processo seletivo para ingresso no mestrado...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL – UDF REITORIA

EDITAL Nº 01/2016

PROCESSO SELETIVO PARA INGRESSO NO MESTRADO ACADÊMI CO

DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS E TRABALHISTAS 1º Semestre Letivo de 2016

A MM. Reitora do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF, Dra. Beatriz Maria Eckert-Hoff , no uso das suas atribuições regimentais, torna público o presente Edital do Processo Seletivo para o Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, com duas linhas de pesquisa: “Constitucionalismo, Direito do Trabalho e Processo” e “Direitos Humanos Sociais, Seguridade Social e Meio Ambiente do Trabalho”. A) INSCRIÇÃO NO PROCESSO SELETIVO

1. As inscrições terão início no dia 15 de fevereiro de 2016 , estendendo-se até o dia 7 de março de 2016 , por meio de correspondência eletrônica a ser enviada para o e-mail: [email protected]. 2. Poderá inscrever-se no processo seletivo brasileiro ou estrangeiro, portador de título de graduação em Direito ou áreas afins, devidamente reconhecido. 3. No ato de inscrição deverão ser enviados por via eletrônica, exclusivamente, os seguintes documentos digitalizados:

a) Requerimento de inscrição no processo seletivo em formulário próprio, conforme Anexo;

b) Cópia do diploma de graduação em Direito ou áreas afins; c) Cópia da Carteira de identidade e do CPF ou outro documento oficial com foto; d) Currículo Lattes atualizado nos últimos três meses; e) Certificado de proficiência em língua estrangeira, se for o caso;

3.1. Os candidatos com necessidades especiais devem apresentar suas demandas, com as devidas comprovações, no ato de inscrição, sob pena de preclusão.

3.2. Os candidatos aprovados no processo seletivo deverão apresentar, no ato de matrícula no curso, as vias originais ou cópias autenticadas dos documentos acima indicados para fim de comprovação da autenticidade, bem como outros documentos a serem solicitados posteriormente, sob pena de exclusão do processo seletivo. 4. São oferecidas 20 (vinte) vagas para alunos regulares no programa de Mestrado, não estando a Coordenação Acadêmica do Curso de Mestrado em Direito do UDF obrigada a preencher todas as vagas.

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5. O resultado das inscrições e a convocação para a realização das demais etapas do processo seletivo serão informados exclusivamente via e-mail até o dia 08 de março de 2016. B) PROCESSO SELETIVO 6. O processo de seleção compreende as seguintes etapas:

a) 1ª Etapa - Prova de Proficiência em Língua Estrangeira : preliminar e eliminatória, a ser realizada no dia 10 de março de 2016 , quinta-feira, das 14h às 15h30;

b) 2ª Etapa - Prova de Conhecimentos Específicos : eliminatória e classificatória, a

ser realizada também no 10 de março de 2016 , quinta-feira, das 16h30 às 20h30;

c) 3ª Etapa - Entrevista Individual : eliminatória, a ser realizada nos dias 11 e 12 de março (sexta-feira e sábado), a partir das 15h do dia 11 de março de 2016, em horário a ser divulgado quando da publicação da lista dos candidatos aprovados nas duas primeiras fases do processo seletivo.

7. A Prova de Proficiência em Língua Estrangeira consistirá na compreensão de texto jurídico na língua indicada pelo candidato no momento da inscrição, entre as seguintes opções: francês, inglês, espanhol ou italiano. 7.1. Não será admitido o uso de dicionário na prova. 7.2. Nesta etapa, o candidato deverá obter a menção "aprovado". 7.3. Serão dispensados da avaliação candidatos que comprovem proficiência em alguma das línguas estrangeiras referidas: a) Inglês : TOEFL (mínimo de 213 pontos para CBT Toefl, 550 pontos para o Toefl

Tradicional ou 80 pontos para o Internet-based-test – IBT); Cambridge (Key English Test); IELTS (mínimo de 6,0), ou Michigan Proficiency.

b) Francês : Diplome d’Études em Langue Française – DELF (nível B2) ou teste de proficiência em língua francesa emitido pela Aliança Francesa, com aproveitamento mínimo de 70 pontos.

c) Espanhol : Diploma de Español como Lengua Extranjera – DELE-Cie (nível avanzado – B2) – Instituto Cervantes.

d) Italiano – CELI – Certificato di Conoscenza della Lingua Italiana (CELI 3), CILS – Certificato di Italiano come Lingua Straniera (CILS DUE – B2) ou teste lato sensu do Instituto Italiano de Cultura, com aproveitamento de 70%.

7.3.1. Outros diplomas de proficiência poderão ser analisados pela Comissão de Seleção e pela Coordenação Acadêmica do Curso de Mestrado em Direito do UDF.

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8. A Prova de Conhecimentos Específicos terá conteúdo jurídico relativo a tópicos de Direitos Sociais e Relações Trabalhistas e envolverá exame escrito de acordo com as referências bibliográficas básicas e temas indicados neste Edital. 8.1. Serão avaliadas na Prova de Conhecidas Específicos: a qualidade do texto, que compreende a clareza da exposição, coerência de ideias e da argumentação, completude da informação e correção no uso da língua portuguesa, além da capacidade crítica e grau de conhecimento jurídico do candidato. 8.2. Nesta etapa, o candidato receberá menção entre 0 e 10 pontos. 8.3. A Prova Escrita será baseada nos temas indicados neste item, podendo também referenciar quaisquer dos textos nele indicados. Não será permitida a consulta a qualquer livro, artigo ou material informativo de qualquer natureza, inclusive texto de "legislação seca". 8.3.1. Temas :

i. O Estado Democrático de Direito na Constituição da República e sua Influência no Direito do Trabalho, no Direito Processual do Trabalho e no Direito da Seguridade Social.

ii. Princípios Constitucionais Humanísticos e Sociais Relacionados ao Trabalho. Princípios de Direito Individual do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho Constitucionalizados.

iii. Relações de Trabalho e Relação de Emprego. Elementos da Relação de Emprego. Centralidade e Desafios à Relação de Emprego no Capitalismo.

iv. Direito Coletivo do Trabalho: princípios próprios. Características e Desafios do Sistema Sindical Brasileiro. Negociação Coletiva Trabalhista: peculiaridades jurídicas.

v. Meio Ambiente do Trabalho e Infortunística Laboral: as correlatas indenizações por danos morais, inclusive estéticos, e danos materiais.

vi. Direito Processual do Trabalho: especificidades de sistemas processuais, de princípios jurídicos e de suas regras; harmonização do Direito Processual do Trabalho à Constituição da República. A Instrumentalidade do Processo do Trabalho: antigos e novos desafios; o impacto do novo CPC-2015.

8.3.2. Textos bibliográficos:

i. SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. "Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 1988". Disponível em: www.stf.jus.br.

ii. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. “Considerações sobre a autonomia do processo do trabalho”. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, RT, ano 39, v. 153, p. 167-180, set.-out. 2013. Revista Magister de Direito do Trabalho, Porto Alegre, Lex-Magister, ano 10, n. 56, p. 39-51, set.-out. 2013. Revista Fórum Trabalhista, Belo Horizonte, Editora Fórum, ano 2, n. 7, p. 55-67, jul.-ago. 2013. Revista Síntese Trabalhista e

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Previdenciária, São Paulo, IOB, ano XXIV, n. 294, p. 206-218, dez. 2013. Revista do Direito Trabalhista, Brasília, Consulex, ano 20, n. 2, p. 20-24, fev. 2014.

iii. DELGADO, Mauricio Godinho. "Estado Democrático de Direito, Constituição Federal de 1988 e Direito do Trabalho". In DELGADO, M. G.; DELGADO, G.N. Constituição da República e Direitos Fundamentais - dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2015.

iv. PEREIRA, Ricardo José Macêdo de Britto. A inconstitucionalidade da liberação generalizada da terceirização. Revista da ABET (Impresso), v.14, p. 62-77, 2015.

9. Os resultados das provas de língua estrangeira e de conhecimentos específicos serão divulgados no dia 11/03/2016, a partir das 12h. Somente os candidatos aprovados nas duas primeiras fases irão participar da terceira fase de seleção. 10. A seleção final dos candidatos consiste em entrevista individual que poderá se referenciar aos temas de estudo indicados neste Edital, à prova escrita aplicada e/ou aos textos indicados, além da análise curricular do candidato e de seu perfil acadêmico. Serão consideradas as condições objetivas de frequência, dedicação ao programa e de conclusão do curso pelo candidato, além da adequação do tema de trabalho proposto na ficha de inscrição e sua ligação com a linha de pesquisa escolhida. 10.1. Serão selecionados candidatos em número proporcional às linhas de pesquisa existentes. 10.2. O candidato deverá obter, nesta fase, a menção “apto” para lograr aprovação no processo seletivo. 11. A aprovação do candidato estará condicionada à aprovação na Prova de Proficiência em língua estrangeira, a obtenção da nota mínima 7,0 (sete) na Prova de Conhecimentos Específicos e menção “apto” na fase de entrevista. C) ESTRUTURA E DURAÇÃO DO PROGRAMA 12. A conclusão do Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas exigirá a realização de, no mínimo, 29 créditos acadêmicos, equivalentes a 15 horas-aula cada, que serão integralizados da seguinte maneira:

i. Duas disciplinas comuns e obrigatórias . Cada uma dessas disciplinas totalizará 4 créditos - equivalentes à 60 horas-aula.

ii. Em cada linha de pesquisa, haverá uma disciplina obrigatória que dará fundamento teórico às demais disciplinas optativas do curso e guiará a escolha de pesquisa dos alunos. Cada uma das disciplinas obrigatórias totalizará 4 créditos - equivalentes à 60 horas-aula e o discente cursará somente a disciplina obrigatória da sua linha.

iii. No mínimo uma disciplina Optativa , totalizando o mínimo de 4 créditos.

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iv. Mínimo de 5 créditos de Atividades Complementares , a serem realizados de maneira obrigatória em forma de participação em grupos de pesquisa e publicação de um artigo em revista com classificação QUALIS. Serão ainda facultados ao aluno participação em projetos de extensão, participação em editoração de revistas e periódicos acadêmicos e em atividades de docência orientada.

v. Elaboração da dissertação - 8 créditos. 13. A obtenção do título de Mestre em Direito dependerá de aprovação em todas as etapas do Programa de Mestrado, culminado com a aprovação da dissertação por uma banca examinadora, em defesa pública. 14. O curso deverá ser concluído em até 24 meses , impreterivelmente. 15. São exigidos dos alunos matriculados no programa assídua e ativa participação nas aulas, seminários, grupos de pesquisa e outras atividades relacionadas à pesquisa acadêmica, além da produção de artigos, resenhas e revisões bibliográficas. A exigência de tempo e disponibilidade para participar de tais atividades deve ser considerada pelo candidato antes da matricula. D) DISPOSIÇÕES FINAIS 16. Em todos os eventos da seleção, deverá o candidato comparecer com antecedência de pelo menos 30 (trinta) minutos, munido de documento de identificação e caneta esferográfica azul ou preta. Não haverá tolerância para atraso, que implicará na eliminação do candidato do processo seletivo. 17. Somente será aceita a inscrição no processo seletivo do candidato que enviar todos os documentos indicado no item 3 deste Edital. 18. Será eliminado do processo seletivo o candidato que deixar de participar de alguma das fases do processo seletivo ou que descumprir com as regras previstas neste Edital. 19. O resultado final relacionará os candidatos selecionados dentro das vagas oferecidas, em ordem alfabética. 20. Poderão ser admitidos alunos especiais nas diferentes disciplinas. Os créditos concedidos com a aprovação nas disciplinas cursadas nessa condição terão validade máxima de 02 (dois) anos para aproveitamento no programa regular do Mestrado.

21. Somente serão admitidos recursos quanto aos resultados da seleção sob alegação de vícios de forma. 21.1. Eventual recurso deverá ser encaminhado a Coordenação Acadêmica do Curso de Mestrado em Direito do UDF, mediante razões escritas, em até 02 (dois) dias úteis contados da respectiva publicação do resultado/ato a ser impugnado.

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22. A inscrição no processo de seleção representa a aceitação plena e irrestrita pelo candidato de todos os termos deste Edital. 23. A matrícula no curso está condicionada à aprovação do candidato em todas as etapas do processo de seleção, bem como ao cumprimento dos termos deste Edital e à aceitação das regras do programa. 24. As datas fixadas neste edital poderão ser alteradas, com prévia notícia no site do UDF e/ou comunicação por email. 25. Os casos omissos neste Edital serão resolvidos pela Coordenação Acadêmica do Curso de Mestrado em Direito do UDF. 26. As atividades acadêmicas do programa obedecerão ao calendário acadêmico 2016 a ser publicado pela Reitoria do UDF. As aulas terão início na semana de 28 de março de 2016. 27. Todos os horários do presente edital estarão referidos ao Horário de Brasília. COORDENAÇÃO ACADÊMICA DO MESTRADO EM DIREITO DAS RE LAÇÕES SOCIAIS E TRABALHISTAS: Prof. Dr. Maurício Godinho Delgado e Profª. Dra. Re nata de Assis Calsing Contatos: - E-mail: [email protected] - Tel.: (61) 3704-8892 e (61) 3704-8803

Brasília, 28 de janeiro de 2016.

Profª. Drª. Beatriz Maria Eckert-Hoff

Reitora – UDF

Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte

anos da Constituição Federal de 19881

Ingo Wolfgang Sarlet. Doutor em Direito do Estado (Munique, 1997). Pós-Doutor em Direito pelo Instituto Max-Planck de Direito Social Estrangeiro e Internacional (onde atua como correspondente científico e representante brasileiro desde 2000) e pela Universidade de Munique, tendo sido bolsista e pesquisador visitante pelo do Instituto e pelo DAAD por vários períodos, entre 2001 e 2005. Pesquisador visitante junto ao Georgetown Law Center (2004) e na Harvard Law School (2008). Professor Titular da Faculdade de Direito e dos Programas de Pós-Graduação em Direito e em Ciências Criminais (Mestrado e Doutorado) da PUCRS. Professor do Programa de Doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha). Coordenador do Mestrado e Doutorado em Direito e do Centro de Pesquisas da Faculdade de Direito da PUCRS, bem como do GEDF – Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Fundamentais (CNPq/PUCRS). Professor da Escola Superior da Magistratura (AJURIS) e Juiz de Direito no RS.

1 – Considerações iniciais: contextualizando e delimitando o tema

Poder integrar um qualificado ciclo de debates que tem como um dos seus objetivos

avaliar, transcorridos praticamente vinte anos de sua promulgação, a “trajetória existencial”

da nossa Constituição Federal, identificando, dentre outros aspectos, se tal caminhada tem

sido marcada por mais sucessos do que derrotas, representa uma honra, mas, acima de tudo,

constitui um desafio, não apenas, mas particularmente para todos os que elegeram o estudo e

a prática do direito constitucional como preocupação central de sua atividade diária. Aliás, é

justamente esta (a evolução constitucional desde 1988) a temática a respeito da qual versa o

notável ensaio de Luís Roberto Barroso, que integra a presente coletânea. Neste contexto,

oportuna a manifestação de Paulo Ricardo Schier, ao apontar que a comemoração dos vinte

anos da nossa Constituição não deve restar limitada a uma exortação da qualidade e

substancial permanência (apesar das reformas) do texto constitucional, mas, acima de tudo,

resultar em reflexão sobre o seu atual sentido, englobando a constituição nos seus sentidos

formal e material, como projeto em permanente reconstrução2. Cientes da correção e

relevância de tal observação, é possível afirmar que, tanto no plano textual, quanto no que diz

com a vivência constitucional, os direitos fundamentais em geral - e os direitos sociais em

1 O presente texto constitui versão revista, atualizada e parcialmente reformulada de trabalho redigido anteriormente sobre o tema, que, todavia, enfatizava, de um modo geral, o problema das resistências aos direitos sociais, e que, além de remetido para publicação em coletâneas (Editoras Forense e Saraiva) versando sobre os 20 anos da Constituição Federal de 1988, foi objeto de veiculação na Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. 20 Anos de Constitucionalismo Democrático – E Agora? Porto Alegre-Belo Horizonte, 2008, p. 163-206. 2 Cf. Paulo Ricardo Schier, “Constitucionalização e 20 anos da Constituição: reflexão sobre a exigência de concurso público (entre a isonomia e segurança jurídica)”, capítulo I, publicado nesta coletânea.

particular – têm ocupado, tanto por ocasião das discussões travadas no âmbito do processo

Constituinte, quanto no próprio texto constitucional promulgado em 05 de outubro de 1988 e

na evolução subseqüente, uma posição de destaque sem precedentes no contexto da história

constitucional brasileira e, em se lançando um olhar sobre o direito comparado, mesmo em

relação a outras ordens constitucionais, certamente não haverá de ser contestado seriamente.

Não apenas em termos quantitativos, ou seja, no que diz respeito ao número expressivo de

direitos sociais expressa e implicitamente consagrados pela Constituição, mas também em

termos qualitativos, considerando especialmente o regime jurídico-constitucional dos direitos

sociais, a Assembléia Constituinte de 1988 foi inequivocamente (para alguns em demasia!)

amiga dos direitos sociais, o que não significa, de acordo com a conhecida advertência de

Lenio Streck, que com o advento da nossa atual Constituição as promessas da modernidade

tenham sido efetivamente cumpridas entre nós 3.

Além disso, constata-se que passada uma (rápida) fase de maior ufanismo, não apenas

a constitucionalização de direitos sociais, mas uma série de outros aspectos ligados ao texto

resultante do embate no âmbito da Assembléia Constituinte, voltaram ou mesmo passaram a

ser objeto de acirrada crítica, inclusive no meio jurídico, o que, à evidência, não é em si um

dado necessariamente negativo, já que mesmo indispensável ao processo democrático-

deliberativo, mas acabou, não raras vezes, assumindo dimensões preocupantes, especialmente

quando se tentou difundir a mensagem da ilegitimidade do processo constituinte (não que este

tenha sido isento de problemas), inclusive com o objetivo de, entre outras medidas, justificar a

revisão ampla do texto constitucional, acompanhada da exclusão até mesmo de uma série de

direitos fundamentais expressamente consagrados pelo Constituinte, como é o caso, v.g., dos

direitos dos trabalhadores.

De qualquer sorte, independentemente de tais discussões, que aqui são referidas

apenas em caráter ilustrativo e não constituem o objeto da nossa abordagem, certo é que,

especialmente no que diz com a constitucionalização de direitos e deveres em matéria social,

não são poucas as objeções registradas entre nós e no direito comparado, tanto é que, a

despeito da evolução constitucional contemporânea em matéria de direitos fundamentais e do

sistema internacional de tutela dos direitos humanos, diversas constituições seguem refratárias

à inserção de direitos sociais em seus textos. Com isto não se está a dizer – é bom enfatizar -

que os níveis de proteção social, concretizados pela via da legislação ordinária e das políticas

3 Cf. Lenio Luiz Streck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, especialmente p. 57 e ss., destacando, inclusive, a necessidade de promover a defesa das instituições da modernidade que se revelam indispensáveis à instauração de um efetivo Estado Democrático (e Constitucional!) de Direito.

públicas, não sejam em vários casos até mesmo mais altos do que em países onde a opção foi

pela constitucionalização dos direitos sociais, o que, por sua vez, acaba, para alguns, servido

de argumento adicional para justificar não apenas a desnecessidade e mesmo inconveniência

da inserção de direitos sociais nas constituições. Da mesma forma, segue acesa a controvérsia

na esfera doutrinária e jurisprudência, seja no que diz respeito à própria fundamentação e

legitimação dos direitos sociais, seja no que concerne ao seu conteúdo e regime jurídico.

Assim, resulta evidente que mesmo à vista da expressa previsão de direitos sociais no

catálogo constitucional dos direitos fundamentais, também entre nós tais temas têm sido

objeto de crescente e cada vez mais intenso (em termos quantitativos e qualitativos) debate.

Dentre os temas preferidos pela doutrina (e que acabam refletindo, com maior ou

menor intensidade, na esfera jurisprudencial, legislativa e administrativa) destacam-se,

notadamente em matéria dos assim chamados direitos sociais, tanto as teses que questionam a

própria constitucionalização de tais direitos sociais (sustentando até mesmo que, no todo ou

em parte, tais direitos sequer deveriam estar na Constituição!) quanto as vozes daqueles, que,

embora admitam a possibilidade de ter tais direitos previstos no texto constitucional, refutam

a sua condição de autênticos direitos fundamentais. Além disso, assume particular relevância

a controvérsia em torno do regime jurídico-constitucional dos direitos sociais, uma vez

reconhecida a sua condição de direitos fundamentais, o que, por sua vez, remete ao problema

de sua eficácia e, por conseguinte, de sua efetividade.

De outra parte, resulta evidente que a mera previsão de direitos sociais nos textos

constitucionais, ainda que acompanhada de outras providências, como a criação de um

sistema jurídico-constitucional de garantias institucionais, procedimentais, ou mesmo de outra

natureza, nunca foi o suficiente para, por si só, neutralizar as objeções da mais variada

natureza ou mesmo impedir um maior ou menor déficit de efetividade dos direitos sociais,

notadamente no que diz respeito aos padrões de bem-estar social e econômico vigentes. Saber

em que medida os direitos sociais, a despeito do regime jurídico que lhes foi atribuído pela

Constituição (em que pese a controvérsia sobre qual exatamente é este regime jurídico), de

fato representam mais do que manifestação de um constitucionalismo simbólico, já seria

matéria mais do que suficiente para ocupar uma monografia de envergadura, e, por certo, não

haveria como ser suficientemente discutido nos limites deste breve ensaio. Todavia, embora

não seja o nosso propósito discorrer sobre o constitucionalismo simbólico4, não há como

4 Sobre o tema v. os referenciais desenvolvimentos de Marcelo Neves, A Constitucionalização Simbólica, 2ª

ed., São Paulo: Martins Fontes, 2007. Enfocando a questão no plano dos direitos humanos e fundamentais, v., do mesmo autor, “A Força Simbólica dos Direitos Humanos”, in: Cláudio Pereira Souza Neto e Daniel

desconsiderar que o tema guarda íntima vinculação (também) com o problema das

resistências aos direitos sociais, seja no que diz com o uso meramente retórico do discurso dos

direitos, seja no que diz respeito à sua eficácia e efetividade.

Considerando que prescinde de maior esforço reflexivo a constatação de que o tema

ora abordado constitui uma fonte praticamente inesgotável de tópicos e problemas a serem

mapeados e analisados, desde logo há que frisar que não é nosso intento sequer buscar um

levantamento mais preciso dos diversos aspectos que dizem respeito ao conteúdo dos direitos

sociais e ao seu regime jurídico, nem mesmo no pertinente ao problema de sua eficácia

efetividade. Aliás, sequer em relação aos tópicos selecionados isto seria possível. O que nos

move, em primeiro plano, é a vontade de identificar alguns dos problemas centrais vinculados

à teoria e prática dos direitos sociais no âmbito do sistema constitucional pátrio, pinçando

alguns aspectos de maior relevo, notadamente em relação à sua eficácia e efetividade,

procedendo, em relação a cada uma delas, uma análise que, de algum modo, possa contribuir

para um balanço e desenvolvimento do debate em torno do tema. Certo é que ao fim destes

quase vinte anos, estamos em boas condições de realizar tal tarefa. Com efeito, a farta

produção científica surgida desde então, somada à trajetória da jurisprudência, mas também o

conjunto de políticas públicas criadas, a legislação infraconstitucional que regulamenta e

concretiza os projetos sociais e os próprios direitos sociais da Constituição, assim como os

inúmeros indicadores sociais e econômicos, revelam que material não nos falta para isso.

Assim, procedendo a uma seleção de aspectos a serem abordados, iniciaremos por

analisar alguns aspectos da discussão, cada vez mais intensa entre nós, a respeito da própria

condição dos direitos sociais como direitos fundamentais, já que, a despeito de assim terem

sido designados no texto constitucional, há quem siga – e fundado em razões respeitáveis -

contestando tal condição. Umbilicalmente ligada a este aspecto, visto que da afirmação da

fundamentalidade dos direitos sociais decorrem também certas conseqüências,

designadamente no que concerne ao regime jurídico de tais direitos, situa-se a problemática

da eficácia e efetividade dos direitos fundamentais sociais, possivelmente um dos temas mais

debatidos na doutrina e jurisprudência constitucional brasileira nos dias atuais. Neste

contexto, abordaremos alguns pontos polêmicos vinculados à problemática do assim

designado “custo dos direitos” e da polêmica reserva do possível, especialmente no que diz

respeito às resistências em aceitar o controle dos atos legislativos e administrativos com base

nos direitos sociais e a possibilidade de fazer valer a sua condição de direitos subjetivos.

Sarmento (Coord.), Direitos Sociais, Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 417 e ss., doravante referido apenas como Direitos Sociais.

Outrossim, convém salientar, evitando que o leitor habitual venha a se sentir frustrado nas

suas expectativas, que estamos revisitando temas já tratados em trabalhos anteriores, de tal

sorte que, embora o novo contexto, a reestruturação do texto e uma significativa atualização

bibliográfica, em grande parte estamos a reafirmar e reproduzir produção intelectual anterior,

que, todavia, necessita de permanente reafirmação e reconstrução em função da difusão de um

expressivo número de novas e relevantes contribuições, agregando subsídios e outros olhares

ao debate, em parte mesmo veiculando críticas a serem levadas a sério, implicando, se não

uma correção de rumo, pelo menos o ônus de uma constante “testagem” do nosso próprio

trabalho. Por derradeiro, antes de investirmos, no próximo segmento, na discussão sobre a

fundamentalidade dos direitos sociais, há que agradecer aos ilustres amigos e colegas

CLÁUDIO PEREIRA SOUZA NETO, DANIEL SARMENTO e GUSTAVO BINENBOJM

pela acolhida deste texto na presente coletânea e pelo convite para o excepcional encontro de

Professores em Petrópolis, uma das experiências acadêmicas e pessoais mais gratificantes das

quais tive a ocasião de participar.

2 – Algumas notas em torno dos direitos sociais como direitos fundamentais na ordem

constitucional brasileira

Embora aparentemente estejamos diante de uma obviedade, o fato de existirem

segmentos da doutrina, ainda que bem intencionados e mesmo amparados em argumentos de

relevo, que estejam negando a condição de autênticos direitos fundamentais dos direitos

sociais (existe até quem negue a própria existência de direitos sociais5!) torna oportuna a

lembrança de que ao se tratar de direitos fundamentais na Constituição não há como abrir mão

de uma perspectiva dogmático-jurídica (mas não necessariamente formal-positivista) da

abordagem, reafirmando-se, de tal sorte, a necessidade de uma leitura constitucionalmente

adequada da própria fundamentação (inclusive filosófica) tanto da assim designada

fundamentalidade quanto do próprio conteúdo dos direitos sociais. De outra parte, é a nossa

Constituição (doravante citada como CF) e não outra - o que é bom sempre recordar! – que

nos servirá como referencial, inclusive quanto aos compromissos expressa e/ou

implicitamente firmados pelo Constituinte, seja no que diz com a aderência a determinadas

5 Cf., por exemplo, Fernando Atria, “Existem Direitos Sociais?” in: Cláudio Ari Mello (Coord.), Os Desafios

dos Direitos Sociais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 09-46, destacando-se que não temos como empreender aqui o debate com as teses esgrimidas pelo autor. Para uma crítica às objeções de Atria, v., especialmente, Carlos Bernal Pulido, “Fundamento, Conceito e Estrutura dos Direitos Sociais: uma crítica a “Existem direitos sociais?” de Fernando Atria”, in: Direitos Sociais, p. 137 e ss.

concepções de Justiça, especialmente no que diz com a noção de justiça social (que foi

expressamente inserida como objetivo a ser alcançado no âmbito da ordem econômica da

Constituição, designadamente no seu artigo 170, “caput”6), seja no concernente a determinada

ordem de valores que, de acordo com concepção amplamente consagrada, encontra expressão

também e acima de tudo por meio dos princípios e dos direitos fundamentais7.

Uma primeira constatação que se impõe e que resulta já de um superficial exame do

texto constitucional, é a de que o Poder Constituinte de 1988 acabou por reconhecer, sob o

rótulo de direitos sociais, um conjunto heterogêneo e abrangente de direitos (fundamentais), o

que, sem que se deixe de admitir a existência de diversos problemas ligados a uma precária

técnica legislativa e sofrível sistematização (que, de resto, não constituem uma particularidade

do texto constitucional, considerando o universo legislativo brasileiro) acaba por gerar

conseqüências relevantes para a compreensão do que são, afinal de contas, os direitos sociais

como direitos fundamentais. Neste sentido, verifica-se, desde logo e na esteira do que já tem

sido afirmado há algum tempo entre nós, que também os direitos sociais (sendo, ou não, tidos

como fundamentais) abrangem tanto direitos prestacionais (positivos) quanto defensivos

(negativos), partindo-se aqui do critério da natureza da posição jurídico-subjetiva reconhecida

ao titular do direito, bem como da circunstância de que os direitos negativos (notadamente os

direitos de não-intervenção na liberdade pessoal e nos bens fundamentais tutelados pela

Constituição) apresentam uma dimensão “positiva” (já que sua efetivação reclama uma

atuação positiva do Estado e da sociedade) ao passo que os direitos a prestações (positivos)

fundamentam também posições subjetivas “negativas”, notadamente quando se cuida de sua

proteção contra ingerências indevidas por parte dos órgãos estatais, mas também por parte de

organizações sociais e de particulares8.

6 Sobre os princípios que informam a ordem econômica em geral v., entre nós, o já clássico contributo de Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997; No âmbito da literatura mais recente, v. Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento. Uma leitura a partir da Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros, 2005. 7 A respeito deste tópico, v., por todos (no âmbito da doutrina estrangeira), Konrad Hesse, Grundzüge des

Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland (existe tradução para o português, publicada pela Editora Sérgio Fabris, Porto Alegre), 20ª ed., Heidelberg: C. F. Muller, 1995, p. 133 e ss. Entre nós, além do nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 9ªed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 158 e ss., onde desenvolvemos de modo mais detido esta dimensão dos direitos fundamentais, à luz de farta doutrina nacional e estrangeira, v. também, entre outros, especialmente Daniel Sarmento, “A Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais”, in: Ricardo Lobo Torres e Celso Albuquerque Mello (Org.). Arquivos de Direitos Humanos, vol. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 63-102 e, mais recentemente, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, São Paulo: RT, 2007, p. 116 e ss., assim como Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 255 e ss..

8 Sobre o ponto, inclusive para maior desenvolvimento do problema da classificação dos direitos fundamentais, remetemos ao nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, op. cit., p. 176 e ss. Por último, com destaque para a estrutura diferenciada dos direitos sociais como direitos a prestações, v. Virgílio Afonso

Que tais constatações não podem ter o condão de tornar obsoleta ou mesmo

equivocada a classificação dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos a

prestações – muito embora assim tenha sido sustentado por alguns – afigura-se como

evidente. Com efeito, especialmente em se tendo presente a distinção entre texto (enunciado

semântico) constitucional e norma jurídica (resultado da interpretação do texto), de acordo

com o qual pode haver mais de uma norma contida em determinado texto, assim como

normas sem texto expresso que lhe corresponda diretamente9, sabe-se que a partir de um

determinado texto há como extrair uma norma (ou normas) que pode (ou não) reconhecer um

direito como fundamental e atribuir uma determinada posição jurídico-subjetiva (sem prejuízo

dos efeitos jurídicos já decorrentes da dimensão objetiva) à pessoa individual ou

coletivamente considerada, posição que poderá ter como objeto uma determinada prestação

(jurídica ou fática) ou uma proibição de intervenção10.

Se os direitos sociais a prestações (segundo Alexy, os direitos a prestações em sentido

estrito, no sentido de direitos subjetivos a prestações materiais vinculados aos deveres estatais

do Estado na condição de Estado Social de Direito11), na sua dimensão subjetiva, implicam

direitos subjetivos negativos, também há que destacar que a Constituição de 1988, pelo menos

da Silva, “O Judiciário e as Políticas Públicas: entre Transformação Social e Obstáculo à Realização dos Direitos Sociais”, in: Direitos Sociais, p. 589 e ss.

9 Sobre o tema (distinção entre texto e norma e seu significado), no âmbito da doutrina nacional, indispensável, dentre outros, Eros Roberto Grau, Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 19 e ss.(retomando aqui os desenvolvimentos efetuados na já citada obra sobre a ordem econômica na constituição), afirmando, em apertada síntese, ser a norma produto da interpretação, não sendo idêntica ao texto, mas neste se encontrando parcialmente contida, porém em estado potencial, bem como Lenio Luiz Streck, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito, 5ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, especialmente p. 310 e ss., em capítulo que ostenta o significativo título “O caráter não-relativista da hermenêutica ou de como a afirmação ‘a norma é (sempre) o produto da atribuição de sentido a um texto’ não pode significar que o intérprete esteja autorizado a ‘dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”, destacando que a distinção entre texto e norma não pode ser compreendida como uma absoluta independência entre ambas as figuras e muito menos como uma irrelevância do texto. Na mesma linha, v., ainda entre nós, o arguto magistério de Humberto Ávila, Teoria dos Princípios, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 30 e ss., apontando para o fato de que o intérprete “utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos...” (p. 33-34). Neste mesmo contexto, aliás, há que relembrar a conhecida – e correta - afirmação de Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20ª ed., Heidelberg: C.F. Müller, 1995, especialmente p. 29 e ss. no sentido de que o texto constitucional atua como limite para o intérprete, aspecto que, assim como os demais que lhe são conexos, aqui não estamos em condições de desenvolver.

