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PROF. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR
PARECER
A AÇÃO DECLARATÓRIA E A INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR
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PROF. HUMBERTO THEODORO JúmOR
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A AÇÃO DECLARATÓRIA E A INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Humberto Theodoro Júnior
Professor da Faculdade de Direito da UFMG.
Desembargador aposentado do TJMG. Doutor em
Direito. Advogado.
CONSULTA
A Construtora Mendes Júnior S.A., hoje Mendes Júnior
Engenharia S.A., celebrou com a Companhia Hidrelétrica do São Francisco
CHESF a execução das obras de terraplenagem e estruturas de concreto do
"Aproveitamento Hidroelétrico de Itaparica", no Rio São Francisco, em
03.04.1981.
Na mesma oportunidade, as partes firmaram um Aditivo
Epistolar, de número PR-3520, pelo qual pactuaram que, em caso de atraso em
qualquer pagamento, a Construtora teria uma compensação financeira na base das
ORTNs, acrescida de juros de mora de 1% ao mês.
As obras foram iniciadas, mas a CHESF passou a retardar a
liquidação das faturas apresentadaspela Construtora.
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Por esse motivo, para manter o ritmo das obras dentro da
programação estabelecida pela CHESF, e levando em conta os superiores interesses
do programa energético do Ministério das Minas e Energia, da Eletrobrás e da
CHESF, a Construtora teve de captar recursos no mercado financeiro.
Essa captação foi a custos muito superiores à correção e aos
Juros convencionados no Aditamento, causando, assim, grandes prejuízos à
Construtora, com os desembolsos que ela fez, quebrando o equilíbrio econômico
fmanceiro que deve existir nos contratos administrativos,
Por outro lado, a Construtora não podia interromper os
trabalhos e rescindir o contrato por falta de pagamento, porque, segundo o
entendimento dominante à época, a exceptio non adimpleti contractus não tinha
aplicação nos contratos administrativos,
À vista da negativa da CHESF a indenizar os prejuízos sofridos
pela Construtora, esta moveu contra aquela uma Ação Declaratória, cujo pedido
foi:
" para o fim de declarar o direito da Autora ao
ressarcimento completo e atualizado, pela CHESF, dos
valores relativos a juros de mercado e encargos
financeiros em que incorreu a Autora e que foram
decorrentes de fmanciamento da obra a que foi obrigada,
em virtude de falta de pagamento por parte da CHESF e
da determinação desta à Autora para que assim mesmo
prosseguisse com a obra no ritmo adequado",
"
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A CHESF contestou a ação, alegando, preliminarmente, a
incompetência absoluta do Juizo. Quanto ao mérito, alegou que: a) a Construtora,
ao captar recursos para prosseguir na obra, assumiu. risco não autorizado no
contrato; b) a compensação por atraso no pagamento tinha previsão contratual
própria; que o contrato previa rescisão por inadimplemento; d) a captação de
recursos pela Autora para prosseguimento da obra foi feita no interesse dela, e não
no da Ré.
A Ação foi julgada improcedente, mas houve apelação da
Autora, provida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, em decisão unânime. O
voto do relator reconheceu que a Construtora não podia suspender a execução da
obra, porque não lhe era dado invocar a exceptio non adimpleti contractus.
Reconheceu também que o pleito da apelante era justo e legal. Esses argumentos
foram repetidos pelo revisor e adotados pelo vogal.
A ação foi, portanto, julgada procedente pelo Tribunal. O voto
do relator, na parte decisória, diz:
"declarar a existência de urna relação de crédito da
Mendes Júnior contra a CHESF e que lhe assegure
ressarcimento completo e atualizado dos valores relativos
a juros de mercado e encargos financeiros, decorrentes
do financiamento da obra ITAPARICA, obtidos ante a
falta de pagamento, por parte da recorrida na
oportunidade contratualprópria".
De igual teor é a parte decisória do voto do revisor.
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A CHESF interpôs recurso especial para o Superior Tribunal de
Justiça, o qual dele não conheceu, em acórdão de 27.11.91, que transitou em
julgado.
A Construtora, à vista do seu êxito na ação declaratória,
procurou receber seu crédito amigavehnente, mas não teve resultado, de modo que
se viu obrigada a propor ação ordinária de cobrança contra a CHESF, visando a
obter a condenação desta a lhe pagar as quantias devidas.
A CHESF contestou essa nova ação, alegando, principahnente:
a) prescrição qüinqüenal do art. 178, § 10°., item 1lI, do Código Civil, porque o
pedido seria de juros, aos quais se aplicaria aquele inciso; acrescenta que não
houve interrupção da prescrição pela citação na ação .declaratória, porque, feita
nesse tipo de ação, não interrompe a prescrição; b) não se lhe aplicar o princípio da
inoponibilidade da exceptio non adimpleti contractus, porque ela é sociedade de
economia mista; c) não ter havido autorização sua à Construtora para captar
recursos no mercado financeiro, com os encargos desse; d) mesmo transitada em
julgado a decisão na ação declaratória, não se infere dos termos do acórdão do
Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial, que tenha sido reconhecido à
Construtora o direito que pleiteou.
o processo foi saneado, não reconhecida a prescrição, houve
agravo retido.
Realizada a prova pericial e audiência de esclarecimentos do
perito, as partes ofereceram memoriais, como razões finais, para o julgamento. A
CHESF, junto com o memorial, apresentou parecer do Prof. Sérgio Bermudes que,
em síntese, conclui o seguinte: a) é admissível, na ação de cobrança, novar e , a
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argüição da exceptio non adimpleti contractus; b). a execução de contrato
administrativo, cuja remuneração da mora é o juro legal, não permite discutir em
ação ordinária, para restauração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, a
incidência de juros de mercado; c) a justificativa dos votos dos ministros do STJ, na
apreciação da admissibilidade do recurso especial, interposto na ação declaratória,
pode ser entendida como base do decisum inadmitindo os juros de mercado
reconhecidos no acórdão do TJPE.
Prolatada, a sentença de l°. grau deu pela procedência da ação,
condenada a ré, CHESF, a ressarcir a autora, Mendes Júnior S.A., a juros de
mercado e encargos fmanceiros, dos valores decorrentes do financiamento da Usina
Hidroelétrica de Itaparica, fixando a indenização segundo os valores estabelecidos
no laudo do Perito do Juízo.
A CHESF, em snas razões de apelação, em síntese, argumenta:
a) preliminarmente pede o exame do agravo retido interposto contra a decisão que
não reconheceu a prescrição; b) que a Mendes não comprovou, e isso seria
indispensável, ter ido ao mercado fmanceiro, buscar recursos; c) que o
ressarcimento, expressão do acórdão do TJPE, significa, na linguagem jurídica,
pagamento para indenizar.
Diante de tais fatos e circunstâncias, e, especialmente, em razão
de a CHESF ter oposto agravo retido contra despacho do MM. Juiz que repeliu a
preliminar de prescrição, a Mendes Júnior Engenharia S/A formula a seguinte
consulta:
1) Tendo em vista a decisão tomada na ação declaratória, a r.
sentença da acão condenatória e considerando, ainda, a decisão i"t~I"'"t'7 .
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05/04/94, pode-se afirmar que não incide, no caso, o prazo prescricional previsto
no art. 178, parágrafo 10, inciso III, do Código Civil Brasileiro?
2) Considerando, por absurdo, a aplicação da referida nOIIDa no
presente caso, a citação da CHESF para a ação declaratória interrompeu a
prescrição, na fOIIDa do art. 172, incisos I e Il, do Código Civil?
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A AÇÃO DECLARATÓRIA E A INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUMARIO
I - OS JUROS E A PRESCRIÇÃO
11 - OS JUROS NO CASO DA CONSULTA NÃO SÃO
CONVENCIONAIS
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III - A INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO POR FORÇA DE AÇÃO
DECLARATÓRIA
IV - CONCLUSÕES
I
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PARECER
I - OS JUROS E A PRESCRIÇÃO
Prevê o art. 178, § 10, inciso III, do Código Civil que prescreve
em cinco anos a ação para cobrar "os juros, ou quaisquer outras prestações
acessórias pagáveis anualmente, ou em períodos mais curtos".
Trata-se, como se deduz da simples leitura do texto legal, de
norma de exceção, porque a regra geral é a de que a obrigação acessória
acompanha a principal em suas vicissitudes; e, assim, a prescrição do acessório, em
regra, deve se dar juntamente com a da obrigação a que adere.
Como regra excepcional, portanto, a do art. 178, § 10, inc. III,
somente permite aplicação na exata situação nela arrolada, já que é um reconhecido
princípio de hermenêutica que as normas que restringem ou limitam direitos
somente admitem interpretação restritiva, jamais tolerando que sua exegese se faça
de maneira analógica ou extensiva.
Dentro dessa ótica, CARVALHO SANTOS, ao comentar o
cogitado dispositivo do Código Civil, ensina:
"A prescrição aí referida é a de quando se estipula que os
juros sejam pagos por prestações periódicas anualmente,
ou em períodos mais curtos. O simples fato de constar do
instrumento, por exemplo, que o capital emprestado
renderá 10% ao ano, não é bastante para que os juros
prescrevam em cinco anos, porque aí houve a estipulação
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de juros, mas não a exigência de que eles fossem pagos
anualmente. Sobre os juros capitalizados, nem se
precisava dizer que eles não podem estar inclufdos nesta
prescrição de cinco anos, porque, pelo contrário, eles não
formam capital, para render juros, o que equivale a dizer
que não há, ou melhor, que repele a exigência de serem
eles pagos anualmente, ou em período mais curto. Por
vontade expressa das partes, os juros vencidos e não
pagos transformam-se em capital, desaparecendo, por
completo, o seu característico de juros (Rev. dos Tribunais,
vaI. 78, pág. 487; vaI. 78, pág. 552)"
(Código Civil Brasileiro Interpretado, 7. ed., Rio, Freitas
Bastos, v. 111, p. 501).
Nessa ordem de idéias, para incidir a prescrição qüinqüenal,
duas condições devem ser observadas:
a) os juros devem ser convencionais; e
b) o negócio jurídico deve conter a obrigação de pagar os juros,
fora do esquema de solução do principal, e segundo vencimentos periódicos, que
prevejam sua exigibilidade a cada ano ou em períodos mais curtos,
Sobre a questionada regra prescricional, AR! FRANCO
escreveu:
"Temos, assim, que em se tratando de dívida acompanhada de
juro, há duas espécies a distinguir: ou não se estabeleceu que o
pagamento dos juros se faria por prestações periódicas, ou se
prescreveu o pagamento periodicamente, e, no primeiro caso, pelo
vencimento da dívida, os juros, também, ficam vencidos, pas a do
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a haver um único vencimento, com uma única prescnçao, ao
passo que, no segundo caso, em que não há coincidência entre o
vencimento da dívida e os dos juros, haverá, para os juros, tantos
vencimentos quantos forem as prestações periódicas e de cada
um desses vencimentos de juros correrá a prescrição, relativa a
cada qual desses vencimentos, sendo certo, ainda, que a
prescrição só se refere às prestaç~es que digam respeito a
período igualou inferior a um ano, passando a prescrição a ser de
30 anos, se a duração dos períodos for de mais de um ano" (8
prescricão extintiva no Código Civil Brasileiro, p. 455).
OROZIMBO NONATO, em voto proferido no Supremo
Tribunal Federal, acerca do art. 178, § 10, inc. III, do Código Civil, proclamou,
com apoio em abundante doutrina nacional e estrangeira, que a prescrição, como
toda limitação, "deve interpretar-se restritivamente" (COLMO, Obligaciones, p.
625; GUILLOUARD, Traité de la Prescription, 1,11. 56):
"Daí, a conclusão inadersável de que as prescrições
especiais não podem dilargar sua zona de influência além
dos casos especificados pelo legislador" (RE 10.341-DF,
Arq. Jud., v. 96, p. 112).
Por isso - prossegue o pronunciamento do Min. OROZIMBO
NONATO, 11a interpretação do art. 178, § 10, inc. III:
"Quanto à extensão do princípio, quanto às raias em que
ele se encerra, tenho que se trata de juros pagáveis
periodicamente, o que deriva do texto legal e do estrito de
sua interpretação: "pagáveis anualmente, ou em períodos
mais curtos". A interpretação ampliativa é, no caso, vedada,
em razão da indole mesma do dlspositivo, nesse particul r,
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O pnncipio enunciado pelo embargante alimenta-se nas
fontes mais puras e ricas da doutrina.
Se se trata de juros cobráveis conjuntamente com o
capital, de juros inexigíveis anualmente ou em períodos
mais curtos, não se aplica o disposto no art. 178, § 10, n.
111, do Código Civil" (ob. cit., loc. cit.).
A jurisprudência não é diversa da doutrina, em torno da questão
em foco. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso, por exemplo, decidiu que a
prescrição especial do ar!. 178, § 10, n. III, do Código Civil não é aplicável quando
se trata de "juros exigíveis somente com o capital" (Ap. 2965, in DIMAS R. DE
ALMEIDA, Repertório de Jurisprudência do Código Civil, São Paulo, Max
Limonad, 1961, V. II, n. 3.901, p. 856).
Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que cogitava de juros
legais sobre títulos de crédito vencidos, a prescrição qüinqüenal não incide senão
quando ocorra a convenção das partes prevendo pagamento de juros em prestações
periódicas. Logo, não sendo o caso de semelhante convenção, mas de juros legais
vencidos, e exigíveis UI11a vez vencido o capital, a conclusão é de que:
"Se o vencimento é único, única também é a prescrição"
(TJSP, Embs. 57.845, RT 204/183).
Em outro aresto, o Tribunal de Justiça de São Paulo reiterou o
entendimento acima exposto, invocando para sustentá-lo a autoridade de
CARVALHO DE MENDONÇA, in verbis:
"Os juros pagáveis anualmente prescrevem em cinco anos,
ainda que a obrigação principal subsista. Trata-se ácWi
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somente dos juros convencionais, pois os legais não estão
sujeitos a outra prescrição, senão à do débito principal.
Somente os convencionais podem ter vencimento anterior
ao do crédito principal, e desde então são exigíveis
(Tratado, vaI. 6°, 1". parte, nota 393, p. 292, da 4". ed.)"
(TJSP, Ap. 57.845, RT 199/374).
Em caso de indenização por desapropriação indireta
(modalidade de ato ilícito praticado pela administração), o Tribunal de Alçada de
São Paulo decidiu que os juros não poderiam ser destacados do principal, para
efeito de prescrição. Tais juros não configurariam "obrigação autônoma" ou
"desmembrada do capital" e concluiu:
"No caso concreto, a decisão exeqüenda concedeu
juros compensatórios, que integram a indenização,
buscando reparar o desfaíque sofrido pelo expropriado com
a antecipada perda da posse do imóvel. A compensação
deferida em nada se assemelha com a obrigação de pagar
juros, ou outra obrigação acessória, exigíveis em períodos
curtos, menores ou até de um ano, para os quais se
estabeleceu o prazo prescricional previsto no art. 178, §
10, n. 111, do CC" (TACSP, Ap. 186.976, RT, 452/131).
Em síntese: somente se aplica o art. 178, § 10, inc. Ill, do
Código Civil quando se trate de juros convencionais com pagamentos periódicos,
desvinculados da obrigação principal, com periodicidade máxima de um ano.
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II - OS JUROS NO CASO DA CONSULTA NÃO SÃO CONVENCIONAIS
A empresa consulente realizou empreitada para a
Administração e teve de prosseguir na execução da obra com recursos obtidos no
mercado de capitais por que as verbas públicas não cobriam as prestações
pactuadas, no devido momento, e à empreiteira não é dado invocar a exceção do
contrato não cumprido para paralisar a construção, Por isso, tomou-se credora não
apenas do preço e acessórios contratados, mas também do reembolso dos gastos
extraordinários provocados pela obtenção de recursos financeiros no mercado para
tocar a obra.
Esse direito ao reembolso dos juros de mercado foi objeto de
discussão e reconhecimento em ação declaratória, que produziu coisa julgada
material.
Na causa em questão, os juros de mercado não figuram como
remuneração do capital, mas como elemento de composição do prejufzo da
empreiteira, na execução do contrato inadimplido pela Administração. Não os
previu a sentença, portanto, como acessório da obrigação principal, e, sim, como o
principal mesmo, isto é, como o dano ressarcíveI.
Logo, não se tratando de verba convencional de remuneração de
capital, cuja exigibilidade pudesse ser, periodicamente, exercitada pelo credor, não
há como pensar em submeter a indenização a que tem direito a empresa consulente
ao regime prescricional do art. 178, § 10, inc. 1lI, do Código Civil.
assim julgou:
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Em situação análoga, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais
"Ora, se a Autora, como comprovado, pagou juros de
mercado para prestar serviço para as rés, em decorrência
da inadimplência destas, nada mais justo que deles seja
ressarcida, uma vez que não se trata de locupletamento a
título de usura, mas tão-somente de receber aquilo que
desembolsou, a fim de adimplir o contrato, de sua parte,
por não lhe ser possivel paralisar as obras sob a alegação
de que não estava recebendoem dia o que lhe era devido.
Acima de qualquer discussão a respeito de
privilégios da Administração a fim de saber qual a taxa de
juros que legalmente deve incidir sobre seus débitos, é
preciso salientar que, na espécie, cuida-se apenas de
pretensão pela qual a autora busca receber aquilo que
desembolsou a título de juros, não sendo razoável se
furtarem as rés a esse ressarcimento, sob alegação de que
só estão obrigadas a pagarem juros previstos na lei civil. A
prevalecer tal entendimento, também esposado na
sentença, o ressarcimento do crédito da Autora não seria
completo e integral, pois, para o desembolso dos de
mercado, receberia montante muito inferior...
Facilmente se vê que, ao caso, não se aplicam as
disposições da Lei n.", 4.414, de 24.7.64, porque não se
trata de cobrança de juros a titulo de mora, mas, sim,
de ressarcimento de juros pagos pela Autora ao
mercado, no financiamento de suas atividades na
prestação de serviços às Rés" (TJMG, Ap. 27.152f8, ac.
de 6.9.94, cópia anexa).
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o que, enfim, decidiu o Tribunal de Minas Gerais foi que, em
caso como o da presente consulta, os "juros de mercado" não representam
remuneração do capital devido pela Administração à sua empreiteira; são, isto sim,
verba ressarcitória, "com o fito de indenizar a Construtora naquilo que efetivamente
ela perdeu e que não seria justo suportar, sob pena de enriquecimento ilícito do
Município" (acórdão cit.).
III - A INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO POR FORÇA DE AÇÃO
DECLARATÓRIA
Prevê o art. 172, inc. I, do Código Civil, que "a prescrição
interrompe-se pela citação pessoal feita ao devedor, ainda que ordenada por juiz
incompetente" .
A pretensão de que tal efeito interruptivo somente ocorreria nas
ações condenatórias ou constitutivas, e não nas declaratórias, envolve tese jamais
defendida em nosso direito. A lei civil, ao arrolar a citação, entre os meios
interruptivos da prescrição, não faz qualquer distinção entre os tipos de processo ou
de ação que a parte pode usar para reclamar ou proteger seu crédito.
Da mesma forma, a lei processual, ao disciplinar os efeitos da
citação, prevê, entre eles, o de Interromper a prescrição (CPC, art. 219), sem
cogitar da espécie de ação em que o ato se dá.
Em outro parecer antes emitido para o caso da presente
consulta, consignamos que a jurisprudência reconhece a força da citação de
interromper a prescrição, tanto no processo de conhecimento, como no cautelar
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(RT, 588/106), como, ainda, no de execução (STJ, REsp. 47.790-5-SP, DW,
27.6.94, p. 16.989).
Quanto ao processo de conhecimento, ressaltamos que era
indiferente, para o efeito interruptivo da prescrição, que a citação tivesse se dado
em ação condenatória, constitutiva ou declaratória. Lembramos que os tratadistas
que cuidaram, especificamente, da ação declaratória ensinavam, de maneira
uniforme, que "a ação declaratória positiva, que tenha por objeto uma relação
jurídica, interrompe a prescrição" (ALFREDO BUZAID, A acão declaratória no
direito brasileiro, 2. Ed., São Paulo, Saraiva, 1986, n. 194, p. 319; CELSO
AGRÍCOLA BARBI, Ação declaratória principal e incidente, 5. Ed., Rio, Forense,
1986, p. 152).
Vale a pena, agora, acrescentar o magistério, sempre acatado,
de PONTES DE MIRANDA:
"A citação que interrompe a prescrição, desde o despacho,
é:
dirige à
curso de
processo que se
pela pretensão em
a) a que inicia processo que se dirige à declaração
positiva da relação processual, de que se irradia a
pretensão...
b) a que inicia
condenação
prescrever;
c) a que inicia processo que se dirige à
constituição, em virtude da pretensão em curso
de prescrever;
d) a que inicia processo que se dirige à execução
forçada, pela pretensão em curso de prescrever;
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e) a que inicia processo, que se dirige a
mandamento, ainda que se trate de simples
medida cautelar" (Comentários ao Código de
Processo Civil, 3. ed., Rio, Forense, 1996, I. 11I, p.
251).
PONTES DE MIRANDA, como se vê, e tal como se passa com
a opinião geral da doutrina, não distingue entre os vários tipos de ação e,
expressamente, ensina que a citação interrompe a prescrição na ação declaratória,
na condenatória, na constitutiva, na executiva, na mandamental e na cautelar.
Quanto ao alcance da prescrição interrompida, diante dos
direitos do credor, envolvidos em controvérsia com o devedor, PONTES DE
MIRANDA, reforçando sua tese de que a citação na. declaratória interrompe a
prescrição, ressalta o seguinte:
"Cumpre observar-se que a interrupção somente
concerne à prescrição da pretensão, ou da ação, que é
objeto de discussão no processo de que se trata. Por isso
mesmo, a eficâcia da citação da ação declaratória
somente pode atingir a prescrição relativa à pretensão que
se incluiria na declaração pedida" (ob. cit., loc. cil.).
Costuma-se dizer que a ação declaratória é imprescritível e,
daí, a ré, no caso da consulta, quis extrair a conclusão de que a referida ação seria
inócua para interromper a prescrição. Nada, data venia, mais improcedente e
incongruente,
Quando se afirma que a declaratória não é sujeita à prescrição,
refere-se à situação do titular do direito em geral que pode e e cê-lo
PROF. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR
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indefinidamente no tempo. Se se mantém na titularidade do direito subjetivo sempre
terá legítimo interesse em eliminar qualquer dúvida ou incerteza que possa a ele
referir-se. Seria um verdadeiro absurdo que alguém reconhecido como titular de um
direito subjetivo tivesse que ser mantido em dúvida ou insegurança, somente por
que tal situação perdurasse havia muito tempo.
