processo nº 436/2014 (autos de recurso civil) livre ... · tribunal recorrido, isso implica que no...

37
Processo 436/2014 Página 1 Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Data: 16/Abril/2015 Assunto: Livre apreciação da prova Resposta explicativa a quesitos Acidente de viação SUMÁRIO - Feita a reapreciação da prova produzida, não se vislumbrando a inobservância de regras de experiência ou lógica que imponham entendimento diverso do acolhido pelo Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia qualquer erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto. - O Tribunal pode dar respostas explicativas a quesitos, desde que essas respostas se integrem no âmbito das questões de facto formuladas na base instrutória. - No âmbito da responsabilidade objectiva, uma vez verificada a existência do facto ilícito, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o condutor do veículo é obrigado a indemnizar ao lesado pelos danos causados, ao abrigo do disposto no artigo 496º do Código Civil. - Provado que a vítima de 55 anos de idade perdeu

Upload: others

Post on 23-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 1

Processo nº 436/2014

(Autos de recurso civil)

Data: 16/Abril/2015

Assunto: Livre apreciação da prova

Resposta explicativa a quesitos

Acidente de viação

SUMÁRIO

- Feita a reapreciação da prova produzida, não se

vislumbrando a inobservância de regras de experiência ou

lógica que imponham entendimento diverso do acolhido pelo

Tribunal recorrido, isso implica que no processo de

formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo

não se evidencia qualquer erro que justifique a alteração

da decisão sobre a matéria de facto.

- O Tribunal pode dar respostas explicativas a

quesitos, desde que essas respostas se integrem no âmbito

das questões de facto formuladas na base instrutória.

- No âmbito da responsabilidade objectiva, uma vez

verificada a existência do facto ilícito, do dano e do

nexo de causalidade entre o facto e o dano, o condutor do

veículo é obrigado a indemnizar ao lesado pelos danos

causados, ao abrigo do disposto no artigo 496º do Código

Civil.

- Provado que a vítima de 55 anos de idade perdeu

Page 2: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 2

a vida num acidente de viação, tendo antes boa saúde

física, capacidade de trabalho e sem qualquer doença;

antes do acidente tinha uma vida alegre com os familiares

os quais se davam bem um com outro e eram uma família

feliz; quando receberam a notícia, os Autores ora seus

herdeiros ficaram muito preocupados e com medo; e sempre

que se lembram da vida passada com o marido ou com o pai,

sentem tristeza pelo seu falecimento, mostram-se

razoáveis e proporcionais os valores de MOP$700.000,00,

pelo dano da morte da vítima, e MOP$300.000,00 e

MOP$100.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos

pelos Autores pela morte do marido e pai,

respectivamente.

O Relator,

________________

Tong Hio Fong

Page 3: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 1

Processo nº 436/2014

(Autos de recurso civil)

Data: 16/Abril/2015

Recorrente:

- Companhia de Seguros da A (Macau), S.A. (Ré)

Recorridos:

- B, C,D,E (Autores)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO

B, C , D e E intentaram contra a Companhia de

Seguros da A (Macau), S.A. acção ordinária junto do

Tribunal Judicial de Base da RAEM, pedindo que se condene

a Ré a pagar indemnizações no montante total de

MOP$1.997.990,00, acrescido de juros de mora a contar da

data de citação até efectivo e integral pagamento.

Realizado o julgamento, a acção foi julgada

parcialmente procedente, tendo a Ré sido condenada a

pagar aos Autores o montante de MOP$1.325.191,00,

acrescido de juros à taxa legal a contar da data de

sentença.

Inconformada com a sentença, dela interpôs a Ré

recurso ordinário, em cujas alegações formularam as

seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferido

Page 4: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 2

pelo douto Tribunal a quo que julgando parcialmente procedente, por

provado, o pedido dos ora Recorridos, condenou a ora Recorrente a

pagar-lhes a quantia de MOP$25.191,00 a título de despesas de

funeral; a quantia de MOP$700.000,00 a título de perda do direito a

vida; a quantia de MOP$600.000,00 a titulo de indemnização por dano

não patrimonial sofrido pelos autores pela morte do seu ente querido,

sendo MOP$300.000,00 para a mulher e MOP$100.000,00 para cada um dos

três filhos.

II. Por via do presente recurso, pretende a Recorrente

impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos

quesitos 2º, 3º, 4º, 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º porquanto da prova

produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos

merecer as respostas que lhe foram conferidas pelo douto Tribunal a

quo, pelo que a matéria de facto foi, deste modo, incorrectamente

julgada pelo Douto Tribunal a quo.

III. No vertente processo, foi determinada a documentação

das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por

isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto tribunal de

Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado

erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a

reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no art. 629º

do Código de Processo Civil.

IV. Do depoimento prestado por F, condutor do veículo

matricula MX-5X-X2 resulta em passagem gravada em 2.12.213, aos 04

minutos e 45 segundos ate 7 minutos e 30 segundos, aos 10 minutos e

55 segundos até 12 minutos e 30 segundos, aos 13 minutos e 00

segundos até 14 minutos e 02 segundos do cd1 tradutor 1 excerto

Page 5: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 3

11.02.22, aos 00 minutos e 00 segundos até 1 minuto e 09 segundos do

cd 1 tradutor 1 excerto 11.18.09, resulta pois que não houve embate

entre o veículo MX-5X-X2 e o veículo MX-1X-X0; que o veículo ME-5X-X2

circulava pelo lado esquerdo da faixa de rodagem e conservou das

barreiras metálicas que circundavam a obra o espaço suficiente até

para a passagem de uma mota; que o veículo MX-5X-X2 circulava sempre

pela mesma faixa de rodagem esquerda; que o veículo MX-5X-X2 nunca

chegou a ver o veículo MX-1X-X0.

V. Do depoimento G em passagem gravada em 2.12.213, aos 3

minutos e 58 segundos até 4 minutos e 09 segundos, aos 6 minutos e 10

segundos até 7 minutos e 50 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto

11.20.12, resulta que o veículo MX-1X-X0 circulava do lado esquerdo

traseiro do veículo ML-5X-X2, que o veículo ML-5X-X2 seguiu sempre na

mesma faixa de rodagem e na mesma direcção, ou seja, em frente, que

não houve embate entre o veículo MX-5X-X2 e o veículo MX-1X-X0.