10 Cfr. paradigmaticamente demonstrado por Robert Alexy Theorie der Grundrechte. Frankfurt am Main: Suhrkamp 1994, p. 53 e ss (quando apresenta seu conceito de norma de direito fundamental) e, mais adiantem, especialmente no ponto em que examina a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais como direitos de defesa e direitos a prestações (op. cit., p. 159 e ss.)

11 Com efeito, para Robert Alexy, op. cit., p. 395 e ss., os direitos a prestações em sentido estrito (direitos sociais) se distinguem dos direitos a prestações em sentido amplo, já que estes dizem com a atuação positiva do Estado no cumprimento dos seus deveres de proteção, já decorrentes da sua condição de Estado democrático de Direito e não propriamente como garante de padrões mínimos de justiça social, ao passo que os direitos a prestações em sentido estrito (direitos sociais) dizem com direitos a algo (prestações fáticas) decorrentes da atuação do Estado como Estado Social.

de acordo com seu texto, incluiu no seu rol de direitos sociais posições, que, a despeito de

uma correlata dimensão (ou função) positiva ou prestacional, assumem a feição de típicos

direitos de caráter negativo (defensivo), como dão conta, entre outros, os exemplos do direito

de greve, da liberdade de associação sindical, das proibições de discriminação entre os

trabalhadores (direitos especiais de igualdade).

A partir disso, ao se empreender uma tentativa de definição dos direitos sociais

adequada ao perfil constitucional brasileiro, percebe-se que é preciso respeitar a vontade

expressamente enunciada do Constituinte, no sentido de que o qualificativo de social não está

exclusivamente vinculado a uma atuação positiva do Estado na promoção e na garantia de

proteção e segurança social, como instrumento de compensação de desigualdades fáticas

manifestas e modo de assegurar um patamar pelo menos mínimo de condições para uma vida

digna (o que nos remete ao problema do conteúdo dos direitos sociais e de sua própria

fundamentalidade). Tal consideração se justifica pelo fato de que também são sociais (sendo

legítimo que assim seja considerado) direitos que asseguram e protegem um espaço de

liberdade ou mesmo dizem com a proteção de determinados bens jurídicos para determinados

segmentos da sociedade, em virtude justamente de sua maior vulnerabilidade em face do

poder estatal, mas acima de tudo social e econômico, como demonstram justamente os

direitos dos trabalhadores12, isto sem falar na tradição da vinculação dos direitos dos

trabalhadores à noção de direitos sociais, registrada em vários momentos da evolução do

reconhecimento jurídico, na esfera internacional e interna, dos direitos humanos e

fundamentais.

Tais ponderações, embora digam respeito ao universo abrangente e heterogêneo dos

direitos sociais, não respondem por si só a pergunta a respeito de sua fundamentalidade e

sobre o regime jurídico que a esta é inerente. Sem que se pretenda aqui arrolar as diversas

objeções encontradas no seio da doutrina, é preciso, desde logo, afastar qualquer leitura

reducionista, designadamente naquilo em que – equivocadamente – se afirma que sustentamos

uma concepção estritamente formal de direitos fundamentais13. Em primeiro lugar, afirmar

que são fundamentais todos direitos como tais (como direitos fundamentais!) expressamente

12 Para um maior desenvolvimento especialmente do conceito e classificação dos direitos fundamentais sociais,

v., além do nosso “Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988”, in: Ingo Wolfgang Sarlet (Org), Direito público em tempos de crise: estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 140 e ss., bem como alguns desenvolvimentos mais recentes no igualmente nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais,p. 176 e ss.

13 Pelo menos esta a leitura da nossa obra, no nosso sentir manifestamente equivocada neste ponto, realizada por Alceu Maurício Júnior, “Direitos Prestacionais, Concepções de Direitos Fundamentais e Modelos de Estado”, in: Celso Albuquerque Mello e Ricardo Lobo Torres (Dir.), Arquivos de Direitos Humanos vol. 7, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 4 e ss.

consagrados na Constituição não significa que não haja outros direitos fundamentais, até

mesmo pelo fato de que se deve levar a sério a já referida cláusula de abertura (na condição de

norma geral inclusiva14) contida no artigo 5°, § 2°, da Constituição Federal. Vale lembrar,

nesta mesma perspectiva, que sempre – mesmo antes da inclusão do polêmico § 3 ° no artigo

5° da Constituição – defendemos, acompanhando a melhor doutrina15, a hierarquia

constitucional e a fundamentalidade (neste caso “apenas” material, vez que não incorporados

ao texto constitucional) dos direitos humanos consagrados nos tratados internacionais

ratificados pelo Brasil. Que neste ponto ainda há resistências a serem superadas, resulta

evidente, visto que mesmo tendo abandonado – tardiamente - a tese da paridade entre a lei

ordinária e os tratados internacionais (mesmo daqueles versando sobre direitos humanos!), o

nosso Supremo Tribunal Federal segue outorgando aos direitos previstos nos tratados

internacionais hierarquia infraconstitucional (negando-lhes, portanto, a condição de

“verdadeiros” direitos fundamentais), embora já reconheça que tais tratados devam prevalecer

sobre qualquer norma infraconstitucional (legal) interna.

A sustentação da fundamentalidade de todos os direitos assim designados no texto

constitucional (que alcança todo o Título II e, portanto, os direitos sociais do artigo 6° e os

direitos dos trabalhadores), por sua vez, implica reconhecer pelo menos a presunção em favor

da fundamentalidade também material desses direitos e garantias, ainda que possamos ter, a

depender da orientação ideológica ou concepção filosófica professada, boas razões para

questionar tal fundamentalidade. Mesmo para os direitos do Título II (que, reitere-se, não

excluem outros, tanto fundamentais em sentido formal e material, quanto fundamentais em

sentido apenas material) a posição adotada não está dissociada de critérios de ordem material,

já que sem dúvida se cuida de posições que – independentemente de outras razões que possam

justificar a fundamentalidade no plano material e axiológico - já de partida receberam no

momento do pacto constitucional fundante a proteção e força normativa reforçada peculiar

dos direitos fundamentais pela relevância de tais bens jurídicos na perspectiva dos “pais” da

Constituição (o que, aliás, aponta para uma legitimação democrática, procedimental e

deliberativa, mas também substancial!16), decisão esta que não pode pura e simplesmente ser

14 Como bem reforça, reafirmando toda uma tradição doutrinária, Juarez Freitas. A Interpretação Sistemática

do Direito, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005. 15 Aqui remetemos, dentre tantos, ao magistério de Flávia Piovesan, “Reforma do Judiciário e Direitos

Humanos”, in: André Ramos Tavares et al (Coord.), Reforma do Judiciário Analisada e Comentada. São Paulo: Editora Método, 2005, p. 103-105, e, mais recentemente Valério de Oliveira Mazzuoli, “O novo §3o do art. 5o da Constituição e sua Eficácia”, in: Revista da AJURIS – Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul, v. 32 no 98.

16 Discutindo, ainda que não exatamente sob este ângulo, a questão da fundamentação dos direitos sociais como direitos fundamentais pelo prisma democrático (no caso, democrático-deliberativo) v., dentre outros,

desconsiderada pelos que (na condição de poderes constituídos!) devem, por estar diretamente

vinculados, assegurar a esses direitos fundamentais a sua máxima eficácia e efetividade.

Em síntese, firma-se aqui posição em torno da tese de que – pelo menos no âmbito do

sistema de direito constitucional positivo nacional – todos os direitos, tenham sido eles

expressa ou implicitamente positivados, estejam eles sediados no Título II da CF (dos direitos

e garantias fundamentais), estejam localizados em outras partes do texto constitucional ou nos

tratados internacionais regularmente firmados e incorporados pelo Brasil, são direitos

fundamentais17. Como corolário desta decisão em prol da fundamentalidade dos direitos

sociais na ordem constitucional brasileira, e por mais que se possa, e, até mesmo (a depender

das circunstâncias e a partir de uma exegese sistemática, por mais que seja possível

reconhecer eventuais diferenças de tratamento, os direitos sociais – por serem fundamentais -,

comungam do regime da dupla fundamentalidade (formal e material) dos direitos

fundamentais. Aqui, todavia, verificam-se outros problemas e outras resistências, visto que,

no todo ou em parte (mesmo dentre os que aceitam, em princípio, a tese da fundamentalidade

dos direitos sociais) existe tanto quem queira negar aos direitos sociais a aplicação do regime

jurídico pleno assegurado pela Constituição aos direitos fundamentais, quanto quem discuta o

exato conteúdo deste regime, matéria que, aliás, constitui o objeto do próximo segmento.

Cláudio Pereira de Souza Neto. Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa. Um estudo sobre o papel do Direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 225 e ss., sustentando que os direitos sociais são (especialmente no campo do mínimo existencial) condições fundamentais para a democracia. Nesta mesma linha de abordagem (embora uma série de divergências entre o pensamento dos autores referidos e entre esses e a nossa concepção) v., ainda, entre outros, a recente e indispensável coletânea de Marcelo Cattoni (Org). Jurisdição e Hermenêutica Constitucional, Belo Horizonte: Del Rey, 2006 e, por último, a instigante contribuição de Álvaro Ricardo de Souza Cruz. Hermenêutica Jurídica e(m) Debate. O constitucionalismo brasileiro entre a teoria do discurso e a ontologia existencial, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, especialmente o capítulo 7, onde é discutida a questão dos direitos sociais. Como contraponto, professando uma concepção de cunho mais substancialista (adotando aqui a terminologia mais habitual) v. o referencial trabalho de Lenio Luiz Streck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, Rio de Janeiro: Forense, 2004 (especialmente capítulos I a V). Do mesmo autor, já adotando uma postura crítica em relação aos excessos cometidos em nome dos princípios e valores constitucionais, e aderindo em boa parte aos críticos da assim designada ponderação (em especial os já citados Marcelo Cattoni e Àlvaro Cruz), o indispensável Verdade e Consenso, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, assim como José Adércio Leite Sampaio. Direitos Fundamentais, Belo Horizonte: Del Rey, 2004. Embora a nossa resistência às abordagens de cunho prevalentemente procedimental (o que não temos condições de desenvolver aqui), não há como desconsiderar a relevância da discussão produzida no Brasil nos últimos anos a respeito do tema, contribuindo para uma qualificação substancial do debate sobre a legitimidade e fundamentação dos direitos fundamentais e da própria ordem constitucional, a atuação do Poder Judiciário na defesa da Constituição e dos direitos fundamentais, entre outros temas que têm integrado a pauta acadêmica.

17 A respeito da abertura material dos direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira, remete-se ao nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 90 e ss.

3 – A discussão a respeito do regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais

sociais, especialmente sua aplicabilidade e eficácia

Um problema central relacionado com a própria eficácia e efetividade dos direitos

fundamentais sociais é o de estabelecer, no âmbito do marco constitucional brasileiro (e,

portanto, de modo afinado com os limites do nosso direito constitucional positivo), os

contornos do seu (dos direitos sociais) respectivo regime jurídico-constitucional, o qual, além

do que expressamente – e implicitamente - foi estabelecido pelo Constituinte, tem sido objeto

de fecundo – mas amplamente controverso - desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial.

Dados os limites deste ensaio e para que possamos tecer algumas considerações a

respeito e avaliar, pelo menos, alguns dos principais argumentos manejados pelos que se opõe

aos direitos sociais e lhes querem atribuir um regime jurídico mais débil em relação aos assim

– tradicionalmente - designados direitos individuais (ou direitos civis e políticos como

preferem outros), é preciso relembrar que os direitos fundamentais somente podem ser

considerados verdadeiramente fundamentais quando e na medida em que lhes é reconhecido

(e assegurado) um regime jurídico privilegiado no contexto da arquitetura constitucional.

Neste sentido, acabou sendo incorporada ao discurso constitucional brasileiro, até mesmo

pelo fato de que o direito constitucional positivo assim o exige, a conhecida formulação de

Robert Alexy ao enfatizar que os direitos fundamentais são posições jurídicas a tal ponto

relevantes que o seu reconhecimento não pode ser pura e simplesmente colocado plenamente

à disposição das maiorias parlamentares simples18. Também por esta razão, os direitos

fundamentais – para que tenham assegurada uma posição preferencial e privilegiada – devem

estar blindados contra uma supressão ou um esvaziamento arbitrário por parte dos órgãos

estatais, em outras palavras, pelos poderes constituídos, além de terem sua normatividade

plenamente garantida, o que implica o reconhecimento de uma dupla fundamentalidade

formal e material19. Alinhando-se à tradição constitucional contemporânea, também a CF de

1988 aderiu a este modelo e, além de inserir – expressa e implicitamente - os direitos

fundamentais no seleto rol das assim designadas “cláusulas pétreas”, tornando-os limites

materiais ao poder de reforma constitucional (artigo 60, § 4º, inciso IV, da CF), afirmou que

18 Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, p. 406. 19 Cf., novamente, Robert Alexy, op. cit., p. 473 e ss.

as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis (artigo

5º, § 1º, da CF)20.

O problema que se coloca é justamente a resistência em relação à aplicação desses

elementos nucleares do regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais aos direitos

sociais. Com efeito, tanto há quem diga que as normas de direitos sociais não se encontram

abrangidas pelo disposto no artigo 5°, § 1°, da CF, quanto quem sustente que os direitos

sociais não operam como limites materiais ao poder de reforma constitucional, por não terem

sido expressamente referidos no artigo 60, § 4°, inciso IV, da C F.

Voltando-nos desde logo ao primeiro aspecto, é possível partir da premissa de que a

despeito da circunstância de que a localização topográfica do dispositivo poderia sugerir uma

aplicação da norma contida no art. 5º, § 1º, da CF apenas aos direitos individuais e coletivos,

o fato é que este argumento não corresponde sequer à expressão literal do dispositivo, visto

que esta utiliza a formulação genérica “normas definidoras de direitos e garantias

fundamentais”, tal como consignada na epígrafe do Título II da CF, revelando que, mesmo

em se procedendo a uma interpretação meramente literal, não há como sustentar, pelo menos

não sem contestação relevante, uma redução do âmbito de aplicação da norma a qualquer das

categorias específicas de direitos fundamentais consagradas em nossa Constituição21. Em

sentido contrário, houve inclusive quem propusesse uma “nova exegese” da norma contida no

art. 5º, § 1º, sustentando a sua necessária interpretação restritiva quanto ao alcance (embora

supostamente “reforçada” quanto à eficácia) já que o Constituinte “disse mais do que o

pretendido”22, advogando, por via de conseqüência, uma interpretação nitidamente inspirada

em um peculiar e manifestamente equivocado “originalismo”, curiosamente ancorado numa

“vontade do Constituinte” presumidamente contrária ao próprio teor literal do dispositivo.

Se optarmos por uma argumentação não embasada numa interpretação de viés

eminentemente literal (textual) será possível verificar que, também uma interpretação

sistemática e teleológica, conduzirá aos mesmos resultados. Neste sentido, percebe-se, desde

logo, que o Constituinte não pretendeu (e nem é legítimo presumir isto!) excluir, os direitos

políticos, de nacionalidade do âmbito do art. 5º, § 1º, de nossa Carta, que, assim como os

direitos sociais, integram o conjunto dos direitos cuja fundamentalidade foi expressamente

afirmada na Constituição. Também não há como sustentar, no direito pátrio, a concepção

20 Neste sentido, de modo um pouco mais desenvolvido, v. o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p.

86 e ss. 21 Cf., para maior desenvolvimento, o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais,, p. 277 e ss. 22 Cf. a posição (e crítica) de João Pedro Gebran Neto, A Aplicação Imediata dos Direitos e Garantias

Individuais São Paulo: RT, 2002, p. 153 e ss.

lusitana (lá expressamente prevista na Constituição) de acordo com a qual a norma que

consagra a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais abrange apenas os direitos,

liberdades e garantias (Título II) que, em princípio, correspondem aos direitos de defesa,

excluindo deste regime reforçado (e não apenas quanto a este aspecto) os direitos econômicos,

sociais e culturais do Título III da Constituição da República Portuguesa23. Parece evidente

que a ausência de uma distinção expressa entre o regime dos direitos sociais e os demais

direitos fundamentais, somada ao texto do § 1° do artigo 5° da CF, ainda mais em face da

circunstância de que os direitos sociais (mas pelo menos os elencados no Título II da CF) são

direitos fundamentais, deve prevalecer sobre uma interpretação notadamente amparada em

critério meramente topográfico. Por estas razões, há como sustentar, a exemplo do que tem

ocorrido no âmbito da doutrina hoje aparentemente majoritária24, a aplicabilidade imediata

(por força do art. 5º, § 1º, de nossa Lei Fundamental) de todas as normas de direitos

fundamentais constantes do Título II da Constituição (artigos. 5º a 17), bem como dos

localizados em outras partes do texto constitucional e nos tratados internacionais. É preciso

enfatizar, que a extensão do regime material da aplicabilidade imediata aos direitos fora do

catálogo não encontra qualquer óbice no texto constitucional, harmonizando, além disso, com

a concepção materialmente aberta dos direitos fundamentais consagrada, entre nós, no art. 5º,

23 O tratamento jurídico diferenciado de ambos os grupos de direitos fundamentais constitui, sem dúvida, um

dos marcos caracterizadores da posição reforçada que os direitos, liberdades e garantias assumiram em relação aos direitos sociais no âmbito do constitucionalismo lusitano. Neste sentido, v., dentre tantos, José Casalta Nabais, “Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa”, in: Boletim do Ministério da Justiça, nº 400 (1990), p. 21 e ss. Este tratamento diferenciado também se pode encontrar na Constituição Espanhola de 1978, na qual a parte significativa dos direitos fundamentais sociais de cunho prestacional está prevista no capítulo dos “principios rectores de la política social y económica”, que, por sua vez, não se encontra ao abrigo do princípio da aplicabilidade imediata dos “derechos y libertades” consagrado no artigo 53.1. Com isto, não se está negando, aos princípios da ordem econômica e social, o caráter jurídico-normativo, já que, de acordo com o artigo 9º, 1, da Constituição Espanhola “Los ciudadanos y los poderes públicos están sujetos a la Constitución y al resto del ordenamiento jurídico”, princípio que se aplica a todas as normas constitucionais. Todavia, reconhece-se – a exemplo do que leciona Francisco Fernández Segado, “La Teoría Jurídica de los Derechos Fundamentales em la Constitución Española de 1978 y su Interpretación por el Tribunal Constitucional”, in: Revista de Informação Legislativa nº 121 (1994), p. 80, que o valor normativo da Constituição “necesita ser modulado en lo concerniente a los principios rectores de la política social y económica.”

24 Neste sentido, além da linha argumentativa proposta já na nossa tese de Doutorado (Die Problematik der sozialen Grundrechte in der brasilianischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz – eine rechtsvergleichende Untersuchung, Frankfurt am Main: Peter Lang, 1997, concluída em 1996), desenvolvida com mais detalhes no nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 277 e ss., v., por exemplo, Flávia Piovesan, Proteção Judicial contra Omissões Legislativas, São Paulo: RT, 1995, p. 90, que sustenta a viabilidade de uma interpretação extensiva da norma que consagra a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. No mesmo sentido, v. também Dimitri Dimoulis, “Dogmática dos Direitos Fundamentais. Conceitos Básicos”, in: Caderno do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba, ano 5, nº 2 (2001), p. 22; e, mais recentemente, o magistério de Clémerson Merlin Cléve, “O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais”, in: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional”, vol. IV, p. 295.

§ 2º, da CF, que aqui não poderá ser analisada25. Da mesma forma, será objeto de

considerações adicionais, logo mais adiante, a exegese imprimida ao artigo 5°, § 1°, da CF, no

que diz com o seu possível papel para a questão da aplicabilidade e eficácia dos direitos

fundamentais, com destaque para os direitos sociais.

Já com relação à inclusão dos direitos fundamentais sociais no elenco dos limites

materiais à reforma constitucional, em se tomando como ponto de partida o enunciado literal

do artigo 60, § 4º, inc. IV, da CF, poder-se-ia afirmar – e, de fato, há quem sustente tal ponto

de vista – que apenas os direitos e garantias individuais do artigo 5º da CF se encontram

blindados contra a atuação do poder de reforma da Constituição. Caso fôssemos nos aferrar a

esta exegese de cunho estritamente literal, teríamos de reconhecer que não apenas os direitos

sociais (artigos 6º a 11), mas também os direitos de nacionalidade (artigos 12 e 13), bem

como os direitos políticos (artigos 14 a 17, com exceção do direito de voto, já previsto no

elenco do inciso IV do § 4° do art. 60) estariam todos excluídos da proteção outorgada pela

norma contida no artigo 60, § 4º, inc. IV, de nossa Lei Fundamental. Aliás, por uma questão

de coerência, até mesmo os direitos coletivos (de expressão coletiva) constantes no rol do

artigo 5º não seriam merecedores desta proteção. Já esta simples constatação indica que tal

interpretação dificilmente poderá prevalecer, pelo menos não na sua versão mais extremada.

Caso assim fosse, alguns dos direitos essenciais de participação política (artigo 14), a

liberdade sindical (artigo 8º) e o direito de greve (artigo 9º), apenas para citar alguns

exemplos, encontrar-se-iam em condição inferior a dos demais direitos fundamentais, não

compartilhando o mesmo regime jurídico reforçado, ao menos não na sua plenitude.

Paradoxalmente, em se levando ao extremo este raciocínio, poder-se-ia até mesmo sustentar

que apenas o mandado de segurança individual, mas não o coletivo, integra as “cláusulas

pétreas”! Neste contexto, foi inclusive sustentado que o termo “direitos e garantias

individuais”, utilizado no artigo 60, § 4º, inciso IV, da CF, não foi reproduzido em nenhum

outro dispositivo da Constituição, razão pela qual mesmo com base numa interpretação literal

não se poderia confundir estes direitos individuais com os direitos individuais e coletivos do

art. 5º de nossa Lei Fundamental.26

Para os que advogam uma interpretação restritiva, abre-se, todavia, alternativa

argumentativa. Com efeito, poder-se-á sustentar, ainda, que a expressão “direitos e garantias

individuais” deve ser interpretada de tal forma, que apenas os direitos fundamentais

25 Sobre o tópico remetemos ao nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 90 e ss. 26 Cf. Maurício Antonio Ribeiro Lopes, Poder Constituinte Reformador: limites e possibilidades da revisão

constitucional brasileira, São Paulo: RT, 1993, p. 182.

equiparáveis aos direitos individuais do artigo 5º podem ser considerados “cláusula pétrea”,

ou mesmo, aos assim designados direitos civis e políticos, de titularidade individual, embora

neste caso a tutela contra a supressão por meio de emendas constitucionais alcançaria também

direitos não previstos no artigo 5°, mas excluiria os direitos sociais. A viabilidade desta

concepção esbarra na difícil tarefa de traçar as distinções entre os direitos individuais e os

não-individuais. Mesmo se considerássemos como individuais apenas os direitos

fundamentais que se caracterizam por sua função defensiva (especialmente os direitos de

liberdade), concepção que corresponde à tradição no direito constitucional pátrio, teríamos de

levar em conta a existência, nos outros capítulos do Título II da nossa Carta, de direitos e

garantias passíveis de serem equiparados aos direitos de defesa, de tal sorte que as liberdades

sociais (direitos sociais como direitos negativos), como é o caso, entre outros, do direito de

greve da liberdade de associação sindical, também se encontrariam ao abrigo das “cláusulas

pétreas”. Também por esta razão, ainda mais à míngua de um regime jurídico diferenciado

expressamente previsto na Constituição, não nos parece possível excluir os direitos sociais do

rol das assim chamadas “cláusulas pétreas”.

No direito constitucional brasileiro, a despeito dos argumentos já colacionados, há

ainda quem sustente que os direitos sociais não podem, em hipótese alguma, integrar as

“cláusulas pétreas” da Constituição pelo fato de não poderem (ao menos na condição de

direitos a prestações) ser equiparados aos direitos de liberdade do artigo 5º. Além disso,

argumenta-se que, se o Constituinte efetivamente tivesse tido a intenção de gravar os direitos

sociais com a vedação da sua abolição, ele o teria feito, ou mencionando expressamente esta

categoria de direitos no artigo 60, § 4º, inc. IV, ou referindo-se de forma genérica a todos os

direitos e garantias fundamentais, mas não apenas aos direitos e garantias individuais.27 Tal

concepção e todas aquelas que lhe podem ser equiparadas esbarram, contudo, nos seguintes

argumentos: a) a Constituição brasileira, diferentemente de outras ordens constitucionais,

como é o caso da já referida Constituição da República Portuguesa, não traça uma genérica e

expressa diferença entre os direitos de liberdade (defesa) e os direitos sociais, inclusive no que

diz com eventual primazia dos primeiros sobre os segundos; b) os partidários de uma exegese

conservadora e restritiva em regra partem da premissa de que todos os direitos sociais podem

ser conceituados como direitos a prestações materiais estatais, quando, em verdade, já se

demonstrou que boa parte dos direitos sociais são equiparáveis, no que diz com sua função

27 Cf., por exemplo, Otávio Bueno Magano, “Revisão Constitucional”, in: Cadernos de Direito Constitucional

e Ciência Política nº 7 (1994), p. 110-1, chegando até mesmo a sustentar não apenas a possibilidade, mas inclusive a necessidade de se excluírem os direitos sociais da Constituição.

precípua e estrutura jurídica, aos direitos de defesa; c) para além disso, relembramos que uma

interpretação que limita o alcance das “cláusulas pétreas” aos direitos fundamentais previstos

no artigo 5º da CF acaba por excluir também os direitos de nacionalidade e os direitos

políticos, que igualmente não foram expressamente previstos no artigo 60, § 4º, inc. IV, de

nossa lei Fundamental.28

Todas estas considerações revelam que apenas por meio de uma interpretação

sistemática se poderá encontrar uma resposta satisfatória no que concerne ao problema da

abrangência do artigo 60, § 4º, inc. IV, da CF. Que uma exegese cingida à expressão literal do

referido dispositivo constitucional não pode prevalecer parece ser evidente. Todavia, a

despeito das considerações precedentes, há que admitir que a inclusão dos direitos sociais (e

demais direitos fundamentais) no rol das “cláusulas pétreas”, em especial no que diz com a

sua justificação à luz do direito constitucional positivo, é questão que merece análise um

pouco mais detida. Já no preâmbulo de nossa Constituição encontramos referência expressa

no sentido de que a garantia dos direitos individuais e sociais, da igualdade e da justiça

constitui objetivo permanente de nosso Estado. Além disso, não há como negligenciar o fato

de que nossa Constituição consagra a idéia de que constituímos um Estado democrático e

social de Direito, o que transparece claramente em boa parte dos princípios fundamentais,

especialmente no art. 1º, incisos I a III, assim como no artigo 3º, incisos I, III e IV. Com base

nestas breves considerações, verifica-se, desde já, a íntima vinculação dos direitos

fundamentais sociais com a concepção de Estado consagrada pela nossa Constituição, sem

olvidar que tanto o princípio do Estado Social quanto os direitos fundamentais sociais,

integram os elementos essenciais, isto é, a identidade de nossa Constituição, razão pela qual já

se sustentou que os direitos sociais (assim como os princípios fundamentais) poderiam ser

considerados – mesmo não estando expressamente previstos no rol das “cláusulas pétreas” –

autênticos limites materiais implícitos à reforma constitucional.29 Poder-se-á argumentar,

ainda, que a expressa previsão de um extenso rol de direitos sociais no título dos direitos

fundamentais seria, na verdade, destituída de sentido, caso o Constituinte, ao mesmo tempo,

lhes tivesse assegurado proteção jurídica diminuída.

28 Não esqueçamos, como oportunamente averbou Celso Lafer, A Reconstrução dos Direitos Humanos, São

Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 146 e ss., que o direito à nacionalidade e o direito à cidadania – este, por sua vez, umbilicalmente ligado ao primeiro, como verdadeiro direito a ter direitos –, fundamentam o vínculo entre o indivíduo e determinado Estado, colocando o primeiro sob a proteção do segundo e de seu ordenamento jurídico, razão pela qual não nos parece aceitável que posição jurídica fundamental de tal relevância venha a ser excluída do âmbito de proteção das “cláusulas pétreas.”

29 Esta a pertinente lição de Raul Machado Horta, “Natureza, Limitações e Tendências da Revisão Constitucional”, in: Revista Brasileira de Estudos Políticos nº 78-79 (1994), p. 14-5.

Para além do exposto, verifica-se que todos os direitos fundamentais consagrados em

nossa Constituição (mesmo os que não integram o Título II) são, na verdade e em última

análise, direitos de titularidade individual, ainda que alguns sejam de expressão coletiva. É o

indivíduo que tem assegurado o direito de voto, assim como é o indivíduo que tem direito à

saúde, assistência social, aposentadoria, etc. Até mesmo o direito a um meio ambiente

saudável e equilibrado (art. 225 da CF), em que pese seu habitual enquadramento entre os

direitos da terceira dimensão, pode ser reconduzido a uma dimensão individual, pois mesmo

um dano ambiental que venha a atingir um grupo dificilmente delimitável de pessoas

(indivíduos) gera um direito à reparação para cada prejudicado. Ainda que não se queira

compartilhar este entendimento, não há como negar que nos encontramos diante de uma

situação de cunho notoriamente excepcional, que em hipótese alguma afasta a regra geral da

titularidade individual da absoluta maioria dos direitos fundamentais. Os direitos e garantias

individuais referidos no artigo 60, § 4º, inc. IV, da nossa Lei Fundamental incluem, portanto,

os direitos sociais e os direitos da nacionalidade e cidadania (direitos políticos)30.

Contestando esta linha argumentativa, Gustavo Costa e Silva, sustenta que a

“dualidade entre direitos “individuais” e “sociais” nada tem a ver com a titularidade,

remetendo, em verdade, à vinculação de uns e outros a diferentes estágios da formação do

ethos do Estado constitucional,” no caso – tal como segue argumentando o autor – na

circunstância de que os direitos individuais estão vinculados ao paradigma do Estado liberal e

individualista, e não ao estado social, de cunho solidário.31 Todavia, ainda que se reconheça a

inteligência da crítica (o autor, de qualquer sorte, acaba reconhecendo que os direitos sociais

integram os limites materiais implícitos), parece-nos que a resposta já foi fornecida,

designadamente quando apontamos para o fato de que não é possível extrair da nossa Carta

Magna um regime diferenciado – no sentido de um regime jurídico próprio – entre os direitos

de liberdade (direitos individuais) e os direitos sociais, mesmo que entre ambos os grupos de

direitos, especialmente entre a sua dimensão negativa e positiva, existam diferenças no que

diz com o seu objeto e função desempenhada na ordem jurídico-constitucional. Além do mais,

em momento algum nos limitamos a colacionar o argumento da titularidade individual de

todos os direitos como fundamento exclusivo de nossa posição, já que esta constitui apenas

uma razão entre outras.

30 Esta a posição que temos sustentado já desde a primeira edição (1998) do nosso A eficácia dos Direitos

Fundamentais, p. 424 e ss. 31 Cf. Gustavo Just da Costa e Silva. Os Limites da Reforma Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.

124 e ss. (citação extraída da p. 129).

Outro argumento utilizado pelos que advogam uma interpretação restritiva das

“cláusulas pétreas” diz com a existência de diversas posições jurídicas constantes no Título II

de nossa Constituição que não são, na verdade, merecedoras do status peculiar aos

“verdadeiros” direitos fundamentais, razão pela qual há quem admita até mesmo a sua

supressão por meio de uma emenda constitucional32, linha argumentativa que guarda ligação

direta com a discussão sobre a própria fundamentalidade dos direitos sociais. Muito embora

não de modo exatamente igual, Oscar Vieira Vilhena, em iluminado ensaio sobre o tema,

prefere trilhar caminho similar, ao sustentar, em síntese, que apenas as cláusulas que designa

de superconstitucionais (isto é, os princípios – incluindo os direitos fundamentais essenciais –

que constituem a reserva de justiça constitucional de um sistema) encontram-se imunes à

supressão pela reforma da Constituição, não advogando, de tal sorte, a exclusão prévia de

qualquer direito ou princípio do elenco dos limites materiais.33 No nosso sentir, em que pese o

cunho sedutor de tal linha argumentativa34, tal tese apenas poderia prevalecer caso

partíssemos da premissa de que existem direitos apenas formalmente fundamentais, e que

estes, justamente por serem fundamentais em sentido meramente formal, poderiam ser

suprimidos da Constituição, o que, consoante já assinalado, não corresponde à concepção

majoritária (que, é preciso reconhecer, nem sempre é, por ser majoritária, a correta!) no

âmbito da doutrina, de acordo com a qual tal distinção (em si já questionável) não afasta a

fundamentalidade do direito e tampouco, pelo menos em termos gerais, infirma as

conseqüências daí decorrentes. De qualquer modo, é de questionar-se a possibilidade de

qualquer um dos poderes constituídos, no mais das vezes o Poder Judiciário, dada sua

prerrogativa de controlar a opção dos demais órgãos estatais, decidir qual direito é, ou não,

formal e materialmente fundamental, decisão esta que, em última análise, importaria numa

afronta à vontade do Poder Constituinte, que, salvo melhor juízo, detém o privilégio de

deliberar sobre o que é, ou não, fundamental. Além disso, correr-se-ia o sério risco de

32 Este o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “Significação e Alcance das Cláusulas Pétreas”,

in: Revista de Direito Administrativo nº 202 (1995), p. 16, que, no entanto, reconhece que o art. 60, § 4º, inc. IV, da nossa Constituição abrange todos os direitos fundamentais, e não apenas os direitos individuais e coletivos do art. 5º.

