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Curso de Direito Processual Civil Volume III Captulo LXIV RESTAURAO DE AUTOS 213. PROCEDIMENTO PARA RECUPERAR AUTOS DESAPARECIDOS Sumrio: 1.450. Conceito. 1.451. Objetivo do procedimento. 1.452. Legitimidade. 1.453. Competncia. 1.454. Procedimento. 1.455. Julgamento da restaurao. 1.456. Autos extraviados no tribunal. 1.457. Responsabilidade do causador do desaparecimento dos autos. 1.450. Conceito A relao processual compe-se de uma sucesso de atos que devem ser adequadamente documentados para que o processo atinja seu desiderato. Muitos desses atos so originariamente escritos (petio inicial, contestao, despachos e decises do juiz, mandados etc.) Outros so praticados oralmente, mas, em seguida, so documentados em termos lavrados pelos serventurios do juzo (citao, intimao, diligncias, audincias ete.). O conjunto das peas documentais do processo configura o que se denomina autos (ou autos do processo). Sem os autos, nenhum efeito do processo pode ser obtido pela parte, pois so eles a prova e o instrumento da relao processual. Da a necessidade de proteger os autos e de recomp-los quando se extraviam ou so destrudos. Na verdade, o seu desaparecimento acarreta uma interrupo do processo, diante da impossibilidade material de prosseguir na causa. Como motivo de fora maior, o extravio, enquanto no superado, acarretar a suspenso do processo, nos termos do art. 265, n V.' Esse impasse, a lei tenta evitar ou solucionar, de duas maneiras: instituindo os autos suplementares (art. 159) e prevendo uma ao especial para restaurao de autos (arts. 1:063 a 1.069). Os autos suplementares constituem numa duplicata dos autos originais, que o escrivo est obrigado a fazer, justamente para substituio destes na eventualidade de destruio ou extravio (art. 1.063, parg. nico). Inexistindo os suplementares, ou tendo tambm eles se perdido como os originais, o remdio legal posto disposio das partes a restaurao de autos, que vem a ser um procedimento especial contencioso tendente a recompor os atos e termos do processo e a propiciar a retomada do curso do feito paralisado em razo do desaparecimento dos respectivos autos. Dessa maneira, o sistema do cdigo o de autorizar a restaurao somente quando inexistirem autos suplementares, visto que nestes que deve prosseguir o processo, na falta dos autos originais (art. 1.063, parg. nico). 1.451. Objetivo do procedimento A ao visa to-somente a restaurao ou recomposio dos autos desaparecidos (art. 1.063, caput). Trata-se, certo, de procedimento contencioso, mas a questo de mrito limita-se pesquisa e definio do contedo dos diversos documentos que compunham os autos originais. A controvrsia que se pode suscitar entre as partes e sobre a qual ter de pronunciar-se o juiz apenas em torno da idoneidade das peas e elementos apresentados, ou da inexeqibilidade da restaurao por falta de pea essencial do processo. Questes de fato ou de direito que pertenam causa principal so totalmente estranhas ao de restaurao de autos cuja sentena final haver de simplesmente declarar restaurados, ou no, os autos do processo principal. Inapreciveis so, por conseguinte, temas como o da extino do processo por prescrio ou decadncia, o da precluso ou da coisa julgada e outros que s merecem anlise dentro da causa principal .Z Para suscit-los, a parte dever, portanto, aguardar o julgamento da restaurao e a retomada do curso do processo em vias de recomposio. 1.452. Legitimidade Qualquer das partes (autor ou ru) do processo principal tem legitimidade ativa para promover a ao de restaurao de autos (art. 1.063). A ao de natureza dplice. Uma delas tomando a iniciativa, a outra ficar como sujeito passivo do procedimento e ser citada para contestar o pedido e exibir as cpias e documentos em seu poder, teis restaurao (art. 1.065). No autoriza o cdigo a restaurao por ato de ofcio do juiz. Em se tratando de ao, o procedimento estar sempre na dependncia de provocao da parte. 1.453. Competncia A ao de restaurao uma causa derivada da principal (isto , daquela cujos autos desapareceram), de sorte que entre as duas estabelece-se um vnculo de acessoriedade. Em razo disso, a competncia para a nova causa continua sendo a do juiz do processo principal, segundo a regra do art. 108. 1.454. Procedimento A petio inicial, elaborada conforme as exigncias do art. 282, conter, ainda, a declarao do "estado da causa ao tempo do desaparecimento dos autos" (art. 1.064, caput): ser instruda com os seguintes documentos:

I - certides dos atos constantes do protocolo de audincias do cartrio por onde haja corrido o processo; II - cpia das peties dirigidas ao juiz; 111- quaisquer outros documentos que facilitem a restaurao, como, por exemplo, contraf, carta intimatria, publicaes do Dirio Oficial, cpias de laudos, recibos de preparo, certido do registro da sentena ou do arquivo de acrdos do tribunal etc. A citao da parte contrria ser feita com o prazo de cinco dias para contestar o pedido (art. 1.065). Ao sujeito passivo a lei impe o dever de exibir as cpias, contrafs e mais reprodues dos atos e documentos que estiverem em seu poder (art. 1.065, caput). Se, em lugar de contestar, o ru manifesta-se de acordo com a restaurao, tal como proposta pelo autor, caber ao escrivo lavrar um ato que descrever o acordo ocorrido entre os litigantes e ser assinado por eles. Em seguida, o juiz homologar por sentena o auto e suprido estar o processo desaparecido (art. 1.065, 1). Quando o ru permanecer revel, manda o art. 1.065, 2, observar o disposto no art. 803, referente ao rito do processo cautelar. Isto quer dizer que sero presumidos verdadeiros os fatos alegados pelo autor, e ao juiz caber decidir em cinco dias. Se houver concordncia do ru apenas parcial, ou contestao, o feito observar o pargrafo nico do art. 803, ou seja, o juiz designar audincia de instruo e julgamento, desde que a soluo da controvrsia dependa de prova oral. Se a questo for s de direito ou se a prova for apenas documental, a sentena ser desde logo proferida. Quando o desaparecimento dos autos tiver ocorrido depois da produo das provas em audincia do processo principal, o juiz mandar repeti-Ias no bojo da restaurao (art. 1.066, caput). As testemunhas sero as mesmas, mas se j tiverem falecido ou se acharem impossibilitadas de depor, nem houver meio de comprovar de outra forma o depoimento, podero ser substitudas (art. 1.066, 1). A prova pericial, em princpio, deve ser substituda por certido ou cpia do laudo primitivo. Se tal no for possvel, far-se- nova percia, de preferncia pelo mesmo perito (art. 1.066, 2). A restaurao de documentos de se fazer por certides ou cpias e, na falta, pelos meios ordinrios de prova (art. 1.066, 3). Aos serventurios e auxiliares da justia (escrives, oficiais de justia, contadores etc.) a lei impe o dever de depor, para facilitar a recomposio dos autos, sobre todos os atos de que tenham participado (art. 1.066, 4). Se o juiz dispuser de cpia da sentena proferida no processo principal, ser ela juntada e ter a mesma autoridade da original (art. 1.066, 5). 1.455. Julgamento da restaurao Com a sentena que julga restaurado os autos extraviados ou desaparecidos, o processo principal retomar seu curso, agora dentro dos autos da restaurao (art. 1.067). Se, eventualmente, forem reencontrados os autos originais, neles que se prosseguir. Os autos da restaurao, porm, sero apensados (art. 1.067, 1 ). Quando o seguimento do feito est se processando nos autos suplementares e ocorre o aparecimento dos originais, o curso volta a dar-se nestes, retornando aqueles ao arquivo do cartrio, aps trasladarem-se, por certides, todos os atos e termos necessrios complementaro do processo primitivo (art. 1.067, 2). 1.456. Autos extraviados no tribunal Compete ao tribunal restaurar os autos que perante ele estejam em curso, seja em grau de recurso, seja em razo de competncia originria. De preferncia, funcionar como relator da restaurao o juiz que j funcionava como tal no processo desaparecido (art. 1.068). Havendo o processo original tramitado em duas instncias, o relator remeter o novo processo ao juzo de origem, pois compete a este a restaurao dos atos praticados sob sua jurisdio (art. 1.068, 1 ). Concluda sua tarefa, os autos voltaro ao tribunal, onde se complementar a restaurao e se proceder ao julgamento ( 2). A funo do juzo de origem , na espcie, apenas de instruo parcial da causa. 1.457. Responsabilidade do causador do desaparecimento dos autos Segundo dispe o art. 1.069, o causador do desaparecimento dos autos deve responder pelas custas da restaurao e pelos honorrios advocatcios dispendidos pela parte contrria. 0 procedimento da restaurao corresponde a uma nova ao e a um novo processo, onde, portanto, haver sucumbncia distinta da do processo principal. Provada a culpa pelo extravio, os encargos a que alude o art. 1.069 sero sempre da parte culpada, mesmo que seja ela a que tome a iniciativa de requerer a restaurao, em fase da natureza dplice da ao. Alm desse efeito processual, ocorrer ainda, no caso de conduta dolosa ou maliciosa, a responsabilizao civil e penal, nos termos da legislao prpria, que rege o ato ilcito (Cd. Civ., art. 159) e os delitos (Cd. Penal, art. 356). Captulo LXV VENDAS A CRDITO COM RESERVA DE DOMNIO 214. PROCEDIMENTOS RELATIVOS AO PACTO DE RESERVA DE DOMNIO Sumrio: 1.458. Conceito. 1.459. Procedimento da execuo do preo. 1.460. Procedimento da recuperao da prpria coisa. 1.458. Conceito Ocorre a reserva de domnio quando, no contrato de compra e venda, se estipula um pacto adjeto, segundo o qual o vendedor se garante, reservando para si a propriedade da coisa alienada at o momento de completar-se o pagamento integral do preo.'

