lei 8.629/93 comentada por procuradores federais

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"Desde a instalação da Constituinte, cujos trabalhos foram concluídos com a Promulgação da Constituição de 1988, a discussão sobre o tema Reforma Agrária sempre foi pautada por posições antagônicas ou díspares, de forma a, desde aqueles anos, já se prever as dificuldades a serem enfrentadas.Os obstáculos suportados ou ultrapassados pelo Incra normalmente são descritos em publicações das áreas das ciências agrárias, humanas ou sociais, contudo, sob o crivo da ciência jurídica, pouco ou fragmentados têm sido os registros sobre o tema específico. Assim, sempre foi meta da Procuradoria do Incra objetivar tal publicação,consagrando-a neste início de 2011. É uma importante e substancial contribuição, pois o material apresentado guarda uma peculiaridade, que é uma visão e postura prática das lides judiciaisou administrativas enfrentadas na perseguição da Reforma Agrária, sem perder, destaque-se, consonância com os princípios e objetivos constitucionais. É uma honra tal material ter sido capitaneado na nossa gestão da Procuradoria Especializada junto ao Incra, cujo produto só foi possível graças à dedicação e ao compromisso de um grupo de pessoas, cujas responsabilidades vão além das atribuições profissionais, quais sejam: os autores. Inquestionável que ainda há muito que se fazer para a efetiva Reforma Agrária, contudo este material certamente auxiliará na consecução deste objetivo pleno. A presente publicação está dividida em dois capítulos, que ao se verificar de forma sistemática, apesar de parecerem estanques, complementam-se e proporcionam ao leitor uma visão ampliada e prática das execuções da Autarquia Fundiária. Para o primeiro capítulo foi franqueado aos procuradores federais que trabalham no Incra, ou que por ventura tenham passado e atualmente encontram-se em outras procuradorias ou executando outras tarefas, a habilitarem-se a comentar os artigos da lei agrária. E o entusiasmo foi visível em face do grande númerode inscritos ou ainda a inscrição de um só procurador a escrever sobre vários temas. São importantes tais comentários, pois contribuem para uma visão prática e operativa do Direito Agrário, na medida em que vai se especializando eprovando sua autonomia como ramo do Direito, exigindo do seu intérprete o conhecimento sobre o campo brasileiro. Este conhecimento diz respeito ao saber sobre as pessoas que exploram a terra e a sua relação com ela, a importância para a preservação do meio ambiente, na medida em que o respeita, ao tempo que garante a segurança alimentar da população. No segundo capítulo foram colacionadas as principais teses jurídicas sustentadas pela PFE/Incra, materializadas através de Notas Técnicas, nas quais se consolidam entendimentos defendidos ao longo dos tempos, e que vinculam os procuradores federais que representam judicialmente o Incra na adoção de tais orientações. Uma boa e proveitosa leitura. Gilda Diniz dos Santos

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Lei 8.629/93 comentada por Procuradores FederaisUma contribuio da PFE/Incra para o fortalecimento da Reforma Agrria e do Direito Agrrio Autnomo

Braslia-DF 2011

L525 Brasil. Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria. Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra. Lei 8629/93 comentada por procuradores federais : uma contribuio da PFE/Incra para o fortalecimento da reforma agrria e do direito agrrio autnomo / Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria, Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra. Braslia : INCRA, 2011. 360p. ISBN: 978-85-61615-02-4 1. Reforma agrria - Brasil. 2. Direito agrrio - Brasil. I. Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria. II. Ttulo CDD: 333.3181

Procuradoria Federal Especializada Junto ao Incra

Lei 8.629/93 Comentada por Procuradores Federais Uma contribuio da PFE/Incra para o fortalecimento da Reforma Agrria e do Direito Agrrio Autnomo

1 Edio

Braslia - DF INCRA 2011

Publicao Especial do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA

Dilma Rousseff Presidenta da Repblica Afonso Bandeira Florence Ministro do Desenvolvimento Agrrio Rolf Hackbart Presidente do Incra Eva Maria Sardinha Diretora de Gesto Administrativa Roberto Kiel Diretor de Gesto Estratgica Csar Jos de Oliveira Diretor de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento Celso Lisboa de Lacerda Diretor de Obteno de Terras e Implantao de Projetos de Assentamento Richard Martins Torsiano Diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiria Gilda Diniz dos Santos Procuradora Chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra Renata Almeida Dvila Subprocuradora Federal da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra

Junior Divino Fideles Coordenador Geral Agrrio da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra Emanoel Gonalves de Carvalho Coordenador Geral de Assuntos Jurdicos e Administrativos da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra Bruno Monteiro Portela Coordenador Geral de Regularizao Fundiria na Amaznia Legal da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra Rodrigo Aprigio Chaves Coordenador Geral Trabalhista da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra Paula Renata Castro Fonseca Assessora da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra Juliana Fernandes Chacpe Assessora da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra Danielle Cabral de Lucena Assessora da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra Dayseanne Moreira Santos Assessora da Procuradoria Federal Especializada junto ao Tribunal Federal Regional da 1 Regio e Tribunais Superiores

OrganizadoraGilda Diniz dos Santos Procuradora-Chefe da PFE/Incra

Conselho EditorialGilda Diniz dos Santos Procuradora Chefe da PFE/Incra SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Renata Almeida DAvila Subprocuradora Federal da PFE/Incra, Especialista em Direito Processual Civil pela UFBA e em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentvel pela UnB SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Emanoel Gonalves de Carvalho Procurador Federal e Coordenador Geral de Assuntos Jurdicos Administrativos da PFE/ Incra SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Junior Divino Fideles Procurador Federal e Coordenador Geral Agrrio da PFE/Incra, Especialista em Direito Agrrio pela UFG/GO SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected]

Os AutoresOs autores deste livro so procuradores federais em exerccio na PFE/ Incra (Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra, rgo vinculado Advocacia-Geral da Unio) ou que nela tenham atuado, e que em face da lida diria tm uma importante contribuio aos que ingressam na discusso, aos profissionais j integrados ao tema, ao judicirio e ministrio pblico, bem assim, aos acadmicos nos primeiros passos do estudo do Direito Agrrio. Bruno Monteiro Portela Procurador Federal e Coordenador Geral de Regularizao Fundiria na Amaznia Legal da PFE/Incra e Especialista em Direito Pblico pela Unb/Cead/AGU SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Bruno Rodrigues Arruda e Silva Procurador Federal e Coordenador do Ncleo Agrrio da Procuradoria Regional Federal da 5 Regio, ex-Coordenador Geral Agrrio da PFE/INCRA PRF 5 REGIO End. Av. Engenheiro Domingos Ferreira n 604 CEP: 51011-050 Boa Viagem Pernambuco [email protected] Carolina Saboia Fontenele e Silva Procuradora Federal da PFE/Incra em Rondnia, especialista em Direito Pblico pelo Instituto Brasiliense de Direito Pblico - IDP SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Daniel Leite da Silva Procurador Federal da PFE/Incra/Sede SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Daniel Martins Felzemburg Procurador Federal, Chefe da PFE/Incra no Tocantins, Especialista em Direito Processual Civil pelas Faculdades Jorge Amado (2005), em Salvador-BA, scio honorrio da Academia Brasileira de Direito Processual Civil desde 2006 Rua AANE 40 Alameda 01 QI 08 lote 1A. CEP: 77.006-336 Palmas TO [email protected] Danielle Cabral de Lucena Procuradora Federal e Assessora da PFE/Incra/Sede SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected]

Dayseanne Moreira Santos Procuradora Federal e Assessora da PFE/Incra junto ao Tribunal Federal Regional da 1 Regio e Tribunais Superiores, Especialista em Ordem Jurdica e MP pela FESMPDFT SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Eduardo Henrique de Almeida Aguiar Procurador Federal da PFE/Incra/Sede SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Isaura Cristina de Oliveira Leite Procuradora Federal da PFE/Incra/Sede SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Josely Aparecida Trevisan Massuquetto Procuradora Federal e Chefe da PFE/ Incra no Paran Rua Doutor Faivre, n 1.220 7 Andar, Centro CEP: 80.060-140 Curitiba PR [email protected] Juliana Fernandes Chacpe Procuradora Federal e Assessora da PFE/Incra/Sede SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Luciano Dias Bicalho Camargos Procurador Federal da PFE/Incra em Minas Gerais, Mestre e Doutor em Direito Tributrio pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professor e Coordenador do Curso de Direito do Centro Universitrio de Belo Horizonte e professor da Faculdade de Engenharia de Minas Gerais e dos cursos de Ps-Graduao do CEAJUFE, IEC e Faculdades Milton Campos Rua Bahia, n 905 10 andar Centro CEP: 30.160-011 Belo Horizonte - MG [email protected] Lzio Adriano Horta de Oliveira Procurador Federal da PFE/Incra em Minas Gerais Rua Bahia, n 905 10 andar Centro CEP: 30.160-011 Belo Horizonte MG [email protected] Mara Esteves Braga Procuradora Federal e Chefe da Diviso de Precatrios e Dvida Ativa - DPA da PFE/Incra

SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Mauro Srgio dos Santos Procurador Federal e Chefe da PFE/Incra no Distrito Federal e Entorno, Professor de Direito Administrativo da Universidade Catlica de Brasilia, Especialista em Direito Pblico e Mestre em Direito. SIA Trecho I lotes 17/30 e 17/60 BL D e F CEP: 71.200-010 Braslia DF [email protected] Michel Franois Drizul Havrenne Procurador Federal da PFE/Incra/Sede e Mestre em Direito pela USP SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Paula Renata Castro Fonseca Procuradora Federal e Assessora da PFE/Incra/Sede SBN Qd. 01, Bl. D, Ed. Palcio do Desenvolvimento 19 Andar CEP: 70.057-900 Braslia - DF [email protected] Valdez Adriani Farias Procurador Federal e Chefe da PFE/ Incra em Santa Catarina Rua Jernimo Coelho, n 185 Centro Executivo W-K CEP: 88.010-030 Florianpolis SC [email protected] ................................................................................ Pedro de Joana Autor do poema Rosa, impresso na contracapa. Pedro Sebastio mestre em Geografia Agrria pela Universidade Federal de Sergipe-UFS Rua Evaldo Campos Jnior, n 202 CEP: 49.039-040 - Aracaju - SE [email protected]

A todos aqueles que tombaram ao longo da luta pela distribuio justa da terra no Brasil. Aos servidores do Incra, que se dedicaram incansavelmente execuo da Poltica Nacional de Reforma Agrria. Aos procuradores federais que, frente ao judicirio, ou na lide administrativa, tm sido, antes de tudo, combativos na elaborao de teses de defesa da efetiva Reforma Agrria.

