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CLAUDIA LESSA ALVES SOUSA PRODUÇÃO TEXTUAL NA ESCOLA E AUTORIA: COMO OS TEXTOS ESCRITOS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA PODEM SER AUTORAIS Memorial apresentado ao Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do título de Mestre em Letras. ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª Simone Souza de Assumpção SalvadorBa 2015

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CLAUDIA LESSA ALVES SOUSA

PRODUÇÃO TEXTUAL NA ESCOLA E AUTORIA: COMO OS TEXTOS ESCRITOS NAS AULAS DE LÍNGUA

PORTUGUESA PODEM SER AUTORAIS

Memorial apresentado ao Mestrado Profissional em

Letras (PROFLETRAS), Instituto de Letras,

Universidade Federal da Bahia, como requisito para

obtenção do título de Mestre em Letras.

ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª Simone Souza de

Assumpção

SalvadorBa

2015

Sistema de bibliotecas da UFBA

S725 Sousa, Claudia Lessa Alves.

Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos nas

aulas de Língua Portuguesa podem ser autorais / Claudia Lessa

Alves Sousa. - 2015.

140 f.: il.

Or Orientadora: Profª.Drª. Simone Souza de Assumpção.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto

de Letras, Salvador, 2015.

1. Escrita – Análise – Estudo de casos. 2. Língua Portuguesa –

Estudo e ensino. 3. Prática de ensino. 4. Ensino fundamental. I.

Assumpção, Simone Souza de. II. Universidade Federal da Bahia.

Instituto de Letras. III. Título.

CDD – 469

CDU – 028.4

A

Mariluce, minha mãe.

José Raimundo, meu pai.

Ricardo e Sérgio, meus irmãos.

Alessandro, meu companheiro.

Heitor e Estevão, meus filhos, por serem comigo.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por mais esta oportunidade nesta vida.

A minha mãe Mariluce, ao meu pai José Raimundo, aos meus irmãos Ricardo e Sérgio, ao meu

marido Alessandro, aos meus filhos Heitor e Estevão, pelo amor e pela compreensão ilimitados.

A todos os meus professores da vida inteira, em especial: Deraldo Valois (in memorian), Márcia

Góes, Tânia Freitas,e Welton Fonseca.

A minha orientadora, professora doutora Simone Souza de Assumpção, pela recepção, pelo

cuidado, pelo estímulo à autonomia, sempre.

Aos amigos: Andréia Vieira, Jaqueline Daltro, Lauana Vilaronga, Márcia Humildes, Maria de

Fátima Silva, Marisa Roberto, Mônica Sepúlveda, Sérgio Couto por significarem realmente a

palavra amizade.

Ao terceto: Cláudia Rocha, Joseli Querino e Antonio Máximo por saberem ser o que são e

ensinarem pelo exemplo.

Aos verdadeiros mestres do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), professores

doutores: Alvanita Almeida, José Henrique Freitas, Júlio Neves, Márcio Muniz, Mônica de

Menezes Santos, Simone Souza de Assumpção, Simone Bueno Borges da Silva, Suzane Lima

Costa.

Aos colegas do PROFLETRAS, companheiros dessa trajetória.

Aos professores que compuseram a banca para a qualificação: professora doutora Simone

Bueno Borges Silva e professor doutor Luciano Amaral Oliveira pelas orientações

imprescindíveis.

Às professoras que constituíram a banca de defesa: professora doutora Maria do Socorro

Oliveira e professora doutora Raquel Nery Lima Bezerra.

À Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ao Instituto de Letras da UFBA.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por oportunizar

com o PROFLETRAS possibilidades de mudanças no ensino Língua Portuguesa em escolas da

rede pública.

À coordenação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), sub-

projeto Letras, às professoras-supervisoras e aos alunos-bolsistas.

À equipe gestora do Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa e aos colegas professores.

Aos alunos muito, muito especiais do 6º ano, turma B, turno matutino de 2014 do Colégio

Estadual Monsenhor Manoel Barbosa por me permitirem aprender com eles, também aos seus

pais e responsáveis por confiarem no meu trabalho.

À equipe gestora da Escola Municipal Luiza Mahim e aos colegas professores pelo apoio e pela

confiança.

Para os cartógrafos, a cartografia – diferentemente

do mapa: representação de um todo estatístico – é

um desenho que acompanha e se faz ao mesmo

tempo que os movimentos de transformação da

paisagem. Paisagens psicossociais também são

cartografáveis. A cartografia, nesse caso,

acompanha e se faz ao mesmo tempo que o

desmanchamento de certos mundos – sua perda de

sentido – e a formação de outros: mundos que se

criam para expressar afetos contemporâneos, em

relação aos quais os universos vigentes tornaram-

se obsoletos.

(Suely Rolnik, 2011, p. 23)

SOUSA, Claudia Lessa Alves. Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos

nas aulas de Língua Portuguesa podem ser autorais. 142 f., 2015. Memorial/Dissertação

(Mestrado Profissional em Letras) – PROFLETRAS – Instituto de Letras, Universidade Federal

da Bahia, Salvador, 2015.

RESUMO

O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa de caráter etnográfico e memorialístico e visa

avaliar, a partir de exercícios propostos pela professora, se nos textos produzidos pelos alunos

do 6º ano B, turno matutino, do Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa (Salvador,

Bahia), há indícios de autoria e a relação que se estabelece entre o exercício de autonomia e a

prática autoral. Para tanto, a professora selecionou um conjunto de atividades com o objetivo

de se discutir as concepções de leitura e escrita, considerando os elementos que fazem parte do

processo de produção textual, desde a leitura de mundo e a interação com o outro, até a escrita

e o reconhecimento de si como autor. A escolha dessa população se deu pelo fato de o 6º ano

do Ensino Fundamental ser a fase no período de escolarização na qual o estudante terá que:

manejar novas disciplinas em conjunto com as já conhecidas; aprender a lidar com a

segmentação de conteúdos e diferentes professores especialistas que se responsabilizam apenas

por suas áreas. Essa é uma etapa, de certo modo, confusa e inquietante para os educandos e para

todos que fazem parte da comunidade escolar. Numa perspectiva que focaliza a concepção de

língua como espaço-tempo de interação humana – em que os sujeitos constroem e são

construídos – foram escolhidos exercícios de leitura e escrita das situações do cotidiano. À

professora de Língua Portuguesa coube abrir questões sobre a importância da leitura e,

principalmente, da escrita e da reescrita enquanto instrumentos de interação com o outro e

estimular os alunos à descoberta de informações sobre as práticas autorais e autônomas na

escola. Para tanto, a orientação metodológica seguida nessa pesquisa se ampara nos conceitos

de etnografia e autobiografia dos pressupostos teóricos de André (1995), Bortoni-Ricardo

(2008), Camargo (2010), Fino (2003, 2008), Genzuk (2003), Rolnik (2011), na propositura e

execução de sequências didáticas, de Antunes (2009), Cosson ( 2006) Marcuschi (2008),

Schneuwly e Dolz (2004), Schneuwly, Dolz e Noverraz (2004), Solé (1998) e, para as

discussões sobre autoria, Possenti (2001, 2002), Orlandi (2008, 2012) e Tfouni (2008, 2010)

entre outros.

.

Palavras-chave: Escrita. Autoria. Escola. Formação

SOUSA, Claudia Alves Lessa. Textual production in school and authorship: how texts

written in Portuguese classes can be authorial. 142 f., 2015. Memorial/Dissertation

(Professional Master’s Degree in Letters) – PROFLETRAS – Letters Institute, Federal

University of Bahia, Salvador, 2015.

ABSTRACT

This study is a qualitative study of ethnographic and memorialistic and aims to assess, from

exercises proposed by the teacher in the texts produced by the students of 6th grade B, morning

shift, the Colégio Estadual Monsenhor Manuel Barbosa (Salvador, Bahia) there is evidence of

authorship and the relationship established between the exercise of autonomy and copyright

practice. Therefore, the teacher has selected a set of activities with the aim of discussing the

conceptions of reading and writing, considering the elements that are part of the text production

process, from the world of reading and interacting with each other, to the writing and

recognition of oneself as an author. The choice of this population was made because of the 6th

year of elementary school is the phase in schooling period in which the student will have to:

handle new disciplines along with the already known; learn to deal with the segmentation of

content and different specialist teachers who are responsible only for their areas. This stage, in

a way, confusing and unsettling for students and for all who are part of the school community.

A perspective that focuses on the conception of language as human interaction in space-time -

in which the subjects build and are built - reading exercises were chosen and written in everyday

situations. To the teacher of Portuguese fell open questions about the importance of reading and

especially writing and rewriting as interaction tools with each other and encourage students to

discover information on authorial and autonomous practices in school. Therefore, the

methodological approach taken in this research supports herself on the concepts of ethnography

and autobiography of the theoretical assumptions of André (1995), Bortoni-Ricardo (2008),

Campbell (2010), Fine (2003, 2008), Genzuk (2003) Rolnik (2011), and bringing the teaching

execution sequences, Antunes (2009), Cosson (2006) Marcuschi (2008), Schneuwly and Dolz

(2004), Schneuwly, Dolz and Noverraz (2004), sole (1998) and for discussions about

authorship, Possenti (2001, 2002), Orlandi (2008, 2012) and Tfouni (2008, 2010) among others.

.

Keywords: Writing. Authorship. School. Formation

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Figura 1 – Construção dos autorretratos imagéticos ............................................................... 59

Figura 2 – Aluna com seu autorretrato imagético ................................................................... 60

Figura 3 – Aluno com seu autorretrato imagético ................................................................... 60

Figura 4 – Reprodução dos autorretratos da aluna Glícia ....................................................... 64

Figura 5 – Reprodução dos autorretratos do aluno Paulo........................................................ 64

Figura 6 – Reprodução dos autorretratos da aluna Anita ........................................................ 65

Figura 7 – Reprodução dos autorretratos do aluno Reinaldo .................................................. 65

Figura 8 – Reprodução dos autorretratos do aluno Paulo........................................................ 65

Figura 9 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano ...................... 72

Figura 10 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano .................... 73

Figura 11 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano .................... 74

Figura 12 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano .................... 75

Figura 13 – Reprodução de página do livro Escrever e criar – é só começar! 6ª série: a

redação através do jogo e da literatura ..................................................................................... 78

Figura 14 – Reprodução de trecho do livro didático Vontade de saber português 6º ano....... 80

Figura 15 – Reprodução de trecho do livro didático Vontade de saber português 6º ano....... 81

Figura 16 – Reprodução de trecho do livro didático Vontade de saber português 6º ano....... 82

Figura 17 – Livros de literatura ............................................................................................... 85

Figura 18 – Quadro com os livros de literatura ....................................................................... 86

Figura 19 – Aluna com o livro de literatura escolhido ............................................................ 88

Figura 20 – Aluno com o livro de literatura escolhido ............................................................ 88

Figura 21 – Aluna com o livro de literatura escolhido ............................................................ 89

Figura 22 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pela aluna Mirna e revisada pela aluna Diana .......................................................................... 95

Figura 23 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pela aluna Renata e revisada pela aluna Iara ............................................................................ 96

Figura 24 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pelo aluno André e revisada pelo aluno Gilberto ..................................................................... 97

Figura 25 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pela aluna Diana e revisada pela aluna Mirna .......................................................................... 98

Figura 26 – Reprodução da segunda versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pela aluna Diana ....................................................................................................................... 98

Figura 27 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pela aluna Tatiana e revisada pela aluna Beatriz ...................................................................... 99

Figura 28 – Reprodução da segunda versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pela aluna Tatiana ................................................................................................................... 100

Figura 29 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano .................. 101

Figura 30 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano .................. 102

Figura 31 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano .................. 103

Figura 32 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano .................. 104

Figura 33 – Livros produzidos pelos alunos do 6º ano B ...................................................... 109

Figura 34 – Livros produzidos pelos alunos do 6º ano B ..................................................... 109

Figura 35 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito do aluno Alex............................. 114

Figura 36 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito do aluno André .......................... 114

Figura 37 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito do aluno Ian ............................... 115

Figura 38 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito da aluna Mirna ........................... 115

Figura 39 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito da aluna Anita ............................ 115

Figura 40 – Segunda versão da sinopse sobre o livro elaborada pela aluna Iara .................. 118

Figura 41 – Primeira versão da sinopse sobre o livro elaborada pela aluna Beatriz ............. 118

Figura 42 – Segunda versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Gilberto ........... 118

Figura 43 – Primeira versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Sílvio............... 120

Figura 44 – Segunda versão da sinopse sobre o livro lido elaborada pelo aluno Sílvio ....... 120

Figura 45 – Primeira versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Eduardo........... 121

Figura 46 – Segunda versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Eduardo........... 122

GRÁFICOS

Gráfico 1 – O que é leitura? ..................................................................................................... 39

Gráfico 2 – A leitura é… ......................................................................................................... 40

Gráfico 3 – O que é escrita? .................................................................................................... 42

Gráfico 4 – A escrita é… ......................................................................................................... 43

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Quem são as pessoas da sua família que têm o costume de ler? ........................... 41

Tabela 2 – O que as pessoas de sua família leem? .................................................................. 41

Tabela 3 – Quais são as pessoas da sua família que têm o costume de escrever? ................... 44

Tabela 4 – Sobre o que as pessoas de sua família escrevem? ................................................. 44

SUMÁRIO

1 PARA COMEÇAR A CARTOGRAFIA... ........................................................................ 13

2 CARTOGRAFIAS DO CAMPO ........................................................................................ 17

2.1 A professora-pesquisadora ......................................................................................... 17

2.2 A escola ...................................................................................................................... 30

2.3 Os alunos .................................................................................................................... 34

3 CARTOGRAFIAS DA ESCRITA ..................................................................................... 46

3.1 Familiarização com a sala de aula ............................................................................. 48

3.1.1 Sequência didática 1 ............................................................................................. 56

3.1.2 Sequência didática 2 ............................................................................................ 84

4 CARTOGRAFIA DOS ACHADOS ................................................................................. 111

4.1 Autonomia e autoria ......................................................................................................... 111

5 CARTOGRAFIA PRONTA: CONTORNO ................................................................... 124

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 127

APÊDICE A - Questionário .................................................................................................. 134

APÊNDICE B – Solicitação de autorização .......................................................................... 140

13

1 PARA COMEÇAR A CARTOGRAFIA...

Se a leitura é Fonte e espaço de formação, o que não dizer da

escrita, do exercício da escrita? Com todas as letras e marcas

que definem a condição social da escrita, não há como

desconsiderar a relação que se estabelece, solitária, necessária,

tensa, de tortura criadora que confere um lampejo de existência

a si mesmo, porque escreve.

Camargo (2010, p. 14)

O trecho acima sintetiza o que vivencio: a tensão que solicita o exílio para mergulhar

em busca das minhas memórias. São lembranças que me conduzem à reflexão sobre a

intervenção que propus para mim, enquanto professora-pesquisadora, e para a escola em que

trabalho, especificamente, a turma de 6º ano B, turno matutino, no Colégio Estadual Monsenhor

Manoel Barbosa, localizado na Boca do Rio, Salvador, Bahia.

O caminho tortuoso de rememoração, de (re)invenção e escrita de mim – porque nem

sempre as lembranças estão tão claras e resolvidas e, nesse exercício, o eu que se materializa

apresenta-se como descolado, projetado enquanto ser plástico e fluido atravessado pelas

subjetividades do próprio caminho desse fazer – poderá revelar nuances de quem eu sou e/ou

de quem eu quero mostrar que sou através da escrita, essa tentativa de legitimação enquanto ser

social, cultural e ideologicamente localizado: professora de Língua Portuguesa, aluna e

pesquisadora no Mestrado Profissional em Letras na Universidade Federal da Bahia.

Por muito tempo, entendi que biografia e autobiografia eram uma espécie de luxo,

exclusividade de pessoas com prestígio real ou criado pela mídia. Entretanto, após a leitura do

livro A importância do ato de ler, de Paulo Freire (1989), a biografização tornou-se para mim,

uma espécie de espaço democrático para registro da existência humana. Dessa forma, as

reflexões sobre a minha história apresentam-se imprescindíveis nesse relato, para perceber e

oferecer aos outros possibilidades de compreensão sobre o percurso de minha prática enquanto

professora de Língua Portuguesa em escolas públicas da rede básica de ensino na cidade de

Salvador. A busca que se perscruta no ato de biografar-se traz à tona – como um filme a que se

assiste – vivências explicativas das escolhas, persistências ou desistências responsáveis por

provocar em mim, professora-pesquisadora, a vontade e a necessidade de ressignificar-me.

Não acredito que vontade e necessidade sejam suficientes para efetivar a ressignificação

profissional e pessoal. Penso que há que se desconstruir e reconstruir concepções e fazeres de

um percurso, é preciso aprender a se constituir e a continuar. Descontruir, nesse caso, no sentido

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de desmontar para entender a essência e reconstruir como remontar com a consciência das

partes.

Em meu fazer pedagógico, a referida busca tem se concretizado em inquietações que

orientam a cartografar a mim mesma, expor e viver meu desejo de professora-pesquisadora de

Língua Portuguesa: “participar, embarcar na constituição de territórios existenciais,

constituição de realidade” (ROLNIK, 2011, p. 66). Para isso, utilizo o “manual do cartógrafo”

sugerido pela autora citada, segundo o qual se deve ter: “um critério, um princípio, uma regra

e um breve roteiro de preocupações” (ROLNIK, 2011, p. 67, grifo da autora). Considerando

o critério do cartógrafo como o grau de abertura para a vida que cada um se permite a cada

momento (ROLNIK, 2011, p. 68), entendo que ele se concretiza na concepção de língua que

norteia a minha práxis ainda impregnada das teorias que tratam a linguagem como expressão

do pensamento ou instrumento de comunicação apenas e, por isso, modelam o processo de

ensino-aprendizagem numa perspectiva tradicional: com o professor como a única Fonte de

conhecimentos, cabendo a ele apenas transmiti-los, não havendo sequer preocupação com o

contexto e a necessidade das situações de sala de aula. Os alunos são apenas simples aprendizes

do que está pronto e definido e encontram-se anulados em suas possibilidades de participação

para a construção do que lhes é significativo conhecer. De acordo com Travaglia (2009, p. 21-

23), essas concepções se traduzem em visões monológicas da língua em que não se consideram

as circunstâncias sociais, históricas e ideológicas de seu uso. Há muito venho tentando mudar

intuitivamente, incluindo a visão de que a língua é lugar de interação humana, no processo de

ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, pois é perceptível que as concepções consideradas

mais tradicionais não servem como fundamentos únicos ao que é proposto para o trabalho com

Língua Portuguesa no Ensino Fundamental.

No que se refere ao princípio do cartógrafo, o que me interessa é revisitar minha prática,

avaliá-la e ressignificá-la, uma vez que, se a língua que é meu instrumento e objeto de trabalho

(e vida) não é imutável, tenho a consciência de que minha prática também não pode ser. Então

buscar “canais de efetuação da vida” (ROLNIK, 2011, p. 68) é o que pretendo, ao propor

simultaneamente uma intervenção no ser professora, quando procuro reflexões teórico-práticas,

e no fazer pedagógico, que buscará atender a uma entre as várias demandas existentes na turma

de 6º ano do Ensino Fundamental (no que concerne à produção de textos dentro da disciplina

Língua Portuguesa) na unidade escolar à qual sou vinculada – Colégio Estadual Monsenhor

Manoel Barbosa. Aqui entendo intervenção como um processo em que não estarei sozinha nem

empoderada pela ideia de que sou a única que sabe exatamente o que fazer e qual será o

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resultado de minhas ações; todos os partícipes, o meio e o inesperado são essenciais para que a

intervenção e o desenho dela estejam autorizados.

O caminho percorrido pela intervenção que proponho para mim e para minha prática

na turma de 6º ano também se constituirá em investigação dele mesmo, análise que tem como

implicação idealizada a transformação social. Embora esse seja o fim ideal, não há como deixar

de considerar a regra do cartógrafo que, em minha travessia, se apresenta como saber

reconhecer meu limite de atuação e interferência no que foi posto como problema e como

possibilidade de intervenção.

Quanto ao roteiro de preocupações do cartógrafo, tão particular quanto universal, esse

singrar dentro da escola, da sala de aula e da minha prática suscita inquietações demandadas

principalmente da forma como vejo, me posiciono, concebo, vivo e permito o que está a minha

volta. O contato com as subjetivações inerentes a esse caminhar, a consciência acerca do papel

político, a ansiedade, o querer fazer e acertar, compõem o meu roteiro de preocupações num

desenho ambivalente porque são elementos que fazem parte do meu modus vivendi,

impulsionam-me na busca e podem se mostrar como entraves na apreciação da realidade a que

me proponho.

Essa apreciação enquanto postura de cartógrafa e a proposta de intervenção são

absolutamente o novo, que, mesmo desejado há muito, representam um campo de

possibilidades e impossibilidades onde piso cautelosamente, já que acredito no que tomei para

mim: “Todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas” (ROLNIK, 2011, p.

65).

As entradas dessa cartografia materializam-se como um estudo de cunho etnográfico

e vêm registradas num texto memorialístico organizado em quatro seções: “Cartografias do

campo”, “Cartografia da escrita”, “Cartografia dos achados” e “Cartografia pronta: contorno”.

Em “Cartografias do campo”, trago os desenhos da minha história enquanto aluna

escritora e posterior professora de Língua Portuguesa, traçando uma relação entre essas duas

trajetórias que, ao final, se constituem como uma. Procuro refletir sobre a constituição do ser

professora, agora pesquisadora instituída pelo Mestrado Profissional em Letras

(PROFLETRAS), relacionando esse processo às motivações do meu fazer docente em escolas

da rede pública na cidade de Salvador. Os detalhamentos ali presentes buscam revelar-me como

um ser ainda em formação. Consciente disso e, por essa razão, imbuída em compreender ainda

mais o ensino-aprendizagem da disciplina Língua Portuguesa, propus a intervenção “Produção

textual na escola e autoria: como os textos escritos nas aulas de Língua Portuguesa podem ser

autorais” como um movimento contínuo, embora permita a retrospecção como estratégia para

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repensar, valorar e constituir mais adiante. Também trago o ambiente em que trabalho e que

serviu de motivação e terreno para a pesquisa-intervenção, o Colégio Estadual Monsenhor

Manoel Barbosa. Trata-se de uma descrição que também se apresenta como reflexão sobre o

chão da escola e a sua alma sob a perspectiva de quem partilha esse cotidiano há mais de uma

década. Finalizando esse recorte, apresento o perfil dos alunos que vivenciaram comigo as aulas

de Língua Portuguesa no ano letivo de 2014 e, portanto, corresponsáveis pela realização da

pesquisa.

“Cartografia da escrita”, da mesma forma que o capítulo anterior, oferece a descrição

reflexiva sobre todo o proceder da intervenção em sala de aula e fora desta porque demonstra

como as aulas aconteceram, as concepções que as embasaram, bem como as apreciações

posteriores ao fazer, agora entendido como práxis, uma vez que se constitui como um processo

refletido e refratado.

As reflexões e refrações consequentes da intervenção orientam o capítulo “Cartografia

dos achados” em que ponho os escritos dos alunos em apreciação para discutir uma das

concepções de autoria que, no caso específico da intervenção, representa o princípio adequado

às discussões e sua relação com o exercício da autonomia dentro da escola.

“Cartografia pronta: contorno” vem para concluir o desenho proposto pelo memorial.

No entanto, não tenho a intenção de utilizá-lo como ponto final do processo formativo que foi

dado a conhecer na cartografia. Por isso o subtítulo “contorno”. Concluo consciente de que todo

fim é uma nova possibilidade de começo. Daí seu caráter de finito, mas não definitivo.

17

2 CARTOGRAFIAS DO CAMPO

2.1 A professora-pesquisadora

Final do segundo semestre do ano de 1990, revejo-me preenchendo o formulário para

inscrição no vestibular da Universidade Estadual de Feira de Santana. Entre todas aquelas

opções, três cursos faziam-me curiosa: Licenciatura em Letras, Licenciatura em Matemática e

Administração de Empresas. Não tinha ideia mais detalhada do que cada um dos cursos poderia

me oferecer em termos de formação profissional, apenas que a decisão poderia levar-me a

ensinar Língua Portuguesa e uma língua estrangeira, ensinar Matemática ou administrar uma

empresa.

O que me conduziu a optar por prestar o concurso para ser professora de Língua

Portuguesa e de língua estrangeira, já que isso representava ir de encontro à minha formação

em Educação Básica, uma vez que fiz o Curso Científico?

Recordo dois episódios e o valor de ambos na minha formação enquanto aluna e futura

professora. Lembrar o que pensei, trazer ao presente o que passou, mas que continua marcando

sua presença indelével, é estar no entremeio do tempo, num espaço privilegiado de quem tem

acesso ao que a memória e a finalidade desse texto permitem. Porque, enquanto memorial, vejo

esta escrita como um híbrido entre o que Passeggi (2010, p. 21) apresenta como definição para

memoriais acadêmico e de formação, considerados como memoriais autobiográficos:

O memorial acadêmico é aquele que é escrito por professores e/ou pesquisadores do

ensino superior sob a forma de uma narrativa reflexiva sobre sua trajetória intelectual

e profissional. As finalidades desse tipo de memorial são múltiplas: (...) objeto de

concurso público para ingresso na carreira docente e/ou em outras funções em

instituições de ensino superior, (...) instrumento de avaliação para progressão

funcional, (...) constituição da memória de um grupo, de uma instituição, etc. O

memorial de formação caracteriza-se por ser escrito, geralmente, durante o processo

de formação, inicial ou continuada, ser acompanhado por um professor orientador e

ser concebido como trabalho de conclusão de curso superior (TCC ou TFC). (grifo da

autora)

A hibridização textual configura um escrito que deve atender às injunções da academia,

ser uma narrativa reflexiva sobre o percurso intelectual, profissional e formativo anterior e,

principalmente, mais contemporâneo, de quem propôs uma intervenção1 para atender a uma

1 Refiro-me ao projeto de intervenção “Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos nas aulas de

Língua Portuguesa podem ser autorais” apresentado durante o Mestrado Profissional em Letras oferecido pela

Universidade Federal da Bahia em 2013 e motivo deste memorial.

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demanda emergente em uma das turmas de 6º ano do Ensino Fundamental no Colégio Estadual

Monsenhor Manoel Barbosa.

Desse modo, o memorial que se inicia aqui, híbrido de nuances de vários gêneros,

mantém o caráter essencialmente autobiográfico e reflexivo, permitindo a revelação, a análise,

a aprendizagem de quem escreve sobre si mesmo, sobre o outro, sobre o mundo – a

“palavramundo”. (FREIRE, 1998, p. 9)

A escrita de um memorial autobiográfico leva-me a assumir a postura de cartógrafa

(ROLNIK, 2011) no sentido de busca e constatação de elementos que compõem a paisagem de

mim mesma: professora de Língua Portuguesa, aluna do PROFLETRAS na Universidade

Federal da Bahia (UFBA) e pesquisadora. É um exercício “antropofágico”, e ainda seletivo,

porque conduzido pelo desejo de me pôr a conhecimento num dado lugar e obter legitimação

do que proponho. Nessa antropofagia, devorar lembranças significa retroalimentar-me de

hipóteses sobre a (verdadeira?) natureza do que sou e do que tem me constituído enquanto

professora de Língua Portuguesa e aluna do PROFLETRAS. Também é um exercício de

escritura, porque reivindica a inscrição de mim mesma na produção de sentidos (CORACINI,

2010) deste texto. O leitor, neste caso, não pode ser ignorado. A legibilidade deverá estar em

sua essência:

Escrever um texto é dá-lo a ler, torná-lo público, expô-lo a interpretações

(in)esperadas, à violência da leitura que é sempre tradução; e para isso, é preciso que

seja legível, que obedeça à lei do texto que, como afirma Derrida (1974), está no outro

e vem do outro. (CORACINI, 2010, p. 30)

Volto ao mapa de minha trajetória, seleciono os referidos episódios para refazer as rotas

numa posição diferente e privilegiada: como alguém que vê o já vivido e tem a oportunidade

de pensar sobre seus desdobramentos. São paisagens que, no momento de rememoração,

configuram-se como a cartografia que se delineia neste memorial.

Lembro-me nitidamente, ainda no Ensino Fundamental (antigo 1º grau), precisamente

nas 7ª e 8ª séries, de a professora de Matemática lançar desafios e perguntar quem poderia

resolvê-los no quadro e explicar o raciocínio aos colegas. Sempre me esquivei; no entanto, a

professora Tânia Freitas dava um jeito de levar todos os alunos a responderem aos exercícios.

Chegou minha vez. Fui, resolvi, expliquei. Os colegas aplaudiram – faziam isso com todos que

iam ao quadro – e a professora disse algo como “Menina, você tem talento. Vai ser professora

de Matemática. Eu já sei.” Gostei e repeti as participações até o último ano. Essas palavras que

reverberaram em minha mente por anos, principalmente porque estudava em escola particular

19

e todos os meus colegas só pensavam em profissões que davam continuidade à tradição da

família: direito, medicina, administração, odontologia, engenharia, etc. foram resgatadas no

momento da escolha para o vestibular. Penso que, na época do Ensino Fundamental, talvez

percebesse que havia algo de diferente comigo. Considero que o comentário da professora

Tânia Freitas despertou em mim a percepção de que o conhecimento pode ser compartilhado e

que o outro que interage com você nesse processo deve ser considerado sempre. Acredito que

repensar o significado das ações da professora Tânia Freitas tem um papel fulcral no curso de

escrita deste memorial.