VI. O Agente da Polícia de Segurança Pública n. 3XXXX1 a

instâncias da Meritíssima Juiz gravadas em 2.12.213, dos 00 minutos

até final do excerto 12.13.01 cd 1 tradutor 1 declarou que a

motorizada apresentava danos do lado direito e do lado esquerdo, ao

passo que a camioneta estava já bastante suja e riscada não tendo

sido possível determinar a ocorrência de qualquer embate que tivesse

provocado a queda.

VII. Do depoimento prestado em audiência pelo Bombeiro

4XXXX1, em passagem gravada em 2.12.213, dos 0 minutos e 00 segundos

até 1 minutos e 20 segundos do cd1 tradutor 1 excerto 11.37.57,

resulta que o condutor do veículo MX-1X-X0 seguia com um capacete

muito frágil o qual “saltou” e estava totalmente danificado, o que

Page 6: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 4

terá certamente contribuído para as lesões sofridas pelo mesmo na

região do cérebro, com isto quer dizer-se que não resultou provado

que a infeliz vítima tivesse sido atropelada pelo veículo MX-5X-X2.

VIII. Do depoimento prestado em audiência pelo Dr. H,

subscritor do relatório da autopsia junto aos autos, em passagem

gravada em 2.12.213, dos 27 minutos e 25 segundos até 28 minutos e 32

segundos e dos 30 minutos e 32 segundos até 31 minutos e 00 segundos

do cd 1 tradutor 1 excerto 15.26.57 resultou claro que a vítima não

foi atropelada pois se tivesse sido atropelado e se a viatura tivesse

passado por cima dele de certeza que teria marcas dos pneus,

partindo-lhe ainda o crânio, declarando convictamente que não parece

que tenha sido atropelado e que nem a existência do conseguiria

proteger pescoço nem ombro e se tivesse passado por cima havia

marcar.

IX. Sobre os factos alegados pela Ré e que o Tribunal

julgou não provados não poderá deixar de se atender a seguinte

passagem do depoimento prestado pela Agente da Polícia de Segurança

Pública 20186 aos 02 minutos e 30 segundos até 03 minutos e 29

segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 16.11.10 que a instância da

Meritíssima Juíza presidente refere a existência de uma ultrapassagem

realizada pela esquerda por parte do motociclo.

X. Também dos restantes meios de prova dos autos, com

especial enfoque para fls. 37, 38, 39, 40, 90, 91, 190 a 196 e 217 a

221 documentos n.º 2 juntos pelos Recorridos com a sua petição

inicial, e bem assim às imagens de vigilância captadas no local (fls

341 dos autos) resulta uma versão do acidente diversa daquela que

veio a ser provada pelo Tribunal.

Page 7: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 5

XI. Com base nos supra transcritos depoimentos, e nos

restantes meios de prova o Tribunal a quo não poderia dar por provado

que: o condutor do veículo MX-5X-X2 teve de virar para a esquerda;

que o motociclo pesado MX-1X-X0 conduzido por I ao virar para a

esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F, ao virar

para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal maneira junto do

motociclo que não lhe deixou espaço suficiente entre as grades que

ladeavam a estrada e o automóvel pesado para prosseguir a sua marcha,

fazendo com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com o

automóvel pesado; que por causa disso I perdeu controlo do motociclo

pesado e caiu no chão juntamente com o motociclo tendo o automóvel

pesado MX-5X-X2 continuado a circular acabando por atropelar I.

XII. Face à análise crítica e concertada dos depoimentos e

dos demais meios de prova, sendo incontestado que a infeliz vítima

caiu do veículo que conduzia, alcança-se a convicção de que para essa

queda em nada contribuiu o veículo matrícula MX-5X-X2, na medida em

que o acidente ocorreu porquanto o ciclomotor circulava atrás e do

lado esquerdo do veículo matrícula MX-5X-X2, a uma velocidade

superior a este, tendo efectuado uma manobra de ultrapassagem deste

veíulo na parte mais estreita da via e pelo lado esquerdo.

XIII. Constando dos autos todos os elementos de prova que

serviram de base à decisão sobre a matéria de facto – quais sejam

documentos, visionamento dos vídeos e depoimento das testemunhas

supra transcritos – está esse Venerando Tribunal na condição de

modificar a decisão do Tribunal de Primeira Instancia sobre a matéria

de facto considerando não provado o quesito 2º, provado unicamente

que do lado esquerdo do veículo MK circulava um motociclo pesado MX-

Page 8: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 6

1X-X0 conduzido por I que se aproximou deste, perdeu o controlo e

caiu ao chão juntamente com o seu veículo, o que sucedeu porque

procedeu a uma manobra de ultrapassagem do veículo MK, na parte mas

estreita da via, e pelo lado esquerdo (num dia de chuva em que o piso

se encontrava molhado).

XIV. Tendo em atenção o conteúdo das declarações acima

transcritas das testemunhas conjugada com a restante prova junta aos

processo – com particular incidência na certidão junta pelos autores

à sua petição inicial como documento nº 2 – não se entende como é que

se consignou que não se provou ter a vítima violado os regulamentos

de trânsito, e tenha sido por isso desresponsabilizada pela produção

do acidente dos autos, e pelo contrário tenha sido entendido “(…) que

F violou a obrigação de manter uma distância entre o seu veículo e as

grades que ladeavam a estrada por forma a evitar a colisão acima

referida. E que, por força desse preceito, a F incumbia o dever de

estar atento à situação da via de trânsito em que estava a circular

designadamente a existência das referidas grades e do motociclo

pesado MX-1X-X0 no seu lado esquerdo (…)”.

XV. Impôs o douto Tribunal a quo, ao arrepio das regras de

circulação rodoviária, a obrigação ao condutor do veículo MK de ter

de contar com a circulação do seu lado esquerdo de um outro veículo,

onde apenas poderia circular uma filha única de veículos, tendo-lhe

ainda sido imposto que devesse contar com a presença de um motociclo

a circular pela sua esquerda!

XVI. O douto Tribunal a quo descuidou por completo de

atentar à conduta estradal da infeliz vítima que, com a sua condução

imprudente, violou o preceituado nos artigos 2º, alínea 14), 6º, n.º

Page 9: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 7

2, 15º, n.º 3, 38º, 40º e 42º, n.º 4 da Lei do Trânsito Rodoviário.

XVII. Dúvidas não podem subsistir que a violação por parte

da infeliz vítima dos referidos preceitos da Lei do Trânsito foi a

única causa da produção do acidente dos autos, o qual se deu por sua

exclusiva responsabilidade, sendo por isso de todo incompreensível

ter o douto Tribunal a quo determinado não ter o ofendido violado

qualquer regra do trânsito, e que o mesmo não tenha sido responsável

pela ocorrência do acidente fatal dos autos.

XVIII. Mesmo que não seja entendido por banda desse douto

Tribunal que merecem reparo as respostas conferidas aos quesitos 21º,

23º, 23-A, 23-B e 24º, e que por via disso não poderá ser imputada a

culpa do acidente em discussão nos autos à infeliz vítima, o que

apenas por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se diga que

a resposta ao quesito 3º não poderá de forma alguma manter-se

inalterada por ter o Tribunal a quo dado por provados factos que não

foram sequer alegados pelos Recorridos.

XIX. Os Recorridos alegaram que foi o motociclo MX-1X-X0

conduzido por I que se aproximou do veículo MX-5X-X2, o que fez pelo

lado esquerdo e que, por I se ter aproximado do veículo MX-5X-X2,

perdeu o controlo e embateu neste automóvel pesado.

XX. Já o douto Tribunal a quo deu por provado algo

totalmente diferente do alegado pelos Recorridos e Autores destes

autos.

XXI. Se os Autores não assacaram ao condutor do veículo

matrícula MX-5X-X2 nenhum comportamento culposo, o mesmo já não o fez

o Tribunal.

XXII. Foi precisamente por ter decidido indagar da culpa

Page 10: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 8

(não alegada pelos Recorridos) que o Tribunal entendeu que “(…) é

manifesto que F violou a obrigação de manter uma distância entre o

seu veículo e as grades que ladeavam a estrada por forma a evitar a

colisão acima referida. É que, por força, por força desse preceito,

F incumbia o dever de estar atento à situação da via de trânsito em

que estava a circular designadamente a existência das referidas

grades e do motociclo pesado MX-1X-X0 no seu lado esquerdo Pela

análise dos factos assentes, conclui-se que F não teve isso em

atenção, pois não deixou espaço suficiente para permitir que a vítima

pudesse continuar a sua marcha o que evitaria o acidente. De facto,

o acidente teve lugar porque faltava espaço para que o motociclo

pesado MX-1X-X0 pudesse prosseguir o que fez com que a vítima

perdesse controlo do motociclo, caísse no chão e fosse atropelada.

Disso pode-se concluir que ocorreu o seguinte: ou F, pura e

simplesmente, não deu conta da existência das referidas grades e do

motociclo pesado MX-1X-X0 no seu lado esquerdo, ou deu conta mas

ainda assim não deixou espaço necessário ao motociclo pesado MX-1X-

X0. Há, portanto, um acto ilícito por parte de F o qual, por não

haver nada que exclua a sua culpa na produção do mesmo, é também

culposo.”

XXIII. Não era legítimo ao Tribunal a quo convolar o facto

alegado pelos Autores, o que teve necessariamente implicação na forma

como o Tribunal entendeu o acidente (já que os autores nunca alegaram

factos que enformassem um comportamento culposo do condutor do

veículo MK, ao passo que o Tribunal expressamente entende que tal

culpa existe).

XXIV. A resposta ao aludido quesito 3º, sempre terá de ter-

Page 11: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 9

se como não escrita, sendo analogicamente aplicável o n.º 4 do artigo

549º do CPC.

XXV. Resulta do artigo 496º do CC a exigência de uma

conexão ou nexo causal entre o dano e os riscos específicos do

veículo, pois que dano indemnizável será aquele que estiver em

conexão causal com o risco (cfr. Dário M. Almeida in “Manual dos

Acidentes de Viação”, pág. 273), sendo pois necessário que os danos

ocorram intercedendo com determinadas relações funcionais com o

condutor ou que provenham dos riscos próprios do veículo.

XXVI. Não se provando qualquer atropelamento do ofendido (e

quanto a este específico ponto da matéria de facto a decisão do

tribunal a quo terá, com todo o devido respeito, necessariamente de

ser alterada), nem que o veículo automóvel matrícula MX-5X-X2 se

encostou de tal maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço

suficiente entre as grades que o ladeavam a estrada e o automóvel

pesado para que a mota prosseguisse a sua marcha, resta apenas que o

condutor do veículo MX-1X-X0 conduzido por I se aproximou do veículo

MX-5X-X2 (e não o contrário) e perdeu o controlo, pelo que, não

existe nexo de causalidade entre a circulação do veículo matrícula

MX-5X-X2 e a queda do veículo MX-1X-X0, pelo que, também por essa via

a pretensão dos Autores senão improceder.

XXVII. Ao ter decidido de modo diverso, o douto Tribunal a

quo violou o disposto no artigo 496º do Código Civil, devendo em

consequência ser revogada a substituída por outra que julgue

improcedentes os pedidos dos Autores e dos mesmos absolva a Ré por

inexistência de nexo causal entre os danos e os riscos específicos do

veículo seguro na ora Recorrente.

Page 12: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 10

XXVIII. Caso venha a prevalecer a versão dos factos

invocados pelos ora Recorridos, ou seja, que a responsabilidade da Ré

seguradora do automóvel MX-5X-X2 conduzido por F se funda na

responsabilidade objectiva deste porque houve, em primeiro lugar uma

colisão deste veículo com o motociclo MX-1X-X0 e depois o

atropelamento da vítima, o que não poderá proceder em virtude do

supra alegado, mormente no que concerne à inexistência de qualquer

atropelamento, sempre se diga que, o risco do veículo conduzido pela

infeliz vítima contribuiu em maior medida para os danos sofridos.

XXIX. É que, mesmo que se entenda que o acidente não se deu

por culpa do próprio lesado, o que apenas por mera cautela de

patrocínio se concede, sempre será de concluir que o mesmo potenciou,

em muito, o risco do acidente se ter verificado, como sucedeu, na

medida em que, circulava do lado esquerdo traseiro e a par do veículo

MK, numa via em que era reservada a uma filha única de transito, num

local onde decorriam obras na berma, e num dia em que estava a

chover, e portanto, em que o piso se encontrava molhado e

escorregadio, sendo por demais evidente, que foi o motociclo que

contribuiu decisivamente para os danos provocados, potenciando o

risco.

