produtos hortofrutícolas de origem biológica e as ... · tiragem: 10000 país: portugal period.:...

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Tiragem: 10000 País: Portugal Period.: Ocasional Âmbito: Outros Assuntos Pág: 6 Cores: Cor Área: 14,78 x 20,19 cm² Corte: 1 de 3 ID: 65190727 01-07-2016 | Agro Ciência Produtos hortofrutícolas de origem biológica e as resistências aos antibióticos Faleiro M.L. Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Centro de Investigação em Biomedicina, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro, Portugal O combate às infeções com recurso aos antibióticos é crucial nos mais variados procedimentos médicos, mas atualmente a sua utilização enfrenta uma das maiores ameaças, o desenvolvimento de resistências. Este cenário surgiu devido ao uso inapropriado e intensivo de antibióticos não só na terapêutica em humanos, mas também no âmbito veterinário. Outro aspeto de elevada importância no âmbito do desenvolvimento de resistências é a contaminação ambiental com antibióticos que ocorre através das redes de esgoto (quer de origem doméstica quer hospitalar) e ainda através de resíduos provenientes de unidades de produção animal. A utilização de estrume pode contribuir para a disseminação de bactérias resistentes, uma vez que a utilização de antibióticos na terapêutica veterinária pode permitir a sobrevivência de bactérias resistentes do trato gastrointestinal dos animais que passam para o estrume 1,2 e a partir deste podem atingir os produtos hortofrutícolas. A questão que se coloca é se este risco também se aplica aos produtos hortofrutícolas de origem biológica? Em produtos biológicos a possibilidade de transmitir resistências é menor em virtude de nos tratamentos veterinários os medicamentos sintéticos alopáticos ficam limitados ao número mínimo possível e o período de guarda tem de ser superior ao estabelecido para a produção convencional. Contudo, a utilização inapropriada e intensiva de antibióticos e a sua disseminação para o ambiente tem vindo a facilitar o aparecimento de bactérias patogénicas resistentes em produtos hortofrutícolas, mesmo os de produção biológica 3 . Sabemos que a transferência da resistência aos antibióticos pode ocorrer nos diferentes grupos bacterianos, os comensais, patogénicos de origem alimentar, bem como nas bactérias que estão disseminadas no solo e água. Por isso, é urgente analisarmos o processo de transmissão das resistências ao nível das práticas agrícolas e como podem afetar os consumidores através dos alimentos, quer de origem animal quer vegetal. São ainda muito escassos os estudos que investigam a contaminação dos solos com antibióticos, a presença de elementos genéticos de propagação de resistência e a persistência das bactérias resistentes nos solos, incluindo aqueles sob modo biológico 4 . Uma vez que a presença de bactérias resistentes em águas provenientes de unidades de tratamento de águas residuais, rios, lagos tem sido reportada 5,6 a utilização destas águas para rega de produtos hortofrutícolas pode constituir outro risco de transmissão, quer de bactérias resistentes quer de elementos genéticos de disseminação de resistência. Na União Europeia a utilização de antibióticos na prática agrícola está limitada à aplicação do antibiótico estreptomicina no tratamento do Fogo Bacteriano cujo agente etiológico é a bactéria Erwinia amylovora e que afeta essencialmente macieiras e pereiras. Vários estudos demonstraram que a utilização da estreptomicina no tratamento desta doença não provoca alterações na população bacteriana do solo dos pomares tratados, nem os seus resíduos são detetados nas folhas, flores e até mesmo no solo 7,8,9 . Apesar dos resultados observados com a utilização de estreptomicina este efeito tem que ser investigado para cada antibiótico, uma vez que a persistência e atividade do antibiótico no ambiente agrícola são afetadas por vários fatores, tais como a atividade microbiana, diluição Figura 1 – Aparecimento de colónias resistentes da bactéria Pseudomonas aeruginosa na zona de inibição do antibiótico

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Tiragem: 10000

País: Portugal

Period.: Ocasional

Âmbito: Outros Assuntos

Pág: 6

Cores: Cor

Área: 14,78 x 20,19 cm²

Corte: 1 de 3ID: 65190727 01-07-2016 | Agro Ciência

Produtoshortofrutícolasde origembiológicae as resistênciasaos antibióticos

Faleiro M.L.

Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências e Tecnologia,

Centro de Investigação em Biomedicina, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro, Portugal

O combate às infeções com recurso aos antibióticos é crucial nosmais variados procedimentos médicos, mas atualmente a suautilização enfrenta uma das maiores ameaças, o desenvolvimentode resistências. Este cenário surgiu devido ao uso inapropriado eintensivo de antibióticos não só na terapêutica em humanos, mastambém no âmbito veterinário. Outro aspeto de elevada importânciano âmbito do desenvolvimento de resistências é a contaminaçãoambiental com antibióticos que ocorre através das redes de esgoto(quer de origem doméstica quer hospitalar) e ainda através de resíduosprovenientes de unidades de produção animal.

A utilização de estrume pode contribuir para a disseminação debactérias resistentes, uma vez que a utilização de antibióticos naterapêutica veterinária pode permitir a sobrevivência de bactériasresistentes do trato gastrointestinal dos animais que passam para oestrume1,2 e a partir deste podem atingir os produtos hortofrutícolas.A questão que se coloca é se este risco também se aplica aosprodutos hortofrutícolas de origem biológica? Em produtosbiológicos a possibilidade de transmitir resistências é menor emvirtude de nos tratamentos veterinários os medicamentos sintéticosalopáticos ficam limitados ao número mínimo possível e o períodode guarda tem de ser superior ao estabelecido para a produçãoconvencional. Contudo, a utilização inapropriada e intensiva deantibióticos e a sua disseminação para o ambiente tem vindo afacilitar o aparecimento de bactérias patogénicas resistentes emprodutos hortofrutícolas, mesmo os de produção biológica3.Sabemos que a transferência da resistência aos antibióticos podeocorrer nos diferentes grupos bacterianos, os comensais,patogénicos de origem alimentar, bem como nas bactérias que estãodisseminadas no solo e água. Por isso, é urgente analisarmos oprocesso de transmissão das resistências ao nível das práticasagrícolas e como podem afetar os consumidores através dosalimentos, quer de origem animal quer vegetal. São ainda muitoescassos os estudos que investigam a contaminação dos solos comantibióticos, a presença de elementos genéticos de propagação deresistência e a persistência das bactérias resistentes nos solos,incluindo aqueles sob modo biológico4.

Uma vez que a presença de bactérias resistentes em águasprovenientes de unidades de tratamento de águas residuais, rios,lagos tem sido reportada5,6 a utilização destas águas para rega deprodutos hortofrutícolas pode constituir outro risco de transmissão,quer de bactérias resistentes quer de elementos genéticos dedisseminação de resistência.

Na União Europeia a utilização de antibióticos na prática agrícolaestá limitada à aplicação do antibiótico estreptomicina no tratamentodo Fogo Bacteriano cujo agente etiológico é a bactéria Erwiniaamylovora e que afeta essencialmente macieiras e pereiras. Váriosestudos demonstraram que a utilização da estreptomicina notratamento desta doença não provoca alterações na populaçãobacteriana do solo dos pomares tratados, nem os seus resíduos sãodetetados nas folhas, flores e até mesmo no solo7,8,9. Apesar dosresultados observados com a utilização de estreptomicina este efeitotem que ser investigado para cada antibiótico, uma vez que apersistência e atividade do antibiótico no ambiente agrícola sãoafetadas por vários fatores, tais como a atividade microbiana, diluição

Figura 1 – Aparecimentode colónias resistentes dabactéria Pseudomonasaeruginosa na zona deinibição do antibiótico

