expressam sensação

(- os “verbos de percepção” de Scheibman, como ver, ouvir, encontrar etc.) desfavorecem a

ocorrência da forma lhe como 2ª PESS porque, conforme a sugestão de Monteiro (1994, p.

163), te conota maior intuito de aproximação ou de intimidade (forma T) do que lhe, cujo uso

como pronome de 2ª PESS surgiu em contextos de polidez (forma V); enquanto os demais

tipos, ou seja, os verbos de atividade material (escrever, fazer, etc.), os verbos de atividade

Page 117: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

115

corporal (abraçar, pegar etc.), os verbos cognitivos (conhecer, lembrar etc.), verbos dicendi

(como dizer, falar, perguntar etc.), os verbos possessivos/relacionais (ter, pertencer, ser etc.)

e os existenciais (como acontecer, ocorrer etc.), por sua vez, favorecem a ocorrência de lhe

como 2ª PESS por serem verbos que revelam menos aproximação ou intimidade entre

remetente e destinatário.

O resultado pode ser verificado na tabela 18 a seguir:

Tabela 18: Atuação do tipo semântico do verbo sobre o uso de lhe

Tipo semântico

do verbo Verbos Ocorr./Total %

Dicendi

dizer, falar, contar,

comunicar, declarar,

perguntar, etc.

107/176 60,8

Perceptivos ver, encontrar,

reencontrar 17/33 51,5

Materiais fazer, escrever, dar,

conceder, abraçar,etc. 79/163 48,5

Relacionais ter, pertencer, dever 13/28 46,4

Cognitivos conhecer, esquecer,

julgar, achar 9/25 36

Sentimentais amar, estimar, gostar,

querer, desejar, etc. 19/55 34,5

A análise não confirmou exatamente nossa hipótese: realmente, na amostra

analisada, lhe foi mais usado com os verbos dicendi (60,8%), mas foi menos usado com

verbos materiais, incluindo os de atividade corporal (48,5%), com os verbos relacionais (que

incluem os possessivos) (46,4%) e com verbos de cognição (36%).

Ao contrário do que supúnhamos, em nossa amostra, os verbos de percepção não

desfavorecem o uso de lhe (51,5%), porém os verbos de sentimento realmente o fazem

(34,5%).

Apenas para ilustrar, transcrevemos aqui alguns casos de te, que se mostrou mais

frequente com verbos de sentimento (65,5%):

Page 118: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

116

(86) aqui fica teu filho que ti estima [C031-10.12.1964]

(87) até gritarei para o mundo, que te amo. [C051-2.4.1973]

(88) Te adoro [C169-6.8.1992]

(89) te quero [C184-12.9.1998]

Lhe, nesses casos, apareceu menos, dos quais são exemplos:

(90) beijos dos netinhos que lhe amam [C053-2.7.1973]

(91) eu lhe quero como você realmente é e não como queres ser [C059-9.8.1974]

Quanto aos verbos discendi, apontados com favorecedores de lhe (60,8%),

provavelmente haja aí a influência de outro fator, que é a função sintática do pronome te/lhe,

que comentaremos com mais detalhes na seção 5.5.3.

Os verbos dicendi, em geral, são verbos que admitem dois complementos, sendo

um de coisa (o que é dito) e outro de pessoa (a quem se diz algo). O primeiro desses

complementos tem função acusativa (OD para a NGB) e o segundo, função dativa (OI para a

NGB). Como, em geral, se explicita o que é dito através de um sintagma nominal ou

oracional, o complemento de pessoa (que fica no DAT) é frequentemente substituído por um

dos pronomes oblíquos átonos, como nas ocorrências (92), (93), (94) e (95):

(92) Comunicu{-te}OI {o recebimento de sua carta}OD [C003-7.1.1940]

(93) peso {li}OI {as vossas oracaos em nome de Jesus}OD [C070-14.2.1965]

(94) certifico{-lhe}OI {que irei remeter 96 litros de mel}OD [C077-6.12.1966]

(95) ...para dizer{-te}OI {que recebi a tua amorosa cartinha}OD [C049-29.5.1953]

Conforme mostrado na pág. 50, lhe surgiu do DAT latino de ĭlle e, em seu processo

de gramaticalização, não perdeu sua função original, mesmo tendo adquirido a função de

acusativo, o que pode explicar sua alta frequência como OI de verbos discendi.

Na amostra, identificamos 29 verbos discendi, a saber: dizer, falar, contar,

comunicar, dar notícia, mandar notícia, declarar, perguntar, responder, respostar, pedir,

explicar, convidar, avisar, garantir, assegurar, certificar, afirmar, saudar, abençoar,

chamar, confessar, aconselhar, prometer, propor, sugerir, agradecer, parabenizar e

esculhambar (em “Seu sem-vergonha! Estou lhe esculhambando logo no início da carta pois

Page 119: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

117

fiquei esperando notícias [...] e tive de esperar dormindo, pois não chegou...” [C167-

26.4.1994]), totalizando 176 ocorrências, ou 36,6%.

Destes verbos, os seis mais recorrentes foram pedir (32/176 ou 18,2%), dizer

(29/176 ou 16,5%), dar notícias (19/176 ou 10,8%), contar (12/176 ou 6,8%), comunicar

(12/176 ou 6,8%) e falar (11/176 ou 6,3%). A ocorrência de lhe com estes seis verbos se deu

como se detalha na tabela 19 a seguir:

Tabela 19: Atuação dos seis verbos discendi mais recorrentes sobre o uso de lhe

Verbo Ocorr./Total %

Comunicar 10/12 83,3

Pedir 21/32 65,6

Dizer 19/29 65,5

Falar 7/11 63,6

Contar 6/12 50

Dar notícias 5/19 26,1

Como se pode perceber, o verbo comunicar, na amostra analisada, favorece o uso

de lhe (83,3%), enquanto o verbo dar, na expressão dar notícias desfavorece tal uso (26,1%).

Exemplos desses usos podem se verificar nas ocorrências abaixo:

(96) Comunico-lhe o recebimento de Vossa carta [C001-29.4.1941]

(97) E, por falar nisto, quero comunicar-lhe que tenho pelo menos três viagens

para este mês [C022-8.11.1955]

(98) Comunico-lhe também que nosso irmão Antônio Sebastião está bastante

doente [C064-23.5.1975]

(99) comunico-lhe que recebi sua carta [C073-7.5.1977]

(100) a fim de dar-te as minhas notícias [C020-1.3.1955]

(101) estou te escrevendo para te dar uma notícia [C087-23.8.1978]

(102) A finalidade destas pocas linha e somente para te dar minhas notícias

[C096-30.6.1979]

(103) É com muita saudade que te escrevo estas linhas somente para te dar as

nossas notícias [C156-8.9.1986]

Page 120: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

118

Uma possível explicação para lhe ser mais recorrente com comunicar e não com

dar notícias é que aquele é um verbo menos popular do que este. Note-se a frequência da

ênclise – posição privilegiada pela norma padrão – com tal verbo, enquanto com a expressão

dar notícias a próclise foi mais comum na amostra. Ao que parece, na amostra, com o verbo

comunicar, o pronome lhe conserva seus traços originais: a formalidade (forma V) e a função

dativa.

Dos verbos materiais, o mais frequente na amostra foi escrever (66/163) com o

qual lhe ocorre 30 vezes (45,5%), sempre com a função de dativo.

Cruzando os fatores tipo semântico do verbo e função do pronome, verificamos

que, com os verbos discendi, o pronome lhe aparece como DAT em 93 ocorrências (87%) e

como ACUS em 14 (13%), o que significa dizer que, com esse tipo de verbo, há uma tendência

de o pronome lhe ser usado em sua função original, que é o DAT. Em sua função inovadora,

isto é, no ACUS, lhe ocorreu em 100% dos casos (17ocorrências) em que foi usado com verbos

perceptivos, o que corresponde a 51,5% de um total de 33 ocorrências desse tipo de verbo, e

em 100% dos casos (9 ocorrências) em que foi usado com verbos cognitivos, o que

corresponde a 36% de um total de 25 ocorrências desse tipo de verbo na amostra analisada. A

tabela 20 mostra esse cruzamento de fatores:

Tabela 20: ocorrências de lhe por função sintática e tipo semântico do verbo

Função

Tipo DAT % ACUS %

Dicendi 93/176 52,8 14/176 8

Materiais 65/163 39,9 14/163 8,6

Sentimentais 14/55 25,5 5/55 9

Perceptivos 0/33 0 17/33 51,5

Relacionais 11/28 39,2 2/28 7,2

Cognitivos 0/25 0 9/25 36

Para ilustrar o uso de lhe como ACUS de verbos perceptivos e cognitivos, damos

os exemplos a seguir extraídos de nosso corpus:

(104) Como esperava encontrar-lhe em Belém do Pará [C022-8.11.1955]

(105) Eu bem quisera ter tempo para escrever, ou melhor, está sempre lhe vendo

[C025-19.6.1958]

Page 121: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

119

(106) Foi bom você ir morar comigo para eu lhe conhecer melhor [C110-

14.7.1980]

(107) A irmã que não lhe esquece [C042-16.6.1971]

(108) Eu não lhe acho vagabunda não, você é [C158-?.?.1987]

5.5.2 A atuação da forma nominal do verbo no uso de lhe

As formas nominais do português são três: infinitivo (INF), gerúndio (GER) e

particípio (PART), este tem sentido passivo e passado, pois se origina do particípio passado

latino (cf. COUTINHO, 1976, p. 275).

O particípio presente do latim, considerado como tal em outras línguas românicas,

como o francês (HAWKINS; TOWEL, 2013, p. 143) e o italiano (embora de uso raro,

conforme Sensini, 1999, p. 191), “deu apenas em português alguns substantivos e adjetivos:

ocidente, poente, doente, valente, regente, crente.” (COUTINHO, 1976, p. 275).