XXX. Resulta do disposto no artigo 499º, n.º 1 do CC que o

fundamento da responsabilidade pelo risco leva a que a

responsabilidade se reparta na proporção em que o risco de cada um

dos veículos houver contribuído para os danos, e na proporção dessa

responsabilidade sempre será de entender que o motociclo contribuiu

em maior proporção.

XXXI. Ainda que se entenda que ao presente caso não é

Page 13: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 11

aplicável o disposto no art. 498º do CC – exclusão da

responsabilidade - a fixação do quantum indemnizatório arbitrado

sempre deveria ter sido feito ao abrigo do preceituado nos artigos

489º, n.º 3, e 487º, ambos de CC, com recurso a um critério de

equidade, ou seja, de justiça do caso concreto.

XXXII. O quantum indemnizatório globalmente fixado pelo

Tribunal a quo não é equitativo, porque não atende a todas as

circunstâncias do caso concreto, designadamente, não atende ao facto

do acidente ser imputável ao lesado, ou, pelo menos, potenciado o

risco da sua verificação pelo lesado, pelo que, com todo o devido

respeito ao fixar o quantum indemnizatório a título de danos morais

sofridos pelos Recorridos o tribunal violou os sobreditos preceitos

legais, devendo, em consequência o quantum indemnizatório, ser fixado

em montante inferior, tanto mais que poucos ou nenhuns factos foram

alegados, e por consequência provados, que permitam suportar os

correspondentes pedidos indemnizatórios.

XXXIII. A decisão recorrida ao decidir como decidiu fez uma

incorrecta aplicação do disposto nos art. 2º, alínea 14), 6º, n.º 2,

15º, n.º 3, 18º, 38º, 40º e 42º, n.º 4 da Lei do Trânsito Rodoviário

e bem assim os artigos 496º, 498º, 487º e 489º do Código Civil.

Conclui, pedindo que se conceda provimento ao

recurso.

Notificados, contra-alegaram os Autores,

apresentando as seguintes conclusões:

一、上訴人提交上訴理由陳述,被上訴人完全不能認同。

二、原審判決是根據卷宗內載有之所有證據和證人證言,尤其是案中錄影片段中

得出獲證明事實,從而得出本案判決。

Page 14: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 12

三、上訴理由陳述書提出的依據明顯沒有理由,且質疑原審法庭的自由心證原

則。

四、此外,法庭審理案件時不受制於當事人的法律適用,換言之,法院不受制於

當事人指出法律條文。

五、至於上訴人指被上訴判決訂定民事賠償數額過高這一問題,我們認為其亦屬

無理。

六、被上訴判決沒有上訴人講的瑕疵,沒有違反法律或法律基本原則,因此,請

求廢止之是沒有依據的。相反,應予支持被上訴判決。

七、上訴人的上訴理由不成立,應被駁回。

*

Corridos os vistos, cumpre decidir.

***

II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO

A sentença deu por assente a seguinte

factualidade:

I faleceu em Macau a 10 de Abril de 2010, na

idade de 55 anos (alínea A) dos factos assentes).

A 1ª Autora é cônjuge de I, os 2ª, 3º, 4ª Autores

são filhos dos dois, os quatro autores são herdeiros

legítimos de I (alínea B) dos factos assentes).

A ré é a companhia de seguro de responsabilidade

civil a terceiro do automóvel pesado MX-5X-X2, sob a

apólice nº MTV-09-0XXXX7 E0/R1 R, do prazo válido de 20

de Outubro de 2009 até 19 de Outubro de 2010, o limite de

indemnização da responsabilidade civil por cada acidente

é de MOP$2.000.000,00 (alínea C) dos factos assentes).

Page 15: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 13

No dia 10 de Abril de 2010, cerca das 1h51m de

tarde, F conduzia o automóvel pesado MX-5X-X2, tomando um

passageiro G, circulando pela Estrada XX na direcção da

Rotunda XX à Estrada XX (resposta ao quesito 1º da base

instrutória).

Quando chegou em frente do Edf. XX Garden, sito

na Estrada XX, teve que virar para a esquerda porque

neste local a estrada se configurava uma curva para o

lado esquerdo, atento o sentido da marcha de F (resposta

ao quesito 2º da base instrutória).

Ao mesmo tempo e no mesmo local, no lado esquerdo

do automóvel pesado MX-5X-X2, circulava o motociclo

pesado MX-1X-X0 conduzido por I o qual, ao virar para a

esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F,

ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal

maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço

suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o

automóvel pesado para prosseguir a sua marcha, fazendo

com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com

o automóvel pesado (resposta ao quesito 3º da base

instrutória).

Por causa disso, I perdeu controlo do motociclo

pesado e caiu no chão juntamente com o motociclo tendo o

automóvel pesado MX-5X-X2 continuado a circular e

acabando por atropelar I (resposta ao quesito 4º da base

instrutória).

I ficou ferido e deitado no chão na parte

Page 16: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 14

esquerda traseira do automóvel pesado MX-5X-X2 (resposta

ao quesito 5º da base instrutória).

De seguida, I foi conduzido pela ambulância ao

CHCSJ para tratar (resposta ao quesito 6º da base

instrutória).

No caminho ao hospital e por volta das 2h00 da

tarde, I faleceu por grave trauma cerebral (fractura

explosiva na base do crânio e contusão cerebral)

(resposta ao quesito 7º da base instrutória).

Quando aconteceu o acidente estava a chover, o

pavimento estava molhado e a intensidade de trânsito era

normal (resposta ao quesito 8º da base instrutória).

Os autores pagaram o valor de MOP$27.990,00 para

o funeral de I, incluindo o funeral, a caixão, artigos

para rituais de adoração de deuses, e o exorcismo, etc

(resposta ao quesito 9º da base instrutória).

Após o acidente, I ainda tinha movimentos

cardíacos e respiratórios (resposta ao quesito 10º da

base instrutória).

Quando aconteceu o acidente, I tinha boa saúde

física, sem qualquer doença e tinha capacidade de

trabalho (resposta ao quesito 12º da base instrutória).

Antes de acontecer o acidente, I tinha uma vida

alegre com os familiares os quais se davam bem um com

outro e eram uma família feliz (resposta ao quesito 14º

da base instrutória).

Na data do acidente, quando recebeu a notícia, a

Page 17: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 15

1ª Autora de imediato dirigiu ao hospital, muito

preocupada e com medo (resposta ao quesito 15º da base

instrutória).

Quando os 2º, 3º e 4º Autores receberam a

notícia, estavam no Interior China, ficaram muito

preocupados e com medo (resposta ao quesito 16º da base

instrutória).

