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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 20032

BOLETIM DOS

PROCURADORES DA REPÚBLICAANO V - Nº 64 - AGOSTO 2003

Conselho Editorial: Aloísio Firmo, Elizabeth KablukowBonora Peinado, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Ma-ria Helena Nogueira de Paula, Paula Bajer FernandesMartins da Costa, Odim Brandão Ferreira e Rosângela PofahlBatista.

Fundação Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva:Conselho Curador: Marco Antonio da Silva Costa, Már-cia Noll Barbosa, Carlos Eduardo Oliveira Vasconcelos,Inês Virgínia Prado Soares, Adriana Zawada Meloe Humberto Jacques de Medeiros.Diretoria Executiva: Antonio Fonseca, Denise Vinci Túlio,Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho e José AdonisCallou de Araújo Sá.

ANPR - Associação Nacional dos Procuradores da Repú-blica:Presidente: Carlos Frederico SantosVice-Presidente: Valquíria Oliveira Quixadá NunesDiretores: Alcides Alberto Munhoz da Cunha, CarlosAugusto da Silva Cazarré, Delson Lyra da Fonseca, EltonVenturi, José Adércio Leite Sampaio, Mauricio GotardoGerum, Nicolao Dino de C. e Costa Neto, Nívio de FreitasSilva Filho, Robério Nunes dos Anjos Filho e Rose SantaRosa.

Revisão: Adriana Zawada Melo

Diagramação, Impressão e Distribuição:Artchip Editora Ltda.: (11) 5514-2859www.artchip.com.br - [email protected]

Capa: Fábio Lyrio

Tiragem: 2.500 - Distribuição gratuita

Os artigos são de inteiraresponsabilidade de seus autores.

Na Internet:www.anpr.org.br

Sumário

BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICAISSN Nº 1519-3802

O código ISSN (International Standard Serial Number) é um número que identifica o títulode uma publicação seriada, tornando-o único e definitivo. Possibilita um método eficaz e simples na

identificação rápida da publicação, organização de acervos, serviço de idexação e resumos,serviços de aquisição bibliográfica etc.

FUNDAÇÃO PROCURADOR PEDROJORGE DE MELO E SILVACOLUNA DEDICADA AO PROJETO

MPF NAS ESCOLAS................................................3

AÇÃO POPULAR CONTRACOMERCIALIZAÇÃO DE TELESENAPELOS CORREIOS: PARECER EMEMBARGOS INFRINGENTESMaria Iraneide O. Santoro FacchiniProcuradora Regional da República

da 3ª Região ................................................................5

15 ANOS DA CONSTITUIÇÃO:O PAPEL DO PROCURADOR-GERALDA REPÚBLICA NAS AÇÕES DIRETASDE INCONSTITUCIONALIDADEAndré Rufino do ValeAssessor Jurídico da PGR ........................................ 12

INOPONIBILIDADE DE SIGILOBANCÁRIO CONTRA O MPF:PROCESSO DE AUDITORIA EMLICITAÇÕES DO BANCO DO BRASILJosé Roberto Pimenta OliveiraProcurador da República no

Estado de São Paulo. ................................................ 16

DIREITOS DO CONSUMIDORE OS ARQUIVOS DE CONSUMONilce Cunha RodriguesProcuradora da República no estado do Ceará ........ 21

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 20033

Fundação ProcuradorPedro Jorge de Melo e SilvaPROJETO ìMPF NAS ESCOLASîPROJETO ìMPF NAS ESCOLASîPROJETO ìMPF NAS ESCOLASîPROJETO ìMPF NAS ESCOLASîPROJETO ìMPF NAS ESCOLASî

A FamíliaContemporânea

Trabalho humano, dignidade, solidariedade e distri-buição de bens ou riqueza são algumas das noções ge-rais que informam a atividade econômica. As pessoasnem sempre se dão conta de que a vivência práticadessas noções começa no seio familiar. Na família, aspessoas tomam decisões sobre o que produzir e consu-mir. Elas buscam a posse e o consumo de bens e servi-ços. O Ter e o Consumir abaixo de um certo nível é umsofrimento e depois de um certo ponto pode represen-tar um fardo. No geral, a família não pode dar a seusmembros tudo o que estes desejam. A consciência daescassez de recursos na sociedade é adquirida na pró-pria família. O papel dos seus membros evoluiu, mas aimportância da entidade continua forte no mundo eco-nômico e social.

A família é uma personificação anômala for-

mada independentemente da vontade de seus mem-bros. Cada um dos membros é considerado autônomo,e todos estão ligados pela identidade de interesses e definalidade; eles são sujeitos de direitos, deveres e obri-gações recíprocas. Ao reconhecer a entidade familiar,o Estado promete-lhe proteção especial, mediante as-sistência à infância e adolescência e amparo aos ido-sos, respeito aos seus valores e ao seu planejamentocomo livre decisão do casal. A proteção jurídica dafamília tem o escopo de tutelar os efeitos do afeto en-tre os homens. Este afeto é a fonte de transferênciasde rendas entre os membros. No afeto eles vivenciama essencialidade da sobrevivência transcendental. Avida em sociedade é o reflexo da integralidade da vidafamiliar. Sendo uma base da outra, não existe socieda-de perfeita porque as famílias não o são.

Lares e economias têm muito em comum. Umafamília enfrenta decisões sobre quais tarefas cabem acada membro, e o que cada membro recebe em troca.Quem paga e prepara o jantar, quem paga e lava aroupa, quem escolhe o programa de TV a que assistir,quem paga e mantém o veículo da família etc. As fa-mílias e a sociedade possuem recursos limitados. Porisso elas não conseguem produzir todos os bens e ser-viços que desejam ter e consumir.

Cedo se aprende que nada é de graça. O custode alguma coisa é o custo do que se deve abrir mãopara obtê-la. Todo momento os membros da famíliaestão fazendo escolhas, que envolvem abrir mão dealguma coisa para ter outra. A escolha é incentivadapor vantagens. Após o término do segundo grau, o in-divíduo decide fazer um curso universitário. Ele acre-dita que o benefício que será obtido na vida futura, fre-qüentando a faculdade, é maior do que os custos de-correntes da sua decisão.

Cada membro da família tem uma função. Aalocação de funções vem se alterando ao longo dostempos. Ao homem, o chamado chefe de família, sem-pre foi atribuída a função de provedor. À mulher, oudona-de-casa, sempre coube a administração do con-sumo doméstico. A atribuição de administradora do lar

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 20034

Visite o Site da FPJwww.pedrojorge.org.br

No website você encontra : Histórico da ins-tituição; Agenda de atividades, Notícias,além de se manter informado sobre Cur-sos, Seminários, Simpósios e outros even-tos apoiados e/ou realizados pela FPJ, ati-vidades essas que, em sua maioria, têmcomo público- alvo os membros do MP .Aceitam-se textos e sugestões para estacoluna.E-mails: [email protected] [email protected]

Esta coluna é dedicada ao Projeto “MPF

nas Escolas”, coordenação nacional de

Denise Vinci Tulio .

As escolas de segundo grau que desejam

aderir ao Projeto devem preencher o

formulário próprio que se encontra no site

www.pedrojorge.org.br

Antonio Fonseca - Diretor - Geral

Ana Cláudia Castro - Comunicação Social

CONHEÇA O SITE DA

Fundação Procurador

Pedro Jorge de Melo e Silva

http://www.pedrojorge.org.br

era, em algum nível, compartilhada com os criados, so-bretudo na família burguesa.

Galbraith¹ registra que os trabalhos das donas-de-casa, em dados aproximados de 1970, foram estima-dos em cerca de um quarto do PIB. Se não fosse esseserviço, todas as formas de consumo doméstico fi-cariam limitadas pelo tempo necessário para geri-lo– selecionar, transportar, preparar, consertar, man-ter, limpar, conservar, armazenar, proteger, enfim,

realizar todas as tarefas associadas ao consumo debens. O papel clássico da mulher, dona-de-casa, vitalpara a expansão do consumo, era aceito numa visãogeneralizada. A imagem da família clássica foi revistapelo tempo.

A função de provedor não é mais monopólio dohomem. A mulher e os filhos também contribuem paraengrossar o orçamento familiar. Em contrapartida, amulher que antes detinha, quase isolada, a dianteira

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 20035

EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERALRELATOR DA EGRÉGIA 2ª SEÇÃO DESSECOLENDO TRIBUNAL REGIONAL FEDERALDA 3ª REGIÃO

EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃOCÍVEL (AÇÃO POPULAR)AUTOS DO PROCESSO N.º 98.03.010695-3EMBARGANTE: JOSÉ CARLOS TONINEMBARGADA: LIDERANÇA CAPITALIZA-ÇÃO E OUTROSRELATOR: DES. FED. ANDRADE MARTINS -2ª SEÇÃO

Eminentes JulgadoresI - Dos FatosCuida-se de Embargos Infringentes opostos por

JOSÉ CARLOS TONIN, em face do venerando acórdãode fls.2584/2586 que por maioria dos votos, decidiu nãoacolher parte do pedido formulado pelo Autor Po-pular, consistente em: decretar a nulidade do contra-to de prestação de serviços de venda e resgatedos títulos denominados “Telesena”, celebrado en-tre a empresa LIDERANÇA CAPITALIZAÇÃO S/Ae a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT;e, por conseguinte, não condenar a LIDERANÇA eos diretores da ECT que assinaram o malsinado contra-to, lesivo à empresa pública, à indenização pelos preju-ízos causados, bem como não condenar a Liderança adevolver a todos os compradores da Telesena o valortotal dos títulos adquiridos, face à ilegalidade do negó-cio.

A r. sentença de primeiro grau (fls. 1455/1461)houvera condenado os réus a arcar com indenização noimporte de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de re-ais), a se reverter ao Fundo de que trata o art. 13 da Leide Ação Civil Pública (Lei nº 7.347 de 24.07.l985), en-tretanto, tal dispositivo condenatório foi excluído pelaEgrégia Turma Julgadora, sendo certo que os eminen-tes Des. Newton DeLucca (Relator) e Souza Pires en-tenderam não deter o Autor Popular legitimidade epossibilidade jurídica para pleitear um juízo a defesa

de interesses de consumidores lesados. Já a em. Des.Fed. Therezinha Cazerta também entendeu de excluirtal condenação, porém decidiu que “o valor da lesão aoErário, caracterizado na celebração do contrato entre aECT e a liderança, há de ser apurado em execução”(fls. 2456), como conseqüência de haver acolhido opedido do Autor Popular no sentido de condenar a Lide-rança e os diretores da ECT pelos prejuízos causados àempresa pública em razão da remuneração incompatí-vel, módica, fixada pela execução do contrato, redun-dando em subaproveitamento e, portanto, efetivo preju-ízo para os cofres públicos.

O douto voto vencido da Eminente Des. FederalTherezinha Cazerta, ao divergir do voto do relator assimse pronunciou:

“Dois atos administrativos quer o autor anular. Aautorização para a comercialização da Telesena e o con-trato firmado entre a liderança e a ECT.

A Telesena nada capitaliza. Comprovada restoua ilegalidade por desvio de poder e lesão àmoralidade administrativa. O DesembargadorFederal Newton de Lucca esgotou a questão. Ecada vez mais me convenço, que a Telesena nãocapitaliza o investidor, mas sim, nas palavras doRelator , ‘capitaliza exclusivamente a LiderançaCapitalização S.A que arrecada uma vultosa quan-tidade de dinheiro sem oferecer uma contrapartidaà altura, como exige a lei e a doutrina ‘- fls. 2.423do processo.Decerto, no memorial que recebi da apelante Li-derança Capitalização S.A, datado de 02 de fe-vereiro de 2002, que peço ao Relator seja juntadoaos autos, há carta manuscrita pelo Senhor SilvioSantos que, antes do socorrê-lo, acaba por ratifi-car mais ainda que a Telesena é ilegal e lesiva àmoralidade administrativa. Na verdade, a Telesenasomente enriquece o Senhor Silvio Santos.A propósito, destaco trechos do seguinte teor:“imaginei (...) plano de capitalização que pudessesalvar os negócios” “o sucesso surpreendentedeste título Telesena (...) fez com que as minhasempresas que eram pequenas e estavam com pro-

Maria Iraneide O. Santoro FacchiniProcuradora Regional da República da 3ª Região

AÇÃO POPULAR CONTRAAÇÃO POPULAR CONTRAAÇÃO POPULAR CONTRAAÇÃO POPULAR CONTRAAÇÃO POPULAR CONTRACOMERCIALIZAÇÃO DE TELESENACOMERCIALIZAÇÃO DE TELESENACOMERCIALIZAÇÃO DE TELESENACOMERCIALIZAÇÃO DE TELESENACOMERCIALIZAÇÃO DE TELESENA

PELPELPELPELPELOS CORREIOSOS CORREIOSOS CORREIOSOS CORREIOSOS CORREIOS:::::PPPPPARECER EM EMBARGOS INFRINGENTESARECER EM EMBARGOS INFRINGENTESARECER EM EMBARGOS INFRINGENTESARECER EM EMBARGOS INFRINGENTESARECER EM EMBARGOS INFRINGENTES

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 20036

blemas, quase insolventes, se transformassem emgrandes empresas”; “para que os senhores tenhamuma idéia, a Telesena gerou em 8 anos um lucroque está sustentando todas as empresas do Gru-po, que dão prejuízo”; “em todos esses 8 anos , oresultado do Grupo só foi lucrativo em razão daTelesena.”E conclui afirmando:“Com os resultados gerados pela Telesena:1)- A rede de Televisão se consolidou, sendo a 2ªda América do Sul.2)- O Baú da Felicidade tem hoje 50 lojas;3)- O Banco Panamericano financia por mês,100 mil compradores de material de construção,veículos, crédito pessoal, etc.4)- A VIMAVE é uma das maiores concessioná-rias de São Paulo.5) - Foi feito grande investimento na INTERNET,através do PROVEDOR SOL.SBT.ON. LINE.6)- Estamos investindo e montando em 15 cida-des TV a Cabo com a TV Cidade.7)- Foram assinados, em dólares antes da desva-lorização do Real, 150 milhões de dólares com aDisney- Warner - Televisia para a compra de fil-mes e novelas.Esta expansão ocorreu, unicamente com os re-cursos que o TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO,TELESENA, traz para o grupo.”Daí que refriso, induvidosamente comprovada ailegalidade por desvio de poder e lesão àmoralidade administrativa.Quanto ao contrato de prestação de serviços en-tre a ECT e a Liderança , aí vou discordar doSenhor Relator. Feriu, sim, a moralidade adminis-trativa. Não considero a comercialização dos Tí-tulos Telesena serviço correlato ou afim do servi-ço postal. E prejuízo aos Correios há sim com sub-aproveitamento.Bem disse o Relator que a venda e distribuiçãodos títulos financeiros, como a Telesena, não seenquadra nas atividades correlatas dos correios,trazidas pelos incisos I a III do artigo 8º da Lei nº6538/78. Lá se vê como atividades correlatas avenda de selos, de publicações, a exploração epublicidade comercial em objetos de correspon-dência. Não a comercialização de títulos.Atividade afim aos serviços praticados pelos cor-reios, não obstante a Lei nº 6538/78 nada tratar arespeito, também não penso que possa ser.Com efeito, estabeleceu o Relator que parâmetroaceitável para definir atividade afim ao serviçopostal seria o trazido pelo Projeto de Lei que atu-aliza o Sistema Nacional de Correios. Lá, é fato,a comercialização de títulos financeiros em geralé considerada como serviço parapostal, aquele

correlato conexo ou afim ao serviço postal. Maisprecisamente o trazido pela letra “d” do incisoVdo artigo 12.Ora, a comercialização de títulos de capitalizaçãonão é serviço correlato ou afim dos Correios. Nãodiante da vigente legislação. A atividade principaldos Correios é a postagem, e suas atividadescorrelatas ou afins a isso devem estar adstritas.Ligadas ao serviço postal, daí decorrendo vendade selos e outros assuntos referentes ao serviçopostal.Do mesmo modo, subaproveitamento é aprovei-tamento inferior. Significa auferir menos em re-lação ao que é possível. Causa prejuízo diantedos fatos que vou esquadrinhar.Deveras, noto que os Correios celebravam coma Liderança contrato de prestação de serviçospara a comercialização da Telesena. Utilizou-setoda a estrutura da ECT, toda a máquina públi-ca, para a distribuição nacional de títulos de capi-talização, atividade que não se insere dentre aque-las de responsabilidade dos Correios. Pela pres-tação do serviço de venda de títulos aos interes-sados e pagamento do resgate estipulou-se que aECT receberia 8% (oito por cento)do total detítulos efetivamente repassados. Realmente, oitopor cento do valor de venda de cada título.Com efeito, a remuneração a ser paga pela Li-derança representava 8% do valor de venda deuma Telesena. Valor inferior à postagem de umacarta simples, vale dizer, menos de 50% do quese cobrava de qualquer pessoa que desejassepostar uma correspondência. Aufere a ECT, noinício, ínfima retribuição, menos de quarenta cen-tavos por título vencido. Tudo isso para movi-mentar funcionários em todo o território nacio-nal.Ora, para que se tenha parâmetro, a Nossa CaixaNosso Banco S.A. pagava R$ 1,40 (um real equarenta centavos) por cartela comercializada debingo televisionado (fls. 629). É prova que vouconsiderar. Há, sim, lesão aos cofres públicos.De mais a mais, a finalidade da Empresa Brasi-leira de Correios e Telégrafos - ECT não é ven-der loteria, não é comercializar jogo de azar. Édar conta do serviço de postagem e dos demaisserviços correlatos. Fazer o contrário significadesbordar da sua finalidade.Logo, não combina a comercialização daTelesena com a finalidade dos Correios. Não sedeve ir às diversas agências do país para com-prar loteria nem se quer ver o serviço essencialprejudicado, com as agências permanentementelotadas em decorrência da comercialização daTelesena. Isso é nítido desvio de finalidade.

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 20037

Maltratado indevidamente foi o serviço público, aatividade precípua da Empresa Brasileira e Cor-reios e Telégrafos - ECT, de prestação regularde serviço de serviços e postagem.”