Trata-se de uma espcie de condio suspensiva para o comprador, que recebe a posse do bem adquirido, mas no o domnio, que persiste sob o poder do vendedor, no aguardo do evento futuro, que o pagamento integral do preo. Seu campo de aplicao , pois, o da venda a prazo. Do inadimplemento do preo, surge para o vendedor uma alternativa: cobrar o preo ou retomar a coisa vendida. Os procedimentos a observar esto previstos nos arts. 1.070 e 1.071 do Cdigo de Processo Civil. H entre as duas aes um concurso, de modo que a escolha de uma delas exclui a possibilidade do uso futuro da outra. Isto , ou o credor retoma o objeto vendido, rescindindo a venda, ou executa o preo, caso em que a venda se aperfeioar e o domnio, em defnitivo, passar ao comprador. 2 1.459. Procedimento da execuo do preo Prev o art. 1.070 que o vendedor poder, optando pela manuteno do contrato, utilizar a execuo por quantia certa para cobrar as prestaes em atraso. Isto, porm, depender de existir ttulo executivo para representar a dvida (art. 585). Se os documentos disponveis no configurarem ttulo suficiente para autorizar a execuo forada, a cobrana somente ser vivel pelo procedimento comum, ordinrio ou sumarssimo, conforme o valor da dvida. Iniciada a execuo, a penhora pode atingir qualquer bem do patrimnio do devedor. Recaindo, porm sobre a prpria coisa vendida com reserva de domnio, o procedimento executivo se simplifica, visto que imediatamente se poder promover a leilo, independentemente de avaliao, caso em que no preo apurado se sub-rogar a penhora, prosseguindo-se a execuo em seus trmites normais (art. 1.070, 2). A nica novidade, portanto, desse procedimento especial a possibilidade de leilo imediato do bem gravado. Se a penhora recair em outros objetos, nada haver de incomum na execuo da dvida. Essa venda antecipada no indispensvel. apenas uma faculdade exercitvel pelos interessados, de sorte que poder ser requerida tanto pelo credor como pelo devedor, como prev o 1 do art. 1.070. Mas no dever ser ordenada de ofcio pelo juiz. 1.460. Procedimento da recuperao da prpria coisa Uma vez que a coisa vendida com reserva de domnio, continua pertencendo ao vendedor, assegura-lhe a lei um procedimento especial para reintegrar-se na posse do objeto vendido a crdito, na eventualidade de mora do comprador. Trata-se da segunda opo que o Cdigo lhe faculta, nos termos do art. 1.071. Esse procedimento tem como trao peculiar a possibilidade de obter in fmine litis a apreenso e depsito do bem gravado, providncia que a lei prev independentemente de citao e defesa do devedor (art. 1.071, caput). A finalidade da ao , pois, rescindir a venda e reintegrar o vendedor na posse do bem que no chegou a sair do seu patrimnio. Mas, para obter a medida liminar, o autor ter de instruir a petio inicial com o contrato de reserva de domnio e com o protesto do ttulo, com o que demonstrar, desde logo, o seu direito de propriedade e a mora do devedor (art. 1.071). No se obtm, todavia, uma pronta reintegrao de posse para o credor, pois a medida liminar consta apenas da apreenso e depsito judicial. Feito o depsito, seguir-se- a citao do devedor, abrindo-se-lhe o prazo de cinco dias para contestao (art. 1.071, 2). J no despacho da inicial, o juiz nomeia um perito, que elabora laudo de vistoria e arbitramento do valor atual do bem, descrevendo-lhe o estado e individuando-o com todos os seus caractersticos (art. 1.071, 1). No prazo de resposta, o devedor pode adotar uma das trs seguintes atitudes: a) requerer prazo para purga da mora; b) oferecer contestao; ou c) manter-se revel. O uso da faculdade de purgar a mora subordina-se ao requisito de j ter sido resgatada a parcela de mais de 40% do preo. Para esse fim, o juiz conceder ao devedor o prazo de 30 (trinta) dias, arbitrar a verba advocatcia e remeter os autos ao contador para clculo atualizado do montante do dbito, que compreender todas as prestaes vencidas, juros, honorrios e custas (art. 1.071, 2). Depositado o montante apurado, a coisa apreendida ser restituda ao devedor, declarando-se purgada a mora e extinto o processo. O contrato continuar em vigor, at o cumprimento das demais prestaes vincendas. Se o ru apresentar contestao no qinqdio legal, o processo tomar o curso ordinrio, prevalecendo, porm, a apreenso e depsito de incio deferidos (art. 1.071, 4). Caindo o ru em revelia, ou deixando de efetuar a purga da mora, depois de assinado o prazo para tanto, poder o credor obter desde logo o julgamento da causa pelo mrito. Antes, porm, dever apresentar nos autos todos os ttulos vencidos e vincendos, para que se faa o cotejo entre o valor atual do bem (laudo de avaliao) e o montante da dvida remanescente da venda com reserva de domnio. Ao proferir a sentena, que rescindir a venda e reintegrar o autor na posse do bem apreendido, o juiz ordenar que, se for o caso, deposite em juzo o excesso entre o valor da coisa e o remanescente do dbito mais despesas do processo (art. 1.071, 3). O depsito dessa diferena ser condio para execuo da sentena que defere a reintegrao de posse ao credor (art. 582). Com ele evita-se o locupletamento indevido do credor custa do devedor. Captulo LXVI O JUZO ARBITRAL 215. PROCEDIMENTO DA ARBITRAGEM Sumrio: 1.461. O juzo arbitrai no direito brasileiro. 1.462. Disposies gerais. 1.463. Conveno de arbitragem. 1.464. Clusula compromissria. 1.465. Requisitos da clusula compromissria. 1.466. Execuo da clusula compromissria. 1.467. Autonomia da clusula compromissria. 1.468. Compromisso arbitral. 1.469. Extino do compromisso arbitral. 1.470. Os rbitros. 1.471. O procedimento. 1.472. Medidas cautelares. 1.472-a. Sentena arbitral. 1.472-b. Requisitos da sentena arbitrai. 1.472-c. Recursos. 1.472-d.

Nulidade da sentena arbitrai. 1.472-e. Reconhecimento e execuo de sentenas arbitrais estrangeiras. 1.472--f. Natureza jurdica do novo juzo arbitrai brasileiro. 1.461. O juizo arbitral no direito brasileiro Desde os primeiros tempos de nossa independncia poltica, tem o juzo arbitral encontrado previso e autorizao no direito positivo brasileiro. De incio, impunha-se como obrigatria a arbitragem em questes relativas a seguro e locao de servios. Mais tarde, o Cdigo Comercial obrigou adoo do juzo arbitral para as controvrsias oriundas de locao mercantil, de relaes entre os scios das sociedades comerciais, e de vrias outras fontes. No mesmo ano de 1850, em que se editou o Cdigo Comercial, surgiu o Reg. n 737, destinado a disciplinar o processo relativo s causas comerciais, e nele tambm se previa a submisso dos conflitos entre comerciantes deciso arbitral. No obstante essa ampla disciplina legal, o juzo arbitral nunca chegou a ser uma realidade entre ns, e muito se tem especulado sobre a causa dessa autntica rejeio do instituto que to franca acolhida encontrou em outras partes do mundo civilizado. A explicao mais plausvel que se deu a essa situao especfica do meio jurdico brasileiro foi a de que o Dec. n 3.900, de 26.06.1867, teria inviabilizado a implantao do importante instituto, ao dispor, em seu art. 9, que a clusula de compromisso, sem a nomeao dos rbitros, ou relativa a questes eventuais, no valia seno como promessa e ficava dependente para a perfeio e execuo de novo e especial acordo das partes, no s sobre os requisitos enumerados no seu art. 8, como sobre as declaraes essenciais exigidas pelo art. 10. Esse sistema de somente considerar obrigatrio o juzo arbitral quando o compromisso viesse a ser firmado, com toda solenidade legal, depois de j concretizado o litgio, tornando a clusula compromissria um pacto "de contrahendo" desprovido de eficcia ou fora legal, foi, sem dvida, o que desprestigiou o remdio extrajudicial de composio de conflitos. Era evidente que, depois de eclodido o litgio, desapareciam todas as condies favorveis formalizao do compromisso e renncia tutela da Justia oficial. No se registrou, outrossim, progresso algum nesse setor do direito brasileiro durante mais de um sculo, porquanto o Cdigo Civil e os Cdigos de Processo Civil que se lhe seguiram continuaram a tratar a clusula compromissria como figura "inteiramente incua, intil, sem fora obrigatria", tal como antes fizera o Dec. n 3.900.1 At a data recente, o juizo arbitral praticamente no existia no Brasil, a no ser como assento de especulao terica em doutrina, visto que na experincia concreta no se tinha notcia de qualquer compromisso que, nos moldes dos arts. 1.072 a 1.102 do Cdigo de Processo Civil, fizesse atuar a importante via alternativa de pacificao de litgios como realidade na convivncia social. Como o Brasil tinha srios compromissos internacionais de viabilizar o juzo arbitral, principalmente em funo dos mercados comuns a que se integrou ou a que se ligou, tornou-se imperiosa a necessidade de modernizar a legislao interna acerca da arbitragem. Assim, adveio a Lei n 9.307, de 23.09.96, que revogou toda a disciplina localizada no interior do Cdigo Civil e do Cdigo de Processo Civil, e que tratava do tema. Desde ento, o Juzo arbitrai passou a ser objeto de lei especial, tanto no que diz respeito matria de fundo como de natureza processual. A nova lei disps sua disciplina em sete captulos, assim distribuindo a regulamentao do Juzo arbitral: I - Disposies gerais lI -A Conveno de arbitragem e seus efeitos III - Os rbitros IV - O Procedimento arbitral V -A sentena arbitral VI - Reconhecimento e Execuo de sentenas arbitrais estrangeiras VII - Disposies finais 1.462. Disposies gerais Nos arts. 1 e 2, a Lei n 9.307 cuidou da arbitragem no seu aspecto objetivo e subjetivo, definindo que tipo de direito subjetivo pode ser tratado no juzo arbitral e que tipo de pessoa se legitima a figurar nele. Assentou-se, assim, que: a) somente as pessoas maiores e capazes podem se valer do juzo arbitral; e b) nele s se admitem litgios relativos a direitos patrimoniais disponveis. Vale dizer: sendo o juzo arbitral concebido como fruto da livre conveno entre as partes, s se torna admissivel entre as pessoas que gozem de autonomia jurdica para disciplinar suas relaes jurdicas e somente pode ter como objeto aqueles bens dos quais os titulares possam livremente dispor em seus contratos. Quanto ao direito material a ser aplicado pelos rbitros, prev a Lei n 9.307 que o contrato pode submeter o litgio tanto ao direito positivo como eqidade, a critrio das partes (art, 2, caput). Reconhece-se, outrossim, que a conveno poder escolher, livremente, as regras de direito a serem aplicadas, adotando, por exemplo, as do direito nacional ou do direito de algum Pas estrangeiro. Mesmo dentro do ordenamento jurdico nacional, lcito selecionar-se um tipo de lei, excluindo-se outro, desde que, claro, no sejam ofendidos os bons costumes e a ordem pblica (art. 2, 1). Permite-se, ainda, que a conveno submeta o julgamento arbitral aos "princpios gerais do direito", aos "usos e costumes" e s "regras internacionais de comrcio" (art. 2, 2). O julgamento por eqidade, ou seja, independentemente da submisso ao direito positivo, s ser vivel quando expressamente aceito por ambas as partes da conveno de arbitragem. As normas procedimentais tambm podero ser objeto de conveno entre as partes do negcio arbitral, sendo possvel tanto a adoo de regras de rgo arbitral institucionalizado ou de entidade especializada, como ainda se permite a criao do procedimento pelo prprio contrato. H, finalmente, a previso de o contrato poder delegar aos rbitros ou ao tribunal arbitral a funo de regular o procedimento (art. 21). Alis, se a conveno for omissa, a presuno legal de que o rbitro, ou o tribunal, ter poderes para disciplinar o procedimento (art. 21, 1).