Sempre que os Autores se lembram da vida passada

com o marido e pai, sentem tristeza pelo seu falecimento

(respostas aos quesitos 17º e 18º da base instrutória).

Em virtude das obras que à data dos factos

decorriam naquela local, a Estrada XX, no troço

ligeiramente antes do local em que I caiu e para o

sentido de marcha em que seguiam F e I, havia apenas uma

via de trânsito, que se ia alargando gradualmente a

partir deste ponto ligeiramente anterior ao local em que

I caiu, passando depois a haver duas vias de trânsito

(resposta ao quesito 19º da base instrutória).

*

Passemos então a apreciar as questões do recurso.

Da impugnação da matéria de facto constante da

resposta aos quesitos 2º, 3º, 4º, 21º, 23º, 23º-A, 23º-B

e 24º da base instrutória

Alega a Ré que o Tribunal a quo julgou de forma

incorrecta a matéria de facto reportada naqueles

quesitos, mais precisamente, entende que o Tribunal não

Page 18: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 16

poderia dar como provados os quesitos 2º a 4º, pelo

contrário deveria dar por provados os factos descritos

nos artigos 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º da base

instrutória, por que eram contrariados por depoimentos e

documentos juntos aos autos que apontassem em sentido

oposto.

Foram dadas as seguintes respostas à matéria de

facto vertida nos quesitos 2º, 3º e 4º:

Perguntava-se no quesito 2º:

“Quando conduziu em frente do Edf. XX GARDEN,

perto do poste de iluminação n. 7XXC1X na Estrada XX, uma

vez que na faixa de circulação em frente havia um gargalo

e um obstáculo, tinha de esquivar para o lado esquerdo?”

E mereceu a seguinte resposta:

“Quando chegou em frente do Edf. XX Garden, sito

na Estrada XX, teve de virar para a esquerda porque neste

local a estrada configurava uma curva para o lado

esquerdo, atento o sentido da marcha de F.”

Questionava-se no quesito 3º:

“Ao mesmo tempo, do lado esquerdo um motociclo

pesado MX-1X-X0 conduzido por I, aproximou-se, perdeu o

controlo e embateu com o automóvel pesado MX-5X-X2?”

E ficou provado que:

“Ao mesmo tempo e no mesmo local, no lado esquerdo

do automóvel pesado MX-5X-X2, circulava o motociclo

Page 19: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 17

pesado MX-1X-X0 conduzido por I, o qual, ao virar para a

esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F,

ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal

maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço

suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o

automóvel pesado para prosseguir a sua marcha, fazendo

com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com

o automóvel pesado.”

E mais se perguntava no quesito 4º:

“I caiu no chão juntamente com o veículo, o

automóvel pesado MX-5X-X2 continuava a circular de forma

que atropelou I?”

Tendo respondido que:

“Por causa disso I perdeu controlo do motociclo

pesado e caiu no chão juntamente com o motociclo tendo o

automóvel pesado MX-5X-X2 continuado a circular acabando

por atropelar I.”

E em relação aos restantes quesitos impugnados, a

saber, 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º da base instrutória,

em que a Ré ora recorrente contou outra versão do

acidente, mereceram resposta de “não provado”.

Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012

(Processo 551/2012), “este princípio da livre apreciação

da prova não surge na lei processual como um dogma que

confere total liberdade ao julgador, uma vez que o

Page 20: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 18

tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que

o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é

exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a

prova legal por confissão, por documentos autênticos, por

presunção legal, etc. Todos sabemos isso muito bem.

Mas, por outro lado, nem mesmo as amarras

processuais concernentes à prova são constritoras de um

campo de acção que é característico de todo o acto de

julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A

convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de

dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e

omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da

imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do

ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a

realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da

assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre

apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica

e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é

“livre” até certo ponto, a partir do momento em que o

julgador respeita esse espaço de liberdade sem

ultrapassar os limites processuais imanentes, a

sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto

só nos casos restritos no âmbito dos arts. 599º e 629º do

CPC pode ser levada a cabo.”

Mais se especificou naquele mesmo Acórdão que “…se

Page 21: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 19

o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os

dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez

eco na explanação dos fundamentos da convicção (fls.

xxx), atingiu um determinado resultado, só perante uma

evidência é que o tribunal superior poderia fazer

inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença

dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º,

nºs 1 e 2 do CPC.”

Reapreciada por este nosso Tribunal a prova

produzida, nomeadamente atendendo ao visionamento dos

vídeos, à documentação das declarações prestadas pelas

testemunhas na audiência de julgamento e à prova

documental junta aos autos, entendemos que não somos

capazes de dar razão à recorrente, por que os dados

permitem a conclusão a que o Tribunal a quo chegou.

Vejamos.

Para sustentar a sua tese, a Ré ora recorrente

indicou algumas passagens das gravações, mais

precisamente as declarações prestadas por F, condutor do

automóvel de matrícula MX-5X-X2, sua mulher G que sentava

ao lado do condutor, agentes da PSP nº 3XXXX1 e 2XXXX0

como sendo guardas que chegaram ao local depois do

acidente, bombeiro nº 4XXXX1 que prestou assistência à

vítima e médico H que subscreveu o relatório de autópsia.

É bom anotar os pontos principais de cada uma

Page 22: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 20

dessas testemunhas.

Referiram as duas primeiras, a saber o condutor do

automóvel de matrícula MX-5X-X2 e sua esposa que antes do

acidente não viram que o motociclo conduzido pela vítima

estava a circular no seu lado esquerdo.

Disseram ainda que, a dada altura, ouviram um

grande barulho, pelo que o condutor do automóvel fez

parar o seu veículo, tendo ambas as testemunhas saído do

veículo para ver o que se passava, e foi nessa altura que

se aperceberam do sucedido.

Entretanto, negaram as referidas testemunhas ter

ocorrido qualquer embate.

Em relação às declarações dos dois agentes

policiais indicadas pela recorrente, o primeiro agente

respondeu que não sabia se houve embate, por que havia

riscos ou vestígios em ambos os lados do automóvel,

enquanto a segunda afirmou que teve a conclusão pela

imagem que o motociclo tentou fazer ultrapassagem porque

o automóvel estava em circulação primeiro.

Já no concernente às declarações do bombeiro que

prestou assistência à vítima, ele disse que quando chegou

ao local do acidente, viu que trazia ainda na cabeça da

vítima a parte interior do capacete, enquanto a parte

exterior do capacete já não estava lá.

