programa de pós-graduação em biotecnologia · os resultados sugerem que os danos causados por...
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Programa de Ps-Graduao em Biotecnologia
Biomonitoramento gentico de agricultores
expostos a pesticidas nos municpios de Tiangu
e Ubajara Cear.
Jean Carlos Gomes Paiva
FortalezaCE
2011
2
Programa de Ps-Graduao em Biotecnologia
BIOMONITORAMENTO GENTICO DE
AGRICULTORES EXPOSTOS A PESTICIDAS
NOS MUNICPIOS DE TIANGU E UBAJARA
CEAR.
Tese submetida Coordenao da Rede
Nordeste de Biotecnologia - RENORBIO
como parte dos requisitos para obteno do
ttulo de Doutor em Biotecnologia.
Orientando: Jean Carlos Gomes Paiva
Orientadora: Profa. Dra. Cludia do Pessoa
Fortaleza CE
Agosto, 2011
3
JEAN CARLOS GOMES PAIVA
BIOMONITORAMENTO GENTICO DE AGRICULTORES EXPOSTOS A
PESTICIDAS NOS MUNICPIOS DE TIANGU E UBAJARA CEAR.
Tese submetida coordenao do Programa de Ps-Graduao em Biotecnologia - RENORBIO como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Doutor em Biotecnologia.
Aprovada em 27 de Julho 2011.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
Profa. Dra. Cludia do Pessoa, UFC (Orientadora)
___________________________________
Prof. Dr. Bruno Coelho Cavalcanti, UFC
1 Examinador ___________________________________
Profa. Dra. Maria Izabel Florindo Guedes, UECE
2 Examinadora
_________________________________
Profa. Dra. Maria Emlia Santos Pereira Ramos, UEFS
3 Examinadora
___________________________________
Profa. Dra. Maria Goretti Rodrigues Queiroz, UFC
4 Examinadora
4
"Nada substitui a persistncia. H talento sem sucesso, gnio sem
recompensa e formao acadmica malsucedida, mas a persistncia onipotente.
O slogan 'siga em frente' solucionou e sempre solucionar os problemas da raa
humana".
(Calvin Coolidge, Presidente dos EUA).
5
AGRADECIMENTOS
A vida por ter me dado esta oportunidade.
A minha orientadora Prof. Dr. Cludia Pessoa, pelo apoio e compreenso,
alm da pacincia e amizade.
Aos Professores responsveis pelo desenvolvimento e manuteno do
Laboratrio de Oncologia Experimental - LOE, que sem o empenho e dedicao destes
nada seria possvel.
Ao CNPq pelo apoio e financiamento deste trabalho.
A todos os alunos e professores que utilizam as dependncias do LOE, pois,
apesar da pouca convivncia, sempre demonstraram grande ateno e
companheirismo.
Aos amigos, colaboradores e companheiros Jos Roberto Ferreira, Bruno
Cavalcanti e Carla Sombra, sem a dedicao e apoio destes o trabalho jamais teria sido
concludo. O seu apoio foi to importante que os considero co-autores.
Aos tcnicos em laboratrio do LOE Silvana Frana, Luciana Frana pela
ateno, capacidade e presteza. funcionria do departamento dona Rogria, pela
ateno incondicional disponibilizada.
No posso esquecer a tcnica em enfermagem Cleidiana, sempre prestativa e
atenciosa, alm de ter demonstrado ser uma grande profissional.
A Maria Jos (Marizete), residente na comunidade Valparaso que ajudou no
recrutamento e conscientizao dos voluntrios sobre a importncia do trabalho e,
gentilmente, cedeu sua residncia para realizao de encontros e coletas do material
para estudo. Ao Sr. Vicente, tambm residente na comunidade Valparaso pela ajuda
no recrutamento de voluntrios e principalmente pela ateno dada a todos que
participaram deste estudo. Ao Sr. Jos Nilton, residente na comunidade Jaburu I, que
cedeu as instalaes da sua residncia para recrutamento dos voluntrios e coleta do
material a ser estudado.
Ao PRF Rocha que desde o incio auxiliou no recrutamento dos voluntrios.
A todos voluntrios, que gentilmente cederam seu precioso tempo para ajudar
nesta pesquisa, mostraram um interesse surpreendente e orgulho por terem podido
colaborar.
6
Aos meus colegas de trabalho na Polcia Rodoviria Federal, que
compreendendo a importncia deste trabalho sempre aceitaram minhas solicitaes de
permutas, muitas vezes sacrificando seus dias de folga junto as suas famlias.
Aos chefes de Delegacia e chefes de Ncleo de Policiamento da Polcia
Rodoviria Federal, Francisco Lira (Chico Lira), Regilnio Alves, Cleva Carvalho e
Ferrare Val, pela flexibilizao da escala de servio.
Dentre os citados anteriormente, seria injusto no se fazer um agradecimento
especial a Francisco Lira e Regilnio Alves, pois, no mediram esforos para me
ajudar, por vezes sacrificando sua prpria condio de chefe.
Aos meus pais Raimunda e Gonalo. Sempre me incentivaram, mesmo nos
momentos de dificuldades nunca desistiram nem deixaram de acreditar na vitria. Sua
dedicao e persistncia no se resumem a este trabalho, mas a uma vida inteira. Alm
do incentivo h tambm do exemplo de decncia e honestidade. Nas situaes mais
adversas nunca desistiram de manter a tica e pautar suas vidas na amizade, pureza e
honestidade. Quaisquer palavras e frases que eu possa escrever no definem a
satisfao e a felicidade que sinto em ter nascido nesta famlia e educado por essas
duas pessoas maravilhosas.
Aos meus irmos Antnia de Maria e Paulo Jeferson que, mesmo separados
pela distncia, nunca deixaram de lembrar-se de mim e incentivar conquistas.
A minha esposa Dr Ivanilza Moreira de Andrade por ser uma eterna
incentivadora dos meus estudos e por compreender os momentos em que estive
ausente, demonstrando, no s no decorrer deste estudo, mas durante todo o perodo
em que convivemos ser uma companheira inigualvel.
Agradeo, com emoo, ao meu filho Joo Paulo Andrade Paiva, pois, a sua
existncia j suficiente para fazer qualquer esforo valer a pena. Os momentos em
que questionava a minha ausncia serviram de incentivo. A sua inocncia no lhe
permitia, ainda, compreender a importncia do trabalho desenvolvido, mas suas
cobranas demonstravam o apego que tem com a famlia e o desejo de estar junto aos
seus pais.
A minha sogra Ivone Moreira de Andrade e sogro Joo Matias de Andrade que
me apoiaram nas minhas estadas em Fortaleza.
A Dr Maria das Graas pelo apoio, amizade e compreenso demonstradas na
fase final deste trabalho.
7
Agradeo tambm a todas as pessoas que no puderam contribuir para este
trabalho por falta de oportunidade, mas que desejaram o sucesso e agora esto felizes
vendo o objetivo ser alcanado.
8
SUMRIO
LISTA DE TABELAS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE SMBOLOS E ABREVIATURAS
RESUMO
ABSTRACT
1. INTRODUO ................................................................................................ 14
1.1. Aspectos Gerais ........................................................................................... 14
1.2. Produo e consumo de pesticidas............................................................... 15
1.3. Exposio aos pesticidas e riscos sade ................................................... 18
1.4. Classificao dos Pesticidas ........................................................................ 18
1.4.1. Classificao Toxicolgica .............................................................. 19
1.4.2. Grupos Qumicos ............................................................................. 19
1.4.3. Principais Classes de Pesticidas ....................................................... 21
1.4.3.1. Inseticidas .......................................................................... 22
1.5. Legislao Brasileira x Pesticidas ............................................................... 26
1.6. Exposio combinada: situaes diversas ................................................... 28
1.7. A informao sobre as intoxicaes por pesticidas ..................................... 29
1.7.1 Classificao das Intoxicaes ........................................................... 30
1.7.1.1 Intoxicao Aguda..................................................................... 31
1.7.1.2 Intoxicao Crnica .................................................................. 31
1.8. Carcinognese .............................................................................................. 34
1.8.1. Genotoxicidade dos pesticidas .......................................................... 37
1.8.2. Carcinognese no Brasil .................................................................... 39
1.9. Biomarcadores de exposio ....................................................................... 39
1.9.1. Ensaio do Cometa ............................................................................. 40
1.9.2. Aberraes Cromossmicas .............................................................. 41
1.9.2.1. Classificao das Aberraes Cromossmicas ............................... 42
1.9.2.1.1. Aberraes Estruturais ....................................................... 42
1.9.2.1.2. Aberraes Numricas ....................................................... 43
9
2. OBJETIVOS ...................................................................................................... 45
2.1. Objetivo Geral ............................................................................................. 45
2.2. Objetivos Especficos .................................................................................. 45
3. METODOLOGIA ............................................................................................. 46
3.1. Local de estudo............................................................................................. 46
3.2. Caracterizao das amostras......................................................................... 48
3.3. Coleta do material biolgico ........................................................................ 49
3.4. Critrios de incluso/excluso...................................................................... 49
3.5. Testes de genotoxicidade ............................................................................. 50
3.5.1. Teste do cometa alcalino ...................................................................... 51
3.5.1.1. Protocolo experimental ................................................................ 51
3.5.1.2. Isolamento e Manuteno dos Linfcitos ..................................... 51
3.5.1.3. Preparao das lminas ................................................................ 51
3.5.1.4. Lise Celular .................................................................................. 52
3.5.1.5. Neutralizao e Eletroforese ........................................................ 52
3.5.1.6. Anlise dos dados ........................................................................ 52
3.4.1.7.1. Anlises Estatsticas ................................................................. 53
3.5.2. Aberraes cromossmicas ................................................................. 54
3.5.2.1. Protocolo experimental ................................................................ 54
3.5.2.2. Anlise dos dados ........................................................................ 56
3.5.2.3.1 Anlises estatsticas ................................................................... 56
3.6. Anlise de Resduos de pesticidas na gua do aude Jaburu, Planalto
da Ibiapaba, Cear......................................................................................
3.7. Material utilizado na pesquisa............................................................
57
58
4. RESULTADOS .................................................................................................. 61
4.1. Caractersticas da populao estudada.......................................................... 61
4.2. Uso de Equipamentos de Proteo Individual (EPI).................................... 64
4.3. Anlise da gua do reservatrio Jaburu ....................................................... 65
4.4. Teste do Cometa .......................................................................................... 65
4.5. Anlise de aberraes cromossmicas ......................................................... 67
5. DISCUSSO ...................................................................................................... 69
10
6. CONCLUSO.................................................................................................... 79
7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................ 78
ANEXOS.................................................................................................................. 101
ANEXO 1. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TCLE........................................................................................................
102
ANEXO 2. QUESTIONRIO SCIO-EPIDEMIOLGICO............................ 105
ANEXO 3. ANLISE DE RESDUOS DE GUA DO RESERVATRIO
JABURU, PLANALTO DA IBIAPABA, CEAR.................................
108
ANEXO 4. PUBLICAO DOS RESULTADOS: PAIVA, J.C.G.;
CABRAL, I.O.; SOARES, B.M.;SOMBRA, C.M.L.; FERREIRA,
J.O.; MORAES, M.O.; CAVALCANTI, B.C.;PESSOA, C.
Biomonitoring genetic of farmers exposed to pesticides in the
municipalities of Tiangua and Ubajara (Cear, Brazil). Environmental
and Molecular Mutagenesis. 52:492-501. 2011....................................
110
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Classificao dos pesticidas quanto a toxicidade......................... 19
Tabela 2 Principais classes de pesticidas e grupos qumicos aos quais
pertencem.....................................................................................
21
Tabela 3 Classificao IARC para carcinogenicidade dos
pesticidas......................................................................................
26
Tabela 4 Caractersticas das intoxicaes agudas e crnicas por
pesticidas......................................................................................
33
Tabela 5 Efeitos crnicos dos pesticidas sobre rgos e sistemas
humanos.......................................................................................
33
Tabela 6 Caractersticas da amostra estudada............................................. 61
Tabela 7 Escolaridade dos agricultores....................................................... 62
Tabela 8 Principais classes qumicas e toxicolgicas dos pesticidas
utilizados pelos agricultores.........................................................
62
Tabela 9- Pesticidas utilizados pelos agricultores e suas principais
caractersticas...............................................................................
63
Tabela 10- Sintomas de intoxicao aps contato com os
pesticidas......................................................................................
65
Tabela 11- Anlise dos ndices e frequncia de danos ao DNA em
linfcitos dos agricultores expostos a pesticidas e
grupo...........................................................................................
67
Tabela 12- ndice mittico, tipo e frequncia de aberraes cromossmicas
em linfcitos dos agricultores expostos a pesticidas e grupos
controle das comunidades rurais dos municpios de Tiangu e
Ubajara.........................................................................................
68
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Localizao das comunidades da Macrorregio da Ibiapaba, Cear,
selecionadas para o estudo...................................................................
47
Figura 2 - Diagrama de pontos passveis de anlise pelo uso de
biomarcadores......................................................................................
50
Figura 3 - Mtodo do cometa: A - isolamento dos linfcitos; B - preparao
das lminas; C - da eletroforese..........................................................
53
Figura 4 - Tipos de cometas: Representao dos cometas corados com brometo
de etdio e visualizados ao microscpio de
fluorescncia........................................................................................
54
Figura 5 Sequncia esquemtica do Teste de aberraes Cromossmicas em
linfcitos de sangue perifrico.............................................................
56
Figura 6- Utilizao de EPI pelos agricultores.................................................... 64
Figura 7- Sintomas de intoxicao relatados pelos agricultores aps o
manuseio de pesticidas.........................................................................
65
Figura 8- ndice e frequncia de danos ao DNA dos agricultores expostos aos
pesticidas nas comunidades rurais de Tiangu e Ubajara-
CE.........................................................................................................
66
Figura 9- Frequncia de aberraes metafsicas por tempo de exposio em
agricultores das comunidades rurais nos municpios de Tiangu e
Ubajara-CE...........................................................................................
68
13
RESUMO
BIOMONITORAMENTO GENTICO DE AGRICULTORES EXPOSTOS A PESTICIDAS NOS MUNICPIOS DE TIANGU E UBAJARA (CEAR, BRASIL). Jean Carlos Gomes Paiva. Tese apresentada Coordenao da Rede Nordeste de Biotecnologia-RENORBIO como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Doutor em Biotecnologia. Orientadora: Profa Dra Cludia do Pessoa.
Nos ltimos anos, o uso de pesticidas na agricultura tem aumentado e associaes entre a exposio a produtos qumicos agrcolas e danos ao DNA e cncer tem sido relatados. O Brasil um dos lderes mundiais na utilizao de pesticidas, no entanto, estudos que avaliem o impacto da exposio ocupacional a pesticidas sobre a incidncia e mortalidade por cncer ainda so escassos na populao brasileira. O teste do cometa alcalino e a anlise de aberraes cromossmicas (AC) foram utilizados para avaliar danos primrios ao DNA em linfcitos do sangue perifrico de trabalhadores expostos a uma mistura complexa de pesticidas em duas pequenas comunidades rurais nos municpios de Tiangu e Ubajara, localizados no oeste do Estado do Cear (Nordeste do Brasil). Estes Municpios esto entre as maiores reas agrcolas do Estado. O teste do cometa mostrou que o ndice e freqncia de danos observados nos grupos expostos foram significativamente maiores em relao aos grupos controle (P
14
ABSTRACT
BIOMONITORING GENETIC OF FARMERS EXPOSED TO PESTICIDES IN THE MUNICIPALITIES OF TIANGUA AND UBAJARA (CEAR, BRAZIL). Jean Carlos Gomes Paiva. Supervisor: Prof. Dr. Cludia do Pessoa. Essay presented to Coordination of the Rede Nordeste de Biotecnology - RENORBIO as prerequisite for obtaining the degree of doctor in Biotecnology.
In recent years, the use of pesticides in agriculture has been steadily increasing, and associations between exposure to agricultural chemicals and DNA damage and cancer have been reported. Brazil is one of the world leaders in pesticide use; however, studies that evaluate the impact of pesticide exposure on cancer incidence and mortality are very scarce in the Brazilian population. The alkaline comet assay and the chromosome aberration (CA) test were used to evaluate primary DNA damage in the peripheral blood lymphocytes of workers exposed to a complex mixture of pesticides in two small rural communities in the municipalities of Tiangu and Ubajara, located in the western part of Cear State (Northeast Brazil), which are among the largest agricultural areas of the state. The comet assay showed that the damage index and damage frequency observed in the exposed groups were significantly higher in relation to the controls (P < 0.05). On the other hand, no differences were detected regarding structural and numerical CAs in the communities evaluated. Additionally, the observed levels of DNA strand breaks and frequencies of CAs, stratified for exposure time, were not statistically different for individuals of either rural community. Our results suggest that the damages caused by pesticides in our study area were not great enough to induce permanent mutations or to interfere with mitotic apparatus formation; minimal pesticide damages could have undergone cellular repair, explaining the absence of structural and numerical CAs. Analyses of water from the reservoir that serves as a source for irrigation of crops and supplies the cities of the region did not detect contamination by pesticides. Key words: biomonitoring; pesticide exposure; human lymphocytes; comet assay; chromosomal aberrations
15
1. INTRODUO
1.1. Aspectos Gerais
O sculo 20 caracterizou-se, entre outros aspectos, por um intenso e contnuo
processo de mudanas tecnolgicas e organizacionais, que atingiram de forma
contundente o mundo da produo, acarretando grandes transformaes nas formas,
nos processos e nas relaes de trabalho. A agricultura, que por sculos constitua o
meio de vida dos agricultores e de suas famlias, converteu-se numa atividade
orientada para a produo comercial. Por trs desta mudana, est a necessidade de
alimentar um contingente populacional cada vez maior, que segundo a Organizao
das Naes Unidas ser de 7,9 bilhes de pessoas em 2025 (OIT, 2001). Neste sentido,
o processo de produo agrcola tem passado por importantes mudanas tecnolgicas e
organizacionais, cujo resultado final tem sido, entre outros aspectos, o aumento da
produtividade.
Em relao s alteraes tecnolgicas, a primeira e importante mudana foi a
mecanizao de diversas atividades agrcolas e a conseqente substituio da mo-de-
obra pela maquinaria, tornando-se um dos motivos do xodo rural. A segunda
mudana foi a introduo, a partir de 1930, dos agroqumicos ou pesticidas no campo,
em especial os pesticidas, intensificando-se sua utilizao a partir da Segunda Guerra
Mundial. Finalmente, a terceira e importante mudana ocorreu a partir da dcada de 90
com a introduo da biotecnologia, destacando-se os organismos geneticamente
modificados os transgnicos (ABRAMOVAY, 1992; OIT, 2001).
Quanto ao sistema de produo, pode-se dizer que, de modo geral, nos pases
em desenvolvimento, a agricultura baseia-se principalmente na produo familiar, cuja
explorao em grande parte voltada a subsistncia. Nos pases desenvolvidos a
agricultura se transformou em uma atividade comercial em que a produo dos
alimentos se integra a transformao, comercializao e distribuio, formando assim,
o sistema agroindustrial (ABRAMOVAY, 1992; OIT, 2001).
No Brasil, de acordo com Gehlen (2004) parte da agricultura de carter
familiar modernizou-se, tendo incorporado tecnologias e entrado no mercado da
competitividade e profissionalizao, principalmente, a partir da dcada de 1980.
J na agroindstria, sua principal caracterstica o trabalho assalariado na
forma de contratao direta ou da terceirizao da fora de trabalho (ABRAMOVAY,
1992; OIT, 2001; GARCIA, 1996; ALVES, 1992).
16
Essas caractersticas do processo de produo agrcola implicam em uma
dificuldade em classificar, de forma rgida, as relaes de trabalho neste setor.
Observa-se que os trabalhadores estabelecem relaes de trabalho em funo de suas
necessidades e de suas possibilidades econmicas num determinado momento
histrico das relaes capital/trabalho. Todo esse processo constitui o arcabouo da
modernizao agrcola que, se por um lado tem gerado aumento da produtividade,
por outro lado tem provocado excluso social, migrao rural, desemprego,
concentrao de renda, empobrecimento da populao rural, danos sade e ao meio
ambiente, acompanhado de desmatamento indiscriminado, manejo incorreto do solo,
impactos do uso de pesticidas e contaminao dos recursos hdricos (OIT, 2001;
GRISOLIA, 2005).
importante ressaltar que no Brasil, a organizao do trabalho agrcola tem
ainda como pano de fundo uma estrutura fundiria altamente concentrada, onde cerca
de 94% do nmero de propriedades rurais respondem por apenas 30% da rea
ocupada. Este fato per si tem conseqncias marcantes no desenvolvimento do setor
agrcola brasileiro (IBGE, 2010).
Associado a falta da estrutura organizacional podem ser acrescentados os
fatores de riscos e os danos a sade dos trabalhadores, que devem ser compreendidos
pela ausncia de tecnologias, excesso de trabalho e no interveno dos rgos
governamentais junto aos trabalhadores nos locais de atuao e pela falta de
implementao dos equipamentos de segurana de trabalho, tudo isso somado s
questes do arcabouo jurdico vigente. Assim, possvel afirmar que no processo de
avaliao de riscos, fatores de risco e danos sade dos trabalhadores, alm das
anlises das condies materiais de trabalho, importante que se atenha aos homens
responsveis pela execuo das tarefas, avaliando tanto suas condies fisiolgicas,
afetivas, como a experincia acumulada em relao tarefa e s situaes concretas de
trabalho nas quais esto inseridos.
1.2. Produo e consumo de pesticidas
A utilizao de produtos visando ao combate de pragas e doenas presentes na
agricultura no recente. Civilizaes antigas usavam enxofre, arsnico e calcrio
para eliminar pragas que destruam plantaes e alimentos armazenados. Alm dessas,
eram utilizadas substncias orgnicas, como a nicotina extrada do fumo e do
17
pyrehrum (GARCIA, 1996; MEIRELLES, 1996). Porm, o intenso desenvolvimento
da indstria qumica a partir da Revoluo Industrial determinou o incremento na
pesquisa e desenvolvimento dos produtos pesticidas. A produo em escala industrial
de pesticidas teve incio em 1930 e foi intensificada a partir de 1940 (MEIRELLES,
1996). No decorrer dos anos vrias denominaes foram dadas a um grupo muito
semelhante de substncias e que possuem como principal aplicao a eliminao de
pragas e vetores. Dentre estes podemos citar pesticidas, praguicidas, biocidas,
fitossanitrios, agrotxicos, defensivos agrcolas, venenos e remdios.
A entrada dos pesticidas no Brasil ocorreu na dcada de 1960 e desde ento,
foram colocados definitivamente no cotidiano dos trabalhadores rurais, levando-os aos
riscos da conseqncia do seu mau uso, aumentando assim, os riscos aos quais j
estavam expostos. A intensificao do uso foi a partir de 1975, com o Plano Nacional
de Desenvolvimento (PND), que possibilitou a abertura do Brasil ao comrcio
internacional desses produtos, ocorrendo um verdadeiro boom na utilizao de
pesticidas no trabalho rural. Nos termos do PND, o agricultor estava obrigado a
comprar tais produtos para obter recursos do crdito rural. Em cada financiamento
requerido, era obrigatoriamente includa uma cota definida de pesticidas (GARCIA,
1996; MEIRELLES, 1996; SAYAD, 1984) e essa obrigatoriedade, somada
propaganda dos fabricantes, determinou o enorme incremento e disseminao da
utilizao dos pesticidas no Brasil (GARCIA, 1998; MEIRELLES, 1996).
A poltica de crdito integrou o movimento conhecido como Revoluo Verde,
iniciado nos Estados Unidos da Amrica com o objetivo de aumentar a produtividade
agrcola a partir do incremento da utilizao de agroqumicos, da expanso das
fronteiras agrcolas e do aumento da mecanizao da produo. No Brasil, a
Revoluo Verde se deu atravs do aumento da importao de produtos qumicos, da
instalao de indstrias produtoras e formuladoras de pesticidas e do estmulo do
governo, atravs do crdito rural, ao consumo de pesticidas e fertilizantes
(MEIRELLES, 1996).
Atualmente existem no mundo cerca de 20 grandes indstrias produtoras de
pesticidas com um volume de vendas da ordem de 20 bilhes de dlares por ano e uma
produo de 2,5 milhes de toneladas, sendo 39% de herbicidas, 33% de inseticidas,
22% de fungicidas e 6% de outros grupos qumicos (SINDAG, 2010).
18
Em 2008, o Brasil assumiu a liderana no consumo mundial de pesticidas,
posio antes ocupada pelos Estados Unidos. Os produtores brasileiros compraram
cerca de US$ 7 bilhes em defensivos agrcolas. Isso representa um crescimento de
quase 30% em relao ao ano anterior (INRA, 2009). As lavouras americanas, mesmo
ocupando uma rea consideravelmente maior, investiram US$ 6,7 bilhes nestes
insumos.
No Brasil, existem cerca de 1500 produtos comerciais registrados por 84
fabricantes, representando 424 ingredientes ativos. Destes, 673 esto no mercado e
56% so classificados como moderadamente ou pouco txicos (classes III e IV). No
ano de 2009 foram comercializadas 725 mil toneladas de produtos formulados, sendo
que os herbicidas representaram 59% desse total. A soja foi a cultura com maior
volume de uso (48%), seguida pelo milho (11%) e pela cana-de-acar (8%) (ANDEF-
2010).
A tecnologia envolvida na sntese dos pesticidas mais recentes, em comparao
aos da dcada de 60, propiciou reduo de aproximadamente 90% na dose e 160 vezes
na toxicidade aguda, alm de apresentar novos mecanismos de ao que geralmente
representam menor impacto ao ambiente (MENTEN et al., 2010).
A agricultura das regies norte-nordeste e sul-sudeste absolutamente
diferente uma vez que na regio Nordeste basicamente qumico dependente,
utilizando fertilizantes e pesticidas como se fossem as nicas tcnicas de produo
possveis.
So ainda incipientes as experincias de reconverso tecnolgica para um
modelo de agricultura sustentvel e como agravante, h ainda o fato de que o
conhecimento que os agricultores dispem sobre os riscos do uso inadequado destes
produtos extremamente baixo. neste contexto, que a prpria legislao brasileira,
reconhecendo a natureza destes produtos, substitui o termo defensores agrcolas pela
denominao agrotxicos enfatizando assim, que estes produtos so na verdade
venenos e por isso colocam em risco o meio ambiente e a sade humana (AUGUSTO,
2003).
1.3. Exposio aos pesticidas e riscos sade
Os pesticidas so um dos mais importantes fatores de riscos sade humana.
Utilizados em grande escala por vrios setores produtivos e mais intensamente pelo
19
setor agropecurio, tem sido objeto de vrios tipos de estudos, tanto pelos danos que
provocam a sade das populaes humanas e dos trabalhadores de modo particular,
como pelos danos ao meio ambiente e pelo aparecimento de resistncia em
organismos-alvo (pragas e vetores). Na agricultura so amplamente utilizados nos
sistemas de monocultivo em grandes extenses. Essas substncias so ainda utilizadas
na construo e manuteno de estradas, tratamento de madeiras para construo,
armazenamento de gros e sementes, produo de flores, combate s endemias e
epidemias, como domissanitrios. Enfim, o uso dos pesticidas excede em muito aquilo
que comumente se reconhece.
As principais exposies a estes produtos ocorrem no setor agropecurio, sade
pblica, firmas sintetizadoras, transporte, comercializao e nos setores de produo
de pesticidas. Alm da exposio ocupacional, a contaminao alimentar e ambiental
coloca em risco de intoxicao outros grupos populacionais. Merece destaque as
famlias dos agricultores, a populao circunvizinha a uma unidade produtiva e a
populao em geral, que se alimenta do que produzido no campo. Portanto, pode-se
afirmar que os efeitos dos pesticidas sobre a sade no dizem respeito apenas aos
trabalhadores expostos, mas populao em geral. A unidade produtiva no afeta
apenas o trabalhador, inclui tambm o meio ambiente e repercute sobre o conjunto
social (CHEDIACK, 1986).
Diversos estudos tm demonstrado grande variabilidade de danos dos
pesticidas sobre a sade humana e ao meio ambiente, assim como diferenas na
gravidade e magnitude desses danos (ALAVANJA et al., 2002; COLOSSO et. al.,
2003; GRISOLIA, 2005; KAMANYIRE & KARALLIEDDE, 2004; NOVATO -
SILVA et al., 1999; PERES et al., 2003; PERES et al., 2001; SANTOS, 2003; SILVA
et al., 2004).
1.4. Classificao dos Pesticidas
De modo geral, todos os pesticidas so classificados quanto aos tipos de
organismos que controlam, toxicidade das substncias e aos grupos qumicos aos
quais pertencem (GILMAN, 2006). Esta classificao fundamental para o
conhecimento da toxicidade de um produto do ponto de vista de seus efeitos agudos,
mas deixa a desejar no tocante aos efeitos crnicos.
20
No Brasil, o Ministrio da Sade MS avalia a toxicidade dos pesticidas
baseado na DL50 oral em ratos. Entende-se por Dose Mdia Letal (DL50), por via oral,
representada por miligramas do ingrediente ativo do produto por quilograma de peso
vivo, necessrios para matar 50% da populao de ratos ou de outro animal teste.
(Tabela 1). A DL50 usada para estabelecer as medidas de segurana a serem seguidas
para reduzir os riscos que o produto pode apresentar sade humana.
Tabela 1. Classificao dos pesticidas quanto toxicidade
CLASSE
CATEGORIA
DL 50(mg/Kg) ORAL DRMICA
FORMULAES FORMULAES SLIDAS LQUIDAS SLIDAS LQUIDAS
Ia Extremamente txico (tarja vermelha)
4000
Fonte: OMS-2005
1.4.1. Classificao Toxicolgica
Por determinao legal, todos os produtos devem apresentar nos rtulos uma
faixa colorida indicativa de sua classe toxicolgica (Tabela 1).
1.4.2. Grupos Qumicos
Em conformidade com Larine (1997) os pesticidas obedecem seguinte
distribuio qumica:
A. Organofosforados: steres derivados do cido fosfrico, geralmente
lipossolveis, no cumulativos no organismo, persistem no meio ambiente de uma a
doze semanas, degradam-se por hidrlise e so comumente empregados como
inseticidas e acaricidas;
B. Carbamatos: steres do cido carbmico, lipossolveis, pouco solveis
em gua. Por apresentarem maior instabilidade que os organofosforados, so menos
persistentes no organismo e no meio ambiente e so empregados como inseticida,
fungicida, herbicida e nematicida;
21
C. Piretrides: steres derivados do cido crisantmico, no se acumulam
no organismo, apresentam baixa lipossolubilidade e degradam-se rapidamente no meio
ambiente. Empregados geralmente como inseticidas comearam a ser utilizados mais
intensamente na dcada de 80, substituindo os organofosforados no controle de pragas
e doenas agrcolas;
D. Organoclorados: possuem estrutura cclica, orgnica, com cloro na
molcula, lipossolveis, cumulativos na cadeia alimentar e no organismo, altamente
persistentes degradao ambiental, permanecendo no solo em mdia de dois a cinco
anos. Comumente empregados como inseticidas (formicidas e larvicidas). Esto
proibidos no Brasil desde o ano de 2005, principalmente devido aos seus efeitos
cumulativos e sua persistncia no ambiente, associados aos efeitos graves sobre a
sade humana. Vrios estudos demonstraram que muitos produtos pertencentes a esta
classe so carcinognicos.
E. Dietilditiocarbamatos: largamente utilizados na agricultura como
fungicidas no sistmicos, em cereais, frutas, verduras e legumes. Controlam amplo
espectro de fungos, principalmente em regies quentes e midas.
F. Bipiridilos: sais de paraquat ou diquat, compostos orgnicos pouco
solveis, possuem baixa persistncia nos organismos e no meio ambiente, so
utilizados como herbicidas.
G. cidos fenoxiacticos: compostos pelos herbicidas cido 2,4dicloro-
fenoxiactico (2,4D) e 2,4,5triclorofenoxicetico (2,4,5 T), lipossolveis, persistem
at 30 dias no solo. Alguns subprodutos destes dois cidos, como a dioxina, so
altamente persistentes no meio ambiente. Trata-se do grupo mais empregado entre os
herbicidas.
H. Cloro e nitrofenis: sais de pentaclorofenol (PCP), altamente solveis
em gua, possuem elevada persistncia no meio ambiente. Apesar do amplo espectro
biocida, so utilizados quase que exclusivamente no tratamento de madeiras contra
fungos e cupins. Assim como os cidos fenoxiacticos, apresenta a dioxina como
impureza do processo de produo. Conhecido no Brasil como p da China, est
proibido para uso agropecurio por ser extremamente txico, nas fases aguda e
crnica. No entanto, encontra-se autorizado apenas para o tratamento de madeiras em
escala comercial.
I. Outros: cumarinas, brometo de metila, etc.
22
1.4.3. Principais classes de pesticidas
As trs principais classes de pesticidas, por representarem em mdia 94,8% do
consumo brasileiro no ano de 2009, so os inseticidas, fungicidas e herbicidas
(SINDAG, 2010).
Tabela 2: Principais classes de pesticidas e grupos qumicos aos quais pertencem.
Tipo de ao
(Classe)
Principais grupos qumicos
Produtos/substncias
Inseticidas
Organofosforados Azodrin, Malathion, Parathion, Nuvacron, Tamaron, Hostation, Lorsban
Carbamatos Carbaryl, Furadan, Lannate, Marshal
Organoclorados Aldrin, Endrin, DDT, BHC, Lindane
Piretrides (sintticos) Decis, Piredam, Karate, Cipermetrina
Fungicidas
Ditiocarbamatos Maneb, Mancozeb, Dithane, Thiram, Manzate
Organoestnicos Brestan, Hokko Suzu
Dicarboximidas Orthocide, Captan
Herbicidas
Bipiridlios Gramoxone, Paraquat, Reglone, Diquat
Glicina substituda Roundup, Glifosato
Derivados do cido fenoxiactico
Tordon, 2,4-D, 2,4,5-T
Dinitrofenis Bromofenoxim, Dinoseb, DNOC
Pentaclorofenol Clorofen, Dowcide-G
Fonte: SINDAG, 2010(modificada)
23
1.4.3.1. Inseticidas
A. Organoclorados
Estes inseticidas foram utilizados por vrias dcadas na sade pblica para o
controle de vetores de doenas endmicas, como a malria (MATOS et al., 2002),
assim como na agricultura. O DDT (inseticida) foi banido em vrios pases, a partir da
dcada de 70. No Brasil, somente em 1992, aps intensas presses sociais, foram
abolidos (BHC, Aldrin, Lindano, dentre outros). As restries sua utilizao
originam-se da grande capacidade residual dos mesmos e de uma possvel ao
carcinognica (NUNES, TAJARA, 1998).
Principais caractersticas
So substncias de lenta degradao com capacidade de acumulao nos seres
vivos e no meio ambiente, podendo persistir por at 30 anos no solo. So altamente
lipossolveis e o homem pode ser contaminado no s por contato direto, mas tambm
atravs da cadeia alimentar - ingesto de gua e alimentos contaminados (VERDES et
al., 1990; REIGART, ROBERTS, 1999). Por serem altamente lipoflicos, so
seqestrados pelos tecidos corporais com alto teor lipdico (fgado, rins, sistema
nervoso, tecido adiposo), ficando armazenados. So eliminados principalmente atravs
das vias digestiva e urinria. Outras vias de excreo incluem a saliva, o suor e o leite
materno (FORGET, 1989).
Efeitos sobre a sade humana
Intoxicao aguda: sintomas no sistema nervoso central como irritabilidade,
sensao de dormncia na lngua, nos lbios e nos membros inferiores, desorientao,
dor de cabea persistente (que no cede aos analgsicos comuns), fraqueza, vertigem,
nuseas, vmitos, contraes musculares involuntrias, tremores, convulses, coma e
morte. Em caso de inalao, podem ocorrer sintomas como tosse, rouquido, edema
pulmonar, broncopneumonia e taquicardia (SVS, 1997; MATOS et al., 2002).
Intoxicao crnica: alteraes no sistema nervoso, alteraes sanguneas
diversas, como aplasia medular, leses no fgado, arritmias cardacas e leses na pele
(Secretaria Nacional de Vigilncia a Sade-SVS, 1997).
Carcinognese: A Agncia Internacional para Pesquisa em Cncer-IARC
classifica alguns como pertencentes ao grupo 2B (possivelmente cancergeno para a
espcie humana). O DDT, por exemplo, pertence a este grupo por estar associado ao
desenvolvimento de cncer de fgado, pulmo e linfomas em animais de laboratrio.
24
Outros organoclorados pertencentes ao grupo 2B so clorodano, heptacloro,
hexaclorobenzeno, mirex (IARC, 2005). A tabela 3 mostra a classificao da IARC
para a carcinogenicidade dos pesticidas.
B. Organofosforados e carbamatos
So amplamente utilizados na agricultura e, dentre os inseticidas, so
responsveis pelo maior nmero de intoxicaes agudas e por um grande nmero de
mortes no Brasil (TRAP, 2005).
Principais caractersticas
A absoro se d atravs da pele, sendo distribudos nos tecidos do organismo
pela corrente sangnea e sofrem biotransformao, principalmente no fgado. A
principal via de eliminao renal (MATOS et al., 2002).
Os inseticidas organofosforados e carbamatos possuem ao semelhante no
organismo: a inibio de enzimas colinesterases, especialmente a acetilcolinesterase.
Estas enzimas esto presentes na transmisso de impulsos nervosos em diversos
rgos e msculos, e assim uma contaminao por estes pesticidas pode desencadear
uma srie de efeitos deletrios, inclusive podendo levar a bito (TRAP, 2005).
Efeitos sobre a sade humana
Diferentemente dos organofosforados, os carbamatos so inibidores reversveis
das colinesterases, porm as intoxicaes agudas podem ser igualmente graves.
Ambos atuam no s no sistema nervoso central, mas tambm nos glbulos
vermelhos, no plasma e em outros rgos (FUNASA, 1998).
Intoxicao aguda: os sinais e sintomas comeam a surgir poucos minutos
aps a absoro do txico e podem alcanar seu mximo, inclusive levando a bito
dentro de algumas horas ou poucos dias (ALMEIDA, 1998). Os principais sinais e
sintomas so: suor abundante, salivao intensa, lacrimejamento, fraqueza, tontura,
dores e clicas abdominais, viso turva e embaada, pupilas contradas miose,
vmitos, dificuldade respiratria, colapso, tremores musculares, convulses
(FUNASA, 1998).
Intoxicao crnica: outros sinais e sintomas podem persistir por meses aps
a exposio, como alteraes neurolgicas, comportamentais, cognitivas e
neuromusculares (ECOBICHON, 1996).
25
Carcinognese: Alguns organofosforados e carbamatos esto presentes na
reviso da IARC (2005), que define o diclorvs (organofosforado) como pertencente
ao grupo 2B (possivelmente cancergeno para o homem), enquanto que malation,
paration (organofosforados); aldicarb, carbaril, zectran (carbamatos) pertencem ao
grupo 3: (no classificado como carcinognico para o homem).
C. Piretrides
Tiveram seu uso crescente nos ltimos 20 anos e, alm da agropecuria, so
tambm muito utilizados em ambientes domsticos (MATOS et al., 2002; TRAP,
2005). Seu uso abusivo vem causando aumento nos casos de alergia em crianas e
adultos (FUNASA, 1998).
Principais caractersticas
So facilmente absorvidos pelas vias digestiva, respiratria e cutnea. Os
sintomas de intoxicao aguda ocorrem principalmente quando sua absoro se d por
via respiratria. So compostos estimulantes do sistema nervoso central e, em doses
altas, podem produzir leses no sistema nervoso perifrico (MATOS et al., 2002;
SVS, 1997).
Efeitos sobre a sade humana
Intoxicao aguda: os principais sinais e sintomas incluem dormncia nas
plpebras e nos lbios, irritao das conjuntivas e mucosas, espirros, coceira intensa,
manchas na pele, edema nas conjuntivas e nas plpebras, excitao e convulses.
Intoxicao crnica: Segundo Matos et al. (2002), no esto descritas
evidncias de toxicidade crnica com o uso de piretrides. Outros autores, como Trap
(2005), citam alguns efeitos de exposies de longo prazo: neurites perifricas e
alteraes hematolgicas do tipo leucopenias.
Carcinognese: Os piretrides parecem no apresentar potencial cancergeno
para humanos. Como exemplo, a IARC classifica os pesticidas deltametrina e
permetrina no grupo 3B (como sendo no carcinognicos para o homem).
D. Herbicidas
So usados no combate a ervas daninhas. Nas ltimas duas dcadas, esse grupo
tem tido sua utilizao crescente na agricultura (FUNASA, 1998). Seus principais
26
representantes so paraquat, pentaclorofenol, derivados do cido fenoxiactico e
dinitrofenis.
Principais caractersticas
Existem vrias indicaes de mutagenicidade, teratogenicidade e
carcinogenicidade relacionados a estes produtos.
Efeitos sobre a sade humana
Alguns herbicidas so muito nocivos sade humana, destacando-se:
Bipiridilos (Paraquat)
Este produto considerado um dos agentes de maior toxicidade especfica para
os pulmes. Pode ser absorvido por ingesto, inalao ou contato com a pele. Provoca
leses hepticas, renais e fibrose pulmonar irreversvel, podendo levar morte por
insuficincia respiratria em at duas semanas aps a exposio, em casos graves.
(MATOS et al., 2002)
Pentaclorofenol e Dinitrofenis
Os principais sintomas de intoxicao aguda por estes produtos incluem
dificuldade respiratria, hipertermia, fraqueza, convulses e perda de conscincia. O
pentaclorofenol possui em sua formulao dioxinas como impurezas, substncias
extremamente txicas, cancergenas e fetotxicas (FUNASA, 1998).
Derivados do cido fenoxiactico
Um dos principais produtos o 2,4 diclorofenoxiactico (2,4 D), muito usado
no Brasil em pastagens e plantaes de cana de acar. O 2,4,5 triclorofenoxiactico
(2,4,5 T) tem uso semelhante ao 2,4 D, apresentando uma dioxina como impureza,
responsvel pelo surgimento de cloro-acnes, abortamentos, alm de efeitos
teratognicos e carcinognicos. Os efeitos crnicos incluem neuropatia perifrica,
disfuno heptica e aumento da probabilidade de desenvolver linfomas tipo Hodgkin
e no-Hodgkin (MATOS et al., 2002).
Carcinognese dos Herbicidas
Estudos epidemiolgicos demonstram diversas associaes entre o uso de
pesticidas e cncer em humanos, incluindo linfoma no-Hodgkin e cncer de tireide
(SOLOMON, 2000).
Dioxinas: a presena de dioxinas como impurezas nos herbicidas est
associada ao desenvolvimento de distrbios reprodutivos e alguns tipos de cncer,
como os linfomas (TRAP, 2005). Foi relatado que o 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-
27
dioxina-TCDD o mais potente carcinognico at hoje testado para roedores. Estudos
em animais forneceram evidncias conclusivas que o TCDD um carcingeno de
mltiplos estgios, aumentando a incidncia de tumores em locais distantes dos locais
de tratamento. Em fevereiro de 1997, a Agncia Internacional de Pesquisa do Cncer
(IARC) reavaliou as dibenzo-p-dioxinas policloradas, bem como os dibenzofuranos
policlorados, por representarem possveis riscos carcinognicos para os seres
humanos. Com base nos mais recentes dados epidemiolgicos, em populaes
humanas expostas, atravs de bioensaios de carcinogenicidade experimental em
animais de laboratrio e evidncias de apoio sobre mecanismos relevantes de
carcinognese, a TCDD foi avaliada como sendo carcinognica para seres humanos
Grupo 1 da IARC (IARC, 1991).
Tabela 3. Classificao IARC para carcinogenicidade de pesticidas
Grupo IARC Descrio da classificao da IARC
Grupo 1 Carcinognico para humanos
Grupo 2A Provavelmente carcinognico para humanos
Grupo 2B Possivelmente carcinognico para humanos
Grupo 3 No classificvel em relao carcinogenicidade para humanos
Grupo 4 Provavelmente no carcinognico para humanos
Fonte: IARC, 1991
1.5. Legislao brasileira x pesticidas
A Constituio Federal Brasileira atribuiu ao Poder Pblico a obrigao de
controlar as substncias que comportem risco vida, qualidade de vida e ao meio
ambiente, no que se inclui o controle dos produtos fitossanitrios e/ou pesticidas e a
utilizao de equipamentos de proteo individual. A regulamentao deste tema
tratada nas portarias 25/2001 e 86/2005, Ministrio do Trabalho e Emprego-MTE.
A Lei n 7. 802, de 11 de julho de 1989, relativa a diversas substncias, dentre
estas, os pesticidas, instituiu a exigncia de que os mesmos sejam previamente
28
registrados para fins de produo, importao, exportao, comercializao e
utilizao, atendidas as diretrizes e exigncia dos rgos federais responsveis.
Dentre estas previses constitucionais encontra-se o Artigo 225, 1, inciso V
estabelecendo que: Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Pblico e a coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para o presente e as
futuras geraes. 1 incumbe ao Poder Pblico: [....] V- controlar a produo, a
comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco
para a vida, a qualidade de vida e meio ambiente e o Artigo 196, que determina: A
sade Direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante polticas sociais e
econmicas que visem a reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso
universal igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e
recuperao.
Por este instituto legal, os setores da sade e do meio ambiente possuem a
prerrogativa legal de avaliarem se suas diretrizes e exigncias esto satisfatoriamente
atendidas para a concesso de determinado registro, avaliando integralmente as
possveis repercusses que o produto pesticida possa ter e assegurando autoridade
pblica um nvel adequado de informao sobre as caractersticas e nvel txico de
cada produto comercializado no pas, de modo a garantir a sua qualidade e minimizar
seus riscos para a sade humana e ao meio ambiente. De acordo com os termos legais,
especialmente no que se refere s situaes dentro das quais fica proibida a concesso
do registro, e que dizem respeito a aspectos relativos a periculosidade do produto a
sade humana e/ou ao meio ambiente, verifica-se que o registro constitui um
procedimento bsico de controle, destinado a impedir que produtos dotados de riscos
inaceitveis sejam produzidos, importados, exportados, comercializados ou utilizados.
O estabelecimento de determinados padres para os produtos garantia de proteo a
sade pblica, ao consumidor e ao meio ambiente, sendo regido pela Portaria
Interministerial n 17, de 16 de maro de 2000, assinada pelos Ministros da
Agricultura, Pecuria e Abastecimento, da Sade, do Meio Ambiente e pelo Chefe da
Casa Civil da Presidncia da Repblica.
29
1.6. Exposio combinada: situaes diversas
A contaminao e a mistura de pesticidas situao muito presente na
realidade do trabalho agrcola, seja por causa das impurezas, dos inertes, pela
aquisio de produtos associados ou pelo uso simultneo de vrias substncias
(NOVATO - SILVA et al., 2004; SILVA et al., 1999; SILVA, 2000; SOARES et al.,
2003).
A imensa maioria dos estudos no considera a interao que os diversos
compostos qumicos podem estabelecer entre si e com sistemas biolgicos orgnicos,
sendo que essa interao pode at mesmo modificar o comportamento txico de um
determinado produto, acarretando efeitos diversos sobre a sade do grupo de
trabalhadores expostos.
Este um aspecto extremamente importante em relao a anlise dos riscos e
danos a sade da populao exposta e ao meio ambiente. Ressalte-se que a mistura de
produtos se d no apenas no campo, pela ao direta dos agricultores, mas tambm
por meio das prprias empresas. De acordo com o SINDAG (2008) dos diversos
pesticidas comercializados, vrios representam misturas de ingredientes ativos, tais
como 2,4-D + Diazinon (herbicida), Benalaxy + Mancozeb (fungicida) ou
Deltametrina + Triazophos (inseticida).
A exposio combinada as substncias qumicas pode causar trs tipos de
efeitos sobre a sade humana: independentes, sinrgicos (aditivos ou potencializados)
e antagnicos. Apesar de ainda pouco estudada, alguns trabalhos demonstraram que a
resposta do organismo humano diante das exposies laborais combinadas pode ser
influenciada por algumas caractersticas pessoais, tais como tabagismo, alcoolismo e o
estado nutricional. (PERES et al., 2001)
A. Substncias qumicas e temperaturas elevadas o aumento da
temperatura atmosfrica aumenta a volatilidade e a presso de vapor das substncias
qumicas, aumentando sua disponibilidade para inalao e/ou absoro cutnea.
Aumenta tambm a velocidade circulatria, contribuindo para maior absoro.
B. Substncias qumicas e esforo laboral o esforo fsico aumenta a
ventilao pulmonar. Assim, o organismo se v exposto a maiores quantidades de
txicos existentes no ar.
Estes aspectos so relevantes, tendo em vista que os agricultores em geral
desenvolvem as atividades de preparo e aplicao dos pesticidas numa situao em
30
que esto presentes, ao mesmo tempo, misturas de pesticidas, esforo fsico e
temperaturas elevadas.
1.7. A informao sobre as intoxicaes por pesticidas
No Brasil, as informaes em sade encontravam-se dispersas em vrias bases
de dados de forma fragmentada e desarticulada. Como herana da vigilncia
epidemiolgica das doenas infecciosas de notificao compulsria, privilegia-se o
registro de doenas. Isto dificulta o conhecimento dos seus condicionantes e
determinantes nas condies de vida e trabalho concretas dos trabalhadores (FREITAS
et al.,1986). Atualmente, as informaes sobre sade esto disponveis na base de
dados do sistema DATASUS. O sistema DATASUS foi criado e implantando em
1991. Este sistema abastecido com os dados provenientes das secretarias de sade
dos estados e municpios.
A dificuldade de acesso dos agricultores as unidades de sade, o despreparo
das equipes de sade para relacionar problemas de sade ao trabalho em geral e a
exposio aos pesticidas de forma particular, os diagnsticos incorretos, a escassez de
laboratrios de monitoramento biolgico e a inexistncia de biomarcadores precoces
e/ou confiveis so alguns dos fatores que influenciam no sub-diagnstico e no sub-
registro. Portanto, pode-se afirmar que os dados oficiais brasileiros sobre intoxicaes
por pesticidas no retratam a gravidade de nossa realidade, como podemos constatar
nos estudos de Freitas et al., (1986), Peres et al., (2001); Moreira et al., (2002), dentre
outros.
Entre as bases de dados de interesse na rea de sade do trabalhador podem-se
destacar a Comunicao de Acidente do Trabalho (CAT), o Sistema de Mortalidade
(SIM), Sistema de Internao Hospitalar (SIH) e o Sistema Nacional de Informao
Txico-Farmacolgica (SINITOX).
O SINITOX, criado em 1980 e vinculado Fundao Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ) responsvel pela coleta, compilao, anlise e divulgao dos casos de
intoxicao registrados pela Rede Nacional de Centros de Informao e Assistncia
Toxicolgica (RENACIAT), atualmente composta de 36 unidades localizadas em 19
Estados e no Distrito Federal, que possuem a funo de fornecer informao e
orientao sobre o diagnstico, prognstico, tratamento e preveno das intoxicaes,
31
assim como sobre a toxicidade das substncias qumicas e biolgicas e os riscos que
elas representam sade
O SINITOX considera, desde 1999, casos de intoxicao e envenenamento
causados por 17 agentes txicos, dentre eles pesticidas que so categorizados em:
pesticidas de uso agrcola, pesticidas de uso domstico, produtos veterinrios e
raticidas. Esta categorizao importante quando se deseja estudar o perfil de cada um
desses agentes txicos. No entanto, para chamar a ateno das autoridades para o risco
que o uso indiscriminado dos pesticidas representa a sade das populaes humanas
importante reunir essas quatro categorias em um nico grupo, comumente denominado
simplesmente de agrotxicos ou pesticidas, que dessa forma adquire magnitude
suficiente para se colocar como o terceiro principal agente txico em relao ao
nmero de casos de intoxicao humana registrados pelo SINITOX, tanto ao pas
como um todo como a cada uma das cinco regies geogrficas, ficando atrs apenas
dos medicamentos e dos animais peonhentos. Com relao aos bitos, no preciso
lanar mo desse artifcio, pois os pesticidas de uso agrcola j concentram sozinhos a
maioria dos bitos.
O sexo masculino est presente na maioria dos bitos para todos os tipos de
pesticidas estudados, apresentando os maiores coeficientes de mortalidade. O risco de
uma pessoa do sexo masculino morrer de intoxicao por pesticidas de uso agrcola
trs vezes maior do que de uma pessoa do sexo feminino (SINITOX, 2010).
1.7.1. Classificao das intoxicaes
Sabe-se que a exposio a um determinado produto qumico em grandes doses
por um curto perodo causa efeitos agudos, eventos amplamente descritos na literatura
mdica e cientfica. A associao causa/efeito , geralmente, fcil de ser estabelecida
(Tabela 4). Em linhas gerais, o quadro agudo varia de intensidade, desde leve at
grave, podendo ser caracterizado por nusea, vmito, cefalia, tontura, desorientao,
hiper-excitabilidade, parestesias, irritao de pele e mucosas, fasciculao muscular,
dificuldade respiratria, hemorragia, convulses, coma e morte.
Diferente dos efeitos agudos, os crnicos so causados por exposies em
longos perodos a baixas concentraes, so de reconhecimento clnico bem mais
difcil, principalmente quando h exposio a mltiplos contaminantes, situao
bastante comum no trabalho agrcola. H, neste caso, maior dificuldade para o
32
reconhecimento de uma associao causa/efeito, prejudicando bastante o diagnstico e
tratamento do paciente intoxicado. Entre os inmeros efeitos crnicos sobre a sade
humana esto descritas alteraes imunolgicas, genticas, malformaes congnitas,
cncer, efeitos deletrios sobre os sistemas nervoso, hematopoitico, respiratrio,
cardiovascular, geniturinrio, trato gastrintestinal, heptico, reprodutivo, endcrino,
pele e olhos, reaes alrgicas, alteraes comportamentais (ALAVANJA et al., 2005;
COLOSSO et al., 2003, GARCIA, 1996; SILVA et al., 1999; SILVA, 2000).
1.7.1.1. Intoxicao aguda
As intoxicaes por pesticidas geram custos sociais e econmicos bastante
elevados, principalmente nos pases em desenvolvimento. Segundo a Organizao
Internacional das Unies de Consumidores- OIUC (2009), a cada quatro horas morre
um trabalhador do setor agrcola de algum pas em desenvolvimento. De acordo com a
Organizao Internacional do Trabalho (OIT, 2001), 14% das leses ocupacionais,
nesse mesmo setor, so ocasionadas por pesticidas. No Brasil os custos so altos, pois,
alm de ser o maior consumidor mundial de pesticidas, a legislao que trata da venda
e consumo e os rgos que fiscalizam o cumprimento destas leis so ineficazes.
No Brasil, as intoxicaes agudas por pesticidas ocupam a terceira posio
dentre os agentes causais, sendo a maioria dos casos por inseticidas organofosforados,
piretrides, carbamatos e organoclorados (73%), raticidas (15,3%) e herbicidas (9,7%)
(SINITOX, 2010).
As principais circunstncias que ocasionam as intoxicaes so ocupacionais,
tentativas de suicdio e os acidentes (ALONZO, CORRA, 2002). No Estado do
Cear em 2009 foram registrados 1.667 casos de intoxicao aguda, destes 428
(25,67%) correspondem a intoxicaes causadas por pesticidas. (SINITOX, 2010).
1.7.1.2. Intoxicao crnica
Quanto aos efeitos da intoxicao crnica (Tabela 5) difcil atribu-los a um
s produto, pois os estudos mostram que as exposies crnicas envolvem uma
mistura de vrias substncias, em concentraes e frequncias de aplicaes bastante
variveis. Diversos problemas de sade esto relacionados intoxicao crnica por
compostos organofosforados: neurotoxicidade retardada (paralisia de nervos motores),
desordens de personalidade e psiquitricas, parkinsonismo, reflexos diminudos,
33
reduo da concentrao, diminuio da memria, depresso, ansiedade, irritabilidade,
polineuropatias, depresso da medula ssea e anemia aplstica, com possvel risco de
desenvolvimento subseqente de leucemias so relatados por Agapejev et al.(1986).
Os principais fatores responsveis pelos danos causados pelo uso de pesticidas
so a inexistncia de uma poltica mais efetiva de fiscalizao, controle,
acompanhamento, aconselhamento tcnico adequado na utilizao destes agentes; o
baixo nvel de escolaridade, que torna difcil o entendimento, mesmo superficial, de
informaes tcnicas; as prticas exploratrias de propaganda das firmas produtoras; o
desconhecimento de tcnicas alternativas e eficientes de cultivo; a pouca ateno dada
ao descarte de rejeitos e de embalagens; e a utilizao dos agrotxicos e exposio
continuada a esses produtos. Isso tudo torna o uso inadequado de pesticida um grande
problema de sade pblica no meio rural (PERES, 1999; OLIVEIRA-SILVA et al.,
2000).
Diversos grupos populacionais esto sujeitos aos efeitos danosos dos
pesticidas, seja por exposio direta ou indireta, todavia, os agricultores que entram
em contato direto representam o grupo de maior risco. O contato direto ocorre na
manipulao destes produtos, seja na preparao ou aplicao. O contato indireto
ocorre de diversas formas, principalmente atravs de visitas plantao, seleo da
produo e outros contatos com as plantas que passaram por pulverizaes. Mesmo os
trabalhadores que mantm apenas contato indireto sofrem efeitos agudos e crnicos
causados pelos pesticidas. A populao trabalhadora rural dificilmente se expe a um
nico tipo de pesticida, portanto, o grande desafio toxicologia nestas prximas
dcadas ser a avaliao de indivduos com mltiplas exposies por muitos anos
(TRAP, 2005).
Entre os fatores possveis causadores da elevao da absoro dos inseticidas
destacam-se como mais importantes: inadequada proteo individual; uso irregular dos
equipamentos; uso repetido da mesma roupa contaminada durante dias; os hbitos no
ambiente de trabalho; a inobservncia de tcnicas corretas de aplicao, inclusive
durante os perodos de elevada temperatura ambiental, facilitando uma maior
volatilizao do princpio ativo e a conseqente contaminao do meio ambiente
laboral. Nos estudos de Soares et al., (2003), os principais fatores de risco para a
exposio so o no do uso equipamento de proteo, lavagem de equipamentos em
tanque de uso domstico e uso de pulverizador costal manual.
34
Nas pequenas propriedades rurais o trabalho basicamente familiar, fazendo
com que toda a famlia manipule pesticidas e os trabalhadores comeam a se
contaminar com estes produtos ainda na infncia, aumentando consideravelmente os
riscos de sofrerem os efeitos nocivos da intoxicao crnica (MOREIRA et al., 2002).
Tabela 4: Caractersticas das intoxicaes agudas e crnicas por pesticidas. Intoxicaes Aguda Crnica
Caractersticas da Exposio nica ou por curto perodo Continuada por longo perodo
Sinais
e
Sintomas
Cefalia, tontura, nusea, vmito, fasciculao muscular, parestesias, desorientao, dificuldade respiratria, coma, morte e hemorragias.
Ao neurotxica retardada irreversvel, distrbios neuro-psicolgicos, leso cerebral irreversvel, tumores malignos, atrofia testicular, esterilidade masculina, formao de catarata, leses hepticas.
Fonte: (Calvert et al., 2004; Keifer, 1997; Kamel, 2004) modificado
Tabela 5: Efeitos crnicos dos pesticidas sobre rgos e sistemas humanos.
RGO/SISTEMA EFEITOS CRNICOS
Sistema nervoso Sndrome asteno-vegetativa, polineurite, radiculite, encefalopatia, distonia vascular, esclerose cerebral, neurite retrobulbar, angiopatia da retina
Sistema respiratrio Traqueite crnica, pneumofibrose, enfisema pulmonar, asma brnquica
Sistema cardiovascular Miocardite txica crnica, insuficincia coronria crnica, hipertenso, hipotenso
Fgado Hepatite crnica, colecistite, insuficincia heptica
Rins Albuminria, nictria, alterao do clearance da uria, nitrognio e creatinina
Trato gastrointestinal Gastrite crnica, duodenite, lcera, colite crnica (hemorrgica, espstica, formaes polipides), hipersecreo e hiperacidez gstrica, prejuzo da motricidade
Sistema hematopoitico Leucopenia, eosinopenia, monocitose, alteraes na hemoglobina
Pele Dermatites, eczemas
Olhos Conjuntivite, blefarite
Fonte: (Calvert et al., 2004; Keifer, 1997; Kamel, 2004) modificado
35
1.8. Carcinognese
Na Regio Nordeste, as neoplasias representam a terceira causa de morte por
doena, consistindo de 6,34% dos bitos atestados, ficando apenas 0,02% atrs das
doenas infecciosas e parasitrias (INCA, 2011). Alm disso, as neoplasias esto
proporcionalmente aumentando em relao s outras causas no naturais de
mortalidade atingindo 14,5% do total das causas de mortes em 2010 (INCA, 2011).
A mutao no DNA a alterao genuna do processo e que pode ser induzida
externa ou internamente ao organismo. Os indutores externos so carcingenos
qumicos (solventes aromticos, clorados, agrotxicos), fsicos (radiaes ionizantes e
no ionizantes, campos eletromagnticos) e biolgicos (vrus, microorganismos). Os
indutores internos podem ser entre outros, hormonais, imunolgicos e enzimticos que
promovem mutaes genticas na estrutura do DNA. De modo geral, esses
condicionantes esto presentes de forma interativa na promoo do processo de
carcinognese (RIBEIRO et al., 2003).
Grande parte dos cnceres tem origem associada a fatores etiolgicos
ambientais ou hereditrios. No caso do cncer hereditrio, as mutaes germinativas
esto diretamente associadas a predisposio familiar para o desenvolvimento de
tumores e, nesses casos especficos, o cncer uma doena gentica e hereditria
(CAMARGO et al., 1999). Assim, cerca de 5% a 10% dos cnceres so hereditrios,
provenientes de mutaes na linhagem germinativa (FEARON, 1997). A
susceptibilidade ao cncer pode se manifestar atravs das diferenas herdadas de uma
classe especial de genes envolvidos com a proliferao celular, apoptose e/ou sistema
de reparo do DNA, ou decorrente de alteraes somticas na expresso desses mesmos
genes (PERERA, 1997).
Os fatores predisponentes ao cncer passaram a ser investigados com maior
ateno a partir da dcada de 60, com a aceitao em 1965 do cigarro como sendo o
maior causador de cncer de pulmo. Estudos epidemiolgicos revelaram taxas de
incidncia de diferentes tipos de cncer nas diversas regies do mundo. Por exemplo,
no Japo, h uma maior incidncia de cncer de estmago, devido aos hbitos
alimentares, enquanto que a taxa de neoplasias de mama e de clon muito baixa. Nos
Estados Unidos, essa proporo se inverte, mas quando um destes grupos tnicos
migra de seu pas de origem, pode deixar de desenvolver aquele tipo de cncer
predominante da sua regio original (COELHO, 1998).
36
Envelhecimento e estilo de vida no so suficientes para justificar o aumento
global da incidncia de cncer. Fatores ambientais contribuem de maneira mais forte
do que normalmente relatado para o aumento desta incidncia. Produtos qumicos
relacionados a poluio ambiental parecem ser de fundamental importncia, uma vez
que podem induzir cnceres ligados a trabalhadores e outros tipos de neoplasias. As
principais preocupaes so: poluio do ar por partculas de carbono associados a
hidrocarbonetos aromticos policclicos; poluio do ar pela fumaa ambiental do
tabaco, formaldedo e compostos orgnicos volteis, como benzeno e 1,3-butadieno, o
que poder afetar principalmente as crianas; contaminao de alimentos por aditivos
e contaminantes cancergenos, como nitratos, pesticidas, dioxinas e organoclorados.
Alm destes, metais e metalides cancergenos, frmacos e cosmticos podem estar
envolvidos. Embora a frao do risco atribuvel a fatores ambientais ainda seja
desconhecida, esta longa lista de fatores carcinognicos e mutagnicos, especialmente
apia a hiptese segundo a qual inmeros cnceres podem de fato ser causados pela
recente modificao ambiental (BELPOMME et al., 2007)
Estima-se que os vrus oncognicos estejam envolvidos em todo o mundo em
cerca de 16% de neoplasia (PISANI et al., 1997), enquanto que variam de menos de
10% em pases de alta renda para 25% na frica (PARKIN et al., 2001; TALBOT &
CRAWFORD, 2005).
Pode-se supor que os cnceres relacionados a infeces provavelmente so
mais freqentes em pases de alta renda do que geralmente reconhecido, tanto que,
alm de vrus, algumas bactrias da microflora do trato gastrointestinal, incluindo a
Helicobacter pylori para neoplasia gstrica so reconhecidamente oncognicos (IARC,
1995; ANDO et al., 2006.). Alguns parasitas, como Opisthorchis viverrini para os
cancros da vescula biliar, Schistosoma haematobium para cncer de bexiga e algumas
toxinas oncognicas produzidas por fungos, incluindo aflatoxinas. (IARC, 1995) e,
mais genericamente, vrios tipos de inflamao (JACKSON, LOEB, 2001) tem sido
reconhecidos como fatores de risco para carcinognese.
A revoluo industrial na segunda metade do sculo passado e suas
conseqncias em domnios como a energia, transportes, agricultura, alimentao e
sade levou a sintetizar, produzir e introduzir no ambiente, milhes de substncias
qumicas artificiais. Como resultado, de acordo com a Comisso Europia, cerca de
100.000 substncias qumicas tem sido at agora comercializadas, desde a ltima
37
guerra mundial, sem controle toxicolgico suficiente. Tais produtos podem atuar como
poluentes txicos e contaminam o ar, gua, solo e alimentos. Muitas delas so
cancergenas, mutagnicas e/ou txicas para a reproduo (CLAPP et al., 2005),
podendo atuar como agentes mutagnicos, promotores ou ambos, ou ser co-
carcinogneos, o que significa que eles podem contribuir para a gnese do cncer e,
portanto, para o aumento de sua incidncia (EPSTEIN, 1994, 2004).
Acredita-se que cnceres profissionais representem 210% de todos os
cnceres, mas esta porcentagem provavelmente subestimada e pode ser to alto
quanto 1520% em homens (CLAPP et al., 2005). Em 1996, o Centro de Harvard para
Preveno de Cncer (HCCP) classificou 32 substncias como carcinognicas para
humanos (HCCP, 1996).
Em um estudo, 28 agentes foram considerados carcingenos profissionais
definitivos em humanos, 27 carcingenos profissionais provveis e 113 como
possveis carcingenos profissionais (SIEMIATYCKI et al., 2004; CLAPP et al.,
2005).
Doll e Peto (1981) listaram somente 16 em 1981. Na Europa, pode haver 32
milhes de pessoas expostas a substncias qumicas carcinognicas no trabalho
(KAUPPINEN et al., 2000). Destas substncias, o amianto um exemplo clssico.
um silicato de clcio e magnsio hidratado. Era extensamente utilizado devido a sua
resistncia ao fogo e propriedades de reteno de calor. No h nenhuma dvida que
amiantos so carcinognicos e induzem cnceres ocupacionais, incluindo mesotelioma
e aproximadamente 10% de cnceres do pulmo (IARC, 1977, 2002). Igualmente,
diversos cnceres esto relacionados ao p de madeira, afetando marceneiros (HAYES
et al., 1986; BLOT et. al., 1997, IARC, 1995).
Nas ltimas dcadas, vrias centenas de pesticidas foram comercializados para
a agricultura ou uso domstico intensivo (biocidas). Muitos deles, especialmente os
organoclorados, carbamatos e grupos carbinis so classificados como cancergenos
provveis ou possveis, de acordo com a EPA dos EUA e a classificao da IARC
(IARC, 1991), enquanto que vrios so reconhecidos como cancergenos a humanos
(BELPOMME et al., 2007).
Em crianas, vrios estudos epidemiolgicos revelaram aumento do risco
relativo de cncer associado exposio materna e paterna a pesticidas, seja exposio
ocupacional ou no ocupacional (DANIELS et. al., 1997; ZAHM, WARD, 1998). O
38
aumento do risco foi observado em exposies paternas e maternas antes e durante a
gravidez, bem como ps-natal. Exposio paterna a pesticidas est associada a um
excesso de risco relativo de leucemia (MA et al., 2002) e de tumores no sistema
nervoso central, (CORDIER et al., 2001; FEYCHTING et al., 2001), bem como de
tumores de Wilms (FEAR et al., 1998). Alm disso, uma associao positiva foi
encontrada em vrios estudos que avaliaram a exposio direta das crianas aos
pesticidas (DANIELS et al., 1997; ZAHM, WARD, 1998; US-EPA, 2003;
MENEGAUX et al., 2006). Coletivamente, estes estudos revelaram um aumento
global no risco relativo de leucemia, linfomas no-Hodgkin, tumores cerebrais, tumor
de Wilms, sarcoma de Ewing e tumores de clulas germinativas associadas s
exposies dos pais ou de criana aos pesticidas. Por outro lado, em adultos, estudos
epidemiolgicos tm fornecido resultados conflitantes. A relao positiva entre
pesticidas e cncer de mama ou de prstata tem sido invocadas (CHARLIER et al.,
2003; MUIR et al., 2004; IBARLUZEA et al., 2004; MILLS & YANG, 2006),
enquanto em outros estudos no pode ser confirmada (POST et al., 1999;
STELLMAN et al., 2000; GAMMON et al., 2002; VAN MAELE-FABRY &
WILLEMS, 2003). No entanto, uma forte associao entre pesticidas e o risco relativo
de sarcoma (HARDELL et al., 1995;. DICH et al., 1997) doena de Hodgkin e
linfoma no-Hodgkin (HARDELL & ERIKSSON, 1999; ZHENG et al., 2001;
MCDUFFIE et. al., 2001; HARDELL et al., 2003) foi encontrado para 1,1,1- tricloro-
2 ,2-bis (p-clorofenil) etano (DDT) e clorofenis.
1.8.1 Genotoxicidade dos pesticidas
Dentre os carcingenos qumicos esto os agrotxicos, que podem induzir o
cncer por mecanismos variados como genotoxicidade e promoo de tumores
envolvendo mediadores hormonais; imunolgicos e a produo de molculas
oxidantes (perxidos) (RODVALL; DICH; WIKLUND, 2003). Para uma srie de
substncias qumicas, as evidncias cientficas relacionadas com esses mecanismos
carcinognicos ainda requerem maiores estudos na sua elucidao, entre elas os
agrotxicos, de modo geral, apresentam esses desafios (POTT, et al., 2003). Essa
associao est mais bem caracterizada nos cnceres de pulmo, mama, testculos,
tireide, prstata, ovrio, e do sistema hematopoitico (linfomas no - Hodgkin,
leucemias e mieloma mltiplo) (PIMENTEL, 1996).
http://www.google.com.br/dictionary?source=translation&hl=pt-BR&q=many&langpair=en|pthttp://www.google.com.br/dictionary?source=translation&hl=pt-BR&q=Today&langpair=en|pthttp://www.google.com.br/dictionary?source=translation&hl=pt-BR&q=Although&langpair=en|pthttp://www.google.com.br/dictionary?source=translation&hl=pt-BR&q=Although&langpair=en|pt
39
Embora o Brasil seja o maior consumidor mundial de pesticidas, existem
poucos trabalhos na literatura cientfica desenvolvidos por grupos brasileiros
especificando os danos causados aos trabalhadores expostos cronicamente ou a relao
entre a exposio e o desenvolvimento de cncer. Meyer et al. (2003) mostraram uma
alta taxa de mortalidade para cncer de estmago, esfago, laringe, cncer oral e
leucemias em agricultores expostos a agrotxicos na regio Serrana do Rio de Janeiro.
J Koifman, Koifman e Meyer (2002) tambm descreveram o mesmo resultado nas
neoplasias malignas de mama, ovrio e prstata, em amostra de grupos populacionais
expostos a pesticidas no perodo de 1985 a 1990.
Outros pesquisadores demonstraram relaes entre a exposio aos pesticidas e
o desenvolvimento de alguns tipos de neoplasias, como: exposio a inseticidas
organoclorados e cncer de mama, aumento do risco ao cncer pancretico, linfoma
no-Hodgkin, leucemias, alm de cncer heptico (STELLMAN et al., 2000;
VIGREUX et al., 1998; KALAJA et al., 1996; DEMERS et al., 2000). Segundo
Bassil et al. (2007) h uma grande diversidade de resultados na associao de
neoplasia maligna e agrotxico, para certos tipos de cncer em humanos a associao
com exposio aos agrotxicos est bem demonstrada, no entanto, para outros ainda
h carncia de estudos com desenhos epidemiolgicos adequados.
Estudos epidemiolgicos sugerem relao entre classes sociais, trabalho e a
exposio a agentes qumicos, dentre estes, pesticidas, como fatores de risco para o
surgimento de tipos especficos de tumores, alertando para a necessidade de
implantao de polticas de controle ambiental no Brasil, com nfase ao tabagismo e a
exposio a agentes qumicos (KOIFMAN, 2003).
A susceptibilidade ao cncer pode se manifestar atravs das diferenas
herdadas de uma classe especial de genes envolvidos com proliferao celular,
apoptose e/ou sistema de reparo do DNA, ou decorrente de alteraes somticas na
expresso desses mesmos genes (PERERA, 1997).
H muito tempo se associa o contato com algumas substncias qumicas ao
aparecimento de cncer. Em 1876, Volkman observou incidncia de cncer de pele em
trabalhadores que manipulavam alcatro e hulha (POTT, 1987). Uma maior incidncia
de cncer de bexiga em pessoas que trabalhavam na seleo manual de cristais de
anilina (FLECK, 1992).
40
Atualmente, sabe-se que o cncer origina-se a partir de alteraes (mutaes)
em genes, que codificam protenas comprometidas com o controle da proliferao e da
diferenciao celular ou de modificaes em genes envolvidos nos mecanismos de
reparo do DNA, levando proliferao celular descontrolada, alteraes das
caractersticas celulares morfofuncionais e perda de sua capacidade de evoluir para a
morte celular (apoptose). O cncer , portanto uma doena gentica, pois o processo
de transformao maligna est relacionado a alteraes em determinados genes,
porm, apenas um pequeno percentual, 5% aproximadamente da incidncia total de
cncer, tem carter hereditrio, uma vez que a maioria das mutaes que resultam em
seu desenvolvimento atinge as linhagens somticas, no repercutindo em riscos para
gerao seguinte. Diante dessa constatao fica explcito o fato que a grande maioria
dos cnceres tem origem a partir da ao de determinados fatores ambientais de
natureza qumica, fsica e biolgica como os vrus (DOLL, PETO, 1981).
1.8.2 Carcinognese no Brasil
No Brasil, as estimativas para o ano de 2011 apontam que ocorrero 489.270
casos novos de cncer (INCA, 2011). Os tipos mais incidentes, a exceo do cncer de
pele do tipo no melanoma, sero os cnceres de prstata e de pulmo no sexo
masculino e os cnceres de mama e de colo do tero no sexo feminino, acompanhando
o mesmo perfil da magnitude observada no mundo (INCA, 2011). A falta de
conhecimento sobre os riscos para a sade de indivduos expostos no trabalho e de
polticas educacionais so fatores fundamentais para o aparecimento do cncer.
Na literatura internacional, h reportado vrios estudos sobre os efeitos
genotxicos produzidos em trabalhadores por exposio a pesticidas. Comeando com
o estudo da freqncia de trocas de cromtides irms em linfcitos de sangue
perifrico at datas recentes em que se comeou a utilizar desde medula ssea de
camundongos (KRISHNA et al., 1985) at clulas esfoliadas de mucosa bucal
(BORTOLI et al., 2009).
1.9. Biomarcadores de exposio
Os Biomarcadores de Exposio podem ser usados para confirmar e avaliar a
exposio individual ou de um grupo, para uma substncia em particular,
estabelecendo uma ligao entre a exposio externa e a quantificao da exposio
41
interna. Segundo, AMORIM (2003) a ligao dos biomarcadores de exposio e efeito
contribui para a relao da dose - resposta, refletindo a interao de substncias
qumicas com os receptores biolgicos.
A utilizao de biomarcadores em pessoas expostas ocupacionalmente tem
crescido devido necessidade de se avaliar os riscos das exposies (KNUDSEN,
HANSEN 2007). As pesquisas tm usado os testes de citogentica para avaliar o
potencial genotxico de populaes expostas ocupacionalmente a pesticidas em vrios
pases. Os danos citogenticos esto diretamente relacionados ao surgimento de
doenas genticas, inclusive cncer, servindo tambm como parmetros para adoo
de medidas de controle e promoo da sade dos trabalhadores (BOLOGNESI, 2002;
BHALLI, 2006; BULL et al.,2006; MUNIZ et al., 2008).
1.9.1 Ensaio do cometa
O ensaio cometa um mtodo simples para analisar o cido
desoxirribonuclico (DNA), nas quebras de cadeia em clulas eucariticas. As clulas
incorporadas em agarose em uma lmina so lisadas com detergente e sal para formar
nucleides contendo colides de DNA ligada a matriz nuclear. Eletroforese em pH
elevado resulta em estruturas semelhantes a cometas, observada por microscopia de
fluorescncia. A intensidade da cauda do cometa em relao a cabea reflete a
extenso de quebras de DNA. Os cometas so formados porque as regies do DNA
que contm uma quebra desprendem-se da estrutura do colide e tornam-se livres para
migrar para o nodo durante o processo de eletroforese.
Em 1970, Cook et al. desenvolveram uma abordagem para investigar a
estrutura nuclear baseada na lise das clulas com detergente no-inico e cloreto de
sdio de alta molaridade. Este tratamento remove membranas, citoplasma,
nucleoplasma e quase todas as histonas so solubilizadas pela soluo salina elevada.
O que resta o nucleide, consistindo uma matriz nuclear ou esqueleto, composto de
cido ribonuclico (RNA) e protenas, juntamente com o DNA. A manuteno do
colide indica que a livre rotao do DNA no possvel. Estes autores propuseram
um modelo com o DNA ligado em intervalos na prpria matriz, de modo que seja
efetivamente organizado como uma srie de giros, em vez de uma molcula linear. A
adio do brometo de etdio causa a expanso das alas para fora do nucleide
formando um halo. Um efeito similar foi observado quando a radiao ionizante foi
42
usada para relaxar os giros e a quebra de uma nica fita foi suficiente para relaxar o
colide.
O ensaio cometa, tambm, em sua forma mais comumente usada, envolve a
lise com detergente e sal, aps a incorporao das clulas em agarose para que o DNA
seja imobilizado e na seqncia as lminas so submetidas a eletroforese. A primeira
demonstrao de "cometas" (apesar de no usar a palavra) foi por stling e Johanson
(1984), que descreveram as caudas em termos de DNA como colide relaxado,
referindo-se ao modelo de nucleide de Cook et al.(1976). Essencialmente, a cauda do
cometa parece ser simplesmente um halo de fragmentos relaxados que foram
arrastados para um lado do campo de eletroforese. Ostling e Johanson empregaram
um pH inferior a 10. O ensaio cometa mais comumente aplicado a clula de animais
seja na cultura ou isolado do organismo (por exemplo, linfcitos do sangue ou de
clulas de tecidos especficos). Entretanto, metodologias tambm tem sido
desenvolvidas para examinar os danos ao DNA das clulas vegetais. A parede celular
de celulose vegetal representa uma barreira a liberao de DNA para formar a cauda
do cometa, mas, cortar fisicamente o tecido libera os ncleos para que estes sejam
incorporados em agarose.
O processo de stling e Johanson no foi amplamente adotado. Alguns anos
mais tarde Singh et al. (1988) desenvolveu os procedimentos que envolvem o
tratamento com pH elevado. Clulas lisadas em pH 10 com 2.5M NaCl, Triton X-100
e Sarkosyl por 1 h, seguindo com um tratamento com lcali (NaOH 0,3 M) e
eletroforese em pH resultante elevado (> 13). Assim, cresceu a idia de que a
realizao do teste do cometa em meio muito alcalino essencial para revelar as
quebras.
1.9.2. Aberraes cromossmicas
Aberraes cromossmicas (AC) representam a parte microscopicamente
visvel de um amplo espectro de alteraes de DNA gerados por diferentes
mecanismos de reparo da quebra de dupla fita do DNA. O mtodo de hibridizao in
situ de fluorescncia (FISH) descobriu complexidades inesperadas das AC. A
distribuio intra e inter-cromossmica dos pontos de quebra no aleatria. Os
pontos de quebra que originam as AC ocorrem preferencialmente na cromatina ativa.
Isso pode ser resultado da disposio dos cromossomos no ncleo interfsico e/ou de
43
sensibilidades diferentes de cromossomos em relao formao de AC. Telmeros e
seqncias repetitiva nos telmeros parecem desempenhar um papel importante na
formao do AC. Regies sub-telomricas so pontos crticos para a formao de uma
troca simtrica entre cromtides homlogas e aberraes nestas regies esto
associadas com anomalias congnitas humanas.
Visto que as aberraes cromossmicas induzidas so resultantes da interao
com o DNA, podemos utilizar tais anomalias como indicadores de danos nesta
molcula. Ou seja, por meio dos danos cromossmicos podemos avaliar a atividade
mutagnica dos agentes. Os linfcitos do sangue circulante de mamferos so um
timo sistema para se testar uma substncia quanto sua capacidade em produzir
aberraes cromossmicas. A tcnica serve tambm para o monitoramento de
populaes expostas a drogas, seja por razes profissionais, teraputicas ou por
acidente. Supondo-se que haja uma correlao entre o dano induzido no sangue e em
outras clulas somticas, os linfcitos serviriam como um sistema sentinela para
grupos de alto risco (RABELLO-GAY et al., 1991; NORPPA, 2004)
1.9.2.1. Classificao das Aberraes Cromossmicas
As leses cromossmicas so classificadas em estruturais e numricas.
1.9.2.1.1. Aberraes estruturais
As aberraes estruturais podem ser divididas em dois grupos principais: as
aberraes cromossmicas e as aberraes cromatdicas. As aberraes
cromossmicas so aquelas em que a unidade de quebra e reunio o cromossomo
inteiro, isto , as duas cromtides-irms; enquanto que apenas uma das duas
cromtides-irms atingida pela quebra ou troca quando se trata de uma aberrao
cromatdica (MOORE, BENDER, 1993).
Existe uma estreita relao entre os tipos de aberrao de estrutura produzidos,