É um princípio de direito que as faculdades, como tais, não
prescrevem, motivo pelo qual, por exemplo, é aceito tranqüilamente na melhor
doutrina que a ação reivindicatória é imprescritível. Isto porque o direito de
propriedade é perpétuo e o direito de reivindicar integra uma das faculdades do
proprietário, Logo, por mais tempo que dure a inércia do titular em promover a
reivindicatória, não prescreverá a ação, se o domínio ainda não se extinguiu.
o mesmo se passa com a ação declaratória, Enquanto o titular
puder demonstrar a titularidade do seu direito subjetivo ou o interesse na relação
jurídica a ser declarada, subsistirá a faculdade de valer-se da ação declaratória. O
transcurso do tempo não afeta diretamente a faculdade de obter declaração,
enquanto a situação jurídica material não desaparecer.
Quando a situação material, por qualquer razão de direito,
desaparecer, a parte perderá a faculdade de usar a declaratória, não por prescrição,
mas por falta de interesse. Será carecedor da ação porque não mais terá
necessidade concreta da tutela jurisdicional pertinente à pretensão a declarar.
As ações declaratórias, nessa ordem de idéias, não são
ontologicamente perpétuas. Como se passa com toda e qualquer ação, "a sua
perpetuidade, ou não, amolda-se ao, é decorrência do, direito ao qual servem como
meio de atuação da sua eficácia. Assim, só as ações declaratórias, por
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quais se pleiteiem direitos fundamentais, perpétuos, é que, como conseqüência, são
também perpétuas" (CARLOS DA ROCHA GUIMARÃEs, Prescrição e
decadência, 2. ed., Rio, Forense, 1984, n. 75, p. 187).
A circunstância, pois, de ser uma ação imprescritível não tem
nada a ver com a força de sua citação sobre a prescrição da pretensão que por meio
dela se defende ou tutela.
Assim, uma ação reivindicatória, que é imprescritível, tem em
sua citação a força de interromper a prescrição aquisitiva do injusto possuidor, ou
de discutir a validade ou os vícios do título deste, do direito ao ressarcimento de,
frutos ou danos etc.
De igual maneira, a declaratória, acerca de uma relação jurídica
posta em dúvida, interrompe a prescrição de toda pretensão que se oponha a dita
relação ou a determinados efeitos dela emergentes.
Sobre o tema, ORLANDO DE ASSIS CORRÊA ressaltou:
"Mas se a ação declaratória é imprescritível, sua
propositura vem interromper, quando for o caso, a
prescrição; da mesma forma, conforme já foi decidido, a
contestação a uma declaratória positiva pode interromper a
prescrição.
É que este instituto é interrompido sempre que o
interessado manifesta a outro a intenção de exercer seu
direito sobre a coisa, e tanto a propositura, como a citação
válida, como a contestação, com afirmação inequív de
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que se contraria o pedido do autor, são formas de que se
pode servir o interessado para interromper o prazo
prescricional" (Acão declaratória e incidente de falsidade,
Rio, AIDE, 1989, n. 27, p. 62).
Finalmente, é intuitivo que a citação de uma ação declaratória
(portanto, de um procedimento contencioso) não pode ter efeitos menores que uma
simples providência administrativa como a interpelação ou notificação. E se o art.
172, n. II, do Código Civil considera a intimação do devedor no procedimento
voluntário ou gracioso do protesto como idôneo para interromper a prescrição,
forçoso é reconhecer que à citação da ação declaratória não se pode recusar o
mesmo efeito, se o fim último dessa ação é alcançar sobre o direito do promovente
o grau máximo da certeza jurídica por via da coisa julgada.