O outro episódio data do Ensino Médio (na época Segundo Grau), no primeiro ano. A

professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação, Márcia Góes, propôs a produção de um

texto descritivo em duplas – não havia trabalho com gêneros especificamente, mas práticas com

os tipos textuais: narração, descrição e dissertação. Eu e uma colega muito próxima rapidamente

decidimos o que faríamos e lembro que, durante a construção, ríamos muito e vivíamos o efeito

de sentido de cada palavra escrita – antecipando, prevendo, conduzindo, de certo modo,

orientando a percepção do interlocutor. Utilizamos os dois horários para a escrita enquanto a

maioria entregou a produção no final do primeiro horário. Fizemos rascunho e depois é que

“passamos a limpo” no formulário entregue pela professora. Depois de uma semana, novamente

aula de Redação. A professora principiou a aula comentando os textos descritivos elaborados e

disse que leria um que lhe chamou a atenção, sem revelar os autores. Um texto autoral talvez.

Revejo a cena, eu e a colega, muito ansiosas, porque imaginávamos que fosse o nosso. Foi.

Vergonha, orgulho, medo: sentimentos que me tomaram durante a leitura do texto. A turma em

furor com a leitura não permitia que a professora lesse com a continuidade que ela desejava;

ria-se muito, lançavam-se hipóteses sobre o “objeto” descrito, também havia muxoxos e

acusações. Não recordo o que aconteceu na aula após a leitura, apenas a professora nos

chamando ao final, quando todos já haviam ido embora, para comentar o texto, elogiar e

perguntar o que faríamos na universidade. Fiquei em silêncio – outras memórias não me

deixavam respirar: achava que ia ser professora de Matemática. Hoje sei que não disse a ela

porque tinha dúvidas. A professora Márcia Góes sugeriu que pensássemos em cursos como

Publicidade, Jornalismo, Direito, Letras e reafirmou que tínhamos facilidade com a escrita.

Essas dúvidas foram enxertadas a cada aula de Língua Portuguesa com as possibilidades de

conhecer, exercitar e aplicar o que era apresentado. Havia a preocupação da professora em

aproximar os conteúdos da disciplina à nossa realidade de aluno adolescente na década de 1990,

também em ouvir quais eram nossas expectativas, reclamações e incertezas e em atendê-las o

quanto fosse possível e consoante com os objetivos de ensino a que ela se propunha.

20

Em que medida esses acontecimentos influenciaram minha escolha profissional?

Titubear diante da escolha profissional apresenta-se como clichê, não para quem vive a

dúvida, muito menos para mim que volto para refletir sobre o que vivenciei no corpo desejante

diante daquela situação limite. Vozes referenciais misturavam-se: das professoras Tânia Freitas

e Márcia Góes, dos colegas e de outros professores – estes dois últimos a indicar o caminho da

tradição familiar em relação aos estudos, algo que eu não tinha: minha mãe não chegou a

concluir o Ensino Fundamental 2 e meu pai apenas seguiu até o Ensino Médio

profissionalizante, embora da parte deles não faltasse incentivo na busca pelos saberes

institucionalizados ou não, mas, conforme os dois, conhecer sempre foi o caminho para a

formação de pessoas melhores. Fardo pesado esse da escolha.

Marquei então determinada: curso de Licenciatura plena em Letras com Inglês na

primeira opção e de Licenciatura em Matemática na segunda opção. Não segui a tradição que a

ideologia das escolas que frequentei cultivava e por ela eram sustentadas.

“A pessoa é para o que nasce.” Célebre constatação de uma das três irmãs cegas

paraibanas – Maria – capturada no documentário homônimo de Roberto Beliner (2002) que

aqui transmuto para “a pessoa torna-se para o que nasce”. Não há determinismo, apenas

determinações e escolhas. Optei por ser professora, segui a tradição da família: minha mãe,

minha avó materna (em suas visitas semestrais) e meu pai sempre foram nossos professores –

somos três filhos – e dos filhos alheios.

Cinco semestres depois da entrada no universo da Universidade Estadual de Feira de

Santana, estou eu em sala de aula como professora contratada da rede pública estadual de

ensino, Escola Estadual Edith Mendes da Gama e Abreu, turno noturno, 1º ano do Ensino

Médio. Recordo-me de sentir um tremor de medo e de ansiedade diante de olhos cansados do

dia, cansados do tempo, incrédulos quanto a mim. Tão gentis e sábios foram aqueles alunos ao

compreender e aceitar minha inexperiência e minha determinação em ser professora como

Tânia Freitas e Márcia Góes.

Ser professora como outras professoras. Repetir os modelos? Sim, pareceu no início que

só teria que fazer o que as professoras faziam. Os conhecimentos reproduzidos pela academia

pouco ajudavam diante das possibilidades da realidade de sala de aula. Essa percepção

modificou a minha determinação em seguir os modelos que conhecia.

Cada turma é uma turma: aprendi rapidamente. Entretanto, demorei mais para entender

por que os conteúdos que aprendi na Educação Básica não faziam sentido para os meus alunos

e já tinha percebido que a formação da licenciatura não me ajudaria, as teorias pareciam

distantes do que pulsava à minha frente. Intuitivamente sabia que havia algo errado com o que

21

eu tentava ensinar ou com os métodos ou com os recursos. Tentava adaptações que ora pareciam

ter ajudado, ora, não. O que eu não sabia até então é que as concepções de língua que me

constituíram estavam tão entranhadas em mim que não poderia vislumbrar outras formas

plausíveis de ver e viver o ensino da Língua Portuguesa. Aulas de língua funcionavam assim:

ensino de gramática e de leitura com compreensão, interpretação e produção de textos. Contudo,

a insignificância delas, cada vez mais crescente, incomodava muito. A tradição2 formou-me, na

Educação Básica e na licenciatura, deu-me um mapa pronto que ali, na sala de aula, não oferecia

direções seguras.

Os caminhos começaram a se reconfigurar quando comecei a questionar e a tentar criar

outra forma de ensinar língua. Não lembro se formulei as mesmas questões propostas por

Geraldi (2011, p. 40): “por que ensinamos o que ensinamos?” e “para que as crianças aprendem

o que aprendem?”. Registro apenas que havia um incômodo e um desconforto em relação ao

que fazia.

Fui ser jornalista. Época que representa nessa trajetória o desenho de uma ilha onde

estive isolada para pensar sobre o desconforto. Tempos de muita escrita, muitas realidades e

descobertas, grande decepção... Não com o trabalho no Jornal Feira Hoje, mas comigo mesma,

devido a minha insatisfação em estar naquele lugar de repórter. Ver a vida do outro, (d)escrevê-

la como a realidade que clama por ser mostrada, legitimada como existência digna ou indigna

não me preenchia.

Pedi demissão e voltei ao exercício do magistério, agora, em escolas da rede particular.

Tive uma permanência curta nesse outro lugar de educação formal. Tempo suficiente para

terminar a licenciatura e a Especialização em Linguística Aplicada à Língua Portuguesa.

Conhecer a Linguística Aplicada ofereceu-me possibilidades de percursos – Sociolinguística,

Linguística Textual, Discurso, Fonética e Fonologia – representou um certo empoderamento

em relação ao que eu queria: dar significado à minha prática e ao que eu me propunha ensinar.

Era o que eu queria e quero e essa conclusão veio há pouco. Na época, não discernia insatisfação

de desejo e necessidade. Não intencionava fazer um mestrado. Pretendia experimentar mais o

ensino e a aprendizagem na escola, na base. Fiz concursos para professor da rede pública de

ensino nas esferas estadual e municipal em Salvador.

2 Tradição que se refere às concepções de língua (GERALDI, 2001) como expressão do pensamento ou

instrumento de comunicação e ignora-a em sua condição de lugar de/para interação humana.

22

Vieram as experiências3 em escolas da rede pública de ensino estadual e municipal em

Salvador. Outros mundos, novas experimentações e vontade de desistir. As situações –

concebidas como problemas - causadas pelo choque entre concepções de educação e de mundo

diferentes alimentaram durante um tempo a vontade de desistir de ser professora. A ideia de

mudar a minha prática e adequá-la à realidade e aos interesses dos alunos tomava corpo e me

expunha, deixava-me vulnerável diante do “sistema de educação”, oscilava entre o que era

esperado de uma professora da educação pública e o que acreditava fazer sentido ser essa

professora.

Não desisti e a Escola Municipal Amélia Rodrigues, onde trabalhei por 12 anos, foi

determinante nesse aspecto. Nosso primeiro diretor, professor Deraldo Valois, foi quem

incentivou a formação de um ambiente no qual predominava a valorização do outro e a certeza

de que éramos educadores e podíamos sê-lo da melhor forma possível. Por isso abraçou nossa

vontade de viver a educação e muitos projetos entre os quais destaco a “Escola Interativa”,

oferecido pela Cipó – Comunicação Interativa, organização não-governamental. Esse projeto

possibilitou a capacitação de professores e alunos-monitores para práticas fundadas na

educação pela comunicação com objetivos guiados pelas demandas da comunidade escolar e

orientou-nos a implementar uma emissora de rádio na unidade escolar e a programação desta.

Vivi a capacitação e a simultânea preparação da rádio, tentando levar o que aprendia para a

outra escola em que trabalhava, sem sucesso. Numa escola maior com muito mais professores,

a maioria já muito próxima da aposentadoria – o que não determina desinteresse pelo novo –

foi impossível. Fiz o que pude sozinha, infelizmente.

Houve ainda o curso de formação continuada GESTAR II (Gestão da Aprendizagem

Escolar), especificamente direcionado a professores da rede básica e pública de ensino da esfera

estadual que ensinam Língua Portuguesa e Matemática para alunos do 6º ao 9º ano. Foram 400

horas em que se priorizava a discussão de teorias ligadas à educação e à construção individual

e coletiva de atividades posteriormente aplicadas e relatadas num portfólio e também durante

os encontros presenciais. A formadora buscava levar à apreciação e à discussão aspectos-chave

das teorias de Jean Piaget, Henri Wallon, Lev Semenovitch Vygostky, Sírio Possenti, João

Wanderley Geraldi, Angela B. Kleiman, Luiz Antônio Marcuschi, Luiz Carlos Travaglia e

outros e instigando-nos a pensar como poderíamos aplicar em sala de aula aquelas contribuições

teóricas.

3 Entendo experiência a partir do conceito proposto de Larrosa (2002, p. 21): o que nos passa, nos acontece, nos

toca.

23

Um espaço-tempo vivido e experimentado porque buscava (e ainda busco) tornar minha

prática pedagógica significativa para mim mesma e para meus alunos, embora não houvesse

disponibilidade para conhecimento teórico mais aprofundado. À época, sentia essa necessidade,

já que, enfim, poderia associar teoria e prática. Não que as entendesse apenas separadas: ainda

as percebia numa relação de hierarquia em que a primeira estava sempre em posição mais

relevante. O “diálogo” promovido pelo GESTAR II principiou o esboço de um imaginar crítico,

exercido e praticado na nomeação e renomeação do mundo: ensino-aprendizagem – norteando

sua reconstrução. (BERTHOFF, 2011, p. 33)

Algo mudou na minha forma de trabalhar. Porém, não foi o bastante para que eu pudesse

vivenciar os resultados idealizados. O que acontecia era a experimentação com pouca segurança

e uma convicção muito maior de que o sistema educacional e suas imposições não cabiam na

sala de aula, não eram suficientes para que houvesse a garantia da experimentação dos

conhecimentos linguísticos para a performance do texto escrito: o saber que transformado em

saber como e em saber quando e por quê (GARCEZ, 2010, p. 19) (grifos meus). Acreditava,

ainda, que poderia mostrar a cada aluno o quanto ele poderia ser capaz de mudar sua realidade

apenas estudando, descobrindo a vida e o mundo.

Diante dessa nítida vontade minha, percebi uma necessidade dos alunos, principalmente

aqueles que entravam no 6º ano: produção de textos adequada à demanda da realidade deles.

Resolvi fazer um trabalho específico para esse contexto. Não sabia muito bem como organizar

o que pretendia e estar em conformidade com as diretrizes curriculares enviadas pela Secretaria

de Educação do Município de Salvador para orientar nossa prática e com a obrigatoriedade

sacralizada do uso do livro didático, mas, baseando-me nos Parâmetros Curriculares Nacionais,

construí um projeto de leitura e produção textual direcionado aos alunos de uma das turmas de

6º ano em que dava aulas na escola municipal. Tive, desde o início, o apoio do coordenador

pedagógico, o professor e pedagogo Welton Fonseca, que, como eu, ficava muito incomodado

com os comentários dos outros professores em relação aos alunos que eram matriculados na

referida série: “Esses meninos são analfabetos!”, “Todos têm problemas de alfabetização!”,

“Eles não sabem ler, nem escrever, nem assinar o próprio nome!”, “Você que é de Português,

faça alguma coisa! Bota esses meninos para ler e escrever!” Além disso, compartilhava comigo

a visão de um ensino de Língua Portuguesa que fugia do tradicional: leitura de textos

pertencentes a gêneros variados, momentos de discussão acerca das interpretações demandadas

das leituras, produção de textos que fizessem sentido diante das necessidades dos alunos e

aprendizado e aplicação de conteúdos gramaticais necessários à interação provocada por essas

situações. Por ter entendido a necessidade do que eu propunha, durante as reuniões com os pais,

24

o professor Welton Fonseca sempre destacava que o trabalho com a turma era diferente do

habitual devido às dificuldades que os alunos apresentavam em relação à leitura e à escrita.

O “trabalho diferente” era muito simples; apenas promovia a leitura de livros da

biblioteca da escola durante um dia por semana durante o tempo da aula, a produção de

sinopses, anúncios e resenhas (chamadas de “opiniões” pelos alunos) com espaço para

reescritas comentadas coletivas e individuais, a avaliação das atividades propostas (leitura,

escritas e reescritas) bem como leitura de outros textos trazidos pelos alunos ou pertencentes ao

livro didático. O “diferente” era que não havia o trabalho predominante e descontextualizado

com a gramática normativa nem exercícios exclusivamente realizados a partir do livro didático.

Foi um ano difícil e, ao final dele, os resultados não eram animadores: muitos alunos dessa

turma ficaram em recuperação nas outras disciplinas, embora a maioria tenha sido aprovada

para a série seguinte. A turma permaneceu quase em sua totalidade a mesma e só voltou a estar

comigo no 9º ano. Percebi que muitos estavam bem melhores em relação à escrita e à oralidade;

pareciam mais seguros nos usos da Língua Portuguesa instituídos como padrão. Na época,

atribuí essa segurança a fatores como amadurecimento, valorização do papel da escola, apoio

da família e, por último, à familiaridade com o “meu” modo de trabalho. Não conferi nenhum

valor ao “trabalho diferente” feito junto com eles três anos antes. Nesse ano e no seguinte,

muitos deles fizeram seleção para o Instituto Federal de Educação e Tecnologia da Bahia e

foram selecionados. Não soube imediatamente; só muito tempo depois um dos alunos

comentou: “Só lembrei da senhora na prova de redação. Fácil demais.” Nunca trabalhei com

eles nada para concurso nenhum. Neste ano (2014), mais surpresa: três ex-alunos da mesma

turma na Universidade Estadual da Bahia fazendo suas graduações e lembrando o valor do

trabalho feito em 2007 para a vida deles.

As lembranças desses meninos e meninas fizeram-me acreditar que o “trabalho

diferente” poderia ser retomado de uma forma mais sistematizada e fundamentada

teoricamente. Acredito que o desenvolvimento da competência textual4 é imprescindível na

formação do aluno-cidadão. Por isso, organizo o conteúdo da disciplina nessa perspectiva de

produção escrita contextualizada da qual a reescrita é uma das etapas. Parece-me impossível

um trabalho em Língua Portuguesa na Educação Básica que não tenha esse enfoque. No entanto,

essa não tem sido a prática que percebo nas escolas em que trabalho. Não raro, os alunos relatam

que não têm o costume de reescrever seus textos após revisões. Lembro-me de que, quando fui

4 Competência textual é, segundo Travaglia (2009, p. 18), a capacidade de, em situações de interação comunicativa,

produzir e compreender textos considerados bem formados, valendo-se de capacidades textuais básicas: a

formativa, transformativa e a qualificativa.

25

professora-supervisora5 no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)

Letras na UFBA, os alunos-bolsistas, ao tomarem contato (observação) com as aulas de Língua

Portuguesa por mim ministradas no Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa, também

relataram que nunca tinham experienciado a produção escrita de modo contextualizado e

vinculado à reescrita. Penso que, até mesmo com eles, os alunos-bolsistas, a produção textual

em todas as suas etapas (apreciações, leituras, discussões, revisões, reescritas) também foi

vivenciada no período em que, após leituras e discussões suscitadas a partir do livro A

importância do ato de ler: em três artigos que se completam de Paulo Freire (1989) e do que

experimentavam nas observações das aulas, construíram um artigo baseado na experiência de

leitura do grupo. A importância do ato de ler em três etapas que se completam representa a

análise acerca do valor constitutivo da leitura para a vida dos bolsistas e estudantes da

Licenciatura em Letras na UFBA. Representa também a oportunidade que tive de pensar sobre

as minhas memórias enquanto sujeito que lê e escreve e faz disso seu trabalho. A compreensão

sobre como a minha formação leitora e escritora culminou na minha escolha profissional

começou a ser delineada nesse período.

Rememorar o passado longínquo e o recente e percorrer caminhos já trilhados é pisar

num terreno já conhecido que, ao ser materializado pela escrita, faz pensar sobre minha prática

de professora durante esses 21 anos. Sou confrontada com o fato de que ainda estou em

formação, menos ansiosa talvez, porém com as mesmas inquietações agigantadas ano letivo

após ano letivo: que Língua Portuguesa quero ensinar? O que eu quero é o mesmo que os alunos

querem e precisam?

A entrada recente no PROFLETRAS, em 2013, permitiu que as questões referidas

assumissem status mais consistente e permitissem a valoração das minhas tentativas de

adequação do ensino de Língua Portuguesa à realidade e às necessidades das comunidades

escolares em que trabalhei e trabalho. Isso significa que a percepção que já norteava minhas

aulas no sentido oposto ao orientado pelas concepções de língua, de leitura e de escrita

constituidoras de minha formação enquanto aluna e professora tem respaldo teórico. Um novo

olhar para a bipartição do indivisível: prática e teoria sustentando possibilidades. Até então,

era-me impossível conceber teoria e prática em um mesmo nível, imbricadas. A dicotomia

estabelecida passa a ser repensada e, em meio a leituras e discussões, provocações como estas

propostas por Hissa (2013, p. 77) fazem-me refletir sobre o que eu experimentei enquanto

5 Entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2014.

26

professora até então e a possível reconsideração sobre como teorias e práticas sempre estiveram

ali presentes.

Mas o aprender não seria o preenchimento recíproco entre práticas e teorias? (...)

Teoria é conhecimento sistemático e resultante de práticas empíricas. Poder-se-ia

dizer que a teoria resulta da experimentação do mundo que, por sua vez, permitiria

sua transformação. A construção teórica do discurso já é prática.

Possibilidades que assumem o contorno – e começam a redefinir o desenho da minha

existência enquanto professora – de outra visão do processo de ensino-aprendizagem de Língua

Portuguesa efetivamente mais centrado no entendimento da língua como lugar de interação

entre seres ativos, atores e construtores sociais que, dialogicamente, se constroem e são

construídos nos textos (KOCH e ELIAS, 2012), sejam eles orais ou escritos. Penso, desse modo,

o dialógico como parte da natureza humana e tomo como parâmetro Bakhtin (2006, p. 115):

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de

que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui

justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de

expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao

outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. [...] A palavra é o território

comum do leitor e do interlocutor.

Este memorial constitui-se como uma cartografia em elaboração e, por isso, em

constante diálogo com o que tem se tornado real no universo das possibilidades teórico-práticas

da intervenção “Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos nas aulas de

Língua Portuguesa podem ser autorais”. Uma aventura de pensar para narrar, narrar para pensar

tempos e espaços constituintes do meu aprendizado acerca de minha experiência como

professora.

A intervenção compõe-se de uma paisagem em que constam as situações que vivi

enquanto produtora de textos e enquanto professora de Língua Portuguesa em escolas da rede

pública de ensino. Ao apresentar um plano de trabalho-pesquisa para turmas de 6º ano do

Ensino Fundamental, utilizei memórias e reflexões sobre minha prática, experiência para

delinear um perfil provisório para a unidade escolar, para os alunos, para as demandas... O

caráter provisional justifica-se pelo fato de que o pensar e o produzir o projeto acontecerem no

ano anterior à intervenção e também ao caso específico de se tratar do 6º ano que, no CEMMB,

é o ano inicial, já que esta escola atende ao Ensino Fundamental 2, ao Ensino Médio e à

Educação de Jovens e Adultos.

As minhas inquietações enquanto professora – já mencionadas aqui – conduziram uma

trajetória que oscilava muito em termo de concepções de língua. No entanto, reconheço que o

27

tradicional e o normativo sempre alicerçaram as minhas práticas, embora isso representasse um

incômodo.

Nesse terreno, o projeto de intervenção, antes uma projeção a partir da realidade, teve

como objetivo geral perceber como o processo de escrita na escola pode ser autoral. Esse

objetivo apresenta-se como a materialização de questionamentos advindos de minha condição

de professora6, reelaborados e traduzidos como uma possibilidade de ensino de Língua

Portuguesa na Educação Básica. Constitui-se também como a proposição de um fazer no

processo de ensino-aprendizagem posto neste memorial e, por isso, disposto em diálogo. A

possibilidade de me autocentrar como detentora e controladora do saber esmaece-se neste

desenho cartográfico porque o dialógico constitui-me e permite-me a experiência de ser

professora.

Acredito que, no processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, esses

questionamentos são essenciais para que o professor busque as respostas e conduza sua prática

baseada nelas. Entretanto, a concepção de língua adotada pelo professor é o elemento norteador

que poderá fazê-lo perscrutar caminhos que lhe apontem modos de fazer coerentes com o

contexto histórico-social do qual faz parte ou conservem-no no lugar de repetir fórmulas

descontextualizadas. Dessa forma, se eu entendo a língua como o que foi sintetizado por

Marcuschi (2008, p. 61) – “um sistema de práticas com o qual os falantes/ouvintes

(escritores/leitores) agem e expressam suas intenções com ações adequadas aos objetivos em

cada circunstância, mas não construindo tudo como se fosse uma pressão pura e simples” –

será possível a mim compreender o processo de ensino-aprendizagem que proponho (a mim

mesma e aos alunos) e tentar soluções para os problemas que surjam em sala de aula.

Se possuímos uma justificativa para se ensinar leitura e escrita, é porque temos

estabelecido em nossas concepções de ensino que o domínio desse binômio, na sociedade

grafocêntrica da qual fazemos parte, é uma das condições para legitimação enquanto ser social,

aqui entendido não como Fonte única de sentido, nem como ser assujeitado (MARCUSCHI,

2008, p. 68-69), porém, aquele que se constrói na presença do outro.

É para o aluno como sujeito da linguagem, “aquele que ocupa um lugar no discurso e

que se determina na relação com o outro” (MARCUSCHI, 2008, p. 71), que a escola deve ser

pensada. Para isso, há que se deixar espaço para se tratar do processo de produção do texto

como um todo, desde as leituras que vão dar suporte para que os alunos explorem e proponham

as ideias pretendidas – inclua-se aí a “leitura” de mundo, da “palavramundo” (FREIRE, 1998,

6 Refiro-me àqueles questionamentos propostos por Geraldi (2011, p. 40): “Por que ensinamos o que ensinamos?”

e “Para que as crianças aprendem o que aprendem?”, anteriormente citados.

28

p. 9) – até a transferência gráfica dessas ideias. Esse processo de registrar o que se pretende e

tornar “claras” ao leitor suas ideias não pode ser resumido apenas às etapas de planejamento e

de registro: a reescrita, após a releitura que reavalia, reorganiza, pode ser necessária até mais

que uma vez.

No entanto, essa prática não tem feito parte do cotidiano escolar que tenho vivenciado:

textos são propostos pelo professor, escritos pelos alunos, corrigidos pelo professor, devolvidos

com breves comentários, no máximo. Não existe uma devolutiva planejada para a reescrita

(aqui considerada como todo o processo de reconstrução textual) baseada na ativação de

conhecimentos linguísticos, enciclopédicos, textuais e interacionais (KOCH; ELIAS, 2012, p.

37-52).

A prática com reescrita textual parece ser uma possibilidade de estimular a revisão da

escrita entre os alunos, está de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua

Portuguesa (1998, p.77):

a refacção faz parte do processo de escrita: durante a elaboração de um texto, se releem

trechos para prosseguir a redação, se reformulam passagens. Um texto pronto será

quase sempre produto de sucessivas versões. Tais procedimentos devem ser ensinados

e podem ser aprendidos.

Além disso, é minha hipótese que a escrita exercida como processo pode levar os alunos

a exercitar a sua constituição como autor. Nesse exercício constitutivo, autonomia e autoria

aparecem imbricadas: o autor surge da prática da autonomia e esta reforça-se pelo saber-se e

exercitar-se autoral. No sentido proposto por César (2011, p. 93) citando Castoriadis, a

autonomia apresenta-se como pretensa7 superação das diferentes formas de heteronomia –

regulação e legislação do outro – e associa-se à formação da autoria, o fazer refletido, lúcido,

sustentado sobre um saber efetivo, mas não absoluto e ilusório (CÉSAR, 2011, p. 92).

Rodrigues (2011, p.17-18) considera que há condições para a construção do sujeito-

autor: a publicização do escrito, a responsabilidade de quem escreve e o reconhecimento do

outro. A exposição possibilita a quem escreve a oportunidade de ver a si mesmo com o olhar

de leitor; a responsabilidade diz respeito à capacidade de responder pelo que criou, vendo-o

como seu e vendo-se como criação de si mesmo e o reconhecimento do outro. Essas condições

compatibilizam-se com a concepção de autoria proposta por Tfouni (2010, p. 55-56), para quem

7 O termo “pretensa” tem a intenção de significar a ilusão acerca da desconsideração da heteronomia, uma vez que

a condição de linguagem humana pressupõe a interação e o dialogismo, enquanto atividades responsivas que

imanentemente conduzem a existência do sujeito em sociedade e demandam valoração constante de si mesmo, do

outro e de si para o outro.

29

autor e sujeito do discurso estão em inter-relação constituindo-se como aquele capaz de

estruturar seu texto procurando encaminhar o leitor a posições específicas de leituras desse

texto.

Considerando esse panorama, a autoria estará em relação imbricada com o poder?

Respondo afirmativamente quando concebo que o autor é aquele que está autorizado ao

discurso e que se autoriza e é autorizado pelo seu discurso. Discurso este constituído pelos

discursos de outros e para outros. O empoderamento configura-se nessa relação entre autorizar

o outro a reconhecer-lhe em sua autonomia e responsabilidade por um dizer e, por isso, ser

autorizado e valorado pelo outro.

Nesse contexto, a consideração e a valorização das práticas de letramento já

internalizadas e utilizadas pelos alunos é essencial para que, se necessário, outras sejam

mobilizadas e, no conjunto, conduzam-nos ao maior domínio das competências de leitura e

escrita. Prática de letramento aqui é compreendida como proposto por Kleiman (2005, p.12):

conjunto de atividades envolvendo a língua escrita para alcançar um determinado objetivo numa

determinada situação, associada aos saberes, às tecnologias e às competências necessárias para

sua realização.

O projeto de intervenção apresentado propôs observar se o exercício de escrita e

reescrita de textos por alunos do 6º ano, materializados em gêneros discursivos pertencentes ao

domínio discursivo interpessoal, representou produções com indícios autorais. A escolha de

gêneros pertencentes ao domínio discursivo interpessoal deve-se ao fato de que, a priori,

parecem conferir mais explicitamente o status de autor a quem escreve. Entretanto, outros

gêneros poderão ser requeridos pelo contexto e deverão ser alvo de estudo também. O que

aconteceu e será explicitado em sequência.

Desse modo, idealizei os seguintes objetivos específicos:

reconhecer a concepção de linguagem que tem norteado meu fazer pedagógico;

apropriar-me das teorias sobre letramento, gêneros discursivos, escrita e reescrita

textual, autoria, autonomia;

conhecer a cultura escolar da qual faço parte;

entender o processo que envolve a produção de textos;

observar as habilidades relacionadas à escrita já adquiridas pelos alunos da turma de 6º

ano;

30

compreender a reescrita como etapa fundamental do processo de escrita, exercitando-a

e valorizando-a de modo que os alunos a percebam como necessária nas práticas pertencentes

ao contexto escolar e fora deste;

identificar se a escrita e a reescrita de textos constituem-se como espaços de construção

da autoria na escola especificamente para a turma de 6º ano;

reunir e publicizar as produções textuais dos alunos.

2.2 A escola

Os deslocamentos percorridos nesta aventura de narrar e dar a conhecer trazem-me para

o ambiente em que trabalho como professora: o que há de físico e humano em sua constituição.

O Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa (doravante CEMMB) – em que trabalho no

regime estatutário de 20 horas semanais há 15 anos e também ambiente para o qual propus a

intervenção já mencionada – está localizado no Conjunto Guilherme Marback, setor 2, s/n,

bairro do Imbuí. Muito próxima dos bairros Boca do Rio e Pituaçu, essa unidade escolar foi

inaugurada há quase 30 anos. Inicialmente seu nome era Escola de 1º Grau Monsenhor Manoel

Barbosa e atendia às séries iniciais do Ensino Fundamental, na época, chamada de Educação

Integrada. Ficou nessa condição por dois anos até que, em 1986, passou a oferecer apenas o

Ensino Fundamental II. Em 2003 estendeu sua abrangência às turmas do Ensino Médio. Essa

Unidade Escolar funciona em três turnos e com os níveis assim distribuídos: matutino e

vespertino com Ensino Fundamental II e Ensino Médio que também é oferecido no noturno

junto com a EJA II (Educação de Jovens e Adultos).

A matrícula do letivo de 2015 registrou 1025 solicitações para os três turnos. Segundo

o que observo e sou informada pela coordenação pedagógica, o alunado do CEMMB é formado

por indivíduos das classes populares e é originário principalmente dos bairros Boca do Rio,

Pituaçu, Costa Azul, mas há também aqueles de outros relativamente próximos: Pernambués,

Sussuarana, Mussurunga. No início de cada ano letivo, os discentes são informados sobre os

horários do colégio que são assim definidos:

turno matutino que tem início das aulas às 7h30min (intervalo ocorre em dois

momentos: de 9h10min até 9h30min e de 10h até 10h20min) e término às 12 horas;

turno vespertino que tem início das aulas às 13h30min (intervalo ocorre em dois

momentos: de15h10min até 15h30min e de16 h até 16h20min) e término às 18 horas;

turno noturno que tem início às 19h e término, às 22h.

31

O CEMMB possui 16 salas de aula, todas equipadas com TV Pendrive, sendo que uma

dessas é de informática (que dispõe de 10 computadores os quais devem ser utilizados pelos

alunos durante as aulas da disciplina Informática), já tivemos internet wi-fi aberta; há ainda uma

sala de vídeo com aparelhos de som, TV e DVD e dois projetores multimídia, uma quadra

poliesportiva descoberta, uma área de convivência que também é refeitório, uma cozinha,

almoxarifados, salas para secretaria, diretoria, vice-direção, coordenação pedagógica e para o

Programa Mais Educação8. Há ainda uma biblioteca que tem 2000 títulos, que possui sistema

de empréstimo das obras para todos que pertencem à comunidade escolar e estejam cadastrados

para tal: alunos, professores e funcionários.

No que se refere à estrutura administrativo-pedagógica, o CEMMB apresenta:

um diretor: Gideon Ribeiro Cardoso e três vice-diretoras: Ana Paula Costa Ganem

(matutino), Aldenízia dos Santos (vespertino), Maria José Caldas Melo (noturno);

duas coordenadoras pedagógicas: Jonalina Márcia Mendes Carvalho, Rita Samara

Araújo Machado Santos e a coordenadora do Projeto Mais Educação: Maria de Fátima

Sales da Silva.

um total de 45 professores.

O espaço do colégio é cedido semanalmente para a comunidade que utiliza a quadra

poliesportiva para a realização de campeonatos de futebol e a cozinha para o preparo de

refeições distribuídas à população carente do bairro e redondezas. Acredito que sejam atitudes

positivas uma vez que demonstram à comunidade que o espaço da escola pode ser utilizado

para além do que tem sido feito normalmente: aulas em salas; cadeiras enfileiradas; exercícios

no quadro, no livro, no caderno, uma atividade extra esporádica como uma visita a um museu,

ou a algum ponto da cidade.

Com estrutura física razoável e muito melhor do que tenho visto em outras escolas da

rede estadual em Salvador, percebo algumas falhas que vêm se renovando há alguns anos.

Os aparelhos de TV Pendrive não funcionam há muito. Quando eram novos, havia a

ideia de que poucos podiam lidar com a tecnologia e os professores, em sua maioria, sequer

tentaram. Ficaram esperando uma capacitação da secretaria, o que não aconteceu. Os poucos

professores que tentaram fazer uso da TV encontraram como entrave a pouca disponibilidade

dos funcionários em providenciar as chaves que abriam os cadeados dos dispositivos

8 Criado como uma estratégia para introduzir a ampliação da jornada escolar, esse programa permite às escolas

públicas municipais e estaduais que o aceitem, conforme o projeto educativo em curso, optar por desenvolver

atividades para acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em educação;

cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das

ciências da natureza e educação econômica.

32

antivandalismo que ainda hoje guardam os aparelhos que continuam lá nas salas. Ocupam um

espaço de possibilidades tornadas inviáveis.

Isso acontece também com os computadores da sala de informática: além do número ser

pequeno para turmas com 35 alunos, encontram-se sem uso devido à falta de manutenção que

só pode ser realizada por empresas cadastradas pela Secretaria de Educação que não

comparecem para fazer o serviço, mesmo já tendo sido informadas da necessidade. A rede wi-

fi representa outra situação de descaso: a informação que tenho é que técnicos da mesma

Secretaria de Educação desativaram-na no ano passado (2014) e reativaram-na, porém, com

uma senha que é desconhecida por todos.

A quadra descoberta não oferece condições de ensino-aprendizagem das modalidades

esportivas de modo minimamente confortável e as aulas de Educação Física ficam limitadas à

teoria nas salas de aula convencionais e partidas de futebol. Devido a isso, ouço comentários

negativos das estudantes sobre as aulas e vejo a baixa frequência delas nessas aulas. Não foi

sempre assim. Entre os anos 2000 e 2002, havia outras modalidades esportivas como handebol,

voleibol e ginástica rítmica e uma maior participação dos estudantes nas aulas e nos

campeonatos internos e externos promovidos pela própria coordenação e professores da escola

e de outras unidades escolares do entorno.

O Programa Mais Educação não funciona a contento devido a vários fatores, entre eles

estão os recursos não repassados pelo órgão público em tempo hábil, a falta de especialização

dos instrutores e a baixa remuneração paga a eles, as tentativas malsucedidas de articulação

entre a coordenação do programa e as necessidades reais dos alunos da escola. Tudo isso resulta

em baixa adesão, desinteresse e abandono por parte dos estudantes.

Esse é o chão em que piso pelo menos quatro vezes por semana. Realidade que digo

conhecer e que me surpreende sempre, pois o novo chega todos os dias reelaborado a partir do

que já está lá e não reconheço sempre porque não tenho como dar conta do todo. Tento interferir

em algumas de suas refrações. O 6º ano é uma delas.

No Ensino Fundamental de nove anos, o 6º ano se constitui como um divisor de águas,

porque representa uma nova forma de se vivenciar a escola: o aluno terá que administrar as

novas disciplinas somadas às já conhecidas; a segmentação de conteúdos, que antes poderiam

ser abordados mais interdisciplinarmente; os professores especialistas que se responsabilizam

apenas por suas áreas e conduzem o aprendiz a fragmentar suas responsabilidades escolares.

Não há como negar que essa é uma etapa, de certo modo, confusa e inquietante para os

educandos e para todos que fazem parte da comunidade escolar. Ao professor da disciplina

Língua Portuguesa, especialista que é, caberá dar continuidade ao desenvolvimento das

33

habilidades que tornem os alunos competentes nos usos da leitura e da escrita nas mais diversas

situações. No entanto, o que tem se observado é que, de acordo com a concepção de língua que

fundamenta a prática do professor, esse objetivo poderá não ser alcançado.

Nesse contexto, já há alguns anos, nós, os professores de Língua Portuguesa, também

os de outras disciplinas, que trabalhamos na referida escola, temos verificado as dificuldades

dos alunos em acompanhar os conteúdos previstos para o citado ano e, não raro, expomos que

eles “têm problema de alfabetização”, “não sabem ler nem escrever”, “não conseguem copiar

do quadro sem errar”, “não são capazes de reescrever um texto”. É uma realidade muito

semelhante àquela descrita anteriormente da escola municipal onde desenvolvi o referido

“trabalho diferente”. Fato é que, no CEMMB nos anos de 2009 até 2012, os índices de

reprovação no 6º ano estão entre 25% a 43%, algo que pode ser creditado às dificuldades de

adaptação ao ano como também àquelas demandadas da problemática acerca da escrita e da

leitura já identificadas no discurso de nós, os professores.

Tentativas têm sido feitas pela coordenação pedagógica, professores e direção em

reverter o quadro descrito: os professores que trabalham com o 6º ano são aqueles que preferem

estar com os menores. Por isso, organizam os conteúdos das disciplinas que lecionam conforme

o que percebem como necessidade dos alunos tanto em relação aos conceitos, como também às

atitudes deles diante da realidade de 6º ano; as reuniões com os pais e responsáveis acontecem

por ano de escolarização com a presença da maioria dos professores, também da coordenadora,

da vice-diretora e do diretor, momento em que são passadas informações sobre o funcionamento

da escola e discutidos temas considerados relevantes para os presentes.

Percebo uma preocupação real com os alunos e seus responsáveis. A escola caminha

na direção de um trabalho mais contextualizado, embora, reconheço, muito ainda pode ser feito

e retomado de práticas anteriores, como oferecer aos responsáveis pelos alunos de todos os anos

condições de participação no cotidiano escolar. Falta também a criação de uma cultura de

diálogo com a comunidade para que ideias tornem-se práticas relevantes para todos: alunos e

seus responsáveis, professores, coordenadores, diretores, funcionários.

Por pensar como Marcuschi (2008, p. 53), que a “escola tem como função primária

levar o aluno a bem se desempenhar na escrita, capacitando-o a desenvolver textos em que os

aspectos formal e comunicativo estejam bem conjugados”, sou levada a acreditar que o

“tratamento” dado pelo professor de Língua Portuguesa aos conteúdos deve ser alicerçado na

compreensão do que é importante – ser significativo, situado e real para a comunidade – para

a aprendizagem, também, que os alunos devem ter a mesma consciência e ser capazes de se

legitimarem enquanto sujeitos que interagem pela e na linguagem.

34

Nesse sentido, quando há a constatação sobre as deficiências de leitura e de escrita em

relação aos alunos do 6º ano, algo a mais precisa ser feito e o caminho, acredito, deve ser

trilhado por todos os partícipes porque são os letramentos propiciados pelas disciplinas

curriculares que podem reverter essa realidade.

2.3 Os alunos

A determinação e a necessidade em responder às perguntas propostas por Geraldi9

(2011, p. 40) e, antes mesmo, às minhas questões, levam-me a iniciar a cartografia sobre o outro

que me constitui como professora: o aluno do 6º ano B do turno matutino do CEMMB.

O procedimento para esse desenho cartográfico foi inicialmente a produção e vivência

de uma sequência didática – descrita no capítulo subsequente – com atividades específicas para

esse (re)conhecer de mais um partícipe da sala de aulas da disciplina Língua Portuguesa. Nesta

sequência didática, a primeira atividade proposta pretendeu levar os alunos à reflexão sobre si

mesmos e à representação das conclusões. Após a motivação com a leitura e discussão do

poema “Quem sou eu?”, escrito por Pedro Bandeira, e questões trazidas por mim e pelos

próprios alunos, estes construíram dois autorretratos com recortes, desenhos, figuras com os

temas “Quem sou eu?” e “Como as pessoas me veem?”. A atividade culminaria com a

apresentação oral e posterior exposição do que foi confeccionado. Entretanto, houve pedidos

em usar o código verbal para essas atividades, o que resultou em duas atividades: a imagética

permeada por legendas e a escrita.

Enquanto cartógrafa e professora-pesquisadora, observadora participante (FINO, 2008,

p. 3), que promove uma investigação sobre e para a prática pedagógica como um movimento

de caráter contínuo e cambiante entre reflexão e ação, estar aberta ao que o campo oferece como

demanda é imprescindível. A produção escrita não estava prevista, mas constituiu-se como

recurso potente para (re)conhecê-los como meus alunos. Os textos produzidos (imagéticos e

escritos), juntamente com um questionário, foram utilizados para a representação do perfil

daqueles que constituem a outra parte do fazer pedagógico.

Esse questionário, que se encontra no Apêndice A (p. 135), é composto de 32 questões

organizadas em quatro partes, a saber:

Parte 1 – Informações pessoais

9 As questões propostas por Geraldi são “Por que ensinamos o que ensinamos?” e “Para que as crianças aprendem

o que aprendem?”.

35

Parte 2 – Informações sobre o que concebem como leitura

Parte 3 – Informações sobre o que concebem como escrita

Parte 4 – Informações sobre conceito e importância de leitura e de escrita

As questões foram elaboradas com base nas informações que, sob meu ponto de vista,

seriam importantes para o alcance do objetivo anteriormente mencionado. Para isso, baseei-me

no modelo de perguntas contido em Rojo (2009). Esta autora, ao final de cada capítulo da obra

referida, propõe uma série de atividades para reflexão sobre os pressupostos abordados. No

capítulo 3, “Letramentos da população brasileira: alfabetismo funcional, níveis de alfabetismo

e letramento(s)” (ROJO, 2009, p. 41-57), a autora compartilha a narração de um dia na vida de

D. Naná para ilustrar todos os eventos de letramento dos quais a personagem participa e

questiona se a realidade dessa senhora está presente na vida de outros brasileiros. Para

responder a esse questionamento, menciona dados do Indicador de Alfabetismo Funcional

(INAF) analisados por outros autores. O INAF 2001 tem como objetivo principal oferecer

informações qualificadas (descritores) sobre as habilidades e práticas de leitura, escrita e

matemática dos brasileiros entre 15 e 64 anos de idade. Também considera o alfabetismo como

“a capacidade de acessar e processar informações escritas como ferramenta para enfrentar as

demandas cotidianas” (ROJO, 2009, p. 44), conceito que, segundo a autora, é bastante

complexo e sociohistoricamente determinado. Lembra, justificando a observação anterior, que,

na primeira metade do século passado, alfabetizado era aquele que sabia escrever o próprio

nome e hoje essa capacidade seria definida como um nível mínimo de alfabetismo. Ainda n

esse capítulo, informações sobre gosto e frequência de leitura dos brasileiros são demonstradas

como aspectos que contradizem a máxima popular “Brasileiro não gosta de ler”, além das que

são referentes à relação mais negativa entre a escola e o sexo masculino, levam à reflexão sobre

o empoderamento, autoestima e protagonismo cidadão do brasileiro. A autora apresenta ainda

as implicações que os dados discutidos podem ter para os letramentos na escola, sugerindo

caminhos de mudança. Em seguida, são dispostas três atividades direcionadas ao leitor,

enquanto interessado em educação linguística e enquanto professor curioso em relação ao perfil

letrado de seus alunos. Encerrando a seção, Rojo propõe atividades cuja finalidade é conhecer

as práticas e eventos de letramento familiares às pessoas de um modo geral e também aos

alunos. Essas atividades serviram de norteamento teórico para os questionamentos contidos no

referido questionário.

Raffel (1999, p. 153-175) e Brantley (1999, p. 274-298) também ofereceram suporte na

elaboração e organização das perguntas, já que propõem diretrizes tanto quanto à pesquisa

qualitativa em sua concepção exploratória como também no que diz respeito à formulação do

36

questionário. Como são originárias da área de Marketing, essas autoras trazem orientações que

envolvem mais diretamente o modo de fazer. Isso pode ser vantajoso porque proporciona uma

visão clara do que pode ser elaborado no que concerne ao questionário. No entanto, pode trazer

desvantagem se for concebido como fórmula pronta para copiar, adaptar e aplicar. Não foi o

caso na atividade desenvolvida (o questionário), já que o propósito do referido instrumento não

está vinculado aos dados numéricos, mas às informações e interpretações das respostas em

consonância com outras abordagens vivenciadas no campo.

O questionário pode ser considerado como um dos traços componentes desse desenho

materializado como o projeto de intervenção que proponho para a turma de 6º ano mencionada.

Movida pelo desejo de conhecer os estudantes, assumo a máscara de cartógrafa e, no

“movimento de criação de sentido” (ROLNIK, 2011, p.37), sigo o manual do cartógrafo dado

à apreciação por Rolnik (2011, p.65-72) e ainda, as orientações de Vóvio e Souza (2005, p. 41-

64) acerca dos “Desafios metodológicos em pesquisas sobre letramento”.

Assim sendo, apresento mais uma vez os requisitos para apreensão e desenho da

realidade que vivencio: um critério, um princípio, uma regra e um breve roteiro de

preocupações. O critério é, conforme Rolnik, fundamentalmente, o grau de abertura para a vida

que cada um se permite (2011, p. 68) e tem como pressuposto o princípio e a procura pela vida

em expansão. Por isso, tende a mudar de princípio sempre que tiver de engendrar novos

caminhos. O meu critério e o meu princípio dizem respeito à busca que faço neste momento:

conhecer meus alunos, saber quem são, como são, talvez, por que são e o que tenho me

permitido nessa investigação-apreensão que é reconhecer-me como parte do campo, revisitar

minhas lembranças enquanto aluna e professora, estar disposta à escuta e a conceber outras

estratégias e planejamentos. Depreende-se daí a regra de ouro do cartógrafo: “há um limite de

tolerância para a desorientação e reorientação dos afetos, um ‘limiar de desterritorialização’”

(ROLNIK, 2011, p. 68, grifos da autora) que se configura como reconhecer meu limite de

apreensão da realidade e de interferência sobre o que está posto. O roteiro de preocupações trata

das questões que me fizeram ir a campo e de outras decorrentes do processo cartográfico inicial:

Quem são esses estudantes? Qual o grau de intimidade que têm com a leitura e com a escrita?

A escola é reconhecida como espaço para o exercício dessas habilidades? Como eles concebem

essas habilidades?

Vóvio e Souza (2005) consideram que, embora o questionário seja um instrumento

pertencente à abordagem quantitativa, este pode ser utilizado combinado com outros

instrumentos para que se possa chegar à compreensão do contexto pesquisado. As autoras

também propõem que uma investigação direcionada pela abordagem sociocultural sobre o

37

letramento deve ter dados gerados e construídos por aqueles que se encontram envolvidos na

investigação, sem que se deixe de atender aos objetivos da pesquisa, numa espécie de

negociação entre as partes. Acrescentam ainda as pesquisadoras:

a preocupação fundamental no processo de geração de dados parece-nos ser a de

reunir um variado conjunto de informações que aproximem o pesquisador dos

sujeitos, de suas histórias e práticas declaradas, da apreensão e da compreensão de

suas realidades e do contexto sócio-histórico em que estão imersos. (VÓVIO;

SOUZA, 2005, p. 50)

Desse modo, o “olho-do-visível” com o “olho vibrátil”10 (ROLNIK, 2011, p. 31, 39, 53)

do cartógrafo apontam para a constituição do perfil da turma de 6º ano B. Auxiliando esse

movimento estão a sensibilidade e a intuição11 de professora e agora pesquisadora. E ainda, a

compreensão de que esse proceder etnográfico encaminha à observação da realidade a partir da

posição de indivíduo pertinente a ela, mas com um olhar “estrangeiro” porque perscruta

entendimentos sob um paradigma antes inexistente.

Num primeiro olhar, de natureza mais descritiva, percebe-se que o questionário em suas

seis páginas foi respondido completamente por 34 alunos dos 35 frequentes e matriculados na

turma, sendo que 34 desses instrumentos foram considerados válidos (um dos alunos não

compareceu durante os dias de aplicação). Esse aproveitamento decorreu da forma de aplicação:

a cada aula de 40 minutos duas páginas foram respondidas, à medida que as questões eram lidas

por mim, professora-pesquisadora. É preciso salientar que, na tabulação dos questionários, foi

utilizado o programa IBM SPSS Statistics 2012 que possibilitou a geração de quatro gráficos e

quatro tabelas. Em vista disso, as respostas utilizadas foram agrupadas em categorias pensadas

a partir do padrão de repetição e similaridade que apresentaram e outras foram transcritas do

modo como registradas pelos alunos no questionário.

O 6º ano B matutino do CEMMB tem 20 meninos e 15 meninas com idade entre 11 e

12 anos. A maioria dos alunos é natural de Salvador, Bahia (91, 2%), e moradora da comunidade

onde a unidade escolar está localizada, a Boca do Rio (97,1%). Esses alunos ainda têm a

brincadeira como atividade mais frequente quando não estão na escola, moram com seus pais

ou com um deles e irmãos e, neste tipo de constituição familiar, a presença da mãe é dominante

(33,3%), seguida dos irmãos (24,1%) e pai (21,8%). Na triangulação (BORTONI-RICARDO,

10 Conforme Rolnik (2011), olho-do-visível corresponde ao olhar natural e físico do ser humano; já o olho vibrátil,

ao corpo sensível diante das consequências dos encontros entre os corpos e suas reações. 11 Sensibilidade e intuição entendidas como um saber resultante do fazer pedagógico de quem está ideologicamente

implicado na cena. 12 De acordo com a IBM, o SPSS Statistics é um software de análise estatística que fornece os principais recursos

necessários para executar um processo de análise: desde o planejamento de construção de dados até a geração de

relatórios com base nas análises.

38

2008, p. 61) dessas informações com textos escritos produzidos por esses mesmos alunos com

a temática “Quem sou eu? ”, foi possível observar que em 72,72% (24 dos 33 textos entregues)

existe menção à família, uma indicação de que a presença desta é um referencial significativo

para cada um deles. Este fato foi confirmado em roda de conversa realizada com a intenção de

avaliar as atividades desenvolvidas nas primeiras semanas de aula.

A roda de conversa aconteceu durante dois horários e começou com a realização de uma

dinâmica de relaxamento com música, seguida da distribuição de bombons e posterior entrega

dos textos produzidos nas aulas anteriores. Após reverem todo o material, foram convidados a

expressar suas opiniões sobre as aulas, os pontos positivos e negativos, como achavam que

poderiam ser as próximas aulas, se achavam importante estar na escola, o que sugeriam como

conteúdos para o aprendizado, se a família era importante para a aprendizagem.

Durante a referida roda de conversa, no momento em que se trouxe à discussão “a

família e sua importância”, houve maior participação dos alunos presentes com comentários

bastante similares e complementares: “Sem ela eu não teria nascido” (Vânia)13. “Um ajudar o

outro.” (Sílvio), “Incentivo” (Renata), “Meu pai está sempre me incentivando a estudar para

quando eu crescer ter um bom emprego” (Reinaldo).

As perguntas contidas no questionário direcionam para a organização de informações

que julguei importantes na época e que me conduziram à descoberta de aspectos e de relações

antes invisíveis. O envolvimento com o corpus parece fazer, neste caso, com que eu me afaste

da situação para entendê-la; contudo este é um afastamento simulado, no sentido de que não

posso deixar de ser quem sou primeiramente: professora de Língua Portuguesa do 6º ano turma

B do turno matutino do CEMMB. As informações que tenho à minha disposição afetam-me

(também são afetadas por mim porque ganham contornos resultantes do encontro) e levam-me

a compreender como o que está posto interage com meu desejo: conhecer essas meninas e esses

meninos.

Meninas e meninos que afirmam gostar de ler (76,5%) – os que não gostam somam

23,5% – entendem, em sua maioria, a leitura como decodificação (50%) e aprendizado (32,5%):

“É quando agente pega tipo um papel e ler o que tem lar, isso e leitura. (sic)14” (Márcia) e

“Leitura é um modo de você aprender coisas diferentes.” (Diana). Houve aqueles que não

responderam (7,5%) e também os que consideraram a leitura como preparo para o futuro (5%):

“Leitura é muito importante por que se você não souber ler nunca vai conseguir um trabalho”

(Ian). O Graf. 1 explicita esses dados e traz a categoria “Outros” (5%) que organiza as respostas

13 Os nomes dos alunos foram substituídos por outros fictícios para preservar suas identidades. 14 A transcrição dos registros escritos dos alunos respeita o modo como estes constam nos questionários.

39

sem repetição ou similaridade com as que foram registradas. São respostas que expressam a

leitura como forma de diversão e comunicação: “Leitura é um modo de se comunicar.” (Mirna)

Fonte: Dados construídos pela professora-pesquisadora

Também reconhecem a leitura como muito importante (76,5%) e importante (17,7%)

para o aprendizado (41,2%) – este aspecto já citado como definição para leitura – “Porque

aprende muitas coisas.” (Anita) e para a formação imediata ou futura (29,4%): “Porque se você

tiver um dever pra tira (sic) do texto, você tem que ler.” (Leila), “Porque é para um futuro

melhor.” (Beatriz), como demonstra o Graf. 2.

Gráfico 1 – O que é leitura?

Outros; 5,0%

Futuro; 5,0%

Aprendizado; 32,5%

Decodificação; 50,0%

Não responderam; 7,5%

O que é leitura?

Outros

Futuro

Aprendizado

Decodificação

Não responderam

40

Fonte: Dados construídos pela professora-pesquisadora

Ao cruzar as informações registradas no questionário, posso apresentar duas possíveis

interpretações:

as respostas acerca da importância da leitura são fórmulas prontas, preparadas para

garantir a simpatia e/ou não-perseguição do professor de Língua Portuguesa e/ou advindas

do discurso dos mais velhos;

ou esses alunos têm uma concepção de leitura que encara essa atividade em dois níveis:

o da escola/sala de aula (obrigação) e o fora da escola/sala de aula (o prazer).

As respostas que corroboraram para a sugestão das hipóteses anteriores revelam que as

preferências de leitura estão entre o que é publicado em redes sociais como Facebook e

WhatsApp (40,3%), revistas (17,1%) e jornais (8,5%): notícias, romances, esportes, poesias,

comédias que não estão relacionadas diretamente com o que é da escola (sala de aula), local

que fica em terceira posição (20,7%) quando são mencionados os lugares onde eles têm maior

contato com a leitura – a própria casa (31,7%) e biblioteca (24,4%).

Outro aspecto relacionado às práticas de letramento dos estudantes diz respeito à

influência da família: 94,1% afirmam que na família outras pessoas têm o costume15 de ler,

15 A referência ao costume não pôde ainda ser esclarecida em termos de frequência. Em roda de conversa posterior,

os alunos não conseguiram responder com qual frequência essas pessoas leem.

Muito importante76,5%

Importante 17,7%

Pouco importante2,9%

Insignificante 2,9%

A leitura é...

Muito importante

Importante

Pouco importante

Insignificante

Gráfico 2 – A leitura é…

41

dentre esses, a mãe é a mais referida (38,6%), seguida do pai (25%). A Tab. 1 descreve com

mais detalhes essas informações:

Tabela 1 – Quem são as pessoas da sua família que têm o costume de ler?

Quem são as pessoas da sua

família que têm costume de ler?

Respostas

Ocorrências Percentual

Pai 11 25,0%

Mãe 17 38,6%

Irmãos 7 15,9%

Outros 9 20,5%

Total 44 100,0% Fonte: Dados construídos pela professora pesquisadora

Outra informação depreendida é que mães e pais têm preferência pela leitura de jornais

(29,3%), bíblia (22%) e revistas (19,5%). A Tab. 2 explicita melhor os dados coletados:

Tabela 2 – O que as pessoas de sua família leem?

O que as pessoas da sua

família leem?

Respostas

Ocorrências Percentual

Jornais 12 29,3%

Bíblia 9 22,0%

Revistas 8 19,5%

Outros 12 29,3%

Total 41 100,0% Fonte: Dados construídos pela professora pesquisadora

Tais dados levam à explicação sobre a escolha dos alunos: são suportes, gêneros aos

quais eles têm acesso em suas casas, ambiente em que eventos de letramento – situações

caracterizadas pelo uso da fala relacionada a textos escritos e livros, envolvendo a compreensão

dos textos (KLEIMAN, 2005, p. 23) – parecem ser frequentes.

Se há eventos de letramento em casa, em outros ambientes, a prática de leitura também

é significativa: 70,6% dos alunos responderam que pessoas do círculo de amizade/convivência

têm costume de ler, sendo que os amigos e colegas de classe respondem por 73,3% das

ocorrências de companhia para a leitura. A opção destes concentra-se nas revistas e nas histórias

em quadrinhos.

O fato de estarem aparentemente expostos a eventos de letramento, dentro e fora do seio

familiar, talvez explique por que alunos e alunas, em sua maioria, consideram a escrita como

42

ação e registro de ideias (60%): “Uma coisa que escrevemos tipo livros, revistas e Etc... (sic).”

(Leila); aprendizado (20%): “Escrita é muito importante, escrita é aprender a escrever.” (Iara);

comunicação (8,6%): “É uma forma de se comunicar.” (Rogério). A categoria “Outros” (11,4%)

demonstrada no Graf. 3 representa aqueles que não responderam ou registraram não saber o

que é escrita. O referido gráfico ilustra o quantitativo dessas concepções.

Fonte: Dados construídos pela professora-pesquisadora

A escrita também é definida como muito importante (60,6) e importante (39,4%).

Essas definições foram justificadas de modo abrangente:

aprendizado (16,2%): “importante por que as pessoas aprende (sic) escrever

melhor.” (Renata);

formação (16,2%): “É a escrita que gera a leitura e dar (sic) futuro.” (Martim);

necessidade/utilidade (13,5%): “Porque a gente precisa dela.” (Vânia);

ajuda a prática escolar (10,8%): “Para que agente possa tipo fazer um Bom

texto, responde com a palavra correta as Questões (sic).” (Márcia).

O Graf. 4 demonstra a situação referida:

Gráfico 3 – O que é escrita?

Registro 60%Aprendizado 20%

Outros 11,4%

Comunicação8,6%

O que é escrita?

