processos criativos a partir da poética de antonin artaud

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE DANA E ESCOLA DE TEATRO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES CNICAS TESE DE DOUTORADO

    SENTIDOS: UMA INSTAURAO CNICA Processos criativos a partir da potica de

    Antonin Artaud

    NARA SALLES

    SALVADOR - BAHIA 2004

  • SENTIDOS: UMA INSTAURAO CNICA Processos criativos a partir da potica de

    Antonin Artaud

    Nara Salles Mestre em Antropologia Cultural, 1999

    Universidade Federal de Pernambuco

    Tese submetida ao Programa de Ps-Graduao em Artes Cnicas da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obteno do

    Grau de Doutor em Artes Cnicas

    Orientador: Prof. Dr Ewald Hackler Co-Orientadora: Prof. Dr. Antonia Pereira UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Doutorado em Artes Cnicas Salvador Bahia - 2004

  • A memria do

    corao durvel e

    sem dvida com seu

    corao que o ator

    pensa, mas aqui o

    corao

    preponderante

    Antonin Artaud

    "O que poderia impedir-me

  • de acreditar no sonho

    do teatro,

    se acredito no sonho da

    realidade?"

    Antonin Artaud

    Mxico, 05 de abril de 1936.

    "Vivenciar uma mistura incoerente de ambas as formas de percepo sem poder integr-los psictico. Mas estar limitado unicamente forma cartesiana de percepo tambm loucura; a loucura de nossa cultura dominante"

    F. Capra

    "Sim, eu quero saber. Saber para melhor sentir, Sentir para melhor saber"

    Czanne

  • Na vidraa de seu esprito a armadura murmurante do cu risca

    sempre os mesmo sinais apaixonados.

    do poema O Claro Abelardo de Antonin Artaud

    memria de meu av

    CARLOS ROMEU SCHINA eternamente grata por seus teatros de sombra,

    realizados luz de velas que encantaram minha infncia

    para todo o sempre. A cena das juzas em O Jato de Sangue

    partiu dessa lembrana A minha me JOVITA ESQUINA ANNES SALLES

    por me incentivar a arte, a pesquisa e a escola desde pequena

    PEDRO VIEIRA LIMA NETO pela companhia, ateno e carinho

    durante a finalizao desta tese

  • Agradeo a quem fez possvel existncia desta tese: Anne Oliveira Srgio Etchichurry Adelaide Santana Srgio Farias Anglica Costa Srgio Oliveira Antonia Pereira (Dinah) Seu Z (PPGAC/UFBA) Antonin Artaud Snia Rangel Antonio Lopes Suzana Martins Arlete Cunha Tatiana Pedrosa Armindo Bio Tnia Farias Beatriz Britto Valria Nunes Betti Grebler Vernica Abu Chacra Canel Jnior Virgnia Marques Catarina SantAnna Wolfgang Pannek Cludio Cajaba Cleise Mendes Ciane Fernandes Programa de Ps-Graduao em Artes Cnicas/UFBA Cristilene Santos Cruz Cena CAPES Danielle Perin Rocha Pitta Demian Reis FAPEAL Fund. de Amparo Pesquisa do Estado de Alagoas Eliana Rodrigues Silva Eloisa Brantes Curso de Formao do Ator/UFAL Eraldo Ferraz Ewald Hackler Departamento de Artes/UFAL Faf Daltro Ftima Geuza Espao Cultural da UFAL Francisca Neta Fred Nascimento PROEX/UFAL Guido Lessa Giovana Dantas PROPEP/UFAL Jaime Amaral Joo Pedro Anchieta Grupo de Biodana do Osho Tao Center Macei/AL Jos Roberto Santos Jlio Mota Cia Sentidos DanaTeatroMsicaArtesVisuais AL Lau Verssimo Leda Ianniteli Tribo de Atuadores "i Nis Aqui Traveiz"- POA/RS Leonardo Boccia Luiza Caspari Totem Teatro Dana Recife PE Luciana Santos de Souza Mrcia Caspari Marina Caspari Margarida Maura Baiocchi Nyiati Otvio Cabral Paulo Flores Ricardo Pamfilio Rogrio Liberal Ronaldo de Andrade Russell Parry Scott

  • A concluso deste trabalho s foi possvel porque foram cmplices e companheiros nesta longa e por muitas vezes dolorida trilha meus amigos/alunos do Curso de Formao do Ator e Licenciatura em Teatro da UFAL, que acreditaram comigo no sonho do Teatro, e dedicaram muitos de seus dias, inclusive sbados, domingos e feriados aos estudos tericos, experimentaes corporais e pesquisas cnicas. S dessa forma poderamos ter concretizado a prtica deste trabalho que foi a encenao de "O Jato de Sangue", de Antonin Artaud, orientada por Leda Ianitelli e Catarina SantAnna, na atividade denominada Laboratrio de Performance: Ana Flvia Amaral, Ana Kssya Amaral, Ana Dione Amaral, Anne Delly Leo, Alysson Albertina, Arilene de Castro, Betto Junqueira, Carlinhos das Alagoas, Carlos Augusto Melo, Csar de Arajo, Ccero Rogrio, Clara Baeta, Edmilson Lopes Correia, Edson Pepo, Fernanda, Flvia Cibele, Francisco Alderi, Giulianna Mandarin, Glauber Xavier, Jairo Bezerra, Lil Salgueiro, Luciano Arajo, Luciano Brando, Lucival Neno, Luzia Menezes, Naliton Santos, Nilza Duarte, Paulo Irapuan Soares, Ricardo Arajo, Rosa Frana, Valtemir Freitas, Wilson Santos, Williamson de Andrade, Ygo A. F.; especialmente Joo Dionsio Aresfi, que se permitiu descobrir em si um grande ator/danarino e com quem compartilhei muitas horas felizes de "mergulho no processo dos sentidos"; Carlos Romeu Salles Corra, pelas msicas compostas para O Jato de Sangue, pela participao como ator e pela convivncia agradvel e feliz; Agradeo tambm a BZIUS Produes, de Macei, Alagoas; Departamento de Artes e a Editora Universitria da Universidade Federal de Alagoas; Ccero Rogrio, Professor de Esttica do Curso de Jornalismo da UFAL e jornalista pelas boas risadas em Riacho Doce/AL e pela participao especialssima em O Jato de Sangue; Careca, Chico, e Jorge, tcnicos do Teatro Deodoro/AL, pela pacincia para a montagem dos andaimes e todas as experimentaes com luzes, cordas, gua, tintas, etc....; Mestre Verdelinho pelos alentos e caf com po quente e manteiga, quando eu andava exausta na montagem dos andaimes, experimentaes e ensaios no Teatro Deodoro; Sue Chamusca, ex-diretora artstica do Teatro Deodoro e Silvana, fotgrafa, por acreditarem que o trabalho poderia ser montado no ptio externo do Teatro Deodoro em Macei, Alagoas; Alexandre Holanda, diretor artstico do Teatro Deodoro, pelo carinho para com meu trabalho; Todos os Professores do Programa de Ps Graduao em Artes Cnicas e as Escolas de Dana e Teatro da UFBA, que contriburam na continuidade de minha formao; Todos meus colegas no PPGAC/UFBA do Mestrado e Doutorado; Minha av Polaca -Liduina Ribeiro Schina- que me inspira cotidianamente a viver e criar; As pessoas que me receberam na Casa do Estudante da UFBA, em 1999, mesmo sendo eu da Ps-Graduao - quero registrar aqui ser necessrio pensar em vagas nas casas de estudantes para alunos de Ps Graduao que vm de outras cidades e ainda no tm bolsa; Urnia Maia e Francisco, amigos eternos, que a cidade de Salvador me presenteou; Denny Neves, o amigo de todos estes anos aqui no Nordeste e que sempre me acolheu em sua casa cnica; Aro Santana, pela amizade dos trpicos; Keyler Simes, pelas fotografias do Guerreiro e Waleska Dacal pelas fotografias da encenao; Stanley de Carvalho, a quem admiro profundamente: sua concepo do mundo me incentivou; Trcio Smith, por ter me orientado com referncia msica na construo dos diagramas; Fbio Brando, da Casa das Impressoras, pelos inmeros socorros prestados ao equipamento; O Grupo Cau de Piaabuc, em Alagoas, com quem tanto aprendi, sendo sua preparadora corprea; Euncia Canuto pela reviso do texto; Fbio Brando e Flvio Rabelo no socorro com computadores e impressoras; Meu assistente cnico e de vida, Thiago Sampaio; Fico imensamente feliz por me permitirem, em momentos de nossas curtas existncias, estarmos juntos, desvendando o mundo dos sentidos, no processo de criao para a construo desta tese e encenao e na vida. Podem ter certeza que partes de vocs todos esto presentes nas pginas deste trabalho e no resultado prtico, que foi a encenao de O Jato de Sangue, de Antonin Artaud.