Para a lei, o que, na verdade importa, para que o ato do credor
tenha força de interromper o lapso prescricional, é a manifestação clara e expressa
de que não abandonou seu direito subjetivo e, portanto, não se acha inerte no seu
exercicio, na sua defesa ou em sua preservação. Qualquer tipo de manifestação
judicial que denote tal propósito, portanto, será medida hábil para esse fim, pouco
importando que se dê por meio de intimação em procedimento meramente
administrativo (protesto) ou por via de citação em qualquer modalidade de processo
ou procedimento contencioso.
Não há, definitivamente, razão alguma que possa justificar a
afirmativa de não ser eficaz a citação em ação declaratória, para interromper a
prescrição.
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IV - CONCLUSÕES
Diante do quadro revelado na consulta e das considerações
contidas na análise que dele se acaba de fazer, impõem-se as seguintes conclusões:
a) A indenização de danos provocados pelo inadimplemento de
uma das partes do contrato bilateral, que consiste no indevido
e injnsto desembolso, pela parte prejudicada, de juros de
mercado, não se snbmete ao regime jurídico da obrigação
acessória de juros. O ressarcimento, na espécie, é do dano
emergente decorrido do não cumprimento do contrato.
Representa, pois, o principal da 'dívida gerada pelo ilícito
contratual.
b) A regra especial do art. 178, § 10, inc. III, do Código Civil,
não se aplica à hipótese do item anterior, porque, como
norma excepcional que é, tem sua incidência restrita ao caso
de juros convencionais cujo pagainento se tenha,
voluntariamente, contratado para realização desvinculada do
principal, em períodos curtos, de no máximo um ano.
c) A citação na ação declaratória positiva de existência da
obrigação, tem o efeito inerente a toda e qualquer citação de
procedimento contencioso, produzindo, por força do direito
material e processual, a interrupção da prescrição em tomo
da pretensão deduzida em juízo (Código Civil, art. 172, inc.
I; Código de Processo Civil, art. 219, caput).
PROF. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR
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Passo, com essas premissas, a responder ao questionário da
consulta:
1°, Quesito: Tendo em vista a decisão tomada na Ação
Declaratória, a r. sentença a Ação Condenatória, e
considerando, ainda, a Decisão Interlocutória de 5.4.94, pode
se afirmar que não incide, no caso, o prazo prescricional
previsto no art. 178, § la, inc. 111, do Código Civil Brasileiro?
Resposta: Sem sombra de dúvida, a invocação do art. 178, §
10, inc. Ill, do Código Civil é totalmente descabida. A hipótese em discussão
judicial não se refere a juros convencionais, mas á ressarcimento de dano
emergente, de sorte que nunca houve entre as partes convenção para que o
ressarcimento de juros se fizesse periodicamente e de maneira destacada do
principal. Os juros de mercado, aqui, são apenas critério para se defínír o prejuízo
ressarcível.
2°. Quesito: Considerando, por absurdo, a aplicação da
referida norma no presente caso, a citação da CHESF para a
Ação Declaratória interrompe a prescrição, na forma do art.
172, ines. I e 11, do Código Civil?
Resposta: É claro que a citação para a ação declaratória tem a
força de interromper a prescrição em tomo da pretensão que nela se acerta e
declara, como ensinam, entre outros, BARBI, BUZAID E PONTES DE
MIRANDA. Se qualquer interpelação ou notificação, de natureza voluntária ou
administrativa, tem o poder de interromper a prescrição, com mais força e
propriedade tê-lo-á a ação declaratória, não só por sua natureza contenci ~has,
PROF. HUMBERTO THEODORO JÚ.NIOR
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principalmente, porque se tem, em doutrina e jurisprudência, a citação como a mais
enérgica e eficaz forma de interpelação e protesto, para os fms do art. 172, inc. II,
do Código Civil.
É o nosso parecer, s.m.j.
Belo Horizonte, 18 deju ~6.,
e o Tlteo7jlÍ~iOr
Anexo: cópia do acórdão proferido pelo~Gna Ap. 27.152/8