1.463. Conveno de arbitragem Pela livre conveno entre os interessados, possvel desviar a matria litigiosa da esfera do Poder Judicirio, afetando-a ao conhecimento de pessoa ou organismo no vinculados Administrao Oficial da Justia. Essa conveno abrange duas modalidades de negcio jurdico, ambas com fora vinculante para as partes e com plena eficcia de eliminar a sujeio do litgio Justia estatal. So elas: a) a clusula compromissria; e b) o compromisso arbitrai (Lei n 9.307, art. 3). Desde o momento, portanto, em que, dentro do contexto de um contrato, se estipule que eventual litgio entre os contratantes em torno das obrigaes nele pactuadas ser dirimido por meio de rbitros, estar definitivamente imposta a via extrajudicial como obrigatria. O juzo arbitral, no futuro, quando porventura eclodir o litgio, no poder unilateralmente ser descartado. No haver mais a possibilidade, vigorante no sistema anterior, de um s dos contratantes impor seu veto ao procedimento extrajudicial, recusando-se a firmar o "compromisso" de escolha dos rbitros e definio do objeto do conflito a ser por eles solucionado. Prev a Lei n 9.307 instrumentos de execuo compulsria do pacto contido na clusula compromissria, por meio dos quais se supre judicialmente a no-cooperao da parte inadimplente quanto efetiva consumao do definitivo "compromisso arbitrai", sem o qual no se forma a relao processual que far as vezes do processo judicial. 1.464. Clusula compromissria O antecedente natural do juzo arbitral a clusula compromissria. Consiste ela na "conveno atravs da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter arbitragem os litgios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato" (Lei n 9.307, art. 4). Embora a instalao do procedimento da arbitragem no possa prescindir do "compromisso arbitrai", ou de deciso judicial que o supra, a grande resoluo realizada pela Lei n 9.307 foi a de tornar obrigatria a "clusula compromissria", de sorte que, por si s, esse tipo de pacto se apresenta como adequado para afastar o conflito da apreciao judicial. Instituiu-se um mecanismo judicial para compelir a parte omissa a sofrer a execuo especfica da clusula compromissria, que, como as demais obrigaes de fazer, passou a contar tambm com via de acesso a um adequado procedimento de execuo forada. Deu-se clusula compromissria, dessa maneira, o mesmo tratamento que, de longa data, se dispensava ao compromisso de compra e venda irretratvel e outras promessas similares (CPC, arts: 639 e 641). 1.465. Requisitos da clusula compromissria A clusula compromissria tem sua eficcia, segundo o art. 4, 1, da Lei n 9.307, subordinada a um requisito formal: "deve ser estipulada por escrito" (ato solene). A conveno, porm, tanto pode inserir-se no prprio contexto do contrato principal, como em documento apartado que a ele se refira. Quanto s relaes de consumo, o art. 5.1, inc. VII, do Cdigo de Defesa do Consumidor considerava nula, de pleno direito, qualquer clusula que determinasse a utilizao compulsria de arbitragem. A Lei n 9.307 revogou essa cominao que protegia o consumidor, ao no inclu-Ia no novo e completo regime jurdico do juzo arbitral. Embora no mais se vede a insero de clusula compromissria nos contratos alcanados pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, instituiu-se um regime formal especfico para melhor acautelar os interesses da parte fraca nas relaes de consumo. Assim, prev o art. 4, 2, da Lei n 9.307, que, nos contratos de adeso, que so os mais freqentes nas relaes de consumo, a clusula compromissria somente ter eficcia se observar uma das seguintes formas: a) redao em documento separado, frmado pela parte aderente, elaborado com o especfico objetivo de instituir a clusula de sujeio arbitragem; ou b) clusula redigida em negrito, dentro do contexto contratual, com a assinatura ou o visto do aderente especialmente lanados para tal clusula. H, porm, ponderveis opinies no sentido de que a Lei n 9.307 no teria revogado o art. 51, inc. VII, do Cdigo de Defesa do Consumidor, visto que o dispositivo do art. 4, 2, do diploma regulador da arbitragem no teria feito aluso direta s normas protetivas do consumidor, que impedem em seu mbito a clusula arbitral. A disciplina da arbitragem reporta-se apenas aos contratos de adeso, o que, porm, no sinnimo de contrato de consumo, at mesmo porque no campo de tutela do consumidor muitos contratos no se ajustam como de adeso. 2 1.466. Execuo da clusula compromissria Sendo obrigatrio o cumprimento da clusula compromissria, qualquer um dos contratantes pode compelir o outro a instaurar o procedimento arbitral quando o cumprimento do contrato incorrer em litgio. A lei prev duas situaes distintas, a propsito da implantao do juzo por rbitros, ou seja: a) aquela em que o compromisso tenha disciplinado a matria; e b) aquela em que foi omisso a respeito. Na primeira situao, o compromisso poder se vincular s regras de algum rgo arbitral institucional ou entidade especializada. Nesse caso, a arbitragem ser instituda e processada de acordo com tais regras (Lei n 9.307, art. 5). Outra opo a de o prprio contrato disciplinar a forma de instituio da arbitragem, caso em que a conveno ser a lei procedimental a prevalecer entre as partes (art. 5, in fine). Se o ajuste no cuidou de disciplinar a forma de instituir a arbitragem, o procedimento a ser seguido, de acordo com o art. 7 da Lei n 9.307, ser o seguinte: a) a parte interessada, por meio de correspondncia, por via postal ou por qualquer outro meio de comunicao, mediante comprovao de recebimento, manifestar outra parte sua inteno de dar incio arbitragem, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral (isto , para escolher os rbitros e fixar o objeto do julgamento arbitral); b) se a parte convocada no comparecer ou recusar-se a firmar o compromisso arbitral, ter a parte que procedeu convocao a faculdade de ingressarem juzo para obter a execuo especfica da clusula compromissria (art. 6). A petio inicial, relativa execuo forada, dever indicar, com preciso, o objeto da arbitragem e ser instruda com o documento que contiver a clusula compromissria (art. 7, 1 ).

Deferida a petio, seguir-se- a citao da parte inadimplente para comparecer a uma audincia destinada especialmente lavratura do compromisso (art. 7). Na audincia, o juiz tentar, antes de tudo, obter a conciliao acerca do litgio. No obtendo sucesso, tentar conduzir as partes celebrao, de comum acordo, do compromisso arbitral (art. 7, 2). No chegando as partes ao acordo, o juiz, depois de ter ouvido o ru, decidir, na prpria audincia ou em 10 dias, determinando os termos da arbitragem, de acordo com a clusula compromissria e suprindo a falta de acordo acerca de todos os dados previstos nos arts. 10 e 21, 2, da lei especfica (art. 7, 3). A escolha dos rbitros respeitar o que estiver previsto na clusula compromissria e, no seu silncio, deliberar o juiz, a quem ser lcito, em tal hiptese, nomear rbitro nico. Quando o autor no comparecer audincia, sem motivo justo, o processo judicial ser extinto sem julgamento de mrito (art. 7, 5). Se a ausncia for do ru, o juiz, depois de ouvido o autor, proferir sentena disciplinando a matria correspondente ao compromisso arbitral e nomear rbitro nico (art. 7, 6). A sentena equivale, in casu, de cumprimento de obrigao de contratar ou de declarar vontade (CPC, arts. 639 e 641). Valer como o compromisso arbitral a que ambas as partes se obrigaram na clusula compromissria (Lei n 9.307, art. 7, 7). 1.467. Autonomia da clusula compromissria O art. 8 da Lei n 9.307 instituiu a autonomia da clusula compromissria, de modo a evitar que argio de nulidade do contrato principal pudesse invalidar a conveno de sujeio do negcio jurdico ao julgamento sob regime de arbitragem. Com efeito, uma das manobras antigas detectadas na experincia estrangeira, utilizada para evitar o arbitramento, consistia justamente em recorrer Justia ordinria propondo demanda de invalidao do contrato, para assim alcanar a clusula arbitral, como acessrio do negcio questionado. A Lei n 9.307, na esteira da jurisprudncia europia atual, procurou evitar essa burla arbitragem, atribuindo plena autonomia clusula compromissria. Dessa forma, conferiu competncia aos prprios rbitros para resolver, de ofcio ou por provocao das partes, as questes acerca da existncia, validade e eficcia da conveno de arbitragem e do contrato que contenha a clusula compromissria (art. 8). Logo, se uma das partes quiser argir a nulidade do contrato, ter de faz-lo perante o juzo arbitral e no em face de juzo d Justia ordinria. 1.468. Compromisso arbitral o compromisso arbitral que realmente d ensejo abertura do concreto procedimento de julgamento da lide por rbitros, ou seja, por julgadores no investidos da jurisdio estatal. Define-o a Lei n 9.307 como "a conveno atravs da qual as partes submetem um litgio arbitragem de uma ou mais pessoas" (art. 9). Admite-se que seja judicial ou extrajudicial. Judicial o celebrado perante a autoridade judiciria, tomado por termo nos autos. Pressupe processo primitivamente aberto em juzo e funciona como causa de extino do processo judicial, sem julgamento de mrito (CPC, art. 267, inc. VII). O compromisso extrajudicial o que se celebra fora de qualquer processo judicial e que se formaliza por instrumento particular, assinado com duas testemunhas, ou por instrumento pblico. Qualquer que seja a forma adotada, o compromisso arbitral dever conter elementos essenciais e poder abranger outros elementos complementares ou facultativos. Obrigatoriamente, o compromisso ter de conter (art. 10): I - nome, profisso, estado civil e domiclio das partes; II - nome, profisso e domiclio do rbitro, ou dos rbitros, ou, se for o caso, identificao da entidade qual as partes delegarem a indicao de rbitros; III - a matria que ser objeto da arbitragem; IV - o lugar em que ser proferida a sentena arbitrai. A inobservncia dos requisitos essenciais ou obrigatrios conduz nulidade do julgamento arbitral. O ncleo, porm, do compromisso arbitral est, sem dvida, na exata individuao do litgio, tanto objetiva como subjetivamente, pois ser ele o objeto e o limite da funo julgadora dos louvados. Segundo o art. 11 da Lei n 9.307, pode o compromisso conter, ainda, as seguintes clusulas facultativas: I - local, ou locais, onde se desenvolver a arbitragem; II - a autorizao para que o rbitro ou os rbitros julguem por eqidade, se assim for convencionado pelas partes; 111 - o prazo para apresentao da sentena arbitral; IV- a indicao da lei nacional ou das regras corporativas aplicveis arbitragem, quando assim convencionarem as partes; V - a declarao da responsabilidade pelo pagamento dos honorrios e das despesas com a arbitragem; e VI - a fixao dos honorrios do rbitro, ou dos rbitros. O compromisso arbitral que contiver a fixao dos honorrios ser ttulo executivo extrajudicial em favor do rbitro. sua falta, caber ao juiz arbitr-los por sentena, a requerimento do interessado (Lei n 9.307, art. 11, parg. nico).

1.469. Extino do compromisso arbitral Prev o art. 12 da Lei n 9.307 trs casos de extino do compromisso arbitral, os quais, uma vez verificados, liberam as partes para buscar na Justia comum a prestao jurisdicional. So eles: 1-A escusa de qualquer dos rbitros, antes de aceitar a nomeao, desde que as partes tenham declarado, expressamente, no aceitar substituto. Inexistindo semelhante vedao, o rbitro ser substitudo nos termos da conveno ou por acordo. E, se tal no for possvel, recorrer-se- deliberao judicial (art. 16, 1 e 2); II -falecimento de algum dos rbitros, ou impossibilidade de proferir seu voto, desde que as partes tenham declarado, expressamente, no aceitar substituto. A situao a mesma do item anterior (art. 16, 1 e 2); III - expirao do prazo previsto para concluso da arbitragem (art. 11, inc. III). A extino depender, porm, de a parte interessada previamente notificar o rbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe 10 dias para a prolao e apresentao da sentena arbitral. 1.470. Os rbitros O rbitro deve ser pessoa capaz da confiana das partes (art. 13). No se exige formao ou habilitao jurdica. Cabe s partes a escolha do rbitro ou dos rbitros e respectivos suplentes (art. 13, 1). Se houver mais de um rbitro, o corpo arbitral dever ser em nmero mpar, para evitar o impasse de votao empatada. Se as partes escolhem rbitros em nmero par, os prprios escolhidos ficam autorizados a nomear mais. E se no houver acordo, as partes requerero autoridade judiciria a nomeao do desempatador, observando-se o rito do art. 7 (art. 13, 2). As regras a observar na escolha dos rbitros podero ser estabelecidas pelas partes quando da clusula compromissria. Ser lcito, tambm, adotarem-se as regras de algum rgo arbitral institucional ou entidade especializada (art. 13, 3). O colgio arbitral ter um presidente, escolhido pela maioria. Se no houver consenso, ser designado presidente o mais idoso (art. 13, 4). Ao presidente cabe escolher um secretrio, que, se necessrio, far as vezes de escrivo e poder ser um dos prprios rbitros ( 5). A atuao do rbitro, tal como a do juiz ordinrio, deve caracterizar-se pela independncia e imparcialidade, exigindo-se-lhe, ainda, competncia, diligncia e discrio (art. 13, 6). Pelo art. 14 da Lei n 9.307, esto impedidos de funcionar como rbitros as pessoas que se achem, com relao s partes ou ao litgio, naquelas situaes em que as leis processuais configuram o impedimento e a suspeio dos juzes (art. 14) e que constam dos arts. 134 e 135 do Cdigo de Processo Civil. Os deveres dos rbitros so tambm os mesmos dos magistrados; previstos no Cdigo de Processo Civil (Lei n 9.307, art. 14). Ressalta, ainda, a lei especial, os deveres de imparcialidade, diligncia e discrio (art. 13, 6). Incumbe pessoa indicada para funcionar como rbitro o dever de revelar, antes da aceitao do encargo, qualquer fato que comprometa sua imparcialidade e independncia (art. 14, 1). Cabe, outrossim, exceo de iniciativa de qualquer das partes para recusar o rbitro irnpedido ou suspeito, por motivo posterior nomeao ( 2). Se a razo da recusa prender-se a fato anterior, s ter cabimento em duas hipteses, a saber: a) se o rbitro no tiver sido nomeado, diretamente, pela parte; ou b) se o motivo de recusa somente veio a ser conhecido, pela parte, aps a nomeao do rbitro. Tanto no caso de no-aceitao, como no de acolhida da exceo, o rbitro dever ser substitudo, sem prejuzo do prosseguimento do juzo arbitral. Somente se extinguir o compromisso e as partes fcaro sujeitas jurisdio civil ordinria, quando na conveno arbitral houver expresso ajuste de no se aceitar substituto para os rbitros de incio escolhidos (art. 16, e ). Para efeitos penais, os rbitros, no exerccio de suas funes ou em razo delas, equiparam-se aos funcionrios pblicos (art. 17). 1.471. O procedimento O art. 19 da Lei n 9.307 prev como momento inicial do procedimento arbitral aquele em que o rbitro, ou os rbitros, aceitam suas nomeaes. As primeiras deliberaes arbitrais dizem respeito ao esclarecimento e complementao da conveno arbitral, elaborando, se necessrio, juntamente com as partes, um adendo que passar a fazer parte da referida conveno, para valer durante o procedimento (art. 19, parg. nico).

Em seguida, as partes devero, na primeira oportunidade em que tiverem de se manifestar, formular suas excees de incompetncia, impedimento ou suspeio, bem como as argies de nulidade, invalidade ou ineficcia da conveno de arbitragem (art. 29). Todas essas matrias sero dirimidas no mbito do prprio juzo arbitral. Se, todavia, a deciso deixar o processo arbitral contaminado de nulidade, as partes podero recorrer ao Judicirio, por meio da ao prevista no art. 33 da Lei n 9.307. Superadas as preliminares, a arbitragem ter curso, observando o procedimento que a conveno houver previsto, de forma originria, ou mediante referncia s regras de algum rgo arbitral institucional ou entidade especializada. Permite-se, tambm, que as partes deleguem ao prprio rbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento (art. 21). Ter-se- como implicitamente conferida ao rbitro ou tribunal arbitral tal delegao, sempre que a conveno for silente acerca do procedimento (art. 21, 1). Qualquer que seja o rito a observar, sempre havero de prevalecer os princpios do contraditrio, da igualdade das partes, da imparcialidade do rbitro de seu livre convencimento (art. 21, 2). A lei no obriga a participao de advogado, mas franqueia s partes atuarem mediante representao ou assistncia de causdico (art. 21, 3). Tal como se passa com o juiz togado (CPC, art. 125, IV), compete ao rbitro, no incio do procedimento, tentar a conciliao das partes, antes de passar fase instrutria da causa (Lei n 9.307, art. 21, 4). A atividade de instruo, presidida pelo rbitro, ou tribunal arbitral, pode consistir na ouvida de testemunhas, na realizao de percias, no depoimento pessoal das partes ou outras provas que julgar necessrias. Todas elas sero colhidas pelo rbitro, de oficio, ou a requerimento das partes (art. 22). A forma de colher e registrar o depoimento das partes e testemunhas a mesma do Cdigo de Processo Civil (art. 22, 1). No caso de recusa da parte, sem justa causa, de comparecer para prestar depoimento, a lei, sem prever expressamente a pena de confesso, determina que o fato seja levado em considerao no momento da prolao da sentena arbitral (art. 22, 2). Se a falta for cometida por testemunha, a lei no conferiu ao rgo arbitral o poder de providenciar a remoo compulsria do infrator. Dever o rbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, requerer autoridade judiciria que faa conduzir a testemunha renitente (idem). Ocorrendo a substituio de rbitro, durante o procedimento arbitral, o substituto, a seu critrio, poder exigir a repetio das provas j produzidas (art. 22, 5). A revelia da parte demandada no ser empecilho ao prosseguimento do feito e prolao da sentena arbitral (art. 22, 3). 1.472. Medidas cautelares A lei no confere ao rbitro ou ao tribunal arbitral poder de tomar medidas coercitivas ou medidas cautelares em carter preparatrio ou incidental. Quando tais providncias se fizerem necessrias, o rgo arbitral ter de solicit-las ao rgo judicirio que seria, originariamente, competente para julgar a causa (art. 22, 4). Essas medidas, porm, no podem nascer de deliberao ex officio do rbitro. Cabe parte requer-las e, sendo julgadas cabveis e necessrias, seu deferimento ocorrer, ainda, no mbito do juzo arbitral, sendo a execuo solicitada, em seguida, ao juzo ordinrio. Por outro lado, no dado parte dirigir-se diretamente ao juiz togado para requerer-lhe medida preventiva a ser aplicada sobre os bens e direitos disputados no procedimento extrajudicial. Originariamente, a competncia sobre o incidente do rbitro ou do rgo arbitral. Uma vez, entretanto, que a este falta o imperium necessrio atividade executiva, ao juiz togado que a lei confere o poder de providenciar a implementao das medidas coercitivas, mesmo quando dentro do juzo arbitral. O juiz da execuo das medidas preventivas, por sua vez, decidir sobre impugnaes eventualmente formuladas durante a diligncia que lhe for delegada, inclusive a respeito da sua legitimidade. claro que o magistrado oficial no ser um simples autmato diante da diligncia e poder recusar-lhe execuo se entend-la ilegal. 1.472-a. Sentena arbitral A atual lei de arbitragem no mais apelida de laudo o ato decisrio do procedimento arbitrai. Tendo procedido equiparao dele com a deciso judicial, o seu nomen iuris tambm passou a ser sentena, mais especificamente sentena arbitral (art. 23). Sem depender de homologao em juzo, a sentena arbitral, por si s, produzir entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentena proferida pelos rgos do Poder Judicirio e, sendo condenatria, constituir ttulo executivo (art. 31). A sentena dos rbitros dever ser proferida no prazo previsto na conveno arbitral, e, no havendo essa previso, no prazo legal de seis meses, contado da instituio da arbitragem ou da substituio do rbitro (art. 23). As partes e os rbitros, de comum acordo, podero prorrogar dito prazo (art. 23, parg. nico). Mas, falta de acordo, qualquer das partes pode requerer a extino do compromisso arbitral, por excesso de prazo (art. 12, III), ou ainda, a nulidade da sentena porque proferida fora do prazo (art. 32, VII). 1.472-b. Requisitos da sentena arbitral A sentena do rgo arbitral, singular ou coletivo, ser sempre expressa em documento escrito (art. 24, caput). Sendo vrios os rbitros, a deciso ser tomada por maioria. Se inocorrer acordo majoritrio, prevalecer o voto do presidente do colegiado arbitral (art. 24, 1). So requisitos obrigatrios da sentena arbitral (art. 26): 1- o relatrio, que conter os nomes das partes e um resumo. do litgio; II - os fundamentos da deciso, onde sero analisadas as questes de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os rbitros julgaram por eqidade; III - o dispositivo em que os rbitros resolvero as questes que lhe foram submetidas e estabelecero o prazo para o cumprimento da deciso, se for o caso; e

IV- a data e o lugar em que foi proferida. A sentena dever ser assinada por todos os rbitros. Se, porm, um deles se recusar a firm-la, caber ao presidente certificar tal ocorrncia (art. 26, parg. nico). Proferida a sentena arbitral, tem-se por finda a arbitragem, devendo ser enviada cpia da deciso s partes, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicao, mediante comprovao de recebimento ou, ainda, entregando-a diretamente s partes mediante recibo (art. 29). Se, antes do julgamento da causa pelo rgo arbitral, as partes chegarem a acordo quanto ao litgio, este fato poder, a pedido das partes, ser declarado em sentena arbitral (art. 28), que, naturalmente, ter a natureza homologatria. 1.472-c. Recursos Os rbitros julgam como juzes de fato e de direito, e a sentena que proferem no fica sujeita a recurso nem depende de homologao judicial (art. 18). Cabem, todavia, embargos de declarao, no prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificao ou da cincia pessoal da sentena, com comunicao outra parte, quando houver necessidade de (art. 30): a) corrigir qualquer erro material da sentena arbitral; b) esclarecer alguma obscuridade, dvida ou contradio da sentena arbitral, ou suprir omisso sobre ponto a respeito do qual devia manifestar-se a deciso. Caber ao rgo arbitral decidir os embargos de declarao no prazo de 10 dias, aditando a sentena arbitral e notificando as partes, na forma do art. 29 (parg. nico, do art. 30). Da sentena que julgar o pedido de instituio de arbitragem, por recusa de cumprimento voluntrio da clusula compromissria (art. 7), caber apelao, sem efeito suspensivo, caso seja decretada a procedncia do feito (art. 41, que alterou o art. 520, VI, do CPC). 1.472-d. Nulidade da sentena arbitral H, segundo o art. 32 da Lei n 9.307, oito casos de nulidade da sentena arbitral, que se configuram quando: I - apoiar-se em compromisso nulo (ofensa aos arts. 1, 9, 10 e 12); II - emanar de quem no podia ser rbitro (violao aos arts. 13 e 14); III - no contiver os requisitos do art. 26 (ofensa aos requisitos essenciais); IV - for proferida fora dos limites da conveno de arbitragem (sentena ultra ou extra petita, em desconformidade com os arts. 10 e 26); V- no decidir todo o litgio submetido arbitragem (sentena citra petita, com ofensa ao art. 26, 111, e 30, II); VI - for proferida, comprovadamente, por prevaricao, concusso ou corrupo passiva (ofensa aos arts. 13, 6, e 17); VII - for proferida fora do prazo (ofensa ao art. 12, III, observada, porm, a ressalva constante do mesmo dispositivo); VIII - for proferida com desrespeito aos princpios de que trata o art. 21, 2 (ofensa aos princpios do contraditrio, da igualdade das partes, da imparcialidade e do livre convencimento). A declarao de nulidade no postulada ao juzo arbitral, mas sim ao juzo ordinrio (Poder Judicirio), onde o pleito observar o procedimento comum, disciplinado pelo Cdigo de Processo Civil (art. 33). A lei marca o prazo de 90 dias para a propositura da ao de invalidao, a contar da notificao da sentena arbitral (art. 33, 1). Dito prazo extintivo de aplicar-se aos vcios que maculam o juizo arbitral de anulabilidade, e nunca aos que afetam a substncia da relao processual, provocando a inexistncia do julgado ou sua nulidade ipso iure (conferir, a propsito, o n 623, no vol. I, desta obra). A diferena entre os casos de nulidade absoluta e nulidade relativa feita pelo 2 do art. 33, onde se prev que a deciso judicial dever: a) decretar a nulidade da sentena arbitral, nos casos dos incisos 1,11, VI, VII e VIII (isto , quando for nulo o compromisso, quando emanado o julgamento de quem no podia ser rbitro, quando configurada a prevaricao, concusso ou corrupo passiva, quando ultrapassado o prazo previsto para a arbitragem e quando desrespeitados os princpios do contraditrio, da igualdade das partes, da imparcialidade do julgador e do livre convencimento); b) determinar que o rgo arbitral profira nova sentena (laudo), nas hipteses de inobservncia dos requisitos da sentena (art. 26), de deciso extra ou ultra petita (art. 32, IV), e de julgamento citra petita (art. 32, V). A evidncia de que os casos de inexistncia ou nulidade ipso iure no se sujeitam ao prazo decadencial do art. 33, 1, da Lei n 9.307 est na previso do 3 do mesmo artigo, onde se autoriza a decretao de nulidade da sentena arbitral em soluo de embargos de devedor, opostos na conformidade do art. 741 do CPC, quando o vencedor instaurar a execuo forada do decisrio arbitral. Em tal hiptese, a exceo de nulidade no prescreve e poder ser manejada em qualquer tempo (isto , sempre que o credor tome a iniciativa de executar a sentena, no importa quando). Ora, se em embargos se mostra vivel, a qualquer tempo, a argio de nulidade ipso iure do julgado, claro que tambm a ao comum de declarao da mesma nulidade, por iniciativa do devedor, ser cabvel, a qualquer tempo, independentemente da restrio do art. 33, 1, da Lei n 9.307. 1.472-e. Reconhecimento e execuo de sentenas arbitrais estrangeiras A nova lei de arbitragem eliminou a exigncia de s admitir homologao da justia brasileira as sentenas arbitrais estrangeiras que houvessem sido previamente homologadas pela autoridade jurisdicional no pas de origem. Agora, poder ela ser submetida diretamente homologao do Supremo Tribunal Federal, como se passa com qualquer sentena jurisdicional aliengena. "A sentena arbitral estrangeira"- dispe o art. 34 da Lei n 9.307 - "ser reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficcia no ordenamento interno e, na sua ausncia, estritamente de acordo com os termos desta lei". E o art. 35 acrescenta: "Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentena estrangeira est sujeita, unicamente, homologao do Supremo Tribunal Federal".

Quanto ao procedimento da homologao, dever-se- observar o que dispem os arts. 483 e 484 do Cdigo de Processo Civil (Lei n 9.307, art. 36). Por outro lado, "somente poder ser negada a homologao para o reconhecimento ou execuo de sentena arbitral estrangeira" nos casos expressamente arrolados pelo art. 38 da Lei n 9.307, ou seja, quando o ru demonstrar que: I - as partes na conveno de arbitragem eram incapazes; Il - a conveno de arbitragem no era vlida segundo a lei qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicao, em virtude da lei do pas onde a sentena arbitral foi proferida; III - no foi notificado da designao do rbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princpio do contraditrio, impossibilitando a ampla defesa; IV - a sentena arbitral foi proferida fora dos limites da conveno de arbitragem, e no foi possvel separar a parte excedente daquela submetida arbitragem; V- a instituio da arbitragem no est de acordo com o compromisso arbitral ou a clusula compromissria; VI - a sentena arbitral no se tenha, ainda, tornado obrigatria para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por rgo judicial do pas onde a sentena arbitral foi prolatada. Por motivos prprios de nosso direito interno, o art. 39 da Lei n 9.307 prev dois casos em que o Supremo Tribunal Federal poder, ainda, denegar a homologao da sentena arbitral estrangeira. So eles: a) quando, segundo a lei brasileira, o objeto do litgio no for suscetvel de ser resolvido por arbitragem; e b) quando a deciso submetida homologao ofender a ordem pblica nacional. Duas regras importantes completam o regime de homologao da sentena arbitral estrangeira: a) "no ser considerada ofensa ordem pblica nacional a efetivao da citao da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da conveno de arbitragem ou da Lei processual do pas onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citao postal com prova inequvoca de recebimento, desde que assegure parte brasileira tempo hbil para o exerccio do direito de defesa" (art. 39, parg. nico); b) "a denegao da homologao para reconhecimento ou execuo de sentena arbitral estrangeira por vcios formais no obsta que a parte interessada renove o pedido, uma vez sanados os vcios apresentados" (art. 40). Diante dos termos expostos, deve-se reconhecer que o captulo VI da Lei n 9.307 (arts. 34 a 40) tornou-se necessrio "para integrar o pas ao mercado mundial, mormente por no termos firmado (originariamente) nenhuma das duas mais importantes Convenes da espcie, isto , Nova Iorque, 1958, e Panam, 1975. Mais ainda, vai de encontro s prementes necessidades surgidas com a implantao do Mercosul de se estabelecer um sistema legal menos burocrtico e conservador, de cumprimento de decises arbitrais estrangeiras, em linha com as regras bsicas adotadas pelas referidas Convenes". 4 importante lembrar que, pelo Dec. n 1.902, de 09.05.96, o Governo do Brasil, finalmente, promulgou a Conveno Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, datada de 30.01.75, a qual nosso Pas havia dado adeso por carta de ratificao de 27.11.75. E, pelo Decreto Legislativo n 129, de 05.10.95, foi aprovado o Protocolo de Buenos Aires, sobre Jurisdio Internacional em matria contratual, no mbito do Mercosul, assinado pelo Brasil em 05.08.94. Em todos esses compromissos internacionais, o Pas contraiu a obrigao de incorporar ao sistema jurdico interno regras de "reconhecimento e execuo de sentenas e laudos arbitrais" em moldes que agora se enquadram no novo esquema normativo da Lei n 9.307. Pode-se concluir que, dessa maneira, a nova legislao nacional nada mais representou do que o adimplemento dos solenes compromissos internacionais retroapontados. 1.472-f. Natureza jurdica do novo juzo arbitral brasileiro Se, no regime anterior Lei n 9.307, mostrava-se forte a corrente que defendia a natureza contratual ou privatstica da arbitragem, agora no se pode mais duvidar que saiu vitoriosa, aps o novo diploma legal, a corrente jurisdicional ou publicstica. Com efeito, no obstante apoiada no pressuposto de uma autorizao contratual, o novo procedimento arbitral, uma vez instaurado, em tudo se equipara jurisdio oficial, j que nem mesmo o compromisso depende necessariamente de interveno judicial, nem tampouco a sentena arbitral tem sua eficcia subordinada a qualquer crivo de aprovao em juzo. Nossa lei atual, destarte, abraou "a teoria publicista da natureza jurdica da arbitragem", ao "imprimir sentena arbitral fora obrigacional, com os mesmos efeitos da sentena proferida pelo Judicirio, inclusive condenatrio".5 A ltima e mais enrgica demonstrao da adoo da teoria jurisdicional ou publicstica da arbitragem, pelo novo direito brasileiro, est na inovao introduzida no art. 584, n 111, do Cdigo de Processo Civil, que passou a qualificar como ttulo executivo judicial "a sentena arbitral", independentemente da clusula de homologao em juzo. Captulo LXVII AO MONITRIA 216. NOO GERAL DO PROCEDIMENTO MONITRIO Sumrio: 1.473. Intrito. 1.474. Necessidade de facilitar o acesso do credor ao ttulo executivo. 1.475. Em que consiste o procedimento monitrio. 1.473. Intrito

A Lei n 9.079, de 14.07.1995, com vacatio legis de 60 dias, introduziu um captulo novo no Livro IV do Cdigo de Processo Civil, em que se criou um novo procedimento especial relativo ao monitria. Para compreender a inovao preciso analisar, ainda que resumidamente, a experincia j antiga do Direito europeu acerca da matria, assim como ter presente o bom resultado que no Velho Mundo se alcana por meio deste procedimento, que o mais rpido e barato instrumento de composio judicial de litgios. 1.474. Necessidade de facilitar o acesso do credor ao ttulo executivo A experincia jurdica, ao longo do aperfeioamento dos sistemas processuais europeus, h muito tempo revelou que em muitas causas, desde logo, abundam motivos que fazem prever a inexistncia de oposio sria do ru pretenso do demandante. A lide, ento, superficial, no passando do plano de insatisfao da pretenso, e, assim, no chegando ao campo da contestao a ela, que tivesse de ser solucionada ou dirimida pelo juiz. Impe-se, portanto, tratar ditas causas por meio de instrumento processual diverso dos habituais, que atenda ao ideal de rapidez e economia, de modo a evitar dispndio intil de energias e despesas na atuao da vontade concreta da lei em face de um caso onde o direito da parte se mostra revelado com prvia segurana e nitidez. Justifica-se, em tal conjuntura, toda simplificao procedimental para "abreviar-se a obteno do ttulo executivo", visto que "o ru, pela natureza da relao de direito material em que se funda a pretenso do autor, antes disposto a reconhec-la do que a contest-la".' Os principais Cdigos europeus, diante dessa particular situao do credor munido de relativa certeza de seu direito, mas privado de ttulo executivo extrajudicial, engendraram uma forma de summaria cognitio, sem contraditrio do devedor, em que base de prova documen1 tal do credor, ou diante de determinadas relaes jurdicas materiais, se permite ao juiz "o imediato pronunciamento de uma deciso, suscetvel de constituir ttulo executivo judicial".' Ao lado do processo de execuo e do processo de cognio, em sua pureza, existe, portanto, um procedimento intermedirio, de larga aplicao prtica e de comprovada eficincia para abreviar a soluo definitiva de inmeros litgios: trata-se do procedimento monitrio ou de injuno. Consiste tal procedimento em abolir-se, praticamente, o processo de conhecimento, indo diretamente execuo definitiva, sempre que o devedor no oferea embargos, ou pelo menos execuo provisria, quando tais embargos sejam opostos conforme acontece no direito europeu, em alguns casos especficos. Na lei brasileira no se cuidou da hiptese de execuo provisria, logo em seguida aos embargos. To grande e de to comprovada eficincia sua aplicao na Alemanha, por exemplo, que Schnke anota que "s no ano de 1937 tramitaram pela primeira instncia dos tribunais germnicos 4.515.821 feitos de procedimento monitrio, contra apenas 1.654.952 de procedimento ordinrio ou comum". 3 O Cdigo de Processo Civil brasileiro em vigor adotou em matria de execuo o melhor padro do sistema europeu, de modo que temos entre ns um processo executivo puro, enrgico, sem qualquer mescla de conhecimento que lhe possa embaraar o curso, mesmo nos casos de ttulos extrajudiciais, critrio preconizado pelas concepes mais atualizadas da cultura jurdica ocidental romanstica. Para que, no entanto, se equiparasse plenamente, em eficincia, aos Cdigos da Itlia, Alemanha e ustria, v .g., deveria ter includo em seu bojo tambm o verstil remdio interme dirio do procedimento monitrio, como, alis, j era anseio de renomados processualistas da estirpe de Machado Guimares, desde a codificao de 1939.4 Foi o que fez a Lei n 9.079, de 14.07.1995 que criou um captulo novo para o Cdigo de Processo Civil, destinado regulamentao do procedimento especial da "ao monitria" (arts. 1.102, a a 1.102, c).5 1.475. Em que consiste o procedimento monitrio Como preleciona Carnelutti, a finalidade do processo de conhecimento compor a lide de pretenso contestada, enquanto o processo de execuo serve lide de pretenso apenas insatisfeita. Por isso, em regra, o processo de cognio consiste em averiguar e declarar, primeiramente, a situao em que se encontram as partes, a fim de "alcanar um pronunciamento judicial sobre o caso concreto". Definida a situao jurdica dos litigantes, "segue a realizao do direito declarado, que se efetua no procedimento de execuo". Na ordem lgica dos acontecimentos, como se v, " intuitivo que a condenao deve preceder execuo", de sorte que, em princpio, "ao juiz no cabe ordenar uma prestao sem se certificar previamente, atravs de amplo contraditrio, da existncia do direito a essa prestao".~ Quando se chega execuo, porque j declarado o direito do credor, instala-se, no dizer de Pontes de Miranda, "o dilema: ou o ru executa ou o Estado executa, donde soluo ou execuo forada".8 O que caracteriza o processo executivo , assim, o seu incio "por um praeceptum de solvendo dirigido ao executado, para que cumpra a sentena (ou o contedo de ttulo equivalente), sob pena de ser iniciada a execuo compulsria".9 Com isso, obedece-se " ordem natural do juzo, isto , declara-se o direito e, em seguida, ordena-se o adimplemento da prestao". 10 Acontece, porm, como j registramos h pouco, que a experincia nos demonstra que muitas vezes o devedor resiste pretenso do credor sem contestar propriamente o crdito deste. Mesmo assim, embora a lide seja apenas de pretenso insatisfeita, se o credor no dispe de ttulo executivo, no encontrar acesso imediato ao processo de execuo. Nulla executio sine titulo. Seria, evidentemente, enorme perda de tempo exigir que o credor recorresse ao de condenao para posteriormente poder ajuizar a de execuo, quando de antemo j se est convicto de que o devedor no vai opor contestao ou no dispe de defesa capaz de abalar as bases jurdicas da pretenso. Em tal conjuntura, claro que a observncia completa do processo de cognio esvazia-se de significado, importando, para o credor e para a justia enorme perda de tempo e dinheiro.

Para evitar esse perigo ou essa inutilidade, a experincia do Direito europeu engendrou o remdio processual que recebeu a denominao de procedimento de injuno ou procedimento monitrio. Por ele, consegue o credor, sem ttulo executivo e sem contraditrio com o devedor, provocar a abertura da execuo forada, tornando o contraditrio apenas uma eventualidade, cuja iniciativa, ao contrrio do processo de conhecimento, ser do ru, e no do autor. 11 Assim, de acordo com este instituto, o credor, em determinadas circunstncias, pode pedir ao juiz, ao propor a ao, no a condenao do devedor, mas desde logo a expedio de uma ordem ou mandado para que a dvida seja saldada no prazo estabelecido em lei. Tem o procedimento monitrio "uma estrutura particular em virtude da qual, se aquele contra quem se prope a pretenso no embarga, o juiz no procede a uma cognio mais que em forma sumria, e, em virtude dela, emite um provimento que serve de ttulo executivo pretenso e desse modo autoriza, em sua tutela, a execuo forada". 12 S eventualmente que o procedimento de injuno se transformar em contencioso sobre o mrito da relao obrigacional deduzida em juzo. Enquanto o processo de conhecimento puro consiste em estabelecer, originria e especificamente, o contraditrio sobre a pretenso do autor, o procedimento monitrio consiste em abreviar o caminho para a execuo, deixando ao devedor a iniciativa do eventual contraditrio. 13 Por sbio equacionamento do problema de economia processual e de maior valorizao do crdito, "o procedimento monitrio tem por objeto proporcionar um ttulo executivo ao credor de um crdito que presumivelmente no ser discutido, sem necessidade de debate, base de uma afirmao unilateral, que permite ao juiz expedir um mandado de pagamento". 14 Seu incio por um preceito anlogo ao da execuo forada, isto , por uma ordem passada ao devedor para que se pague a dvida. Sua fora executiva, todavia, ainda no est presente, porque o juiz no faz a cominao de penhora. Mas, esgotado o prazo de embargos, opera-se, por precluso, o aperfeioamento do ttulo que se transforma em executivo e autoriza a realizao dos atos de expropriao prprios da execuo forada. , como se v, uma instituio que se encontra situada no ponto de confluncia do procedimento de cognio e do de execuo, da jurisdio contenciosa e da voluntria, no dizer de Sentis Melendo.1s Ou, como quer Carnelutti, "a injuno executiva , deste modo, um tertium genus que se coloca como intermedirio entre a cognio e a execuo forada". 16 Os qualificativos monitrio e injuntivo so expresses indicativas de ordem, mandamento, imposio em seu significado lxico. E o procedimento examinado recebe as denominaes de monitrio ou injuntivo justamente porque, em vez de iniciar-se por uma citao do ru para defender-se, principia por uma ordem expedida pelo magistrado, determinando ao devedor que pague a dvida em prazo determinado. Valendo-nos da sntese de Satta, podemos afirmar que o procedimento injuntivo, no Direito italiano, consiste na emanao de uma ordem do juiz, conforme o pedido do credor, para que o devedor pague uma importncia em dinheiro (ou uma quantidade certa de coisas fungveis), no prazo estabelecido, facultando-se embargos ao devedor, cuja falta, a ordem adquirir o valor de uma sentena condenatria passada em julgado. 17 Seu escopo especial " de alcanar a formao de um ttulo executivo sem que a ao de condenao seja exercitada nos moldes da cognio em contraditrio".' $ Difere, assim, do procedimento comum de uma cognio pela "preordenada ausncia inicial do contraditrio, a qual se tende a favorecer ou reparar a formao da declarao de certeza mediante precluso", na lio de Calamandrei.1 Difere, outrossim, da execuo forada porque, no possuindo ainda o credor o ttulo executivo, a ordem inicial de pagamento no feita sobre a cominao de penhora. No prazo estipulado para o pagamento, o devedor tem a opo entre embargar ou silenciar. Se adota a primeira alternativa, abrese o contraditrio, assumindo o procedimento a forma completa de cognio; caso contrrio, por deliberao de plano do juiz, a ordem de pagamento se transforma em mandado executivo, com fora de sentena condenatria trnsita em julgado. 217. A AO MONITRIA NO CDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Sumrio: 1.476. Condies de admissibilidade da ao monitria. 1.477. Oprocedimento monitrio brasileiro. 1.478. Objeto. 1.479. Legitimidade ativa. 1.480. Legitimidade passiva. 1.481. Prova. 1.482. Procedimento. 1.483. Embargos ao monitria. 1.484. Coisa julgada. 1.476. Condies de admissibilidade da ao monitria Dispe o art. 1.102, a, do Cdigo de Processo Civil, na redao da Lei n 9.079, 14.07.1995 que "a ao monitria compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficcia de ttulo executivo, pagamento de soma de dinheiro, entrega de coisa fungvel ou de determinado bem mvel". Trata-se, em primeiro lugar, de uma opo que a lei confere ao credor e no um nus ou uma imposio a que invariavelmente tenha de se submeter na escolha da via processual. O procedimento monitrio substitui a ao de conhecimento, se o credor assim desejar. Se, porm, preferir a via normal da ao condenatria, nada o impedir de us-la. Ao escolher a ao monitria, o que a parte tem em mira abreviar o caminho para chegar execuo forada, o que talvez lhe seja possvel, sem passar por todo o caminho complicado do procedimento ordinrio, se o ru, como provvel, no se interessar pela discusso da obrigao. Para incentiv-lo a no oferecer defesa infundada ou meramente procrastinatria, a lei prev que, "cumprindo o ru o mandado, ficar isento de custas e honorrios advocatcios" (art. 1.102, c, 1). Com isso, tenta a lei acelerar a satisfao do direito de credor, criando atrativos tambm para o devedor, no plano econmico, e fazendo com que este somente se disponha a arcar com os encargos processuais dos embargos se, realmente, estiver convencido da inexistncia do direito do credor.

Para que seja vlida a opo pela ao monitria, tero, outrossim, de ser observados requisitos ou condies em trs planos, ou seja, quanto ao objeto da obrigao, aos seus sujeitos e prova da relao obrigacional. 1.477. O procedimento monitrio brasileiro No Direito Comparado, a regulamentao do procedimento monitrio que mais se aproxima da que adotou a reforma do Cdigo de Processo Civil brasileiro (Lei n 9.079, de 14.07.1995), a do Direito italiano. A ao monitria, tal como no Cdigo peninsular, foi includa entre os procedimentos especiais de jurisdio contenciosa, devendo, por isso, ser vista como uma especial modalidade de procedimento de acertamento (cognio) com "prevalente funo executiva", no dizer de Chiovenda. Isto porque sua caracterstica maior est na funo que cumpre de propiciar ao autor, o mais rpido possvel, o ttulo executivo e, com isso, o imediato acesso execuo forada. 20 A cognio praticada na ao monitria , de incio, sumria ou superficial, porque se limita a verificar se a pretenso do autor se apia na prova escrita de que cogita o art. 1.102, a, do Cdigo de Processo Civil e se a obrigao nela documentada daquelas a que o mesmo dispositivo legal confere a ao monitria. Convencido o juiz de que h suporte ftico-jurdico para o processamento da ao monitria, determinar, ao deferir a petio inicial, a expedio do mandado monitrio ou de injuno, isto , mandado que no de citao para contestar a ao, nem de citao para pagar a dvida sob pena de penhora, mas simplesmente "mandado de pagamento" ou "de entrega da coisa". A citao da ao monitria transmite, pois, uma injuno e nada mais. O ato judicial parte de um convencimento liminar e provisrio de que o credor, pela prova exibida, realmente titular do direito subjetivo que lhe assegura a prestao reclamada ao ru. Da ser possvel, desde logo, ordenar-lhe que proceda ao pagamento, tal como se faz no despacho da petio inicial da ao de execuo por ttulo extrajudicial. Como, todavia, no h, ainda, ttulo executivo, no possvel, ainda, cominar ao ru a sano da penhora ou apreenso de bens. O ato judicial, portanto, fica a meio caminho, entre a citao do processo de conhecimento e a citao do processo executivo. mais do que aquela, mas menos do que esta. Com a ao monitria, na verdade, o que se busca "eliminar a complexidade do juzo ordinrio de conhecimento derivada das exigncias do contraditrio", mas isto se faz sem, propriamente, eliminar "a garantia de igualdade nsita no contraditrio". 21 que, na tcnica processual adotada nesse especial tipo de juzo segundo o padro bsico do Direito italiano, o procedimento se desdobra em duas fases: na primeira fase, o juiz, sem contraditrio e de maneira rapidssima, verifica o contedo do pedido e a prova do autor, deferindo, se for o caso, a expedio do mandado de pagamento, inaudita altera parte. Na segunda fase, fica assegurada ao ru a iniciativa de abrir o pleno contraditrio sobre a pretenso do autor, eliminando, dessa forma, todo e qualquer risco de prejuzo que possa ter-lhe provocado a sumariedade de cognio operada na primeira fase. A diferena, porm, entre o procedimento comum de cognio e o procedimento monitrio, est em que o contraditrio, naquele, instaurado obrigatoriamente pelo autor; enquanto, no ltimo, o contraditrio de iniciativa do ru (por meio de embargos) e, acima de tudo, meramente eventual (contradittorio dfferito, na linguagem de Mandrioli). Se, destarte, o ru no se interessar pelo aforamento dos embargos, no se instaurar contraditrio algum e, de plano, o credor ter acesso ao processo de execuo, por simples decurso de prazo e em conseqncia da precluso do direito do devedor de embargar a ao monitria. Se h os embargos, o mandado de pagamento fica suspenso, aguardando-se o julgamento da causa por sentena, a ser proferida, aps pleno contraditrio. Essa sentena, acolhendo os embargos, extinguir o mandado inicial de pagamento e, sendo de rejeio da defesa do devedor, "substituir inteiramente" o acertamento provisrio feito de incio, no deferimento da petio inicial, conferindo ao credor ttulo executivo judicial. Dessa maneira, a deciso autorizativa do mandado injuntivo " substituda pela sentena que encerra a fase de embargos"." O procedimento monitrio brasileiro, tal como o italiano, funciona, em suma, como uma tcnica de "inverso do nus da iniciativa acerca da instaurao do contraditrio para o juizo de cognio plena e completa", transferindo-se para a parte que normalmente no o tem (o demandado), e tornando eventual o desenvolvimento do pleno contraditrio, j que o ru pode no provoc-lo. S haver, na verdade, contraditrio pleno, "quando for necessrio". Se o demandado no embarga a ao monitria, considera-se como renunciado o direito quele contraditrio, tornando-se definitivo o acertamento preliminar, feito sumariamente e sem prvia audincia do devedor. Com isso, o mandado injunlivo adquire, de plano, eficcia executiva. 23 1.478. Objeto Somente se admite a ao monitria, no Direito brasileiro, a exemplo do italiano, se o pedido do autor tiver como objeto "soma de dinheiro", "coisa fungvel" ou "determinado bem mvel" (art. 1.102, a). A "soma de dinheiro" a mesma "quantia certa" que se reclama para a execuo regulada pelos arts. 646 e seguintes do Cdigo de Processo Civil. No se pode pedir quantia incerta, na pendncia de liquidao posterior, porque a ao monitria deve ser instaurada por meio de mandado de pagamento a ser expedido com base na prova da inicial, no havendo estgio ulterior em que se possa liquidar o quantum debeatur. O mandado liminar est programado a converter-se em mandado de execuo por quantia certa pelo simples decurso do prazo de embargos, se o demandado permanecer inerte diante da citao injuntiva. Quando a lei fala em "entrega de coisa fungvel", refere-se s obrigaes de dar coisas genricas ou incertas, isto , obrigao de dar coisas que so indicadas pelo gnero e quantidade (Cd. Civ., arts. 874 a 877), e cuja satisfao em juzo se realiza por meio da execuo forada prevista nos arts. 629 e seguintes do Cdigo de Processo Civil. Por fim, "o determinado bem mvel" que pode ser exigido pela ao monitria o que se apresenta como objeto de obrigao de dar coisa certa (Cd. Civ., arts. 863 a 873). S a coisa certa mvel se enquadra no procedimento em questo. Os imveis tero de ser alcanados pelo juizo contencioso ordinrio. No se incluem, tambm, no procedimento monitrio as obrigaes de fazer e no fazer (Cd. Civ., arts. 878 a 883). 1.479. Legitimidade ativa Pode manejar a ao monitria todo aquele que se apresentar como credor de obrigao de soma de dinheiro, de coisa fungvel ou de coisa certa mvel; tanto o credor originrio, como o cessionrio ou sub-rogado. No Direito italiano, admite-se que at o portador de ttulo executivo extrajudicial possa preferir o procedimento monitrio, a fim de obter a hipoteca judiciria, que no existe no pro-

cesso de execuo, mas admitida no injuntivo.24 No Direito brasileiro, essa opo no admissvel, visto que o art. 1.102, a, condiciona a legitimidade em questo quele que se apresente como credor "com base em prova escrita sem eficcia de ttulo executivo". de ponderar, no entanto, que mesmo no cabendo ao credor de ttulo executivo optar livremente pela ao monitria, lcito lhe ser demandar seu pagamento pela forma injuntiva, se o crdito achar-se envolvido em contrato ou negcio subjacente que d ensejo a controvrsias e incertezas. Para evitar o risco de carncia da execuo por iliquidez ou incerteza da obrigao, justificado ser o uso do procedimento monitrio, que o devedor no poder recusar, por no lhe causar prejuzo algum e, ao contrrio, somente vantagens poder lhe proporcionar. Podem usar, ativamente, o procedimento monitrio tanto as pessoas fisicas como as jurdicas, de Direito privado ou pblico. 1.480. Legitimidade passiva Sujeito passivo da ao monitria haver de ser aquele que, na relao obrigacional de que titular o promovente da ao, figure como obrigado ou devedor por soma de dinheiro, coisa fungvel ou coisa certa mvel. O mesmo se diz de seu sucessor universal ou singular. O falido ou o insolvente civil no pode ser demandado pela via do procedimento monitrio porque no dispe de capacidade processual e tambm porque no pode haver execuo contra tais devedores fora do concurso universal.25 Admite-se, na Itlia, o manejo do procedimento injuntivo contra a Administrao Pblica, como, por exemplo, na pretenso de repetio de indbito tributrio. 26 Pensamos que a orientao em tela no pode ser transplantada para o Direito brasileiro, em face das caractersticas de nosso regime de execuo contra a Fazenda Pblica, que pressupe precatrio com base em sentena condenatria (CF, art. 100), o que no existiria, no caso de ao monitria no embargada. Alm do mais, a Fazenda Pblica tem a garantia do duplo grau de jurisdio obrigatrio, a ser aplicado em qualquer sentena que lhe seja adversa (CPC, art. 475, inc.11) e a revelia no produz contra ela o efeito de confisso aplicvel ao comum dos demandados (CPC, art. 320, inc. lI). Com todos estes mecanismos de tutela processual conferidos ao Poder Pblico quando demandado em juzo de acertamento, torna-se realmente invivel, entre ns, a aplicao da ao monitria contra a Administrao Pblica. Seu nico efeito, diante da impossibilidade de penhora sobre o patrimnio pblico, seria a de dispensar o processo de conhecimento para reconhecer-se por precluso o direito do autor, independentemente de sentena. Acontece que a Fazenda no se sujeita a precatrio sem prvia sentena e contra ela no prevalece a confisso ficta deduzida da revelia. Assim, nada se aproveitaria do procedimento monitrio, na espcie. Forosamente, o processo teria de prosseguir, de forma ordinria, at a sentena de condenao. Alm disso, e o que mais importante, a citao no procedimento monitrio uma ordem de pagamento e no um chamado para se defender, o que incompatvel com o tipo de ao cabvel contra o poder pblico, em face de quem a exigncia de pagamento s possvel dentro do mecanismo do precatrio. No haver, porm, lugar, para anular-se o procedimento monitrio intentado contra pessoa jurdica de direito pblico se esta ofereceu tempestivos embargos de mrito. que dessa maneira o feito ter se transformado em pura ao ordinria de cobrana. Faltar interesse legtimo para justificar a anulao ou extino do processo, a fim de simplesmente ser reiniciado sob rtulo de ao ordinria. No sistema moderno do direito processual no se acolhe argio de nulidade por vcio de forma se possvel o aproveitamento do procedimento apenas com sua adaptao ao rito correto (art. 250). Ora, com os embargos de mrito, o prprio demandado provocou a transformao da ao monitria em ao comum de conhecimento, com amplo e irrestrito contraditrio, donde a total ausncia de causa para sustentar a eventual anulao do processo. Em relao s pessoas jurdicas de direito privado, no h restrio alguma quanto ao emprego da ao monitria, sendo possvel utiliza-la tambm contra os scios, sempre que configurada sua responsabilidade solidria ou subsidiria, segundo o direito material. Havendo vrios coobrigados, solidariamente responsveis pela dvida, a ao monitria torna-se manejvel contra todos, em litisconsrcio passivo, ou contra cada um deles isoladamente, visto que o litisconsrcio, na espcie, no necessrio. Z' 1.481. Prova Exige o art. 1.102, a que a petio inicial da ao monitria seja instruda com a "prova escrita" do direito do autor. A prova escrita, em Direito Processual Civil, tanto a preconstituida (instrumento elaborado no ato da realizao do negcio jurdico para registro da declarao de vontade) como a casual (escrito surgido sem a inteno direta de documentar o negcio jurdico, mas que suficiente para demonstrar sua existncia). Alm disso, conhece-se, tambm, o "comeo de prova por escrito", que contribui para a demonstrao do fato jurdico, mas no completa, reclamando, por isso, outros elementos de convico para gerar a certeza acerca do objeto do processo. Observa Carreira Alvim que tanto a prova preconstituda, como a casual servem para instruir a ao monitria. O mesmo, todavia, no se passa com o comeo de prova escrita, j que, antes do deferimento do mandado de pagamento, no haver oportunidade para que o autor a complete com testemunhas e outros elementos.28 Ao tratar, porm, da prova escrita, observa a doutrina italiana, perfeitamente utilizvel no atual Direito brasileiro, que deve acolher-se com certa largueza a figura em cogitao, no a submetendo ao rigor da prova do ato jurdico, exigida pelo direito material. Deve, assim, confiar-se ao juiz uma livre avaliao da prova fornecida com a inicial. Mandrioli registra que a jurisprudncia da Corte de Cassao Italiana reiterada no sentido de que prova escrita, para os fins do procedimento monitrio ou de injuno, " gualsiasi documento che il giudice ritenga meritevole di fede quanto ad autenticit ed efficacia probatoria",z9 Garbagnati chega a considerar prova escrita idnea "il documento che prova fatti da cui il giudice pu soltanto desumere per presunzione il fatto costitutivo del diritto",3 No imprescindvel, portanto, que o documento esteja assinado, podendo mesmo ser acolhido o que provm de terceiro ou daqueles registros, como os do comerciante ou dos assentos domsticos que no costumam ser assinados, mas aos quais se reconhece natural fora probante (CPC, art. 371, n II1). Pouco importa, outrossim, que o documento escrito no contenha a firma do devedor, se, por outro documento se obtm a certeza de que este o reconheceu como representativo de sua obrigao. O conjunto documental pode, dessa forma, gerar a convico do juiz sobre o direito do credor, mesmo quando cada um dos escritos exibidos no seja, isoladamente, capaz de comprov-lo.

Se o documento prev contraprestao a cargo do autor da ao monitria, a prova a ser apresentada haver de compreender no s a assuno da obrigao pelo demandado, como tambm o cumprimento daquela a cargo do promovente, ou, pelo menos, algum elemento idneo que autorize presumi-lo.3' A circunstncia de o documento do credor ser, em tese, um ttulo executivo extrajudicial nem sempre representar empecilho ao manejo da ao monitria. que tal ttulo pode estar vinculado a negcios subjacentes que criem restries ou dvida sua imediata exeqibilidade. Pode, por exemplo, haver dvida ou divergncia quanto a seu enquadramento na categoria de ttulo executivo, ou pode j ter incorrido em prescrio a ao executiva. Sempre, pois, que houver insegurana da parte em relao plena exeqibilidade de seu ttulo no se lhe pode impedir o acesso ao procedimento monitrio, mesmo porque de tal opo nenhum prejuzo advir para a defesa do devedor.;z A jurisprudncia tem aceitado como ttulo injuntivo, entre outros, o documento particular de reconhecimento de dvida no assinado por duas testemunhas,33 o ttulo de crdito prescrito,34 a duplicata mercantil seu comprovante de entrega da mercadoria ,35 a compra e venda mercantil da qual no se expediu a duplicata ,36 o contrato de abertura de crdito em conta corrente. 37 Quanto ao nus da prova, a ao monitria no apresenta novidade alguma. Prevalecem as regras gerais do art. 333 do Cdigo de Processo Civil, ou seja, ao autor compete provar o fato constitutivo de seu direito e ao ru incumbe a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo daquele direito. A prova a cargo do autor tem de evidenciar, por si s, a liquidez, certeza e exigibilidade da obrigao, porque o mandado de pagamento a ser expedido liminarmente tem de individuar a prestao reclamada pelo autor e no haver oportunidade para o credor completar a comprovao do crdito e seu respectivo objeto. Alm disso, o mandado de pagamento s pode apoiar-se em obrigao cuja existncia no reclame acertamento ulterior e cuja atualidade j esteja adequadamente comprovada. 1.482. Procedimento A petio inicial tem de atender a todos os requisitos do art. 282 do Cdigo de Processo Civil, e, especialmente, deve conter a descrio do fato constitutivo do direito do autor, j que este no dispe de ttulo executivo capaz de dispens-lo da demonstrao da causa debendi. , outrossim, documento essencial, que haver de ser produzido com a petio inicial, "a prova escrita" do crdito ajuizado (art. 1.102, a). O ru, aps o deferimento da inicial, ser citado, no para se defender, mas para pagar a soma de dinheiro ou entregar a coisa. Por isso, fala a lei em "mandado de pagamento" (art. 1.102, b). O ato do juiz que, aps verificar a prova do direito do autor, defere a expedio do mandado de pagamento deciso interlocutria (CPC, art. 162, 2), em tudo igual, em natureza processual, que defere a citao na execuo de ttulo executivo extrajudicial. Seria recorrvel a deciso que defere o mandado de pagamento? A resposta negativa, no pela natureza do ato judicial, mas pela falta de interesse do ru para justificar o manejo do agravo, visto que a conseqncia imediata da citao a abertura, para o destinatrio, da faculdade de defender-se amplamente por meio de embargos. 38 O devedor citado para pagar pode: a) efetuar o pagamento, no prazo da citao (15 dias); b) permanecer inerte (revel); ou c) oferecer embargos (art. 1.101, c). Se o ru resolver resgatar o dbito, tal como lhe ordenou o mandado injuntivo, f-lo- sem os nus da sucumbncia, ou seja, livre de custas e honorrios advocatcios; e o processo se extinguir, por exausto da prestao jurisdicional buscada pelo credor. O juiz o declarar extinto, ordenando o respectivo arquivamento. Essa iseno de encargos processuais um estmulo ao abreviamento da soluo da lide. Ocorrida a revelia, por ausncia de pagamento e de embargos no prazo da citao, estar automaticamente constitudo o ttulo executivo judicial. O mandado inicial de pagamento ser transformado em mandado executivo (art. 1.102, c). No h sentena para operar dita transformao, que, segundo a lei, "opera de pleno direito". Convertido o mandado inicial em mandado executivo, o devedor ser intimado a pagar ou nomear bens penhora, em 24 horas (art. 654), ou a entregar ou depositar a coisa, em 10 dias (art. 621), conforme se trate de dvida de dinheiro ou obrigao de dar coisa fungvel ou coisa certa. Da em diante, prossegue-se exatamente dentro das regras do processo de execuo (CPC, Livro II, Tt. II, Captulos 11 e IV). A revelia do demandado provoca a transformao da ao monitria em execuo por ttulo judicial, motivo pelo qual, uma vez efetuada a segurana do juzo, no cabero mais embargos do devedor, a no ser nos limites legais dos embargos execuo de sentena (arts. 741, 744 e 746).39 1.483. Embargos ao monitria A defesa do demandado na ao monitria feita por meio de embargos. No se fala em contestao porque o mandado de citao no o convida a defender-se. Sua convocao feita, de forma injuntiva, visando a compeli-lo a realizar, desde logo, o pagamento da dvida em prazo que lhe liminarmente assinado. A instaurao do contraditrio , pois, eventual, e parte do devedor citado para satisfazer o crdito do autor. Da a denominao de embargos aplicada resposta do demandado, na espcie. Como o credor no dispe ainda de ttulo executivo, o ru no precisa de segurar o juzo, para embargar a ao monitria (art. 1.102, c, 2). Manifestados os embargos dentro dos 15 dias previstos no art. 1.102, b, o mandado de pagamento fica suspenso, e a matria de defesa argvel pelo devedor a mais ampla possvel. Toda exceo, material ou processual, que tivesse pertinncia com uma ao ordinria de cobrana, poder ser aventada na resposta ao monitria. Ao contrrio do que se passa na execuo, os embargos aqui no so autuados parte. So processados nos prprios autos, como a contestao no procedimento ordinrio (art. 1.102, c, 2). Aps os embargos, o desenvolvimento do iter procedimental seguir o rito ordinrio do processo de conhecimento, at a sentena, que poder acolher ou no a defesa. Rejeitados os embargos, a execuo ter incio, pois a sentena transformar a ao monitria em execuo de ttulo judicial. O devedor ser intimado para pagar ou segurar o juzo e a execuo prosseguir dentro da marcha prevista para as obrigaes de quantia certa ou de entrega de coisa (Livro 11, Ttulo II, Captulos II e IV, do CPC).

Acolhidos os embargos, revogado estar o mandado inicial de pagamento e extinto ser todo o processo. Se o acolhimento for apenas parcial, a execuo ter curso sobre o remanescente do pedido do autor no alcanado pela sentena. Como a ao monitria se torna, com a impugnao do ru, uma normal ao de conhecimento, em rito ordinrio, pode dar ensejo tambm a excees processuais e a reconveno. 1.484. Coisa julgada Na ao monitria forma-se a coisa julgada material em torno do direito do autor, de duas maneiras: pela revelia do demandado, quando deixa de opor embargos no prazo que lhe foi assinado no mandado inicial de pagamento; ou pela sentena que julga o mrito dos embargos tempestivamente manifestados pelo ru .4 Cria-se, destarte, o ttulo executivo judicial para o credor que afora a ao monitria nas duas apontadas situaes (art. 1.102, c, caput, e 3). Diversamente do que se passa no Direito italiano, para que o mandado injuntivo, no Direito brasileiro, se torne executivo e se revista da autoridade de ttulo executivo judicial, no h nenhum ato especial decisrio. A converso opera de pleno direito, isto , como conseqncia automtica da falta de embargos no tempo devido ou da rejeio daqueles que foram oportunamente manifestados. Parte XVII PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DE JURISDIO VOLUNTRIA Captulo LXVIII JURISDIO VOLUNTRIA 218. GENERALIDADES Sumrio: 1.485. Intrito. 1.486. Iniciativa do procedimento e participao dos interessados. 1.487. A fzeno do juiz. 1.488. Procedimentos. 1.485. Intrito O CPC, segundo clssica orientao de nosso direito processual, dividiu os procedimentos especiais em dois grupos: um de jurisdio contenciosa e outro de jurisdio voluntria. A designao "jurisdio voluntria" tem sido criticada porque seria contraditria, uma vez que a jurisdio compreende justamente a funo pblica de compor litgios, o que, na verdade, s ocorre nos procedimentos contenciosos. Na chamada "jurisdio voluntria", o Estado apenas exerce, atravs de rgos do Judicirio, atos de pura administrao, pelo que no seria correto o emprego da palavra jurisdio para qualificar tal atividade. No entanto, a expresso tradicional, no s entre ns, como no direito europeu. O que, na verdade, distingue a atividade da jurisdio voluntria daquela desempenhada no processo contencioso justamente a presena, neste, da contenda, ou seja, da pretenso ao exerccio de um direito contra outrem; ao passo que - ensina Prieto-Castro - "na jurisdio voluntria no existe parte adversria e s se trata de umafixao de valor substancial em si e por si".' Entre ns, Frederico Marques tem estudado com profundidade o tema e aponta as seguintes caractersticas para a jurisdio voluntria: "a) como funo estatal, ela tem a natureza administrativa, sob o aspecto material, e ato judicirio, no plano subjetivo orgnico; b) em relao s suas finalidades, funo preventiva e tambm constitutiva". z Pressuposto da jurisdio voluntria , no dizer do eminente processalista, "um negcio ou ato jurdico, e no, como acontece na jurisdio contenciosa, uma lide ou situao litigiosa. O contraditrio entre as partes trao exterior da jurisdio contenciosa... Inexistindo lide, a jurisdio voluntria , por isso mesmo, um procedimento que se desenvolve sem partes", Da a afirmao de Alcal-Zamora de que na jurisdio voluntria no h litgio, mas negcio jurdico; no h partes, mas simples participantes; nem h ao, mas apenas pedido. 4 H, enfim, procedimento de jurisdio voluntria quando, conforme Prieto-Castro, os rgos judiciais so convocados a desempenhar uma funo administrativa destinada "a tutelar a ordem jurdica mediante a constituio, asseguramento, desenvolvimento, e modificao de estados e relaes jurdicas com carter geral, ou seja, frente a todos".5 Tomem-se como exemplo os procedimentos da apresentao e publicao de testamentos e da interdio dos incapazes, onde os traos da jurisdio voluntria emergem com nitidez. Em ambos os casos, os requerentes no tm direitos subjetivos a exercitar contra os re queridos, mas visam realizar ato jurdico em juzo que crie ou instale um novo estado jurdico oponvel erga omnes, mas sem o efeito da coisa julgada, pois aquilo que emana tanto do proce dimento dos testamentos como da interdio estar sempre passvel de discusso em posterio res procedimentos de jurisdio contenciosa ou at mesmo de reviso e modificao em outros procedimentos voluntrios. 1.486. Iniciativa do procedimento e participao dos interessados Em princpio, os procedimentos de jurisdio voluntria tambm se sujeitam regra do ne procedat iudex ex oficio (art. 2). Pela natureza administrativa da atividade do juiz nesse setor do processo, admite a lei, no entanto, que em vrias situaes possa o magistrado agir de ofcio, ou seja, sem requerimento de interessado. Assim, por exemplo, podem ser determinadas, ex oficio, a alienao de bens depositados judicialmente (art. 1.113); a exibio de testamento em juzo (art. 1.129); a arrecadao de bens da herana