SumrioPrefcio ...............................................................................................................17 Introduo ...............................................................................................................21 Captulo I - Comentrios Lei n 8.629/93 ...............................................................23 Art. 1 - Valdez Adriani Farias ...............................................................................25 Art. 2, do caput ao 6 - Valdez Adriani Farias ..................................................27 Art. 2, do 7 ao 9 - Juliana Fernandes Chacpe ..............................................45 Art. 2-A - Juliana Fernandes Chacpe ...................................................................58 Art. 4 - Dayseanne Moreira Santos ......................................................................62 Art. 5 - Lzio Adriano Horta de Oliveira .............................................................82 Art. 6 - Josely Aparecida Trevisan Massuquetto .................................................88 Art. 7 - Eduardo Henrique de Almeida Aguiar ....................................................98 Art. 8 - Eduardo Henrique de Almeida Aguiar ..................................................102 Art. 9 - Bruno Rodrigues Arruda e Silva ...........................................................105 Art. 10 - Dayseanne Moreira Santos ................................................................... 113 Art. 11 - Dayseanne Moreira Santos ...................................................................124 Art. 12 - Daniel Leite da Silva .............................................................................129 Art. 13 - Daniel Martins Felzemburg ..................................................................138 Art. 16 - Lzio Adriano Horta de Oliveira ..........................................................152 Art. 17 - Lzio Adriano Horta de Oliveira ..........................................................155 Art.18, do caput ao 5 - Paula Renata Castro Fonseca ....................................160 Art. 18, 6 - Mara Esteves Braga .....................................................................176 Art. 18, 7 - Paula Renata Castro Fonseca .......................................................181 Art.19 - Michel Franois Drizul Havrenne .........................................................183 Art. 20 - Carolina Saboia Fontenele e Silva .......................................................191 Art. 21 - Mauro Srgio dos Santos .....................................................................196 Art. 22 - Mauro Srgio dos Santos ....................................................................199 Art. 23 - Isaura Cristina de Oliveira Leite ...........................................................203 Art. 24 - Bruno Monteiro Portela ........................................................................208 Art. 25 - Bruno Monteiro Portela ........................................................................211 Art. 26 - Luciano Dias Bicalho Camargos ..........................................................213 Art. 26-A - Luciano Dias Bicalho Camargos .....................................................219 Art. 27 - Danielle Cabral de Lucena....................................................................222 Art. 28 - Danielle Cabral de Lucena....................................................................227

Captulo II - Notas Tcnicas................................................................................231 Portaria PFE/INCRA n 01, de 20-05-2010 .........................................................233 Regulamenta que as notas tcnicas representam a consolidao de entendimentos, devendo ser aplicadas na defesa judicial e extrajudicial da Autarquia Nota Tcnica/G/PFE/INCRA/n 01/2006 ............................................................234 Orientaes para procedimento administrativo de fiscalizao de imveis rurais Nota Tcnica/G/PFE/INCRA/n 02/2006 ............................................................248 Orientaes para apurao do cumprimento da funo social em face de ocorrncia de ocupaes por movimentos sociais Nota Tcnica/GAB/PFE/Incra/n 01/2007 ...........................................................254 Orientaes defesa da posse das comunidades Quilombolas. Nota Tcnica/GAB/PFE/Incra/n 03/2007 ...........................................................266 Orientaes quanto aplicao da teoria da encampao dos atos administrativos pelo Presidente da Repblica. Nota Tcnica/AGU/PGF/PFE/Incra/G/n 05/2008 (ACRH) ...............................271 Orientaes quanto ao conceito de imvel rural. Nota Tcnica/G/PFE/INCRA/n 03/2009 ............................................................280 Orientaes quanto contemporaneidade das percias que apuram a funo social do imvel. Nota Tcnica/CGA/PFE/Incra/n 01/2010 ...........................................................301 Orientaes quanto a preferencialidade e prejudicialidade da ao de desapropriao em relao s aes que discutem a produtividade do imvel Bibliografia ............................................................................................................327

PrefcioDireito Interpretao e Interpretao do Direito O Direito uma cincia, arte ou profisso estranha. Diferente dos princpios e regras morais e religiosos, o Direito no tem rigidez, precisa que, sempre e a cada momento, seja dito e redito e seja novamente dito que o dito deve ser ou no deve ser dito. Por isso, o trabalho dos cientistas, artistas e profissionais do direito est sempre ligado interpretao, dizer o que quer dizer, o Direito e, nessa eterna exegese, vai se misturando preciso neutra do cientista, paixo do artista e necessidade prtica do profissional. Nenhum jurista pode ser uma coisa s, nem o juiz, nem o Ministrio Pblico, nem o advogado, nem o procurador, nem o professor, nem o escritor esto imunes a essas trs faces do Direito. Principalmente, quando o Direito se confunde com a lei, como nos fez crer toda a modernidade. Alguns mitos foram sendo criados na modernidade e, entre eles, talvez o mais perverso e cruel de que, quanto mais prximo da legalidade estrita, mais justo ser o sistema. Esse mito fruto de uma constatao pr-moderna, que se confirma cada vez que nos tempos modernos volta a ocorrer: quanto mais longe da legalidade, mais perto a injustia. Entretanto, no basta ter leis, nem mesmo boas leis, para se aproximar da justia. As leis no tm vida prpria, nem os direitos, ambos precisam ser exercidos. E o exerccio dos direitos estabelecidos na lei no poucas vezes frustrado ou proibido pela interpretao da lei, da mesma ou de outra lei. Quanto mais regulamentado, mais passvel de interpretao fica o direito a ser exercido. E da, nesse jogo pendular, o mito da legalidade justa se perde porque, quanto mais vagas interpretaes so possveis, mais perto fica o direito da injustia. Assim, a legalidade no uma garantia da justia, mas seu pressuposto e, para que o pressuposto se cumpra, preciso que as leis sejam entendidas e aplicadas para o bem comum. Se esta, assim digamos, esquizofrenia do Direito vale para as relaes interpessoais, fundadas nos contratos e suas leis, tanto mais para as relaes pblicas, os direitos pblicos, estatais e coletivos. E, isso, por uma razo simples: para as relaes interpessoais, o Direito apenas uma regulao, para a ao pblica o fundamento. O princpio da legalidade acompanha o Estado e suas aes. As polticas pblicas somente so legtimas se forem filhas da lei. Esta explosiva mistura de legalidade, injustia e direitos coletivos tornam o instituto jurdico da reforma agrria, e as polticas pblicas que a acompanham, passveis de interpretaes mltiplas e, na maior parte das vezes, contraditrias. Muito especialmente, porque o seu conceito e sua prtica so marcados por profundas matrizes ideolgicas. A partir do conceito, a interpretao da norma pode

ser a mais variada. Ser a reforma agrria necessria para aumentar a produtividade e remunerao do capital? Ou ser para cumprir o direito coletivo do direito existncia pessoal produtiva e digna? Ou ser para os dois? Ou ser que est submetida propriedade absoluta da terra? Ou ser para a sustentabilidade, para a proteo da natureza e das relaes de bem-estar entre trabalhadores e proprietrios? Enfim, dependendo da maneira como cada um responde a essas questes, vamos encontrar diferentes interpretaes da norma. Ou, dito de forma mais clara e, quem sabe, menos tcnica, cada um, dependendo de sua ideologia ou insero social, ler a norma como resposta a seus anseios, necessidades, sonhos ou interesses. Entretanto, no nos confundamos, aqui, exatamente aqui, entra o papel do jurista, aquele que artista, cientista e profissional do direito. O papel do jurista , em primeiro lugar, afastar interesses, sejam econmicos, polticos ou pessoais, o seu papel de cientista. Mas, tambm, seu papel olhar a realidade, suas mazelas e necessidades e, para isso, h de conhecer a vida no pelos textos jurdicos, mas pela multicolorida diversidade social. Quem conhece o mundo a partir da lei, no pode ser jurista. necessrio entender a sociedade em que vive, as gentes, os bichos e as plantas e, para o nosso caso, necessrio conhecer e amar a terra. Esse conhecimento da realidade lhe dar o carter profissional para a busca de solues dos problemas que conhece. Embora afastado dos interesses, para que a mesquinhez no o iluda, e firmemente fincado na realidade, para que o devaneio no o atrapalhe, o jurista intrprete da norma tem que ser movido por esperana, a mesma esperana que o povo esculpiu na Constituio, para que seus princpios rejam, com justia, o seu futuro. E a esperana de que a aplicao da lei que se interpreta possa ajudar a construir um mundo melhor, mais justo e mais amistoso. s vezes, porm, a lei no fora escrita para isso, mas, ao contrrio, h leis que foram escritas apenas para restringir direitos, dificultar mudanas, impedir avanos, promover interesses. A lei feita por homens e mulheres que tm os mesmos pecados dos intrpretes, com a diferena que o intrprete perde a natureza de jurista, se se deixar levar pela paixo ou por interesses, e o escritor de leis no, continua sendo representante de paixes e de interesses. Quando isso acontece, mais cuidadoso ainda tem que ser o intrprete, pois, os riscos so imensos. A lei aqui interpretada desse tipo! A lei, tal como editada em 1993, regulava os dispositivos constitucionais sobre a reforma agrria. Nenhum outro dispositivo, princpio ou instituio, da constituio brasileira de 1988 to reticente enquanto a sua autoaplicabilidade do que a reforma agrria. Os artigos, para serem aplicados, exigem lei e, alguns, mais de uma. A lei foi, alguns anos depois, substancialmente alterada por medida provisria que, tendo ficado no limbo criado pelo parlamento em 2001, nunca foi convertida em lei, mas tornou-se definitiva. Portanto, o que se est analisando uma lei alterada por ato provisrio destinado a durar para sempre.