No aspecto pertinente à possibilidade jurídica doAutor Popular de requerer a condenação pelos prejuí-zos causados à empresa pública - ECT-, assim pontificasua Exa:

“Verdadeiramente, o artigo 11 da Lei da AçãoPopular oferece-me o embasamento legal. A sen-tença que julgar procedente o pedido, decretandoa invalidade do ato impugnado, ‘condenará ao pa-gamento das perdas e danos os responsáveis pelasua prática e os beneficiários dele, ressalvada aação regressiva contra os funcionários causado-res do dano quando incorrerem em culpa’.Ora, bem sei que o artigo 13 da Lei da Ação CivilPública tem aplicabilidade em ações coletivas quebusquem tutelar direitos difusos e coletivos dosconsumidores. Não seria adequado à ação popu-lar que objetiva, classicamente, a invalidade deato lesivo ou ilegal ao patrimônio público. Daí quea restituição de prejuízos aos consumidores me-lhor ficaria para ação civil pública, onde a senten-ça possui natureza condenatória.Vale dizer, a decisão, a sentença da ação populartem natureza constitutiva. Constitutiva negativa.Esse o entendimento inicial. Porém, condenaçãotambém cabe àqueles que concorrem para oato lesivo.Vejamos.Não se pode admitir que a Liderança Capitaliza-ção S.A, emitente dos títulos de capitalizaçãoTelesena, uma vez tendo a ação popular prospe-rado, fique incólume sem nenhuma outra sançãoa não ser a decretação de invalidade do ato im-pugnado. Deve indenizar.Ora, para mim, a sentença de procedência da açãopopular não é meramente declaratória. Há de bus-car a efetiva prestação da jurisdição. Há de im-por condenação, ou, fazer com que as coisas vol-tem ao estado anterior.”

É o relatório. Opino.

No recurso sustenta o Embargante a ilegalidadedo contrato firmado entre a Liderança e a ECT e pugnapela sua anulação e conseqüente condenação daembargada e co-réus (diretores da empresa pública) aarcar com a indenização pelos prejuízos causados, a se-rem apurados em regular execução de sentença.

Diz o autor popular embargante (verbis, fls. 3115):“Afora a inquestionável ilegalidade e nulidade docontrato firmado entre a ECT e a Liderança, pois,

seu objeto real, a venda de cartela de jogo nãoautorizada pelas autoridades competentes é inad-missível e não se enquadra em seus objetivos, res-tou claro, por outra parte, a efetivação de prejuí-zos aos cofres públicos, por conta desse abomi-nável favorecimento a particular e o qual com boavontade pode ser facilmente apurado em regularliquidação de sentença.

Para receber irrisória participação nesse jogo, aECT, além de desvirtuar suas finalidades, com aassinatura desse contrato de prestação de servi-ços com a Liderança (contrato 4462/91), sofreuséria lesão em seu patrimônio material e moral.Colocou toda a sua estrutura a serviço de um ne-gócio escuso e que, além de não trazercontrapartida financeira compensatória, sacrificouirremediavelmente a essência de seu trabalho, oque, ainda, por decorrência, feriu a moralidade ad-ministrativa. Seu índice de aprovação junto à po-pulação baixou de 90% para 68% após seuenvolvimento com a jogatina televisiva (fls. 67,1190/1193).

Os Correios estão sendo usados como instrumentopara a prática de jogo, em benefício de particular,e em detrimento da qualidade dos serviços quecomo empresa pública deveria prestar. Ademais,esse tipo de liberalidade dos Correios, ao acolhera Telesena, como qualquer outro negócio lícito,normal, não está em consonância com as suasfinalidades, tanto isso é verdade que, hoje, esseproduto é intensamente comercializado nas casaslotéricas, onde sempre deveria ter estado, nãofosse uma ilegalidade absoluta (fls. 117/118)”.

II - DO CABIMENTO DOS EMBARGOSINFRINGENTES

De início, frise-se a adequação e conformidadedo presente recurso à Lei de regência. Presente é opressuposto de admissibilidade à luz do art. 530 do CPC,visto que os Embargos se restringem ao objeto da diver-gência, atendo seu conteúdo ao teor do r. voto vencido,que intenta fazer prevalecer.

Na esteira da manifestação exarada pelo MPFem primeiro grau, pela eminente Procuradora da Repú-blica Rita de Fátima da Fonseca, entendo, também, nu-los os dois atos administrativos que se procuradesconstituir neste processo e, destarte, imperioso se fazreconstituir o patrimônio público lesado.

Lamentavelmente, sob o prisma da defesa dasconsumidores, esta ação não se presta a trazer a satis-fação e corretivo necessários à imensa coletividade deincautos consumidores lesados. Como assente na dou-

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 20038

trina e reiterado pela Colenda Turma Julgadora, a AçãoPopular não é a via adequada para esse fim.

Acrescente-se, ainda, que a ACP proposta peloMPF com tal desiderato restou indevidamente extintasem julgamento de mérito pela 1ª Seção desta C.Corte(relator o Des. Fed. Roberto Haddad) que não detinhacompetência para julgá-la, com se vê das consideraçõesexplanadas no douto voto vencido.

Destarte, merece provimento o presente recurso,de forma a aplicar-se corretamente o direito objetivo àlide posta em juízo, tudo na conformidade da fundamen-tação jurídica desenvolvida pela Eminente Des. FederalTherezinha Cazerta.

Com efeito.

III - MÉRITO

1- Consta da inicial da Ação Popular, e deseus aditamentos, o presente pedido:

a) - a decretação de nulidade da autorizaçãoconcedida pela SUPERINTENDÊNCIA DE SEGU-ROS PRIVADOS- SUSEP à Liderança para emitir ecolocar à venda títulos de capitalização denominados‘TELESENA’,

b) - a condenação da LIDERANÇA a devol-ver a todos os compradores da TELESENA o valortotal dos títulos adquiridos com os acréscimos incidentais,face à ilegalidade do negócio, vícios de origem, má-fé eabusiva e maciça propaganda enganosareferentemente à promoção deste título.

c) - a decretação de nulidade do Contrato fir-mado em 30.09.1991 entre a LIDERANÇA e a EM-PRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRA-FOS - ECT, para distribuição da “TELESENA”, face àlesividade à União;

d) - a condenação da LIDERANÇA e dos di-retores da ECT subscritores do mencionado Contrato, e seus atuais diretores, “a ressarcirem os cofres pú-blicos pelo uso abusivo da imagem consolidada de altacredibilidade dos Correios e Telégrafos, em todo o Bra-sil, e de toda a sua infra-estrutura em âmbito nacional,num negócio deturpado e também pela onerosidade doserviço, não compatível com remuneração percebida pelaECT, na execução das tarefas a que se obrigou por for-ça do contrato celebrado, além do provado desvio definalidade e patente lesão à moral administrativa “(fls.65).

2. Permito-me não abordar a questão pertinenteà ilegalidade por desvio de finalidade ou ofensa àmoralidade com que se ateve a SUSEP ao autorizar acomercialização dos espúrios títulos de capitalização, por-que a matéria já foi exaustivamente examinada e decidi-da pela C. Turma Julgadora e não é objeto de divergên-cia.

3. Porém, no que concerne ao contrato firmado

entre a Liderança e a ECT, para a comercialização dosespúrios títulos, argumenta-se o seguinte, no sentido dasua ilegalidade e imoralidade:

3.1 - A empresa pública, nada obstante dotada depersonalidade jurídica de direito privado, e revestidade forma e organização empresarial, é criada para ex-plorar atividades de interesse da Administração, ou seja,prestar serviços de utilidade pública.

A ECT, como empresa pública, deve respeitar, noexercício de suas atividades, o princípio da vinculaçãoaos fins definidos na lei instituidora, vale dizer, não poderealizar atividades estranhas àquelas definidas na Lei nº6.538, de 22.06.1978.

Como assevera a Profª. Maria Sylvia Zanella DiPrieto (in Direito Administrativo, 13ª , edição Ed. Atlas,pág. 379):

“Finalmente, a vinculação aos fins definidos nalei instituidora é traço comum a todos as enti-dades da Administração Indireta e que diz respei-to ao princípio da especialização e ao próprio prin-cípio da legalidade; se a lei as criou, fixou-lhesdeterminado objetivo, destinou-lhes um patrimônioafetado a esse objetivo, não pode a entidade, porsua vontade, usar esse patrimônio para atender afinalidade diversa”

Neste sentido, indaga-se, qual o interesse públicona comercialização de um título que só beneficia a em-presa privada (liderança) e que, a olhos vistos, só “en-cheu as burras” do Grupo Sílvio Santos? Qual a utilida-de pública em vender um título de capitalização quedescapitaliza o “investidor”, devolvendo-lhe, ao cabo deum ano, só metade do que ele investiu ?

A circunstância de eventualmente existir outro tí-tulo de capitalização cuja “quota de capitalização” tam-bém corresponda à metade do valor investido não apro-veita à embargada, eis que não se pode pretender extra-ir legitimidade e proteção jurídica de atos irregulares,desacobertados pelo Direito.

3.2 - Não é possível e razoável afirmar-se que avenda e resgate da Telesena constitui-se em atividadeparapostal porque o seu objeto - título de capitalização,ou melhor, jogo de loteria privada - não guarda qualquersemelhança com as atividades correlatas dos Correios,a saber: a venda de selos, de publicações e a exploraçãoe publicidade comercial em objetos de correspondência(art. 8º da Lei 6538/78);

Impossível, ainda, entender-se, como quer aEmbargada Liderança, que tal atividade - venda de títu-lo de capitalização - seria semelhante ao recebimentode tributos, prestações, contribuições e obrigações pa-gáveis à vista, por via postal, porque, evidentemente, estesresultam de obrigações legais (tributos e contribuições)ou de contratos lícitos de prestação de serviços de entesdelegados (concessionários de serviço público), cujo re-

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 20039

colhimento é de interesse público, em nada se asseme-lhando à venda de jogo de azar, travestido de título decapitalização.

Como realçado pelo MPF em primeiro grau:

“A SUSEP, por intermédio de seus dirigentes, eincorrendo em desvio de finalidade, autorizou oPlano a Depósito Único – PU – 5 (fls. 82), pro-pondo pela ‘Liderança Capitalização S/A’, emdesacordo com os objetivos propugnados pela le-gislação disciplinadora das sociedades de capita-lização e estabelecerem sistema destinado ao in-cremento da política social do governo (Decreto-lei nº 261/67 e Resolução da Susep 15/91).

Assim, aprovou as investidas da ‘Liderança Ca-pitalização S/A’ em adentrar o mercado de capi-talização para exercer atividade de autêntica lo-teria privada, anuindo que somente 50% da quan-tia arrecadada com a venda dos títulos revertes-sem, após 12 meses, aos contribuintes titulares,sendo que os outros 50% ficaram em mãos daprópria empresa, sem a observância de qualquerdeterminação legislativa a salvaguardar o interessepúblico.Ademais, em flagrante descaso a seu dever defiscalização a autarquia federal ignorou odescumprimento cabal do indigitato PU- 5 pela‘Liderança Capitalização S/A’ a qual, extrapolandoas determinações estabelecidas, passou a emitimilhões de títulos além da margem permitida de1.000.000 por série (fls. 82), conforme amplamentedemonstrado a fls. 1229/1232.Consta dos autos, inclusive, parecer exarado, àépoca pela consultoria da SUSEP contrário aoindigitado PU- 5, cujo conteúdo configura, únicae exclusivamente, prática assemelhada a jogo deazar e não atividade de capitalização, delineando-se, desde então, o desvio de finalidade. (477/490).Restou comprovado, pois, que o ato ora impugna-do foi contrário ao Direito e se desviou dos princí-pios gerais norteadores da Administração Públi-ca, ensejando a presente ação popular que, no en-tender de Hely Lopes Meirelles, exige para o seuajuizamento não só a ilicitude do ato na sua ori-gem, mas igualmente, a ilegalidade na formaçãodo seu objeto.Outrossim, eivado de nulidade o pacto celebradopela ECT com a “LIDERANÇA CAPITALIZA-ÇÃO S/A”.Ao concordar na prestação de serviços de distri-buição e comercialização de títulos da “Tele Sena”,a empresa pública federal não só desvirtuou a suaatividade-fim- a postagem - como se submeteu aacordo em posição de desvantagem, segundo ele-

mentos coligidos de prova dos autos, em que constaestar percebendo remuneração ínfima por esseserviço em comparação aos valores cobrados porsuas tarefas regulares de entrega de correspon-dência e correlatas, onerando sobremaneira os co-fres públicos.De outra sorte, a ECT passou a canalizar toda aestrutura da coisa pública, a qual tem a obrigaçãode preservar, em prol da atividade privada, sub-vertendo a rotina das agências de correios em pre-juízo dos usuários, conforme exemplificado empleito de fls. 71.Anuindo em destinar a máquina estatal em favorde interesses particulares se equivalentecontraprestação financeira, os responsáveis pelaECT ardilosa e sistematicamente, vem desfalcan-do o erário e prejudicando a Administração Públi-ca.Destaque-se, por fim, mas não menos relevante,o ludibrio em que incorreram e incorrem milhõesde incautos consumidores, instados pela mídia que,ao vislumbrarem uma possibilidade de obtençãode prêmios em dinheiro, participam da “Tele Sena”como se loteria fosse, desfazendo-se das cartelasapós o malogro nos sorteios, sem sequer imaginarque se trata de aquisição de títulos de capitaliza-ção a serem mantidas para futuro resgate” (g.n.).

3.3 - Também não é aceitável afirmar-se a legiti-midade de uma conduta, de um negócio, com base emnorma ainda não positivada, ou seja, prevista em Projetode Lei, que por se tratar de mero projeto, obviamen-te não é lei. Este raciocínio peca pela falta de sustenta-ção, vez que não há subsunção do fato a uma verda-deira norma jurídica. Assim, não parece aceitável to-mar-se como parâmetro de legalidade, as disposiçõesconstantes do Projeto de Lei que atualiza o SistemaNacional de Correios (art.12, inciso IV, letra “d”), oqual prevê como serviço postal correlato acomercialização de títulos financeiros. Como bem asse-vera o Embargante, ainda que tal projeto se transformeem lei, suas disposições não poderão retroagir para aga-salhar o ato questionado neste processo.

3.4 - Nos autos há prova inequívoca de que a re-muneração da ECT pelos serviços prestados era e é vil,incompatível com a contraprestação oferecida (rece-bimento, encaminhamento, tratamento e distribuição dostítulos à rede de agências da ECT e franqueadas, emtodo o território nacional, tudo envolvendo cerca de12.000 agências e 75.000 funcionários, tumultuando aolhos vistos a prestação do serviço postal típico da ECT.,com absurda interferência na política de recursos hu-manos da empresa, como lembra o Autor Popular a fls.3114 dos Embargos Infringentes.

Ressai dos autos que a ECT nos primeiros quatro

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anos do contrato percebia apenas oito centavos ( ou8% sobre o valor de face de cada cartela), enquanto aLiderança arrebatava os 92% restantes, já que grandeparte dos “investidores” não reclamava a devolução dametade capitalizada. Realmente, é sabido que, como apublicidade maciça e enganosa iludia os incautos “in-vestidores”, mais interessados no aspecto do jogo de azar,pressurosos de, num passe de mágica, obter prosperida-de, certamente jogavam fora a cartela, sem reclamar,pela devolução da metade “capitalizada”, um ano após.

Veja-se o que aconteceu com o “Papatudo”, em tudosemelhante à Telesena: conforme matéria de VEJA, de27.03.96 (fls. 1090 dos autos), 40% dos “investidores”,não apareceram para resgatar os títulos, supondo que setratasse de rifa, deixando 12 milhões de reais todomês para o seu criador ArthurFalk, da Interunion,que os embolsou sem constrangimento...

Essa realidade, é retratada na r. sentença, fls.1381, verbis:

“O ato que determinou que as agências de correi-os passassem a ser pontos de venda da “TeleSena”, foi editado com evidente desvio de poder,portanto com violação do art. 2º, “e” da Lei 4.717/65 que regulamenta a ação popular. A finalidadedos correios é receber e distribuir correspondên-cia. Não a de vender loterias. É inacreditável queas agências de correios tenham sido transforma-das em “chalés de jogo” com visíveis prejuízosaos que ali se dirigem para tratar de correspon-dências e despachos, finalidade maior e secularda Instituição. Tudo isso em troca de uma ínfimaretribuição, que não corresponde à mínima parteda corrosão moral decorrente.

A moralidade, elevada a princípio maior e funda-mental pela Constituição Federal de 1988, foi e éviolada diversas vezes. Permite-se com a “TeleSena” que as economias populares sejamtransferidas a uma empresa particular, através demeios que equivalem a um engodo, concorrendopara seu êxito, tanto a SUSEP, que contorceu-separ interpretar e dar adequada aplicação a diver-sas leis, decretos-leis, Resoluções e Circulares demaneira contrária à Constituição Federal, e daraparência legal ao produto, dirigindo-se às cama-das populares, visivelmente sem condições ou ca-pacidade de poupar, quanto a EBCT que, para onegócio pudesse ter sucesso, transformou suasagências em pontos de venda. As emissões decartelas feitas em números assustador e propa-ganda intensa, causam uma superpopulação nospontos de venda, o que impede o acesso às de-

pendências do usuário normal para postagens edespachos.

O título de capitalização é um produto idealizadopara as elites. Foi adaptado para ser vendido àsclasses menos favorecidas, sob a forma de lote-ria e com valor de devolução reduzido à metade,isto após um ano de desembolso. Com pequenacapacidade para poupar, as classes menosfavorecidas adquirem a “Tele Sena”, iludidos poruma propaganda perversa, malsã e enganosa.

Na televisão, um sorridente comunicador anunciacom impostura o produtos que é anunciado comoforma de enriquecimento.

Milhões são as cartelas vendidas. Pouquíssimasas premiadas.

Realizado o sorteio, os perdedores – amassacrante maioria – deverão guardar a cartelaque será resgatada depois de um ano, pela me-tade do seu valor.

Isto é poupança?

Isso é tolerado pelo art. 5º, XXXII da Constitui-ção Federal?

Cartelas emitidas em número despropositado.Agências de correio permanentemente lotadas.A postagem e os despachos prejudicados.

A televisão que deveria cumprir um papel for-mador e educativo, condiciona a população a jo-gar como se fosse uma forma de se obter a pros-peridade, antes de ser uma causa de pobreza einfortúnio.

Ora, tudo isso é imoral e irrazoável. Como o prin-cípio da razoabilidade foi elevado a princípio cons-titucional pelo legislador ao editar o art. 5º, LIVda Constituição Federal, assumindo caráter subs-tantivo conforme demonstra a ilustre ProfessoraMARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, emsua insuperável obra “Discricionariedade Admi-nistrativa na Constituição de 1988”, editora Atlas,1ª edição, 1991, páginas 126/169, temos que o pro-cesso da ‘Tele Sena’ está contaminado por víciosde inconstitucionalidade ao ultrapassar os limitesda razoabilidade e da moralidade, previstos naConstituição Federal”.

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Ainda, veja-se a manifestação do Dr. José Geral-do Brito Filomeno, atual Procurador Geral de Justiça doMP do Estado de São Paulo (fls. 92/93), verbis:

“Quanto a ‘tele sena’, realmente, está claro -pelomenos no título em si - que o portador terá direitoa 50%, mais reajuste pela TR mais 6% de jurosao ano, do valor de cada cartela paga, após 12meses de carência. Fica ainda patente que é uminvestimento ilusório, haja vista que a metade éutilizada exatamente pelo promotor do título nãoapenas para seu lucro, como também paraos prêmios que promete e despesasoperacionais, inclusive a caríssima publici-dade aí envolvida, por certo”(g.n)

Ressalta ainda o eminente Chefe do ParquetPaulista:

“Por outro lado, o título (tele sena em si) deveriaem tese estampar, em letras bem visíveis, não ape-nas aquelas circunstâncias, mas também orienta-ção ao portador - já que é ele quem terá quecolocar seu próprio nome e CIC (fls. 07), semfalar-se nas chamadas da publicidade televisiva epor rádio ou qualquer outro meio de comunicaçãode massa nesse mesmo sentido, de que se tratade um título de capitalização com chance de prê-mios, podendo o investidor sacar o aplicado, após12 meses”

Repise-se, a remuneração contratada é inferior àexigível, porque há prova nos autos - ofício da NossaCaixa Nosso Banco, a fls. 629 (vol. III), que dá contaque tal instituição cobrava R$ 1,40 (hum real e qua-renta centavos) pelo serviço de distribuição e controlede vendas de cartelas de bingo televisionado pelas suasagências.

Não se alegue que as situações são diversas ouque o serviço prestado pelos Correios é de menor quali-dade ou eficiência. As situações são idênticas e mere-cem igual remuneração, o que deverá servir de parâmetrono processo de execução, conforme realçado pelo doutovoto vencido.

Evidente, assim, o prejuízo causado à empresapública, que desviando-se da sua finalidade de bem pres-tar os serviços de postagem e demais correlatos , sacri-ficou a eficiência de seus serviços essenciais, compro-meteu sua infra-estrutura, patrimônio e todo seu “staff”,de 75.000 funcionários, além de jogar-se na aventura(ou desventura) de descapitalizar a população carente,

para enriquecer mais ainda, sem justa causa, o GrupoSilvio Santos. É evidente que se impõe a condenação deseus diretores e da Liderança Capitalização pelos pre-juízos financeiros e morais causados à empresa pú-blica, dando-se cumprimento à norma do art.11 da Lei4.717/65, que diz:

“Art. 11 - A sentença que, julgando procedente aação popular, decretar a invalidade do ato impug-nado, condenará ao pagamento de perdas e danosos responsáveis pela sua prática e os beneficiáriosdele, ressalvada a ação regressiva contra os funci-onários causadores de dano, quando incorreremem culpa”.

3.5 Não colhe o argumento falacioso no sentidode que a presença da ECT na propaganda do SBT atenha beneficiado. Ora, porque precisaria a ECT de pro-paganda ?

Ela desenvolvia e desenvolve adequadamente suasatividades, além de deter (salvo raríssimas exceções) omonopólio do serviço postal relativo a correspondênci-as. A qualificação de ponto de venda de cartela de jogoem nada a dignifica, nem a favorece em termos econô-micos.

Assim, ainda por menos dignificante que seja oserviço prestado, ele mereceria ser bem remuneradoporque implicou em altos custos para a empresa públi-ca.

3.6 Não impressiona a alegação da Embargadana impugnação, no sentido de que a ECT foi extrema-mente beneficiada, porque em 11 anos de contrato, te-ria recebido US$ 234.000.000,00 (duzentos e trinta e qua-tro milhões de dólares) em contraprestação, relativa aopercentual de 8% recebido pela venda de cada cartelada Telesena. Ora, se calcularmos que cabe à Liderançao remanescente de 90 a 92% do total da cartela, istoresultará na impressionante cifra de US$ 2, 5 bilhões dedólares arrecadados pela Liderança !!!.

Outrossim, como se disse alhures, em relação aoPapatudo, muito provavelmente 40% dos “investidores”da Telesena também não reclamaram da metade a queteriam direito, por ignorar que ela existia, redundandoem apropriação indevida pela Liderança de cerca de umbilhão de dólares...

Por todo o exposto, o MPF opina pelo total aco-lhimento dos Embargos Infringentes, de forma a preva-lecer, integralmente, o v. voto vencido, por consentâneocom o Direito e a Justiça.

São Paulo, 04 de março de 2002.

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André Rufino do ValeAssessor Jurídico da PGR

Neste 5 de outubro, a “Constituição Cidadã” com-pleta o seu 15o aniversário. A data enseja momento opor-tuno para tecer algumas considerações a respeito das mo-dificações introduzidas no sistema brasileiro de fiscaliza-ção abstrata da constitucionalidade das normas, em espe-cial, quanto ao seu efeito sobre o papel desempenhadopelo Procurador-Geral da República nas ações diretas deinconstitucionalidade.

Sob o manto da Constituição de 1967/69, como sesabe, o Procurador-Geral da República detinha o mono-pólio da ação desencadeadora do controle concentrado denormas perante o Supremo Tribunal Federal, a então cha-mada representação de inconstitucionalidade.1

Na época, o Procurador-Geral da República era, aomesmo tempo, Chefe do Ministério Público e da Advoca-cia da União. A ele estavam confiadas atribuições própriasdo Ministério Público e também de representação judicialda União. Era autoridade ocupante de cargo de confiançado Presidente da República e , por isso, demissível adnutum.

As características do cargo e o fato de ser o únicodetentor do poder de iniciar o controle em tese das nor-mas propiciaram, à época, o nascimento da polêmica arespeito do grau de discricionariedade conferido ao Pro-curador-Geral da República para o exercício dessa ativi-dade. Em outras palavras, questionava-se se a competên-cia conferida ao Procurador-Geral da República para de-sencadear, com exclusividade, o processo de fiscalizaçãoem abstrato da constitucionalidade de normas, estaria in-formada pelo princípio da disponibilidade ou davinculação.2

De acordo com o princípio da disponibilidade, aoProcurador-Geral da República estaria conferido amploespectro de discricionariedade para decidir, segundo juízosubjetivo de oportunidade e conveniência, pelo exercícioda ação de inconstitucionalidade. Alfredo Buzaid, ilustredefensor desse princípio, argumentava que “o Procura-dor-Geral da República só deve argüir ainconstitucionalidade quando disso estiver convencido. Suamissão não é de mero veículo de representações. Rece-bendo a manifestação do interessado, o Procurador-Geralda República a estudará, apreciando se tem ou não proce-dência. Convencendo-se de que o ato argüido éinconstitucional, proporá a ação, em caso contrário, de-

terminará o arquivamento”. Em torno dessa tese agrupa-vam-se alguns publicistas de renome como, por exemplo,José Carlos Barbosa Moreira, José Luiz de Anhaia Mello,Celso Agrícola Barbi e Sérgio Ferraz.3

O Supremo Tribunal Federal acabou referendandoesse entendimento, com o argumento de que caberia ape-nas ao Procurador-Geral da República decidir a respeitoda necessidade da propositura da representação para afe-rição da inconstitucionalidade da norma.4

A decisão da Corte Suprema, no entanto, não pôsfim à polêmica. Assim, outros autores, como Pontes deMiranda e Themístocles Cavalcanti, defenderam a idéia deque o Procurador-Geral da República estaria obrigado aencaminhar toda e qualquer representação que lhe fosseapresentada. Para o primeiro, o Procurador-Geral da Re-pública tinha não só a competência, mas “o dever de pro-mover a decretação de inconstitucionalidade”.5 Para osegundo, “a posição do Procurador-Geral, principalmen-te, é a de somente arquivar a representação quando mani-festamente inepta”. “Quando ocorrer dúvidas legítimas, éde seu dever trazê-las ao conhecimento do Tribunal”. As-sim se entende porque o Procurador-Geral da Repúblicanão age por interesse próprio, mas em nome da coletivida-de, e não poderia, assim, manifestar-se como juiz últimoda representação de inconstitucionalidade, competênciaessa que a Constituição conferiu unicamente ao SupremoTribunal Federal.6

Posição intermediária foi defendida por Celso Bas-tos. Para o autor, a competência conferida ao Procurador-Geral da República para exercer a ação direta não é “umcheque em branco conferido ao Chefe do Ministério Pú-blico”. Sem embargo, o Procurador-Geral da Repúblicatambém não é “mero veículo de encaminhamento da re-presentação”. Dessa forma, resultando insatisfatórias tan-to a absoluta vinculação como a livre apreciação, a solu-ção estaria em obrigar o Procurador-Geral da República aencaminhar a representação somente quando esta fosseprocedente de pessoa jurídica de direito público. Quandoa representação fosse oriunda de pessoa física ou jurídicade direito privado, ao Procurador-Geral da República es-taria conferida certa discricionariedade para arquivá-la, seassim entendesse.7

Em trabalho mais recente, Gilmar Mendes defendeque, diante da característica dúplice ou ambivalente da

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representação de inconstitucionalidade, o pretenso “direi-to” de propositura conferido ao Procurador-Geral da Re-pública converter-se-ia num “poder-dever” de submeter aquestão constitucional relevante ao Supremo Tribunal Fe-deral, sob a forma de representação de inconstitucionalidadeou de constitucionalidade. Com efeito, a mera existênciade controvérsia constitucional já configuraria a objetivaçãoda necessidade de o Procurador-Geral da Repúblicasubmetê-la ao crivo da Corte Suprema, mesmo estandoconvencido de sua improcedência.8

A Constituição de 1988 modificou essa situação.A polêmica sobre o monopólio da representação de

inconstitucionalidade por parte do Procurador-Geral daRepública não produziu efeitos de renovação da jurispru-dência do Supremo Tribunal Federal a respeito da ques-tão, mas acabou exercendo forte influência sobre o legis-lador constituinte.9 A Constituição da República Federati-va do Brasil de 1988 renomeou a representação deinconstitucionalidade, batizando-a de ação direta deinconstitucionalidade, e instituiu um amplo rol de legiti-mados para o desencadeamento do processo de fiscaliza-ção de constitucionalidade das leis, reforçando ainda maiso sistema de controle em abstrato.

Assim, com a Constituição de 1988, o Procurador-Geral da República deixou de ser o único detentor do po-der de iniciativa da ação direta, passando a conviver comoutros legitimados. O art. 103 da Carta da República con-fere esse poder igualmente ao Presidente da República, àMesa do Senado Federal, à Mesa da Câmara dos Deputa-dos, à Mesa da Assembléia Legislativa, ao Governador doEstado, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados doBrasil, aos partidos políticos com representação no Con-gresso Nacional e às confederações sindicais ou entidadesde classe de âmbito nacional.

A Constituição de 1988 criou a Advocacia-Geral daUnião, atribuindo-lhe as incumbências de representar aUnião, judicial e extrajudicialmente, e de exercer as ativi-dades de consultoria e assessoramento jurídico do PoderExecutivo (art. 131). Com o Procurador-Geral da Repú-blica permaneceram somente as atribuições de Chefe doMinistério Público.

O Procurador-Geral da República, com a Carta de1988, passou a ser escolhido necessariamente dentre inte-grantes da carreira, possuindo mandato fixo (2 anos, per-mitida a recondução), e podendo ser destituído somentepor iniciativa do Presidente da República, com a autoriza-ção da maioria absoluta do Senado Federal (art. 128, §§ 1o

e 2o).Dessa forma, diante das novas configurações do

cargo e da convivência com outros legitimados para a açãodireta, a opinião da doutrina é de que hoje parece não ha-ver mais lugar para a polêmica sobre a vinculação oudiscricionariedade do Procurador-Geral da República quan-to ao exercício da ação de inconstitucionalidade. ParaClèmerson Merlin Clève, por exemplo, “se era questionávela posição do Supremo Tribunal Federal na vigência dasConstituições que atribuíam a legitimidade ativa exclusivaa uma autoridade dependente da confiança do Presidente

da República, demissível ad nutum e, portanto, desprovi-da da independência necessária para impugnar, por via deação direta, as políticas públicas normativamente concre-tizadas pela vontade do Executivo, hoje, com a nova Cons-tituição, a orientação parece ser perfeitamente adequada,pois, dispondo o Procurador-Geral da República de auto-nomia decorrente da forma de investidura (e dedesinvestidura) no cargo, aceite-se que, quanto às repre-sentações que receba, reside agora em posição adequada àrealização de exame (tanto jurídico quanto político)descompromissado, imparcial e independente a respeitoda procedência ou improcedência da impugnação suscita-da. Por certo não deixará o Procurador-Geral da Repúbli-ca da atuar seu poder-dever, apenas porque tenha sofridopressão proveniente do Executivo. Por outro lado, tendo oConstituinte optado pela atribuição de legitimidade con-corrente para a ação direta, estando outros entes, órgãos eautoridades, igualmente legitimados para a sua propositura,não corre o sistema constitucional, uma vez editada nor-ma ilegítima, o risco de ver paralisada a jurisdição consti-tucional concentrada. Afinal, todos os legitimados univer-sais podem, como o Procurador-Geral, receber represen-tações ou petições. Quanto aos legitimados especiais, pro-vavelmente provocarão a jurisdição constitucional concen-trada sempre que tomarem conhecimento, não importa deque modo, da edição de ato normativo do Poder Públicoque, sobre guardar relação com os interesses por eles (le-gitimados especiais) defendidos, viole preceito ou princí-pio constitucional”.10

Nada obstante, na prática, a polêmica, apesar dediminuída, parece persistir. A atividade exercida pelo Pro-curador-Geral da República, nas ações diretas deinconstitucionalidade, nos últimos 15 anos, reflete que, sena teoria, reforçada pela jurisprudência, considera-se queo Procurador-Geral da República possui amplas margensde discricionariedade para propor ou não a ação direta deinconstitucionalidade, na prática permanecem as dúvidasquanto ao grau dessa discricionariedade, ou, melhor di-zendo, quanto ao ponto ótimo entre absoluta vinculação eamplo juízo de oportunidade e conveniência.

Portanto, as modificações introduzidas no sistemade controle abstrato de constitucionalidade pela Constitui-ção de 1988 não trouxeram respostas completas e defini-tivas a algumas questões, tais como: como deve exercer oProcurador-Geral da República a competência que lhe éconferida constitucionalmente? Qual o grau dediscricionariedade a ele conferido para julgar a conveniên-cia e oportunidade da iniciativa do processo de controledas normas? Enfim, qual o papel do Procurador-Geral daRepública no controle concentrado da constitucionalidadedas normas?

As respostas dadas a estas questões, ao longo dosúltimos quinze anos, pelos Procuradores-Gerais, bem de-monstra a existência de resquícios da polêmica da ordemconstitucional anterior.

O Procurador-Geral Aristides Junqueira, por exem-plo, permaneceu no cargo por 6 anos (junho de 1989 ajunho de 1995), e propôs 366 ações diretas. As represen-

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tações apresentadas à Procuradoria-Geral da Repúblicaeram, em sua maioria, encaminhadas ao Supremo Tribu-nal Federal. O juízo subjetivo quanto a constitucionalidadeda norma impugnada somente era realizado na fase deemissão do parecer. Na petição inicial, o Procurador-Ge-ral da República apenas fazia menção aos argumentos ofe-recidos pelo representante, adotando-os, e pedia vista dosautos, após as informações, para pronunciamento definiti-vo sobre o mérito.11 Assim, não raro os pareceres erampela improcedência da ação, tendo isso perdurado até oano de 1995.12

Dessa forma, não se pode negar que, mesmo apósas mudanças trazidas pela Constituição de 1988, o Procu-rador-Geral da República continuou agindo, de uma certaforma, utilizando a expressão de Alfredo Buzaid, como“mero veículo encaminhador de representações”.

Essa situação modificou-se em meados do ano de1995, com a posse no cargo do Dr. Geraldo Brindeiro. Em8 anos de mandato, Brindeiro propôs 146 ações diretas, oque representa apenas 40% das ações do período anterior.O Procurador-Geral passou a exercer um amplo juízo deconveniência e oportunidade a respeito da propositura dasações. Somente nesse período se observa a influência dasmodificações operadas pela Constituição de 1988, passan-do o Procurador-Geral da República a exercer o papel deverdadeiro autor da ação direta de inconstitucionalidade.

Não obstante, durante o mandato de GeraldoBrindeiro, observou-se também que o juízo amplo dediscricionariedade pode conduzir ao fechamento das por-tas do controle abstrato de constitucionalidade a um alar-gado leque de pessoas naturais e jurídicas, públicas e pri-vadas, que possuem no Procurador-Geral da Republica aúnica via de acesso ao Supremo Tribunal Federal.

A Constituição de 1988, é certo, conferiu legitimi-dade a outros órgãos e pessoas para o desencadeamentodo controle em tese da constitucionalidade das leis. Nãohá como negar, no entanto, que o Procurador-Geral daRepública será, em não poucas ocasiões, o único meiodisponível para entidades, associações, órgãos públicosdiversos etc., levarem suas dúvidas constitucionais à Cor-te Suprema. Isso pode ser atestado principalmente pelofato de o Supremo Tribunal Federal, ao delimitarrestritivamente o conceito de confederações sindicais eentidades de classe de âmbito nacional13 , e criar a exigên-cia de relação de pertinência temática14 , ter restringido aindamais o rol de legitimados composto pela Carta da Repúbli-ca de 1988. Após as limitações impostas pela jurisprudên-cia do Excelso Pretório, que acabaram por declarar a ilegi-timidade ativa de 91 entidades e sindicatos15 , esses entestêm batido à porta da Procuradoria-Geral da República,levando controvérsias constitucionais dos mais diversostipos.

Apesar de as restrições jurisprudenciais não leva-rem à descaracterização do modelo de ampla legitimaçãocriado pela Constituição de 198816 , é certo que esse fatoacaba por vincular ainda mais a atividade dos órgãos epessoas que não estão abrangidos por tais restrições, comoo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,

os partidos políticos com representação no Congresso Na-cional e o Procurador-Geral da República.

Não se deve esquecer que o princípio norteadordas atividades constituintes de 1987 foi o ideal preconiza-do por Kelsen da actio popularis, pela qual qualquer parti-cular poderia iniciar o controle concentrado daconstitucionalidade das leis17 . A ação popular de controlede constitucionalidade não pôde ser implementada, com oreceio de se tornar impraticável a atividade da Corte Cons-titucional.

O Procurador-Geral da República, como Chefe doMinistério Público que é, deve estar consciente de querepresenta o interesse público, a coletividade, não poden-do se fechar às demandas daqueles que querem fazer va-ler suas próprias interpretações da Constituição. Afinal,como propõe Häberle, o processo de interpretação da Cons-tituição deve ampliar-se para abranger a sociedade, que“torna-se aberta e livre, porque todos estão potencial eatualmente aptos a oferecer alternativas para a interpreta-ção constitucional”.18

O Dr. Cláudio Fonteles, que assumiu o cargo deProcurador-Geral da República, no início do último mêsde julho, com a proposta geral de abertura do MinistérioPúblico à sociedade, tem adotado uma atitude intermediá-ria, no intuito de chegar a um ponto ótimo entre absolutavinculação e ampla discricionariedade. Em apenas 3 me-ses, 60 ações diretas de inconstitucionalidade foram enca-minhadas ao Supremo Tribunal Federal. As representa-ções são oriundas de diversos órgãos e pessoas naturais ejurídicas, públicas e privadas, como associações, sindica-tos, entidades de classe, órgãos do próprio parquet, vere-adores, prefeitos, e até mesmo advogados, entre outros.

As representações encaminhadas ao gabinete doProcurador-Geral têm sido analisadas segundo os seguin-tes juízos de oportunidade e conveniência: o arquivamentoé destinado somente às representações manifestamenteineptas (normas revogadas, normas de conteúdo concre-to, não especificação pelo representante do objeto e doparâmetro de controle, questões já decididas pelo Supre-mo Tribunal Federal e normas manifestamente constituci-onais); detectada a existência de dúvida objetiva a respeitoda constitucionalidade da norma, a ação direta é propostaao órgão constitucionalmente competente para solucioná-la, o Supremo Tribunal Federal.

Isso não o tem caracterizado, no entanto, comomero encaminhador de representações. O Procurador-Geralda República, seguindo a tendência iniciada com GeraldoBrindeiro, exerce a função de verdadeiro autor da deman-da constitucional. O juízo subjetivo do Procurador-Geralsobre a controvérsia constitucional é feito previamente àpropositura da ação, ao contrário do que se observava emperíodos anteriores, quando havia a possibilidade de pare-ceres contrários ao pedido inicial. Tendo em conta o cará-ter dúplice ou ambivalente das ações que compõem o con-trole em tese de constitucionalidade, o Procurador-Geralda República poderá fazer uso tanto da ação direta deinconstitucionalidade como da ação declaratória deconstitucionalidade, conforme pretenda defender a

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 200315

inconstitucionalidade ou constitucionalidade da norma pe-rante a Corte Suprema.

Enfim, nesses 15 anos, o Procurador-Geral da Re-pública propôs 580 ações diretas de inconstitucionalidade,o que representa 19,86% de todas as ações diretas pro-postas no Supremo Tribunal Federal, desde 1988. Os nú-meros colocam o Procurador-Geral da República dentreos que mais contribuíram para a garantia da Constituição,estando, em número de ações, atrás somente dos Gover-nadores de Estado (783 ADIN’s, 26,86% do total), dasentidades de classe e confederações sindicais (752 ADIN’s,25,80% do total), e dos partidos políticos (599 ADIN’s,20,55% do total).19

Observa-se, de tudo, que o Procurador-Geral daRepública, nos quinze anos da Constituição de 1988, temcontribuído para a implementação de um sistema de con-trole abstrato da constitucionalidade cada vez mais “ex-trovertido”, na acepção de Canotilho20 , aberto numa mai-or medida à pluralidade dos intérpretes da Constituição.

_________________________

1 A Emenda Constitucional n° 16/65 dava a seguinte redação à alínea kdo art. 101 da Constituição de 1946: “A representação contrainconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ouestadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República”. Essedispositivo introduziu entre nós ação específica de controle em tese deconstitucionalidade, e atribuiu ao Procurador-Geral da República acompetência para seu exercício, consolidando o processo evolutivo jáobservado com a representação interventiva, que, paulatinamente, haviaadquirido algumas características de mecanismo de controle abstrato deconstitucionalidade de normas. A Constituição de 1967/69, no art. 114,inciso I, alínea “l”, manteve esse mesmo dispositivo, suprimindo apenasa expressão “encaminhada”. A Emenda Constitucional n° 1 apenasmodificou a topografia do dispositivo, deslocando-o para o art. 119, I,“l”. Portanto, o texto constitucional de 1967/69, ao não se referir aqualquer outro órgão ou pessoa, tornou o Chefe do Ministério Público oúnico legitimado a dar início ao processo de controle concentrado deconstitucionalidade das normas.2 Cfr.: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 5a

Ed. São Paulo: Saraiva; 1982, p. 683 BUZAID, Alfredo. Da Ação Direta de Declaração deInconstitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo, 1958, p. 110;MELLO, José Luiz de Anhaia. Os princípios Constitucionais e suaProteção. São Paulo, 1966, p. 24; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Aspartes na ação declaratória de inconstitucionalidade. In: Revista deDireito da Procuradoria-Geral do Estado da Guanabara, 13/67; BARBI,Celso Agrícola. Evolução do controle de constitucionalidade das leisno Brasil. In: Revista de Direito Público 4/40; FERRAZ, Sérgio.Contencioso Constitucional. In: Revista de Direito, 20/218. BASTOS,Celso. Op. cit. p. 694 Reclamação n° 849, Relator Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA, RTJ59, p. 336. O tribunal reiterou esse entendimento em outras ocasiões:RCL n° 121, Relator Ministro DJACI FALCÃO, RTJ 100, p. 955; RCL n°128, Relator Ministro CORDEIRO GUERRA, RTJ 98, p. 3; RCL n° 152,Relator Ministro CORDEIRO GUERRA, DJ de 11.05.1983, p. 6292

5 MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1967. TomoIV. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 416 CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Do contrôle daconstitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, p. 1187 Op. cit. p. 748 MENDES, Gilmar Ferreira. Considerações sobre o papel doProcurador-Geral da República no controle abstrato de normas sob aConstituição de 1967/69: proposta de releitura. In: DireitosFundamentais e Controle de Constitucionalidade. 2a Ed. São Paulo: CelsoBastos Ed., 1999, p. 291-2929 Cfr.: MENDES, Gilmar Ferreira. A evolução do Direito ConstitucionalBrasileiro e o Controle da Constitucionalidade da Lei. In: DireitosFundamentais e Controle de Constitucionalidade. 2a Ed. São Paulo:Celso Bastos Ed., 1999, p. 25410 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata daConstitucionalidade no Direito Brasileiro. 2a Ed. São Paulo: Revista dosTribunais; 2000, p. 178-17911 As petições iniciais elaboradas pelo Procurador Geral da República,Aristides Junqueira, traziam, em sua maioria, as seguintes expressões:“adota o autor, como fundamento jurídico do pedido, as razões contidasno expediente anexo, que lhe foi dirigido pelas ...”; “requer, ainda, que,prestadas as informações, lhe seja dada vista dos autos, parapronunciamento definitivo a respeito do mérito das argüições”.12 Vide, dentre outras: ADIN n° 80-2, ADIN n° 176-1, ADIN n° 47-1,ADIN n° 677-1, ADIN n° 613-4, ADIN n° 375-5, ADIN n° 390-9,ADIN 402-6, ADIN n° 314, ADIN n° 154, ADIN n° 306-2, ADIN n°226-1, ADIN n° 222-8.13 Vide, dentre outras, ADIN n° 79, Relator Ministro Celso de Mello,ADIN 386, Relator Ministro Sydney Sanches.14 Vide, dentre outras, ADIN n° 202, Relator Ministro SepúlvedaPertence.15 A relação completa pode ser verificada em: MENDES, Gilmar Ferreira.Controle Concentrado de Constitucionalidade: comentários à Lei n°9.868, de 10-11-1999. São Paulo: Saraiva; 2001, p. 101-10616 Gilmar Mendes afirma que “a análise rigorosa do modelo brasileiro decontrole abstrato de normas parece revelar que, se ele padece de algumdefeito, este não diz respeito a uma excessiva restrição do direito depropositura. A outorga de ampla legitimação aos partidos políticos comrepresentação no Congresso Nacional, aos Governadores de Estado, àsMesas das Assembléias Legislativas, à Ordem dos Advogados do Brasil,ao Procurador-Geral da República, dentre outros, já seria suficiente paracolocar o nosso sistema entre os mais benevolentes ou liberais no quetange à possibilidade de instauração do controle abstrato de normas.Também de uma perspectiva rigorosamente prática, pode-se afirmarque dificilmente alguma questão constitucional relevante deixará de sersuscitada por um desses órgãos ou entes legitimados. É legítimo concluir,portanto, que o legislador constituinte não cometeria nenhum atocensurável se deixasse de contemplar as confederações sindicais eentidades de classe de âmbito nacional dentre os entes detentores dedireitos de propositura da ação direta de inconstitucionalidade.”MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Concentrado deConstitucionalidade: comentários à Lei n° 9.868, de 10-11-1999. SãoPaulo: Saraiva; 2001, p. 11217 Segundo Kelsen, “la más fuerte garantía consistiría, ciertamente, enautorizar un actio popularis: así, el tribunal constitucional estaríaobligado a proceder al examen de la regularidad de los actos sometidos asu jurisdicción, en especial las leyes y los reglamentos, a solicitud decualquier particular”. No entanto, o próprio Kelsen alertou para o perigoda adoção de um tal modelo: “no se puede, sin embargo, recomendaresta solución porque entrañaría un peligro muy grande de accionestemerárias y el riesgo de un insoportable congestionamento de procesos”.KELSEN, Hans. La garantía Jurisdiccional de la Constituición.Traducción de Rolando Tamayo y Salmorán del original en francés,tomado del “Annuaire de L’Institut de Droit Public, Paris, PressesUniversitaires de France, 1929, p. 506-50718 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade abertados intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretaçãopluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. de Gilmar FerreiraMendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris Ed. ; 1997, p. 42-4319 BANCO NACIONAL DE DADOS DO PODER JUDICIÁRIO. SupremoTribunal Federal. Dados até 28.09.2003.20 CANOTILHO, J.J. Gomes. Jurisdição Constitucional eintranquilidade discursiva. In: MIRANDA, Jorge (org.). PerspectivasConstitucionais: nos 20 anos da Constituição de 1976. Vol. I.. Coimbra:Coimbra Ed.; 1996, p. 880-882

ADIN’S propostas pelo Procurador-Geral da Repœblica - 1988/2003

08

17

63 66 62

49

68

41

612

3827

18 2111 8 5

60

01020304050607080

1988

1989

1989

1990

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2000

2001

2002

2003

2003

1988 1989 2000 2003Geraldo Brindeiro

Claudio Fonteles

Aristides Junqueira

Sepœlveda

*

Fonte: Arquivo do Gabinete do Procurador-Geral da República.* Dados até 01/10/2003.

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 200316

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORAJUÍZA FEDERAL DA 12a VARA CÍVEL DA JUS-TIÇA FEDERAL DA 1A SUBSEÇÃO JUDICIÁ-RIA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

MANDADO DE SEGURANÇAAutos n. 2003.61.00.015078-4.Impetrante: BANCO DO BRASIL S/A.

Mma. Juíza Federal,O Procurador da República, abaixo assinado, vem,

respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apre-sentar suas INFORMAÇÕES, na forma do artigo 7o,inciso I, da Lei n. 1.533/51, assentadas nos seguintesfundamentos de fato e de direito.

I – DAS ALEGAÇÕES DO IMPETRANTE

Trata-se de mandado de segurança, com pedidode liminar denegado, em que o Banco do Brasil insurgesobre requisição emanada deste órgão do ParquetFederal, através do Ofício n. 9624/2003/MPF/PR/SP/SOTC, de 26.05.2003, exarado no curso de in-vestigações de atos de improbidade administrati-va, objeto do Inquérito Civil Público n. 04/2003, no qualse apura irregularidade na condução de licitações econtratos de serviços e obras de engenharia, reali-zados em São Paulo pela aludida empresa estatal.

A aludida requisição teve por objeto compelir oimpetrante a fornecer cópia integral do procedimen-to administrativo de auditoria interna, realizado pelaempresa estatal, com o fito de apurar as denúncias obje-to do ICP, anteriormente já encaminhadas aos órgãosadministrativos competentes da instituição financeiraestatal.

Em sua petição, destaca o impetrante, preliminar-mente, a competência da Justiça Federal. Destaca, ou-trossim, o fato (verdadeiro) de ter o Banco disponibilizadocópia de diversos processos licitatórios e dispensa delicitação realizados pela instituição, mantendo a recusade acesso à auditoria interna, em cumprimento à “deci-são institucional” lavrada na Ata da Assembléia da Reu-

nião Ordinária do Conselho de Administração do Bran-co, de 07.04.2003.

Afirma textualmente que as informações e docu-mentações requisitadas constituem “documento pri-vado do Branco do Brasil, relacionado à sua inti-midade empresarial”, donde resulta estarem“abrigadas sob o manto do sigilo profissional e co-mercial” (fls. 6). “São atos de gestão do Banco”(fls. 8), têm “caráter eminentemente particular, quevale como mera orientação privativa e reservadapara coordenar e encaminhar soluções de assun-tos peculiares ao Banco” (fls. 8). E ainda, substituin-do-se ao MPF, afirma que “o fornecimento dessaspeças EM NADA prejudica ou dificulta a investi-gação” (fls. 9).

Fundamenta a pretensão na garantia constitucio-nal da inviolabilidade e do sigilo dos relatórios de audito-ria interna. Recorre ao art. 5o, X da Constituição Fede-ral, aduzindo a necessidade de “ordem judicial, devida-mente motivada e fundamentada” (fls. 11). Citam-sedecisões do STJ, relacionada com determinado particu-lar com notória especialização em serviços contábeis ede auditoria, e do STF, relacionado com os poderesinvestigatórios de Comissões Parlamentares de Inquéri-to.

A impetrante ampara-se, ainda, na suposta im-pertinência da requisição com o objeto da investigação,pois, segundo a mesma, não são objeto do inquéritocivil “os juízos de valor realizados pelos auditoresda Instituição Financeira” (fls. 14).

Por fim, suscita-se a ocorrência de excesso depoder pelo Ministério Público Federal, em face da au-sência de norma que disponibilize o sigilo de parecer deauditoria interna das instituições financeiras. Nesta li-nha, entende o impetrante que não se lhe aplica o art. 8o,§2º da LC n. 75/93

A liminar foi indeferida (fls. 62/67). Com efeito, onosso ordenamento constitucional não oferece a mínimapossibilidade de acolhida para os argumentos deduzidospelo Banco do Brasil, entidade da Administração Públi-ca Federal, constitucionalmente atrelada aos princípiosda legalidade, impessoalidade, eficiência,

José Roberto Pimenta OliveiraProcurador da República no Estado de São Paulo.

INOPONIBILIDINOPONIBILIDINOPONIBILIDINOPONIBILIDINOPONIBILIDADE DE SIGILADE DE SIGILADE DE SIGILADE DE SIGILADE DE SIGILOOOOOBANCÁRIO CONTRA O MPFBANCÁRIO CONTRA O MPFBANCÁRIO CONTRA O MPFBANCÁRIO CONTRA O MPFBANCÁRIO CONTRA O MPF:::::

PROCESSO DE APROCESSO DE APROCESSO DE APROCESSO DE APROCESSO DE AUDITUDITUDITUDITUDITORIA EMORIA EMORIA EMORIA EMORIA EMLICITLICITLICITLICITLICITAÇÕES DO BANCO DO BRASILAÇÕES DO BANCO DO BRASILAÇÕES DO BANCO DO BRASILAÇÕES DO BANCO DO BRASILAÇÕES DO BANCO DO BRASIL

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 200317

MORALIDADE e PUBLICIDADE.

II – DA INCONTESTE SUBMISSÃO DO BANCODO BRASIL AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRA-ÇÃO PÚBLICA COMO ENTE DA ADMINISTRA-ÇÃO INDIRETA.

Dispõe o art. 37 da Magna Carta que A adminis-tração pública direta e indireta de qualquer dos Po-deres da União, dos Estados, do Distrito Federal edos Municípios obedecerá aos princípiOs da legali-dade, impessoalidade, moralidade, publicidade eeficiência (...)”

Na qualidade de sociedade de economia mistafederal (artigo 1o do Estatuto do Banco do Brasil S.A),esta instituição está encartada na Administração Públi-ca Federal Descentralizada e, por conseguinte, sujeita àplena incidência das injunções normativas derivadas doprincípio da publicidade.

Sobre este princípio cardeal para umaAdministração em cujo nome se pretende publica, járegistrou a melhor doutrina pátria:

“Consagra-se nisto o dever administrativo demanter plena transparência em seus compor-tamentos. Não pode haver em um Estado De-mocrático de Direito, no qual o poder públicoreside no povo (art. 1o, parágrafo único, daConstituição), ocultamento aos administradosdos assuntos que a todos interessam, e muitomenos em relação aos sujeitos individualmen-te afetados por alguma medida.”1

“O conhecimento, portanto, da atuação ad-ministrativa é indispensável tanto no que dizrespeito á proteção dos interesses individuaiscomo também aos interesses da coletividadeem exercer o controle sobre os atos adminis-trativos.”2

“Esse princípio torna obrigatória a divulga-ção de atos, contratos e outros instrumentoscelebrados pela Administração Pública dire-ta, indireta ou fundacional, para conhecimento,controle e início de seus efeitos.”3

A ampla publicidade dos atos da administraçãopública, seja centralizada, seja descentralizada, é condi-ção do controle pleno de legitimidade de qualquer deci-são administrativa tomada em seu seio, mormente quan-do não se esquece que o ordenamento constitucionalconsagra a República como forma do governo demo-crático que deve prevalecer nos quadros do Estado De-mocrático de Direito, instituído pela Carta de 1988, noqual o Banco do Brasil S.A, como entidade criada pelaUnião, é tão-somente uma das diversas instituições quea auxiliam no cumprimento da função administrativa as-sinalada pelo Texto Maior.

Sejam os processos licitatórios e de contrataçãodireta celebrados pelo Banco do Brasil S/A, na sua ati-vidade instrumental necessária para adquirir e obter os

fornecimentos, serviços e obras necessários ao cumpri-mento de seus fins institucionais, sejam os processos deauditoria interna, conduzidos pelos servidores governa-mentais da empresa estatal, no seu dever constitucionalde zelar pela legalidade da referida atividade adminis-trativa, todos igualmente são colhidos pelo mandamentoconstitucional em epígrafe, sujeitando-se à plena trans-parência, inexistindo na ordem jurídica supedâneonormativo prestante à pretensão do impetrante.

A plena divulgação de todos os atos e fatos rela-cionados com licitações para serviços e obras de enge-nharia é condição necessária para que se atestem a lisu-ra, probidade, seriedade, enfim, legalidade, de todas ascondutas dos agentes da Administração envolvidos emcada contratação.

Não se pode olvidar que a licitação, instituto dedireito público, lastreado por imposições de isonomia,moralidade e indisponibilidade do interesse público e efi-ciência, é imposta ao Banco do Brasil S/A, como proce-dimento preliminar necessário, nos exatos termos do art.37, XXI e art. 173, §1º, III, da Lei Fundamental.

De fato, preceitua a Constituição que “ressalva-dos os casos especificados na legislação, as obras,serviços, compras e alienações serão contratadosmediante processo de licitação pública que asse-gure igualdade de condições a todos os concor-rentes (...), em norma dirigida à AdminIstração Diretae Indireta. Demais disso, em comando integrado à or-dem econômica constitucional, estabelece-se como ele-mento obrigatório do estatuto jurídico da empresa públi-ca, sociedade de economia mista e de suas subsidiáriasque explorem atividade econômica de produção oucomercialização de bens ou de prestação de serviços, a“licitação e contratação de obras, serviços, com-pras e alienações, observados os princípios da ad-ministração pública.”

Por cumprimento de deveres constitucionais, é queo próprio Banco do Brasil S/A dispõe de Regulamentode Licitações, detalhando a disciplina legal na maté-ria, devidamente publicado no Diário Oficial da Uniãode 24.06.1996, cuja observância foi objeto da auditoriainterna da Instituição.

Seja na Administração Direta, seja na Adminis-tração Indireta, não há como efetuar-se o controle dainafastável submissão dos órgãos e entes da Adminis-tração Pública, aos princípios juspublicísticos informati-vos das licitações, sem assentar-se o postulado constitu-cional da publicidade, que toca toda e qualquer atuaçãoem que o erário e o interesse público é afetado, comocondição fundamental para sua efetiva proteção e curapelos órgãos constitucionalmente encarregados destemister.

III – A QUALIDADE DE “PESSOA JURÍDI-CA DE DIREITO PRIVADO” DO BANCO DO BRA-SIL NÃO ELIDE A SUBMISSÃO AO PRINCÍPIODA AMPLA PUBLICIDADE, COM TODOS OSSEUS COROLÁRIOS, DOS ATOS EDITADOS EM

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MATÉRIA DE LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES.

O Banco do Brasil S/A não é mera pessoa jurídi-ca de direito privado, e como tal não pode conduzir-se.Em face do regime constitucional em vigor, torna-seevidente que o disposto no art. 173, §1º, II, da CartaMagna – que, para as empresas estatais exercentes deatividade econômica, afirma a sujeição ao regime ju-rídico próprio das empresas privadas, inclusivequanto aos direitos e obrigações civis, comerciais,trabalhistas e tributários – não adquire perfeitaintelecção sem a devida leitura sistemática do dispositi-vo com as diversas restrições de direito público impos-tas pela Constituição a todos os entes da AdministraçãoIndireta, a começar pela própria subordinação ao cânoneda publicidade.

As alegações do impetrante, na forma como es-tão estruturadas, vão de encontro ao alerta magistral-mente dado por Celso Antônio Bandeira de Mello, aotratar da natureza essencial das empresas estatais:

“É preciso, pois, aturado precato para nãoincorrer no equívoco de assumirfetichisticamente a personalidade de DireitoPrivado (como costumava ocorrer no Brasil)das estatais e imaginar que, por força dela,seu regime pode ensejar-lhes uma desenvoltu-ra equivalente à dos sujeitos cujo modelotipológico inspirou-lhes a criação. Deveras, apersonalidade de Direito Privado que as re-veste não passa de um expediente técnico cujopréstimo adscreve-se, inevitavelmente, a cer-tos limites, já que não poderia ter o condãode embargar a positividade de certos princí-pios e normas de Direito Público cujo arren-damento comprometeria objetivos celulares doEstado de Direito.O traço nuclear das empresas estatais, isto é,das empresas públicas e sociedades de eco-nomia mista, reside no fato de serem coadju-vantes de misteres estatais. Nada pode dissol-ver este signo insculpido em suas naturezas.”4

Em razão do apontado traço fundamental, é que sejustifica a série de imposições constitucionais às empre-sas estatais, de que é exemplo o Banco do Brasil S/A.

Negar ao Ministério Público Federal, socorren-do-se da garantia dos particulares do direito à inti-midade e ao sigilo comercial ou bancário, acessoaos elementos, informações e documentação de pro-cesso de auditoria realizado pela empresa pública,onde se discute a legalidade da atuação administrativaimposta por norma de direito público, não há dúvidas deque é desconhecer os vetores basilares do regime jurídi-co desse ente da Administração, perpetrando uma ofen-sa inadmissível às diretrizes fundamentais do Texto Cons-titucional.

De modo algum, pode-se ventilar a qualificação

de meros, inúteis, irrelevantes “atos de gestão” ao con-junto de atos praticados pelo Banco do Brasil, na condu-ção dos processos licitatórios, objeto de investigaçãoministerial, e na apuração de eventuais irregularidadesneles praticadas. São todos atos impostos pelo regimede direito público delimitado pela Constituição.

Como visto acima, é a ordem constitucional queimpõe a realização de licitações no âmbito da empresapública (art. 37, XXI e 173,§1º). É o mesmo DiplomaFundamental que impõe a existência de sistemas de con-trole interno no âmbito do Poder Executivo, com a fina-lidade de “comprovar a legalidade e avaliar os resulta-dos, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamen-tária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidadesda administração federal, bem como da aplicação derecursos públicos por entidades de direito privado” (art.74, II), do qual o sistema de Auditoria do Banco do Bra-sil é tão somente uma peça auxiliar e informativa destecontrole.

Por conseguinte, “atos de mera gestão empresa-rial” é um rótulo incompatível com a série de atos prati-cados pelo Banco, no cumprimento dos deveres consti-tucionais, cujo acesso foi requisitado pelo Parquet Fe-deral, no cumprimento de sua missão.

A mencionada “auditoria interna” não deriva dedecisão lastreada na “autonomia da vontade” da pessoajurídica de direito privado Banco do Brasil. O Banconão fez auditoria porque simplesmente assim desejou. Arealização do procedimento de fiscalização levado a efei-to, não apenas deriva do regime constitucional da soci-edade de economia mista BB, como também de imposi-ção direta e explícita do regime legal consagrado na Lein.º 8.666/93, que atualmente estabelece as normas ge-rais disciplinadoras da matéria, dentre as quais se esta-belece que a autoridade competente para aprovação doprocedimento da licitação deverá “anulá-la por ilega-lidade, de ofício ou por provocação de terceiros,mediante parecer escrito e devidamente fundamen-tado” (art. 49 Lei 8.666/93), determinando-se aresponsabilização civil, criminal, administrativa e por atosde improbidade, conforme o caso.

No bojo do Inquérito Civil Público, apura-se a re-gularidade de mais de 70 (setenta) procedimentos decontratação de serviços e obras de engenharia, tendocomo favorecidos somente duas empresas do ramo,envolvendo um total aproximado de R$ 2.234.025,46(Dois milhões, duzentos e trinta e quatro mil re-ais), ocorridos nos anos de 1998/1999, época em quea moeda nacional estava ainda valorizada. Inúmerosagentes da Instituição são citados nas denúncias, emsuposto esquema com presença para além das frontei-ras de São Paulo.

Apenas pela dimensão dos fatos denunciados, ficasem justificativa atribuir à denúncia “certo grau de des-crédito pelos órgãos examinadores de seu teor” (fls. 5),sobretudo quando já se tem conhecimento, pelos depoi-mentos colhidos, que a Auditoria do Banco colheu odepoimento de várias empregados do Banco, es-

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 200319

tendeu-se por um período considerável e juntoufarta documentação acerca dos fatos. Até mesmo adenúncia de substituição indevida do corpo encar-regado da Auditoria é veiculada no rol de irregula-ridades. Não se sabe, todavia, a que resultados chegouo processo de apuração interna, quem o conduziu, sehouve ou não responsabilização de algum servidor, sehouve ou não apenas o arquivamento.

Ora, é de clareza solar a imprescindibilidade doacesso ao conteúdo do procedimento de auditoria reali-zada pelo Banco para esclarecimento do teor da denún-cia, feita em primeira linha junto à própria instituição,que tem o dever de autotutela da legalidade. Não hácomo aceitar que “o não fornecimento dessas peças EMNADA prejudica ou dificulta a investigação” (fls. 9),como afirmou expressamente o Banco na exordial. Poroutro lado, quem tem a titularidade para afirmar ou nãoda relevância da documentação para fins de instruçãode eventual ação civil pública por atos de improbidadeadministrativa, condutor do processo administrativo noqual ocorreu a requisição, é o órgão ministerial.

Por conseguinte, totalmente sem sentido incluira aludida documentação requisitada como objeto res-guardado pelo direito fundamental à privacidade eao sigilo comercial ou bancário. É fundamental deixarbem claro que as informações e documentações, objetoda Auditoria e, por conseguinte, da requisição ora impug-nada, não diz respeito à atividade empresarial do Banco,sua atividade finalística. Diz respeito única e exclusiva-mente sobre a modo como recursos públicos foram admi-nistrados e como foram conduzidas licitações e ajustadascertas contratações, em cujo proceder supostamente ocânone da legalidade foi violado.

IV - A DELIMITAÇÃO CORRETA DA “GARAN-TIA DO SIGILO BANCÁRIO” QUANDO APLICA-DA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA INTEGRAN-TE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA, CUJO RE-GIME É IMPACTADO PELO REGIME DE DIREI-TO PÚBLICO.

No já famoso MS n. 21729-DF, o Supremo Tri-bunal Federal, em relação ao próprio Banco do Brasil S/A, já teve oportunidade de manifestar-se sobre o sigilobancário, em decisão assim ementada:

“MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILOBANCÁRIO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EXE-CUTORA DE POLÍTICA CREDITÍCIA E FINAN-CEIRA DO GOVERNO FEDERAL.

1. Legitimidade do Ministério Público pararequisitar informações e documentos destinados ainstruir procedimentos administrativos de sua com-petência.

2. Solicitação de informações, pelo MinistérioPúblico Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre conces-são de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro Nacional,com base em plano de governo, a empresas do setor

sucroalcooleiro.3. Alegação do Banco impetrante de não poder

informar os beneficiários dos aludidos empréstimos, porestarem protegidos pelo sigilo bancário, previsto no art.38 da Lei n.º 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento deque dirigente do Banco do Brasil S/A não é autoridade,para efeito do art. 8o, da LC n.º 75/93.

4. O poder de investigação do Estado é dirigido acoibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a garan-tia do sigilo bancário não se estende ás atividades ilíci-tas. A ordem jurídica confere explicitamente poderesamplos de investigação ao Ministério Público – art.; 129,incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8o, incisosII e IV, e §2º, da Lei Complementar n.º 75/1993.

5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, aoMinistério Público, informações sobre nomes debeneficiários de empréstimos concedidos pela ins-tituição, com recursos subsidiados pelo erário fe-deral, sob invocação do sigilo bancário, em se tra-tando de requisição de informações e documentospara instruir procedimento administrativo instau-rado em defesa do patrimônio público. Princípioda publicidade, ut art. 37 da Constituição.

6. No caso concreto, os empréstimos concedidoseram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto oBanco do Brasil os realizou na condição de executor dapolítica creditícia e financeira do Governo Federal, quedeliberou sobre sua concessão e ainda se comprometeua proceder à equalização da taxa de juros, sob a formade subvenção econômica ao setor produtivo, de acordocom a Lei n.º 8.427/1992.

7. Mandado de Segurança indeferido.”5

Ora, se informações relativas a empréstimos dainstituição financeira, negócios tipicamente integrados àsua atividade fim, já se consolidou o entendimento que aampla publicidade é imposição constitucional, em home-nagem à moralidade e à cidadania, com muito maior ra-zão, informações relativas a simples licitações econtratações, legalmente disciplinadas em seus requi-sitos procedimentais, devem receber o mesmo tratamentojurídico, igualmente em homenagem à moralidade, massobretudo ao princípio da igualdade, que veda favoritis-mos ilícitos na matéria com o patrimônio público.

Não se trata de impugnação à requisiçãodirecionada para quebra de sigilo comercial oubancário da instituição, pelo simples motivo de quetodos os atos praticados pela instituição estatal nascontratações de suas alienações, fornecimentos, servi-ços e obras, relacionados com o suprimento dos meiosnecessários ao desempenho de atividade administrativa,estão abarcados pelo princípio da publicidade, e, nestaqualidade, não há como constitucionalmente localizá-loscomo albergados pelo direito à privacidade e pela ga-rantia de sigilo, de cunho marcadamente privatista. Dessemodo, totalmente incabível e infrutífera cogitar-se de“reserva de jurisdição”6 para conferir legitimidade aoato ministerial, que encontra-se regularmente suas con-dições de perfeição, validade e eficácia, devidamente

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preenchidas segundo a disciplina normativa em vigor.

V – DAS ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS ELEGAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPARA A PRÁTICA DO ATO DE REQUISIÇÃOIMPUGNADO

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 127,definiu o Ministério Público como instituição permanen-te e essencial à função jurisdicional do Estado e estabe-leceu suas linhas de atuação ao incumbir-lhe a defesada ordem jurídica, do regime democrático e dos interes-ses sociais e individuais indisponíveis.

O artigo 129, inciso III da mesma Constitui-ção, determina, entre outras, as seguintes funçõesinstitucionais do Ministério Público:

III - promover o inquérito civil e a ação civilpública, para proteção do patrimônio públicoe social, do meio ambiente e de outros interes-ses difusos e coletivos (..)”

Regulamentando os artigos acima citados, prevêa Lei Complementar n.º 75/93, em seus artigos 5º e 6º, alegitimidade do Ministério Público Federal, estatuindo:

“Art. 5° - São funções institucionais do Mi-nistério Público da União:I - a defesa da ordem jurídica, do regime de-mocrático, dos interesses sociais e dos inte-resses individuais indisponíveis, considera-dos, dentre outros, os seguintes fundamen-tos e princípios: (...)V – zelar pelo efetivo respeito aos PoderesPúblicos da União e dos serviços de relevân-cia pública quanto: (...)b) aos princípios da legalidade, daimpessoalidade, da moralidade e da publici-dade;

Art. 6º. Compete ao Ministério Público daUnião:VII - promover o inquérito civil público e aação civil pública para (...)b) a proteção do patrimônio público e social(...);XIV – promover outras ações necessárias aoexercício de suas funções institucionais, emdefesa da ordem jurídica, do regime demo-crático e dos interesses sociais e individuaisindisponíveis, especialmente quanto: (...)f) à probidade administrativa; (...)”

É evidente que, para o desempenho de tão rele-vantes funções, a Constituição e a legislaçãoinfraconstitucional não poderiam deixar de consignar osmeios ou instrumentos de investigação necessários aoatingimento das finalidades públicas almejadas.

Está explicito no arcabouço constitucional dasfunções institucionais do Ministério Público, a de “ex-

pedir notificações nos procedimentos administra-tivos de sua competência, requisitando informaçõese documentos para instruí-los, na forma da lei com-plementar respectiva” (art. 129, VI).

Por sua vez, a expedição de requisições está le-galmente prevista, in verbis, na LC n. 875/93:

“ Art. 8o Para o exercício de suas atribui-ções, o Ministério Público da União poderá,nos procedimentos de sua competência: (...)II – requisitar informações, exames, períci-as e documentos de autoridades da Admi-nistração Pública direta ou indireta; (...)”

O respeito ao cumprimento da requisição não ématéria de consentimento, deixado ao agente requisita-do. “Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministé-rio Público, sob qualquer pretexto, a exceção desigilo, sem prejuízo do caráter sigiloso da informa-ção, do registro, do dado ou do documento que lheseja fornecido”, completa o §2º do art. 8o, que aindaprescreve a responsabilização devida, no caso de faltainjustificada e retardamento indevido do cumprimentodas requisições ministeriais.

Como bem assinala Hugo Nigro Mazzilli, “O Mi-nistério Público acionará ou intervirá em defesa dopatrimônio público sem que especial razão exista paratanto, como quando o Estado não tome a iniciativa deresponsabilizar o administrador por danos por este cau-sados ao patrimônio público, ou quando motivos demoralidade administrativa exijam seja nulificado algumato ou contrato da administração que esta insiste empreservar, ainda que em detrimento da coletividade.”7

Em face do exposto, com as presentes INFOR-MAÇÕES, aguardando seja denegado o mandado desegurança, apresentamos nossos protestos de elevadaestima e consideração.

São Paulo, 11 de junho de 2003.

___________________

1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Ad-ministrativo. 15a ed. São Paulo : Malheiros, 2003, p. 104.2 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. SãoPaulo : Saraiva, 1994, p. 43.3 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4a ed. São Paulo :Saraiva, 1995, p. 7.4 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 180.5 STF, Tribunal Pleno, por maioria, julgamento 05.10.1995, DJ19.10.2001, p. 33.6 “Certo é que as requisições encontram limites materiais, o que sereconhece, muito especialmente,, nas hipóteses em que a Constitui-ção reservou o conhecimento de determinadas matérias ao PoderJudiciário, v.g., a busca domiciliar(art. 5o, XI), a interceptação telefô-nica (art. 5o, XII), e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressal-vada a hipótese de flagrância (art. 5o, LXI)” (FELDENS, Luciano. OPoder Requisitório do Ministério Público e a Inoponibilidade deSigilo. In: Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Públi-co da União. Brasília, ano II, n. 7, abr./jun. 2003, p. 72).7 A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo.11a ed. São Paulo :Saraiva, 1999, p. 115.

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 200321

1. INTRODUÇÃO

Ninguém hoje duvida de que as relações de con-sumo dizem respeito a todos nós, considerando-se que,não há como negar que todo indivíduo é consumidor,stricto sensu ou por equiparação (art. 2º e seu parágra-fo único do CDC), na medida em que não podemos pres-cindir de produtos e serviços, os quais são fabricados e/ou prestados por outrem.

Ora, se dependemos de fornecedores de produ-tos e serviços para satisfazer nossas necessidades bási-cas, e outras tantas nem tão básicas, mas, nem por issomenos importantes, mostra-se evidente que, forçosamen-te, teremos que realizar contratos para a aquisição des-ses bens ou serviços, surgindo daí sérios conflitos mun-dialmente conhecidos que revelam a existência de umadesigualdade entre as partes contratantes, desigualdadeesta cujas conseqüências têm sido desastrosas para oconsumidor que é, sem qualquer dúvida, a parte vulne-rável dessa relação.

Em face das conseqüências deletérias que têmafligido a população decorrentes de suas relaçõesconsumeristas, os Estados vêem-se obrigados a adotarmedidas legais tendentes à proteção dos consumidores,objetivando equilibrar as desigualdades existentes entreestes e os fornecedores.

Com efeito, a sociedade globalizada na qual atu-almente vivemos, onde as informações, os conhecimen-tos e o acesso aos bens de consumo acontecem em temporeal, a uma velocidade surpreendente, produziu o fenô-meno da massificação, onde as relações se desenvol-vem de forma impessoal, fazendo surgir o que CláudiaLima Marques1 denomina de despersonalização dasrelações contratuais, com métodos de contrataçãoestandardizados, como os contratos de adesão e ascondições gerais dos contratos, cabendo, assim, aoEstado intervir impondo normas imperativas para equili-brar a relação entre consumidores e fornecedores, con-siderando-se que, em regra, o contrato é apresentado aoconsumidor, com as condições que ali foram impostas

DIREITOS DO CONSUMIDOR E OSARQUIVOS DE CONSUMO

Nilce Cunha Rodrigues Procuradora da República no estado do Ceará

unilateralmente pela empresa, restando-lhe tão-somen-te a faculdade de aceitá-lo ou recusá-lo.

Em virtude da massificação, da celeridade, doanonimato e da complexidade que caracterizam as re-lações de consumo, surgiram os BANCOS DE DA-DOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES, os quaisse destinam a, exatamente, suprir a impossibilidade deobtenção direta de informações acerca do consumidor,passando eles, então, a disponibilizar aos fornecedorestais informações, que são necessárias e indispensáveispara tornar possível a realização dos negócios com arapidez exigida na atualidade, superando, assim, o ano-nimato do consumidor e proporcionando segurança àcontratação.

Como a defesa do consumidor não se esgota naformação do contrato, fazendo-se necessária antes, nafase pré-contratual, durante a realização e depois dacontratação, inclusive alcançando o momento posteriorao cumprimento das obrigações principais assumidas, istoé, no decorrer da execução e até depois desta, o legisla-dor cuidou de dotar o CDC de normas direcionadas àproteção do consumidor também no pertinente aos ar-quivos (bancos de dados e cadastros), tendo em vistaque, seguramente, essas entidades representam um enor-me risco para o consumidor, dependendo da utilizaçãoabusiva ou equivocada que façam dos dados pessoaisque mantêm em seus arquivos, podendo mesmo vir aocasionar prejuízos econômicos e morais de grandesignificância, inclusive impossibilitando o acesso ao cré-dito no mercado de consumo.

É sobre este assunto que nos propomos tecer al-gumas considerações, pretendendo tão-somente contri-buir para uma reflexão sobre a relevância dos bancosde dados e cadastros no mercado de consumo, assimcomo para o perigo que os mesmos representam para oconsumidor, caso usem indevidamente as informaçõespessoais coletadas à revelia do interessado, vindo a com-prometer-lhe a honra e a imagem, principalmente pornão lhe ter sido dada a oportunidade de corrigir possí-veis erros.

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 200322

2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E OSDIREITOS DO CONSUMIDOR

O Brasil não pode ser considerado como pio-neiro no estabelecimento de normas protetivas do con-sumidor, todavia, no texto da Constituição Federal de1.988, pela primeira vez na história das constituiçõesbrasileiras, passou a constar expressamente, na cate-goria de Direitos Fundamentais – art. 5º, XXXII –,daí sua maior relevância ainda, a proteção dos consu-midores, constando, também, no capítulo da OrdemEconômica – art. 170, V - a defesa do consumidorcomo princípio a autorizar a intervenção do Estadona Ordem Econômica, e, ainda, no art. 48 do Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias, a determi-nação para que o Congresso Nacional elaborasse,dentro de cento e vinte dias, o Código de Defesa doConsumidor, o qual, entretanto, só veio à lume em 11de setembro de 1990, materializado na Lei nº 8.078,com vigência para depois de cento e oitenta dias desua publicação, o que de fato aconteceu no dia 11 demarço de 1991.

Naturalmente não se pode perder de vista que,nada obstante houvesse, há muito, reclamos da socie-dade por normas que viessem a regular as relaçõesde consumo, haja vista a constante e real situação dedesvantagem para o consumidor, visto que semprearcava ele com toda sorte de prejuízos face as difi-culdades e/ou impossibilidades para obter reparaçãodo seu parceiro contratual mais forte, o fatodeterminante para levar o Brasil a reconhecer emnível constitucional os direitos do consumidor foi acélebre Resolução da ONU nº 39/248, de 16 de abrilde 1985, através da qual foram baixadas normas so-bre a proteção do consumidor, restando expressamentereconhecidos a favor dos mesmos os desequilíbriosem termos econômicos, níveis educacionais e poderaquisitivo, conforme se pode conferir, in verbis:

NORMAS PARA A PROTEÇÃO DO CONSU-MIDOR

OBJETIVOS1. Levando em consideração os interessese as necessidades dos consumidores em todosos países, particularmente os países em desen-volvimento, reconhecendo que os consumido-res se deparam com desequilíbrios em termoseconômicos, níveis educacionais e poder aqui-sitivo; e tendo em mente que consumidores têmo direito de acesso a produtos inofensivos, as-sim como o direito de elaborar um desenvolvi-

mento econômico e social justo, eqüitativo eduradouro, essas normas para a proteção ao con-sumidor têm os seguintes objetivos:

a) auxiliar países a atingir ou manter uma pro-teção adequada para sua população consu-midora;

b) oferecer padrões de produção e distribuiçãoque preencham as necessidades e desejosdos consumidores;

c) incentivar altos níveis de conduta ética, paraaqueles envolvidos na produção e distribui-ção de bens e serviços para os consumido-res;

d) auxiliar países a diminuir práticas comerciaisabusivas usando de todos os meios, tanto emnível nacional como internacional, que este-jam prejudicando os consumidores;

e) ajudar no desenvolvimento de grupos inde-pendentes e consumidores;

f) promover a cooperação internacional na áreade proteção ao consumidor; e

g) incentivar o desenvolvimento das condiçõesde mercado que ofereçam aos consumido-res maior escolha, com preços mais baixos2 .

A bem da verdade, a Constituição Federal, quese pretende uma Constituição CIDADÃ, não poderiajamais ter deixado de reconhecer os direitos e confe-rir as necessárias garantias aos consumidores, pois, écediço que todos nós, pouco importando o nível socialou a faixa de renda, assim como o local em que vive-mos, somos consumidores, quer seja para suprimentodas nossas próprias necessidades de sobrevivência,quer pelo simples prazer de possuir os objetos, inclu-sive, vale não esquecer, os próprios fornecedores, nempor isso, deixam de ser consumidores, razão pela qualmostrar-se-ia inaceitável fosse deixado eternamenteao sabor dos interesses ou do humor da parte maisforte da relação contratual consumerista, decidir quaiscondições impor. Demais disso, encerram-se quais-quer discussões em torno da relevância da proteçãose atentarmos, com Herman Benjamin3 , para o fatode que: “sem consumidor não há sociedade de con-sumo, sem esta não há mercado e sem mercado nãohá contratação massificada”.

Atualmente há mais dúvidas acerca de que oCódigo de Defesa do Consumidor representa umagrande conquista social, considerando-se que é atra-vés de suas normas de caráter cogente (art. 1º, doCDC) que, finalmente, o desequilíbrio contratual exis-tente durante todo o período do liberalismo reinante

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BOLETIM DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA - ANO V - Nº 64 - AGOSTO 200323

nos séculos XVIII e XIX - em que a autonomia davontade representava a única fonte dos contratos, alegitimação para o surgimento de direitos e obriga-ções oriundos dos contratos -, restou superado pelaimposição de regras voltadas para a função social docontrato, relativizando os efeitos do princípio máximodo pacta sunt servanda. Com o CDC efetiva-se,concretamente no Brasil, a nova era do Welfare State,ou Estado do Bem-Estar Social, em que as relaçõescontratuais de consumo sofrem a intervenção do Es-tado para impedir o desequilíbrio naturalmente exis-tente entre as partes, mitigando os efeitos sociais per-versos decorrentes da vulnerabilidade do contratantemais fraco.

Com efeito, o Estado Social representa, no cam-po das relações contratuais, exatamente o oposto doEstado Liberal, porquanto neste, a concepção de in-tervenção mínima nos negócios privados era impera-tiva, havia o dogma do laissez-faire enraizado na so-ciedade, pelo qual o Estado deveria intervir o mínimopossível na vida das pessoas, sendo consideradasirrelevantes as desigualdades pessoais das partes con-tratantes, porquanto o que devia imperar era a auto-nomia da vontade e a liberdade individual de contra-tar. Já para o Estado Social, a preocupação é a deequilibrar as desigualdades entre os contratantes, é oque se chama de fenômeno do dirigismo contratual,posto ser de inescondível realidade a existência deflagrantes desigualdades, as quais ensejam, habitual-mente, resultados extremamente danosos à parte maisfrágil da relação contratual.

O Estado Social, efetivamente, preocupa-secom as desigualdades e discriminações, impondo re-gras imperativas em benefício dos pobres, dos velhos,dos deficientes, dos consumidores etc., em busca deum ideal de justiça distributiva e igualdade substanti-va. É, assim, a realização do que se pode entender,com Ronaldo Porto Macedo JR4 , por “Direito Socialde desigualdades, de privilégios e discriminações po-sitivas moral e politicamente legitimados”.

A Constituição Federal ao reconhecer os direi-tos do consumidor como direitos fundamentais, con-feriu-lhes um status de direito universal, posto que,todos os direitos fundamentais possuem esta nature-za, significando, segundo Paulo Bonavides5 , que to-dos eles “são dotados de grau mais elevado dejuridicidade, concretude, positividade e eficácia,e que a universalidade procura, enfim, subjetivar deforma concreta e positiva os direitos da tríplice gera-ção na titularidade de um indivíduo que antes de ser ohomem deste ou daquele País, de uma sociedade de-senvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição

de pessoa um ente qualificado por sua pertinência aogênero humano, objeto daquela universalidade”.

Portanto, ao incluir a Constituição de 1988 osdireitos do consumidor como direitos fundamentais, eassegurar que o Estado promoverá, na forma da lei,sua defesa (art. 5º, XXXII), obrigou-se a adotar asmedidas necessárias para dar cumprimento a tais im-perativos, vindo isso a ocorrer com a edição do Códi-go de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), o qualveio dar concretude as normas constitucionais em re-ferência, porquanto, só a partir daí, o consumidor pas-sou a ter um instrumento jurídico capaz de lhe pro-porcionar a segurança preconizada pela Lei Maior,podendo-se conferir essa assertiva com a lição de J.J.GOMES CANOTILHO6 que, ao estabelecer os con-ceitos básicos do processo de concretização consti-tucional assegura que:

“Realizar a constituição significa tornar ju-ridicamente eficazes as normas constitucionais.Qualquer constituição só é juridicamente ´eficaz´(pretensão de eficácia) através da sua realização.Esta realização é uma ´tarefa´ de todos os órgãosconstitucionais que, na actividade legiferante, ad-ministrativa e judicial, aplicam as normas da cons-tituição. Nesta ´tarefa realizadora´ participam ain-da todos os cidadãos ´pluralismo de intérpretes´que fundamentam na constituição, de forma directae imediata, os seus direitos e deveres” (destaquesno original).

Vê-se, dessarte, que o Código de Defesa doConsumidor representa, como já foi dito, uma grandeconquista social, vez que a proteção do homem, querna condição individual quer na de membro da coleti-vidade enquanto consumidor, hoje se acha plenamen-te albergada pelas normas imperativas do CDC, me-recendo lembrar que, as relações de consumo atuais,em estrita observância as regras do Código, devempautar-se pelos princípios da transparência, da boa-fé, da segurança e do equilíbrio contratual, vale dizer,é a lei que ocupa a posição dominante, dotando deeficácia jurídica o contrato, ou, não lhe reconhecendovalidade, caso haja violação de seus mandamentos,restando, definitivamente, arredado o dogma liberalda autonomia da vontade. Passamos da visão indivi-dualista do Direito Civil, onde a força obrigatória doscontratos (pacta sunt servanda) desconsideravacompletamente as condições de fragilidade de umadas partes contratantes, para uma visão mais social,onde as condições fáticas das partes envolvidas sãorealmente consideradas. É, em outras palavras, a pre-sença do direito como verdadeiro garante do equilí-brio que deve existir nas relações consumeristas.

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3. DOS BANCOS DE DADOS E CADASTROS DECONSUMIDORES

O CDC inseriu no capítulo DAS PRÁTICASCOMERCIAIS, os bancos de dados e cadastros deconsumidores, juntamente com a oferta, a publicidade,das práticas abusivas e da cobrança de dívidas, restan-do assim consignado no artigo 43 o seguinte:

“Art. 43 – O consumidor, sem prejuízo do dispos-to no art. 86, terá acesso às informações existen-tes em cadastros, fichas, registros e dados pesso-ais e de consumo arquivados sobre ele, bem comosobre as suas respectivas fontes.§ 1º - Os cadastros e dados de consumidores de-vem ser objetivos, claros, verdadeiros e em lin-guagem de fácil compreensão, não podendo con-ter informações negativas referentes a períodosuperior a cinco anos.§ 2º - A abertura de cadastro, ficha, registro edados pessoais e de consumo deverá sercomunicada por escrito ao consumidor, quandonão solicitada por ele.§ 3º - O consumidor, sempre que encontrar ine-xatidão em seus dados e cadastros, poderá exigirsua imediata correção, devendo o arquivista, noprazo de cinco dias úteis, comunicar a alteraçãoaos eventuais destinatários das informações in-corretas.§ 4º - Os bancos de dados e cadastros relativos aconsumidores, os serviços de proteção ao créditoe congêneres são considerados entidades de ca-ráter público.§ 5º - Consumada a prescrição relativa à cobran-ça de débitos do consumidor, não serão fornecidas,pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Cré-dito, quaisquer informações que possam impedirou dificultar novo acesso ao crédito junto aos for-necedores”. Exsurge, das regras acima transcritas que, o

Código de Defesa do Consumidor não descurou, a exem-plo de outras hipóteses protetivas específicas, de res-guardar o consumidor estabelecendo normas contra abu-sos decorrentes do inadequado uso de informações aseu respeito, colhidas à sua revelia, assim também noque pertine ao acesso a essas informações, a fim deconhecê-las e corrigi-las, se porventura incorretas, tudoisso como forma de proteger sua dignidade e ao mesmotempo garantir-lhe o sagrado direito de acesso ao mer-cado de consumo visando à obtenção de bens e servi-ços.

Sem dúvida que no mundo moderno de hoje onde

a produção, a distribuição e a comercialização de produ-tos e serviços se processam em uma velocidade semprecedentes, onde as partes, via de regra não se conhe-cem, se fez necessário o surgimento de mecanismoscapazes de proporcionar a segurança indispensável aofornecedor, para que este conceda o crédito que o con-sumidor precisa para ter acesso ao mercadoconsumerista, de vez que o fenômeno da massificaçãoimpõe sejam adotadas medidas as mais diversas, ten-dentes à solucionar os diferentes problemas, conformepreleciona Mauro Cappelletti,7 o precursor da teoria dosdireitos difusos e coletivos:

“Os fenômenos do nascimento dowelfare state e do crescimento dos ramoslegislativo e administrativo foram por si mesmos,obviamente, o resultado de um acontecimento his-tórico de importância ainda mais fundamental: arevolução industrial, com todas as suas amplas eprofundas conseqüências econômicas, sociais eculturais. Essa grandiosa revolução assumiu umacaracterística que se pode sintetizar numa pala-vra certamente pouco elegante, mas assaz expres-siva: “massificação”. Todas as sociedades avan-çadas do nosso mundo contemporâneo são, defato, caracterizadas por uma organização econô-mica cuja produção, distribuição e consumo apre-sentam proporções de massa. Trata-se de carac-terísticas que, por outro lado, amplamente ultra-passa o simples setor econômico, para se re-ferir também às relações, comportamentos,sentimentos e conflitos sociais” (original semdestaque).Pode-se destacar, como características da socie-

dade de consumo: sua complexidade; a velocidade dastransações; o anonimato dos contratantes; o crédito e omarketing.

Sabido é que, hodiernamente, as relações de con-sumo se processam de forma impessoal, massificada,rapidamente, e, no mais das vezes, influenciadas pelapublicidade, a qual, pode até atingir um nível alienante,circunstâncias que despertaram, em todo o mundo, a pre-ocupação de proteger o consumidor contra os males daídecorrentes, porquanto a fragilidade deste em face dopoderio dos grandes grupos empresariais, dos monopóli-os, dos oligopólios resta indiscutível, considerando-seque estes são os que, naturalmente, guardam as infor-mações sobre os produtos, suas qualidades e/ou defei-tos, além de contarem, também, com a superioridadeeconômica, razão pela qual, consoante sustenta J.M.Othon Sidou,8 tido por todos como o pioneiro no Brasil aenfrentar a questão da defesa do consumidor, “o quedeu dimensão enormíssima ao imperativo cogente de pro-

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teção ao consumidor, ao ponto de impor-se como temade segurança do Estado no mundo moderno, em razãodos atritos sociais que o problema pode gerar e ao Esta-do incumbe delir, foi o extraordinário desenvolvimentodo comércio e a conseqüente ampliação da publicidade,do que igualmente resultou, isto sim, o fenômeno desco-nhecido dos economistas do passado – a sociedade doconsumo, ou o desfrute pelo simples desfrute, a aplica-ção da riqueza por mera sugestão consciente ou incons-ciente”.

Vê-se, assim, que as relações de consumo na so-ciedade globalizada e, por conseguinte, massificada, im-põem a utilização de práticas comerciais tendentes agarantir o máximo possível de segurança às partes, e,dentre os meios destinados a esse fim encontram-se osarquivos de consumo os quais, como já salientamos an-tes, têm por escopo dotar os fornecedores de elementosinformativos confiáveis sobre a capacidade do consumi-dor se obrigar e honrar tais obrigações.

Os arquivos de consumo ocupam, nesta socieda-de de consumo de massa, uma posição altamente rele-vante, eis que, ao tempo que fornecem os elementosnecessários para o fornecedor conceder o crédito, su-perando o anonimato do consumidor com informaçõesprecisas, possibilita a este adquirir o bem ou serviço, tudose processando de forma célere, o que resulta em van-tagens para ambas às partes contratantes, tendo em vis-ta que seus interesses são satisfeitos na medida das ex-pectativas ocasionais.

Todavia, em que pese o reconhecimento sobre arelevância dos arquivos para a sociedade de consumomoderna, mister se faz que sobre os mesmos se mante-nha rígido controle, posto que, tocando muito de perto ahonra e a imagem do consumidor, podendo até mesmoexclui-lo do mercado consumerista caso façam inade-quado uso das informações que detêm ou, de outra ban-da, se tais informações se revestirem de elementos des-favoráveis e incorretos, devem ser-lhes impostas seve-ras regras, a fim de que não venham a causar lesões àspessoas em decorrência de práticas abusivas.

Há de haver controle tanto em relação às entida-des privadas quanto às públicas que mantenham infor-mações armazenadas sobre consumidores, tendo em vistaque o risco existe independentemente da natureza daorganização.

A necessidade de ser mantido rígido controle so-bre os arquivos de consumo é medida indiscutível e aceitaem países mais evoluídos, dos quais os Estados Unidossão exemplos quando assim dispõem, “os serviços deproteção ao crédito vêm assumindo um papel vital noreunir e avaliar o crédito de consumidores e outras in-formações sobre este (...) há uma necessidade de asse-

gurar que esses serviços de proteção ao crédito exerci-tem suas graves responsabilidades com eqüidade, im-parcialidade e respeito pelo direito à privacidade do con-sumidor”.9

Correto o entendimento acerca da necessidadede rígido controle sobre tais entidades mantenedoras dearquivos de consumo, considerando-se que o consumi-dor que tiver seu nome inscrito nos órgãos de proteçãoao crédito tem, imediata e inexoravelmente, sua reputa-ção creditícia abalada e seu conceito diminuído no meiosocial, posto que sua honra e boa fama serão diretamen-te atingidas, o que seguramente ocasionar-lhe-á gravesprejuízos morais e econômicos.

É cediço que a negativação do nome do consumi-dor nos arquivos de consumo tem como resultante suaexclusão do mercado consumerista, porquanto, não pos-suindo crédito, naturalmente os bens e serviços estarãofora de seu alcance, o que seguramente o conduzirá auma condição de extrema dificuldade, com graves re-flexos patrimonial e moral a incidir sobre si próprio, bemcomo sobre sua família. Sendo relevante acrescer que,na hipótese da negativação indevida, os prejuízos serãoainda maiores, porque extremamente injustos.

Consoante o entendimento de Herman Benja-min,10 um dos autores do anteprojeto do CDC e comcerteza uma das mais respeitáveis autoridades no as-sunto, “A acumulação de informações sobre o consumi-dor, por mais singelas que sejam, não deixam de ser umainvasão de sua privacidade. O perigo aumenta quandose sabe que algumas ou muitas dessas informações nãosão acuradas ou não estão atualizadas. Tudo isso sob opano de fundo de que o intuito é repassá-las adiante, àsmãos de terceiros, mediante remuneração ou não. Osriscos para o consumidor – conjugados aos benefíciosacima mencionados – são enormes. ‘A entidade podecoletar e disseminar informações que o consumidor nãodeseja circular, mesmo que tal implique na negativa decrédito. De fato, é possível que o consumidor sequersaiba que dados sobre sua pessoa estão ou foram arma-zenados, podendo, ainda, não estar a par de sua finalida-de e conteúdo. A ignorância da existência e conteúdode um arquivo exarceba, além disso, o problema da ine-xatidão...”

Dispondo o Código de Defesa do Consumidor, nosarts. 42 e 71, que o consumidor não será exposto aoridículo, nem será submetido a qualquer tipo de cons-trangimento físico ou moral, ameaça ou coação, signifi-ca dizer que, cobrança de dívida pode e deve ser feita, éconduta legítima, todavia, o que não pode ser permitidosão os excessos, que causam humilhação e constrangi-mentos, assim como também não tem cabida a utiliza-ção de ameaças de causar danos de qualquer natureza,

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para forçar ao pagamento do débito. Ora, ninguém podenegar que a inscrição irregular do nome do consumidorno SPC é causa de enormes constrangimentos, sendocerto também que, muita vez, a negativação tem porúnico objetivo forçar o pagamento, circunstância que, àevidência, enquadra-se nas hipóteses acima citadas.

Como vimos de ver, é medida imperiosa a exis-tência de controle sobre referidas entidades arquivista,se tratando mesmo de salutar e inderrogável dever, ten-do em vista que as normas do CDC têm por objetivoproteger o consumidor e, dessa forma, manter o equilí-brio superando os eventuais conflitos, pelo que, se nãohouvesse proteção no pertinente ao crédito para ter aces-so ao mercado de consumo, as demais regras protetivasseriam despiciendas, perderiam a razão de ser.

4. DOS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMI-DOR FRENTE AOS ARQUIVOS DE CONSU-MO.

No momento em que são arquivados dados sobreo consumidor, ainda que não digam respeito diretamenteao mercado, surgem para ele três direitos básicos: o deser comunicado sobre o arquivo; o de ter acessoaos referidos dados; e o de retificação desses mes-mos dados.

Com efeito, decorre da literal disposição do § 2ºdo art. 43 do CDC acima reproduzido que: a abertura decadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumodeve ser comunicada ao consumidor por escrito, des-de que, evidentemente, não tenha sido solicitada por ele.Vale dizer, se é o próprio consumidor quem requer aabertura do arquivo, por óbvio descabe exigir qualquercomunicação neste sentido. Ocorrendo essa hipótese,via de regra, quando se trata de cadastro, que é aquelefeito pelo próprio consumidor junto ao seu fornecedorimediato ou mediato. Todavia, quando se cuidar de ar-quivo em banco de dados, este nunca é de iniciativado consumidor, tudo acontecendo à sua revelia, razãoporque se impõe a comunicação prévia ao interessado,em virtude da potencialidade de danos morais epatrimoniais decorrentes da utilização dessas informa-ções. Comunicação esta que deve ser feita por escrito,e, nada obstante a lei silencie acerca do prazo em quedeva ser dada a comunicação, mostra-se razoável, poranalogia, adotar-se o prazo de cinco dias previsto no §3º do mesmo preceptivo, relativo à comunicação aos in-teressados, das correções procedidas. Até porque, con-forme reza o art. 6º, inc. VI, do CDC, é direito básico doconsumidor a “efetiva prevenção(...) de danos moraise patrimoniais”, portanto, a comunicação prévia decorreda própria ratio da lei.

É imperativa a obrigação de comunicar ao consu-midor a existência de arquivo em seu nome, por queserá a partir dessa comunicação que poderá ele exerci-tar os dois outros direitos que lhe são correlatos, que é odireito de acesso aos dados e o direito de tê-losretificados, caso haja incorreções. A omissão dos ór-gãos arquivistas no respeitante à comunicação é razãosuficiente a ensejar-lhe responsabilidade moral epatrimonial. Responsabilidade esta, diga-se por oportu-no, de natureza objetiva.

Como os dados fornecidos não partiram do con-sumidor, isto é, foram coletados pelo próprio arquivistaque os armazena e os atualiza, repassando-os a tercei-ros para, com base neles, realizarem as contrataçõescom o consumidor, daí decorre a maior razão para queseja cientificada a pessoa a respeito de quem se refe-rem tais registros, e isto devendo ocorrer, obviamente,antes da utilização das informações posto que, se assimnão se der, restará inútil e sem qualquer efeito a normade proteção. Aliás, o posicionamento da jurisprudênciatem mantido a harmonia com o espírito da lei.

1. Assim a decisão do JUIZADO ESPECIALCÍVEL DO DF, Processo Nº: ACJ74499; TurmaRecursal ;Rel. FERNANDO HABIBE;10/08/1999; EMENTA: “RESPONSABILIDADE CI-VIL. DANO MORAL. REGISTRO INDEVIDONO SPC. INEXISTÊNCIA DE COMUNICA-DO PRÉVIO E OBRIGATÓRIO AO CONSU-MIDOR. PROVA. 1. DECORRE DE EXIGÊN-CIA LEGAL A COMUNICAÇÃO, PRÉVIA EESCRITA, AO CONSUMIDOR DE QUE OSEU NOME SERÁ REGISTRADO NO CA-DASTRO DE INADIMPLENTES DO SPC .2.TAL MEDIDA GUARDA, DENTRE OU-TRAS, FINALIDADE PREVENTIVA - LEI8.078/90, ART. 6º, VI -, NÃO SE PODENDOCONCEBER QUE ALGUÉM TENHA O SEUPATRIMÔNIO MORAL ATINGIDO DE FOR-MA TÃO VIOLENTA SEM A PRÉVIA OPOR-TUNIDADE DE PRESTAR ALGUM ESCLA-RECIMENTO, TANTO MAIS NECESSÁRIOQUANTO SE VERIFICA QUE, NO CASO,SE TRATAVA DE CHEQUE ROUBADO, PRE-ENCHIDO E ASSINADO POR PESSOA DIS-TINTA DO CORRENTISTA. 3. CONSOAN-TE REITERATIVA JURISPRUDÊNCIA, DE-MONSTRADA A INSCRIÇÃO, IMOTIVADOE NÃO PRECEDIDA DO COMUNICADOOBRIGATÓRIO, DO NOME DO CONSUMI-DOR NO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOCRÉDITO, RESTA CONFIGURADA A OFEN-SA À HONRA, IMPONDO-SE AO OFENSOR

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O DEVER DE INDENIZAR OS DANOS MO-RAIS DAÍ ORIUNDOS. 5. DECISÃO: RECUR-SO DESPROVIDO”.

2. Neste sentido a APELAÇÃO CÍVEL -CLASSE B – XVIII/1999; Processo Nº. 667367;Origem: CASSILANDIA; 2ª. TURMA CÍVELISOLADA; Julgamento: 14/09/1999; Rel.: DES.JOSÉ AUGUSTO DE SOUZA, cuja EMENTAé a seguinte: “APELAÇÃO CIVEL. AÇÃOORDINÁRIA DE EXCLUSÃO. NOME EMCADASTRO DO SERASA. INFORMAÇÕESFORNECIDAS POR ESTABELECIMENTOBANCARIO. FALTA DE COMUNICAÇÃO.EXCLUSÃO DETERMINADA. HONORÁRI-OS ADVOCATÍCIOS. PROVIMENTO PAR-CIAL. Anotar a conduta de certo cliente no ca-dastro do Serasa é operação de rotina que jamaispoderá ser vista como ato ilegal ou abusivo, mes-mo porque a atividade bancária tem, nos dadossigilosos do cadastro da clientela, o principal ins-trumento de segurança da atividade crediticia quedesempenha. Quando se trata de anotação feitacom base em informações de estabelecimentosprivados, faz-se necessário que o serviço de pro-teção ao crédito, na forma do disposto no art. 43,parágrafo segundo, do Código de Defesa do Con-sumidor, ou o próprio credor notifique o devedorantes de efetuar o registro em seu cadastro, fi-cha, registro e dados pessoais de consumo deve-rá ser comunicada por escrito ao consumidor,quando não solicitada por ele. Tem o consumidoro direito de ser comunicado sobre a existência dequaisquer dados arquivados a seu respeito. Exce-tua-se a comunicação oriunda de cartório de pro-testo de títulos ou do cartório do distribuidor, quandojá existe a prévia publicidade do ato”.

Sobreleva acentuar, de outra banda, que ao serinformado da existência do arquivo o consumidor terádireito de acesso aos dados a seu respeito, como tam-bém, de conhecer as fontes, isto é, a origem desses da-dos, e, por conseguinte, terá direito de tê-los corrigidos,na hipótese de se acharem equivocados oudesatualizados. Cabendo lembrar ainda, que as corre-ções exigidas devem ser efetivadas imediatamente,estando sujeita ao prazo de cinco dias apenas e tão-so-mente a comunicação que o órgão arquivista tem quefazer aos destinatários de suas informações acerca dasditas alterações (art.43, § 3º).

Deve-se conferir à expressão imediatamente, osentido de, logo que chegue às mãos do arquivista ele-

mentos que lhe autorize compreender que as informa-ções são incorretas. Ademais, impende acrescer que,ainda que a mera impugnação do consumidor não obri-gue à pronta retificação, é o suficiente para determinara imediata suspensão da divulgação dos dados contro-vertidos. Ora, se foram esses dados colhidos à reveliado consumidor, parece bastante razoável não se lhe po-der exigir a produção de prova negativa, competindo, àdesdúvida, ao arquivista produzir a prova positiva daveracidade de tais informações.

É também direito do consumidor só ter dados ar-quivados que digam respeito a consumo, e que sejamredigidos em linguagem objetiva e de fácil compreen-são e absolutamente verdadeiros, assim como de ter estesdados fornecidos exclusivamente para amparar umaespecífica relação de consumo, daí que, se o órgão ar-quivista fizer uso de tais informações com outro objeti-vo, isto é, como mala direta, por exemplo, para todos osfornecedores, estará cometendo prática abusiva. Con-vém assinalar, ainda, que é direito do consumidor ter seusdados suprimidos dos cadastros decorridos cinco anosda prática do fato - não da inscrição - pois, não se mos-traria razoável perdurassem indefinidamente as restri-ções ao mercado de consumo, quando até mesmo infra-ções penais de elevada gravidade prescrevem em tem-po bem menor.

Por fim, cumpre ainda dizer que, por serem osbancos de dados e cadastros, SPCs e suas congêneresconsiderados entidades de caráter público (art.43, § 4º),abre-se para o consumidor o direito de se valer dohabeas data de consumo – art. 5º, LXXII, CF – parater acesso aos dados sobre ele armazenados, cabendo-lhe, outrossim, a reparação de danos morais epatrimoniais decorrentes do descumprimento das nor-mas do CDC pelos arquivistas, como também contra opróprio fornecedor das informações negativas incorre-tas.

Ficam, outrossim, conforme determinam os arts.56, 72 e 73, os arquivistas de consumo sujeitos às san-ções administrativas e penais, caso descumpram asnormas do art. 43 e §§, todos do Código de Defesa doConsumidor.

5. DOS TIPOS DE ÓRGÃOS ARQUIVISTAS

Deve-se entender o termo arquivo de consumocomo gênero do qual os cadastros e os bancos de dadossão espécies. Vale dizer, todos os tipos de coleta earmazenamento de informações acerca de consumido-res, seja público seja privado, são considerados arquivosde consumo. No entanto, cadastros e bancos de dadosnão se confundem.

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Cadastros são entendidos como aqueles dados for-necidos diretamente pelo consumidor ao seu fornece-dor, possuindo estes um caráter transitório, pois, decor-rido algum tempo sem utilização é o mesmo destruídopelo fornecedor. Todavia, é bom ressaltar que, caso ofornecedor acrescente, spont própria, outras informa-ções, passará o cadastro a ser equiparado aos bancosde dados, visto a possibilidade de inexatidão nestas in-formações.

No que diz com os bancos de dados, os mais co-nhecidos entre nós são o Serviço de Proteção ao Crédi-to - SPC e a SERASA – CENTRALIZAÇÃO DE SER-VIÇOS DOS BANCOS S. A., sobre os quais faremosrápidas considerações.

O Serviço de Proteção ao Crédito – SPC, é umaentidade privada, ligada à Câmara de Dirigentes Lojis-tas, destinada a coletar e armazenar informações relati-vas à pessoas físicas e jurídicas, enquanto consumido-ras, mantendo um banco de dados cujo objetivo é forne-cer ao comércio em geral, desde que sejam seus clien-tes, as informações solicitadas, as quais serão usadascomo referências para fins de concessão de crédito.

A SERASA é uma sociedade anônima cujos só-cios são os BANCOS, havendo sido criada para organi-zar e executar um sistema central de cadastro e infor-mações, destinadas a dar apoio às decisões de crédito,orientando e prevenindo as instituições financeiras con-tra os prováveis maus pagadores.

Criada em 1968 pelos Bancos para centralizar in-formações, cujo objetivo era obter ganhos de escala eincrementos qualitativos de especialização, a SERASA,especialmente nos últimos anos, estendeu sua atuação paraatingir todos os setores da economia. Isso implica em di-zer que, no banco de dados da SERASA se acham infor-mações negativas e positivas sobre TODAS as em-presas legalmente constituídas no Brasil, cerca de maisde 9 milhões, entre as quais 5,3 milhões em atividade, alémde, também, possuir informações sobre TODOS os con-sumidores do País com alguma atividade econômica.

As informações constantes do banco de dados daSERASA são coletadas em cartórios de protestos, dis-tribuidores judiciais, juntas comerciais, publicações ofi-ciais, registros públicos e BANCO CENTRAL. Caben-do dizer que, a SERASA desenvolveu e estendeu, a partirde seu banco de dados, uma linha de serviços variadospara atender a todos os segmentos do mercado,comercializando-os através de contratos de prestaçãode serviços. Relaciona-se a SERASA com instituiçõesfinanceiras, empresas e entidades de classe, isto é, pes-soas jurídicas de todos as áreas de atuação. É dizer, aSERASA deixou de ser uma empresa voltada apenaspara a área bancária.

A par dos arquivos de consumo privados, desti-nados a fornecer informações aos fornecedores acercada credibilidade dos consumidores, há, em contrapartidae destinados à proteção dos consumidores, os arquivosde consumo estatais (art. 44, CDC), cujo objetivo éo arquivamento de informações relativas ao comporta-mento dos fornecedores no mercado. Ou seja, tais ar-quivos têm por escopo armazenar as queixas dos consu-midores sobre os maus fornecedores, devendo, outros-sim, proceder com a divulgação anual das reclamações,informando se foram ou não atendidas as queixas. De-mais disso, tais arquivos estão abertos à consulta de qual-quer consumidor, e, na hipótese de não cumprimento dasobrigações de arquivar as denúncias, de atualizá-las oudivulgá-las, poderá o consumidor obrigá-los judicialmen-te a fazer.

6. DA FISCALIZAÇÃO DOS ARQUIVOS DECONSUMO

Compete ao Departamento de Proteção e Defe-sa do Consumidor – DPDC, a coordenação da políticado Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, caben-do-lhe, de acordo com o art. 3º, do Decreto nº 2.181, de20.03.97, o seguinte:

“Art. 3º - omissis

I – planejar, elaborar, propor, coordenar e execu-tar a política nacional de proteção e defesa doconsumidor;(...)X – fiscalizar e aplicar as sanções adminis-trativas previstas na Lei nº 8.078, de 1990, eem outras normas pertinentes à defesa doconsumidor”. “Art. 9º - A fiscalização das relações de consu-mo de que tratam a Lei nº 8.078, de 1990, esteDecreto e as demais normas de defesa do consu-midor será exercida em todo o território na-cional pela Secretaria do Direito Econômicodo Ministério da Justiça, por meio do DPDC,pelos órgãos federais integrantes do SNDC,pelos órgãos conveniados com a Secretariae pelos órgãos de proteção e defesa do con-sumidor criados pelos Estados, Distrito Fe-deral e Municípios, em suas respectivas áreasde atuação e competência”(original sem desta-ques).

Mais adiante, no art. 13, dispõe o citado Decretoque:

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“Art. 13 – Serão consideradas, ainda, práticasinfrativas, na forma dos dispositivos da Lei nº8.078, de 1990:(...)XIII – deixar de comunicar, por escrito, aoconsumidor a abertura de cadastro, ficha, regis-tro de dados pessoais e de consumo, quando nãosolicitada por ele;XIV – deixar de corrigir, imediata e gratuita-mente, a inexatidão de dados e cadastros, quan-do solicitado pelo consumidor;XV – deixar de comunicar ao consumidor, noprazo de cinco dias úteis, as correçõescadastrais por ele solicitadas”(sem grifos no ori-ginal).

Exsurge, das normas supracitadas que, competetanto à União quanto aos Estados, Distrito Federal eMunicípios efetuarem a fiscalização sobre as infraçõesà Lei n.º 8.078/90, pelo que, não há cabida à omissão dequalquer deles ou, por outro lado, a pretensão de se exi-mir da responsabilidade transferindo-a para o outro.

Relativamente a SERASA, não só o DPDC edemais órgãos de defesa do consumidor estão capacita-dos à fiscalização, tendo em vista que atualmente elaestá equiparada a qualquer arquivo de consumo, vistoocupar extenso espaço de prestação de serviços nestaárea, mas, também ao Banco Central do Brasil –BACEN compete exercer efetivo controle, consideran-do-se que suas atividades primeiras destinam-se ao for-necimento de informações às entidades bancárias, parafins de concessão de créditos, revestindo-se estas denítido caráter de atividades essencialmente bancárias.

Ademais, vale acrescentar que, o art. 10, da Lei nº4.595/64, estabelece que compete ao Banco Central exer-cer a fiscalização das atividades desenvolvidas pelas ins-tituições financeiras, abrangendo tal fiscalização “todasas pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham comoatividade principal ou acessória a coleta, intermediaçãoou aplicação de recursos financeiros próprios ou de ter-ceiros” (os grifos não estão no original).

A prestação de informações nas atividades ban-cárias é considerada hoje como prática incorporada aosetor, revestindo-se do caráter de serviço acessório eindispensável a tais atividades, vez que é através dessasinformações que as instituições financeiras buscam co-nhecer os riscos de cada operação e deles se defende-rem seguramente. Portanto, sendo induvidoso que partedas atividades desenvolvidas pela SERASA é pertinen-te aos serviços bancários, não há como arredar a res-ponsabilidade do Banco Central pela fiscalização sobretal entidade. Cumprindo lembrar, outrossim, que o pró-

prio Banco Central fornece à SERASA informaçõessobre emitentes de cheques sem fundos, sendo estasobtidas através do CADASTRO DE EMITENTES DECHEQUES SEM FUNDO(CCF), de acordo com aResolução n.º 1.682/90, do Conselho Monetário Nacio-nal.

A fiscalização sobre estas entidades de arquivosde consumo carece de ser exercida de forma rígida epermanente, haja vista que, a bem da verdade, é de co-nhecimento público e notório que as mesmasdescumprem as normas do CDC, pois, os consumidoressabem muito bem que jamais receberam qualquer co-municado ou informação acerca da existência de dadosa seu respeito, somente vindo a tomar conhecimento deque se acha com o nome negativado quando se encon-tra no interior de uma loja pretendendo obter um créditoe este lhe é negado, fato que, insofismavelmente, causa-lhe enormes constrangimentos e prejuízos, tanto econô-micos quanto morais. Sendo importante registrar que,muitas vezes ocorre de ser indevida a negativação, por-quanto para isto basta o roubo ou a perda de um cartãode crédito ou talão de cheques.

Some-se à desagradável circunstância de sofrero consumidor extremos constrangimentos com o abalode crédito e diminuição de seu conceito no meio social,além de verdadeira exclusão do mercado de consumono caso de ter seu nome inscrito negativamente no ban-co de dados dos arquivos de consumo, ainda quandoisto se der de forma indevida, terá ele de percorreruma verdadeira via crucis para conseguir limpar onome e recuperar o crédito perdido. Devendo ser re-gistrado, ademais, que em se tratando da SERASA, aqual, como visto, obtém informações diretamente emcartórios de protestos, distribuidores judiciais,registros públicos, publicações oficiais e BancoCentral, citada entidade após obter e lançar em seucadastro os dados nagativos do consumidor, não se darmais ao trabalho de acompanhar o desenrolar do pro-testo, da ação judicial ou o resgate do cheque emitidosem fundos, é dizer, a ela basta tão-somente os dadosnegativados, os quais divulga aos clientes os solicitar,e, quando o consumidor toma conhecimento do fato,depara-se com uma verdadeira batalha para conseguirretirar seu nome da “lista negra”, haja vista a recusasistemática da SERASA em proceder com a exclusão,chegando ao ponto da pessoa se ver forçada a recor-rer à Justiça - como aconteceu em um determinadocaso que tivemos a oportunidade de opinar e outrosque chegaram ao nosso conhecimento -, inclusive coma exigência do trânsito em julgado da sentença quedeterminara-lhe efetuasse a retirada do nome do con-sumidor de seus arquivos.

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7. DOS INSTRUMENTOS DE DEFESA

Relativamente à defesa do consumidor, na esferaadministrativa existe o órgão federal que já menciona-mos retro, ou seja, o Departamento de Proteção e De-fesa do Consumidor – DPDC, da Secretaria de DireitoEconômico do Ministério da Justiça, encarregado de fis-calizar e aplicar as sanções administrativas, assim comoexistem, nos Estados, os PROCONS os quais, como ésabido, possuem atribuições para fiscalizar e aplicar san-ções também, existindo em outros locais, como em For-taleza, por exemplo, o DECON, que pode fiscalizar, po-rém, não possui poder para aplicar sanções, havendo,também, as associações de consumidores e de donas decasa, órgãos estes reconhecidamente importantes na lutapelo respeito aos direitos consumeristas.

Para a defesa em juízo, os instrumentos jurídicospostos à disposição do consumidor para combater aspráticas infrativas cometidas pelas entidades arquivistasde consumo é, em primeiro lugar e naturalmente, a açãoindividual de reparação de danos, eis que, por razõesóbvias, não se lhe pode subtrair o direito de, se desejar,acionar ele próprio o responsável pelos danos morais epatrimoniais decorrentes do descumprimento das nor-mas legais retromencionadas, especialmente se o con-sumidor é uma vítima isolada; em segundo, as açõescoletivas ajuizadas pelo Ministério Público ou outro ór-gão legitimado – cf. arts. 81 e 82, do CDC -, quando setratar de direitos coletivos e individuais homogêneos.

Muito embora a realidade demonstre, sem qual-quer sombra de dúvida, que as entidades arquivistas fa-zem tábula rasa das normas imperativas do CDC, emcompleto desrespeito aos direitos fundamentais assegu-rados constitucionalmente ao consumidor, não se tem co-nhecimento de qualquer fiscalização procedida pelos ór-gãos públicos retromencionados incumbidos desse mister,razão pela qual o Ministério Público Federal ingressoucomo uma Ação Civil Pública na 2ª Vara da Justiça Fede-ral no Ceará, buscando, exatamente, obrigá-las à dar efe-tivo cumprimento as regras do art. 43, e §§, do CDC,obtendo, em sede de tutela antecipada, decisão compelin-do-as a darem ciência da negativação do nome do consu-midor, com o prazo de cinco dias para eventuais corre-ções, antes de repassar os dados a terceiros, sob pena demulta de R$ 3.000,00 (três mil reais) por cada consumi-dor em relação ao qual for descumprida a ordem.

A rigor, a defesa dos direitos fundamentais, inclu-indo nestes, evidentemente, os direitos do consumidor,tem sido implementada quase sempre através de AçõesCivis Públicas que são, reconhecidamente, o melhor ins-trumento a ser utilizado em casos que tais, eis que osresultados obtidos têm sido animadores.

Com efeito, estamos francamente vencendo asúltimas resistências à defesa coletiva em juízo, porquan-to é cediço que os obstáculos encontrados quando sebusca, individualmente, a proteção judicial são pratica-mente insuperáveis, quando não são definitivamenteinvencíveis, circunstâncias que desestimula e até mes-mo inviabiliza o acesso à Justiça, pelo que, concordamosplenamente com Mauro Cappelletti,11 quando diz que“por causa dos fenômenos de massificação, as açõese relações humanas assumem caráter coletivo, maisdo que individual: elas se referem preferentemente agrupos, categorias e classe de pessoas, do que ape-nas a um ou poucos indivíduos”.

Esta é, seguramente, uma inescondível realidadeda qual não é dado a ninguém desconhecer, pois, a vidatem se encarregado de demonstrar e nos fazer conven-cidos de que somente através da união de esforços po-deremos avançar e derrubar preconceitos e barreirasantes consideradas indestrutíveis, para que as categori-as sociais mais desprotegidas tenham, de fato, seus di-reitos assegurados e respeitados.

É ainda Mauro Cappelletti12 , a quem rendemoshomenagem pelo brilhantismo de mestre, que nos dá asíntese da questão ao assegurar, verbis: “E na verda-de, cada vez mais freqüentemente, por causa dos fe-nômenos de massificação, as ações e relações hu-manas assumem caráter coletivo, mais do que indi-vidual: elas se referem preferentemente a grupos,categorias e classes de pessoas, do que apenas aum ou poucos indivíduos(...)E na verdade, cada vezmais freqüentemente, a complexidade das socieda-des modernas gera situações nas quais um único atodo homem pode beneficiar ou prejudicar grande nú-mero de pessoas(...) A verdade é que, confrontadocom os fenômenos de massificação acima mencio-nados, o indivíduo mostra-se simplesmente incapazde se proteger por si mesmo de forma adequada. Nassociedades contemporâneas, o indivíduo isolado édesarmado. As regras tradicionais sobre alegitimação de agir, em particular, requereriam que,nos casos de danos causados por um produto a cen-tenas, milhares ou milhões de consumidores, cadaum deles agisse em juízo para ser ressarcido do danosofrido individualmente. Isto é simplesmenteirrealístico. Enquanto o dano total pode ser enorme,normalmente o fragmento do dano sofrido por cadaum dos consumidores é demasiadamente pequenopara justificar o custo (econômico, psicológico, deperda de tempo etc.)de uma ação individual; alémdisso, o ‘poder’ (econômico, de informação, de or-ganização) da contraparte é, em grande medida,usualmente muito maior do que o do consumidor”.

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8. CONCLUSÃO

O Estado Democrático de Direito não se aperfei-çoa se não assegurar os direitos básicos de seus mem-bros. De nada adianta estarem garantidos na Constitui-ção os direitos fundamentais, se estes não são passíveisde serem exercidos pelos indivíduos a que são os mes-mos destinados. “Afora sua atividade de fazer a lei, énecessário que o Estado desenvolva uma atividade com-plementar, destinada a fiscalizar e assegurar o cum-primento da lei que editou. Essa garantia de aplicaçãoda lei faz-se administrativamente ou entãojurisdicionalmente”13 . Vale dizer, é necessário que,além de o Estado reconhecer os direitos fundamentaisde seus cidadãos, precisa também dotá-los de condiçõespara fazê-los valer, e isto só ocorrerá se se proporcio-nar, de forma efetiva, o acesso à Justiça, pois, em últimaanálise, é no Poder Judiciário que deságuam todos osconflitos, e este, suprindo eventuais omissões da Admi-nistração, conferirá o direito a cada um.

No que tange aos direitos do consumidor, por se-rem reconhecidos como direitos fundamentais pela Cons-tituição Federal, e, especificamente no que tange àque-les relativos aos arquivos de consumo, temos que,inobstante os órgãos administrativos encarregados dafiscalização não virem cumprindo com a obrigação quelhes foi imposta pela lei, temos encontrado no Judiciário,de forma até bastante razoável, a correspondente res-posta, sempre que acicatado pelo Ministério Público, oque revela uma posição francamente favorável às ne-cessárias e esperadas mudanças para poder encarar osnovos valores, superando o anacronismo das regras tra-dicionais sobre a legitimação para agir e direitos indivi-duais privados, o que é, sem dúvida, bastante alvissareiropara toda a sociedade, mas, talvez mais importante ain-da seja para os próprios magistrados, considerando-seque para eles restam apenas duas opções, segundo apercuciente visão de Mauro Cappelletti:14 “Os juízespoderiam adotar muito bem uma posição de simplesrejeição, recusando-se a entrar na arena dos confli-tos coletivos e de classes. Tal atitude negativa teria,contudo, a conseqüência prática de excluir do judi-ciário a possibilidade de exercer influência e con-trole justamente naqueles conflitos, que se tornaramde importância sempre mais capital nas sociedadesmodernas. Desse modo, a ordre judiciaire, abrigadana sua imagem oitocentesca, terminaria por se tor-nar uma sobrevivente, talvez respeitável masirrelevante e obsoleta, porque incapaz de adaptar-se às exigências de um mundo radicalmentetransformado(...)A outra alternativa, pelo contrário,é a de que os próprios juízes sejam capazes de ‘cres-

cer’, erguendo-se à altura dessas novas e prementesaspirações, que saibam, portanto, tornar-se elesmesmos protetores dos novos direitos ‘difusos’, ‘co-letivos’ e ‘fragmentados’, tão característicos e im-portantes da nossa civilização de massa, além dostradicionais direitos individuais”.

A par das garantias legais conferidas aos consu-midores relativamente às entidades mantenedoras debanco de dados e cadastros de consumo, é indispensá-vel a conscientização dos mesmos para que não permi-tam que seus direitos sejam vilipendiados, não deixandojamais de adotar, ou, recorrer a quem de direito para queadote as medidas necessárias para coibir as práticasabusivas que habitualmente costumam ser-lhes extre-mamente danosas.

O que se defende, a toda evidência, é a procura emanutenção do equilíbrio entre as partes contratantesna relação de consumo, superando-se os eventuais con-flitos surgidos, porquanto a harmonia social é um bemde valor inestimável que deve ser buscado a qualquercusto, e, somente quando os direitos do indivíduo sãodevidamente respeitados pode-se contar que haverá pro-gresso e paz social.

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