programa de pÓs-graduaÇÃo em linguÍstica · 2018-08-28 · em muitas línguas, a classe dos...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
FRANCISCO JARDES NOBRE DE ARAÚJO
A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS
DE CEARENSES NO SÉCULO XX
FORTALEZA
2014
FRANCISCO JARDES NOBRE DE ARAÚJO
A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS
DE CEARENSES NO SÉCULO XX
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Linguística da Universidade
Federal do Ceará, como requisito para a
obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Linguística
Orientadora: Profa Dr
a Hebe Macedo de
Carvalho
FORTALEZA
2014
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca de Ciências Humanas
A689v Araújo, Francisco Jardes Nobre de. A variação te/lhe em cartas pessoais de cearenses no século XX / Francisco Jardes Nobre de
Araújo. – 2014.
151 f. : il. color., enc. ; 30 cm.
Dissertação(mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de Letras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2014.
Área de Concentração: Linguística.
Orientação: Profa. Dra. Hebe Macedo de Carvalho.
1.Língua portuguesa – Pronomes. 2.Língua portuguesa – Variação. 3.Cartas. 4.Comunicação
escrita. I.Título. CDD 469.555
FRANCISCO JARDES NOBRE DE ARAÚJO
A VARIAÇÃO TE/LHE EM CARTAS PESSOAIS
DE CEARENSES NO SÉCULO XX
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Linguística da Universidade
Federal do Ceará, como requisito para a
obtenção do título de Mestre. Área de
concentração: Linguística
Aprovada em: ____/_____/_______
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Profa D
ra Hebe Macedo de Carvalho (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
________________________________________________________
Profa D
ra Maria Elias Soares
Universidade Federal do Ceará (UFC)
________________________________________________________
Profa D
ra Célia Regina dos Santos Lopes
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
AGRADECIMENTOS
A Deus, por minha vida e por tudo que nela vivi.
À FUNCAP, pelo apoio financeiro com a manutenção da bolsa de auxílio.
À SEDUC, pela concessão do afastamento do meu trabalho como professor para a
dedicação exclusiva ao curso.
À Professora Doutora Hebe Macedo de Carvalho, pela valiosa, constante e
paciente orientação desde os primeiros passos nesta pesquisa, pela valorosa contribuição com
suas aulas sobre o uso do programa GoldVarb e pela troca de ideias nos encontros para
estudos de Sociolinguística.
Aos meus professores do Programa de Pós-Graduação em Linguística da
Universidade Federal do Ceará, Maria Elias Soares, Ricardo Lopes Leite, Márcia Teixeira
Nogueira, Márluce Coan e Júlio César Rosa de Araújo, pela grandiosa contribuição na
aquisição de novos conhecimentos e pelas aulas enriquecedoras.
Ao secretário do Programa de PPGL/UFC Eduardo Xavier Ary Andrade, pela
prestatividade, gentileza e troca de informação ao longo dos dois anos em que fui aluno da
Universidade Federal do Ceará.
Ao meu amigo Francisco da Fonsêca, pela valorosa colaboração na procura e
aquisição da maioria das cartas utilizadas nesta pesquisa; também à senhora Elizabeth
Alencar, por ter emprestado as cartas recebidas por seu falecido pai para que eu as analisasse,
e a todos os que contribuíram para a constituição da amostra, emprestando suas cartas, sem
receio de expor sua intimidade ou a de seus entes queridos.
Aos meus colegas de curso, em especial a Júlio César Lima Moreira, com quem
tive mais proximidade por trabalharmos na mesma linha de pesquisa e termos a mesma
orientadora, pela amizade e pelas constantes trocas de ideias e apoio.
Ao meu amigo Ismael Fabrício de Alencar Oliveira, com quem dividi moradia
durante a maior parte do período em que estive afastado de minha cidade para me dedicar ao
curso de Mestrado, pelo incentivo a buscar dar continuidade à minha vida acadêmica, pelo
apoio incondicional, pela troca de ideias e pela companhia constante.
Aos meus pais e aos meus irmãos, por serem a minha família e me darem apoio,
amor e carinho, sempre. Em especial, agradeço ao meu irmão José Jakson Nobre de Araújo e
à sua família, por me receberem em sua casa durante os primeiros meses do curso e por me
darem apoio nos momentos de dificuldades.
RESUMO
A variação linguística é um fenômeno universal que atinge todos os níveis da gramática
(CAMACHO, 2011). Em muitas línguas, a classe dos pronomes, especialmente a dos
chamados pronomes pessoais, é a que sofre mais variação e a que mais se reorganiza dentro
do sistema (MONTEIRO, 1994), embora esta costume ser constituída por um número
relativamente pequeno de itens gramaticais, formando um inventário fechado. Dentre as
pessoas do discurso, é a 2ª a que mais tem sido codificada de maneira variada, não só na
língua portuguesa, como em diversas outras línguas indo-europeias, nas quais há um sistema
dual de pronomes para a 2ª PESS.: as formas T e as formas V (derivadas, respectivamente, do
uso do tu e do uos latinos) – as primeiras são de uso familiar ou informal, enquanto as outras
denotam polidez e distanciamento. A partir da terceira década do século XX, com o uso de
você (forma V) em variação com tu (forma T), todo o quadro pronominal da língua, incluindo
os possessivos de 2ª PESS, passou a sofrer variação. Partindo do pressuposto defendido pela
Sociolinguística Variacionista, sobretudo com Labov (1978; 1983; 1994; 2008), de que a
variação linguística se dá motivada tanto por fatores internos quanto externos ao sistema, o
presente trabalho busca analisar a variação das formas te e lhe como pronomes de 2ª PESS.
SING., tanto na função de acusativo, quanto na de dativo, no português brasileiro escrito do
século XX. Para isso, utiliza uma amostra de 186 cartas pessoais escritas entre 1940 e 2000,
obtidas numa busca entre os habitantes do município de Quixadá, no Sertão Central cearense.
As cartas coletadas são de pessoas do povo, isto é, não de profissionais da linguagem, tendo
sido trocadas entre amigos ou parentes. Como metodologia, estratifica a amostra em três
períodos do século XX nos quais as cartas foram escritas (anos 1940-50, anos 1960-70 e anos
1980-90) e por gênero da autoria (cartas de homens e cartas de mulheres) e submete os dados
ao programa computacional GoldVarb X para obter dados estatísticos e interpreta esses dados
à luz das teorias da Sociolinguística Variacionista. Os resultados da pesquisa demonstraram
que a variação das formas pronominais te/lhe é condicionada por fatores linguísticos, como a
forma do verbo, a posição do pronome e a presença de forma V antes de te ou lhe, e que,
apesar de mais frequente do que o uso de te, o uso de lhe sofreu declínio ao longo dos três
períodos de tempo analisados.
Palavras-chave: Variação pronominal. Pronome oblíquo de 2ª pessoa. Cartas pessoais.
ABSTRACT
The linguistic variation is a universal phenomenon that affects all levels of grammar
(CAMACHO, 2011). In many languages, of all the word classes, the pronouns, especially the
so-called personal pronouns, are more inclined to variation and to rearrangement in the
system (MONTEIRO, 1994), although they use to be constituted by a relatively small number
of grammatical items, restricted to a kind of closed inventory. The 2nd
PERS SING is which
more has been coded in a variant way, not only in the Portuguese language, as in many other
Indo-European languages, in which there is a dual system of pronouns for 2nd
PERS: the T-
forms and the V-forms (derived, respectively, from the use of Latin tu and vos) – the first are
used both familiarly and informally, while others denote politeness and distance. From the
third decade of the twentieth century, with the use of você (a V-form) in variation with tu (a
T-form), the entire pronominal frame of the Portuguese language, including the 2nd
PERS
possessive, began to undergo change. Assuming the ideas defended by Variationist
Sociolinguistics, especially with William Labov (1978, 1983, 1994, 2008), that the linguistic
variation occurs motivated by factors both internal and external to the system, this work aims
to analyze the variation of forms te and lhe as 2nd
PERS SING, both in accusative and in dative
function, in Brazilian Portuguese written in the twentieth century. It uses a sample of 186
personal letters written between 1940 and 2000, obtained in a search among the inhabitants of
the town of Quixadá, in the middle of the state of Ceará. The letters are collected from
common people, that is, not from language professionals, having been exchanged between
friends or relatives. As methodology, the sample was stratified into three periods of the
twentieth century in which the letters were written (years 1940’s and 50’s, years 1960’s and
70’s, years 1980’s and 90’s) and gender of authorship (letters from men and letters from
women) and submits the data to the computer program GoldVarb X in order to obtain
statistical results and interpret these results in light of theories of Sociolinguistics Variationist.
The survey results showed that variation of the pronoun forms te/lhe is conditioned by
linguistic factors, such as the form of the verb, the position of the pronoun and the presence of
a V-form before te or lhe, and that, although lhe was more used than te in the letters, its use
has declined over the three periods of time analyzed.
Keywords: Variation pronoun. Object pronoun. Personal letters.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Cartaz com a variação das formas T-V no português cearense.......... 47
Figura 2 – Movimentos dos pronomes de 2ª e 3ª PESS no PB............................... 130
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Percentual de te e de lhe em 186 cartas de 1940 a 2000..................... 88
Gráfico 2 – Percentual de uso de te e lhe por remetente e por cartas ................... 96
Gráfico 3 – Percentual de uso de te e lhe por remetente nos três períodos .......... 98
Gráfico 4 – Percentual de lhe nas cartas e como uso categórico por remetente ... 100
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Formas T/V em línguas IE.................................................................. 38
Quadro 2 – Situação atual dos pronomes de 2ª PESS SING no PB........................... 48
Quadro 3 – Alterações no sistema de conjugação verbal no PB ocasionado por
mudanças no quadro dos pronomes..................................................
56
Quadro 4 – Alterações no sistema de conjugação nos tempos do subjuntivo e
nos pretéritos do indicativo em algumas variedades do PB
ocasionadas por mudanças no quadro dos pronomes.......................
57
Quadro 5 – Quantidade de cartas por período e gênero da autoria....................... 80
Quadro 6 – Quantidade de cartas por períodos e por remetentes ......................... 81
Quadro 7 – Comparação entre autoria e os remetentes das cartas........................ 81
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Ocorrências de te/lhe nas cartas pessoais............................................ 86
Tabela 2 – Ocorrências de lhe por década considerando-se dois períodos .......... 87
Tabela 3 – Ocorrências de lhe nos três períodos .................................................. 87
Tabela 4 – Ocorrências de lhe em cartas de homens e de mulheres..................... 90
Tabela 5 – Uso de te/lhe por remetente............................................................... 94
Tabela 6 – Uso das formas variantes te e lhe por remetentes das cartas ............. 94
Tabela 7 – Uso de te/lhe por carta ....................................................................... 95
Tabela 8 – Uso das formas te/lhe por cartas e por remetentes ............................ 95
Tabela 9 – Uso de te/lhe por remetente nos três períodos ................................... 96
Tabela 10 – Percentual do uso das formas te/lhe por remetente nos três períodos. 97
Tabela 11 – Ocorrências de lhe por carta e como uso categórico por remetentes
em cada período analisado .................................................................
99
Tabela 12 – Atuação do tempo do verbo sobre o uso de lhe.................................. 104
Tabela 13 – Posição do clítico nas cartas pessoais ................................................ 107
Tabela 14 – Atuação da posição do pronome sobre o uso de lhe........................... 108
Tabela 15 – Presença de formas T/V antes da primeira ocorrência de te/lhe ....... 111
Tabela 16 – Atuação da presença de formas T/V sobre o uso de lhe..................... 111
Tabela 17 – Total de verbos por tipo semântico.................................................... 114
Tabela 18 – Atuação do tipo semântico do verbo sobre o uso de lhe.................... 115
Tabela 19 – Atuação dos seis verbos discendi mais recorrentes sobre o uso de
lhe........................................................................................................
117
Tabela 20 – Ocorrências de lhe por função sintática e tipo semântico do verbo... 118
Tabela 21 – Ocorrências de lhe por forma nominal do verbo................................ 119
Tabela 22 – Ocorrências de lhe por forma nominal e estrutura do verbo.............. 122
Tabela 23 – Atuação da estrutura verbal sobre o uso de lhe.................................. 125
Tabela 24 – Atuação da função do pronome sobre o uso de lhe ........................... 127
Tabela 25 – Funções de lhe em cartas pessoais de 1940 a 2000 ........................... 128
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACUS acusativo
ADJ ADN adjunto adnominal
ADJ ADV adjunto adverbial
CN complemento nominal
COMP composto
DAT dativo
FEM feminino
FUT futuro
GER gerúndio
IE indo-europeu, indo-europeias
IMPER imperativo
IMPERF imperfeito
INDIC indicativo
INF infinitivo
IP índice de pessoa
MQP mais-que-perfeito
NOM nominativo
OD objeto direto
OI objeto indireto
PA português africano
PART particípio
PB português brasileiro
PE português europeu
PESS pessoa
PERF perfeito
PL plural
POSS possessivo
PRET pretérito
SING singular
SUBJ subjuntivo
SUJ sujeito
VTD verbo transitivo direto
VTDI verbo transitivo direto e indireto
VTI verbo transitivo indireto
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO……………………………………………………….…… 13
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ….……………………………………….. 18
2.1 Labov e a Sociolinguística Variacionista: estudos pioneiros …………… 18
2.2 A pesquisa em Sociolinguística: o estudo da variação .............................. 29
2.3 Resumo do capítulo ...................................................................................... 31
3 OS PRONOMES PESSOAIS E A TEORIA T-V...................................... 32
3.1 A complexidade dos pronomes pessoais .................................................... 32
3.2 As formas T e as formas V.......................................................................... 34
3.3 As formas T e V em algumas línguas ........................................................ 34
3.3.1 Francês ......................................................................................................... 39
3.3.2 Espanhol ....................................................................................................... 40
3.3.3 Italiano ........................................................................................................... 41
3.3.4 Alemão ......................................................................................................... 42
3.3.5 Polonês ......................................................................................................... 43
3.3.6 Russo ............................................................................................................ 43
3.3.7 Inglês ............................................................................................................ 44
3.3.8 Português ...................................................................................................... 45
3.4 Tu/te e você/lhe através do tempo .............................................................. 49
3.5 A variação te/lhe em estudos variacionistas e em compêndios
gramaticais ...................................................................................................
54
3.5.1 Estudos variacionistas ................................................................................... 55
3.5.2 Compêndios gramaticais ............................................................................... 63
3.6 Resumo do capítulo ...................................................................................... 64
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................. 66
4.1 As cartas pessoais na pesquisa sociolinguística ......................................... 66
4.2 As categorias de análise ............................................................................... 67
4.2.1 A variável dependente .................................................................................... 68
4.2.2 As variáveis independentes ............................................................................ 68
4.2.2.1 Variáveis extralinguísticas.............................................................................. 69
4.2.2.1.1 Período do século XX..................................................................................... 69
4.2.2.1.2 Gênero da autoria ........................................................................................... 70
4.2.2.1.3 Remetente ....................................................................................................... 70
4.2.2.2 Variáveis linguísticas...................................................................................... 70
4.2.2.2.1 Tipo semântico do verbo que rege o pronome te/lhe ..................................... 71
4.2.2.2.2 Estrutura do verbo que rege o pronome te/lhe................................................ 72
4.2.2.2.3 Tempo do verbo que rege o pronome te/lhe .................................................. 74
4.2.2.2.4 Forma nominal do verbo que rege o pronome te/lhe ..................................... 75
4.2.2.2.5 Posição do pronome te/lhe em relação ao verbo............................................ 76
4.2.2.2.6 Função sintática do pronome te/lhe ............................................................... 76
4.2.2.2.7 Presença de pronome T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe ........... 77
4.3 A coleta da amostra ..................................................................................... 77
4.4 Estratificação da amostra ............................................................................ 80
4.5 Nossos informantes: os escribas .................................................................. 82
4.6 O tratamento estatístico .............................................................................. 84
4.7 A codificação dos dados ............................................................................... 85
5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ...................................... 86
5.1 Resultados por períodos do século XX ....................................................... 86
5.2 Resultados por gênero da autoria das cartas ............................................. 90
5.3 Resultados por remetente das cartas .......................................................... 93
5.4 Os grupos de fatores selecionados pelo GoldVarb X ................................ 102
5.4.1 A atuação do tempo e da forma nominal do verbo principal....................... 103
5.4.2 A posição do pronome em relação ao verbo ................................................ 106
5.4.3 A presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe......... 109
5.5 Grupos de fatores não selecionados pelo GoldVarb X ............................. 112
5.5.1 A atuação do tipo semântico do verbo........................................................... 113
5.5.2 A atuação da forma nominal do verbo no uso de lhe................................... 119
5.5.3 A atuação da estrutura verbal no uso de lhe................................................. 122
5.5.4 A função sintática do pronome no uso de lhe .............................................. 126
5.6 Resumo do capítulo ..................................................................................... 131
6 CONCLUSÃO .............................................................................................. 132
REFERÊNCIAS............................................................................................ 136
APÊNDICE ................................................................................................... 147
13
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa aqui apresentada insere-se nos estudos de Sociolinguística
Variacionista e tem como foco a variação linguística das formas oblíquas átonas te/lhe para se
dirigir ao interlocutor na modalidade escrita do português brasileiro, mais especificamente, da
variedade usada no estado do Ceará.
A Gramática Tradicional (GT) apresenta como opções de se reportar ao
interlocutor (2ª pessoa do singular) dois sistemas de pronomes: um familiar, constituído por tu
e seus correspondentes formais te, ti, contigo e teu, e um cerimonioso, constituído por formas
originalmente de 3ª pessoa do singular, como você, o senhor etc. e suas respectivas formas
oblíquas o, lhe, se, si, consigo e o possessivo seu. Todavia, esse uso é apenas um ideal
linguístico, uma vez que, na fala cotidiana e na escrita de gêneros menos monitorados, os dois
sistemas de pronomes alternam-se, de modo que os oblíquos te e lhe encontram-se em
variação em muitas regiões do país, por exemplo, no Ceará.
Nesse estado, alguns trabalhos com pronomes já foram feitos, porém, apesar de
sua profundidade e contribuição com a formação de um banco de dados da fala de Fortaleza,
tais trabalhos estudaram os pronomes na modalidade falada, não na escrita. Assim, esta
permanece sem merecer a devida atenção, embora a variação linguística tenha lugar aí
também, uma vez que as mesmas variações identificadas no uso dos pronomes na fala podem
ser verificadas também na escrita de cartas pessoais.
Esta pesquisa com a variação pronominal te/lhe tem como objetivo geral
descrever e analisar a variação das formas te e lhe como pronomes oblíquos de 2ª pessoa do
singular (2ª PESS SING) em cartas pessoais do século XX escritas por cearenses. De forma mais
específica, objetiva identificar qual dessas formas em variação, nas cartas pessoais, é mais
recorrente no século XX, quais são seus fatores condicionantes e em que medida os fatores
linguísticos condicionam tal variação.
Assim, este trabalho pode ajudar a professores da língua materna a combater o
preconceito linguístico reinante em nossa cultura ao mostrar a fuga das prescrições
gramaticais não como uma deficiência na aprendizagem, mas como o resultado de uma
confluência de fatores de ordem social e pragmática.
Para o estudo da variação te/lhe na modalidade escrita do português, trabalhamos
com o gênero carta pessoal produzido por cearenses no decorrer do século XX, mais
especificamente a partir da década de 1940 até a década de 1990.
14
A escolha do período mencionado justifica-se por ser a partir da década de 1930
que, segundo Duarte (1993), a forma você passou a concorrer com o pronome tu, o qual, até o
início do século XX, era de uso mais frequente e uniforme (isto é, em consonância com as
formas te, ti, teu). A partir da mencionada década, ter-se-ia acentuado a variação tu/você e,
por conseguinte, ocasionado a variação te/lhe, ou seja, a variação entre as formas oblíquas de
tu e de você.
Já a escolha do gênero carta pessoal como corpus desta pesquisa justifica-se por
ser este um tipo de correspondência entre duas pessoas, sendo inegável, portanto, sua
importância como instrumento para o estudo da linguagem, a qual reflete as relações sociais
entre remetente e destinatário, reveladas, entre outros aspectos, na escolha das formas
linguísticas para se dirigir ao leitor.
Por normalmente ser uma comunicação íntima, a carta pessoal aproxima bastante
a fala da escrita, pois o remetente quer ser reconhecido em seu texto e, através dele, romper a
distância, aplacar a saudade e marcar sua presença. Para Marcuschi (2001, p. 38), há gêneros
que se aproximam da oralidade pelo tipo de linguagem e pela natureza da relação entre os
indivíduos, sendo a carta pessoal e os bilhetes exemplos desses gêneros. Para ele, “um dos
aspectos centrais nesta questão é a impossibilidade de situar a oralidade e a escrita em
sistemas linguísticos diversos, de modo que ambas fazem parte do mesmo sistema da língua.”
Deste modo, muitos aspectos da fala podem ser verificados na escrita em cartas pessoais,
gênero textual que favorece a ocorrência de muitas das variações linguísticas observáveis na
fala.
Além disso, a carta pessoal é um gênero textual que favorece a observação de
diversos fenômenos linguísticos, pois, como defende Lopes (2005, p. 15), a carta, por um
lado, “transmite a inovação e mudança linguística, por outro, conserva fórmulas fixas em que
se perpetuam ‘tipos estáveis de enunciados’, caracterizando-a como gênero discursivo.”
Outra justificativa para o uso de cartas pessoais nesta pesquisa é que, conforme
ressalta Tarallo (2011 [2007]), esse tipo de documento é ideal para a investigação de
mudanças em tempo real, mesmo de curta duração, já que não existem gravações da fala
espontânea de períodos anteriores à década de 1960 (excetuando-se as feitas pelo cinema)
devido à inexistência de gravadores portáteis.
Na constituição do corpus desta pesquisa, deparamo-nos com algumas
dificuldades, sendo a maior delas a relativa escassez com que se encontram cartas pessoais em
poder das pessoas comuns, já que estas costumam desfazer-se de suas correspondências tão
15
logo elas se tornam sem importância para o presente, talvez por verem nelas algo próprio da
conversa, que é a efemeridade. Quando o assunto é assaz íntimo, as cartas costumam ser
destruídas. Contudo, há quem sinta certa satisfação em compartilhar suas cartas pessoais com
terceiros, por considerá-las ingênuas, engraçadas ou simplesmente saudosas. Tal dificuldade
acarreta o problema dos “maus dados” comentado por Labov (1994, p. 11), o que procuramos
contornar segundo os métodos das pesquisas de variação em documentos escritos, no caso,
em cartas pessoais.
Através da análise de cartas pessoais escritas por cearenses no decorrer do século
XX, a partir da década de 1940, a presente pesquisa pretende descrever e analisar a variação
das formas te e lhe como pronomes oblíquos de 2ª PESS SING em cartas pessoais do século XX
escritas por cearenses, relacionando-a aos fatores linguísticos tipo semântico do verbo que
rege o pronome, tempo e forma nominal do verbo, estrutura do verbo, posição do pronome em
relação ao verbo, função sintática do pronome e presença de forma T ou V antes da primeira
aparição de te ou lhe na carta e aos fatores extralinguísticos período do século XX, gênero da
autoria (ou seja, se a carta foi escrita por homem ou por mulher) e remetente.
Para a análise dos dados, utilizamos o programa GoldVarb X (SANKOFF;
TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), criado como ferramenta de análise sociolinguística. Como
descrevem Sankoff et alii (2005), O GoldVarb X é uma ferramenta metodológica utilizada na
Sociolinguística Variacionista para cálculos estatísticos auxiliares na análise de fenômenos
linguísticos variáveis.
Com base nos resultados apontados pelo Goldvarb X, fizemos uma exposição
detalhada das conclusões sobre o uso das formas variantes te/lhe em cartas pessoais, as quais
podem sinalizar para o que acontece na fala e para uma compreensão do estado atual da
referida variação no português falado no Ceará, pois, segundo Marcuschi (2001, p. 42), “tanto
a fala como a escrita apresentam um continuum de variações, ou seja, a fala varia e a escrita
varia. Assim, a comparação deve tomar como critério básico de análise uma relação fundada
no continuum dos gêneros textuais para evitar as dicotomias estritas.”
O presente trabalho constitui-se, além desta parte introdutória, de mais três
capítulos, organizados a partir de uma perspectiva teórica sobre o uso distinto das formas que
passaram a competir até uma interpretação dos dados fornecidos pelo programa estatístico na
descrição da variação te/lhe na amostra analisada.
O Capítulo 2 apresenta a fundamentação teórica que serve de base para a
pesquisa, discutindo os princípios da Sociolinguística Variacionista, as teorias que norteiam o
16
estudo da variação linguística e os principais conceitos empregados nesta área de estudos de
interesse para a pesquisa.
No capítulo seguinte, intitulado “Os pronomes pessoais e a Teoria T-V”,
apresenta-se a teoria proposta por Brown e Gilman (1960), que trata da existência de dois
sistemas pronominais empregados na maioria das línguas europeias conforme a relação
existente entre os interlocutores. A teoria, conhecida como Teoria T-V (de tu e vos), explica
as origens do uso das formas pronominais de 3ª PESS SING com valor de 2ª PESS SING, o que
está no cerne da variação te/lhe no português. Aqui, comentamos como a distinção T-V é feita
em algumas línguas indo-europeias e mostramos o que aconteceu com o português quanto a
essa distinção. O objetivo do capítulo é explicar como a forma lhe passou a competir com a
forma te na referência ao interlocutor. Além disso, traça o percurso histórico dos pronomes tu
e você na língua portuguesa a fim de esclarecer como a forma de 3ª PESS SING lhe, usada como
objeto indireto (doravante OI) de você, entrou em variação com te não só nesta função, como
também na de objeto direto (doravante OD) e de mostrar a resistência da forma milenar tu (e
suas formas oblíquas) em algumas regiões do Brasil.
Sendo este um trabalho sobre a variação em cartas pessoais e variação
pronominal, no capítulo denominado “Procedimentos metodológicos”, comentaremos o uso
de cartas no estudo das variações da fala, uma vez que fala e escrita constituem um
“continuum de variações” (MARCUSCHI, 2001, p. 42). Além disso, expomos aqui a
constituição do corpus de cartas coletadas para a análise da variação te/lhe ao longo do século
XX, a partir da década de 1940, e descrevemos a forma como as cartas foram coletadas, onde
aconteceu a coleta, quais os critérios de seleção, qual o perfil dos remetentes e qual sua
relação com os destinatários. Além disso, fazemos uma descrição de como a amostra foi
estratificada conforme a metodologia empregada nas pesquisas de Sociolinguística
Variacionista. Com este capítulo, objetivamos mostrar o procedimento metodológico
empregado na pesquisa.
O último capítulo, “Análise e interpretação dos dados”, contém a análise das
ocorrências das formas te e lhe em variação nas cartas pessoais da amostra a partir dos
resultados fornecidos pelo programa GoldVarb X. Os resultados foram organizados em
tabelas e ilustrados com trechos de cartas da amostra. O capítulo traz, portanto, uma
interpretação desses resultados e quais as conclusões a que podemos chegar a partir deles no
que se refere à variação em questão.
17
Finalmente, temos as considerações finais do trabalho, em que fazemos uma
retomada dos resultados da análise procurando associá-las às hipóteses que elaboramos na
fase inicial da pesquisa e refletir sobre as possíveis contribuições que este estudo espera
oferecer às frentes de pesquisa sobre variação no português brasileiro e sobre o estado atual da
língua no Brasil.
18
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
A presente pesquisa desenvolveu-se com base na Teoria da Variação, que
fundamenta a Sociolinguística Variacionista. Embora o estudo da Sociolinguística seja muito
amplo, há alguns conceitos fundamentais dos quais dependem muitas questões abordadas
neste trabalho e dos quais trataremos neste capítulo. Conhecer um pouco da história desse
ramo da Linguística faz-se necessário para a compreensão da natureza desta pesquisa e do
fenômeno aqui analisado.
2.1 Labov e a Sociolinguística Variacionista: estudos pioneiros
Segundo Mollica (2008, p. 9), a Sociolinguística “é uma das subáreas da
Linguística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para
um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais.” Isso significa dizer
que, numa pesquisa sobre como uma dada língua que se estende por um vasto território se
comporta em determinada região deste território, procura-se saber até que ponto as
características sociais da população de tal região interferem nas escolhas linguísticas (por
exemplo, realização de certos fonemas, usos de determinadas palavras, estruturação das
sentenças), configurando, assim, uma comunidade de fala específica.
Para Weinreich, Labov e Herzog (2006), é inviável estudar a língua sem levar em
conta sua heterogeneidade. Para ele,
Nos parece bastante inútil construir uma teoria da mudança que aceite como seu
input descrições desnecessariamente idealizadas e inautênticas dos estados de
língua. [...] será necessário aprender a ver a língua – seja de um ponto de vista
diacrônico ou sincrônico – como um objeto constituído de heterogeneidade
ordenada. Os fatos da heterogeneidade, até agora, não se harmonizaram bem com a
abordagem estrutural da língua. [...] Pois quanto mais os linguistas têm ficado
impressionados com a existência da estrutura da língua, e quanto mais eles têm
apoiado essa observação com argumentos dedutivos sobre as vantagens funcionais
da estrutura, mais misteriosa tem se tornado a transição de uma língua de um estado
para outro. Afinal, se uma língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar
eficientemente, como é que as pessoas continuam a falar enquanto a língua muda,
isto é, enquanto passa por períodos de menor sistematicidade? (WEINREICH;
LABOV; HERZOG, 2006, p. 35).
Com essas palavras, criticam-se os estudos linguísticos em que se propõe uma
clara divisão entre o sistema linguístico em si e seu uso pelos interlocutores. Tal divisão está
na base da dicotomia langue/parole do Estruturalismo clássico e da dicotomia
19
competência/desempenho do Gerativismo em suas primeiras formulações a respeito da
comunicação humana.
Esta pesquisa com as formas te e lhe no português escrito no Ceará desenvolveu-
se com base na Teoria da Variação, que concebe a língua como um sistema heterogêneo do
qual a variação é parte inerente.
Chama-se variação linguística a possibilidade de uma mesma função ser
desempenhada por formas diferentes. As formas que podem ser usadas umas pelas outras sem
alterar o propósito comunicativo são chamadas de “formas variantes” e o conjunto de
variantes constitui uma “variável linguística” (TARALLO, 2011 [2007], p. 8).
Aponta-se William Labov como o iniciador de um modelo teórico-metodológico
que norteia o estudo da variação linguística. Embora não tenha sido o primeiro linguista a se
importar com a heterogeneidade da língua, seus estudos sobre determinadas variações no
inglês norte-americano tornaram-se referências para pesquisas posteriores no campo da
variação em diversas línguas do mundo. Para Labov (1972, p. 271), “a variação social e
estilística pressupõe a opção de dizer ‘a mesma coisa’ de várias maneiras diferentes: isto é, as
variantes são idênticas em valor de referência ou verdade, mas opostas em seu significado
social e/ou estilístico.”1
Em 1962, Labov verificou com que frequência o /r/ final ou pré-consonantal era
pronunciado em palavras como guard, bare e beer. A pronúncia do /r/ nesses contextos tem
um considerável prestígio na cidade de Nova Iorque. Labov estudou a fala de assistentes de
vendas em três lojas de Manhattan, analisadas numa escala que considerava a clientela, o
preço e o estilo, sendo Saks a de classe mais alta, Macy a de classe média e Klein’s a de
classe baixa. Cada informante foi abordado de maneira espontânea com uma pergunta casual
destinada a evocar a resposta “forth floor” (quarto andar), – que pode ou não conter a variável
final ou pré-consonantal /r/. Fingindo não ter ouvido direito, o pesquisador obtinha a repetição
da resposta de modo enfático. O estudo concluiu que a frequência de uso da variável de
prestígio, ou seja, /r/ final ou pré-consonantal, variava de acordo com nível de formalidade e
classe social: os assistentes de vendas da Saks usaram mais esse /r/, os da Klein’s utilizaram
menos e os da Macy pronunciavam o /r/ em geral quando se lhes era solicitado repetir. Das
quatro classes analisadas – classe baixa, classe operária, classe média baixa e classe média
1 No original: “social and stylistic variation presuppose the option of saying ‘the same’ thing in several different
ways: that is, the variants are identical in reference or truth value, but opposed in their social and/or stylistic
significance.” (tradução nossa)
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alta – foi a classe média baixa a mais suscetível de usar ostensivamente o /r/ pré-consonantal
considerado de prestígio conforme respondiam de forma menos monitorada (4%) ou mais
monitorada (77%). O grupo de classe média alta diferiu menos entre os estilos mais
monitorado e menos monitorado – (19% nas respostas espontâneas e 60% nas repetições com
atenção), o que mostra que o uso estava abaixo do nível de consciência social dos falantes, os
quais mudavam a maneira como falavam menos do que quaisquer outras classes sociais ao
pensarem cuidadosamente sobre como falavam. Todas as três classes inferiores (classe baixa,
classe operária e classe média baixa) mostraram-se mais conscientes do prestígio do /r/ pré-
consonantal e, quando pensavam sobre isso, eram mais propensos a mudar a forma como
falavam para refletir sobre como deviam pronunciar ou como as pessoas “da elite” falam.
Outro estudo importante de variação linguística desenvolvido por Labov foi da
comunidade de fala de Martha’s Vineyard, uma ilha situada a cerca de 3 milhas da Nova
Inglaterra, na costa leste dos Estados Unidos da América, com uma população permanente de
cerca de 6.000 habitantes. No entanto, mais de 40.000 visitantes, conhecidos um pouco
depreciativamente como “os veranistas”, migram para a ilha em cada verão. Em seu estudo,
Labov focou nas realizações dos ditongos /aw/ e /ay/ (como em mouse e mice). Ele
entrevistou uma série de falantes de diferentes idades e grupos étnicos na ilha, e observou que,
entre os falantes mais jovens (de 31 a 45 anos), um movimento parecia estar acontecendo
afastando-se das pronúncias associadas com a norma padrão da Nova Inglaterra, e rumo a
uma pronúncia associada com falantes conservadores e tipicamente vineyardenses – os
pescadores de Chilmark. Os maiores usuários deste tipo de pronúncia eram jovens que
buscavam ativamente identificar-se como vineyardenses, rejeitavam os valores do continente
e se ressentiam da invasão dos visitantes ricos no modo de vida tradicional da ilha. Assim,
esses falantes pareciam estar explorando os recursos do sotaque não-padrão. O padrão surgiu,
apesar de ampla exposição dos falantes ao sistema educacional, de modo que alguns rapazes
universitários educados em Matha’s Vineyard usavam de modo extremamente acentuado as
vogais vernáculas.
Um pequeno grupo de pescadores começou a acentuar uma tendência já existente
em seu discurso. Eles fizeram isso aparentemente inconscientemente, a fim de estabelecer-se
como um grupo social independente, com condição superior aos menosprezados visitantes de
verão. Os outros ilhéus, considerando este grupo como aquele que sintetizava virtudes antigas
e valores a serem imitados, inconscientemente passaram a reproduzir a forma como estes
membros falaram. Para essas pessoas, a nova pronúncia era uma inovação. Como mais e mais
21
pessoas passaram a falar da mesma forma, a inovação tornou-se gradualmente a norma para
aqueles que vivem na ilha.
Em vez de levar os habitantes da ilha a um nivelamento dialetal, o aumento da
exposição ao padrão linguístico usado na Nova Inglaterra, através dos veranistas, fez com que
os ilhéus acentuassem a pronúncia das vogais vernáculas gerando uma diferença mais
destacada e, assim, um maior nível de variação linguística.
Além desses estudos, uma enorme quantidade de trabalhos em outras
comunidades de fala foi realizada mundo afora, e o modelo de análise linguística proposto por
Labov passou a ser chamado por alguns de “sociolinguística quantitativa”, por operar com
números e tratamento estatístico dos dados coletados. (TARALLO, 2011 [2007], p. 8).
Quanto ao nome Sociolinguística, Labov considera-o redundante, dizendo o
seguinte:
Por vários anos, resisti ao termo sociolinguística, já que ele implica que pode haver
uma teoria ou prática linguística bem-sucedida que não é social. [...] Existe uma
crescente percepção de que a base do conhecimento intersubjetivo na linguística tem
de ser encontrada na fala – a língua tal como usada na vida diária por membros da
ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus
cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos. (LABOV, 2008, p.
13)
Objetivando principalmente analisar e aprender a sistematizar variantes
linguísticas usadas por uma mesma comunidade de fala, Labov, diferentemente de Saussure
ou de Chomsky, assume o “caos” linguístico como objeto de estudo, no qual as variantes
coexistem em seu campo natural de batalha. Para ele,
O estudo da língua na vida cotidiana não pode ir muito longe sem encontrar muitas
ineficiências, falhas de comunicação e mal-entendidos que nos levem à convicção
geral de que a língua não funciona tão bem como gostaríamos que funcionasse. [...]
Mas isso não significa automaticamente que a mudança de geração na comunidade,
refletida em uma série gradual de valores em tempo aparente, irá confundir os
membros dessa comunidade. Tal mudança pode ser considerada equivalente a
adicionar mais uma dimensão – a idade – às principais variáveis da comunidade de
fala: classe social, gênero e estilo contextual. Os falantes normalmente não são
confundidos por essa variação. Se conhecem um valor de uma dimensão da matriz –
digo, o estilo – eles devem ser capazes de identificar a provável classe social do
falante através dos valores da variante. Se a mudança está em andamento, eles
podem ser capazes de ajustar seus julgamentos, levando a idade do falante em
consideração. A mesma lógica se pode aplicar na identificação da categoria
fonêmica de uma mudança sonora em andamento. (LABOV, 2010, p. 21 – Tradução
nossa)2
2 No original: “The study of language in everyday life cannot proceed very far without encountering many
inefficiencies, miscommunications and misunderstandings, which lead us to the general conviction that
22
Assim, de acordo com Labov, apesar do aparente “caos”, em que as formas
linguísticas coexistem em competição e os enunciados nem sempre são elaborados de forma
ordenada, a comunicação entre as pessoas, através da língua, não é comprometida, pois os
falantes são capazes de reconhecer na pluralidade de fenômenos envolvidos no ato
comunicativo a identidade daqueles com quem interagem e assim ajustam seus julgamentos e
atribuem significado ao que ouvem.
