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O Rebelde
►É narrativa integrante do livro “Contos
Amazônicos” de Inglês de Sousa.
► Tem como espaço um pequeno vilarejo, “Vila
Bela”, próximo de Óbidos, na região
amazônica.
►O tempo, na história, é em meados de 1832/5/40
►O tempo da história é...
Enredo
“Paulo da Rocha orçava pelos cinquenta anos, parecendo muito mais velho. (...) Era “um velho do outro mundo”; a grande cabeça calva, o nariz adunco, os olhos vivos de ave de rapina, a boca ornada de belos dentes cuja alvura era realçada por um sorriso sério e pensativo, duma bondade de cristo; a fala breve duma rispidez franca, serena e boa; o porte alto; a sua indiferença pelas vicissitudes comezinhas da vida; nenhum caso fazia das intrigas da terra”
Paulo da Rocha – O Rebelde
“Era pernambucano, e fora um dos rebeldes de 1817, um soldado fiel do capitão Domingos José Martins, o espírito-santense. (...). A fértil imaginação amazonense fizera do antigo revolucionário (Paulo da Rocha) um personagem misterioso, sinistro e perigoso, (...) Emprestara-lhe o vulgo uma quantidade enorme de crimes. Diziam as velhas mexeriqueiras que a meia-noite via-se vagar pelas ruas sua alma do pernambucano, a purgar culpas passadas.
Resignados a infeliz sorte...
“O Rocha era viúvo e tinha uma única filha,
rapariguinha (Júlia) de dezesseis anos a
dezessete anos, pensativa e séria como o
pai. A vida que passava em Vila Bela a
pobre mocinha, abafara os impulsos da
jovialidade natural. Desprezada de todos,
vivendo isolada, entregue unicamente aos
cuidados dum pai velho e triste, conhecera
desde ao mais tenros anos a desgraça, e
parecia resignada a sua infeliz sorte.”
A Revolução de 1817.
“Foi no mês de maio. Nós saímos do Recife com Domingos Martins ao encontro do general português, e feriu-se então o combate que decidiu a sorte da generosa rebelião. Voltaram-se contra nós os nossos próprios irmãos, aqueles por quem combatíamos. Os homens de 1817 que proclamavam a igualdade de raças, e queriam a liberdade do negro e a reabilitação do caboclo, foram batidos pelos pardos do Penedo e pelos índios do Atalaia, as vítimas da pretensa...
Desigualdade! O nosso chefe foi preso, para mais tarde expiar ante as baionetas ao serviço del-Rei o crime de ser homem e ser brasileiro. Eu (Paulo da Rocha) fugi. Depois que mataram a mulher, a minha pobre Margarida, que nenhuma culpa tinha do que eu fizera... Mas que valia a vida da mulher de um mulato, mulata também? Mataram-na de susto, de fome e de maus-tratos. Fugi. Não por medo da morte, mas tive medo de ser surrado às grades da cadeia como se fazia aos homens de cor, embora livres. Demais, tinha uma inocentinha, e foi por amor dela que fugi.”
O Narrador – Luís.
“Todos lhe tinham medo, e talvez por isso
atraía-me para ele uma simpatia
irresistível, vivi sempre em contradição de
sentimentos e de idéias com os que me
cercavam: gostava do que os outros não
queriam, e tal era a predisposição malsã
do meu espírito rebelde e refratário a toda
a disciplina, que o melhor título dum
homem ou dum animal a minha afeição
era ser desprezado por todos.”
“Decifra-me ou te devoro”
“A minha imaginação
exaltava-se com a
singularidade, ao
mesmo tempo que
uma curiosidade me
impelia a buscar a
última palavra em
todos os segredos, a
razão de ser de
todos os mistérios.
• Gostava do
maravilhosos, e com
risco de ser devorado
pela esfinge queria
decifrar-lhe o enígma.
A vista duma
feiticeira enchia-me
de gozo. Sentia o
desejo ardente de ver
um lobisomem, e o
canto agoureiro do
acauã.
Herói dos devaneios infantis.
“Em breve aquele vago temor, aquela curiosidade dolorosa se transformou em simpatia e respeitosa amizade. Naquele pobre velho, uma voz oculta me indicara um herói das antigas lendas, (...) um homem como eu sonhava nos meus devaneios infantis. (...) Ao passo que o nome de Paulo da Rocha afugentava os meus companheiros espavoridos, todo o meu cuidado era descobrir um motivo para visitá-lo, sem despertar a desconfiança de minha mãe.”
P. da Rocha... Sacristão e Sineiro
“O vigário era entusiasta do pernambucano.
Apesar dos conselhos de amigos e
murmúrios das velhas rabugentas, Pe.
João da Costa do Amaral ia à casa de
Paulo da Rocha, passava horas a
conversar com ele ao ponto de fazê-lo
sacristão e sineiro da matriz(...). O Pe.
muitas vezes, tinha o sacristão por único
ouvinte. Pouco a pouco se foram
rarefazendo os devotos da missa. Afinal
foi-se o povo de Vila Bela acostumando à
presença de Paulo da Rocha.”
A Cabanagem
“Não se falava senão na Cabanagem, o pobre
velho rebelde de 1817, era esquecido pelos
rebeldes do tempo. Tapuios desertavam do
serviço dos patrões e fugiam nalguma
canoa furtada, descendo o rio para
encontrar com os brasileiros (cabanos). A
vila ia ficando deserta, à medida que os
terríveis inimigos dos portugueses e dos
maçons se aproximavam de Óbidos. (...) Só
na casinha de Paulo da Rocha, a vida era
serena como dantes.”
Um Pedido de Ajuda
Pe. João – “Os Rebeldes acabam de entrar
em Óbidos (...) Sabem os cabanos que
sou português, e por isso, se aqui entram,
está tudo perdido. Para esses fanáticos
sanguinários, a minha antiga
nacionalidade é crime que tudo faz
esquecer!
- Mestre Paulo, só você nos pode salvar.
Pelos seus antecedentes, você é, em toda
povoação, o único homem capaz de
inspirar confiança aos cabanos...”
A Resposta de Paulo da Rocha
“E quem me assegura a confiança dos
brancos? (..) E quem assegura a vossa
reverendíssima que eu não sou cabano?
- Bater os cabanos! Uns pobres diabos
que a miséria levou à rebelião. Homens
cansados de viver sob o despotismo duro
e cruel duma raça desapiedada!
Desgraçados que não sabem ler e que
não tem pão ... E cuja a culpa é só terem
sido despojados de todos os bens e de
todos os direitos...
“E quem disse ao senhor Padre que eu, P. da Rocha, o desprezado de todos em Vila Bela, seria capaz de pegar em armas contra os cabanos? (...) eu só lavei as mãos em sangue dos inimigos da minha pátria, dos algozes da minha raça vilipendiada e opressa. Nós, os rebeldes de 1817, tínhamos só do nosso lado a justiça de grande causa que defendíamos(...) sou pelos fracos contra os fortes, pelos oprimidos contra os opressores. A causa dos infelizes é a minha causa. (...) Onde estão a soberba e superioridade dos Brancos?”
Guilherme da Silveira.
“O marinheiro (pai do narrador). Ele era
português e juiz de Paz em Óbidos e
Santarém onde desenvolvera grande
atividade contra os movimentos
populares, (...) homem de rija têmpera,
severo executor da lei, e tendo muito em
conta o princípio de autoridade. Era objeto
de rancor de um tal Matias Paxiúba, tapuio
que lhe não perdoava alguns meses de
cadeia.”
A Desgraça À Porta de Casa
Após reunir-se com o tenente coronel, o presidente da Câmara Municipal e o Padre, Guilherme da Silveira seguiu para casa... “meu pai e eu, vimos Paulo da Rocha sentado à nossa porta (...) se ergueu à nossa chegada, saudou-nos e retirou-se a passos curtos. Meu pai entrou com o coração apertado. Para ele a saudação do velho era um presságio funesto. Dizia a minha mãe: - Mariquinhas, mande acender as velas do oratório. Achei a desgraça à minha porta.”
O Ataque dos Cabanos
Já me achava imerso nesse feliz sonho de
meninice (...) quando me despertou um grande
barulho de vozes, passos, portas abertas e
fechadas com violência (...) à porta do meu
quarto ouvi um brado de desespero, reconheci
a voz de minha mãe(...):
- Os cabanos! (...) E logo da rua, a voz de
Guilherme da Silveira cheio de pavor...
Aqui del-rei! Os Cabanos!
Depois um silêncio, interrompido por
longínquos gritos de morte.
A Consciência da Desgraça (...) Que pranto amargo! O primeiro pranto
que uma dor sincera e a consciência da desgraça me fizeram verter! Via-me só, abandonado, esquecido por meus pais fugidos provavelmente à sanha dos rebeldes.
Tirou-me da prostração a rude voz do sineiro da matriz. Paulo da Rocha acendeu um fósforo, e aproximando-se de mim perguntou:
- É você Luís? Então, tem medo de mim?
- “Sim, você matou meu pai.
Paulo nada contestou, mas pôs-se afagar-me docemente com a mão grande e calosa e a murmurar umas vozes pesadas de ternura. (...) à luz do morrão vimos o rosto horrível, pálido de meu pai. Ao reconhecer o pernambucano, recuou espavorido e alçou um terçado. (...) – Sr, Silveira, disse P. da Rocha, é tempo de fugir. D. Mariquinhas está em segurança; eu me encarrego do pequeno. Não ouve os cabanos?
A Injúria do Narrador
O Ataque dos Cabanos
“Redobravam as pancadas na porta.
Ouvimos distintamente o grito de guerra
da Cabanagem:
- Mata marinheiro, mata, mata!
Sr. Silveira, Venha comigo, eu o salvarei.
As feições de meu pai, contraídas por um
furor indescritível, tomaram a ferocidade
da onça que defende a cria. (...) Armado
de terçado, meu pai encaminhou-se para a
porta, disposto a vender caro a vida...”
Perdão Para Quem Vai Morrer...
“Meu pai abaixou a cabeça e duas lágrimas
brilharam-lhe nos olhos apagados. Dirigiu-
se a Paulo da Rocha em voz sumida.
- Mestre Paulo, fui injusto, perdoe-me,
perdoe a um homem que vai morrer.
Depois com um esforço:
- Salve-me o Luís, salve-o, pelos mártires
de Pernambuco.
-A vida de seu filho está segura, juro-o
pela vida de minha filha!”
O Reencontro de Mãe e Filho...
“Carregando-me ao ombro com vigor incrível,
pôs-se a correr para o quintal, donde em breve
saímos pelo portão(..). Compreendia que era a
última vez que via meu pai e doía-me abandoná-
lo naquele supremo momento.
Na extremidade da vila estava uma canoa e
nessa Pe.João, minha mãe e Júlia.
Caí nos braços de minha mãe, que me recebeu
soluçando. - E teu pai?
Lágrimas foram a única resposta que dei.
O Incêndio da Vila
“Matias Paxiúba, o brasileiro, cumpria
parte de sua promessa, incendiando a
casa do Juiz de Paz, e queimando-lhe o
corpo, crivado de facadas. Restava a
exterminação da família do seu velho
inimigo, e ia ser eu, de ora avante o objeto
principal de seu ódio e de sua
perseguiçao incansável.”
No Sítio de Andresa...
“No dia seguinte à tardinha
chegamos a um pequeno
cacaual, num sítio num
dos iagapes do Andirá.
Pertencia á Velha Adresa,
pobre mulher, comadre
do vigário, que viuvara
dum negociante de Vila
Bela e fora vítima dos
credores do Pará.
A Visita dos Cabanos
“Uma centena de pessoas, homens, mulheres e crianças, caboclos na maior parte, negros e mulatos muito poucos desembarcavam. Os homens Traziam à cintura um horroroso troféu de orelhas humanas, enfiadas em uma embirra, em ostentação de perversidade e valentia. Tinham fisionomia bestial e feroz, vinham armados de espingardas e terçados, chuços e espadas.”
- Então, canalha! É assim que se invade a
casa do cidadão brasileiro? Se vindes
como patrícios e amigos terei muito gosto
em vos receber. Entrai e recebei a
hospitalidade do pobre(...) À vontade; mas
ninguém estragues o que lhe não
pertence. (...) Eu vi aquela multidão de
bandidos humilhar-se ante um homem
desarmado. (...) O sineiro possuía algum
condão maravilhoso. Era extraordinário o
que se passava. – Mestre Paulo, disse um
dos cabanos, Matias Paxiúba lhe quer
falar.
P. da Rocha x MatiasPaxiúba
M. Paxiúba: - o filho de Guilherme da Silveira não pode viver. Tens que entregá-lo à vingança dos teus patrícios.
P. Da Rocha: - um pernambucano põe acima de tudo as leis da honra. Eu jurei pela minha filha salvar o filho do juiz de Paz.
M. Paxiúba: Tu és um traidor.vais buscar o menino, a mãe e o padre. Tua filha daqui não sai (...). Cada dia que perderes na viagem, será um dia de tormento para ela.”
O Cumprimento da Promessa
Feita...
“Da Serpa (local onde P. da Rocha os
escondeu quando foi falar com
M.Paxiúba), o rebelde os levou para a
barra do rio Negro, onde vivia meu tio
Lourenço. De Paulo da Rocha e`Júlia não
tivemos mais notícias. (...) Quanto ao
Padre João, uma febre palustre (malária)
apoderara-se do corpo, matando-o por
fim.”
O Reencontro Com o Herói “Um dia, eu era Juiz de Paz e delegado de
polícia de Óbidos e visitava a fortaleza (cadeia de Justiça), o tenenete-coronel reformado, velho e muito contador de histórias, exibia uma fita na lapela da farda por seu feito. Destruiu o bando de Matias Paxiúba. Então, contou que descobriu o acampamento da quadrilha que era no lago da francesa, houve tiroteio vivo e pela madrugada os caboclos começaram a abandonar o chefe.
“Restou um mulato, pernambucano, perigoso, um
dos subchefes do bando carregando aos
ombros uma rapariga que disse ser sua filha. E
a filha? Perguntei. O tenente–coronel fez um
gesto de desdenhosa indiferença. (...).
Encaminhou-se para o lado em que ficavam as
prisões. Segui-o vacilante. Um vulto assomou
para ao limiar...
O homem ergueu a cabeça, fitou em nós um
olhar sereno e claro... Era Paulo da Rocha,
parecia ter mais de cem anos, era de uma
magreza extrema de vida que se esvai. Só lhe
ficara o olhar, o olhar sereno e claro, e um
sorriso de resignação e bondade,...
o sorriso que teve Jesus de Nazaré no alto da cruz. Paulo da Rocha? – Um lúgubre som de ferros acompanhou-lhe o andar. Mandei que lhe tirassem os ferros. Dei-lhe alimentos. Depois dei-me a conhecer. Ele chorou silenciosamente abraçado ao meu pescoço. Após um ano, consegui o perdão para o Velho do outro mundo. Pude tirá-lo da prisão, levei-o para minha casa, onde dois dias depois expirou em meus braços. Voou aquela sublime alma para o céu sem murmurar contra os seus algozes. A sua memória, porém, vive no meu coração!