A medida provisria, que j estava na 56 edio em 2001, quando a Emenda Constitucional n 32 interrompeu as sucessivas edies e manteve definitivamente provisria as reedies anteriores, alterou substancialmente a lei n 8.629/93. Esta lei, mudada pela medida provisria, o objeto dos comentrios deste livro. A lei, a de antes e a alterada, uma mistura de interesses e submisses: se, por um lado, traa loas reforma agrria, por outro, cria mecanismos que dificulta sua realizao. Se fosse lida apenas a partir de interesses privados, poderia ser entendida como uma lei contra a reforma agrria, mas no poderia s-lo porque a constituio a favor, por isso preciso modular o Direito inscrito nessa lei, de acordo com os princpios e o sistema e no contra eles. Dura misso do jurista comentarista. Todo cuidado pouco. Mas a tarefa foi cumprida, com grandeza e equilbrio, pelos procuradores e procuradoras do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria, nesta obra. Essa era uma tarefa que s poderia ser cumprida por esses juristas, os encarregados no s de pensar, juridicamente, a poltica pblica, chamada reforma agrria, colocando em prtica a lei que a concretiza, mas, sobretudo, de defend-la em juzo. Por ser uma lei to ideologicamente marcada sobre tema to controvertido, muito fcil escorregar para defesa de interesses ou posies polticas; uma lei fcil de registrar como maquiavelicamente boa ou diabolicamente m, dependendo da posio que o intrprete queira defender. Eis sua dificuldade! Os procuradores e procuradoras que subscrevem esta anlise, entretanto, conseguiram, apesar das dificuldades, ser juristas, cientistas, artistas e profissionais do direito e, exatamente por isso, esto dando uma grande contribuio ao mundo jurdico, ainda que, no mundo real, cada um e cada uma sonhe com um lei que consiga mais facilmente promover a reforma agrria, como uma poltica pblica de justia social, de proteo da natureza e de harmonia das gentes. Mas, isso, no se discute nos tribunais, mas nas praas pblicas, e no tarefa de juristas, mas de cidados. Aqui, nesta obra, os comentaristas so juristas e, por isso, estes comentrios devem ser levados em considerao pelos administradores e pelos juzes. Carlos Frederico Mars Procurador do Estado do Paran Ex-Procurador Geral do Incra Professor Titular da PUC/PR Janeiro de 2011

IntroduoDesde a instalao da Constituinte, cujos trabalhos foram concludos com a Promulgao da Constituio de 1988, a discusso sobre o tema Reforma Agrria sempre foi pautada por posies antagnicas ou dspares, de forma a, desde aqueles anos, j se prever as dificuldades a serem enfrentadas. Os obstculos suportados ou ultrapassados pelo Incra normalmente so descritos em publicaes das reas das cincias agrrias, humanas ou sociais, contudo, sob o crivo da cincia jurdica, pouco ou fragmentados tm sido os registros sobre o tema especfico. Assim, sempre foi meta da Procuradoria do Incra objetivar tal publicao, consagrando-a neste incio de 2011. uma importante e substancial contribuio, pois o material apresentado guarda uma peculiaridade, que uma viso e postura prtica das lides judiciais ou administrativas enfrentadas na perseguio da Reforma Agrria, sem perder, destaque-se, consonncia com os princpios e objetivos constitucionais. uma honra tal material ter sido capitaneado na nossa gesto da Procuradoria Especializada junto ao Incra, cujo produto s foi possvel graas dedicao e ao compromisso de um grupo de pessoas, cujas responsabilidades vo alm das atribuies profissionais, quais sejam: os autores. Inquestionvel que ainda h muito que se fazer para a efetiva Reforma Agrria, contudo este material certamente auxiliar na consecuo deste objetivo pleno. A presente publicao est dividida em dois captulos, que ao se verificar de forma sistemtica, apesar de parecerem estanques, complementam-se e proporcionam ao leitor uma viso ampliada e prtica das execues da Autarquia Fundiria. Para o primeiro captulo foi franqueado aos procuradores federais que trabalham no Incra, ou que por ventura tenham passado e atualmente encontram-se em outras procuradorias ou executando outras tarefas, a habilitarem-se a comentar os artigos da lei agrria. E o entusiasmo foi visvel em face do grande nmero de inscritos ou ainda a inscrio de um s procurador a escrever sobre vrios temas. So importantes tais comentrios, pois contribuem para uma viso prtica e operativa do Direito Agrrio, na medida em que vai se especializando e provando sua autonomia como ramo do Direito, exigindo do seu intrprete o conhecimento sobre o campo brasileiro. Este conhecimento diz respeito ao saber sobre

as pessoas que exploram a terra e a sua relao com ela, a importncia para a preservao do meio ambiente, na medida em que o respeita, ao tempo que garante a segurana alimentar da populao. No segundo captulo foram colacionadas as principais teses jurdicas sustentadas pela PFE/Incra, materializadas atravs de Notas Tcnicas, nas quais se consolidam entendimentos defendidos ao longo dos tempos, e que vinculam os procuradores federais que representam judicialmente o Incra na adoo de tais orientaes. Uma boa e proveitosa leitura.

Gilda Diniz dos Santos

Captulo I COMENTRIOS LEI N 8.629/93

Lei 8.629/93 comentada por Procuradores Federais

Art. 1 Esta lei regulamenta e disciplina disposies relativas reforma agrria, previstas no Captulo III, Ttulo VII, da Constituio Federal. A reforma agrria foi um dos temas mais discutidos e provocou debates acalorados por ocasio do processo constituinte1. Segundo Carlos Frederico Mars, quando a Constituio foi escrita, porm, os chamados ruralistas, nome gentil dado aos latifundirios, foram construindo dificuldades no texto constitucional para que ele no pudesse ser aplicado.2 Ainda, segundo Mars,Como no podiam desaprovar claramente o texto cidado, ardilosa e habilmente introduziram senes, imprecises, excees que, contando com a interpretao dos Juzes, Tribunais e do prprio Poder Executivo, fariam do texto letra morta, transportando a esperana anunciada na Constituio para o velho enfrentamento dirio das classes dominadas, onde a lei sempre contra.3

E Mars questiona:Que intil seria essa Constituio que, bela como um poema, no lhe tem a mesma eficcia porque no serve sequer para comover coraes? Que mistrios esconde o texto da esperana cidad? A primeira providncia dos latifundirios, chamados de ruralistas, foi introduzir um vrus de ineficcia em cada afirmao. Assim, onde a Constituio diz como se cumpre a funo social, se lhe acrescenta que haver de ter uma lei (outra lei inferior) que estabelea graus e exigncias, com isso, dizem os Tribunais, j no se pode aplicar a Constituio sem uma lei menor que comande a sua execuo.4

O Captulo III do Ttulo VII da Constituio Federal de 1988 somente foi regulamentado cinco anos aps a promulgao da Carta com a edio da Lei n 8.629/93 (Lei material) e Lei Complementar n 76/93 (Lei processual). Esse vrus de ineficcia, referido por Mars, surtiu efeitos e atrasou a implementao da reforma agrria no pas por meia dcada. Com efeito, no perodo entre a promulgao da Constituio de 1988 at o ano 1993, praticamente, no se desapropriou imveis com fundamento no art. 184 da Constituio Federal, justamente em face do entendimento de que a nova ordem constitucional no havia recepcionado o Decreto-Lei n 554/69 que dispunha sobre a desapropriao por1 2 3 4 SILVA, Jos Gomes da. Buraco Negro, a Reforma Agrria na Constituinte, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. MARS, Carlos Frederico. A Funo Social da Terra. So Paulo: Srgio Antnio Fabris Editor, 2003, p. 118. Op. Cit. p. 146. Op. Cit. p. 146.

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Lei 8.629/93 comentada por Procuradores Federais

interesse social de imveis rurais para fins de reforma agrria. Nesse sentido, foi o que decidiu o STF por ocasio do julgamento do MS 21348, que a seguir transcrevemos:Mandado de segurana - Imvel rural - Desapropriao-sano (CF, art. 184) - Tutela constitucional do direito de propriedade - Ausncia de recepo do Decreto-lei n 554/69 pela nova Constituio - Inviabilidade da declarao expropriatria, por interesse social, ante a inexistncia das leis re-clamadas pelo texto constitucional (art. 184, par. 3., e art. 185, I) - Edio superveniente da Lei Complementar n 76/93 e da Lei n 8.629/93 - Irrelevncia - Impossibilidade de sua aplicao retroativa - Pedido deferido. (..) A inexistncia das leis reclamadas pela carta poltica (art. 184, 3 e art. 185, n I) impede o exerccio, pela Unio Federal, do seu poder de promover, para fins de reforma agrria, a modalidade especial de desapropriao a que se refere o texto constitucional (art. 184). A edio dos atos legislativos exigidos pela carta federal, ocorrida em momento posterior ao da publicao do decreto presidencial impugnado, no tem o condo de legitimar a declarao expropriatria nele consubstanciada, dada a impossibilidade de aplicao retroativa daqueles diplomas legais (MS 21348, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 08-10-1993).

Superados estes obstculos, e transcorridas mais de duas dcadas da promulgao da Constituio Federal, fundamental que o ordenamento que trata da reforma agrria seja efetivamente aplicado. Recai, portanto, sobre os operadores do direito, sejam juzes, promotores, procuradores e advogados que militam na rea, a responsabilidade histrica de interpretar e aplicar as normas com vistas a uma efetiva reforma agrria que transforme o meio rural, pois, segundo Elizabete Maniglia,[...] o propsito do Direito Agrrio realizar a justia social, que propiciar a certeza do alimento, o acesso ao trabalho agrrio, quando este for a opo do cidado, e a responsabilidade em assegurar um meio ambiente saudvel, que acarretar a responsabilidade da certeza da sustentabilidade para as futuras geraes.5

5 MANIGLIA, Elisabete. As Interfaces do Direito Agrrio e dos Direitos Humanos e a Segurana Alimentar. So Paulo : Cultura Acadmica, 2009. p. 18.

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Art. 2 A propriedade rural que no cumprir a funo social prevista no art. 9 passvel de desapropriao, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais. 1 Compete Unio desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrria, o imvel rural que no esteja cumprindo sua funo social. 2 Para os fins deste artigo, fica a Unio, atravs do rgo federal competente, autorizada a ingressar no imvel de propriedade particular para levantamento de dados e informaes, mediante prvia comunicao escrita ao proprietrio, preposto ou seu representante. (Redao dada pela Medida Provisria n 2.183-56, de 2001) 3 Na ausncia do proprietrio, do preposto ou do representante, a comunicao ser feita mediante edital, a ser publicado, por trs vezes consecutivas, em jornal de grande circulao na capital do Estado de localizao do imvel. (Includo pela Medida Provisria n 2.183-56, de 2001) 4 No ser considerada, para os fins desta lei, qualquer modificao, quanto ao domnio, dimenso e s condies de uso do imvel, introduzida ou ocorrida at seis meses aps a data da comunicao para levantamento de dados e informaes de que tratam os 2 e 3. (Includo pela Medida Provisria n 2.183-56, de 2001) 5 No caso de fiscalizao decorrente do exerccio de poder de polcia, ser dispensada a comunicao de que tratam os 2 e 3. (Includo pela Medida Provisria n 2.183-56, de 2001) 6 O imvel rural de domnio pblico ou particular objeto de esbulho possessrio ou invaso motivada por conflito agrrio ou fundirio de carter coletivo no ser vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes sua desocupao, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidncia; e dever ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedaes. (Includo pela Medida Provisria n 2.183-56, de 2001) 7 Ser excludo do Programa de Reforma Agrria do Governo Federal quem, j estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefcio na condio de inscrito em processo de cadastramento e seleo de candidatos ao acesso terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundirio que se caracterize por invaso ou esbulho de imvel rural de domnio pblico ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliao para fins de reforma agrria, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriao em vias de imisso de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invaso de prdio pblico, de atos de ameaa, seqestro ou manuteno de 27

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servidores pblicos e outros cidados em crcere privado, ou de quaisquer outros atos de violncia real ou pessoal praticados em tais situaes. 8 A entidade, a organizao, a pessoa jurdica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invaso de imveis rurais ou de bens pblicos, ou em conflito agrrio ou fundirio de carter coletivo, no receber, a qualquer ttulo, recursos pblicos. 9 Se, na hiptese do 8, a transferncia ou repasse dos recursos pblicos j tiverem sido autorizados, assistir ao Poder Pblico o direito de reteno, bem assim o de resciso do contrato, convnio ou instrumento similar. Nos termos do art. 184 da CF/88, regulamentado pelo art. 2 da Lei n 8.629/93, o alvo da reforma agrria o imvel rural que no cumpre a funo social prevista no art. 186, incisos I a IV da Constituio Federal. De incio, importante registrar que a definio de imvel rural conferida pelo Direito Agrrio no a mesma do Direito Civil. Sob a tica agrarista a destinao que se d ao imvel ou a atividade nele exercida configura o principal elemento caracterizador do imvel rural, e no sua localizao, a qual pode ser urbana, inclusive. Trata-se da denominada Teoria da Destinao, segundo a qual A definio de imvel rural, em sede de desapropriao para fins de reforma agrria, aferida pela sua destinao, no interessando que esteja localizado em zona urbana (RESP 621680). Outro elemento fundamental caracterizador do imvel rural a sua continuidade, que no propriamente fsica, mas econmica e contempla a unidade de explorao econmica. Portanto, apesar de possurem mais de uma matrcula ou proprietrios, mas se contemplarem uma mesma unidade de explorao econmica, devem ser considerados como um nico imvel rural para efeitos de cadastramento, fiscalizao e desapropriao. Da que um imvel que embora seja seccionado ou dividido por um rio ou estrada ser considerado nico para efeitos da desapropriao. Para isso necessrio verificar o regime de explorao, se existe materializao fsica dos limites de cada matrcula, se a produo contabilizada como um todo ou em partes individualizadas considerando a rea de cada matrcula, etc. Trata-se, portanto, de elemento ftico que s pode ser constatado em campo. Sobre este aspecto, Osvaldo e Silvia Opitz alertam que a expresso contnua no Direito Agrrio transcende os trs significados mais comuns emprestados palavra contnuo, isto , no tempo como consecutivo, no espao como unido, seguido, ou no figurado, como ininterrupto. Segundo eles, neste campo o que importa 28

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[...] a utilitas da rea, isto , deve haver a continuidade na utilidade do imvel, embora haja interrupo por acidente, por fora maior, por lei da natureza ou por fato do homem. H unidade econmica na explorao do prdio rstico. A vantagem econmica, e no fsica, como aparenta a expresso legal6.

Este entendimento foi agasalhado pelo art. 5, 1 da NE INCRA n 95/2010, o qual dispe que Para fins de abrangncia da rea a ser vistoriada, o imvel rural o prdio rstico de rea contnua que contemple a unidade de explorao econmica, podendo ser composto de vrios registros de um ou mais proprietrios. Ainda no mbito interno da autarquia deve ser observado o Parecer SR-03/J N 13/95, da lavra do Procurador Federal Augusto Jos de Souza Ferraz, aprovado em carter normativo pelo Presidente do Incra, em 21 de dezembro de 1995. Referido parecer delineou alguns dos elementos do conceito de imvel rural, em especial, no tocante ao conceito jurdico de continuidade. A PFE/Incra tambm emitiu algumas Notas Tcnicas sobre o assunto, todas albergando o conceito de imvel rural aludido, como por exemplo, a Nota Tcnica/AGU/PGF/PFE-INCRA/G/N 05/2008 (ACRH) e a Nota Tcnica Conjunta/INCRA/DT/DO/PFE/N 01/2006, a qual, logo em seu caput, esclarece que tem o objetivo de padronizar conceitos e critrios na instruo de processos administrativos que tenham como objeto a obteno de recursos fundirios mediante desapropriao para fins de reforma agrria. Essa definio mais ampla e que considera a realidade existente em campo se contrape noo dada pelo Direito Civil de que o imvel rural estaria relacionado propriedade devidamente delimitada e registrada no Cartrio de Registro de Imveis. Vale dizer o conceito de imvel rural diverso e distancia-se da noo de propriedade rural. Ressalta-se que a definio agrarista tem sido recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal, como se verifica dos seguintes julgados:O conceito de imvel rural do art. 4, I, do Estatuto da Terra, contempla a unidade da explorao econmica do prdio rstico, distanciando-se da noo de propriedade rural. (MS 24.488, STF, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 19.05.2005, DJ 03.06.2005). A teor do disposto no artigo 184 da Constituio Federal, o alvo da Reforma Agrria o imvel rural que no esteja cumprindo sua funo social, pouco importando a existncia, sob o ngulo da propriedade, de condomnio. (MS 24.503, STF, Rel. Min. Marco Aurlio, Tribunal Pleno, julgado em 07.08.2003, DJ 05.09.2003).6 OPITZ, Silvia. C. B e OPITZ, Oswaldo. Tratado de Direito Agrrio. So Paulo: Saraiva, 1983, p.43

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O cadastro de imveis no SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural) a cargo do Incra tambm deve considerar estes parmetros e delineamentos justamente para conhecer mais fidedignamente a malha fundiria brasileira, e com isso melhor planejar a sua interveno com vista a democratizar e melhorar distribuio da terra no pas. Isso implica, eventualmente, em unificar num mesmo cadastro reas com cadastros diversos, cancelando os demais, ou, eventualmente, cadastrar imveis que embora com cadastro nico, em campo so diversos, pois no possuem unidade de explorao econmica. Vale dizer, o cadastro do Incra no de propriedades rurais, mas de imveis rurais. O registro de propriedades incumbncia das serventias de registros de imveis. Constata-se, portanto, que a definio de imvel rural pelo Direito Agrrio gera conseqncias diversas do conceito estanque e formalista dado pelo Direito Civil, razo pela qual de extrema importncia que seus contornos sejam delineados tanto na fase administrativa, quanto no processo judicial de desapropriao. Efetivamente, a partir dessa definio que se chegar, por exemplo, ao tamanho do imvel, e sua classificao como pequena, mdia ou grande propriedade, e em conseqncia a incidncia ou no da vedao constitucional prevista no art. 185, I da Constituio Federal que imuniza a pequena ou mdia propriedade se seu proprietrio no possuir outra. Essa definio tambm decisiva para se chegar base clculo dos ndices de produtividade, e tambm no tocante aos prazos de resgate e juros incidentes sobre os TDAs - ttulos da dvida agrria (art. 5, 3 da Lei n 8.629/93 e art. 5, 3 da Lei n 8.177/91). Sabe-se que as sociedades humanas sempre tiveram, em todas as pocas e formas de organizao, especial ateno ao uso e ocupao da terra. Segundo Mars, para quem a funo social seria da terra e no da propriedade, a razo bvia: todas as sociedades tiraram dela seu sustento. E entenda-se sustento tanto o po de cada dia como a tica refundidora da sociedade. A argamassa espiritual que une uma sociedade flui a partir das condies fsicas do territrio em que o povo habita7. Afirma-se, no entanto, que foi no perodo imediatamente posterior a doutrina liberal clssica que se passa a estipular uma funcionalizao da propriedade privada8. Mas sabe-se que j no Sculo XIV, o Rei de Portugal, por meio da Lei de 26 de Junho de 1375, ao inaugurar o regime das sesmarias portuguesas, assim ordenava:Todos os que tiveram herdades prprias, emprazadas, aforadas, ou qualquer outro ttulo que sobre as mesmas lhes d direito, sejam constrangidos a lavr-las e seme-las. [...] Se os senhores das herdades no quiserem estar por aquele arbitramento, e por qualquer maneira7 MARS, Carlos Frederico. A Funo Social da Terra. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor, 2003, p. 11. 8 SANTOS, Joo Paulo de Faria. Reforma Agrria e Preo Justo: A Indenizao na desapropriao agrria sancionatria. 1 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2009, p. 112.

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o embargarem por seu poderio, devem perd-las para o comum, a que sero aplicadas para sempre; devendo arrecadar-se o seu rendimento a beneficio comum, em cujo territrio forem situadas.9

O certo que h alguns sculos o direito de propriedade no mais absoluto. Pesa sobre ele uma hipoteca social: o cumprimento da funo social da propriedade. No caso do imvel rural a funo social somente cumprida quando ele atende simultaneamente aos quatro requisitos previstos no art. 184 da Constituio Federal, que so: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente; III observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho; IV - explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores. de se registrar que, por muito tempo, a Autarquia Agrria manteve-se inerte quanto anlise dos demais aspectos da funo social da propriedade, levando em conta, para fins de desapropriao, apenas os percentuais de GUT e GEE e deixando de desapropriar propriedades que degradavam o meio ambiente, assim como aquelas nas quais se violava a legislao trabalhista e no contribuam para o bem-estar dos trabalhadores. Portanto, por um lado a autarquia agrria no se desincumbia das suas atribuies institucionais, e por outro lado restavam sem efetividade os incisos II a IV do art. 186 da CF/88, art. 2 e art. 9, II a IV da Lei n 8.629/93. Por conta disso, o Tribunal de Contas da Unio exarou o Acrdo 557/2004, relativamente ao processo n 005.888/2003-0, por meio do qual recomendou ao Incra o seguinte: 9.4.4. elabore norma tcnica e adote as demais medidas cabveis, com apoio do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, a fim de conferir efetividade aos incisos II a IV do art. 9 da Lei n 8.629/93. Visando dar cumprimento quela deciso, a Consultoria Jurdica do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio elaborou o Parecer Conjunto/CPALNP-CGAPJP/CJ/MDA/n 011/2004 (VAF/JMPJ), o qual, aprovado pelo Ministro de Estado para os fins do art. 42 da Lei Complementar n 73/93, tornou-se vinculante para a autarquia agrria. O referido parecer enfrentou explicitamente a possibilidade de o imvel, ainda que produtivo do ponto de vista economicista vir a sofrer a desapropriao-sano nas hipteses em que violar qualquer dos demais aspectos da funo social da propriedade.9 BRASIL. Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. Cf. PINTO Jr., Joaquim Modesto; FARIAS,Valdez Adriani. Coletnea de legislao e jurisprudncia agrria e correlata. Braslia: Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, NEAD, 2007, p. 43.

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A questo que se coloca perante o intrprete consiste na aparente contradio entre o art. 184 (desapropriao de imvel rural que no esteja cumprindo sua funo social), o art. 186 (requisitos para o cumprimento da funo social) e o art. 185 (vedao da desapropriao da propriedade produtiva). Naquele estudo, partindo de uma interpretao sistemtica e levando em considerao os princpios de interpretao constitucionais, tais como o da unidade da constituio, da mxima efetividade das normas constitucionais, da fora normativa da constituio, dentre outros, concluiu-se pela possibilidade de desapropriao da propriedade que descumpre qualquer dos aspectos enumerados no art. 186 da Carta Magna. No referido parecer vinculante sustentou-se que o conceito de produtividade do art. 185 estaria alado idia de razo humana e social, concluindo, portanto, que a propriedade para no sofrer a desapropriao-sano deve cumprir simultaneamente os requisitos do aproveitamento racional e adequado, da utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente; de observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho e de explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores. A partir do entendimento de que a Constituio no se interpreta em tiras, aos pedaos10, sustentou-se que a previso do art. 185, dever ser lida e interpretada em conjunto com os arts. 184 e 186, de forma que ambos os textos e demais dispositivos constitucionais espraiados na Carta, como por exemplo, o art. 5, XXIII11 e art. 170, III12, sejam preservados e efetivados, e pela qual a leitura dos dispositivos poderia ser assim formulada: insuscetvel de desapropriao para fins de reforma agrria a propriedade produtiva, quando, simultaneamente, preserve o meio ambiente, respeite as relaes trabalhistas, promova bem estar a proprietrios e trabalhadores, sem causar conflitos sociais. As principais concluses daquele Parecer foram: a) a imunidade prevista no art. 185, II da CF/88 (propriedade produtiva), no alcana os imveis que descumprem as outras condicionantes da funo social da propriedade, de forma que insuscetvel de desapropriao para fins de reforma agrria a propriedade produtiva, quando, simultaneamente, preserve o meio ambiente, observe a legislao trabalhista e promova bem estar a proprietrios10 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econmica na Constituio de 1988. So Paulo: RT, 1990, pp. 176-177. 11 Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: [...] XXIII - a propriedade atender a sua funo social. 12 Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: [...] III - funo social da propriedade

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e trabalhadores, sem causar conflitos sociais; b) poder ser desincorporado dos clculos de produtividade os produtos produzidos em detrimento da preservao ambiental (produo ilcita). c) nos casos em que o descumprimento da funo ambiental ou trabalhista for objetivvel de plano a fiscalizao compete autonomamente ao Incra. d) nos demais casos a fiscalizao poder ser realizada em conjunto com os demais rgos (Ibama e SIT/MTE). Eros Grau sustenta que:Por isso, devendo a Constituio ser interpretada no seu todo - no se interpreta a Constituio em tiras -, efetivamente diremos que, ainda que inexistente, no bojo da Constituio de 1988, o texto veiculado pelo seu art. 186, ainda assim (i) o cumprimento da funo social da propriedade rural suporia a utilizao adequada dos recursos naturais e a preservao do meio ambiente, bem assim a observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho; e (ii) a contratao de trabalhadores com afronta ao entendimento jurisprudencial cristalizado no Enunciado 256 do TST e a prtica de queimadas e desmatamentos sem a devida autorizao do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis caracterizariam o no cumprimento da funo social da propriedade rural.13

Efetivamente, a interpretao isolada do artigo 185, II da CF/88 no de boa tcnica hermenutica e repudiada pela melhor doutrina. Vale dizer: o fato de o imvel ser produtivo no o dispensa de cumprir os demais requisitos da funo social. Ainda sobre esse aspecto, importante referirmos a posio contundente de Mars, para quem ao submeter a funo social produtividade, esta interpretao desconsidera toda a doutrina e a evoluo da teoria da funo social e reduz o art. 186 da Constituio a uma retrica cnica.14 E mais adiante Mars questiona:Se esta interpretao fosse verdadeira, que sentido teria o artigo 186 que define os critrios da funo social? E que sentido teriam os artigos 5, incisos XXII e XXIII e Ttulo VII, artigo 170, inicisos I e II, que indicam uma clara vinculao entre a propriedade privada e a funo social? Esta exegese ligeira acaba por comprometer todos estes dispositivos constitucionais, como se tivessem sido escritos apenas para lu13 GRAU, Eros Roberto. Questo Agrria e a Justia. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, pp. 195-202. 14 MARS, Carlos Frederico. A Funo Social da Terra. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor, 2003, pp. 120-121.

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dibriar o povo. A concluso dura demais para ser verdadeira, porque uma espada impiedosa golpeando a esperana de um povo viver em paz. Se a constituio foi escrita para enganar o povo, que caminhos de paz pode lhe restar? Cento e cinqenta anos depois, voltaramos a Lassalle quando dizia que a Constituio uma folha de papel sujeita ao uso das classes dominantes.15 claro que estas interpretaes excludentes devem ser repudiadas sob pena de se atirar no lixo o texto constitucional. Mas as interpretaes so equivocadas, tomam um inciso e omite o conjunto da obra. verdade que a incluso do artigo foi intencional e exatamente para propiciar tais interpretaes, como infirma todo o resto, se impe um esforo para lhe dar coerncia e sobretudo para encontrar nele o que Lassalle chamou de foras reais de poder.16

Embora no tenha enfrentado diretamente o tema o STF tratou do contedo do princpio constitucional da funo social da propriedade, em especial sobre a exigncia do atendimento simultneo dos requisitos previstos no art. 186 da Constituio Federal no julgamento do MS 22.164/SP (STF, Rel. Min. Celso De Mello, Tribunal Pleno, julgado em 30.10.1995, DJ 17.11.1995), bem como na ADI-MC 2.213/DF (STF, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 04.04.2002, DJ 23.04.2004). Colhe-se dos julgados as seguintes passagens:ADIN 2213 : O direito de propriedade no se reveste de carter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a funo social que lhe inerente (CF, art. 5, XXIII) pois s se tem por atendida a funo social que condiciona o exerccio do direito de propriedade, quando o titular do domnio cumprir a obrigao (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter nveis satisfatrios de produtividade; (3) de assegurar a conservao dos recursos naturais; e (4) de observar as disposies legais que regulam as justas relaes de trabalho entre os que possuem o domnio e aqueles que cultivam a propriedade.(....) MS 22164: A prpria Constituio da Repblica, ao impor ao Pode Pblico dever de fazer respeitar a integridade do patrimnio ambiental, no o inibe, quando necessria a interveno estatal na esfera dominial privada, de promover a desapropriao de imveis rurais para fins de reforma agrria, especialmente porque um dos instrumentos de realizao da funo social da propriedade consiste, precisamente, na submisso do domnio necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponveis e de fazer preservar o equilbrio do meio ambiente (CF, art. 186, II), sob pena de, em descumprindo esses encargos, expor-se a desapropriao-sano a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental.

15 MARS, Carlos Frederico. A Funo Social da Terra: nota 103 citada no original - Ferdinand Lassalle, Qu es una constitucin?. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor, 2003. 16 Op. Cit. p. 120.

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Cumpre referir, ainda, outros casos concretos que caminham no sentido da tese acima exposta, alguns j levados apreciao do Poder Judicirio: Fazenda Campo do Paiol/SC. Imvel produtivo. Descumprimento ambiental (2007.72.11.001000-1/SC); Fazenda Bacaba/TO. Imvel produtivo. Descumprimento da funo ambiental (2004.43.00.001111-0/TO). Por iniciativa do Poder Executivo, foram objeto de decretao a Fazenda Nova Alegria situada em Felisburgo/ MG decretada em face do descumprimento da funo ambiental e bem-estar com fundamento nos arts. 186, II e IV da CF/88 e 5 do art. 9 da Lei n 8.629/93 (DOU de 20.08.2009); Fazenda Juliana ou Escalada do Norte situada em Rio Maria/PA decretada em face de descumprimento da funo ambiental com fundamento no art. 186, II da CF/88 (DOU de 08.12.2009) e Fazenda Santa Elina, situada em Chipinguaia/RO (DOU de 15.04.2010). No caso da Fazenda Campo do Paiol situada no Municpio de Tai/ SC foi proferida sentena no Processo n 2007.72.11.001000-1/SC, o qual foi ajuizado pelo proprietrio pretendendo declarar o imvel produtivo. Sobreveio sentena no sentido de que a produtividade por si s no imuniza a propriedade descumpridora da funo social ambiental. Transcrevemos:Assim, a partir da interpretao sistmica dos artigos 184 a 186 da Constituio Federal, a propriedade produtiva somente insuscetvel de desapropriao, se cumpre sua funo social e, portanto, se utiliza adequadamente dos recursos naturais disponveis e preserva o meio-ambiente. Com efeito, a produtividade (grau de utilizao da terra ou eficincia da explorao) do imvel deve ser conciliada com o atendimento de sua funo social, sob pena de se tornarem sem sentido os artigos 184 e 186 da Constituio Federal.

A competncia para proceder desapropriao-sano prevista no art. 184 da Constituio Federal privativa da Unio, por meio do Incra que exerce a competncia pro fora do art. 16, pargrafo nico do Estatuto da Terra c/c art. 2 do Decreto-Lei n 1.110/70. No entanto, essa exclusividade diz respeito modalidade de desapropriao e no implica dizer que a reforma agrria somente possa ser realizada pela Unio e por meio desse instrumento. Ou seja, possvel que outros entes como Estados e Municpios tambm desapropriem e destinem o imvel para a reforma agrria, desde que a indenizao seja paga de forma prvia e em dinheiro, conforme previso do art. 5, XXIV da Constituio Federal. Neste sentido, a lio de Jos Afonso da Silva que transcrevemos a seguir:

No quer dizer que a reforma agrria possa fazer-se somente por esse modo. A desapropriao por interesse social, inclusive para me-

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lhor distribuio da terra, um poder geral do Poder Pblico (art. 5, XXIV), de maneira que a vedao de desapropriao, para fins de reforma agrria, da pequena e mdia propriedade rural, assim definida em lei e desde que seu proprietrio no possua outra, e da propriedade produtiva configurada no art. 185 deve ser entendida em relao ao processo de reforma agrria constante do art. 184. Ou seja: o art. 185 contm uma exceo desapropriao especial autorizada no art. 184, no ao poder geral de desapropriao por interesse social nos termos do art. 5, XXIV. Quer dizer, desde que se pague a indenizao nos termos do art. 5, XXIV, qualquer imvel rural pode ser desapropriado por interesse social para fins de reforma agrria e melhor distribuio da propriedade fundiria.17

De fato, a coexistncia da desapropriao por interesse social do tipo ordinria prevista genericamente no art. 5, XXIV, da Constituio Federal, e regulamentada pela Lei n 4.132/62, com a desapropriao-sano prevista no art. 184 da mesma carta e regulamentada pela Lei n 8.629/93, que se constitui em exceo ao chamado poder geral de desapropriao, plenamente reconhecida pela melhor doutrina e pela jurisprudncia. Neste sentido, e por oportuno transcrevemos algumas decises proferidas pelo STF e STJ:Encontra ressonncia na doutrina e na jurisprudncia a competncia dos demais entes da Federao para proceder desapropriao, por interesse social, de imvel rural, com pagamento de prvia e justa indenizao em dinheiro. [...] (SS 2.217-RS, DJ 17/12/2003) DESAPROPRIAO. ESTADO-MEMBRO. REFORMA AGRRIA. PRVIA INDENIZAO. DINHEIRO. A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu, por maioria, que possvel a qualquer ente federado propor, por interesse social, ao de desapropriao de imvel rural, mediante prvia e justa indenizao em dinheiro (art. 5, XXIV, da CF/1988 e art. 2 da Lei n 4.132/1962). Note-se no se tratar de desapropriao nos moldes do art. 184 da CF/1988, de competncia exclusiva da Unio. Precedentes citados do STF: liminar na SS 2.217-RS, DJ 9/9/2003; do STJ: RMS 16.627-RS. REsp 691.912-RS, Rel. originrio Min. Jos Delgado, Rel. para acrdo Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 7/4/2005. DESAPROPRIAO. ESTADO-MEMBRO. REFORMA AGRRIA. Qualquer dos entes da Federao, frente ao interesse social, pode efetuar desapropriao de imvel rural para implantao de colnias ou cooperativas de povoamento ou trabalho agrcola, isso mediante o pagamento de prvia e justa indenizao em dinheiro (art. 5, XXIV, da CF/1988 c/c o art. 2 da Lei n 4.132/1962). Essa modalidade de desapropriao, praticada, no caso, pelo Estado-membro, assemelha-se quela destinada reforma agrria (art. 184 da CF/1988), mas com17 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. So Paulo: Ed. Malheiros, 23 edio, 2004, pp. 800-801

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ela no se confunde, no se podendo falar em exclusividade da Unio. Precedente citado do STF: SS 2.217-RS, DJ 17/12/2003. RMS 13.959RS, Rel. Min. Joo Otvio de Noronha, julgado em 6/9/2005.

O 2 do art. 2 da Lei n 8.629/93 atribui competncia ao Incra, que nos termos do art. 16, pargrafo nico do Estatuto da Terra c/c art. 2 do Decreto-Lei n 1.110/70 age na condio de longa manus da Unio para proceder a fiscalizao do cumprimento da funo social, bem como os atos desapropriatrios subsequentes. Frise-se que no existe bice para que o Incra realize fiscalizao dos aspectos ambientais, trabalhistas e de bem-estar certificando as ocorrncias no respectivo laudo. Tal se d em virtude de que a competncia da Autarquia no consiste apenas em aferir a produtividade econmica, mas em fiscalizar o cumprimento das condicionantes da funo social da propriedade, que abrange, com j visto, as funes ambientais, trabalhistas e de bem-estar. No mbito interno da autarquia a fiscalizao da funo social da propriedade competncia dos Engenheiros Agrnomos, os quais nos termos do art. 2 da Lei n 10.550/02 integram a carreira de Perito Federal Agrrio, a conferir:Art. 2 Os ocupantes do cargo de Engenheiro Agrnomo do Quadro de Pessoal do Incra que integrarem a Carreira de Perito Federal Agrrio tm por atribuies o planejamento, a coordenao, a orientao, a implementao, o acompanhamento e a fiscalizao de atividades compatveis com sua habilitao profissional inerentes s polticas agrrias e, mais especificamente: (Redao dada pela Lei n 11.090, de 2005) I - a vistoria, avaliao e percia de imveis rurais, com vistas na verificao do cumprimento da funo social da propriedade, indenizao de imveis rurais e defesa tcnica em processos administrativos e judiciais referentes obteno de imveis rurais; (Redao dada pela Lei n 11.090, de 2005)

Assim, tendo o legislador estabelecido a competncia do Incra para proceder fiscalizao do cumprimento das condicionantes da funo social em imveis rurais, evidente que, quando ocorrer o no atendimento de um desses requisitos, a fiscalizao e o processamento da demanda devero ter guarida no mbito da Autarquia agrria. O levantamento de dados e informaes referido no 2 do art. 2 ocorre mediante a vistoria preliminar para verificao do cumprimento da funo social da propriedade. Posteriormente, aps a decretao de interesse social realizada a vistoria de avaliao do imvel. possvel, no entanto, realizar ambas as vistorias em conjunto, conforme j decidiu o STF por ocasio do julgamento do MS 23.744. Registra-se: 37

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Nada impede, porm, que a Administrao faa a avaliao a partir dos dados colhidos na primeira fase, se julg-los suficientes, no fazendo uso da faculdade que a lei complementar lhe d para ingressar novamente no imvel. 3. A avaliao a partir da primeira vistoria no causa de nulidade do decreto presidencial, mesmo porque nenhum prejuzo sofreu o proprietrio. Pas de nullit sans grief.

Com fundamento nesse julgado foi editada no mbito do Incra a Nota Tcnica Conjunta DT/DO/PFE/INCRA n 01/2006 orientando no sentido da realizao das fiscalizaes conjuntas, a seguir transcrita:[...] nos casos em que a equipe tcnica disponha de elementos suficientes que, antecipadamente, permitam identificar flagrante condio de improdutividade do imvel, bem como ser o mesmo vivel para assentamento, a avaliao do imvel poder ser feita concomitantemente vistoria para levantamento de dados e informaes (preliminar), devendo constar essa condio, nos termos da competente notificao do proprietrio.

Tal procedimento encurta consideravelmente o tempo do processo e por certo est em consonncia com o procedimento especial de rito sumrio previsto no art. 184, 3 da Constituio Federal, alm de homenagear o princpio constitucional da eficincia. Nos termos do 2 do art. 2 da Lei n 8.629/93 antes de o Incra ingressar no imvel rural, a fim de que seja realizado o levantamento preliminar de dados e informaes, faz-se necessria a prvia comunicao escrita do proprietrio, preposto ou representante (Precedentes: MS 22.164 - STF, Rel. Min. Celso De Mello, Tribunal Pleno, julgado em 30.10.1995, DJ 17.11.1995, MS 22.165; STF, Rel. Min. Marco Aurlio, Tribunal Pleno, julgado em 26.10.1995, DJ 07.12.1995). Cumpre informar que no julgamento do Mandado de Segurana n 23.562, Rel. Min. Maurcio Corra, ocorrido em 08.06.2000, o STF decidiu incidenter tantum que a alterao da redao do art. 2, 2, da Lei n 8.629/93, a qual trocou a expresso notificao prvia por comunicao escrita, foi considerada inconstitucional. Em resoluo de n 04/2007, o Senado Federal, ento, suspendeu a execuo dos artigos de todas as medidas provisrias que estabeleciam a alterao declarada inconstitucional, desde a MP n 1.577/1997 e suas reedies at a MP n 2.027-39/2000. A partir da nova reedio da Medida Provisria em 29 de junho de 2000, que adotou o n 2.027-40, a expresso utilizada no art. 2, 2, da Lei n 8.629/93 passou a ser prvia comunicao escrita, redao que foi mantida at a edio da MP n 2.183-56-2001, atualmente em vigor por fora do art. 2 da Emenda Constitucional n 32/01. 38

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O STF em diversos julgados tambm considerou indispensvel que a comunicao prevista no 2, do artigo 2, da Lei n 8.629/93 seja feita com antecedncia, de modo a permitir a efetiva participao do proprietrio, ou de preposto por ele designado, nos trabalhos de levantamento de dados que tem por objetivo a determinao da produtividade do imvel (Precedentes do STF: MS 22.164, STF, Rel. Min. Celso De Mello, Tribunal Pleno, julgado em 30.10.1995, DJ 17.11.1995, MS 22.320, STF, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 11.11.1996, DJ 19.12.1996). Segundo o STF, a comunicao que inaugura o devido processo legal tem por objetivo dar ao proprietrio a oportunidade real de acompanhar os trabalhos de levantamento de dados, fazendo-se assessorar por tcnicos de sua confiana, para apresentar documentos, demonstrar a existncia de criaes e culturas e fornecer os esclarecimentos necessrios eventual caracterizao da propriedade como produtiva e, se cumpridora dos demais requisitos da funo social, isenta da desapropriao-sano. Como visto, a lei no fixou o prazo que a comunicao seria considerada prvia. A jurisprudncia, em especial do STF, passou a considerar como prvia a comunicao que observa o prazo de trs dias teis entre o seu recebimento e a entrada da equipe de fiscalizao na rea do imvel. Referido prazo ento foi albergado pelas normas internas do Incra que passaram a fixar um intervalo de trs dias teis entre o recebimento da comunicao e a entrada da equipe de fiscalizao na rea do imvel. A Atual redao da NE Incra n 95/10 a seguinte:Art. 5 O ingresso no imvel rural de propriedade particular para o levantamento de dados e informaes visando a elaborao do Laudo Agronmico de Fiscalizao - LAF, de acordo com o previsto nos 2 e 3 do art. 2 da Lei n 8.629/1993, far-se- mediante prvia comunicao ao proprietrio, preposto ou seu representante legal: [...] 3 A comunicao prvia de que trata este artigo dever ser feita com antecedncia mnima de 3 (trs) dias teis, da qual dever constar o perodo estimado para ingresso no imvel rural, desde que o perodo estimado para ingresso no extrapole o prazo de 3 (meses) da data do ofcio de comunicao prvia.

O mesmo normativo prev em seu art. 5, 4 que havendo mais de um proprietrio o prazo de trs dias teis entre a comunicao e o ingresso no imvel ser contado a partir da entrega da ltima comunicao. Veja-se: 4 Havendo mais de um proprietrio, o prazo previsto no pargrafo

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anterior ser contado a partir da entrega da ltima comunicao.

Se o trduo legal no for observado, possvel sanear a irregularidade se o proprietrio, preposto ou funcionrio por ele designado tenha acompanhado os trabalhos de vistoria. Neste sentido o que se decidiu no MS 24.036 STF, Rel. Min. Maurcio Corra, Tribunal Pleno, julgado em 01.02.2002, DJ 12.04.2002. que tendo a comunicao atingido seus objetivos no h razo para anular o ato, forte no brocardo pas de nullit sans grief. A comunicao deve ser feita de forma direta e pessoal mediante entrega do ofcio pelo servidor da autarquia ou por via postal pela ECT mediante ARMP (aviso de recebimento em mos prprias). Se no for exitosa por essas vias a comunicao ser realizada por meio do Tabelionato de Notas. Por ltimo, se nenhuma das trs formas for exitosa, os resultados devero ser certificados por servidor da autarquia, e ento a comunicao se dar por meio de edital, a ser publicado por trs vezes consecutivas em jornal de grande circulao na capital do Estado de localizao do imvel rural. Transcrevemos a previso do art. 5 da NE 95/10:Art. 5 O ingresso no imvel rural de propriedade particular para o levantamento de dados e informaes visando a elaborao do Laudo Agronmico de Fiscalizao - LAF, de acordo com o previsto nos 2 e 3 do art. 2 da Lei n 8.629/1993, far-se- mediante prvia comunicao ao proprietrio, preposto ou seu representante legal: I. pessoalmente, provada pela assinatura do proprietrio, preposto ou representante legal, devidamente identificado, e pela data do recebimento da comunicao, ou; II. por via postal, com aviso de recebimento em mos prprias - ARMP, ou; III. por via extrajudicial, por meio do Tabelionato de Notas. 1 Ser admitida a comunicao por meio de edital, a ser publicada por 3 (trs) vezes consecutivas em jornal de grande circulao na capital do Estado de localizao do imvel rural, quando no tiverem xito os meios de comunicao previstos nos incisos I, II ou III, assim certificado por um servidor da Autarquia.

Sendo o proprietrio esplio, a notificao deve ser realizada na pessoa do inventariante, pois na forma do art. 12, V, e 991, II do Cdigo de Processo Civil, ao inventariante caber a representao do esplio em juzo e fora dele (MS 24.786, Rel. Min. Ellen Grace, DJ 06/08/2004). No havendo inventariante, todos os herdeiros devero ser notificados pessoalmente. Tratando-se de imvel em condomnio h a necessidade de comunicao de todos os condminos, conforme de decidiu no MS 23.012, STF, Rel. Min. Ilmar Galvo, Rel. para o acrdo Min. Maurcio Corra, Tribunal Pleno, jul40

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gado em 04.06.1998, DJ 24.08.2001. J no caso de condomnio por sociedade conjugal basta a comunicao de um dos cnjuges, em especial se o comunicado o administrador do imvel, conforme se decidiu no MS 23.311 STF, Rel. Min. Seplveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 09.12.1999, DJ 25.02.2000. A comunicao das entidades de classes de que trata o Decreto n 2.250/97 somente exigida para aquela entidade que indicou o imvel, conforme deciso proferida pelo STF no MS 23.391, Rel. Min. Octvio Gallotti, Tribunal Pleno, julgado em 11.05.2000, DJ 24.11.2000 e MS 23.312, Rel. Min. Maurcio Corra, Tribunal Pleno, julgado em 16.12.1999, DJ 25.02.2000. No mbito do Incra, foi exarada a Nota Tcnica/PFE/INCRA/n 01/06 com recomendaes detalhadas sobre o procedimento de notificao prvia e a contagem de prazo, como, dentre outras, a recomendao pela utilizao da regra do CPC de que o prazo deve ser contado excluindo-se o dia do incio (data em que foi praticado o ato) e computando-se o dia do vencimento. Quanto ao 4 do dispositivo em comento, no ser considerada, qualquer modificao, quanto ao domnio, dimenso e s condies de uso do imvel, introduzida ou ocorrida at seis meses aps a data da comunicao para levantamento de dados e informaes de que tratam os 2 e 3. Essa vedao dirigida ao proprietrio do imvel e visa evitar fraudes frequentemente realizadas com o objetivo de inviabilizar a ao de desapropriao. de se registrar que o proprietrio no est proibido de realizar modificaes quanto ao domnio, dimenso e s condies de uso do imvel, mas se as realizar sero as mesmas desconsideradas perante o processo de fiscalizao instaurado pelo Incra. No se trata de prazo de validade do laudo pericial nem termo final para a edio do decreto declaratrio de interesse social, como equivocadamente frequentemente sustentado na fase administrativa e judicial do processo de desapropriao. Sobre o tema, destacamos o seguinte julgado:O 4 do artigo 2 da Lei n 8.629/93 no fixa prazo de validade do laudo pericial nem termo final para a edio do decreto expropriatrio. Dispe apenas que o laudo no dever levar em conta as alteraes sobre domnio, dimenso e condies de uso do imvel ocorridas no perodo de seis meses contados a partir da vistoria. (MS 23.598, STF, Rel. Min. MAURCIO CORRA, TRIBUNAL PLENO, julgado em 13.09.2000, DJ 27.10.2000).

O citado dispositivo legal no abrange as hipteses em que a modificao do imvel ocorre depois dos seis meses. Porm, as alteraes no impor41

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taro em prejuzo ao processo expropriatrio se ficar comprovado em campo que o imvel continua mantendo a unidade de explorao econmica, que caracteriza um imvel rural nico. Da mesma forma e pelas mesmas razes, nos casos em que as modificaes ocorrerem em decorrncia de transmisso causa mortis, mesmo que escoado o prazo do 4, essa transmisso automtica de pleno direito denominada Direito de Saisine, no inviabiliza por si s o processo de desapropriao. Nesses casos, o Incra deve se valer do conceito dado pelo Direito Agrrio ao imvel rural, j exposto anteriormente, de forma que seja demonstrada que a pluralidade de titulares do imvel no impede sua desapropriao, se a explorao for mantida unificada. Salienta-se que o STF mais recentemente modificou o entendimento anterior, consagrando a tese da Autarquia e interpretando o Direito de Saisine de acordo com o conceito de imvel rural. Ademais, segundo decidiu a Corte Suprema, a existncia de condomnio sobre o imvel rural no impediria a desapropriao-sano do art. 184 da Constituio do Brasil, cujo alvo o imvel rural descumpridor de sua funo social e no se poderia tomar cada parte ideal do condomnio, averbada no registro imobilirio de forma abstrata, como propriedade distinta, para fins de Reforma Agrria. (MS 24.573, STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. para o acrdo Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 12.06.2006, DJ 15.12.2006). Na mesma linha: MS 25299, STF, Rel Min. Seplveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 14.06.2006, DJ 08.09.2006 e MS 25283, STF, Relator Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, Julgado em 01/08/2008. O 5 do art. 2 da Lei n 8.629/93, com a redao dada pela Medida Provisria n 2183-56/01, prev que no caso de fiscalizao decorrente do exerccio de poder de polcia, ser dispensada a comunicao de que tratam os 2 e 3. O poder de polcia conceituado por Celso Antnio Bandeira de Mello em dois sentidos. Em sentido amplo corresponde atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos. J em sentido restrito, diz respeito[...] s intervenes quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e especficas (tais como as autorizaes, as licenas, as injunes) do Poder Executivo, destinadas a alcanar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais.18

18 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. In DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo Brasileiro. 21 ed. So Paulo: Atlas, 1995. p. 95

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Com base em tal doutrina, entende Moiss Toms Stefani19 que o pargrafo em estudo refere-se ao conceito restrito de poder de polcia, com vista garantia da ordem, da tranqilidade e da salubridade. Dessa forma, somente nesses casos a Administrao estaria autorizada a no efetuar a comunicao prvia ao proprietrio do imvel. Da porque concluiu que o 5 estaria deslocado e impropriamente inserido em diploma legal que visa regulamentar to-somente os procedimentos relativos reforma agrria, sendo que o correto seria que estivesse previsto na legislao prpria, que regulamenta cada atividade fiscalizadora da Administrao. No esse o nosso entendimento. Com efeito, a previso do 5 do art. 2, salvo melhor juzo, exige interpretao sistemtica e teleolgica da Lei n 8.629/93, com vista bem compreender a mens legis ao estabelecer tal exceo na exigncia de comunicao prvia para o levantamento de dados e informaes acerca do cumprimento da funo social. De incio, no se pode negar que a atividade de fiscalizao da funo social da propriedade decorre de tpico exerccio de poder de polcia compreendido em seu sentido amplo, pois a atividade estatal visa justamente condicionar - efeito pedaggico - a explorao da propriedade privada s necessidades da coletividade, sob pena do imvel vir a ser desapropriado por interesse social para fins de reforma agrria. Por outro lado, certo que a lei no pretende tratar das fiscalizaes ordinrias atribudas a outros rgos da Administrao, como por exemplo, Ibama e Ministrio do Trabalho, vez que o artigo 1 expresso no sentido de que a lei ora em comento regulamenta e disciplina disposies relativas reforma agrria, previstas no Captulo III, Ttulo VII, da Constituio Federal. Mas a questo que para efeitos de fiscalizar a produtividade, mesmo que essa atividade decorra de poder de polcia, a lei exige a comunicao prvia do proprietrio, e sobre este aspecto j comentamos anteriormente que a jurisprudncia do STF pacfica no sentido de sua imprescindibilidade sob pena de nulidade processual. Mas para proceder fiscalizao dos demais aspectos da funo social da propriedade, como por exemplo, a funo ambiental, trabalhista e bem-estar, a lei dispensa a comunicao, justamente porque imprescindvel que para o xito dessa fiscalizao a Administrao conte com o elemento surpresa. Efetivamente, se o proprietrio que estiver explorando trabalho escravo, por exemplo, for comunicado previamente fiscalizao, a verificao poderia ficar inviabilizada com a retirada dos trabalhadores.19 STEFANI, Moiss Toms. Algumas inovaes trazidas pela MP n 1.577/97, suas sucessoras e o Decreto n 2.250/97. In SILVEIRA, Domingos S. D. da; XAVIER, Flvio SantAnna (Org). O Direito Agrrio em Debate. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 333.

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Em prolao de voto no MS 24547/DF, a Min. Ellen Grace estabelece, com base em julgamentos anteriores, que o 5 no se aplica para a averiguao de produtividade, com vistas declarao de interesse social. Isto porque no entendimento daquela Corte deve ser assegurado ao proprietrio o devido processo legal, com efetiva oportunidade de acompanhamento dos trabalhos dos peritos do Incra por funcionrios designados pelo proprietrio do imvel rural. No tem o mesmo entendimento, porm, a Ministra, nos demais requisitos essenciais caracterizao da funo social da propriedade, j que afirma que o escopo da norma reside em[...] viabilizar inspees que objetivem detectar infraes legislao trabalhista, ambiental ou mesmo penal, tendo sido inspirado precipuamente para possibilitar fossem localizadas plantaes clandestinas de canabis sativa localizadas no interior de grandes propriedades ou ainda a manuteno de trabalhadores em regime de escravido ou semi-escravido. Tais verificaes, por bvio, ficariam inviabilizadas se alguma comunicao prvia fosse feita. 20

Desta forma, deve-se entender a exigncia de notificao prvia somente para a situao de averiguao da produtividade do imvel rural, sendo os demais casos pertencentes ao 5 do art. 2 da Lei n 8.629/93. Com tal interpretao sistemtica, busca-se obedecer inteno do legislador e, principalmente, teleologia da norma, que objetiva a constatao real da situao ftica dos imveis rurais quanto aos requisitos ambiental, trabalhista e bem-estar da funo social da propriedade. luz do 6 do art. 2 da Lei n 8.629/93, com as alteraes da MP n 2.183-56/01, o imvel rural objeto de esbulho possessrio ou invaso motivada por conflito agrrio ou fundirio de carter coletivo no poder ser vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes sua desocupao, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidncia. Sobre o tema cumpre informar que o pleno do STF ao apreciar o pedido de liminar na ADIN n 2213 decidiu que a norma constitucional. No entanto, a Suprema Corte ao apreciar diversos casos concretos concluiu que a norma no se aplica s ocupaes ocorridas posteriormente s vistorias realizadas pelo Incra (MS 24.136 e MS 24.484) ou nas situaes de ocupao de rea nfima ou por tempo efmero (MS 23.054 e MS 23.857). Em sntese, as decises do STF caminharam no sentido de que a norma proibitria somente incidiria quando a ocupao fosse a causa que levou improdutividade do imvel. Ou seja, a incidncia da norma pressupe a existncia de nexo causal entre o estado de improdutividade e a ocupao.20 STF, MS 24547/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 14/08/2003, DJ 23/04/2004