Socorreu-se ainda a recorrente do depoimento de H,

Page 23: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 21

médico que subscreveu o relatório da autópsia, o qual

teria dito que a vítima não foi “atropelado”, pois se

tivesse passado por cima dele de certeza se verificaria

marca dos pneus e também partiria o crânio.

A questão que aqui se coloca é saber como ocorreu

o acidente.

Salvo o devido respeito por opinião diversa, não

somos capazes de dar razão à recorrente, por que segundo

a prova produzida na audiência, os elementos carreados

aos autos não nos permitem acolher necessariamente o

ponto de vista da recorrente no tocante à forma como

ocorreu o acidente.

Vejamos por partes.

Comecemos pelos agentes policiais e bombeiro.

Podemos concluir que eles não presenciaram o acidente,

apenas chegaram ao local após a sua ocorrência, por isso

os seus depoimentos não chegam para provar o modo como

ocorreu o acidente.

Aliás, não obstante a última agente policial ter

afirmado que o motociclo tentou fazer ultrapassagem

porque o automóvel estava em circulação primeiro, mas não

podemos deixar de assinalar que ela tirou essa conclusão

apenas com base no visionamento dos vídeos, entretanto,

como as gravações dos vídeos foram apresentadas como

prova, não havia outra solução senão competir ao tribunal

Page 24: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 22

apreciar a sua relevância para a prova dos factos.

Já em relação aos depoimentos do condutor do

automóvel de matrícula MX-5X-X2 e da sua mulher, em

princípio são meios de prova relevantes e directos, mas

também não podemos deixar de ponderar as diversas ordens

de razões que poderiam afectar a credibilidade dos seus

testemunhos, mais precisamente, pode acontecer que nem o

condutor nem a passageira sua mulher teriam reparado que

junto do seu veículo estava a circular no seu lado

esquerdo o motociclo conduzido pela vítima, ou mesmo que

tivessem reparado, também poderiam eles não dizer a

verdade por não querer ser-lhes imputada qualquer

responsabilidade pelo acidente, com vista a encobrir

qualquer eventual negligência por parte do condutor.

Por último, salvo o devido respeito, também não se

descortina qualquer erro na apreciação do depoimento do

médico que elaborou o relatório da autópsia.

De facto, embora o médico tenha dito que o

automóvel não teria passado por cima da vítima, pois se o

tivesse existiria necessariamente marca dos pneus, mas o

médico não excluiu a hipótese de que houve choque entre o

automóvel e a vítima, daí que não se verifica a alegada

contradição entre o depoimento da referida testemunha e a

matéria de facto provada, pois ao dar-se como provado que

o automóvel de matrícula MX-5X-X2 atropelou a vítima não

Page 25: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 23

significa necessariamente que teria passado por cima

dela.

Na linguagem comum, o termo “atropelamento” é

usado para definir um tipo de acidente, frequentemente

provocado por veículos automotores, que afecta um

pedestre, animal ou mesmo um usuário em condição ou

veículo considerado "menor", como um ciclista atropelado

por um carro ou um pedestre atropelado por um ciclista,

por exemplo.1

Também segundo o Dicionário Ilustrado da Língua

Portuguesa, o verbo “atropelar” significa derrubar,

passando ou não por cima.

No vertente caso, o colectivo de primeira

instância não atendeu à versão da Ré ora recorrente no

que diz respeito ao modo como ocorreu o acidente de

viação, ou seja, não considerou que o motociclo conduzido

pela vítima de matrícula MX-1X-X0 teria procedido a

manobra de ultrapassagem do automóvel MX-5X-X2 pela

esquerda e que acabou por embater este último veículo,

antes pelo contrário deu-se como provado que pouco tempo

antes do acidente, tanto o motociclo como o automóvel

encontravam-se a circular na mesma faixa de rodagem,

enquanto o primeiro no lado esquerdo, o segundo estava no

lado direito. Quando chegaram em frente do edifício XX

1 in Wikipédia

Page 26: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 24

Garden, os dois veículos tiveram que virar para a

esquerda porque neste local a estrada se configurava uma

curva para o lado esquerdo, atento o sentido da marcha. E

ao virar para a esquerda, o automóvel encostou de tal

maneira junto do motociclo e não deixou espaço suficiente

entre as grades que ladeavam a estrada e o automóvel,

fazendo com que a vítima perdesse controlo do motociclo e

embatesse com o automóvel.

Sendo ainda evidente que o colectivo de primeira

instância fez a análise de todos os dados e deu a

explanação pormenorizada dos fundamentos decisivos para a

sua convicção, com a qual concordamos na íntegra e que a

seguir se transcreve:

“A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos a fls

18 a 119, 202 a 259 e 282, no visionamento dos vídeos relativos aos

acidente juntos a fls 341, no depoimento das testemunhas ouvidas em

audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, cujo teor se

dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permitiu formar

uma síntese quanto aos apontados factos.

Em especial, no que se refere às circunstâncias do acidente, a

convicção do tribunal resulta essencialmente do visionamento dos vídeos

que captaram as imagens dos veículos conduzidos pela vítima e por F antes

e depois do acidente em conjugação dos documentos juntos aos autos que

lhe permitiram compreender melhor o estado do local do acidente bem como

a dinâmica do acidente.

Nesse aspecto, não acolheu o entendimento de que a vítima

Page 27: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 25

estava a fazer uma ultrapassagem porque apesar de do visionamento do

vídeo que tinha captado as primeiras imagens dos dois veículos (adiante

designado por vídeo 1) na Estrada XX, se poder concluir que o motociclo

pesado, pelas 1h51m18s, estava a circular no lado esquerdo do automóvel

pesado, não se conseguia dizer que o automóvel pesado tinha ocupado a via

de trânsito em questão antes de o motociclo pesado aparecer ao seu lado.

Isso é importante porque só se pode afirmar que o motociclo

pesado tentou fazer uma manobra de ultrapassagem se tivesse sido o

automóvel pesado o primeiro a ocupar e a circular na via de trânsito em

questão e o motociclo pesado tivesse aparecido depois a uma velocidade

mais alta para, primeiro, ficar ao lado do automóvel pesado e, depois,

avançar ou tentar avançar à frente do automóvel pesado.

Ora, isso pressupõe que se pudesse ver do vídeo 1 que antes de o

motociclo pesado ter ficado ao lado do automóvel pesado, aquele estava

atrás deste. No entanto, isso não aconteceu com o visionamento do vídeo 1.

É que, das imagens captadas, via-se que, a cerca de 1h51m10s, o

automóvel pesado apareceu nas imagens captadas e, entre 1h51m10s e

1h51m18s, não se via que o motociclo pesado tinha estado a circular atrás

do automóvel pesado.

Precisamente por isso, entendeu o tribunal que, durante o período

em que o automóvel pesado foi captado nas imagens, o motociclo já estava

a circular ao lado deste o qual só tinha aparecido quase no final das imagens

porque o ângulo da câmara não permitia captá-lo mais cedo (dada a

dimensão do automóvel pesado). Como das imagens não se conseguia ver

como é que os dois veículos passaram a circular lado a lado, se era o

motociclo pesado que estava inicialmente atrás do automóvel pesado mas

depois, por ter acelerado, posicionou-se ao lado deste ou vice versa, nem se

Page 28: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 26

podia dizer que tinha sido o motociclo pesado que estava a tentar fazer uma

ultrapassagem nem o contrário.

No que se refere à dinâmica do acidente, novamente foi do

visionamento dos vídeos, especialmente o da 2ª câmara (vídeo 2) em

conjugação dos mesmos dados que o tribunal deu as suas respostas aos

quesitos 1º a 5º da base instrutória. As imagens captadas, apesar de não

serem de boa qualidade, permitiram ver claramente que o automóvel pesado

tinha encostado muito para a esquerda ao fazer a curva, circulando até sobre

a linha descontínua branca esquerda da via de trânsito, quando

simultaneamente o motociclo pesado estava a circular no seu lado esquerdo,

deixando um espaço manifestamente insuficiente para o motociclo

prosseguir a sua marcha. Além disso, via-se das imagens que, antes da

queda, o motociclo pesado tinha travado, pois a luz de travão deste tinha

chegado a acender, para evitar qualquer embate mas não tinha conseguido

evitá-lo.

Quanto ao estado do local de acidente e da respectiva via do

trânsito, os documentos juntos aos autos permitiram ao tribunal responder ao

quesito 19º nos termos constantes da resposta dada o que exclui a descrição

feita no quesito 2º.”

Aqui chegados, através do visionamento dos vídeos

que captaram as imagens dos dois veículos antes e depois

do acidente, e em conjugação com alguns documentos juntos

aos autos, mormente o croquis elaborado pela respectiva

entidade policial, podemos verificar que todos esses

elementos permitem chegar à conclusão a que o Tribunal a

quo chegou.

Page 29: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 27

Nesta conformidade, por não se vislumbrar ter

havido erro na apreciação da matéria dos factos,

improcede o recurso nesta parte.

*

Da culpa do lesado

Uma vez que lograda não ficou a alteração das

respostas conferidas aos quesitos 21º, 23º, 23º-A, 23º-B

e 24º da base instrutória, improcedem, pois, as

conclusões das alegações da recorrente quanto à violação

pela vítima das regras de circulação rodoviária.

*

Da resposta ao quesito 3º da base instrutória –

Alegada violação do princípio do dispositivo e do excesso

de pronúncia

Invoca a recorrente que o Tribunal a quo deu por

provado algo totalmente diferente do alegado pelos

Autores ora recorridos, constituindo, deste modo,

violação do princípio do dispositivo, pedindo que se

considere como não escrita a resposta ao quesito 3º.

Segundo o disposto no artigo 556º do Código de

Processo Civil, encerrada a discussão da matéria de

facto, o tribunal colectivo reúne para decidir, cabendo-

lhe declarar quais os factos que o tribunal julga

provados e quais os que julga não provados, analisando

criticamente as provas e especificando os fundamentos que

Page 30: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 28

foram decisivos para a convicção do julgador.

Como observa Viriato de Lima, “a decisão da

matéria de facto pode ser restritiva (Provado apenas

que…) ou explicativa relativamente aos factos da base

instrutória, mas tem de manter-se dentro da matéria

articulada pelas partes”2.

No caso vertente, questionava-se no quesito 3º o

modo como ocorreu o acidente, nos seguintes termos:

“Ao mesmo tempo, do lado esquerdo um motociclo

pesado MX-1X-X0 conduzido por I aproximou-se, perdeu o

controlo e embateu com o automóvel pesado MX-5X-X2?”

E o colectivo deu a seguinte resposta:

“Ao mesmo tempo e no mesmo local, no lado esquerdo

do automóvel pesado MX-5X-X2, circulava o motociclo

pesado MX-1X-X0 conduzido por I o qual, ao virar para a

esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F,

ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal

maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço

suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o

automóvel pesado para prosseguir a sua marca, fazendo com

que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com o

automóvel pesado.”

Em boa verdade, embora a resposta seja mais

extensa do que o próprio quesito, mas salvo o devido

2 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 504

Page 31: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 29

respeito por opinião contrária, somos a entender que o

colectivo de primeira instância limitou-se a dar uma

resposta explicativa ao referido quesito.

A nosso ver, pretendia-se com aquele quesito

indagar se naquela altura, o motociclo de matrícula MX-

1X-X0 conduzido pela vítima se aproximou, perdeu o

controlo e embateu com o automóvel de matrícula MX-5X-X2.

E o colectivo de primeira instância deu uma

resposta mais detalhada sobre o modo como o motociclo MX-

1X-X0 conduzido pela vítima se aproximou e perdeu o

controlo, isso significa, no fundo, que a resposta dada

pelo colectivo ainda estava dentro do âmbito das questões

de facto formuladas naquele quesito da base instrutória,

embora tenha um conteúdo bastante explicativo.

Com efeito, por não se descortinar que a resposta

tenha excedido o âmbito do quesito, improcedem as razões

da recorrente quanto à alegada violação do princípio do

dispositivo.

*

Da responsabilidade pelo risco – artigo 496º do

Código Civil

Defende a recorrente a falta de nexo de

causalidade entre a circulação do automóvel de matrícula

MX-5X-X2 e a queda do motociclo MX-1X-X0, razão pela qual

entende que a pretensão dos Autores não poderia deixar de

Page 32: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 30

improceder.

Ora bem, estatui no nº 1 do artigo 496º do Código

Civil que “aquele que tiver a direcção efectiva de

qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no

seu próprio interesse, ainda que por intermédio de

comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos

próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em

circulação.”