Essas três formas nominais tanto podem aparecer constituindo locuções verbais

quanto isoladamente, como verbo de oração subordinada. Nesse caso, as três formas nominais

também podem reger um pronome oblíquo, porém, conforme Cunha (1986, p. 308), “não se

dá a ênclise nem a próclise com os particípios. Quando o particípio vem desacompanhado de

auxiliar, usa-se a forma oblíqua regida da preposição a. Assim: ‘Concedida a mim a

preferência, farei por merecê-la’.” Em conformidade com isso, não se verifica em nossa

amostra, uso de te/lhe com particípios soltos.

Antes de realizarmos a análise, levantamos a seguinte hipótese sobre o uso de

te/lhe com verbos principais em formas nominais:

Verbos em forma nominal (INF, GER, PART) ocasionariam com mais frequência o

uso de lhe, por serem formas que encerram uma noção de impessoalidade (BECHARA, 2003,

p. 275), e, dessa forma, servem melhor a relatos ou informações em enunciados com função

referencial, com foco na 3ª PESS, favorecendo o uso de lhe, uma forma originalmente de 3ª

PESS. A tabela 21 mostra os resultados da análise:

Tabela 21: Ocorrências de lhe por forma nominal do verbo

Forma nominal Ocorr. / Total %

INF 98/186 52,7

GER 25/38 65,8

PART 8/10 80

Page 122: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

120

Nossa hipótese se confirmou: na amostra analisada, lhe foi mais usado do que te

com as formas nominais: lhe, na amostra, aparece mais com o PART (0,88), seguido do GER

(0,67) e do INF (0,49).

Com as formas nominais, lhe foi muito usado com o PART que, por sua vez, só

apareceu nas locuções verbais com o verbo ter:

(109) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza de sua

rezidência [C002-5.10.1940]

(110) Desculpe em ter lhe tomado o tempo [C034-3.8.1966]

(111) A Rita deve ter lhe contado como é mais ou menos a vida da gente aqui

[C135-16.7.1981]

Com o GER, o pronome foi também bastante empregado, tanto em locuções

verbais quanto com GER soltos:

(112) Não tenho bem lembrança se estou lhe devendo resposta de carta sua (...)

Eu bem quisera ter tempo para escrever, ou melhor, está sempre lhe vendo

[C025-19.6.1958]

(113) Jesus continuará lhe ajudando [C043-16.7.1971]

(114) Rezouvi escrever-te estas linhas dando-lhe nossas nuticias [C055-

21.11.1973]

(115) Meu presado termino desejando-lhe muitas felicidades [C068-8.6.1976]

(116) Olá, Enídio! Feliz 81. Desejando-lhe tudo de bom e faço votos que se

realize todos os seus sonhos [C119-1.1.1981]

Note-se que, em (114), lhe é empregado com o GER mesmo tendo ocorrido te com

o verbo anterior, que está no INF. Em (115), apesar de o GER vir após outro verbo, não

constitui com este uma locução verbal: houve o apagamento do OD (“esta carta”, p. ex.) após

o verbo da oração principal, constituindo o GER outra oração, a que alguns gramáticos

(BECHARA, 2003; ROCHA LIMA, 2012) chamariam de “oração subordinada adverbial

modal reduzida de gerúndio”, o mesmo caso da oração em (116). Para Rocha Lima (2012, p.

353),

Page 123: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

121

O modo (justamente com o tempo e o lugar) é a mais fundamental das

circunstâncias. Mas em português, assim como não existem conjunções locativas,

assim também não existem conjunções modais; de sorte que, no plano do período

composto por subordinação, a circunstância de modo somente aparece sob a forma

de oração REDUZIDA (de gerúndio). (ROCHA LIMA, 2012, p. 353)

Com o infinito, lhe também predominou sobre te, embora sem muita diferença,

apenas 52,7%. A variação te/lhe com o infinito pode ser verificada nos trechos seguintes:

a) em locuções verbais:

(117) Zeca quero te contar uma partícula da minha experiência neste caminho que

nós andamos [C037-2.4.1970]

(118) Mais uma vez quero lhe escrever [C087-16.9.1976]

(119) quero diserlhe que senti bastante o falecimento da minha inesquecível mãe

[C076-9.11.1977]

(120) So quero dizer-te que fiz feliz viagem [C083-11.7.1978]

(121) ele então ia lhe convidar para ires a Campina Grande [C131-21.7.1981]

(122) Espero que está vá te emcontrá gozando saúde [C156-8.9.1986]

(123) posso lhe garantir que todos os pastores estarão de pernas quebradas no

Ceará [C010-22.5.1948]

(124) Francisco o que posso dizer-te, e que Deus ilumine teus passos [C033-

25.12.1979]

b) em INF soltos:

(125) Vou por meio destas poucas linhas é somente para dar-lhi nossas notícias

[C016-18.11.1953]

(126) Escrevo estas poucas linhas para dar-te as minhas notícias [C061-26.9.1974]

(127) a sra. deve ter estranhado a minha demora em escrever-lhe [C021-1.3.1955]

(128) O fim desta é perdir-lhe um grande favor [C027-16.9.1961]

(129) a Nazaré tem vontade de ti conhecer [C029-10.12.1964]

(130) Mamãe eu tenho tanta vontade de lhe ver [C041-19.6.1971]

(131) resolvi tomar a decisão de escrever-lhe [C094-3.9.1979]

(132) foi bom demais ti conhecer [C099-3.10.1979]

(133) desculpe em não escrever-te a mais tempo [C133-13.8.1981]

(134) me desculpe por lhe agredir no início da carta [C167-26.4.1994]

Note-se que, em (44), lhe foi usado como referência ao destinatário e, logo em

seguida, este é tratado por tu, implícito na forma verbal ires.

Page 124: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

122

Como as formas nominais são frequentemente usadas em locuções verbais

(formas compostas, perífrases), resolvemos cruzar os fatores tempo verbal e forma nominal e

estrutura do verbo para verificarmos como lhe foi empregado junto a essas formas nominais

tanto em locução verbal quanto em forma solta. O resultado foi o seguinte:

Tabela 22: Ocorrências de lhe por forma nominal e estrutura do verbo

Estrutura

Forma nominal

Simples % Locução

verbal %

INF 41/83 49,5 57/103 55,4

GER 5/8 62,5 20/30 66,7

PART [não ocorreu] - 8/10 80

Pela tabela acima, verifica-se que, na amostra, lhe foi mais usado com as formas

nominais em locução verbal (tempos compostos e perífrases), embora a diferença de

ocorrência em comparação com as formas nominais soltas (isto é, sem constituir locução

verbal) não seja muito grande: 5,9% para o INF e 4,2% para o GER.

Interessante observar que o lhe foi muito frequente com o GER tanto em seu uso

solto quanto em seu uso em locução verbal.

5.5.3 A atuação da estrutura verbal no uso de lhe

Em português, os verbos existem nas formas simples, a maioria herdada do latim

vulgar, com exceção do FUT PRES INDIC e do FUT PRET INDIC, que derivam de “uma perífrase

verbal, formada pelo infinitivo de um verbo e o indicativo de habere” (COUTINHO, 1976, p.

276). Para Coutinho, essa foi uma criação românica, inexistente no latim clássico.

A presença desses verbos auxiliares leva-nos a classificar uma determinada

ocorrência de te ou de lhe como estando preso a uma forma simples ou a uma locução verbal.

Não havendo o auxiliar, a forma é simples, como em (135) a (139); havendo o auxiliar, tem-se

uma locução verbal, o que pode ser um tempo verbal composto ou uma perífrase verbal, como

explicado em 4.2.2.2.2 e de que são exemplos (140) a (144) – os exemplos transcritos abaixo

trazem os mesmos verbos em diferentes ocorrências: nas primeiras, como verbos principais;

nas segundas, como verbos auxiliares:

Page 125: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

123

a) formas simples:

(135) tua irmã que sempre te tem em lembrança [C006-13.4.1945]

(136) Desejamo-lhe Bôs Festas, e Feliz ano Novo [C008-28.12.1974]

(137) mando-te esta cujo objetivo é... [C010-22.5.1948]

(138) Você não imagina como lhe esperei na agência [C058-5.8.1974]

(139) eu lhe quero como você realmente é [C059-9.8.1974]

b) locução verbal:

(140) O Juvito tem lhe escrito? [C002-5.10.1940]

(141) há meses que desejava lhe escrever [C040-25.3.1971]

(142) e depois mandarei lhe dizer ok? [C059-9.8.1974]

(143) espero lhe encontrar em casa [C013-2.5.1949]

(144) quero te encontrar linda e maravilhosa [C184-12.9.1998]

Como dissemos na seção 4.2.2.2.2, seguimos Bechara (2003) na identificação da

estrutura composta dos verbos (locução verbal), englobando o que tradicionalmente se chama

de tempos compostos e de perífrases verbais. Os tempos compostos ocorrem, por exemplo,

em:

a) PRET. PERF. COMP. INDIC.:

(145) O Juvito tem lhe escrito [C002-5.10.1940]

(146) Já faz muito tempo que não tenho lhe escrito nem tenho recebido carta sua

[C024-11.12.1956]

b) PRET. M.Q.PERF. COMP. INDIC.:

(147) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza de sua

rezidência [C002-5.10.1940]

(148) e disse que tinha lhe dito que notava uma falta de interesse [C126-

13.5.1981]

c) INF. COMP.:

(149) Gostaria de ter lhe telefonado [C236-7.12.1981]

(150) Desculpe em ter lhe tomado o tempo [C034-3.8.1966]

d) FUT. DO PRET. COMP. INDIC.:

(151) acho até que as outras teriam te chocado [C178-9.12.1993]

Page 126: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

124

As perífrases verbais podem ser verificadas em:

a) com verbos acurativos, ou seja, que “determinam com mais rigor os aspectos

do momento da ação verbal que não se acham bem definidos na divisão geral

de tempo presente, passado e futuro” (BECHARA, 2003, p. 231)

(152) Jesus continuará lhe ajudando [C043-16.7.1971]

(153) eu estou ti avizando mas fique firme [C014-12.2.1949]

(154) Hoje estou te escrevendo esta cartinha [C020-1.3.1955]

(155) estou a escrever-lhe novamente [C053-2.7.1973]

(156) Neste momento venho alegre dar-lhe as minhas notícias [C021-1.3.1955]

(157) Mais uma vez volto a lhe aborrecer [C070-14.11.1976]

b) com auxiliares modais, os que “determinam com mais rigor o modo como se

realiza ou se deixa de realizar a ação verbal” (BECHARA, 2003, p. 232):

(158) precizo lhe dizer com toda sinceridade que nunca suspeitei tal do irmão

[C007-27.12.1946]

(159) preciso lhe vê [C174-9.12.1992]

(160) Esperamos a resposta desta, para poder te remeter uns retratos [C004-

11.11.1943]

(161) posso lhe garantir que todos os pastores estarão de pernas quebradas no

Ceará [C010-22.5.1948]

(162) mais uma vez uma carta sua me encontra em casa e assim lhe posso

responder! [C022-8.11.1955]

(163) Se eu mesmo soubesse lhe ajudar, seria um prazer [C070-13.2.1977]

(164) Quero te pedir se possível for a cópia daquele ino [C084-1.8.1978]

(165) espero lhe encontrar em casa [C013-2.5.1949]

(166) há meses que desejava lhe escrever [C040-25.3.1971]

(167) gostaria muito de entrar em detalhes contigo, de contar-te tudo [C181-

?.?.1995]

(168) primeiro que tudo pesso-lhe me perduar em nome de Jesus [C007-

27.12.1946]

(169) Um abraço daquela que não consegue te esquecer [C060-21.9.1974]

(170) Iracema vai lhe escrever algumas coisas [C002-5.10.1940]

Page 127: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

125

(171) espero que esta va ti encontrar gozando as mesmas [C031-10.12.1964]

(172) isto é, só vou ver-lhe em dezembro [C058-5.8.1974]

(173) Se ainda fosse te escrever o papel não ia dar [C083-11.7.1978]

(174) ele então ia lhe convidar para ires a Campina Grande [C131-21.7.1981]

c) auxiliares causativos, os que expressam o fato de que o sujeito do verbo causa

a realização da ação, sem realizá-la com suas próprias mãos:

(175) e que a mesma te faça sentir-se um pouco mais feliz [C038-19.1.1970]

(176) e depois mandarei lhe dizer ok? [C059-9.8.1974]

A gramática tradicional costuma relacionar os “tempos compostos” como aqueles

que são formados com haver (formal) e ter (informal) seguidos de um PART. Essa

classificação não compreende, portanto, as diversas locuções verbais que se usam em nossa

língua para indicar a noção de aspecto verbal. Para Bagno (2012, p. 548), “temos no PB várias

outras possibilidades de expressão do aspecto que não vêm catalogadas nos compêndios

gramaticais como ‘tempos’ específicos”.

A expressão do aspecto se dá, em geral, a partir da combinação de diferentes

verbos envolvendo sempre uma forma nominal (INF, GER e PART). Essas combinações sempre

existiram em toda a história da língua portuguesa, com “vestígios no próprio latim clássico”

(COUTINHO, 1976, p. 277), porém seu uso em lugar das formas simples cresceu nos últimos

séculos, como, por exemplo, as perífrases de futuro com aspecto durativo, em que o último

verbo se coloca no GER. Segundo Serafim (2008), tais perífrases tiveram aumento de

frequência no século XX em razão de uma tendência mais analítica do português.

Em se considerando que as locuções verbais são, de fato, mais recentes na história

do idioma do que as formas simples, supomos que lhe, que é a forma mais recente para a 2ª

PESS, seja mais comum em locuções verbais do que com as antigas formas simples.

Vejamos o que nos mostram os dados:

Tabela 23: Atuação da estrutura verbal sobre o uso de lhe

Estrutura

verbal Ocorr./Total %

Simples 159/337 47,2

Locução verbal 86/144 59,7

Page 128: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

126

Os dados confirmam nossa hipótese: lhe é favorecido em locuções verbais, tendo

sido usado em quase 60% das 142 ocorrências de formas locucionais. Alguns exemplos

extraídos de nossa amostra revelam o uso de lhe em seu uso inovador, que é na função de

ACUS (além de ser inovador também seu uso como 2ª PESS) em locuções verbais: em (177),

estar vendo substitui o simples ver; em (178), vou ver substitui o simples verei:

(177) Eu bem quisera ter tempo para escrever, ou melhor, está sempre lhe vendo.

[C061-19.6.1958]

(178) isto é, só vou ver-lhe em dezembro. [C096-5.8.1974]

Em (179) e (180), lhe aparece (também como ACUS) em locuções verbais que não

correspondem a tempos simples: a primeira denota repetição da ação; a segunda, capacidade:

(179) Mais uma vez volto a lhe aborrecer. [C070-14.11.1976]

(180) Se eu mesmo soubesse lhe ajudar, seria um prazer [C070-14.11.1976]

5.5.4 A função sintática do pronome no uso de lhe

Como explicado, tendo sido originado da forma latina ĭlli (DAT de ĭlle), a função

original de lhe é o DAT, que, em português corresponde ao OI, nos exemplos (181) e (182), e

ao CN, nos exemplos (183), (184) e (185), regidos pela preposição a ou para (lhe = a/para

ele(a), a/para você) com o sentido de destino [(181) e (182)], atribuição [(183)] ou de

interesse [(184) e (185)]:

(181) estava esperando o realizamento dos batismos para lhe escrever [C018-

12.6.1953]

(182) Estou lhe enviando 10 camisetas brancas da Hering [C168-30.7.1992]

(183) com aquêle entusiasmo que lhe é peculiar [C043-16.7.1971]

(184) Será que em algum momento não lhe fui útil? [C162-30.6.1988]

(185) Sou-lhe devedor [C043-16.7.1971]

A forma te, como também já foi explicado, está aqui compreendendo os dois

pronomes homônimos: um com função acusativa, proveniente do te latino, o outro com

Page 129: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

127

função dativa, proveniente do tibi latino (tibi > tii > ti > te)32

, os quais apresentam entradas

diferentes no dicionário Aurélio (FERREIRA, 2010, p. 2013) e cuja origem é explicada por

Coutinho (1976, p. 254) e Mattos e Silva (2006, p. 170). As aparições de te na amostra tanto

podem ser como OD (186), OI (187) ou CN (188):

(186) irei te ver logo hoje [C184-12.9.1998]

(187) estou te escrevendo para saber tuas notícias [C178-9.12.1993]

(188) com a ausência de quem te era caro. [C151-28.5.1984]

Partindo desse pressuposto, trabalhamos com a hipótese de que lhe, apesar de

haver assumido a função de ACUS no PB, antes ocupada por te (forma T) ou o (forma V),

continuaria sendo mais usado em sua função original. A análise das 186 cartas revela o

seguinte:

Tabela 24: Atuação da função do pronome sobre o uso de lhe

Função Ocorr./Total %

DAT 184/327 56,3

ACUS 61/154 39,6

Nossa hipótese, portanto, confirmou-se: na codificação do dativo para a 2ª PESS,

lhe foi mais usado (56%) do que te (44%), que sempre acumulou também essa função, além

do ACUS.

Nas ocorrências de ACUS (150), lhe só aparece 59 vezes (39,3%), prevalecendo a

forma te (60.7%), que surge 91 vezes com essa função.

Como o uso do lhe ACUS de 2ª PESS é mais recente do que o do lhe DAT,

verificamos qual das funções, na amostra, predomina no primeiro período analisado, ou seja,

nos anos 1940 e 1950 e comparamos com as demais décadas. O resultado foi o seguinte:

32

No já mencionado romeno, as formas latinas te e tibi resultaram em formas átonas diferentes, respect. te e ţi.

Page 130: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

128

Tabela 25: Funções de lhe em cartas pessoais de 1940 e 2000

Períodos

Função

ACUS DAT

Ocorr./Total % Ocorr./Total %

1940-50 10/38 24,3 28/38 75,7

1960-90 50/206 24,4 156/206 75,6

A tabela revela que não houve, na amostra analisada, mudança na frequência de

uso do lhe como DAT ao longo do século XX, que continua sendo mais recorrente como

dativo do que como ACUS.

Apesar de lhe ter substituído o como forma V e adquirido, assim, a função de OD,

ainda encontramos algumas raras ocorrências de o (e de sua variação –lo) nas cartas de nossa

amostra. Em duas cartas, o concorre com as formas da variação aqui estudada, como se

observa em (189) e (190):

(189) Você não imagina como lhe esperei na agência e como fiquei triste por ver

que não vinhas. (...) como desejava vê-lo outra vez. (...) eu andava triste, a

razão não sabia por que, não sei se era de tristeza ou se era vontade de te

ver. [C058-5.8.1974]

(190) acho até que as outras coisas teriam te chocado (...) eu quero mantê-lo perto

de mim. [C178-9.12.1993]

Note-se, no trecho (153), que a remetente usa a forma –lo com o verbo ver para

referir-se ao destinatário e, mais adiante, usa te com esse mesmo verbo e com a mesma

referência, tendo antes usado lhe como OD de outro verbo (esperar) e, também, com a mesma

referência. Ou seja, na função acusativa, as três formas (te, lhe, o) encontram-se em variação

nessa carta.

Nas cartas, verificamos o uso de o (-lo) na função de DAT, em vez de lhe, nos

trechos (191) e (192), de cartas de 1966 e 1986, respectivamente (com o pronome na forma

feminina):

Page 131: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

129

(191) Em relação a Natália, eu sou sabedor a muito tempo, que você ler as cartas

que eu a escrevo [C034-3.8.1966]

(192) Mande-me o endereço da Valentina pois quero escrevê-la. [C156-3.11.1986]

O uso de o (-lo) por lhe talvez seja decorrente da perda do traço [+3ª pessoa] que

sofreu o pronome lhe no português falado no Brasil (BAGNO, 2013, p. 230). Entretanto, lhe

ainda conserva o traço [+3ª PESS] em cartas da década de 40, como comprova o trecho (193):

(193) disse a Dina que quando o Maneco veio de Mossoró que esteve em Lajes e Angico foi em

casa della, Dina, mas de uma vez seduzi-la não somente com palavras prostituídas, como

agindo, dizendo a Dina que lhe servise de mulher, pois pretendia formicar com ella,

dizendo que a esposa era doente e não podia ficar separado de mulher, o que ella rezistiu

muito que a última vez que elle a procurou, foi em um estado tão vergonhoso, dizer que ella

lhe fizesse isto e ella repreendeu-oi, que não seria falda a seu marido [C002-29.1.1940]

O fato de lhe ter migrado da 3ª PESS para a 2ª PESS, associado ao gradual

desaparecimento de o, fez com que ele(a) passasse a ser usado na função acusativa. O uso de

ele(a) por o(a) é um fenômeno amplamente atestado, tendo sido comentado em Cunha (1986,

p. 290), Monteiro (1994, p. 87-8), Moura Neves (2000), Bechara (2003, p. 173-5), Castilho

(2012) entre outros, e pode verificado nos trechos (194), (195) e (196), de cartas de 1940,

1953 e 1971, respectivamente:

(194) a mesma irmã viu elle agarrado com uma irmã da mesma natureza delle.

[C002-29.1.1940]

(195) eu, logo que saiba o dia que vão, mando éla pra casa do Odiel com

antecedência, sim? [C019-14.6.1953]

(196) ...ela banha ele e bota lá na cama da Beta. [C041-19.6.1971]

Dessa forma, podemos esquematizar as mudanças no quadro pronominal do PB

quanto às funções sintáticas da seguinte maneira:

Page 132: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

130

Figura 2: movimentos dos pronomes de 2ª e 3ª PESS no PB

FONTE: Produção do próprio autor.

O esquema acima mostra que, no PB, havia a dualidade T-V na 2ª PESS do singular

representada, no caso nominativo (SUJ), respectivamente, por tu e você, mas este passou a ser

empregado como forma T também, neutralizando a oposição forma/informal entre os dois

pronomes.

Como forma V, usavam-se, nos casos ACUS (OD) e DAT (OI/CN) as formas da 3ª

PESS, respectivamente, o e lhe. Este, na língua falada, perdeu o traço [+ 3ª PESS] e passou a ser

empregado como ACUS V e, posteriormente, como ACUS T, mantendo-se também como DAT e

equiparando-se, morfossintaticamente a te. Porém, te, na verdade, são duas formas

homônimas: te1 (ACUS, derivado do te latino) e te

2 (DAT, derivado do tibi latino).

Nos exemplos (191) e (192), temos um caso em que o pronome o, em sua forma

feminina (l)a, prototipicamente acusativo, foi usado como DAT de 3ª PESS, talvez devido à

perda do traço [+3ª PESS] em lhe – movimento que, no quadro, se aponta com o índice 3. A

lacuna deixada pelo DAT lhe ao perder o traço [+3ª PESS] foi preenchida com ele após as

preposições a e para – movimento que, no quadro, se aponta com o índice 4.

O desaparecimento de o como índice de 3ª PESS na língua falada levou ele ser

usado como ACUS, substituindo-o – os trechos (194) a (196) exemplifica esse uso nas cartas.

Page 133: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

131

5.6 Resumo do capítulo

Neste capítulo, realizamos uma análise dos resultados apresentados pelo programa

GoldVarb X para os dados colhidos da variação te/lhe numa amostra de 186 cartas escritas

por cearenses desde 1940 até 2000.

Antes da realização da análise, havíamos levantado algumas hipóteses, as quais

nos fizeram supor um conjunto de fatores linguísticos e extralinguísticos que atuariam

favorecendo tal variação. Os resultados apontados pelo programa confirmaram boa parte das

hipóteses e negaram outras. Realizamos diversas análises e cruzamentos de dados e tentamos

ilustrar os resultados com exemplos extraídos do corpus.

Por se tratar de uma pesquisa com base em material escrito coletado ao acaso, não

nos foi possível controlar fatores sociais referentes ao perfil dos remetentes (faixa etária, nível

de escolaridade, condição econômica, procedência – zona rural ou urbana – etc.), porém

preenchemos essa lacuna com a análise de muitos fatores linguísticos, uma vez que, como a

variação mostrou-se ocorrer em nível individual, não apenas em nível global, isto é, no

conjunto de cartas analisado, há a possibilidade de que os fatores que a condicionam sejam

muito mais linguísticos do que sociais.

De qualquer forma, a análise exposta aqui serviu para mostrar que, não apenas na

modalidade falada, como apontam alguns estudiosos (MONTEIRO, 1994, p. 86; BAGNO,

2011, p. 765), mas também na modalidade escrita, a variação te/lhe é bastante frequente e, na

amostra analisada, revelou-se estável, numa “relação de contemporização” (TARALLO,

2011, p. 63), em que as formas variantes encontram-se numa coexistência mais ou menos

equilibrada: 50,9% de ocorrências de lhe e 49,1% de ocorrências de te, de modo que não se

pode, a partir da análise do material coletado, prever se tal variação resultará em mudança

linguística ou se permanecerá como tal, o que, segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006),

seria algo perfeitamente natural, pois a variação faz parte do sistema linguístico, sendo

“necessário aprender a ver a língua – seja de um ponto de vista diacrônico ou sincrônico –

como um objeto constituído de heterogeneidade ordenada.” (p. 35).

Page 134: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

132

6 CONCLUSÃO

Segundo alguns estudos variacionistas (DUARTE, 1993; FARACO, 1996;

GALVES, 2001; LOPES; MACHADO, 2005; OLIVEIRA; LOPES, 2007; LOPES;

CAVALCANTE, 2011;), no sistema pronominal do PB, muitas variações passaram a ocorrer

com a entrada da expressão vossa mercê (aglutinada em você) no quadro de pronomes

pessoais, dentre elas, a variação entre as formas oblíquas te e lhe. A primeira, usada tanto

como ACUS quanto como DAT, é a forma objetiva de tu; a segunda, inicialmente, a forma

objetiva de ele, era usada apenas como DAT, porém foi acumulando também a função de ACUS

ao passo que, no PB falado, foi perdendo o traço [+ 3ª PESS], de modo que, hoje, só é usado

como 2ª PESS (BAGNO, 2012, p.753-6; LUCCHESI; MENDES, 2009, p. 482; ALMEIDA,

2009, p. 45), tanto na função de DAT quanto de ACUS.

A maioria dos estudos acerca das variações pronominais realizados em todas as

regiões do país focaliza a variação tu/você na função de SUJ. Destarte, à variação te/lhe, até o

presente estudo, não tem sido dada a mesma atenção dispensada às formas variantes para o

SUJ, deixando uma lacuna na descrição das variações pronominais no PB.

Uma das motivações para a realização dessa pesquisa foi a necessidade de

verificar se a variação te/lhe, constatada na fala cearense em Soares (1980) com dados de

Fortaleza, teria ocorrência também na modalidade escrita. Para isso, coletamos cartas

pessoais, gênero textual em que o uso de pronomes de 2ª PESS é frequente por substituir um

diálogo entre dois interlocutores que se encontram separados pela distância.

Este estudo investiga a variação dos pronomes te/lhe com função de 2ª PESS SING

no português escrito usado no Ceará, em uma amostra de 186 cartas pessoais redigidas por

cearenses ao longo do século XX, a começar pelo ano de 1940, para analisarmos como essa

variação acontece, quais seus fatores favorecedores e qual a influência dos aspectos sociais no

fenômeno.

Para a realização da análise, decidimos controlar os grupos de fatores sociais: o

período do século XX no qual a carta foi escrita, o gênero da autoria da carta (carta de homem

e carta de mulher) e o remetente; bem como os grupos de fatores linguísticos: o tipo

semântico do verbo que rege o pronome te/lhe, a estrutura do verbo, o tempo verbal e a forma

nominal de verbo, a posição do pronome te/lhe em relação ao verbo, a função sintática do

pronome te/lhe e a presença de forma T (tu, teu, ti, contigo) ou V (você, o senhor, seu, se, si,

consigo) antes da primeira ocorrência de te/lhe.

Page 135: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

133

Considerando que a forma lhe, apesar de fazer parte do sistema pronominal

português desde a fase arcaica da língua, é a forma inovadora (pois só depois assumiu a

função ACUS e passou a ser usado como 2ª PESS), procuramos entender como os grupos de

fatores definidos acima favoreceriam a ocorrência de lhe em variação com te, que sempre foi

de 2ª PESS.

A análise mostrou que as formas te e lhe como pronomes de 2ª PESS nas 186 cartas

da amostra foram usadas praticamente na mesma proporção, pois, num total de 481

ocorrências desses pronomes nessas cartas, 50,9% foram ocorrências de lhe e 49,1% foram

ocorrências de te.

Quanto ao uso de lhe ao longo dos três períodos analisados, verificou-se que esse

pronome teve maior emprego nas décadas de 1940 e 1950 (53,5%), caindo um pouco nos anos

1960 e 1970 (52,4%) e mais ainda nas duas décadas seguintes (48,5%). Portanto, os dados

mostram que a forma lhe teve sua frequência de uso reduzida ao longo do século XX, a partir

de 1940, no português usado no Ceará, e este resultado coincide com o obtido por Almeida

(2009), que estudou a mesma variação, porém na fala de Salvador (BA).

Já o uso de lhe em alternância com te ocorreu em todas as décadas analisadas,

porém em apenas 15,6% das 186 cartas da amostra. Nessas cartas, foi mais comum usar-se

apenas lhe (44,6%).

Quanto à atuação da variável do gênero da autoria das cartas, não houve diferença

significativa no percentual: lhe apareceu em 51,7% nas cartas de homens e 50% nas cartas

de mulheres. Portanto, nas cartas da amostra, os homens usaram um pouco mais lhe como 2ª

PESS do que as mulheres.

Acerca do uso de lhe por remetente, verificamos que, dos 86 remetentes das cartas

da amostra, 54,6% empregaram esse pronome de forma categórica e apenas 20,9% o

empregaram em variação com te.

Em relação ao tipo semântico do verbo que rege te/lhe, a forma lhe foi favorecida

com os verbos dicendi (60,8%) e menos frequente com os verbos sentimentais (34,5%), o que

sugere que, apesar de ter assumido também a função de ACUS, lhe ainda foi mais usado nas

cartas em sua função original (DAT), que normalmente representa o ser para quem se diz

alguma coisa, ou seja, o OI dos verbos dicendi. Desses verbos, o que mais favoreceu a

ocorrência de lhe foi o verbo comunicar: das 12 ocorrências desse verbo nas cartas, lhe

apareceu em 10, ou seja, em 83,3 %. Já com a expressão dar notícias, lhe teve menor

ocorrência: 26,1%. Deduzimos que, nesse caso, lhe associou-se mais a um verbo de uso mais

Page 136: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

134

formal do que com uma expressão popular por manter resquícios de sua origem como forma

V.

Quanto ao grupo de fatores tempo verbal e forma nominal do verbo que rege

te/lhe, a forma lhe foi favorecida com verbos no PRET PERF/IMPERF INDIC (58,5%), tendo sido

desfavorecida com verbos no PRES SUBJ: apenas em 7 das 34 ocorrências de verbos nesse

tempo nas cartas, ou seja, 20,6%.

Dentre as formas nominais, lhe foi mais usado do que te em todas elas: 52,7% das

ocorrências de INF, 65,8% das ocorrências de GER e 80% das ocorrências de PART.

Acerca da variável estrutura do verbo ao qual se prende o pronome te/lhe,

verificamos que lhe é mais comum em locuções verbais (59,7%) do que em formas simples

(47,2%), talvez por serem as locuções verbais mais recentes no idioma do que as formas

simples, herdadas do latim, o que favorece o uso de lhe (mais recente como IP de 2ª PESS) em

vez de te (sempre usado como 2ª PESS).

Quanto à posição de te/lhe em relação ao verbo regente, lhe foi favorecido nos

casos de ênclise: das 110 ocorrências de posposição do pronome ao verbo, lhe apareceu em 77

(70%).

Em relação à função do pronome te/lhe, a forma lhe apareceu mais como DAT

(56,3%), o que revela que, mesmo tendo adquirido a função de ACUS, esse pronome continua

mais usado em sua função original.

Finalmente, quanto à presença de uma forma T ou de uma forma V antes da

primeira ocorrência de te/lhe, constatamos que, nas cartas, lhe foi favorecido após o uso de

alguma forma V (você, o senhor, seu etc.). 238 das 481 ocorrências de te/lhe são antecedidas

por uma forma V e, destas 238, lhe representa quase a metade: 138 ocorrências ou 49,5%.

Quando nenhuma forma (nem T nem V) antecedia a primeira ocorrência de te/lhe, a forma lhe

também predominou sobre te em 42% dos casos.

A partir da análise, o programa GoldVarb X selecionou os grupos de fatores

linguísticos tempo verbal e forma nominal do verbo, posição do pronome em relação ao verbo

e presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe.

Em resumo, a análise nos leva a concluir que, na amostra analisada, o uso de lhe

como IP de 2ª PESS deu-se principalmente quando:

foi usada uma forma V (você, o[a] senhor[a], consigo, seu[s]/sua[s]) antes do

pronome oblíquo (0,58);

foi empregada a ênclise (0,70);

Page 137: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

135

o verbo estava no particípio (0,88);

o verbo era discendi (0,60);

o verbo encontrava-se numa locução verbal (0,58); e

a função do pronome era o dativo (0,55).

Os fatores extralinguísticos (período do século XX e o gênero da autoria das

cartas) mostraram-se irrelevantes na ocorrência da variação em estudo. Na amostra analisada,

lhe predominou:

nas cartas das décadas de 1940 e 1950 (53,5%);

em cartas de homens (51,7%).

Em se comparando o uso de lhe nas 186 cartas e o uso de lhe pelos 86 remetentes,

percebemos uma pequena diferença: lhe foi caindo continuamente nas cartas escritas entre

1940 e 2000; já seu uso pelos remetentes cresceu nas décadas de 1960 e 1970, mas sofreu

declínio das duas décadas seguintes.

Em suma, a forma lhe foi mais frequente nas cartas pessoais em todos os períodos

analisados do que te, embora a frequência de uso de lhe tenha sofrido um declínio enquanto te

teve seu uso aumentado nas duas últimas décadas do século XX. A diferença no percentual de

uso entre as duas formas mostrou-se, no geral, apertado. Assim, a variação te/lhe tendeu a ser

frequente e acirrada no conjunto de cartas da amostra.

Uma vez que cartas pessoais, segundo Marcuschi (2001) são um gênero da

modalidade escrita bastante próximo da fala, é possível estabelecer uma comparação entre

este trabalho e a pesquisa de Almeida (2009) sobre o mesmo fenômeno na fala de Salvador

(BA): ambos constataram uma acirrada variação das formas te/lhe, como predomínio de lhe.

Interessante notar que, assim como a pesquisa de Almeida (2009) constatou um retorno de te

à fala soteropolitana entre as gerações mais jovens, a presente pesquisa constatou a mesma

tendência entre as cartas das décadas de 1980 e 1990, que foram, em sua maioria, escritas por

remetentes mais jovens do que os remetentes dos demais períodos analisados.

Esperamos, com esta pesquisa, ter contribuído com a descrição das formas

pronominais te/lhe em cartas pessoais escritas no português usado no Ceará e ter aberto

possibilidades para outros trabalhos descritivos sobre o Português do Brasil.

Page 138: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

136

REFERÊNCIAS

ABL. Dicionário escolar da Língua Portuguesa. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 2008.

ABREU, M. T. dos S. Formas de tratamento no dialeto oral urbano de Curitiba. Dissertação

(Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1987.

ALMEIDA, G. de S. Quem te viu quem lhe vê: a expressão do objeto acusativo de referência à

segunda pessoa na fala de Salvador. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de

Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009, 193f.

ALMEIDA, N. M. de. Gramática latina: curso único e completo. 29. ed. São Paulo: Saraiva,

2000.

ALMASOV, A. ‘Vos’ and ‘Vosotros’ as Formal Address in Modern Spanish. Hispania: A

Journal Devoted to the Teaching of Spanish and Portuguese, n. 57.2 (1974), p. 304–310.

ANDRADE, M. de. Poesias completas. São Paulo: Martins, 1955.

ANDRADE, C. Q. Tu e mais quantos? – A segunda pessoa na fala brasiliense. 2010. 142 f.

Dissertação (Mestrado em Linguística) – Departamento de Linguística, Português e Línguas

Clássicas, Instituto de Letras, Universidade de Brasília, 2010.

ANDRADE, M. L. da C. V. de O. Gênero social e norma linguística: estudo de formas de

tratamento em cartas pessoais. In: PRETI, D. (org.). Variações na fala e na escrita. São

Paulo: Humanitas, 2011, p. 111-131.

ARDUIN, J. A variação dos pronomes possessivos de segunda pessoa teu/seu na região sul

do Brasil. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina,

Florianópolis, 2005.

AUGEROT, J. E. Romanian / Lim a Română. A Course in Modern Romanian. Iaşi, Oxford,

Portland: The Center for Romanian Studies, 2000.

AULETE, C. Novíssimo Aulete Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Rio de

Janeiro: Lexikon, 2011.

BAGNO, M. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial,

2012.

______. Gramática de bolso do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.

BAUSINGER, H. Sie oder Du? Zum Wandel der pronominalen Anrede im Deutschen. 1979.

Disponível em: <http://tobias-lib.uni-tuebingen.de/volltexte/2010/4825/pdf/Bausinger

_Hermann_Sie_oder_du_Zum_Wandel_der_pronominalen_Anrede.pdf>

BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed., Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

Page 139: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

137

BEEKES, R. S. P. Comparative Indo-European Linguistics: An Introduction. Philadelphia:

John Benjamins Publishing Company, 1995.

BELINE, R. A variação linguística. In: FIORIN, J. L. (org.). Introdução à Linguística, vol. 1:

Objetos teóricos. 6. ed., São Paulo: Contexto, 2011.

BENAVIDES, C. La distribucion del voseo en Hispanoamerica. Hispania: A Journal Devoted

to the Teaching of Spanish and Portuguese. n. 86, v. 3, 2003, p. 612–623.

BERNSTEIN, C. Grammatical Features of Southern Speech: Yall, Might could, and fixin to.

English in the Southern United States. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 108-

109.

BESCH, W. Duzen, Siezen, Titulieren. Zur Anrede im Deutschen heute und gestern.

Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1998, p.160 .

BLANCO BOTTA, I. El voseo en Cuba: Estudio sociolinguistico de una zona de la

isla. Beitrage zur Romanischen Philologie. n. 21, v. 2, 1982, p. 291–304.

BOLÉO, M. de P. Brasileirismos (Problemas de Método). Coimbra Editora, 1943.

BROWN, R.; GILMAN, A. The Pronouns of Power and Solidarity. American

Anthropologist 4 (6), p. 24–39, 1960.

BUENO, S. Dicionário Global Escolar. 3. ed. São Paulo: Global, 2009.

BYBEE, J. Mechanisms of Change in Grammaticization: The Role of Frequency. In:

JOSEPH, B. D. and JANDA, R. D. The Handbook of Historical Linguistics. Cap. 19. Oxford:

Blackwell Publishing, 2003.

CALLOU, D.; ELEUTÉRIO, S.; OLIVEIRA, J. Estruturas de futuridade em cartas pessoais

do século XIX. In: LOPES, C. R. dos S. (org.). A Norma Brasileira em Construção: fatos

linguísticos em cartas pessoais do século 19. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2005.p. 83-93.

CAMACHO, R. G. Sociolinguística. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs.). Introdução

à Linguística: domínios e fronteiras. Vol. 1, 9. ed., São Paulo: Cortez, 2011.

p. 49-75

CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2012.

CIPRO NETO, P.; INFANTE, U. Gramática da língua portuguesa. São Paulo: Scipione,

2004.

CHAGAS, P. A mudança linguística. In: FIORIN, J. L. (org.). Introdução à Linguística, vol.

1: Objetos teóricos. 6. ed., São Paulo: Contexto, 2011. p. 141-163.

Page 140: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

138

COELHO, T. M. S. A sínclise dos substantivos pessoais átonos no português oral culto de

Fortaleza: aspectos sociolinguísticos. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Departamento

de Ciências Humanas, Universidade Federal do Ceará, 2003.

COJOCARU, D. Romanian Grammar. SEELRC, 2003. Disponível em:

<http://users.ox.ac.uk/~uzdh0146/compgrammar_romanian.pdf>

COOK, M. A theory for the interpretation of forms of address in the Portuguese Language.

Hispania, vol. 80, n. 3, 1997.

COUTINHO, I. L. Gramática histórica. 5. ed., Rio de Janeiro: Ao livro Técnico, 1976.

CUNHA, C. F. da. Gramática da língua portuguesa. 11. ed., Rio de Janeiro: FAE, 1986.

CURY, A. da G. Novas lições de análise sintática. 9. ed. São Paulo: Ática, 2001.

DIAS, E. P. O uso de tu no português brasiliense falado. Dissertação (Mestrado em

Linguística) – Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas do Instituto de

Letras, Universidade de Brasília, 2007.

DUARTE, M. E. L. Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no português

do Brasil. In: ROBERTS, A.; KATO, M. A. (orgs.). Português brasileiro: uma viagem

diacrônica. Campinas: UNICAMP, 1993.

DUBOIS, J. et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 1973.

FARACO, C. A. Linguística Histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São

Paulo: Ática, 1991.

______. O tratamento de você em português: uma abordagem histórica. Fragmenta, Curitiba,

n. 13, p. 51-82, 1996.

______; MOURA, F. M. Linguagem nova. São Paulo: Ática, 2005.

FARIAS, F. N. de A. As “formas de falar” da escola e do aluno no processo interativo: uma

perspectiva sociolinguística. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do

Piauí, Teresina, 1999. 133f.

FERNANDES, E. A. Nós e a gente: variação na cidade de João Pessoa. Dissertação

(Mestrado em Linguística) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1997.

FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo,

2010.

FERREIRA, M. Aprender e praticar gramática. São Paulo: FTD, 2011.

FINEGAN, E. Language: Its Structure and Use. Belmont, California: Wadsworth Publishing

Co Inc., 2011.

Page 141: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

139

FISCHER, J. L. Social influences on the choice of linguistic variant. Word, 1958, n. 14, p. 47-

56. Disponível em: <http://www.stanford.edu/~eckert/PDF/fischer1958.pdf>. Acesso em: 11

jun. 2013, 10h 45min.

FRANCESCHINI, L. O uso dos pronomes pessoais tu / você em Concórdia – SC. Anais do

VII Congresso Internacional da ABRALIN, Curitiba, 2011.

FRIEDRICH, P. Structural Implications of Russian Pronominal Usage. London: Mouton,

1966. Disponível em < http://wals.info/refdb/record/Friedrich-1966>

FREITAS, J.; SILVA, A. Tu e você na escola. I Simpósio sobre a Diversidade Linguística no

Brasil. Salvador, Instituto de Letras da UFBA, 1986.

GALVES, C. A sintaxe pronominal do Português Brasileiro e a Tipologia dos Pronomes:

ensaios sobre as Gramáticas do Português. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.

GIVÓN, T. On Understanding Grammar. New York: Academic Press, 1979.

______. Syntax – an introduction. Vol. 1. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins

Publishing Company, 2001.

GOMES, C. A. variação e mudança na expressão do dativo no português brasileiro. In:

PAIVA, M. C. A. de e DUARTE, M. E. L. (orgs.). Mudança linguística em tempo real. Rio

de Janeiro: Contra Capa / Faperj, 2003. p. 54-63.

GOMES, I. S. M., GONÇALVES, E. O emprego do pronome lexical como objeto direto. In:

PACHECO, V., SAMPAIO, N. F. S. (orgs).Pesquisa em estudos da linguagem IV. Vitória da

Conquista: Edições Uesb, 2007, p. 227-240.

GONÇALVES, C. R. Uma abordagem sociolinguística do uso de você, ocê e cê no

português. Tese (Doutorado em Linguística) – Departamento de Linguística, Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. 349 p.

GONZAGA, Luiz e DANTAS, Zé. Sabiá. In: LUIZ GONZAGA. Luiz Gonzaga – 50 Anos de

Chão. Manaus: BMG, 1996. 5 LPs / 3 CDs, disco 2, faixa 2 (2min 26seg).

GUIMARÃES, A. M. de M. A ocorrência da 2ª pessoa: estudo comparativo sobre o uso de

TU e VOCÊ na linguagem escrita. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1979.

GUY, G. R. Introdução à análise quantitativa da variação linguística. In: GUY, G. R. e

ZILLES, A. Sociolinguística quantitativa – instrumental de análise. São Paulo: Parábola

Editorial, 2007.

HARPER, D. Thee and Thou. 2002. Disponível em: <http://etymonline.com/columns/do-be-

thee.htm>

HAWKINS, R.;TOWEL, R. French grammar and usage. New York: Routledge, 2013.

Page 142: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

140

HEINE, B. Cognitive Forces and Grammaticalization. Oxford: Oxford University Press,

1993. Disponível em < http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=

_d2m78LjrJAC&oi=fnd&pg=PP12&dq=Cognitive+Forces+and+Grammaticalization.&ots=e

OoKnFdZyo&sig=kOoRg4s9g04xfvy_S2e72RKYawo> Acesso em 8 fev. 2013

HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Objetiva,

2010.

JOCHNOWITZ, George. Another view of you guys. American Speech, Durham: Duke

University Press, v. 58. p. 68-70. 1984. Disponível em: < http://www.dukeupress.edu/

American-Speech/?viewby=journal>

JOSEPH, B. D. On the agreement of reflexive forms in English. Linguistics 17, p. 519-523.

Disponível em < http://www.ling.ohio-state.edu/~bjoseph/publications/1979reflex.pdf>

KUNKEL-RAZUM, K. et. al. Duden – Die Grammatik. Mannheim, Wien, Zürich:

Dudenverlag, 2009.

LABOV, W. Language in the Inner City: Studies in the Black English Vernacular.

Philadelphia: University of Alabama Press, 1972.

______. Where does the linguist variable stop? A response to Beatriz Lavandera.

Sociolinguistic Working Papers, 44. Texas, 1978.

______. Modelos sociolingüísticos. Madrid: Ediciones Cátedra S.A., 1983.

______. Principles of Linguistic Change: Internal factors. Oxford / Cambridge: Blackwell

Publishers, 1994.

______. Principles of Linguistic Change: Social Factors. Malden, Massachusetts: Wiley-

Backwell, 2001.

______. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008.

______. Principles of Linguistic Change: Cognitive and Cultural Factors. Malden,

Massachusetts: Wiley-Backwell, 2010.

LAVANDERA, B. Where does the sociolinguistic variable stop? Language in Society, Great

Britain, 1977, p. 171-182.

LAWN, R. Tu and Twitter: Is it the end for 'vous' in French? BBC News Magazine, 6 set./ 2012.

Disponível em <http://www.bbc.co.uk/news/magazine-19499771>

LLORACH, E. A. Gramática de La lengua española. Madrid: Espasa Calpe Editorial, 2000.

LOPES, C. R. Pronomes pessoais. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F (orgs.). Ensino de

gramática – descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007, p. 103-119.

______ (org.). A Norma Brasileira em Construção: fatos linguísticos em cartas pessoais do

século 19. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2005.

Page 143: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

141

______. Retratos da variação entre ‘você’ e ‘tu’ no português do Brasil: sincronia e diacronia.

In: RONCARATI, C.; ABRAÇADO, J. (orgs.). Português brasileiro II: contato linguístico,

heterogeneidade e história. Niterói: EDUFF, 2008, vol. 2, p. 55-71..

______; CAVALCANTE, S. A cronologia do ‘voceamento’ no português brasileiro:

expansão de você sujeito e retenção do clítico te. Linguística. Rio de Janeiro, vol. 25, p. 30-

65, jun. 2011.

______; MACHADO, A. C. M. Tradição e inovação: indícios do sincretismo entre a

segunda e a terceira pessoas nas cartas dos avós. In.: LOPES, C. R. S. (Org.) A Norma

Brasileira em Construção. Fatos linguísticos em cartas pessoais do século 19. Rio de Janeiro:

Faculdade de Letras, UFRJ, FAPERJ. 2005, p. 45-66.

LOREGIAN-PENKAL, L. (Re)análise da referência de segunda pessoa na fala da Região

Sul. 2004. 261 f. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,

2004.

______; MENON, O. P. da S. Você, Ocê (?) e Cê em Curitiba, Paraná. Signum: Estud. Ling.,

Londrina, n. 15/1, p. 223-243, jun. 2012.

LUCCA, N. N. G. A variação tu/você na fala brasiliense. 2005. 126 f. Dissertação (Mestrado

em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2005.

LUCCHESI, D; MENDES, E. dos P. A flexão de caso dos pronomes pessoais no português

afro-brasileiro. In: LUCCHESI, D.; BAXTER, A.; RIBEIRO, I. (orgs). O português afro-

brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2009, p. 481-8.

LUFT, C. P. Novo manual de português. São Paulo: Editora Globo, 1995.

LYONS, J. Lingua(gem) e Linguística: uma introdução. Trad.Marilda Winkler Averburg e

Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

MACEDO. A. V. T. de. Linguagem e contexto. In: MOLLICA, M. C. e BRAGA, M. L.

(orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 3. ed., São Paulo: Contexto,

2008. p. 59-66.

MACEDO, J. M. de. A Moreninha. São Paulo: Ciranda Cultural Editora, 2007.

MACHADO, A. C. M. A implementação de “Você”no quadro pronominal: as estrat gias de

referência ao interlocutor em peças teatrais no século XX. Dissertação (Mestrado em Língua

Portuguesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

2006. 108 p.

MAIA, F. P. S. A variação nós / a gente no dialeto mineiro: investigando a transição. Revista

da ABRALIN, v. 8, n. 2, p. 45-70, jul/dez. 2009.

MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. 7. ed. São Paulo: Atlas,

2011.

Page 144: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

142

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez,

2001.

MARTINS, G. F. A alternância tu/você/senhor no Município de Tefé – Estado do Amazonas.

Dissertação (Mestrado em Linguística) – Departamento de Linguística, Português e Línguas

Clássicas do Instituto de Letras, Universidade de Brasília, 2010.

MATTOS E SILVA, R. V. O português arcaico – fonologia, morfologia e sintaxe. São Paulo:

Contexto, 2006.

MENON, O. P. da S. Pronome de segunda pessoa no Sul do Brasil: tu/você/o senhor em

Vinhas da Ira. Letras de hoje. v. 35, n. 1, p. 134, 2000.

______; LOREGIAN-PENKAL, L.; E. D. Fagundes. O que é que se faz com os resultados do

VarbRul? Letrônica, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 319-337, jan./jun., 2013.

MODESTO, A. T. T. Formas de tratamento no português brasileiro: a alternância tu/você

na cidade de Santos – SP. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de Filosofia, Letras

e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

MOLLICA, M. C. Fundamentação teórica: conceituação e delimitação. In: MOLLICA, M. C.;

BRAGA, M. L. (orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 3. ed., São

Paulo: Contexto, 2008. p. 9-14.

______. Relevância das variáveis não linguísticas. In: MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L.

(orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 3. ed., São Paulo: Contexto,

2008. p. 27-31.

MONTEIRO, J. L. Pronomes pessoais: subsídios para uma gramática do português do Brasil.

Fortaleza: Edições UFC, 1994.

MOTA, M. A. A variação dos pronome ‘tu’ e ‘você’ no português oral de São João da Ponte

(MG). Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade federal de Minas Gerais,

Uberlândia, 2008.

MOURA NEVES, M. H. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000.

NAGLE, S. J. English in the Southern United States. New York: Cambridge University Press,

2003.

NARO, A. J. O dinamismo das línguas. In: MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L. (orgs.).

Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 3. ed., São Paulo: Contexto, 2008. p.

43-50.

NASCENTES, A. Estudos filológicos. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2003.

NEKRASOVA, E. A basic modern Russian grammar. Atlanta: eBook Publisher, 2002.

Disponível em: < http://www.ceng.metu.edu.tr/~e1394618/Rus%E7a%20Kitaplar/

A%20Basic%20Modern%20Russian%20Grammar.pdf>

Page 145: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

143

OLIVEIRA, M. de. A perda da preposição e a recategorização de ‘lhe’.In: GEL – Grupo de

Estudos Linguísticos, v. 33, 2003, São Paulo. Anais... São Paulo: Unitau, 2003, p. 323-351,

<http://www.fflch.usp.br/ dlcv/lport/pdf/maril008.pdf> Acesso em: 5 mar. 2014

OLIVEIRA, R.; LOPES, C. Retratos da mudança no sistema pronominal: Usos tratamentais

cariocas na diacronia e sincronia. Edital Jovem Cientista da FAPERJ, Programa de Pós-

Graduação em Letras – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. Disponível em:

<http://www.sigma-foco.scire.coppe.ufrj.br/UFRJ/sigma/projetos/consulta/relatorio.stm?app=

PROJETOS&codigo=15418&buscas_cruzadas=ON>

PAIVA, M. C.; SCHERRE, M. M. P. Retrospectiva sociolinguística: contribuições do PEUL.

Delta, São Paulo, v. 15, p. 201-232, 1999.

PAREDES SILVA, V. L. P. O retorno do pronome tu à fala carioca. In: RONCARATI, C.;

ABRAÇADO, J. (orgs.). Português brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história.

Rio de Janeiro: 7 Letras, p. 160-9, 2003.

POMMER, R. W. Um estudo sobre a natureza e o uso dos pronomes pessoais retos em

português. Dissertação (Mestrado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo,

1984.

PONTES, E. Verbos auxiliares em português. Petrópolis: Vozes, 1973.

POPLACK, S. The notion of the plural in Porto Rico Spanish: Competing constraints on /s/

deletion. In: LABOV, W. (ed.) Locating language in the space. Philadelphia: Universtity of

Pennsylvania Press, 1980, p. 55-67.

PRETI, D. (org.). Variações na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2011.

REGO, J. L. do. Menino de engenho. 8. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965.

ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José

Olympio, 2012.

RUMEU, M. C. de B. Língua e sociedade: a história do pronome “Você” no português

brasileiro. Rio de Janeiro: Ítaca, 2013.

SACCONI, L. A. Grande dicionário Sacconi da língua portuguesa. São Paulo: Editora Nova

Geração, 2012.

SAID ALI, M. Gramática secundária da língua portuguesa. 5. ed. São Paulo:

Melhoramentos, 1964.

SALES, I. A. Aspectos linguísticos e sociais no uso de pronomes em cartas pessoais baianas.

Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.

SANKOFF, D. Variable rules. In: AMMON, U; DITTMAR, N.; MATTHEIER, K J. (eds.)

Sociolinguistics - An international handbook of the science of language and society.

Page 146: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

144

Berlin/New York, Walter de Gruyter, 1988, p.984-998. Disponível em:

<http://individual.utoronto.ca/sankoff/Variablerules>

SANKOFF, D.; TAGLIAMONTE, S. A.; SMITH, E. Goldvarb X - A multivariate analysis

application. Toronto: Department of Linguistics; Ottawa: Department of Mathematics. 2005.

Disponível em: <http://individual.utoronto.ca/tagliamonte/Goldvarb/GV_index.htm#ref>

SCHEIBMAN, J. Local patterns of subjectivity. In: BYBEE, J.; HOPPER, P. (eds.).

Frequency and the emergence of linguistic structure. Amsterdam/Philadelphia: John

Benjamins Publishing Company, 2000. p. 61-90

SCHENKE, H.; SEAGO, K. Basic German: a grammar and workbook. New York:

Routledge, 2004, p. 79-80.

SCHERRE, M. M. P; NARO, A. J. A concordância de número no português do Brasil: um

caso típico de variação inerente. In: HORA, D. da (org.) Diversidade linguística no Brasil.

João Pessoa: Ideia, 1997, p. 93-114.

______. Análise quantitativa e tópicos de interpretação do Varbrul. In: MOLLICA, M. C.;

BRAGA, M. L. (Orgs.) Introdução à sociolingüística – o tratamento da variação. São Paulo:

Contexto, 2003, p.147-177.

______. A variação e o papel dos fatores sociais: o gênero do falante em foco. Revista da

ABRALIN, v. Eletrônico, n. especial, p. 121-146. 1ª parte, 2011.

SEARA, I. M. L. de R. Da epístola à mensagem eletrônica: metamorfoses das rotinas verbais.

Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Aberta de Lisboa, Lisboa, 2006.

SENSINI, M. Il sistema della língua: dalle parole al texto. Roma: Arnoldo Mondadori Scuola,

1999.

SERAFIM, R. L. Do GER ao Gerundismo: Mudança e Preconceito Linguístico. 81f.

Monografia (Bacharelado em Letras) – Universidade Federal de Brasília, Salvador, 2008.

SIHLER, A. L. New Comparative Grammar of Greek and Latin, New York: Oxford

University Press, 1995.

SILVA, C. C. C. da. A variação nós / a gente no português culto carioca. Revista do GELNE,

Teresina, v. 12, n. 1, 2010.

SILVA, E. N. A variação entre as formas pronominais de segunda pessoa “tu” e “você” em

cartas de 1930. SILEL, 2, 2011, Uberlândia. Anais... Uberlândia: EDUFU, 2011, p. 132-53.

SILVA, J. Q. G. Um estudo sobre o gênero carta pessoal: das práticas comunicativas aos

indícios de interatividade na escrita dos textos. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade

de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.

SOARES, I. C. R.; LEAL, M. G. F. Do senhor ao tu: uma conjugação em mudança. Moara.

Revista do curso de Mestrado (UFPA), Belém, no. 1, p. 27-64, 1993.

Page 147: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

145

SOARES, M. E. As formas de tratamento nas interações comunicativas: uma pesquisa sobre

o português falado em Fortaleza. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Pontifícia Univer-

sidade Católica, Rio de Janeiro, 1980.

______. Fatores sociolinguísticos para o estudo das formas de tratamento no português do

Brasil. In: SOARES, M. E.; BECKER, M.; GREIVE, A. ABP - Zeitschritf zur

portugiesischsprachigenwelt, Brasilien, Portugal. Vol. 2 Especial. O português no Brasil

aspectos sincrônicos e diacrônicos. 2º volume. Köln, 2003.

SOLÉ, Y. R. Correlaciones socio-culturales del uso de tú/vos y usted en la Argentina, Perú y

Puerto Rico. Thesaurus. Tomo XXV, no. 2, maio-agosto, 1970, p. 162-195.

SOUZA, A. dos S.; BOTASSINI, J. O. M. A variação no uso dos pronomes-sujeito nós e a

gente. Anais do SILEL, vol. 1, Uberlândia: EDUFU, 2009.

SOUZA, J. P. F. de. Mapeando a entrada do você no quadro pronominal: análise de cartas

familiares dos séculos XIX-XX. 2012, 148 p. Dissertação (Mestrado em Letras) – Programa de

Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 2012.

SPINA, S. et al. História da Língua Portuguesa. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008.

SWAN, O. E. A Grammar of contemporary Polish. Bloomington: Slavica Publishers, 2002.

Disponível em <http://polish.slavic.pitt.edu/grammar.pdf>

TAGLIAMONTE, S. A. Analyzing sociolinguistic variation. Cambridge: University

Cambridge Press, 2006.

TANNEN, D. You just don’t understand: women and men in conversation. New York:

William Morrow and Company Inc., 1990. Disponível em: < http://www.stanford.edu/~

eckert/ PDF/fischer1958.pdf> . Acesso em: 11 jun. 2013, às 11h 18min.

TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. 8. ed., 3. impr., São Paulo: Ática, 2011 [2007].

TAVARES, M. A.; FREITAG, R. M. K. Do concreto ao abstrato: a influência do traço

semântico-pragmático do verbo na gramaticalização em domínios funcionais complexos.

Linguística, Programa de Pós-Graduação em Linguística. Faculdade de Letras – Universidade

Federal do Rio de Janeiro. v. 6, n. 1, jun. 2010. p. 103-19.

TERRA, E. Curso prático de gramática. São Paulo: Scipione, 1999.

VIEIRA, J. L. Luuanda. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

VIEIRA, S. R. A não-concordância em dialetos populares: uma regra variável. Grafos. João

Pessoa, 1997, v. 2, ano 2, n. 1. p. 115-34.

VOTRE, S. J. Relevância da variável escolaridade. In: MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L.

(orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 3. ed., São Paulo: Contexto,

2008. p. 51-57.

Page 148: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

146

WALES, K. Personal Pronouns in Present-Day English. Cambridge: Cambridge University

Press, 1996. p. 76.

WARDHAUGH, R. An introduction to Sociolinguistics. New York: Wiley-Blackwell, 2006.

WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. I. Fundamentos empíricos para uma teoria da

mudança linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2006 [1968].

Page 149: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

147

APÊNDICE – Relação das cartas da amostra

Cart

a

Data Rem.

Sex

o

Faix

a

etári

a

Dest.

Sex

o

Faix

a

etári

a

Relação

rem.-dest.

C001 7/1/1940 B. G. F. M > 25 M. R. M >25 amigos

C002 5/10/1940 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C003 29/4/1941 B. G. F M > 25 L. C. M > 25 amigos

C004 11/11/1943 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C005 15/10/1944 M. M. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C006 13/4/1945 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C007 27/12/1946 J. A. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C008 28/12/1947 J. R. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C009 3/5/1948 L. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C010 22/5/1948 J. T. R. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C011 24/7/1948 A. L. B. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C012 10/7/1948 M. S. F < 25 J. A. M. F > 25 filha/mãe

C013 2/5/1949 J. E. O. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C014 12/2/1949 M. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C015 4/1/1952 D. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C016 18/11/1953 L. F. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C017 29/5/1953 C. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C018 12/6/1953 J.P. B. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C019 14/06/1953 F. P. C. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C020 1º/3/1955 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C021 1º/3/1955 M. N. O. F < 25 J. A. M. F > 25 sobr./tia

C022 8/11/1955 A. P. V. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C023 18/11/1955 C. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C024 11/12/1956 J. T. R. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C025 19/6/1958 D. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C026 28/6/1958 J. T. R. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C027 16/9/1961 M. R. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C028 29/10/1961 M. N. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C029 24/6/1964 G. M. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C030 7/10/1964 L. F. L. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C031 10/12/1964 P. C. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C032 14/02/1965 A. F. L. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C033 03/08/1966 J. B. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C034 3/8/1966 J. R. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C035 06/12/1966 H. B. M. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C036 15/12/1969 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C037 2/4/1970 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C038 19/1/1970 G. H. M < 25 M. G. S. F < 25 cônjuges

C039 17/3/1971 A. A. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C040 25/3/1971 A. L. B. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C041 19/6/1971 E. B. A. F > 25 M. A. M. F > 25 filha/mãe

C042 19/6/1971 E. B. A. F > 25 M. A. M. F > 25 filha/mãe

Page 150: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

148

C043 16/7/1971 A. L. F. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C044 9/1/1972 R. N. M. M > 25 M. G. S. F > 25 namorados

C045 28/3/1972 R. N. M. M > 25 M. G. S. F > 25 namorados

C046 28/11/1972 M. G. S. F > 25 R. N. M. M > 25 namorados

C047 18/12/1972 R. P. P. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C048 22/12/1972 D. R. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C049 2/1/1973 L. A. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C050 21/1/1973 M. G. S. F > 25 M. M > 25 namorados

C051 2/4/1973 M. G. S. F > 25 M. M > 25 namorados

C052 5/4/1973 E. B. A. F > 25 M. A. M. F > 25 filha/mãe

C053 2/7/1973 E. B. A. F > 25 M. A. M. F > 25 filha/mãe

C054 2/7/1973 J. A. M. M > 25 M. A. M. F > 25 genro/sogra

C055 21/11/1973 N. O. P. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C056 25/4/1974 L. M. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C057 10/6/1974 E. M. A. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C058 5/8/1974 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C059 9/8/1974 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C060 21/9/1974 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C061 26/9/1974 M. N. S. F > 25 J. A. M M > 25 amigos

C062 25/3/1975 R. J. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C063 18/10/1975 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C064 23/5/1975 S. M. P. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C065 14/10/1975 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C066 31/3/1976 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C067 20/4/1976 D. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C068 8/6/1976 J. A. M. M > 25 J. A. M. M > 25 genro/sogro

C069 16/9/1976 A. L. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C070 14/11/1976 A. L. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C071 13/2/1977 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C072 7/5/1977 H. L. L. F > 25 F. N. M > 25 amigos

C073 7/5/1977 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C074 3/7/1977 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C075 21/5/1977 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C076 9/11/1977 M. A. S. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C077 18/11/1977 M. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C078 12/7/1977 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C079 2/2/1978 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C080 13/2/1978 E. F. C. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C081 27/3/1978 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C082 27/5/1978 F. N. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C083 11/7/1978 J. B. F. F < 25 F. B. M > 25 filha/mãe

C084 1/8/1978 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C085 7/8/1978 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

C086 23/8/1978 F. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C087 23/8/1978 E. M. A. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C088 9/10/1978 E. F > 25 E. B. A. F > 25 sobrinha/tia

C089 6/11/1978 N. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C090 12/12/1978 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos

Page 151: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

149

C091 18/1/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos

C092 9/4/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos

C093 7/5/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C094 3/6/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos

C095 27/6/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos

C096 30/6/1979 J. Q. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C097 29/8/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C098 29/9/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C099 3/10/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos

C100 8/11/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos

C101 23/11/1979 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C102 11/12/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C103 29/12/1979 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C104 19/12/1979 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C105 25/12/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C106 26/12/1979 M. L. Q. F > 25 M. R. F. F > 25 amigas

C107 22/1/1980 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos

C108 10/03/1980 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C109 26/5/1980 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C110 14/7/1980 F. N. M > 25 R. N. F > 25 irmãos

C111 14/7/1980 D. P. R. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C112 29/8/1980 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C113 4/10/1980 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C114 11/10/1980 E. N. M > 25 W. N. M > 25 irmãos

C115 14/12/1980 A. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos

C116 19/12/1980 A. N. F > 25 E. N. M > 25 mãe/filho

C117 23/12/1980 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C118 23/12/1980 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C119 1/1/1981 R. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos

C120 28/1/1981 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C121 29/1/1981 A. P. F > 25 F. B. F. F > 25 primos

C122 20/3/1981 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos

C123 26/3/1981 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C124 26/3/1981 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C125 25/4/1981 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C126 13/5/1981 M. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos

C127 30/5/1981 R. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos

C128 12/6/1981 W. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C129 14/6/1981 I. P. F > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C130 22/6/1981 J. R. G. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C131 21/7/1981 M. A. F > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C132 27/7/1981 R. N. F > 25 F. N. F > 25 cunhadas

C133 13/8/1981 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C134 21/8/1981 M. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos

C135 16/7/1981 M. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos

C136 7/12/1981 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C137 16/12/1981 H. F > 25 M. G. F > 25 amigas

C138 -/3/1982 A. P. F > 25 F. B. F. M > 25 primos

Page 152: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

150

C139 21/3/1982 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C140 29/4/1982 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C141 25/5/1982 M. A. F > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C142 29/11/1982 A. P. F > 25 F. B. F. M > 25 primos

C143 8/2/1983 E. M. A. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C144 21/5/1983 J. Q. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C145 19/6/1983 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C146 1/8/1983 E. A. F < 25 J. A. M. M > 25 filha/pai

C147 1/8/1983 J. P. M > 25 J. A. M. M > 25 genro/sogro

C148 11/10/1983 A. P. F > 25 F. B. F. M > 25 primos

C149 6/12/1983 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C150 6/12/1983 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C151 28/5/1984 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos

C152 28/5/1984 J. P. M. M > 25 M. N. A. F > 25 cônjuges

C153 16/7/1984 E. M. A. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos

C154 02/06/1985 V. F > 25 A. A. F > 25 cunhadas

C155 7/9/1986 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados

C156 8/9/1986 J. E. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos

C157 7/4/1987 V. C. R. F < 25 S. D. F < 25 amigas

C158 -/-/1987 V. C. R. F < 25 S. D. F < 25 amigas

C159 3/5/1987 V. C. R. F < 25 S. D. F < 25 amigas

C160 13/12/1987 H. F > 25 M. G. F > 25 amigas

C161 18/2/1988 R. B. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos

C162 30/6/1988 E. N. M > 25 W. N. M > 25 irmãos

C163 16/2/1989 D. M < 25 S. D. F < 25 amigos

C164 6/6/1989 M. N. A. F > 25 J. P. M. M > 25 cônjuges

C165 2/4/1990 G. F < 25 S. D. F < 25 amigas

C166 27/7/1990 G. F < 25 S. D. F < 25 amigos

C167 26/4/1994 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos

C168 30/7/1992 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C169 6/8/1992 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos

C170 13/8/1992 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C171 28/8/1992 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos

C172 24/9/1992 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos

C173 21/10/1992 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C174 9/12/1992 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos

C175 14/12/1992 F. N. M > 25 C. N. F > 25 cunhados

C176 14/12/1992 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C177 29/5/1993 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos

C178 9/12/1993 R. B. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos

C179 29/6/1994 M. R. F < 25 S. D. F < 25 amigas

C180 13/9/1994 A. A. M > 25 A. A. F > 25 filho/mãe

C181 -/1-/1995 E. B. M < 25 F. J. N. M < 25 amigos

C182 22/3/1997 L. F > 25 M. G. F > 25 amigas

C183 17/4/1998 F. M > 25 M. S. F > 25 irmãos

C184 12/9/1998 E. M < 25 I. G. F < 25 namorados

C185 8/12/2000 C. E. M < 25 M. L. F < 25 namorados

C186 20/08/1987 A. Q. M < 25 M. Q. F > 25 filho/mãe

Page 153: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA · 2018-08-28 · Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação

151