Apesar de ser amplamente reconhecida como um fato, a variação linguística não é
um consenso, pelo menos não quanto aos seus limites dentro do sistema linguístico.
Lavandera (1977), por exemplo, defende que a variação limita-se ao nível fonológico, pois
com elementos não fonológicos (uso de vocábulos e formas de estruturar uma sentença),
embora pareçam referir-se à mesma coisa, apresentam diferenças estilísticas ou mesmo
semânticas. Questionando a teoria de Labov, a pesquisadora diz:
O que questiono é se essa base de clara equivalência semântica pode ser abandonada
para se realizar o mesmo tipo de estudo de variação das unidades sintáticas ou
morfológicas em casos em que tem de ser provado que tais unidades significam ‘a
mesma coisa’ para serem tratados como evidência da variabilidade, e, além disso, se
a equivalência semântica deve, de fato, ser um requisito. (LAVANDERA, 1977, p.
175 – tradução nossa, grifos no original)3
Segundo o ponto de vista de Lavandera, a variação que estudamos neste trabalho,
ou seja, a dos pronomes te e lhe com referência ao interlocutor, não se encontra no mesmo
patamar de uma variação fonológica como a pronúncia do /t/ do pronome te, que tanto pode se
realizar como palatal /tʃ/ no norte do Ceará quanto como linguodental no sul do mesmo
estado, sem que isso implique mudança de significado. Para ela, quando duas ou mais formas
não fonológicas são usadas para se referir ao mesmo referente, há uma nuance significativa ou
estilística presente numa forma que não está presente na(s) outra(s), o que inviabiliza que se
trata de formas equivalentes ou em variação. Para ela,
language does not work as well as we would like it to. (…) But it does not follow automatically that
generational change in the community, reflected in a gradient series of values in apparent time, will confuse
members of that community. Such change might be considered equivalent to adding one more dimension – age
– to the major variables of the speech community: social class, gender and contextual style. Speakers are
normally not confused by this variation. If they know a value on one dimension of the matrix – say, style –
they should be able to identify the probable social class of the speaker by the values of the variant. If change is
in progress, they may be able to adjust their judgments by taking the speaker’s age into consideration. The
same logic might apply to the identification of the phonemic category of a sound change in progress.” 3 No original: “What I will be questioning is whether that ground of clear semantic equivalence can be
abandoned to carry out the same kind of study of variation for syntactic or morphological units which have to
be proven to mean ‘the same’ to be treated as evidence of variability, and, furthermore, whether semantic
equivalence must in fact be a requirement at all.”
23
unidades além da fonologia, digamos um morfema, ou um item lexical ou uma
construção sintática, cada uma tem, por definição, um significado. Elas não são
como os fonemas que, por definição, não têm qualquer tipo de ‘constância de
referência’, como diz Sapir. [...] Assim, para a análise das variáveis acima do nível
da fonologia não há dúvida de se livrar de significados referenciais. Não se pode
dizer que tais variáveis não têm significados referenciais. No entanto, foi decidido
que, para a definição de uma variável linguística não fonológica, o significado
referencial de todas as variantes deve, necessariamente, ser o mesmo.
(LAVANDERA, 1977, p. 175 – tradução nossa)4
Argumentando que apenas as variantes fonológicas constituem verdadeiros
exemplos de formas em variação, Lavandera insiste em que elementos da morfologia, isto é,
os vocábulos, ou da sintaxe, isto é, as sentenças, por mais que concorram na referência a um
mesmo objeto ou fato, não podem ser considerados equivalentes em todos os aspectos:
Assim, a primeira diferença que pode ser apontada entre as variáveis fonológicas e
não fonológicas é que as variáveis fonológicas das quais se pode dizer que têm
importância social e estilística não precisam ter significado referencial, enquanto que
as variáveis não fonológicas são definidas de modo que, mesmo quando elas
carregam significado social e estilístico, elas também têm significado referencial,
embora este significado referencial seja considerado o mesmo para todas as
variantes. (LAVANDERA, 1977, p. 176 – tradução nossa)5
Em resposta a Lavandera, Labov (1978) explica que
Embora a linguística formal reconheça a existência da informação expressiva e da
informação afetiva, estas estão na prática subordinadas ao que Buhler chamou de
‘significado representacional’, ou o que eu chamarei de ‘estados de coisas’. Para ser
mais preciso, eu gostaria de dizer que dois enunciados que se referem ao mesmo
estado de coisas têm o mesmo valor de verdade, e sigo Weinreich ao limitar o uso de
‘significado’ para este sentido. (LABOV, 1978, p. 7 – tradução nossa)6
4 No original: “units beyond phonology , let us say a morpheme, or a lexical item, or a syntactic construction,
each have by definition a meaning. They are not like phonemes which, by definition, do not have any
‘constancy of reference’ as Sapir said. [...] So for the analysis of variables above the level of phonology there is
no question of getting rid of referential meanings. It cannot be said that such variables do not have referential
meanings. However, it has been agreed that for the definition of a non-phonological linguistic variable the
referential meaning of all the variants must necessarily be the same.” 5 No original: “Thus the first difference which can be pointed out between phonological and non-phonological
variables is that phonological variables which can be shown to have social and stylistic significance need not
have referential meaning, while non-phonological variables are defined so that even when they do carry social
and stylistic significance they also have referential meaning, although this referential meaning is held to be the
same for all variants.” 6 No original: “Though formal linguistics recognizes the existence of expressive and affective information, these
are in practice subordinated to what Buhler called ‘representational meaning’ or what I will call ‘states of
affairs’. To be more precise, I would like to say that two utterances that refer to the same state of affairs have
the same truth value, and follow Weinreich in limiting the use of ‘meaning’ to this sense.”
24
Com isso, Labov sustenta que não há nenhum problema em estabelecer igualdade
de significado também em variáveis fora do nível fonológico. Tal afirmação pode ser
sustentada conforme a ideia de significado que se assume. Ao contrário de Lavandera, Labov
propõe estreitar a noção de significado, colocando dentro do mesmo ‘pacote’ o valor
representacional e as diferenças estilísticas. É este o posicionamento que adotamos nesta
pesquisa, o de que, embora duas formas linguísticas que se referem à mesma coisa possam
conter matizes significativos diferentes, podem se considerar formas variantes quando
intercambiáveis na maioria dos contextos e quando se referirem ao mesmo estado de coisas.
Ainda sobre essa discussão, Labov (1978) argumenta que
Alinhado com o nosso programa geral de repartir a variação na escolha linguística
entre significado e os vários tipos de significado social, muitas vezes encontraremos
contrastes linguísticos que potencialmente distinguem os estados de coisas, mas
normalmente servem como variantes sociais. (...) Podemos provar que não existem
sinônimos verdadeiros, em um sentido absoluto. Mas exigências estilísticas nos
forçam a substituir uma palavra por outra na fala e escrita, de modo que em qualquer
dada sequência de frases usamos muitas palavras como variantes estilísticas, embora
cada uma tenha a capacidade potencial para distinguir determinados estados de
coisas. (LABOV, 1978, p. 13 – tradução nossa]7
Este bem parece ser o caso das variações nos pronomes pessoais, como as
verificadas no português brasileiro (tu/você, nós/a gente, te/lhe etc.), que partem de
motivações estilísticas, da diferença entre contexto formal e contexto informal, rumo a uma
neutralização semântica.
Para Labov, a Sociolinguística já ultrapassou o estágio em que se buscavam
apenas as motivações sociais (como sexo, idade, classe social etc.) como determinantes das
variações. Defendendo-se de críticas de Lavandera (1977 – v. seção 2.1), que via problemas
em considerar a existência de estruturas sintáticas variantes, Labov afirma que
a discussão da variação de Lavandera parece brotar de um período anterior no estudo
da variação quando a motivação principal era descobrir a motivação social de
determinadas mudanças sonoras, e demonstrar a distribuição ordenada de escolhas
linguísticas em todo o espectro social. Mas desde Labov, Cohen, Robins e Lewis
1968 que a análise da variação tem estado igualmente interessada com as restrições
internas no comportamento governado por regras, e a luz que essas restrições
7 No original: “In line with our general program of apportioning variance in linguistic choice among meaning
and the various kinds of social significance, we will often encounter linguistic contrasts which potentially
distinguish states do affairs but normally serve as social variants. (…) We can prove that there are no true
synonyms, in an absolute sense. But stylistic demands force us to substitute one word for another in speech and
writing, so that in any given sequence of sentences we use many words as stylistic variants, though each has
the potential ability to distinguish particular states of affairs.”
25
lançam sobre operações cognitivas e o "conhecimento" da gramática. (LABOV,
1978, p. 16 – tradução nossa)8
Destarte, já é comum em Sociolinguística estudar a variação fora do nível
fonológico, uma vez que se entende que, assim como as mudanças sonoras operam na língua a
partir da variação de fones concorrentes, as mudanças vocabulares e de estrutura sintática
seguem o mesmo processo. No Brasil, por exemplo, há muito tempo que vêm sendo feitos
estudos sobre variação linguística fora do nível fonológico, como comprovam os trabalhos de
Soares (1980), Abreu (1987), Fernandes (1997) e Franceschini (2011), só para citar alguns,
sobre o uso de pronomes em variação no português falado em algumas cidades do país.
A substituição do pronome vós por vocês no português, por exemplo, é um caso
de mudança não fonológica que, como toda mudança linguística, atravessou o estágio da
variação, conforme explica Faraco (1991):
[...] nem toda variação implica mudança, mas que toda mudança pressupõe
variação, o que significa, em outros termos, que a língua é uma realidade
heterogênea, multifacetada e que as mudanças emergem dessa heterogeneidade,
embora nem todo fato heterogêneo resulte necessariamente mudança. (FARACO,
1991, p. 13)
A partir dessa afirmação, não podemos sustentar que a variação te/lhe resultará em
uma mudança, em que a forma lhe, inovadora como 2ª PESS, vença a concorrência e elimine te
do uso cotidiano, como aconteceu com vocês em relação a vós, quando aquela forma
substituiu esta na fala cotidiana tanto no Brasil quanto em Portugal. Não objetivando prever
os rumos dessa variação, nosso estudo limita-se a analisar os fatores que favorecem o
emprego da forma lhe como IP de 2ª PESS e como tal fenômeno se desenvolveu na modalidade
escrita ao longo do recorte temporal observado.
Conforme se disse acima, a variação é um requisito básico para a mudança
linguística. Para Weinreich, Labov e Herzog (2006, p. 126), “nem toda variação e
heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança; mas toda mudança implica
variação e heterogeneidade.”9 Para eles, ao estudar esse fenômeno, a Sociolinguística, deve
fornecer respostas para cinco problemas, a saber:
8 No original: “Lavandera’s discussion of variability seems to spring from an earlier period in the study of
variation when the primary motivation was to discover the social motivation of particular sound changes, and
demonstrate the ordered distribution of linguistic choices across the social spectrum. But since Labov, Cohen,
Robins and Lewis 1968, the analysis of variation has been equally concerned with internal constraints or rule-
governed behavior, and the light which these constraints throw on cognitive operations and ‘knowledge’ of the
grammar.” 9 No original: “Not all variability and heterogeneity in language structure involves change; but all change
involves variability and heterogeneity.”
26
a) o problema dos fatores condicionantes (the constraints problem) – uma
teoria da mudança linguística deve determinar o conjunto de mudanças possíveis e condições
possíveis para a mudança;
b) o problema da transição (the transition problem) – correlacionando a
estrutura linguística variável com fatores da estrutura social, deve-se observar como uma
determinada variante difunde-se entre os diversos segmentos sociais. O problema da transição
refere-se à transferência de uma variável linguística de uma língua ou estado de língua para
outro, ou seja, a difusão ou a propagação de uma variável linguística. Dessa forma, a
distribuição geográfica de um determinado aspecto linguístico depende de dois parâmetros:
em primeiro lugar, do número de locais onde esse aspecto se origina (actuation –
“implementação”) e, em segundo lugar, da medida em que esse aspecto é distribuído com
sucesso numa área relevante da língua (“difusão”).
c) o problema do encaixamento (the embedding problem) – refere-se ao
entrelaçamento das mudanças com outras que ocorrem na estrutura linguística e na estrutura
social. As mudanças linguísticas sob investigação devem ser vistas como encaixadas no
sistema linguístico como um todo e o sociolinguista deve compreender a natureza e a
extensão desse encaixamento.
d) o problema da avaliação (the evaluation problem) – através de testes de
julgamento subjetivo, o sociolinguista deve procurar aferir a reação dos falantes diante dos
valores da variável observada, de modo a se definir a tendência de mudança que essa
avaliação social favoreceria;
e) a questão da implementação (the actuation problem) – O problema da
implementação pode ser colocado da seguinte forma: “Por que as mudanças num aspecto
estrutural ocorrem numa língua particular numa dada época, mas não em outras línguas com o
mesmo aspecto, ou na mesma língua em outras épocas?” (WEINREICH; LABOV; HERZOG,
2006, p.37)10
.
Assim, a grande questão é avaliar se um determinado cenário de variação tende a
se resolver em função de uma determinada variante, efetivando-se a mudança linguística, ou
se as variantes identificadas tendem a se manter no uso linguístico da comunidade, dentro de
uma estratificação específica, o que caracterizaria a variação estável.
10
No original: “Why do changes in a structural feature take place in a particular language at a given time, but not
in other languages with the same feature, or in the same language at other times?”
27
Como a identificação desses cinco problemas está relacionada ao fenômeno da
mudança, não ao da variação em si, e como esta é uma pesquisa sobre um caso de variação,
não objetivamos, com este trabalho, apontar respostas para os cinco problemas acima, embora
possamos comentá-los superficialmente, com base nos resultados e nas conclusões a que
chegamos.
Relacionado ao quarto problema acima está a noção de prestígio que, embora não
seja um conceito relevante nesta pesquisa, pode-nos ajudar a compreender a relação entre a
variação aqui estudada e alguns fatores condicionadores, como mostraremos adiante, no
capítulo de análise. A certos hábitos de fala é atribuído um valor positivo ou negativo, que é
então atribuído ao falante. Isso pode operar em muitos níveis. Pode ocorrer no nível fonético,
na realização de um fonema em particular, como Labov (2008, p. 63-90) descobriu na
investigação da pronúncia do /r/ pós-vocálico no Nordeste dos EUA, ou numa escala macro,
como na escolha de qual língua usar, como acontece nos vários casos de diglossias que
existem em todo o mundo, dos quais talvez mais conhecido seja o caso do francês e do
alemão em algumas áreas da Suíça. Uma implicação importante da teoria sociolinguística é
que os falantes “selecionam” uma variedade ao fazer um ato de fala, seja consciente ou
inconscientemente.
Em geral, numa variação linguística, ou seja, quando dois ou mais termos estão
em competição, um deles tem prestígio na comunidade de fala, enquanto os demais são
estigmatizados ou considerados “errados”. Em geral, a forma inovadora sofre rejeição, como
comenta Labov (2001):
Todos parecemos estar sofrendo de uma doença linguística que não tem cura, e a
língua, como muito do mundo que nos rodeia, é vista como indo de mal a pior.[...]
Sempre que a linguagem se torna o tema de conversa aberta, encontramos uma
reação uniformemente negativa para quaisquer alterações nos sons ou na gramática
que têm vindo à consciência. As comunidades diferem no modo como estigmatizam
as novas formas de linguagem, mas eu ainda não conheci ninguém que as tenha
saudado com aplausos. Alguns cidadãos mais velhos acolhem as novas músicas e
danças, os novos dispositivos eletrônicos e computadores. Mas nunca se ouviu
ninguém dizer: “É maravilhosa a maneira como os jovens falam hoje. É muito
melhor do que a maneira como conversamos, quando eu era criança.” (LABOV,
2001, p. 6 – tradução nossa)11
11
No original: “We all seem to be suffering from a linguistic disease that has no cure, and language, like so
much of the world around us, is seen as going from bad to worse. (…) Whenever language becomes the overt
topic of conversation, we find a uniformly negative reaction toward any changes in the sounds or the grammar
that have come to conscious awareness. Communities differ in the extent to which they stigmatize the newer
forms of language, but I have never yet met anyone who greeted them with applause. Some older citizens
welcome the new music and dances, the new electronic devices and computers. But no one has ever been heard
to say, “It’s wonderful the way young people talk today. It’s so much better than the way we talked when I was
a kid.”
28
No caso da variação te/lhe, a segunda forma não é aceita pelos puristas quando
funciona como OD, sendo, inclusive, condenada por algumas gramáticas (TERRA, 1999, p.
224; NASCENTES, 2003, p. 447), que prescrevem o uso desses pronomes apenas em sua
função original prototípica (BAGNO, 2012, p. 765-6).
A teoria de Labov sustenta que as línguas mudam porque variam e as línguas
variam devido à influência de fatores relacionados aos falantes, elementos desprezados pela
primeira grande escola de estudos linguísticos do Ocidente, cujo nome mais emblemático é o
suíço Ferdinand de Saussure. Labov considera que não existe língua independente dos
falantes, mas que são estes que, vivendo em sociedades complexas, hierarquizadas,
heterogêneas, provocam as mudanças nas línguas, o que torna impossível desvincular os fatos
de linguagem dos fatos sociais.
De acordo com a Teoria da Variação, todas as línguas do mundo são sempre
continuações históricas que acompanham as gerações sucessivas de indivíduos. As mudanças
que se operam numa língua ao longo do tempo são resultado da variação entre as formas
linguísticas durante certo período. Seguindo este raciocínio, afirma-se que existem formas
linguísticas variáveis porque as características intrínsecas dos falantes (sexo, idade, etnia) são
variáveis, assim como sua condição social (classe, grupo, relação com o interlocutor,
situação no ato da enunciação). Em outras palavras, a mesma coisa pode ser enunciada de
forma variável (diferente) a depender das características individuais e sociais dos falantes.
Assim, as variações linguísticas são classificadas em três tipos: diacrônicas (quando se dão ao
longo do tempo), diatópicas (as que resultam da variação espacial – pensemos nas diferenças
entre o português usado em Portugal e o usado no Brasil, países em lados opostos do mesmo
oceano) e diastráticas (influenciadas pela estratificação e categoria sociais). Além dessas,
Labov considera a variação estilística, decorrente das adaptações da linguagem ao contexto
imediato durante o ato de fala (LABOV, 1983). A natureza variável da língua é, para a
Sociolinguística Variacionista, um pressuposto fundamental no qual se sustenta e se direciona
a observação, a descrição e a interpretação do comportamento linguístico.
Labov, ao lado de seu colega Martin Herzog e do professor Uriel Weinreich
(orientador de ambos), desenvolveu trabalhos importantes acerca da variação e da mudança
linguísticas. O estudo da variação pronominal entre as formas te e lhe em cartas pessoais de
cearenses no século XX proposto nesta pesquisa se fundamentará, portanto, nas ideias
contidas nesses trabalhos.
29
2.2 A pesquisa em Sociolinguística: o estudo da variação
A Sociolinguística como um campo distinto da Dialetologia foi lançada através do
estudo da variação linguística em áreas urbanas. Enquanto a Dialetologia estuda a distribuição
geográfica de variação linguística, a Sociolinguística se concentra em outras fontes de
variação, entre elas a classe social.
Para Beline (2011, p. 125), de uma perspectiva variacionista quantitativa, “a
Sociolinguística ocupa-se em desvendar como a heterogeneidade se organiza” e, de uma
perspectiva dialetológica, “a Sociolinguística pode se ocupar mais em estabelecer as fronteiras
entre os diferentes falares de uma mesma língua.”
Estudos no campo da Sociolinguística normalmente coletam uma amostra da
população e entrevistam-na, avaliando a realização de certas variáveis sociolinguísticas. Para
Beline (2011, p. 135), “fazer análises quantitativas de dados linguísticos é a palavra de ordem
da Sociolinguística Variacionista”.
O porquê das análises quantitativas numa pesquisa sobre variação é explicado por
Guy e Zilles (2007, p. 73), que dizem que “a variação linguística, entendida como alternância
entre dois ou mais elementos linguísticos, por sua natureza, não pode ser adequadamente
descrita e analisada em termos categóricos ou estritamente qualitativos.” E justificam que a
dimensão da importância da variação para o entendimento de questões como prestígio e
estigma, comunidade de fala, identidade e solidariedade ao grupo local pode ser demonstrada
pelo uso de métodos estatísticos.
Mollica (2008, p. 27), tratando do papel das variáveis não linguísticas (nível de
instrução, idade, sexo, classe social etc.) sobre o fenômeno da variação, afirma que elas “não
agem isoladamente, mas operam num conjunto complexo de correlações que inibem ou
favorecem o emprego de formas variantes semanticamente equivalentes.” No caso da variável
nível de instrução, a autora diz que falantes de maior escolaridade “tendem a lançar mão de
estruturas de maior prestígio.” Assim também pensa Votre (2008, p. 51), que alega que “[a
escola] atua como preservadora de formas de prestígio, face a tendências de mudança em
curso nas comunidades.” Nesse sentido, o autor defende que a variável escolaridade (ou nível
de escolarização) é um mecanismo de promoção ou de resistência às mudanças.
Como se disse, o estudo das variações linguísticas se dá, normalmente, através de
entrevistas gravadas. Entretanto, quando se busca analisar a variação de formas linguísticas
30
numa perspectiva diacrônica, em se tratando de períodos mais remotos – dos anos 1960 para
trás –, o único caminho para fazê-lo é através da análise de textos escritos, entre as quais a
literatura e os textos teatrais (PRETI, 2011, p. 325) e as cartas pessoais (ANDRADE, 2011, p.
113). Estas têm o grande mérito de, por se tratar de uma correspondência entre duas pessoas,
trazerem marcas de tratamento dispensado ao destinatário, favorecendo o estudo das variações
entre os pronomes de 2ª PESS, dentre as quais a que nos interessa nesta pesquisa, que é a
variação te/lhe.
Esse estudo de sincronias passadas não é tarefa fácil, pois a escassez de amostras
do vernáculo representa um grande obstáculo, tanto que Labov (1994, p. 11) afirma que “a
Linguística Histórica pode ser pensada como a arte de fazer o melhor uso dos maus dados”.12
Labov chama de maus dados os documentos históricos que, de alguma forma, mostram o
modo como a língua era usada em determinada época porque são ricos por um lado, mas
empobrecidos por outro, pois
Documentos históricos sobrevivem por acaso, não por intenção, e a seleção que está
disponível é o produto de uma série imprevisível de acidentes históricos. As formas
linguísticas em tais documentos são frequentemente distintas do vernáculo dos
autores e, em vez disso, refletem esforços de captar um dialeto normativo que nunca
foi a língua nativa de nenhum falante. Como resultado, muitos documentos são
marcados com os efeitos da hipercorreção, da mistura de dialetos e de erros do
escriba. (LABOV, 1994, p. 11 – tradução nossa)13
Acrescente-se a isso a dificuldade de se conhecerem, através dos documentos
sobreviventes, aspectos sociais dos autores (escribas) e a estrutura social da comunidade nas
quais eles estavam inseridos. Acerca disso, Labov comenta:
Embora saibamos o que foi escrito, não sabemos nada acerca do que foi entendido e
não estamos em condição nenhuma de desenvolver experimentos controlados sobre
a compreensão transdialetal. Nosso conhecimento do que era distintivo e do que não
era é severamente limitada, uma vez que não podemos usar o conhecimento dos
falantes nativos para diferenciar variantes distintivas de não distintivas. (LABOV,
1994, p. 11 – tradução nossa).14
Apesar de tais dificuldades, documentos históricos têm sido amplamente
utilizados em pesquisas sociolinguísticas de caráter diacrônico, pois, como se disse acima, são
12
No original: “Historical linguistics can then be thought of as the art of making the best use of bad data”.
(tradução nossa) 13
No original: “Historical documents survive by chance, not by design, and the selection that is available is the
product of an unpredictable series of historical accidents. The linguistic forms in such documents are often
distinct from the vernacular of the writers, and instead reflect efforts to capture a normative dialect that never
was any speaker’s native language. As a result, many documents are marked with the effects of
hypercorrection, dialect mixture, and scribal error.” 14
No original: “Though we know what was written, we know nothing about what was understood, and we are in
no position to perform controlled experiments on the crossdialectal comprehension. Our knowledge of what
was distinctive and what was not is severely limited, since we cannot use the knowledge of native speakers to
differentiate nondistinctive from distinctive variants.”
31
as únicas formas que se têm de se conhecer determinado estágio de uma língua de uma época
mais remota.
2.3 Resumo do capítulo
Neste primeiro capítulo desta pesquisa sobre a variação te/lhe em cartas pessoais
escritas por cearenses ao longo do século XX, tratamos da primeira parte de nossa
fundamentação teórica, que consiste de uma exposição sobre o campo no qual se insere este
trabalho, que é a Sociolinguística Variacionista. Para isso, comentamos o surgimento dos
trabalhos pioneiros, desenvolvidos por William Labov, considerado, por isso, o precursor dos
estudos em variação linguística. Apresentamos, em linhas gerais, a natureza destes primeiros
trabalhos e discutimos algumas críticas que o pesquisador recebeu quanto à extensão de seu
método de pesquisa para além da variação em nível fonológico – como é o caso da variação
aqui pesquisada –, bem como os argumentos que ele utilizou para refutá-las.
Comentamos, também, os problemas que norteiam a pesquisa em Sociolinguística
Variacionista, sobretudo quando se trata de mudança linguística, que é uma consequência da
variação, embora nem toda variação leve a mudanças no sistema.
Finalmente, expusemos algumas considerações já feitas em estudos anteriores
sobre a variação linguística e os aspectos que a envolvem, ou seja, sobre o que se tem que
levar em conta em uma pesquisa sobre o fenômeno.
No próximo capítulo, apresentaremos a segunda parte de nossa fundamentação
teórica, em que comentaremos as origens da variação te/lhe no português brasileiro, fazendo
relações com outras línguas da família indo-europeia, bem como traçaremos um percurso
histórico das formas variantes. Além disso, comentaremos alguns trabalhos já realizados sobre
variação pronominal em nossa língua.
32
3 OS PRONOMES PESSOAIS E A TEORIA T-V
Como vimos no capítulo anterior, o pressuposto básico da Sociolinguística
Variacionista é o de que todas as línguas do mundo estão em um contínuo processo de
mudança e que as mudanças que se operam nas línguas ao longo do tempo são resultado da
variação entre as formas linguísticas durante certo período.
Sobre a mudança linguística, Givón (1979, p. 209) sustenta que “a sintaxe de hoje
é o discurso pragmático de ontem” e que “a morfologia de hoje é a sintaxe de ontem.” Com
isso, defende a mudança da língua como um processo que parte de motivações pragmáticas
(portanto, do modo pragmático) até atingir os níveis mais estruturais do sistema (modo
sintático, nível morfológico, nível fonológico).
Assim, quando duas ou mais formas entram em variação, motivações de ordem
pragmática ativam esse processo. Tomando como exemplo as variações pesquisadas por
Labov na década de 1960 – a frequência do /r/ final ou pré-consonantal na fala de vendedoras
de lojas de Nova Iorque e os ditongos na fala dos habitantes da ilha de Martha’s Vineyard –
podemos verificar que fatores de ordem pragmática (o desejo de parecer pertencer a uma
classe social superior – no primeiro caso – e a necessidade de se firmar como pertencente a
uma comunidade – no segundo caso) acionaram o processo de variação, pondo em
competição duas ou mais formas dentro do sistema linguístico. No caso das variações entre os
índices de pessoa (IP), a motivação parece encontrar-se no uso distintivo que se faz dos IPs
decodificando as relações entre os interlocutores e na posterior perda dessa distinção.
Antes de comentarmos a teoria que trata do uso dos IPs como dêiticos sociais em
algumas línguas, inclusive o português, faremos algumas considerações sobre os aspectos
gramaticais importantes inerentes aos pronomes pessoais.
3.1 A complexidade dos pronomes pessoais
O sistema pronominal de uma língua costuma ser apontado pelos estudiosos da
linguagem como o que mais oferece dificuldade de análise e descrição. Monteiro (1994, p. 29)
comenta que, desde a cultura greco-romana, os pronomes têm sido “alvo de reflexões e
equívocos que ainda hoje perduram.” Em muitas línguas, como as românicas (francês,
italiano, português etc.), a classe dos pronomes, especialmente a dos chamados pronomes
pessoais, é a que sofre mais variação e a que mais se reorganiza dentro do sistema, embora
33
este costume ser constituído por um “número limitado” de unidades (cf. BECHARA, 2003),
isto é, há um número relativamente pequeno de itens gramaticais que podem desempenhar a
função de pronome, restringindo-se a uma espécie de “inventário fechado”. Por exemplo, os
pronomes oblíquos átonos do português atual constituem um conjunto de itens herdados da
língua latina – me, te, se, lhe(s), o(a)(s), nos e vos – ao qual nenhum elemento átono foi
introduzido desde a formação de nossa língua, no séc. XIII.15
Os pronomes reúnem diversas categorias gramaticais (pessoa, número, gênero,
caso) e traços semânticos (determinação, formalidade, posse etc.), além de servirem como
elementos dêiticos, que é uma de suas funções principais. Sua posição em relação ao verbo
varia de língua para língua, mesmo dentro de uma mesma família: em inglês, ocupa sempre a
posição enclítica; em alemão, da mesma família, pode ocorrer em próclise (Ich will dich
lieben!) ou em ênclise (Ich liebe dich!), como também nas línguas românicas, sendo o
português a única que ainda admite, em sua variedade formal, uma terceira posição, a
mesóclise, já abandonada na fala brasileira. Givón (2001, p. 16) dá exemplos em suaíli nos
quais o pronome pessoal insere-se entre o morfema aspecto-temporal e a raiz do verbo (a-li-
ni-ona = ‘Ele(a) me viu’, a-li-ku-ona = ‘Ele(a) te viu’, a-li-mu-ona = ‘Ele(a) o/a viu’ etc.).
Acrescente-se ainda o fato de que, em algumas línguas flexivas, como o latim
(ALMEIDA, 2000, p. 61-2), o espanhol (LLORACH, 2000, p. 73), o italiano (SENSINI,
1999, p. 157), o romeno (COJOCARU, 2003, p. 55) e o polonês (SWAN, 2002, p. 155), os
pronomes sujeitos são preferencialmente omitidos, depreendidos a partir da desinência verbal
(lat.: amo te; esp.: te amo; ital.: ti amo; rom.: te iubesc; pol.: kocham cię;); enquanto em
outras, como o alemão, eles são obrigatoriamente expressos, apesar da desinência (Ich liebe
dich, e não *Liebe dich). O português, conforme a tradição gramatical normativa, deveria
empregar os pronomes sujeitos apenas em casos de ênfase no sujeito (doravante SUJ), para
opor duas pessoas diferentes ou para desfazer ambiguidades (CUNHA, 1986, p. 284-5),
embora estudos mostrem uma tendência a preferir o uso em vez da omissão (MONTEIRO,
1994, p. 133-146).
Tais características tornam os pronomes suscetíveis a uma gama variada de
possibilidades de combinação entre si – como, por exemplo, em português, o uso do te
(pertencente ao paradigma de tu) numa frase em que o sujeito é você (originalmente um
pronome de tratamento, 3ª PESS) por ambos compartilharem o traço [+2ª PESS]; ou, no inglês,
15
Pode-se pensar na entrada do pronome você no quadro dos oblíquos (ex.: Eu vi você), mas você não é um
pronome átono, como me, te, se, lhe etc. Sua forma reduzida (cê) não aparece como complemento sem
preposição, conforme Gonçalves (2008), Andrade (2010) e Loregian-Penkal e Menon (2012).
34
o uso do reflexivo ourselves (= nos, a nós mesmos) no singular (ourself) quando, em discurso
político, se refere a um só indivíduo, evitando a 1ª PESS SING, o que soaria pedante ou
prepotente, ou no chamado “nursely we” (nós de enfermeira), quando uma enfermeira ou
alguém em função similar, usa a 1ª PESS PL we em substituição a uma forma de tratamento
para a 2ª PESS SING, que, no caso, é o paciente, em frases como “We seem a bit displeased with
ourself, don’t we?” (literalmente, “Nós estamos um pouco desgostoso com nós mesmo, não
estamos?”), exemplo de Joseph (1979, p. 520). Também há a possibilidade de o pronome
pessoal combinar-se sintática ou semanticamente com outras classes de palavras: com
adjetivos, como se verifica, em português, numa frase como “Nós estamos empenhado em
terminar a obra”, em que o pronome de 1ª PESS PL combina-se com um adjetivo de referência
SING quando o falante deseja evitar um tom impositivo ou egocêntrico; e com advérbios (p.
ex.: “Eu aqui não sei de nada.” / “Ele ali não sabe de nada.”).
Apesar de as gramáticas tradicionais determinarem um quadro fechado de
combinações de pronomes, donde se inferem as regras de concordância pronominal, o uso
dessas formas no cotidiano, quer na modalidade falada, quer na escrita, seja no nível formal,
seja no informal, subverte em muitos pontos o que prescrevem as gramáticas normativas e
mostra a dinamicidade de um sistema costumeiramente considerado um inventário fechado.
Assim, formas pronominais caem em desuso (como o thou do inglês e o vós do português),
enquanto outras ganham espaço na língua (como a expressão a gente do português) e outras
passam a competir (como as formas lei, ella e essa, de 3ª PESS FEM SING do italiano); umas
passam a acumular valores distintos (como o você do português, que pode indicar certo grau
de formalidade em algumas regiões, intimidade em outras e indeterminação em alguns
contextos), outras passam a combinar-se a despeito das regras prescritas pelas gramáticas,
como é o caso dos pronomes ditos de 2ª PESS (tu, te, ti, teu etc.) usados com pronomes ditos
de 3ª PESS (se, lhe, seu etc.), em frases como “Tu se acha muito esperto”, em que tu e se são
correferentes.
3.2 As formas T e as formas V
Na maioria das línguas naturais, existe uma distinção entre o que se chama
convencionalmente de pronomes de tratamento polidos e familiares (LYONS, 2011, p. 235)
para se referir ao interlocutor.
35
O uso dos pronomes pessoais e de outras formas de tratamento revela a influência
do fator “poder” nas interações entre as pessoas. Para Lyons (2011, p. 235), o uso não
recíproco de certos pronomes (tu e o senhor, por exemplo) indica uma diferença de status
reconhecida em muitas sociedades. O autor afirma que em sociedades onde existe o uso não
recíproco, uma pessoa socialmente superior, ou mais poderosa de outra maneira, usará tu para
seus inferiores, mas será tratada por eles por o senhor.
Tal distinção consiste na chamada Teoria T-V, definida por Brown e Gilman
(1960):
O desenvolvimento nas línguas europeias de duas formas de tratamento no singular
começa com o latim tu e vos. Em italiano começou com tu e voi (com Lei eventual e
amplamente substituindo voi); em francês, tu e vous; em espanhol, tu e vos (depois
usted). Em alemão, a distinção começou com du e Ihr, mas Ihr deu lugar a er e
depois a Sie. Os falantes de inglês antes usavam thou e ye e depois substituíram ye
por you. Como convenção, propomos usar os símbolos T e V (do latim tu e vos)
como um designador geral dos pronomes familiar e polido, respectivamente, em
qualquer língua. (BROWN; GILMAN, 1960, p. 254 – tradução nossa).16
Os autores argumentam que o uso dessas formas de tratamento norteia-se por dois
princípios, o de “poder” e de “solidariedade”. Quanto ao primeiro, comentam:
Pode-se dizer que uma pessoa tem poder sobre outra na medida em que ela é capaz
de controlar o comportamento da outra. O poder é um relacionamento entre, no
mínimo, duas pessoas e é não recíproco no sentido de que ambos não podem ter
poder na mesma área de comportamento. O poder semântico é, de forma semelhante,
não recíproco; o superior usa T e é tratado por V. (BROWN; GILMAN, 1960, p.
255 – tradução nossa)17
E sustentam que o poder se baseia em muitos fatores: força física, alto poder
aquisitivo, idade avançada, sexo, papel institucionalizado em uma igreja, em uma repartição
pública ou privada, nas forças armadas ou no interior de uma família.
16
No original: “The European development of two singular pronouns of address begins with Latin tu and vos. In
Italian, they became tu and voi (with Lei eventually largely displacing voi); in French, tu and vous; in Spanish,
tú and vos (later usted). In German, the distinction began with du and Ihr but Ihr gave way to er and later to
Sie. English speakers first used ‘thou’ and ‘ye’ and later replaced ‘ye’ with ‘you’. As a convenience, we
propose to use the symbols T and V (from Latin tu and vos) as a generic designator for a familiar and a polite
pronoun in any language.” 17
No original: “One person may be said to have power over another in the degree that he is able to control the
behavior of the other. Power is a relationship between at least two persons, and is non-reciprocal in the sense
that both cannot have power in the same area of behavior. The power semantic is similarly non-reciprocal, the
superior uses T and receives V.”
36
As expressões “forma T” e “forma V” foram introduzidas por Brown e Gilman
(1960), com referência às letras iniciais dos pronomes latinos tu e vos. Em latim (ALMEIDA,
2000, p. 137) tu era originalmente o singular, e vos o plural, sem distinção entre honorífico e
familiar. O uso do plural, ao abordar o imperador romano, começou no séc. III d.C. segundo
Sensini (1999, p. 163), ou no século IV d.C., de acordo com Brown e Gilman (1960, p. 252),
os quais apontam como possível razão para o uso de vos para referir-se a uma só pessoa o fato
de haver, muitas vezes, dois ou mais imperadores na mesma época, como os Augusti e os
Caesares e, posteriormente, governantes separados em Constantinopla e em Roma, mas
também o fato de que “a pluralidade é uma metáfora muito antiga e onipresente para o poder”
(BROWN e GILMAN. p. 252). Segundo os autores, esse uso foi estendido para outras figuras
poderosas, como o Papa Gregório I (590-604). No entanto, Brown e Gilman apontam que foi
só entre os séculos 12 e 14 que as normas para o uso das formas T e V foram cristalizadas.
Menos comum, a utilização do plural pode ser estendida para outras pessoas gramaticais, tais
como o “plural de majestade” e o “plural de modéstia” (CUNHA, 1986, p. 286), em que o
pronome nós é usado em vez de eu.
A partir do Renascimento, conforme Sensini (1999, p. 163), por influência dos
espanhóis, que dominavam a maior parte da Península Ibérica e da Itálica e que eram muito
cerimoniosos, ao plural vos acrescentaram-se títulos honoríficos como “Excelência”,
“Senhoria”, “Magnificência” e “Mercê” no tratamento dos socialmente superiores. Como tais
expressões são de gênero feminino e número singular, poderiam ser substituídas pelo pron. de
3ª PESS SING FEM (p. ex.: “Vossa Senhoria me faria a honra de ser meu hóspede?” → “Ela me
faria a honra de ser meu hóspede?”). Em italiano e em alemão, usam-se como forma V
pronomes de 3ª PESS SING FEM, respectivamente, Ella (depois Lei) e Sie, em vez da 2ª PESS PL,
como ocorre nas demais línguas com distinção T-V.18
Em espanhol e em português, a forma
V usada nos séculos XIX e XX deriva de uma expressão de tratamento na 3ª PESS SING FEM,
respectivamente usted (de Vuestra Merced) e você (de Vossa Mercê).
Brown e Gilman argumentam que a escolha da forma T ou V para tratar o
interlocutor é regida por dois fatores: “poder” e/ou “solidariedade”, tendo sido o “poder” o
18
Em alemão, a 3ª PESS FEM SING passou a ser usada como forma de distanciamento, porém combinando-se com
o verbo no plural. Segundo Kunkel-Razum et al. (2009), trata-se de uma dupla estratégia de formalidade: o
singular (Er, “ele” e Sie, “ela”, sempre com iniciais maiúsculas nesse caso) era usado para se dirigir a alguém
socialmente inferior, enquanto o plural (Sie, “eles/elas”) reservava-se aos socialmente superiores. Sie (“ela”),
que fazia referência a um atributo do endereçado, em geral um substantivo abstrato feminino, como Wirtin
(“senhoria”), Gnade (“mercê”), passou a ser empregado como substituto dessas expressões de cortesia (Eure
Lordschaft, “Vossa Senhoria”; Eure Exzellenz, “Vossa Excelência”, Eure Gnaden, “Vossa Mercê” etc.),
acompanhando verbos no plural, como era o costume ao se dirigir a superiores.
37
fator dominante na Europa até o século XX. Por isso, era comum uma pessoa poderosa usar
uma forma T com seu interlocutor, esperando ser tratado por este com uma forma V.
No entanto, no século XX, a dinâmica mudou em favor da “solidariedade”, de
modo que as pessoas passaram a utilizar formas T para seus conhecidos e formas V em
ambientes de trabalho, com o uso recíproco sendo a norma em ambos os casos. Para Lyons
(2011, p. 235), o uso não recíproco das formas T ou V (por exemplo, uma pessoa trata outra
por T e é tratado por esta por V) tem declinado na maioria das línguas europeias desde o
século XIX, “exceto nos casos de adultos e crianças que não são membros da mesma família e
em um ou outro caso mais especial”. Para o autor,
Isto se explica historicamente em parte pela propalação de atitudes mais igualitárias
ou democráticas nas sociedades ocidentais e, em parte, pela importância crescente
do fator solidariedade, marcada não simplesmente pelo uso recíproco como tal, mas
mais particularmente pelo uso de T. (LYONS, 2011, p. 235).
As regras para uso das formas T e V ainda são muito variáveis de cultura para
cultura. Em francês, por exemplo, a madrasta continua a ser abordada pelo enteado com a
forma V vous, enquanto que em alemão, a madrasta sempre recebe a forma T du do enteado
(FRIEDRICH, 1966,1972). Em russo, interlocutores podem passar da forma V para a forma T
em determinados contextos e voltar a usar V para os mesmos interlocutores noutros contextos.
Isso não é possível em uma conversa entre interlocutores alemães. Uma vez que dois
interlocutores alemães chegam a se tratar por T, eles não voltam para a forma V depois.
Outro uso dessa distinção que ocorre em algumas línguas é a expressão do
“respeito simulado”, que, em geral, é uma forma de expressar desaprovação, evitar que se
tome intimidade ou manter distância num momento de tensão, pelo uso da forma V para se
dirigir a pessoas com quem normalmente se usaria uma forma T, tais como crianças, filhos,
empregados ou cônjuges, situações de que são exemplos (1) e (2) abaixo, extraídos de Soares
(2003, p. 21):
(1) Mulher (para o marido): Isso são horas do senhor chegar?
(2) Pai (para o filho): O senhor faça o favor de nunca mais pegar meu carro sem
minha ordem.
Em decorrência das mudanças sociais apontadas por Lyons (2011), ocorre que,
em algumas línguas, muitas formas pronominais originalmente usadas como V perdem sua
conotação de polidez e passam a ser usadas como forma T, ocasionando variação na
38
codificação da 2ª PESS e, em muitos casos, mudança linguística através da queda em desuso de
um forma pronominal ou de todos os pronomes de um determinado paradigma.
Dois bons exemplos de mudança linguística decorrente das implicações sociais
relacionadas à distinção T/V são a substituição do pronome de 2ª PESS SING inglês thou pela 2ª
PESS PL you e a substituição do pronome de 2ª PESS PL português vós pela forma de tratamento
vocês (antes uma forma V). Os dois exemplos serão comentados posteriormente, sobretudo o
segundo, que é de especial interesse para este trabalho.
3.3 As formas T e V em algumas línguas
Para ilustrarmos o exposto acima, vejamos o quadro 1, que traz as formas T e as
formas V de 2ª PESS SING em algumas línguas indo-europeias (IE), segundo a tradição
gramatical ou norma padrão das respectivas línguas. As formas são dadas na sequência
nominativo (sujeito), acusativo (objeto direto), dativo (objeto indireto) e possessivo.
As formas V citadas entre colchetes não são usadas em todas as regiões onde se
fala a língua ou não são a forma V predominante.
Quadro 1: Formas T/V em línguas IE
Língua Forma T Forma V
Latim tu, te, tibi, tuus vos, vos, vobis, vester
francês tu, te, toi, ton vous, vous, vous, vôtre
espanhol tú, te, ti, tu [vos, os, os, vuestro]
usted, lo, le, su
italiano tu, ti, te, tuo [voi, vi, vi, vostro]
Lei, La, Le, Suo
português tu, te, ti, teu [vós, vos, vos, vosso]
você, o, lhe, seu
alemão du, dich, dir, dein Sie, Sie, Ihnen, Ihr
polonês ty, ciebie, tobie, twój [wy, was, wam, wasz]
pan, pana, panu,pański
Russo ty, tebya, tebe, tvoy vy, vas, vam, vash
FONTE: http://en.wikipedia.org/wiki/T-V_distinction (adaptado)
39
Como exposto anteriormente, o uso destas formas no tratamento entre dois
interlocutores varia de cultura para cultura. Vejamos:
3.3.1 Francês
Na maioria das regiões de língua francesa, existe uma rígida distinção T-V. Com
relação à 2ª PESS SING, tu é a forma T, enquanto vous é a forma V, que também é a 2ª PESS PL
tanto como forma T quanto como forma V (HAWKINS; TOWELL, 2013, p. 41). Como
forma de se dirigir ao interlocutor, vous é esperado quando alguém se depara com algum
adulto desconhecido, em circunstâncias normais. Em geral, a mudança de vous para tu é
“negociada” implícita ou explicitamente. Por exemplo, entre casais, durante os primeiros
tempos de namoro, é comum o uso recíproco de V e, após algum tempo, o uso recíproco de T.
Em certas circunstâncias, porém, T é usado mais amplamente. Por exemplo, novas
amizades que estão conscientes de terem algo socialmente significativo em comum (por
exemplo, a condição de estudante ou o mesmo status numa hierarquia) costumam usar T mais
ou menos imediatamente. Em alguns casos, pode haver uma prática explicitamente definida
para a utilização de T e V, como em uma empresa ou entre membros de um partido. Crianças
e adolescentes geralmente usam T para falar com alguém de sua idade, seja conhecido ou não.
Também pode ser usado T para mostrar desrespeito a um estranho, como quando se
surpreende um ladrão ou se xinga um motorista grosseiro na trânsito (HAWKINS; TOWELL,
2013, p. 43).
Em contrapartida, V pode ser utilizado para distanciar-se de uma pessoa com
quem não se quer interagir. Além disso, duas pessoas que usam T em suas interações privadas
podem conscientemente usar V em público, a fim de agir de forma adequada em um ambiente
formal ou profissional, para desempenhar o papel de uma situação construída artificialmente,
ou simplesmente para esconder a natureza de seu relacionamento com os outros.
Nas famílias, V era tradicionalmente usado para tratar os membros mais velhos.
As crianças foram ensinadas a usar V para tratar seus pais, e V foi usado até por volta de 1950
entre os cônjuges das classes mais altas.
Hawkins e Towell (2013) afirmam que, em preces, tu é hoje frequentemente
usado por protestantes referindo-se a Deus. Vous foi usado em orações católicas até o
Concílio Vaticano II, e ainda é usado referindo-se à Virgem Maria (como em português em
“Bendita sois vós entre as mulheres”). Na Louisiana, no entanto, vous é sempre usado para
40
transmitir um sentimento de respeito e reverência ao orar. Já na Valônia, sua utilização tende
a contextos familiares: vos (variação dialetal de vous) é de uso geral e é considerado informal
e amigável; já ti (variação dialetal de tu), por outro lado, é considerado vulgar, e a sua
utilização pode ser feita como uma expressão de uma atitude agressiva para com a pessoa
tratada. Essa influência da Valônia afeta o uso de tu e vous no francês falado na Bélgica.
No francês falado no Canadá, tu tem uso muito mais amplo do que como forma T
no padrão francês. Ainda há circunstâncias em que é apropriado dizer vous: em uma entrevista
formal (principalmente para um emprego), ou quando se dirige às pessoas de um escalão
muito alto (como juízes ou primeiros-ministros), idosos, clientes ou novos conhecidos em um
compromisso formal. Quando conhecidos se familiarizam um com o outro, podem achar vous
desnecessariamente formal e passar a usar tu com o qual ficam mais à vontade.
Para a maioria dos francófonos no Canadá, vous para a 2ª PESS SING soa pomposo
ou esnobe, e até arcaico. Tu não é forma restrita a amigos íntimos ou a socialmente inferiores.
Há, porém, uma importante minoria que exige a utilização do padrão francês em Quebec,
preferindo ser tratada por vous. Na Radio-Canada (a emissora pública muitas vezes
considerada o baluarte da norma francesa no Canadá), o uso de vous é generalizado, mesmo
entre colegas.
Segundo Lawn (2012), o uso de vous como forma V diminuiu em mídias sociais e
a explicação pode ser a de que tais comunicações on-line favorecem a filosofia da igualdade,
independentemente das distinções formais habituais. Tendências semelhantes foram
observadas com as formas V em alemão, persa, chinês e em italiano.
3.3.2 Espanhol
O vos do espanhol foi utilizado como forma V no período medieval e, segundo
Llorach (2000, p. 76-7), tem persistido em áreas da América Central e do Rio da Prata,
originando o que se chama de voseo, porém como forma T, no lugar do tú. Nessas mesmas
regiões, a forma V é usted. Na Península Ibérica, a diferença de emprego entre tú (forma T –
SING) / usted (forma V – SING) e vosotros (forma T – PL ) / ustedes (forma V – PL) se mantém,
mas na Andaluzia e nas Ilhas Canárias, vosotros foi substituído por ustedes como forma T,
mas está voltando ao uso, conforme Almasov (1974).
No espanhol peninsular, mexicano e peruano, como em italiano, o uso de tú e vos
semelhante ao francês desapareceu no início do período moderno. Nessas regiões, tú é usado
41
para o tratamento informal e familiar (forma T), enquanto a forma V é usted, que evoluiu a
partir da expressão vuestra merced (caso semelhante ao vossa mercê português – veja nota da
pág. 51).
Na 2ª PESS PL, os falantes de espanhol nas Ilhas Baleares empregam vosotros
como forma T e ustedes como forma V. Na Andaluzia ocidental e Extremadura, ustedes é
usado tanto como forma T quanto como forma V, com verbos na 2ª PESS PL. Nas Américas e
nas Ilhas Canárias, ustedes é usado em todos os contextos e na terceira pessoa.
Para Benavides (2003), a área em torno da capital da Colômbia, Bogotá, preserva
uma forma respeitosa (sumercé) alternativa simplificada de uma contração diferente de
vuestra merced. No espanhol rio-platense, vos foi preservado, mas como um substituto para tú
(forma T, e não como uma forma V); no Chile e na América Central, vos é usado no
tratamento falado e tú é usado na escrita e expressa moderada formalidade, ou seja, tem
essencialmente sua função ligada ao antigo uso de vos.
Conforme Blanco Botta (1982), em Cuba, predomina tú, mesmo dirigindo-se a
alguém a quem se acaba de conhecer.
Segundo Solé (1970, p. 176), em Porto Rico, “o tratamento por tú está vastamente
distribuído e cobre quase todas as categorias sociais. Mesmo nas áreas onde usted prevalece
como regra, as possibilidades do tú são altas e a transição de uma forma para outra é fácil e
frequente.” A autora também afirma haver variação entre tú e usted no Peru, porém, com
tendência de uso para tú como forma T e usted como forma V.
3.3.3 Italiano
Em italiano padrão, a forma V predominante é Lei (literalmente “a ela”, que
surgiu da substituição de expressões de tratamento no feminino, como “Vostra Signoria”,
“Vostra Eccellenza”), sempre com letra maiúscula na escrita. Lei é normalmente usado em
contextos formais ou com estranhos, mas isso implica um sentido de distanciamento,
semelhante ao uso francês de vous. Antes de Lei, usava-se Ella, que hoje soa arcaico como
forma V. Segundo Sensini (1999, p. 163), atualmente, adultos italianos preferem empregar tu
para estranhos com até cerca de 30 anos de idade. Tu é usado reciprocamente entre adultos,
podendo não ser recíproco quando jovens abordam estranhos mais velhos que eles. Os alunos,
em geral, são tratados com tu por seus professores até o final do ensino médio e com Lei nas
universidades. Os alunos podem usar tu com os seus professores na escola primária, mas
42
mudam para Lei do ensino médio. Além disso, Tu é a forma mais comum de endereço na
internet.
Sensini afirma ainda que, durante a época fascista (1938-1944), fez-se a tentativa
malsucedida de impor pela lei o uso de voi em vez de Lei como forma V, alegando-se que este
soava “burguês” e “afeminado”, sendo voi mais “humano” e viril. Voi, como forma V de 2ª
PESS SING, persiste ainda em dialetos toscanos e continua a ser usado por alguns oradores,
principalmente de dialetos do sul, como uma alternativa a Lei. Além disso, ainda aparece em
livros de instruções e propagandas em que Lei soaria muito distante. Ao contrário do vós
português, como veremos adiante, a 2ª PESS PL do italiano permanece viva tanto como forma T
quanto como forma V (assim como o vous francês).
3.3.4 Alemão
Segundo Schenke e Seago (2004, p. 79), a forma T alemã é du, usado para
crianças, animais e dirigindo-se a Deus, e entre os adultos (ou entre adultos e crianças) que já
mantêm entre si uma relação de intimamente. A forma V é Sie (literalmente “ela”, assim
como ocorre em italiano) e é usada em situações de formalidade, com pessoas que não se
conhecem bem ou com pessoas mais velhas. Crianças dirigem-se a adultos com V e são
tratadas por eles com T.
Schenke e Seago dizem que qualquer pessoa até a idade de dezesseis anos pode
ser tratada como T, com uma tendência para começar a tratar por V crianças com idade de
quatorze anos na região oriental, enquanto os alemães ocidentais tendem adiar esse tratamento
até os dezesseis anos dos adolescentes. É costume crianças e adolescentes usarem V para os
adultos que não são membros da família ou para os amigos da família; já nas ruas e em clubes
esportivos, os mais jovens dirigem-se aos mais velhos com T. Em lojas, bares e em outros
estabelecimentos, para se dirigir a um público mais jovem, está se tornando cada vez mais
comum funcionários tratarem os clientes por T, sendo considerado estranho o tratamento por
V se ambos estiverem em uma mesma faixa etária.
Segundo Bausinger (1979), o uso de T ou V entre dois estranhos também pode ser
determinado pelo ambiente em que eles se encontram. Por exemplo, costuma-se usar T em
pequenos bares e tabernas tradicionais em determinadas regiões, inclusive para as pessoas
mais velhas que seriam alhures tratadas por V. Duas pessoas que se dirigem um ao outro com
T em um pub podem voltar a usar V reciprocamente quando eles se encontrarem na rua, se o
43
seu conhecimento travado no pub houver sido muito superficial. Durante o famoso carnaval
renano, é habitual para a maioria dos foliões tratar uns aos outros como T. Só no caso de a
diferença de idade ser mais do que uma geração, a pessoa ainda mais jovem pode usar V.
Na cultura alemã, conforme Besch (1998, p. 52), a mudança de tratamento
recíproco de V para T passa por um acordo explícito, sendo, em geral, proposta pelo mais
velho dos dois interlocutores. Caso um dos dois se esqueça do acordo em outra ocasião e
volte a usar V, o outro pode lembrá-lo do acordo dizendo “Nós já combinamos de nos tratar
por du.” Para o autor, na Alemanha, um costume antigo (chamado Bruderschaft trinken,
“beber à fraternidade”) envolve dois amigos compartilhando formalmente uma garrafa de
vinho ou bebendo um copo de cerveja para celebrar o seu acordo de chamar um ao outro por
T em vez de V. No entanto, às vezes, voltar a usar V para com uma pessoa próxima pode ser
um recurso de demonstrar ironia ou retomar o distanciamento, como Soares (1980, p. 84)
aponta para o uso de “o senhor” no português cearense.
3.3.5 Polonês
O wy (“vós”) do polonês permanece como forma V em certas regiões rurais
isoladas, em especial no sul da Polônia. O uso de wy com referência a um só endereçado
antigamente era feito com empregados e serviçais. Além disso, era utilizado (e ainda é entre
veteranos) entre membros do Partido Comunista e do Partido Socialista no lugar de ty para
expressar camaradagem. Segundo Swan (2002, p. 154), este modo de expressão nunca vingou
na Polônia fora desses círculos estreitos. Por isso, considera-se artificial ou dissonante usar wy
por ty, tanto em contextos formais quanto em informais. Para se referir a uma só pessoa em
um contexto formal, utiliza-se, em polonês, o substantivo pan(i), “o(a) senhor(a)”.
3.3.6 Russo
Para se dirigir ao interlocutor em russo, a forma T é ty (lit. “tu”) e forma V é vy
(lit. “vós”). As gramáticas de russo (NEKRASOVA, 2002) advertem que o uso de vy para se
referir a uma só pessoa oferece certas dificuldades para estrangeiros, pois, entre pessoas que
não se conhecem, em lugares públicos, uma criança, um adolescente ou um jovem deve tratar
um adulto ou um idoso com V e este deve usar T para tratar a criança, mas pode usar T ou V
para tratar o adolescente ou o jovem; entre adultos, o tratamento deve ser V, de forma
44
recíproca; entre adolescentes ou jovens, o tratamento pode ser T ou V, mas de forma
recíproca; um adulto de meia-idade trata uma pessoa adulta mais nova do que ela por T, mas
deve ser tratado por esta por V. Ao conversar com uma pessoa íntima, o tratamento é o T
recíproco: entre amigos, irmãos, pais e filhos etc. No ambiente de trabalho, pessoas de mesma
posição social tratam-se de forma recíproca, por T ou V, e entre pessoas de posições sociais
diferentes, deve-se usar V, também de forma recíproca. Em ambiente escolar, alunos se
dirigem a professores com V, mas estes os tratam por T (V também pode ser usado na
universidade). Os alunos tratam-se de forma recíproca com T. Usa-se T também para se
referir a Deus ou a animais de estimação. Nekrasova (2002, p. 62-4) adverte que, se T for
usado para um adulto desconhecido num lugar público, isso pode ser entendido como um
insulto.
3.3.7 Inglês
O inglês moderno não tem uma distinção pronominal do tipo T-V. Segundo
Harper (2002), em estágios anteriores do inglês, thou “tu”, thee “te”/”ti”, thy “teu” (pron.
adj.), thine “teu” (pron. subst.) e thyself “te”/“a ti mesmo” (pron. reflex.) foram as formas T
da 2ª PESS SING, enquanto ye “vós”, you “vos”/”vós”, your “vosso” (pron. adj.), yours “o
vosso” (pron. subst.) e yourselves “vos”/“a vós mesmos” constituíam as formas V (além de
serem também as formas T para a 2ª PESS PL). Por volta de 1600, as formas T, no entanto,
tornaram-se estigmatizadas e desapareceram no inglês falado na maioria das regiões em que a
língua é usada, de modo que a forma V original, you (caso objetivo de ye) passou a acumular
a função de 2ª PESS SING e de 2ª PESS PL. Por esse período, surgiu yourself (com o 2º elem. no
SING – self) para referência à 2ª PESS SING, ficando yourselves (que já existia) de uso exclusivo
para o plural. As antigas formas T sobrevivem no falar dos moradores de Yorkshire, Cumbria,
East Midlands e algumas áreas rurais do oeste da Inglaterra e, principalmente, como
arcaísmos em textos bíblicos (quando, naturalmente, são usadas como formas V, uma vez que
se referem solenemente a Deus). Alguns quakers usaram essas formas até meados do século
XX.
Ironicamente, para um falante do inglês moderno que desconhece a origem da
distinção, o uso de thou (por exemplo, nos rituais religiosos), originalmente um sinal de
intimidade – uma forma T, agora tem conotações de formalidade – uma forma V, devido ao
seu caráter cerimonial.
45
A neutralidade de you tanto para o singular quanto para o plural fez surgir
expressões que marquem a distinção SING/PL, como y’all, forma contraída de you all (“vocês
todos”), no sul dos Estados Unidos e no inglês vernacular afro-americano; you guys (nos
EUA, particularmente no Meio-Oeste, no Nordeste e na Costa Oeste, no Canadá e na
Austrália, segundo Jochnowitz, 1984), you lot (no Reino Unido, conforme Finegan, 2011),
yous(e) (na Irlanda, na Austrália e em alguns pontos da Grã-Bretanha, de acordo com Wales,
1996) e yousse (BERNSTEIN, 2003) – todas para o plural, reservando-se you para o singular.
3.3.8 Português
Vejamos agora a situação de nossa língua quanto à distinção T-V.
Em português, a forma V foi, durante muito tempo, a 2ª PESS PL vós (FARACO,
1996), o que ainda permanece no discurso religioso, nas orações católicas quando se dirige a
Deus ou à Virgem (CUNHA, 1996, p. 287).
Conforme Cook (1997, p. 4), no português europeu (PE), a distinção T-V faz-se a
partir do emprego distinto de tu (forma T) e você (forma V). Já para o plural, vós, que antes
tanto era forma T quanto forma V, caiu em desuso, sendo substituído em ambas as funções
por vocês. Para situações de maior formalidade, as formas V são o(a)(s) senhor(a)(s). Porém,
a autora argumenta que no português africano (PA), há uma combinação das formas do
paradigma de tu com as do paradigma de você e exemplifica com um trecho de um conto de
1963, “Estória do ladrão e do papagaio”, do escritor angolano Luandino Vieira, em que
aparece o trecho (3):
(3) – Você és bandido, não é?
– Bandido não sou, não senhor!
– Cala-te a boca mas é! Você é bandido... Vamos. (VIEIRA, 2006, p. 23)
No PB, a distinção entre as formas T (tu, te, ti, teu) e V (você, o/a, lhe, se, si, seu)
foi neutralizada a partir da década de 1930, conforme Duarte (1993), de modo que o que antes
era forma V, além de manter o caráter de polidez e formalidade, passou também a ser usado
como forma T, ocasionando não só uma competição entre as formas T como a combinação de
diferentes formas de ambos os paradigmas. Rumeu (2013), que estudou o pronome você em
cartas de uma família carioca escritas em fins do século XIX e na primeira metade do século
XX, também conclui que você passou a ser mais produtivo nos anos 30.
46
Já para Machado (2006, p. 99), foi a partir de 1918 que você se consolidou como
principal estratégia de referência à 2ª PESS, alterando “substancialmente o comportamento do
preenchimento dos sujeitos ao longo do século XX, visto que a elevação da frequência de uso
das formas plenas está intimamente ligada ao aumento da produtividade do você.”
Tendo você entrado em competição com tu e, assim, adquirido também a função
de forma T em muitas áreas do PB, como na capital paulista (MENON, 2000) e na capital
paranaense (ABREU, 1987), passou-se a recorrer a expressões nominais para substituir as
formas V. As mais frequentes são o(a) senhor(a) (SOARES, 1980, p. 42; COOK, 1987, p. 8;
BAGNO, 2011, p. 752) – na modalidade oral – e Vossa Senhoria (BECHARA, 2003, p. 166;
FERREIRA, 2011, p. 293) – na modalidade escrita em comunicações oficiais, cartas
comerciais, requerimentos, ofícios, etc., “quando não é próprio o tratamento de Vossa
Excelência” (CUNHA, 1986, p. 293). Soares (1980, p. 84-5) afirma que a senhorita ainda é
usado, no português falado em Fortaleza, como forma V em referência a mulheres solteiras.
O que se tem verificado na língua portuguesa usada no Brasil, conforme trabalhos
que comentaremos um pouco mais adiante, é uma situação diferente da que ocorre nas demais
línguas que codificam a distinção T-V (familiaridade/polidez) através de pronomes, como as
exemplificadas acima. Nessas línguas, quando se toma uma forma T para dirigir-se a alguém,
todo o paradigma da forma é usado uniformemente. Por exemplo, em alemão, ao se usar du
(“tu”) para com alguém, na função de sujeito (SUJ), usa-se, por conseguinte, dich (“te”) como
objeto direto (OD), dir (“a ti”) como objeto indireto (OI), e dein (“teu”) como possessivo
(POSS), além de se acrescentar ao verbo a desinência –st da 2ª PESS SING. Não há a combinação
de formas T com formas V numa mesma situação de uso, numa mesma sentença. Tal não
acontece no PB (nem no PA, conforme Cook.).
No PB, não é simples prever qual a forma que alguém utilizará para se dirigir a
outrem em alguns contextos, a partir das relações sociais estabelecidas entre os interlocutores.
O governador do estado do Ceará, Cid Ferreira Gomes, por exemplo, é tratado por uma forma
T por manifestantes que protestavam contra a construção de um viaduto sobre parte do Parque
do Cocó, em Fortaleza, em meados de 2013. A foto abaixo (Fig. 1), obtida durante as
manifestações no local do litígio, em 9 de setembro do referido ano, mostra a ausência de
polidez ao se dirigir ao governador:
47
Fig. 1: Cartaz com a variação das formas T/V no português cearense
Observe que, no cartaz, o governador do Estado é tratado por tu, mas com o verbo
na 3ª PESS. SING. (como se fosse para você ou Vossa Excelência) – gasta – e depois com o
verbo na 2ª PESS. SING. do imperativo afirmativo – paga (tu!) – em vez de pague (você! /
Vossa Excelência!).
Como mostra Lopes (2007, p. 116), “a implementação de você e a gente no
sistema de pronomes pessoais gerou uma série de reorganizações gramaticais, tanto no
subsistema de possessivos, quanto no de pronomes que exercem função de complementos
diretos ou indiretos.” Para a autora, a combinação entre as formas do paradigma de tu e as
formas do paradigma de você já é tão natural no PB que não se pode mais continuar falando de
“falta de uniformidade de tratamento”, como, frequentemente, alegam alguns gramáticos.
O quadro abaixo mostra a situação real das formas pronominais em uso no PB para
a 2ª PESS SING quanto às funções sujeito (SUJ), complemento não preposicionado (COMPL NÃO
PREP), que pode ser o OD, o OI ou o complemento nominal (CN), complemento preposicionado
48
(COMPL PREP), que pode ser o OI, o CN ou um adjunto adverbial (ADJ ADV). Em todos esses
casos, a forma prototípica de 2ª PESS (tu, te, ti, teu) concorre com uma forma originalmente de
3ª PESS (você, lhe, se, seu), como mostram os exemplos (todos nossos):
Quadro 2: Situação atual dos pronomes de 2ª PESS SING no PB
Função Forma Exemplos
SUJ tu / você Tu vai(s)? / Você vai?
COMPL NÃO PREP
OD te / lhe / tu / você Eu te/lhe vi. / Eu vi tu/você.
OI te / lhe Isso te/lhe pertence?
CN te / lhe Eu te/lhe sou fiel.
COMPL PREP ti / tu / você Isso pertence a ti/tu/você ?
REFL te / se Tu te vê(s)? / Tu se vê?
POSS teu(s), tua(s) / seu(s), sua(s) Cuida da tua/sua vida!
FONTE: produção do próprio autor
Ao quadro, poderíamos ainda acrescentar o pronome o(a), que ocorre na fala
monitorada de algumas pessoas de maior nível de escolaridade (ex.: “Antônia, eu a vi ontem e
você nem me cumprimentou!” – exemplo nosso).
A variação que aqui estudamos insere no conjunto de variações entre as formas de
2ª PESS SING no PB, como mostra o quadro acima.
No PB, as motivações que levam ao uso de uma forma V são diversificadas,
diferentemente do que acontece em russo ou em alemão comentados anteriormente, em que a
relação entre os interlocutores determina esse uso (um indivíduo mais jovem ou socialmente
inferior dirigindo-se a um mais velho ou socialmente superior; um indivíduo dirigindo-se a
um estranho; etc.). No PB, numa mesma sentença, o enunciador pode referir-se ao seu
interlocutor com um sujeito V (o senhor, por exemplo) e, logo em seguida, usar uma forma T
como complemento verbal, como em “O senhor quer que eu te mostre nossas ofertas?”
(exemplo extraído de BAGNO, 2013, p. 754) ou um verbo na 2ª PESS SING (que caracterizaria
uma forma T), como em “Minha senhora, olha o sinal!” (exemplo extraído de SOARES,
1980, p. 55).
Diversos estudos sobre o PB mostram que a forma T (ora tu, ora você) é variável
ao longo da extensão territorial do país: segundo alguns estudiosos (POMMER, 1984;
CUNHA, 1986, p. 292; FREITAS & SILVA, 1986, p. 237-46) a forma tu predomina em
alguns recantos do país como, por exemplo, em alguns pontos do Rio Grande do Sul, embora
49
na capital Porto Alegre, a concorrência entre tu e você seja equilibrada, conforme Guimarães
(1979). Tu também é preferido em determinados grupos sociais, como entre os jovens de 15 a
25 anos do norte de Minas Gerais (MOTA, 2008, p. 84) e em Brasília (LUCCA, 2005), e não
ocorre, por exemplo, na capital de São Paulo (MENON, 2000, p. 134) nem em Curitiba
(ABREU, 1987), onde foi substituído por você. No entanto, te predomina em São Paulo e em
grande parte de Minas Gerais, onde tu caiu em desuso. Nessas áreas, conforme Bagno (2013),
não se ouve lhe na fala não monitorada. Ainda há, todavia, uma carência da descrição de
como essa variação ocorre na maior parte do Brasil.
Mais adiante, comentaremos o que se feito acerca da variação te/lhe no PB.
3.4 Tu/te e você/lhe através do tempo
A 2ª PESS SING, aquela a quem se dirige o falante (o remetente, no caso das cartas
pessoais), como se viu, é codificada na maioria das línguas conforme a relação entre os
interlocutores. As formas usadas para denotar distanciamento ou respeito costumam variar ao
longo do tempo, conforme as mudanças nas sociedades, e apresentarem um conjunto bastante
diversificado de formas (SOARES, 1980, p. 56-66). Já as formas usadas na intimidade, em
geral, são menos suscetíveis a mudanças ao longo do tempo, tendendo a conservar-se. É o que
comprova a persistência das formas T provenientes do indo-europeu ao longo da história, não
só no português, como em todas as línguas latinas e eslavas, em que os pronomes de 2ª PESS
SING, inclusive os possessivos, usados na intimidade, iniciam todos com t-, e nas germânicas,
em que iniciam com d-, þ- ou th- (consoantes em que se transformou o t- indo-europeu nessa
família de línguas). 19
A forma portuguesa tu veio do latim tū, e este do indo-europeu *t (BEEKES,
1995; SIHLER, 1995). Ou seja, desde o indo-europeu, “ancestral hipotético (...) de todas as
línguas indo-europeias antigas e modernas” (LYONS, 2011, p. 140), falada na Pré-história,
nas planícies da Rússia no quarto milênio antes de Cristo, que esse pronome vem se mantendo
sem modificações fonéticas drásticas até hoje em português.20
19
Nas línguas latinas: italiano – tu, ti, te, tuo, francês – tu, te, toi, ton, espanhol – tú, te, ti, tu, catalão – tu, te, teu,
romeno – tu, te, tine, tău; nas línguas eslavas: russo – ty, tebya, tebe, tvoy, polonês – ty, tobie, twój, tcheco – ty,
tě, tebe, tvůj, esloveno – tî, t e te , t i ti , tvój etc.; nas línguas germânicas: alemão – du, dich, dir, dein,
dinamarquês – du, deg, din, sueco – du, dig, din, islandês –þú, þig, þér, þín, inglês – thou, thee, thy, thine (hoje
arcaicas ou dialetais). 20
O mesmo não se deu em outras línguas, em que ou a consoante sofreu alteração, como em grego (su), em
proto-germânico (*thu) e nas línguas derivadas, como o alemão (du) e o islandês (þú), ou a vogal foi
modificada, como em sânscrito (twa-m), nas línguas eslavas (ty ou ti) e no francês, que, apesar da grafia tu, a
50
A persistência fonética e semântica de tu, desde o indo-europeu até o português
moderno, ou seja, desde a Pré-História até os dias atuais, é um caso raro na história das
línguas.
Quanto à forma objetiva te, a história é um pouco diferente:
A forma átona portuguesa te provém de dois étimos latinos: o acusativo
(doravante ACUS) tē e o dativo (doravante DAT) tibi (com síncope do /b/ e crase dos “ii”), com
perda da tonicidade em ambos os casos, daí porque pode ser empregada tanto como OD
quanto como OI. Conforme Coutinho (1976),
A forma ti resultou da analogia com mi. Na língua popular de Portugal, há a forma
tim por influência de mim. Em textos antigos, é às vezes representado por che. A
palatização se dava quando ti era seguido de o, a, donde cho, cha, de que se tirou
depois che. A forma arcaica átona ti deu te, o que explica o emprego desta variação
pronominal como objeto indireto em português. (COUTINHO, 1976, p. 254).
Na verdade, trata-se de duas palavras diferentes, homônimos perfeitos, com
entradas diferentes no dicionário Aurélio:
te1 [Do lat. te, acus. do pron. tu] Pron. pess. Designa a 2ª pess. do sing. dos dois
gêneros, tomada como objeto direto e equivalente a a ti: “E, abrindo as asas para o
eterno abrigo, / Divino Amor, escuta que eu te chamo, / Divino Amor, espera que eu
te sigo (José Albano, Rimas, p. 238); “E te amo como se ama um passarinho morto
(Manuel Bandeira, Estrela da vida inteira, p. 36) (...)
te2 [Dativo do pron. tu; da forma sintética ti (< lat. tibi, *tihi), tornada átona e
confundida com o acus.] Pron. pess. 1. Designa a 2ª pess. do sing. dos dois gêneros,
tomada como objeto indireto e equivalente a a ti: Obedeço-te. [...] 2. Em ti: Alguém
te insultou, te bateu? 3. Para ti: Vou adquirir-te um exemplar daquele romance;
Compraram-te umas lembranças de aniversário.(...). (FERREIRA, 2010, p. 2013)
Todavia, por uma questão de praticidade, consideraremos te (OD, do lat. tē) e te
(OI, do lat. tibi) como uma única palavra, pois é assim a postura adotada pelas gramáticas em
geral e pela maioria dos dicionários da língua portuguesa (ABL, 2008, p. 1224; AULETE,
2011, p. 1317; BUENO, 2009, p. 712; HOUAISS, 2010, p. 746; SACCONI, 2012, p. 1939).
A forma latina tē (fonte do te OD) por sua vez, vem do indo-europeu *tege21
, com
síncope do /g/ e crase dos “ee”; já a forma tibi (que é a fonte do te OI) vem do indo-europeu
*tébhi22
(SIHLER, 1995).
pronúncia da letra “u” é a da vogal anterior fechada arredondada /y/. No inglês, houve tanto a mudança
consonantal quanto a vocálica: thou [ðaʊ]. 21
Fonte do armênio duk’ e do proto-germânico *theke (que deu origem ao gót. þuk, ao escand. þik, ao al. ant.
dih, al. mod. dich, dinam./nor. deg, sueco dig, frísio ant. thi, ingl. ant. þe, ingl. mod. thee [hoje arcaico]), do
albanês të, e do grego se (< te) (BEEKES, 1995).
51
Nas línguas indo-europeias antigas, a terminação verbal por si só indicava a
pessoa gramatical, dispensando a aparição do pronome sujeito na frase, de modo que os
pronomes na função de sujeito eram menos frequentes do que na função de objeto. A alta
frequência de uso, segundo Bybee (2003), ocasiona a redução fonética. Heine (1993, p. 106)
diz que “uma vez que um lexema é convencionalizado como um marcador gramatical, tende a
sofrer erosão, isto é, a substância fonológica é susceptível de ser reduzida de algum modo e de
tornar-se mais dependente do material fonético circundante”23
. Eis por que te, diferentemente
de tu, sofreu tantas transformações fonéticas ao longo do tempo, tornando-se um clítico
(*tébhi > tibi > tii > ti > te).
Quanto à forma lhe, usada como oblíquo de você (ou de tu), remonta ao latim ĭlli,
passando por *eli, no latim vulgar, li no português arcaico, lhi e, finalmente, lhe. Como
explica Coutinho (1976),
Na linguagem popular de Portugal, ainda se ouve pronunciar li. Em regra, o l se
molha sempre que é seguido de semivogal e vogal (cf. filiu > filho). A palatização,
que a princípio só se dava em tal circunstância, generalizou-se depois. No português
arcaico, aparece o lhe empregado invariavelmente. Esta invariabilidade ainda
permanece na língua atual quando se lhe segue o pronome o, a. Assim, lho, lha,
tanto podem representar lhe + o, lhe + a, como lhes + o, lhes + a. (COUTINHO,
1976, p. 255).
No latim, ĭlli era o dativo do demonstrativo ĭlle, que significava “aquele”. Como
naquela língua não havia um pronome para a 3ª PESS SING a não ser na forma reflexiva (sui,
sibi, se), que, mesmo assim, não possuía nominativo (ALMEIDA, 2000, p. 162), os
demonstrativos costumavam ocupar essa lacuna. Inicialmente, is (“este”), ea (“esta”) e id
(“isto”) passaram a se empregar como substitutos da 3ª PESS SING; depois, no latim vulgar,
segundo Coutinho (1976), o demonstrativo ĭlle (“aquele”), ĭlla (“aquela”) e ĭllud (“aquilo”)
passaram a ser usados tanto como artigo24
, quanto como pronome pessoal. Da forma acusativa
de ĭlle surgiram os art. portugueses ĭllum > ĭllu > elo > lo > o25
e ĭllam > ĭlla > ella > la > a.
22
Fonte do eslavo antigo te ě (que deu em russo, em servo-croata, tobie em polonês etc.) e tave em
lituano. (BEEKES, 1995) 23
No original: “Once a lexeme is conventionalized as a grammatical marker, it tends to undergo erosion; that is,
the phonological substance is likely to be reduced in some way and to become more dependent on surrounding
phonetic material” 24
A passagem de um demonstrativo significando “aquele” para um artigo não se deu apenas em português e nas demais línguas românicas (fr. le, ital. il, esp. el, rom. –ul), mas também nas línguas germânicas: do proto-
germânico *that “aquele”, surgiu o artigo em inglês (þe > the e that antes de vogais no inglês medieval), em
alemão (der, das), em sueco (de, det) etc. (BEEKES, 1995). 25
Na fase arcaica do português, havia outra forma do artigo definido: el, também derivada de ĭllu (ĭllu > ello >
el). A forma el costumava preceder as palavras rei, conde e alcaide (SPINA et al., 2008, p. 66).
52
Da forma nominativa, surgiram os pronomes de 3ª PESS do caso reto: ĭlle > elle > ele e ĭlla >
ella > ela. Da forma dativa, como se expôs acima, surgiu lhe.
Tendo sido originado do dativo, lhe tinha apenas a função de OI ou CN, como
ainda pregam as gramáticas normativas (CUNHA, 1986, p. 154, 299; TERRA, 1999, p. 121).
Lhe adquiriu o traço [+2ª PESS] ao substituir, na função de OI, as formas de
tratamento que, em geral, são constituídas de expressões formadas por vosso(a) acompanhado
de um substantivo abstrato que designa uma qualidade atribuída à pessoa a quem se dirige de
forma cerimoniosa, como majestade, alteza, excelência, senhoria, graça, mercê etc. O uso
desses tratamentos de cortesia “consistiu em fingir que se dirigia a palavra a um atributo ou
qualidade eminente da pessoa de categoria superior, e não a ela própria.” (SAID ALI, 1964, p.
93).
Como a expressão de tratamento é, em geral, uma locução substantiva feminina,
pode ser substituída pelo pronome ela e por suas formas oblíquas correspondentes:
Isso pertence a vossa senhoria? → Isso pertence a ela? → Isso lhe pertence?
A substituição da expressão de cortesia pela 3ª PESS SING FEM ocorre em alemão
(Sie, “ela”) e em italiano (antes Ella, hoje Lei, “a ela”).
Entre as expressões de tratamento, usava-se, no reino português, vossa mercê26
para se dirigir aos reis de Portugal, durante a dinastia de Borgonha e início da dinastia de
Avis. No século XV, quando os soberanos portugueses adotaram o chamamento
de alteza (vossa alteza), a expressão passou a usada para tratar as principais figuras do Reino,
nas principais casas fora da Família Real, generalizando-se depois como forma de tratamento
adotada pelos fidalgos entre si.
Por esse período, ficou o tu restrito apenas às classes burguesas e populares, sendo
utilizado na nobreza apenas quando existisse grande grau de intimidade, geralmente
intimidade familiar, e de superiores para inferiores (pais para filhos, avós para netos, fidalgos
para criados e populares). Os inferiores em dignidade (sobrinhos para tios, criados para
patrões etc.) respondiam ao tu com que eram tratados na 3ª PESS ela (como se faz hoje em
alemão e em italiano) ou por vós, ou pelo tratamento correspondente à dignidade reconhecida
à pessoa mais importante durante o diálogo (vossa majestade, vossa alteza, etc.).
26
Mercê veio do latim mercedem, ACUS. de merces, “recompensa, salário”, que, no latim vulgar, adquiriu o
sentido de “favor”, “piedade” e, hoje, significa “preço ou recompensa de trabalho”, “paga”; “favor dispensado
ou recebido”; “ato de clemência do poder público que favorece um condenado” (FERREIRA, 2010, p. 1376)
53
O tratamento por vossa mercê foi, posteriormente, sendo levado para as camadas
populares, como forma V, perdendo seu tom cerimonioso ao mesmo tempo em que, pela alta
frequência de uso, foi se contraindo: vossa mercê > vossemecê > vosmecê > você.27
Dessa forma, os pronomes oblíquos e os possessivos de 3ª PESS, além de
manterem seu uso original, passaram a ser largamente empregados com você e com o(a)
senhor(a), como neste trecho de A Moreninha, de 1844, considerado por alguns como o
primeiro romance brasileiro:
– Não, senhor, nada há aqui que exagerado seja: rogo-lhe que por um
instante pense comigo: se o seu sistema é bom, deve ser seguido por todos, e se
assim acontecesse, onde iria assentar o sossego das famílias, a paz dos esposos, se
lhe faltava a sua base – a constância?
Augusto guardou silêncio e ela continuou:
– Eu devo crer que o senhor Augusto pensa de maneira absolutamente
diversa daquela pela qual se explicou. Consinta que lhe diga: no seu pretendido
sistema, o que há é muita velhacaria; finge não se curvar por muito tempo diante de
beleza alguma, para plantar no amor-próprio das moças o desejo de triunfar de sua
inconstância. (MACEDO, 2007, p. 43)
Já o uso de lhe como OD deve-se, segundo Monteiro (1994), a motivos vários:
estratégia de fuga ao emprego do clítico acusativo, em fase de frança extinção;
manutenção de uma simetria morfossintática com outros pronomes (me, te, se) que
funcionam como objetos diretos; ausência da preposição, o que desestabiliza a
oposição entre os dois tipos de complemento verbal; recurso para se desfazer a
ambiguidade entre as referências à segunda ou à terceira pessoa. (MONTEIRO,
1994, p. 86)
A simetria morfossintática é defendida também por Nascentes (2003), que diz que
Na linguagem corrente, o emprego de lhe dativo se atenuou, usando-se de
preferência as expressões a ele, para ele, a você, para você. É a tendência analítica
da língua. Eis o primeiro passo para o novo valor. Este pronome desvalorizado, por
efeito da analogia [...] foi utilizado para completar uma série, ao lado de me e te. Me
e te servem para acusativo [objeto direto] e dativo [objeto indireto]. A lhe, da
terceira pessoa, dativo, correspondia o, a, para acusativo. Que fez a língua? Para
uniformizar, deu a lhe a função de acusativo e assim ficou: me e te, acusativo e
dativo, e lhe, também, acusativo e dativo. (NASCENTES, 2003, p. 447)
27
Luft (1995, p. 56) apresenta outras formas resultantes da aglutinação de vossa mercê que foram usadas por
escravos ou pelo povo sem escolarização: vossancê, vossuncê, vassuncê e vancê. A expressão também ocorria
em outras línguas românicas nas quais também se aglutinou: vossa mercede > vostede (galego), vuestra merced
> usted (espanhol padrão), sumercé (espanhol dialetal, dos arredores de Bogotá), vuestra mercé > vusté
(aragonês) e vostra mercè > vostè (catalão).
54
Para o autor, o emprego de lhe como acusativo (ACUS) não é recente, mas remonta
à fase arcaica da língua e se encontra registrado em textos literários e não literários, inclusive
em autores consagrados como Machado de Assis e Adolfo Caminha.
Monteiro (1994) diz que o uso do pronome derivado do dativo (DAT) latino ĭlli
também é usado como ACUS na variedade não padrão do espanhol, em que o DAT le tem sido
usado em lugar do ACUS lo em algumas regiões da fala espanhola.
Sendo assim, lhe (< ĭlli) encontra-se em variação tanto com o DAT te (< tibi)
quanto com o ACUS te (< te).
Tendo-se configurado a variação te/lhe, esta pesquisa analisa sua ocorrência em
cartas pessoais do século XX escritas por cearenses, procurando identificar qual dessas formas
em variação, nas cartas pessoais, é mais recorrente no século XX, quais são seus fatores
condicionantes e em que medida os fatores linguísticos condicionam tal variação.
3.5 A variação te/lhe em estudos variacionistas e em compêndios gramaticais
Antes de tratarmos da variação pronominal te/lhe, que é foco desta pesquisa,
convém que definamos o que é pronome. Para Dubois et al. (1973, p. 489), pronomes são
“palavras que se empregam para reenviar a ou substituir uma outra pessoa já utilizada no
discurso (emprego anafórico), ou para representar um participante na comunicação, um ser ou
um objeto presentes no momento do enunciado (emprego dêitico).” De seu emprego anafórico
veio o termo pronome (< lat. pronomen, de pro- “em substituição a” e nomen “nome”).
Castilho (2012, p. 474) afirma que, do ponto de vista semântico-discursivo, “os
pronomes (1) representam as pessoas do discurso, pelo caminho da dêixis, (2) permitem a
retomada ou antecipação de participantes, pelo caminho da foricidade (anáfora e catáfora).”
A tradição gramatical classifica os pronomes em “pessoal”, “possessivo” etc. e,
destas classificações, interessa-nos a de “pronome pessoal”: “Os pronomes pessoais designam
as duas pessoas do discurso e a não-pessoa (não-eu, não-tu), considerada, pela tradição, a 3ª
pessoa.” (BECHARA, 2003, p. 164).
Como os pronomes pessoais apresentam subtipos, que são definidos em termos de
forma e função, é importante retomarmos essa classificação, e o fazemos conforme Cunha
(1986):
55
Quanto à função, as formas do pronome pessoal podem ser retas ou oblíquas.
Retas, quando funcionam como sujeito da oração; oblíquas, quando nela se
empregam fundamentalmente como objeto (direto ou indireto).
Quanto à acentuação, distinguem-se, nos pronomes pessoais, as formas tônicas das
átonas. (CUNHA, 1986, p. 278)
Embora tradicionalmente não sejam considerados subtipos do pronome pessoal,
os pronomes “possessivos”, definidos por Bechara como “os que indicam a posse em
referência às três pessoas do discurso” (BECHARA, 2003, p. 166), também são bastante
recorrentes nos trabalhos que envolvem a variação entre as formas originadas da distinção T-
V. No caso do português brasileiro, verifica-se o uso indiferente de teu/seu em correlação com
tu/você, como veremos no Capítulo 4.
3.5.1 Estudos variacionistas
A presente pesquisa insere-se no grupo de estudos sobre a variação em categoria
pronominal no PB, as quais são diversas: eu/mim (como COMPL PREP), teu/seu, o/ele etc.
Todavia, a maioria dos estudos realizados no país acerca de variação pronominal
volta-se para a concorrência nós/a gente e tu/você como sujeitos. Sobre a variação te/lhe, seja
na fala, seja na escrita, não se verificam trabalhos acadêmicos, portanto, até a realização desta
pesquisa, a variação te/lhe em cartas pessoais escritas no Ceará constitui um estudo inédito. O
fenômeno é abordado rapidamente nos artigos, dissertações e teses que investigam o uso de tu
e de você como formas de se dirigir ao interlocutor ou como forma de marcar a
indeterminação, como os que comentamos a seguir.
Galves (2001) afirma que, no PB, o pronome lhe praticamente só é utilizado como
corresponde a você, na 2ª PESS do discurso, e não mais como originalmente uma forma de 3ª
PESS correspondente a ele. Além disso, observa que a alternância entre as formas dativas
te/lhe resulta da generalização de você, como forma de tratamento no português falado em
grande parte do Brasil.
Chagas (2011) diz que o sistema dos pronomes pessoais do português vem
sofrendo alterações desde algum tempo quando a gente passou a concorrer com nós e a
expressão vossa mercê (hoje você) passou a concorrer no singular com tu e no plural com vós,
sendo esta a que já foi praticamente eliminada da língua falada, tanto no Brasil como em
Portugal. O autor alega – e discordamos dele quanto a isso – que o pronome tu foi perdido em
muitas regiões do Brasil no caso reto, embora preserve ainda bem vivas suas formas oblíquas
56
(te, ti – esta menos do que aquela) e possessivas (teu, teus, tua, tuas), e acrescenta que, apesar
de se conservar sem ser ameaçado em certos contextos, o pronome nós enfrenta a forte
concorrência da expressão a gente. As mudanças no sistema pronominal português, sobretudo
no Brasil, não se encerram aí. O autor também comenta que o clítico átono de 3ª PESS
exclusivamente acusativo (o, a, os, as) se perdeu na língua falada, sendo substituído pela
forma tônica (ele, ela, eles, elas) e que o oblíquo nos, quando reflexivo, vem sendo
substituído por se, talvez por influência de a gente (que concorda com formas de 3ª PESS) e
também por questões prosódicas, no caso, para evitar a difícil articulação após uma consoante
sibilante (nós nos...). Quanto à forma lhe e a concorrência de lhe e o(a) com te, o autor nada
comenta.
Paiva e Duarte (2009) afirmam haver neutralização entre as formas tu e você em
várias regiões do território nacional e que, em grande parte do país, você substituiu
completamente tu. Como consequência dessa substituição, ou neutralização, e da substituição
de vós por vocês, assim como da concorrência entre nós e a gente, o número de oposições
entre as formas verbais, no presente do indicativo, caiu de seis para três (v. Quadro 3 –
paradigma 1), que podem passar a apenas duas nos casos em que a marca de concordância da
3ª PESS PL encontra-se ausente (v. Quadro 3 – paradigma 2), como mostramos a seguir:
Quadro 3: Alterações no sistema de conjugação do presente do indicativo no PB ocasionado
por mudanças no quadro dos pronomes
Paradigma padrão Paradigma 1 Paradigma 2
eu amo eu amo eu amo
tu amas tu
ama
tu
ama
você ama
você você
ele(a) ele(a) ele(a)
nós amamos a gente a gente
vós amais nós nós
vocês amam vocês amam
vocês
ele(a)s ele(a)s ele(a)s
FONTE: produção do próprio autor.
No presente e no pretérito imperfeito do subjuntivo, bem como no pretérito
imperfeito do indicativo, as marcas desinenciais chegam a desaparecer em alguns falares
brasileiros, de modo que uma única forma verbal é usada para todas as pessoas (v. Quadro 4 –
57
paradigma 1). No pretérito perfeito do indicativo, a distinção desinencial se mantém, embora
diferentemente do padrão (como mostram as entrevistas apresentadas por Farias, 1999) – v.
Quadro 4 – paradigma 2:
Quadro 4: Alterações no sistema de conjugação nos tempos do subjuntivo e nos pretéritos do
indicativo em algumas variedades do PB ocasionadas por mudanças no quadro dos pronomes
Paradigma 1 Paradigma 2
(PERF INDIC) (PRES SUBJ) (IMPERF SUBJ) (IMPERF INDIC)
eu
ame
eu
amasse
eu
amava
eu amei
tu/você tu/você tu/você tu/você
ele(a) ele(a) ele(a) ele(a) amô
a gente a gente a gente a gente
nós nós nós nós amemo
vocês vocês vocês vocês amaro
ele(a)s ele(a)s ele(a)s ele(a)s
FONTE: produção do próprio autor.
Para essas autoras, tal condição seria em si mesma suficiente para determinar a
direção da mudança no sentido de SUJ vazio (“oculto”, na nomenclatura tradicional) para SUJ
preenchido, tal qual ocorreu em outras línguas, como o inglês, o francês etc. Ainda conforme
as autoras, as mudanças operadas no sistema pronominal do português repercutem em outros
pontos, relacionando-se a outras mudanças, como a das formas de realização do DAT, porém
não se alongam ao tratar do uso de lhe como pronome de 2ª PESS.
O DAT nos pronomes de 3ª PESS em português, bem como o ACUS dessa pessoa, é
mostrado por Gomes (2003) como tendo sido alterados pela redução dos pronomes do NOM. A
autora considera, em se estudo, o desaparecimento do tu e do vós, que teriam sido substituídos
por formas de 3ª PESS – você, a gente – o que nossa pesquisa mostra ser um equívoco quanto
ao pronome tu. Para ele, o clítico exclusivo do ACUS de 3ª PESS (o e suas flexões) encontra-se
em vias de desaparecimento e o clítico exclusivo do DAT de 3ª PESS (lhe) já passou para
referência à 2ª.
Sales (2007) estudou os aspectos linguísticos e sociais no uso dos pronomes
pessoais em cartas pessoais baianas e afirma que, no corpus de seu trabalho (dados do século
XX), “observa-se a produtividade do clítico lhe [como pronome de 2ª PESS] como ACUS e
como DAT, de modo que as construções só ocorrem como complementos de VTDs ou com
58
verbos transitivos diretos e indiretos (VTDIs), mas nunca com transitividade só indireta. O uso
de lhe ACUS sugere ser este parte da gramática dos informantes.” (p. 66) A autora acrescenta
que esse pronome, mesmo na função de OI (que é sua função prototípica), só ocorre com
referência ao interlocutor (2ª PESS), não havendo, na amostra analisada, ocorrências de lhe
como pronome de 3ª PESS.
Souza (2012) estudou cartas pessoais dos séculos XIX e XX, escritas entre os
anos de 1870 e 1970, tanto por cariocas, quanto por moradores do Rio de Janeiro, e afirma
que, “com relação à expressão do sujeito (nula ou plena), o você ocorreu preferencialmente
como forma expressa, ao passo que o tu foi empregado preferencialmente como sujeito nulo”
(p. 136). Segundo a autora, a concorrência tu/você só começou a partir da década de 1930,
“quando os dados do tu pleno começam a salpicar numa carta ou outra” e “a forma você teria
seguido a tendência de aumento do preenchimento e o tu seguido a queda do sujeito nulo” (p.
137). A autora conclui que o pronome você, nas cartas analisadas, era “utilizado para
destinatários e contextos específicos, podendo marcar contraste ou individualização, sendo
empregado para atenuar pedidos e ordens” e que foram as mulheres que passaram a empregar
você nas situações em que antes se usava apenas tu. Como em alguns trabalhos comentados
anteriormente, este também não foca a variação te/lhe.
Semelhantes são as conclusões de Silva (2011), que, analisando cartas entre um
casal de namorados do Rio de Janeiro da década de 1930, concorda que tu foi suplantado por
você por volta da década em que as cartas foram escritas e que tal mudança parece ter sido
conduzida pelas mulheres, levando-se em conta o contexto da época, em que as mulheres
deviam manter distância dos seus interlocutores, fazendo, para isso, o uso da forma você, que,
dada sua origem (vossa mercê), “guarda um resquício de indiretividade”. Como a variação
te/lhe não era o foco de seu estudo, a autora não se pronuncia quanto ao uso de lhe como 2ª
PESS.
Estudos variacionistas com foco em alguma cidade ou comunidade específica do
país sobre variação pronominal têm sido realizados nas cinco regiões:
No Sul, destacamos o trabalho de Loregian-Penkal (2004) que, com base numa
amostra de língua falada em Florianópolis, Porto Alegre e Ribeirão da Ilha, conclui que tu
predomina na maioria dos contextos, aparecendo o você preferencialmente como
indeterminador. Arduin (2005) estudou a variação dos possessivos teu/seu em algumas
cidades da região sul (Blumenau, Chapecó, Flores da Cunha, Florianópolis, Lages, Panambi,
Porto Alegre e São Borja).
59
Ainda no Sul, Franceschini (2011) abordou a variação tu/você em Concórdia (SC)
e afirma que lá os falantes mais jovens apresentam uma maior probabilidade de uso da forma
inovadora você, já os mais velhos fazem um maior uso de tu; além disso, os falantes com
maior nível de escolaridade empregam mais você, diferentemente dos menos escolarizados,
que preferem tu. A autora acrescenta ainda que, em relação aos fatores linguísticos, a
determinação do referente mostrou-se o fator mais significativo, indicando um favorecimento
do pronome você com referentes indeterminados, e, com referentes determinados, um maior
uso do pronome tu. Limitando-se a tratar de tu e você como SUJ, a autora não faz nenhuma
referência às formas oblíquas te e lhe, que também se encontram em variação tanto quanto tu
e você.
No Sudeste, destaca-se a pesquisa de Mota (2008, p. 83) sobre o fenômeno da
variação tu / você em São João da Ponte (MG) e concluiu que a forma tu é hoje, naquela
cidade, “uma marca do grupo de faixa etária de 15 a 25 anos, e é também um fenômeno da
zona rural.” Sua análise mostrou que, embora esteja presente em todas as faixas etárias, a
forma tu é predominante entre os jovens, o que contraria o que ocorre em outros pontos do
país, onde a forma você é a inovação. Para isso, a autora explica que “A comparação entre
São João da Ponte e municípios vizinhos mostra que aquele município, diferentemente dos
demais, ficou marginalizado do desenvolvimento industrial.” A autora conclui, a partir do fato
de se ter mantido o tratamento por tu no município pesquisado, enquanto os vizinhos, mais
urbanizados e desenvolvidos o perderam, que essa variante linguística seria um vestígio de
um modo de falar rural. Quanto à forma pronominal usada como complemento verbal, a
autora afirma que “a variante preferida é o ‘te’. O uso da forma átona não constitui uma
especificidade da fala do município de São João da Ponte, pois outros municípios mineiros
também a usam.” (p. 64). O trabalho também não foca a variação te/lhe, de modo que o
pronome lhe nem sequer é mencionado na pesquisa.
Além do trabalho de Mota, outros que investigam a variação tu/você no Sudeste
são o de Modesto (2007) em Santos (SP), o de Paredes e Silva (2003) e o de Lopes (2008),
ambos na fala carioca contemporânea.
No Centro-Oeste, Lucca (2005) investigou o uso da 2ª PESS na fala de jovens
brasilienses e concluiu que os jovens de Brasília tendem a usar o tu em situações informais,
cotidianas, familiares de intercâmbio linguístico entre pares solidários, enquanto você tende a
aparecer quando se discutem temas familiares, como forma de o falante ajustar-se ao tema
sobre o qual a conversação se encaminha.
60
Dias (2007), que desenvolveu uma pesquisa sobre o uso de tu no português falado
na capital federal, afirma que esse pronome tem retornado à fala de Brasília com bastante
ocorrência entre os falantes mais jovens, de ambos os sexos, sobretudo quando interagem com
interlocutores de mesma faixa etária. Quanto ao uso de lhe como correferente de tu (e,
portanto, em variação com te), a autora nada afirma.
Andrade (2010), que também estudou a variação entre os pronomes de 2ª PESS na
capital federal, concluiu que os IPs mais recorrentes na fala brasiliense são tu e você, que
apresenta a variante cê. Para a autora, o pronome tu, no português falado em Brasília, é mais
frequente na fala de homens, em interrogativas, com referência específica, em relações
simétricas e fora da função de sujeito, enquanto o pronome você, ao contrário, prevalece na
fala de mulheres, em frases não interrogativas, com referência genérica e em relações
assimétricas. Quanto à forma reduzida cê, é mais comum “em falas reportadas, em posição de
sujeito, em orações interrogativas e em relações assimétricas” (p. 119). Quanto ao pronome
lhe, a autora não faz menção, embora seu trabalho não se limite à função de SUJ, e a função
sintática tenha sido um dos fatores controlados na pesquisa, de modo que apresenta resultados
da ocorrência das três formas como complemento verbal (ACUS e DAT), sem, no entanto,
configurar o pronome lhe entre eles.
No Norte, destaca-se o trabalho de Martins (2010) sobre a variação tu / você em
Tefé (AM). O autor chegou a conclusões semelhantes ao trabalho de Mota (2008): naquele
município, quanto mais jovem o falante, mais frequente é o uso de tu. Você é mais frequente
em situações de contato com pessoas menos íntimas e nas referências genéricas. O trabalho
também não foca a variação te/lhe, mas apenas às formas tu/você como SUJ. No entanto, o
autor chega a comentar que te, na amostra analisada, é usado, em geral, quando o SUJ. é tu, e
não você (p. 93). O uso de lhe não é comentado no trabalho.
Além desse trabalho, há o de Soares e Leal (1993) sobre as formas de tratamento
produtivas em interações comunicativas travadas, em Belém, entre pais (professores e
funcionários da Universidade Federal do Pará) e os seus respectivos filhos. A forma tu
mostrou-se, ao lado de o senhor, bastante produtiva, sendo a primeira preferida pelos filhos de
professores e a segunda pelos filhos de funcionários. Os pais, ao se dirigirem aos filhos,
utilizam tu.
No Nordeste, temos Oliveira (2003), para quem o pronome lhe como clítico de 2ª
PESS para verbos transitivos diretos (VTDs) ocorre em diferentes regiões do país, sendo mais
frequente no português falado no Nordeste. A autora analisou dados do Projeto para a História
61
do Português Brasileiro (PHPB) e constatou que há um alto índice de lhe com VTDs nos dados
da Bahia (séc. XIX), o que, para ela, pode fundamentar a hipótese de que houve
recategorização do clítico dativo lhe, levando-o a ser usado no lugar de o e, posteriormente,
de te.
Também no Nordeste, Gomes e Gonçalves (2007), ao estudarem sobre a
realização do pronome lexical (designação usada pelas autoras para o ele) de 3ª PESS como OD
em Vitória da Conquista (BA), afirmam que a forma oblíqua átona o caiu em desuso para o
falante do PB, que prefere a forma ele, porém afirmam que, ao lado de ele, ocorre, embora de
forma rara, o uso de lhe, que deixou de ser usado apenas como OI, conforme recomendam as
gramáticas normativas. O estudo, no entanto, limita-se aos usos de formas da 3ª PESS como
OD, não considerando, portanto, a ocorrência de lhe como pronome de 2ª PESS.
Em seu estudo sobre o português afro-brasileiro, Lucchesi e Mendes (2009), que
coletaram uma amostra da fala vernácula das comunidades rurais afro-brasileiras isoladas de
Barra e Bananal, no Município de Rio de Contas, na região da Chapada Diamantina, no
interior do Estado da Bahia, afirmam que, “como decorrência da introdução de você, usa-se
lhe, com referência à 2ª pessoa, tanto na função canônica de OI, quanto no uso não padrão
como OD: eu vô lhe contá (OI); eu já lhe vi (OD)” (p. 481). Para os autores,
Esses fatos, observados na amostra de fala analisada, são comuns a todas as
variedades do PB, incluindo a sua norma urbana culta. Entretanto, alguns fatos do
português afro-brasileiro com relação à flexão de caso com a 2ª pessoa do singular,
que podem ocorrer em outras variedades populares e rurais do PB, não se verificam
na norma culta. A manutenção de tu em variação com a forma inovadora você na
função de sujeito está relacionada com o uso da forma oblíqua te, para as funções de
OD e OI: eu vô te levá po Cinzento; não te dô a conta, mas não se registraram as
formas tônicas ti e contigo. Por outro lado, o uso do pronome do caso reto tu na
função de OD e complemento oblíquo (e.g., só num já matei tu, num falei com tu),
encontrado na amostra, aponta para um quadro de variação no português afro-
brasileiro, e em muitas variedades populares do PB, que se relaciona com a mudança
crioulizante de eliminação da flexão de caso dos pronomes pessoais.” (LUCCHESI;
BAXTER; RIBEIRO, 2009, p. 482).
Portanto, segundo os autores, a variação te/lhe é frequente entre os falantes das
comunidades de afrodescendentes analisadas. Quanto ao uso de lhe, afirmam que “na amostra
analisada também não ocorreram lhe(s) com referência à 3ª pessoa” (p. 482).
Ainda na região Nordeste, Almeida (2009) estudou a variação te/lhe como ACUS
na fala de Salvador (BA) e concluiu que, naquela capital, há um uso bastante equilibrado das
variantes te e lhe no tratamento do interlocutor e que lhe alterna entre o DAT e o ACUS. Nessa
pesquisa, a faixa etária foi selecionada como um fator importante para a explicação da
62
variação entre os dois pronomes. Para a autora, tal variação caracteriza-se como uma mudança
em curso na capital baiana, em direção à forma te e as mulheres têm se mostrado líderes nesse
processo. A autora conclui, também, que lhe é mais frequente em situações de fala monitorada
e que entre os falantes de 45 a 55 anos,
“existe uma discreta diferenciação no uso das variantes, prevalecendo te para as
relações solidárias e lhe para as não solidárias. (...) O decréscimo de lhe entre os
indivíduos de 25 a 35 anos nas relações de menor envolvimento pode dever-se à
tendência à informalidade que se observa nos dias atuais e que leva o falante a optar
por uma forma que traduza melhor essa informalidade.” (ALMEIDA, 2009, p. 173)
Scherre (2011), após comparar diversos estudos variacionistas sobre o uso de tu e
de você no PB – Loregian-Penkal (2004) e Ramos (1989) para a região Sul; Oliveira (2005;
2007) para a região Nordeste; Martins (2010) para a região Norte; Paredes Silva (2004) e
Lopes et alii (2009) para a região Sudeste; Lucca (2005), Dias (2007) e Andrade (2010) para a
região Centro-Oeste –, conclui, acerca do uso dessas formas quanto ao gênero, que,
o uso mais frequente de TU por parte das mulheres (caso das localidades das regiões
Sul, Nordeste e Norte), quando esse pronome for um traço mais geral ou de fácil
registro e marcar a identidade geográfica dos falantes. Por outro lado, associamos o
uso menos frequente de TU por parte das mulheres (caso das regiões Sudeste e
Centro-Oeste), quando esse pronome for um traço menos geral ou de difícil registro
e não marcar a identidade geográfica dos falantes, mas, sim, essencialmente,
interação solidária ou de maior proximidade entre os falantes (logo, os homens estão
à frente, quando esse pronome for um traço mais específi co, marcando relações
solidárias entre grupos mais coesos). (SCHERRE, 2011, p. 135).
Dos trabalhos sobre variação pronominal realizados no Ceará, é importante citar
as conclusões de Soares (1980, p. 88-9), que, utilizando dados da capital, afirma que, em
Fortaleza, existe um sistema ternário de pronomes e formas pronominalizadas para o SUJ,
constituído por tu, você e o(a) senhor(a), sendo, porém, o uso de tu generalizado, mas sua
coocorrência com as desinências verbais –s e –ste é variável, “motivada por fatores como
grau de instrução, formalidade e atenção.” A autora afirma, inclusive, que o uso desse
pronome junto a verbos na 3ª PESS SING “é usado até por pessoas cultas numa linguagem
descuidada.” Quanto à combinação de tu com te, ti e teu e de você com lhe, se e seu, o
trabalho mostra que a manutenção das formas do mesmo paradigma (a “uniformidade de
tratamento” defendida pela gramática tradicional) se dá “quase categoricamente, mesmo pelas
pessoas menos instruídas”. A autora constata que essa “uniformidade” é quebrada na fala
63
fortalezense com o uso de se com tu em frases reflexivas, como em “Tu se cortou?” (exemplo
de SOARES, 2003, p. 23).
Coelho (2003) também realizou estudo variacionista com dados de Fortaleza,
dedicando-se à sínclise (posição em relação ao verbo) dos pronomes no português falado na
capital cearense e concluiu que nem a idade nem o sexo têm papel importante na colocação
dos pronomes átonos na fala dos fortalezenses, que, de modo geral, preferem a próclise, que é
a tendência nacional. Como o foco de seu trabalho é a colocação dos pronomes, não há, em
sua pesquisa, conclusões sobre o uso de te/lhe.
3.5.2 Compêndios gramaticais
Estudos de variação não são contemplados pela gramática tradicional, pois, sendo
normativa, a gramática tradicional busca o uniforme, o padrão, o ideal linguístico. Entretanto,
existem divergências entre os gramaticistas quanto ao tratamento dado ao pronome lhe.
Algumas gramáticas normativas, como já foi comentado, restringem o uso de lhe à 3ª PESS,
limitando-o à função dativa (OI ou CN de verbos/nomes regidos pela preposição a ou para),
como se verifica em Cunha (1986, p. 154, 299) e em Terra (1999, p. 121). Outras admitem o
uso de lhe como 2ª PESS, desde que esta seja representada por você na função de SUJ, mas
insistem em conservá-lo como DAT, como se verifica em Rocha Lima (2012, p. 387-8) e em
Ferreira (2011, p. 288-9). Além do uso dativo referente a ele(a) ou você, lhe é apontado em
todas as gramáticas normativas também como substituto do possessivo seu/sua, em frases
como “Beijou-lhe a testa” (= “Beijou sua testa”), o que também acontece com os outros
oblíquos átonos, com exceção de o e se. Para Terra (1999, p. 120) e Ferreira (2011, p. 301-2),
por exemplo, lhe, neste caso, seria um ADJ. ADN. Já para Cunha (1986, p. 301) e Cury (2001,
p. 55), a função do pronome continua sendo de OI, mas com sentido possessivo. Bechara
(2003, p. 181) reconhece ainda a função de ADJ. ADV. para “os pronomes pessoais átonos, na
forma de objeto indireto”, o que inclui o lhe, em casos como “Tudo lhe girou em volta”
(=“Tudo girou em volta dele”).
Castilho (2012, p. 479), de orientação funcionalista, não reconhece lhe como
pronome de 2ª PESS, apenas de 3ª, embora admita seu uso como ACUS, relacionando esse uso
ao desaparecimento de o e à semelhança com as formas me e te, que tanto podem ser dativas
quanto acusativas.
64
Bagno (2012, p. 753-6) reconhece lhe como pronome de 2ª PESS, mesmo quando o
SUJ é tu e diz que “a apropriação por parte de você de amplos terrenos de emprego de tu levou
à indiferenciação dos índices de pessoa do caso oblíquo, que se aplicam sem distinção tanto a
tu quanto a você”. O autor complementa que a escolha de lhe ou de te para o caso objetivo
está associado à “origem geográfica do falante” e que o uso de lhe é bastante frequente no
Norte e no Nordeste, “mesmo nas comunidades linguísticas em que o sujeito mais empregado
é tu”. No Sul e no Sudeste, segundo Bagno, te predomina independentemente de o SUJ. ser tu
ou você. Por fim, o autor assegura que “lhe, na língua falada, só se refere ao alocutor, isto é, à
pessoa a quem eu se dirige, e jamais à não-pessoa referida no discurso”, ou seja, à 3ª PESS.
Como se disse anteriormente, poucos estudos com foco na variação te/lhe no PB
foram feitos, sendo inéditas pesquisas sobre essa variação em cartas pessoais. No entanto, as
obras acima mencionadas servem como justificativa para a realização desta pesquisa uma vez
que, além de apontar para a existência do fenômeno no PB (no caso de alguns dos estudos de
variação acima), revelam divergências quanto ao pronome lhe (no caso dos compêndios
gramaticais) e lacunas que devem ser preenchidas com novos estudos, como o que fizemos
aqui.
3.6 Resumo do capítulo
Neste capítulo, discutimos, em linhas gerais, aspectos semânticos e funcionais que
envolvem os pronomes pessoais, o que os torna uma classe suscetível a variações, e
apresentamos a Teoria T-V proposta por Brown e Gilman (1960). A teoria, que trata da
codificação da polidez através de expressões pronominais em muitas sociedades europeias,
esclarece as origens do uso das formas pronominais de 3ª PESS SING com valor de 2ª PESS
SING, justamente o que acontece na variação te/lhe no português. Comentamos como a
distinção T-V é feita em algumas línguas indo-europeias e mostramos o que aconteceu com o
português quanto a essa distinção. Além disso, traçamos o percurso histórico dos pronomes na
função de SUJ tu (que, em português, permanece basicamente igual à primitiva – e hipotética –
forma pré-histórica indo-europeia *t ) e você (que surgiu da aglutinação de uma expressão de
cortesia – Vossa Mercê – e passou a ocupar o espaço preenchido por tu em várias regiões do
Brasil) a fim de esclarecer como a forma de 3ª PESS SING lhe, usada como OI de você, entrou
em variação com te não só nesta função, como também na de OD e de mostrar a resistência da
forma milenar tu (e suas formas oblíquas) em algumas regiões do Brasil. Apresentamos
65
alguns trabalhos realizados sobre a variação tu/você, da qual a variação te/lhe é uma
consequência, e como o pronome lhe tem sido considerado nestes trabalhos, embora não fosse
este o foco.
No próximo capítulo, explicitaremos como procedemos na realização desta
pesquisa sobre a variação te/lhe em cartas pessoais, quais os critérios e conceitos adotados,
quais os fatores levados em conta e o porquê de cada um.
66
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para compreender os aspectos da variação entre as formas te/lhe no português
escrito no Ceará do século XX, fizemos uma pesquisa de caráter documental, tendo como
corpus 186 cartas obtidas numa busca entre os habitantes do município de Quixadá, no Sertão
Central cearense.
4.1 As cartas pessoais na pesquisa sociolinguística
Trabalhos sobre gêneros da modalidade escrita, sobretudo cartas pessoais,
revelam sua importância no estudo das variações e mudanças linguísticas.
Seara (2006) defende que a autenticidade das relações sociais, culturais e pessoais
encontra seu testemunho de forma ímpar nas cartas, as quais traduzem o cotidiano e a
vivência, em determinada época, de uma sociedade. Para a autora, o passado memorizado, o
presente vivido e o futuro, esperado e desejado, podem ser encontrados no desenvolvimento
das cartas, que é, portanto, lugar de temporalidade múltipla, pois “encerra esta mistura de
tempos diversos: o da história passada, o da seleção da informação, o da escrita, o do envio,
da recepção, da leitura e da releitura”. (SEARA, 2006, p. 23).
Chagas (2011) afirma que os textos escritos são importantes quando pretendemos
ter uma noção das mudanças de alguma língua num período mais extenso ou mais distante do
atual. Porém o pesquisador deve estar preparado para interpretar o que está registrado nos
textos de sincronias pretéritas e em que medida eles retratam a língua falada naquele período,
pois, apesar de ser algo conhecido que as línguas mudam, tanto em sua forma falada quanto
em sua forma escrita, a modalidade escrita é sempre mais conservadora do que a falada. Por
normalmente ser regulada por regras socialmente estabelecidas e estáveis, como os acordos
ortográficos e as gramáticas normativas, a modalidade escrita de uma língua causa a
impressão de se encontrar em um estado normalizado, estagnado, o que leva a achar que
certas mudanças linguísticas ocorrem em bloco e em saltos, coisa com que nem todos os
teóricos concordam. Assim, a nossa percepção da ocorrência de mudanças linguísticas é, em
certa medida, filtrada pelo contato com textos escritos.
Silva (2011) diz que cartas pessoais, assim como outros corpora de língua escrita
são importantes fontes de investigação dos resultados de mudança em tempo real ou mesmo
em tempo real de curta duração, ficando a cargo do pesquisador decidir o quanto vai
retroceder na língua para fazer sua análise. Dependendo do veículo a ser utilizado como
67
recorte da língua, o pesquisador pode fazer um recuo de séculos (cujo resultado será em
tempo real) ou apenas de décadas (o que dará um resultado de tempo real de curta duração).
Andrade (2011) defende que a carta converte-se num espelho da conversação face
a face, porém deve apresentar uma escrita própria, entre a elegância oratória e a conversação
familiar. A autora defende ainda que a comunicação por cartas busca estabelecer uma relação
entre pessoas ausentes, servindo de nexo informativo em um momento de separação espaço-
temporal e cumprindo uma finalidade comunicativo-interacional. Para ela, é a relação
estabelecida entre os interlocutores que garante a eficácia de uma carta, que deve encerrar
confidencialidade e, desse modo, “as cartas são um retrato da sociedade de seu tempo, porque
revelam e desvelam não só o missivista, mas também seu destinatário numa prática social que
os instanciam no momento da enunciação.” (ANDRADE, 2011, p. 34).
Tais considerações acerca de cartas pessoais reiteram a importância das cartas
como forma de conhecimento da fala de uma determinada população em determinado período
de tempo, uma vez que é um gênero textual que se situa no limiar entre fala e escrita
(MARCUSCHI, 2001).
Sabendo que o corpus desta pesquisa é constituído de 186 cartas, conheçamos
agora detalhes metodológicos do trabalho.
4.2 As categorias de análise
Tagliamonte (2006, p. 10) afirma que formas diferentes de se dizer mais ou menos
a mesma coisa podem ocorrer em todos os níveis da gramática de uma língua, em todas as
variedades linguísticas, em todos os estilos, dialetos e registros de uma língua, em todos os
falantes, frequentemente até na mesma frase no mesmo discurso e que as escolhas que os
falantes fazem entre formas linguísticas alternativas de se comunicar a mesma coisa muitas
vezes fornecem informações extralinguísticas importantes.
Conforme Mollica (2008), a existência de formas linguísticas alternativas
(variantes) se dá em todas as línguas, o que faz da variação linguística um fenômeno
universal. Quando formas diversas de se codificar determinada função ou de se estabelecer
determinada relação entre as funções concorrem num mesmo período de tempo de uma
língua, tem-se um fenômeno variável ou uma variável linguística. Tecnicamente, essa variável
é chamada de variável dependente, pois não ocorre de modo aleatório, mas em decorrência de
um grupo de fatores (ou variáveis independentes) de natureza social ou estrutural. A autora
68
atribui à Sociolinguística a tarefa de “diagnosticar as variáveis que têm efeito positivo ou
negativo sobre a emergência dos usos linguísticos alternativos e prever seu comportamento
regular e sistemático” (MOLLICA, 2008, p. 10-11).
Labov (1994, p. 26) afirma que existem variações devidas a fatores sociais, como
o sexo, a classe social, o grupo social e a etnia, e variações devidas a fatores internos, como a
tonicidade, a entonação, o desenvolvimento segmental, a ordem das palavras e a estrutura
oracional.
Guy e Zilles (2007, p. 75) mostram que a relação entre a variável dependente e
a(s) variável(is) independente(s) é de causalidade, ou seja, quando um falante seleciona uma
dentre duas ou mais formas concorrentes, ele o faz por causa de determinados fatores que
podem estar ligados às suas características intrínsecas (idade, sexo, raça etc.) ou extrínsecas
(classe ou grupo social, contexto de uso etc.), bem como à estrutura linguística. O emprego de
determinada forma em vez de sua concorrente não modificará, por exemplo, o sexo ou a idade
do falante nem o moverá de sua posição social, mas o sexo do falante ou seu nível de
instrução condiciona o emprego dessa forma em vez da outra.
Seguindo o mesmo pressuposto, Tarallo (2011 [2007], p. 36) afirma que “a cada
variante correspondem certos contextos que a favorecem” e chama esses contextos de “fatores
condicionadores”.
Na pesquisa aqui proposta, foram adotados estes parâmetros:
4.2.1 Variável dependente
Como já foi exposto, nossa pesquisa analisa a variação entre os pronomes te/lhe
em cartas pessoais escritas por cearenses ao longo do século XX. Esta variável depende de
alguns fatores (variáveis independentes), os quais especificamos a seguir.
4.2.2 Variáveis independentes
No caso da variação entre as formas te e lhe, consideramos como fatores
condicionadores aspectos relacionados ao remetente da carta e aspectos ligados ao contexto
linguístico em que o pronome é usado. Ao primeiro grupo de fatores, chamamos variáveis
extralinguísticas (que corresponde ao elemento “socio” do termo “sociolinguístico”); ao
segundo, variáveis linguísticas. Especificamos quais são elas nas subseções seguintes:
69
4.2.2.1 Variáveis extralinguísticas
Como se trata de uma pesquisa a partir de um conjunto de cartas acidentalmente
disponíveis, não nos foi possível levar em conta diferentes aspectos ligados ao falante, no
caso, ao remetente, como a faixa etária, o nível de instrução, a profissão etc. Assim, as cartas
foram estratificadas em apenas dois fatores extralinguísticos: o período em que a carta foi
escrita e o gênero da autoria (carta escrita por homem ou carta escrita por mulher).
Controlamos também o remetente das cartas como um grupo de fatores, com o objetivo de
investigar a distribuição da variação das formas te/lhe em cada remetente, ou seja, qual a
tendência de uso categórico de cada uma das formas da variação em estudo e qual o
percentual da variação entre os remetentes.
4.2.2.1.1 Períodos do século XX
Quanto ao fator tempo, as cartas estão estratificadas nos seguintes períodos:
a) décadas de 1940 e 1950;
b) décadas de 1960 e 1970;
c) décadas de 1980 e 1990.
Ao se considerar o fator tempo, ou seja, década do Século XX, preferimos dividi-
lo em três períodos, seguindo critérios histórico-sociais e levando-se em conta aspectos
relativamente demarcados da história do nosso país: o primeiro período compõe-se dos anos
1940 e 1950, décadas de profundas mudanças econômicas e sociais, com o fim da Era Vargas
e com a política desenvolvimentista de Kubitschek; o segundo período compõe-se dos anos
1960 e 1970, décadas da repressão militar e instauração da censura; e o terceiro período
compreende os anos de 1980 e 1990, décadas de redemocratização e consolidação de uma
moeda forte, o que condiciona novas mudanças socioeconômicas.
70
4.2.2.1.2 Gênero da autoria
Quanto ao gênero da autoria, as cartas foram estratificadas em:
a) cartas escritas por homens.
b) cartas escritas por mulheres.
Levamos em conta o gênero da autoria, partindo do pressuposto comum na
Sociolinguística de que homens e mulheres se expressam de maneira diferente, o que
influencia na ocorrência das formas variantes. Um dos pioneiros em pesquisa quanto às
diferenças entre homens e mulheres ao se expressarem foi Fisher (1958), segundo o qual as
mulheres tendem a conservar as formas linguísticas, evitando as inovações, enquanto os
homens tendem a manifestar um estilo mais independente, sem muito envolvimento com seu
interlocutor (TANNEN, 1990). Sendo assim, remetentes do sexo feminino tenderiam a usar
te, e não lhe, por ser esta a forma mais antiga na língua no tratamento à 2ª PESS SING e
remetentes do sexo masculino tenderiam a evitar te, que indicaria mais aproximação e
intimidade (MONTEIRO, 1994).
4.2.2.1.3 Remetente
Em uma amostra de 186 cartas, contabilizamos 86 remetentes, dos quais 39 são
homens e 47 são mulheres. Alguns escreveram cartas durante as décadas de 1940 a 1980,
outros apenas uma ou duas cartas em todo o período abrangido pela pesquisa.
Apesar de fazerem parte de uma mesma comunidade de fala, os usuários de uma
língua nem sempre se comportam da mesma maneira ante um fenômeno de variação
linguística. Para uns, uma determinada forma é categórica, ou seja, é sempre a forma
selecionada; para outros, a variação é bastante verificável, seja favorecendo uma forma, seja
favorecendo outra.
4.2.2.2 Variáveis linguísticas:
Como te e lhe são pronomes oblíquos átonos, portanto, clíticos, prendem-se ao
verbo que o rege. Partimos, então, da hipótese de que aspectos ligados ao verbo são fatores
condicionadores da escolha por um ou outro pronome; por isso, trabalhamos com os seguintes
grupos de fatores:
71
a) tipo semântico do verbo regente;
b) estrutura do verbo regente;
c) tempo do verbo regente;
d) forma nominal do verbo regente;
Além desses, trabalhamos com três outros grupos de fatores ligados aos
pronomes:
a) função sintática do pronome te/lhe;
b) posição do pronome te/lhe em relação ao verbo;
c) presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe.
Esses grupos de fatores são detalhados a seguir:
4.2.2.2.1 Tipo semântico do verbo que rege o pronome te/lhe
Diversos estudiosos têm proposto diferentes classificações para os verbos a partir
de seus traços semântico-pragmáticos, como apontam Tavares e Freitag (2010). Das
classificações apontadas pelas autoras, optamos pela de Scheibman (2000), que agrupa os
verbos em nove categorias, a saber:
verbos de cognição (cognitivos): os que descrevem alguma atividade mental, como
conhecer, saber, pensar, lembrar, esquecer, decorar etc.
verbos de atividade corporal: os que descrevem gestos ou interações corporais, como
comer, beber, dormir, fumar etc.
verbos existenciais: os que expressam existência ou acontecimento, como ser, acontecer,
ocorrer, estar, haver etc.
verbos de sentimento (sentimentais): os que indicam emoção, desejo, como sentir, querer,
desejar, necessitar etc.
verbos materiais: os que se referem a ações ou atitudes concretas ou abstratas, como fazer,
ir, ensinar, trabalhar, usar, brincar etc.
verbos de percepção (perceptivos): os que indicam percepção ou atenção, como olhar, ver,
ouvir, encontrar etc.
verbos possessivos/relacionais: os que indicam posse ou pertinência, como ter, possuir,
pertencer, condizer etc.
72
verbos relacionais: os que se expressam uma característica do ser, como ser, parecer,
tornar-se, ficar etc.
verbos dicendi: os que indicam ações verbais, como dizer, falar, perguntar, exclamar,
prometer etc.
Para classificar o verbo que rege o pronome pessoal oblíquo (no caso, te ou lhe),
levamos em conta o contexto. Por exemplo, o verbo dar pode ser classificado como “verbo
material” em “dar um presente” e como “verbo dicendi” em “dar uma notícia”, uma vez que,
aqui, ele se refere a uma atitude verbal, equivalente a “contar”, “dizer”.
4.2.2.2.2 Estrutura do verbo que rege o pronome te/lhe
Quando falamos da estrutura do verbo que exige os pronomes te e lhe, estamos
nos referindo à forma com que esse verbo é enunciado, se em uma única palavra (forma
simples) ou em mais de uma (locução verbal). Sendo em mais de uma, temos um caso de
locução verbal, que tanto pode ser um tempo composto para o qual se tem uma forma simples
equivalente, como tinha feito, que equivale a fizera, quanto um sintagma incapaz de ser
expresso em uma só forma verbal em nossa língua, como deviam ter feito.
As gramáticas normativas do português costumam chamar de locução verbal o
“conjunto formado por um verbo auxiliar seguido de um verbo principal em uma forma
nominal” (TERRA, 1999, p. 143). Esse conceito engloba tanto o de “tempo composto” quanto
o de “perífrase verbal” ou “conjugação perifrástica”. É esta a escolha de Pontes (1973) ao
estudar os verbos auxiliares em português, rejeitando a separação entre “tempo composto” e
“conjugação perifrástica”, preferindo a expressão mais geral “locução verbal” – termo que
adotamos nesta pesquisa.
Conforme Pontes (1973), não se tem claro o inventário dos verbos auxiliares do
português. Cunha (1986, p. 372) menciona os auxiliares “mais comuns”, referindo-se aos que
são usados nos chamados tempos compostos (aux. + part), que são os verbos haver, ter, ser e
estar, embora acrescente verbos como ir, vir, andar, ficar etc. entre os auxiliares em alguns
exemplos de locuções verbais. O autor também adverte que “como não há uniformidade de
critério linguístico para determinação dos limites da auxiliaridade, costuma variar de
gramático para gramático o elenco de verbos auxiliares.” (CUNHA, 1986, p. 380).
73
Por essa razão, optamos, na codificação dos dados, pela classificação de Bechara
(2003, p. 230-2), que divide os auxiliares em:
auxiliares de tempos compostos – ter, haver e ser, que formam o PRET. PERF. COMP. INDIC.
(“Tenho/Hei cantado”, “São passados três meses”), o PRET. M.Q.PERF. COMP. INDIC.
(“Tinha/Havia cantado”), o FUT. DO PRES. COMP. INDIC. (“Terei/Haverei cantado”), o FUT.
DO PRET. COMP. INDIC. (“Teria/Haveria cantado”), o PRET. PERF. SUBJ. (“Tenha/Haja
cantado”), o PRET. M.Q.PERF. SUBJ. (“Tivesse/Houvesse cantado”), o FUT. COMP. SUBJ.
(“Tiver/Houver cantado”), o INF. COMP. (“Ter/Haver cantado”) e o GER. COMP.
(“Tendo/Havendo cantado”).
auxiliares da voz passiva analítica – ser, estar, ficar (“Sou amado por...”, “Estou tomado
por...”, “Fiquei rodeado por/de...”).
auxiliares acurativos – “determinam com mais rigor os aspectos do momento da ação
verbal que não se acham bem definidos na divisão geral de tempo presente, passado e
futuro” (BECHARA, 2003, p. 231), podendo indicar:
a) o início da ação (começar a, pôr-se a, meter-se a),
b) a iminência da ação (estar para/por, pegar a),
c) a continuidade da ação (continuar (a), ficar),
d) o desenvolvimento gradual da ação ou sua duração (estar (a), andar, vir, ir),
e) a repetição da ação (tornar a, voltar a, costumar) e
f) o término da ação (acabar de, parar de, cessar de, deixar de).
auxiliares modais – “determinam com mais rigor o modo como se realiza ou se deixa de
realizar a ação verbal” (BECHARA, 2003, p. 232), podendo expressar:
a) necessidade: haver de, ter de, precisar.
b) obrigação: ter de, dever.
c) possibilidade: poder.
d) vontade ou desejo: querer, desejar, odiar, abominar.
e) tentativa ou esforço: buscar, pretender, tentar, ousar, atrever-se a.
f) consecução: conseguir, lograr.
g) aparência: parecer.
h) movimento para realizar um intento futuro próximo ou remoto: ir.
i) resultado: vir a, chegar a.
auxiliares causativos – expressam o fato de que o sujeito do verbo causa a realização da
ação, sem realizá-la com suas próprias mãos: fazer, mandar, deixar, permitir.
74
auxiliares sensitivos – expressam o fato de que o sujeito do verbo percebe, através de um
dos sentidos, a ação expressa pelo verbo principal: sentir, ouvir, ver, observar.
Em resumo, este grupo de fatores compreende dois tipos:
a) forma simples
b) locução verbal
Com “locução verbal”, englobamos o que tradicionalmente se chama de “tempos
compostos” e “conjugação perifrástica”, considerando como auxiliares os tipos de verbos
mencionados acima.
4.2.2.2.3 Tempo do verbo que rege o pronome te/lhe
Cunha (1986) chama de tempo verbal “a variação que indica o momento em que
se dá o fato expresso pelo verbo.” (CUNHA, 1986, p. 368).
Ao longo da amostra, detectamos usos dos tempos verbais diferentes de sua
conotação prototípica, que seria o presente expressando fatos concomitantes ao momento em
que se escreve, o pretérito expressando fatos anteriores à redação da carta e o futuro
expressando eventos posteriores a esta. Encontramos usos do presente do indicativo com, por
exemplo, o valor de futuro, como em (4) e (5):
(4) Amanhã vamos passar o dia no Oiteiro. (REGO, 1965, p. 62)
(5) Volto a semana que vem. (ANDRADE, 1955, p. 315)
Na codificação dos dados, classificamos esses casos conforme a tradição
gramatical (ou seja, nos exemplos acima, como presente do indicativo mesmo, e não como
futuro do presente).
Em resumo, esse grupo de fatores está assim constituído:
a) pretérito perfeito (PRET PERF);
b) pretérito imperfeito do indicativo (PRET IMPERF INDIC);
c) pretérito imperfeito do subjuntivo (PRET IMPERF SUBJ);
d) presente do indicativo (PRES INDIC);
e) presente do subjuntivo (PRES SUBJ);
75
f) futuro do presente do indicativo (FUT PRES);
g) futuro do pretérito do indicativo (FUT PRET);
h) futuro do subjuntivo (FUT SUBJ).
4.2.2.2.4 Forma nominal do verbo que rege o pronome te/lhe
Como o verbo a que se prende o pronome nem sempre se encontra numa forma
finita, precisamos também considerar as formas nominais, as que constituem as locuções
verbais (que compreende tanto os “tempos compostos” quanto as “conjugações perifásticas”).
Para Cunha (1986, p. 456), “as formas nominais do verbo identificam-se pelo fato
de não poderem exprimir por si nem o tempo nem o modo. O seu valor temporal e modal está
sempre em dependência do contexto em que aparecem.”
São três as formas nominais do português: o infinitivo (INF), o gerúndio (GER) e o
particípio (PART). Com exceção do PART, essas formas podem aparecer constituindo uma
locução verbal ou isoladamente. Em qualquer caso, quando o verbo se encontra numa forma
nominal, é sempre a forma que rege o pronome oblíquo.
Assim, podemos nos defrontar com o seguinte questionamento: numa locução
verbal a que se prende o pronome oblíquo, o fator que condiciona a escolha desse pronome é
o fato de ser uma locução verbal ou a presença da forma nominal? Entretanto, decidimos
manter essa distinção de fatores pelas seguintes razões: primeiro, porque saber que o pronome
está numa locução verbal não é saber qual a forma nominal do verbo que o rege – a forma é
composta (locucional), mas o verbo pode estar no INF (vou te/lhe contar), no GER (estou te/lhe
contando) ou no PART (tinha te/lhe contado); depois, porque existem muitas ocorrências do
pronome te/lhe com formas nominais soltas, isso é, sem constituírem locuções com outros
verbos.
Esse grupo de fatores, portanto, compreende:
a) infinitivo (INF);
b) gerúndio (GER);
c) particípio (PART).
O imperativo, por ser um modo verbal e por não aparecer regendo te/lhe na
amostra analisada, não configura neste grupo de fatores.
76
4.2.2.2.5 Posição do pronome te/lhe em relação ao verbo principal
Como já mencionamos, os pronomes oblíquos átonos da língua portuguesa
prendem-se aos verbos que os regem e podem ser usados antes ou depois destes. Numa fase
anterior da língua, ocorria também a intercalação do pronome à forma verbal no futuro do
presente ou no futuro do pretérito. A essas posições, dá-se, respectivamente, o nome de
próclise, ênclise e mesóclise.
Embora a próclise (“anteposição ao vocábulo tônico”28
– BECHARA, 2003, p.
588) seja a preferida no PB (CASTILHO, 2012, p. 303; MONTEIRO, 1994, p. 187), a ênclise
(“posposição ao vocábulo tônico” – BECHARA, 2003, p. 587) ainda é usada
“espontaneamente em fórmulas fixas (danou-se, deixe-me ver, parece-me) ou em textos
falados e escritos submetidos à monitoração estilística” (BAGNO, 2012, p. 741). A mesóclise
(“interposição ao vocábulo tônico” – BECHARA, 2003, p. 588), que, como bem explica
Bagno (2012, p. 742), nada mais é do que “a ênclise de um IP ao INF verbal: falar-te hei, falar-
te ia” e não tem ocorrência no PB, a não ser por força da tradição escolar.
Nesta pesquisa, partimos do pressuposto de que a possibilidade de anteposição ou
posposição do pronome ao verbo em português seja um fator que influencia na escolha de
uma das formas em variação. Por isso, esse grupo de fatores compreende:
a) a próclise;
b) a ênclise.
Como a mesóclise só apareceu uma única vez em nossa amostra (caso que
comentaremos posteriormente), não será considerada neste grupo.
4.2.2.2.6 Função sintática do pronome te/lhe
Quanto à função sintática do pronome em questão, utilizamos a nomenclatura
empregada na designação de caso, conforme Monteiro (1994, p. 84): acusativo, que expressa
o ser que sofre a ação indicada pelo verbo, e dativo, que exprime a função gramatical de
complemento de atribuição, de interesse e fim.
Optamos por esta nomenclatura para não deixarmos de fora ocorrências do
pronome como neste exemplo de Terra (1999, p. 226):
(6) Caminhar a pé lhe era saudável.
28
Na aposição dos pronomes oblíquos átonos a um vocábulo tônico, este, no PB, é o verbo.
77
Ocorrências semelhantes a essa foram encontradas em nossa amostra, as quais
comentaremos no capítulo de análise.
O fator função sintática do pronome te/lhe compreende, portanto:
a) acusativo (ACUS);
b) dativo (DAT).
4.2.2.2.7 Presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe
Estudando a variação na concordância de número em português, alguns autores
têm dado atenção ao paralelismo linguístico (SCHERRE; NARO, 1997; VIEIRA, 1997).
Poplack (1980, p. 63), ao estudar o espanhol de Porto Rico, constata que um marcador conduz
a outro mais, e o cancelamento de um marcador conduz a outro cancelamento. Ela diz que “a
presença de uma marca de plural antes de um token favorece a retenção de marca neste token,
enquanto a ausência de uma marca precedente favorece o apagamento. O efeito maior é
produzido quando uma precede imediatamente o token .”
Considerando que a gramática tradicional recomenda o paralelismo pronominal
(FARACO; MOURA, 2005, p. 222; FERREIRA, 2011, p. 291), resolvemos considerar como
um fator que influencia a escolha por te ou lhe a presença de uma forma originalmente V
(você, o[a] senhor[a], consigo, seu[s]/sua[s]) ou T (tu, ti, contigo, teu[s]/tua[s]) ou a
ausência dessas formas antes da primeira ocorrência de te ou lhe.
Este grupo de fatores, portanto, compreende:
a) presença de forma T antes da primeira ocorrência de te/lhe;
b) presença de forma V antes da primeira ocorrência de te/lhe;
c) ausência de formas T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe.
4.3 A coleta da amostra
Segundo Marconi e Lakatos (2011, p. 49-55), cartas constituem dados de fontes
primárias, pois são compilados pelo autor, não sendo transcritos de outras fontes. A aquisição
delas, conforme as autoras, dá-se em domicílios particulares, sendo documentos cuja
importância reside no fato de que são escritos na própria linguagem do autor. As cartas
pessoais usadas nesta pesquisa foram escritas por cearenses ao longo do século XX, período
78
em que a comunicação por cartas no Brasil atingiu seu ponto máximo com a atuação das
instituições que melhoraram o sistema de distribuição de correspondências e encomendas no
país (o Departamento de Correios e Telégrafos [DCT], criado em 1931, e a Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos [ECT], criada em 1969) e com o crescimento da
população alfabetizada.
As cartas usadas como corpus nesta pesquisa foram obtidas, como já citado
acima, com a colaboração de cidadãos do município cearense de Quixadá. As buscas se
concentraram em uma só cidade para facilitar a identificação de informações a respeito dos
remetentes e dos destinatários. Para a composição do material a ser analisado, as cartas
deveriam:
a) pertencer ao gênero “carta pessoal” (ficando, portanto, fora dessa compilação
as “cartas comerciais”, as “cartas de leitor”, as “cartas de protesto”, as “cartas
circulares” e aquelas que fazem parte de jogos ou correntes)29
e
b) ser escritas por pessoas do povo, ou seja, não por profissionais da linguagem
ou autoridades com intenção formal ou profissional.
Como cartas pessoais, estas deveriam ser trocadas entre parentes, amigos,
namorados, noivos ou cônjuges e ser escritas tanto por/para homens quanto por/para
mulheres, tanto por/para jovens quanto por/para adultos.
Nessa busca, foi obtida uma quantidade bastante diversificada de
correspondências: algumas de pessoas mais habituadas à leitura e, portanto, que escreviam
com certa preocupação estilística, conscientes de estarem usando uma modalidade diferente
da fala, como as cartas produzidas por alguns pastores ou seminaristas; outras foram escritas
por pessoas de baixa escolaridade e apresentam muitas marcas da oralidade e desvios da
ortografia oficial. Em todas, porém, o uso dos pronomes te/lhe não segue exatamente as
prescrições da gramática normativa, mesmo nas cartas de pessoas com mais escolaridade. Por
conta disso, nenhuma dessas cartas foi desconsiderada por se aproximar ou por se afastar da
norma padrão . Todas as 186 cartas coletadas, por serem cartas pessoais, foram aproveitadas
na constituição de nossa amostra.
29
No período em que era intensa a comunicação por cartas, desenvolveu-se o hábito de escrever cartas em
corrente, isto é, com cópias para diversos destinatários, com a recomendação de que novas cópias daquela
carta fossem feitas e enviadas a novos destinatários, os quais deveriam enviar de volta uma das cópias para
cada remetente, multiplicando assim o número de cópias de modo a não quebrar a corrente. O objetivo era
puramente lúdico, apenas para verificar a aceitabilidade do destinatário no jogo bem como promover a
interação entre os escritores de cartas. Algo semelhante faz-se hoje nas redes sociais como o Facebook e nos
aplicativos de celulares como o WhatsApp.
79
Como alerta Labov (1994, p. 11), os documentos históricos (neste caso, as cartas)
sobrevivem por acaso, não por intenção, e a seleção que está disponível é o produto de uma
série imprevisível de acidentes históricos. Infelizmente, por se tratar da junção de um material
já produzido e o único disponível, não foi possível coletar, na mesma proporção, cartas que
representassem os mais diversos segmentos da sociedade cearense nem diferentes relações
sociais, bem como as sucessivas décadas do século XX. Assim, têm-se, por exemplo, mais
cartas de pessoas que mantinham com seus destinatários uma relação simétrica (de igual para
igual, como amigos, cunhados, primos, irmãos e cônjuges) do que de pessoas que mantinham
uma relação assimétrica (de poder, como pai e filho, patrão e empregado, tio e sobrinho etc.);
mais cartas escritas por homens do que por mulheres; mais cartas escritas por adultos do que
por jovens; mais cartas escritas a partir da segunda metade do século XX do que nas décadas
anteriores; as cartas dos anos 1940 aos anos 1960 são predominantemente de adultos para
adultos, enquanto as cartas escritas a partir dos anos 1970 até o ano 2000 são principalmente
de jovens para jovens. Tais características inviabilizam um equilíbrio na quantidade de itens
que compõem cada célula representativa dos diversos segmentos que envolvem a amostra
(década, sexo do remetente, idade do remetente, relação remetente/destinatário etc.), por isso,
a maioria das características sociais teve de ser desconsiderada, restando-nos apenas os fatores
período em que a carta foi escrita e gênero de autoria da carta, além de se considerar o
remetente individualmente.
As correspondências foram entregues diretamente ao pesquisador e constituem
material inédito em qualquer tipo de análise, não tendo sido, portanto, retiradas de seus
envelopes e desdobradas para outro fim que não fosse a leitura do destinatário ou das pessoas
com quem este compartilhou o assunto.
Após a coleta das cartas, que se deu através de conversas com diversos moradores
da cidade de Quixadá, foram colhidas as informações sobre os autores dos documentos (de
onde eram, qual a faixa etária quando escreveram as cartas, qual a relação que mantinham
com o destinatário, qual o sexo e qual o nível de instrução). Os informantes desses dados
foram os responsáveis pelo acervo, em geral, parentes do destinatário, como a Sra. E. B. de
A., filha do Pr. J. A. de M., a qual mantém em seus arquivos cartas destinadas a seu pai, com
quem morou até o falecimento dele, aos 92 anos de idade, conhecendo, portanto, detalhes das
relações sociais mantidas entre ele e os remetentes das cartas. Também é o caso da Sra. M. F.
S. N., que guarda correspondências trocadas entre os membros da família de seu marido e que
deu as informações básicas sobre os autores dessas cartas. Os outros acervos são dos próprios
80
destinatários, os quais, melhor do que ninguém, sabem informar com mais segurança os dados
sobre as pessoas que escreveram para elas.
As cartas foram digitalizadas para o formato .pdf, impressas, organizadas em
ordem cronológica, conforme a data utilizada pelo remetente, catalogadas com a letra C
seguida de um número de três dígitos, de 001 a 186, e encadernadas para facilitar o manuseio
durante a pesquisa.
Coletadas as cartas, estas foram digitalizadas de forma a conservar o máximo
possível suas características naturais e manter a legibilidade dos documentos. Em seguida, as
cartas digitalizadas foram arquivadas para leitura e identificação das ocorrências das formas
variantes te/lhe.
4.4 Estratificação da amostra
A amostra é composta por 186 cartas estratificadas por década e gênero da autoria
(carta de homem, carta de mulher). Outra forma de estratificação, como, por exemplo, por
idade ou por escolaridade, foi inviabilizada pelo fato de se tratar de um material cuja coleta se
deu conforme o que se tinha disponível e não conforme um planejamento do pesquisador.
Também por esta razão, não foi possível equilibrar todas as células da divisão da amostra,
como se verifica no quadro seguinte:
Quadro 5: Quantidade de cartas por período e gênero da autoria:
Cartas Períodos Gênero da autoria
186
1) 40/50 – 26 masc.: 14
fem: 12
2) 60/70 – 80 masc.: 40
fem: 40
3) 80/90 – 80 masc.: 40
fem: 40
O quadro acima mostra uma distribuição das cartas da amostra conforme o gênero
da autoria: cartas escritas por homens e cartas escritas por mulheres, o que não significa dizer
que os números apresentados correspondam à quantidade de pessoas (remetentes), mas, sim, à
quantidade de cartas.
81
Quanto aos remetentes, as 186 cartas foram escritas por 86 pessoas diferentes,
conforme mostra o quadro seguinte:
Quadro 6: Quantidade de cartas por períodos e por remetentes
Períodos Cartas por período Cartas por autoria
Masc. Fem.
1940-1950 26 14 12
1960-1970 80 40 40
1980-1990 80 40 40
Total 186 94 92
O quadro 6 traz uma comparação entre a quantidade de cartas por autoria e a
quantidade de remetentes envolvidos na amostra.
Quadro 7: Comparação entre autoria e os remetentes das cartas –
Gênero Quant. Total
Autoria masculino 94
186 feminino 92
Remetente masculino 39
86 feminino 47
Pelo quadro acima, vemos que a quantidade de remetentes não condiz com a
quantidade de cartas. Isso porque não há nenhuma relação entre o número de pessoas
envolvidas na produção das cartas e a quantidade de cartas produzidas, havendo indivíduos
que de quem conseguimos apenas duas ou três cartas (em alguns casos, apenas uma carta) e
indivíduos de quem obtivemos mais de 20 cartas. Em média, teríamos 2 cartas por remetente.
Nas próximas seções, vamos conhecer um pouco sobre o programa GoldVarb X,
que nos dará o suporte estatístico da análise, e sobre a codificação das cartas e das ocorrências
que serão lançadas no programa.
82
4.5 Nossos informantes: os escribas
A amostra aqui analisada compõe-se de 186 cartas provenientes de vários acervos.
Todas as cartas foram coletadas no município de Quixadá, no interior do Ceará, a 167km da
capital Fortaleza.
Quixadá é um município de médio porte, com uma população de 83.990 mil
habitantes30
, sendo o décimo município mais populoso do Ceará e o primeiro da Mesorregião
dos Sertões Cearenses. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de
2010 apontam que o município tem o maior PIB do interior do estado.
Tendo-se emancipado em 1870, o município tornou-se um ponto de passagem
para quem se dirigia do litoral ao sul do estado e vice-versa. A estrada de ferro e a estação
ferroviária no centro da cidade favoreciam a circulação de pessoas e a troca de
correspondências.
Após uma busca por cartas pessoais entre os habitantes da cidade, conseguimos
coletar 186 correspondências, das quais:
81 pertencem ao acervo de dona E. B. de A, a maioria destinadas ao pai da
proprietária, o pastor J. A. de M., nascido em Crato (CE), no ano de 1899 e falecido em
Quixadá (CE) no ano de 1991. Tendo sido um dos principais difusores da Assembleia de
Deus no interior do estado do Ceará e um dos mais atuantes evangelizadores de seu tempo, o
pastor tinha uma rede de contatos muito ampla e costumava receber cartas de diversos
amigos, em geral, gente de sua mesma faixa etária, que lhe pediam conselhos ou favores. As
cartas são das décadas de 1940 a 1980. Além das cartas destinadas ao pastor, o acervo conta
com outras trocadas entre alguns membros da família.
46 pertencem ao acervo do Sr. F. B. da F. Nascido em 1954, em Quixadá, o
proprietário do acervo, que é funcionário público, professor aposentado, conserva cartas que
recebeu nas décadas de 1970 e 1980, sobretudo de um colega de ginásio, de iniciais J. E. C.
F., conterrâneo, de sua mesma idade, quando este, após o término do curso, aos 21 anos,
mudou-se para São Paulo e manteve contato através de cartas, de 1975 a 1984.
25 cartas são do acervo de M. F. S. N., que guarda as missivas trocadas entre os
membros da família N., que, saindo de Quixadá, onde nasceram e se criaram, enviaram cartas
para os que permaneceram na cidade, sendo a maioria de autoria do Pe. F. C. S. N., nascido
em 1946 e falecido em 1994. Os demais membros da família são (os que escreveram cartas):
30
Fonte: IBGE, disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil>
83
J. E. (em algumas cartas, Z.), nascido em 1956; W. N., nascido em 1948; L. N., nascida em
1950; M. N., nascida em 1958; A. N., nascida em 1959 e falecida em 2013; e R. N., nascida
em 1960.
8 cartas são do acervo de F. J. N. A., todas da década de 1990 (com exceção de
uma de 1988). Nascido em 1974, o dono do acervo recebeu a primeira carta aos 13 anos de
uma amiga, quando ele se mudou para Fortaleza e ela permaneceu em Quixadá. No início da
década de 1990, o jovem, então com 17, 18 anos, trocou cartas com outra amiga, ex-colega de
escola, de mesma idade. Depois, já de volta a Quixadá, trocou cartas com um amigo que se
mudou de lá para Fortaleza.
7 cartas, das décadas de 1980 e 1990, são do acervo de S. D., que nasceu em
1972, concluiu o Ensino Médio (então 2º Grau), na adolescência, em 1989, em Quixadá, e
separou-se dos colegas de escola, os quais foram para outras cidades, algumas até em outros
estados. Seus colegas tinham a mesma idade que ela. Há também cartas destinadas a sua mãe,
H. D., de uma das amigas de S. D.
7 cartas são do acervo de S. M., moradora de Quixadá, trocadas entre sua sogra
M. G. e dois namorados que moravam em duas outras cidades do Ceará, durante o começo da
década de 1970, além de uma carta de G. H. para sua esposa C. M., mãe da detentora do
acervo, e de outra carta de uma sobrinha de C. M. para um tia.
3 cartas são do acervo de M. G., natural de Limoeiro do Norte, mas residente em
Quixadá desde o início dos anos 1980. São cartas recebidas de duas amigas.
2 cartas foram cedidas por S. A., professora da EEM Coronel Virgílio Távora,
Quixadá, das quais uma é de um filho para os pais e outra é de uma cunhada da mãe de S. A.
2 cartas pertencem a M. L. A. M. L., de Quixadá: uma enviada por seu pai,
quando este se encontrava no Pará, trabalhando nas minas, e escreveu à mulher; outra da
mulher, portanto mãe de M. L. A. M. L., ao marido, com um anexo incluso, uma carta de M.
L. A. M. L. ao pai.
1 carta foi cedida por M. F. C., senhora quixadaense nascida na década de 1950, e
trata-se de uma carta de seu sobrinho, que saíra de Quixadá para estudos religiosos em
Quixeramobim, cidade vizinha.
1 carta de R. F., quixadaense, que foi amiga íntima da escritora Raquel de
Queiroz (1910-2003), recebida de um ex-aluno seu que se mudou de Quixadá para São Paulo
para estudos religiosos.
84
1 cartas de um amigo residente em Quixeramobim, cidade vizinha a Quixadá,
cedida pela destinatária, a estudante universitária M. L., quixadaense.
1 cartas de um namorado que saíra de Quixadá para Fortaleza, cedida pela
destinatária I. G., funcionária pública da EEM Abraão Baquit, Quixadá.
1 carta de um filho, jovem que saíra de Quixadá para Itaquaquecetuba (SP), nos
anos 1980, escrita para sua mãe e cedida por H. Q., irmão do remetente.
As 186 cartas da amostra têm 86 autores diferentes, 39 do sexo masculino e 47 do
sexo feminino, como se expôs anteriormente. O anexo I traz mais informações sobre as cartas.
4.6 O tratamento estatístico
Para a análise dos dados, utilizamos o programa GoldVarb X (SANKOFF;
TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), criado como ferramenta de análise sociolinguística. Como
descrevem Sankoff et alii (2005), O GoldVarb X é uma ferramenta metodológica utilizada na
Sociolinguística Variacionista para cálculos estatísticos auxiliares na análise de fenômenos
linguísticos variáveis.
O programa é uma versão da principal ferramenta quantitativa usada nos últimos
40 anos, que é o Programa de Regra Variável (VarbRul), em suas diversas versões. O
VarbRul mede o efeito relativo dos fatores das variáveis independentes ou grupo de fatores,
projetando pesos relativos associados a cada fator de cada variável independente em
sucessivas análises (TAGLIAMONTE, 2006; GUY; ZILLES, 2007), os quais, “na prática, são
frequências corrigidas” (SCHERRE; NARO, 2010, p.74). Os pesos relativos são calculados
tomando a média de uma dada variante como referência, o seu input, e são grandezas que se
situam entre zero e um. Os efeitos de favorecimento ou não favorecimento das variantes da
variável dependente analisada, medidos pelos pesos relativos, devem ser observados em
função de sua hierarquia dentro da cada etapa de análise pelo programa e não em termos de
suas grandezas absolutas (SANKOFF, 1988). A última versão do VarbRul para o ambiente
Windows denomina-se GoldVarb X.
Os resultados apontados pelo programa forneceram evidências que comprovaram
ou refutaram as hipóteses da pesquisa. O GoldVarb X converteu as ocorrências analisadas em
dados estatísticos para ser interpretados. Com base nos resultados apontados pelo Goldvarb X,
foi feita uma exposição detalhada dos resultados sobre o uso das formas variantes te/lhe na
comunicação escrita, os quais podem sinalizar para o que acontece na fala e para uma
85
compreensão do estado atual da referida variação no português falado no Ceará, embora não
seja a modalidade falada o foco de nossa pesquisa.
4.7 A codificação dos dados
Antes de se fazer a análise, as cartas digitalizadas foram etiquetadas com um
código de identificação, que consiste da letra C (de carta) e um número que corresponde à
sequência temporal, ou seja, as cartas mais antigas foram enumeradas primeiro, seguido pela
data de emissão, por exemplo, C053-07.1.1940. Assim, quanto mais alto o número da carta,
mais recente é sua data de emissão.
As ocorrências das formas te e lhe foram transcritas ipsis litteris, conservando-se
o trecho do enunciado no qual o pronome aparece, para um arquivo do Word. Foi tido o
cuidado de se considerar a grafia ti no lugar do te, átono, como sendo uma ocorrência válida
desse pronome, como ocorre no trecho (7) transcrito abaixo:
(7) Eu estou ti avisando mas fique firme [C014-12.2.1949]
Da mesma forma, foram consideradas válidas as diversas grafias não oficiais para
o pronome lhe encontradas nas cartas, como nos trechos abaixo:
(8) eu peço a Deus que esta va li encontrar gozando perfeita saúde [C033-
3.8.1966]
(9) eu lhi enviei uns vec. para sua meditação [C055-21.11.1973]
(10) Quero le aprezentar o portador destas poucas linhas [C111-14.7.1980]
Feitas estas observações, passemos agora à análise dos dados, o que será
detalhado no Capítulo 5.
86
5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Passemos agora à análise os dados que o programa Goldvarb X nos forneceu a
partir das ocorrências dos pronomes em variação te e lhe em 186 cartas pessoais escritas por
cearenses durante o século XX.
Convém aqui relembrar os grupos de fatores observados como possíveis
condicionadores da variação:
1. Fatores extralinguísticos:
a) o período (década do século XX a partir de 1940);
b) o gênero da autoria;
c) o remetente.
2. Fatores linguísticos:
a) tipo semântico do verbo a que se liga o pronome;
b) tempo do verbo a que se liga o pronome;
c) forma nominal do verbo a que se liga o pronome;
d) estrutura do verbo (simples ou em locução verbal);
e) posição do pronome em relação ao verbo;
f) função sintática do pronome;
g) presença de forma V ou T antes da primeira ocorrência de te/lhe.
Os resultados serão apresentados nas subseções a seguir.
5.1 Resultados por períodos do século XX
Como explicamos, analisamos as ocorrências de te e de lhe em 186 cartas pessoais
escritas por cearenses entre 1940 e 2000. Nestas cartas, as ocorrências desses pronomes
somaram-se 481, das quais 245 foram de lhe e 236 de te, como mostra a tabela abaixo:
Tabela 1: Ocorrências de te/lhe nas cartas pessoais
Pronome Ocorr./Total %
lhe 245/481 50,9
te 236/481 49,1
87
A tabela mostra um equilíbrio entre as duas formas em variação no corpus
analisado, o que nos leva a concluir que se trata de uma competição bastante acirrada de duas
formas linguísticas pela mesma função, que é a 2ª PESS SING no caso oblíquo. A forma te, na
amostra analisada, apresenta 49,1% de uso e a forma lhe 50,9%. Esse fato corrobora a
informação de Bagno (2012) de que lhe é muito frequente no Norte e no Nordeste, mesmo nas
comunidades linguísticas em que ainda se emprega muito tu como SUJ, que é o caso do Ceará
(SOARES, 1980).
Tendo havido um desequilíbrio entre as quantidades de cartas do primeiro período
(1940/1950 – apenas 26) e as dos demais períodos (1960/1970 – 80 cartas; 1980/1990 – 80
cartas), resolvemos realizar, posteriormente, rodadas separadas: uma com as 26 cartas das
décadas de 1940 e 1950 e outra com as 160 cartas das quatro décadas posteriores. O resultado
foi que lhe mostrou-se mais usado tanto no primeiro período quanto nos demais, embora a
concorrência com te seja muito acirrada em toda a extensão temporal analisada.
Tabela 2: Ocorrências de lhe por década considerando-se dois períodos
Períodos Ocorr./Total %
1940-50 38/71 53,5
1960-90 207/410 50,5
Já analisando a ocorrência de lhe nos três períodos, percebemos uma queda
gradual de seu uso ao longo do século XX nas cartas pessoais da amostra, como podemos
verificar na tabela 3:
Tabela 3: Ocorrências de lhe nos três períodos
Períodos Ocorr./Total %
1940-50 38/71 53,5
1960-70 108/206 52,4
1980-90 99/204 48,5
Esse mesmo resultado pode ser visto de forma mais clara no gráfico 1, que traz o
percentual de uso das duas formas nas 186 cartas escritas ao longo dos três períodos
analisados:
88
Gráfico 1: Percentual de te e de lhe em 186 cartas de 1940 a 2000:
Inicialmente, havíamos suposto que, nas décadas de 40 e 50, lhe como forma de 2ª
PESS era pouco frequente porque, conforme o estudo de Duarte (1993), a suplantação de tu (do
qual te é a forma objetiva) por você (cuja forma objetiva é lhe) começa a ocorrer a partir da
década de 1930 e, na amostra que observamos do Corpus Compartilhado Diacrônico: cartas
pessoais brasileiras, organizado por Oliveira e Lopes (2007), nas 97 cartas trocadas por um
casal de noivos do Rio de Janeiro entre os anos 1936 e 1937, são raríssimas as ocorrências de
lhe no lugar de te. Entretanto, em nossa amostra, ao contrário do que acontece nas cartas
fluminenses, lhe revelou-se bastante usual já na década de 1940, aparecendo em 53,5% das
ocorrências de pronome oblíquo átono de 2ª PESS, o que representa quase a metade do total,
contradizendo nossa hipótese. Já ao se considerar as duas décadas (1940 e 1950), percebemos
que, na amostra, lhe foi mais usado do que te, com 53,5% das 71 ocorrências de pronome
oblíquo.
Havíamos presumido também que, nas décadas de 60 e 70, lhe como forma de 2ª
pessoa apresentava frequência tão alta quanto a antiga forma te, como consequência da
reanálise iniciada décadas antes. A análise confirmou nossa hipótese, uma vez que a
frequência de lhe é muito próxima da de te, sendo um pouco mais alta do que esta (52,4%).
Também havíamos presumido que, nas décadas de 80 e 90, lhe predominava sobre
te, pois tendo lhe assumido o traço [+2ª pessoa], haveria uma tendência crescente ao seu
46,5
47,6
51,5
53,5
52,4
48,5
42
44
46
48
50
52
54
56
1940-1950 1960-1970 1980-1990
te
lhe
89
emprego no lugar de te. No entanto, a análise mostrou que te foi mais usado do que lhe,
ficando este abaixo da metade das ocorrências de pronome oblíquo, com 48,5%.
Esses números corroboram a afirmação de Bagno (2012, p. 765)31
, quando ele diz
que “o lhe [de 2ª PESS] tem uma distribuição que poderíamos chamar de regional, porque não
é em todas as variedades do PB que ele ocorre com frequência, sendo mais comum em alguns
falares nordestinos (Bahia e Ceará, por exemplo).” Ao usar o termo “regional”, o autor refere-
se ao fato de o lhe predominar em algumas regiões, o que nada tem a ver com urbano ou rural.
Embora o lhe de 2ª PESS seja frequente no Ceará, como mostram os dados obtidos
através das cartas pessoais escritas por cearenses, essa forma não fez com que te fosse
eliminado dessa variedade regional, tampouco se tornasse esporádico. Ao contrário, a
variação te/lhe, no Ceará, revela-se, através da amostra analisada, muito acirrada, sobretudo a
partir da década de 1960, quando há uma pequena redução da frequência de lhe.
Numa mesma carta da década de 1940, o remetente alterna o uso de te e de lhe
como índices de 2ª PESS em contextos muito semelhantes, como mostram os trechos (11) e
(12) abaixo:
(11) pessu-te desculpa dos Eros e da letra. [C003-29.4.1941]
(12) pessu-lhi que procuri juntar as cartas que estão cauzando aperreio ahi entre
os crentes. [C003-29.4.1941]
A mesma alternância se verifica numa carta de 1992, em que a remetente ora usa
lhe, ora usa te na referência ao destinatário:
(13) preciso lhe vê, falar coisas que não dão nas cartas e também a saudade é
demais. [C174-9.12.1992]
(14) te agradeço por tudo [C174-9.12.1992]
Em linhas gerais, os resultados por período apontam para uma variação estável
entre as formas te/lhe no português cearense, com uma pequena queda do emprego da forma
lhe e retorno da forma antiga canônica nas últimas décadas do século XX.
31
Em sua Gramática pedagógica do português brasileiro (Parábola, 2012), Bagno utiliza dados do projeto
NURC-Brasil e recorre às pesquisas de Nívia Lucca (2005) e Dias (2007) – sobre a variação tu/você em
Brasília; Vera Paredes Silva (2003), sobre tu/você no Rio de Janeiro; Lucchesi et al. (2009) sobre o português
afro-brasileiro; Lopes (2005); Omena (2003) sobre nós / a gente; Sá; Cunha; Lima; Oliveira (org.) (2005)
sobre a língua falada culta no Recife; Scherre (1988) sobre a variação na concordância nominal; além de
pesquisas suas com textos jornalísticos.
90
5.2 Resultados por gênero da autoria das cartas
Como explicamos anteriormente, devido às dificuldades de montarmos células
equilibradas de acordo com as características sociais dos remetentes por se tratar de um
corpus constituído de um material acidentalmente disponível, consideramos então as cartas
em vez das pessoas. Assim, num total de 186, temos 86 remetentes diferentes, o que
equivaleria a, em média, 2 cartas por remetente. Entretanto, há muitos casos de remetentes
que só escreveram uma única carta e de remetentes que escreveram nove cartas ao longo das
quatro décadas.
Por essa razão, em vez de controlarmos o fator sexo, consideramos a autoria: se a
carta foi escrita por homem ou por mulher. Destarte, das 186 cartas, 94 foram escritas por
homens e 92 foram escritas por mulheres. A recorrência a qualquer um dos dois pronomes
oblíquos átonos com valor de 2ª PESS apareceu mais em cartas de homens (269 ocorrências ou
55,9%) do que em cartas de mulheres (212 ocorrências ou 44,1%), tendo-se recorrido à forma
lhe conforme mostra a tabela 4 a seguir:
Tabela 4: Ocorrências de lhe em cartas de homens e de mulheres
Gênero
da autoria Ocorr./Total %
masculino 139/269 51,7
feminino 106/212 50,0
Antes de realizarmos nossa pesquisa, presumíamos que, nas cartas de mulheres,
lhe seria menos usado como pronome de 2ª PESS, pois, conforme Fisher (1958), as mulheres
tendem a conservar as formas linguísticas, evitando as inovações, como esse uso de lhe,
enquanto remetentes do sexo masculino usariam mais lhe como pronome de 2ª PESS, pois os
homens tendem a manifestar um estilo mais independente, sem muito envolvimento com seu
interlocutor (TANNEN, 1990), por isso evitam te, que indicaria mais aproximação e
intimidade (MONTEIRO, 1994).
Para Labov (2001), em situações de variação estável, os homens usam com maior
frequência formas não padrão e as mulheres tendem a preferir formas prestigiadas. Uma
inversão dessa tendência pode ser explicada como indicação de que uma nova variante está se
implementando na língua: na maior parte das mudanças linguísticas em curso, as mulheres
são as que mais utilizam as formas inovadoras, mesmo que essas formas sejam
91
desprestigiadas pela sociedade. A esse fenômeno, o sociolinguista chama de “paradoxo do
gênero” (gender paradox) e explica que:
(I) Quando se trata de mudanças vindas de cima (changes from above), as
mulheres utilizam mais as formas de prestígio do que os homens.
(II) Quando se trata de mudanças vindas de baixo (changes from below), as
mulheres são as líderes da mudança linguística, o que significa que quando as mudanças
começam, as mulheres são mais rápidas do que os homens ao utilizar a nova variante.
Para Labov, a explicação para isso reside no fato de que a maioria das crianças
aprende os rudimentos de sua língua materna com mulheres (mães, babás, professoras de
creche e de ensino básico), o que faz com que as mudanças que têm liderança feminina sejam
mais rápidas, em detrimento das mudanças comandadas pelos homens.
No caso da variação aqui analisada, que, como vimos na seção anterior, constitui
um caso de competição equilibrada, em que há quase não há diferença entre a frequência de
ocorrência das duas formas em variação: a diferença no uso das formas variantes por cartas
escritas homens e por mulheres foi mínima, tendo a forma lhe sido usada um pouco mais em
cartas de homens (0,50) do que em cartas de mulheres (0,49).
Observa-se, em (15), que, na carta de autoria masculina, lhe é preferível a te,
embora este ocorra em algumas frases:
(15) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza da sua rezidência (...)
Zeca passo agora contarte algo de alguma couza da minha vida ministerial (...) O Juvito tem
lhe escrito? (...) Zeca eu te envio esta minha fotografia, que terei quando estava no Pará;
pesava 75 Kilos. (...) Iracema vai lhe escrever algumas cousas (...) todos nós lhe saudamos
em nome do Senhor Jesus. [C002-5.10.1940]
Já em (16), numa carta de autoria masculina de 1966, o uso de lhe é categórico:
(16) Hontem tive a honra, de receber a sua missiva de 25 do p. p. aqual com prazer respondo-lhe
(...) o que houve foi falta de concideração, e de espírito cristão, em lhe julgarem (...) se a
igreja em Fortaleza, lhe chama-se para pastoria-la (...) A sua querida irmã Ernestina lhe
espera (...) para lhe dar um abraço, que amuitos anos deseja (...) e lhe oferecer uma
feijoada. (...) Desculpe em ter lhe tomado o tempo. [C034-3.8.1966]
O mesmo se dá em (17), carta da década de 1980, também de autoria masculina:
(17) quero lhe falar de um assunto (...) quero lhe dizer que não quero que esta carta venha trazer
inimizade entre nós dois (...) quero lhe dizer que ando um tanto preocupado (...) Já lhe fiz
algum mal? (...) Será que em algum momento não lhe fui útil? (...) Será que no futuro
também não posso lhe servir em alguma coisa? (...) Gostaria de lhe assegurar que sou
candidato (...) e queria lhe pedir como irmão o seu apoio (...) Mas gostaria também de lhe
propor um pacto (...) peço-lhe uma coisa (...) Eu até lhe sujeria uma coisa muito importante
(...) Eu lhe asseguro que não falarei mal de você, ok? (...) Será que isso não lhe serviu ao
menos de favor? (...) Lembro novamente a você a sujestão que lhe faço. [C162-30.6.1988]
92
Os trechos (16) e (17) são de remetentes que mantêm com seus respectivos
destinatários uma relação simétrica: o da carta C034 é de um pastor, acima de 50 anos, para
outro pastor, cunhado seu. O assunto gira em torno de assuntos relacionados ao trabalho
pastoral, mas a carta finaliza num tom de informalidade, mesmo assim lhe prevalece. Já a
carta C162 é de candidato a vereador para seu irmão, que manifestou opiniões desfavoráveis à
candidatura; por isso, predomina um tom de distanciamento, favorecendo o uso de lhe.
Nas cartas de autoria feminina de nossa amostra, por sua vez, ocorre com mais
frequência te do que lhe, como mostram trechos de uma carta da década de 1940 em (18), da
década de 1970 (19) e da década de 1990 (20):
(18) Zéca a muito que te escrevo e não me respondes. (...) Esperamos a resposta
desta, para poder te remeter uns retratos. (...) Os meus filhos te pedem a
bençam. [C004-11.11.1943]
(19) mais vou te explicar (...) queria já te escrever da Bahia (...) tem tanta coisa
pra te contar (...) Ezequias pede que ao te escrever mandasse um abraço (...)
Minhas cunhadas gostaram tanto da senhora e te acharam bonita (...) te
mandam abraços [C088-9.10.1978]
(20) estou te escrevendo para saber tuas notícias (...) é a terceira carta que te
escrevo (...) acho até que as outras teriam te chocado (...) porque te quero
bem (...) vou te falar que já estou de férias (...) Vou te dizer só mais outra
coisa [C178-9.12.1993]
Casos contrários também são verificados na amostra. Em (21), te é preferido na
carta de autoria masculina e, em (22), lhe na carta de autoria feminina:
(21) Espero que esta te encontre com saúde e que a mesma te faça sentir-se um
pouco mais feliz (...) Querida eu ti peço desculpas por não ter ido mas em
casa (...) teu esposo, que não te esquece. [C038-19.1.1970]
(22) eu lhe quero como você realmente é e não como queres ser (...) e depois
mandarei lhe dizer ok? (...) Na próxima carta mandarei lhe dizer uma coisa
muito importante (...) Mais um grande beijo daquela que não te esquece e
que te admira [C059-9.8.1974]
93
A análise da amostra comprovou nossa hipótese, embora a diferença entre o uso
de lhe em cartas de homens e em cartas de mulheres não seja realmente significativa, como
mostram os pesos relativos da tabela 4. Conclui-se, portanto, que, na amostra analisada, a
variação te/lhe não é determinada pelo gênero da autoria da carta, pois houve um equilíbrio
quase perfeito entre os gêneros: lhe ocorreu em cartas de homens com uma diferença de
apenas 0.01 a mais que em cartas de mulheres.
Vejamos, agora, como se deu a realização da variação te/lhe por remetente.
5.3 Resultados por remetente das cartas
Quanto ao uso variável de te/lhe por remetente, nossa hipótese inicial era a de que
a forma lhe seria mais usada pelo conjunto dos indivíduos do que a forma antiga, visto que o
Ceará localiza-se na região do país em que o lhe como 2ª PESS é bastante frequente (BAGNO,
2012, p. 753-6). Embora duas ou três cartas em que se usou uma forma variante por duas ou
três vezes não possam garantir que, na fala do indivíduo que a escreveu, a outra forma
variante não ocorra, supúnhamos que haveria remetentes que empregariam apenas uma das
formas, que esta seria, portanto, de uso categórico para tais remetentes. Nesse sentido, nossa
hipótese era a de que o uso categórico de lhe fosse superior ao uso categórico de te e inferior
ao uso das duas formas em alternância pelo mesmo remetente. Os resultados confirmaram
nossas hipóteses.
Para expormos como a variação te/lhe acontece no indivíduo, isto é, em relação
aos 86 remetentes, apresentamos o resultado num quadro com dois grupos:
1) uso categórico, que compreende:
a) a quantidade de indivíduos que usaram apenas te;
b) a quantidade de indivíduos que usaram apenas lhe;
2) uso variável, que compreende:
a) a quantidade de os indivíduos que usaram de forma igual te e lhe (te = lhe);
b) a quantidade de os indivíduos que usaram mais te do que lhe (+ te);
c) a quantidade de os indivíduos que usaram mais lhe do que te (+ lhe).
O resultado está exposto na tabela seguinte:
94
Tabela 5: Uso de te/lhe por remetente
Uso das formas por
remetente te/lhe Total
Uso categórico Apenas te 21/86
Apenas lhe 47/86
Uso variável
+ te 10/86
te = lhe 6/86
+ lhe 2/86
Observando a tabela 5, percebemos um fato curioso: apesar de lhe ter sido
amplamente usado de forma categórica (47 dos 86 indivíduos só usaram lhe), esta forma
pronominal não predominou quando a variação ocorreu no indivíduo: apenas dois remetentes
que usaram te/lhe de forma variável deu preferência a lhe.
Somando-se o número de remetentes que usaram lhe de forma categórica (47)
com os que usaram a variação te/lhe (18), percebemos o uso de lhe por 65 indivíduos em suas
cartas pessoais, o que significa dizer que esta forma foi usada por 75,6% dos remetentes da
amostra.
O uso das formas variantes te e lhe pelos 86 remetentes das 186 cartas da amostra
pode ser conferido na tabela abaixo:
Tabela 6: Uso das formas variantes te e lhe por remetentes das cartas
Uso das formas
te/lhe
Quantidade de
remetentes %
Categórico 68/86 79,1%
Variável 18/86 20,9%
A tabela acima revela que, na amostra, a quantidade de remetentes que usaram
apenas uma das variantes (ou só te ou só lhe) foi maior do que a quantidade de remetentes que
fizeram uso variável desses pronomes.
Será que esse resultado seria igual se comparássemos o uso dos pronomes nas 186
cartas? Vejamos. Para isso, procedemos da mesma forma, isto é, dividimos as cartas em dois
grupos:
95
1) uso categórico, que compreende:
a) a quantidade de cartas em que se usou apenas te;
b) a quantidade de cartas em que se usou apenas lhe;
2) uso variável, que compreende a quantidade de cartas em que se usaram tanto te
quanto lhe.
A tabela seguinte mostra esse resultado:
Tabela 7: Uso de te/lhe por carta
Uso das formas por carta te/lhe Total
Uso categórico apenas te 74/186
apenas lhe 83/186
Uso variável te/lhe 29/186
A tabela mostra que, assim como entre os remetentes, o uso de te e lhe nas cartas
aconteceu mais de forma categórica (157 cartas, sendo 74 em que só aparece te e 83 em que
só aparece lhe) do que de forma variável (apenas 29 cartas).
Comparando-se os dois resultados, temos a tabela 8 abaixo:
Tabela 8: Uso das formas te/lhe por cartas e por remetentes
Uso de
te/lhe
Quantidade
de remetentes %
Quantidade
de cartas %
Apenas te 21 24,5 74 39,8
te/lhe 18 20,9 29 15,6
Apenas lhe 47 54,6 83 44,6
Total 86 100,0 186 100,0
Apesar de o uso categórico de lhe predominar tanto no resultado por remetente
quanto no resultado por cartas, o percentual desse uso apresenta leves diferenças: 54,6% dos
remetentes utilizaram lhe de forma categórica e lhe apareceu de forma categórica em 44,6%
das cartas. O gráfico 2 dá-nos uma visão melhor da comparação desses resultados:
96
Gráfico 2: Percentual de uso de te/lhe por remetentes e por cartas
Pelo gráfico 2, notamos que a forma lhe foi preferida pelos 86 remetentes que
escreveram as 186 cartas de nossa amostra e que, por conta disso, encontramos mais cartas em
que aparece só o pronome lhe do que só o pronome te ou ambos em variação.
A tabela abaixo mostra como a variação por remetente aconteceu ao longo do
recorte temporal compreendido pela pesquisa, isto é, quantos remetentes fizeram uso
categórico e quantos fizeram uso variável em cada período estudado:
Tabela 9: Uso de te/lhe por remetente nos três períodos
Usos
Períodos
Apenas te te/lhe Apenas lhe
Total de
remetentes
por
período
1940-1950 5 4 9 18
1960-1970 8 8 21 37
1980-1990 8 6 17 31
Total de
remetentes
por uso
21 18 47 86
Pela tabela acima, percebemos que a variação te/lhe ocorreu em cada um dos
períodos analisados, assim como em cada um desses períodos houve quem só usasse te e
quem só usasse lhe. Como o número de remetentes varia por período, é preciso estarmos
39,8
15,6
44,6
24,5
20,9
54,6
0
10
20
30
40
50
60
te te/lhe lhe
cartas
remetentes
97
atentos quanto a um aumento ou declínio do uso categórico ou variável de te ou de lhe por
remetente em cada um desses três períodos. Assim, do total de 86 remetentes tem-se a
seguinte distribuição:
Nas décadas de 1940-1950, 28% dos remetentes usaram apenas te, enquanto 50%
usaram apenas lhe, tendo os demais 22% usado os pronomes de forma alternada. Há de se
considerar que as cartas desse período são, em sua maioria (com exceção de apenas duas),
escritas por senhores e senhoras acima de 30 anos. Os remetentes que utilizaram apenas te
eram todos femininos, sendo uma delas irmão do destinatário de suas cartas.
Nas décadas de 1960-1970, o uso categórico da forma te caiu: 21,5% dos
remetentes usaram apenas esse pronome, enquanto o uso categórico da forma lhe teve um
aumento: 57% o usaram de forma exclusiva. Os dois pronomes foram usados de forma
alternada na mesma medida em que te foi usado de forma categórica: por 21,5% dos
remetentes.
Já nas décadas de 1980-1990, te voltou a ser usado mais vezes de forma
categórica: 25,8% dos remetentes usaram apenas esse pronome, enquanto o uso categórico da
forma lhe caiu: 54,8% usaram esse pronome de forma exclusiva. A alternância entre as duas
formas ocorreu em 19,4% dos remetentes. Vejamos estes percentuais na tabela10:
Tabela 10: Percentual de uso das formas te/lhe por remetente nos três períodos
Períodos Apenas te te/lhe Apenas lhe
1940-1950 28% 22% 50%
1960-1970 21,5% 21,5% 57%
1980-1990 25,8% 19,4% 54,8%
O gráfico 3 abaixo mostra o uso de te e de lhe pelos 86 remetentes das cartas
escritas ao longo dos três períodos analisados:
98
Gráfico 3: Percentual de uso de te e lhe por remetente nos três períodos
Pelo gráfico, podemos ver que lhe foi mais usado pelos 86 remetentes e que a
variação entre as duas formas ocorreu nos três períodos analisados, porém com uma pequena
redução ao longo do tempo.
As tabelas e os gráficos apresentados nesta seção nos mostram que:
a) a forma lhe foi a forma mais usada pelos 86 remetentes da amostra ao longo
dos três períodos analisados;
b) o uso variável de te/lhe por remetente mostrou-se em declínio ao longo dos
três períodos analisados;
c) nas décadas de 1960 e 1970, o uso categórico de te deu-se, na amostra, na
mesma proporção (21,5%) que seu uso em variação com a forma lhe entre os
remetentes do período;
d) o uso categórico de lhe pelos 86 remetentes foi verificado nos três períodos,
ocorrendo com metade dos remetentes do primeiro período e com mais da
metade dos remetentes do segundo e do terceiro períodos, embora tenha
havido uma queda no número de remetentes que fizeram uso categórico de lhe
no último deles. Em outras palavras, lhe, como pronome de 2ª PESS, teve um
aumento de uso nos anos 1960 e 1970, mas sofreu declínio nos anos 1980 e
1990, enquanto a antiga forma te, que teve uma queda de uso nas décadas de
28%
21,50% 25,80%
50%
57% 54,80%
22% 21,50% 19,40%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
1940-1950 1960-1970 1980-1990
te lhe te/lhe
99
1960 e 1970, voltou a ser mais usada de forma categórica nas décadas de 1980
e 1990, embora ainda em menor frequência do que lhe.
e) uma vez que temos muitas cartas de jovens abaixo de 25 anos durante as
décadas de 1980 e 1990, conforme mencionamos na seção 4.3, página 75,
esses resultados vão ao encontros dos apontados por Almeida (2009) quando
estudou a variação te/lhe como ACUS na fala de Salvador (BA) e concluiu que
o uso do pronome lhe tem entrado em declínio entre os indivíduos mais jovens
e que te tem ressurgido como forma cada vez mais usada.
Tratemos agora apenas da forma lhe nas cartas, comparando o total de ocorrências
desse pronome nos três períodos analisados e seu uso categórico em cada um desses períodos.
A tabela abaixo apresenta o percentual de uso da forma lhe por carta (186) e por remetente
(86):
Tabela 11: Ocorrências de lhe por carta e como uso categórico por remetente em cada período
analisado
Períodos Por carta
Uso categórico
por remetente
Ocorr./Total % Rem./Total %
1940-50 38/71 53,5 9/18 50
1960-70 108/206 52,4 21/37 57
1980-90 99/204 48,5 17/31 54,8
total 245/481 50,9 47/86 54,7
A partir da leitura da tabela, percebemos que, nas cartas, a forma lhe foi caindo ao
longo dos três períodos, ao contrário de seu uso categórico por remetente, que teve um
aumento no segundo período (de 50% para 57%), porém uma queda no terceiro (de 57% para
54,8%).
100
Gráfico 3: Percentual de lhe nas cartas e como uso categórico por remetente
As tabelas e os gráficos dos resultados por remetente revelam-nos detalhes
interessantes da variação te/lhe nas cartas cearenses do século XX, os quais não
conseguiríamos perceber sem controlarmos o remetente como um grupo de fatores.
É importante ir além da análise do todo, no caso, as cartas, pois, conforme Menon,
Loregian-Penkal e Fagundes (2013, p. 334), “se tratarmos só da variação na comunidade – só
do todo – as diferenças podem se diluir e não conseguem dar uma explicação ao fenômeno da
variação e ao da mudança, caso esta esteja acontecendo.”
Analisar o comportamento dos indivíduos quanto a uma variação permite
averiguar o quanto o usuário da língua reflete o comportamento do grupo e vice-versa.
Como estamos trabalhando com cartas, vamos tomá-las como sendo o todo (186
cartas em que houve 481 ocorrências de um dos pronomes em variação – te ou lhe). Note-se
que, quando analisamos o uso de lhe pelos remetentes das 186 cartas, o resultado se deu de
forma diferente de quando analisamos o uso de lhe no total de cartas: do total de 481
ocorrências, a forma lhe foi mais usada (50,9%) e seu uso de forma categórica ocorreu com
54,7% dos 86 remetentes, porém o número de ocorrências de lhe foi caindo ao longo dos três
períodos, assim como também caiu o número de remetentes que fizeram uso categórico de lhe
ao longo desses mesmos períodos, embora tenha havido um acréscimo desse número no
período intermediário.
53,5
52,4
48,5
50
57
54,8
44
46
48
50
52
54
56
58
1940-50 1960-70 1980-90
uso nas cartas
uso categórico por
remetente
101
A análise por remetente também nos permitiu comprovar que, sim, há escribas em
que o uso de uma determinada forma variante parece ser categórico, predominando em uns a
forma lhe, em outros te. Além disso, há remetentes que oscilam entre as formas variantes
te/lhe, também ora predominando a escolha por lhe em uns e a escolha por te em outros.
Dos 86 remetentes, J. E. S. N. foi o que mais usou lhe, sendo este categórico nas
cartas deste remetente, como comprovam os trechos de suas duas cartas selecionadas para esta
rodada:
(23) como mandei lhe chamar e você não veio (...) Eu mandei lhe chamar
exatamente para acerta esse negócio [C114-11.10.1980]
(24) Com estas poucas linhas quero lhe falar de um assunto (...) quero lhe dizer que não quero
que esta carta venha trazer inimizade entre nós dois (...) quero lhe dizer que ando um tanto
preocupado (...) Já lhe fiz algum mal? (...) Será que em algum momento não lhe fui útil?
Será que no futuro também não posso lhe servir em alguma coisa? Gostaria de lhe assegurar
que sou candidato (...) e queria lhe pedir como irmão, o seu apoio (...) Mas gostaria também
de lhe propor um pacto (...) peço-lhe uma coisa (...) Eu até lhe sujeria uma coisa muito
importante. (...) Eu lhe asseguro que não falarei mal de você, ok? (...) Será que isso não lhe
serviu ao menos de favor? (...) Lembre-se da sujestão que lhe faço no início desta carta (...)
[C162-30.6.1988]
Note que o remetente usa lhe indiscriminadamente como OD (“mandei lhe
chamar”), como OI (“quero lhe falar”) e como CN (“não lhe fui útil?”).
Dentre os que fizeram uso categórico de te, destacamos o autor das cartas C093 e
C105, cujos trechos transcrevemos abaixo:
(25) Deus te dê felicidade (...) que a virgem mãe de Deus te cubra com o manto
(...) Deus te dê paz e paciência e te conserve sempre o mesmo que conhecia
quando colega de aula. [C093-7.5.1979]
(26) mamãe e todos te envia um feliz natal (...) Francisco o que posso dizer-te, e que Deus
ilumine teus passos (...) também te envio uma pequena lembrança (...) tudo que posso dizer-
te, o que representa pra mim, é como fosse um irmão (...) já mais esquecerei te prometo,
que sempre seremos amigos fieis. [C105-25.12.1979]
Tais ocorrências, porém, não trazem nada de inovador quanto ao uso de te, pois,
como dissemos antes, não é uma só forma usada tanto para o ACUS quanto para o DAT, mas
dois homônimos de étimos diferentes: quando o remetente escreveu “te conserve”, usou o te
derivado do acusativo latino tē; quando escreveu “te dê”, “te envia”, “dizer-te” e “te
prometo”, usou o te derivado do dativo latino tibi.
Como já foi dito, a variação te/lhe mostrou-se acontecer no remetente em 47 dos
86 remetentes selecionados (54,7%). Interessante é que, apesar de o uso categórico de lhe ser
maior do que o uso categórico de te, entre os remetentes que fizeram uso variável das duas
102
formas (18/86 ou 21%), te predomina sobre lhe. Exemplo disso ocorre nas cartas C171 e
C174, da mesma remetente:
(27) eu queria poder está aí e até ser uma pessoa em que pudesse fazer você esquecer quem tanto
te magoou (...) O que eu puder fazer para ti ajudar eu estou aqui (...) um dia você irá
encontrar alguém que realmente te ama (...) quero lhe mostrar que não devemos nos
desesperar (...) estou aqui para te ajudar (...) Te Adoro meu amigo [C171-28.8.1992]
(28) Espero que esteje bem, que Deus lhe acompanhe (...) Não lhe escrevi antes pois estou um
pouco ocupada (...) pois como lhe falei, não temos uma pessoa para investir. Preciso saber
+ ou – a data que você está aqui, preciso lhe vê (...) queria lhe pedir se possível mandasse
para mim duas letras de música (...) te agradeço por tudo (...) te adoro [C174-9.12.1992]
A situação oposta, ou seja, lhe predominando na variação individual, pode ser
verificada nos trechos das seguintes cartas do mesmo remetente:
(29) Você não imagina como lhe esperei na agência e como fiquei triste por ver que não vinhas.
(...) Quero que desculpes o que escrevi naquele enderêço ou melhor naquele papel que lhe
entreguei. (...) Não sei bem o que eu faria se algum dia eu te reencontrasse (...) como é que eu
sendo esquecida não consigo te esquecer. (...) não sei se era de tristeza ou se era vontade de te
ver, mas quando te vi percebi que não era tristeza. (...) Não destrua o enderêço que lhe dei,
você irá precisar dele, quando eu voltar para o enderêço que lhe dei avizarei (...) Peço-lhe
inúmeras desculpas se com a chegada desta você fique aborrecido (...) peço-lhe por tudo que
você mais preza não deixe de me escrever. (...) Francisco já que vou custar a ver-lhe isto é só
vou ver-lhe em dezembro. [C058-5.8.1974]
(30) eu lhe quero como você realmente é e não como queres ser (...) Quanto a escolha que você
me fala pensarei bem e depois mandarei lhe dizer ok? (...) Na próxima carta mandarei lhe
dizer uma coisa muito importante (...) Mais um grande beijo daquela que não te esquece e
que te admira. [C059-9.8.1974]
Como mostram Menon, Loregian-Penkal e Fagundes (2013), a análise da variação
no indivíduo deixa claro que se pode considerar o todo, porém sem se esquecer das partes
fundamentais que o compõem e permite verificar se a ortogonalidade que a rodada geral
apresenta também existe na amostra individualizada. Ao se considerar o indivíduo, no nosso
caso, os remetentes, obtemos uma descrição mais confiável para dar conta do comportamento
da variável em estudo.
5.4 Os grupos de fatores selecionados pelo GoldVarb X
Dos nove fatores controlados, o programa GoldVarb X selecionou três como
favoráveis à variação te/lhe: a atuação do tempo verbal ou da forma nominal, a posição do
pronome em relação ao verbo e a presença de forma V ou T antes da primeira ocorrência do
pronome. Vejamos os resultados para cada um desses fatores.
103
5.4.1 A atuação do tempo do verbo que rege o pronome te/lhe
Como explicamos anteriormente, consideramos o tempo do verbo conforme a
tradição gramatical. Assim, em (31) e (32), os verbos mandar e contar têm valor de futuro,
mas, morfologicamente, encontram-se no tempo PRES INDIC:
(31) Mande uma foto sua que eu te mando a minha, tá? [C077-18.11.1977]
(32) quando as férias chegar te conto tudo [C181-?-1-1995]
Os trechos acima exemplificam o uso do PRES INDIC “para indicar um fato futuro
próximo e de realização tida como certa”, conforme Cipro Neto e Infante (2004, p. 182).
Da mesma forma, em (33), o verbo sugerir encontra-se no tempo PRET IMPERF
INDIC, mas seu valor é de PRES, uso apontado por Cipro Neto e Infante (2004, p. 183) como
comum “tanto na linguagem coloquial como na literária”:
(33) Eu até lhe sujeria uma coisa muito importante: se você não puder falar POR
mim, não fale DE mim não. [C162-30.6.1988]
Alguns tempos verbais, por terem ocorrido apenas uma ou duas vezes na amostra,
sofreram nocautes. Para eliminarmos os nocautes encontrados pelo programa, resolvemos
reunir os pretéritos PERF e IMPERF INDIC num só grupo (PRET INDIC). Por ter ocorrido apenas
uma vez, retiramos da rodada o FUT SUBJ, de modo que temos apenas resultados apenas para o
FUT PRES INDIC.
Antes de fazermos a análise da amostra, levantamos algumas hipóteses sobre a
atuação desse grupo de fatores sobre o uso de te/lhe:
Verbos no PRES INDIC levariam com menos frequência ao uso de lhe, por ser o
tempo verbal que, em seu uso primordial, enuncia um fato atual, isto é, que ocorre no
momento em que se fala (CUNHA, 1996, p. 429) ou que acontece habitualmente
(BECHARA, 2003, p. 276), de modo que, numa carta, aproxima remetente e destinatário,
pondo-os em um mesmo espaço cronológico, o que poderia refletir numa sensação de
aproximação no espaço físico e, daí, o pronome que serve melhor à codificação da
aproximação entre as pessoas é o te, e não o lhe, o que remete à antiga distinção T/V.
Verbos no PRES SUBJ e no PRET SUBJ também ocasionariam com menos frequência
o uso de lhe, pois indicam desejo, hipótese, concessão, dúvida, conforme Cunha (1996, p.
443-452), contextos reveladores de uma relação de aproximação ou de intimidade entre os
104
interlocutores, o que favorece o uso de te, por ser este um pronome próprio de 2ª PESS (forma
T), não tendo, ao longo da história da língua portuguesa, se revestido de polidez (forma V).
Verbos nos PRET INDIC e verbos no FUT PRES INDIC, por sua vez, levariam com
mais frequência ao uso de lhe, por remeterem a momentos distantes no tempo, o que pode
refletir na consciência do distanciamento no espaço entre remetente e destinatário, daí o
favorecimento ao uso de um pronome de conotação menos íntima, como o lhe.
A tabela 12 mostra os resultados da análise:
Tabela 12: Atuação do tempo do verbo sobre o uso de lhe
Tempo verbal e forma
nominal Ocorr./Total % P. R.
PRES INDIC 75/157 47,8 .45
PRET PERF e IMPERF INDIC 24/41 58,5 .63
FUT PRES 5/11 45,5 .49
PRES SUBJ 7/34 20,6 .26
PRET SUBJ 2/3 75 .73
Pela leitura da tabela, podemos ver que quase todas as nossas hipóteses quanto à
relação entre tempo verbal e pronome oblíquo de 2ª PESS se confirmaram: lhe foi menos
frequente com verbos no PRES INDIC (0,45) e menos ainda no PRES SUBJ (0,26). Predominou
com verbos no PRET INDIC (0,63), mas, ao contrário do que supúnhamos, foi menos usado com
verbos no FUT PRES INDIC (0,49) e mais usado com o PRET SUBJ (0,73).
Com o PRES INDIC, predominou te, como nos exemplos abaixo:
(34) Comunicu-te o recebimento de sua carta [...] Pessu-te ler esta carta a todos
quanto se interesarem saber dos acontecidos.[..] No mas espera tambem
novos mensageiros que te mando junto a esta. [C001-7.1.1940]
(35) mamãe e todos te envia um feliz natal [...] Francisco o que posso dizer-te, e
que Deus ilumine teus passos [...] também te envio uma pequena lembrança
[...] tudo que posso dizer-te, o que representa pra mim, é como fosse um
irmão [...] já mais esquecerei te prometo, que sempre seremos amigos fieis.
[C105-25.12.1979]
105
Embora lhe também tenha tido alta frequência com esse tempo verbal, como em:
(36) e eu sabendo que não lhe encontro em Quixadá neste dia, deixo para ir só no
dia 17 [...] espero lhe encontrar em casa [...] Saudo-lhe com o versículo 33
de Romanos do capítulo II [C013-2.5.1949]
Com o PRES SUBJ, a forma predominante foi te, como nos trechos:
(37) Espero que esta te encontre com saúde e que a mesma te faça sentir-se um
pouco mais feliz [C038-19.1.1970]
(38) peço a Deus que ele te ajude a por em prática os teus planos [C078-
12.7.1977]
(39) Deus te dê felicidade [...] que a virgem mãe de Deus te cubra com o manto
[...] Deus te dê paz e paciência e te conserve sempre o mesmo que conhecia
quando colega de aula [C093-7.5.1979]
Exemplos de lhe com este tempo verbal podem ser verificados em:
(40) sempre orando para que o Senhor lhe dê vitória no seu trabalho [C015-
4.1.1952]
(41) Espero que esta lhe encontre gosando saúde [C042-16.6.1971]
(42) pedimos ao nosso bondoso Deus que lhe conceda uma outra oportunidade
[C043-16.7.1971]
Com o PRET INDIC (PERF ou IMPERF), lhe foi a forma predominante, como nas
ocorrências abaixo:
(43) Você não imagina como lhe esperei na agência [...] Quero que desculpes o
que escrevi naquele enderêço ou melhor naquele papel que lhe entreguei.
[...] Não destrua o enderêço que lhe dei [...] Quando eu voltar para o
enderêço que lhe dei avizarei [C058-5.8.1974]
(44) Mas tudo por causa de fuxicos que lhe contaram [C072-7.5.1977]
(45) peço encarecidamente que não comente nada sobre o que eu lhe falei [C119-
1.1.1981]
(46) Eu até lhe sujeria uma coisa muito importante: se você não puder falar POR
mim, não fale DE mim não. [C162-30.6.1988]
106
Nas poucas ocorrências de FUT PRES (11 ao todo), lhe ocorreu em quase metade
delas, todas transcritas abaixo. Note-se que, em todas as cinco ocorrências de lhe com o FUT
PRES, sua função sintática é a prototípica, ou seja, o DAT, o que apontaria para um uso
conservador do lhe com uma forma verbal conservadora, cada vez menos usada no PB (cf.
CALLOU; ELEUTÉRIO; OLIVEIRA, 2005):
(47) o irmão João li mandará o cartão della como prova [C070-14.2.1965]
(48) o mais eu lhe direi quando eu for aí [C049-2.1.1973]
(49) Jacinta aí lhe contará tudo [C121-29.1.1981]
(50) Pergunte a Valda que ela lhe dirá o porquê [C129-14.6.1981]
(51) Depois eu lhe escreverei melhor, agora mesmo estou presça [C186-
20.8.1987]
Quanto às três ocorrências de PRET SUBJ em toda a amostra – transcritas abaixo –,
lhe foi usado em duas:
(52) se a igreja em Fortaleza, lhe chama-se para pastoria-la [C034-3.8.1966]
(53) Telefonei pra Rejane e disse pra ela que lhe dissesse que nós não havíamos
gostado da carta [C126-13.5.1981]
(54) Não sei bem o que eu faria se algum dia eu te reencontrasse [C058-
5.8.1974]
5.4.2 A posição do pronome em relação ao verbo
Sendo te e lhe pronomes oblíquos átonos, sua articulação na fala depende do
verbo que o rege, como se o pronome fosse uma sílaba deste. Vocábulos assim são chamados
de “clíticos”, porque, conforme Dubois et al. (1973, p. 112-3), “dependem, quanto à
acentuação, das palavras que os seguem ou os procedem, ou dentro das quais eles se põem.”
Tanto é que, em italiano (SENSINI, 1999, p. 160-1) e em espanhol (LLORACH, 2000, p. 46),
os pronomes cognatos equivalentes a te e lhe são escritos junto ao verbo no INF, no GER e no
IMPER (ital./esp.: amarti/amarte, dicendole/diciéndole, Lavati!/Lávate!), num só vocábulo
gráfico. Em francês, na posição proclítica, o pronome equivalente a te aglutina-se com o
verbo quando este inicia por vogal (HAWKINS e TOWELL, 2013, p. 56), como em je t’aime.
Uso semelhante pode se verificado na escrita da próclise em português, por pessoas de baixa
escolaridade, como mostra o trecho (58) de uma carta de 1973, em que o pronome te foi
107
escrito junto ao verbo amar, como uma sílaba dele, inclusive com a letra “i” representado a
vogal átona do pronome.
(55) até gritarei para o mundo que tiamo [C051-2.4.1973]
No romeno, o pronome te (acusativo) e ţi (dativo) juntam-se ao verbo avea
(“haver”) no PRET PERF COMP INDIC. em próclise, caso em que recebe um hífen, como em “Te-
a ascultat şi ţi-a răspuns” (= “Te escutei e te respondi”) (AUGEROT, 2000, p. 59). Nessa
língua românica, o hífen também é usado com a ênclise ao IMPER (59), como acontece
também em francês (60) e em português (61) – estes exemplos são traduções do romeno.
(56) Aminteşte-ţi! (AUGEROT, 2000, p. 146)
(57) Souviens-toi!
(58) Lembra-te!
No PB, a posição natural é a próclise, como conclui Coelho (2003). Todavia, por
força da escolarização, a ênclise costuma aparecer em textos escritos, mesmo nos menos
formais como as cartas pessoais. A tabela 10 mostra a incidência de próclise e de ênclise nas
cartas de nossa amostra, confirmando a supremacia daquela nas cartas pessoais escritas por
cearenses.
Tabela 13: Posição do clítico nas cartas pessoais
Posição do
pronome Ocorr./Total %
Próclise 371/481 77,1
Ênclise 110/481 22,9
Podemos dizer que a persistência da ênclise é um exemplo de conservadorismo no
PB, pois as gramáticas normativas continuam a prescrever a colocação dos pronomes oblíquos
átonos conforme a tradição lusitana (BECHARA, 2003, p. 587), já que, no PE, a prosódia leva
os pronomes a se prenderem encliticamente ao verbo.
Destarte, supomos que sendo o lhe de 2ª PESS uma forma inovadora, sua
frequência de uso se dá mais com a próclise, que é a posição menos conservadora. No entanto,
os dados mostraram estarmos equivocados: em todas as ocorrências de ênclise (110), a forma
lhe prevaleceu sobre a forma te:
108
Tabela 14: Atuação da posição do pronome sobre o uso de lhe
Posição do
pronome Ocorr./Total % P. R.
ênclise 77/110 70 .70
próclise 168/371 45,3 .43
Alguns exemplos mostram esse uso de lhe de forma bastante conservadora:
(59) Comunico-lhe o recebimento de Vossa carta. [C003-29.4.1941]
(60) Peço-lhe abenção [C146-1.8.1983]
(61) Mando-lhe um beijo e um abraço [C164-6.6.1989]
(62) Quero pedir-lhe mil desculpas por não escrever [C159-6.8.1992]
(63) Há muitas coisas que gostaria de contar-lhe. [C179-29.6.1994]
Encontramos ocorrências de ênclise em nossa amostra em contextos em que a
gramática tradicional prescreve a próclise, como em:
(64) almejo que esta va-te encontrá disfrutando bôas felicidades [C005-
15.10.1944]
(65) muito teria que dizer-lhe [C040-25.3.1971]
(66) desculpe em não escrever-te a mais tempo [C133-13.8.1981]
Quanto à mesóclise, não a levamos em conta devido a inexistência dessa posição
nas cartas de nossa amostra, a não ser em uma única, em que um remetente tenta usar uma
mesóclise, como se mostra em (67), mas acopla o pronome te (escrito ti) ao verbo haver, o
que caracterizaria uma próclise ao auxiliar, contradizendo a afirmação de Bagno (2012, p.
742), que diz que a mesóclise é “a ênclise de IP ao infinitivo verbal”.
(67) mande dizer o preço da despesa que fizesse com a sertidão e pagar tiei.
[C010-23.6.1948]
Sendo esta a única ocorrência de mesóclise, resolvemos excluir essa posição
dentre os fatores que interferem na escolha dos pronomes te ou lhe.
109
Em resumo, com este grupo de fatores, o uso de lhe foi favorecido pela ênclise
(0.7), embora os casos de próclise sejam mais abundantes. O pronome ocorreu em 45,5% dos
casos de próclise e em 70% dos casos de ênclise. Fato interessante é que, das 110 ocorrências
de ênclise, lhe aparece em 77 delas, de modo que, destas 77 ocorrências, o pronome tem a
função de DAT – que é sua função original – em 70. Isso nos leva a concluir que o uso de lhe
na posição conservadora em relação ao verbo (ênclise) está associado à função conservadora
do pronome (DAT).
5.4.3 A presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe
O último grupo de fatores que favorece a variação te/lhe analisado aqui foi
também selecionado pelo programa como um dos mais fortes, que é a presença de uma forma
pronominal T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe.
Em muitas cartas, o remetente emprega uma forma originalmente V ao iniciar seu
texto, como nos exemplos abaixo:
(68) Francisco, saudades de você. [C063-18.2.1975]
(69) Presado irmão Zeca a paz do Senhor seja comsigo e todos de sua família
[C023-23.6.1948]
Outras vezes, o remetente emprega expressões de cortesia, verdadeiras formas V,
como em:
(70) o motivo desta cartinha é apenas saber de vossa excelência algo a cerca do
trabalho do Senhor ai no Municipio de Quixadá. [C039-17.3.1971]
(71) Como passa, bem? é que êu desejo é Que esta Carta var encontrar o Senhor
com tôdos que li sercam todos com Saúde [C060-18.12.1972]
(72) Graças e paz de nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vós [C089-
6.11.1978]
Em (73), a remetente emprega um subentendido vós, depreendido pela terminação
do verbo, com o valor de singular, uma vez que utiliza teus, da 2ª PESS SING, como
correferente – note-se, com isso, a mudança de V ([vós] estejais) para T (teus) no mesmo
período:
110
(73) Faço votos a Deus para que estejais com saúde juntamente com a irmã
Mariinha e todos os teus filhos. [C009-3.5.1948]
Já em outras, emprega uma forma T, como em:
(74) A paz do Senhor reine eternamente em teu coração. [C023-24.7.1948]
(75) Conseição, Saudades de ti. [C038-19.1.1970]
Em (76), o tu está implícito:
(76) São meus votos ao Criador, que ao receberes esta estejes com saúde [C099-
3.10.1979]
Finalmente, em outras, não se emprega forma pronominal alguma antes da
primeira ocorrência de te/lhe, como em:
(77) Comunicu-te o recebimento de sua carta [C001-7.1.1940]
(78) O fim desta é perdir-lhe um grande favor além dos que já me fez [C027-
16.9.1961]
Seguindo o raciocínio de Scherre e Naro (1997) e de Poplack (1980), para os
quais a presença de uma marca favorece o surgimento de outras formas marcadas, resolvemos
verificar a influência da presença de uma forma pronominal antes da primeira ocorrência de
te/lhe nas cartas de nossa amostra. Para isso, associamos a cada carta um código referente à
presença ou à ausência de uma forma pronominal V ou T antes do uso de te/lhe:
V – presença de uma forma V ou tida inicialmente como tal (você, seu[s]/sua[s], consigo,
o[a] senhor[a])
T – presença de uma forma T (tu, ti, contigo, teu[s]/tua[s])
Ø – ausência de quaisquer pronomes antes da primeira ocorrência de te/lhe.
A hipótese que tínhamos antes de realizarmos as rodadas era a de que os
remetentes tenderiam a usar lhe em vez de te quando, no início da carta, empregam uma
forma V ou tida inicialmente como tal, pois lhe adquiriu o traço [+2ª PESS] quando passou a
ser usado como oblíquo de você, então forma V portuguesa. Usando uma forma T, o
remetente usaria te, e não lhe, devido ao princípio do paralelismo defendido por Paiva e
Scherre (1999, p. 214), que consiste na “repetição de elementos de mesma natureza ou de
natureza semelhante”. Não usando nenhuma forma pronominal de 2ª PESS antes de te/lhe, a
111
forma predominante seria te, uma vez que a carta pessoal é uma correspondência entre duas
pessoas geralmente próximas e as formas T (das quais te sempre foi uma) são as que mais
carregam o caráter de aproximação e intimidade.
A tabela abaixo mostra o percentual de recorrência a uma forma T ou V logo no
início das cartas:
Tabela 15: Presença de formas T/V antes da primeira ocorrência de te/lhe
Forma presente
antes da primeira
ocorrência de te/lhe
Ocorr./Total %
T 17/186 9,1
V 89/186 47,8
Ø 80/186 43
Como se pode perceber, a recorrência a uma forma V (você, seu, o senhor etc.)
ocorre em quase metade das cartas da amostra, enquanto uma pequena parte delas apresenta o
uso de uma forma T (o que seria de se esperar, já que são cartas pessoais, entre amigos ou
parentes próximos).
Quanto à atuação dessa presença ou ausência de forma T/V sobre o uso de lhe,
observemos a tabela seguinte:
Tabela 16: Atuação da presença de formas T/V sobre o uso de lhe
Forma
antecedente Ocorr./Total % P. R.
T 6/41 8,5 .14
V 138/238 49,5 .58
Ø 101/202 42 .48
Um cuidado especial se deve ter ao ler a segunda coluna da tabela 17. Das 186
cartas analisadas, 89 apresentam uma forma V antes da primeira ocorrência de te/lhe, de
modo que a forma V antecede te ou lhe 238 vezes, já que, em uma mesma carta, podemos ter
vários ocorrências de te/lhe. Assim, dessas 238 vezes, lhe foi usado em 138 (0,58). O
112
pronome também foi bastante usado sem que houvesse formas T ou V antecedentes (0,48) e
quase não foi usado quando o remetente empregou uma forma T antes (0,14).
Os dados sugerem que a presença de uma forma T inibe o aparecimento de lhe,
que é favorecido quando se usa uma forma V ou nenhuma forma (Ø), o que comprova as
constatações de Scherre e Naro (1997) e de Poplack (1980) sobre a influência da presença de
uma marca sobre a ocorrência de outras e sustenta a ideia do paralelismo morfossintático. Há
de se notar, porém, que te apareceu muito mesmo quando se usou antes uma forma V
(50,1%), o que sugere a persistência dessa forma pronominal apesar da diminuição do uso de
tu como sujeito.
Nossas hipóteses quanto a esse fator só não se confirmaram quanto ao uso de lhe
na ausência de quaisquer formas T ou V, quando julgávamos que te predominaria, ao
contrário do que ocorreu.
Os exemplos a seguir ilustram o que acabamos de expor:
(79) Prezado Irmão M. R. / Paz seija com tigo / Comunicu-te o recebimento de sua carta (...)
Pessu-te ler esta carta a todos quanto se interesarem saber dos acontecidos. (...) No mas
espera tambem novos mensageiros que te mando junto a esta. [C001-7.1.1940]
Note-se, na carta acima, que o princípio do paralelismo é quebrado com o uso do
possessivo, mas a presença da forma T tigo (oficialmente contigo) condiciona o aparecimento
dos sucessivos te ao longo da carta.
(80) Prezado irmão Z., a paz do Senhor Jesus seja com sigo e toda a sua família. É com sublime
prazer e emoção na nossa alma que lanço mão da minha rude penna para lhe responder a
sua emissiva cartinha (...) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza
da sua rezidência (...) Z., passo agora contarte algo de alguma couza da minha vida
ministerial (...) O J. tem lhe escrito? (...) Z. eu te envio esta minha fotografia, que terei
quando estava no Pará; pesava 75 Kilos. (...) I. vai lhe escrever algumas cousas (...) todos
nós lhe saudamos em nome do Senhor Jesus. [C002-5.10.1940]
Na carta acima, o uso das formas V sigo (consigo) e sua condicionam o
predomínio de lhe, embora te também ocorra.
5.5 Grupos de fatores não selecionados pelo GoldVarb X
Vejamos agora os outros fatores que, embora não selecionados pelo GoldVarb X,
fornecem-nos informações importantes sobre a variação te/lhe, permitindo-nos conhecer
113
melhor como esse fenômeno linguístico se manifestou nas cartas de nossa amostra. Os quatro
grupos de fatores não selecionados foram:
a) A atuação do tipo semântico do verbo;
b) A atuação da forma nominal do verbo;
c) A atuação da estrutura verbal;
d) A função sintática do pronome te ou lhe.
5.5.1 A atuação do tipo semântico do verbo
Conforme mostramos na subseção 4.2.2.2.1 da página 70, utilizamos a
classificação de Scheibman (2000) ao considerarmos o tipo semântico do verbo como fator da
variação te/lhe em nossa análise.
Para classificarmos um verbo conforme a proposta de Scheibman, temos,
obviamente, por se tratar de uma classificação semântica, de considerar o contexto. Um verbo
como “dar”, por exemplo, pode ser considerado um verbo material em (81), por se referir a
uma ação ou atitude concreta ou abstrata, mas é verbo discendi na expressão “dar notícia”,
bem como “dar uma informação”, por expressar uma atividade verbal e equivaler a “dizer”,
“contar”, “falar”, como em (82) e (83):
(81) mas nosso DEUS é poderoso pode dar-lhe saúde para me ajudar [C026-
29.6.1958]
(82) Hoje estou te escrevendo esta cartinha a fim de dar-te as minhas notícias.
[C020-1.3.1955]
(83) Olha amigo o endereço que te dei do Frade não é mais o mesmo [C069-
19.9.1976]
O mesmo se pode dizer do verbo “mandar”: material em (84) e discendi em (85):
(84) o irmão João li mandara o cartão della como prova [C032-14.02.1965]
(85) ela manda lhe lembranças [C049-2.1.1973]
A classificação de Scheibman apresenta nove tipos diferentes de verbos, porém,
para eliminarmos os nocautes ocasionados durante as rodadas no Goldvarb X, fizemos um
amálgama de dois desses tipos, a saber: amalgamamos os verbos de atividade corporal (os que
descrevem gestos ou interações corporais, como abraçar, empurrar etc.) com os verbos de
114
atividade material (os que expressam ações ou atitudes concretas, como fazer, escrever etc.)
devido à aproximação semântica entre os dois tipos promovida pelo traço [+ação]; e os verbos
possessivos/relacionais (os que indicam posse ou pertinência, como ter, possuir, pertencer,
condizer etc.) com os verbos relacionais (os que se expressam uma característica do ser, como
ser, parecer, tornar-se, ficar etc.) devido ao traço [+atributivo] comum aos dois tipos. Quanto
aos verbos existenciais (os que expressam existência ou acontecimento, como ser, acontecer,
ocorrer, estar, haver etc.), por terem ocorrido apenas uma vez em toda a amostra, resolvemos
desconsiderá-lo, já que não encontramos traços semânticos comuns a outros tipos.
A tabela 17 mostra a percentagem de ocorrências de verbos conforme o tipo
semântico na amostra analisada:
Tabela 17: Total de verbos por tipo semântico
Tipo semântico
do verbo
Verbos
nas cartas Ocorr./Total %
Dicendi
dizer, falar, contar,
comunicar, declarar,
perguntar, etc.
176/481 36,6
Materiais fazer, escrever, dar,
conceder, abraçar, etc. 163/481 33,9
Sentimentais amar, estimar, gostar,
querer, desejar, etc. 55/481 11,4
Perceptivos ver, encontrar,
reencontrar 33/481 6,9
Relacionais ter, pertencer, dever 28/481 5,8
Cognitivos conhecer, esquecer,
julgar, achar 25/481 5,2
Existenciais ser, acontecer 1/481 1
Antes de fazermos nossa análise, havíamos levantado a hipótese de que verbos
que expressam sentimento (desejar, querer, esperar, amar etc.) e os que expressam sensação
(- os “verbos de percepção” de Scheibman, como ver, ouvir, encontrar etc.) desfavorecem a
ocorrência da forma lhe como 2ª PESS porque, conforme a sugestão de Monteiro (1994, p.
163), te conota maior intuito de aproximação ou de intimidade (forma T) do que lhe, cujo uso
como pronome de 2ª PESS surgiu em contextos de polidez (forma V); enquanto os demais
tipos, ou seja, os verbos de atividade material (escrever, fazer, etc.), os verbos de atividade
115
corporal (abraçar, pegar etc.), os verbos cognitivos (conhecer, lembrar etc.), verbos dicendi
(como dizer, falar, perguntar etc.), os verbos possessivos/relacionais (ter, pertencer, ser etc.)
e os existenciais (como acontecer, ocorrer etc.), por sua vez, favorecem a ocorrência de lhe
como 2ª PESS por serem verbos que revelam menos aproximação ou intimidade entre
remetente e destinatário.
O resultado pode ser verificado na tabela 18 a seguir:
Tabela 18: Atuação do tipo semântico do verbo sobre o uso de lhe
Tipo semântico
do verbo Verbos Ocorr./Total %
Dicendi
dizer, falar, contar,
comunicar, declarar,
perguntar, etc.
107/176 60,8
Perceptivos ver, encontrar,
reencontrar 17/33 51,5
Materiais fazer, escrever, dar,
conceder, abraçar,etc. 79/163 48,5
Relacionais ter, pertencer, dever 13/28 46,4
Cognitivos conhecer, esquecer,
julgar, achar 9/25 36
Sentimentais amar, estimar, gostar,
querer, desejar, etc. 19/55 34,5
A análise não confirmou exatamente nossa hipótese: realmente, na amostra
analisada, lhe foi mais usado com os verbos dicendi (60,8%), mas foi menos usado com
verbos materiais, incluindo os de atividade corporal (48,5%), com os verbos relacionais (que
incluem os possessivos) (46,4%) e com verbos de cognição (36%).
Ao contrário do que supúnhamos, em nossa amostra, os verbos de percepção não
desfavorecem o uso de lhe (51,5%), porém os verbos de sentimento realmente o fazem
(34,5%).
Apenas para ilustrar, transcrevemos aqui alguns casos de te, que se mostrou mais
frequente com verbos de sentimento (65,5%):
116
(86) aqui fica teu filho que ti estima [C031-10.12.1964]
(87) até gritarei para o mundo, que te amo. [C051-2.4.1973]
(88) Te adoro [C169-6.8.1992]
(89) te quero [C184-12.9.1998]
Lhe, nesses casos, apareceu menos, dos quais são exemplos:
(90) beijos dos netinhos que lhe amam [C053-2.7.1973]
(91) eu lhe quero como você realmente é e não como queres ser [C059-9.8.1974]
Quanto aos verbos discendi, apontados com favorecedores de lhe (60,8%),
provavelmente haja aí a influência de outro fator, que é a função sintática do pronome te/lhe,
que comentaremos com mais detalhes na seção 5.5.3.
Os verbos dicendi, em geral, são verbos que admitem dois complementos, sendo
um de coisa (o que é dito) e outro de pessoa (a quem se diz algo). O primeiro desses
complementos tem função acusativa (OD para a NGB) e o segundo, função dativa (OI para a
NGB). Como, em geral, se explicita o que é dito através de um sintagma nominal ou
oracional, o complemento de pessoa (que fica no DAT) é frequentemente substituído por um
dos pronomes oblíquos átonos, como nas ocorrências (92), (93), (94) e (95):
(92) Comunicu{-te}OI {o recebimento de sua carta}OD [C003-7.1.1940]
(93) peso {li}OI {as vossas oracaos em nome de Jesus}OD [C070-14.2.1965]
(94) certifico{-lhe}OI {que irei remeter 96 litros de mel}OD [C077-6.12.1966]
(95) ...para dizer{-te}OI {que recebi a tua amorosa cartinha}OD [C049-29.5.1953]
Conforme mostrado na pág. 50, lhe surgiu do DAT latino de ĭlle e, em seu processo
de gramaticalização, não perdeu sua função original, mesmo tendo adquirido a função de
acusativo, o que pode explicar sua alta frequência como OI de verbos discendi.
Na amostra, identificamos 29 verbos discendi, a saber: dizer, falar, contar,
comunicar, dar notícia, mandar notícia, declarar, perguntar, responder, respostar, pedir,
explicar, convidar, avisar, garantir, assegurar, certificar, afirmar, saudar, abençoar,
chamar, confessar, aconselhar, prometer, propor, sugerir, agradecer, parabenizar e
esculhambar (em “Seu sem-vergonha! Estou lhe esculhambando logo no início da carta pois
117
fiquei esperando notícias [...] e tive de esperar dormindo, pois não chegou...” [C167-
26.4.1994]), totalizando 176 ocorrências, ou 36,6%.
Destes verbos, os seis mais recorrentes foram pedir (32/176 ou 18,2%), dizer
(29/176 ou 16,5%), dar notícias (19/176 ou 10,8%), contar (12/176 ou 6,8%), comunicar
(12/176 ou 6,8%) e falar (11/176 ou 6,3%). A ocorrência de lhe com estes seis verbos se deu
como se detalha na tabela 19 a seguir:
Tabela 19: Atuação dos seis verbos discendi mais recorrentes sobre o uso de lhe
Verbo Ocorr./Total %
Comunicar 10/12 83,3
Pedir 21/32 65,6
Dizer 19/29 65,5
Falar 7/11 63,6
Contar 6/12 50
Dar notícias 5/19 26,1
Como se pode perceber, o verbo comunicar, na amostra analisada, favorece o uso
de lhe (83,3%), enquanto o verbo dar, na expressão dar notícias desfavorece tal uso (26,1%).
Exemplos desses usos podem se verificar nas ocorrências abaixo:
(96) Comunico-lhe o recebimento de Vossa carta [C001-29.4.1941]
(97) E, por falar nisto, quero comunicar-lhe que tenho pelo menos três viagens
para este mês [C022-8.11.1955]
(98) Comunico-lhe também que nosso irmão Antônio Sebastião está bastante
doente [C064-23.5.1975]
(99) comunico-lhe que recebi sua carta [C073-7.5.1977]
(100) a fim de dar-te as minhas notícias [C020-1.3.1955]
(101) estou te escrevendo para te dar uma notícia [C087-23.8.1978]
(102) A finalidade destas pocas linha e somente para te dar minhas notícias
[C096-30.6.1979]
(103) É com muita saudade que te escrevo estas linhas somente para te dar as
nossas notícias [C156-8.9.1986]
118
Uma possível explicação para lhe ser mais recorrente com comunicar e não com
dar notícias é que aquele é um verbo menos popular do que este. Note-se a frequência da
ênclise – posição privilegiada pela norma padrão – com tal verbo, enquanto com a expressão
dar notícias a próclise foi mais comum na amostra. Ao que parece, na amostra, com o verbo
comunicar, o pronome lhe conserva seus traços originais: a formalidade (forma V) e a função
dativa.
Dos verbos materiais, o mais frequente na amostra foi escrever (66/163) com o
qual lhe ocorre 30 vezes (45,5%), sempre com a função de dativo.
Cruzando os fatores tipo semântico do verbo e função do pronome, verificamos
que, com os verbos discendi, o pronome lhe aparece como DAT em 93 ocorrências (87%) e
como ACUS em 14 (13%), o que significa dizer que, com esse tipo de verbo, há uma tendência
de o pronome lhe ser usado em sua função original, que é o DAT. Em sua função inovadora,
isto é, no ACUS, lhe ocorreu em 100% dos casos (17ocorrências) em que foi usado com verbos
perceptivos, o que corresponde a 51,5% de um total de 33 ocorrências desse tipo de verbo, e
em 100% dos casos (9 ocorrências) em que foi usado com verbos cognitivos, o que
corresponde a 36% de um total de 25 ocorrências desse tipo de verbo na amostra analisada. A
tabela 20 mostra esse cruzamento de fatores:
Tabela 20: ocorrências de lhe por função sintática e tipo semântico do verbo
Função
Tipo DAT % ACUS %
Dicendi 93/176 52,8 14/176 8
Materiais 65/163 39,9 14/163 8,6
Sentimentais 14/55 25,5 5/55 9
Perceptivos 0/33 0 17/33 51,5
Relacionais 11/28 39,2 2/28 7,2
Cognitivos 0/25 0 9/25 36
Para ilustrar o uso de lhe como ACUS de verbos perceptivos e cognitivos, damos
os exemplos a seguir extraídos de nosso corpus:
(104) Como esperava encontrar-lhe em Belém do Pará [C022-8.11.1955]
(105) Eu bem quisera ter tempo para escrever, ou melhor, está sempre lhe vendo
[C025-19.6.1958]
119
(106) Foi bom você ir morar comigo para eu lhe conhecer melhor [C110-
14.7.1980]
(107) A irmã que não lhe esquece [C042-16.6.1971]
(108) Eu não lhe acho vagabunda não, você é [C158-?.?.1987]
5.5.2 A atuação da forma nominal do verbo no uso de lhe
As formas nominais do português são três: infinitivo (INF), gerúndio (GER) e
particípio (PART), este tem sentido passivo e passado, pois se origina do particípio passado
latino (cf. COUTINHO, 1976, p. 275).
O particípio presente do latim, considerado como tal em outras línguas românicas,
como o francês (HAWKINS; TOWEL, 2013, p. 143) e o italiano (embora de uso raro,
conforme Sensini, 1999, p. 191), “deu apenas em português alguns substantivos e adjetivos:
ocidente, poente, doente, valente, regente, crente.” (COUTINHO, 1976, p. 275).
Essas três formas nominais tanto podem aparecer constituindo locuções verbais
quanto isoladamente, como verbo de oração subordinada. Nesse caso, as três formas nominais
também podem reger um pronome oblíquo, porém, conforme Cunha (1986, p. 308), “não se
dá a ênclise nem a próclise com os particípios. Quando o particípio vem desacompanhado de
auxiliar, usa-se a forma oblíqua regida da preposição a. Assim: ‘Concedida a mim a
preferência, farei por merecê-la’.” Em conformidade com isso, não se verifica em nossa
amostra, uso de te/lhe com particípios soltos.
Antes de realizarmos a análise, levantamos a seguinte hipótese sobre o uso de
te/lhe com verbos principais em formas nominais:
Verbos em forma nominal (INF, GER, PART) ocasionariam com mais frequência o
uso de lhe, por serem formas que encerram uma noção de impessoalidade (BECHARA, 2003,
p. 275), e, dessa forma, servem melhor a relatos ou informações em enunciados com função
referencial, com foco na 3ª PESS, favorecendo o uso de lhe, uma forma originalmente de 3ª
PESS. A tabela 21 mostra os resultados da análise:
Tabela 21: Ocorrências de lhe por forma nominal do verbo
Forma nominal Ocorr. / Total %
INF 98/186 52,7
GER 25/38 65,8
PART 8/10 80
120
Nossa hipótese se confirmou: na amostra analisada, lhe foi mais usado do que te
com as formas nominais: lhe, na amostra, aparece mais com o PART (0,88), seguido do GER
(0,67) e do INF (0,49).
Com as formas nominais, lhe foi muito usado com o PART que, por sua vez, só
apareceu nas locuções verbais com o verbo ter:
(109) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza de sua
rezidência [C002-5.10.1940]
(110) Desculpe em ter lhe tomado o tempo [C034-3.8.1966]
(111) A Rita deve ter lhe contado como é mais ou menos a vida da gente aqui
[C135-16.7.1981]
Com o GER, o pronome foi também bastante empregado, tanto em locuções
verbais quanto com GER soltos:
(112) Não tenho bem lembrança se estou lhe devendo resposta de carta sua (...)
Eu bem quisera ter tempo para escrever, ou melhor, está sempre lhe vendo
[C025-19.6.1958]
(113) Jesus continuará lhe ajudando [C043-16.7.1971]
(114) Rezouvi escrever-te estas linhas dando-lhe nossas nuticias [C055-
21.11.1973]
(115) Meu presado termino desejando-lhe muitas felicidades [C068-8.6.1976]
(116) Olá, Enídio! Feliz 81. Desejando-lhe tudo de bom e faço votos que se
realize todos os seus sonhos [C119-1.1.1981]
Note-se que, em (114), lhe é empregado com o GER mesmo tendo ocorrido te com
o verbo anterior, que está no INF. Em (115), apesar de o GER vir após outro verbo, não
constitui com este uma locução verbal: houve o apagamento do OD (“esta carta”, p. ex.) após
o verbo da oração principal, constituindo o GER outra oração, a que alguns gramáticos
(BECHARA, 2003; ROCHA LIMA, 2012) chamariam de “oração subordinada adverbial
modal reduzida de gerúndio”, o mesmo caso da oração em (116). Para Rocha Lima (2012, p.
353),
121
O modo (justamente com o tempo e o lugar) é a mais fundamental das
circunstâncias. Mas em português, assim como não existem conjunções locativas,
assim também não existem conjunções modais; de sorte que, no plano do período
composto por subordinação, a circunstância de modo somente aparece sob a forma
de oração REDUZIDA (de gerúndio). (ROCHA LIMA, 2012, p. 353)
Com o infinito, lhe também predominou sobre te, embora sem muita diferença,
apenas 52,7%. A variação te/lhe com o infinito pode ser verificada nos trechos seguintes:
a) em locuções verbais:
(117) Zeca quero te contar uma partícula da minha experiência neste caminho que
nós andamos [C037-2.4.1970]
(118) Mais uma vez quero lhe escrever [C087-16.9.1976]
(119) quero diserlhe que senti bastante o falecimento da minha inesquecível mãe
[C076-9.11.1977]
(120) So quero dizer-te que fiz feliz viagem [C083-11.7.1978]
(121) ele então ia lhe convidar para ires a Campina Grande [C131-21.7.1981]
(122) Espero que está vá te emcontrá gozando saúde [C156-8.9.1986]
(123) posso lhe garantir que todos os pastores estarão de pernas quebradas no
Ceará [C010-22.5.1948]
(124) Francisco o que posso dizer-te, e que Deus ilumine teus passos [C033-
25.12.1979]
b) em INF soltos:
(125) Vou por meio destas poucas linhas é somente para dar-lhi nossas notícias
[C016-18.11.1953]
(126) Escrevo estas poucas linhas para dar-te as minhas notícias [C061-26.9.1974]
(127) a sra. deve ter estranhado a minha demora em escrever-lhe [C021-1.3.1955]
(128) O fim desta é perdir-lhe um grande favor [C027-16.9.1961]
(129) a Nazaré tem vontade de ti conhecer [C029-10.12.1964]
(130) Mamãe eu tenho tanta vontade de lhe ver [C041-19.6.1971]
(131) resolvi tomar a decisão de escrever-lhe [C094-3.9.1979]
(132) foi bom demais ti conhecer [C099-3.10.1979]
(133) desculpe em não escrever-te a mais tempo [C133-13.8.1981]
(134) me desculpe por lhe agredir no início da carta [C167-26.4.1994]
Note-se que, em (44), lhe foi usado como referência ao destinatário e, logo em
seguida, este é tratado por tu, implícito na forma verbal ires.
122
Como as formas nominais são frequentemente usadas em locuções verbais
(formas compostas, perífrases), resolvemos cruzar os fatores tempo verbal e forma nominal e
estrutura do verbo para verificarmos como lhe foi empregado junto a essas formas nominais
tanto em locução verbal quanto em forma solta. O resultado foi o seguinte:
Tabela 22: Ocorrências de lhe por forma nominal e estrutura do verbo
Estrutura
Forma nominal
Simples % Locução
verbal %
INF 41/83 49,5 57/103 55,4
GER 5/8 62,5 20/30 66,7
PART [não ocorreu] - 8/10 80
Pela tabela acima, verifica-se que, na amostra, lhe foi mais usado com as formas
nominais em locução verbal (tempos compostos e perífrases), embora a diferença de
ocorrência em comparação com as formas nominais soltas (isto é, sem constituir locução
verbal) não seja muito grande: 5,9% para o INF e 4,2% para o GER.
Interessante observar que o lhe foi muito frequente com o GER tanto em seu uso
solto quanto em seu uso em locução verbal.
5.5.3 A atuação da estrutura verbal no uso de lhe
Em português, os verbos existem nas formas simples, a maioria herdada do latim
vulgar, com exceção do FUT PRES INDIC e do FUT PRET INDIC, que derivam de “uma perífrase
verbal, formada pelo infinitivo de um verbo e o indicativo de habere” (COUTINHO, 1976, p.
276). Para Coutinho, essa foi uma criação românica, inexistente no latim clássico.
A presença desses verbos auxiliares leva-nos a classificar uma determinada
ocorrência de te ou de lhe como estando preso a uma forma simples ou a uma locução verbal.
Não havendo o auxiliar, a forma é simples, como em (135) a (139); havendo o auxiliar, tem-se
uma locução verbal, o que pode ser um tempo verbal composto ou uma perífrase verbal, como
explicado em 4.2.2.2.2 e de que são exemplos (140) a (144) – os exemplos transcritos abaixo
trazem os mesmos verbos em diferentes ocorrências: nas primeiras, como verbos principais;
nas segundas, como verbos auxiliares:
123
a) formas simples:
(135) tua irmã que sempre te tem em lembrança [C006-13.4.1945]
(136) Desejamo-lhe Bôs Festas, e Feliz ano Novo [C008-28.12.1974]
(137) mando-te esta cujo objetivo é... [C010-22.5.1948]
(138) Você não imagina como lhe esperei na agência [C058-5.8.1974]
(139) eu lhe quero como você realmente é [C059-9.8.1974]
b) locução verbal:
(140) O Juvito tem lhe escrito? [C002-5.10.1940]
(141) há meses que desejava lhe escrever [C040-25.3.1971]
(142) e depois mandarei lhe dizer ok? [C059-9.8.1974]
(143) espero lhe encontrar em casa [C013-2.5.1949]
(144) quero te encontrar linda e maravilhosa [C184-12.9.1998]
Como dissemos na seção 4.2.2.2.2, seguimos Bechara (2003) na identificação da
estrutura composta dos verbos (locução verbal), englobando o que tradicionalmente se chama
de tempos compostos e de perífrases verbais. Os tempos compostos ocorrem, por exemplo,
em:
a) PRET. PERF. COMP. INDIC.:
(145) O Juvito tem lhe escrito [C002-5.10.1940]
(146) Já faz muito tempo que não tenho lhe escrito nem tenho recebido carta sua
[C024-11.12.1956]
b) PRET. M.Q.PERF. COMP. INDIC.:
(147) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza de sua
rezidência [C002-5.10.1940]
(148) e disse que tinha lhe dito que notava uma falta de interesse [C126-
13.5.1981]
c) INF. COMP.:
(149) Gostaria de ter lhe telefonado [C236-7.12.1981]
(150) Desculpe em ter lhe tomado o tempo [C034-3.8.1966]
d) FUT. DO PRET. COMP. INDIC.:
(151) acho até que as outras teriam te chocado [C178-9.12.1993]
124
As perífrases verbais podem ser verificadas em:
a) com verbos acurativos, ou seja, que “determinam com mais rigor os aspectos
do momento da ação verbal que não se acham bem definidos na divisão geral
de tempo presente, passado e futuro” (BECHARA, 2003, p. 231)
(152) Jesus continuará lhe ajudando [C043-16.7.1971]
(153) eu estou ti avizando mas fique firme [C014-12.2.1949]
(154) Hoje estou te escrevendo esta cartinha [C020-1.3.1955]
(155) estou a escrever-lhe novamente [C053-2.7.1973]
(156) Neste momento venho alegre dar-lhe as minhas notícias [C021-1.3.1955]
(157) Mais uma vez volto a lhe aborrecer [C070-14.11.1976]
b) com auxiliares modais, os que “determinam com mais rigor o modo como se
realiza ou se deixa de realizar a ação verbal” (BECHARA, 2003, p. 232):
(158) precizo lhe dizer com toda sinceridade que nunca suspeitei tal do irmão
[C007-27.12.1946]
(159) preciso lhe vê [C174-9.12.1992]
(160) Esperamos a resposta desta, para poder te remeter uns retratos [C004-
11.11.1943]
(161) posso lhe garantir que todos os pastores estarão de pernas quebradas no
Ceará [C010-22.5.1948]
(162) mais uma vez uma carta sua me encontra em casa e assim lhe posso
responder! [C022-8.11.1955]
(163) Se eu mesmo soubesse lhe ajudar, seria um prazer [C070-13.2.1977]
(164) Quero te pedir se possível for a cópia daquele ino [C084-1.8.1978]
(165) espero lhe encontrar em casa [C013-2.5.1949]
(166) há meses que desejava lhe escrever [C040-25.3.1971]
(167) gostaria muito de entrar em detalhes contigo, de contar-te tudo [C181-
?.?.1995]
(168) primeiro que tudo pesso-lhe me perduar em nome de Jesus [C007-
27.12.1946]
(169) Um abraço daquela que não consegue te esquecer [C060-21.9.1974]
(170) Iracema vai lhe escrever algumas coisas [C002-5.10.1940]
125
(171) espero que esta va ti encontrar gozando as mesmas [C031-10.12.1964]
(172) isto é, só vou ver-lhe em dezembro [C058-5.8.1974]
(173) Se ainda fosse te escrever o papel não ia dar [C083-11.7.1978]
(174) ele então ia lhe convidar para ires a Campina Grande [C131-21.7.1981]
c) auxiliares causativos, os que expressam o fato de que o sujeito do verbo causa
a realização da ação, sem realizá-la com suas próprias mãos:
(175) e que a mesma te faça sentir-se um pouco mais feliz [C038-19.1.1970]
(176) e depois mandarei lhe dizer ok? [C059-9.8.1974]
A gramática tradicional costuma relacionar os “tempos compostos” como aqueles
que são formados com haver (formal) e ter (informal) seguidos de um PART. Essa
classificação não compreende, portanto, as diversas locuções verbais que se usam em nossa
língua para indicar a noção de aspecto verbal. Para Bagno (2012, p. 548), “temos no PB várias
outras possibilidades de expressão do aspecto que não vêm catalogadas nos compêndios
gramaticais como ‘tempos’ específicos”.
A expressão do aspecto se dá, em geral, a partir da combinação de diferentes
verbos envolvendo sempre uma forma nominal (INF, GER e PART). Essas combinações sempre
existiram em toda a história da língua portuguesa, com “vestígios no próprio latim clássico”
(COUTINHO, 1976, p. 277), porém seu uso em lugar das formas simples cresceu nos últimos
séculos, como, por exemplo, as perífrases de futuro com aspecto durativo, em que o último
verbo se coloca no GER. Segundo Serafim (2008), tais perífrases tiveram aumento de
frequência no século XX em razão de uma tendência mais analítica do português.
Em se considerando que as locuções verbais são, de fato, mais recentes na história
do idioma do que as formas simples, supomos que lhe, que é a forma mais recente para a 2ª
PESS, seja mais comum em locuções verbais do que com as antigas formas simples.
Vejamos o que nos mostram os dados:
Tabela 23: Atuação da estrutura verbal sobre o uso de lhe
Estrutura
verbal Ocorr./Total %
Simples 159/337 47,2
Locução verbal 86/144 59,7
126
Os dados confirmam nossa hipótese: lhe é favorecido em locuções verbais, tendo
sido usado em quase 60% das 142 ocorrências de formas locucionais. Alguns exemplos
extraídos de nossa amostra revelam o uso de lhe em seu uso inovador, que é na função de
ACUS (além de ser inovador também seu uso como 2ª PESS) em locuções verbais: em (177),
estar vendo substitui o simples ver; em (178), vou ver substitui o simples verei:
(177) Eu bem quisera ter tempo para escrever, ou melhor, está sempre lhe vendo.
[C061-19.6.1958]
(178) isto é, só vou ver-lhe em dezembro. [C096-5.8.1974]
Em (179) e (180), lhe aparece (também como ACUS) em locuções verbais que não
correspondem a tempos simples: a primeira denota repetição da ação; a segunda, capacidade:
(179) Mais uma vez volto a lhe aborrecer. [C070-14.11.1976]
(180) Se eu mesmo soubesse lhe ajudar, seria um prazer [C070-14.11.1976]
5.5.4 A função sintática do pronome no uso de lhe
Como explicado, tendo sido originado da forma latina ĭlli (DAT de ĭlle), a função
original de lhe é o DAT, que, em português corresponde ao OI, nos exemplos (181) e (182), e
ao CN, nos exemplos (183), (184) e (185), regidos pela preposição a ou para (lhe = a/para
ele(a), a/para você) com o sentido de destino [(181) e (182)], atribuição [(183)] ou de
interesse [(184) e (185)]:
(181) estava esperando o realizamento dos batismos para lhe escrever [C018-
12.6.1953]
(182) Estou lhe enviando 10 camisetas brancas da Hering [C168-30.7.1992]
(183) com aquêle entusiasmo que lhe é peculiar [C043-16.7.1971]
(184) Será que em algum momento não lhe fui útil? [C162-30.6.1988]
(185) Sou-lhe devedor [C043-16.7.1971]
A forma te, como também já foi explicado, está aqui compreendendo os dois
pronomes homônimos: um com função acusativa, proveniente do te latino, o outro com
127
função dativa, proveniente do tibi latino (tibi > tii > ti > te)32
, os quais apresentam entradas
diferentes no dicionário Aurélio (FERREIRA, 2010, p. 2013) e cuja origem é explicada por
Coutinho (1976, p. 254) e Mattos e Silva (2006, p. 170). As aparições de te na amostra tanto
podem ser como OD (186), OI (187) ou CN (188):
(186) irei te ver logo hoje [C184-12.9.1998]
(187) estou te escrevendo para saber tuas notícias [C178-9.12.1993]
(188) com a ausência de quem te era caro. [C151-28.5.1984]
Partindo desse pressuposto, trabalhamos com a hipótese de que lhe, apesar de
haver assumido a função de ACUS no PB, antes ocupada por te (forma T) ou o (forma V),
continuaria sendo mais usado em sua função original. A análise das 186 cartas revela o
seguinte:
Tabela 24: Atuação da função do pronome sobre o uso de lhe
Função Ocorr./Total %
DAT 184/327 56,3
ACUS 61/154 39,6
Nossa hipótese, portanto, confirmou-se: na codificação do dativo para a 2ª PESS,
lhe foi mais usado (56%) do que te (44%), que sempre acumulou também essa função, além
do ACUS.
Nas ocorrências de ACUS (150), lhe só aparece 59 vezes (39,3%), prevalecendo a
forma te (60.7%), que surge 91 vezes com essa função.
Como o uso do lhe ACUS de 2ª PESS é mais recente do que o do lhe DAT,
verificamos qual das funções, na amostra, predomina no primeiro período analisado, ou seja,
nos anos 1940 e 1950 e comparamos com as demais décadas. O resultado foi o seguinte:
32
No já mencionado romeno, as formas latinas te e tibi resultaram em formas átonas diferentes, respect. te e ţi.
128
Tabela 25: Funções de lhe em cartas pessoais de 1940 e 2000
Períodos
Função
ACUS DAT
Ocorr./Total % Ocorr./Total %
1940-50 10/38 24,3 28/38 75,7
1960-90 50/206 24,4 156/206 75,6
A tabela revela que não houve, na amostra analisada, mudança na frequência de
uso do lhe como DAT ao longo do século XX, que continua sendo mais recorrente como
dativo do que como ACUS.
Apesar de lhe ter substituído o como forma V e adquirido, assim, a função de OD,
ainda encontramos algumas raras ocorrências de o (e de sua variação –lo) nas cartas de nossa
amostra. Em duas cartas, o concorre com as formas da variação aqui estudada, como se
observa em (189) e (190):
(189) Você não imagina como lhe esperei na agência e como fiquei triste por ver
que não vinhas. (...) como desejava vê-lo outra vez. (...) eu andava triste, a
razão não sabia por que, não sei se era de tristeza ou se era vontade de te
ver. [C058-5.8.1974]
(190) acho até que as outras coisas teriam te chocado (...) eu quero mantê-lo perto
de mim. [C178-9.12.1993]
Note-se, no trecho (153), que a remetente usa a forma –lo com o verbo ver para
referir-se ao destinatário e, mais adiante, usa te com esse mesmo verbo e com a mesma
referência, tendo antes usado lhe como OD de outro verbo (esperar) e, também, com a mesma
referência. Ou seja, na função acusativa, as três formas (te, lhe, o) encontram-se em variação
nessa carta.
Nas cartas, verificamos o uso de o (-lo) na função de DAT, em vez de lhe, nos
trechos (191) e (192), de cartas de 1966 e 1986, respectivamente (com o pronome na forma
feminina):
129
(191) Em relação a Natália, eu sou sabedor a muito tempo, que você ler as cartas
que eu a escrevo [C034-3.8.1966]
(192) Mande-me o endereço da Valentina pois quero escrevê-la. [C156-3.11.1986]
O uso de o (-lo) por lhe talvez seja decorrente da perda do traço [+3ª pessoa] que
sofreu o pronome lhe no português falado no Brasil (BAGNO, 2013, p. 230). Entretanto, lhe
ainda conserva o traço [+3ª PESS] em cartas da década de 40, como comprova o trecho (193):
(193) disse a Dina que quando o Maneco veio de Mossoró que esteve em Lajes e Angico foi em
casa della, Dina, mas de uma vez seduzi-la não somente com palavras prostituídas, como
agindo, dizendo a Dina que lhe servise de mulher, pois pretendia formicar com ella,
dizendo que a esposa era doente e não podia ficar separado de mulher, o que ella rezistiu
muito que a última vez que elle a procurou, foi em um estado tão vergonhoso, dizer que ella
lhe fizesse isto e ella repreendeu-oi, que não seria falda a seu marido [C002-29.1.1940]
O fato de lhe ter migrado da 3ª PESS para a 2ª PESS, associado ao gradual
desaparecimento de o, fez com que ele(a) passasse a ser usado na função acusativa. O uso de
ele(a) por o(a) é um fenômeno amplamente atestado, tendo sido comentado em Cunha (1986,
p. 290), Monteiro (1994, p. 87-8), Moura Neves (2000), Bechara (2003, p. 173-5), Castilho
(2012) entre outros, e pode verificado nos trechos (194), (195) e (196), de cartas de 1940,
1953 e 1971, respectivamente:
(194) a mesma irmã viu elle agarrado com uma irmã da mesma natureza delle.
[C002-29.1.1940]
(195) eu, logo que saiba o dia que vão, mando éla pra casa do Odiel com
antecedência, sim? [C019-14.6.1953]
(196) ...ela banha ele e bota lá na cama da Beta. [C041-19.6.1971]
Dessa forma, podemos esquematizar as mudanças no quadro pronominal do PB
quanto às funções sintáticas da seguinte maneira:
130
Figura 2: movimentos dos pronomes de 2ª e 3ª PESS no PB
FONTE: Produção do próprio autor.
O esquema acima mostra que, no PB, havia a dualidade T-V na 2ª PESS do singular
representada, no caso nominativo (SUJ), respectivamente, por tu e você, mas este passou a ser
empregado como forma T também, neutralizando a oposição forma/informal entre os dois
pronomes.
Como forma V, usavam-se, nos casos ACUS (OD) e DAT (OI/CN) as formas da 3ª
PESS, respectivamente, o e lhe. Este, na língua falada, perdeu o traço [+ 3ª PESS] e passou a ser
empregado como ACUS V e, posteriormente, como ACUS T, mantendo-se também como DAT e
equiparando-se, morfossintaticamente a te. Porém, te, na verdade, são duas formas
homônimas: te1 (ACUS, derivado do te latino) e te
2 (DAT, derivado do tibi latino).
Nos exemplos (191) e (192), temos um caso em que o pronome o, em sua forma
feminina (l)a, prototipicamente acusativo, foi usado como DAT de 3ª PESS, talvez devido à
perda do traço [+3ª PESS] em lhe – movimento que, no quadro, se aponta com o índice 3. A
lacuna deixada pelo DAT lhe ao perder o traço [+3ª PESS] foi preenchida com ele após as
preposições a e para – movimento que, no quadro, se aponta com o índice 4.
O desaparecimento de o como índice de 3ª PESS na língua falada levou ele ser
usado como ACUS, substituindo-o – os trechos (194) a (196) exemplifica esse uso nas cartas.
131
5.6 Resumo do capítulo
Neste capítulo, realizamos uma análise dos resultados apresentados pelo programa
GoldVarb X para os dados colhidos da variação te/lhe numa amostra de 186 cartas escritas
por cearenses desde 1940 até 2000.
Antes da realização da análise, havíamos levantado algumas hipóteses, as quais
nos fizeram supor um conjunto de fatores linguísticos e extralinguísticos que atuariam
favorecendo tal variação. Os resultados apontados pelo programa confirmaram boa parte das
hipóteses e negaram outras. Realizamos diversas análises e cruzamentos de dados e tentamos
ilustrar os resultados com exemplos extraídos do corpus.
Por se tratar de uma pesquisa com base em material escrito coletado ao acaso, não
nos foi possível controlar fatores sociais referentes ao perfil dos remetentes (faixa etária, nível
de escolaridade, condição econômica, procedência – zona rural ou urbana – etc.), porém
preenchemos essa lacuna com a análise de muitos fatores linguísticos, uma vez que, como a
variação mostrou-se ocorrer em nível individual, não apenas em nível global, isto é, no
conjunto de cartas analisado, há a possibilidade de que os fatores que a condicionam sejam
muito mais linguísticos do que sociais.
De qualquer forma, a análise exposta aqui serviu para mostrar que, não apenas na
modalidade falada, como apontam alguns estudiosos (MONTEIRO, 1994, p. 86; BAGNO,
2011, p. 765), mas também na modalidade escrita, a variação te/lhe é bastante frequente e, na
amostra analisada, revelou-se estável, numa “relação de contemporização” (TARALLO,
2011, p. 63), em que as formas variantes encontram-se numa coexistência mais ou menos
equilibrada: 50,9% de ocorrências de lhe e 49,1% de ocorrências de te, de modo que não se
pode, a partir da análise do material coletado, prever se tal variação resultará em mudança
linguística ou se permanecerá como tal, o que, segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006),
seria algo perfeitamente natural, pois a variação faz parte do sistema linguístico, sendo
“necessário aprender a ver a língua – seja de um ponto de vista diacrônico ou sincrônico –
como um objeto constituído de heterogeneidade ordenada.” (p. 35).
132
6 CONCLUSÃO
Segundo alguns estudos variacionistas (DUARTE, 1993; FARACO, 1996;
GALVES, 2001; LOPES; MACHADO, 2005; OLIVEIRA; LOPES, 2007; LOPES;
CAVALCANTE, 2011;), no sistema pronominal do PB, muitas variações passaram a ocorrer
com a entrada da expressão vossa mercê (aglutinada em você) no quadro de pronomes
pessoais, dentre elas, a variação entre as formas oblíquas te e lhe. A primeira, usada tanto
como ACUS quanto como DAT, é a forma objetiva de tu; a segunda, inicialmente, a forma
objetiva de ele, era usada apenas como DAT, porém foi acumulando também a função de ACUS
ao passo que, no PB falado, foi perdendo o traço [+ 3ª PESS], de modo que, hoje, só é usado
como 2ª PESS (BAGNO, 2012, p.753-6; LUCCHESI; MENDES, 2009, p. 482; ALMEIDA,
2009, p. 45), tanto na função de DAT quanto de ACUS.
A maioria dos estudos acerca das variações pronominais realizados em todas as
regiões do país focaliza a variação tu/você na função de SUJ. Destarte, à variação te/lhe, até o
presente estudo, não tem sido dada a mesma atenção dispensada às formas variantes para o
SUJ, deixando uma lacuna na descrição das variações pronominais no PB.
Uma das motivações para a realização dessa pesquisa foi a necessidade de
verificar se a variação te/lhe, constatada na fala cearense em Soares (1980) com dados de
Fortaleza, teria ocorrência também na modalidade escrita. Para isso, coletamos cartas
pessoais, gênero textual em que o uso de pronomes de 2ª PESS é frequente por substituir um
diálogo entre dois interlocutores que se encontram separados pela distância.
Este estudo investiga a variação dos pronomes te/lhe com função de 2ª PESS SING
no português escrito usado no Ceará, em uma amostra de 186 cartas pessoais redigidas por
cearenses ao longo do século XX, a começar pelo ano de 1940, para analisarmos como essa
variação acontece, quais seus fatores favorecedores e qual a influência dos aspectos sociais no
fenômeno.
Para a realização da análise, decidimos controlar os grupos de fatores sociais: o
período do século XX no qual a carta foi escrita, o gênero da autoria da carta (carta de homem
e carta de mulher) e o remetente; bem como os grupos de fatores linguísticos: o tipo
semântico do verbo que rege o pronome te/lhe, a estrutura do verbo, o tempo verbal e a forma
nominal de verbo, a posição do pronome te/lhe em relação ao verbo, a função sintática do
pronome te/lhe e a presença de forma T (tu, teu, ti, contigo) ou V (você, o senhor, seu, se, si,
consigo) antes da primeira ocorrência de te/lhe.
133
Considerando que a forma lhe, apesar de fazer parte do sistema pronominal
português desde a fase arcaica da língua, é a forma inovadora (pois só depois assumiu a
função ACUS e passou a ser usado como 2ª PESS), procuramos entender como os grupos de
fatores definidos acima favoreceriam a ocorrência de lhe em variação com te, que sempre foi
de 2ª PESS.
A análise mostrou que as formas te e lhe como pronomes de 2ª PESS nas 186 cartas
da amostra foram usadas praticamente na mesma proporção, pois, num total de 481
ocorrências desses pronomes nessas cartas, 50,9% foram ocorrências de lhe e 49,1% foram
ocorrências de te.
Quanto ao uso de lhe ao longo dos três períodos analisados, verificou-se que esse
pronome teve maior emprego nas décadas de 1940 e 1950 (53,5%), caindo um pouco nos anos
1960 e 1970 (52,4%) e mais ainda nas duas décadas seguintes (48,5%). Portanto, os dados
mostram que a forma lhe teve sua frequência de uso reduzida ao longo do século XX, a partir
de 1940, no português usado no Ceará, e este resultado coincide com o obtido por Almeida
(2009), que estudou a mesma variação, porém na fala de Salvador (BA).
Já o uso de lhe em alternância com te ocorreu em todas as décadas analisadas,
porém em apenas 15,6% das 186 cartas da amostra. Nessas cartas, foi mais comum usar-se
apenas lhe (44,6%).
Quanto à atuação da variável do gênero da autoria das cartas, não houve diferença
significativa no percentual: lhe apareceu em 51,7% nas cartas de homens e 50% nas cartas
de mulheres. Portanto, nas cartas da amostra, os homens usaram um pouco mais lhe como 2ª
PESS do que as mulheres.
Acerca do uso de lhe por remetente, verificamos que, dos 86 remetentes das cartas
da amostra, 54,6% empregaram esse pronome de forma categórica e apenas 20,9% o
empregaram em variação com te.
Em relação ao tipo semântico do verbo que rege te/lhe, a forma lhe foi favorecida
com os verbos dicendi (60,8%) e menos frequente com os verbos sentimentais (34,5%), o que
sugere que, apesar de ter assumido também a função de ACUS, lhe ainda foi mais usado nas
cartas em sua função original (DAT), que normalmente representa o ser para quem se diz
alguma coisa, ou seja, o OI dos verbos dicendi. Desses verbos, o que mais favoreceu a
ocorrência de lhe foi o verbo comunicar: das 12 ocorrências desse verbo nas cartas, lhe
apareceu em 10, ou seja, em 83,3 %. Já com a expressão dar notícias, lhe teve menor
ocorrência: 26,1%. Deduzimos que, nesse caso, lhe associou-se mais a um verbo de uso mais
134
formal do que com uma expressão popular por manter resquícios de sua origem como forma
V.
Quanto ao grupo de fatores tempo verbal e forma nominal do verbo que rege
te/lhe, a forma lhe foi favorecida com verbos no PRET PERF/IMPERF INDIC (58,5%), tendo sido
desfavorecida com verbos no PRES SUBJ: apenas em 7 das 34 ocorrências de verbos nesse
tempo nas cartas, ou seja, 20,6%.
Dentre as formas nominais, lhe foi mais usado do que te em todas elas: 52,7% das
ocorrências de INF, 65,8% das ocorrências de GER e 80% das ocorrências de PART.
Acerca da variável estrutura do verbo ao qual se prende o pronome te/lhe,
verificamos que lhe é mais comum em locuções verbais (59,7%) do que em formas simples
(47,2%), talvez por serem as locuções verbais mais recentes no idioma do que as formas
simples, herdadas do latim, o que favorece o uso de lhe (mais recente como IP de 2ª PESS) em
vez de te (sempre usado como 2ª PESS).
Quanto à posição de te/lhe em relação ao verbo regente, lhe foi favorecido nos
casos de ênclise: das 110 ocorrências de posposição do pronome ao verbo, lhe apareceu em 77
(70%).
Em relação à função do pronome te/lhe, a forma lhe apareceu mais como DAT
(56,3%), o que revela que, mesmo tendo adquirido a função de ACUS, esse pronome continua
mais usado em sua função original.
Finalmente, quanto à presença de uma forma T ou de uma forma V antes da
primeira ocorrência de te/lhe, constatamos que, nas cartas, lhe foi favorecido após o uso de
alguma forma V (você, o senhor, seu etc.). 238 das 481 ocorrências de te/lhe são antecedidas
por uma forma V e, destas 238, lhe representa quase a metade: 138 ocorrências ou 49,5%.
Quando nenhuma forma (nem T nem V) antecedia a primeira ocorrência de te/lhe, a forma lhe
também predominou sobre te em 42% dos casos.
A partir da análise, o programa GoldVarb X selecionou os grupos de fatores
linguísticos tempo verbal e forma nominal do verbo, posição do pronome em relação ao verbo
e presença de forma T ou V antes da primeira ocorrência de te/lhe.
Em resumo, a análise nos leva a concluir que, na amostra analisada, o uso de lhe
como IP de 2ª PESS deu-se principalmente quando:
foi usada uma forma V (você, o[a] senhor[a], consigo, seu[s]/sua[s]) antes do
pronome oblíquo (0,58);
foi empregada a ênclise (0,70);
135
o verbo estava no particípio (0,88);
o verbo era discendi (0,60);
o verbo encontrava-se numa locução verbal (0,58); e
a função do pronome era o dativo (0,55).
Os fatores extralinguísticos (período do século XX e o gênero da autoria das
cartas) mostraram-se irrelevantes na ocorrência da variação em estudo. Na amostra analisada,
lhe predominou:
nas cartas das décadas de 1940 e 1950 (53,5%);
em cartas de homens (51,7%).
Em se comparando o uso de lhe nas 186 cartas e o uso de lhe pelos 86 remetentes,
percebemos uma pequena diferença: lhe foi caindo continuamente nas cartas escritas entre
1940 e 2000; já seu uso pelos remetentes cresceu nas décadas de 1960 e 1970, mas sofreu
declínio das duas décadas seguintes.
Em suma, a forma lhe foi mais frequente nas cartas pessoais em todos os períodos
analisados do que te, embora a frequência de uso de lhe tenha sofrido um declínio enquanto te
teve seu uso aumentado nas duas últimas décadas do século XX. A diferença no percentual de
uso entre as duas formas mostrou-se, no geral, apertado. Assim, a variação te/lhe tendeu a ser
frequente e acirrada no conjunto de cartas da amostra.
Uma vez que cartas pessoais, segundo Marcuschi (2001) são um gênero da
modalidade escrita bastante próximo da fala, é possível estabelecer uma comparação entre
este trabalho e a pesquisa de Almeida (2009) sobre o mesmo fenômeno na fala de Salvador
(BA): ambos constataram uma acirrada variação das formas te/lhe, como predomínio de lhe.
Interessante notar que, assim como a pesquisa de Almeida (2009) constatou um retorno de te
à fala soteropolitana entre as gerações mais jovens, a presente pesquisa constatou a mesma
tendência entre as cartas das décadas de 1980 e 1990, que foram, em sua maioria, escritas por
remetentes mais jovens do que os remetentes dos demais períodos analisados.
Esperamos, com esta pesquisa, ter contribuído com a descrição das formas
pronominais te/lhe em cartas pessoais escritas no português usado no Ceará e ter aberto
possibilidades para outros trabalhos descritivos sobre o Português do Brasil.
136
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APÊNDICE – Relação das cartas da amostra
Cart
a
Data Rem.
Sex
o
Faix
a
etári
a
Dest.
Sex
o
Faix
a
etári
a
Relação
rem.-dest.
C001 7/1/1940 B. G. F. M > 25 M. R. M >25 amigos
C002 5/10/1940 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C003 29/4/1941 B. G. F M > 25 L. C. M > 25 amigos
C004 11/11/1943 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C005 15/10/1944 M. M. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C006 13/4/1945 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C007 27/12/1946 J. A. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C008 28/12/1947 J. R. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C009 3/5/1948 L. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C010 22/5/1948 J. T. R. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C011 24/7/1948 A. L. B. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C012 10/7/1948 M. S. F < 25 J. A. M. F > 25 filha/mãe
C013 2/5/1949 J. E. O. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C014 12/2/1949 M. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C015 4/1/1952 D. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C016 18/11/1953 L. F. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C017 29/5/1953 C. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C018 12/6/1953 J.P. B. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C019 14/06/1953 F. P. C. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C020 1º/3/1955 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C021 1º/3/1955 M. N. O. F < 25 J. A. M. F > 25 sobr./tia
C022 8/11/1955 A. P. V. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C023 18/11/1955 C. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C024 11/12/1956 J. T. R. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C025 19/6/1958 D. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C026 28/6/1958 J. T. R. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C027 16/9/1961 M. R. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C028 29/10/1961 M. N. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C029 24/6/1964 G. M. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C030 7/10/1964 L. F. L. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C031 10/12/1964 P. C. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C032 14/02/1965 A. F. L. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C033 03/08/1966 J. B. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C034 3/8/1966 J. R. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C035 06/12/1966 H. B. M. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C036 15/12/1969 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C037 2/4/1970 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C038 19/1/1970 G. H. M < 25 M. G. S. F < 25 cônjuges
C039 17/3/1971 A. A. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C040 25/3/1971 A. L. B. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C041 19/6/1971 E. B. A. F > 25 M. A. M. F > 25 filha/mãe
C042 19/6/1971 E. B. A. F > 25 M. A. M. F > 25 filha/mãe
148
C043 16/7/1971 A. L. F. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C044 9/1/1972 R. N. M. M > 25 M. G. S. F > 25 namorados
C045 28/3/1972 R. N. M. M > 25 M. G. S. F > 25 namorados
C046 28/11/1972 M. G. S. F > 25 R. N. M. M > 25 namorados
C047 18/12/1972 R. P. P. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C048 22/12/1972 D. R. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C049 2/1/1973 L. A. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C050 21/1/1973 M. G. S. F > 25 M. M > 25 namorados
C051 2/4/1973 M. G. S. F > 25 M. M > 25 namorados
C052 5/4/1973 E. B. A. F > 25 M. A. M. F > 25 filha/mãe
C053 2/7/1973 E. B. A. F > 25 M. A. M. F > 25 filha/mãe
C054 2/7/1973 J. A. M. M > 25 M. A. M. F > 25 genro/sogra
C055 21/11/1973 N. O. P. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C056 25/4/1974 L. M. L. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C057 10/6/1974 E. M. A. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C058 5/8/1974 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C059 9/8/1974 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C060 21/9/1974 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C061 26/9/1974 M. N. S. F > 25 J. A. M M > 25 amigos
C062 25/3/1975 R. J. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C063 18/10/1975 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C064 23/5/1975 S. M. P. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C065 14/10/1975 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C066 31/3/1976 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C067 20/4/1976 D. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C068 8/6/1976 J. A. M. M > 25 J. A. M. M > 25 genro/sogro
C069 16/9/1976 A. L. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C070 14/11/1976 A. L. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C071 13/2/1977 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C072 7/5/1977 H. L. L. F > 25 F. N. M > 25 amigos
C073 7/5/1977 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C074 3/7/1977 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C075 21/5/1977 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C076 9/11/1977 M. A. S. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C077 18/11/1977 M. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C078 12/7/1977 M. L. F < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C079 2/2/1978 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C080 13/2/1978 E. F. C. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C081 27/3/1978 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C082 27/5/1978 F. N. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C083 11/7/1978 J. B. F. F < 25 F. B. M > 25 filha/mãe
C084 1/8/1978 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C085 7/8/1978 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
C086 23/8/1978 F. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C087 23/8/1978 E. M. A. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C088 9/10/1978 E. F > 25 E. B. A. F > 25 sobrinha/tia
C089 6/11/1978 N. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C090 12/12/1978 F. E. C. M < 25 F. B. F. M < 25 amigos
149
C091 18/1/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos
C092 9/4/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos
C093 7/5/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C094 3/6/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos
C095 27/6/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos
C096 30/6/1979 J. Q. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C097 29/8/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C098 29/9/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C099 3/10/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos
C100 8/11/1979 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos
C101 23/11/1979 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C102 11/12/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C103 29/12/1979 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C104 19/12/1979 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C105 25/12/1979 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C106 26/12/1979 M. L. Q. F > 25 M. R. F. F > 25 amigas
C107 22/1/1980 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos
C108 10/03/1980 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C109 26/5/1980 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C110 14/7/1980 F. N. M > 25 R. N. F > 25 irmãos
C111 14/7/1980 D. P. R. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C112 29/8/1980 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C113 4/10/1980 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C114 11/10/1980 E. N. M > 25 W. N. M > 25 irmãos
C115 14/12/1980 A. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos
C116 19/12/1980 A. N. F > 25 E. N. M > 25 mãe/filho
C117 23/12/1980 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C118 23/12/1980 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C119 1/1/1981 R. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos
C120 28/1/1981 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C121 29/1/1981 A. P. F > 25 F. B. F. F > 25 primos
C122 20/3/1981 A. P. F > 25 F. B. F. M < 25 primos
C123 26/3/1981 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C124 26/3/1981 I. A. M. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C125 25/4/1981 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C126 13/5/1981 M. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos
C127 30/5/1981 R. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos
C128 12/6/1981 W. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C129 14/6/1981 I. P. F > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C130 22/6/1981 J. R. G. F > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C131 21/7/1981 M. A. F > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C132 27/7/1981 R. N. F > 25 F. N. F > 25 cunhadas
C133 13/8/1981 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C134 21/8/1981 M. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos
C135 16/7/1981 M. N. F > 25 E. N. M > 25 irmãos
C136 7/12/1981 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C137 16/12/1981 H. F > 25 M. G. F > 25 amigas
C138 -/3/1982 A. P. F > 25 F. B. F. M > 25 primos
150
C139 21/3/1982 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C140 29/4/1982 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C141 25/5/1982 M. A. F > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C142 29/11/1982 A. P. F > 25 F. B. F. M > 25 primos
C143 8/2/1983 E. M. A. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C144 21/5/1983 J. Q. S. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C145 19/6/1983 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C146 1/8/1983 E. A. F < 25 J. A. M. M > 25 filha/pai
C147 1/8/1983 J. P. M > 25 J. A. M. M > 25 genro/sogro
C148 11/10/1983 A. P. F > 25 F. B. F. M > 25 primos
C149 6/12/1983 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C150 6/12/1983 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C151 28/5/1984 F. E. C. M > 25 F. B. F. M > 25 amigos
C152 28/5/1984 J. P. M. M > 25 M. N. A. F > 25 cônjuges
C153 16/7/1984 E. M. A. F > 25 J. A. M. M > 25 irmãos
C154 02/06/1985 V. F > 25 A. A. F > 25 cunhadas
C155 7/9/1986 J. A. M > 25 J. A. M. M > 25 cunhados
C156 8/9/1986 J. E. M > 25 J. A. M. M > 25 amigos
C157 7/4/1987 V. C. R. F < 25 S. D. F < 25 amigas
C158 -/-/1987 V. C. R. F < 25 S. D. F < 25 amigas
C159 3/5/1987 V. C. R. F < 25 S. D. F < 25 amigas
C160 13/12/1987 H. F > 25 M. G. F > 25 amigas
C161 18/2/1988 R. B. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos
C162 30/6/1988 E. N. M > 25 W. N. M > 25 irmãos
C163 16/2/1989 D. M < 25 S. D. F < 25 amigos
C164 6/6/1989 M. N. A. F > 25 J. P. M. M > 25 cônjuges
C165 2/4/1990 G. F < 25 S. D. F < 25 amigas
C166 27/7/1990 G. F < 25 S. D. F < 25 amigos
C167 26/4/1994 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos
C168 30/7/1992 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C169 6/8/1992 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos
C170 13/8/1992 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C171 28/8/1992 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos
C172 24/9/1992 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos
C173 21/10/1992 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C174 9/12/1992 A. C. S. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos
C175 14/12/1992 F. N. M > 25 C. N. F > 25 cunhados
C176 14/12/1992 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C177 29/5/1993 F. N. M > 25 E. N. M > 25 irmãos
C178 9/12/1993 R. B. F < 25 F. J. N. M < 25 amigos
C179 29/6/1994 M. R. F < 25 S. D. F < 25 amigas
C180 13/9/1994 A. A. M > 25 A. A. F > 25 filho/mãe
C181 -/1-/1995 E. B. M < 25 F. J. N. M < 25 amigos
C182 22/3/1997 L. F > 25 M. G. F > 25 amigas
C183 17/4/1998 F. M > 25 M. S. F > 25 irmãos
C184 12/9/1998 E. M < 25 I. G. F < 25 namorados
C185 8/12/2000 C. E. M < 25 M. L. F < 25 namorados
C186 20/08/1987 A. Q. M < 25 M. Q. F > 25 filho/mãe
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