Registro

Aprendizado

Outros

Comunicação

43

Fonte: Dados construídos pela professora-pesquisadora

Chama a atenção também que, no cruzamento das respostas, do total dos que

responderam fazer uso da escrita (97,1%), 65,9% dizem utilizá-la principalmente na escola; em

casa o índice é de 22,7%. Ainda sobre a escrita na escola – ação e registro de ideias – têm-se

que:

38,9% das respostas sobre o que se escreve são concernentes a atividades

escolares: “Copiar todos os dever no caderno (sic).” (José);

depois aparecem assuntos próprios do Facebook (25,9%) e

dos diários (11,1%).

Em relação à leitura, registram-se duas diferenças:

a instituição escolar como reconhecidamente local de uso da escrita e

a “existência” admitida de aulas de escrita: 85,3% dos alunos responderam

afirmativamente, talvez devido a esse reconhecimento.

Nesse caso, é válida uma observação: no dia de aplicação desta última parte do

questionário, os alunos, certamente já acostumados com a dinâmica das perguntas, sentiram-se

Muito importante60,6%

Importante 39,4%

A escrita é...

Muito importante

Importante

Gráfico 4 – A escrita é…

44

mais seguros para respondê-las, ainda que insistissem em fazê-lo primeiro oralmente – já que

eu estava lendo para todos. Numa dessas ocorrências, um aluno respondeu negativamente, ao

que outro imediatamente retorquiu que estavam na escola para ler e escrever o que,

provavelmente influenciou as respostas.

Ainda se comparando as questões sobre a leitura e a escrita (O que é “leitura”? e O que

é “escrita”?), é possível identificar similaridades: no que diz respeito a ambas estarem

relacionadas ao aprendizado (Graf. 1 e Graf. 3) e aos questionários registrarem o percentual

igual para a utilização da leitura e da escrita pelos familiares – 94,1%. Nesses percentuais, a

mãe aparece com maior recorrência (45,3% para escrita e 38,6% para leitura) seguida do pai

(22,6% para escrita e 25% para leitura). A Tab. 3 traz o detalhamento:

Tabela 3 – Quais são as pessoas da sua família que têm o costume de escrever?

Quem são as pessoas da sua

família que têm o costume de

escrever?

Respostas

Ocorrências Percentual

Mãe 24 45,3%

Pai 12 22,6%

Irmãos 7 13,2%

Outros 10 18,9%

Total 53 100,0%

Fonte: Dados construídos pela professora pesquisadora

A escrita entre eles materializa-se em listas de mercado, bilhetes, estudo, mensagens,

SMS (Short Message Service), Facebook. Confira Tab. 4.

Tabela 4 – Sobre o que as pessoas de sua família escrevem?

Sobre o que as pessoas da sua família

escrevem?

Respostas

Ocorrências

Percentual

Lista de mercado 9 17,6%

Estudo 7 13,7%

Bilhetes 9 17,6%

Cartas 1 2,0%

Facebook 3 5,9%

Mensagens/SMS 6 11,8%

Outros 16 31,4%

Total 51 100,0%

45

Fonte: Dados construídos pela professora pesquisadora

Na roda de conversa realizada posteriormente para avaliação das atividades

desenvolvidas e tentativa de esclarecimento de questões suscitadas a partir do questionário, os

alunos mostraram-se muito preocupados com a presença da filmadora. Embora tenhamos

conversado algumas vezes sobre essa possibilidade, foi notável o quanto ficaram incomodados

com a situação. Alguns alunos que se revelaram participativos em sala com reflexões, sugestões

e com a organização das aulas não se manifestaram verbalmente, mesmo quando chamados à

participação. As questões quanto ao valor, ao aprendizado, à crítica e às sugestões sobre as

atividades desenvolvidas até o momento da roda foram respondidas muito superficialmente por

poucos alunos. Como já explicitado anteriormente, a maior participação nessa atividade deu-se

com relação ao papel e à importância da família para a vida deles.

Enfim, o perfil da turma: meninos e meninas pré-adolescentes, moradores da Boca do

Rio, que estão inseridos em práticas letradas em boa parte do tempo de suas vidas; eles dizem

gostar de ler, o que, para a maioria, normalmente não acontece na escola ou na sala de aula; e

escrever prioritariamente na escola; têm pais e mães, amigos que são leitores de revistas,

jornais, Bíblia, mídias de relacionamento, escritores de listas, bilhetes, mensagens, histórias,

ações com as quais se identificam e também praticam16. A concepção de leitura da turma parece

determinar que esta existe para atividades obrigatórias que são pré-requisitos para um futuro

longínquo – talvez, por isso, sem sentido e representatividade na escola – e para deleite,

informação, apreensão do mundo real e pulsante quando se apresenta necessária e plena em

significado. Já a escrita assume o contorno de exercício escolar, um elemento imprescindível

sem o qual a escola não tem razão de existir e também de prática de interação com o outro e

consigo mesmo.

16 Parece haver uma contradição entre os alunos revelarem que escrevem principalmente na escola e afirmarem

que, em ambientes extraescolares, também fazem usos da escrita. Acredito que a aparente contradição pode ser

explicada com base na comparação entre o volume de materiais escritos na escola (exercícios, produção de textos,

avaliações etc.) e aquele resultante de usos para além do ambiente escolar: bilhetes, mensagens em redes sociais,

listas de compras etc.

46

3 CARTOGRAFIAS DA ESCRITA

A valoração creditada à escrita em nossa sociedade foi percebida por mim muito cedo.

As experiências pessoais e profissionais que se constituíram a partir de seu uso, o respaldo das

orientações oficiais e a dificuldade já referida quanto à conquista da habilidade de escrever dos

alunos conforme os padrões definidos pela escola levaram-me, há muito, a elegê-la como foco

nas atividades de Língua Portuguesa associada às práticas de leitura.

A conexão entre leitura e escrita, no início da minha atuação docente, pareceu a mim

uma relação de causa e consequência: quanto mais se exercitava a leitura, maior a habilidade

para a escrita. A minha formação escolar e acadêmica apontava nessa direção, incluindo-se

também a premissa de que a habilidade para a escrita estava proporcionalmente condicionada

ao volume de conhecimento gramatical aprendido. Herança das concepções de linguagem cujo

foco na língua como um sistema pronto para expressão do pensamento ou como instrumento de

comunicação excluíam o sujeito-leitor/escritor do sistema linguístico, ora considerando-o como

(pré)determinado por esse mesmo sistema, ora centralizando-o na posição de controlador de

uma representação mental transcrita que deve ser apreendida com a mesma essência com a qual

foi idealizada. Nos dois panoramas, o texto, seja na perspectiva de quem escreve ou naquela de

quem lê, é um produto17 que deve ser concebido através do código ou da utilização mental

deste.

Na prática de sala de aula, essas orientações funcionaram por muito pouco tempo.

Acredito que nunca foram efetivamente muito úteis. O encontro entre as subjetividades18

durante as aulas jogou-as por terra. Identifico algumas ocasiões que ilustram o exposto. Havia

alunos que conseguiam “dominar” o código (conhecimento gramatical), embora não fossem

capazes de escrever um texto em que demonstrassem esse saber em associação à coerência e

pertinência das ideias transcritas. Por outro lado, havia alunos que conseguiam produzir textos

coerentes e pertinentes quanto à exposição de fatos e ideias e não tinham “domínio” da

modalidade padrão da língua. Ainda havia aqueles que se apresentavam como leitores e/ou

oradores competentes e não revelavam habilidades equivalentes na escrita. A produção textual,

segundo essas concepções, era orientada por uma perspectiva linear e mecânica composta de

17 Refiro-me ao texto como produto porque, segundo as formas de conceber a linguagem seja como expressão do

pensamento ou como instrumento de comunicação, há a ideia de que o texto só é bem produzido e lido por quem

domina o código, o que é o bastante e o suficiente para dispensar linearidade, clareza e o caráter de definitivo ao

que está escrito. 18 Subjetividades entendidas como formas de interação do ser humano com o mundo conforme as suas relações

com a realidade: como o simboliza, como o compreende, como o refuta, como o sente. Tfouni (2010, p. 74) afirma

que essa concepção de subjetividade se refere ao “lugar que o sujeito do discurso ocupa para falar de si próprio. ”

47

três fases: pré-escrita, escrita, reescrita, em acordo com o modelo teórico positivista-

experimental ou com o modelo cognitivista que pressupunha um sujeito escritor individualizado

e concebia como contexto da escrita o estímulo, a pré-escrita, o começo, a elaboração textual,

a reformulação e a edição que ocorrem simultaneamente e se influenciam mutuamente

(GARCEZ, 2010, p. 24-27). Não se considerava a linguagem como lugar de interação humana,

apenas a mecanicidade do processo.

A busca pela reconstrução da minha prática encaminhou-me a vislumbrar uma

possibilidade de ensino-aprendizagem e, sob a luz das orientações baseadas no

sociointeracionismo de Vygostky, ações foram pensadas e vividas em sala, mas muito

incipientemente, com resultados quase esperados ou também nenhum. Nesse período, a minha

formação tradicional compunha um quadro difícil de ser modificado e foi caracterizado por

uma miscelânea metodológica: muitas vezes tradicional; algumas, interacional.

A concepção de que a linguagem é uma construção social originada e sustentada

pela/na/para a interação entre os sujeitos serve de teoria fundante para as sequências de aulas

(didática) planejadas e executadas na intervenção proposta como projeto durante o primeiro

semestre do PROFLETRAS na UFBA. Imprescindíveis foram os estudos teórico-práticos

realizados nos três semestres para a (re)constituição desse “novo” paradigma.

Dessa forma, faz-se necessário esclarecer que, como movimento19 metodológico da

pesquisa qualitativa, a referida intervenção, embora planejada a priori, construiu-se

substancialmente à medida que foi vivida – um desenho nos moldes da cartografia viva que é o

chão de uma sala de aula. As vicissitudes inerentes do fazer pedagógico real no tempo-espaço

de escola pública na cidade de Salvador no ano letivo 2014 – paralisações de funcionários de

apoio das escolas, tempo de aula reduzido em 10 e 20 minutos durante três unidades didáticas,

falta de energia elétrica e de merenda escolar, aulas suspensas devido ao excesso de chuva,

feriados estendidos, campanhas de vacinação e de medicação para os alunos – revelaram-se

como situações não previstas e de influência significativa no constituir da intervenção.

Diante do contexto explicitado, segue a descrição do movimento metodológico

vivenciado com os alunos do 6º ano turma B no turno matutino no Colégio Estadual Monsenhor

Manoel Barbosa aqui concebido como familiarização porque significou conhecimentos.

Explico ainda que, por ser professora-pesquisadora, o desenho dessa cartografia apresenta

superposições e simultaneidades de ações, reflexões, acontecimentos. O intercâmbio entre essas

19 Chamo de movimento porque pressupôs idas e vindas, revisões, reflexões, reescritas.

48

ações reforça o caráter qualitativo20 da pesquisa que se constituiu a partir do seguinte corpus:

um questionário aplicado com os alunos, uma roda de conversa, três produções textuais

(incluindo as reescritas) desses mesmos alunos e o diário de bordo formulado pela professora-

pesquisadora.

3.1 Familiarização com a sala de aula

A primeira fase desse movimento foi concebida com o objetivo de conhecer os alunos

individualmente – já explicitado na seção anterior “Cartografias do campo: Alunos” – e utilizou

uma sequência de encontros (ocorridos durante as aulas) de teor etnográfico. Fundamentar os

procedimentos na pesquisa etnográfica significa entender a investigação como um plano de

trabalho aberto, flexível, cujos focos são revistos constantemente, as técnicas de coleta,

reavaliadas, os instrumentos, reformulados e os fundamentos teóricos repensados (ANDRÉ,

1995, p. 30); enfim, um processo de descobertas. À época, foi a metodologia adequada ao

caminhar inicial da intervenção.

Posteriormente, compreendi que o proceder etnográfico esteve presente em todo o

processo, desde a fase de preparo e reconhecimento de mim mesma – autoetnografia: interface

do paradigma interpretativista cuja centralidade está na compreensão dos significados

atribuídos por mim mesma, professora-pesquisadora, às minhas ações – passando pelo

momento de ações e reflexões dentro da sala de aula e fora desta até este instante em que me

proponho a escrever, repensar, revisar, reescrever, levar a púbico essa experiência.

A postura de cartógrafa revela-se ainda mais a partir dessa fase de familiarização em

que as ações iniciais buscaram conhecer os alunos e possibilitar que eles me conhecessem

também. Desse modo, considerarei, nesta cartografia, o que foi efetivamente trabalhado e

constituído nas semanas de (re)conhecimento. Conceber essas semanas de convivência como

um período de (re)conhecimento significa compreender que, mesmo estando na mesma unidade

escolar por mais de uma década, a cada ano letivo, o fazer pedagógico se (re)inventa para

sobreviver e conviver com as subjetividades que chegam, as que já são conhecidas e que se

moldam no decorrer dos anos. A escola é assim.

As sequências didáticas construídas durante a intervenção sofreram influência de muitas

vozes lidas, ouvidas, experienciadas: Antunes (2008), Cosson (2006), Goulemot (2001),

20 Segundo Bortoni-Ricardo (2008, p. 34), a pesquisa qualitativa tem como objetivo entender e interpretar

fenômenos sociais pertencentes a um dado tempo-espaço.

49

Kleiman (2005; 2007), Koch e Elias (2012), Leffa (1999), Marcuschi (2008), Meurer (1997),

Oliveira (2010), Rojo e Cordeiro (2004), Schneuwly e Dolz (2004), Schneuwly, Dolz e

Noverraz (2004), Soares (2012), Solé (1998), entre outros e que são retomadas durante toda a

escrita.

As reflexões que vão delineando os traços nessa cartografia encaminham para o fato de

que não há novidade na utilização de textos nas aulas de Língua Portuguesa, mas o modo como

essa utilização se deu ao longo dos anos é que tem se revelado como ponto de partida para o

que foi proposto como intervenção na pesquisa. Assim, conforme Rojo e Cordeiro (2004, p. 7-

16), desde a década de 1980, no Brasil, o texto tem sido a base para o ensino-aprendizagem da

Língua Portuguesa. Esse posicionamento foi caracterizado pela mudança de foco nas aulas da

referida disciplina, substituindo o ensino com base na gramática normativa e em todos os seus

regramentos pelo ensino procedimental, fundamentado na leitura de textos e produções escritas

elaboradas a partir dessas leituras (também chamado de ensino criativo). Em seguida, muda-se

parcialmente o foco e o texto passa a ser usado como suporte para o desenvolvimento de

estratégias e habilidades de leitura e redação. Essa abordagem trouxe como consequência o

ensino dos “tipos textuais escolares, por excelência – narração, descrição e dissertação” (ROJO;

CORDEIRO, 2004, p. 8) – como formas globais e ainda como pretexto do princípio de que o

domínio das regras potencializa o saber fazer. A percepção de que efetivamente não havia

resultados satisfatórios com a abordagem descrita e a instituição dos Parâmetros Curriculares

Nacionais de Língua Portuguesa, no final da década de 1990, orientaram as práticas de ensino

de textos conforme a noção dos gêneros discursivos, considerando-se os contextos de circulação

e produção desses, incluindo os de natureza oral. Essa mudança de concepção constituiu a

virada discursiva ou enunciativa.

Advinda de uma escola de base tradicional anterior à virada enunciativa, aprendi com

textos, como pretextos, que a língua é normativa e que o domínio desse princípio garantiria

proficiência exemplar em leitura e em escrita. Como professora de Língua Portuguesa, também

aprendi que o modelo tradicional de ensino-aprendizagem dessa disciplina na escola não cabe

como possibilidade universal e irrefutável nem para mim, muito menos para os alunos. Não que

os estudantes sejam piores ou melhores; o que há é a mudança de paradigmas que nos orientam

a atender às demandas sociais, culturais, políticas, econômicas e históricas do mundo, levando-

nos, talvez nos impondo, a pensar em possibilidades tão logo transformadas em práticas

significativas. Uma delas é entender o ensino da Língua Portuguesa não apenas na perspectiva

da normatividade, mas, e, principalmente, sob a égide das regularidades, uma língua-em-função

50

(ANTUNES, 2009, p. 37) que seja assumida em sala de aula como o que ela é: esteio das

práticas sociais humanas.

A língua-em-função trabalhada nas aulas de Língua Portuguesa aparece experienciada

em textos pertencentes ao universo dos sujeitos-alunos ou ainda por eles desconhecidos, no

entanto, necessários a sua formação e influência crítica perante o mundo. A consciência dessa

necessidade é que justifica a utilização de textos materializados em gêneros diversos, embora,

como alerta Antunes (2009, p. 38-39), a escola que tem como “preocupação a formação do

cidadão deve estabelecer como objeto de estudo textos que se constituem como construções e

interpretações de um dizer e de um fazer, que existem como ‘ponto de encontro’ (grifo da

autora) entre dois sujeitos historicamente presentes num aqui e agora definidos”.

Nesse diálogo com os autores referidos – que considero uma conversa no entrelugar

instituído como leitura, inferência, criação – ainda me detenho nas reflexões de Antunes (2009,

p. 53) quando esta lembra que o ensino de Língua Portuguesa precisa

chegar no âmbito das práticas sociais e, daí, ao nível das práticas discursivas (grifo

da autora), domínios em que, na verdade, são definidas as convenções do uso

adequado e relevante da língua, desse domínio é que se pode perceber os modos de

construção dos textos concretos, aqueles historicamente reais e situados no tempo e

no espaço.

O grande desafio está em como fazer essa passagem sem incorrer em equívocos, como

utilizar a teoria com as velhas práticas de ensino de uma língua apenas sob as perspectivas

gramatical e textual desvinculada da realidade histórico-cultural dos alunos e, por isso, pouco

significativas.

Consciente desse desafio e em busca de uma dentre as diversas maneiras de ensino de

Língua Portuguesa, é que propus a intervenção baseada no estudo de gêneros discursivos

demandados a partir da realidade e da necessidade discursiva dos alunos. Koch e Elias (2012,

p. 61) lembram-nos, inclusive, de que o domínio do gênero consiste no próprio domínio da

situação comunicativa, o que pode ser assegurado mediante o ensino das aptidões requeridas

por um determinado gênero. Estas autoras trazem ainda que o ensino a partir dos gêneros pode

ser uma forma de empoderar professores e alunos. Os primeiros teriam mais liberdade e

segurança para planejar um ensino significativo que poderia facultar aos aprendizes

conhecimentos mais abrangentes sobre as práticas de linguagem nas práticas sociais.

Sendo um estudo de cunho etnográfico – o que não significa chegar ao campo sem

nenhuma pretensão ou hipótese –, as minhas intenções enquanto cartógrafa e professora-

51

pesquisadora levaram-me a delinear a intervenção sob a forma de sequências didáticas

organizadas conforme os direcionamentos apresentados por Dolz e Schneuwly (2004). A

escolha dessa metodologia deveu-se ao entendimento de que essa forma de organização dos

procedimentos didáticos é o que mais se adequa ao trabalho com gêneros discursivos e

letramento literário, considerando-se o ambiente em que a língua é concebida como lugar de

interação humana.

Segundo Dolz e Schneuwly (2004, p. 43), as sequências didáticas são estratégias que

buscam confrontar os alunos com práticas de linguagem historicamente construídas, os gêneros

discursivos, para lhes dar a possibilidade de reconstruí-las e delas se apropriarem. A

reconstrução e a apropriação dependem da interação de três fatores:

as práticas de linguagem que serão aprendidas, já que, ao mediar a comunicação,

fazemos-no através dos gêneros discursivos; nesse ponto concordam Antunes

(2009) e Dolz e Schneuwly (2004): não há como conceber um trabalho em

língua na perspectiva interacionista, fora do domínio dos gêneros discursivos;

as capacidades de linguagem dos aprendizes que dizem respeito às aptidões para:

adaptar-se às características inerentes ao contexto de uma situação discursiva;

mobilizar modelos discursivos e dominar operações de natureza psicolinguística

além de unidades linguísticas adequadas;

as estratégias de ensino dispostas na sequência didática cujo objetivo principal

é intervir de maneira positiva na progressão das habilidades dos alunos.

Cada um desses três fatores foi elemento balizador para as etapas (conjunto de aulas)

das duas sequências didáticas construídas para a intervenção. Essas sequências resultam da

apropriação dos direcionamentos apresentados por Schneuwly e Dolz (2004), Dolz, Noverrraz

e Schneuwly (2004), Cosson (2006) e Solé (1998) quanto à organização sistemática do ensino

com base nos gêneros discursivos e no letramento literário, como já referido. A aproximação

entre as proposituras desses autores no que se refere à metodologia em sala de aulas de Língua

Portuguesa pareceu-me muito oportuna para a intervenção, ainda mais quando o foco do fazer

pedagógico é a leitura e a escrita na perspectiva das práticas de letramentos.

Desse modo, nas sequências descritas adiante, os momentos de leitura e escrita

encontram-se, na maioria das etapas, intercalados, o que suscita, pelo menos, uma questão: se

parto da premissa de que é possível identificar traços autorais na escrita dos alunos, por que

incluir entre as atividades aquelas prioritariamente de exercício da leitura?

A explicação é que acredito no caráter de indissolubilidade entre práticas de leitura e de

escrita, ainda mais no ambiente escolar, mais especificamente, nas aulas de Língua Portuguesa,

52

espaço-tempo autenticamente dedicado ao ensino, à aprendizagem, à produção e à utilização de

textos. O que construí, no sentido de realização teórico-prática, buscou levar em consideração

os letramentos existentes na sala de aula e as oportunidades em que a interação – práticas de

linguagem (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 62) – permitiu ampliação dos conhecimentos dos

alunos acerca do papel da leitura e da escrita em nossa sociedade. A escolha de alguns gêneros

já usualmente presentes na escola – poema, letra de música, diário pessoal, relato de

experiência, resumo, filme, trailer, romance, sinopse, resenha – fundamentou-se nas

considerações já referidas e também na necessidade de demonstrar o valor da escola enquanto

lugar que pode construir um link entre o que acontece fora dela em termos de práticas sociais

de uso da escrita e o que pode vir a fazer parte das aulas, bem como o movimento inverso: as

práticas de escrita apreendidas na escola utilizadas para além de seus muros.

Reconheço e concordo que os gêneros, quando escolarizados, ganham uma nuance

artificial, como afirmam Schneuwly e Dolz (2004, p. 65):

A particularidade da situação escolar reside no seguinte fato que torna a realidade

bastante complexa: há um desdobramento (grifo dos autores) que se opera em que o

gênero não é mais instrumento de comunicação somente, mas é ao mesmo tempo

objeto de ensino-aprendizagem. O aluno encontra-se num espaço do “como se” (grifos

dos autores), em que o gênero funda uma prática de linguagem que é, necessariamente,

em parte fictícia, uma vez que é instaurada com fins de aprendizagem.

No entanto, acredito que cabe à escola ser esse espaço-tempo para valorização e

ampliação do conhecimento de mundo do aluno quando busca potencializar o que cada um traz

e o que é institucionalmente considerado como digno para alicerçar uma sociedade também

digna para a existência humana. Nesse caso, levar em conta os gêneros discursivos conhecidos

dos aprendizes, utilizando-os como ponto de partida para outras experiências de linguagem é o

princípio seguido na intervenção. Compreendo que esse tipo de procedimento aproxima os

alunos da escola na medida que aquilo que é aprendido ganha significado porque está associado

ao que já se sabe.

Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.82), quando expõem o procedimento “sequência

didática” para o oral e a escrita, enfatizam que a finalidade daquela é auxiliar os alunos a

dominarem melhor um gênero, de forma que possam escrever ou falar adequadamente em

situações de comunicação. Aqui esclareço que a palavra comunicação, muito utilizada por esses

autores, não remonta à concepção de língua enquanto instrumento meramente de comunicação.

Esses pesquisadores, em diversas oportunidades, informam que a comunicação a que se referem

diz respeito à interação humana pela e na linguagem através das práticas, atividades e ações de

53

linguagem. O esquema desse modelo de sequência didática constituiu-se como uma das

fundamentações para a experiência de ensino-aprendizagem que exponho neste memorial, uma

vez que traz subsídios teórico-práticos sobre o processo de produção textual que é a base da

intervenção.

Assim, são quatro as fases (etapas) da sequência que compreendem a apresentação da

situação, a produção inicial, os módulos e a produção final. Na apresentação inicial, é

explicitado aos alunos o trabalho que será desenvolvido, oferecendo a estes o maior número

possível de detalhes acerca do gênero abordado, a justificativa e a finalidade de escolha, o

destino da produção final. A produção inicial refere-se à produção textual inicial motivada

numa situação mais próxima da realidade e que tem por objetivos: fornecer ao professor uma

visão geral sobre as habilidades linguístico-textuais dos alunos para que possa, a partir daí,

construir os módulos de atividades potencializadoras das habilidades pré-existentes e

iniciadoras daquelas que precisam ser conquistadas; e demonstrar para os alunos o que eles são

capazes de construir. Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 87) afirmam que a produção inicial

é o primeiro lugar de aprendizagem da sequência didática. Vejo razão nessa afirmação, porque

professores e alunos têm, por meio dessa atividade e conforme os encaminhamentos previstos

e realizados, a oportunidade de conhecer sobre si em relação aos conteúdos e sobre os outros e

acionar estratégias para superação das dificuldades. Entretanto, para que essa capacidade seja

desenvolvida, é preciso que existam momentos na sequência com atividades direcionadas ao

despertar dessa consciência.

Entendo que os módulos, estabelecidos como ocasiões para reforço dos aspectos

positivos, revisão, correção das produções, podem ser também o espaço-tempo de

autoavaliação tanto do professor no que concerne ao seu trabalho, quanto dos estudantes, em

relação ao que aprendem ou não aprendem. Além disso, os módulos, embora tenham existência

estabelecida a priori, configuram-se como etapas de natureza plástica dependente das

necessidades de cada turma. A produção final corresponde ao encerramento da sequência

culminada com a elaboração do texto final resultante do que foi conquistado nas etapas

anteriores.

Ainda sobre a organização do proceder durante a intervenção, serviram-me as

orientações de Cosson (2006, p. 33) quanto ao trabalho para letramento literário: proporcionar

para os alunos sempre o que é atual21 e contemporâneo, mesmo que representem o cânone. Esta

é uma abordagem que busca o equilíbrio através da escolha diversificada de textos conforme

21 Para Cosson (2006), obras literárias atuais são aquelas que possuem valor para os leitores independentemente

de serem contemporâneas a eles.

54

critérios como gênero, complexidade, faixa etária etc. Com base na premissa de que a leitura

não é uma atividade apenas individual, mas um comportamento social em que o significado não

está apenas no leitor nem no texto, mas também nas convenções de interação social em que

ocorre o ato de leitura (LEFFA, 1999, p. 27), os procedimentos adotados na sequência didática

procuraram sempre seguir a proposta de letramento literário idealizada por Cosson (2006).

Para este autor, o processo de leitura pode ser concebido em três etapas: a antecipação,

a decifração e a interpretação e, conforme a abordagem teórica conciliadora, aparecem

concretizadas numa sequência básica composta por quatro passos: motivação, introdução,

leitura e interpretação (COSSON, 2006, p. 51).

A motivação é a etapa que visa preparar os alunos para a leitura do texto através de

atividades que promovam uma aproximação do leitor com a obra. A introdução objetiva

apresentar o autor e a obra e estimular os aprendizes a pensarem nos motivos que levaram à

escolha de um autor ou texto e não de outro; além disso, alerta Cosson (2006, p. 61) que essa

não deve ser uma atividade que demande muito tempo, apenas o suficiente para contextualizar

o texto (até fisicamente quando se tratar de livros) e seu autor.

A leitura é a etapa que permite o acompanhamento de como os alunos leem, no sentido

de identificar possíveis dificuldades, auxiliar a superação delas, orientar para os objetivos da

leitura. Para isso, são estabelecidos intervalos, que são momentos específicos para discussão de

aspectos inerentes à obra com socialização de comentários. Esses intervalos possibilitam ao

professor verificar o grau de legibilidade da obra, de interesse e de letramento dos alunos.

A interpretação, segundo Cosson (2006, p. 64), é a parte de entretecimento dos

enunciados, que constitui as inferências, para chegar à construção de sentido do texto, dentro

de um diálogo que envolve autor, leitor e comunidade e, devido a sua complexidade, pode ser

pensada para a proposta de letramento literário, em dois momentos: o interior e o exterior. O

interior, de caráter individual, compreende a leitura, a decifração das palavras, quando o texto

ganha sentido para quem lê e está condicionado por interferências externas. O exterior consiste

na exposição da interpretação como algo construído, significado em determinada comunidade,

com o compartilhamento e a ampliação do que foi constituído individualmente durante a leitura

e pode ser registrado e socializado fora dos muros da sala e da escola.

As ideias de Solé (1998, p. 67-161), quanto à necessidade de ensino-aprendizagem das

estratégias de leitura na escola, são complementares às orientações de Cosson (2006). Com esse

foco, Solé (1998, p. 75) propõe que o professor atue de modo contínuo nas três etapas que

compõem o processo de apreensão da leitura: antes, durante e depois. As estratégias, nessas

etapas, permitirão desde a adoção de objetivos de leitura e a atualização de conhecimentos

55

prévios relevantes, passando pelo estabelecimento de inferências várias, a revisão e a

comprovação da própria compreensão durante a leitura e a tomada de decisões cabíveis diante

de erros e falhas na compreensão até culminarem na recapitulação, no resumo do conteúdo e na

ampliação do conhecimento adquirido durante e depois da leitura.

Para Solé (1998, p. 76), o papel do professor é essencial nesse processo de ensino-

aprendizagem em que atua como modelo e proporciona situações através das quais os alunos

são orientados a agirem com autonomia e a gerirem as suas estratégias para ler textos. A autora

entende “as situações de ensino-aprendizagem que se articulam em torno das estratégias de

leitura como processos de construção conjunta, nos quais se estabelece uma prática guiada

através da qual o professor proporciona aos alunos andaimes necessários para que possam

dominar progressivamente essas estratégias e utilizá-las depois da retirada das ajudas iniciais.”

(2006, p.77)

Concordo com Solé (1998, p. 92-93) quando esta defende que nenhuma tarefa de leitura

deve ser iniciada sem que os alunos se encontrem motivados e saibam o sentido da atividade.

Nas atividades de leitura vivenciadas durante a intervenção, sempre informei para os alunos o

que seria feito, além de reforçar que eles seriam capazes de fazê-lo e que o resultado seria algo

interessante e significativo. Além disso, levei em conta outra ideia dessa autora: a leitura

compartilhada. Nesse momento, as atividades são pensadas e executadas com a intenção de dar

suporte aos alunos durante a leitura, verificando as dificuldades e auxiliando-os, socializando

modos de pensar sobre o que está sendo lido. A leitura compartilhada é semelhante ao processo

de “andaimagem” trazido por Cosson (2006), que o denomina de intervalo da sequência básica

do letramento literário.

A leitura como produção de sentidos, como defendido por Goulemot (2001, p. 107-121),

foi o que pretendi com as ações das duas sequências didáticas, porque parti do pressuposto de

que, principalmente na escola, leitura e escrita representam traços de um mesmo desenho,

estando, muitas vezes tão imbricadas que aquilo que se pensa metodologicamente para uma

parece servir como pressuposto para a outra. A “andaimagem” referida para a leitura também é

a base do processo de escrita, sobretudo da reescrita.

A leitura e a escrita solicitam de quem lê e escreve a utilização de sua “biblioteca

cultural”, a condição, conforme Goulemot (2001, p. 115), para constituir sentidos. Dessa forma,

cabe ao professor de Língua Portuguesa planejar situações que orientem os alunos a acionar as

memórias acerca dos textos lidos e escritos, porque esse exercício de reencontro é que pode

deixá-los à vontade para vivenciar a textualidade na escola. Considero a textualidade como

proposto por Marcuschi (2008, p. 97): “resultado de um processo de textualização”, em que o

56

texto se constrói a partir de uma relação imbricada e interativa entre linguagem, cultura e

sujeitos localizados historicamente.

As duas sequências apresentadas a seguir partem desse pressuposto e, como já

explicitado anteriormente, são o resultado das orientações teórico-práticas descritas. Ei-las

rememoradas, numa reescrita que mantém o original enquanto ato praticado, mas desdobra-o a

partir das reflexões inerentes a este momento.

3.1.1 Sequência didática 122

Objetivo principal: Conhecer o perfil dos alunos matriculados e frequentes na turma

de 6º ano B, turno matutino, do Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa a partir do que

eles pensam sobre si mesmos.

Desenvolvimento

1ª etapa: 2 h/a23

Objetivos específicos: Ler o poema “Quem sou eu?” de Pedro Bandeira e, a partir dessa

leitura, refletir sobre e construir uma resposta para a pergunta que é o título do texto lido.

No primeiro encontro com a turma, nas aulas de 40 minutos24 cada, preferi fazer uma

dinâmica rápida de concentração para que conversássemos mais calmamente. É importante

trazer que os horários, nessa turma de 6º ano, eram divididos em três dias, sendo dois com uma

aula de 50 minutos após o intervalo e um dia com duas aulas (100 minutos) também após o

intervalo, perfazendo um total de quatro aulas semanais (200 minutos). As aulas, após o

intervalo para a merenda, têm sempre o início mais agitado e é uma prática, nesta unidade

escolar, entre alguns professores do 6º ano, promover, sempre que possível, atividades de

concentração. Propus a leitura do poema de Pedro Bandeira “Quem sou eu?”, não sem, antes,

provocá-los acerca do conteúdo do texto que seria lido, pedindo-lhes que lançassem hipóteses

que foram anotadas no quadro. Eis o poema:

Quem sou eu?

Pedro Bandeira

Eu às vezes não entendo!

22 As aulas que constituem essa sequência ocorreram entre 14 de abril e 12 de junho de 2014. 23 A sigla h/a: corresponde à quantidade de minutos utilizados em cada aula na Educação Básica que compreende

os Ensinos Fundamental e Médio; desse modo, são utilizados 50 minutos de uma hora para cada aula. 24 Esclareço que as aulas tiveram seus tempos reduzidos em 10 ou 20 minutos por diversas razões durante o ano

letivo de 2014. Os motivos mais frequentes foram as paralisações dos funcionários de apoio (auxiliares de

disciplina, da secretaria da escola, de limpeza e de cozinha) e a falta de alimentos para o preparo da merenda

escolar.

57

As pessoas tem um jeito

De falar de todo mundo

Que não deve ser direito.

Aí eu fico pensando

Que isso não está bem.

As pessoas são quem são,

Ou são o que elas têm?

Eu queria que comigo

Fosse tudo diferente.

Se alguém pensasse em mim,

Soubesse que eu sou gente.

Falasse do que eu penso,

Lembrasse do que eu falo,

Pensasse no que eu faço

Soubesse por que me calo!

Porque eu não sou o que visto.

Eu sou do jeito que estou!

Não sou também o que eu tenho.

Eu sou mesmo quem eu sou!

Fonte: BANDEIRA, Pedro. Quem sou eu? In: LAJOLO, Marisa. (Org.). Palavras de encantamento. São

Paulo: Moderna, FNDE, 2001. (Coleção Literatura em minha casa, vol. 1).

Distribuí o texto, fiz a primeira leitura oralizada e fomos conferir as sugestões

registradas. Em seguida, orientei-os para a leitura individual e silenciosa e iniciamos a discussão

sobre o conteúdo do poema. Lancei algumas questões para que pensassem em casa, avisando-

os, que, na aula seguinte, conversaríamos sobre as perguntas. Ei-las: Quem é você? Quem é

você dentro da comunidade onde vive? Quem é você aluno?

A escolha de um texto poético deveu-se ao entendimento de que sua temática e seu

gênero eram mais adequados ao objetivo de estimular os alunos a refletirem sobre os sentidos

nele presentes e participarem mais efetivamente das discussões acerca do tema “identidade”.

Compartilho com Cosson (2006, p. 17) a ideia de que o texto literário “nos diz o que somos,

nos incentiva a desejar e expressar o mundo por nós mesmos”. Além disso, utilizar um texto

para estimular a elaboração de outros textos, – no caso específico dessa oficina, textos orais e

escritos não necessariamente pertencentes ao mesmo gênero – é uma prática muito comum nas

aulas de Língua Portuguesa e acredito ter sido o caminho eficiente nesse caso.

Ainda sobre a utilização de texto para produção de outros, concordo com Oliveira (2010,

p. 107) que, em determinadas situações, um texto pode ser usado como pretexto pedagógico,

58

principalmente quando se tem em vista o desenvolvimento da capacidade de produção de novos

textos materializados em outros gêneros pelos alunos. O pretexto pedagógico difere do pretexto

descontextualizado e habitual em aulas de Língua Portuguesa: trazer textos ou trechos para

apenas promover o aprendizado de regras gramaticais. Pedagogicamente, é o uso de textos no

contexto de sua produção, circulação e leitura (LAJOLO, 2009, p. 107) que servirão como base

para construção de sentidos a partir da história e do conhecimento de mundo dos alunos. São

os sentidos impregnados em textos escritos ou orais que, por sua vez, facultarão a produção de

outros sentidos. A exteriorização e o compartilhamento dessas produções eram o que me

interessavam à época e ainda hoje.

Nos dois encontros seguintes, cada um com uma aula de 30 minutos e em dias

alternados, retomamos o poema com comentários meus e dos alunos sobre os versos que mais

chamaram a atenção e se eles refletiam de algum modo algo a vida deles. Depois passamos à

discussão das três questões propostas no primeiro encontro com os alunos se inscrevendo para

fala, ora livremente, ora induzidos. Muitas das respostas foram anotadas no quadro e, no final,

disse-lhes que eles estavam construindo o perfil de suas personalidades, um autorretrato, mas

gostaria de ver aquilo materializado, em minhas mãos, e propus que trouxessem o material de

Arte25, folhas de papel A4 e revistas para o próximo encontro.

2ª etapa: 3 h/a

Objetivo específico: Construir o perfil individual, respondendo à pergunta “Quem sou

eu?” através de imagens.

Nesse encontro, com duas aulas seguidas e reduzidas a 60 minutos, trouxe-lhes uma

apresentação com slides em Powerpoint para mostrar-lhes o que é um autorretrato, mas não

pudemos utilizá-la porque não havia energia elétrica nas salas de aula. Então, procedemos com

a explicação mais teórica e sucinta para chegar até a proposta de construção de um autorretrato

de cada aluno. O autorretrato imagético deveria responder à pergunta discutida: “Quem sou

eu?”

Expliquei-lhes que utilizariam o material de Arte requisitado na aula anterior e as

revistas para compor com as imagens um autorretrato na folha A4. Quando compreenderam

que era um texto imagético, ficaram felizes; porém, alguns relataram dificuldade em conseguir

encontrar imagens nas revistas ou até mesmo desenhar algo que os representasse legitimamente.

Então propuseram escrever um texto no lugar do autorretrato imagético. Não concordei

inicialmente, mas prometi-lhes que depois teriam a oportunidade de escrever. À época, ainda

25 No CEMMB, o material de Arte corresponde a: lápis, borracha, régua, tesoura, lápis de cor, canetas coloridas,

cola, tintas, pincéis.

59

muito impregnada do “poder” a mim concedido como professora, não fui sensível o suficiente

para escutar essas vozes.

A construção do texto imagético foi, em primeira instância, lançada para tentar fugir do

padrão de escrita já habitual nas aulas de Língua Portuguesa, desmontando a ideia de que só há

possibilidade de escrita e leitura na presença do código verbal escrito. A ideia ocorreu após

ouvir alunos perguntarem no primeiro dia de aula se eu, como professora de Língua Portuguesa,

iria colocá-los para escrever muito. Disse-lhe que não de uma vez só, mas aos poucos e de modo

que tivesse sentido para eles.

O registro do diário de campo levou-me a pensar no autorretrato imagético. Na época,

essa ideia pareceu-me a mais adequada, já que a escrita inicialmente planejada havia sido, de

certo modo, refutada por alguns alunos. Ademais, entrevi a oportunidade de vê-los trabalhando

com o novo, algo que lhes estimulasse a ir além do código escrito, na posição tradicional de

sentar-se, pensar, escrever, entregar o escrito à professora e voltar a sentar e esperar novas

instruções. Houve a vontade de vê-los caminhar entre os colegas, negociar a troca de materiais,

folhear as revistas, desenhar, admirar ou não o resultado e facultar-lhes pensar que não só se

escreve nas aulas de Língua Portuguesa. As Fig. 1, Fig. 2 e Fig. 3 que seguem ilustram

momentos da composição dos autorretratos imagéticos.

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 1 – Construção dos autorretratos imagéticos

60

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

No fim das aulas, recolhi os autorretratos iniciados para devolvê-los no encontro da

outra semana.

No encontro seguinte, em uma aula, retomamos a construção do autorretrato. Porque

havia percebido que alguns alunos tinham inserido “legendas” nas figuras utilizadas na

Figura 2 – Aluna com seu autorretrato imagético

Figura 3 – Aluno com seu autorretrato imagético

61

composição do autorretrato, comentei essa atitude e reforcei com os estudantes que, se

quisessem, poderiam fazer como os colegas. Observei que os alunos pareceram não se importar

muito com o comentário, também, posteriormente, constatei que não acataram a sugestão de

inserção de legendas nas figuras na segunda parte do autorretrato. Apenas aqueles que fizeram

na primeira atividade, mantiveram as legendas na composição anterior. Em seguida, lancei a

pergunta “Como as outras pessoas me veem?” para que pensassem e trouxessem as respostas

na aula seguinte. Nessa aula, após socializarmos algumas respostas, conversamos sobre como

a opinião das pessoas pode influenciar nossa forma de viver, de ver e de ser. Orientei-os sobre

como seria o próximo encontro com dois horários: daríamos continuidade ao nosso percurso

imagético compondo uma segunda face do autorretrato. A segunda atividade representaria as

opiniões sobre a pergunta “Como as pessoas me veem?”.

3ª etapa: 2 h/a

Objetivo específico: Construir a segunda parte do autorretrato, respondendo à pergunta

“Como as pessoas me veem?”

Nos dois horários dedicados à construção da segunda etapa do autorretrato, retomamos

rapidamente, como forma de contextualizar a atividade que seria desenvolvida, as discussões

da aula anterior e orientei os alunos a construir o autorretrato com imagens. Poucos tiveram

dificuldade com a representação através de recortes, figuras, desenhos e pediram para escrever

as suas opiniões. Após refletir algum tempo, disse-lhes que poderiam fazê-lo naquele momento

ou em outro posterior, já que era um pedido que ainda permanecia. Ao final das aulas, os

autorretratos foram recolhidos e, como muitos ainda não tinham sido concluídos devido à

redução no tempo das aulas, combinamos que terminariam na outra semana.

4ª etapa: 1 h/a

Objetivo específico: Concluir a segunda parte do autorretrato e revisar o material

produzido.

Nesse momento, os alunos concluíram os seus autorretratos e tiveram oportunidade de

revisar e refazer o que já estava pronto. A apreciação dos textos imagéticos com a intenção de

verificar a adequação destes às intenções de seus autores foi um dos aspectos levantados durante

a atividade em que comentamos sobre o fato de estarmos em interação com outras pessoas em

boa parte do nosso dia. Disse-lhes que apresentariam coletivamente seus textos no próximo

encontro e aqueles que já o faziam em pequenos grupos mostraram-se empolgados. Outros

questionaram e sugeriram apenas expor num mural em sala de aula mesmo. A ideia não foi

muito bem-vinda, uma vez que outros trabalhos já haviam sido expostos e alunos dos turnos

62

vespertino e/ou noturno destruíram as produções. Diante do impasse, ficamos de pensar em

casa e trazer as propostas na próxima aula.

5ª etapa: 2 h/a

Objetivo específico: Socializar os autorretratos oralmente.

Iniciamos a aula com a discussão acerca das propostas sobre o que fazer com os

autorretratos. Os alunos foram taxativos em não querer expor na sala nem no mural geral do

pátio externo com receio de que fossem rasgados. No CEMMB, é muito frequente a atitude de

retirarem ou rasgarem os cartazes afixados nos murais das salas de aula e aqueles localizados

pelos corredores ou no pátio da unidade escolar. O que tenho observado é que, normalmente,

os materiais depredados são os que representam trabalhos dos alunos. Nem sempre isso

aconteceu na escola. Estou lá há 15 anos e, nos anos iniciais desse meu percurso, havia

exposições de atividades e ornamentação constantes sem que nada fosse retirado sem a

permissão dos responsáveis. Talvez essa atitude seja reflexo da mudança no proceder

pedagógico dos professores. Anteriormente, percebia o estímulo e a prática constante em expor

e valorizar os trabalhos de todos na escola, principalmente as atividades da disciplina Arte.

Além disso, as docentes de Arte sempre auxiliavam nas apresentações das outras disciplinas.

No entanto, com a aposentadoria dessas professoras, os substitutos que chegaram à escola não

costumam agir de modo semelhante as suas antecessoras. Entendo que não é ético

responsabilizar os professores de Arte por demover os estudantes dessa cultura de destruição,

nós, professores de outras áreas, temos a obrigação de desmontar esse hábito e mostrar aos

estudantes a importância de respeitar o espaço-tempo de dizer do outro.

Apresentei então a solução de arquivar não só os autorretratos como também todas as

atividades desenvolvidas em uma pasta individual que seria exposta no fim do ano letivo e,

posteriormente, entregue a eles. Concordaram. Em seguida, passaram a livremente expor seus

autorretratos e comentá-los. Após algumas participações, levantei a questão se, mesmo tendo

falado sobre as produções, ainda sentiam necessidade de escrever sobre as perguntas

motivadoras “Quem sou eu?” e “Como as pessoas me veem?”. Perguntaram-me se isso

significaria nota. Afirmei que tudo que faziam era avaliado; então decidiram que fariam o texto.

Orientei-os que a produção seria em classe, o que desagradou alguns, pois tinham a intenção de

escrever em casa ou na banca26. Não concordei, justificando que em sala poderia orientá-los e

avaliá-los melhor.

26 A banca, como é conhecido o reforço escolar particular, é muito frequente na comunidade escolar do CEMMB.

O que tenho observado é que esse recurso é utilizado pelos pais ou responsáveis pelos alunos em duas situações:

ou porque não têm condições de acompanhar os filhos em suas tarefas escolares por conta do trabalho ou outra

63

Em seguida, passamos à apresentação dos autorretratos imagéticos. A intenção foi que

eles se sentissem livres e começassem a perceber a necessidade de organizarem-se para falar e

para ouvir. Orientei-os quanto à importância em ouvir e permitir que o colega se expressasse.

Durante as apresentações, a proficiência de alguns chamou a atenção e falamos novamente

sobre adequação, intenção e aceitação referentes aos textos produzidos.

Com essas atividades, fechei o ciclo em que eu buscava conhecer os alunos a partir da

visão que tinham de si. Um aspecto decorrente dessas atividades foi o fato dos alunos

reconhecerem esses momentos como importantes para si mesmos, tempo-espaço para

perceberem-se como pessoas que têm uma individualidade, uma constituição, uma história de

vida única dentro daquela sala de aula e ainda formada a partir da interação com os outros. Os

comentários sobre as atividades registrados no final endossam essa percepção: “Eu gostei por

causa da forma de responder e conhecer sobre a nossa vida.” (André); “Eu acho muito bom

aprender coisas novas todos os dias e com essas atividades eu aprendi quem sou eu de

verdade.”(Beatriz); “Gostei dessas atividades porque a gente interage, aprende mais.” (Ian);

“Achei muito importantes as atividades que fizemos, assim nos conhecemos melhor e nos

divertimos. Nessas atividades expressamos quem somos!” (Iara). Além disso, houve uma boa

participação dos alunos, muitos opinaram e foi perceptível a preocupação com a aprovação dos

outros.

A produção dos autorretratos ainda se revelou como a oportunidade de fortalecimento

do vínculo entre mim e os alunos e entre eles mesmos. Deixar-se ver pelos seus pares e por mim

legitima-lhes um papel num grupo que lhes impõe valoração. Coracini (2010, p. 46), quando

considera a escrita na escola, afirma que o “aluno deve ter a possiblidade de se dizer, mais do

que dizer, de se expor, mais do que expor, para que vivencie a experiência do estranhamento, a

construção de si” porque essa prática oferece a chance de torná-lo protagonista de sua própria

história, inclusive a história de aprendizagem na escola. Acredito que essa consideração

também foi válida para a atividade de construção dos autorretratos imagéticos: a descontração

e o comprometimento da maioria com a atividade endossaram a valoração positiva acerca da

construção. Essa era a impressão que me conduziu a pensar e insistir no autorretrato imagético

e que se tornou constatação no decorrer do ano letivo. Também houve a contrapartida: conhecê-

los naquele momento fez-me reconhecê-los em seus escritos e em suas atitudes. Acredito que

o planejamento da sequência didática 2 foi orientado por essa percepção de cada um e do todo.

limitação ou porque é solicitado pela coordenação que o aluno tenha um acompanhamento devido a dificuldades

de aprendizado – que, na maioria das vezes, é entendido como necessidade de alguém que o ensine a fazer as

tarefas, embora possa ser de outras ordens.

64

Alguns autorretratos encontram-se reproduzidos a seguir através das Fig. 4, Fig. 5, Fig.

6, Fig. 7 e Fig. 8:

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 5 – Reprodução dos autorretratos do aluno Paulo

Figura 4 – Reprodução dos autorretratos da aluna Glícia

65

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 7 – Reprodução dos autorretratos do aluno Reinaldo

Figura 8 – Reprodução dos autorretratos do aluno Paulo

Figura 6 – Reprodução dos autorretratos da aluna Anita

66

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

6ª etapa: 4h/a

Objetivos específicos: Produzir um texto escrito que também fosse um autorretrato,

respondendo às perguntas: “Quem é você?” “Como as pessoas o(a) veem?” “Quem é você

dentro da comunidade onde vive?” “Quem é você aluno?”. Discutir a importância de planejar

a produção de um texto.

Utilizamos dois horários para a produção do autorretrato escrito com base no que foi

construído e discutido nas últimas aulas, incluindo as questões para reflexão. Disse-lhes que o

texto teria a quantidade de linhas necessárias para dar conta do que eles decidissem revelar

porque essa foi a primeira pergunta que me fizeram. Depois, expliquei que todo texto para ser

escrito precisa de um planejamento: o escritor deve estabelecer sobre o quê, como, para quem,

para que e de onde vai falar. Foram minutos de explicação que pareceram não fazer muito

sentido para eles, porque queriam escrever o quanto antes. Deixei-os iniciar a escrita, até

começarem as perguntas: “Tem que ter título?” “É uma história?” “Como eu começo?” “Posso

começar com ‘era uma vez’?” Retomamos a questão do planejamento, o pensar sobre o que vou

escrever, como, por que, para quê e para quem e fomos exemplificando. Como havia pouco

tempo de aula, pedi que registrassem nos cadernos o que foi discutido porque fariam os textos

na outra aula.

67

No dia seguinte, devido à inexistência de professor para duas disciplinas em outras

turmas, o horário de aulas foi remanejado e tivemos dois horários seguidos, fato que permitiu a

escrita dos textos, a socialização voluntária e a entrega deles. O momento de socialização

permitiu, mais uma vez, a percepção de como o grupo se comportava em relação aos colegas

que leram seus textos, revelando as incompatibilidades, as implicâncias de uns em relação a

outros, o respeito, o medo e a desmontagem de algumas tendências preconceituosas muito mais

fortemente que no encontro de exposição dos autorretratos.

Muito além disso, foi visível o empoderamento que a exposição de si para os outros

causou nos alunos: aqueles que foram aplaudidos ficaram visivelmente felizes com o

reconhecimento; outros, que não quiseram ler, prontificaram-se a fazê-lo em busca também da

notoriedade naquele momento e depois porque, em outras oportunidades, ainda houve

comentários elogiosos sobre os textos e seus autores. Retomamos a discussão sobre as questões

abordadas nas aulas anteriores: adequar o que se fala ou que se escreve, segundo suas intenções

para que quem vê, ouve ou lê tenha a possibilidade de aceitá-lo.

Tomar os autorretratos imagéticos para escrever sobre eles ou a partir deles permitiu aos

alunos o exercício da recognição – segundo Berthoff (2011, p. 21), configura-se “a própria

forma e configuração da exploração criativa e do pensamento crítico” – e reinvenção do escrito

de si nas composições. Olhar e olhar mais uma vez é fundante no processo de revisão e reescrita

de textos porque implica na avaliação de si, para si e para o outro. Tornar escritas as imagens

fê-los começar a vivenciar explicitamente o dialogismo presente na interação constitutiva

daquela atividade e a perceber a escrita materializada em suas atitudes.

A observação comparativa entre os autorretratos imagéticos e os escritos faz-me

perceber que as produções escritas mantiveram correspondência com as imagens selecionadas

para as composições dos autorretratos. Entre as 29 atividades completas (autorretratos

imagéticos e textos escritos) apenas três não trazem relação direta entre as figuras e os relatos

escritos. Penso que, embora não tenha aceito de início a produção de textos escritos para compor

os autorretratos, a situação de interação e de conhecimento com os colegas foi positiva e

descontraída. Além disso, a minha negativa não retirou deles o desejo e o compromisso27 com

a escrita, já que apenas uma aluna não fez o texto escrito.

27 Desejo e compromisso que não entendo ingenuamente como atitudes desinteressadas no valor das atividades

revertidos em notas para o bimestre letivo. É frequente o interesse dos alunos em saber se a atividade vale alguma

pontuação para decidirem se farão ou não, comportamento pleno em sentido quando consideramos a cultura escolar

que o institui como algo que lhe é inerente. Não estipulei valor, mas insisti, como sempre faço, que eles são

avaliados em todas as atividades.

68

As imagens utilizadas nos autorretratos permitiram, enquanto representações situadas

naquele contexto, espelhar o modo como os alunos se viam e queriam ser vistos. Os princípios

da intencionalidade, da aceitabilidade e da adequação28 orientaram o proceder dos alunos que

buscavam antecipar o olhar do leitor para suas composições, ora admirando-as, ora consultando

os colegas ou a mim, ora rasgando-as, refazendo-as ou recusando-se a prosseguir. Acredito que

o olhar, a escolha, o recorte e a colagem das figuras assemelha-se muito ao processo de escrita

de textos. Há um cuidado na construção das maiorias dos autorretratos, um fazer que os alunos

experimentaram nos autorretratos imagéticos e que pude perceber na escrita de seus textos.

7ª etapa: 2 h/a

Objetivo específico: Assistir, ouvir, ler, discutir a música “Linhas tortas”, de Gabriel O

Pensador, relacionando as opiniões com o que foi elaborado e aprendido nas últimas aulas.

Nas duas aulas que seguiram, propus a apreciação da canção “Linhas tortas”, de Gabriel

O Pensador, cuja letra segue:

Linhas tortas

Gabriel O Pensador

Alguns às vezes me tiram o sono, mas não me tiram o sonho

Por isso eu amo e declamo, por isso eu canto e componho

Não sou o dono do mundo, mas sou um filho do dono

Do verdadeiro Patrão, do verdadeiro Patrono

- E aí, Gabriel, desistiu do cachê?

- Cancelei um trabalho aí pra não me aborrecer.

- Explica isso melhor, o que foi que você fez?

- Tá tudo bem, eu explico pra vocês:

Tudo começou na aula de português

Eu tinha uns cinco anos, ou talvez uns seis

Comecei a escrever, aprendi a ortografia

Depois as redações, para a nossa alegria

Professora dava tema-livre, eu demorava

Pra escolher um tema, mas depois eu viajava

E nessas viagens, os personagens surgiam

28 Intencionalidade, aceitabilidade e adequação são critérios de textualização e foram utilizados conforme

Marcuschi (2008, p. 93-133).

69

Pensavam, sentiam, choravam, sorriam

Aí a minha tia-avó, veja só você

Me deu de aniversário uma máquina de escrever

Eu me senti um baita jornalista, tchê

Que nem a minha mãe, que trabalhava na TV

Depois, já aos quinze, mas com muita timidez

Fiquei muito sem graça com o que a professora fez

Ela pegou meu texto e leu pra turma inteira ouvir

Até fiquei feliz mas com vontade de fugir

Então eu descobri que já nasci com esse problema

Eu gosto de escrever, eu gosto de escrever, crer ver

Ver, crer, eu gosto de escrever e escrevo até poema

Meu Pai, eu confesso, eu faço prosa e verso

Na feira eu vendo livro, no show eu vendo ingresso

Na loja eu vendo disco, já vendi mais de um milhão

Se isso for um crime, quero ir logo pra prisão

- Ih, pensador, isso é grave, hein!

É, vovó dizia que eu já escrevia bem

Tentei me controlar, me ocupar com um esporte

Surf, futebol, mas não era o meu forte

Um dia eu fiz uns raps e achei que tava bom

Me batizei de Pensador e quis fazer um som

Ficar famoso e rico nunca foi minha meta

Minha mãe já era isso, eu só queria ser poeta

Meu pai, um homem sério, um gaúcho de POA

Formado em medicina, não podia acreditar

Ao ver o seu garoto Gabriel

Com um fone nos ouvidos viajando com a caneta no papel

- O que você tá fazendo? Vai dormir, moleque!

- Ah, pai, peraí, eu só tô fazendo um rap!

Ninguém sabia bem o que era, mas eu tava viciado naquilo

E viciei uma galera!

70

Meu Pai, eu confesso, eu faço prosa e verso

Na feira eu vendo livro, no show eu vendo ingresso

Na loja eu vendo disco, já vendi mais de um milhão

Se isso for um crime, quero ir logo pra prisão

Não tô vendendo crack, não tô vendendo pó

Não tô vendendo fumo, não tô vendendo cola

Mas muitos me disseram que o que eu faço é viciante

E vicia os estudantes quando eu entro nas escolas

Até os professores às vezes se contaminam

Copiam minhas letras e textos e disseminam

Sementes do que eu faço, já não sei se é bom ou mau

Mas sei que muito aluno começa a fazer igual

Escrevendo poemas, escrevendo redações

Fazendo até uns raps e umas apresentações

Me lembro dos meus filhos e a saudade é cruel

Solidão me acompanha de hotel em hotel

Casamento acabou, eu perdi na estrada

O amor que ainda tenho é o amor da palavra

É falar e cantar, despertar consciências

Dediquei a vida a isso e maior recompensa

É servir de referência pra quem pensa parecido

Pra quem tenta se expressar e nunca é ouvido

É olhar pra minha frente e enxergar um mar de gente

E mergulhar no fundo dos seus corações e mentes

É esse o meu mergulho, não é o do Tio Patinhas

É esse o meu orgulho, escrever as minhas linhas

Eu escrevo em linhas tortas, inspirado por alguém

Que me deu uma missão que eu tento cumprir bem

Escuto os corações, como um cardiologista

Traduzo o que eles dizem como faz qualquer artista

Que ganha o seu cachê, que é fruto do trabalho

De cigarra e de formiga, e eu não sei o quanto eu valho

71

Mas eu sei que quando eu ganho, divido e multiplico

E quanto mais eu vou dividindo, mais fico rico

Rico da riqueza verdadeira que é de graça

Como um só sorriso que ilumina toda a praça

Sorriso emocionado de um senhor experiente

Em pé há duas horas debaixo do sol quente

Ouvindo os meus poemas em total sintonia

Eu sou ele amanhã, e hoje é só poesia.

FONTE: http://www.vagalume.com.br/gabriel-pensador/linhas-tortas.html. Acesso em 05 de abril de

2014.

Começamos com a previsão do que seria apreciado com a sugestão de hipóteses sobre

o conteúdo do texto, em que gênero discursivo ele pareceria, o porquê do título, quem seria o

autor do texto. Depois passamos à apresentação do clipe. Em seguida, propus a comparação do

que foi proposto inicialmente com os que os alunos depreenderam após a apreciação do clipe.

Também fiz uma explanação participada sobre o texto da música e sua proximidade com o

poema. Depois, partimos para a audição e a leitura da música e passamos aos comentários

acerca dos significados e leituras dos alunos. No final, propus questões norteadoras para serem

resolvidas em casa: 1. Por que, conforme o que você viu, leu e ouviu, o texto foi intitulado

“Linhas tortas”? 2. Você acha que o texto referido é um relato pessoal? Explique. Transcreva

do texto trechos que confirmem sua resposta. 3. Há alguma semelhança entre o que temos feito

em classe e o que o personagem do texto fez? Explique. 4. Você vê algo em comum entre a sua

história de vida e a do personagem do texto? Justifique.

8ª etapa: 3 h/a

Objetivos específicos: Apresentar as respostas dadas às questões norteadoras e discuti-

las. Compreender a língua como variável, as características das modalidades oral e escrita da

língua, das variedades coloquial, padrão e a relação destas com a escola. Começar a produzir

relatos pessoais.

Inicialmente, fizemos a retomada do texto “Linhas tortas” com a socialização das

respostas e explanação participada sobre modalidades oral e escrita da língua, Português

Brasileiro, variedades coloquial e padrão e como todas essas modalidades estão presentes na

escola. Utilizamos como exemplificações as sugestões dos alunos e excertos da letra da canção

72

trabalhada nas aulas anteriores. Para finalizar, os alunos fizeram os exercícios no livro

didático29 que retomam os conteúdos referidos, depois corrigimos coletivamente.

Seguem as reproduções das páginas do livro didático onde constam os exercícios

referidos (Fig. 9, Fig. 10, Fig. 11 e Fig. 12)

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012.

29 O livro didático utilizado pelo 6º ano é Vontade de saber português 6º ano de Rosimeire Aparecida Alves

Tavares e Tatiane Brugnerotto Conselvan.

Figura 9 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano

73

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Figura 10 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano

74

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Figura 11 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano

75

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Figura 12 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano

76

Na aula seguinte, após uma conversa rápida sobre os conteúdos abordados, propus a

escrita de um relato sobre o que aconteceu nas aulas com discussão sobre como essa prática

pode ter importância para alunos e professores. Em seguida, houve a escrita coletiva desse relato

(O que aconteceu hoje? Isso foi importante? Por quê? O que poderia ser diferente?) e elaboração

de cronograma para as escritas posteriores. A intenção com essa última atividade era mobilizar

os alunos para mais uma escrita em que eles pudessem se expressar numa narrativa pessoal,

reveladora de si e dos outros. Inicialmente, a atividade foi realizada sem a sistematização de

um relato pessoal, apenas escrevemos conforme o que eles pensavam como modelo do gênero

referido.

9ª etapa: 1 h/a

Objetivos específicos: Retomar a leitura do relato produzido coletivamente, para

reforço da atividade e percepção do nível de compreensão e aceitação da turma. Estabelecer

acordo sobre o cronograma de escrita individual dos relatos.

Começamos a aula com a leitura do relato coletivo construído no encontro anterior, ao

mesmo tempo em que revisava os conteúdos registrados e chamava-lhes a atenção para a

utilidade daquela escrita. Ao terminarmos a leitura comentada, propus a elaboração de um

cronograma de escrita individual de relatos após cada dia de aula da semana. No entanto, os

alunos foram muito resistentes e recusaram-se a escrever esses textos. Sugeri que os textos

fossem escritos numa página da internet, num grupo fechado no meu perfil do Facebook, mas

ainda assim, não aceitaram. Argumentaram alguns: “Ah, professora, Facebook, não é pra isso,

não!” (Gilberto); “O Face não é pra coisa de escola” (Leon); “O Facebook é para nossa vida

particular, não da escola.” (Jorge)30 e outros apenas assentiram. Contra-argumentei que esse

tipo de atitude estava na moda e na mídia, citei o caso da estudante de Santa Catarina, Isadora

Feber, que conseguiu, por meio de seus relatos no Facebook sobre a escola, mudar muita coisa

na realidade da sua unidade escolar31. Os alunos disseram conhecer a história, mas não cederam.

Pedi que pensassem melhor e trouxessem as reflexões para a próxima aula. Eu também faria

isso, e o diário de bordo seria meu instrumento.

10ª etapa: 6 h/a

Objetivos específicos: Discutir a produção dos relatos. Experienciar a reescrita dos

autorretratos, através da revisão dos aspectos da formatação do texto e da pontuação básica.

30 As falas foram transcritas dos registros do meu diário de bordo. 31 O perfil da estudante citada no Facebook tem o seguinte link https://www.facebook.com/DiariodeClasseSC.

77

Com cautela, consciente de que, embora fosse uma intervenção o que eu estava

propondo para os alunos, não poderia impor, nos moldes do ensino tradicional, uma escrita.

Lancei a pergunta sobre o que haviam decidido sobre os relatos. Se acredito no ensino-

aprendizagem que faça sentido para os atores do processo, a desconsideração da autonomia de

escolha dos sujeitos-alunos seria algo impensável, ainda mais quando se trata do aprendizado

da escrita como um processo significativo. Soma-se a isso o fato de, naquele momento,

conceber a sala de aula como um campo de pesquisa de caráter etnográfico, por isso suscetível

ao improvável, por isso, não previsto e impossível de ser controlado por decisões a priori.

Os alunos mantiveram-se irredutíveis: não aceitaram fazer os relatos. Teria que repensar

e replanejar os próximos passos.

Partimos para a devolutiva dos autorretratos produzidos para que fossem reescritos.

Iniciei a aula explicando que fariam a revisão do texto produzido há duas semanas e que, depois

de algumas discussões, fariam a reescrita. Perguntei-lhes quem costumava ler o que escrevia

antes de encaminhar ao interlocutor. Com base nas respostas, a maioria garantiu que assim

procediam. Fiz novo questionamento: por que reescrever um texto pode ser necessário?

Responderam: “Para ficar certo.”, “Para quem ler entender”.

Em seguida, pedi que dissessem o que para eles era importante para compor um texto.

Enquanto falavam, fui escrevendo no computador e projetando no quadro: “organização”,

“palavras corretas”, “ideias boas” foram os exemplos. De acordo com as respostas, questionei

se apenas na escola é que se deveria fazer reescrita de textos produzidos. Disseram que sim e

que não. Perguntei-lhes se, nas redes sociais ou em outras situações de escrita, eles não

revisavam o que haviam registrado. A maioria considerou que sim. Apresentei um texto de Ruth

Rocha em que há marcas de revisão feitas pela própria autora e seus respectivos comentários.

(Fig. 13).

78

Fonte: Rocha e Flora, 1996

A maioria dos alunos disse já ter lido ou ouvido falar na autora. Trouxe dados

biográficos de Ruth Rocha e propus que pensassem se o que ela fazia com os textos seria

Figura 13 – Reprodução de página do livro Escrever e criar – é só começar! 6ª série: a redação através

do jogo e da literatura

79

possível fazer com os nossos. O texto de Ruth Rocha foi utilizado como modelo para as ações

que pretendia ensinar.

Depois, aproveitando as respostas, expliquei-lhes que avaliaríamos coletivamente

alguns trechos retirados dos textos produzidos por eles para verificarmos como se faz uma

revisão, tendo como base alguns pontos. Como os textos já tinham sido vistos por mim, lancei

a sugestão de que os pontos seriam: formatação textual (margens, parágrafo, título); noção de

pontuação (uso da vírgula em enumerações e diante dos adjuntos adverbiais de lugar e tempo

deslocados e uso dos pontos final, de interrogação e exclamação) e separação silábica.

Assim, passamos à apreciação de dois trechos produzidos por alunos da turma para

leitura e identificação do que precisa ser revisto (neste momento, os alunos foram convidados

a propor soluções viáveis para os problemas encontrados e foram explicados e reconstruídos os

conceitos de margem, parágrafo, separação silábica e pontuação básica de acordo com o que os

trechos permitiram) e reescrita coletiva dos trechos transcritos com posterior registro individual

no caderno.

Depois, retornamos ao conteúdo “pontuação” em exercícios propostos pelo livro

didático para análise, comparação e reforço baseados no que o aluno já sabia e do que seria

novo para ele. As reproduções das páginas do livro didático utilizadas nessa atividade

encontram-se representadas pelas Fig. 14 , Fig. 15 e Fig. 16.

80

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Figura 14 – Reprodução de trecho do livro didático Vontade de saber português 6º ano

81

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Figura 15 – Reprodução de trecho do livro didático Vontade de saber português 6º ano

82

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Figura 16 – Reprodução de trecho do livro didático Vontade de saber português 6º ano

83

Em seguida, fizemos a apreciação de mais dois trechos dos textos produzidos pelos

alunos para reescrita coletiva com retomada do conteúdo revisado. Finalmente, os alunos

partiram para a reescrita individual do texto produzido na 6ª etapa.

11ª etapa: 3 h/a

Objetivo específico: Responder ao questionário de pesquisa.

Durante três aulas, em dias alternados, os alunos responderam ao Questionário de

pesquisa sobre principalmente, leitura, escrita, escola e cujo objetivo principal foi estabelecer

um perfil dos alunos com informações. Fracionar o questionário em três partes permitiu que os

alunos pudessem acompanhar a leitura oralizada feita por mim, professora, além de evitar que

respondessem sem a atenção devida em razão do cansaço ou desinteresse.

12ª etapa: 2 h/a

Objetivos específicos: Organizar o portfólio com as atividades produzidas e avaliar

oralmente e por escrito o processo vivenciado nas últimas semanas.

Nas duas aulas, os alunos foram orientados a organizar as atividades elaboradas,

socializá-las livremente, depois, fizeram-no durante a roda de conversa. Esse procedimento foi

utilizado com o objetivo de facilitar a interação entre os alunos, proporcionando uma visão

ampla da sala e dos colegas por todos ali presentes. O funcionamento da roda de conversa

demanda a organização da sala em círculo ou semicírculo, com a presença de um mediador,

que propõe questões para serem respondidas por todos e conduz as participações para que os

presentes possam falar e ouvir quantas vezes forem necessárias e livremente; além disso, fica

facultado a todos também dirigirem questionamentos.

A escrita deste memorial faz-me perceber o quanto de intransigência esteve presente em

minha postura nessa primeira experiência enquanto professora-pesquisadora. Vejo-a e reflito

que o tradicionalismo e o autocentramento dos quais tento despir-me ainda se encontravam

orientando minha prática. O “poder’ a mim concedido como professora, modelada conforme a

ideia de que enquanto estiver nessa posição sou detentora do conhecimento acerca do que é

melhor, do que é necessário aprender, garantiu-me o conforto de decidir o que para mim era o

válido na ocasião de construção dos autorretratos imagéticos e, em seguida, na proposição de

escrita dos relatos pessoais. Porque ainda estava no processo de compreensão do proceder

etnográfico, não fui capaz de descobrir-me nessa condição. A responsabilidade em fazer a

investigação acontecer de acordo com o que eu previa sobre o campo (a sala de aulas de Língua

Portuguesa) também contribuiu para esse direcionamento teórico-prático.

84

Compreendo-me diante da impossibilidade naqueles momentos em dar-me conta de que

a escola, embora alicerçada em princípios que lhe sustentam como lugar da regulamentação, do

controle ou da correção dos corpos (FOUCAULT, 1987, p. 118), pode instigar a busca por

outras formas de constituí-la.

Aqui vejo como os princípios metodológicos da pesquisa etnográfica propostos por

Genzuk (2003, p. 3-4) – naturalismo, compreensão e descoberta – manifestam-se porque o

cenário natural é o ambiente ideal para descobrir, compreender a cultura do grupo, uma vez que

a investigação se desenvolve como um processo em que a indução e as descobertas ocorrem

simultaneamente. A sala de aula, os alunos, a professora e a escola compõem esse ambiente e

fazer parte dele deu-me o privilégio de não ser estranha; contudo essa vantagem reverteu-se e

significou obstáculo, já que conhecer demais a realidade, acostumou-me a ela e garantiu-me o

“poder” de antecipar compreensões sem esperar o tempo necessário que a observação

etnográfica indica.

Proceder etnograficamente como professora-pesquisadora lembra-me de Freire (1996,

p. 12) quando este propõe refletirmos sobre aprender e ensinar: “aprender precedeu ensinar, ou,

em outras palavras, ensinar se diluía na experiência fundante de aprender.” A cartografia, que

se desenha como escrita do memorial, conduz-me a rememorar e refletir retrospectiva e

prospectivamente sobre a minha prática como professora de Língua Portuguesa, concedendo-

me o status de ser aprendiz do ensinado.

3.1.2 Sequência didática 232

Objetivos gerais: Mobilizar os alunos a compreenderem a reescrita como parte

essencial e já praticada no dia a dia de muitos para a produção de textos, de modo que, nesse

exercício e hábito, eles desenvolvam autonomia de escrita e percebam-se autores.

Desenvolvimento

Entre a última atividade descrita e esta que inicia a nova sequência, houve o período de

férias de meio de ano. Por isso, a atividade inicial foi pensada para situar novamente os alunos

dentro do processo que começamos no período anterior: entender e tomar para si a concepção

de que a escrita não é só o produto, mas um processo que deve ser experienciado e pensado

dentro e fora da escola.

32 As aulas que constituem essa segunda sequência ocorreram entre 14 de julho e 12 de dezembro de 2014.

85

Etapa 1: 2 h/a

Objetivos específicos: Trazer livros de literatura para leitura. Estabelecer junto com os

alunos uma produção escrita a partir das leituras realizadas dos livros referidos.

Concordo com Cosson (2006, p. 31) que toda liberdade de escolha do que ler na escola

sempre se constituirá como uma escolha dentro de uma seleção feita por outrem (professor(a),

bibliotecário(a), coordenador(a)). Ainda assim, por acreditar que a escolha guiada pode levar

ao querer optar de uma maneira mais livre, trouxe para os alunos livros cuja temática, em sua

maioria, encontra-se na escrita de diários pessoais ou relatos em primeira pessoa.

Antes das férias de meio de ano, já os havia avisado que traria uma proposta diferente

para os próximos bimestres. Assim, cheguei na sala antes dos alunos e distribuí os livros33 sobre

as mesas para que ficassem bem à disposição da curiosidade inerente àqueles alunos. A Fig. 17

e a Tab. 5 trazem esses livros.

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

33 A maioria dos livros foram comprados por mim, também há alguns exemplares que foram enviados para

avaliação por representantes de editoras.

Figura 17 – Livros de literatura

86

Figura 18 – Quadro com os livros de literatura

1. A conquista da vida (Giselda Laporta Nicolelis, Ilust. Laerte Silvino)

2. Capitão Cueca, vol. 4 (Dav Pilkey)

3. Cida: a empreguete – um diário íntimo (Leusa Araújo)

4. Destrua esse diário (Keri Smith)

5. Diário de aventuras de Ellie – A aluna nova (Ruth McNally Barshaw)

6. Diário de aventuras de Ellie – A verdadeira jogadora (Ruth McNally

Barshaw)

7. Diário de aventuras de Ellie – Amizade é o bicho (Ruth McNally Barshaw)

8. Diário de um banana 1 (Jeff Kinney)

9. Diário de um banana 2 (Jeff Kinney)

10. Diário de um banana 6 (Jeff Kinney)

11. Diário de uma garota nada popular 1 (Rachel Renée Russel)

12. Diário de uma garota nada popular 3 (Rachel Renée Russel)

13. Diário de uma garota nada popular 4 (Rachel Renée Russel) – Dois

exemplares

14. Diário de uma garota nada popular 5 (Rachel Renée Russel)

15. Diário do futuro 1 (Mirai Nikki) – Três exemplares

16. Diário do futuro 2 (Mirai Nikki)

17. Fala sério, mãe! (Thalita Rebouças)

18. Fala sério, pai! (Thalita Rebouças)

19. O adivinhador (Daniel Funes e Sandra Mello, Ilust. Miguel Bezerra)

20. O diário de Dan – Dane-se! (Dan Kirchnev) – Dois exemplares

21. O diário de Dan – Que danado! (Dan Kirchnev)

22. O gênio do crime (João Carlos Marinho) – Dois exemplares

23. O segredo da casa amarela (Giselda Laporta Nicolelis, Ilust. Rogério Borges)

24. Os amores do meu pai (Sônia Rodrigues, Ilust. Márcio Koprowski)

25. Percy Jackson - A batalha do labirinto (Rick Riordan)

26. Percy Jackson - A maldição do titã (Rick Riordan)

27. Poeira de ouro (Cândida Vilares, Ilust. Vera Vilhena)

28. [email protected] (Telma Guimarães)

87

Continuação da Fig. 18

29. Quem fica com Felipe? (Ilsa Lima Monteiro, Ilust. Rogério Borges)

30. Surpresas da vida (Jair Vitória, Ilust. Alexandre Segrégio)

31. Terror na escola (Thomas Brezina, Ilust. Bernard Förth)

32. Um dia do outro mundo (Márcia Kupstas, Ilust. Thaís Linhares)

Fonte: Autoria própria

Quando entraram, ficaram surpresos e muito curiosos. Confesso que foi difícil

conseguir ser ouvida durante muito tempo, já que todos falavam e queriam garantir seu livro.

Expliquei que os livros eram para eles escolherem. Decidimos a organização da escolha e, antes

de começar a distribuição, avisei-lhes que, por estarem em uma escola, na aula de Língua

Portuguesa, teria que haver um retorno da leitura que fariam e que preferia que fosse algo

escrito. A sugestão apareceu imediatamente: “A gente fala sobre o livro.” (José). “Como

assim?” (Professora-pesquisadora). “Escreve como é o livro, a história.” (José). “Que tal um

diário, em que vocês vão registrando essa leitura? Como as coisas que mais chamam a atenção

ou porque são muito boas ou muito ruins?” (Professora-pesquisadora). “Ah, não! Diário é coisa

de menina. Era bom um texto só, uma folha.” (José). “Vocês acham que diário é coisa de

menina? E o Facebook é o quê? É uma espécie de diário, sabiam? Mas se querem um texto só,

tudo bem. A turma concorda que seja um texto só ou querem um diário de leitura?”. A maioria

preferiu um texto só. Prossegui: “Esse texto que fala sobre o livro pode ser uma sinopse. Vocês

sabem o que é uma sinopse?”. “É aquele texto que aparece quando a gente aperta a tecla do

controle da Sky para saber sobre o filme.” (Leon). “Sim, é isso mesmo. Então será uma sinopse.

Todos concordam?”, finalizei. Boa parte assentiu com a cabeça e apressaram-me para a

distribuição dos livros, o que foi feito em seguida.

A escolha do gênero diário ainda demonstra a minha tentativa em encaminhar a escrita

dos alunos para o relato. Acreditava na época que poderia ser mais evidente a utilização de

marcas autorais em textos pertencentes ao domínio discursivo interpessoal. Marcuschi (2008,

p. 194-196) apresenta um estudo em que sistematiza gêneros textuais conforme os domínios

discursivos a que pertencem e as modalidades de uso oral e escrito da língua. O relato e o diário

pessoal aparecem elencados como pertencentes ao domínio interpessoal. Assim os considerei

88

também, partindo do pressuposto que seriam gêneros já escolarizados e artificialmente

realizados; de certo modo, estariam fora de sua situação estabilizada de uso.

As figuras que seguem (Fig. 19, Fig. 20 e Fig. 21) são demonstrativas do primeiro

contato dos alunos com os livros de literatura.

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 19 – Aluna com o livro de literatura escolhido

Figura 20 – Aluno com o livro de literatura escolhido

89

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

Aceitar a sinopse mostrou-me mais uma vez o que foi assumir-me como cartógrafa e

seu critério e princípio (ROLNIK, 2011, p. 65-72): estar aberta para a vida e buscá-la em sua

expansão, que entendo como estar disposta a experimentar o que se acorda como realidade sem

que pense, ingenuamente, que não afetará nada ou ninguém e nem será afetado. O desenho

desse real com seus acidentes e mutações (a minha imposição do autorretrato imagético em

detrimento do perfil escrito requerido por alguns alunos, a rejeição dos alunos ao relato e ao

diário e preferência deles pela sinopse) constitui o registro cartográfico que é este memorial.

Durante seis semanas, perfazendo doze horas-aula, os alunos fizeram a leitura dos livros.

Poucos terminaram antes do prazo. A grande maioria não conseguiu finalizar. Assim sendo,

resolvi enviar os livros para casa de seus leitores num dos vários feriados do período, ainda

mais porque sabia, que entre o final de setembro e o final de outubro, praticamente não teríamos

aulas com dois horários seguidos, já que, às sextas-feiras, a escola estaria fechada devido à

cessão ao Tribunal Regional Eleitoral e aos feriados.

Etapa 2: 2 h/a

Objetivo específico: Verificar e utilizar o conhecimento dos alunos acerca do gênero

sinopse para o primeiro registro escrito.

Figura 21 – Aluna com o livro de literatura escolhido

90

Iniciamos as aulas com a verificação sobre o que os alunos sabiam sobre sinopse. Em

seguida, iniciei uma exposição oral com slides para Powerpoint sobre o assunto e confirmamos

ou não as hipóteses iniciais. Apresentei as sinopses do livro e do filme homônimo A culpa é

das estrelas e fizemos leituras comparativas, destacando aspectos como: para que serve uma

sinopse, a quem esse texto é dirigido, o que é destacado da obra. Abaixo encontram-se as

sinopses.

Sinopse - A Culpa é das Estrelas - John Green

A culpa é das estrelas narra o romance de dois adolescentes que se conhecem (e se

apaixonam) em um Grupo de Apoio para Crianças com Câncer: Hazel, uma jovem de

dezesseis anos que sobrevive graças a uma droga revolucionária que detém a

metástase em seus pulmões, e Augustus Waters, de dezessete, ex-jogador de basquete

que perdeu a perna para o osteosarcoma. Como Hazel, Gus é inteligente, tem ótimo

senso de humor e gosta de brincar com os clichês do mundo do câncer - a principal

arma dos dois para enfrentar a doença que lentamente drena a vida das pessoas.

Inspirador, corajoso, irreverente e brutal, A culpa é das estrelas é a obra mais

ambiciosa e emocionante de John Green, sobre a alegria e a tragédia que é viver e

amar.

Mais informações em: www.aculpaedasestrelas.com

Fonte: Disponível em: <http://www.skoob.com.br/livro/247555-

a_culpa_e_das_estrelas> Acesso em 11 de agosto de 2014.

Sinopse – A culpa é das estrelas: O filme

Não recomendado para menores de 12 anos

Diagnosticada com câncer, a adolescente Hazel Grace Lancaster (Shailene Woodley)

se mantém viva graças a uma droga experimental. Após passar anos lutando com a

doença, ela é forçada pelos pais a participar de um grupo de apoio cristão. Lá, conhece

Augustus Waters (Ansel Elgort), um rapaz que também sofre com câncer. Os dois

possuem visões muito diferentes de suas doenças: Hazel preocupa-se apenas com a

dor que poderá causar aos outros, já Augustus sonha em deixar a sua própria marca

no mundo. Apesar das diferenças, eles se apaixonam. Juntos, atravessam os principais

conflitos da adolescência e do primeiro amor, enquanto lutam para se manter otimistas

e fortes um para o outro.

Fonte: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-218926/ >Acesso

em 11 de agosto de 2014.

Depois apresentei o trailer do filme A culpa é das estrelas para efeito de comparação

com os textos lidos e também o trailer da animação Garoto Cósmico. Propus o exercício de

imaginarmos como seria a história desse garoto apresentado no trailer apenas com o que viram

no vídeo e produzimos coletivamente um pequeno texto nos moldes da sinopse. Sugeri que

assistíssemos à animação já que ficaram curiosos com a história. Não concordaram porque

alguns argumentaram que era um desenho e eles não eram mais crianças, ideia que contagiou a

maioria. Rapidamente ofereci outro filme, Prova de fogo, que foi aceito após dois alunos que

já haviam assistido explicarem um pouco sobre a história. Utilizei esse momento para chamar

a atenção sobre o que os dois alunos fizeram: uma sinopse oral. Combinamos que assistiríamos

ao filme no próximo encontro e que faríamos uma sinopse individual dele.

91

O filme Prova de fogo foi utilizado como sugestão por trazer a história de uma

adolescente americana, estudante de escola pública de periferia, negra e pobre que consegue ser

vencedora do campeonato nacional de soletração nos Estados Unidos. A narrativa é empolgante

e geralmente muito elogiada pelos alunos que se identificam com o perfil da personagem

principal Akeelah Anderson.

Os alunos já conheciam o gênero sinopse e puderam exercitá-lo como produtores ou

interlocutores na oralidade. Por que utilizá-lo para o ensino? Utilizo como argumento o que

Kleiman (2007, p. 4) defende quanto a assumir o letramento como objetivo do ensino conforme

a concepção social da escrita (e da leitura) em que estas são consideradas “práticas discursivas

com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos em que se desenvolvem”, o que contrasta

com a concepção tradicional em que o aprendizado da leitura e da escrita resume-se à aquisição

de competências e habilidades restritas ao uso escolar. Segundo a concepção social da escrita

(e da leitura), a questão norteadora para o professor, durante o planejamento das atividades

didáticas, é “Quais os textos significativos para o aluno e sua comunidade?” já que, dentro dessa

abordagem, as práticas sociais de uso da escrita constituem o eixo estruturante das atividades

cuja escolha não está condicionada apenas à progressão do mais simples para o mais complexo,

mas às necessidades e familiaridades dos alunos.

Ademais, facultar escolhas aos aprendizes valoriza-os e, ao mesmo tempo, atribui-lhes

as responsabilidades acerca dessas escolhas. Acredito que esse seja um dos meios de exercitar

a autonomia entre os alunos, legitimá-los em suas potências. A base da instituição escolar é

contraditória porque não permite que a potência de cada um de seus partícipes seja creditada,

talvez nem percebida e, simultaneamente, pretende empoderá-los e “oferecer-lhes” o

conhecimento. Por existir como ambiente coletivo, a atuação da escola tem um sentido de

homogeneizar e padronizar todos que a frequentam.

Esse tratamento, dentro da escola e da sala de aula, uniformiza e deslegitima, muitas

vezes, seus atores, na medida em que os conteúdos, as metodologias, os recursos e as avaliações

são determinadas sem reputar-lhes o direito a escolhas e decisões quanto ao que é significativo

para si individual e coletivamente.

Etapa 3: 3 h/a

Objetivo específico: Assistir ao filme Prova de fogo.

Apreciação do filme Prova de fogo em dois dias. Fracionar a exibição do filme foi a

alternativa encontrada para compensar a falta de disponibilidade de aulas seguidas num mesmo

dia. Tal atitude tem aspectos positivos, como oportunizar aos alunos que faltaram assistir ao

filme no outro dia de apresentação e permitir comentários entre os alunos acerca do que

92

observaram durante a exibição, e negativos, como a quebra da sequência fílmica e a

consequente perda de informações sobre a história. Ainda assim, o filme foi muito elogiado e

aclamado pelos alunos.

Ao final da exibição, passamos à discussão sobre os aspectos observados como

significativos na história e revisamos os conhecimentos construídos sobre o gênero sinopse.

Também fizemos o planejamento do texto que seria produzido, relembrando as perguntas: O

que farei? Como farei (O que vou destacar? Que variedade da língua vou usar?)? Quem lerá?

Para que farei? Nesta última pergunta, propus que, a partir desse texto, todas as atividades deles

fariam parte de uma exposição que contaria a história de escrita de cada um durante o ano letivo

de 2014. Concordaram e ficamos de discutir como seria a exposição em outra oportunidade. A

produção textual ficou como tarefa de casa.

Ao expor aos alunos mais uma vez o planejamento textual, pretendi que estes

começassem a praticar a produção de seus textos escritos, entendendo-a como um trabalho

(KOCH; ELIAS, 2012, p. 36) no qual o sujeito tem algo a dizer e o faz sempre em relação ao

outro, utilizando, para isso, estratégias linguísticas, textuais, pragmáticas, cognitivas,

discursivas e interacionais num exercício de compor e recompor durante o percurso da

atividade. As perguntas utilizadas para ajudar no planejamento visaram ativar a compreensão

dessas estratégias resultantes dos conhecimentos – linguísticos, enciclopédicos, textuais,

interacionais – construídos por esses alunos sobre a língua que usam e as práticas sociais que

são por ela atravessadas e possibilitadas. Meurer (1997, p. 22-26) defende que a autenticidade

de um texto resulta da utilização dos critérios de textualidade por seu escritor, uma vez que os

referidos critérios funcionam como parâmetros para que aquele texto se constitua como uma

prática social. Acredito que a autenticidade de um texto está permeada por outras características

também, não excludentes, mas complementares, como a implicação de si no que se escreve com

a consciência de que, ao autorizar a leitura de um texto seu, está garantido seu reconhecimento

como sujeito que tem algo a dizer e pode ser valorizado por isso.

Etapa 4: 3 h/a

Objetivos específicos: Socializar as sinopses34 e submetê-las à leitura dos colegas.

Originalmente, a primeira aula dessa etapa era para que os alunos, que quisessem,

lessem suas sinopses diante da classe e que as submetessem à leitura e avaliação dos colegas

em sistema de parceria em duplas. Entretanto, a maioria não trouxe o texto pronto de casa.

Então, propus que fizessem em classe, momento que utilizei para estar mais perto deles,

34 As sinopses sobre o filme Prova de fogo não foram consideradas na análise dos traços autorais, já que nem todos

os alunos fizeram essa atividade.

93

esclarecendo dúvidas, principalmente quanto à grafia dos nomes dos personagens, já que o

filme é norte-americano. Os textos foram finalizados e entregues a mim.

Na aula subsequente, orientei que fariam a leitura dos textos em duplas com o objetivo

de cada um dos colegas ler e avaliar se o texto produzido pelo parceiro era uma boa sinopse

para o filme assistido e se estava em conformidade com o que até então foi discutido:

formatação de texto em prosa (sinopse), pontuação, separação silábica, usos de maiúsculas e

minúsculas. Fizemos lembretes no quadro. Combinamos também que não se poderia riscar o

texto do colega, apenas escrever uma observação no final da página destacando o que o texto

tinha de bom e o que precisaria melhorar, além disso, que se evitasse consultar o parceiro para

resolver dúvidas quanto ao que trazia o texto. Esclareço que as duplas foram escolhidas entre

eles mesmos; pouco interferi. O tempo da aula acabou e orientei que deveriam fazer a reescrita

do texto original de acordo com as observações dos colegas.

Essa atividade pretendeu aproximar os alunos do sentido da escrita como uma situação

de interação, prática de linguagem na qual o outro (interlocutor) que, no momento da escrita,

era virtual, imaginado, agora está presente; é o interlocutor presentificado que, ao ler o texto,

fará suas interpretações. Além disso, a revisão em duplas permitiu que cada um demonstrasse

em relação ao outro e a si os conhecimentos adquiridos em matéria de leitura e de escrita,

espaço-tempo de construção inter e intrapsíquica de saberes (GARCEZ, 2010, p. 80).

Outro aspecto a ser considerado ainda com relação a esta atividade diz respeito ao

combinado anterior de que as atividades da turma seriam publicizadas como histórias de escrita

individuais, o que orientou a vontade de revisar os textos.

Etapa 5: 2 h/a

Objetivo específico: Fazer a segunda reescrita da sinopse do filme assistido a partir das

orientações da professora marcadas no texto e discutidas durante as aulas.

Nessa etapa, a turma foi dividida em duas para que eu pudesse dispensar uma atenção

maior aos alunos para a terceira versão da sinopse. Em cada uma das aulas, iniciei relembrando

o filme assistido; em seguida, orientei-os para a atividade que fariam com os textos que já

tinham reescrito conforme observações dos colegas. Chamei a atenção dos alunos para os

aspectos que motivam uma interação linguística: a intenção, a adequação e a aceitação

(MARCUSCHI, 2008, p. 93-133). Conversamos principalmente sobre o que é um texto dentro

do processo de interação verbal situado e real (o texto como uma forma de dialogar com que o

lê, por isso a escrita deveria estar adequada ao leitor, à situação de leitura). Depois, discutimos

sobre os aspectos para os quais deveriam dispensar atenção durante esta outra reescrita, que

94

deveria ser antecedida por uma leitura atenciosa. Entreguei os textos e eles passaram a ler e a

fazer a nova versão enquanto eu ficava à disposição para as dúvidas eventuais.

A leitura do próprio texto também é o momento em que o escritor assume o status de

interlocutor de sua produção. A consciência desse papel durante a revisão pode potencializar a

capacidade de autoavaliar-se segundo os critérios de intencionalidade, aceitabilidade e

adequação, levando-o a procurar ajustar seu texto aos objetivos e finalidades pertinentes à

pratica de linguagem em que está inserido. Prática de linguagem que se situa em uma dada

prática social cuja natureza dialógica é inerente e pulsante. É de responsabilidade do professor

de Língua Portuguesa, portanto, estimular os alunos a perceber e utilizar com propriedade esse

teor de dialogicidade da linguagem (ANTUNES, 2009, p. 89).

Diante dessa realidade, cabe à escola ensinar os regramentos da produção textual e

também chamar a atenção dos alunos para as possibilidades dessa produção. São regramentos

que devem ser contextualizados e demandados das situações reais de interação verbal

vivenciadas.

Quando defende o estudo da língua-em-função sob a perspectiva dos gêneros, Antunes

(2009, p. 214) propõe que o ensino-aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa privilegie a

gramática da língua, “a gramática requisitada pelos gêneros, em função do que poderia

estabelecer, com mais precisão e muito mais consistência, o alcance das regras e,

principalmente, o impulso para minimizar o estudo das nomenclaturas e das irrelevâncias

classificatórias.” Desse modo, os regramentos assumem significado já que têm uso

contextualizado.

Como foi um dia de aula logo após um feriado, alguns alunos não compareceram e

devido ao cronograma “apertado” não houve tempo de reunir esses estudantes para realização

da mesma atividade.

Em momento posterior a essas aulas, conversei com alguns alunos e perguntei-lhes

como avaliavam essa atividade de leitura e revisão do texto do colega. Alguns revelaram que

gostaram da dinâmica de poder ler e opinar sobre o texto do colega, mas acrescentaram a

dificuldade que tiveram em ler as produções. O que verifiquei, ao observar as orientações

registradas pelos alunos, foi que a maioria pontuou positivamente a produção dos colegas e, em

seguida, abordou aspectos já trabalhados nas aulas anteriores: pontuação, paragrafação, usos de

maiúsculas e minúsculas, acréscimo de mais informações, como elementos da narrativa fílmica.

As reproduções (Fig. 22, Fig.23 e Fig. 24) que seguem permitem uma visão mais detalhada

dessa atividade.

95

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 22 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pela aluna Mirna e revisada pela aluna Diana

96

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 23 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo

elaborada pela aluna Renata e revisada pela aluna Iara

97

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 24 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada pelo

aluno André e revisada pelo aluno Gilberto

98

Além disso, as reescritas, após a revisão dos colegas, constituíram-se de textos mais

organizados quanto à forma, havendo também outros que buscaram adaptar seus escritos com

base nas sinopses prontas encontradas em sites. Atribuo esses procedimentos, que partiram da

iniciativa própria deles, à tentativa de deixar seus textos melhores. Reproduzo alguns textos a

seguir (Fig. 25, Fig. 26, Fig. 27 e Fig. 28):

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 25 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pela aluna Diana e revisada pela aluna Mirna

Figura 26 – Reprodução da segunda versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo

elaborada pela aluna Diana

99

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 27 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada

pela aluna Tatiana e revisada pela aluna Beatriz

100

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Etapa 6: 3 h/a

Objetivo específico: Fazer uma apresentação oral do livro de literatura lido.

Em duas aulas, expliquei-lhes que, no encontro seguinte, faríamos apresentações orais

sobre os livros lidos individualmente. Combinamos como seria a atividade, estabelecendo um

roteiro sobre o que poderia ser falado: título, autor, ilustrador, breve resumo até onde tinham

feito a leitura, expectativa quanto ao término da história. Alguns perguntaram se poderiam

escrever para falar, disse-lhes que, se quisessem poderiam. Depois passamos à exposição sobre

o que é um resumo e como fazê-lo. Exercitamos com dois textos existentes no livro didático,

ambos, narrativas de ficção. Com o primeiro texto, fizemos um resumo escrito coletivo no

quadro, que os alunos registraram nos seus cadernos e com o segundo texto, estimulei que os

estudantes fizessem o resumo oral. Nesse momento, a participação de alguns estimulou a

cooperação de outros. Os textos referidos seguem reproduzidos nas Fig. 29 e Fig. 30 (primeiro

texto) e Fig. 31 e Fig. 32 (segundo texto).

Figura 28 – Reprodução da segunda versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo

elaborada pela aluna Tatiana

101

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Figura 29 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano

102

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Figura 30 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano

103

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Figura 31 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano

104

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012

Na outra aula, organizamos a sala em círculo e os alunos fizeram as exposições. Metade

da turma conseguiu falar sobre os livros. No entanto, nenhum dos alunos trouxe o texto pronto

e escrito. Combinamos que os outros poderiam apresentar o livro na aula seguinte.

Figura 32 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano

105

Etapa 7: 3 h/a

Objetivos específicos: Continuar com as exposições orais sobre os livros e sistematizar

o gênero sinopse.

Começamos com as exposições orais sobre os livros; poucos alunos quiseram

apresentar-se porque disseram-se tímidos. Em seguida, conversamos sobre a atividade

desenvolvida: um exercício para a produção escrita que fariam sobre os livros: a sinopse. A

partir dessa conversa, fiz nova exposição participada sobre esse gênero, destacando os tempos

verbais característicos, presença de adjetivos e substantivos e exercícios para classe.

Etapa 8: 2 h/a

Objetivos específicos: Orientar a produção da sinopse e combinar os critérios de

empréstimo dos livros e data de entrega do texto.

Devido aos feriados previstos e não previstos sempre recaindo sobre os dias de uma e

duas aulas, combinei com os alunos que não haviam terminado a leitura do livro para que o

levassem para casa durante o feriado e os dias subsequentes e concluíssem o processo. Logo

depois, definimos que a produção da sinopse seria extraclasse com entrega marcada para o dia

de devolução do livro, dali a dez dias. Relembramos também a necessidade de planejamento

para a escrita, reforçando os princípios já discutidos nas produções anteriores: Quem lerá o

texto? Em que situação? O que, como e para que vou escrever?

Etapa 9: 2 h/a

Objetivos específicos: Entregar os livros e as produções escritas e organizar a exposição

das atividades.

Poucos alunos compareceram à escola após os dias de feriado; logo, a devolução dos

livros e a entrega dos textos foi bem fracionada. Fizemos um esboço da exposição combinada

no início do ano letivo e deixamos para concluir o planejamento quando a classe tivesse maioria

de alunos.

Após esse dia, ficamos uma semana sem aulas, devido à paralisação dos funcionários

que trabalham em regime de terceirização e que, no CEMMB, são responsáveis pela limpeza,

organização dos corredores, preparo da merenda e trabalhos administrativos na secretaria.

Etapa 10: 2 h/a

Objetivo específico: Reescrever a sinopse do livro.

Após a entrega da maioria dos textos, fiz a devolutiva e, durante a orientação para a

reescrita, percebi que muitos já o faziam ou procuravam os colegas para mostrar-lhes a primeira

versão. Fizemos uma parada e quis saber o motivo, a necessidade de reescrever um texto.

Respostas como: “Para consertar o que está errado.” (Renata), “Para ver se o que eu queria dizer

106

eu disse.” (Ian) e outras semelhantes foram as que mais ocorreram. Perguntei-lhes por que

tinham acrescido a opinião nas sinopses. Ficaram espantados e questionaram aqueles que a

tinham feito se não era para dar a opinião sobre o livro. Disse-lhes que não havia problema;

eles só haviam feito algo parecido como uma resenha, o que demonstrava “um diferencial”

neles. Foi visível a satisfação de uns e a pressa dos outros alunos em reescrever e inserir suas

opiniões.

Marcuschi (2008, p. 154) defende o princípio da impossibilidade de se comunicar

verbalmente sem que seja através de textos que se materializam em gêneros, o que o aproxima

teoricamente de Antunes (2008) e Koch e Elias (2012) já que essas autoras também pensam os

gêneros dessa forma e acreditam que o trabalho em salas de aula de Língua Portuguesa deve

fundamentar-se na abordagem dos gêneros como mecanismos de interagir social, cultural e

historicamente e transformar(-se) pela língua. Por concordar com os autores referidos,

considero a reflexão de Marcuschi (2008, p. 154) – “os gêneros textuais operam, em certos

contextos, como forma de legitimação discursiva, já que se situam numa relação sócio-histórica

com Fontes de produção que lhes dão sustentação além da justificativa individual” – como

oportunidade para entender o movimento de inserção da opinião sobre os livros nas sinopses.

A hipótese é que a existência do gênero, conforme a teoria de Bakhtin (2011), como tipo

relativamente estável de enunciado, escolhido pela esfera, pela necessidade temática, pelo

participante da interação e pelo desejo ou pela intenção enunciativa do locutor já se encontra

em certo domínio pelos alunos que, munidos dos conhecimentos, sentiram-se autorizados a

trabalhar a plasticidade desse instrumento.

Etapa 11: 2 h/a

Objetivo específico: Planejar a exposição com as atividades dos alunos.

Nos dois horários de aula, a intenção era planejar definitivamente a exposição com as

atividades dos alunos. No entanto, esse era o dia de divulgação dos resultados (notas) da IV

unidade didática, o que causou grande desconcentração nos alunos. Conseguimos definir a data

para a exposição, assim como as equipes de trabalho (organização, decoração, comunicação).

Na aula seguinte, tivemos que rever a data, já que o calendário escolar sofreu uma

modificação com a diminuição de dias e os alunos que estavam aprovados seriam dispensados

para as férias uma semana antes do prazo previsto. Após expor a situação e verificar quem

poderia ainda permanecer na escola para o evento, decidimos adiar a exposição para a primeira

ou segunda semana de aula do ano letivo 2015.

Acredito necessário acrescentar os desdobramentos das atividades desenvolvidas

anteriormente. Durante a IV unidade, os alunos insistiram na leitura do segundo livro, o que

107

fizemos. Os livros foram escolhidos e eles os leram seguindo as mesmas regras da primeira

rodada. No entanto, não foi preciso adverti-los quanto ao modo de trabalho a partir das leituras.

Alguns alunos logo perguntaram: “O que a gente vai fazer dessa vez?” (Gilberto), “O que a

gente vai escrever? Uma sinopse? Então é muito fácil.” (Ian). Respondi que a sinopse poderia

ser feita, mas faríamos algo mais interessante: um relato de leitura. Expliquei-lhes como seria:

em intervalos semanais ou quinzenais, eles teriam que escrever sobre o livro e eu daria as folhas

específicas para isso.

Começamos pela capa do livro; comentamos sobre a importância do título, dos nomes

do autor e do ilustrador, da ilustração presente, chamei-lhes atenção para as intenções presentes

nessa parte; distribuí as folhas e orientei que fizessem a capa. Em seguida, lancei as perguntas:

“Por que você escolheu esse livro?”, “O que você espera dessa leitura?” As respostas foram

registradas por eles na segunda página da folha dobrada. Depois retomaram a leitura do dia. No

final da aula, os alunos foram orientados a registrar na folha colorida a data da leitura, a página

em que pararam e o que mais quisessem. No encontro de leitura seguinte, eles leram e

continuaram a fazer a capa do relato.

No outro encontro, lancei as questões para serem respondidas em mais uma folha

colorida e dobrada ao meio: “Até agora, qual a sua opinião sobre o que leu?”, “ Sobre o que o

livro trata?” Observei que a maioria dos alunos não dava muita importância à escrita porque se

detinha mais na leitura. Propus então que expusessem oralmente, na próxima etapa, as respostas

dadas às perguntas. Assim o fizemos, com a exposição de alguns já que nem todos quiseram

participar e boa parte pediu para voltar a ler os livros.

Após mais um encontro para leitura, propus a questão: “O conteúdo do livro tem se

mostrado interessante? Explique e exemplifique.” Com a sala organizada em círculo, os alunos

responderam conforme o interesse de cada um. Orientei-os para que registrassem na outra folha

colorida dobrada as questões e os comentários individuais.

Esse seria o penúltimo encontro para leitura; porém, tivemos que acrescentar mais dois

porque grande parte dos alunos não estava próxima de finalizar a atividade (leitura). Portanto,

no outro encontro, lancei a questão: “Como você avalia a experiência de leitura desse livro?

Conte para a escola.” Discutimos que essa questão era a última e que deveriam respondê-la,

preferencialmente, após terminar de lerem os livros. Um aluno perguntou se era para fazer um

resumo e o colega respondeu: “A gente não faz resumo, faz sinopse.” (José). Orientei-os que

poderiam fazer uma sinopse, mas deveriam dar a opinião sobre o livro atual e, se quisessem,

sobre o livro lido anteriormente. Falamos outra vez sobre como planejar o texto. Ficaram mais

dois encontros lendo e escrevendo.

108

No penúltimo encontro, um aluno, que durante o último bimestre do ano letivo pouco

compareceu à escola, vendo os colegas com as folhas coloridas e com os livros comentou: “Essa

professora é esperta. Fez todo mundo escrever um livro sobre o livro.” (Leon). Os alunos que

estavam mais dispersos, ouviram a consideração do colega e percebi que tomaram

conhecimento ali que haviam construído um livro. Interferi perguntando se eles acharam ruim,

ao que responderam e afirmaram categoricamente que não. No último encontro de leitura, foi

visível a preocupação em organizar o trabalho. Antes de entregar para avaliação, perguntei-

lhes: “Como se sentiram escrevendo um relato de leitura? Utilizaram o que foi discutido nas

aulas para construir o livro?” No entanto, os alunos queriam mostrar para os colegas seus

trabalhos. Então, propus que fizéssemos um círculo e expusessem sobre eles. Assim o fizeram

de forma descontraída. Um dos alunos perguntou: “Professora, a senhora vai ser professora da

gente no próximo ano?” (Roberto). Respondi que não sabia, mas gostaria e quis saber o motivo.

“Para a gente poder ler mais livros e fazer isso (apontou para o livro).” (Roberto). “Gostaram

da atividade? Poderíamos então colocá-las na nossa exposição?”, perguntei. Concordaram em

sua maioria e ficou acertado que seria mais uma atividade para a exposição.

A realização do segundo momento de leitura aconteceu a pedido dos alunos. A produção

escrita por etapas teve por objetivo mostrar a eles que poderiam escrever um relato pessoal sem

preconceito e com a finalidade de expor para a escola por que os livros que leram eram

recomendados ou não. Não houve tempo para a reescrita dos textos produzidos nos “livros”;

porém, durante os registros escritos ocorridos nas aulas, os alunos esforçaram-se para a escrita

adequada, uma vez que era frequente virem a mim resolver dúvidas, além de consultar os

colegas. Além disso, após definirmos que a produção faria parte da exposição, um aluno de

nome Roberto perguntou: “Mas a gente vai reescrever tudo antes, né?”. “Sim, na primeira

semana de aula do próximo ano letivo, faremos a reescrita, pelo menos, do último texto. Pode

ser?” (Professora-pesquisadora). “E quem perder de ano, vai participar?” (Karina). “Claro que

sim. Nós organizaremos. Fiquem tranquilos.” (Professora-pesquisadora). As aulas já haviam

acabado, as produções foram entregues a mim, alguns com muito cuidado depositavam na mesa,

outros até beijaram-nas...

Os livros produzidos encontram-se representados nas Fig. 33 e Fig. 34 seguintes:

109

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 33 – Livros produzidos pelos alunos do 6º ano B

Figura 34 – Livros produzidos pelos alunos do 6º ano B

110

A vontade de ler, a consciência de que sua escrita é reconhecida, a importância

concedida ao outro e ao futuro foram as atitudes dos alunos observadas por mim como

construções empreendidas durante a intervenção. Acredito que a preocupação inicial em ser

obrigado a escrever muito não se materializou durante as aulas pela maioria dos alunos. Pondero

que a escrita não era um problema para eles desde o início, como eu havia pressuposto. As

negativas quanto a escrever se deram para refutar aquilo que não lhes servia: a escrita sem

contexto, desprovida do caráter de prática social.

Se os alunos do 6º ano B entendem a escrita como forma de interação com o outro, as

propostas levadas, em princípio, por mim não significaram a oportunidade de interação.

Percebo que, ao se negarem a aderir a elas, eles exerceram a autonomia...

Outro aspecto observado é que, diante das respostas dadas no questionário – 76,5%

consideram a leitura muito importante – a valoração creditada à leitura está atrelada ao conteúdo

de prazer que ela pode proporcionar, mesmo em situação de atividade escolar.

Diante disso, considero que, nessa segunda sequência didática, apropriei-me um pouco

mais do proceder etnográfico, destituindo-me, em parte, do status de poder decidir

individualmente o que deve acontecer com a coletividade. Em sala de aula de Língua

Portuguesa, assumir essa postura significa começar a conceber o processo de ensino-

aprendizagem sob outra perspectiva, a que leva em consideração as vicissitudes do campo,

aprende a compreendê-las e a interagir com elas.

Ter a consciência de meu limite de atuação dentro do que propus como intervenção e

ainda de que minhas preocupações se resumiam no princípio defendido por Freire (1996, p. 38)

– “é que o trabalho do professor é o trabalho do professor com os alunos e não do professor

consigo mesmo” – constitui um dos legados da intervenção e da escrita deste memorial.

111

4 CARTOGRAFIA DOS ACHADOS

4.1 Autonomia e autoria

A ética de cartógrafa que me orienta a perceber o quanto a vida se expõe a minha escuta

e o quanto estou disposta a ouvi-la, também me norteia a registrar a história de escrita dos meus

alunos durante o ano letivo de 2014. Nesse desenho cartográfico, percebo, de acordo com as

posturas e produções, a autonomia que eles foram revelando em relação à escrita e, de uma

maneira mais ampla, ao estar na escola. A autonomia para refutar o que não lhes faria sentido

escrever, para escolher o que julgaram pertinente, para lançar-se na prática da escrita na escola

e a todos os seus regramentos, inclusive da reescrita.

Percebo que houve um querer assumir a aventura de fazer tudo de novo e a mostrar-se

ao outro através de seus escritos. No início, poucas foram as vezes em que alguns, ao entregarem

as suas produções, colocaram-nas por baixo das que lá estavam ou advertiram que não deveriam

ser lidas imediatamente. Depois, com o decorrer do ano letivo, os alunos depositavam seus

textos sem o receio da minha intervenção sobre eles. A assunção de demanda e a construção da

autoridade constituem formas de vivenciar as aulas advindas das decisões que tomaram e suas

consequentes responsabilidades. Decidiram escrever sinopse e responsabilizaram-se em fazê-

lo conforme os critérios de intencionalidade, aceitabilidade e adequação (MARCUSCHI, 2008,

p. 93-133) que pretendiam e que foram requeridos pelo contexto.

Escreveram e reescreveram porque sabiam que seria para o outro da comunidade

escolar, não apenas para a mecânica da correção pela professora. A possibilidade de

reconhecimento instigou-os a buscar uma escrita que lhes representasse como o que eram:

leitores de literatura juvenil que requereram e garantiram um tempo-espaço para seu dizer na

escola.

A escola é, em sua essência, lugar da disciplina, da homogeneização que individualiza

cada um dos seus partícipes, estabelece para eles sanções, graus de avanço ou estagnação

conforme seu desempenho individual em exercícios que separam por categorias de aptidões. É

assim com a separação dos conteúdos em disciplinas, dos alunos em filas, do tempo pedagógico,

dos exercícios que classificam conservando-os na mesma classe ou promovendo-os à classe

seguinte. Toda a estrutura da escola vem organizada com o intuito de controlar os indivíduos e

orientá-los conforme interesses de uma instância maior que, geralmente, não lhes representa

como deveria.

112

Desse modo, acredito que estimular a autonomia dos alunos, estar disposta a ouvir e

apreender seus interesses, principalmente no que diz respeito ao trabalho com língua,

dessacraliza, de certa forma, a escrita escolar como uma obrigação sem sentido. Penso que lhes

oferece também um ambiente propício para que entendam o lugar que ocupam e o que pode ser

conquistado para além desse lugar. Foi perceptível também o deslocamento de concepção dos

aprendizes acerca da escrita na escola. Antes vista como existente apenas nos exercícios dos

livros didáticos ou dos cadernos, passa a ocupar um lugar de autoria. Trata-se de autoria como

uma vivência de quem se sente empoderado e capaz de se expor para a comunidade escolar

através da escrita com sentido, autorizando-se e autorizando o outro a interagir pela linguagem.

A observação dos textos produzidos pelos alunos, especificamente os autorretratos e as

sinopses dos livros, leva-me a interpretá-los35 sob duas perspectivas: uma que abrange a prática

exaustiva de exercícios na escola e outra que define a escola como o lugar que propicie o aluno

a passar de enunciador para autor.

Segundo Foucault (1987, p. 117-194), a escola é “aparelho de exame ininterrupto”

porque tem em sua base a disciplina com a repetição de tarefas cujo objetivo é comparar para

medir e sancionar, normalizando os alunos, tornando-os hábeis para tarefas definidas a priori

ou excluindo-os36. A produção textual nas aulas de Língua Portuguesa, conforme a realidade

que tenho visto nas escolas em que estive nesses últimos anos, segue esse padrão e resume-se

ao treino de habilidades para obtenção de notas classificatórias, já que tem como fundamento a

ideia de que a prática exaustiva é a responsável única pelo sucesso na escrita.

Acredito que, ainda assim, essa organização não “apaga” o aluno em sua forma de dizer

e de se posicionar contra a ordem vigente. Tomo como exemplo a recusa de alguns alunos, já

referida anteriormente, diante de atividades que propus e não faziam sentido para eles. Diante

dessa situação, algumas questões ocorrem: Se não fossem esses alunos, os outros teriam

aceitado os projetos de escrita trazidos por mim? E como seriam os textos escritos pelos alunos?

Seriam meros produtos de enunciadores?

Orlandi (2008, p. 80-81) indica que “a escola deve propiciar a passagem

enunciador/autor de tal forma que o aprendiz possa experimentar práticas que façam com que

ele tenha o controle dos mecanismos com os quais está lidando quando se escreve.” Cabe ao

professor de Língua Portuguesa compreender que a sala de aula é lugar para entendimento e

35 Refiro-me à interpretação que se põe como uma injunção, conforme Orlandi (2012, p. 64): “face a qualquer

objeto simbólico, o sujeito se encontra na necessidade de “dar” sentido, construir sítios de significância”. 36 Possenti (2011, p. 21) também comenta sobre essa função excludente e punitiva da escola: “A alteração dos

rumos políticos poderia produzir como um de seus efeitos que a escola não continuasse sendo tão grosseiramente,

pelo menos, uma maquinaria destinada a excluir, para usar termos de Foucault.”

113

uso da língua-em-função (ANTUNES, 2009, p. 37), atividade social com objetivo de interação

e intervenção humana, e que deve ser possibilitado aos alunos agir autonomamente, decidindo

por que, para que e como fazer uso das textualidades.

Acredito que ter esse olhar duplicado orienta-me a inferir que a autonomia dos alunos

também foi transposta para seus textos escritos. A negação cedeu lugar para a interposição de

sua marca, sua forma de dizer dentro do que já está dito. A preferência por escreverem sobre si

(autorretrato escrito) e por falarem sobre o livro lido (sinopse) deu-lhes a oportunidade de se

fazerem ler, ouvir e entender mais uma vez e, consequentemente, serem legitimados por isso.

Compreendo esse fazer dos estudantes como uma vivência autoral consequente do grau de

autonomia que exerceram.

Quando penso em autoria em textos produzidos por alunos do Ensino Fundamental,

concordo com o posicionamento de Orlandi (2012, p. 69) para quem o autor é aquele “que

consegue formular, no interior do formulável, e se constituir, com seu enunciado, numa história

de formulações”. O tratamento que os alunos dispensaram aos gêneros escolhidos por eles

demonstra a apropriação, o grau de letramento que dispunham e culminou com a produção de

sentidos outros para uma escrita escolarizada. Esse deslocamento proposital na escrita de

gêneros apresenta-se com a intenção de criar efeitos de sentido para o leitor com quem se

estabelece uma relação de cumplicidade. Tfouni (2010) – assim como Orlandi (2012) – , utiliza

os princípios da Análise do Discurso segundo Pêcheux e define autor como:

aquele que estrutura seu discurso (oral ou escrito) de acordo com o princípio

organizador contraditório, porém necessário e desejável, que lhe possibilita uma

posição de autorreflexibilidade crítica no processo de produção de seu discurso […]

fato este que provocaria, no próprio texto, um retorno constante à forma como aquele

sentido está sendo produzido, sem que isso impeça que ele seja constantemente

produzido. (TFOUNI, 2010, p. 43)

Acredito que a autorreflexibilidade crítica no processo de produção dos textos pode ser

fortalecida no momento em que os estudantes retomam seus textos e reescrevem-nos. A

consciência de que suas intenções com a escrita estão ali demonstradas e a necessidade de

aceitação por parte de seu interlocutor leva-o a adequar o seu dizer até que consiga a

cumplicidade referida e a certeza de que suas intenções foram concretizadas.

Estou convencida de que a prática de voltar constantemente ao que escreve para colocar-

se no lugar do leitor e antecipar a interlocução está relacionada ao perfil de autor referido por

Bakhtin (2011, p. 191-192) como aquele “que é para o leitor o conjunto de princípios criativos

que devem ser realizados, a unidade dos elementos transgredientes da visão”, que possui o

114

“excedente de visão e conhecimento” (BAKHTIN, 2011, p. 11)37, por isso é essencial e

constituído de autoridade diante do leitor na condução de sua leitura. Condução esta que se

forma como o princípio contraditório referido por Tfouni (2010). O autor tem sua existência

fundada na relação entre a ilusão de imaginar-se como a origem de seu dizer e de pretender que

aquilo que diz seja a tradução literal de seu pensamento com outra ilusão, a de construir um

produto linear, coerente, coeso.

Saber que suas produções seriam publicizadas, expostas para a comunidade escolar,

provocou nos alunos o desejo de interagir mais incisivamente com o provável leitor dos seus

textos? Respondo afirmativamente quando considero a presença nas produções da necessidade

de conversar com esse possível leitor. Isso demonstra que o escritor voltou ao texto, assumiu a

condição de leitor e escreveu de modo a convencê-lo, a tornar o seu discurso aceito. O texto

escrito assume a condição de conversa mais íntima com seu leitor. Compreendo essa atitude

como um “movimento de criação de sentido” (ROLNIK, 2011, p.37), “indício da autoria”

(POSSENTI, 202, p. 121) enquanto exercício de antecipar-se à interlocução, revendo seu dizer

e adequando-o ao suposto perfil de seu interlocutor.

Nos textos, observo que essa conversa mais íntima ocorreu com o uso de expressões

mais frequentes na modalidade oral e coloquial da língua e também presente em gêneros

usualmente originários das redes sociais e do domínio discursivo interpessoal. Os excertos que

seguem são exemplos do referido uso ( Fig. 35, Fig. 36, Fig. 37, Fig. 38 e Fig. 39):

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

37 Bakhtin desenvolve sua visão acerca da autoria em textos literários, porém achei pertinente trazê-la como

fundamento para análise dos textos escritos pelos alunos, uma vez que, em todo o processo de escrita dos textos,

a consciência de que há um princípio da dialogicidade no uso da linguagem foi trabalhada.

Figura 36 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito do aluno André

Figura 35 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito do aluno Alex

115

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Ocorrências como as exemplificadas e outras como: “e isso foi a minha história”

(Gilberto); “Bom, essa é minha vida, espero que tenha gostado” (Roberto); “Essa é a minha

vida” (Lucas); “Muito obrigado pela oportunidade.” (Leon) estão presentes em 56% (19 dos 34

textos) das produções entregues pelos alunos. A inserção dessas marcas provoca um

deslocamento na concepção de que a escrita, na escola, deve seguir apenas o padrão formal da

língua para que seja reconhecida. Até mesmo depois da reescrita, que nessa fase e nas outras

que se seguiram, significou chamar a atenção para os critérios de intencionalidade,

aceitabilidade e adequação dos escritos, as expressões permanecem.

Possenti (2002, p. 105) entende a autoria como “um efeito simultâneo de um jogo

estilístico e de uma posição enunciativa” engendrados por quem escreve; portanto, a percepção

acerca do potencial autoral de um texto (um bom texto) depende da compreensão de como este

foi construído. Há que se ler desmontando o texto para que se possa estabelecer a relação entre

o modo como foi construído e os efeitos de sentido que produz. Assim, o autor sugere:

Penso que um texto bom só pode ser avaliado em termos discursivos. Isto quer dizer

que a questão da qualidade do texto passa necessariamente pela questão da

subjetividade e de sua inserção num quadro histórico – ou seja, num discurso – que

lhe dê sentido. O que se poderia interpretar assim: trata-se tanto de singularidade

quanto de tomada de posição. (POSSENTI, 2002, p. 109)

Figura 39 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito da aluna Anita

Figura 37 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito do aluno Ian

Figura 38 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito da aluna Mirna

116

As análises dos textos produzidos pelos alunos do 6º ano B seguem essa orientação.

Busco traços de singularidade e de tomada de posição no dizer presente nos textos escritos

desses estudantes. O dizer a que me refiro é o discurso “como um tipo de sentido – um efeito

de sentido, uma posição, uma ideologia – que se materializa na língua, embora não mantenha

uma relação biunívoca com recursos de expressão da língua”. (POSSENTI, 2009, p. 16).

Fundamentando-me nesse conceito é que sugiro que as expressões destacadas nos excertos

anteriores buscam singularizar o discurso que intenciona a legitimação de seus pares.

Durante as reescritas, preferir deixá-los livres quanto ao acréscimo, à supressão ou à

mudança de foco foi uma estratégia utilizada que considerei positiva. Ao sinalizar nos textos e

tornar motivo das aulas questões como organização de margens, pontuação, separação silábica,

usos de maiúsculas e de minúsculas, pretendi que não fossem impactados de modo negativo

quanto à primeira escrita. Ademais, o conceito de texto bem escrito está longe do formato de

uma produção em que não aconteçam equívocos em relação ao uso da língua. A escola e o

professor têm a dupla função de valorizar os conhecimentos trazidos pelos alunos e

proporcionar a aquisição de outros a partir do eles já sabem.

Com base nessa premissa, vejo que esse papel do professor como mediador não se

configura como algo fácil de cumprir, já que as fórmulas prontas não funcionam e o modelo de

escola que temos não permite, muitas vezes, a quebra de paradigmas já tão cristalizados. O

processo de ensino-aprendizagem pertence ao humano e, como tal, tem a possibilidade de ser

adaptado, refletido, replanejado e refeito conforme o contexto em que se faz presente. A

sensibilidade para a constatação e a coragem para iniciar a mudança de concepção são os

pressupostos necessários ao desempenho da referida mediação.

Acredito que a pressuposição acerca da possibilidade de reconhecer indícios de autoria

em textos escolares seja um movimento em busca dessa mediação que se apoia na valoração

positiva do que os alunos fazem e encontra formas de mostrar que existem outros modos de se

representar pela língua.

Na produção da sinopse sobre o livro de literatura lido individualmente, também percebi

a validade desse movimento. Os alunos, ao serem confrontados com a obrigatoriedade de um

retorno escrito sobre a obra que leriam, propuseram “falar sobre o livro”, ao que retorqui que

seria uma sinopse, gênero que alguns mostraram conhecer de outro lugar fora da escola, um

recurso de TV por assinatura. Por já ter conhecimento sobre o gênero e perceber significado

nele, os alunos sentiram-se seguros para fazer na escola o que já lhes era habitual, o que gerou

um grau maior de motivação para uma produção escolar. Ainda, quando aceitei a sugestão, a

117

turma sentiu-se, de certo modo, livre, valorizada e empoderada para dizer o que já sabia. A

escolha da sinopse também pode ser vista como uma tomada de posição acerca do que se quer

aprender. Mesmo sendo o já conhecido, os alunos sabem que virão outros conteúdos a partir

dali e preferem utilizar o que já conhecem como elemento de partida para o desconhecido, o

que representa autonomia.

A escolha de livros adequados à faixa etária, com um certo apelo midiático e narrativas

em primeira pessoa foi um procedimento oportuno para motivá-los à leitura tão desconfortável

em classe. Serviu-me como apoio a ideia proposta por Cosson (2006, p. 65) quanto à leitura

que faz sentido:

quando interpretamos uma obra, ou seja, quando terminamos a leitura de um livro e

nos sentimos tocados pela verdade do mundo que ele nos revela, podemos conversar

sobre isso com um amigo, dizer no trabalho como aquele livro nos afetou e até

aconselhar a leitura dele a um colega ou guardar o mundo feito de palavras em nossa

memória.

Os alunos anteciparam-se à leitura, propondo essa “conversa” sobre o que leriam e que

foi moldada como sinopse; porém, o gênero não deixou de ter um tom de diálogo com o

interlocutor. A leitura desses textos revelou a permanência da marca de interação identificada

nos autorretratos escritos e a inserção de opinião acerca dos livros. Nos 30 textos entregues, 22

exemplares contêm opiniões, às vezes, explícitas, outras apoiadas nas expressões que buscam

a interação com o leitor. Entendo que todo uso da língua está condicionado às escolhas

linguísticas que determinam o posicionamento de quem escreve ou fala. No entanto, o que trago

são amostras de uma tomada de posição mais explícita, seja pela eleição de termos em

detrimento de outros, seja pela organização dessa parte do texto em lugar de destaque (com

uma linha em branco acima). Reconheço nesse fazer dos alunos a apropriação do gênero sinopse

como viés para exposição da sua própria marca, tentativa de individualizar o discurso e

delimitar o seu lugar nele. Os excertos seguintes (Fig. 40, Fig. 41, Fig. 42) são demonstrativos

do que há nos textos:

118

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 41 – Primeira versão da sinopse sobre o livro elaborada pela

aluna Beatriz

Figura 40 – Segunda versão da sinopse sobre o livro elaborada pela aluna Iara

Figura 42 – Segunda versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Gilberto

119

Os textos (Fig. 40, Fig. 41 e Fig. 4238) trazem três situações observadas no processo de

escrita e reescrita dos mesmos: a primeira, diz respeito aos textos em que a tentativa de interação

maior com o leitor foi inserida na segunda versão; a segunda, aos casos em cuja primeira versão

já constavam explicitamente a opinião e a marca de interação com o leitor que raramente foram

suprimidas na segunda versão e a terceira, nas quais a opinião foi inserida na segunda versão.

Retomo o ponto de vista de que a reescrita dos textos, após a revisão, levou-os a

pretender a legitimação percebida nos textos dos colegas lidos em classe e valorados

positivamente pela maioria. A singularidade e o estilo podem ser percebidos no ir e vir do texto

que se escreve e se reescreve, onde se acrescentam ou se eliminam detalhes que aproximem o

interlocutor de seu autor. Adoto aqui a definição de estilo como a seleção dos recursos

linguísticos que é feita de acordo com as possibilidades disponíveis na língua, ainda que,

conforme Fiad (2008, p. 221), não há como considerar estilo desvinculado dos gêneros do

discurso.

A autoria relacionada ao processo de escrita e reescrita, parece estar relacionada à

recognição, definida por Souza (2000, p.21) como processo de construção de um novo saber a

partir do confronto entre os saberes que uma pessoa já possui e outras informações, concepções

e pensamentos. Berthoff (2011, p. 20-23) define a recognição como ato fundamental da mente,

o exercício de olhar, de fazer novamente. Também associa-a à reinvenção e ambas são

responsáveis pelas analogias e disanalogias que compõem o processo de significação do mundo.

O que é, então, o registro escrito senão uma forma de (re)significar o mundo? Penso que a

(re)significação ocorrida a partir do exercício da autonomia constitui-se como um espaço-tempo

propício ao dizer autoral.

Acrescento mais alguns excertos para a comparação entre as versões. No primeiro (Fig.

43), a primeira versão da sinopse sobre o livro A Maldição do Titã, o aluno provoca uma

interação explícita com os interlocutores: “se quiserem uma historia boa de verdade leiam o

livro Maldição do titã (sic)”. No segundo (Fig. 44), ele reescreve seu texto, reorganizando a

forma e as ideias, além de suprimir a interação explícita com o interlocutor, entretanto, não o

38 Segue a transcrição do texto de Gilberto (Fig. 42):

“Sinopse

Fala serio pai

A sinopse a de fala serio pai começa quando o nene esta na barriga depois e na maternidade, ai vem 2 (meses, a

fralda, 6 meses, o coco gigante 2 anos, nao e a mamãe 3 anos. Duvido Dor no coraçao tricolor, 4 anos e o judô

perguntas e mais perguntas e etc…

Esse livro otimo gostei mas tem o problema eque não tem as coisas que eu queria que tivesse faltou muita coisa.”

120

ignora, já que expressa sua opinião sobre o livro: “Eu acho esse livro muito bom. novos semi

deuses e com uma batalha epica esse livro é epico. Uma aventura com Monstros semi deuses

deuses e ciclope e um acampamento que e o bicho esse eo Resumo do livro. Maldição do titã

(sic).”

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

Fonte: Acervo pessoal da professra-pesquisadora

Figura 43 – Primeira versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Sílvio

Figura 44 – Segunda versão da sinopse sobre o livro lido elaborada pelo aluno Sílvio

121

No texto seguinte (Fig. 4539), o aluno escreve sua sinopse a partir do que considera

relevante na história de O diário de um Banana: Rodrick é o cara!; no entanto, na segunda

versão do mesmo texto (Fig. 46), ele burila um pouco a grafia e adequa a forma, além de

adicionar, no final, a opinião e a interação explícitas: “e o livro pra mim e muito bom e espero

que voces gostem” (sic).

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

39 Segue a transcrição das produções escritas de Eduardo (Fig. 45 e Fig. 46) na ordem em que estão no texto:

“Sinopse: Diario de um banana

Rodrick É o cara!

O diario fala de um menino chamado Greg Relfey que não perdoa ter gostado das suas ferias de verão. e seu irmão

mais velho chamado: Rodrick ele não se dava bem com o seu irmao Greg e só viviam brigando. apesar que Greg

e fasia as suas aulas de natação com o seu irmao Rodrick e mesmo assim ele não parecia ter gostado muito dessas

suas ferias de verão e assim segue a Historia.”

“Diario de um banana

Rodrick e o cara!

O diario fala de um menino chamado greg Helfey que não pareca ter gostado das suas ferias de verão. E seu irmão

mas velho chamado Rodrick ele não se dava bem com o seu irmão greg e fasia as suas aulas de natação com o seu

irmão Rodrick e mesmo assim ele nao pareca ter gostado munto dessas suas ferias de verão e assim segue a

Historia.

e o livro pra mim e muito bom e espero que voces gostem.”

Figura 45 – Primeira versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno

Eduardo

122

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

Ao escolher utilizar em seus textos a opinião explícita sobre o livro lido e/ou a interação

direta com o possível leitor, os alunos provocaram uma reestruturação no modelo de gênero

trabalhado. O conhecimento acerca do gênero também autorizou esses estudantes a trabalhar a

plasticidade do modelo. Julgar essa escolha como um erro ou não aprendizado do conteúdo é

negar o conceito de gênero discursivo proposto por Bakhtin (2011, p. 262): enunciado

relativamente estável, escolhido conforme a esfera, a necessidade, o participante da interação,

o desejo ou intenção enunciativa. Fiad (2008, p. 233) propõe que atitudes como essa dos alunos

do 6º ano B podem ser entendidas como “resultado das relações intergenéricas que indicam a

circulação dos sujeitos por diferentes esferas de atividade humana onde os gêneros são

produzidos” e isso, a meu ver, demonstra como as práticas de letramento em que os alunos

estão inseridos influenciam na vivência das práticas escolares de uso da língua. Ao retomar os

dados obtidos com a aplicação do questionário, constato que a utilização frequente da escrita

em mídias de relacionamento (WhatsApp e Facebook) pode ser um fator determinante para esse

fato. No questionário aplicado, a questão: “Onde você mais escreve?” revelou que 22 dos 34

alunos (64,7%) utilizam o computador e 11 (32,4%) o celular.

Penso que, nesse contexto, há a singularização das práticas de escrita delimitadas pelas

configurações de suas histórias de vida, das práticas e atividades experienciadas em seus

cotidianos as quais encontram-se circunscritas “ao contexto sócio-histórico que emoldura” suas

existências (VÓVIO; SOUSA, 2005, p. 43-44).

Quando proponho observar se os textos elaborados pelos alunos do 6º ano B são

autorais, intenciono principalmente fazer esses alunos perceberem e internalizarem que a escola

pode ser um espaço para interação entre os conhecimentos que eles já trazem de outros espaços

Figura 46 – Segunda versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Eduardo

123

e aqueles que são direcionados por essa instituição. Mais do que isso: vislumbro que essa

interação deve significar um posicionamento autônomo na direção de poder participar

ativamente da escolha sobre o que é necessário aprender. Seria essa uma forma de democratizar

o processo de ensino-aprendizagem?

No contexto de produção escrita (e também oral) que descrevi até aqui, pretendi

demonstrar como é possível um ambiente em que os usos da língua nas aulas de Língua

Portuguesa sejam autorais. Ao pressupor a existência de autoria no dizer dos alunos do 6º ano

B matutino do CEMMB, busquei fundamentação em ideias que significam um deslocamento

das noções de autoria usualmente discutidas como aquela proposta por Foucault (1992) em que

o autor será definido conforme a obra que produzir ou como fundador de discursividades. O

referencial teórico adotado para discutir autoria tem como alicerce a Análise do Discurso

francesa, sobre a qual existem muitas discussões que não foram abordadas aqui. Como

cartógrafa, apropriei-me do que se mostrou significativo para “descobrir que matérias de

expressão misturadas a quais outras, que expressões de linguagem favorecem a passagem das

intensidades que percorrem” (ROLNIK, 2011, p. 65-66) meu corpo (professora-pesquisadora)

no encontro com outros corpos (alunos do 6º B). Entender esse movimento foi minha pretensão.

A hipótese de que autonomia e autoria estariam imbricadas no processo de ensino-

aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa pôde ser constatada à medida que a intervenção

foi acontecendo e sendo alvo de reflexão. A superação da legislação e julgo do outro remodela-

se como a abertura para o diálogo. Escrever no 6º ano B matutino teve essa conotação. Proceder

etnograficamente revelou a dimensão de oportunidades que o campo oferecia e a minha

limitação inicial em lidar com elas. O posterior registro sob a forma de cartografia neste

memorial ampliou as possibilidades de rever o desenho que se constituía elaborado por tantas

mãos e reflexões.

124

5 CARTOGRAFIA PRONTA: CONTORNO

O que importa é que, para ele (o cartógrafo), teoria é sempre

cartografia – e, sendo assim, ela se faz juntamente com as paisagens

cuja formação ele acompanha.

Rolnik (2011, p. 65)

A percepção acerca dos meus limites na cartografia que é a escrita deste memorial leva-

me a percorrer caminhos que orientam a refletir como se construiu o meu aprendizado e as

consequências dessa construção. Estar no campo sala de aula de Língua Portuguesa; ser,

portanto, professora-pesquisadora permitiu-me compreensões, perlaborações, descobertas não

estabelecidas a priori: entradas que me constituíram no que sou agora. São as possibilidades

que começam a se delinear a partir dos contornos que podem ser retomados a partir de outros

pontos, já que os referenciais mudam conforme a posição ocupada pelo sujeito.

As questões propostas por Geraldi (2011, p. 40) – “por que ensinamos o que

ensinamos?” e “para que as crianças aprendem o que aprendem?” – serviram de ponto de partida

para a reflexão sobre o meu proceder em sala de aula e consequentes tentativas de mudança.

Ao propor uma intervenção no modo como vinha tentando dar conta do ensino-aprendizagem

da escrita, pretendi primeiro entender o que (não) funcionava e porque (não) funcionava nas

minhas aulas.

A dificuldade em perceber o quanto a minha formação influencia a minha prática e em

mudar a minha postura em sala de aula foram os entraves mais significativos nesse caminhar.

É que só desejar o novo não basta. Há que se permitir ver o desejo do outro, entendê-lo e

embarcar nas possibilidades desse encontro: oportunidades de viver o real social, um roteiro

novo resultante da participação dos envolvidos. Assim descubro o entrelaçamento imanente

entre teoria e prática.

Uma cartografia só pode ser constituída nessa condição de espaço-tempo para observar,

descobrir, desmontar, (re)significar, construir contextos para nossa existência enquanto

humanidade.

Pressupor que a escrita dos alunos pode ser autoral e que isto significaria o exercício da

autonomia assume-se como um indício de que a teoria já estava imbricada na prática. O que

faltava era a minha percepção sobre isso. Ser professora por mais de 20 anos ofereceu-me os

subsídios para essa proposição, embora tenha sido necessário também percorrer novamente os

caminhos da práxis na academia. Compreendo que essa pressuposição, para ser constatada,

dependia apenas de mudanças de concepção em minha prática e da tomada de consciência

125

acerca de como o discurso escolar está montado com suas contradições, seus cerceamentos e

suas injustiças. A contradição, enquanto característica inerente à ação de valorar do ser humano,

deve ser compreendida, relativizada, contestada e desmontada sempre; cerceamento e injustiça

também devem ser compreendidos no cerne de suas formações e combatidos sempre e ainda

enfaticamente. Penso que o professor não pode se eximir dessa demanda que, por estar tão

patente e arraigada na estrutura educacional, escapa à visão, à compreensão e ao enfrentamento.

Reconhecer o dizer autônomo e autoral dos alunos não foi uma questão de ensiná-los a

proceder de tal modo. Mais do que isso, significou pôr-me a escuta, buscar “canais de efetuação

da vida” (ROLNIK, 2011, p. 68), “negociar” e aceitar a validade dos desejos ali existentes. A

partir dessa transformação em meu proceder, pareceu-me que houve o ensino-aprendizagem

nas minhas aulas. Compreendi que o saber antecipado é apenas o princípio do saber que vai ser

construído. Desse modo, planejar aulas significa estar atenta e flexível ao que é real e próprio

no contexto da sala de aula, da escola e da comunidade. A experiência de duas décadas em sala

de aula não deve ser a confirmação do autocentramento e do “poder” de quem é invariavelmente

a única que sabe.

Quanto às respostas aos questionamentos postos por Geraldi (2011, p. 40), tenho

algumas oriundas do fazer refletido e vivenciado durante a intervenção. Preciso alertar que não

são definitivas, mas que, neste momento, formam a minha compreensão acerca de tudo que

experienciei: uma entre as múltiplas saídas que a escrita deste memorial me põe à escolha.

Ensinamos40 o que ensinamos porque, enquanto professores, pretendemos sempre o que

é melhor para os alunos (ou para nós mesmos), conforme a nossa vontade e também de acordo

com o que nos é imposto pelas instâncias oficiais. Talvez ainda nos faltem a reflexão e a

abertura ao diálogo e à mediação. Se já temos outra concepção de ensino-aprendizagem da

Língua Portuguesa na escola, colocamo-nos na posição de escuta, mediação e aprendizado entre

os quereres e os saberes pulsantes na sala de aula.

Acredito que as crianças apenas aprendem o que se mostra significativo para elas. A

estrutura da escola colabora no sentido de fazer acreditar que há aprendizado sempre e, quando

isso não acontece, a responsabilidade é exclusiva do professor ou do aluno. Neste caso, refiro-

me à aprendizagem do que é instituído oficialmente. As crianças sabem muito e cabe ao

professor valorizar esses conhecimentos e possibilitar um ambiente em que outros sejam

40 O uso da primeira pessoal do plural nesse parágrafo tem como objetivo dar continuidade coesiva à pergunta

proposta. É preciso que fique claro que a resposta se refere a mim e a minha experiência em três escolas da rede

pública de ensino na cidade de Salvador.

126

construídos. Além disso, é preciso dar espaço a elas para exercerem ainda mais a autonomia

que lhes pertence e ainda não foi totalmente disciplinada, talvez apagada, pela escola.

O contorno do território “Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos

nas aulas de Língua Portuguesa podem ser autorais” conclui um dos desenhos possíveis para a

paisagem dessa intervenção. Ainda, aponta para o dizer (e fazer) autoral e autônomo meu,

enquanto professora-pesquisadora em formação que, nesse sentido, autoriza-se a tal e autoriza

a interlocução com o outro. Posiciono-me, dessa forma, no contradiscurso que desmonta e

enfrenta o já estabelecido e tornado rotina diante dos alunos que entram no 6º ano: “Esses

meninos não sabem ler nem escrever!”, “São todos analfabetos! Como chegaram ao 6º ano?”.

Embora reconheça que ainda estou no início dessa nova trajetória que comecei a percorrer há

pouco.

As apreciações deste memorial deverão compor novos desenhos, novas cartografias:

constituição de mundos dispostos a outras apreciações numa espécie de continuum que a

interação pela linguagem proporciona… Assim percebo a formação inerente à

escrita/constituição desta cartografia, deste memorial.

127

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134

APÊDICE A - Questionário

COLÉGIO ESTADUAL MONSENHOR MANOEL BARBOSA

DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA PROF.ª: CLAUDIA LESSA

ANO LETIVO: 2014 ANO/SÉRIE: 6º/5ª ENSINO FUNDAMENTAL 2

QUESTIONÁRIO

OBJETIVOS:

As questões propostas abaixo têm como objetivos:

conhecer melhor você, que é aluno do 6º ano (5ª série) turno matutino no Colégio Estadual

Monsenhor Manoel Barbosa e

utilizar esse conhecimento como objeto de estudo/pesquisa (em que está garantido o sigilo

das informações prestadas por você) e também para a elaboração de um planejamento

adequado às suas necessidades de aprendizagem.

INSTRUÇÕES:

Responda às questões com calma, procurando ser sincero(a) e expondo a verdade.

Este questionário não tem valor de nota para a unidade didática, mas é muito importante

para todos nós.

Utilize caneta azul ou preta.

PARTE 1

1. Qual o seu nome completo?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

2. Qual sua data de nascimento?

__________________________________________________________________________

3. Em que cidade e estado você nasceu?

__________________________________________________________________________

4. Em que bairro mora?

__________________________________________________________________________

5. Com quem você mora?

135

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

PARTE 2

1. O que você mais gosta de fazer quando não está na escola?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

2. Você gosta de ler? (Marque apenas uma alternativa)

( ) Sim

( ) Não

2.1 Justifique a resposta da questão anterior.

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

3. O que você mais gosta de ler?

( ) Revistas

( ) Livros didáticos

( ) Livros religiosos

( ) Livros paradidáticos

( ) Jornais

( ) Panfletos

( ) Facebook

( ) Outros. Quais?_______________________________________________________

4. Quando você quer ler, que assunto(s) mais lhe interessa(m)?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

136

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

5. Onde você tem maior contato com a leitura?

( ) Na biblioteca

( ) Na casa de outras pessoas

( ) Na escola

( ) Na igreja

( ) Em sua própria casa

( ) Outros lugares Quais?_________________________________________________

6. Na escola, você tem aulas de “leitura”? (Marque apenas uma alternativa)

( ) Sim

( ) Não

6.1 Como são essas aulas?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

7. Na sua família, outras pessoas têm o costume de ler? (Marque apenas uma alternativa)

( ) Sim

( ) Não

7.1 Quem são essas pessoas? O que elas leem?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

8. Em seu círculo de amizades/convivência, as pessoas têm o costume de ler? (Marque

apenas uma alternativa)

( ) Sim

( ) Não

137

8.1 Quem são essas pessoas?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

8.2 O que elas (essas pessoas) leem?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

PARTE 3

1. Você costuma escrever? (Marque apenas uma alternativa)

( ) Sim

( ) Não

1.1 Sobre o que escreve?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

2. Em qual desses lugares você mais escreve?

( ) Em casa

( ) Na escola

( ) Na igreja

( ) Outros. Quais?________________________________________________________

3. Onde você mais escreve?

( ) Caderno

( ) Diário

( ) Computador

( ) Livro

138

( ) Celular

( ) Outros. Quais? ________________________________________________________

4. Na sua família, as pessoas têm costume de escrever? (Marque apenas uma alternativa)

( ) Sim

( ) Não

4.1 Quem são essas pessoas?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

4.2 Sobre o que elas (as pessoas da sua família) escrevem?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________

5. Na escola você tem aulas de “escrita”? (Marque apenas uma alternativa)

( ) Sim

( ) Não

5.1 Como são essas aulas?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

PARTE 4

1. O que é “leitura”?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

139

2. A “leitura” é: (Marque apenas uma alternativa)

( ) insignificante

( ) pouco importante

( ) importante

( ) muito importante

2.1 Justifique sua resposta anterior.

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

3. O que é “escrita”?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

4. A “escrita” é: (Marque apenas uma alternativa)

( ) insignificante

( ) pouco importante

( ) importante

( ) muito importante

4.1 Justifique sua resposta anterior.

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

140

APÊNDICE B – Solicitação de autorização

Solicitação de autorização

Neste segundo semestre, daremos continuidade às atividades que fazem parte de um

projeto cujo objetivo é tornar possível aos alunos do 6º B/5ª B turno matutino do Colégio

Estadual Monsenhor Manoel Barbosa, a partir da reescrita textual, a conquista da competência

escritora (ou textual41) e da consciência de si como sujeito autor, pois acreditamos que esses

são dois requisitos fundamentais para a formação de cidadãos críticos e conscientes de seu papel

perante a sociedade e a humanidade. Trata-se do projeto de intervenção “Reescrita textual:

construção/descoberta de si enquanto sujeito autor” proposto por mim, professora de

Língua Portuguesa desta unidade escolar há 14 anos, para o Mestrado Profissional em Letras

(PROFLETRAS), oferecido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Dessa forma, venho solicitar aos senhores, pais, mães e/ou responsáveis, a permissão

para utilização de imagens, áudios e produções textuais dos referidos alunos para fins de

pesquisa.

Desde já agradeço a colaboração dos senhores e senhoras no sentido de autorizarem seus

filhos a participarem do projeto de pesquisa. Reforço que estou à disposição para maiores

esclarecimentos.

Atenciosamente,

Claudia Lessa Alves Sousa

Professora de Língua Portuguesa e Aluna do PROFLETRAS/UFBA

Eu, ________________________________________________, autorizo meu filho/minha

filha __________________________________________do sexto ano do Ensino

Fundamental, turma B, turno matutino do Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa a

participar do projeto de pesquisa “Reescrita textual: construção/descoberta de si

enquanto sujeito autor”.

Salvador, ____ de julho de 2014.

_______________________________________________________________

Pai/Mãe e/ou responsável

41 Competência textual é, segundo Travaglia (2009, p. 18), a capacidade de, em situações de interação

comunicativa, produzir e compreender textos considerados bem formados, valendo-se de capacidades textuais

básicas: a formativa, transformativa e a qualificativa.