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Nesse sentido transcrevem-se as decises citadas: - Ocupao posterior vistoria. Falta de nexo causal: A vedao prevista no 6 do artigo 4 da Lei n 8.629/93, com a redao dada pela MP n 2.109/01, alcana apenas as hipteses em que a vistoria ainda no tenha sido realizada ou quando feitos os trabalhos durante ou aps a ocupao. (MS 24.136, Rel. Min. Maurcio Corra, Tribunal Pleno, julgado em 11.09.2002, DJ 08.11.2002) - O esbulho possessrio que impede a desapropriao [art. 2, 6, da Lei n 8.629/93, na redao dada pela Medida Provisria n 2.183/01], deve ser significativo e anterior vistoria do imvel, a ponto de alterar os graus de utilizao da terra e de eficincia em sua explorao, comprometendo os ndices fixados em lei (MS 24.484, STF, Rel. Min. Marco Aurlio, Rel. para o acrdo Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 09.02.2006, DJ 02.06.2006). - rea nfima ou tempo efmero. No aplicao da MP n 2.18356/01: A invaso de menos de 1% do imvel (20 hectares de um total de 2.420 hectares) no justifica, no caso, seu estado de improdutividade do imvel (MS 23.054, STF, Rel. Min. Seplveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 15.06.2000, DJ 04.05.2001; MS 23.857 STF, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 23.04.2003, DJ 13.06.2003). Baseados nesses precedentes a PFE/Incra expediu a Nota Tcnica/ PFE/INCRA n 02/06 traando recomendaes sobre a questo, em eventuais casos de ocupao, quando ento a equipe tcnica dever informar, por meio de laudo fundamentado, o tamanho da ocupao, sua exata localizao no imvel e, principalmente, se a ocupao compromete a explorao do imvel e repercute em sua classificao cadastral, a fim da Administrao, de posse desses elementos, averiguar e decidir sobre a existncia de nexo causal entre o estado de improdutividade e a ocupao, bem como para subsidiar a defesa da Autarquia se a mesma vier a ser demandada em juzo. A prtica das ocupaes de terra vem se firmando como importante instrumento da luta por uma estrutura fundiria justa, provocando mudana no posicionamento do Poder Judicirio, bem como interferindo na poltica de assentamentos do Poder Executivo. nesse contexto que foi reeditada a Medida Provisria n 2.183-56/2001, a qual incluiu o 7 no art. 2, como expresso dos grandes proprietrios de terras, nos idos de 1990, contra o exerccio da ocupao pelos movimentos sociais, refutando o reconhecimento do ato como forma legtima de presso para implementao da reforma agrria. Registre-se que, no obstante a lei utilizar o termo invaso, para os movimentos sociais h uma diferena entre ocupao e invaso. Nesse sentido, a ocupao um movimento de reivindicao pela implantao da reforma agrria, 45

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enquanto que a invaso um movimento de quem pretende tirar (subtrair) algo de algum, sem a devida compensao21. Nessa perspectiva, a ocupao de terras tem-se tornado, nos ltimos anos, atividade bastante utilizada por movimentos sociais. O 7 traz uma sano administrativa para o indivduo que for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundirio que se caracterize por invaso ou esbulho, bem como quem for efetivamente identificado como participante de invaso de prdio pblico, de atos de ameaa, seqestro ou manuteno de servidores pblicos e outros cidados em crcere privado, ou de quaisquer outros atos de violncia real ou pessoal praticados em tais situaes: a excluso do Programa Nacional de Reforma Agrria. Primeiramente, h de se considerar que o conflito fundirio ali descrito aquele que tem como objetivo a posse da terra, ou seja, aquele no qual seus participantes possuem o animus de se apossar definitivamente da terra, para dela extrair a sua subsistncia, empregando-lhe a funo social comumente esquecida pelos grandes proprietrios. Assim, merecem ateno duas preliminares antes de ser aplicada a sano prevista no pargrafo: (a) o conflito fundirio deve, de fato, ser motivado pelo nimo de posse da terra, para promover a sua justa distribuio entre aqueles que dela necessitam para sobreviver; (b) a propriedade esbulhada ou invadida deve estar cumprindo a sua funo social, pois,[...] a posse que merece proteo jurdica aquela que, nos termos do Cdigo Civil, seja justa, de boa-f, e aquela que, em razo da Constituio da Repblica e das leis que regulamentam a matria, recaia sobre terras que cumpram a funo social em todos os elementos (econmico, ambiental e social), escapando da possibilidade de servir Reforma Agrria [...]22

Alm disso, a caracterizao tcnica do esbulho possessrio exige a perda total da posse do bem em razo de uma molstia injusta de outrem. Na definio de Maria Helena Diniz, esbulho o ato pelo qual o possuidor se v despojado da posse injustamente, por violncia, por clandestinidade e por precariedade.23 Portanto, para que haja excluso de beneficirio da reforma agrria, preciso que fique tecnicamente caracterizada a ocorrncia de esbulho possessrio, pois uma simples turbao de posse no ensejaria a excluso do Programa Nacional de Reforma Agrria (PNRA), posto ser figura que no se enquadra nos limites do21 Por tais motivos, passaremos a utilizar a expresso invaso entre aspas. 22 Carta de Ribeiro Preto pela Reforma Agrria, em defesa do Meio Ambiente. Concluses aprovadas pelos Membros do Ministrio Pblico Estadual e Federal no Seminrio Meio Ambiente e Reforma Agrria, realizado em 13 de dezembro de 1999, na cidade de Ribeiro Preto, Estado de So Paulo, disponvel em: http://www.mst.org.br/ setores/dhumanos/legitimi/legitimi4.html. Acessado em: 22/11/2010. 23 DINIZ, Maria Helena. Cdigo Civil Anotado. 8 ed. So Paulo: Saraiva, 2002, p. 1.210.

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pargrafo em questo. Nesse momento, j possvel delinear a fragilidade da sano imposta no pargrafo e o alto risco do equvoco em sua aplicao, haja vista que um regular beneficirio da Reforma Agrria ou o seu pretendente luz da Lei n 8.629/93 e das normas internas do INCRA, pode ser erroneamente penalizado com uma sano grave - que a excluso definitiva do Programa e conseqente perda de sua forma de sobrevivncia, j que retira do cultivo da terra a prpria manuteno e da famlia -, por participar de manifestao muitas vezes com propsito meramente poltico, o que a todos assegurado pela Constituio Federal (art. 5, XVI)24, ainda mais se incidente sobre propriedade que no cumpre a sua funo social, desmerecedora de proteo jurdica.25 Com efeito, se a Constituio autoriza a desapropriao de imveis rurais que no estejam cumprindo a sua funo social, a concluso lgica que a propriedade da terra rural no aproveitada ou mal aproveitada constitucionalmente sem valor luz do direito e perde a proteo do sistema, ainda que no tenha sido efetivamente desapropriada. Assim, se determinado imvel vem a ser ocupado por trabalhadores rurais sem terra, seja com o intuito de nele se fixar e trabalhar de modo a transform-lo em produtivo, ou to apenas para manifestarem o seu inconformismo com a injusta distribuio de terras, e se ao proprietrio faltar a posse nos termos da Constituio, pelo no-cumprimento da funo social, no pareceria possvel nem mesmo o ajuizamento de medidas possessrias usualmente pleiteadas, e ainda menos uma sano de tamanha natureza contra um beneficirio ou pretenso beneficirio da Reforma Agrria. Em outras palavras, no cumprindo a terra a funo social, em tese no h razo para se obstar a desapropriao, nem mesmo para sancionar administrativamente eventual participante da ocupao por promover atos lcitos de manifestao pela posse da terra, para fins de ser distribuda de forma igualitria. Quanto ao esbulho de imvel rural de domnio pblico, empresta-se maior legitimidade norma, eis que o esbulho possessrio sobre imvel pblico constitui ilcito penal26, que deve ser reprimido pelo aparato estatal, conforme seu regramento. Na lio do ento Consultor Geral da Unio Manoel Lauro Volkmer de Castilho, se forem terras pblicas que no tenham outra finalidade ou afetao de24 XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao pblico, independentemente de autorizao, desde que no frustrem outra reunio anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prvio aviso autoridade competente. 25 Segundo Eros Roberto Grau, a propriedade que no cumpre a funo social no existe, e, como consequncia, no merece proteo, devendo ser objeto de perdimento e no de desapropriao. (In: A ordem econmica na Constituio de 1988 - interpretao e crtica. SP, RT, 1990, p. 316). 26 V. Lei n 4.947, de 6 de abril de 1966, Art. 20. Invadir terra pblica com a inteno de ocup-las. Pena - 6 meses a 3 anos de deteno.

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vem ser destinadas reforma agrria, em razo de que o mencionado esbulho deve ser encarado com cuidado e sem as influncias do direito civil.27 Tambm esse o teor do art. 13 da Lei n 8.629/93: Art. 13. As terras rurais de domnio da Unio, dos Estados e dos Municpios ficam destinadas, preferencialmente, execuo de planos de reforma agrria. Todavia, essencial para a tipificao da conduta que esteja evidente a vontade de ocupar e essa ao de ocupar seja revestida da vontade de permanecer e assentar-se com nimo definitivo, pois, do contrrio, no ser possvel a incidncia da vedao legal prevista no 6, nem de seus consectrios, a exemplo do previsto no 7 em anlise. Portanto, preciso que a conduta seja caracterizada como esbulho ou invaso, em sentido estrito28, para que no se frustrem o preceito constitucional da reforma agrria e o regime de funo social da propriedade. De outro ngulo, imperioso ressaltar a necessidade de que haja prova cabal da participao do indivduo nas situaes narradas no pargrafo. O dispositivo fala em quem for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundirio. Nessa perspectiva, simples boletim de ocorrncia policial no tem fora probante, especialmente porque fundado em informaes unilaterais apresentadas pelo declarante. Naquilo que se refere excluso do PNRA do indivduo que tenha sido identificado como participante de invaso de prdio pblico, h que se ter em mente o dever da Administrao de agir no sentido de resguardar seu patrimnio, o que se faz, em regra, pelas medidas de reintegrao de posse. Todavia, quanto penalidade posta no pargrafo, h de se agir com cautela, sendo devida a observncia de todas as consideraes colocadas acima. H de se ter cuidado ao afastar de pronto a legitimidade da ocupao, notadamente quando esteja flagrante a omisso do Estado no tocante poltica de reforma agrria. Nesse contexto, as ocupaes podem caracterizar instrumento hbil a exigir o quanto exposto na Lei Maior, ou seja, exigir que o Poder Pblico construa uma sociedade livre, justa e solidria e, principalmente, erradique a pobreza e a marginalizao. A ocupao como instrumento de presso foi reconhecido e acatado pelo Superior Tribunal de Justia por meio do voto do Ministro Adhemar Maciel, onde ficou assentado que a ocupao seria:Uma reforma agrria de baixo para cima, uma presso social, j que o governo est tranqilo h no sei quantos anos - quanto todas as nossas Cartas e as nossas Constituies esto apregoando a reforma agrria? (HC 4399/SP, DJ de 8/4/1996, Rel. Min. Willian Patterson)27 28 In: Interesse Pblico, ano 11, n 54, mar./abr. 2009. Belo Horizonte: Frum, 2009, pp. 29-49. Expresso usada pelo ento Consultor-Geral da Unio Manoel Lauro Volkmer de Castilho, Op. Cit., p. 47.

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