  • Antonin Artaud 1896: Nasceu em Marselha, em 04 de setembro s oito horas da

    manh, na Rua Jardim des Plantes, nmero quatro. Pertencia a

    uma famlia rica, a me, Euphrasie Nalpas, era de origem grega. Os

    pais eram primos irmos, suas duas avs eram irms. O pai,

    Antoine Roi Artaud, era um armador francs, cujo meio de vida

    consistia em fretar navios para o comrcio no mediterrneo oriental.

    Constantemente durante a infncia e adolescncia,

    Artaud viajava para a Grcia, em companhia de sua me. Iam

    visitar sua av materna, Mariette Nalpas, a quem ele tinha enorme

    afeio. Ela lhe deu o codinome Nanaqui, diminutivo grego de

    seu nome cristo Antonaki, com o qual se denominaria, anos mais

    tarde durante suas crises, nos vrios hospitais psiquitricos onde

    esteve internado.

    Artaud teve uma histria de vida bastante conturbada.

    Desde tenra idade, quando criana, apresentava fortes dores de

    cabea.

    1901: Com cinco anos de idade, lhe foi conferido o diagnstico de

    ser portador de meningite e, da em diante, comeou a tomar

    medicamentos cotidianamente por causa das seqelas da doena.

    Na juventude, aos quatorze anos, comeou a tomar tintura de pio

    para aliviar as dores de cabea, este fato lhe causou dependncia da

    droga durante toda sua vida.

    1905: Aos nove anos de idade teve o primeiro contato direto com a

    morte, fato que o perturbou bastante. Foi quando aconteceu a morte

    prematura, em 21 de agosto, da sua irm Germaine, com sete meses

    de idade, nascida em 13 de janeiro.

    Durante a pr-adolescncia, Artaud j anunciava o

    poeta que se tornaria. Escrevia muito, porm no demonstrava

    ainda o desejo de atuar.

    1910: Com quatorze anos, publicou no Collge du Sacr Couer,

    uma revista contendo poemas seus, sob o pseudnimo de Louis des

    Attides.

    Imagem 02 Artaud na infncia

    Imagem 03 O jovem Artaud

    Imagem 04

  • 1915: Aos dezenove anos foi internado pela primeira vez em um

    sanatrio perto de Marselha, em La Rougire, acometido por uma

    austera crise de depresso, momento em que se desfez dos seus

    livros e destruiu tudo o que havia escrito. Iniciou-se a srie de

    internaes que pontuariam sua vida. Dos vinte aos vinte e dois

    anos, passa por uma srie de sanatrios e estaes de cura.

    1919: No ms de maio, inicia o tratamento com ludano, um

    medicamento base de pio, ligado a outros ingredientes, com o

    intuito de aliviar as suas freqentes e intensas dores na cabea.

    1920: Foi para Paris tentar um tratamento com o Dr. Edouard

    Tolouse. A revista literria Demian era publicada por este mdico, e

    Artaud, em agosto de 1920, com vinte e quatro anos, publica um

    poema e um artigo na revista.

    1921: Tornou-se ator, aos vinte e cinco anos, estreando em

    dezessete de fevereiro, um papel pequeno e sem texto, da pea Les

    Scrupules de Sganarelle, de Henri de Rgnier, no Thtre de

    lOeuvre.

    Em outubro, seu tio Louis Nalpas, diretor artstico da

    Societ des Cin-Romans lhe conseguiu uma entrevista com Firmin

    Gmier, este o indicou para trabalhar com Charles Dullin no

    Thtre de l'Atelier. Dullin o influenciou e incitou-o profundamente

    a conhecer mais o teatro oriental, sendo de certa forma tambm

    responsvel pela paixo de Artaud pelo teatro do oriente. Como ator

    de cinema fez sucesso e sua atuao era impressionante, o que

    deixou seu tio, Louis Nalpas, bastante satisfeito.

    No final do outono, com vinte e cinco anos, conheceu a

    atriz Genica Athanasiou (1897-1966), por quem se apaixonou e

    manteve um romance no muito feliz.

    1921-1934: Artaud participa como ator de aproximadamente 18

    peas teatrais e 20 filmes, com locaes na Itlia e na Bretanha.

    Imagem 05

    Imagem 06

    Artaud em 1927, como ator no cinema, no papel de monge em filme de Carl Theodor Dreyer: A Paixo de Joana dArc

  • 1924: Aproximou-se do movimento surrealista, sendo responsvel

    pela edio da Revista Surrealista.

    1926: No final de novembro saiu do movimento por questes

    polticas, pois os surrealistas se aproximaram das idias marxistas.

    Idealizou com Roger Vitrac, tambm presente no movimento

    surrealista, um teatro de vanguarda, com concepo surrealista,

    utilizao ampla do fantstico, do grotesco, do sonho e da

    obsesso. Juntos, fundaram o Thatre Alfred Jarry.

    Em novembro publicado o Primeiro Manifesto do

    Teatro Alfred Jarry, na Nova Revista Francesa.

    1927: Com 31 anos de idade faz o papel de Marat, no filme

    Napolon, de Abel Gance. Nos dias 01 e 02 de junho, foram

    apresentados os primeiros espetculos do Teatro Alfred Jarry, no

    Teatro de Grenelle: Le Ventre Brul, de Artaud, Gigogne, de

    Robert Aron e Os Mistrios do Amor de Vitrac. Ainda em junho

    desempenhou o papel de monge no filme A Paixo de Joana

    dArc. Em outubro, participou do filme Verdun, Vises da

    Histria, de Leon Poirier. Em novembro, o roteiro do filme de

    Artaud, A Concha e o Clrigo, foi publicado na Nova Revista

    Francesa. Neste mesmo ano iniciou um tratamento com o Dr.

    Ren Allendy. Sua esposa, Madame Allendy, financiava o Teatro

    Alfred Jarry. Em dezembro visitou Cannes.

    1928: No dia 14 de janeiro, aconteceu a segunda produo do

    Teatro Alfred Jarry, na Commdie des Champs Elyses: o filme A

    Me, de Pudvkin e um ato da pea Partage de Midi, de Claudel.

    Em 18 de fevereiro, estreou o filme a Concha e o Clrigo, sob

    direo de Germaine Dulac, no Studio des Ursulines. Artaud e

    Desnos avaliaram que a diretora interpretou mal o roteiro e

    criaram um tumulto.

    Em 22 de maro Artaud fez uma palestra na Sorbonne

    sobre A Arte e a Morte. A terceira produo do Teatro Afred Jarry,

    Dream Play, de Strimberg, deu-se nos dias dois e nove de junho,

    no Teatro Avenida.

    Imagem 07 Artaud em 1927 atuando no filme de Carl Theodor Dreyer: A Paixo

    de Joana dArc

    Imagem 08

    Foto em um documento de Artaud

  • Os surrealistas provocaram tumultos, principalmente, Andr

    Breton.

    Artaud participou da filmagem de L Argent, baseado em

    Zola, de Marcel Herbier. E nos dias 24 e 29 de dezembro, sucede-

    se a quarta e ltima produo do Teatro Alfred Jarry, na Comdie

    des Champs-Elyses: Victor, de Roger Vitrac, com brilhante

    direo de Antonin Artaud.

    1929: No dia 05 de janeiro, ocorre a terceira apresentao de

    Victor. Entre fevereiro e abril Antonin Artaud participou das

    filmagens de Tarakanova, nos estdios Nice, com direo de

    Raymond Bernard. Em 17 de abril A Arte e a Morte, publicado

    por Denoel.

    1930: Com 34 anos, nos meses de julho, agosto e outubro,

    permaneceu em Berlim para gravar filmes, principalmente a

    verso de Pabst, de A pera dos Trs Vintns de Bertolt Brecht

    (1898-1956).

    1931: De janeiro a maro participou das gravaes de Faubourg

    Montmartre, de Raymond Bernard.

    Realizou a filmagem A Dama da Noite, com direo de

    Marcel Herbier, e tambm gravou Les Croix, baseado no romance

    de Dorgles, com direo de Raymond Bernard.

    Em julho assistiu, por acaso, um espetculo das danas

    de Bali, na Exposio Colonial, no Bois des Vincennes. Ficou

    bastante impressionado e o espetculo permeou seu pensamento

    sobre o teatro, criando o Teatro da Crueldade.

    No dia 10 de dezembro, Artaud realizou uma palestra

    sobre A Encenao e a Metafsica, na Sorbonne.

    Concretiza-se a publicao da traduo livre feita por

    Artaud The Monk, de M. Lewis.

    Neste ano terminou seu romance com Jussete Lusson.

    Imagem 09 Artaud no Teatro

  • 1932: Publicao do primeiro manifesto do Teatro da

    Crueldade, na Nova Revista Francesa. Neste artigo afirma: o

    teatro s poder voltar a ser ele mesmo, isto , voltar a

    constituir um meio de iluso verdadeira, se fornecer ao

    espectador verdadeiros precipitados de sonhos, onde seu gosto

    pelo crime, suas obsesses erticas, sua selvageria, suas

    quimeras, seu sentido utpico da vida e das coisas, seu

    canibalismo se desencadeiem, num plano no suposto e ilusrio,

    mas interior (ARTAUD:1987).

    No ms de fevereiro, foi publicada A Encenao e a

    Metafsica na Nova Revista Francesa. Nos meses de fevereiro e

    maro trabalhou como assistente de Louis Jouvet na produo de

    La Patissire du Village, de Alfred Savoir. Nos meses de abril e

    maio, foi para Berlim filmar Coup de Feu lAube, sob direo

    de Serge de Poligny. Neste mesmo ano fez uma adaptao de

    Thyestes, de Sneca. Em dezembro internou-se no hospital

    novamente.

    1933: Em maro iniciou uma amizade com Anas Nin. Em abril

    terminou Heliogbalo. No dia 06 de abril proferiu uma palestra

    na Sorbonne sobre O Teatro e a Peste.

    Escreveu o Segundo Manifesto do Teatro da Crueldade, onde

    reafirma e esclarece as idias anunciadas no Primeiro Manifesto,

    pois, admitido ou no admitido, consciente ou

    inconscientemente, o estado potico, um estado transcendente de

    vida, no fundo aquilo que o pblico procura atravs do amor,

    do crime das drogas, da guerra ou da insurreio. O Teatro da

    Crueldade foi criado para devolver ao teatro a noo de uma

    vida apaixonada e convulsa; e neste sentido de rigor violento,

    de condensao extrema dos elementos cnicos, que se deve

    entender a crueldade sobre a qual ele pretende se apoiar

    (ARTAUD:1987).

    Imagem 10

    Antonin Artaud

    Imagem 11 Antonin Artaud

  • 1934: Heliogbalo publicado. Artaud vai para a Arglia gravar

    Sidonie Panache, com direo de Henri Wullschleger. Filma

    Liliom, direo de Fritz Lang; Koenigsmarck, direo de Marcel

    Tourneur; Lucrecia Borgia, no papel de Savonarola sob direo de

    Abel Gance. publicado O Teatro e a Peste na Nova Revista

    Francesa.

    1935: Em fevereiro Artaud realizou a leitura do seu manuscrito Os

    Cenci, na casa de Jean-Marie Conty. Em seis de maio estreou Os

    Cenci e no dia 22 de maio realizou sua ltima apresentao.

    Conheceu Ccile Scharamme, com quem noivaria no

    prximo ano.

    1936: Saiu de Paris com destino a Anturpia no dia 09 de janeiro,

    no dia seguinte embarcou no navio Albertville; aportando em

    Havana no dia 30 de janeiro. No dia 07 de fevereiro desembarcou

    em Vera Cruz, no Mxico. Em abril, saiu da cidade do Mxico em

    direo a Serra Tarahumara. Foi embora do Mxico no dia 31 de

    outubro.

    1937: Em maro, iniciou em Paris, um tratamento para

    desintoxicao. Em maio visitou Bruxelas, e no dia 18 de maio fez

    uma conferncia em Bruxelas, muito conturbada. No dia primeiro

    de agosto foi publicado, sem nome de autor, o livro Viagem ao Pas

    do Tarahumaras, pela Nova Revista Francesa.

    No dia 14 de agosto chegou em Cobh, na Irlanda. No dia

    08 de setembro foi para Dublin. Em 30 de setembro chegou ao

    Havre, no vapor Washington, com voz de priso e em camisa de

    fora, foi entregue s autoridades francesas. O motivo foi terem

    entrado funcionrios, em seus aposentos no navio, portando

    ferramentas para arrumar um vazamento, Artaud os agrediu

    pensando que iriam investir contra ele.

    Rompeu o noivado com Ccile Schramme.

    Imagem 12

    Antonin Artaud

    Imagem 13 Artaud mais velho

  • 1938: Foi publicado em 07 de fevereiro o seu livro O Teatro e Seu

    Duplo. No dia 12 de abril foi para o hospcio de Sain-Anne, em

    Paris. Em dezembro mudou-se para o hospcio de Quatre-Mares,

    em Soteville-les-Rouen.

    1939: Foi transferido para o asilo de Ville-Evrard em 27 de

    fevereiro. Era o incio da Segunda Guerra Mundial, a alimentao

    nos Manicmios foi racionada, Artaud emagreceu e envelheceu

    muito.

    1943: Em 22 de janeiro deixou o asilo de Ville-Evrard e se

    transferiu temporariamente para o asilo rural de Chzal-Benoit. No

    dia 11 de fevereiro foi para o asilo de Rodez (Aveyron), sob os

    cuidados de Gaston Ferdiere. Durante o perodo que esteve no

    hospital de Rodez escreveu diariamente cartas endereadas ao Dr.

    Ferdiere. Uma correspondncia que teve incio em 12 de fevereiro

    de 1943 e terminou em 25 maio de 1946.

    1944: Foi reeditado o seu livro O Teatro e Seu Duplo em 10 de

    maio.

    1945: No dia 25 de novembro foi publicado o seu livro No Pas dos

    Tarahumaras.

    1946: Permitiram-lhe sair do hospital de Rodez, para passear nas

    vizinhanas.

    Retornou a Paris em 26 de maio, passando a residir no

    hospital para doentes mentais, do Dr. Delmas em Ivry, como

    voluntrio. No dia 06 de junho efetivou-se uma vernissage de

    artistas que doaram obras com a finalidade de obter recursos

    financeiros para Antonin Artaud, na Galeria Pierre, dirigida por

    Pierre Loeb, em 07 de junho foi encenado um espetculo com a

    mesma finalidade no Teatro Sarah Bernhardt.

    1947: Artaud participou da leitura de poesias no Vieux Colombier

    em 13 de janeiro. Ainda em janeiro Artaud visitou a exposio de

    Van Gogh, na Orangerie. E no dia 19 de julho aconteceu uma

    exposio dos desenhos de Artaud na Galeria Pierre, com leituras

    de suas poesias. Em 15 de setembro foi lanado o livro Artaud, o

    Momo, e no dia 25 de setembro foi lanado o livro Van Gogh O

    Suicidado da Sociedade.

    Imagem 14 Artaud no hospital

    Imagem 15

    Artaud no hospital

  • Principiam-se, em novembro as preparaes e a

    gravao, entre os dias 22 e 29, do texto de Artaud intitulado Para

    Acabar de Vez Com o Juzo de Deus.

    1948: A data marcada para ir ao ar a gravao, foi 16 de janeiro,

    porm o programa foi cancelado na vspera pelo diretor geral da

    rdio-difuso francesa, Wladimir Porch, o que causou o pedido

    de demisso do diretor das emisses dramticas Fernand Pouey.

    A vida de Antonin Artaud teve fim no dia 04 maro, aos

    51 anos. Artaud foi encontrado morto, sentado ao p da cama, com

    um p de sapato calado e o outro na mo; em seu quarto no

    hospital de Ivry-Sur-Seine, pelo jardineiro que o levava para tomar

    caf e passear todas as manhs. As verses para sua morte so: 1-

    ingesto acidental excessiva, para aliviar dores, da droga cloral,

    uma droga sinttica, precursora dos barbitricos, que reproduzia os

    efeitos do pio e da morfina, causando dependncia, ao ser ingerida

    em doses elevadas pode provocar a morte; 2- ingesto proposital

    excessiva da mesma droga com fins de suicdio; 3- morte

    provocada por um cncer no nus.

    Foi sepultado sem ritos religiosos em oito de maro no

    cemitrio de Ivry.

    Imagem 16

    Artaud no final da vida

  • GENEALOGIA DE ANTONIN ARTAUD Irms

    Av Materna (grega) Mariette Schilli

    Av Paterna (grega) Catherine Schilli

    Av Paterno Marius-Pierre Artaud

    Av Materno

    Nalpas

    Primos irmos

    Pai

    Antoine Roi

    Artaud

    Me Eufrasie Nalpas

    Germaine a irm que nasce em 13.01.1905 e

    morre em 21.08.1905

    Marie-Ange Malaussna

    Tio Louis Nalpas

    Cinco irmos

    nasceram e morreram crianas

    ANTONIN

    Marie Joseph ARTAUD

    Houve muita influncia da Grcia em sua vida por causa das duas avs-irms gregas. A

    sua maneira de pronunciar certas vogais e seu estilo brilhante de atuar, tanto no teatro

    como em filmes possivelmente tem um substrato neste vis.

    Na infncia era conhecido pelo apelido derivado do diminutivo grego de seu nome

    cristo: Antonaki NANAQUI. Em seus internamentos, quando negava sua identidade, nunca deixou de ser NANAQUI, para si mesmo.

  • Sumrio ANTONIN ARTAUD 08

    INTRODUO 27

    CAPTULO I: HORIZONTE TERICO, DELIMITAO DO OBJETO, MTODOS E TCNICAS DE PESQUISA

    37

    1.1. Contextualizando: O Teatro em Paris nos anos 20 38

    1.2. A Potica da Loucura 40

    1.3. O Teatro da Crueldade e a Noo de Complementaridade 46

    1.4. Surrealismo, magia e metafsica: o inconsciente tona prenncios da relao oriente/ocidente no teatro

    55

    2. Delimitao do Objeto de Estudo 66

    3. Mtodos e Tcnicas de Pesquisa 81

    CAPTULO II: O TEATRO NO DILOGO ORIENTE/OCIDENTE: SAGRADO, INCONSCIENTE E CRUELDADE

    86

    2.1. A ilha de Bali e os Balineses 88

    2.1.1. A Dana Dramtica Balinesa Barong 92

    2.2. A Dana Dramtica Guerreiro e Aproximaes Com o Barong 104

    CAPTULO III: GRUPO I NIS AQUI TRAVEIZ EM OSTAL: UMA ENCENAO COM ABORDAGEM ARTAUDIANA

    114

    3.1. O grupo de teatro i Nis Aqui Traveiz 116

    3.2. Ostal 121

    3.2.1. O espao cnico 125

    3.2.2. Trabalho corporal e atuao 131

    3.2.3. Texto 138

    3.2.4. Sonoplastia (msica) 138

  • 3.2.5. Roupa/indumentria 139

    3.2.6. Iluminao 140

    CAPTULO IV: SISTEMAS CNICOS COM AFINIDADES NO PENSAMENTO ARTAUDIANO

    142

    4.1. Jerzy Grotowski: O Teatro Pobre 142

    4.2. Maura Baiocchi: Teatro de Energias 154

    4.3. Ariane Mnouschkine: Thtre du Soleil 163

    4.4. Judith Malina e Julian Beck: Living Theatre 167

    CAPTULO V: A POTICA ARTAUDIANA APLICADA COMPOSIO DE UMA ENCENAO: O CASO DA MONTAGEM DE O JATO DE SANGUE

    173

    5.1. O Espao Para a Instaurao Cnica 194

    5.2. O Trabalho Corpreo/Vocal dos Atores/Bailarinos/Msicos 205

    5.2.1 O Processo Criativo dos Diagramas de Respirao Para o Ator/Bailarino/Msico Segundo as Conjecturas de Antonin Artaud

    214

    5.3. Texto 223

    5.4. A Concepo msico/sonora 229

    5.5. Indumentria 233

    5.6. Iluminao 244

    ASPECTOS CONCLUSIVOS Construindo SENTIDOS: Elementos e princpios para a composio DanaTeatroMsicaArtesVisuais de uma instaurao com abordagem na conjectura de Antonin Artaud

    247

    BIBLIOGRAFIA 261

    ANEXOS 270

  • ndice de Ilustraes, Tabelas e Partituras Imagem 01: Antonin Artaud 07

    Imagem 02: Antonin Artaud na infncia 08

    Imagem 03: O jovem Artaud 08

    Imagem 04: Foto de Antonin Artaud 08

    Imagem 05: Foto de Antonin Artaud 09

    Imagem 06: Artaud em 1927, como ator no cinema, no papel de monge em filme de Carl Theodor Dreyer: A Paixo de Joana dArc

    09

    Imagem 07: Artaud em 1927 atuando no filme de Carl Dreyer: A paixo de Joana dArc

    10

    Imagem 08: Foto em um documento de Artaud 10

    Imagem 09: Artaud no Teatro 11

    Imagem 10: Antonin Artaud 12

    Imagem 11: Antonin Artaud 12

    Imagem 12: Antonin Artaud 13

    Imagem 13: Artaud mais velho 13

    Imagem 14: Artaud no hospital 14

    Imagem 15: Artaud no hospital 14

    Imagem 16: Artaud no final da vida 15

    Imagem 17: Smbolo Yin/Yang 52

    Tabela 01: Quadro Comparativo dos Elementos da Cena Entre Artaud e Pavis 71

    Imagens18,19 e 20: Construindo uma Banda de Mebius 77

    Imagem 21: Mandala 78

    Imagem 22: Mapa da Indonsia 89

    Imagem 23: Mapa de Bali 90

  • Imagem 24: Mulheres com ddivas em forma de arranjos na cabea: perangkat 91

    Imagem 25: Rangda 95

    Imagem 26: Barong 96

    Imagem 27: Danarinos em transe lutam contra Rangda 97

    Imagem 28: Rangda observa os danarinos em transe 97

    Imagem 29: Rangda como bruxo e Barong como leo 99

    Imagem 30: Bonang, instrumento musical utilizado no Gamelo 99

    Imagem 31: Gamelo 101

    Imagem 32: Gamelo 102

    Imagem 33: Variao do Gamelo 103

    Imagem 34: Detalhe de um instrumento do Gamelo 103

    Imagem 35: Z Nilson: Criana danando o Guerreiro em Macei/AL 105

    Imagem 36: Chapu do Mestre de Guerreiro Juvenal (ao fundo Mateus) 108

    Imagem 37: Mestres do Guerreiro Verdelinho e Benon com chapus em forma de igreja na cabea

    108

    Imagem 38: Dona Flor, Rainha da Nao

    109

    Imagem 39: ndio Peri do Guerreiro, Dona Vitria com seu chapu, semelhana com os perangkat

    110

    Tabela 02: Tabela Comparativa entre as danas dramticas Barong e Guerreiro 113

    Imagem 40: Artaud Onde Deus Corre com Olhos de Uma Mulher Cega 157

    Imagem 41: Matriamor 158

    Imagem 42: Assim Falou Zaratustra 159

    Imagem 43: Presena de mscaras no espetculo Le chur dans Les Atrides 165

    Imagem 44: Risco fsico: a fragilidade da vida, simbolizada por atores pendurados a oito metros de altura em andaimes

    176

    Imagem 45: Banda de Mebius

    181

  • Imagem 46: Na cena o desespero do irmo (O Mocinho) proibido de amar a irm 188

    Tabela 03: Cronograma de Trabalhos Para a Montagem de O Jato de Sangue 189

    Imagem 47: Experimentando a Pintura Corporal (Jairo e Luzia) 190

    Imagem 48 Pintura Corporal sendo realizada por Flvia Cibele no ator/bailarino Glauber Xavier

    191

    Imagem 49 Pintura Corporal na atriz Nilza Duarte 192

    Imagem 50 Pintura Corporal nas atrizes Ana e Anne Delly 192

    Imagem 51 Projeo de slides na cena do Cavaleiro (Jairo Bezerra) e da Ama (Edmilson)

    193

    Imagem 52: Os duplos do Mocinho e da Mocinha: gua e sangue atores/bailarinos: Williamson de Andrade e Rosa Frana

    195

    Imagem 53: Os duplos do Mocinho e da Mocinha atores/bailarinos: Williamson e Rosa Frana (ao fundo O Mocinho estabelece dilogo com A Puta atores/bailarinos Joo Dionsio Aresfi e Anne Delly)

    196

    Imagem 54: Atriz nos andaimes ao fundo O Mocinho e a Mocinha danam, instaurando a cena Atriz frente Anne Delly Leo

    198

    Imagem 55: Planta do espao cnico 199

    Imagem 56- Atrizes ao lado da estrutura metlica Luzia Menezes e Ana Dione

    200

    Imagem 57: Mesa coberta com a toalha cor-de-rosa, a cor do amor e as metades de laranjas nas terrinas

    201

    Imagem 58: Instaurando a cena no espao: a dana espinho do Mocinho e da Mocinha

    202

    Imagem 59: Suspensos na estrutura metlica o Mocinho e a Mocinha iniciam o primeiro dilogo

    203

    Imagem 60: Corpo na cena - atriz Anne Delly Leo 204

    Tabela 04: Tcnicas Corporais: trabalhando o corpo para a cena com uma abordagem de Antonin Artaud

    208

    Imagem 61: Atores/bailarinos/msicos durante o processo de criao 209

    Imagem 62: A mandala de energia de BAIOCCHI 212

  • Tabela 05 Ciclo Respiratrio 216

    Tabela 06 - Seis Principais Combinaes de Respirao: Os Seis Padres de Respirao

    216

    Imagem 63: As cores usadas nos diagramas 217

    Imagem 64: Exemplificando o trabalho com o diagrama respiratrio nmero um 218

    Imagem 65: Partitura da Msica Os Cabelos do Meu Bem Tem Areia 219

    Imagem 66: Diagrama 01 de Respirao 220

    Imagem 67: Diagrama 02 de Respirao 221

    Imagem 68: Diagrama 03 de Respirao 221

    Imagem 69: Diagrama 04 de Respirao 222

    Imagem 70: Diagrama 05 de Respirao 222

    Imagem 71: Diagrama 06 de Respirao 223

    Imagem 72: Ator/bailarino Paulo Irapu, durante o processo de criao, preparando as partes do corpo que caem dos andaimes

    227

    Imagem 73: Partes do corpo penduradas nos andaimes. Aluso aos ex-votos. 228

    Imagem 74: Partes do corpo cadas no cho. Aluso aos ex-votos 228

    Imagem 75: Violoncelista Carlos Melo e instrumentos criados, ao fundo o msico Wilson Santos, durante o processo criativo

    230

    Imagem 76: Partitura da msica Sangue 231

    Imagem 77: Partitura da msica Juzas 232

    Imagem 78: Mos do Mocinho e da Mocinha: uma releitura de rituais de casamento

    234

    Imagem 79: Detalhe da Indumentria do Mocinho 235

    Imagem 80: Detalhe da Indumentria da Mocinha 236

    Imagem 81: Grinalda na cabea do Mocinho e a da Mocinha. Atores Joo Dionsio Aresfi e Luzia Menezes

    237

  • Imagem 82: Indumentria criada para o Cavaleiro Ator/Bailarino/Artista Visual/Msico Jairo Bezerra

    238

    Imagem 83: Indumentria criada para a Ama. Ator /Bailarino/Artista Visual Edmilson Lopes Correia

    239

    Imagem 84: Indumentrias da Ama, ao fundo, e do Cavaleiro em primeiro plano 240

    Imagem 85: A cala criada para o Bedel 241

    Imagem 86: Busti confeccionado para a figura Puta. Atriz/Bailarina Anne Delly 242

    Imagem 87: Saia confeccionada para a figura Puta. Atriz/Bailarina Anne Delly 243

    Imagem 88: Perucas confeccionadas para as juzas e as togas. Atrizes/Bailarinas Nilza Duarte, Ana Dione Amaral e Ator/bailarino Ygo A. F.

    244

    Imagem 89: Iluminao no incio da instaurao 245

    Imagem 90: Iluminao 246

    Observao: As fotos de Antonin Artaud foram retiradas da internet e so de domnio pblico.

    As imagens que no possuem crditos na fotografia, foram capturadas em trabalho de equipe

    com Ccero Rogrio, Joo Dionsio Aresfi, Nara Salles, Rachel Mortari, Waleska Dacal e

    Alisson Albertina e no possvel identificar cada fotografia por autor.

    As imagens do CD que acompanham esta tese foram filmadas por Jos Pires de Arajo Filho

    (Pirinho) do Departamento de Comunicao Social da UFAL, editadas pela autora e transpostas

    para CD por Fbio Brando, da Casa das Impressoras, Macei, AL, e para DVD por Jos Maria

    da TELECOM, BIG TV, Macei/AL.

  • RESUMO

    A tese versa sobre elementos e princpios de processos de criao a partir da potica

    artaudiana, sobrepondo um dos tericos da Histria do Teatro Contemporneo a

    sistemas cnicos no mundo e no Brasil, trazendo teorias concretude cnica. Estabelece

    um dilogo entre teoria e prtica, oriente e ocidente, consciente e inconsciente.

    Considera a cultura nordestina, contextualizando-a na contemporaneidade cnica

    mundial, atravs de uma aproximao intercultural e transdisciplinar, realizando uma

    articulao entre as danas dramticas: balinesa Barong e nordestina Guerreiro,

    importantes durante o processo criativo para a encenao do texto O Jato de Sangue

    (1925), de Antonin Artaud, configurada como a parte prtica da tese. Como suporte s

    articulaes estticas, so abordados o teatro em Paris nos anos vinte, a potica da

    loucura, dois movimentos artsticos que influenciaram a obra artaudiana - o dadasmo e

    o surrealismo e as influncias da psicanlise nestes; a dualidade/complementaridade

    presente no oriente (Yin-Yang). O objetivo da pesquisa descrever processos de criao

    para a prtica da cena a partir da potica artaudiana, articuladas a outras teorias e a

    apresentao dos diagramas de respirao criados. Examina tambm os processos de

    criao da encenao de Ostal do grupo Oi Nis aqui Traveiz. Nesta pesquisa, teoria e

    prtica no so estanques, ao contrrio esto imbricadas uma na outra. A prtica de

    encenao derivou em uma instaurao cnica, propondo uma maneira de compreender

    a concepo cnica artaudiana, a qual intitulei Sentidos

    DanaTeatroMsicaArtesVisuais.

  • ABSTRACT

    This dissertation discusses elements and principles of creation processes from the

    conjectures of Antonin Artaud, juxtaposing this contemporary theatre theorist with

    scenic systems in the world and in Brazil, bringing his theories to scenic execution. It

    establishes a dialogue between theory and practice, East and West, conscious and

    unconscious. It considers Northeastern Brazilian culture in a worldwide contemporary

    scenic context, in an intercultural and transdisciplinary approach; producing a dialogue

    between the dramatic Balinese dance Barong, and the dramatic dance from Alagoas

    Guerreiroboth important during the creative process of a staging of Antonin Artauds

    The Spurt of Blood (1925), configured as the practical part of this thesis. As a support to

    our aesthetic argument, we make reference to the Parisian theatre in the 20s, to the

    poetry of madness, to two artistic movements that influenced Artauds workDadaism

    and Surrealism and the influence psychoanalysis had on them, and to the duality and

    complementarity present in the East (yin-yang). The objective of this research is to

    describe creation processes for scene production as conjectured by Artaud, relating them

    to other theories and to original diagrams of breathing. It also examines creation

    processes in the staging of Ostal by the group i Nis Aqui Traveiz. In this research,

    theory and practice are not treated in isolation; on the contrary, they influence and

    complement one another. Thus, as the practical part of this dissertation, Antonin

    Artauds text The Spurt of Blood was staged, deriving into a scenic instauration,

    proposing a way to understand Artauds scenic conception called

    DanceTheatreMusicVisualArts Senses.

  • RSUM

    Cette thse porte sur les lments et principes des procds de cration partir des

    conceptions dveloppes par lun des thoriciens de lhistoire du thtre

    contemporain, Antonin Artaud. Elle superpose son travail aux systmes scniques

    utiliss mondialement et au Brsil et transforme ses thories en pratiques de scne.

    Il sagit aussi dun dialogue entre la thorie et la pratique, lorient et loccident, le

    conscient et linconscient. La culture du "Nordeste" brsilien est examine sous une

    approche inter-culturelle et multidisciplinaire, en fonction du contexte actuel de lart

    de la scne mondial. Pour illustrer notre thse, nous mettons en scne "Le Jet de

    Sang" crit par Antonin Artaud en 1925, et tablissons un lien important entre la

    danse du drame balinaise originaire de Bali (Barong) et la danse dramatique

    ("Guerreiro ") originaire dAlagoas, au Nord-Est du Brsil. Pour parvenir une

    articulation esthtique, les thmes suivants sont abords : le thtre Paris pendant

    les annes 20, la posie de la folie, les deux mouvements artistiques qui ont

    influenc loeuvre dArtaud : le dadasme et le surralisme et leurs consquences

    psychanalytiques; et la dualit/complmentarit orientale (Yin-Yang). Lobjectif de

    cette recherche est de dcrire des procds de cration utiliss dans la pratique de

    mise en scne telle que conceptualise par Artaud et aussi lie dautres thories et

    la prsentation de diagrammes du souffle crs. Les techniques de cration

    appliques lors de la mise en scne de Ostal du groupe Oi Nis aqu Traveiz sont

    aussi examines. Dans cette recherche, la thorie et la pratique ne sont pas

    considres comme deux sujets isols. Ils sont perus, au contraire, comme

    dpendant lun de lautre. SensDanseThtreMusiqueArtsVisuels, llment

    pratique de cette thse, met en scne notre interprtation de la conception scnique

    telle que vue par Artaud.

  • ZUSAMMENFASSUNG

    In der vorliegenden Dissertation geht es um Grundlagen und Grundstze an Hand der

    Vorstellungen von Antonin Artaud und zwar wird ein Theoretiker der zeitgenssischen

    Theatergeschichte ber brasilianische und weltweite Bhnensysteme gestellt, um dadurch

    Theorie der Bhnenpraxis nahezubringen.Daraus ergibt sich ein Dialog zwischen Theorie

    und Praxis, Osten und Westen, Bewusst- und Unterbewusstsein. Die Kultur des

    brasilianischen Nordostens wird in Betracht gezogen und ein Zusammenhang zu dem

    zeitgenssischen weltweiten Bhnengeschehen mittels einer interkulturellen und

    transdisziplinren Annherung hergestellt, indem eine Brcke von dem balinesischen

    Dramatanz (Barong) zu dem dramatischen Tanz von Alagoas (Guerreiro) geschlagen

    wird. Das erweist sich als sehr wichtig bei dem schpferischen Prozess zur Inszenierung

    des Textes O Jato de Sangue von Antonin Artaud, die den praktischen Teil der

    Dissertation ausmacht. Die sthetischen Betrachtungen beruhen auf folgenden

    Schwerpunkten: das Theater in Paris der zwanziger Jahre, die Poetik des Wahnsinns, zwei

    Kunstbewegungen von grossem Einfluss auf das Werk Artauds Dadaismus und

    Surrealismus, der Einfluss der Psychoanalyse auf dieselben sowie

    Dualismus/Ergnzlichkeit der orientalen Kultur (Yin-Yang). Der Gegenstand der

    Forschung besteht aus der Beschreibung der schpferischen Prozesse in der Bhnenpraxis,

    wie sie bei Artaud vorgesehen sind und deren Verbindung zu anderen theoretischen

    Anstzen neben der Darstellung von Atmungsdiagrammen. Ausserdem werden auch die

    schpferischen Prozesse untersucht, welche bei der Inszenierung von Ostal der Gruppe

    Oi Nis aqui Traveiz anzutreffen sind. Theorie und Praxis sind deshalb in dieser

    Forschungsarbeit nicht streng voneinander zu trennen, im Gegenteil, sie sind eng

    miteinander verknpft. Aus diesem Grund wurde als praktischer Teil dieser Dissertation der

    Text von Antonin Artaud (1925) O Jato de Sangue inszeniert und an Hand dieser

    Inszenierung ein neues Verstndnis zu Artauds Bhnenkonzeption vorgeschlagen, welches

    Sinne/Tanz/Theater/Musik/visuelle Kunst benannt wird.

  • Introduo

    A investigao versa sobre processos de criao no teatro com abordagem na conjectura de Antonin Artaud,

    denominado Teatro da Crueldade. Tem seu princpio nas reflexes

    sobre os processos de criao em duas encenaes, cujas

    abordagens foram referenciadas nesta forma de pensar o fazer

    teatral e prope uma forma de compreender a conjectura cnica

    artaudiana, a qual estou intitulando Sentidos: DanaTeatroMsicaArtesVisuais.

    A primeira encenao intitula-se Ostal e foi montada

    sob a orientao de Paulo Flores, em 1987, pelo Grupo de Teatro i

    Nis Aqui Traveiz, cuja sede est situada na cidade de Porto Alegre,

    no estado do Rio Grande do Sul. Esta encenao foi estudada a

    partir da observao, utilizando-se de mtodos e tcnicas de

    pesquisas antropolgicas, pautadas em minha formao em

    antropologia1.

    A segunda encenao o estudo de caso da prtica de

    montagem, por mim realizada, em 1999, do texto O Jato de

    Sangue, de Antonin Artaud, com alunos de diversos cursos, da

    Universidade Federal de Alagoas/UFAL, onde sou professora nos

    Departamentos de Artes e Cincias Sociais, na cidade de Macei,

    no estado de Alagoas.

    O objetivo central do estudo aduzir uma descrio e

    proposta sobre e para os processos de criao na prtica da cena,

    cuja abordagem para a encenao esteja referenciada nas

    conjecturas de Antonin Artaud. O desenvolvimento da tese

    consiste em promover a vinculao do teatro apontado por Artaud

    a vrias teorias a fim de desvendar luz de outros pensamentos

    A Tese

    se insere numa

    perspectiva

    primordialmente

    descritiva, no sentido do

    latim, descriptione, ou

    seja, uma exposio

    circunstanciada feita

    pela palavra escrita,

    refletindo, relacionando

    e articulando teorias

    com o objeto central,

    que se constitui em uma

    investigao dos

    elementos e princpios

    do processo de criao

    para a prtica cnica,

    oriunda das conjecturas

    de Antonin Artaud.

    1 Participei do Programa de Aperfeioamento em Atividade de Pesquisa/CNPq, no Programa de Ps Graduao em Antropologia das Sociedades Complexas, da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE (1993-1997), mesmo local onde cursei o Mestrado em Antropologia (1997-1999), sob orientao do Prof Dr Russell Parry Scott.

  • a vrias teorias, a fim de desvendar, luz de outros pensamentos,

    elementos e princpios que poderiam ser aplicados no processo de

    criao de uma prtica cnica apoiada na potica artaudiana. Por ter

    optado em realizar uma tese com encenao, fundamentada no

    pensamento artaudiano, elaborei a montagem do texto O Jato de

    Sangue (1925), de Antonin Artaud, configurada como a parte

    prtica da tese.

    No primeiro captulo intitulado Horizonte Terico,

    Delimitao do Objeto, Mtodos e Tcnicas de Pesquisa, encontra-

    se o referencial para o trabalho, inclusive para a prtica, assim

    como a metodologia utilizada no decorrer do trabalho. Os sub-

    tpicos do captulo esto assim divididos: a contextualizao teatral

    vigente no local aonde Artaud inicia sua vida Teatral, Paris, na

    dcada de 20; o estigma que o acompanhou por toda a vida: a

    loucura; a descrio do movimento artstico do qual Artaud tomou

    parte, o Surrealismo; o Teatro da Crueldade e a noo de

    complementaridade. Definindo e conceituando estes pontos,

    delimito e recorto o objeto de estudo sob a tica artaudiana e sob

    minha leitura. Portanto, se faz necessrio, compreender os conceitos

    dos fios condutores do processo de criao para a montagem de O

    Jato de Sangue: Performance, Banda de Mebius, Mandala, Teatro

    de Energias, Taosmo, exausto fsica e os Diagramas de

    Respirao, por mim criados. No sub-tpico Mtodos e Tcnicas de

    Pesquisa, explicito a metodologia e as tcnicas de pesquisas

    utilizadas durante o estudo, tanto na observao realizada em

    campo, quanto relativo aos processos descritivos privilegiados para

    o processo criativo.

    A principal caracterstica desta tese a

    transdisciplinaridade, compreendida como um dilogo constante

    entre as variadas formas dos saberes, assim como a busca de um

    entendimento entre o dilogo interior e exterior dos seres humanos,

    a teoria e a prtica, o sujeito e o objeto (PRADIER:2000), nos

    processos de criaes cnicas, tendo como eixo central a potica

    O trabalho

    pode ter relevncia ao

    somar-se a outros estudos,

    no como verdade absoluta,

    mas como um vis e uma

    contribuio aos

    pesquisadores e estudiosos

    interessados pelo teatro

    postulado por Antonin

    Artaud.

    28

  • artaudiana e meu entendimento dela derivado.

    Existe no texto uma especificidade potica

    caracterstica da arte e inerente ao artista. Por vezes, durante a

    leitura parece existir uma fragmentao das idias, porm procuro

    manter uma articulao com o eixo central da pesquisa. De acordo

    com Clifford Geertz (1989), a lgica uma palavra traioeira, e

    em nenhum lugar ela mais traioeira do que na anlise da

    cultura. Como a arte um dos considerados universais culturais2,

    sendo uma das mltiplas faces de um sistema cultural, aplica-se

    diretamente a este caso. Neste sentido, uma possvel idia de lgica

    aplicada a este trabalho poderia ser a compreendida como lgica

    modal, ou seja, aquela que trata das possibilidades em oposio

    simples afirmao ou negao, explorando formas de ligao entre

    o que, a princpio, parece no possuir nenhuma conexo.

    Dessa forma, a maneira de escrever a que se aproxima

    da montagem. Compreendida como elementos isolados, neste caso -

    idias e conceitos, com um significado, mas quando em juno com

    outro, acaba por assumir uma terceira significao distinta das duas

    primeiras, que as engloba e supera. Isto significa que as idias so

    desenvolvidas a partir do tema central, mas ao se conectarem com

    outros pensamentos e idias, fazem surgir ainda um outro

    pensamento. Ento o texto discorre livremente, porm buscando

    uma articulao e conexo entre o assunto surgido e o teatro

    artaudiano. Este mesmo princpio foi e por mim aplicado no

    processo de criao para a prtica cnica.

    xxxxxxxxxSobre a montagem como opo do mtodo para a

    construo do texto e da prtica da cena, advirto que o princpio

    decorre da descontinuidade. O fundamento da montagem advm do

    Oriente, do ideograma chins. Na concepo do cineasta russo

    Sergei Eisenstein*, montagem compreendida como um amlgama

    de hierglifos isolados que podem criar novos sentidos, como por

    __________________________________

    exemplo: o ideograma que representa uma criana desenhado ao

    *Sergei Mikhailovitch

    Eisenstein (1890-1948),

    diretor sovitico de cinema e

    teatro e um dos maiores

    tericos da Stima Arte. Suas

    idias pouco convencionais

    sobre a arte dramtica ficaram

    manifestas no uso de imagens

    fortemente contrastantes,

    capazes de suscitar intensas

    reaes emocionais nos

    espectadores. A partir de

    estudos sobre a poesia chinesa

    haiku trabalhou na perspectiva

    de montagem no cinema. Entre

    seus longas-metragens se

    destacam: A greve (1924), O

    Encouraado Potemkin

    (1925); Que Viva Mxico

    (1932), Alexandre Nevski

    (1938) e Ivan, o Terrvel

    (1944).

    In Enciclopdia Encarta.

    1999.

    2Segundo o Prof Lus Cavalcanti Lacerda, da Universidade Federal de Pernambuco (DisciplinaAntropologia Cultural. 1995), so assim nomeados por estarem presentes em todas as diversas culturas,em todos os tempos. Os outros so: Religio, Organizao Social e Poltica, Sistema de Parentesco,Diviso do Trabalho.

    29

  • exemplo: o ideograma que representa uma criana desenhado ao

    lado de outro que representa uma boca - dois objetos3 distintos que,

    a princpio, no possuem nenhuma conexo imediata para derivar

    algum significado, resulta numa leitura que se traduz como gritar.

    Porm, o ideograma representando um pssaro ao lado do mesmo

    ideograma representando uma boca significa cantar. A mudana de

    um ideograma produz novo significado (ANDREW:1989).

    xxxxxxxxxDa mesma forma, para um teatro com abordagem

    artaudiana, um mesmo gesto ou ritual pode ter significados

    diversificados dependendo da forma como so encadeados ou

    ligados entre si. Sua leitura depende tambm da vivncia anterior

    do espectador, que pode determinar alguma leitura de decodificao

    e sentido especial. O mesmo ato ou gesto pode ter significados

    completamente diferentes, dependendo da contextualizao

    ritualstica. Um dos atributos do ritual ser presentificado e vivo

    aos olhos dos espectadores, ou seja, daqueles que o vivenciam.

    Assim o teatro drama de Bali: as pessoas - atores/danarinos, no

    representam uma histria, eles a vivem no sentido de presentificar o

    ato.

    Para Artaud, teremos que ser capazes de retornar a esta

    idia superior da poesia pelo teatro, que existe por trs dos mitos e

    suportar a idia religiosa e sagrada do teatro. importante lembrar

    que as idias de Antonin Artaud sobre o teatro foram vislumbradas

    e inspiradas principalmente no teatro oriental balins, que possui

    um carter altamente ritualstico. Ritual pode supor decodificaes

    gestuais, e remete imediatamente a mito, e segundo Claude Lvi-

    Strauss (1957):

    Postula-se entre mito e rito, uma correspondncia ordenada, uma homologia: dos dois qualquer que seja aquele ao qual se atribua o papel original ou de reflexo, mito e rito se reproduzem um ao outro, um no plano da ao, o outro no plano das noes... Se o mito tem um sentido, este no

    _________________________________________________________

    3 Objeto aqui compreendido na acepo de tudo aquilo que perceptvel por qualquer dos sentidos. O termo sentido referencial para toda a minha pesquisa.

    30

  • sentido, este no pode se ater aos elementos isolados que entram em sua composio, mas maneira pela qual estes elementos se encontram combinados.

    Este fato no olhar de Artaud deveria ser transposto para

    o teatro e pode ser compreendido, como o princpio do abandono da

    representao pela presentao ou presentificao do ato teatral.

    Um teatro onde imagens comuns justapostas e atravessadas,

    suscitariam outras leituras ultrapassando o que bvio e evidente,

    como no caso dos ideogramas isolados. Os atores/danarinos devem

    vivenciar o ato intensamente, isto , ao invs de apenas representar,

    se re(a)presentam. Por exemplo: o ator/danarino balins que vive o

    papel de Rangda4 no representa uma feiticeira, ele uma feiticeira,

    desde o momento em que comea a se preparar para a encenao e

    durante o tempo em que se desenrola a histria frente aos olhos dos

    espectadores, que tambm vivenciam a cena. Estes espectadores so

    arrebatados pelo que ocorre frente a seus olhares e so envolvidos

    por uma atmosfera mi(s)tica encantatria provocada por uma

    verdade corprea do ator/danarino. Desta maneira os espectadores

    so tocados em seus espritos exatamente como acontece em todos

    os rituais.

    Tomei este exemplo do teatro oriental balins porque

    este importante na obra Artaudiana. Vrias vezes, no decorrer de

    seus textos, Artaud pondera sobre o Oriente, que um forte

    referencial ao longo da maioria de seus escritos. No livro O Teatro

    e Seu Duplo, existe um artigo intitulado Teatro Oriental e Teatro

    Ocidental (1987). No mesmo livro, no artigo Um Atletismo

    Afetivo, Artaud utiliza-se do conceito utilizado na medicina

    chinesa intitulado Yin e Yang. No taosmo*, Yin o princpio

    feminino, passivo, terrestre, absorvente, frio e obscuro; com ele

    _____________________________________________

    *Taosmo

    Sistema religioso e filosfico

    chins datado do sculo IV

    a.C. Entre as escolas de

    pensamento de origem

    chinesa, s o confucionismo

    superou a influncia do

    Taosmo. Suas crenas

    filosficas e msticas

    encontram-se no Chuang-tzu

    e no Tao-te Ching (Clssico

    do Caminho e seu poder,

    sculo III a.C.), atribudo a

    Lao-ts. O Taosmo afirma

    que o indivduo precisa

    ignorar os ditames da

    sociedade e submeter-se,

    somente, pauta subjacente

    ao universo: o Tao

    (caminho). Para isto deve

    fazer nada (wu-wei), isto

    , nada que seja forado ou

    anti-natural.

    4 Rangda em balins significa viva, eles acreditam que se a esposa no acompanha o marido na morte, torna-se uma bruxa m.

    31

  • coexiste o Yang, que o princpio masculino, ativo, celeste,

    penetrante, quente e luminoso. Yin e Yang se configuram como

    foras ou princpios antagnicos e complementares, que

    abrangem todos os aspectos e fenmenos da vida. Artaud utiliza-

    se desta noo de complementaridade entre os opostos, para

    reforar a importncia e a conexo entre corpo e esprito no

    trabalho do ator. E sob esta perspectiva, Artaud considera que o ator

    deve ser um atleta do corao, da afetividade, podendo servir-se de

    sua afetividade da maneira como os atletas e lutadores servem-se de

    sua musculatura e adverte que a respirao fundamental para o

    ator.

    Em relao a este dilogo de opostos, os escritos de

    Artaud apresentam um dilogo constante entre o oriente e o

    ocidente, entre sagrado, inconsciente e crueldade. Por este motivo,

    o assunto abordado no segundo captulo articulando teatro oriental

    de Bali e o teatro ocidental; a ilha de Bali e os balineses e, por

    extenso, realizando uma articulao e uma vinculao da dana

    drama balinesa Barong com a dana dramtica nordestina

    Guerreiro, em virtude do processo criativo desenvolvido durante

    a pesquisa, no nordeste do Brasil.

    O terceiro e o quinto captulos vinculam-se diretamente

    a prtica artstica e experincia advinda dos grupos Cooperativa

    de Atores* e Totem, que seguem a linha de Artaud. De fato, a tese

    resulta de um profundo interesse pessoal pelo Teatro da Crueldade

    e da minha prpria trajetria como artista, identificando-me, com o

    teatro artaudiano, desde o primeiro momento em que tive contato na

    Cooperativa de Atores e do qual no mais me afastei. Tive a

    oportunidade de aprofundar a investigao desta forma de fazer

    teatral ao participar do Totem.

    No captulo trs, realizo a anlise da montagem de

    Ostal realizada pelo grupo Oi Nis Aqui Traveiz, de Porto

    Alegre e no captulo quatro abordo alguns sistemas teatrais que

    A Cooperativa de Atores

    (Florianpolis/SC)

    Fundada nos anos 80 em

    Florianpolis, S/C, pelo

    diretor e ator Lau Santos e

    pela atriz Marisa Naspolini.

    A fundamentao terica

    para a prtica teatral era o

    teatro artaudiano. Trabalhei

    como atriz nas encenaes:

    Tragos de Lau Santos

    (espetculo adulto).

    Imaginascendo criao

    coletiva (espetculo infantil).

    Esta pea participou do

    Projeto Teatrandando,

    realizando mais de 1000

    apresentaes nas zonas

    Rurais e Pesqueiras de Santa

    Catarina, nos anos de 1983 a

    32

  • Atuao Mstica

    Encantatria

    Os atores e atrizes que

    participaram de Ostal

    possuem uma

    caracterstica similar a que

    Artaud possua. Uma

    atuao que inquieta as

    pessoas, a qual Artaud

    denominava mstico

    encantatrio. Atuao

    que arrebata quem assiste

    para seus inconscientes,

    provocando uma alterao,

    um repensar o mundo, o

    social, a vida. Foi

    exatamente isto que pude

    experienciar, em 1988, ao

    assistir o espetculo

    Ostal, em Porto Alegre,

    na Terreira da Tribo.

    Assim era chamado o

    antigo espao para

    experimentaes cnicas

    do grupo. A sede era

    situada Rua Jos do

    Patrocnio, 527, Cidade

    Baixa, Porto Alegre, RS.

    Tive a alegria de

    reconfirmar essa sensao

    ao assistir a montagem de

    Hamlet Mquina, em

    fevereiro de 2000.

    apresentam consonncia com as conjecturas de Antonin Artaud.

    Estes fatos foram impulsionadores e catalisadores de meu

    movimento para aprofundar as pesquisas sobre os processos de

    criao no Teatro da Crueldade de Antonin Artaud e propor uma

    maneira de compreend-lo.

    Entrei para o Programa de Ps-Graduao em Artes

    Cnicas em agosto de 1999. No ms de janeiro de 2000, viajei para

    Porto Alegre, onde entrei em contato com o Grupo de Teatro i

    Nois Aqui Traveiz. L entrevistei as pessoas ligadas montagem de

    Ostal e participei de oficina de teatro. No terceiro captulo,

    apresento as reflexes sobre os processos de criao do espetculo.

    A obra Ostal inspirou e delineou o desenvolvimento

    prtico/terico da minha pesquisa. O grupo de teatro i Nis Aqui

    Traveiz tem como fio condutor de suas encenaes o teatro da

    crueldade. Compreender qual o caminho e quais propostas so

    utilizadas durante os processos de criao, para por em cena o

    teatro artaudiano, o que me interessa fundamentalmente, assim

    como, desvendar e entender a maneira como a proposta teatral

    artaudiana posta em prtica. Acredito que a forma como o teatro

    artaudiano traduzido para a cena pelo i Ns Aqui Traveiz, atinge

    o objetivo do teatro pensado por Artaud: presentificar o ato teatral e

    ser capaz de causar uma revoluo no esprito e na conscincia,

    provocando um real desejo de mudanas na vida tanto do ator

    quanto do espectador.

    Beatriz Britto, atriz e diretora de teatro, participante do

    grupo afirmou em uma conversa informal em minha pesquisa de

    campo, em Porto Alegre, que o grupo profundamente influenciado

    pelo pensamento de Antonin Artaud. Buscam, atravs da imagem

    sensvel dos mitos herdados pela nossa cultura, um processo

    permanente de transformao do teatro e da sociedade, onde arte e

    vida, esttica e poltica, crueldade e desejo so intensas em cada

    ato. Afirma, ainda, que so poucos os grupos existentes no Brasil

    que desenvolvem um trabalho contnuo de pesquisa em relao

    33

  • linguagem cnica e ao processo criativo do ator, principalmente

    pautado no teatro artaudiano e o i Ns Aqui Traveiz, um deles.

    Estes fatos demonstram e confirmam a importncia deste grupo no

    cenrio nacional, com uma abordagem artaudiana para o fazer

    teatral e justificam a minha opo, para realizar um estudo de sua

    encenao, entre tantos outros grupos que encenam referenciados

    em abordagens artaudianas.

    Na poca, no sul do pas, se comentou muito a respeito deste tipo

    de teatro. Eu morava em Florianpolis/SC e era membro da

    Cooperativa de Atores. Fui para Porto Alegre assistir o espetculo

    porque tinha interesse em ver como outro grupo entendia a potica

    artaudiana. Pesquisava sobre o teatro artaudiano desde 1983, junto a

    Cooperativa de Atores. Os componentes, antes de minha entrada no

    grupo, estudavam este teatro e tinham encenado "Tragos", em 1987,

    uma adaptao de textos de Artaud realizado por Lau Santos, que

    tambm assinava a direo. Fui convidada a fazer parte da

    encenao em uma segunda montagem. Era eu estudante da

    Graduao em Artes Plsticas/UDESC (Universidade Para o

    Desenvolvimento de Santa Catarina/Florianpolis) e de dana

    clssica na Academia Sandra Nolla. J tinha alguns trabalhos solos,

    experimentos onde buscava uma aproximao maior e mais efetiva

    entre o teatro, a dana, a msica e as artes visuais, quando fui

    convidada para a remontagem de "Tragos". Tive a oportunidade de

    experimentar a dana mesclada ao teatro, o que j no podia ser

    definido nem como dana nem como teatro, compartimentalizado e

    recortado, mas sim o que se aproximava do termo performance.

    Ainda no trabalhava com msica ao vivo e artes visuais na cena.

    Mais adiante, j no nordeste com o Totem, comecei a experimentar

    a justaposio e interao do teatro e da dana com a msica e as

    artes visuais, buscando dessa forma uma abrangncia maior entre as

    linguagens artsticas, para a prtica da cena, gerando o que

    comeamos a nomear como environment3, o que hoje denomino

    ___________________________________________

    3 Este termo ingls pode ser traduzido como ambientao, ou seja um lugar preparado para acontecer algo,neste caso, uma encenao.

    34

  • como instaurao cnica, na minha prtica. Havia finalmente

    encontrado um estilo de fazer cnico que me extasiava e onde

    poderia ter a dana, o movimento, no como uma coreografia

    ilustrativa, narrativa ou demonstrativa, mas como parte constitutiva

    da persona(gem) e da encenao.

    No quinto captulo, descrevo o processo de criao

    para a montagem da performance O Jato de Sangue. A proposta

    de lidar com as noes de performance e instalao, derivando no

    conceito de instaurao cnica, est pautada no trabalho que

    desenvolvi durante oito anos com o Totem Teatro Dana e Arte

    Contempornea, na cidade de Recife, assim como nos trabalhos

    que desenvolvi a partir de 1983 com a Cooperativa de Atores em

    Florianpolis. Outro motivo por serem estas as noes

    (performance e instaurao cnica) as que mais se aproximam com

    o que prope Artaud. Escolhi O Jato de Sangue por ser um texto

    escrito por Artaud. Minha vivncia em artes cnicas me

    proporcionou experimentar variadas formas de trabalhar. A partir

    da, com os ensinamentos de Antonin Artaud, fui inventando e

    experimentando outras maneiras de estimular a criao de cada

    ator/danarino e a minha prpria percepo do teatro artaudiano, at

    chegar a criao dos diagramas de respirao para o treinamento do

    ator, e ao que estou propondo denominar como

    Sentidos:DanaTeatroMsicaArtesVisuais. Finalmente descrito

    nos aspectos conclusivos. Ali encontram-se reflexes sobre os

    caminhos que busco para treinar o corpo do ator, compreender,

    praticar e criar encenaes a partir e alm da proposta de Artaud, no

    contexto das artes cnicas contemporneas. Intitulo meu trabalho

    como Sentidos: DanaTeatroMsicaArtesVisuais porque pretendo,

    ao colocar na cena minha verso sobre o Teatro da Crueldade, ir

    alm da importncia do corpo do ator e privilegiar uma mescla

    entre as linguagens artsticas, sem que uma tenha importncia maior

    do que a outra, mas que estejam integradas em prol da encenao.

    35

  • Dessa maneira, minha busca incide na nfase do corpo

    do ator, da expresso cnica, e esta deve recair na emoo, na

    linguagem no verbal de luz e som, na voz e no corpo do ator, e

    principalmente, em tudo que possa evocar os sentidos do

    espectador.

    Acredito que no teatro artaudiano engendram-se teatro,

    dana, msica e artes visuais. Assim, na prtica cnica no poderia

    haver um recorte, nem uma importncia maior para o teatro ou a

    dana ou a msica, ou as artes visuais; dessa forma a encenao

    seria uma justaposio de todos estes domnios encarnadas aos

    corpos dos atores/bailarinos/msicos/artistas plsticos, gerando uma

    outra idia, a qual no pode ser enquadrada em moldes pr-

    determinados, com conceitos estanques como teatro, como dana,

    ou como msica ou como artes visuais. O que proponho como prtica para o teatro da crueldade est em conexo com a

    perspectiva transdisciplinar e pressupe um atravessamento de

    todos esses termos que fazem parte do mundo cnico, gerando

    variados significados para o pblico. Uma possibilidade encontrada foi criar diagramas de respirao, a partir do captulo intitulado

    Um Atletismo Afetivo do livro O Teatro e Seu Duplo, escrito

    por Artaud. Os diagramas de respirao so experimentados

    utilizando-se da dana, do teatro, da msica, das artes visuais;

    servindo para estimular o aparelho sensrio perceptivo dos atores,

    provocando uma redescoberta de suas matrizes identitrias

    corporais/vocais, recorrendo a exerccios psicofsicos, ao

    imaginrio, possibilitando suscitar imagens onricas que possam

    tocar profundamente a quem participa do ato cnico. O espectador

    no passa por este processo, mas provocado, ao ser inserido na

    cena e provocado por todos os Sentidos.

    36

    arquivo4 artaud 8.pdfImagem 09

    arquivo5 artaud 9.pdfImagem 10

    arquivo8 artaud 12.pdfImagem 16

    sumario 14.pdfCAPTULO II: O TEATRO NO DILOGO ORIENTE/OCIDENTE: SAGRADO, INCONSCIENTE E CRUELDADE5.2. O Trabalho Corpreo/Vocal dos Atores/Bailarinos/MsicosASPECTOS CONCLUSIVOS BIBLIOGRAFIAANEXOS

    ind de ilust e tabelas 15.pdfImagem 83: Indumentria criada para a Ama. Ator /Bailarino/Artista Visual Imagem 88: Perucas confeccionadas para as juzas e as togas. Atrizes/Bailarinas