Tiragem: 10000

País: Portugal

Period.: Ocasional

Âmbito: Outros Assuntos

Pág: 7

Cores: Cor

Área: 14,74 x 10,00 cm²

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Referências

1. Marti, R., Scott, A., Tien, Y-C., Murray, R., Sabourin, L., Zhang, Y., Topp, E. (2013) Impact ofManure fertilization on the abundance of antibiotic-resistant bacteria and frequency ofdetection of antibiotic resistance genes in soil and on vegetables at harvest. Applied andEnvironmental Microbiology 79: 5701–5709.2. Ruuskanen, M., Muurinen, J., Meierjohan, A., Pärnänen, K., Tamminen, M., Lyra, C., Kronberg,L., Virta, M. (2016) Fertilizing with animal manure disseminates antibiotic resistance genes tothe farm environment. Journal of Environmental Quality 45: 488-493.3. Ruimy, R., Brisabois, A., Bernede, C., Skurnik, D., Barnat, S., Arlet, G et al. (2010) Organic andconventional fruits and vegetables contain equivalent counts of Gram-negative bacteriaexpressing resistance to antibacterial agents. Environmental Microbiology 12: 608-615.4. Jones-Dias, D., Manageiro, V., Caniça, M. (2016) Influence of agriculture practice on mobilebla genes: IncI1-bearing CTX-M, SHV, CMY and TEM in Escherichia coli from intensive farmingsoils. Environmental Microbiology 18: 260-272.5. Manageiro, V., Ferreira, E., Caniço, M., Manaia, C. (2014) GES-5 among the b-lactamases

pelas águas da chuva, adsorção às partículas do solo e degradaçãopela radiação.

A utilização de compostados poderá constituir um bom auxiliar nadiminuição da disseminação de resistências, para além do seureconhecido valor na fertilização do solo10, contudo o conhecimentosobre a estabilidade e atividade dos antibióticos durante o processode compostagem é ainda muito limitado.

Presentemente assistimos a um consumo crescente de produtosbiológicos, quer por consumidores com um perfil “verde” (consomemalimentos onde a aplicação de produtos químicos é reduzida) querpor consumidores que por problemas de saúde (e.g., doentesoncológicos e doentes com sistema imunitário debilitado) sãoorientados para o consumo de produtos mais seguros que osproduzidos por métodos convencionais. É, pois premente a avaliaçãoda segurança dos produtos biológicos no que diz respeito à presençada carga bacteriana resistente.

O controle do desenvolvimento de resistências aos antibióticostem, portanto que ser realizado com a participação dos profissionaisde saúde humana e animal, como também a dos profissionais daprodução agrícola.

Figura 2- Produção de compostado (ou composto) a partir de resíduos de laranja,aparas de relva, bagaço de uva e resíduos de cogumelos (Fotografia cedida porMário Reis, UAlg)

detected in ubiquitous bacteria isolated from aquatic environment samples. FEMS MicrobiologyLetters 351: 64-69.6. Figueira, V., Serra, E.A., Vaz-Moreira, I., Brandão, T.R., Manaia, C.M. (2012) Comparison ofubiquitous antibiotic-resistant Enterobacteriaceae populations isolated from wastewaters,surface waters and drinking waters. Journal Water Health 10: 1-10.7. Shade, A., Klimowicz, A.K., Spear, R.N., Linske, M., Donato, J.J., Hogan, C.S., Mcmanus, P.S.,Handelsman, J. (2013). Streptomycin application has no detectable effect on bacterial communitystructure in apple orchard soil. Applied and Environmental Microbiology 79: 6617-6625.8. Duffy, B., Holliger, E., Walsh, F. (2014). Streptomycin use in apple orchards did not increaseabundance of mobile resistance genes. FEMS Microbiology Letters 350: 180-189.9. Walsh, F., Smith, D.P., Owens, S.M, Duffy, B., Frey, J.E. (2014) Restricted streptomycin usein apple orchards did not adversely alter the soil bacteria communities. Frontiers in Microbiology4: 383.10. Reis, M., Brito, J.C., Guerrero, C., Dionísio, L., Coelho, L., Fernandes, M.M., Rosa, A., Oliveira,P., Rodrigues, A. (2003) Preparação de compostos para agricultura biológica. Projeto Agro 282.Hortofruticultura em Agricultura Biológica.

Tiragem: 10000

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Âmbito: Outros Assuntos

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Produtos hortofrutícolas de origembiológica e as resistênciasaos antibióticos

VI e VII