33 Cf. Oscar Vilhena Vieira, A Constituição e sua Reserva de Justiça, São Paulo: Malheiros, 1999, p. 222 e ss., onde desenvolve seu pensamento, que aqui vai reproduzido em apertadíssima síntese. Registre-se, contudo, que o ilustre jurista não exclui os direitos sociais da proteção contra eventuais reformas, notadamente quando estiverem em causa os direitos sociais básicos, tais como os direitos à alimentação, moradia e educação, já que “essenciais à realização da igualdade e da dignidade entre os cidadãos.” (op. cit., p. 321).

34 Também neste sentido, questionando a tese de que todos os direitos fundamentais do Título II sejam “cláusulas pétreas”, embora privilegiando uma justificativa democrático-deliberativa, o indispensável aporte de Rodrigo Brandão, Direitos Fundamentais, Democracia e Cláusulas Pétreas, Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

eliminar direitos “autenticamente” fundamentais e mesmo direitos previstos no próprio artigo

5° da CF, circunstância que deveria ser suficiente para rechaçar este tipo de argumento.

Por derradeiro, cumpre relembrar que a função precípua das assim denominadas

“cláusulas pétreas” é a de impedir a destruição dos elementos essenciais da Constituição,

encontrando-se, neste sentido, a serviço da preservação da identidade constitucional, formada

justamente pelas decisões fundamentais tomadas pelo Constituinte. Isto se manifesta com

particular agudeza no caso dos direitos fundamentais, já que sua supressão, ainda que

tendencial, implicaria, em boa parte dos casos, simultaneamente uma agressão (em maior ou

menor grau) ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CF). Assim, uma

interpretação restritiva da abrangência do artigo 60, § 4º, inc. IV, da CF não nos parece ser a

melhor solução, ainda mais quando os direitos fundamentais inequivocamente integram o

cerne da nossa ordem constitucional.

Feita a sustentação pelo menos sumária da tese de que os direitos sociais são também

protegidos contra uma supressão (e esvaziamento) por parte do poder de reforma

constitucional, não há como negar que uma interpretação restritiva das “cláusulas pétreas”

tem por objetivo impedir uma petrificação ampla do texto constitucional, impedindo reformas

necessárias. Tal risco (o de uma indesejável galvanização da Constituição) acabou sendo, pelo

menos em termos gerais, afastado pelo próprio Constituinte, ao explicitar (no § 4° do artigo

60), que apenas uma efetiva ou tendencial abolição das decisões fundamentais tomadas pelo

Constituinte se encontra vedada, de tal sorte que, em princípio e sempre preservado o núcleo

essencial do princípio ou direito fundamental em causa, não se vislumbra qualquer obstáculo

à necessária adaptação às exigências de um mundo em constante transformação, temática que

todavia aqui não iremos abordar35. Além disso, a evolução constitucional desde 1988 tem

revelado que, a despeito do grande número de reformas, a amplitude do catálogo dos direitos

fundamentais, mesmo na esfera dos direitos sociais, não tem sido, pelo menos por ora,

submetida a ataques exitosos, visto que, embora se possa falar, aqui e ali, de alguma restrição

merecedora de atenção e crítica, o processo de constante reforma constitucional tem mantido

íntegro o projeto original do Constituinte de 1988, pelo menos no que diz com os direitos

fundamentais sociais.

35 Aqui remetemos ao nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 430 e ss. Sobre o tema, adotando, neste

ponto, posição similar, v. também Rodrigo Brandão, Direitos Fundamentais, Democracia e Cláusulas Pétreas, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 283 e ss., ainda que, notadamente quanto ao fato de nem todos os direitos fundamentais serem “cláusulas pétreas” (segundo o autor ora citado), já termos enfatizado nossa posição divergente.

De outra parte, o reconhecimento de um regime jurídico substancialmente uniforme

(especialmente no concernente à abertura material, aplicabilidade direta e proteção) para a

totalidade dos direitos fundamentais, revela que, entre nós, não há que falar – pelo menos

assim segue sendo o nosso entendimento - numa espécie de “esquizofrenia constitucional”36,

decorrente de um tratamento diferenciado – dicotômico e mesmo conflitante - dos direitos

sociais, no sentido de estarem sujeitos, de forma generalizada, a um regime jurídico distinto e

menos robusto em relação aos demais direitos fundamentais, em particular os assim

designados direitos civis e políticos.

4 – Os direitos sociais como direitos exigíveis: revisitando alguns aspectos ligados à

efetividade dos direitos sociais, em especial, pela via jurisdicional

Embora tenhamos sustentado que também as normas definidoras de direitos sociais

sejam dotadas de aplicabilidade imediata, isto não responde uma série de outras indagações,

especialmente a respeito de quais os limites da vinculação dos órgãos estatais e mesmo dos

particulares aos direitos fundamentais, assim como, em relação ao problema de quais as

posições jurídicas subjetivas exigíveis que podem ser diretamente extraídas da previsão

constitucional de determinado direito social. É precisamente nesta esfera que se situam uma

série de outras importantes e sempre atuais objeções aos direitos sociais, especialmente no

que diz com a sua efetivação37. Certamente é a assim designada “reserva do possível”, que,

por sua vez, diz respeito a uma série de outras “resistências” aos direitos sociais como direitos

subjetivos, que tem sido o pivô da maioria das discussões, que vão desde a delimitação do

conteúdo em si da reserva do possível, até os limites da atuação jurisdicional nesta matéria,

designadamente quando esta esbarra em escassez de recursos, limitações orçamentárias e

obstáculos de outra natureza.

Justamente pelo fato de os direitos sociais na sua condição (como vimos, não

exclusiva!) de direitos a prestações terem por objeto prestações estatais vinculadas

diretamente à destinação, distribuição (e redistribuição), bem como à criação de bens

materiais, aponta-se, com propriedade, para sua dimensão economicamente relevante. Já os

direitos de defesa, por serem, na sua condição de direitos subjetivos, em primeira linha 36 Aqui estamos nos valendo da expressão utilizada por Vasco Pereira da Silva, professor da Universidade de Lisboa, por ocasião de conferência proferida em seminário internacional sobre direitos sociais realizado sob os auspícios da Procuradoria do Município do Rio de Janeiro, em novembro de 2007. 37 Embora não se trate de uma relação exaustiva, vale conferir as bem lembradas objeções colacionadas por José Adércio Sampaio, Direitos Fundamentais. Retórica e Historicidade, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 264 e ss.

dirigidos a uma conduta omissiva (atuando como proibições de intervenção), são geralmente

considerados destituídos desta dimensão econômica, na medida em que o bem jurídico que

protegem (vida, intimidade, liberdade, etc.) pode ser assegurado, na dimensão negativa ora em

destaque – como direito subjetivo exigível em Juízo – independentemente das circunstâncias

econômicas, ou, pelo menos, sem a alocação direta, por força de decisão judicial, de recursos

econômicos para este efeito. De qualquer modo, é preciso que se deixe consignado, que a

referida “irrelevância econômica” dos direitos de defesa (negativos) não dispensa alguns

comentários e esclarecimentos mais detidos. Com efeito, já se fez menção que todos os

direitos fundamentais (inclusive os assim chamados direitos de defesa), na esteira da obra de

Holmes e Sunstein e de acordo com a posição entre nós sustentada por autores como Gustavo

Amaral38 e Flávio Galdino39, são, de certo modo, sempre direitos positivos, no sentido de que

também os direitos de liberdade e os direitos de defesa em geral exigem, para sua tutela e

promoção, um conjunto de medidas positivas por parte do poder público e que sempre

abrangem a alocação significativa de recursos materiais e humanos para sua proteção e

efetivação de uma maneira geral. Assim, não há como negar que todos os direitos

fundamentais podem implicar “um custo”, de tal sorte que esta circunstância não se limita

nem aos direitos sociais na sua dimensão prestacional. Apesar disso, seguimos convictos de

que, para o efeito de se admitir a imediata aplicação pelos órgãos do Poder Judiciário, o “fator

custo” de todos os direitos fundamentais, nunca constituiu um elemento, por si só e de modo

eficiente, impeditivo da efetivação pela via jurisdicional. É exatamente neste sentido que deve

ser tomada a referida “neutralidade” econômico-financeira dos direitos de defesa, visto que a

sua eficácia jurídica (ou seja, a eficácia dos direitos fundamentais na condição de direitos

negativos) e a efetividade, naquilo que depende da possibilidade de efetivação pela via

jurisdicional, não tem sido colocada na dependência da sua possível relevância econômica. Já

no que diz com os direitos sociais a prestações, seu “custo” assume especial relevância no

âmbito de sua eficácia e efetivação40, significando, pelo menos para grande parte da doutrina,

que a efetiva realização das prestações reclamadas não é possível sem que se aloque algum

recurso, dependendo, em última análise, da conjuntura econômica, já que aqui está em causa a

possibilidade de os órgãos jurisdicionais imporem ao poder público a satisfação das

prestações reclamadas.

38 Cf. Gustavo Amaral. Direito, Escassez & Escolha, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 69 e ss. 39 Cf. Flávio Galdino, Introdução à Teoria do Custo dos Direitos: direitos não nascem em árvores, Rio de

Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 147 e ss. 40 Neste sentido também, entre outros e por último, Virgílio Afonso da Silva, in: Direitos Sociais, op. cit., p. 591 e ss.

Por outro lado, se a regra da relevância econômica dos direitos sociais na condição de

direitos a prestações pode ser aceita sem maiores reservas, há que questionar, todavia, se

efetivamente todos os direitos desta natureza apresentam dimensão econômica relevante,

havendo, neste contexto, quem sustente a existência de exceções, apontado para direitos

sociais a prestações economicamente neutros (não implicam a alocação de recursos para sua

implementação), no sentido de que há prestações materiais condicionadas ao pagamento de

taxas e tarifas públicas41, além de outras que se restringem ao acesso aos recursos já

disponíveis. É preciso observar, contudo, que, mesmo nas situações apontadas, ressalta uma

repercussão econômica ao menos indireta, uma vez que até o já disponível resultou da

alocação e aplicação de recursos, sejam materiais, humanos ou financeiros em geral, oriundos,

em regra, da receita tributária e outras formas de arrecadação do Estado.

Diretamente vinculada a esta característica dos direitos fundamentais sociais a

prestações está a problemática da efetiva disponibilidade do seu objeto, isto é, se o

destinatário da norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada (isto é, de

prestar o que a norma lhe impõe seja prestado), encontrando-se, portanto, na dependência da

real existência dos meios para cumprir com sua obrigação42. Já há tempo se averbou que o

Estado dispõe apenas de limitada capacidade de dispor sobre o objeto das prestações

reconhecidas pelas normas definidoras de direitos fundamentais sociais43, de tal sorte que a

limitação dos recursos, segundo alguns, opera como autêntico limite fático à efetivação desses

41 Cf. Dietrich Murswiek, “Grundrechte als Teilhaberechte, soziale Grundrechte” in: J. Isensee-P. Kirchhof

(Org.). Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland, vol. V, p. 254. 42 Assim, entre nós, sem pretensão de esgotar as referências, José Reinaldo de Lima Lopes, “Direito Subjetivo e

Direitos Sociais: O Dilema do Judiciário no Estado Social de Direito” in: José Eduardo Faria (Org.) Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, São Paulo: Malheiros, 1994, p. 131. No mesmo sentido, v. Gilmar Ferreira Mendes, “A Doutrina Constitucional e o Controle de Constitucionalidade como Garantia da Cidadania – Necessidade de Desenvolvimento de Novas Técnicas de Decisão: Possibilidade da Declaração de Inconstitucionalidade sem a Pronúncia de Nulidade no Direito Brasileiro” in: Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas nº 3 (1993), p. 28, ressaltando que a efetividade dos direitos sociais se encontra na dependência da atual disponibilidade de recursos por parte do destinatário da pretensão. Também Andreas Krell, “Controle Judicial dos Serviços Públicos Básicos na Base dos Direitos Fundamentais Sociais” in: Ingo Wolfgang Sarlet (Org.). A Constituição Concretizada – Construindo Pontes para o Público e o Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 40 e ss., aceita esta dependência dos direitos sociais prestacionais da existência de recursos para sua efetivação, sem, contudo, negar-lhes eficácia e efetividade. Sobre o tema, v., ainda e dentre tantos (como é o caso das obras de Gustavo Amaral e Flávio Galdino, já referidas, além das contribuições de Ana Paula Barcellos e Ricardo Lobo Torres sobre o tema, igualmente citadas neste artigo), a recente coletânea de Ingo Wolfgang Sarlet e Luciano Benetti Timm (Org), Direitos Fundamentais, Orçamento e “Reserva do Possível”, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, contendo um representativo conjunto de ensaios a respeito do tema. Por último, confira-se a indispensável e já referida coletânea sobre os direitos sociais (Editora Lumen Juris, 2008) coordenada por Cláudio Pereira Souza Neto e Daniel Sarmento.

43 Cf. Georg Brunner, “Die Problematik der sozialen Grundrechte” in: Recht und Staat Nr. 404-405, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), Tübingen, 1971, p. 14 e ss.

direitos44. Distinta (embora conexa) da disponibilidade efetiva dos recursos, ou seja, da

possibilidade material de disposição, situa-se a problemática ligada à possibilidade jurídica de

disposição, já que o Estado (assim como o destinatário em geral) também deve ter a

capacidade jurídica, em outras palavras, o poder de dispor, sem o qual de nada lhe adiantam

os recursos existentes45. Encontramo-nos, portanto, diante de duas facetas diversas, porém

intimamente entrelaçadas, que caracterizam os direitos fundamentais sociais prestacionais. É

justamente em virtude destes aspectos que se passou a sustentar a colocação dos direitos

sociais a prestações sob o que se convencionou designar de uma “reserva do possível”, que,

compreendida em sentido amplo, abrange mais do que a ausência de recursos materiais

propriamente ditos indispensáveis à realização dos direitos na sua dimensão positiva46.

A utilização da expressão “reserva do possível” tem, ao que se sabe, origem na

Alemanha, especialmente a partir do início dos anos de 197047. De acordo com a noção de

reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a

reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais

dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir disso, a “reserva do

possível” (Der Vorbehalt des Möglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária,

quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a idéia de que os direitos sociais a

prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do

Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões

governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público48. Tais noções foram

acolhidas e desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha,

que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao

ensino superior, firmou entendimento no sentido de que a prestação reclamada deve

corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Com efeito, 44 Esta, dentre outros, a lição de Christian Starck, “Staatliche Organisation und Staatliche Finanzierung als

Hilfen zu Grundrechtsverwirklichungen?” in: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz aus Anla des 25 jährigen Bestehens des Bundesverfassungsgerichts, vol. II, Tübingen: J. C. Mohr (Paul Siebeck), 1976, p. 518.

45 A este respeito, v. também Georg Brunner, op. cit., p. 16. Entre nós, tal dimensão cresce em relevo se levarmos em conta o problema da repartição de competência no âmbito do Estado Federal e, acima de tudo, na repartição das receitas tributárias e sua afetação e aplicação, temática que aqui não há como desenvolver e da qual se tem ocupado consistente doutrina, com destaque para as recentes coletâneas sobre os Direitos Fundamentais, Orçamento e Reserva do Possível, organizada por Ingo Sarlet e Luciano Timm, e sobre os Direitos Sociais,coordenada por Cláudio Souza Neto e Daniel Sarmento, ambas já referidas.

46 Nesse sentido, acompanhando o nosso pensamento, mas com especial atenção ao direito à saúde, v. recente contribuição de Mariana Filchtiner Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 131 e ss. Por último, igualmente seguindo esta linha, v. Daniel Sarmento, “A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Éticos e Jurídicos”, in: Direitos Sociais, p. 569 e ss.

47 Joaquim José Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1999, p. 108.

48 Andreas Krell, op. cit., p. 52.

mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar

em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável49. Assim,

poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social

a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos

suficientes para seu sustento. O que, contudo, corresponde ao razoável também depende – de

acordo com a decisão referida e boa parte da doutrina alemã – da ponderação por parte do

legislador50.

A partir do exposto, há como sustentar que a assim designada reserva do possível,

especialmente se compreendida em sentido mais amplo, apresenta pelo menos uma dimensão

tríplice, que abrange a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos

direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que

guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias,

orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama

equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional

federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações

sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em

especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade. Todos

os aspectos referidos guardam vínculo estreito entre si e com outros princípios constitucionais

(por exemplo, os da igualdade e subsidiariedade), exigindo, além disso, um equacionamento

sistemático e constitucionalmente adequado, para que, na perspectiva do princípio da máxima

eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, possam servir não como barreira

instransponível, mas inclusive como ferramental para a garantia também dos direitos sociais

de cunho prestacional.

Por outro lado, não nos parece correta a afirmação de que a reserva do possível seja

elemento integrante dos direitos fundamentais51, como se fosse parte do seu núcleo essencial

ou mesmo como se estivesse enquadrada no âmbito do que se convencionou denominar de

49 Cf. BVerfGE 33, 303 (333). 50 Esta a ponderação de Dietrich Wiegand, “Sozialstaatsklausel und soziale Teilhaberechte” in: DVBL 1974, p.

657. 51 Neste sentido, pelo menos, a recente afirmação de Jairo Schäfer, Classificação dos Direitos Fundamentais:

do Sistema Geracional ao Sistema Unitário – uma Proposta de Compreensão, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 67. Nas palavras do autor, a reserva do possível “é um elemento que se integra a todos os direitos fundamentais”. Em verdade, o próprio autor – na esteira da doutrina precedente – reconhece na reserva do possível uma condicionante jurídica ou concreta à efetivação dos direitos, de tal sorte que, a despeito da contradição, resulta claro que o autor vislumbra na reserva do possível um limite fático e jurídico que incide, em princípio, em relação a todos os direitos fundamentais.

limites imanentes dos direitos fundamentais52. A reserva do possível constitui, em verdade

(considerada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e fático dos direitos

fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos

direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflito de direitos, quando se cuidar da

invocação – desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo

existencial em relação a todos os direitos fundamentais – da indisponibilidade de recursos

com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental53.

Neste contexto, há quem sustente que, por estar em causa uma verdadeira opção

quanto à afetação material dos recursos, também há de ser tomada uma decisão sobre a

aplicação destes, que, por sua vez, depende da conjuntura socioeconômica global, partindo-se,

neste sentido, da premissa de que a Constituição não oferece, ela mesma, os critérios para esta

decisão, deixando-a a cargo dos órgãos políticos (de modo especial ao legislador)

competentes para a definição das linhas gerais das políticas na esfera socioeconômica54. É

justamente por esta razão que a realização dos direitos sociais na sua condição de direitos

subjetivos a prestações – de acordo com oportuna lição de Gomes Canotilho – costuma ser

encarada como sendo sempre também um autêntico problema em termos de competências

constitucionais, pois, segundo averba o autor referido, “ao legislador compete, dentro das

reservas orçamentais, dos planos económicos e financeiros, das condições sociais e

económicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, económicos e

culturais”55.

Como dá conta a problemática posta pelos que apontam para um “custo dos direitos”

(por sua vez, indissociável da assim designada “reserva do possível”), a crise de efetividade

vivenciada com cada vez maior agudeza pelos direitos fundamentais de todas as dimensões

está diretamente conectada com a maior ou menor carência de recursos disponíveis para o

atendimento das demandas em termos de políticas sociais. Com efeito, quanto mais diminuta

a disponibilidade de recursos, mais se impõe uma deliberação responsável a respeito de sua

destinação, o que nos remete diretamente à necessidade de buscarmos o aprimoramento dos

52 Sobre os assim chamados limites imanentes dos direitos fundamentais v., entre nós, especialmente Jane Reis Gonçalves Pereira, Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 131 e ss., assim como, por último, Virgílio Afonso da Silva, “O Conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais”, Revista de Direito do Estado, Ano 1, n. 4, out/dez 2006, p. 23-52, síntese da sua impactante tese de titularidade apresentada na USP, em vias de ser publicada. 53 Cf. o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, especialmente p. 364 e ss. 54 Neste sentido, posiciona-se José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais, p. 200 e ss. 55 Cf. Joaquim José Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra: Coimbra

Editora, 1982, p. 369.

mecanismos de gestão democrática do orçamento público56, assim como do próprio processo

de administração das políticas públicas em geral, seja no plano da atuação do legislador, seja

na esfera administrativa, como bem destaca Rogério Gesta Leal57, o que também diz respeito

à ampliação do acesso à justiça como direito a ter direitos capazes de serem efetivados e, além

disso, envolve a discussão em torno da necessidade de evitar interpretações excessivamente

restritivas no que diz com a legitimação do Ministério Público e das organizações sociais para

atuar na esfera da efetivação também dos direitos sociais58. Neste contexto, é de saudar a

doutrina que, desde que ressalvada a possibilidade de uma tutela individual, tem advogado

um maior investimento e até mesmo uma preferência da tutela coletiva, com o intuito de

reduzir os diversos efeitos colaterais (os excessos e inconsistências dos quais nos fala Luís

Roberto Barroso59), resultantes especialmente da litigância individual descontrolada em

matéria de prestações sociais, assegurando, por esta via (da ação coletiva) um tratamento mais

isonômico e racional, além de evitar ao máximo o casuísmo, a insegurança, que implicam

impacto sobre o sistema de políticas públicas, nem sempre compatível com o objetivo de

assegurar a máxima efetividade dos direitos fundamentais para a maior parte das pessoas60.

Além disso, assume caráter emergencial uma crescente conscientização por parte dos

órgãos do Poder Judiciário, de que não apenas podem como devem zelar pela efetivação dos

direitos fundamentais sociais, mas que, ao fazê-lo, haverão de obrar com máxima cautela e

responsabilidade, seja ao concederem (seja quando negarem) um direito subjetivo a

determinada prestação social, ou mesmo quando declararem a inconstitucionalidade de

56 Sobre a participação democrática, e de modo geral, o controle social do orçamento público e da atuação do

poder público na consecução das metas constitucionalmente fixadas, v., entre nós e dentro outros, o instigante ensaio de Fernando Facury Scaff, “Controle Público e Social da Atividade Econômica”, in: Anais da XVII Conferência Nacional da OAB, vol. I, Rio de Janeiro, 1999, p. 925-941, bem como, mais recentemente, a monografia de Adriana da Costa Ricardo Schier, A Participação Popular na Administração Pública: o Direito de Reclamação, Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

57 Cf. Rogério Gesta Leal, Estado, Administração Pública e Sociedade: Novos Paradigmas, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, especialmente p. 57 e ss., cuidando do tema à luz da teoria discursiva e da concepção de uma democracia deliberativo-procedimental de matriz Habermasiana.

58 Sobre o tópico, designadamente a respeito da atuação do Ministério Público nesta seara, v., entre outros, o recente estudo de Pedro Rui da Fontoura Porto, Direitos Fundamentais Sociais. Considerações acerca da legitimidade política e processual do Ministério Público e do sistema de justiça para sua tutela, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

59 Cf. Luís Roberto Barroso, “Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial”, in: Direitos Sociais, p. 876. 60 No mesmo sentido, além da contribuição de Luís Roberto Barroso, já citada, os aportes de Ana Paula Barcellos, “O direito a prestações de saúde: complexidades, mínimo existencial e o valor das abordagens coletiva e abstrata”, in: Direitos Sociais, p. 815 e ss.; Daniel Sarmento, “A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-jurídicos”, in: Direitos Sociais, p. 883 e ss.; Cláudio Pereira Souza Neto, “ A justiciabilidade dos direitos sociais: críticas e parâmetros”, in: Direitos Sociais, p. 543-44; Virgílio Afonso da Silva, “O Judiciário e as Políticas Públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais”, in: Direitos Sociais, p. 597 e ss., embora este último adote posicionamento ainda mais restritivo em relação às demandas individuais.

alguma medida estatal com base na alegação de uma violação de direitos sociais, sem que tal

postura, como já esperamos ter logrado fundamentar, venha a implicar necessariamente uma

violação do princípio democrático e do princípio da separação dos Poderes. Neste sentido (e

desde que assegurada atuação dos órgãos jurisdicionais, quando e na medida do necessário)

efetivamente há que dar razão a Holmes e Sunstein quando afirmam que levar direitos a sério

(especialmente pelo prisma da eficácia e efetividade) é sempre também levar a sério o

problema da escassez61. Parece-nos oportuno apontar aqui (mesmo sem condições de

desenvolver o ponto) que os princípios da moralidade e eficiência62, mas também os

correlatos princípios (e deveres) de publicidade e transparência63, que direcionam a atuação da

administração pública em geral, assumem um papel de destaque nesta discussão, notadamente

quando se cuida de administrar a escassez de recursos e potencializar a efetividade dos

direitos sociais.

Neste contexto, dada a íntima conexão desta problemática com a discussão em torno

da assim designada “reserva do possível” na condição de limite fático e jurídico à efetivação

judicial (e até mesmo política) de direitos fundamentais – e não apenas dos direitos sociais,

consoante já frisado – vale destacar que também resta abrangida na obrigação de todos os

órgãos estatais e agentes políticos a tarefa de maximizar os recursos e minimizar o impacto da

reserva do possível. Isso significa, em primeira linha, que se a reserva do possível há de ser

encarada com reservas64, também é certo que as limitações vinculadas à reserva do possível

não são, em si mesmas, necessariamente uma falácia. O que tem sido, de fato, falaciosa, é a

forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nós como

argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no

campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho social. Assim, levar a

61 Cf. Stephen Holmes e Cass Sunstein, The Cost of Rights. Why Liberty Depends on Taxes, New York –

London: W. W. Norton & Company, 1999, p. 94 (“Taking rights seriously means taking scarcity seriously”), bem como, de modo geral, p. 87 e ss., onde os autores demonstram como a escassez afeta as liberdades e discutem o papel do Poder Judiciário na imposição de encargos ao poder público notadamente no que diz com a alocação dos recursos. Entre nós, embora não se esteja aqui a aderir (assim como no caso de Holmes & Sunstein) às conclusões dos autores, vale conferir, dentre tantas, as obras já referidas de Gustavo Amaral, Direito, Escassez & Escolha e de Flávio Galdino, Introdução à Teoria do Custo dos Direitos, mas também, a recente coletânea por nós organizada em parceria com Luciano Benetti Timm (Direitos Fundamentais, Orçamento e “Reserva do Possível”), igualmente já referida.

62 A respeito da relevância e da operatividade do princípio da eficiência no campo da efetivação de direitos fundamentais, notadamente dos direitos sociais, v., entre outros, Flávio Galdino, Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos, p. 255 e ss., ainda que se possa discordar do autor no que diz com alguns aspectos de sua proposta teórica, o que aqui não será objeto de desenvolvimento.

63 Aqui assumem especial relevo os deveres de informação e o correlato direito do cidadão às prestações (informações) correspondentes, bem apontado especialmente por Ana Paula Barcellos no seu artigo que integra a presente coletânea. 64 Cf. a oportuna advertência de Juarez Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, 3ª ed., São Paulo:

Malheiros, 2002, p. 211.

sério a “reserva do possível” (e ela deve ser levada a sério, embora sempre com as devidas

reservas) significa também, especialmente – mas não exclusivamente! - em face do sentido do

disposto no artigo 5º, § 1º, da CF, que cabe ao poder público o ônus da comprovação da falta

efetiva dos recursos indispensáveis à satisfação dos direitos a prestações, assim como da

eficiente aplicação dos mesmos65. Por outro lado, para além do fato de que o critério do

mínimo existencial – como parâmetro do reconhecimento de direitos subjetivos a prestações –

por si só já contribui para a “produtividade” da reserva do possível66, há que explorar outras

possibilidades disponíveis na nossa ordem jurídica e que, somadas e bem utilizadas,

certamente haverão de reduzir de modo expressivo, se não até mesmo neutralizar, o seu

impacto, inclusive no que diz com prestações que transcendam a garantia do mínimo

existencial.

Neste contexto, também assume relevo o já referido princípio da proporcionalidade,

que deverá presidir a atuação dos órgãos estatais e dos particulares, seja quando exercem

função tipicamente estatal, mesmo que de forma delegada (com destaque para a prestação de

serviços públicos)67 seja aos particulares de um modo geral68. Além disso, nunca é demais

recordar que a proporcionalidade haverá de incidir na sua dupla dimensão como proibição do

65 Neste sentido v. também, igualmente passando a trilhar esta linha de pensamento, Cláudio Pereira de Souza Neto, “A justiciabilidade dos Direitos Sociais: Críticas e Parâmetros”, in: Direitos Sociais, p. 545, assim como Daniel Sarmento, in: Direitos Sociais, op. cit., p. 66 Enfatizando que não há como ignorar a contingência da limitação de recursos, mas relativizando a sua

incidência no campo do mínimo existencial, além de apontar para a necessidade de priorização das destinações orçamentárias, v., mais uma vez, Ana Paula de Barcellos, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, especialmente p. 236 e ss.

67 Sem que aqui se possa discorrer sobre a natureza, função e mesmo o controle da prestação de serviços públicos com base nos direitos fundamentais, registra-se ser no mínimo questionável a afirmação de que, embora os serviços públicos sejam essenciais ao exercício de alguns direitos fundamentais, não há um direito de acesso aos serviços públicos, como parece afirmar Alexandre Santos de Aragão, “Serviços Públicos e Direitos Fundamentais”, in: Daniel Sarmento; Flávio Galdino (org.). Direitos Fundamentais: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 3. Com efeito, considerando-se que a prestação de serviços públicos, especialmente os enquadráveis como essenciais (sendo, de qualquer sorte, discutível a existência de serviço não essencial no contexto do Estado social e democrático de Direito na sua feição atual), diz diretamente com a efetiva fruição dos direitos fundamentais na sua dupla dimensão negativa e positiva (basta recordar os exemplos da segurança pública, do acesso à justiça, do saneamento básico, do fornecimento de energia, bem como das prestações em matéria de educação e de saúde, entre tantos outros) no mínimo haveria de se reconhecer um direito fundamental a todos os serviços públicos essenciais. De todo o modo, a despeito da divergência apontada, o próprio autor referido, em seu importante e culto ensaio, não deixa de enfatizar que o “fundamento último da qualificação jurídica de determinada atividade como serviço público é ser pressuposto da coesão social e geográfica de determinado país e da dignidade dos seus cidadãos” (op. cit., p. 2).

68 Sobre o tema, especialmente no que diz com os direitos fundamentais sociais, v. especialmente Daniel Sarmento, Direitos Fundamentais e Relações Privadas, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.332 e ss., e, por último, Ingo Wolfgang Sarlet, “Direitos Fundamentais Sociais, Mínimo Existencial e Direito Privado”, in: Revista de Direito do Consumidor n° 61, janeiro-março de 2007, p. 90 e ss.

excesso e de insuficiência69, além de, nesta dupla acepção, atuar sempre como parâmetro

necessário de controle dos atos do poder público, inclusive dos órgãos jurisdicionais,

igualmente vinculados pelo dever de proteção e efetivação dos direitos fundamentais. Isto

significa, em apertadíssima síntese, que os responsáveis pela efetivação de direitos

fundamentais, inclusive e especialmente no caso dos direitos sociais, onde a insuficiência de

proteção e promoção70 (em virtude da omissão plena ou parcial do legislador e administrador)

causa impacto mais direto e expressivo, deverão observar os critérios parciais da adequação

(aptidão do meio no que diz com a consecução da finalidade almejada), necessidade (menor

sacrifício do direito restringido) e da proporcionalidade em sentido estrito (avaliação da

equação custo-benefício – para alguns, da razoabilidade no que diz com a relação entre os

meios e os fins), respeitando sempre o núcleo essencial do(s) direito(s) restringido(s), mas

também não poderão, a pretexto de promover algum direito, desguarnecer a proteção de

outro(s) no sentido de ficar aquém de um patamar minimamente eficiente de realização e de

garantia do direito. Neste contexto, vale o registro de que a proibição de insuficiência assume

particular ênfase no plano da dimensão positiva (prestacional) dos direitos fundamentais, o

que remete, por sua vez, à questão do mínimo existencial, que volta a assumir um lugar de

destaque também nesta seara, embora não se possa aqui desenvolver mais tais aspectos71.

Além do mais, convém destacar que aqui se revela possível a aplicação – cautelosa - de

algumas das propostas oriundas da assim chamada análise econômica do Direito (ou Direito e

69 Sobre o ponto, v. especialmente, dentro outros no âmbito da doutrina estrangeira, Claus-Wilhelm Canaris,

Direitos Fundamentais e Direito Privado, Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto, Coimbra: Almedina, 2003, especialmente p. 119 e ss., e, entre nós, Ingo Wolfgang Sarlet, “Constituição e Proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e a proibição de insuficiência”, in: Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 47, mar.-abr. de 2004, p. 60-122; Lenio Luiz Streck, “Da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot): de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais”, in: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica nº 2, 2004, p. 243-284; e, mais recentemente, Luciano Feldens, A Constituição Penal. A Dupla Face da Proporcionalidade no Controle de Normas Penais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 107 e ss., bem como, do mesmo autor, Direitos Fundamentais e Direito Penal, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

70 No que diz com a terminologia adotada (que, no nosso caso, é a de proibição de insuficiência), são várias as opções disponíveis na literatura, como dão conta as contribuições de Joaquim José Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 267 e ss. (proibição por defeito, entre nós adotada por Lenio Luiz Streck, “Da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente...”, p. 243 e ss. e Luciano Feldens, A Constituição Penal..., p. 108 e ss., que fala em proteção deficiente, e Juarez Freitas, O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 38 e ss. (proibição de inoperância), não sendo o nosso intento adentrar aqui a discussão em torno do tópico. Sobre o tema, v., entre nós, também as referências de Paulo Gilberto Cogo Leivas, Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 76, destacando que os órgãos estatais estão obrigados a alcançar limites mínimos de satisfação dos direitos sociais, bem como, mais recentemente, Walter Claudius Rothenburg, “Princípio da Proporcionalidade”, in: Olavo de Oliveira Neto e Maria Elizabeth Castro Lopes (Org.), Princípios Processuais Civis na Constituição, São Paulo: Elsevier, 2009, p. 309 e ss., bem consignando que se cuida, neste contexto, não de “uma técnica focada no controle das restrições a direitos , mas uma técnica focada no controle da promoção de direitos” (p. 310).

Economia), precisamente no controle da observância dos critérios da proporcionalidade na

sua dupla dimensão, onde não se pode mais justificar, até para que se possa responder às

críticas endereçadas ao mau uso do princípio, a ausência de preocupação, registrada em

muitas decisões judiciais, com as conseqüências do provimento jurisdicional, como se tais

efeitos não pudessem, por sua vez, atingir direitos de terceiros e do próprio titular da

demanda72. Com efeito, aferir a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido

estrito não dispensa considerações vinculadas à realidade – análise do impacto sobre o

sistema de políticas públicas, por exemplo - e não se faz apenas no âmbito de uma análise

“estritamente jurídica”, como se fosse possível, ainda mais neste plano, desvincular questões

de fato e de Direito.

Outra possibilidade, já referida, diz com o controle (que abrange o dever de

aperfeiçoamento, resultante dos deveres de proteção) judicial das opções orçamentárias e da

legislação relativa aos gastos públicos em geral73 (inclusive da que dispõe sobre a

responsabilidade fiscal), já que com isso se poderá, também, minimizar os efeitos da reserva

do possível, notadamente no que diz com sua componente jurídica, tendo em conta a

possibilidade (ainda que manuseada com saudável e necessária cautela) de redirecionar

recursos (ou mesmo suplementá-los) no âmbito dos recursos disponíveis e, importa frisar,

disponibilizáveis. Com efeito, o que se verifica, em muitos casos, é uma inversão hierárquica

tanto em termos jurídico-normativos quanto em termos axiológicos, quando se pretende

bloquear qualquer possibilidade de intervenção neste plano, a ponto de se privilegiar a

72 Sobre este tópico, v., entre outros, os contributos de Thamy Pogrebinschi e Margarida Lacombe, que integram a presente coletânea, mas também os já citados trabalhos monográficos de Gustavo Amaral e Flávio Galdino. 73 Consigna-se que, a despeito de correta a observação de Fernando Facury Scaff, “Reserva do Possível,

Mínimo Existencial e Direitos Humanos”, in: Revista Interesse Público, nº 32, 2005, p. 225, no sentido de que embora tenhamos, na esteira de Alexy, de há muito sustentado a aplicação de um modelo de ponderação na solução concreta dos problemas envolvendo a eficácia e efetividade dos direitos sociais (não apenas, mas com ênfase no mínimo existencial) não tenha, por outro lado, o primeiro autor explorado a questão financeiro-orçamentário, isto não significa que tal aspecto não esteja presente nas digressões tecidas no que diz com eficácia dos direitos fundamentais, até mesmo pelo fato de que se cuida de aspectos inerentes à problemática da reserva do possível (notadamente na sua dimensão jurídica) e nas questões envolvendo o custo dos direitos de um modo geral. Que decisões tomadas em casos concretos – mediante a adequada ponderação – fatalmente, pelo menos em diversas ocasiões – resultam diretamente em afetação do orçamento e das finanças públicas sempre foi evidente, o que não significa – como ora se volta a enfatizar – que não seja o caso de resgatar, ainda que em parte, uma lacuna em termos de maior desenvolvimento deste tópico, que, todavia, reclama – em virtude da miríade de aspectos que suscita – um enfrentamento mais privilegiado do que aqui seria possível, pelo menos neste momento, empreender. Tem razão o autor, todavia, ao sustentar a absoluta necessidade de se investir no aprofundamento da análise sobre a questão do financiamento dos direitos, assim como dos aspectos relativos ao controle da destinação e desvinculação constitucionalmente ilegítima das vinculações orçamentárias (as presentes considerações foram extraídas basicamente de Ingo Wolfgang Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 8ª ed., p. 383).

legislação orçamentária em detrimento de imposições e prioridades constitucionais74 e, o que

é mais grave, prioridades em matéria de efetividade de direitos fundamentais. Tudo está a

demonstrar, portanto e como bem recorda Eros Grau, que a assim designada reserva do

possível “não pode ser reduzida a limite posto pelo orçamento, até porque, se fosse assim, um

direito social sob ‘reserva de cofres cheios’ equivaleria, na prática – como diz José Joaquim

Gomes Canotilho – a nenhuma vinculação jurídica”75. Importa, portanto, que se tenha sempre

em mente, que quem “governa” – pelo menos num Estado Democrático (e sempre

constitucional) de Direito – é a Constituição, de tal sorte que aos poderes constituídos impõe-

se o dever de fidelidade às opções do Constituinte, pelo menos no que diz com seus elementos

essenciais, que sempre serão limites (entre excesso e insuficiência!) da liberdade de

conformação do legislador e da discricionariedade (sempre vinculada) do administrador e dos

órgãos jurisdicionais76. Nesta seara, embora já se tenham verificado expressivos avanços, seja

em termos doutrinários, seja no plano jurisprudencial, há que seguir investindo

significativamente.

Além disso, o eventual impacto da reserva do possível certamente poderá ser, se não

completamente neutralizado, pelo menos minimizado, mediante o controle (também

jurisdicional!) das decisões políticas acerca da alocação de recursos, inclusive no que diz com

a transparência das decisões e a viabilização do controle social sobre a aplicação dos recursos

alocados no âmbito do processo político77. Uma vez que a possibilidade de satisfação dos

direitos reconhecidos pela Constituição (e também na esfera da legislação infraconstitucional)

guarda vinculação com escolhas estratégicas sobre qual a melhor forma de aplicar os recursos

74 Rogério Gesta Leal, “O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas no Brasil: possibilidades materiais”, in:

Ingo Wolfgang Sarlet (Org.), Jurisdição e Direitos Fundamentais, vol. I, Tomo I, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 157 e ss., bem lembra a existência de políticas públicas constitucionais vinculantes.

75 Cf. Eros Roberto Grau, “Realismo e Utopia Constitucional”, in: Fernando Luiz Ximenes Rocha e Filomeno Moraes (Coord.), Direito Constitucional Contemporâneo. Estudos em Homenagem ao Professor Paulo Bonavides, Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 125.

76 Sobre os limites da discricionariedade administrativa na base da Constituição e dos Direitos Fundamentais, para além do já clássico aporte de Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e Controle Jurisdicional, 2ª ed., 8ª tir., São Paulo: Malheiros, 2007, v. em especial os recentes desenvolvimentos de Andreas Krell, Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, Gustavo Binenmbojm, Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, especialmente p. 193 e ss., bem como, por último, Juarez Freitas, Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública, São Paulo: Malheiros, 2007. 77 Nesse sentido, conferir Fábio Konder Comparato, “O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos,

culturais e sociais”. In: Sérgio Sérvulo da Cunha e Eros Roberto Grau (Org.). Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 256/257. Bem destacando e desenvolvendo diversas das questões vinculadas ao controle de políticas públicas e o problema do controle das normas orçamentárias, vale conferir o ensaio de Ana Paula de Barcellos, “Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático”, in: Revista de Direito do Estado, nº 3, jul.-set./2006, p. 17/54.

públicos, tal como recordam Holmes e Sunstein, há, de fato, boas razões de ordem

democrática a indicarem que as decisões sobre quais direitos efetivar (assim como sobre em

que medida se deve fazê-lo!) devam ser feitas do modo mais aberto possível e com a garantia

dos níveis mais efetivos de informação da população, destinatária por excelência das razões e

justificativas que devem sustentar as decisões tanto dos agentes políticos em geral quanto dos

juízes78. De outra parte, não se deve olvidar que uma série de garantias constitucionais, como

é o caso da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF) viabilizam o

acesso ao Judiciário, sempre que haja lesão ou ameaça de lesão a direito, sem que se possa

excluir qualquer direito e, em princípio, qualquer tipo de ameaça de lesão ou lesão, ainda que

veiculada por meio de “políticas públicas”, seja decorrente da falta destas.79

De outra banda, conectado com a reserva do possível e com a distribuição das

competências no campo do sistema estatal, de um modo geral no que diz com os deveres

prestacionais vinculados aos direitos fundamentais, importa mencionar o papel do princípio

da subsidiariedade, cuja operatividade transcende a sua já tradicional importância no âmbito

do sistema federativo, ainda mais quando conectado com o princípio (e dever!) de

solidariedade e a própria dignidade da pessoa humana. Sem que se possa também quanto a

este ponto aprofundar o debate, há que recordar – de acordo com a precisa e oportuna lição de

Jörg Neuner – que o princípio da subsidiariedade assume, numa feição positiva, o significado

de uma imposição de auxílio e, numa acepção negativa, a necessária observância, por parte do

Estado, das peculiaridades das unidades sociais inferiores, não podendo atrair para si as

competências originárias daquelas80. Neste sentido, ainda na esteira de Neuner, o princípio da

subsidiariedade assegura simultaneamente um espaço de liberdade pessoal e fundamenta uma

“primazia da auto-responsabilidade”, que implica, para o indivíduo, um dever de zelar pelo

seu próprio sustento e o de sua família81. Já à luz destas sumárias considerações e a despeito

78 Segue texto original em inglês no qual embasamos, com ajustes, o nosso entendimento: “Because rights

result from strategic choices about how best to deploy public resources, there are good democratic reasons why decisions about which rights to protect, and to what degree, should be made in as open a manner as possible by a citizenry as informed as possible, to whom political officials, including judges, must address their reasonings and justifications”. Stephen Holmes e Cass Sunstein, The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York: W. W. Norton & Company, 1999, p. 227.

79 Por evidente que a temática do controle jurisdicional das políticas públicas aqui não será desenvolvido de forma autônoma, a não ser de modo indireto, já que vinculado a uma série de questões centrais para este ensaio. Assim, para o devido aprofundamento, remetemos o leitor, entre outros, às monografias de Eduardo Appio, Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil, Curitiba: Juruá, 2004; Maria Paula Dallari Bucci, Direito Administrativo e Políticas Públicas, São Paulo: Saraiva, 2006, e, por último, Nagibe de Melo Jorge Neto, O controle jurisdicional das políticas públicas. Concretizando democracia e os direitos sociais fundamentais, Salvador: Editora Podivm, 2008. 80 Cf. Jörg Neuner, “Los Derechos Humanos Sociales”, in: Anuario Iberoamericano de Justicia

Constitucional, n. 9 (2005), p. 254-255. 81 Cf. Jörg Neuner, op. cit., p. 255.

de toda a controvérsia em torno do significado do princípio da subsidiariedade, vislumbra-se

aqui a premente necessidade de valorizar a sua operatividade, designadamente no campo da

distribuição de encargos no âmbito da efetivação de padrões mínimos de justiça social entre

os órgãos estatais e a sociedade, o que não significa necessariamente aderir a uma

fundamentação prevalentemente liberal dos direitos fundamentais e muito menos implica uma

cogente redução dos direitos sociais (especialmente na sua dimensão positiva) à

subsidiariedade, questões que aqui não poderão ser enfrentadas. De outra parte, o princípio (e

dever) da subsidiariedade, compreendido (também) no sentido de uma exigência do exercício

efetivo da autonomia e da cobrança de pelo menos uma co-responsabilidade pessoal (que, por

óbvio, deverá observar os critérios da proporcionalidade e atender às circunstâncias pessoais)

acaba por atuar inclusive na compreensão do próprio conteúdo e significado do princípio da

dignidade da pessoa humana, temática que por si só já demandaria uma investigação

específica e que, de resto, guarda conexão com o princípio da solidariedade. Apenas para

ilustrar as possíveis aplicações na esfera dos direitos sociais, há que referir o exemplo da

possibilidade de impor, em determinadas circunstâncias, até mesmo a cobrança de taxas

(proporcionais e que considerem as reais condições do usuário) na esfera do sistema público

de saúde, no âmbito de uma leitura harmonizada do princípio da universalidade e da

subsidiriedade, tal como já havíamos sugerido82. Igualmente a exigência de demonstração da

efetiva necessidade (hiposuficiência) por parte do autor das demandas judiciais, também já

referida em outra oportunidade, há que ser levada a sério no controle judicial dos pleitos,

especialmente quando individuais83.

No que diz com a atuação do Poder Judiciário, não há como desconsiderar o problema

da sua prudente e responsável auto-limitação funcional (do assim designado judicial self

restraint), que evidentemente deve estar sempre em sintonia com a sua necessária e já

afirmada legitimação para atuar, de modo pró-ativo, no controle dos atos do poder público em

prol da efetivação ótima dos direitos (de todos os direitos) fundamentais84. Que a atuação dos

órgãos jurisdicionais – sempre provocada – não apenas não dispensa, como inclusive exige

uma contribuição efetiva dos demais atores políticos e sociais, como é o caso do Ministério

Público, das agências reguladoras, dos Tribunais de Contas, das organizações sociais de um

modo geral, bem como dos cidadãos individualmente considerados, resulta evidente, mas nem

82 Cf. Ingo W. Sarlet e Mariana F. Figueiredo, “Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações”, in: Direitos Fundamentais & Justiça, Ano 1- N° 1 –Out/Dez. 2007, p. 201 e ss. 83 Cf., novamente, Ingo W.Sarlet e Mariana F. Figueiredo, op.cit., p. 201 e ss. 84 Sobre o tema, v. a imprescindível contribuição de Cláudio Ari Mello, Democracia Constitucional e Direitos

Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

sempre corresponde a uma prática institucional efetiva nesta seara. Da mesma forma,

imprescindível, como bem aponta relevante doutrina, maior investimento na análise do perfil

(e da capacidade) institucional do Poder Judiciário na esfera da promoção da justiça social e,

portanto, a importância de se instaurar um autêntico diálogo interinstitucional85, que, por sua

vez, passa pelo respeito ao princípio e correspondente dever de cooperação. Também neste

contexto assumem relevo os princípios da moralidade e probidade da administração pública,

de tal sorte que – mesmo sem desenvolver o ponto – é possível afirmar que a maximização da

eficácia e efetividade de todos os direitos fundamentais, na sua dupla dimensão defensiva e

prestacional, depende, em parte significativa (e a realidade brasileira bem o demonstra!) da

otimização do direito fundamental a uma boa (e portanto sempre proba e moralmente

vinculada) administração.

Por derradeiro, já nos encaminhando para o fechamento desta etapa e cientes de que

diversos aspectos desafiam maior desenvolvimento (além de outros que sequer foram

tangenciados) reafirmamos aqui o nosso entendimento de que embora o conteúdo

judicialmente exigível dos direitos sociais como direitos a prestações não possa ser limitado à

garantia do mínimo existencial, quando este estiver em causa (e pelo menos nesta esfera) há

que reconhecer aquilo que já se designou de direito subjetivo definitivo a prestações (como

tem sido o caso de Robert Alexy e José Joaquim Gomes Canotilho, entre outros) e, portanto,

plenamente exigível também pela via jurisdicional. As objeções atreladas à reserva do

possível não poderão prevalecer nesta hipótese, exigíveis, portanto, providências que

assegurem, no caso concreto, a prevalência da vida e da dignidade da pessoa, inclusive o

cogente direcionamento ou redirecionamento de prioridades em matéria de alocação de

recursos, pois é disso que no fundo se está a tratar86. Até mesmo a tese de que a reserva do

possível poderia servir de argumento eficiente a afastar a responsabilidade do Estado (por

ação ou omissão, vale dizer!) não nos parece possa ser aceita, ainda mais de modo

85 Neste sentido, v., em especial, discorrendo sobre a ótica da promoção da justiça distributiva por meio da atuação do Poder Judiciário, José Reinaldo Lima Lopes, Direitos Sociais. Teoria e Prática, São Paulo: Método, 2006, especialmente p. 185 e ss., bem como, Gustavo Binenbojm e André Rodrigues Cyrino, “O direito à moradia e a penhorabilidade do bem único do fiador em contratos de locação. Limites à revisão judicial de diagnósticos e prognósticos legislativos”, in: Direitos Sociais, p. 997 e ss., chegando a apontar para uma “virada institucional”. Na mesma linha e contidos na mesma obra coletiva, v., ainda, os já referidos aportes de Luís Roberto Barroso, Daniel Sarmento e Cláudio Pereira Souza Neto. 86 Neste sentido, v. o que sustentamos pelo menos desde a publicação da nossa tese de doutoramento na

Alemanha (Ingo Wolfgang Sarlet, Die Problematik der sozialen Grundrechte in der brasilianischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz: eine rechtsvergleichende Untersuchung, Frankfurt am Main: Peter Lang, 1997) e posteriormente na obra A Eficácia dos Direitos Fundamentais (já referida e com primeira edição de 1998), por último, a enfática e bem fundamentada manifestação de Carlos Alberto Molinaro e Mariângela Guerreiro Milhoranza, “Alcance político da jurisdição no âmbito do direito à saúde”, in: Araken de Assis (coord.), Aspectos polêmicos e atuais dos limites da jurisdição e do direito à saúde, Porto Alegre: Notadez, 2007, p. 220 e ss.

generalizado, na esfera das prestações que inequivocamente dizem com o mínimo existencial.

Que a defesa de um direito subjetivo definitivo na esfera das prestações vinculadas ao mínimo

existencial e a superação da reserva do possível especialmente neste âmbito – aqui retomada

sem maior desenvolvimento – não afasta a necessidade de se discutir uma série de problemas

(parte dos quais já anunciados) e não responde todas as indagações, resulta evidente.

Neste sentido, empreenderemos – no próximo segmento - a tentativa de ilustrar alguns

dos aspectos com base no exemplo do direito à saúde. Por outro lado, antes de prosseguirmos,

consideramos oportuna a referência ao pensamento de Jorge Reis Novais87 ao afirmar que a

reserva do possível (antes de atuar como barreira intransponível à efetivação dos direitos

fundamentais, importa acrescentar!) deve viger como um mandado de otimização da eficácia

e efetividade dos direitos fundamentais, impondo ao Estado o dever fundamental de, tanto

quanto possível, promover as condições ótimas de efetivação da prestação estatal em causa,

preservando, além disso, os níveis de realização já atingidos, o que, por sua vez, aponta para a

necessidade do reconhecimento de uma proibição do retrocesso, ainda mais naquilo que se

está a preservar o mínimo existencial88. Neste contexto, embora aqui não se possa

desenvolver o ponto, já se apontou para uma espécie de entrenchment (entrincheiramento) dos

direitos fundamentais, que, todavia, não inviabiliza ajustes e mesmo restrições, mas opera

como blindagem que objetiva a manutenção de um mínimo em concretude normativa,

notadamente, do assim designado núcleo essencial dos direitos fundamentais, especialmente,

no caso dos direitos sociais, abarcando os níveis de concretização deste núcleo essencial por

parte do legislador89.

5 – Considerações finais

Apesar dos inúmeros aspectos a serem inventariados e discutidos e mesmo

considerando o caráter incompleto e sumário da nossa análise, a evolução constitucional

desde outubro de 1988 revela que, tanto na seara doutrinária quando jurisprudencial, apesar de

87 Jorge Reis Novais. Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa. Coimbra:

Coimbra Editora, 2004, p. 295. 88 Sobre a proteção contra um retrocesso v., Ingo Wolfgang Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p.

442 e ss., bem como a recente coletânea de Christian Courtis (Comp.), Ni un paso atrás. La prohibición de regresividad en materia de derechos sociales, Buenos Aires: Editores del Puerto, 2006. Por último, v. ainda Felipe Derbli, O Princípio da Proibição de Retrocesso Social na Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

89 Sobre o tema, especialmente referindo a figura do entrincheiramento, v. Walber de Moura Agra, A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal. Densificação da Jurisdição Constitucional Brasileira, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 300 e ss.

algumas posições dissonantes, se verifica, em termos gerais, a construção de uma dogmática e

prática jurisdicional comprometida com os direitos sociais fundamentais e a garantia de um

regime jurídico-constitucional compatível.

Tal fenômeno ocorre tanto no que diz respeito ao reconhecimento em si da condição

de verdadeiros direitos fundamentais aos direitos sociais (pelo menos dos assim designados

direitos sociais básicos, ligados ao mínimo existencial, onde parece existir um consenso)

quanto na superação, pelo menos em boa parte, das principais objeções que lhes são

direcionadas, seja no que diz com a sua constitucionalização, seja no concernente a sua

condição de direitos exigíveis. Com efeito, os direitos sociais não apenas têm sido

considerados como dignos de tutela contra intervenções ilegítimas por parte dos poderes

públicos e dos particulares, como têm sido constantemente tratados como direitos subjetivos

e, como tal, judicialmente exigíveis, ainda que se possa controverter a respeito de eventuais

excessos aqui ou acolá, bem como estejam a aumentar em número os que questionam a

legitimidade do Poder Judiciário para impor, em face dos demais órgãos estatais, os direitos

sociais na sua dimensão positiva.

Se, por outro lado, é preciso reconhecer que a previsão de direitos sociais na

Constituição, nem mesmo quando lhes é garantido um regime jurídico qualificado, não é, por

si só, suficiente para assegurar a todos os brasileiros uma vida digna, a fase inaugurada com a

atual Carta Magna tem demonstrado que a tutela constitucional dos direitos sociais como

direitos fundamentais tem sido um fato relevante tanto como pauta permanente de

reivindicações na esfera das políticas públicas, quanto como poderoso instrumento para, na

ausência ou insuficiência daquelas, ou mesmo pela falta de cumprimento das próprias

políticas publicas, propiciar o assim designado empoderamento do cidadão individual e

coletivamente considerado para uma ação concreta, ainda que nem sempre idealmente efetiva

e muitas vezes mais simbólica. Nesta perspectiva, o fato de os direitos sociais serem

considerados autênticos direitos fundamentais e, como tais, levados a sério também na sua

condição de direitos subjetivos, tem também servido para imprimir à noção de cidadania um

novo contorno e conteúdo, potencialmente mais inclusivo e solidário, o que por si só já

justificaria todo o esforço em prol dos direitos sociais e nos serve de alento para seguirmos

aderindo ao bom combate às objeções manifestamente infundadas que lhes seguem sendo

direcionadas.

De outra parte, como já apontado em diversas passagens do texto, embora sem a

pretensão de uma sistematização, percebe-se uma tendência de superação dos extremismos

que marcaram a evolução constitucional brasileira na esfera da eficácia e efetividade dos

direitos sociais. Entre a negação de sua normatividade (considerando-os como sendo previstos

em normas destituídas de aplicabilidade direta) e a tendência de, em nome dos direitos sociais

(e o caso do direito a saúde se revela emblemático) assegurar-se praticamente tudo o que for

reclamado pela via judicial, verifica-se atualmente, embora ainda com maior ênfase na

doutrina, a busca de um equilíbrio possível, apostando em critérios racionais e razoáveis, que

efetivamente possam balizar uma efetividade maior para um maior numero de pessoas. A

constatação de que a consideração dos direitos sociais como direitos exigíveis não transforma

o Poder Judiciário no agente privilegiado do processo, pois não poderá substituir uma ampla e

coerente política dos direitos fundamentais (e não apenas dos direitos sociais), por mais que

seja correta e deva ser endossada, não pode, por seu turno, conduzir ao afastamento dos

direitos sociais do crivo dos Tribunais. O que há de ser discutido e melhor equacionado, é a

forma pela qual há de atuar o Poder Judiciário, visto que este – assim como seus órgãos e

agentes - também se acha vinculado diretamente pelos deveres de proteção dos direitos

fundamentais. Da mesma forma, como foi objeto de várias contribuições citadas neste

trabalho, há que apostar mais no estudo do papel do Poder Legislativo e do Poder Executivo,

assim como nos mecanismos de aperfeiçoamento do controle social em relação às políticas

públicas.

Assim, há como afirmar que um dos principais desafios com os quais nos deparamos

atualmente e o de resgatar as boas (pois nem todas talvez o sejam!) promessas da

modernidade, dentre as quais assume papel de destaque institucionalização e a permanente

“atualidade dos direitos sociais90”, contribuindo para que também as instituições do Estado

Democrático de Direito consagrado pela nossa Constituição, possam, antes tarde do que

nunca, tornar efetivas tais promessas, especialmente naquilo que estas dizem respeito à

implantação de níveis suficientes de justiça social, em outras palavras, à garantia de uma

existência digna (uma vida com qualidade) para todos. Este e um compromisso de todos,

Estado e Sociedade, e o êxito na sua concretização pressupõe a superação das posturas

maniqueístas e fundamentalistas, assim como o abandono do tão difundido jogo do empurra-

empurra, que assola o cenário político nacional, mediante a sua substituição por uma lógica da

cooperação e do diálogo. Com efeito, os direitos sociais e a cidadania merecem este

investimento, para que cada vez mais a comemoração do aniversário da nossa CF não fique

restrita ao ambiente acadêmico e se transforme num símbolo de um genuíno patriotismo

constitucional.

90 Sobre o tópico, v. as ponderações de José Luis Bolzan de Morais, Do Direito Social aos Interesses Transindividuais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 181 e ss.

26/01/2016 Considerações sobre a Autonomia do Processo do Trabalho Lex Doutrina

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Doutrina

Considerações sobre a Autonomia do Processo do TrabalhoAutor:GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa

RESUMO: O objetivo deste texto é analisar a questão da autonomia do processo do trabalho, especialmente em face do

processo civil. Devem ser estudadas as diversas teorias a respeito.

PALAVRASCHAVE: Processo do Trabalho. Autonomia. Direito Processual do Trabalho.

1 Introdução

O exame da autonomia do processo do trabalho envolve aspectos controvertidos na doutrina, com reflexos na jurisprudência.

Tratase de questão relevante não apenas em termos científicos, mas também com desdobramentos no próprio exercício da

jurisdição.

Sendo assim, para que a matéria seja enfrentada de forma adequada, certos aspectos iniciais devem ser considerados, para

que se possa compreender o processo do trabalho conforme inserido não apenas no direito processual e no exercício da

prestação jurisdicional quanto a certas matérias e conflitos, mas também no sistema jurídico como um todo.

Nesse sentido, cabe salientar que o processo do trabalho não é (e não deve ser) a única forma de pacificação de conflitos

sociais trabalhistas. Além disso, para a compreensão do tema, questões relacionadas à abrangência e à natureza jurídica do

processo do trabalho e do correspondente direito também merecerão algumas considerações.

A visão do direito em seu conjunto, no qual se verificam ramos de natureza substancial e processual, também permite verificar a

posição do processo trabalhista no sistema jurídico e na ciência do direito. Com isso, tornase possível fazer referência às

teorias existentes no âmbito doutrinário, no que se refere ao núcleo do tema em estudo, posicionandose quanto à existência da

autonomia em discussão.

A tomada de posição a respeito da matéria permitirá a indicação de algumas perspectivas e sugestões, no sentido de que o

processo do trabalho alcance os objetivos e resultados esperados pela sociedade.

2 Pacificação dos Conflitos Trabalhistas

Os conflitos sociais relativos ao âmbito trabalhista podem ser solucionados por meio de métodos diversos (1).

Nesse sentido, cabe fazer menção, primeiramente, à autodefesa, na qual uma das partes impõe a sua vontade, visando

solucionar o conflito, à outra parte.

No âmbito das relações coletivas de trabalho, a greve é destacada justamente como forma de pressão para que as

reivindicações e interesses dos trabalhadores sejam alcançados. Tratase de direito exercido coletivamente, atualmente

reconhecido como de natureza fundamental. Integra um dos pilares do direito do trabalho, juntamente com a negociação

coletiva de trabalho e o contrato de trabalho, caracterizado pela subordinação, como registra a doutrina de Maria do Rosário

Palma Ramalho (2).

A autocomposição, por sua vez, constitui a linha estrutural do direito do trabalho na atualidade. Nesse âmbito é que se situa, por

exemplo, a negociação coletiva de trabalho, entendida como a principal e mais adequada forma de solução dos conflitos

coletivos trabalhistas.

Por meio do referido procedimento, os atores sociais envolvidos, no exercício da autonomia privada coletiva, celebram

instrumentos normativos negociais, os quais apresentam não apenas eficácia obrigacional, mas também normativa, ao se

aplicar aos contratos individuais abrangidos pelos grupos ali representados.

Mesmo no âmbito das relações individuais de trabalho, tornase possível a pacificação dos conflitos por meio de formas voltadas

à autocomposição, na qual as próprias partes alcançam a melhor solução à questão discutida, ainda que com o auxílio de um

terceiro (como um conciliador ou um mediador).

A heterocomposição, por sua vez, referese à solução do conflito por meio de decisão imposta por um terceiro. Nesse âmbito,

além da jurisdição, como atividade prestada pelo Estado, no exercício de seu poder, para a pacificação social, também pode ser

destacada a arbitragem. Esta última, entretanto, não tem sido aplicada e utilizada com frequência no Brasil, embora exista

previsão constitucional expressa no que se refere à sua compatibilidade em face das relações e dos conflitos coletivos de

trabalho.

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Mesmo na esfera infraconstitucional, há diplomas legais, inclusive relativos ao direito do trabalho, e que a arbitragem é

expressamente admitida. Nesse sentido, podese fazer menção à Lei Orgânica do Ministério Público da União, ao tratar das

atribuições do Ministério Público do Trabalho (LC nº 75/93, art. 83, XI), bem como à Lei nº 10.101/00, que dispõe sobre a

participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa (art. 4º, II e § 1º).

De todo modo, quanto ao tema examinado, relativo à autonomia do processo do trabalho, cabe aqui frisar que a jurisdição,

entendida como poder, função e atividade estatal, voltada à pacificação social, também pode ser exercida no que se refere aos

conflitos trabalhistas.

3 Notas Relativas à Evolução Histórica do Processo

O processo, na atualidade, é entendido como o instrumento por meio do qual a jurisdição é exercida, objetivandose alcançar os

escopos de atuação e aplicação do direito material, alcançandose, assim, a pacificação dos conflitos que ocorrem na vida em

sociedade.

Entretanto, no início da evolução científica quanto ao tema, havia outras concepções relativas ao processo.

Nesse sentido, a doutrina voltada à teoria geral do processo faz menção, primeiramente, à ideia de processo como contrato ou

negócio jurídico, no qual as partes firmavam um pacto concordando com a instauração daquele, conforme se observa no direito

romano. A teoria contratual, entretanto, não mais é admitida, conforme demonstra Oskar von Bülow em sua teoria da relação

jurídica processual, a qual não se confunde com aquela de natureza material. Com isso, ficou claro que o ajuizamento da ação

faz surgir relação jurídica diferenciada, de natureza pública, envolvendo o Estadojuiz, bem como as partes processuais, tendo

como objetivo decidirse a respeito da pretensão formulada. O direito processual, assim, não se confunde com o direito material

(3). Embora outras teorias também tenham sido desenvolvidas, o aspecto estrutural, voltado à distinção da teoria da relaçãojurídica processual em face daquela de natureza material, é mantida, como se verifica em Goldschmidt, ao destacar a diferença

entre ônus e obrigações no processo, e mesmo Elio Fazzalari, ao tratar do processo como procedimento em contraditório (4).

Sendo assim, conforme destacam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, a

chamada fase sincrética do processo, na qual este não era entendido de forma autônoma quanto ao direito material, deu lugar à

fase autonomista, uma vez que a relação jurídica de direito processual é distinta da relação material, externa ao processo (5).

Ademais, na atualidade, destacase a chamada fase da instrumentalidade, no sentido de que o processo, embora autônomo do

direito material, não é um fim em si mesmo, mas deve ser utilizado como instrumento para a aplicação do direito substancial, de

modo a se alcançar, assim, a pacificação social com justiça.

Nessa linha, Chiovenda referese ao processo como instrumento para a atuação concreta do direito objetivo (6), o que éenfatizado pela doutrina atual, aperfeiçoandose o enfoque do processo como instrumento de "acesso à ordem jurídica justa"

(Kazuo Watanabe), de modo a se alcançar os seus diversos escopos, como de natureza política e jurídica (7).

4 Direito Processual do Trabalho: Conceito e Abrangência

Para que se examine a questão da autonomia do processo do trabalho, é relevante, primeiramente, compreender o seu objeto e

alcance.

Conforme acentua a doutrina, o direito processual do trabalho, o qual estabelece a disciplina do processo do trabalho, é o

conjunto de princípios, regras e instituições, que tem como objetivo regular a atividade dos órgãos jurisdicionais, voltada à

solução de dissídios individuais e coletivos pertinentes às relações de trabalho (8).

O processo do trabalho, assim, é o instrumento da jurisdição, em seu exercício voltado aos conflitos trabalhistas, de natureza

individual e coletiva.

Como se nota, quanto à abrangência, o processo do trabalho se estende não apenas aos conflitos decorrentes da relação de

emprego, como a outras relações de trabalho, conforme previsão constitucional e legal (9).

Mesmo no âmbito coletivo, no Brasil, o chamado dissídio coletivo é previsto não apenas em hipóteses de greve e de

interpretação ou aplicação de normas existentes, mas também aos conflitos coletivos de natureza econômica, embora a EC nº

45/04 tenha estabelecido restrições quanto a este último (10), mesmo porque a forma ideal de se solucionar tais controvérsias épor meio da já mencionada negociação coletiva de trabalho (11).

Cabe, ainda, ressaltar que o processo do trabalho, além de disciplinado pelo direito processual do trabalho, é aquele aplicado

nos órgãos que integram a Justiça do Trabalho, no exercício de sua jurisdição, delimitada pela Constituição e pelas leis, ao

estabelecer a sua competência.

5 Natureza Jurídica do Direito Processual do Trabalho

Ainda com o objetivo de melhor compreensão da autonomia do processo do trabalho, cabe examinar a sua natureza jurídica,

bem como o ramo do direito em que está inserido.

O direito, entendido como sistema jurídico (12), apresenta normas de direito material, as quais disciplinam as relações emsociedade, e normas de direito processual, voltadas a regular o exercício da jurisdição. Efetivamente, nem sempre as próprias

partes em conflito alcançam a pacificação apenas com a incidência do direito material, passando a controvérsia a ser objeto de

ação e processo judiciais, visandose à obtenção de decisão que aplique o referido direito material.

O processo do trabalho, assim, está situado na esfera do direito processual, que possui natureza de direito público, justamente

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porque regula a atividade estatal de pacificação jurisdicional dos conflitos (13).

Com isso, já se torna possível confirmar não apenas a autonomia do processo em face do direito material, mas do processo do

trabalho e do respectivo direito processual do trabalho em face do direito material do trabalho.

Nessa linha, o direito do trabalho, ao incidir no campo das relações individuais e coletivas (14), está situado na esfera materialdo ordenamento jurídico. O direito processual do trabalho, por sua vez, ao estabelecer normas voltadas ao processo trabalhista,

em consonância com a visão instrumentalista, deve ter como objetivo a adequada aplicação dos preceitos jurídicos materiais,

em consonância com seus princípios e valores, com destaque justamente às normas de direito material do trabalho.

6 Direito Processual do Trabalho e Processo Trabalhista

Embora se discuta a respeito da referida autonomia no campo processual, devese destacar que o direito, como sistema, é um

só; no entanto, apresenta ramos e segmentos internos, tendo em vista a especialidade da matéria e das questões ali tratadas.

Mesmo quanto à área processual, no qual se verificam o direito processual civil, o direito processual penal e o direito processual

do trabalho, há certos institutos essenciais, bem como princípios constitucionais comuns e objeto de tratamento científico

inseridos na teoria geral do processo.

Nessa linha, os institutos da jurisdição, do processo, da ação e da defesa, em seus aspectos nucleares, incidem no direito

processual como um todo, embora existam peculiaridades e regras próprias em cada um de seus ramos.

Cabe salientar, ainda, o enfoque do direito de ação como direito à tutela jurisdicional. Como ressalta José Roberto dos Santos

Bedaque, ela é "a proteção que se dá a determinado interesse, por via jurisdicional, assegurando direitos ou a integridade da

esfera jurídica de alguém" (15).

Da mesma forma, há princípios constitucionais voltados ao âmbito processual, com aplicação em seus diversos ramos,

podendose destacar os princípios do juiz natural, da inafastabilidade do controle jurisdicional, do contraditório, da ampla defesa

e do devido processo legal (16).

Os referidos mandamentos normativos constitucionais, ademais, apresentam natureza nitidamente fundamental, não apenas

porque formalmente previstos no catálogo de direitos fundamentais (no caso específico, no art. 5º da CF/88), mas porque

voltados a valores essenciais ao ser humano e à vida em sociedade.

Mesmo porque, conforme salientam Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a titularidade de direitos não tem sentido quando não há

mecanismos adequados para a sua efetiva proteção. Com isso, entendese que o "acesso à justiça" é o mais básico dos direitos

humanos (17).

Considerandose as observações acima, cabe registrar a controvérsia relativa à autonomia do processo do trabalho,

especialmente em seu aspecto científico (18).

De acordo com a teoria monista, o direito processual do trabalho é uno, de modo que o processo do trabalho é parte dele

integrante, não tendo, assim, autonomia.

Nesse enfoque, o processo do trabalho não é considerado autônomo do processo civil, mesmo porque os institutos básicos são

os mesmos.

Em linha oposta, as teorias dualistas sustentam a autonomia do processo do trabalho, havendo, no entanto, corrente que

defende ser ela relativa.

Argumentase que a aplicação subsidiária do processo comum, ao âmbito trabalhista, revela não ser este totalmente autônomo,

mas dependente do direito processual civil. O art. 769 da CLT estabelece que, nos casos omissos, o direito processual comum

deve ser aplicado como fonte subsidiária do direito processual do trabalho, quando com este compatível. O art. 889 da CLT, por

sua vez, dispõe que para a execução trabalhista são aplicáveis os dispositivos voltados ao processo dos executivos fiscais da

Fazenda Pública Federal para a cobrança de sua dívida ativa (19). O art. 882 da CLT, ainda relativo à execução trabalhista,estabelece que a ordem preferencial dos bens a serem nomeados à penhora é aquela prevista no art. 655 do CPC.

Como se pode notar, há, realmente, a aplicação subsidiária do direito processual comum no âmbito do processo do trabalho,

quando há omissão deste e compatibilidade das normas processuais civis.

Entretanto, esse aspecto não afasta a autonomia do processo do trabalho, bem como do ramo do direito que o disciplina. Tanto

é assim que no direito material do trabalho, de acordo com o art. 8º, parágrafo único, da CLT, o direito comum é fonte subsidiária,

ou seja, aplicável, havendo omissão daquele, desde que exista compatibilidade com os seus princípios fundamentais. Ainda

assim, é atualmente pacífico que o direito do trabalho é ramo autônomo do direito (20), não estando mais inserido no direito civil,mesmo porque apresenta matéria vasta e diferenciada, aspectos peculiares e princípios próprios.

Portanto, cabe aqui destacar a teoria dualista, ao defender a autonomia total do processo do trabalho. Nesse enfoque, o direito

processual do trabalho, além de ser autônomo do direito material do trabalho, também o é em face do direito processual civil. A

autonomia do processo do trabalho, aqui defendida, entretanto, não significa o seu completo isolamento em face dos demais

ramos do direito.

Como já salientado, o direito processual do trabalho, em seu aspecto instrumental, deve conferir efetividade às normas de direito

material, com destaque àquelas de natureza trabalhista, de modo que o processo cumpra o seu papel de assegurar a aplicação

justa da ordem jurídica, em consonância, ademais, com os preceitos constitucionais, com destaque à promoção e à proteção dos

26/01/2016 Considerações sobre a Autonomia do Processo do Trabalho Lex Doutrina

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direitos humanos e fundamentais incidentes ao âmbito trabalhista.

Da mesma forma, o direito processual do trabalho mantém relação com diversos outros ramos do direito, como o constitucional,

processual civil, internacional público (por exemplo, quanto a questões relacionadas à imunidade de jurisdição) (21), penal(tendo em vista a possibilidade de ocorrer ilícitos penais no curso do processo) e administrativo (ao reger os agentes públicos

que integram a Justiça do Trabalho).

Apesar disso, o processo do trabalho apresenta autonomia, o que fica nítido no aspecto doutrinário, tendo em vista a presença

de obras jurídicas específicas relativas ao tema; no aspecto jurisdicional, uma vez que a Justiça do Trabalho é ramo autônomo

que integra, desde a CF/1946, o Poder Judiciário brasileiro; e mesmo no aspecto científico, ao se verificar a presença de objeto

vasto, permitindo o seu estudo de forma sistemática, de doutrinas homogêneas, voltadas a seus conceitos e desdobramentos,

bem como de institutos peculiares.

Quanto ao aspecto legislativo, no Brasil, não se verifica a existência de um Código de Processo do Trabalho, como ocorre em

outros países, como, por exemplo, em Portugal. Ainda assim, a CLT possui diversas normas pertinentes ao processo do

trabalho, reunidas em diferentes títulos. Além disso, observamse leis próprias, que também regulam o processo do trabalho,

tornando nítida a existência de um conjunto normativo próprio e específico.

Nessa linha, Pedro Romano Martinez ressalta que o processo do trabalho abrange um conjunto de normas de direito objetivo, o

qual tem como finalidade "pôr em prática as peculiaridades práticas da parte substantiva do direito do trabalho" (22).

Ainda de acordo com o autor, as normas relativas ao processo do trabalho apresentam particularidades em face do processo

civil e do processo penal, tendo em vista o direito do trabalho em sua parte substantiva (23).

Ainda assim, cabe esclarecer e reiterar que o processo do trabalho, embora entendido como instrumento do direito material

(com destaque ao direito substantivo do trabalho), com ele também não se confunde; da mesma forma que a relação de direito

material se diferencia da relação de direito processual.

Portanto, sustentase a afirmação do processo do trabalho de forma autônoma em face do processo comum, posição esta

majoritária na atual doutrina, como se observa em Wagner D. Giglio (24), a título de exemplo.

Não obstante, em sentido diverso, para Jorge Luiz Souto Maior, "verificase que o processo do trabalho possui, realmente,

características especiais, mas que são ditadas pelas peculiaridades do direito material que ele instrumentaliza. Esses

pressupostos de instrumentalização, especialização, simplificação, voltados para a efetividade da técnica processual, são

encontrados bastante desenvolvidos na teoria geral do processo civil, razão pela qual, no fundo, há de se reconhecer a

unicidade do processo" (25).

Logo, o processo do trabalho, no entendimento do referido autor, "não é autônomo perante o processo civil, mas possui

características que lhe são bastante peculiares no que se refere a seu procedimento" (26).

7 Processo do Trabalho: Confirmação de sua Autonomia

A posição do direito processual do trabalho no âmbito do direito público, em seu sentido de se voltar à disciplina de atividade

estatal, enfoca a sua autonomia em face do direito material do trabalho, no qual, apesar da existência de normas de ordem

pública, são estabelecidas a disciplina do contrato de trabalho e a promoção da autonomia privada coletiva no âmbito das

relações de grupo.

Sob outro aspecto, o processo do trabalho apresenta singularidades em face do processo civil, que confirmam a sua autonomia

na ciência do direito (27).

Destacamse, quanto ao tema, a tendência à coletivização, com a defesa de direitos metaindividuais trabalhistas, por meio de

ações próprias, a oralidade e a concentração dos atos processuais em audiência, que merecem ênfase no processo laboral, o

mesmo ocorrendo quanto à tentativa de conciliação em juízo.

Ainda nesse sentido, no que tange à sistemática recursal, verificase a ausência, em regra, de efeito suspensivo, bem como

peculiaridades relativas à aplicação e valoração dos meios de prova. Tendo em vista o objetivo de se alcançar a efetiva

realidade dos fatos, no processo do trabalho, a prova testemunhal, muitas vezes, é aquela que permite revelar a efetiva verdade

do ocorrido na relação de direito material em discussão, podendo, assim, afastar a incidência da prova documental.

Os poderes do juiz no processo do trabalho também ganham destaque, visando à célere e justa pacificação do conflito, como se

observa no art. 765 da CLT. Outras peculiaridades podem ser indicadas, como a capacidade postulatória das partes, admitida

ao menos na fase ordinária no processo do trabalho (art. 791 da CLT), conforme entendimento atual da jurisprudência

trabalhista (28).

Mesmo quanto à execução, o processo do trabalho estabelece os títulos judiciais e extrajudiciais admitidos (art. 876 da CLT),

diferenciandose do processo civil.

Notase, ainda, intensa atuação da jurisprudência no âmbito laboral, inclusive no que se refere a questões processuais, o que

fica nítido ao se observar o extenso rol de súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes aprovados pelo TST. O processo

do trabalho, assim, mesmo quanto ao aspecto substancial, apresenta o relevante papel de atualizar o direito aplicado aos casos

concretos, em consonância com a evolução e as necessidades sociais do presente.

Nesse sentido, o chamado direito jurisprudencial, produzido no âmbito do processo, ganha relevância quanto à esfera

trabalhista, por vezes tratando de questões complexas, como a própria subcontratação de serviços ("terceirização") e sua

26/01/2016 Considerações sobre a Autonomia do Processo do Trabalho Lex Doutrina

http://www.lex.com.br/doutrina_25789636_CONSIDERACOES_SOBRE_A_AUTONOMIA_DO_PROCESSO_DO_TRABALHO.aspx 5/7

aplicação às relações de trabalho (Súmula nº 331 do TST) (29).

Logo, fica confirmada a mencionada autonomia do processo do trabalho, inclusive por estar voltado a valores próprios, o que

justifica as suas peculiaridades em face do processo comum.

8 Perspectivas do Processo do Trabalho

A autonomia do processo do trabalho, aqui defendida e demonstrada, não o torna imune a problemas e críticas.

Reconhecese que, na atualidade, a tutela jurisdicional deve ser célere, efetiva (art. 5º, LXXVIII, da CRFB/88) e solucionar o

conflito com justiça, aspectos estes que também devem ser alcançados pelo processo do trabalho.

Entretanto, observamse, no presente, diversos pontos críticos relacionados ao processo do laboral, com destaque à

necessidade de reformas legislativas, mesmo porque o processo civil, por exemplo, no que se refere à execução, passou a

adotar dispositivos que permitem a maior efetividade da decisão judicial (30), o que não foi acompanhado pela legislaçãoprocessual trabalhista.

Sugerese, assim, além da ênfase na reforma e adequação legislativa do processo do trabalho, a maior utilização dos meios

alternativos de solução dos conflitos, com destaque à mediação e à arbitragem, reformulandose os princípios e valores que

nortearam as Comissões de Conciliação Prévia. Ainda como proposta para a efetividade da tutela jurisdicional decorrente do

processo trabalhista, cabe realçar a elaboração de sistema próprio de defesa dos direitos metaindividuais, bem como a

possibilidade de reflexão no que tange à especialização de Varas do Trabalho e Turmas de Tribunais (31), em face doalargamento da competência trabalhista, decorrente da Emenda Constitucional nº 45/04 (32), cujas repercussões ainda nãoestão devidamente definidas pela doutrina e pela jurisprudência.

9 Conclusão

O tema da autonomia do processo do trabalho, apesar de controvertido, é de extrema relevância, pois permite que se insira a

própria jurisdição trabalhista no contexto das formas de solução dos conflitos laborais.

Da mesma forma, autoriza a verificação da natureza jurídica do processo e sua evolução, sendo atualmente entendido como

instrumento de pacificação social com justiça.

O direito processual do trabalho, como ramo autônomo do direito que rege o processo laboral, é justamente aquele aplicado

pela Justiça do Trabalho, no exercício de seu papel constitucional de dar a cada um aquilo que lhe é devido no âmbito das

relações de trabalho.

A natureza de direito público do processo trabalhista, diferenciandose do direito material do trabalho, apesar de inserilo na

esfera do direito processual, não afasta a presença da sua autonomia em face do processo civil e comum.

A presença de vasta matéria, bem como de doutrinas homogêneas e institutos peculiares, demonstra que o processo laboral,

embora mantenha relações com outros ramos do direito, conquistou a autonomia científica. As singularidades que apresenta

confirmam essa conclusão.

A destacada autonomia do processo do trabalho, entretanto, não impede a existência de problemas e críticas, as quais revelam

a necessidade de aprimoramento e adequação de suas normas, bem como da forma de sua aplicação.

O momento, assim, é mais do que propício para o avanço do processo do trabalho, modernizandoo em consonância com os

valores da atualidade.

10 Bibliografia

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SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Direito processual do trabalho: efetividade, acesso à justiça, procedimento oral. São Paulo: LTr,

1998.

Notas

(1)Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 1.3151.318.

(2)Cf. RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Autonomia dogmática do direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2000. p. 708709.

(3)Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 3943. v. 1; GRECOFILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 3035. v. 1.

(4)Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo.11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 279286.

(5)Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo,cit., p. 287292.

(6)Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução da 2. ed. italiana por J. Guimarães Menegale,acompanhada de notas pelo Prof. Enrico Tullio Liebman. São Paulo: Saraiva, 1942. p. 2728. v. 1.

(7)Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 181272.

(8)Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 1920.

(9)Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Competência da justiça do trabalho: da relação de emprego à relação de trabalho. Riode Janeiro: Forense, 2012. passim.

(10)Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 834839.

(11)Cf. SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos humanos na negociação coletiva: teoria e prática jurisprudencial. São Paulo: LTr,2004. p. 151.

(12)Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao estudo do direito: teoria geral do direito. 2. ed. São Paulo: Método, 2013.p. 151154.

(13)Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao estudo do direito: teoria geral do direito, cit., p. 245250.

(14)Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 8.

(15)BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo:Malheiros, 2001. p. 30.

(16)Cf. NERY Jr., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 41.

(17)Cf. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução e revisão: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: SergioAntonio Farbris, 2002. p. 1112.

(18)Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho, cit., p. 2223.

26/01/2016 Considerações sobre a Autonomia do Processo do Trabalho Lex Doutrina

http://www.lex.com.br/doutrina_25789636_CONSIDERACOES_SOBRE_A_AUTONOMIA_DO_PROCESSO_DO_TRABALHO.aspx 7/7

(19)Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 8789.

(20)Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 2224.

(21)Cf. FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Competência internacional da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 1829,57, 7986.

(22)MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2010. p. 1.373.

(23)Cf. MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do trabalho, cit., p. 1.373.

(24)Cf. GIGLIO, Wagner D.; CORRÊA, Claudia Giglio Veltri. Direito processual do trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

8192. Cf., ainda, NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho, cit., p. 6465.

(25)SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Direito processual do trabalho: efetividade, acesso à justiça, procedimento oral. São Paulo: LTr,1998. p. 25.

(26)SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Direito processual do trabalho: efetividade, acesso à justiça, procedimento oral, cit., p. 26.

(27)Cf. SILVA, Homero Batista Mateus da. Perspectivas e aspirações do processo do trabalho. Revista da Faculdade de Direitoda Universidade de São Paulo. São Paulo, v. 104, p. 227238, jan.dez. 2009.

(28)Cf. Súmula nº 425 do TST: "Jus postulandi na Justiça do Trabalho. Alcance. Resolução nº 165/2010, DEJT divulgado em30.04.2010 e 03 e 04.05.2010. O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limitase às Varas do Trabalho e

aos TRTs, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do TST".

(29)Cf. SILVA, Homero Batista Mateus da. Perspectivas e aspirações do processo do trabalho, cit., p. 227238.

(30)Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Cumprimento da sentença e outros estudos da terceira fase da reforma do Código deProcesso Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 3173.

(31)Cf. SILVA, Homero Batista Mateus da. Perspectivas e aspirações do processo do trabalho, cit., p. 227238.

(32)Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Competência da justiça do trabalho: da relação de emprego à relação de trabalho, cit.,passim.

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2016

DEMOCRACIA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO,

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

E DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

Mauricio Godinho Delgado

*

I – INTRODUÇÃO

A análise das inter-relações entre a Constituição da República

Federativa do Brasil, o conceito constitucional de Estado Democrático de

Direito e o segmento jurídico especializado do Direito do Trabalho passa

pela referência a conceito e realidade correlatos, o da Democracia.

A Democracia consiste em uma das mais importantes e criativas

instituições geradas pela inteligência humana, propiciando o

desenvolvimento de novos e importantes fenômenos no campo da

sociedade e do Direito.

A conexão da Democracia com a História das Constituições constitui

liame que permite classificar as mais bem demarcadas fases do

constitucionalismo contemporâneo, até se chegar ao presente Estado

Democrático de Direito.

Nesse quadro de elaboração de novas realidades sociais e jurídicas e

de tessitura de inter-relações de conceitos contemporâneos, ocupa posição

de destaque o Direito do Trabalho. De simples ramo jurídico especializado,

no instante de seu nascimento há século e meio atrás, esse complexo de

princípios, regras e institutos jurídicos trilhou caminho de afirmação e

generalização, bem próximo às vicissitudes da Democracia no mundo

contemporâneo. Nesse roteiro nem sempre linear, tem despontado como

componente decisivo do próprio conceito de Estado Democrático de

Direito, em conformidade com a dimensão constitucional que o Texto

Máximo de 1988 conferiu ao fenômeno no Brasil.

Esse processo de criação e de inter-relações é que será objeto do

presente artigo.

II – DEMOCRACIA E CIVILIZAÇÃO

Democracia é construção recente na civilização. Embora a palavra

tenha origem grega há mais de dois milênios atrás, em Atenas (dêmos –

* Ministro do Tribunal Superior do Trabalho do Brasil desde 2007. Magistrado do Trabalho desde 1989.

Professor Universitário desde 1978. Doutor em Filosofia do Direito (UFMG: 1994) e Mestre em Ciência

Política (UFMG: 1980). Professor Titular do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF -, em

Brasília.

2

povo + kratía – força, poder)1, tempo em que se lançaram na cultura

ateniense antiga alguns conceitos de grande relevância para o estudo

próprio e comparativo do fenômeno, o fato é que a realidade efetiva da

Democracia somente despontou na História no período contemporâneo.

Democracia, enquanto método e institucionalização de gestão da

sociedade política e da sociedade civil, baseada ela na garantia firme das

liberdades públicas, liberdades sociais e liberdades individuais, com

participação ampla das diversas camadas da população, sem restrições

decorrentes de sua riqueza e poder pessoais, dotada de mecanismos

institucionalizados de inclusão e de participação dos setores sociais

destituídos de poder e de riqueza, é fenômeno que despontou na História

apenas a partir da segunda metade do século XIX na Europa Ocidental.

Nessa dimensão e extensão contemporâneas, com esse caráter amplo

e principalmente inclusivo - características todas muito recentes -, é que se

pode sustentar o extraordinário impacto da Democracia na História.

1 – Dimensões da Democracia

De fato, considerado esse conceito e essa realidade da Democracia,

pode-se sustentar que o fenômeno tem se afirmado como uma das maiores

construções da civilização, tomadas várias perspectivas, isoladamente ou

em conjunto, a saber, perspectiva política, social, econômica, cultural, além

da institucional.

Há, pois, um caráter multidimensional na Democracia, na acepção do

constitucionalismo contemporâneo, ultrapassando a esfera estrita da

sociedade política, para espraiar-se, cada vez mais, para áreas diversas da

sociedade civil.

No plano político, em face da Democracia, de sua construção e de

seu aperfeiçoamento, é que se viabilizou, pioneiramente, a participação da

grande maioria da população nas questões de interesse mais amplo da

comunidade. Mais do que isso, ela tem permitido e até mesmo instigado

que a seara de interesses de setores não dominantes também tenha de ser

sopesada no contexto da elaboração e concretização das políticas públicas.

Ainda no plano político, a Democracia tem viabilizado a melhor

apreensão da inteligência e esforço humanos, pela circunstância de

propiciar mais amplo e rico debate de ideias e perspectivas no interior da

comunidade.

Nesse mesmo plano, a Democracia assegura, ademais, a realização

da liberdade individual e social – apanágio de raros períodos e locais na

História -, nos limites de ordem jurídica (relativamente) consensual.

1 HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª edição,

Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 935.

3

No plano social, a Democracia incrementa instrumentos mais ágeis e

eficazes de superação das desigualdades sociais, pelo próprio dinamismo

que ela propicia ao desenvolvimento e inter-relação dos grupos sociais.

Ademais, a dinâmica democrática tende a incrementar, de maneira geral,

processos modernizantes da estrutura social, em vista da urbanização que

usualmente incentiva. Além disso, ela inevitavelmente estimula o

surgimento de políticas públicas sensíveis aos interesses dos segmentos

desfavorecidos ou até mesmo marginalizados na estrutura da sociedade.

No plano econômico, a Democracia, caso se mostre efetiva, também

favorece a superação de obstáculos ao desenvolvimento trazidos por

círculos tradicionais e restritos de poder, em face de tender a solapar, ao

longo do tempo, a higidez dos antigos mecanismos de dominação

existentes. A urbanização e a industrialização que costumam acompanhar

seu processo de consolidação, com a ruptura e superação do velho poder

rural dominante, arejam o sistema econômico do respectivo país, criando

estamentos ou, até mesmo, novas classes sociais, com integração

econômica mais ampla e efetiva do conjunto da população.

No plano cultural, a Democracia tem incentivado profundo avanço

nas relações entre as pessoas e grupos sociais, ao produzir a superação ou

revisão de inúmeras tradicionais concepções sedimentadoras da

desigualdade social e do desrespeito à dignidade da pessoa humana. A

dinâmica e a lógica democráticas é que permitem que tal processo floresça

e se espraie na sociedade, cristalizando-se em práticas e até mesmo

instituições novas aptas a concretizar o avanço cultural então atingido.

No plano institucional, a Democracia tem gerado mecanismos

permanentes na sociedade e no Estado de grande relevância à sua própria

afirmação no mundo contemporâneo e, principalmente, para o alcance de

seus objetivos centrais de incremento da participação das pessoas humanas

e de sua inclusão no interior das sociedades civil e política a que se

integram.

As instituições da Democracia, geradas no âmbito da sociedade civil,

têm grande impacto no aperfeiçoamento geral de toda a sociedade.

Observe-se, por exemplo, o papel impressionante dos inúmeros e

diversificados meios de comunicação de massa (entre os principais,

televisão, internet, jornais e revistas, por exemplo). Observe-se ainda o

papel notável de entidades associativas diversas, como sindicatos,

entidades de regulação profissional, associações civis de objetivos

variados, etc. Reflita-se sobre a importância de certas instituições

centenárias ou milenares, como as igrejas, ilustrativamente. Aponte-se,

ainda, o papel crucial desempenhado pelas escolas na estruturação dos

seres humanos e da vida social. Perceba-se a importância das empresas e

das forças econômicas (o chamado mercado econômico) na conformação

da sociedade civil de qualquer país. Note-se, por fim, a inserção dentro da

4

sociedade civil de certas instituições típicas do Estado, tais como os

partidos políticos.

As instituições da Democracia geradas no âmbito da sociedade

política (Estado) também têm grande impacto no aperfeiçoamento geral do

sistema. Citem-se, inicialmente, os partidos políticos, um dos mais

conhecidos canais de inter-relação entre a sociedade civil e a sociedade

política. Mencione-se o Poder Legislativo, com sua potencialidade de

assimilar o impacto das demandas dos diversos grupos sociais. Cite-se o

Poder Executivo, especialmente nos regimes presidencialistas, que tem

dinâmica própria, relativamente autônoma em face do Legislativo, e que

constitui importante núcleo de representação de interesses e perspectivas

gestados na sociedade. Dentro desse poder estatal, há que se enfatizar a

presença da multifacetada burocracia pública, responsável, em grande

medida, pelas políticas públicas aptas a cimentar a coesão social e garantir

um padrão mínimo de inclusão econômica e social em benefício de toda a

população. Note-se também o Poder Judiciário, que nas democracias deve

se integrar e se reger por estuário sensível à compreensão da essencialidade

da própria Democracia e seus desdobramentos na estrutura e no

funcionamento da sociedade civil e do Estado.

Os manuais de Teoria do Estado definem Democracia como regime

político, mediante o qual se assegura, em contexto de garantia das

liberdades públicas, a participação ampla da população institucionalmente

qualificada (cidadãos) na gestão do Estado e de seus organismos, seja pela

representação, seja por veículos de participação direta. Nessa medida, a

Democracia se antepõe às autocracias, que correspondem a regimes

ditatoriais de exercício do poder político.

Tais definições não estão exatamente erradas, é claro, mas

despontam, de modo enfático, como nitidamente insuficientes.

A natureza de regime político da Democracia é inegável, porém ela

não se circunscreve apenas a um temário e a uma realidade jungida à

sociedade política. Ela é bem mais do que isso (embora esse primeiro

aspecto destacado seja, de fato, muito importante). A Democracia, na

verdade, abrange praticamente todos os aspectos da vida social, invadindo,

inclusive, cada vez mais, a seara econômica; nessa medida, o conceito

ultrapassa bastante sua estrita dimensão política e institucional. Desse

modo, é evidente a natureza multidimensional do fenômeno democrático.

Em consequência, a participação ampla da população

institucionalmente qualificada, na Democracia, não se circunscreve apenas

à gestão do Estado e de seus organismos. O conceito contemporâneo de

Democracia invade também a esfera da sociedade civil, a qual, de maneira

5

geral, em alguma extensão, também tem de se subordinar aos ditames

democráticos2.

Na Democracia, todas as formas de exercício de poder, mesmo as

situadas apenas no plano da sociedade civil, estão submetidas a certas

restrições. Essas restrições serão maiores ou menores, evidentemente,

segundo a natureza, a função, os objetivos e as características das

instituições civis; porém, não existe mais, praticamente, a possibilidade

jurídica de exercício incontrastável de poder em sociedade e Estado

efetivamente democráticos.

O enquadramento da Democracia como mero regime político

(embora esse enquadramento seja importante, repita-se) ainda tem o

agravante de não perceber outra dimensão notável da Democracia, ou seja,

seu caráter inclusivo.

De fato, a Democracia, em razão de suas características e de sua

dinâmica, é tendente a produzir – ou, pelo menos, a propiciar e incentivar –

significativo processo de inclusão de pessoas humanas. Inclusão política

(obviamente, isso é de sua natureza original), inclusão social, inclusão

econômica, inclusão cultural.

A potencialidade heurística (criadora de novas hipóteses) da

Democracia evidencia-se, desse modo, como aparentemente inesgotável.

2 - Democracia e Constitucionalismo

A relevância da Democracia, enquanto construção civilizatória,

consiste, em verdade, no grande vértice do constitucionalismo

contemporâneo. A partir da plena incorporação da ideia e da dinâmica

democráticas, tanto na esfera da sociedade política, como na esfera da

sociedade civil, é que o constitucionalismo contemporâneo pode encontrar

a base para alçar a pessoa humana e sua dignidade ao topo das formulações

constitucionais.

De fato, em uma sociedade e em um Estado autoritários, se torna

simples contrafação falar-se em relevância da pessoa humana, dignidade da

pessoa humana, direitos individuais, coletivos e sociais de caráter

fundamental, em suma, falar-se em toda a notável matriz do

constitucionalismo das últimas décadas do século XX e início do presente

século. A noção ampla e a prática crescente e cada vez mais profunda da

Democracia é a energia que confere vida e dinamismo às mais importantes

constituições do mundo contemporâneo.

2 Os constitucionalistas têm percebido esse caráter multidimensional da Democracia. CANOTILHO, por

exemplo, estatui: “O princípio democrático aponta, porém, no sentido constitucional, para um processo de

democratização extensivo a diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural” (grifos no original).

CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição/8ª reimpressão,

Coimbra: Almedina, 2003.

6

É bem verdade que o primeiro marco do constitucionalismo – que foi

construído em torno do Estado Liberal Primitivo (também chamado de

Estado Liberal de Direito), a partir da segunda metade do século XVIII -

não possuía elementos que permitissem seu enquadramento dentro do

conceito e da realidade da Democracia. Tratava-se de sistemática

manifestamente excludente, dirigida apenas às elites proprietárias da

economia e da sociedade, que mantinha na segregação a larga maioria da

população dos respectivos países.

Entretanto, esse primeiro marco teve a importância histórica de fixar,

com objetividade e clareza, pela primeira vez, alguns pressupostos

decisivos para o ulterior desenvolvimento da Democracia.

Na verdade, apenas a contar do segundo marco do

constitucionalismo (Estado Social de Direito) e, principalmente, no interior

do marco mais recente do constitucionalismo (Estado Democrático de

Direito), é que a Democracia encontra força e estrutura harmônicas à sua

real importância.

III – OS GRANDES MARCOS DO CONSTITUCIONALISMO

O constitucionalismo ocidental ostenta três grandes marcos: as

constituições do Estado Liberal Primitivo (ou Estado Liberal de Direito), a

partir da segunda metade do século XVIII; as constituições que

reconheceram e institucionalizaram a transição para a Democracia,

capitaneando o denominado Estado Social de Direito, nas primeiras

décadas do século XX; finalmente, as constituições que deram corpo e

alma ao contemporâneo Estado Democrático de Direito, no período

posterior à Segunda Guerra Mundial3.

É claro que existem antecedentes ao constitucionalismo norte-

americano e ao francês, de finais do século XVIII, especialmente na

tradição inglesa. Esses prolegômenos podem se situar até mesmo séculos

atrás, no episódio da Magna Carta imposta pela nobreza fundiária ao

monarca da Inglaterra do século XIII, limitando o poder soberano. Ainda

na Inglaterra, no século XVII, a revolução gloriosa e o subsequente

documento político, Bill of Rights (1689), cuja presença pôs cobro à

autocracia monárquica, reafirmando importante alerta de resistência ao

absolutismo real.

Tais episódios e mensagens, contudo, não constituem exemplos

plenos e bem contornados de um novo e revolucionário complexo jurídico,

3 Os epítetos conferidos a esses padrões de Estado constitucional variam, relativamente. O

constitucionalista José Afonso da Silva, por exemplo, refere-se a Estado de Direito ou Estado Liberal de

Direito, quanto ao primeiro padrão; Estado Social de Direito (embora criticando esta denominação,

registre-se), no tocante ao segundo padrão; Estado Democrático de Direito, quanto ao último e atual

padrão. SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 34ª edição, São Paulo: Malheiros,

2011, p. 112-122. É claro que outros designativos existem, podendo ser utilizados no presente texto.

7

um novo Direito regente dos demais, o Direito Constitucional. O efetivo

surgimento desse Direito novo somente ocorreu na segunda metade do

século XVIII, com as constituições instituidoras do Estado Liberal

Originário (Estado Liberal de Direito).

1 – Estado Liberal Primitivo (ou Estado Liberal de Direito)

O Estado Liberal Originário consubstancia o primeiro marco do

constitucionalismo. Tem como fulcro as revoluções liberais dos Estados

Unidos da América e da França, ocorridas na segunda metade do século

XVIII, com seus respectivos documentos constitucionais.

Tais documentos são, essencialmente, a Constituição dos Estados

Unidos da América, de 1787 (dez emendas constitucionais foram logo a

seguir aprovadas, em setembro de 1789, com ratificação em dezembro de

1791), e a Constituição da França, de 17914.

Integram a origem desse marco constitucional documentos

precedentes aos dois textos constitucionais referidos. No caso dos EUA, a

Declaração de Direitos da Virgínia, de 16 de junho de 1776, a Declaração

de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776,

além de “outras Declarações de Direitos dos primeiros Estados”5. No caso

da França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

Conquistas importantes ocorreram nesse primeiro marco do

constitucionalismo contemporâneo. Tais conquistas, em alguns casos,

seriam explicitadas somente no decorrer do tempo, a partir da construção

jurisprudencial firmada pela Corte Superior respectiva – fato mais notável

especialmente na tradição norte-americana.

Destaque-se, em primeiro lugar, a própria ideia da relevância do

documento constitucional escrito, como síntese das regras dirigentes

principais da estrutura do Estado.

Em segundo lugar, há que se destacar o princípio da primazia da

Constituição na ordem jurídica de cada Estado e sociedade. Essa primazia

constitucional passou a superar, firmemente, qualquer outra tese ou prática

anteriores de prevalência, seja em favor do Poder Executivo (tese e prática,

em geral, cara às monarquias tradicionais ao longo da História), seja em

favor do Poder Legislativo (tese e prática que se mostraria insinuante e

resistente na tradição europeia formada mesmo após as revoluções

liberais)6.

4 A respeito, consultar MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, 7ª edição, Coimbra

(Portugal): Coimbra, 2003, tomo I, p. 141-149. Também MORAES, Alexandre de, Direito

Constitucional, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 1-3. Ainda, LENZA, Pedro, Direito Constitucional

Esquematizado, 13ª edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 6-7. 5 MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, ob. cit., p. 142. Também MORAES, Alexandre

de, Direito Constitucional, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 1-3. 6 Sobre esse contraponto, primazia da Constituição (logo afirmada, no início do século XIX, pela

Suprema Corte, na jovem república dos EUA) versus primazia do Parlamento (algo insistida na tradição

8

Conforme se sabe, na célebre decisão do caso Marbury v. Madison,

prolatada em 1803, a Suprema Corte dos EUA decidiu ser a Constituição

diploma normativo superior a qualquer outro, de qualquer origem, cabendo

ao Judiciário realizar sua interpretação, à medida que interpretar as normas

jurídicas e seus diplomas é tarefa inerente ao Poder Judiciário7.

Destaque-se também a afirmação das primeiras e grandes liberdades

individuais – liberdade de opinião, de locomoção, de reunião, de

manifestação do pensamento, de informação, por exemplo -, que consistem,

com é óbvio, em requisito mínimo para qualquer construção efetiva da

Democracia.

É claro que, no modelo liberal primitivo, tais liberdades eram

circunscritas, efetivamente, apenas às elites proprietárias das respectivas

sociedades - o que conferia a tais postulados caráter de efetiva contrafação.

Esse caráter mais se exacerbava ao se perceber a harmônica convivência do

estuário liberal originário com as próprias idéias e práticas da escravidão.

De fato, no primitivismo da concepção da época ainda não se compreendia

traduzir manifesta antinomia atar semelhante prerrogativas à noção de

propriedade e não apenas ao fato e à noção de pessoa humana. Era mesmo

inviável perceber-se, nessa fase ainda rudimentar, existir relativa

contraposição entre propriedade e liberdade, caso a segunda dependesse –

como era o caso – da primeira.

Enfatize-se ademais a afirmação das primeiras liberdades públicas –

liberdade de reunião e de organização, de propagação de informações e

opiniões, de manifestação coletiva de opinião, por exemplo -, as quais

também seriam, no futuro, depois de ampliadas para os diversos segmentos

da sociedade, requisito mínimo para a construção efetiva da Democracia.

Aqui cabe, igualmente, ressaltar que tais primeiras e decisivas

liberdades públicas ainda não se estendiam a todas as camadas da

população – circunstância que evidenciava os modestos limites do Estado

Liberal Primitivo. De toda maneira, a própria existência histórica de tais

liberdades criava canais para sua subsequente extensão a partir da segunda

metade do século XIX.

Agreguem-se, ademais, as liberdades e direitos políticos clássicos,

tais como o direito de voto, o direito de ser votado, o direito de petição, o

europeia posterior às revoluções liberais), consultar BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, “Capítulo 1 –

Noções Introdutórias”, in MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso de

Direito Constitucional, 6ª ed., SãoPaulo-Brasília: Saraiva-IDP, 2011, p. 45-61. Consultar também

MIRANDA, Jorge, ob. cit., p. 149-152. Jorge MIRANDA, a propósito, demonstra a resistência do

constitucionalismo francês, mesmo já no século XX, em deferir aos tribunais “competência para apreciar

a constitucionalidade das leis”. Ob. cit., p. 169-170. 7 A respeito, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, ob. cit., p. 59-60. Expõe este mesmo constitucionalista: “O

caso Marbury v. Madison reclama superioridade para o Judiciário, argumentando, essencialmente, com a

ideia de que a Constituição é uma lei, e que a essência da Constituição é ser um documento fundamental e

vinculante. Desenvolve a tese de que interpretar as leis insere-se no âmbito das tarefas próprias ao

Judiciário”. In ob. cit., p. 60.

9

direito de constituir e participar de partidos políticos, ilustrativamente.

Naturalmente, conforme se conhece, todas essas inovações também se

demarcam pelo caráter censitário, nos limites do modelo liberal primitivo,

não favorecendo, desse modo, o conjunto da população, porém apenas as

elites proprietárias.

Há que se indicar, por fim, as restrições jurídicas e institucionais que

se criaram ao Poder Executivo, instaurando limitação de poderes que seria

fundamental ao posterior desenvolvimento das ideias e práticas

democráticas.

No plano da sociedade civil – o reino da propriedade, segundo o

ideário liberalista, como se sabe -, ocorreria importante avanço teórico,

jurídico e institucional, com forte repercussão nas fases seguintes. É que a

ordem jurídica do Estado Liberal Primitivo confere reconhecimento e

institucionalização ao primeiro relevante patamar de separação do ser

humano e de seu trabalho do conceito e realidade do direito de

propriedade.

Ora, a separação do indivíduo, com sua força de trabalho, da noção

jurídica de propriedade – separação inviável nos períodos essencialmente

escravagistas e de servidão – é fato cardeal para os avanços democráticos

experimentados pela sociedade ocidental tempos depois. A afirmação do

trabalho livre (embora tivesse algo de falacioso no período do liberalismo)

constituiu mudança cultural, jurídica, social e econômica de grande

relevância, sendo também, é claro, evidente pressuposto para a posterior

construção democrática.

Todas essas conquistas do Estado Liberal Primitivo traduzem, como

visto, pressupostos relevantes para a subsequente construção da ideia e da

prática democráticas, apanágio da segunda metade do século XIX e

décadas iniciais do século XX.

2 – Estado Social de Direito (ou Estado Social)

O Estado Social de Direito (também chamado de Estado Social)

consubstancia o segundo marco do constitucionalismo. Tem como fulcro o

processo de renovação política e jurídica que ocorreu a partir da segunda

década do século XX, tão bem manifestado em duas constituições

pioneiras, a do México de 1917 e a da Alemanha, de 1919. No Brasil, a

Constituição de 1934 expressa bem esse marco e, em certa medida, a

Constituição de 1946.

Traduz nítido fenômeno de transição, no sentido de que já aponta

para um processo de democratização da sociedade política e da sociedade

civil – à diferença do marco constitucional primitivo -, mas ainda não

consegue desvelar fórmula plena e consistente do novo paradigma em

construção. As constituições dessa fase, segundo Paulo Bonavides,

10

exprimem, “de princípio, um estado de independência, transitoriedade e

compromisso”8.

Esse marco constitucional apresenta destaques que merecem ser

especificadamente referidos.

O primeiro plano de destaques corresponde ao processo de avanço

das liberdades e direitos reconhecidos ou criados pelo Estado Liberal

Primitivo em direção às grandes massas da população.

Nessa linha, manifesta-se a conquista das grandes liberdades

individuais, em certa medida pelo menos, pelos setores subordinados na

estrutura econômica e social, que passam a ter institucionalizados

instrumentos de exercício do direito de opinião, de reunião, de

manifestação do pensamento, de informação, especialmente por meio de

suas organizações coletivas profissionais (os sindicatos) e político-

partidárias (os partidos populares), agora já permitidas e

institucionalizadas.

Na mesma direção, realiza-se a conquista das chamadas liberdades

públicas - liberdade de reunião e de organização, de propagação de

informações e opiniões, de manifestação coletiva de opinião, por exemplo

– pelos demais segmentos sociais, mesmo quando subordinados na

estrutura socioeconômica do respectivo país. Essa conquista também se

materializou por meio, especialmente, das instituições intermediárias de

organização e representação dos grupos sociais, em particular as entidades

sindicais e os partidos políticos populares, únicos instrumentos capazes de

superar as limitações materiais inerentes ao exercício de várias dessas

prerrogativas (equipamentos organizacionais, meios de comunicação de

massa, etc.).

Ainda nesse relevante movimento, em harmonia às conquistas

anteriores e com elas combinadas, a obtenção, pelos segmentos populares,

das liberdades e dos direitos políticos clássicos, tais como, ilustrativamente,

o direito de voto, o direito de ser votado, o direito de petição, o direito de

constituir e participar de partidos políticos. Tal conquista materializa-se por

meio da extirpação das sistemáticas censitárias e congêneres dos sistemas

político-institucionais, de modo a incorporar os setores populares e as

mulheres na vida político-institucional.

O segundo plano de destaques tem forte caráter inovador,

correspondendo à assimilação, pelas novas constituições, de ramos

jurídicos novos, especialmente atados a perspectivas e interesses das

classes populares. É o que se passa com o fenômeno da

constitucionalização do Direito do Trabalho e do Direito de Seguridade

8 BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 24ª edição, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 231.

Referindo-se, especificamente, ao Texto Máximo da Alemanha, o autor declara: “A Constituição de

Weimar foi fruto dessa agonia: o Estado Liberal estava morto, mas o Estado social ainda não havia

nascido”. Ob. cit., p. 233.

11

Social pela Constituição do México, de 1917, e da Alemanha, de 1919. A

partir de então ganham status constitucional regras e princípios jurídicos

antitéticos ao liberalismo prevalecente na fase originária das constituições,

apontando direção muito distinta para o desenvolvimento do

constitucionalismo ocidental.

Além do significado intrínseco da incorporação de ramo jurídico

aparentemente revolucionário, como o Direito do Trabalho, esse fato

também traduzia, de certo modo, a primeira manifestação constitucional no

sentido de autorizar a intervenção do Estado na ordem econômica e social.

Tanto o Direito de Seguridade Social, como o Direito do Trabalho (este,

registre-se, em grau muito mais acentuado), expressam o fenômeno do

intervencionismo estatal na vida socioeconômica, tendência que iria se

tornar, décadas depois, muito mais ampla do que originalmente pensado

pelo Estado Social de Direito.

Essa incorporação do segmento jurídico trabalhista também fazia

avançar, agora mediante status constitucional, o processo anterior de

reconhecimento e institucionalização da separação do ser humano e de seu

trabalho perante o conceito e a realidade do direito de propriedade. A

separação da força de trabalho do indivíduo e de sua própria pessoa de

qualquer resquício da ideia de propriedade é avanço cultural já percebido

na fase anterior e que agora ganha completa consistência, invertendo-se o

polo jurídico na direção de garantir proteções e vantagens ao indivíduo que

trabalha, ao invés de ser o trabalho um demérito. O trabalho, desse modo,

marcha, celeremente, em meio a processo de mudança cultural, jurídica,

social e econômica de grande relevância, para se tornar valor especialmente

celebrado pela ordem jurídica e constitucional.

Naturalmente que essa incorporação do Direito do Trabalho pelas

novas constituições repercute fortemente na sociedade civil, assegurando o

avanço do processo de desmercantilização do trabalho na economia e de

democratização do poder no interior da sociedade civil.

O Estado Social de Direito é, entretanto, de fato, apenas um modelo

jurídico e político de transição, uma fase intermediária do

constitucionalismo; é expressão de uma crise no paradigma originário, sem

que se tenha ainda construído, com plenitude, novo e próprio paradigma.

Efetivamente, esse padrão constitucional, embora tenha superado aspectos

importantes do período precedente, ainda não conseguiu expressar um real

paradigma novo de estrutura das constituições.

Tratando das constituições dessa fase, Paulo Bonavides expõe que

elas exprimem, “de princípio, um estado de independência, transitoriedade

e compromisso”.9 O Texto Máximo da Alemanha, de 1919, segundo o

autor, é exemplo dessa dimensão de crise, de transitoriedade: “A

9 BONAVIDES, Paulo, ob. cit., p. 231.

12

Constituição de Weimar foi fruto dessa agonia: o Estado Liberal estava

morto, mas o Estado social ainda não havia nascido”.10

Essa característica transitória se expressa, ilustrativamente, na

circunstância de tais constituições inserirem os direitos individuais da

pessoa trabalhadora, todos também de caráter social, além dos direitos

coletivos trabalhistas, ao final dos textos constitucionais, como espécie de

anexo estranho a seu efetivo corpo constitucional.

Além disso, essa fase histórica e teórica ainda não tem inteira noção

da efetiva relevância da pessoa humana na estrutura da sociedade política e

da sociedade civil, inserindo regras a seu respeito como espécie de “carta

de direitos”, um rol anexo de preceitos estranhos à vida e à estrutura das

constituições.

Por isso é que o constitucionalismo desse período – ainda que

reproduzido contemporaneamente – formulou a bastante divulgada

distinção entre regras constitucionais em sentido material e regras

constitucionais em sentido formal. As primeiras, tratando do Estado, sua

estrutura, competência, prerrogativas, por exemplo, traduziriam o núcleo

próprio de qualquer Constituição. As segundas, tratando, ilustrativamente,

dos direitos sociais trabalhistas e de seguridade social, não fariam parte

desse núcleo próprio, estando apenas circunstancialmente (e, quem sabe,

impropriamente) inseridas na Carta Magna; elas se enquadrariam, desse

modo, apenas formalmente – mas não materialmente, substantivamente –

como regras constitucionais.

Está muito clara essa transitoriedade ainda no fato de essas

relevantes constituições não terem tido o condão de expressar, com clareza

de regras e princípios, a centralidade da questão democrática não apenas no

âmbito da sociedade política (Estado), como também no universo da

sociedade civil.

3 – Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito consubstancia o marco

contemporâneo do constitucionalismo. Tem como fulcro o processo de

transformação política, cultural e jurídica que ocorreu a partir dos finais da

Segunda Guerra Mundial, na realidade histórica do Ocidente.

Ele se expressa, em um primeiro momento, nas Constituições da

França (1946), Itália (1947) e Alemanha (1949), todas de fins da década de

1940. Esse marco, contudo, continuou a se elaborar em textos

constitucionais que surgiram nas décadas posteriores, como a de

Constituição de Portugal, de 1976, a da Espanha, de 1978, além da

Constituição do Brasil, de 1988.

10

BONAVIDES, Paulo, ob. cit., p. 233.

13

O Estado Democrático de Direito consubstancia claro fenômeno de

maturação histórica e teórica, uma vez que incorpora a relevância da

Democracia na construção de seu conceito político e jurídico. Nessa

medida, dá origem a real inovador paradigma de organização e gestão da

sociedade civil e da sociedade política.

Nesse novo paradigma conceitual, tem destaque diferenciado a

importância da pessoa humana e sua dignidade, que direciona princípios e

regras para toda a sua matriz teórica e prática.

Na mesma linha de relevo, desponta a concepção democrática de

organização e funcionamento da sociedade política e da sociedade civil,

erigindo-se a Democracia como o veículo e a estrutura para a melhor

realização, nas mais diversas dimensões, do Estado Democrático de Direito

O conceito de Estado Democrático de Direito funda-se em um

inovador tripé conceitual: pessoa humana, com sua dignidade; sociedade

política, concebida como democrática e inclusiva; sociedade civil,

concebida como democrática e inclusiva. Nessa medida, apresenta clara

distância e inovação perante as fases anteriores do constitucionalismo.

O paradigma novo fez-se presente na estrutura de princípios,

institutos e regras da Constituição da República Federativa do Brasil, de

1988, constituindo o luminar para a compreensão do espírito e da lógica da

ordem constitucional do país.

IV – ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO COMO MARCO

CONTEMPORÂNEO DO CONSTITUCIONALISMO

O Estado Democrático de Direito consubstancia o marco

contemporâneo do constitucionalismo. Tem como fulcro, conforme visto, o

processo de transformação política, cultural e jurídica que se verificou a

partir dos finais da Segunda Guerra Mundial. Ele se manifesta, em um

primeiro momento, nas Constituições da França, Itália e Alemanha, de fins

da década de 1940, embora também continuasse a se elaborar em textos

constitucionais de várias décadas depois, como o de Portugal, de 1976, o da

Espanha, de 1978, além da Constituição do Brasil, de 1988.

Traduz nítido fenômeno de maturação, no sentido de que incorpora,

com plenitude, a importância do fenômeno democrático na construção do

conceito jurídico e político novo de Estado Democrático de Direito, dando

origem a paradigma, real e inovador, de organização e gestão da sociedade

e do Estado.

Tambem incorpora, com plenitude, a relevância da pessoa humana e

de sua dignidade – largamente compreendido o conceito – no âmbito da

sociedade política e, igualmente, da sociedade civil, lançando essa matriz

conceitual em suas regras e princípios.

14

O inovador paradigma constitucional ainda abrange a ideia de

desmercantilização de certos valores e práticas na economia e na

sociedade, como instrumento necessário para a realização de certos

princípios, valores e regras fundamentais do Estado Democrático de

Direito. Essa característica leva, uma vez mais, ao conjunto da sociedade

civil – e não apenas da sociedade política -, o vetor dirigente da respectiva

Constituição.

O intervencionismo estatal na economia e a subordinação da

propriedade privada à sua função social, que despontaram no

constitucionalismo precedente (Estado Social de Direito), são marcas

importantes e bem definidas do presente paradigma constitucional. É que

ele labora em torno de noções como dignidade da pessoa humana, direitos

individuais e sociais fundamentais, valorização do trabalho e especialmente

do emprego, sociedade livre, justa e solidária, erradição da pobreza, da

marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, justiça

social - em suma, noções que reconhecem que o mercado privado, por si

somente, sem regulação e induções públicas, é incapaz de atender os

anseios cardeais de um Estado Democrático de Direito.

O conceito inovador de Estado Democrático de Direito funda-se em

um inquebrantável tripé conceitual: pessoa humana, com sua dignidade;

sociedade política, concebida como democrática e inclusiva; sociedade

civil, concebida como democrática e inclusiva.

A pessoa humana, com sua dignidade, constitui o ponto central do

Estado Democrático de Direito. Daí que firmam, essas Constituições do

pós-Segunda Guerra, o princípio da dignidade da pessoa humana como a

diretriz cardeal de toda a ordem jurídica, dotado de enfático assento

constitucional.

A eleição da pessoa humana como ponto central do novo

constitucionalismo, que visa a assegurar sua dignidade, supõe a necessária

escolha constitucional da Democracia como o formato e a própria energia

que têm de perpassar toda a sociedade política e a própria sociedade civil.

Sem Democracia e sem instituições e práticas democráticas nas diversas

dimensões do Estado e da sociedade, não há como se garantir a

centralidade da pessoa humana e de sua dignidade em um Estado

Democrático de Direito. Sem essa conformação e essa energia

democráticas, o conceito inovador do Estado Democrático de Direito

simplesmente perde consistência, convertendo-se em mero enunciado vazio

e impotente.

A pessoa humana e sua dignidade estão enfatizadas, em uma

Constituição criadora e regente de um Estado Democrático de Direito, em

diversos de seus segmentos e enunciados: por exemplo, nos princípios

fundamentais; nos direitos e garantias fundamentais; na regulação da ordem

econômica e financeira; na regulação da ordem social. Em todas essas

15

dimensões constitucionais, a centralidade da pessoa humana e sua

necessária dignidade estão explícita ou implicitamente asseguradas.

Do mesmo modo, o caráter democrático e inclusivo da sociedade

política está certificado, explícita ou implicitamente, em uma Constituição

criadora e regente de um Estado Democrático de Direito.

Há, de fato, instituições da sociedade política que expressam o

próprio espírito e exercício da Democracia, tais como os partidos políticos,

o Parlamento, o processo eleitoral etc. Outras traduzem essa presença por

meio de certos aspectos, embora não todos. É o que se passa com o critério

geral de recrutamento dos quadros da burocracia pública, mediante

concursos públicos.

É claro que existem instituições tipicamente estatais com grau

variado e específico de inserção no vetor democrático, como, por exemplo,

o Poder Judiciário, o aparelho policial do Estado e as Forças Armadas.

Porém isso não quer dizer que não se harmonizem, dentro de suas

peculiaridades públicas, ao imperativo democrático.

Por fim, também o caráter democrático e inclusivo da sociedade civil

está asseverado, explícita ou implicitamente, em uma Constituição criadora

de um efetivo Estado Democrático de Direito.

Conforme já exposto, há, de fato, instituições da sociedade civil que

expressam o próprio espírito e exercício da Democracia, tais como os

sindicatos e os movimentos coletivos experimentados no mundo do

trabalho. Há ainda as diversas outras entidades organizativas da sociedade

civil, de grande importância na vida democrática. Nesse grupo, arrolem-se

os meios de comunicação de massa (internet, televisão, rádio, revistas,

jornais etc.), que atuam fortemente também na dinâmica de inter-relação

Estado/sociedade civil.

É claro que existem instituições da sociedade civil que não estão

integralmente submetidas ao imperativo democrático e inclusivo, tais como

ocorre com as empresas e o conjunto do mercado econômico. Podem ou

não ser mais ou menos democráticas e inclusivas essas entidades, como se

sabe. Entretanto, ainda assim, estão jungidas a cumprir largo rol de regras e

princípios jurídicos afirmativos do imperativo democrático e de inclusão

social na sociedade política e na sociedade civil. Um dos melhores

exemplos aplicáveis a esse universo empresarial é o Direito do Trabalho,

com suas regras e princípios de tutela da dignidade da pessoa humana, de

moderação no exercício do poder empresarial, de inclusão social e

econômica de trabalhadores.

Estado de Bem Estar Social

Como se percebe pelas características do paradigma do Estado

Democrático de Direito, ele é mais bem atendido, do ponto de vista

16

histórico, concreto, prático – nos marcos do sistema capitalista -, pelo

experimento que se tem denominado de Estado de Bem Estar Social,

Estado Providência ou Welfare State. Esse experimento vicejou

principalmente na Europa Ocidental, a partir do término da Segunda Guerra

Mundial, mantendo-se, em sua essência, presente na região até os dias

atuais.

É evidente que o Welfare State tem sofrido mudanças, algumas

decorrentes da necessária adaptação de suas regras às conquistas da

medicina e da demografia – como se passa com o sistema de Seguridade

Social, que tem calibrado as idades de aposentadoria ao gradativo avanço

das expectativas de vida e de trabalho das respectivas populações. Tais

mudanças sequer diminuem o Estado de Bem Estar Social, repita-se, mas

apenas o calibram ao resultado das conquistas que ele próprio promoveu.

Algumas modificações - reconheça-se - derivam do assédio contínuo,

nos últimos 30 anos, do ideário liberalista que se tornou hegemônico no

Ocidente desde finais dos anos de 1970. Considerada a força desse assédio,

entretanto, com os impressionantes instrumentos de poderio econômico e

midiático que ostenta, mostram-se pouco significativos os recuos do Estado

de Bem-Estar Social em importantes países europeus.

Claro que a configuração do Estado Providência não se mostrou

uniforme no universo europeu ocidental, não traduzindo um modelo único

e indiferenciado. Conforme se sabe, o Welfare State sempre foi mais

generalizado, profundo e economicamente mais bem sucedido nos países

nórdicos (especialmente Suécia, Dinamarca e Noruega), em seguida na

Alemanha e na França, em contraponto a uma configuração menos

acentuada e bem sucedida nos países europeus do Mediterrâneo (Itália, por

exemplo) e do sul europeu (Espanha e Portugal). Não se trata, portanto, de

um único e indiferenciado modelo, caso sopesadas as diversas experiências

nacionais da região (mesmo após a criação da União Europeia, em 1992,

ou da moeda única, euro, em 2002)11

. Porém, se realizada a comparação em

contraponto a países sob influência do velho paradigma do Estado Liberal

Primitivo, a diferença é simplesmente manifesta.

Registre-se que essas mudanças ocorridas nas últimas décadas no

Welfare State de vários países da Europa Ocidental não tem sido capazes

de desconstruir a essência do modelo de bem-estar social. Esse modelo,

como se conhece, funda-se no intervencionismo estatal, na regulação

socioeconômica do mercado privado, em uma importante presença estatal

11

A União Europeia é produto de antigo sonho de pacifistas europeus, cujo início concreto deflagrou-se a

partir de tratados de cooperação econômica entre Estados, subscritos depois da Segunda Guerra Mundial

(o primeiro deles, Tratado de Paris, de 1951, envolveu seis Estados). A intensificação e alargamento da

ideia de comunidade europeia, por além da noção original de Estado, ocorreu nas décadas seguintes,

mediante a lavratura de vários tratados, até que, em 1992, foi assinado, por doze membros originais, o

Tratado de Maastricht (ou Tratado da União Europeia), que entrou em vigor em novembro de 1993. A

partir desse marco histórico, houve crescente adesão de novos Estados à União Europeia.

17

no conjunto da economia, na desmercantilização relativa de certos bens,

valores e práticas. Tal modelo é que tem obtido sucesso no continente

europeu com respeito à construção e manutenção de uma sociedade que

assegure a dignidade à pessoa humana, os direitos individuais e sociais

fundamentais, a valorização do trabalho e especialmente do emprego; que

seja, no possível, exemplo de sociedade livre, justa e solidária, garantindo a

erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades

sociais e regionais; que realize, em síntese, a ideia matriz de justiça

social12

.

V – ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA E DIREITOS SOCIAIS

O Estado Democrático de Direito consubstancia o marco

contemporâneo do constitucionalismo. No Brasil, esse marco apresentou-

se, de certo modo, na Constituição de 1946, embora somente tenha

claramente se afirmado na Constituição da República de 1988.

A Constituição de 1946, na verdade, mesmo tendo elementos

importantes a um Estado Democrático de Direito – a exemplo de sua

estruturação notoriamente democrática -, ainda melhor se enquadrava

dentro dos parâmetros do constitucionalismo imediatamente anterior, o do

Estado Social de Direito (nessa medida, à semelhança da Constituição

brasileira de 1934).

Em 1988 é que o paradigma do Estado Democrático de Direito

realmente se expressa de maneira plena em um texto constitucional do país.

Conforme já exposto, o conceito de Estado Democrático de Direito

funda-se em um inovador tripé conceitual: pessoa humana, com sua

dignidade; sociedade política, concebida como democrática e inclusiva;

sociedade civil, concebida como democrática e inclusiva.

Esse tripé conceitual está claramente inserido na Constituição da

República de 1988.

De fato, a pessoa humana, com sua dignidade, está fortemente

afirmada em diversos títulos da Constituição. No Título I, que trata “Dos

Princípios Fundamentais”; no Título II, tratando “Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”; no Título VII – “Da Ordem Econômica e Financeira”;

finalmente, no Título VIII – “Da Ordem Social”.

12

A respeito do Welfare State, suas características e modificações nas últimas décadas, consultar,

ilustrativamente, DELGADO, Mauricio Godinho e PORTO, Lorena Vasconcelos (Org.), O Estado de

Bem Estar Social no Século XXI, São Paulo: LTr, 2007. Também CONDÉ, Eduardo Salomão, Laços na

Diversidade – a Europa Social e o Welfare em Movimento (1992-2002), Juiz de Fora: UFJF, 2008.

Ainda: KERSTENETZKY, Célia Lessa. O Estado do Bem-Estar Social na Idade da Razão – reinvenção

do Estado Social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. Igualmente: KRISTENSEN,

Peer Hull e LILJA, Kari (ed.). Nordic Capitalisms and Globalization – new forms of economic

organizations and welfare institutions. Oxford (UK): Oxford University Press, 2012.

18

A concepção de sociedade política democrática e inclusiva está

também asseverada em diversos títulos do Texto Máximo de 1988. O

Título I (“Dos Princípios Fundamentais”) e o Título II (“Dos Direitos e

Garantias Fundamentais”), que tão bem demarcam a superioridade desta

Constituição na evolução histórica constitucional brasileira, submetem as

entidades estatais ao império dos direitos humanos fundamentais.

Os demais títulos, tratando especificamente da estruturação do

Estado e seus entes, também deixam implícito esse caráter democrático e

inclusivo da sociedade política. Vejam-se o Título III – “Da Organização

do Estado”; o Título IV – “Da Organização dos Poderes”; o Título V – “Da

Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”; o Título VI – “Da

Tributação e do Orçamento”.

A concepção de sociedade civil democrática e inclusiva também está

exposta em diversos títulos da Constituição. Note-se a forte diretriz dos

Títulos I e II, os quais submetem as entidades, dinâmicas e práticas da

sociedade civil ao império dos direitos humanos fundamentais.

Essa concepção fica ainda muito evidente no Título VII, que cuida

“Da Ordem Econômica e Financeira”, e no Título VIII, que trata “Da

Ordem Social”.

Os direitos sociais, especialmente os trabalhistas, compõem o núcleo

da Constituição da República, com presença marcante no interior do

decisivo Título II, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” (art.

6º a 11).

Dispõe o art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a

alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados, na forma desta Constituição”.13

O art. 7º, por sua vez, estipula para os trabalhadores largo rol de

direitos trabalhistas, ao lado de alguns previdenciários, fixando um piso

constitucional mínimo para a contratação e gestão trabalhistas no país.

Tão importante quanto esse rol é a circunstância de o mesmo

preceito, no caput do art. 7º, incorporar o relevante princípio da norma

mais favorável no corpo constitucional, ao dispor: “São direitos dos

trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua

condição social:” (grifos acrescidos). Com isso, a Constituição reforçou a

imperatividade da ordem jurídica trabalhista infraconstitucional que regula

os contratos empregatícios na economia e sociedade brasileiras,

incentivando também iniciativas de incremento dessa legislação ao longo

do tempo.

13

O texto original do art. 6º foi ampliado por duas emendas constitucionais: a de n. 26, de 2000,

introduziu a moradia como direito social, ao passo que a Emenda Constitucional n. 64, de 2010,

introduziu a alimentação como direito social.

19

Note-se que os direitos sociais trabalhistas têm múltipla dimensão,

ultrapassando o caráter unívoco na vida socioeconômica. Indubitavelmente,

ostentam a natureza de direitos e garantias individuais dos trabalhadores,

uma vez que a sua titularidade específica é atribuída a cada indivíduo

delimitado, no universo dos contratos de trabalho existentes. Contudo,

evidenciam igualmente a dimensão de direitos e garantias de natureza

coletiva, uma vez que tendem a abranger, de maneira geral, as categorias

profissionais em que se inserem os trabalhadores, além da comunidade

trabalhista dos estabelecimentos e das empresas. Ao lado de sua dimensão

individual e coletiva, os direitos trabalhistas inscrevem-se ainda como

nítidos direitos sociais, compondo o largo espectro das proteções e

vantagens criadas pelo Estado Democrático de Direito como mecanismo de

certificação de seus princípios fundamentais.

Considerada sua primeira dimensão (direitos e garantias individuais

dos trabalhadores), não são passíveis de modificação in pejus, ainda que

por meio de emenda constitucional. É o que resulta do disposto no art. 60, §

4º, IV, da Constituição e da própria circunstância de integrarem o núcleo

dos direitos individuais fundamentais do Texto Máximo da República.14

VI – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DIREITO DO TRABALHO:

DIRETRIZES ESSENCIAIS DA CONFORMAÇÃO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

A Constituição da República Federativa do Brasil inseriu em seu

núcleo mais importante e definidor o Direito do Trabalho.

É o que resulta da circunstância de se estruturar em torno da matriz

de um Estado Democrático de Direito, com destaque para os direitos

fundamentais da pessoa humana, inclusive os que tenham concomitante

dimensão coletiva e social. Tais direitos ocupam o centro da estrutura

normativa constitucional, alçando em seu ápice a pessoa humana e sua

dignidade. Além disso, a mesma circunstância demarca a ideia e a prática

da Democracia como luminar normativo do Texto Máximo, focado em

direção à sociedade política e também à sociedade civil.

É impensável a estrutura e a operação prática de um efetivo Estado

Democrático de Direito sem a presença de um Direito do Trabalho

relevante na ordem jurídica e na experiência concreta dos respectivos

Estado e sociedade civil. É que grande parte das noções normativas de

democratização da sociedade civil (e, em certa medida, também do Estado),

garantia da dignidade da pessoa humana na vida social, garantia da

prevalência dos direitos fundamentais da pessoa humana no plano da

14

O art. 60 da Constituição trata das emendas constitucionais, estabelecendo em seu § 4º, IV, que: “Não

será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (...) os direitos e garantias individuais”.

20

sociedade, subordinação da propriedade à sua função social, garantia da

valorização do trabalho na atividade econômica e do primado do trabalho e

especialmente do emprego na ordem social, desmercantilização de bens e

valores cardeais na vida socioeconômica e justiça social, em suma, grande

parte das noções essenciais da matriz do Estado Democrático de Direito

estão asseguradas, na essência, por um amplo, eficiente e incisivo Direito

do Trabalho disseminado na economia e sociedade correspondentes.

Essa notável compreensão constitucional, tão bem expressa no Texto

Magno de 1988, é que levou à inserção do Direito do Trabalho para dentro

dos dois títulos mais importantes da Constituição (o de n. I – “Dos

Princípios Fundamentais” e o de n. II – “Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”), fazendo esse ramo jurídico e seu objeto, o trabalho,

também abrir, como luminar geral normativo, os notáveis Título VII (“Da

Ordem Econômica e Financeira”) e Título VIII (“Da Ordem Social”).

Diretrizes Constitucionais

Passados mais de 25 anos do surgimento da Constituição, já existe

maturidade histórica, cultural e científica para se bem compreender suas

diretrizes essenciais com respeito ao Direito do Trabalho. Na verdade, hoje

se tem claro que a Constituição de 1988 produziu leitura e compreensão

abrangentes do Direito do Trabalho na economia, na sociedade e na ordem

jurídica brasileiras, destacando com clareza seu papel na sociedade política

e na sociedade civil do país.

Eis as diretrizes essenciais da Constituição da República

relativamente ao Direito do Trabalho do Brasil:

a) No tocante à dimensão individual e coletiva do Direito do

Trabalho, a Constituição firmou clara prevalência do Direito Individual do

Trabalho perante o Direito Coletivo do Trabalho, em casos de confrontos

de normas jurídicas.

Todos conhecem, é claro, a notável importância do Direito Coletivo

do Trabalho. Trata-se do segmento do Direito do Trabalho que melhor

expressa a capacidade de agregação dos trabalhadores em torno de suas

entidades coletivas, conduzindo a certo clímax os direitos de reunião,

organização e manifestação inerentes à Democracia.

É o Direito Sindical expressão e mecanismo notáveis de

democratização da sociedade civil, especialmente em seu âmbito social e

econômico, permitindo o alcance de fórmulas mais participativas e

equânimes de gestão social no mundo do trabalho. Por meio desse

segmento jurídico e de seus institutos, princípios e regras, a Democracia

invade a sociedade civil, concretizando mais de perto sua expansividade,

marca que tão bem distingue o Estado Democrático de Direito.

21

O Direito Coletivo do Trabalho (ou Direito Sindical), mediante a

negociação coletiva, pode até mesmo criar normas jurídicas, dando origem

a um estuário normativo relevante nas economias e sociedades

contemporâneas.

A Constituição de 1988 reconheceu a importância do Direito

Coletivo na ordem jurídica do país, atribuindo-lhe status superior ao fixado

nos documentos constitucionais precedentes. Entretanto, não deixou de

enfatizar a primazia dos direitos individuais e sociais trabalhistas

estabelecidos nos diplomas heterônomos estatais do Brasil.

De fato, considerou a Constituição que o Direito Individual do

Trabalho tem maior aptidão para atingir, com maior celeridade, eficiência e

generalização, o conjunto da economia e da sociedade brasileiras, de modo

a realizar um efetivo Estado Democrático de Direito no país. De fato, o

Direito Individual tem plenas condições de estar presente, ao mesmo

tempo, em todos os rincões e segmentos da realidade brasileira,

independentemente da conjuntura política ou sindical, da maior ou menor

organização da classe trabalhadora nas múltiplas áreas do mercado de

trabalho e regiões do país. Em face dessas suas características - que bem se

ajustam à enorme dimensão geográfica e populacional do Brasil -, o Direito

Individual do Trabalho despontaria como mais inclusivo, rápido e

universal, mesmo em contexto de incentivos normativos constitucionais

manifestos ao avanço e aperfeiçoamento do Direito Coletivo do Trabalho.

Nessa medida, para o Texto Máximo da República, despontaria o

Direito Coletivo como instrumento adicional para o aprofundamento e

melhoria das regras legais, nos segmentos profissionais mais bem

organizados.

A Constituição aponta, desse modo, para a generalização e o

aperfeiçoamento do Direito Coletivo, embora ciente de suas ainda claras

limitações na realidade sindical, institucional, social e econômica do país.

Nessa mesma direção do novo constitucionalismo brasileiro,

desponta inegável prevalência das normas imperativas estatais, que

compõem o Direito Individual do Trabalho, sobre as normas coletivas, as

quais não recebem poder para diminuir as garantias legais, salvo exceções

indubitavelmente fixadas.

Em consequência dessa direção constitucional, não há sentido em se

pensar em instrumentos coletivos negociados que simplesmente rebaixem o

padrão civilizatório estabelecido, de modo imperativo, na ordem jurídica

estatal trabalhista – salvo as exceções fixadas pela Constituição e regras

legais específicas.

b) No que tange aos direitos individuais trabalhistas, fica claro que,

embora sendo também, ao mesmo tempo, direitos sociais, integram o

núcleo inexpugnável da Constituição, na qualidade de direitos individuais

fundamentais.

22

Os direitos trabalhistas têm uma dimensão dupla e combinada, que

está bem reconhecida na estrutura normativa da Constituição. São direitos e

garantias individuais de seus titulares, os trabalhadores, e, ao mesmo

tempo, são direitos sociais (além de direitos coletivos, muitas vezes).

Sob a ótica da pessoa humana que vive do trabalho, especialmente o

trabalho empregatício, tais direitos são o principal instrumento de

concretização dos princípios, valores e regras constitucionais da

prevalência da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e,

particularmente, do emprego, da subordinação da propriedade à sua função

social, da efetivação da justiça social e da democratização da sociedade

civil.

Sob a ótica dessa mesma pessoa humana individual, mas também da

comunidade de trabalhadores, de parte majoritária da sociedade e famílias

brasileiras, sob a ótica ainda do Estado e de suas decisivas políticas

públicas, são direitos sociais, ou seja, um universo fundamental de

realização, no plano mais amplo da economia e da sociedade, daqueles

princípios, valores e regras tão bem acentuados pela Constituição.

Esses direitos e garantias individuais e sociais, por isso mesmo,

integram o Título II do Texto Máximo, “Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”.

São dessa maneira parte componente do núcleo inexpugnável da

Constituição, na qualidade de direitos e garantias individuais fundamentais.

c) Há princípios e direitos coletivos do Capítulo II (Dos Direitos

Sociais) do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) da

Constituição que integram o núcleo inexpugnável do Texto Máximo,

embora nem todos o façam, como, por exemplo, a regra concernente à

unicidade sindical (art. 8º, II) e a regra relativa ao financiamento do

sistema sindical (art. 8º, IV).

Há princípios e regras coletivos que integram o núcleo inexpugnável

da Constituição, embora, evidentemente, nem todos aqueles arrolados nos

artigos 8º até 11 do Texto Máximo o façam.

Compõem esse núcleo inexpugnável apenas os princípios e regras

que traduzem, efetivamente, dimensão fundamental do projeto normativo

constitucional de realizar no Brasil um Estado Democrático de Direito.

Regras e princípios sem os quais não se pode falar na presença desse

paradigma na realidade social, econômica, cultural, institucional e jurídica

brasileiras.

Desse modo, entre os princípios e regras coletivos que integram o

núcleo inexpugnável da Constituição, estão, pelo menos, quatro: os que

asseguram a liberdade sindical e a autonomia das entidades sindicais (art.

8º, I e V); os que asseguram aos sindicatos a função de defesa dos direitos e

interesses coletivos ou individuais da categoria (art. 8º, III); os que

determinam ser obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações

23

coletivas de trabalho (art. 8º, VI); os que estabelecem garantias eficientes

ao exercício da administração e das funções sindicais (art. 8º, VIII).

Em coerência com o exposto, não compõem esse núcleo fundamental

regras sobre o tipo de modelo sindical (a unicidade sindical, fixada no

inciso II do art. 8º, por exemplo), além de critérios de financiamento do

sistema sindical (ilustrativamente, a chamada contribuição confederativa,

referida no inciso IV do art. 8º, preceito que se reporta também, de modo

implícito, à contribuição sindical obrigatória, fixada na CLT).

d) No contraponto entre regras coletivas negociadas e regras

estatais, a Constituição determinou a prevalência da regra mais favorável

aos trabalhadores (art. 5º, §§ 1º e 2º; art. 7º, caput), salvo os estritos casos

em que a própria ordem jurídica autorize a preponderância de regras

convencionais menos benéficas.

O Texto Magno do Brasil, embora tenha estabelecido notáveis

incentivos e garantias à negociação coletiva trabalhista – garantias e

incentivos praticamente desconhecidos na história jurídica anterior do país

-, teve o cuidado de prever a incidência do princípio da norma mais

favorável em casos de contraponto entre regras coletivas negociadas e

regras estatais. Com isso assegurou a concretização mais rápida e universal

de um efetivo Estado Democrático de Direito no país, garantindo, com

segurança, a supremacia de suas diretrizes essenciais da proteção à

dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e especialmente

do emprego, da subordinação da propriedade à sua função social, da

democratização da sociedade civil – e não só da sociedade política -, da

concretização da justiça social.

Com sabedoria e prudência, a Constituição permitiu o afastamento

do princípio da norma mais favorável nos estritos casos em que a própria

ordem jurídica heterônoma estatal autorize a preponderância de regras

menos benéficas oriundas da negociação coletiva.

Tais casos excepcionais podem estar previstos no próprio Texto

Máximo (incisos VI, XIII e XIV do art. 7º, por exemplo).

Claro que nesses dispositivos a Constituição apenas estabelece um

comando, o qual, muitas vezes (hipótese do art. 7º, VI – irredutibilidade de

salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo), tem de ser

especificado em lei (casos de redução salarial por conjuntura econômica

adversa: Lei n. 4.923, de 1965, em seu art. 2º).

Outras vezes, esse comando tem de ser atenuado, em vista da

necessária interpretação sistemática do Texto Máximo, feita em harmonia a

outros preceitos constitucionais (a redução não prevalece, por exemplo, em

se tratando de matéria de saúde e segurança do trabalhador, em decorrência

de imperativo específico vindo da própria Constituição – art. 7º, XXII:

redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,

higiene e segurança).

24

Esses casos excepcionais podem ainda ser estabelecidos pela própria

legislação fixadora de certo direito ou garantia trabalhistas (por exemplo,

§§ 2º e 3º do art. 58 da CLT, que instituem o direito às horas in itinere,

porém flexibilizam, em parte, seu cálculo econômico).

Naturalmente que pode a negociação coletiva realizar certa

adequação setorial negociada sem produzir efetivo prejuízo (não ferindo,

pois, o princípio constitucional da norma mais favorável), embora

autorizando determinada mudança formal, tida como prática pelo

empregador. É o que ocorre com cláusulas convencionais que fixam

adicional noturno mais elevado do que os 20% estipulados pelo caput do

art. 73 da CLT (40% ou 50% de adicional noturno normativo,

ilustrativamente), em contraponto ao aumento da hora ficta noturna para 60

minutos, ao invés dos 52’30’’ estabelecidos pelo § 1º do art. 73 da mesma

lei nacional.

Pode ainda a negociação coletiva, como se sabe, em harmonia à

adequação setorial negociada permitida pelo Texto Máximo, criar parcelas

trabalhistas efetivamente novas, supralegais, porém lhes modulando o

efeito jurídico. É o que tradicionalmente tem sido reconhecido pela

jurisprudência com respeito a parcelas de auxílio alimentação e congêneres,

instituídas por CCTs ou ACTs, mas com efeitos contratuais restritos (por

exemplo, sem natureza salarial)15

.

e) A Constituição da República sepultou o debate acerca do

paradigma mais adequado para o Brasil (isto é, o modelo jurídico

legislado versus o modelo jurídico negociado), realizando enfática escolha

pelo modelo legislado de regulação trabalhista.

Os debates sobre a Democracia no Brasil, onde o fenômeno sempre

foi verdadeiro enigma histórico16

, conduziram, durante certo tempo, ao

contraponto de modelos jurídicos trabalhistas: o padrão jurídico negociado

(também chamado de normatização autônoma e privatística), hegemônico

nos países de formação angloamericana, versus o padrão jurídico legislado

15

Sobre o princípio da adequação setorial negociada, conferir DELGADO, Mauricio Godinho, Curso de

Direito do Trabalho, 11ª edição, São Paulo: LTr, 2012, Capítulo XXXIV, item V.2. Do mesmo autor,

Direito Coletivo do Trabalho, 4ª edição, São Paulo: LTr, 2011, Capítulo IV, item VIII (“Negociação

Coletiva – possibilidades e limites”). Consultar ainda TEODORO, Maria Cecília Máximo, O Princípio da

Adequação Setorial Negociada no Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2007. 16

Sobre as vicissitudes da democracia e da cidadania no Brasil, com suas renitentes dificuldades de

afirmação, consultar análise feita pela Professora de História da UFMG, PUCMINAS e UnB, Lucilia de

Almeida Neves Delgado, em seu artigo “Cidadania e república no Brasil: desafios e projeções do futuro”,

in PEREIRA, Flávio Henrique Unes e DIAS, Maria Tereza Fonseca (Org.), Cidadania e Inclusão Social –

estudos em homenagem à Professora Miracy Barbosa de Souza Gustin, Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.

322-335. A historiadora sustenta que “a prática da democracia no Brasil e a plena realização da cidadania

apresentam-se como um enigma histórico a ser decifrado, pois a tradição do país tem sido marcada por

dois tipos de movimento: o primeiro refere-se à facilidade com que experiências democráticas foram

interrompidas no decorrer do período republicano; o segundo relaciona-se à permanência residual e

paradoxal de práticas políticas autoritárias em conjunturas de exercício político da democracia”. In ob.

cit., p. 322.

25

(chamado também de normatização privatística mas subordinada), com

origem na Europa continental.

As dificuldades de afirmação da Cidadania e da Democracia na

história brasileira produziram reflexões sobre a dimensão trabalhista e

sindical da estrutura institucional do país, ao ponto de se formarem

algumas concepções negativistas sobre a compatibilidade do padrão

legislado de ordem jurídica trabalhista com a sedimentação de sólidas

perspectivas para o desenvolvimento econômico, social e político no Brasil.

Segundo tais concepções, o pecado original da origem autoritária do

modelo justrabalhista brasileiro, estruturado na ditadura Vargas (1930-

1945), comprometeria toda e qualquer tentativa de compatibilizar esse

subsistema jurídico, social, econômico e cultural com a Democracia no

país. Nesse pessimismo analítico, o padrão essencialmente negociado de

sistema trabalhista, derivado da matriz angloamericana, despontava como

alternativa política e jurídica a ser considerada17

.

A Constituição de 1988 firmemente superou esse debate e tal

insegurança sobre a questão trabalhista no Brasil. O mais democrático e

inclusivo Texto Máximo já produzido na História do Brasil realizou

explícita, clara e estrutural escolha pelo modelo legislado de regulação

trabalhista, indicando, inclusive, os caminhos mais coerentes para sua

afirmação, desenvolvimento e melhoria.

A partir dessa manifesta escolha constitucional, vindo do Texto

Magno mais democrático construído em cinco séculos de história, torna-se

inconsistente e meramente ideológica qualquer tese de rediscussão sobre a

importação do modelo angloamericano para a economia, a sociedade e a

cultura brasileiras.

Em conformidade com a Constituição de 1988, cabe, essencialmente,

universalizar-se o estuário de regras e princípios jurídicos trabalhistas na

sociedade e economia brasileiras, elevando-se o patamar civilizatório

mínimo de inclusão social e econômica na realidade do país, conferindo-se

efetividade à mais importante política pública de inclusão social e

econômica já construída nos marcos do capitalismo.

Os aperfeiçoamentos necessários no plano do Direito Coletivo do

Trabalho – a respeito do qual a Constituição, de fato, reconheceu existir

certa transição democrática – não tem a aptidão de recolocar em debate

todo o sistema jurídico constitucionalizado. A estrutura, o sentido e o papel

17

A respeito desse debate em torno das origens do sistema trabalhista brasileiro (o pecado original), sua

evolução nas décadas seguintes aos anos de 1940, com os subsequentes ajustes promovidos pela

Constituição de 1988, consultar no livro DELGADO, Maurico Godinho e DELGADO, Gabriela Neves,

Constituição da República e Direitos Fundamentais – dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito

do Trabalho, São Paulo: LTr, 2012, especialmente três capítulos: o de n. V – “Democracia, Cidadania e

Trabalho”; o Capítulo VII – “Direito do Trabalho e Inclusão Social – estrutura, evolução e papel da CLT

no Brasil”; e, finalmente, o Capítulo IX – “Papel da Justiça do Trabalho no Brasil”.

26

desse sistema jurídico trabalhista estão firmemente assentados pela própria

Constituição da República.

VII – CONCLUSÃO

O paradigma do Estado Democrático de Direito constroi-se em torno

de três eixos centrais: a pessoa humana e sua dignidade; a sociedade

política, democrática e inclusiva; a sociedade civil, também democrática e

inclusiva.

Esse paradigma estruturou-se depois de suplantada a fase de

transição que se deflagrou ainda no início do século XX, pelo Estado Social

de Direito, que teve o condão de repercutir o temário da Democracia na

estrutura institucional e cultural do precedente Estado Liberal Primitivo.

Firmemente incorporado pela Constituição de 1988 no Brasil, o

Estado Democrático de Direito permitiu alçar a um plano constitucional

diferenciado os ramos jurídicos sociais, em especial o Direito do Trabalho.

A partir do marco do novo constitucionalismo, sabe-se ser inviável

garantir-se efetiva centralidade à pessoa humana na vida econômica, social

e institucional, tangendo-se sua dignidade, sem lhe assegurar patamar

civilizatório mínimo no mundo do trabalho que caracteriza a economia e a

sociedade reais. O instrumento historicamente testado para essa garantia

reside na generalização do Direito do Trabalho e de seu estuário normativo

próprio.

Da mesma maneira, o novo constitucionalismo apreendeu ser

imprescindível à democratização da sociedade política e especialmente da

sociedade civil a presença de sistema normativo interventivo no contrato de

emprego, mecanismo racional e eficiente para viabilizar maior equilíbrio de

poder na principal relação de trabalho existente no capitalismo.

Esse mesmo sistema normativo é que irá garantir, ao mesmo tempo,

constante dinâmica de distribuição de renda no universo econômico e

social, completando o ciclo virtuoso de construção do Estado Democrático

de Direito no âmbito da sociedade civil, especialmente na economia.

Nesse quadro analítico, a inter-relação entre Constituição da

República, Estado Democrático de Direito e Direito do Trabalho ganha

inarredável consistência histórica, lógica e normativa, descortinando o real

sentido do projeto central da Constituição de 1988.

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27

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28

TEODORO, Maria Cecília Máximo, O Princípio da Adequação Setorial

Negociada no Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2007.

1

A INCONSTITUCIONALIDADE DA LIBERAÇÃO GENERALIZADA DA

TERCEIRIZAÇÃO1

Ricardo José Macêdo de Britto Pereira2

Resumo

O presente texto trata das propostas de liberação da terceirização em todas as atividades

empresarias, mediante a superação da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho que a

veda na atividade fim. As investidas empresariais se concentram no Congresso Nacional e no

Supremo Tribunal Federal. Neste estudo, defende-se que a liberação generalizada da

terceirização viola a Constituição de 1988. Para tanto, são analisados os direitos sociais dos

trabalhadores como imposição constitucional, superando as interpretações conservadoras, o

modelo de emprego constitucionalmente protegido, as tentativas de desconstitucionalizar os

direitos dos trabalhadores e a dignidade humana como referência dos valores sociais do trabalho

e da livre iniciativa.

Abstract

This paper deals with the proposed release of outsourcing in all entrepreneurial activities, by

means of overcoming the Labor Superior Court jurisprudence that proscribes it in the core

business. The business invested focus in Congress and the Supreme Court. In this study, it is

argued that the widespread release of outsourcing violates the Constitution of 1988. To this end,

it analyses the social rights of workers as constitutional imposition, instead of conservative

interpretations, the constitutionally protected employment model, the attempts to take out the

Constitution rights workers, and the human dignity as a reference of the social values of work

and free enterprise.

1. Considerações iniciais.

Diversas iniciativas encontram-se em curso visando a uma profunda alteração

estrutural do Direito do Trabalho. Uma das mais graves refere-se à liberação da

terceirização, transferindo para os empresários a decisão de utilizarem intermediários

para a prestação das atividades que digam respeito a parte ou a todo o seu negócio.

Tanto o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 30/2015, que tramita no

Senado e dá continuidade à deliberação da Câmara no Projeto de origem nº

1 Artigo vencedor do XVI Prêmio Evaristo de Moraes Filho (1º lugar), organizado pela Associação

Nacional dos Procuradores do Trabalho, na categoria de Melhor Trabalho Doutrinário (outubro/2015). 2 Professor Titular do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF (Mestrado em Direito das Relações

Sociais e Trabalhistas). Doutor pela Universidade Complutense de Madri. Mestre pela Universidade de

Brasília. Subprocurador Geral do Ministério Público do Trabalho.

2

4.330/20043, quanto à Repercussão Geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal

(ARE 713211 – Tema 7254) constituem instrumentos para a abertura de vias à

intermediação de mão de obra em quaisquer ou em todos os setores das empresas.

Essa investida na liberalização da terceirização possui o objetivo de ampliar o

âmbito do mercado, mediante o desmonte dos pilares de sustentação do Direito do

Trabalho. A terceirização não afasta o Direito do Trabalho, mas o fragiliza. O seu

caráter altamente ideologizado encobre as suas reais intenções e os meios para alcançá-

las, ao tempo em que forja um ideal de progresso e de desenvolvimento econômicos,

como símbolos da modernidade, em que o modelo regulatório trabalhista tradicional

seria a barreira arcaica que inviabiliza a prosperidade da nação.

O Supremo Tribunal Federal aceitou conhecer da matéria sobre os limites

jurisprudenciais estabelecidos pelo Tribunal Superior do Trabalho, consagrados na

Súmula 3315, ao argumento de que eles não se encontram na Constituição e somente o

3 O artigo 4º do projeto aprovado na Câmara possui a seguinte redação:

É lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante que obedeça

aos requisitos previstos nesta Lei, não se configurando vínculo de emprego entre a contratante e os

empregados da contratada, exceto se verificados os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da Consolidação

das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto – Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

4 Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA.

OMISSÃO. DISCUSSÃO SOBRE A LIBERDADE DE TERCEIRIZAÇÃO. FIXAÇÃO DE

PARÂMETROS PARA A IDENTIFICAÇÃO DO QUE REPRESENTA ATIVIDADE-FIM.

POSSIBILIDADE. PROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARA DAR

SEGUIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. A liberdade de contratar prevista no art. 5º, II,

da CF é conciliável com a terceirização dos serviços para o atingimento do exercício-fim da empresa. 2.

O thema decidendum, in casu, cinge-se à delimitação das hipóteses de terceirização de mão-de-obra

diante do que se compreende por atividade-fim, matéria de índole constitucional, sob a ótica da liberdade

de contratar, nos termos do art. 5º, inciso II, da CRFB. Patente, outrossim, a repercussão geral do tema,

diante da existência de milhares de contratos de terceirização de mão-de-obra em que subsistem dúvidas

quanto à sua legalidade, o que poderia ensejar condenações expressivas por danos morais coletivos

semelhantes àquela verificada nestes autos. 3. Embargos de declaração providos, a fim de que seja dado

seguimento ao Recurso Extraordinário, de modo que o tema possa ser submetido ao Plenário Virtual desta

Corte para os fins de aferição da existência de Repercussão Geral quanto ao tema ventilado nos termos da

fundamentação acima.(ARE 713211 AgR-ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em

01/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-074 DIVULG 14-04-2014 PUBLIC 15-04-2014)

5 Súmula nº 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos

os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente

com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

3

Legislador poderia prevê-los. A repercussão geral reconhecida cogita da violação à

liberdade de contratar inserida no princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II, CF),

de modo que limitação imposta pelo Judiciário, sem o respaldo do Legislativo, afronta o

texto constitucional.

Observa-se que a tese provisoriamente anunciada se apoia numa suposta

primazia da liberdade contratual em detrimento da proteção ao trabalho. Dos diversos

dispositivos constitucionais que consagram essa proteção não desencadearia qualquer

restrição à prática da terceirização. Segundo esse raciocínio, eventuais limitações à livre

iniciativa estariam a critério exclusivo do Legislador.

Trata-se de interpretação que, na história constitucional de nosso país, jamais

logrou semelhante prestígio. Sua confirmação pode gerar um incalculável passivo

trabalhista e social.

O julgamento a curto prazo, como parte da estratégia empresarial, não ocorreu,

em razão de mobilizações em apoio ao Direito do Trabalho. No entanto, a pressão para

liberar a terceirização se intensificou. Os seus defensores encontram na atual

composição do Congresso Nacional ambiente propício para eliminar os limites

atualmente aplicados.

Havia sinais de resistência por parte do Poder Executivo em relação ao projeto

liberalizante. Ocorre que o Executivo perdeu o controle de sua agenda, com a crise

política e econômica. O Senado Federal chegou a esboçar alguma contrariedade à forma

açodada como o projeto foi aprovado na Câmara. Porém, tratava-se de manobra no jogo

da disputa pelo poder que, no momento, já não é mais decisiva para o seu resultado.

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego

com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102,

de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-

meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade

subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação

processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas

mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações

da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais

e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero

inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da

condenação referentes ao período da prestação laboral.

4

Ou seja, a proposta que libera a terceirização vai ocupando espaços e se

consolidando cada vez mais no meio político.

A reação de parcela do movimento sindical, do meio acadêmico e de entidades

públicas voltadas à defesa do trabalho e dos direitos dos trabalhadores tem sido

fundamental para ganhar tempo, o que propicia o aprofundamento do estudo visando

identificar os limites constitucionais ao projeto que persegue a terceirização ampla

(Delgado; Amorim, 2014, p. 67).

A abordagem constitucional do tema é inevitável. Ainda que a aprovação da

liberação da terceirização não se verifique como esperada pelos autores das propostas,

as mencionadas investidas empresariais não serão as únicas. É importante que o

Supremo Tribunal Federal se posicione neste tema, mas não sem antes conhecer a

realidade do mundo do trabalho, por meio de representantes dos trabalhadores e das

instituições públicas e privadas encarregadas de defender o trabalho e o Direito do

Trabalho. Matéria trabalhista de tamanha relevância não pode ser decidida à revelia do

diálogo social, como preconizado pela Organização Internacional do Trabalho na

Declaração sobre a Justiça Social para uma Globalização Justa, de 2008.

É da análise constitucional da terceirização que o presente texto se ocupa. A

hipótese de trabalho é que as disposições normativas constitucionais não autorizam a

terceirização de toda e qualquer atividade do processo de produção de bens e serviços e

que eventual possibilidade jurídica de utilização da terceirização em algumas atividades

atrai a observância de limites constitucionais no tocante às condições de trabalho.

O texto será dividido em quatro partes: os direitos sociais dos trabalhadores

como imposição constitucional e a superação da interpretação conservadora; a

consagração constitucional de um modelo específico de emprego; a

desconstitucionalização do Direito do Trabalho como estratégia para a exploração dos

trabalhadores e a flexibilização dos direitos trabalhistas; e, por último, a dignidade

humana como referência aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

2. Os direitos sociais dos trabalhadores como imposição constitucional e a

superação da interpretação conservadora

5

A Constituição de Weimar de 1919 reveste-se de grande simbolismo para o

constitucionalismo social, pois marca a era da inserção dos direitos sociais nos textos

constitucionais.

Apesar dessa relevância, os opositores a seu texto tiveram grande influência a

ponto de eliminar a força normativa do conteúdo social da constituição. Um jurista que

teve grande peso nesse sentido foi Carl Schmitt, defensor de um decisionismo político

conservador.

A primeira parte da Constituição de Weimar tratava da organização do Estado. A

segunda parte, dos direitos fundamentais. Carl Schmitt (1982, p. 52) considerava que a

segunda parte da Constituição de Weimar não passava de uma ordem obscura, em razão

da incorporação de declarações correspondentes a compromissos desprovidos de

decisão. Na parte dos direitos e deveres fundamentais dos alemães, foram reunidos

programas e prescrições baseados em distintos conteúdos e convicções políticas, sociais

e religiosas.

Para Schmit (1982, p. 53), a Constituição de Weimar contém decisões políticas

fundamentais sobre a forma de existência política concreta do povo alemão, mas não

todas em razão do caráter misto dos direitos fundamentais enumerados em sua segunda

parte. Isso porque foram mescladas concepções burguesas e sociais, o que gera confusão

para se identificar o conteúdo das decisões que conferem a forma e a unidade ao Estado.

Segundo Schmitt (1982, p. 54), apesar da enumeração dos direitos sociais, a

decisão fundamental foi a de afirmar o Estado burguês de Direito e a democracia

constitucional, opção extraída do preâmbulo e dos primeiros artigos da Constituição de

Weimar. Vários dispositivos da segunda parte da Constituição são por ele denominados

de compromissos não autênticos, apócrifos ou dilatórios. Na ausência de decisão, não

deveria haver dúvida de que prevalece o status quo social, ou seja, da manutenção da

ordem burguesa, uma vez que a decisão pela revolução socialista foi expressamente

rechaçada.

Apesar do prestígio dessa concepção decisionista na primeira metade do Século

XX, alcançando inclusive a segunda metade, ela é totalmente inadequada no atual

6

estágio do constitucionalismo. Além disso, seu caráter autoritário a torna incompatível

com o Estado Democrático de Direito.

É importante comparar a Constituição de Weimar com a Lei Fundamental de

Bonn de 1949. Esta última, diferentemente da primeira, não contém direitos sociais,

mas logrou avanços significativos a partir da interpretação de cláusulas abertas. Isso

marca a diferença entre o constitucionalismo da primeira metade e o da segunda metade

do Século XX.

Ao contrário da doutrina de Schmitt, as disputas político-ideológicas não passam

ao largo da Constituição, mas para ela convergem, lá encontrando limites rigorosos, que

não consubstanciam meros programas ou compromissos dilatórios. Deparam com

genuínas decisões que representam as opções fundamentais para o Estado e a sociedade

como um todo e condicionam o exercício de poderes tanto no âmbito público quanto no

privado. A rigor, a Constituição, ao invés de adotar compromissos que dilatam essas

disputas, impõe a elas severas condicionantes e restrições.

A consagração do pluralismo, pela qual tendências diversas e até contraditórias

encontram o seu lugar no texto constitucional, não autoriza uma opção pela livre

iniciativa em detrimento do valor social do trabalho. O modelo de Estado e

sociedade previsto na Constituição de 1988 baseia-se na centralidade do trabalho

socialmente protegido.

A democracia permeia todo o texto constitucional e ela só se realiza mediante a

participação efetiva nas deliberações relevantes e o exercício dos direitos fundamentais.

No nosso modelo constitucional, a cidadania é a essência de todas as relações

envolvendo o Estado e a sociedade.

A cidadania no trabalho e a democratização nas relações de trabalho são de

fundamental importância para a democratização da sociedade como um todo. Não há

democracia na sociedade, se no ambiente de trabalho prevalece a lógica autoritária e da

exploração.

Nesse ponto, a Organização Internacional do Trabalho desempenha papel

relevante na defesa da liberdade sindical. Segundo a OIT, não há liberdade sindical sem

democracia no local de trabalho e não há democracia na sociedade se não há liberdade

7

sindical assegurada. A liberdade sindical se condiciona ao exercício dos direitos

fundamentais e os direitos fundamentais dependem do exercício dos direitos de

liberdade sindical. (Pereira, 2007).

Guastini (2001, p. 154), em texto referencial, trata da constitucionalização do

direito na experiência jurídica italiana. Segundo o jurista, o processo de

constitucionalização do direito depende de condições estruturais, que consistem na

existência de uma constituição rígida e de um sistema de controle da primazia das

normas constitucionais. São condições necessárias, mas não suficientes para o seu

avanço, uma vez que não se trata de um processo inexorável. O avanço do processo de

constitucionalização do direito só é possível desde que presentes condições

complementares, que correspondem às convicções prevalecentes na sociedade e na

comunidade jurídica acerca dos dispositivos constitucionais. São citados alguns

exemplos de ideias compartilhadas que impulsionam a constitucionalização do direito,

como a convicção de que as disposições constitucionais são genuinamente normativas,

não necessitando da intermediação do legislador para serem aplicadas; que os direitos

sociais possuem força normativa tal qual os direitos civis; que os direitos fundamentais

são dotados de eficácia não apenas vertical, mas também horizontal, ou seja, incidem

nas relações com o Estado e também com os particulares; que o ordenamento jurídico

deve ser interpretado em conformidade com as disposições constitucionais; e, por fim,

que a interpretação constitucional deve levar em conta que as questões fundamentais

para a sociedade necessariamente estão inseridas na Constituição, ainda que seu texto

não faça menção expressa, esta última denominada pelo autor de sobreinterpretação.

Essa bem elaborada construção de Guastini dá margem a cogitar de inúmeras

condições complementares em várias outras áreas que, se observadas, propiciarão o

avanço do processo de constitucionalização do direito. A convicção em torno dos

direitos sociais dos trabalhadores previstos na Constituição e, especialmente, a

afirmação cotidiana do valor social do trabalho, constituem condições para o avanço do

processo de constitucionalização do direito em nosso ordenamento jurídico.

Por essa ótica, a liberalização da terceirização, caso seja aprovada e reconhecida

a sua possibilidade jurídica, representará grave retrocesso constitucional.

8

Não faltam dados sobre os efeitos da terceirização nas relações de trabalho,

especialmente no âmbito da saúde e segurança no trabalho. As piores formas de trabalho

na sociedade, que contrariam as convenções fundamentais da Organização Internacional

do Trabalho, consagradas na Declaração de Princípios e Direito Fundamentais de 1998,

são favorecidas com a terceirização de mão de obra, conforme vários estudos realizados

na matéria. (Pereira, 2014, p. 791-795)

3. A consagração constitucional de um modelo específico de emprego

O Direito do Trabalho foi construído a partir da reunião de elementos fáticos-

jurídicos, após um processo que se prolongou e consolidou no tempo. A finalidade do

ramo especializado sempre foi a de que o empregado detivesse a condição de sujeito e

não objeto de direito, como ocorreu em boa parte da história da prestação de trabalho na

humanidade.

A relação de trabalho submetido ao Direito Civil formalizou a exploração do

trabalhador, de modo que só com o Direito do Trabalho é que se passou a destinar a

proteção necessária ao trabalhador contra os propósitos de convertê-lo em mercadoria.

Ao mesmo tempo dotou o empresário da possibilidade de perseguir lucros mediante a

observância de bases civilizatórias mínimas, assegurando mecanismos de controle da

atividade prestada.

Os elementos determinantes para esse passo foi a previsão da subordinação e da

pessoalidade para a configuração da relação de emprego (Delgado, 2015, 300). O

tomador dos serviços estabelece um vínculo direto com o prestador e comanda toda a

atividade por esse executada, havendo vínculos pessoais que acarretam deveres de

lealdade e proteção.

Nesse aspecto, merece menção o bem elaborado parecer emitido pelo

Subprocurador Geral da República, Odim Brandão Ferreira (Ramos Filho; Loguércio:

Menezes, 2015, p. 243), na mencionada repercussão geral reconhecida pelo Supremo

Tribunal Federal.

Valendo-se das lições da doutrinadora Maria do Rosario Palma Ramalho, em sua

obra Da autonomia dogmática do direito do trabalho, destaca:

9

Motivos ponderáveis, além das dificuldades técnicas intransponíveis de

lidar com os problemas trabalhistas com as categorias do direito civil impuseram

novo modelo teórico para tal relação. Também “a desastrosa situação econômica

e social da maioria dos trabalhadores subordinados no final do séc. XIX (...)

demonstra, à evidência que os princípios da liberdade e da igualdade eram

profundamente ilusórios quando aplicados à relação laboral”. Como correção da

posição de inferioridade do trabalhador é “que se vai cimentar aquele que será

reconhecido pela generalidade da doutrina como objectivo norteador de toda a

evolução do direito laboral (...): o objectivo de proteção do trabalhador

subordinado

Ambos os fatores impuseram a reconstrução da relação de emprego, por

meio da “deslocação definitiva do âmago do vincula laboral do binômio de troca

entre duas prestações patrimoniais (o trabalho e a remuneração) para o primitivo

enquandramento obrigacional, incapaz, por exemplo, de explicar a contento os

poderes diretivos e sobretudo o disciplinar entre iguais. Na impossibilidade de

recordação aqui de todos os seus termos, indica-se qua a moderna relação de

trabalho se assenta na “proteção da ideia de pessoalidade nos deveres de

lealdade e de assistência e a sua justificação na empresa como comunidade de

trabalho”.

A Constituição de 1988 ao dispensar proteção à relação de emprego adota como

modelo a contribuição da dogmática trabalhista. Não se trata de qualquer relação de

emprego, mas a que é baseada na subordinação e na pessoalidade, entre os demais

elementos previstos na legislação que são onerosidade, não eventualidade e trabalho

prestado por pessoa física. Nessa evolução, é importante dar ênfase a algumas etapas.

A primeira corresponde a passagem da “situação definida pelo status a uma

situação regulada pelo contrato”. A expressão “do status ao contrato” foi consagrada por

Henry Maine (Feaver, 1968, p. 49) para simbolizar a evolução social que parte de uma

sociedade composta por grupos de famílias, baseada no poder patriarcal, em direção a

uma ordem social em que as relações se originam de livres acordos entre os indivíduos.

A passagem do estado legal à sociedade do contrato significa a ruptura com

a ideia de que os homens se submetem a uma ordem objetiva, que fixa com antecipação

a posição de cada um para dar lugar à ideia de que os homens possuem a possibilidade

de decidir e definir suas situações na sociedade, mediante o exercício da vontade de

cada um (DaCruz, 1996, p. 50).

No âmbito das relações trabalhistas, substituiu-se o fechado sistema

corporativo pela liberdade do trabalhador de ditar, mediante contrato, as condições da

10

prestação do trabalho, que convergia com a igual liberdade do beneficiário dos serviços.

A aplicação do contrato às relações de trabalho, nos países de tradição romanista,

resultou da combinação da categoria da locatio do Direito romano com a objetivação da

força de trabalho e sua separação da pessoa do trabalhador. A atividade, e não a pessoa,

constituía o objeto em torno do qual se vinculavam livremente os contratantes. O

trabalhador, como proprietário de seu trabalho, tinha a possibilidade de determinar a

maneira de negociar o que se encontrava sob seu domínio. A regulação do trabalho,

nessa etapa, era feita pelos sujeitos nele envolvidos, com exclusividade, em consonância

com a autonomia da vontade de cada um. (Supiot, 1996, p. 30).

A greve e outras manifestações coletivas eram reprimidas como ações de

grupo e reprovadas individualmente, consideradas descumprimento do contrato de

trabalho, dando margem à aplicação de sanções de natureza penal (Jacobs, 1994, p.

246).

A aplicação das fórmulas individualistas às relações de trabalho provocou

inúmeros problemas. Intensificou a desigualdade real e favoreceu a concentração de

capital na classe tomadora dos serviços. Os trabalhadores foram excluídos das

vantagens do sistema, passando a constituir uma coletividade marginal, cujas principais

notas de identidade eram as precárias condições de trabalho e de vida. A prometida

liberdade frustrava-se ao não oferecer aos trabalhadores oportunidades de desfrutá-la e,

consequentemente, de suprimir ou reduzir a opressão nas relações sociais (Veneziani,

1994, p. 87).

O trânsito ao contrato, nas relações trabalhistas, não poderia realizar-se

como uma mera relação de intercâmbio patrimonial. A separação entre trabalhador e

atividade, dissimulava o fato de que a cessão da atividade ao outro envolve

inevitavelmente a própria pessoa que a realiza.

A desigualdade real dos contratantes levava à completa sujeição do

trabalhador, sem outra opção para satisfazer suas necessidades vitais, às determinações

do empregador. O contrato de trabalho converte-se em pura manifestação unilateral de

poder, assemelhando-se mais à pretérita situação de domínio homem-coisa,

característica do trabalho forçado, que à relação entre sujeitos livres e iguais,

propugnada pelas novas correntes filosóficas e jurídicas.

11

Santos (1999, p. 14) ressalta que “a contratualização liberal não reconhece o

conflito e a luta como elementos estruturais do contrato... Sob a aparência de contrato, a

nova contratualização propicia a renovada emergência do status, ou seja, dos princípios

pré-modernos de ordenação hierárquica pelos quais as relações sociais são

condicionadas pela posição na hierarquia social das partes.

Grau (1991, p. 20), por sua vez, observa que o sistema liberal desvirtua as

situações de subordinação em “relações de coordenação entre seres livres e iguais”,

mediante a utilização do contrato”.

As análises teóricas feitas a partir dessa realidade vieram como crítica à

autonomia da vontade, que logo se estenderam às demais relações contratuais (Supiot,

1996, p. 141).

O abandono de uma concepção exclusivamente normativista e a

proximidade aos estudos sociológicos permitiu ao direito inclinar-se a interesses

contraditórios, para considerar as posições antagônicas não só de indivíduos entre si,

mas também de grupos sociais, dando origem a relações coletivas, “sendo protagonista

um peculiar sujeito de direito: o sujeito coletivo.” (Carrasco, 2001, p. 43)

O processo de consolidação do Direito do Trabalho realizou-se em duas

vias. Na Alemanha, foi reabilitado o antigo Direito germânico para conter a relação de

trabalho como operação de intercâmbio, de origem romanista. Determinadas situações

de trabalho originavam vínculos pessoais de fidelidade, como os familiares, fazendo do

trabalhador um partícipe da mesma comunidade de direitos e deveres do tomador de

serviços. A ênfase na comunidade e na hierarquia e não na vontade do indivíduo ou do

Estado, significou o desprestígio do contrato, ou sua eliminação nas versões mais

extremistas. O fato de contribuir com seu trabalho “confere ao trabalhador o status de

membro da comunidade. O trabalhador assalariado encontra-se, pois, numa posição

estatutária, e não contratual”. (Supiot, 1996, p. 33)

Será levado em conta que a pessoa do trabalhador está diretamente

envolvida no objeto da relação jurídica e necessita de uma tutela especial. No plano

individual, essa tutela será promovida a partir da restrição da autonomia da vontade na

determinação das condições de trabalho. O direito já não tutela a liberdade como é, mas

12

como deve ser. A liberdade deixa de ser puro pressuposto para ser também o fim do

direito.

Como ressalta Dacruz (1996, p. 45) “o Direito social do trabalho não se

contenta com uma caracterização secamente patrimonialista da relação de trabalho, e daí

o enérgico reforço de seu conteúdo ético ou moral”. Acrescenta que o “trabalhador que

‘arrenda’ seu trabalho não pode separar-se do objeto arrendado; ele, que é sujeito, entra

como objeto na relação de arrendamento”. Por isso a necessidade de tutelar, “além do

conteúdo patrimonial (salário e serviço), um conteúdo moral derivado das exigências

dessa ‘comunidade pessoal’, que surge, inevitavelmente, entre o empregador e o

prestador de serviços”.

Na França, levou-se em conta a desigualdade real dos sujeitos da relação de

trabalho, para questionar sua disciplina pelo contrato de direito comum. A

sobrevivência do contrato de trabalho só foi possível com uma modificação substancial

de seus princípios e aproximação à concepção germanista. A intervenção dos poderes

públicos, nos países latinos, será a tônica da nova disciplina. A noção de “ordem pública

social” vai propiciar um trato de favor aos trabalhadores, a partir da aplicação de um

conjunto de normas sistematizadas e ditadas à margem da vontade das partes. À vontade

se reserva o papel de condicionar a aplicação do estatuto (Supiot, 1996, 44/49).

Ao contrato-estatuto do trabalho, marcado por seu forte caráter heterônomo,

soma-se a autonomia coletiva, resultante do reconhecimento progressivo da liberdade de

organização para a defesa de interesses comuns. O desenvolvimento da autonomia

coletiva foi possível com a incorporação aos ordenamentos jurídicos de mecanismos

específicos capazes de permitir a solução dos conflitos pelos próprios interessados.

A consolidação do Direito do Trabalho como disciplina autônoma foi

possível com o desenvolvimento de uma teoria da convenção coletiva, a partir das

elaborações de Philipp Lotmar e Hugo Sinzheimer (Hepple, 1984, p. 26 e 27), que logo

integrou o ordenamento jurídico alemão, para garantir o direito de organizar sindicatos e

associações patronais, com vistas à melhoria das condições de trabalho e econômicas e

o direito à negociação coletiva.

A primeira guerra mundial provocou profundas mudanças nas relações

trabalhistas em toda Europa. O reconhecimento estatal dos sindicatos e a colaboração

13

entre Estados, empresários e sindicatos foram imprescindíveis para a infraestrutura da

guerra. A satisfação das pretensões dos trabalhadores, por meio de seus sindicatos, foi

importante para a obtenção de apoio político e contenção das ameaças revolucionárias

Jacobs, 1984, 277-280).

A ação conjunta entre poderes públicos e atores sociais, por outro lado, foi

exacerbada em alguns sistemas jurídicos, deixando de ser estratégias espontâneas para

converter-se em dever social, como resultado da influência de concepções coletivistas.

A liberdade, tanto do trabalhador como do empresário, nesses modelos, desapareceu

com o contrato de trabalho. O vínculo de trabalho que os une era resultado do

desempenho das funções que competem a cada um ante toda a sociedade, razão da

incorporação do trabalhador à empresa, com a aproximação entre trabalho privado e

serviço público. Os deveres e direitos das relações de trabalho procediam dos princípios

superiores do Estado, não fazendo sentido fortalecer os mecanismos de reivindicação. A

greve, nesse modelo de corte autoritário, era também considerada delito, assim como os

demais descumprimentos de serviço. (DaCruz, 1996, p. 74)

O Direito do Trabalho respondeu a essas tendências individualistas e

coletivistas restringindo a liberdade no plano do direito individual e a ampliando no

âmbito coletivo, especialmente em relação ao Estado, estabelecendo um jogo

equilibrado entre normas cogentes de origem estatal e normas resultantes da autonomia

coletiva da vontade. Em outras palavras, conciliou a “situação ambivalente entre

liberdade e imposição” ou “autonomia contratual e lei” (DaCruz, 1996, p. 76).

O reconhecimento dos sindicatos como representantes do grupo profissional

e não do interesse geral e da convenção coletiva de trabalho, esse misto de contrato e

lei, será o eixo de desenvolvimento do Direito do Trabalho, ao lado da intervenção do

Estado, para restringir a autonomia individual. Nos ordenamentos jurídicos atribuiu-se,

com mais ou menos intensidade, primazia a um ou outro.

O compromisso do Direito do Trabalho, constituído pelo jogo aberto entre

intervenção estatal e autonomia coletiva, passa a ser com a pessoa, não como indivíduo

abstrato e sim dentro de seu contexto de vida, membro de uma coletividade. O Direito

do Trabalho é um “Direito pessoal do Trabalho” na expressão de DaCruz (1996, p. 77),

que se baseia “na aceitação do trabalhador como pessoa plena e, portanto, sui iuris

14

senhor de si mesmo”. Com o apoio de outros direitos sociais, esse ramo do direito se

voltará para a solução dos problemas de uma sociedade efetivamente desigual.

A Constituição não admite a desfiguração da relação de emprego, seja ela

resultante da aprovação de proposta que opere a total flexibilização do Direito do

Trabalho, seja da liberação irrestrita da terceirização. Ela simplesmente não admite um

sistema que atribua aos indivíduos contratantes a definição das condições de trabalho.

Da mesma forma que não admite o fim da intervenção estatal no estabelecimento de

patamares mínimos ou o fim da organização sindical e resolução dos conflitos mediante

a autonomia coletiva da vontade. Mudanças radicais como quaisquer dessas

mencionadas seriam atentatórias à Constituição e parece pouco provável que o Supremo

Tribunal Federal, como o seu guardião, admita tamanho desvirtuamento do texto

constitucional.

4. A desconstitucionalização do Direito do Trabalho como estratégia para a

exploração dos trabalhadores e a flexibilização dos direitos trabalhistas.

O discurso é bastante conhecido. As políticas mais liberalizantes e

conservadoras investem contra as conquistas sociais, mesmo as que se encontram

consagradas no texto constitucional, com base em argumentos de modernidade ou que o

Estado do bem estar social representa um peso que contribui para o atraso e incrementa

as crises econômicas.

Em períodos de acentuadas e prolongadas dificuldades econômicas, esses

discursos possuem grande penetração, dando lugar a processos de reformas para a

flexibilização e eliminação de direitos sociais.

É fato que experimentamos profundas transformações nos sistemas de produção

de bens e serviços e na gestão empresarial. São vários os fatores determinantes dessas

transformações e merecem destaques a globalização econômica e os avanços

tecnológicos. Mas o que mais impacta nas relações de trabalho é a perda da referência

ao sujeito tomador dos serviços. A “unidade básica da organização econômica” já não

corresponde ao “sujeito, seja individual (como o empresário ou a família empresarial)

ou coletivo (como a classe capitalista, a empresa, o Estado)”. Assume seu lugar uma

“rede” integrada por “diversos sujeitos e organizações, que se modifica constantemente

15

a medida que se adapta aos ambientes que a respaldam e às estruturas do mercado”

(Castells, 2001, p. 151-253).

A indivisibilidade do empresário é importante para garantir um centro único e

identificável de imputação de responsabilidades ao tempo em que contribui para a

identificação dos sujeitos coletivos envolvidos com as relações de trabalho. A

descentralização que se verifica na atualidade gera o crescimento do passivo trabalhista,

dificultando a tarefa de alcançar quem responda por ele.

A fragmentação e o deslocamento da produção de bens e serviços associadas à

dificuldade de identificar centros de responsabilidades e de agregação dão margem à

individualização dos trabalhadores, dificultando a formação de vínculos de

solidariedade entre eles. A descentralização produtiva, em razão de sua complexidade,

variedade e generalidade, acarreta prejuízos aos trabalhadores, mesmo naqueles

ordenamentos em que haja um sistema de proteção para os trabalhadores das empresas

prestadoras de serviços (Dal-Ré, 2002, p. 25).

Harvey (2010, p. 140-141) faz menção à lógica da “acumulação flexível”, que se

contrapõe a sistemas rígidos de produção, como o fordismo. A acumulação flexível “se

apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos

produtos e padrões de consumo”. A flexibilidade e a mobilidade permitem que os

empregadores incrementem o seu poderio em termos de controle de trabalho e fragiliza

a capacidade de reação dos trabalhadores.

Krein (2013, p. 199) observa que:

O processo de terceirização baseado na redução de custos tende a

fortalecer as relações de trabalho mais heterogêneas, incluindo o trabalho por

conta própria sem proteção social e contratação de trabalhadores sem registro

como forma de obter competitividade para sobreviver no mercado.

A restrição de direitos e garantias sociais, acompanhada do controle dos

conflitos sociais, caracterizam o denominado Estado penitenciário (Wacquant, 2011).

Por meio de uma cultura do medo, que enfatiza o caráter perturbador e de instabilidade

dos conflitos, o Estado e a própria sociedade legitimam as posições de dominação,

esvaziando todo o potencial de questionamento para desestruturar relações estabelecidas

de poder. O temor ao coletivo e a aversão aos conflitos fortalecem a convicção de que

16

os diversos problemas sociais devem ser enfrentados e resolvidos pelo Estado e pelos

próprios indivíduos isoladamente.

Bourdieu (1998, p. 44) alertava para essa força do neoliberalismo na degradação

das condições de trabalho, apesar de ser transmitido para a sociedade ideia

completamente distinta. Diz ele:

Por exemplo, na França, não se diz mais ‘patronato’, diz-se ‘as forças vivas da

nação’; não se fala mais de demissões, mas de ‘cortar gorduras’, utilizando uma

analogia esportiva (um corpo vigoroso deve ser esbelto). Para anunciar que uma

empresa vai demitir 2.000 pessoas, fala-se do ‘plano social corajoso da Alcatel’.

Há também todo um jogo com as conotações e as associações de palavras como

flexibilidade, maleabilidade, desregulamentação, que tendem a fazer crer que a

mensagem neoliberal é uma mensagem universalista de libertação.

A desconstrução do modelo juslaboralista tradicional contribui para degradar as

condições sociais e de trabalho e incrementar o processo de exclusão dos trabalhadores

do sistema de direitos. Isso dá margem a existência de grupos de trabalhadores em

situação de extrema vulnerabilidade, com pequena capacidade de reação.

A terceirização se expressa como se referisse a cada um dos trabalhadores

individualmente, mas ela diz respeito à organização do trabalho como um todo. Por

isso, ela não pode ser a forma prevalecente de relação de trabalho, pois debilita os

grupos e promove a exclusão social e no trabalho. Ela obsta o acesso aos direitos

básicos e a participação na determinação das condições de trabalho, principais

conquistas do Direito do Trabalho que se consolidaram ao longo do século XX e que,

nos últimos tempos, vêm sendo gravemente ameaçadas e destruídas.

A força da ideologia difundida pelos grupos majoritários naturaliza a violação

sistemática dos direitos sociais dos trabalhadores e interpretam as reações como

transgressões.

A construção de uma identidade coletiva pelos trabalhadores na atualidade fica

extremamente comprometida, pois são diferenciadas as situações resultantes da violação

sistemática das normas trabalhistas. Há categorias de trabalhadores que usufruem seus

direitos, conquistam benefícios e se organizam com mais efetividade, em condições de

participar ativamente das discussões e deliberações que lhes dizem respeito. Há outras

em que alguns direitos são observados, mas não em condições de isonomia, o que já

dificulta ou inviabiliza a organização coletiva. Por fim, há os que são totalmente

17

excluídos, com barreiras de toda ordem para lograr algum tipo de inserção social, por

mais reduzida que seja.

Esse ponto é ressaltado por Castel (1998, p. 568/9), ao esclarecer que a exclusão

social:

não é uma ausência de relação social, mas um conjunto de relações sociais

particulares da sociedade tomada como um todo. Não há ninguém fora da

sociedade, mas um conjunto de posições cujas relações com seu centro são mais

ou menos distendidas: antigos trabalhadores que se tornaram desempregados de

modo duradouro, jovens que não encontram emprego, populações mal

escolarizadas, mal alojadas, mal cuidadas, mal consideradas etc. Não existe

nenhuma linha divisória clara entre essas situações e aquelas um pouco menos

mal aquinhoadas dos vulneráveis que, por exemplo, ainda trabalham mas

poderão ser demitidos no próximo mês, estão mais confortavelmente alojados

mas poderão ser expulsos se não pagarem a prestação, estudam conscientemente,

mas sabem que correm o risco de não terminar... Os ‘excluídos’ são, na maioria

das vezes, vulneráveis que estavam ‘por um fio’ e que caíram. Mas também

existe uma circulação entre essa zona de vulnerabilidade e a da integração, uma

desestabilização dos estáveis, dos trabalhadores qualificados que se tornam

precários, dos quadros bem considerados que podem ficar desempregados. É do

centro que parte a onda de choque que atravessa a estrutura social.

É necessário frear com extremo rigor os intentos de exploração e exclusão dos

trabalhadores e de tratamentos que violem a dignidade da pessoa humana. Ainda

estamos a meio do caminho da conversão dos trabalhadores em cidadãos plenos. O

modelo de relação de emprego incorporado na Constituição é que assegura um piso de

civilidade como condição de desenvolvimento da sociedade. A desconstitucionalização

do Direito do Trabalho é vedada em nosso ordenamento jurídico, uma vez que a

identidade constitucional está diretamente vinculada ao valor social do trabalho.

5. A dignidade humana como referência aos valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa.

Em diversas passagens do texto constitucional é possível observar a centralidade

do ser humano na dinâmica social, econômica e política. Essa centralidade é

evidenciada a partir dos valores consagrados ao longo de todo o texto constitucional. A

valorização do ser humano, mediante patamares civilizatórios asseguradores da vida em

18

sociedade, encontra no eixo constitucional da dignidade humana a sua razão de ser.

Como acentua Habermas (2012, p. 11), o "apelo dos direitos humanos alimenta-se da

indignação dos humilhados pela violação de sua dignidade humana."

A ideia de dignidade humana, incorporada em várias Constituições, foi

fortemente influenciada pela doutrina kantiana, que diferenciou o que possui preço, e é

substituível, do que está acima de todo preço e, por não ser substituível, possui

dignidade (Kant, 1991, p. 81). Esse “valor interno absoluto” de cada ser humano é

atributo da “pessoa aparelhada com identidade moral e auto-responsabilidade, dotada de

razão prática e capacidade de autodeterminação” (Häberle, 2005, p. 117).

A noção de dignidade humana vem sendo contextualizada para atender as

exigências da democracia e do pluralismo. Não se trata de uma essência imutável alheia

às ações humanas. São as ações concretas que constroem espaços de lutas pela

dignidade humana (Flores, 2004, p. 68).

O conceito de dignidade humana se abre em vários de seus aspectos para que sua

densidade resulte de um processo comunicativo de disputa e compartilhamento de

sentidos entre culturas distintas, do reconhecimento do outro para “ampliação dos

círculos de reciprocidade” e a consequente ampliação de sua “capacidade de inclusão

social” (Santos, 2003, p. 62/3).

Quando se perde o referencial social do tratamento com igual consideração e

respeito vulneram-se os direitos fundamentais. A dimensão moral desses direitos os

dota do caráter questionador e transformador de situações que estão em

desconformidade com os enunciados que os consagram. Assim, preservam a condição

do ser humano como fim em si mesmo e não como instrumento de satisfação de

interesses alheios, assegurando processos de emancipação dos sujeitos submetidos a

vínculos hierárquicos de dominação, no âmbito econômico, social e político. Os direitos

fundamentais se voltam contra a exploração e as práticas que afastam os seres humanos

dos bens destinados à satisfação de necessidades básicas, situando-os abaixo de um

padrão que os excluem da vida comum.

A noção de dignidade humana foi incorporada ao movimento trabalhista na

metade do século XIX e associada à ideia de justiça, o que permitiu que ela extrapolasse

do campo do pensamento para a prática jurídica (Häberle, 2005, p. 118).

19

O trabalho digno permeou toda a história do Direito do Trabalho, embora seja

nos últimos tempos que vem merecendo atenção diferenciada por parte da doutrina e

jurisprudência trabalhistas. No plano internacional, a dignidade do trabalhador é a base

para o programa de trabalho decente promovido pela Organização Internacional do

Trabalho.

Apesar da tendência expansiva dos direitos fundamentais, há o confronto com os

detentores de poderes, que buscam converter tudo e todos em objeto para criação e

acumulação de riquezas, bem como para preservar e incrementar capacidades de

influenciar na dinâmica social, política e econômica.

As investidas para minar a capacidade de resistência das conquistas sociais

incorporadas no texto constitucional provocam instabilidades no sistema de proteção

constitucional, baseado na dignidade da pessoa humana. A sua difusão decorre da

cumplicidade de meios de comunicação, cujos detentores possuem especial interesse

nesse projeto que se volta contra o trabalho socialmente protegido (Calixto, 2014, p. 46-

61). O efeito devastador, tanto em relação às conquistas consolidadas no ordenamento

jurídico, quanto no tocante aos movimentos sociais reivindicatórios, numa espécie de

criminalização, abre os caminhos para a dominação do mercado e o esvaziamento das

políticas de bem estar social.

Ao prever o valor social da livre iniciativa, a Constituição não garante a

possibilidade de fazer tudo o que não está proibido, mas a liberdade de agir levando em

conta sempre a situação do próximo, colocando-se no lugar do outro e exigindo

responsabilidade pelos atos praticados. Não é a liberdade de perseguir o lucro em

qualquer circunstância, muito menos de obter vantagens de maneira selvagem e

predatória.

Os empresários estão vinculados à sociedade por meio de redes de relações

humanas e todas elas foram tratadas no texto constitucional. A necessidade de zelar pelo

meio ambiente, respeitar consumidores e trabalhadores constam como elementos

essenciais da República Federativa do Brasil, figurando como cláusulas pétreas, por

dizerem respeito aos direitos mais fundamentais da pessoa humana. A terceirização

rompe com essas redes, de modo que sua autorização de forma generalizada viola

diretamente o texto constitucional.

20

6. Considerações finais.

As investidas para a liberação da terceirização em todas as atividades das

empresas se acentuaram nos últimos tempos. Elas se dão em duas vias: no Congresso

Nacional e no Supremo Tribunal Federal.

A estratégia empresarial não logrou êxito, pelo menos no aspecto da aprovação

célere do projeto de lei e no julgamento do recurso extraordinário que teve a

repercussão geral reconhecida.

A mobilização de vários defensores dos direitos dos trabalhadores foi de

fundamental importância para retardar tais decisões. Assim, há tempo para discutir

todas as consequências da terceirização para os trabalhadores e a sociedade como um

todo, como deve ocorrer numa sociedade democrática. As consequências prejudiciais

ainda não foram inteiramente reveladas, de modo que o processo deve avançar para que

os estudos e as pesquisas que vêm se realizando por especialistas cheguem às instâncias

decisórias.

Não é mais suficiente retardar a aprovação do projeto que tramita no Congresso

Nacional ou o julgamento do recurso em que foi reconhecida a repercussão geral da

matéria, sob a expectativa de que o Supremo Tribunal Federal decida, como em outras

oportunidades, que se trata de debate infraconstitucional.

A proteção ao emprego previsto na Constituição não é a de qualquer modelo,

mas do que foi consagrado na dogmática trabalhista, baseado na pessoalidade e

subordinação diretas. A ruptura desse alicerce, mediante a liberação generalizada da

terceirização, viola a Constituição de 1988.

A inconstitucionalidade refere-se à eventual aprovação pelo Legislador da

possibilidade de terceirização em qualquer atividade empresarial. A terceirização em

atividades acessórias, em princípio, não é vedada pela Constituição de 1988, na medida

em que fica preservado o modelo de relação de emprego protegida no texto

constitucional. Mas ela violará a Constituição se for adotada para desmobilizar os

trabalhadores, comprometer o meio ambiente de trabalho ou gerar discriminações.

É essencial, para o melhor encaminhamento da discussão no Supremo Tribunal

Federal, que haja audiências públicas para ouvir todos os atores envolvidos. A decisão

21

de matéria da tal envergadura pela mais alta Corte do país não pode desconsiderar os

princípios preconizados pela Organização Internacional do Trabalho, como o diálogo

social e o tripartismo. Só assim o Supremo Tribunal Federal terá condições de anunciar

o verdadeiro conteúdo constitucional.

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