Trata-se de situação em que o responsável pelos

perigos envolvidos na utilização de um veículo de

circulação terrestre, por ter o domínio real ou de facto

sobre esse mesmo veículo, deve assumir a obrigação de

indemnizar terceiros pelos danos resultantes da

concretização dos riscos decorrentes da sua utilização.

No caso vertente, provado que o atropelamento se

deu porque o automóvel de matrícula MX-5X-X2 conduzido

por F fechou demasiado a via onde a vítima prosseguia,

fazendo com que a mesma perdesse o controlo e embatesse

com o referido automóvel.

Quanto ao nexo de causalidade, é fora de dúvida

que a morte da vítima é consequência directa e necessária

do embate.

De facto, apurou-se que depois do embate, a vítima

ora condutor do motociclo ficou ferido e deitado no chão,

de seguida, foi conduzido ao Hospital Conde São Januário

Page 33: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 31

tratar receber tratamento, mas veio a falecer ainda no

caminho ao Hospital.

Aqui chegados, podemos concluir que, no âmbito da

responsabilidade objectiva, uma vez verificada a

existência do facto ilícito, do dano e do nexo de

causalidade entre o facto e o dano, o condutor do

automóvel de matrícula MX-5X-X2 fica obrigado a

indemnizar aos Autores pelos danos causados.

Entretanto, por que a responsabilidade por danos

causados a terceiros pelo automóvel de matrícula MX-5X-X2

havia sido transferida para a recorrente, torna-se esta

responsável pelo pagamento dos respectivos valores

indemnizatórios.

*

Da responsabilidade pelo risco – artigo 499º do

Código Civil

Argumenta a recorrente que, mesmo que se entenda

que o acidente se não deu por culpa do próprio lesado,

sempre será de concluir que o mesmo contribuiu

decisivamente para a produção dos danos, na medida em que

o próprio lesado circulava do lado esquerdo traseiro e a

par do veículo de matrícula MX-5X-X2, numa via em que era

reservada a uma fila única de trânsito, num local onde

decorriam obras na berma, e num dia em que estava a

chover.

Page 34: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 32

Salvo o devido respeito, não podemos deixar de

afirmar que o disposto no artigo 499º do Código Civil não

é aplicável ao caso concreto, por não estar em causa a

colisão dos dois veículos, conforme se referiu na

sentença recorrida.

Sucede que o atropelamento se deu porque o

automóvel de matrícula MX-5X-X2 conduzido por F encostou-

se demasiado ao motociclo conduzido pela vítima, fazendo

com que a mesma perdesse o controlo e embatesse com o

referido automóvel, ou seja, não se verifica qualquer

colisão entre os dois veículos.

Mesmo que se admitisse ter havido colisão, também

não se vislumbra como pode o próprio lesado ter

contribuído para a produção dos danos, por alegada

violação das regras estradais.

Quanto a essa questão, face à matéria de facto que

ficou provada, sem necessidade de delongas considerações,

julgamos que o lesado nada contribuiu para o acidente,

mormente para a produção dos danos.

É por esta razão que subscrevemos o entendimento

consubstanciado na sentença recorrida, com o qual

concordamos inteiramente e que se transcreve a seguir:

“Ora, tendo em conta que os veículos estavam a

circular lado a lado numa mesma via de trânsito, pode-se

colocar a questão de saber quem é que violou a regra

Page 35: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 33

prevista no artigo 2º, 14) da citada Lei que impõe que na

mesma via de trânsito apenas circule uma fila de

veículos.

Não se provou que a vítima estava a fazer uma

ultrapassagem quando se deu o acidente. Pelo que, não se

pode afirmar que o automóvel pesado MX-5X-X2 estava

inicialmente em frente do motociclo pesado MX-1X-X0.

Afastada essa hipótese, e por não haver outros factos que

permitam dilucidar essa questão, não se sabe qual dos

veículos é que se colocou ao lado do outro em violação da

regra prevista no artigo 2º, 14), da citada Lei.

Daí que, não se pode imputar a nenhum dos

condutores a violação dessa regra e, eventualmente, daí

tirar qualquer ilação quanto à imputabilidade objectiva

do acidente.”

Posto isto, improcedem as razões da recorrente.

*

Do quantum indemnizatório

Pugna a recorrente que o quantum indemnizatório

fixado pelo Tribunal a quo não é equitativo, por entender

que não atendeu a todas as circunstâncias do caso

concreto, designadamente, não atendeu ao facto do

acidente ser imputável ao lesado, ou pelo menos,

potenciado o risco da sua verificação pelo lesado.

Resulta da sentença recorrida que os Autores ora

Page 36: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 34

recorridos têm direito a ser indemnizados pelos seguintes

danos patrimoniais e não patrimoniais:

- MOP$25.191,00, de despesas do funeral suportadas

pelos Autores;

- MOP$700.000,00, pelo dano da morte da vítima;

- MOP$300.000,00, pelos sofrimentos da 1ª Autora

pela morte da vítima;

- MOP$100.000,00, pelos sofrimentos da 2ª Autora

pela morte da vítima;

- MOP$100.000,00, pelos sofrimentos do 3º Autor

pela morte da vítima; e

- MOP$100.000,00, pelos sofrimentos da 4ª Autora

pela morte da vítima.

Tomando em consideração a matéria provada,

nomeadamente tinha a vítima 55 anos de idade à data do

acidente, tinha boa saúde física, sem qualquer doença e

tinha capacidade de trabalho; antes do acidente tinha uma

vida alegre com os familiares os quais se davam bem um

com outro e eram uma família feliz; quando receberam a

notícia, os Autores ficaram muito preocupados e com medo;

e sempre que se lembram da vida passada com o marido ou

com o pai, sentem tristeza pelo seu falecimento, mostram-

se razoáveis e proporcionais os montantes arbitrados pelo

Tribunal a quo por estarem em consonância com os

critérios firmados a nível jurisprudencial.

Page 37: Processo nº 436/2014 (Autos de recurso civil) Livre ... · Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se

Processo 436/2014 Página 35

Tudo aponta para se negar provimento ao recurso.

***

III) DECISÃO

Face ao exposto, acordam em negar provimento ao

recurso interposto pela Ré Companhia de Seguros da A

(Macau), S.A., confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

***

Macau, 16 de Abril de 2015

_________________________

Tong Hio Fong

_________________________

Lai Kin Hong

_________________________

João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira