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Processo 436/2014 Página 1
Processo nº 436/2014
(Autos de recurso civil)
Data: 16/Abril/2015
Assunto: Livre apreciação da prova
Resposta explicativa a quesitos
Acidente de viação
SUMÁRIO
- Feita a reapreciação da prova produzida, não se
vislumbrando a inobservância de regras de experiência ou
lógica que imponham entendimento diverso do acolhido pelo
Tribunal recorrido, isso implica que no processo de
formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo
não se evidencia qualquer erro que justifique a alteração
da decisão sobre a matéria de facto.
- O Tribunal pode dar respostas explicativas a
quesitos, desde que essas respostas se integrem no âmbito
das questões de facto formuladas na base instrutória.
- No âmbito da responsabilidade objectiva, uma vez
verificada a existência do facto ilícito, do dano e do
nexo de causalidade entre o facto e o dano, o condutor do
veículo é obrigado a indemnizar ao lesado pelos danos
causados, ao abrigo do disposto no artigo 496º do Código
Civil.
- Provado que a vítima de 55 anos de idade perdeu
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a vida num acidente de viação, tendo antes boa saúde
física, capacidade de trabalho e sem qualquer doença;
antes do acidente tinha uma vida alegre com os familiares
os quais se davam bem um com outro e eram uma família
feliz; quando receberam a notícia, os Autores ora seus
herdeiros ficaram muito preocupados e com medo; e sempre
que se lembram da vida passada com o marido ou com o pai,
sentem tristeza pelo seu falecimento, mostram-se
razoáveis e proporcionais os valores de MOP$700.000,00,
pelo dano da morte da vítima, e MOP$300.000,00 e
MOP$100.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos
pelos Autores pela morte do marido e pai,
respectivamente.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
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Processo nº 436/2014
(Autos de recurso civil)
Data: 16/Abril/2015
Recorrente:
- Companhia de Seguros da A (Macau), S.A. (Ré)
Recorridos:
- B, C,D,E (Autores)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
B, C , D e E intentaram contra a Companhia de
Seguros da A (Macau), S.A. acção ordinária junto do
Tribunal Judicial de Base da RAEM, pedindo que se condene
a Ré a pagar indemnizações no montante total de
MOP$1.997.990,00, acrescido de juros de mora a contar da
data de citação até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, a acção foi julgada
parcialmente procedente, tendo a Ré sido condenada a
pagar aos Autores o montante de MOP$1.325.191,00,
acrescido de juros à taxa legal a contar da data de
sentença.
Inconformada com a sentença, dela interpôs a Ré
recurso ordinário, em cujas alegações formularam as
seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferido
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pelo douto Tribunal a quo que julgando parcialmente procedente, por
provado, o pedido dos ora Recorridos, condenou a ora Recorrente a
pagar-lhes a quantia de MOP$25.191,00 a título de despesas de
funeral; a quantia de MOP$700.000,00 a título de perda do direito a
vida; a quantia de MOP$600.000,00 a titulo de indemnização por dano
não patrimonial sofrido pelos autores pela morte do seu ente querido,
sendo MOP$300.000,00 para a mulher e MOP$100.000,00 para cada um dos
três filhos.
II. Por via do presente recurso, pretende a Recorrente
impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos
quesitos 2º, 3º, 4º, 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º porquanto da prova
produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos
merecer as respostas que lhe foram conferidas pelo douto Tribunal a
quo, pelo que a matéria de facto foi, deste modo, incorrectamente
julgada pelo Douto Tribunal a quo.
III. No vertente processo, foi determinada a documentação
das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por
isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto tribunal de
Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado
erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a
reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no art. 629º
do Código de Processo Civil.
IV. Do depoimento prestado por F, condutor do veículo
matricula MX-5X-X2 resulta em passagem gravada em 2.12.213, aos 04
minutos e 45 segundos ate 7 minutos e 30 segundos, aos 10 minutos e
55 segundos até 12 minutos e 30 segundos, aos 13 minutos e 00
segundos até 14 minutos e 02 segundos do cd1 tradutor 1 excerto
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11.02.22, aos 00 minutos e 00 segundos até 1 minuto e 09 segundos do
cd 1 tradutor 1 excerto 11.18.09, resulta pois que não houve embate
entre o veículo MX-5X-X2 e o veículo MX-1X-X0; que o veículo ME-5X-X2
circulava pelo lado esquerdo da faixa de rodagem e conservou das
barreiras metálicas que circundavam a obra o espaço suficiente até
para a passagem de uma mota; que o veículo MX-5X-X2 circulava sempre
pela mesma faixa de rodagem esquerda; que o veículo MX-5X-X2 nunca
chegou a ver o veículo MX-1X-X0.
V. Do depoimento G em passagem gravada em 2.12.213, aos 3
minutos e 58 segundos até 4 minutos e 09 segundos, aos 6 minutos e 10
segundos até 7 minutos e 50 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto
11.20.12, resulta que o veículo MX-1X-X0 circulava do lado esquerdo
traseiro do veículo ML-5X-X2, que o veículo ML-5X-X2 seguiu sempre na
mesma faixa de rodagem e na mesma direcção, ou seja, em frente, que
não houve embate entre o veículo MX-5X-X2 e o veículo MX-1X-X0.
VI. O Agente da Polícia de Segurança Pública n. 3XXXX1 a
instâncias da Meritíssima Juiz gravadas em 2.12.213, dos 00 minutos
até final do excerto 12.13.01 cd 1 tradutor 1 declarou que a
motorizada apresentava danos do lado direito e do lado esquerdo, ao
passo que a camioneta estava já bastante suja e riscada não tendo
sido possível determinar a ocorrência de qualquer embate que tivesse
provocado a queda.
VII. Do depoimento prestado em audiência pelo Bombeiro
4XXXX1, em passagem gravada em 2.12.213, dos 0 minutos e 00 segundos
até 1 minutos e 20 segundos do cd1 tradutor 1 excerto 11.37.57,
resulta que o condutor do veículo MX-1X-X0 seguia com um capacete
muito frágil o qual “saltou” e estava totalmente danificado, o que
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terá certamente contribuído para as lesões sofridas pelo mesmo na
região do cérebro, com isto quer dizer-se que não resultou provado
que a infeliz vítima tivesse sido atropelada pelo veículo MX-5X-X2.
VIII. Do depoimento prestado em audiência pelo Dr. H,
subscritor do relatório da autopsia junto aos autos, em passagem
gravada em 2.12.213, dos 27 minutos e 25 segundos até 28 minutos e 32
segundos e dos 30 minutos e 32 segundos até 31 minutos e 00 segundos
do cd 1 tradutor 1 excerto 15.26.57 resultou claro que a vítima não
foi atropelada pois se tivesse sido atropelado e se a viatura tivesse
passado por cima dele de certeza que teria marcas dos pneus,
partindo-lhe ainda o crânio, declarando convictamente que não parece
que tenha sido atropelado e que nem a existência do conseguiria
proteger pescoço nem ombro e se tivesse passado por cima havia
marcar.
IX. Sobre os factos alegados pela Ré e que o Tribunal
julgou não provados não poderá deixar de se atender a seguinte
passagem do depoimento prestado pela Agente da Polícia de Segurança
Pública 20186 aos 02 minutos e 30 segundos até 03 minutos e 29
segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 16.11.10 que a instância da
Meritíssima Juíza presidente refere a existência de uma ultrapassagem
realizada pela esquerda por parte do motociclo.
X. Também dos restantes meios de prova dos autos, com
especial enfoque para fls. 37, 38, 39, 40, 90, 91, 190 a 196 e 217 a
221 documentos n.º 2 juntos pelos Recorridos com a sua petição
inicial, e bem assim às imagens de vigilância captadas no local (fls
341 dos autos) resulta uma versão do acidente diversa daquela que
veio a ser provada pelo Tribunal.
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XI. Com base nos supra transcritos depoimentos, e nos
restantes meios de prova o Tribunal a quo não poderia dar por provado
que: o condutor do veículo MX-5X-X2 teve de virar para a esquerda;
que o motociclo pesado MX-1X-X0 conduzido por I ao virar para a
esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F, ao virar
para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal maneira junto do
motociclo que não lhe deixou espaço suficiente entre as grades que
ladeavam a estrada e o automóvel pesado para prosseguir a sua marcha,
fazendo com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com o
automóvel pesado; que por causa disso I perdeu controlo do motociclo
pesado e caiu no chão juntamente com o motociclo tendo o automóvel
pesado MX-5X-X2 continuado a circular acabando por atropelar I.
XII. Face à análise crítica e concertada dos depoimentos e
dos demais meios de prova, sendo incontestado que a infeliz vítima
caiu do veículo que conduzia, alcança-se a convicção de que para essa
queda em nada contribuiu o veículo matrícula MX-5X-X2, na medida em
que o acidente ocorreu porquanto o ciclomotor circulava atrás e do
lado esquerdo do veículo matrícula MX-5X-X2, a uma velocidade
superior a este, tendo efectuado uma manobra de ultrapassagem deste
veíulo na parte mais estreita da via e pelo lado esquerdo.
XIII. Constando dos autos todos os elementos de prova que
serviram de base à decisão sobre a matéria de facto – quais sejam
documentos, visionamento dos vídeos e depoimento das testemunhas
supra transcritos – está esse Venerando Tribunal na condição de
modificar a decisão do Tribunal de Primeira Instancia sobre a matéria
de facto considerando não provado o quesito 2º, provado unicamente
que do lado esquerdo do veículo MK circulava um motociclo pesado MX-
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1X-X0 conduzido por I que se aproximou deste, perdeu o controlo e
caiu ao chão juntamente com o seu veículo, o que sucedeu porque
procedeu a uma manobra de ultrapassagem do veículo MK, na parte mas
estreita da via, e pelo lado esquerdo (num dia de chuva em que o piso
se encontrava molhado).
XIV. Tendo em atenção o conteúdo das declarações acima
transcritas das testemunhas conjugada com a restante prova junta aos
processo – com particular incidência na certidão junta pelos autores
à sua petição inicial como documento nº 2 – não se entende como é que
se consignou que não se provou ter a vítima violado os regulamentos
de trânsito, e tenha sido por isso desresponsabilizada pela produção
do acidente dos autos, e pelo contrário tenha sido entendido “(…) que
F violou a obrigação de manter uma distância entre o seu veículo e as
grades que ladeavam a estrada por forma a evitar a colisão acima
referida. E que, por força desse preceito, a F incumbia o dever de
estar atento à situação da via de trânsito em que estava a circular
designadamente a existência das referidas grades e do motociclo
pesado MX-1X-X0 no seu lado esquerdo (…)”.
XV. Impôs o douto Tribunal a quo, ao arrepio das regras de
circulação rodoviária, a obrigação ao condutor do veículo MK de ter
de contar com a circulação do seu lado esquerdo de um outro veículo,
onde apenas poderia circular uma filha única de veículos, tendo-lhe
ainda sido imposto que devesse contar com a presença de um motociclo
a circular pela sua esquerda!
XVI. O douto Tribunal a quo descuidou por completo de
atentar à conduta estradal da infeliz vítima que, com a sua condução
imprudente, violou o preceituado nos artigos 2º, alínea 14), 6º, n.º
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2, 15º, n.º 3, 38º, 40º e 42º, n.º 4 da Lei do Trânsito Rodoviário.
XVII. Dúvidas não podem subsistir que a violação por parte
da infeliz vítima dos referidos preceitos da Lei do Trânsito foi a
única causa da produção do acidente dos autos, o qual se deu por sua
exclusiva responsabilidade, sendo por isso de todo incompreensível
ter o douto Tribunal a quo determinado não ter o ofendido violado
qualquer regra do trânsito, e que o mesmo não tenha sido responsável
pela ocorrência do acidente fatal dos autos.
XVIII. Mesmo que não seja entendido por banda desse douto
Tribunal que merecem reparo as respostas conferidas aos quesitos 21º,
23º, 23-A, 23-B e 24º, e que por via disso não poderá ser imputada a
culpa do acidente em discussão nos autos à infeliz vítima, o que
apenas por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se diga que
a resposta ao quesito 3º não poderá de forma alguma manter-se
inalterada por ter o Tribunal a quo dado por provados factos que não
foram sequer alegados pelos Recorridos.
XIX. Os Recorridos alegaram que foi o motociclo MX-1X-X0
conduzido por I que se aproximou do veículo MX-5X-X2, o que fez pelo
lado esquerdo e que, por I se ter aproximado do veículo MX-5X-X2,
perdeu o controlo e embateu neste automóvel pesado.
XX. Já o douto Tribunal a quo deu por provado algo
totalmente diferente do alegado pelos Recorridos e Autores destes
autos.
XXI. Se os Autores não assacaram ao condutor do veículo
matrícula MX-5X-X2 nenhum comportamento culposo, o mesmo já não o fez
o Tribunal.
XXII. Foi precisamente por ter decidido indagar da culpa
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(não alegada pelos Recorridos) que o Tribunal entendeu que “(…) é
manifesto que F violou a obrigação de manter uma distância entre o
seu veículo e as grades que ladeavam a estrada por forma a evitar a
colisão acima referida. É que, por força, por força desse preceito,
F incumbia o dever de estar atento à situação da via de trânsito em
que estava a circular designadamente a existência das referidas
grades e do motociclo pesado MX-1X-X0 no seu lado esquerdo Pela
análise dos factos assentes, conclui-se que F não teve isso em
atenção, pois não deixou espaço suficiente para permitir que a vítima
pudesse continuar a sua marcha o que evitaria o acidente. De facto,
o acidente teve lugar porque faltava espaço para que o motociclo
pesado MX-1X-X0 pudesse prosseguir o que fez com que a vítima
perdesse controlo do motociclo, caísse no chão e fosse atropelada.
Disso pode-se concluir que ocorreu o seguinte: ou F, pura e
simplesmente, não deu conta da existência das referidas grades e do
motociclo pesado MX-1X-X0 no seu lado esquerdo, ou deu conta mas
ainda assim não deixou espaço necessário ao motociclo pesado MX-1X-
X0. Há, portanto, um acto ilícito por parte de F o qual, por não
haver nada que exclua a sua culpa na produção do mesmo, é também
culposo.”
XXIII. Não era legítimo ao Tribunal a quo convolar o facto
alegado pelos Autores, o que teve necessariamente implicação na forma
como o Tribunal entendeu o acidente (já que os autores nunca alegaram
factos que enformassem um comportamento culposo do condutor do
veículo MK, ao passo que o Tribunal expressamente entende que tal
culpa existe).
XXIV. A resposta ao aludido quesito 3º, sempre terá de ter-
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se como não escrita, sendo analogicamente aplicável o n.º 4 do artigo
549º do CPC.
XXV. Resulta do artigo 496º do CC a exigência de uma
conexão ou nexo causal entre o dano e os riscos específicos do
veículo, pois que dano indemnizável será aquele que estiver em
conexão causal com o risco (cfr. Dário M. Almeida in “Manual dos
Acidentes de Viação”, pág. 273), sendo pois necessário que os danos
ocorram intercedendo com determinadas relações funcionais com o
condutor ou que provenham dos riscos próprios do veículo.
XXVI. Não se provando qualquer atropelamento do ofendido (e
quanto a este específico ponto da matéria de facto a decisão do
tribunal a quo terá, com todo o devido respeito, necessariamente de
ser alterada), nem que o veículo automóvel matrícula MX-5X-X2 se
encostou de tal maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço
suficiente entre as grades que o ladeavam a estrada e o automóvel
pesado para que a mota prosseguisse a sua marcha, resta apenas que o
condutor do veículo MX-1X-X0 conduzido por I se aproximou do veículo
MX-5X-X2 (e não o contrário) e perdeu o controlo, pelo que, não
existe nexo de causalidade entre a circulação do veículo matrícula
MX-5X-X2 e a queda do veículo MX-1X-X0, pelo que, também por essa via
a pretensão dos Autores senão improceder.
XXVII. Ao ter decidido de modo diverso, o douto Tribunal a
quo violou o disposto no artigo 496º do Código Civil, devendo em
consequência ser revogada a substituída por outra que julgue
improcedentes os pedidos dos Autores e dos mesmos absolva a Ré por
inexistência de nexo causal entre os danos e os riscos específicos do
veículo seguro na ora Recorrente.
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XXVIII. Caso venha a prevalecer a versão dos factos
invocados pelos ora Recorridos, ou seja, que a responsabilidade da Ré
seguradora do automóvel MX-5X-X2 conduzido por F se funda na
responsabilidade objectiva deste porque houve, em primeiro lugar uma
colisão deste veículo com o motociclo MX-1X-X0 e depois o
atropelamento da vítima, o que não poderá proceder em virtude do
supra alegado, mormente no que concerne à inexistência de qualquer
atropelamento, sempre se diga que, o risco do veículo conduzido pela
infeliz vítima contribuiu em maior medida para os danos sofridos.
XXIX. É que, mesmo que se entenda que o acidente não se deu
por culpa do próprio lesado, o que apenas por mera cautela de
patrocínio se concede, sempre será de concluir que o mesmo potenciou,
em muito, o risco do acidente se ter verificado, como sucedeu, na
medida em que, circulava do lado esquerdo traseiro e a par do veículo
MK, numa via em que era reservada a uma filha única de transito, num
local onde decorriam obras na berma, e num dia em que estava a
chover, e portanto, em que o piso se encontrava molhado e
escorregadio, sendo por demais evidente, que foi o motociclo que
contribuiu decisivamente para os danos provocados, potenciando o
risco.
XXX. Resulta do disposto no artigo 499º, n.º 1 do CC que o
fundamento da responsabilidade pelo risco leva a que a
responsabilidade se reparta na proporção em que o risco de cada um
dos veículos houver contribuído para os danos, e na proporção dessa
responsabilidade sempre será de entender que o motociclo contribuiu
em maior proporção.
XXXI. Ainda que se entenda que ao presente caso não é
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aplicável o disposto no art. 498º do CC – exclusão da
responsabilidade - a fixação do quantum indemnizatório arbitrado
sempre deveria ter sido feito ao abrigo do preceituado nos artigos
489º, n.º 3, e 487º, ambos de CC, com recurso a um critério de
equidade, ou seja, de justiça do caso concreto.
XXXII. O quantum indemnizatório globalmente fixado pelo
Tribunal a quo não é equitativo, porque não atende a todas as
circunstâncias do caso concreto, designadamente, não atende ao facto
do acidente ser imputável ao lesado, ou, pelo menos, potenciado o
risco da sua verificação pelo lesado, pelo que, com todo o devido
respeito ao fixar o quantum indemnizatório a título de danos morais
sofridos pelos Recorridos o tribunal violou os sobreditos preceitos
legais, devendo, em consequência o quantum indemnizatório, ser fixado
em montante inferior, tanto mais que poucos ou nenhuns factos foram
alegados, e por consequência provados, que permitam suportar os
correspondentes pedidos indemnizatórios.
XXXIII. A decisão recorrida ao decidir como decidiu fez uma
incorrecta aplicação do disposto nos art. 2º, alínea 14), 6º, n.º 2,
15º, n.º 3, 18º, 38º, 40º e 42º, n.º 4 da Lei do Trânsito Rodoviário
e bem assim os artigos 496º, 498º, 487º e 489º do Código Civil.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao
recurso.
Notificados, contra-alegaram os Autores,
apresentando as seguintes conclusões:
一、上訴人提交上訴理由陳述,被上訴人完全不能認同。
二、原審判決是根據卷宗內載有之所有證據和證人證言,尤其是案中錄影片段中
得出獲證明事實,從而得出本案判決。
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三、上訴理由陳述書提出的依據明顯沒有理由,且質疑原審法庭的自由心證原
則。
四、此外,法庭審理案件時不受制於當事人的法律適用,換言之,法院不受制於
當事人指出法律條文。
五、至於上訴人指被上訴判決訂定民事賠償數額過高這一問題,我們認為其亦屬
無理。
六、被上訴判決沒有上訴人講的瑕疵,沒有違反法律或法律基本原則,因此,請
求廢止之是沒有依據的。相反,應予支持被上訴判決。
七、上訴人的上訴理由不成立,應被駁回。
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte
factualidade:
I faleceu em Macau a 10 de Abril de 2010, na
idade de 55 anos (alínea A) dos factos assentes).
A 1ª Autora é cônjuge de I, os 2ª, 3º, 4ª Autores
são filhos dos dois, os quatro autores são herdeiros
legítimos de I (alínea B) dos factos assentes).
A ré é a companhia de seguro de responsabilidade
civil a terceiro do automóvel pesado MX-5X-X2, sob a
apólice nº MTV-09-0XXXX7 E0/R1 R, do prazo válido de 20
de Outubro de 2009 até 19 de Outubro de 2010, o limite de
indemnização da responsabilidade civil por cada acidente
é de MOP$2.000.000,00 (alínea C) dos factos assentes).
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No dia 10 de Abril de 2010, cerca das 1h51m de
tarde, F conduzia o automóvel pesado MX-5X-X2, tomando um
passageiro G, circulando pela Estrada XX na direcção da
Rotunda XX à Estrada XX (resposta ao quesito 1º da base
instrutória).
Quando chegou em frente do Edf. XX Garden, sito
na Estrada XX, teve que virar para a esquerda porque
neste local a estrada se configurava uma curva para o
lado esquerdo, atento o sentido da marcha de F (resposta
ao quesito 2º da base instrutória).
Ao mesmo tempo e no mesmo local, no lado esquerdo
do automóvel pesado MX-5X-X2, circulava o motociclo
pesado MX-1X-X0 conduzido por I o qual, ao virar para a
esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F,
ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal
maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço
suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o
automóvel pesado para prosseguir a sua marcha, fazendo
com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com
o automóvel pesado (resposta ao quesito 3º da base
instrutória).
Por causa disso, I perdeu controlo do motociclo
pesado e caiu no chão juntamente com o motociclo tendo o
automóvel pesado MX-5X-X2 continuado a circular e
acabando por atropelar I (resposta ao quesito 4º da base
instrutória).
I ficou ferido e deitado no chão na parte
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esquerda traseira do automóvel pesado MX-5X-X2 (resposta
ao quesito 5º da base instrutória).
De seguida, I foi conduzido pela ambulância ao
CHCSJ para tratar (resposta ao quesito 6º da base
instrutória).
No caminho ao hospital e por volta das 2h00 da
tarde, I faleceu por grave trauma cerebral (fractura
explosiva na base do crânio e contusão cerebral)
(resposta ao quesito 7º da base instrutória).
Quando aconteceu o acidente estava a chover, o
pavimento estava molhado e a intensidade de trânsito era
normal (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
Os autores pagaram o valor de MOP$27.990,00 para
o funeral de I, incluindo o funeral, a caixão, artigos
para rituais de adoração de deuses, e o exorcismo, etc
(resposta ao quesito 9º da base instrutória).
Após o acidente, I ainda tinha movimentos
cardíacos e respiratórios (resposta ao quesito 10º da
base instrutória).
Quando aconteceu o acidente, I tinha boa saúde
física, sem qualquer doença e tinha capacidade de
trabalho (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
Antes de acontecer o acidente, I tinha uma vida
alegre com os familiares os quais se davam bem um com
outro e eram uma família feliz (resposta ao quesito 14º
da base instrutória).
Na data do acidente, quando recebeu a notícia, a
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1ª Autora de imediato dirigiu ao hospital, muito
preocupada e com medo (resposta ao quesito 15º da base
instrutória).
Quando os 2º, 3º e 4º Autores receberam a
notícia, estavam no Interior China, ficaram muito
preocupados e com medo (resposta ao quesito 16º da base
instrutória).
Sempre que os Autores se lembram da vida passada
com o marido e pai, sentem tristeza pelo seu falecimento
(respostas aos quesitos 17º e 18º da base instrutória).
Em virtude das obras que à data dos factos
decorriam naquela local, a Estrada XX, no troço
ligeiramente antes do local em que I caiu e para o
sentido de marcha em que seguiam F e I, havia apenas uma
via de trânsito, que se ia alargando gradualmente a
partir deste ponto ligeiramente anterior ao local em que
I caiu, passando depois a haver duas vias de trânsito
(resposta ao quesito 19º da base instrutória).
*
Passemos então a apreciar as questões do recurso.
Da impugnação da matéria de facto constante da
resposta aos quesitos 2º, 3º, 4º, 21º, 23º, 23º-A, 23º-B
e 24º da base instrutória
Alega a Ré que o Tribunal a quo julgou de forma
incorrecta a matéria de facto reportada naqueles
quesitos, mais precisamente, entende que o Tribunal não
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poderia dar como provados os quesitos 2º a 4º, pelo
contrário deveria dar por provados os factos descritos
nos artigos 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º da base
instrutória, por que eram contrariados por depoimentos e
documentos juntos aos autos que apontassem em sentido
oposto.
Foram dadas as seguintes respostas à matéria de
facto vertida nos quesitos 2º, 3º e 4º:
Perguntava-se no quesito 2º:
“Quando conduziu em frente do Edf. XX GARDEN,
perto do poste de iluminação n. 7XXC1X na Estrada XX, uma
vez que na faixa de circulação em frente havia um gargalo
e um obstáculo, tinha de esquivar para o lado esquerdo?”
E mereceu a seguinte resposta:
“Quando chegou em frente do Edf. XX Garden, sito
na Estrada XX, teve de virar para a esquerda porque neste
local a estrada configurava uma curva para o lado
esquerdo, atento o sentido da marcha de F.”
Questionava-se no quesito 3º:
“Ao mesmo tempo, do lado esquerdo um motociclo
pesado MX-1X-X0 conduzido por I, aproximou-se, perdeu o
controlo e embateu com o automóvel pesado MX-5X-X2?”
E ficou provado que:
“Ao mesmo tempo e no mesmo local, no lado esquerdo
do automóvel pesado MX-5X-X2, circulava o motociclo
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pesado MX-1X-X0 conduzido por I, o qual, ao virar para a
esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F,
ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal
maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço
suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o
automóvel pesado para prosseguir a sua marcha, fazendo
com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com
o automóvel pesado.”
E mais se perguntava no quesito 4º:
“I caiu no chão juntamente com o veículo, o
automóvel pesado MX-5X-X2 continuava a circular de forma
que atropelou I?”
Tendo respondido que:
“Por causa disso I perdeu controlo do motociclo
pesado e caiu no chão juntamente com o motociclo tendo o
automóvel pesado MX-5X-X2 continuado a circular acabando
por atropelar I.”
E em relação aos restantes quesitos impugnados, a
saber, 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º da base instrutória,
em que a Ré ora recorrente contou outra versão do
acidente, mereceram resposta de “não provado”.
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012
(Processo 551/2012), “este princípio da livre apreciação
da prova não surge na lei processual como um dogma que
confere total liberdade ao julgador, uma vez que o
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tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que
o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é
exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a
prova legal por confissão, por documentos autênticos, por
presunção legal, etc. Todos sabemos isso muito bem.
Mas, por outro lado, nem mesmo as amarras
processuais concernentes à prova são constritoras de um
campo de acção que é característico de todo o acto de
julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A
convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de
dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e
omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da
imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do
ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a
realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da
assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre
apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica
e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é
“livre” até certo ponto, a partir do momento em que o
julgador respeita esse espaço de liberdade sem
ultrapassar os limites processuais imanentes, a
sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto
só nos casos restritos no âmbito dos arts. 599º e 629º do
CPC pode ser levada a cabo.”
Mais se especificou naquele mesmo Acórdão que “…se
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o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os
dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez
eco na explanação dos fundamentos da convicção (fls.
xxx), atingiu um determinado resultado, só perante uma
evidência é que o tribunal superior poderia fazer
inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença
dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º,
nºs 1 e 2 do CPC.”
Reapreciada por este nosso Tribunal a prova
produzida, nomeadamente atendendo ao visionamento dos
vídeos, à documentação das declarações prestadas pelas
testemunhas na audiência de julgamento e à prova
documental junta aos autos, entendemos que não somos
capazes de dar razão à recorrente, por que os dados
permitem a conclusão a que o Tribunal a quo chegou.
Vejamos.
Para sustentar a sua tese, a Ré ora recorrente
indicou algumas passagens das gravações, mais
precisamente as declarações prestadas por F, condutor do
automóvel de matrícula MX-5X-X2, sua mulher G que sentava
ao lado do condutor, agentes da PSP nº 3XXXX1 e 2XXXX0
como sendo guardas que chegaram ao local depois do
acidente, bombeiro nº 4XXXX1 que prestou assistência à
vítima e médico H que subscreveu o relatório de autópsia.
É bom anotar os pontos principais de cada uma
Processo 436/2014 Página 20
dessas testemunhas.
Referiram as duas primeiras, a saber o condutor do
automóvel de matrícula MX-5X-X2 e sua esposa que antes do
acidente não viram que o motociclo conduzido pela vítima
estava a circular no seu lado esquerdo.
Disseram ainda que, a dada altura, ouviram um
grande barulho, pelo que o condutor do automóvel fez
parar o seu veículo, tendo ambas as testemunhas saído do
veículo para ver o que se passava, e foi nessa altura que
se aperceberam do sucedido.
Entretanto, negaram as referidas testemunhas ter
ocorrido qualquer embate.
Em relação às declarações dos dois agentes
policiais indicadas pela recorrente, o primeiro agente
respondeu que não sabia se houve embate, por que havia
riscos ou vestígios em ambos os lados do automóvel,
enquanto a segunda afirmou que teve a conclusão pela
imagem que o motociclo tentou fazer ultrapassagem porque
o automóvel estava em circulação primeiro.
Já no concernente às declarações do bombeiro que
prestou assistência à vítima, ele disse que quando chegou
ao local do acidente, viu que trazia ainda na cabeça da
vítima a parte interior do capacete, enquanto a parte
exterior do capacete já não estava lá.
Socorreu-se ainda a recorrente do depoimento de H,
Processo 436/2014 Página 21
médico que subscreveu o relatório da autópsia, o qual
teria dito que a vítima não foi “atropelado”, pois se
tivesse passado por cima dele de certeza se verificaria
marca dos pneus e também partiria o crânio.
A questão que aqui se coloca é saber como ocorreu
o acidente.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, não
somos capazes de dar razão à recorrente, por que segundo
a prova produzida na audiência, os elementos carreados
aos autos não nos permitem acolher necessariamente o
ponto de vista da recorrente no tocante à forma como
ocorreu o acidente.
Vejamos por partes.
Comecemos pelos agentes policiais e bombeiro.
Podemos concluir que eles não presenciaram o acidente,
apenas chegaram ao local após a sua ocorrência, por isso
os seus depoimentos não chegam para provar o modo como
ocorreu o acidente.
Aliás, não obstante a última agente policial ter
afirmado que o motociclo tentou fazer ultrapassagem
porque o automóvel estava em circulação primeiro, mas não
podemos deixar de assinalar que ela tirou essa conclusão
apenas com base no visionamento dos vídeos, entretanto,
como as gravações dos vídeos foram apresentadas como
prova, não havia outra solução senão competir ao tribunal
Processo 436/2014 Página 22
apreciar a sua relevância para a prova dos factos.
Já em relação aos depoimentos do condutor do
automóvel de matrícula MX-5X-X2 e da sua mulher, em
princípio são meios de prova relevantes e directos, mas
também não podemos deixar de ponderar as diversas ordens
de razões que poderiam afectar a credibilidade dos seus
testemunhos, mais precisamente, pode acontecer que nem o
condutor nem a passageira sua mulher teriam reparado que
junto do seu veículo estava a circular no seu lado
esquerdo o motociclo conduzido pela vítima, ou mesmo que
tivessem reparado, também poderiam eles não dizer a
verdade por não querer ser-lhes imputada qualquer
responsabilidade pelo acidente, com vista a encobrir
qualquer eventual negligência por parte do condutor.
Por último, salvo o devido respeito, também não se
descortina qualquer erro na apreciação do depoimento do
médico que elaborou o relatório da autópsia.
De facto, embora o médico tenha dito que o
automóvel não teria passado por cima da vítima, pois se o
tivesse existiria necessariamente marca dos pneus, mas o
médico não excluiu a hipótese de que houve choque entre o
automóvel e a vítima, daí que não se verifica a alegada
contradição entre o depoimento da referida testemunha e a
matéria de facto provada, pois ao dar-se como provado que
o automóvel de matrícula MX-5X-X2 atropelou a vítima não
Processo 436/2014 Página 23
significa necessariamente que teria passado por cima
dela.
Na linguagem comum, o termo “atropelamento” é
usado para definir um tipo de acidente, frequentemente
provocado por veículos automotores, que afecta um
pedestre, animal ou mesmo um usuário em condição ou
veículo considerado "menor", como um ciclista atropelado
por um carro ou um pedestre atropelado por um ciclista,
por exemplo.1
Também segundo o Dicionário Ilustrado da Língua
Portuguesa, o verbo “atropelar” significa derrubar,
passando ou não por cima.
No vertente caso, o colectivo de primeira
instância não atendeu à versão da Ré ora recorrente no
que diz respeito ao modo como ocorreu o acidente de
viação, ou seja, não considerou que o motociclo conduzido
pela vítima de matrícula MX-1X-X0 teria procedido a
manobra de ultrapassagem do automóvel MX-5X-X2 pela
esquerda e que acabou por embater este último veículo,
antes pelo contrário deu-se como provado que pouco tempo
antes do acidente, tanto o motociclo como o automóvel
encontravam-se a circular na mesma faixa de rodagem,
enquanto o primeiro no lado esquerdo, o segundo estava no
lado direito. Quando chegaram em frente do edifício XX
1 in Wikipédia
Processo 436/2014 Página 24
Garden, os dois veículos tiveram que virar para a
esquerda porque neste local a estrada se configurava uma
curva para o lado esquerdo, atento o sentido da marcha. E
ao virar para a esquerda, o automóvel encostou de tal
maneira junto do motociclo e não deixou espaço suficiente
entre as grades que ladeavam a estrada e o automóvel,
fazendo com que a vítima perdesse controlo do motociclo e
embatesse com o automóvel.
Sendo ainda evidente que o colectivo de primeira
instância fez a análise de todos os dados e deu a
explanação pormenorizada dos fundamentos decisivos para a
sua convicção, com a qual concordamos na íntegra e que a
seguir se transcreve:
“A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos a fls
18 a 119, 202 a 259 e 282, no visionamento dos vídeos relativos aos
acidente juntos a fls 341, no depoimento das testemunhas ouvidas em
audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, cujo teor se
dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permitiu formar
uma síntese quanto aos apontados factos.
Em especial, no que se refere às circunstâncias do acidente, a
convicção do tribunal resulta essencialmente do visionamento dos vídeos
que captaram as imagens dos veículos conduzidos pela vítima e por F antes
e depois do acidente em conjugação dos documentos juntos aos autos que
lhe permitiram compreender melhor o estado do local do acidente bem como
a dinâmica do acidente.
Nesse aspecto, não acolheu o entendimento de que a vítima
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estava a fazer uma ultrapassagem porque apesar de do visionamento do
vídeo que tinha captado as primeiras imagens dos dois veículos (adiante
designado por vídeo 1) na Estrada XX, se poder concluir que o motociclo
pesado, pelas 1h51m18s, estava a circular no lado esquerdo do automóvel
pesado, não se conseguia dizer que o automóvel pesado tinha ocupado a via
de trânsito em questão antes de o motociclo pesado aparecer ao seu lado.
Isso é importante porque só se pode afirmar que o motociclo
pesado tentou fazer uma manobra de ultrapassagem se tivesse sido o
automóvel pesado o primeiro a ocupar e a circular na via de trânsito em
questão e o motociclo pesado tivesse aparecido depois a uma velocidade
mais alta para, primeiro, ficar ao lado do automóvel pesado e, depois,
avançar ou tentar avançar à frente do automóvel pesado.
Ora, isso pressupõe que se pudesse ver do vídeo 1 que antes de o
motociclo pesado ter ficado ao lado do automóvel pesado, aquele estava
atrás deste. No entanto, isso não aconteceu com o visionamento do vídeo 1.
É que, das imagens captadas, via-se que, a cerca de 1h51m10s, o
automóvel pesado apareceu nas imagens captadas e, entre 1h51m10s e
1h51m18s, não se via que o motociclo pesado tinha estado a circular atrás
do automóvel pesado.
Precisamente por isso, entendeu o tribunal que, durante o período
em que o automóvel pesado foi captado nas imagens, o motociclo já estava
a circular ao lado deste o qual só tinha aparecido quase no final das imagens
porque o ângulo da câmara não permitia captá-lo mais cedo (dada a
dimensão do automóvel pesado). Como das imagens não se conseguia ver
como é que os dois veículos passaram a circular lado a lado, se era o
motociclo pesado que estava inicialmente atrás do automóvel pesado mas
depois, por ter acelerado, posicionou-se ao lado deste ou vice versa, nem se
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podia dizer que tinha sido o motociclo pesado que estava a tentar fazer uma
ultrapassagem nem o contrário.
No que se refere à dinâmica do acidente, novamente foi do
visionamento dos vídeos, especialmente o da 2ª câmara (vídeo 2) em
conjugação dos mesmos dados que o tribunal deu as suas respostas aos
quesitos 1º a 5º da base instrutória. As imagens captadas, apesar de não
serem de boa qualidade, permitiram ver claramente que o automóvel pesado
tinha encostado muito para a esquerda ao fazer a curva, circulando até sobre
a linha descontínua branca esquerda da via de trânsito, quando
simultaneamente o motociclo pesado estava a circular no seu lado esquerdo,
deixando um espaço manifestamente insuficiente para o motociclo
prosseguir a sua marcha. Além disso, via-se das imagens que, antes da
queda, o motociclo pesado tinha travado, pois a luz de travão deste tinha
chegado a acender, para evitar qualquer embate mas não tinha conseguido
evitá-lo.
Quanto ao estado do local de acidente e da respectiva via do
trânsito, os documentos juntos aos autos permitiram ao tribunal responder ao
quesito 19º nos termos constantes da resposta dada o que exclui a descrição
feita no quesito 2º.”
Aqui chegados, através do visionamento dos vídeos
que captaram as imagens dos dois veículos antes e depois
do acidente, e em conjugação com alguns documentos juntos
aos autos, mormente o croquis elaborado pela respectiva
entidade policial, podemos verificar que todos esses
elementos permitem chegar à conclusão a que o Tribunal a
quo chegou.
Processo 436/2014 Página 27
Nesta conformidade, por não se vislumbrar ter
havido erro na apreciação da matéria dos factos,
improcede o recurso nesta parte.
*
Da culpa do lesado
Uma vez que lograda não ficou a alteração das
respostas conferidas aos quesitos 21º, 23º, 23º-A, 23º-B
e 24º da base instrutória, improcedem, pois, as
conclusões das alegações da recorrente quanto à violação
pela vítima das regras de circulação rodoviária.
*
Da resposta ao quesito 3º da base instrutória –
Alegada violação do princípio do dispositivo e do excesso
de pronúncia
Invoca a recorrente que o Tribunal a quo deu por
provado algo totalmente diferente do alegado pelos
Autores ora recorridos, constituindo, deste modo,
violação do princípio do dispositivo, pedindo que se
considere como não escrita a resposta ao quesito 3º.
Segundo o disposto no artigo 556º do Código de
Processo Civil, encerrada a discussão da matéria de
facto, o tribunal colectivo reúne para decidir, cabendo-
lhe declarar quais os factos que o tribunal julga
provados e quais os que julga não provados, analisando
criticamente as provas e especificando os fundamentos que
Processo 436/2014 Página 28
foram decisivos para a convicção do julgador.
Como observa Viriato de Lima, “a decisão da
matéria de facto pode ser restritiva (Provado apenas
que…) ou explicativa relativamente aos factos da base
instrutória, mas tem de manter-se dentro da matéria
articulada pelas partes”2.
No caso vertente, questionava-se no quesito 3º o
modo como ocorreu o acidente, nos seguintes termos:
“Ao mesmo tempo, do lado esquerdo um motociclo
pesado MX-1X-X0 conduzido por I aproximou-se, perdeu o
controlo e embateu com o automóvel pesado MX-5X-X2?”
E o colectivo deu a seguinte resposta:
“Ao mesmo tempo e no mesmo local, no lado esquerdo
do automóvel pesado MX-5X-X2, circulava o motociclo
pesado MX-1X-X0 conduzido por I o qual, ao virar para a
esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F,
ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal
maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço
suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o
automóvel pesado para prosseguir a sua marca, fazendo com
que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com o
automóvel pesado.”
Em boa verdade, embora a resposta seja mais
extensa do que o próprio quesito, mas salvo o devido
2 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 504
Processo 436/2014 Página 29
respeito por opinião contrária, somos a entender que o
colectivo de primeira instância limitou-se a dar uma
resposta explicativa ao referido quesito.
A nosso ver, pretendia-se com aquele quesito
indagar se naquela altura, o motociclo de matrícula MX-
1X-X0 conduzido pela vítima se aproximou, perdeu o
controlo e embateu com o automóvel de matrícula MX-5X-X2.
E o colectivo de primeira instância deu uma
resposta mais detalhada sobre o modo como o motociclo MX-
1X-X0 conduzido pela vítima se aproximou e perdeu o
controlo, isso significa, no fundo, que a resposta dada
pelo colectivo ainda estava dentro do âmbito das questões
de facto formuladas naquele quesito da base instrutória,
embora tenha um conteúdo bastante explicativo.
Com efeito, por não se descortinar que a resposta
tenha excedido o âmbito do quesito, improcedem as razões
da recorrente quanto à alegada violação do princípio do
dispositivo.
*
Da responsabilidade pelo risco – artigo 496º do
Código Civil
Defende a recorrente a falta de nexo de
causalidade entre a circulação do automóvel de matrícula
MX-5X-X2 e a queda do motociclo MX-1X-X0, razão pela qual
entende que a pretensão dos Autores não poderia deixar de
Processo 436/2014 Página 30
improceder.
Ora bem, estatui no nº 1 do artigo 496º do Código
Civil que “aquele que tiver a direcção efectiva de
qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no
seu próprio interesse, ainda que por intermédio de
comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos
próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em
circulação.”
Trata-se de situação em que o responsável pelos
perigos envolvidos na utilização de um veículo de
circulação terrestre, por ter o domínio real ou de facto
sobre esse mesmo veículo, deve assumir a obrigação de
indemnizar terceiros pelos danos resultantes da
concretização dos riscos decorrentes da sua utilização.
No caso vertente, provado que o atropelamento se
deu porque o automóvel de matrícula MX-5X-X2 conduzido
por F fechou demasiado a via onde a vítima prosseguia,
fazendo com que a mesma perdesse o controlo e embatesse
com o referido automóvel.
Quanto ao nexo de causalidade, é fora de dúvida
que a morte da vítima é consequência directa e necessária
do embate.
De facto, apurou-se que depois do embate, a vítima
ora condutor do motociclo ficou ferido e deitado no chão,
de seguida, foi conduzido ao Hospital Conde São Januário
Processo 436/2014 Página 31
tratar receber tratamento, mas veio a falecer ainda no
caminho ao Hospital.
Aqui chegados, podemos concluir que, no âmbito da
responsabilidade objectiva, uma vez verificada a
existência do facto ilícito, do dano e do nexo de
causalidade entre o facto e o dano, o condutor do
automóvel de matrícula MX-5X-X2 fica obrigado a
indemnizar aos Autores pelos danos causados.
Entretanto, por que a responsabilidade por danos
causados a terceiros pelo automóvel de matrícula MX-5X-X2
havia sido transferida para a recorrente, torna-se esta
responsável pelo pagamento dos respectivos valores
indemnizatórios.
*
Da responsabilidade pelo risco – artigo 499º do
Código Civil
Argumenta a recorrente que, mesmo que se entenda
que o acidente se não deu por culpa do próprio lesado,
sempre será de concluir que o mesmo contribuiu
decisivamente para a produção dos danos, na medida em que
o próprio lesado circulava do lado esquerdo traseiro e a
par do veículo de matrícula MX-5X-X2, numa via em que era
reservada a uma fila única de trânsito, num local onde
decorriam obras na berma, e num dia em que estava a
chover.
Processo 436/2014 Página 32
Salvo o devido respeito, não podemos deixar de
afirmar que o disposto no artigo 499º do Código Civil não
é aplicável ao caso concreto, por não estar em causa a
colisão dos dois veículos, conforme se referiu na
sentença recorrida.
Sucede que o atropelamento se deu porque o
automóvel de matrícula MX-5X-X2 conduzido por F encostou-
se demasiado ao motociclo conduzido pela vítima, fazendo
com que a mesma perdesse o controlo e embatesse com o
referido automóvel, ou seja, não se verifica qualquer
colisão entre os dois veículos.
Mesmo que se admitisse ter havido colisão, também
não se vislumbra como pode o próprio lesado ter
contribuído para a produção dos danos, por alegada
violação das regras estradais.
Quanto a essa questão, face à matéria de facto que
ficou provada, sem necessidade de delongas considerações,
julgamos que o lesado nada contribuiu para o acidente,
mormente para a produção dos danos.
É por esta razão que subscrevemos o entendimento
consubstanciado na sentença recorrida, com o qual
concordamos inteiramente e que se transcreve a seguir:
“Ora, tendo em conta que os veículos estavam a
circular lado a lado numa mesma via de trânsito, pode-se
colocar a questão de saber quem é que violou a regra
Processo 436/2014 Página 33
prevista no artigo 2º, 14) da citada Lei que impõe que na
mesma via de trânsito apenas circule uma fila de
veículos.
Não se provou que a vítima estava a fazer uma
ultrapassagem quando se deu o acidente. Pelo que, não se
pode afirmar que o automóvel pesado MX-5X-X2 estava
inicialmente em frente do motociclo pesado MX-1X-X0.
Afastada essa hipótese, e por não haver outros factos que
permitam dilucidar essa questão, não se sabe qual dos
veículos é que se colocou ao lado do outro em violação da
regra prevista no artigo 2º, 14), da citada Lei.
Daí que, não se pode imputar a nenhum dos
condutores a violação dessa regra e, eventualmente, daí
tirar qualquer ilação quanto à imputabilidade objectiva
do acidente.”
Posto isto, improcedem as razões da recorrente.
*
Do quantum indemnizatório
Pugna a recorrente que o quantum indemnizatório
fixado pelo Tribunal a quo não é equitativo, por entender
que não atendeu a todas as circunstâncias do caso
concreto, designadamente, não atendeu ao facto do
acidente ser imputável ao lesado, ou pelo menos,
potenciado o risco da sua verificação pelo lesado.
Resulta da sentença recorrida que os Autores ora
Processo 436/2014 Página 34
recorridos têm direito a ser indemnizados pelos seguintes
danos patrimoniais e não patrimoniais:
- MOP$25.191,00, de despesas do funeral suportadas
pelos Autores;
- MOP$700.000,00, pelo dano da morte da vítima;
- MOP$300.000,00, pelos sofrimentos da 1ª Autora
pela morte da vítima;
- MOP$100.000,00, pelos sofrimentos da 2ª Autora
pela morte da vítima;
- MOP$100.000,00, pelos sofrimentos do 3º Autor
pela morte da vítima; e
- MOP$100.000,00, pelos sofrimentos da 4ª Autora
pela morte da vítima.
Tomando em consideração a matéria provada,
nomeadamente tinha a vítima 55 anos de idade à data do
acidente, tinha boa saúde física, sem qualquer doença e
tinha capacidade de trabalho; antes do acidente tinha uma
vida alegre com os familiares os quais se davam bem um
com outro e eram uma família feliz; quando receberam a
notícia, os Autores ficaram muito preocupados e com medo;
e sempre que se lembram da vida passada com o marido ou
com o pai, sentem tristeza pelo seu falecimento, mostram-
se razoáveis e proporcionais os montantes arbitrados pelo
Tribunal a quo por estarem em consonância com os
critérios firmados a nível jurisprudencial.
Processo 436/2014 Página 35
Tudo aponta para se negar provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao
recurso interposto pela Ré Companhia de Seguros da A
(Macau), S.A., confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
Macau, 16 de Abril de 2015
_________________________
Tong Hio Fong
_________________________
Lai Kin Hong
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira